Tese de doutorado juarez costa

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As contribuições de Andrés Torres Queiruga para uma releitura moderna do cristianismo. Mostra as mudanças que a modernidade trouxe e a necessidade de uma nova interpretação da leitura bíblica para a vida do homem moderno. tanto

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  • 1. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULOPUC-SPJUAREZ APARECIDO COSTA A CONTRIBUIO DE ANDRS TORRES QUEIRUGAPARA UMA RELEITURA MODERNA DO CRISTIANISMO DOUTORADO EM CINCIAS DA RELIGIO So Paulo 2009

2. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULOPUC-SPJUAREZ APARECIDO COSTA A CONTRIBUIO DE ANDRS TORRES QUEIRUGAPARA UMA RELEITURA MODERNA DO CRISTIANISMOTeseapresentada BancaExaminadora da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, como exignciaparcial para obteno do ttulo deDoutor em Cincias da Religio, sob aorientao do Prof. Dr. Pedro LimaVasconcellos. So Paulo 2009 3. Banca Examinadora________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. DEDICATRIA Eliana e Victor Matheus, que me fez viajar em meus sonhos, quando eumal percebia que dormia, fazendo com que eu pudesse perceber osdesapontamentos e as tristezas da vida com doura e singeleza, sem que aomenos eu tivesse tempo de agradec-los. 5. AGRADECIMENTOViver no simplesmente cumprir a longa trajetria que a vida nosproporciona, mas, compreender a grande marcha, agarrando cada oportunidadeque ela nos possibilita, atravs de pessoas especiais, nas quais queremosagradec-las por terem cruzado nosso caminho e contribudo de alguma formapara o conhecimento.Ao Professor Dr. Pedro Lima Vasconcellos por sua humanidade, pacincia,amizade e firme orientao, sem ela seria impossvel o desenvolvimento econcluso desta pesquisa.s Supervisoras e Coordenadoras do Programa de Bolsas da Diretoria deEnsino de Mau, Denise Aparecida Moscardo Freire e Isabel Rosane Salles deFreitas por acreditar na proposta e possibilitar a mediao do financiamento dapesquisa junto a Secretaria da Educao de So Paulo.Aos Professores do Programa de Estudos Ps-Graduao em Cincias daReligio, pela acolhida e apoio neste caminhar, em especial ao Dr. Afonso MariaLigorio Soares e Dr. Joo Dcio Passos, que com pacincia contriburam naqualificao e apontaram caminhos esclarecedores e uma nova perspectiva depesquisa e anlise do tema.A Gedeon Freire diretor pedaggico do Instituto Cristo de EstudosContemporneos ICEC pela amizade e por proporcionar uma liberdade nopensamento teolgico. Tambm aos alunos que proporcionaram discusses emotivaes durante a pesquisa, em especial ao Hlio Mizukami, Rosangela, 6. Moiss, Gilmar, Otvio, Ester, Snia Bichara, Alan, Maria Madalena e Daniel. Nopodemos deixar de lembrar de Jane Mizukami que com dedicao ajudou-me nabusca de obras que, at ento, no estavam ao meu alcance.Aos amigos Professores Mrcia Plana, Josino, Raquel, Reginaldo; porproporcionarem momentos descontrados e participarem de minha vida, tornando-a mais suave diante da problemtica, a qual o mundo nos coloca e as professorasLuciana Scalco Fornaziero Castilha e Ana Paula Tavares pelo auxlio na traduodo abstract. Eliana, a quem devo muito, por sempre me apoiar e saber compreendermeus momentos difceis, sendo amiga e companheira.A todos que diretamente ou indiretamente participaram e contriburamdesse momento to gratificante de minha vida. Minha imensa gratido. 7. RESUMOEsta tese mostra que as mudanas culturais proporcionadas pelaModernidade possibilitaram a crise do cristianismo. Traz como magofundamental o telogo Andrs Torres Queiruga, que descortina na Modernidadeuma conseqncia das principais virtudes do cristianismo. Ele indica horizontespara o dilogo profcuo entre cristianismo e Modernidade, e contribui para umareinterpretao moderna dessa religio para que ela possa se manter firme econtextualizada na sua proposta. Assim traz uma reviso e atualizao docristianismo dentro de novas categorias conceituais possibilitando uma releituramoderna dessa religio to tradicional.Conclumos que cabe tambm a Cincias da Religio e a Teologiapropiciarem este papel, procurando colaborar para que possa ocorrer um novoolhar e um novo repensar do cristianismo na Modernidade. Somente dentro daperspectiva de um novo paradigma o cristianismo poder se concretizar nodilogo com outras religies.Palavras-Chave: Cristianismo, Modernidade, Secularizao, Mudanas deParadigmas, Catolicismo, Releitura, Repensar , Teologia e Experincia Crist. 8. ABSTRACT This thesis shows that cultural changes provided by modernity enable thecrisis of Christianity. It brings as fundamental essence the theologian AndrsTorres Queiruga, that uncovers in modernity a consequence of the main virtues ofChristianity. It points horizons to the useful dialogue between Christianity andmodernity and contributes to a modern reinterpretation of this religion to it canstand firm and contextualized in its proposal. So it brings a review andactualization of Christianity in the highly regarded categories enabling a modernrereading of the religion so traditional. We concluded that it is appropriate to science of the religion and o theologyprovides this role, searching for collaborate for that it can occur a new look and anew rethink of the Christianity in the modernity. Only in the view of a newparadigm, the Christianity will be in the dialogue with other religions.Keywords: Christianity, Modernity, Secularization, Changes of Paradigms,Catholicism, Rereading, Rethink, Theology and Christian Experience. 9. SUMRIOINTRODUO 121 - Motivaes para escolha do tema122 - Delimitao do objeto de pesquisa e justificativa133 - Explicitao do problema e hiptese de trabalho174 - Quadro terico 205 - Objeto e metodologia da pesquisa 236 - Objetivo ou resultado esperado 257 Apresentao dos captulos da pesquisa 251 CAPTULOMODERNIDADE: UMA ABORDAGEM A PARTIR DAS CATEGORIAS DA HISTRIA,PLURALISMO E SECULARIZAO 301 - A Modernidade: em busca de uma preciso conceitual 312 - A Modernidade pela tica histrica 40 2.1 - Renascimento: transio entre Idade Mdia e Moderna 41 2.2 - A Reforma Protestante como marco da Modernidade 47 2.3 - O Iluminismo e a Modernidade543 - A Modernidade na tica da pluralidade63 3.1 - A Igreja Catlica diante da Modernidade 64 3.2 - A Tradio em questo 684 - A Modernidade pelo olhar da secularizao74 4.1 - A Revoluo Francesa e a crise do Catolicismo 78 4.2 - A secularizao: uma abordagem do conceito875 - Concluso do captulo96 2 CAPTULODESAFIOS COLOCADOS PELA MODERNIDADE AO CRISTIANISMOCATLICO 981 - Desafios da Modernidade: respostas catlicas 1002 - Desafios teologia convencional 110 2.1 - Crise na compreenso pr-moderna da revelao 111 10. 2.2 - Perspectivas teolgicas diante da Modernidade 1153 CAPITULOANDRS TORRES QUEIRUGA: TRAJETRIA, TEOLOGIA E DILOGOCOM A MODERNIDADE1281-Trajetria de Andrs Torres Queiruga 128 1.1 A quase condenao de Andrs torres Queiruga132 1.2 - Influncias teolgicas na vida de Andrs Torres Queiruga134 1.3 - Dilogo de Andrs Torres Queiruga com outros telogos 142 1.4 - Angel Maria Jos Amor Ruibal: inspirao a Andrs Torres Queiruga 1482 - O estilo teolgico de Andrs Torres Queiruga 153 2.1 - A teologia em perspectiva de dilogo com a cultura moderna157 2.2 - As interpretaes negativas do cristianismo e da imagem de Deus 1624 CAPTULOCATEGORIAS CENTRAIS DA TEOLOGIA DE QUEIRUGA PARAUM CRISTIANISMO MODERNO1721 - Repensar a revelao atravs da maiutica histrica1722 - A pluralidade religiosa: o universalismo assimtrico,inreligionao e teocentrismo jesunico1833 - Repensar a cristologia, o mal, a salvao e a ressurreioem uma Modernidade secularizada195 3.1 - Um novo olhar para a cristologia no mundo moderno 196 3.2 - A pisteodicia crist e o problema do mal 202 3.3 - Repensar a salvao 207 3.4 - Um novo olhar para a ressurreio na Modernidade2144 - Concluso do captulo2235 CAPTULOO FIM DO CRISTIANISMO PR-MODERNO: DESAFIOPARA UM NOVO HORIZONTE 225 11. 1 - Apresentao da obra: Fin del cristianismo premoderno: retoshacia um nuevo horizonte 2262 - Anlise crtica da obra2293 - O cristianismo diante de novos horizontes2544 - Balano crtico260 4.1 - Linguagem Teolgica de Andrs Torres Queiruga 260 4.2 - A Modernidade e a fora da religio 265 4.3 - Dilogo entre as religies273CONSIDERAES FINAIS 281BIBLIOGRAFIA 287 12. INTRODUO A contribuio de Andrs Torres Queiruga para uma releitura modernado cristianismo tem como objetivo demonstrar que fundamental perceber queentre cristianismo e Modernidade pode haver um dilogo profcuo. Cabendotanto a Cincias da Religio como a Teologia propiciar este papel, procurandocolaborar para que possa ocorrer um novo olhar e um novo repensar docristianismo na Modernidade. Somente dentro da perspectiva de um novoparadigma o cristianismo poder se concretizar no dilogo com outras religies.1 Motivaes para escolha do tema Este tema surgiu a partir de minha pesquisa realizada no mestrado:Salvao e comportamento moral: um estudo dos modelos de discursoteolgico moral das Igrejas Assemblia de Deus tradicional e Assemblia deDeus Betesda1. Quando pesquisei a respeito da moral conservadora dasAssemblias de Deus, deparei-me com o esprito da Modernidade, que seanunciava pela secularizao progressiva da sociedade europeia ocidental,substituindo a idia de um mundo feito e esttico por outra, que valoriza oindivduo em detrimento de qualquer outra forma excessiva de poder. Arepercusso deste iderio no campo religioso impunha a necessidade de serepensar papis e funes do cristianismo face cincia que se desenvolvia.Diante das leituras fiquei estimulado a realizar uma pesquisa que pudesse defato mostrar a possibilidade de repensar o cristianismo na nova sociedademoderna.1COSTA, Juarez Aparecido. Salvao e comportamento moral: Um estudo dos modelos dediscurso teolgico moral das Igrejas Assemblia de Deus tradicional e Assemblia de DeusBetesda. (Dissertao de Mestrado), So Paulo, Pontifcia Universidade Catlica - PUC. 2004. 13. 13Diante desses fatores, trabalhando como professor de Histria no EnsinoMdio do Ensino Pblico e tambm no Instituto Cristo de EstudosContemporneos ICEC, com as disciplinas: Teologia Contempornea eHistoria da Igreja, percebemos a necessidade de realizar uma busca maisprofunda para entender o embate entre cristianismo e Modernidade e dar umacontribuio segura tanto aos alunos como professores de Histria, quetambm lidam com esta questo. Notamos que a Modernidade que sedesenvolveu a partir do sculo XV e XVI marca o incio de uma era totalmentediferente de qualquer outra ocorrida no processo histrico vivido pelahumanidade. Ela representa o triunfo do desenvolvimento do ser humano, desua capacidade investigativa, capaz de desvendar os segredos mais ocultos douniverso. A Modernidade, segundo a concepo do filsofo alemo F.Nietzsche, traz consigo a sina ou o mrito de possuir um feito jamaisexperimentado: a morte de Deus2.2 Delimitao do objeto de pesquisa e justificativaProcurando por uma delimitao do tema, percebemos que asmudanas culturais processadas no decorrer da Modernidade colocaram emcrise a antiga configurao do cristianismo. Na intensidade de nossa pesquisanos deparamos com a teologia de Andrs Torres Queiruga, que procurainsistentemente pontuar que a partir das mudanas propiciadas pelaModernidade necessrio repensar o cristianismo. Tomamos, ento, comocentro de nossa pesquisa as idias centrais da teologia desse telogo galego,que evidenciam que a profundidade da mudana cultural e a inaudita novidade2NIETZSCHE, Friedrich. A gaia cincia. So Paulo, Companhia das Letras, 2001. 14. 14do horizonte que nesta poca se abre diante da humanidade exigem que serepense uma religio que conta sua durao no mais por sculos e sim pormilnios3. medida que amos degustando a leitura de suas obras,notvamos que sua contribuio insiste na imprescindvel urgncia de repensaro cristianismo a fim de recuperar-lhe a identidade, a credibilidade e o vigor. Diante das posturas anti-modernas da cristandade e devido a umateologia considerada pouco fiel experincia fundante da f crist, ocristianismo tornou-se alvo de duras crticas e rejeies desde o incio daModernidade. Muitos pensadores modernos, crticos do regime da cristandade,chegaram concluso de que o cristianismo impedia a realizao do serhumano, pois, para estes, ele limitava o protagonismo da humanidade naconstruo de sua prpria histria. O cristianismo foi sendo criticado e rejeitadopor impedir, atravs do discurso religioso, a realizao humana. Umainterpretao realizada pelos mestres da suspeita4: Marx, Nietzsche e Freud.Esses trs exegetas da Modernidade usam a chave da suspeita para analisaros produtos da conscincia do homem moderno. Aplicando essa hermenuticachegava-se suspeita; o cristianismo uma projeo enfermia do indivduo. A face mascarada do cristianismo foi deliberadamente propagada. Umareligio assim, rival da humanidade, no pode ser levada a srio, precisa sercombatida e negada. O que ocorreu de fato que o cristianismo foi sendo3QUEIRUGA, Andrs Torres. Fin del cristianismo premoderno: retos hacia um nuevo horizonte.Sal Terrae, Santander, 2000. Analisaremos o original em sua edio espanhola. As citaesem portugus so tradues de nossa responsabilidade.4Terminologia criada por P. Ricoeur para designar os pensadores que mais questionaram a fem Deus e a prtica da religio no mundo moderno. Cf. RICOEUR, P. Del interprtation; essaisur Freud. Paris 1965. p. 40-44. 15. 15percebido, cada vez com mais intensidade, como o grande obstculo afirmao da autonomia humana. Nesse sentido necessrio compreender o embate entre cristianismo eModernidade para entendermos que o grande mal-entendido histrico peloqual, para muitos, o cristianismo aparece como inimigo do homem modernono pode ser eterno, pois Deus, segundo Queiruga, no se evaporou com oprogresso da histria e o avano da cultura5. Interessam-nos, aqui, os motivosque esto na base da secularizao que marca de maneira muito profunda boaparte da cultura ocidental. Notamos que tal fenmeno est ligado a uma grandecrise do cristianismo. Nessa perspectiva, a relevncia do projeto de Queirugapara uma nova configurao do cristianismo nos remete releitura, retraduo e a um repensar dessa religio milenar. As mudanas provocadas com o surgimento da Modernidade trouxerama produo de novos parmetros culturais e a conquista da autonomia humana.Repensar o cristianismo se torna necessrio dentro dessa nova conjuntura.Portanto, atravs do telogo e filsofo Andrs Torres Queiruga, profundoconhecedor do pensamento moderno, que tentaremos dar conta de responderaos questionamentos teolgicos para uma releitura do cristianismo luz daModernidade, com o objetivo de reelaborar algumas concepes referentes auma nova viso do cristianismo para os dias atuais, enfrentando as suspeitasda cultura moderna. Em nosso labor e perspectiva de repensar uma nova viso docristianismo diante da Modernidade, passamos a analisar os trabalhos5 Cf. QUEIRUGA, Andrs Torres. Creio em Deus Pai: o Deus de Jesus como afirmao plenado humano. So Paulo, Paulus, 1993. p. 13. 16. 16desenvolvidos por Queiruga a respeito do cristianismo e da Modernidade ecomeamos a perceber sua influncia e importncia teolgica. Notamos emsuas obras a importncia do dilogo da f crist com a cultura moderna, numaincessante busca de superao da mentalidade pr-moderna. Sua teologiadialoga com a Modernidade, buscando responder aos mais profundos anseios,ou seja, mostrar que h uma forma de repensar toda estrutura crist arcaica.Por esta razo podemos perceber que suas idias vm sendo debatidas emcrculos teolgicos. A atual importncia de sua teologia notada especialmentepelas tradues de seus livros para o portugus6 e pelas pesquisas7elaboradas em torno dela. Nossa pesquisa tambm entra nesse rol salientando a importnciadesse grande telogo. No partimos somente de um vis teolgico, masprocuramos analisar tambm o processo histrico que desencadeou umagrande crise e transformao scio-cultural no mundo religioso, maisprecisamente no cristianismo. Pensamos que na leitura de Queiruga haja uma6Idem. Creio em Deus Pai: o Deus de Jesus como afirmao plena do humano. So Paulo,Paulinas, 1993; O cristianismo no mundo de hoje. So Paulo, Paulus, 1994; A revelao deDeus na realizao humana. So Paulo, Paulus, 1995; O dilogo das religies. So Paulo,Paulus, 1997; O que queremos dizer quando dizemos inferno? So Paulo, Paulus, 1997.Recuperar a criao: por uma religio humanizadora. So Paulo, Paulus, 1999; Recuperar acristologia: sondagens para um novo paradigma. So Paulo, Paulinas, 1999; Recuperar asalvao: por uma interpretao libertadora da experincia crist. So Paulo, Paulus, 1999; Doterror de Issac ao Abb de Jesus: por uma nova imagem de Deus. So Paulo, Paulinas, 2001;Fim do cristianismo pr-moderno: desafios para um novo horizonte. So Paulo, Paulus, 2003;Pelo Deus do mundo no mundo de Deus: sobre a essncia da vida religiosa. So Paulo,Loyola, 2003; Repensar a ressurreio: a diferena crist na continuidade das religies e dacultura. So Paulo, Paulinas, 2004, Um Deus para hoje. So Paulo, Paulus, 3 edio, 2006;Autocompreenso crist: dilogo das religies. So Paulo, Paulinas, 2007; Esperana apesardo mal: a ressurreio como horizonte. So Paulo, Paulinas, 2007;7XAVIER, Clio Domingos. Irrupo do rosto de Deus Amor: Panorama antropoteolgico naobra de Andrs Torres Queiruga. (Dissertao de Mestrado) Belo Horizonte (MG), FAJE Faculdade Jesuta, 2005; MAIA, G. R. A problemtica da salvao na cultura moderna:Sondagens para uma soteriologia luz da obra de Andrs Torres Queiruga. (Dissertao deMestrado) Belo Horizonte (MG), FAJE Faculdade Jesuta, 2005; GUIMARES, EdwardNeves Monteiro de Barros. A crise do cristianismo pr-moderno e as pistas para suaconfigurao atual na obra de Torres Queiruga. (Dissertao de Mestrado) Belo Horizonte(MG), FAJE Faculdade Jesuta, 2006; GOMES, Paulo Roberto. O Deus Im-potente: osofrimento e o mal em confronto com a Cruz. So Paulo, Edies Loyola, 2007. 17. 17grande contribuio para repensar o cristianismo na Modernidade, pois estatrouxe um mundo novo colocando o cristianismo em choque entre doisparadigmas, dois mundos culturais: o pr-moderno e o moderno.3 Explicitao do problema e hiptese de trabalhoA Modernidade engendrou uma nova forma de lidar com o cristianismoatravs da razo. Desse modo, as relaes entre ambos encontravam-se emconflito, pois o mundo novo que emergia no podia ser assimilado pela velhacristandade, que foi deslocada por um novo paradigma cultural. A partir dasurge-nos a indagao: por que o cristianismo pr-moderno teve dificuldadesem assimilar os novos dados impostos ao mundo pela Modernidade e mesmoassim prosseguiu mostrando sua validade? De que forma a teologia deQueiruga capaz de contribuir para o cristianismo sair de uma concepo pr-moderna e fundamentalista e dar respostas contundentes aos desafios daModernidade?Nossa hiptese se fundamenta na cristalizao do cristianismo ao longode sua travessia pela histria, estruturado, em instituies que se configuraramcom recursos culturais disponveis em cada tempo e lugar onde se fezpresente, entrando em crise diante do conflito que a Modernidade criou.Principalmente com as cincias. De um lado, a narrao das Escrituras,segundo algumas interpretaes, de que o universo e o homem sorealizaes divinas, do outro lado, a cincia e as suas descobertas mostrandoque o universo e o homem so frutos do processo evolutivo, colocando emdvida a inspirao e inerrncia das Escrituras Sagradas. Diante da crtica 18. 18moderna que avanou para as verdades dogmticas e ensinamento domagistrio autntico, apontando-lhes os erros e conflitos com a verdadeestabelecida pela cincia e razo. Colocando o catolicismo, que era o sistemareligioso e ideolgico que orientava a sociedade, em um processo deesvaziamento e perdendo a concorrncia para outros sistemas religiosos eideolgicos que a Modernidade estava gerando. Assim, ocorreu umdeslocamento do teocentrismo para o pluralismo religioso. Na tica deQueiruga essas transformaes que a Modernidade produziu contriburam parauma nova viso do cristianismo, pois se percebe uma nova compreenso dapresena divina nos dinamismos do mundo8.9A Modernidade representa uma grande revoluo epocalna histriada humanidade. Ela trouxe uma nova maneira de conceber o mundo e oprprio ser humano. O mundo passa a ser compreendido como uma realizaoautnoma regida por uma legalidade intrnseca e o ser humano torna-se oprotagonista consciente de sua prpria histria e de sua realizao. Aautonomia da realidade criada se transforma no valor maior e maiscaracterstico dessa nova poca. Diante desse processo histrico a IgrejaCatlica manteve uma postura de fechamento a tudo o que estava fazendogestar a Modernidade. A igreja transformou-se em uma fortaleza contra oreformismo, secularismo, modernismo e relativismo. Assim, o cristianismo foisendo percebido como grande obstculo afirmao da autonomia humana.8 QUEIRUGA, Andrs Torres. Recuperar a criao. p. 17.9Termo utilizado por Queiruga para designar uma profunda mudana das categoriasestruturantes de compreenso da realidade num determinado contexto histrico. Cf.QUEIRUGA, Andrs Torre. Fin del cristianismo premoderno. p. 20. 19. 19 Segundo Queiruga, o mal-entendido estava estabelecido e, para super-lo, o cristianismo convidado a dialogar respeitosamente com a Modernidade ea teologia com um novo olhar repensar as posturas crists, para que se possasair de uma interpretao fundamentalista10 e libertar-se do chamadocristianismo pr-moderno. Aindasegundoele,a entrada radical daModernidade e do novo paradigma que trouxe e, com efeito, de tornar patentea radical novidade do horizonte em que ela situou o cristianismo, coloca a10 A leitura e interpretao fundamentalista um entendimento literalista do texto bblico, queconsidera sua forma final como expresso verbatim da palavra de Deus e a v como clara esimples, sem ambigidade. Normalmente, recusa-se a usar o mtodo histrico-crtico ouqualquer outro suposto cientfico de interpretao e no levam em conta as origens histricasda Bblia, nem o desenvolvimento de seu texto ou suas diversas formas literrias. Essamaneira de ler a Bblia originou-se, em ltima instncia, de uma nfase no sentido literal daEscritura, em reao interpretao alegrica do fim da Idade Mdia. Entretanto, no perodoulterior ao Iluminismo, surge formalmente entre os protestantes como baluarte contra aexegese liberal do sculo XIX. O nome fundamentalismo deriva de um documento publicadopelo Congresso Bblico Americano realizado em Nigara, Estado de Nova York, em 1895. Nele,protestantes conservadores, reagindo contra o darwinismo, o progresso cientfico na biologia ena geologia, e a interpretao liberal da Bblia no sculo XIX, formularam uma declarao decinco pontos sobre doutrinas a serem mantidas, mais tarde chamados de "cinco pontos dofundamentalismo", que eram eles: a inerrncia verbal da Escritura, a divindade de Cristo, seunascimento virginal, a doutrina da expiao vicria e a ressurreio corporal quando dasegunda vinda de Cristo. Para assegurar esses pontos, insistia-se sobre "o que a Bblia diz" emum sentido literal de fato. Cf., ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo noJudasmo, no Cristianismo e no Islamismo. So Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 10.Segundo Joseph Fitzmyer, a forma de apresentar essas doutrinas fundamenta-se em umaideologia que no bblica, apesar das alegaes de seus representantes, pois exige adesofirme a rgidas atitudes doutrinrias e uma leitura sem questionamentos ou crticas da Bbliacomo nica fonte de ensinamento sobre a vida crist e a salvao. Seu apelo ao "sensocomum", porque a Bblia no pode conter erros, principalmente erro histrico. De maneiraintolerante, exerce uma influncia nas pessoas que quase a de um "culto" ou "seita"extremista. Ao no levar em conta o carter histrico da revelao bblica, a leiturafundamentalista no admite que a Palavra de Deus inspirada tenha sido expressa nalinguagem de autores humanos que podem ter tido capacidades extraordinrias ou limitadas eescreveram em diversas formas literrias. Conseqentemente, tende a tratar o texto bblicocomo se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Esprito e considera o autor humanomero escriba que registrou a mensagem divina. Alm disso, d indevida nfase inerrncia dedetalhes, em especial os que supostamente dizem respeito a acontecimentos histricos ouquestes cientficas. Ignora os problemas apresentados pelos textos hebraicos, aramaicos egregos originais e, muitas vezes, se prende a determinada traduo ou edio da Bblia. Cf.,FITZMYER, J. A. A Bblia na igreja. So Paulo, Loyola, 1994, p. 65-9. Para Ivo Pedro Oro, ofundamentalismo um conceito ambguo, sendo hoje sinnimo de quase tudo o que cheira atradicional, conservador, sectrio ou dado a excessos na vivencia religiosa. Cf. ORO, I. P. Ooutro o demnio. So Paulo, Paulus, 1996, p.44. De modo geral, o fundamentalismo serelaciona com o processo de Modernidade, muitas vezes como reao mesma, emborapossa ser essa apenas uma posio retrica, na medida em que, rejeitando a cosmovisomoderna (pluralismo, cosmopolitismo, racionalidade, progressismo e secularismo), ofundamentalismo recorre tecnologia, bem como possui traos da Modernidade como oindividualismo e a aceitao do racionalismo cientfico. 20. 20necessidadedea teologia enfrentar nessamudana de paradigmaempreendendo uma reconstituio e um repensar diante da problemtica a luzda nova situao11.Uma mudana de paradigma no significa somente progresso, mastambm perdas de toda construo do paradigma anterior. Pois devemos ter acompreenso de que toda teologia importante surgiu, sua maneira, de umasituao histrica determinada, e nica em seu gnero, transformando-se emum desafio e, em uma resposta. No entanto, cada poca importante nahistria da Igreja e da Teologia. O grande problema que produziu uma grandecrise no cristianismo que a Igreja se ops atravs de todos os meios Modernidade. Dessa forma, s poder ser uma teologia para a Modernidadeaquela que encare de modo crtico e construtivo as experincias do homemmoderno.4 Quadro tericoEntre vrios telogos e teologias contemporneas bem sucedidas queacolhem a crtica moderna em vista de repensar a religio crist est o telogoAndrs Torres Queiruga, que enxerga na Modernidade uma conseqncia dasprincipais virtudes do cristianismo. Ele aponta horizontes para o dialogo entrecristianismo e Modernidade, e contribui para uma releitura dessa religio paraque ela possa se manter firme e contextualizada na sua proposta. Por estarazo desenvolveu algumas categorias que sero analisadas por ns, taiscomo: maiutica histrica, repensando toda noo de revelao; pisteodicia,11 Cf. QUEIRUGA, Andrs Torres. Fin del cristianismo premoderno. p. 17-22 21. 21repensando a noo de mal e salvao; teocentrismo jesunico, no qualrepensa a cristologia e a universalidade crist; a inreligionao, repensando ainculturao e a realidade inter-religiosa. Observando estas categoriaspercebemos que elas possibilitam um cristianismo liberto do particularismo eaberto ao dilogo com outras tradies religiosas em prol da humanidade, umcristianismo mais comprometido com o mundo moderno. Alm das categorias utilizadas por Queiruga nossa reflexo em torno dealguns conceitos resulta de uma preocupao metodolgica. nossa intenodeixar claras as conotaes dos termos empregados e que constituem tanto aespinha dorsal como as vrtebras do nosso trabalho. Como forma deesclarecer os conceitos fundamentais, iluminar o objeto, fundamentar edesenvolver nossas hipteses, importante o significado no contexto em queest sendo aplicado em nossa pesquisa. Diante da radical entrada da Modernidade situando o cristianismo em umnovo paradigma, lanamos mo do filsofo Henrique Cludio de Lima Vaz12;segundo ele, o termo Modernidade aparece ligada ao prprio conceito defilosofia e exprime uma categoria de leitura crtica do tempo histrico luz darazo. Utilizaremos tambm da clarificao que Eric J. Hobsbawm d aoconceito em sua tendncia histrica, mostrando sua importncia no processode transformao e contribuio para uma nova viso da religio, maisprecisamente do cristianismo.12VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de Filosofia I: problemas de fronteira. So Paulo, Loyola,1986; Escritos de Filosofia III. So Paulo, Loyola, 1997; Escritos de Filosofia VII: Razes damodernidade. So Paulo, Loyola, 2002; Religio e modernidade filosfica, Sntese Nova Fase,vol. 18, n 53, abril-junho 1991. 22. 22 O conceito mudana de paradigma termo cunhado por Thomas S.Kuhn, em seu livro A estrutura das revolues cientficas13, designa osmomentos de ruptura epistemolgica e de criao de novas teorias com aexpresso revoluo cientfica. As idias de Kuhn aumentam a compreensodo surgimento de novas perspectivas e analisam as causas da resistncia snovas mudanas sistmicas. Seguindo o filsofo da cincia Thomas Kuhnpode-se afirmar que os grandes modelos hermenuticos globais decompreenso da teologia, diante das profundas transformaes de poca,podem ser denominados de paradigmas. E a substituio de um antigo modelohermenutico por um novo pode ser chamado de mudana de paradigma.Assim este termo marcando a experincia crist a cada novo encontro culturalou medida que ocorrem mudanas, aparece constantemente em nossapesquisa para designar as revolues epocais, ou seja, da profunda mudanadas categorias estruturantes de compreenso da realidade num determinadocontexto histrico. Assim, Andrs Torres Queiruga defende a necessidade daconstruo teolgica de novo paradigma para o cristianismo14.13 Marilena Chau em sua obra Convite a filosofia afirma que segundo Kuhn, um campocientfico criado quando mtodos, tecnologias, formas de observao e experimentao,conceitos e demonstraes formam um todo sistemtico, uma teoria que permite oconhecimento de inmeros fenmenos. A teoria se torna um modelo de conhecimento ou umparadigma cientfico. Em tempos normais, um cientista, diante de um fato ou de um fenmenoainda no estudado, usa o modelo ou o paradigma cientfico existente. Uma revoluocientfica acontece quando o cientista descobre que os paradigmas disponveis noconseguem explicar um fenmeno ou um fato novo, sendo necessrio produzir um outroparadigma, at ento inexistente e cuja necessidade no era sentida pelos investigadores. Acincia, portanto, no caminha numa via linear contnua e progressiva, mas por saltos ourevolues. CHAU, Marilena. Convite filosofia. So Paulo, Ed. tica, 2000. p. 327-328.KUHN, Thomas S. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo, Perspectiva, 1978. p. 218.14 Queiruga usa o termo mudana de paradigma para designar as revolues epocais, queem seu entender trata-se de uma profunda mudana das categorias estruturantes decompreenso da realidade num determinado contexto histrico. Assim, ele defende anecessidade de uma construo teolgica de um novo paradigma para o cristianismo. Cf.QUEIRUGA, Andrs Torres. Fin del cristianismo premoderno. p. 47-57; Do terror de Isaac aoAbb de Jesus. p. 28-31. 23. 23 A crise do cristianismo e a estruturao do mundo racional ficamtransparentes na obra de Alain Touraine Crtica da Modernidade15, no qual ficaevidente o conceito de sujeito histrico na tradio moderna, que nos ajuda aentender que a religio no algo cado do cu, mas criado pelos homens. Ainsero do ser humano no mundo, enquanto sujeito da histria, caracteriza ofenmeno da secularizao. Este fenmeno sintetiza vrios aspectos, tendo aprerrogativa da contestao e do desejo diferenciado do modelo tradicional deconceber o mundo. De certo modo, a secularizao permite reunir num mesmoolhar fenmenos mltiplos que, alis, coincidem parcialmente ou se imbricamuns aos outros: dessacralizao, crise do catolicismo, mundaneidade,antropocentrismo. Para o termo polissmico da secularizao buscaremosclareza em Harvey Cox16, Paul Valadier17 e Stefano Martelli18, autores que tma preocupao de mostrar este conceito dentro do processo que compreende aautonomia humana e possibilita o dilogo com a cultura. Segundo Queiruga,essa autonomia humana em relao religio passou a ser a palavra-chave detoda Modernidade, o critrio decisivo da liberdade19.5 Objeto e metodologia da pesquisa Percebendo a problemtica existente na relao cristianismo eModernidade, o eixo central de nossa pesquisa analisar o fim do cristianismopr-moderno, e sua nova configurao na Modernidade com a contribuio dateologia de Andrs Torres Queiruga. No qual este telogo insiste na15 TOURAINE, Alain. Crtica da Modernidade. Petrpolis, Vozes, 1994.16 COX, Harvey. A cidade do homem. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1971.17 VALADIER, Paul. Catolicismo e sociedade moderna. So Paulo, Loyola, 1991.18 MARTELLI, Stefano. A religio na sociedade ps-moderna. So Paulo, Paulinas, 1995.19 Cf. QUEIRUGA, Andrs Torres. Recuperar a criao, p. 205. 24. 24imprescindvel urgncia de repens-lo a fim de que o homem moderno possater a compreenso de seu valor.Para o desenvolvimento de nossa pesquisa analisaremos a literaturadesenvolvida pelo telogo Queiruga, que aponta a zona de contato entre f eModernidade, realizando uma defesa do homem, mostrando que impossvelque a Modernidade, em sua inteno de anular Deus para dar valor ao homem,no contenha em seu fundo algo muito real e muito valioso para o cristianismo.Podemos afirmar que uma das grandes preocupaes desse telogo que fazteologia a partir da Modernidade e em dilogo com o homem atual aconscincia de que a crise do cristianismo nasce da mudana radicalproduzida pela entrada da Modernidade. S levando isso a srio e,transformando o que for necessrio transformar, ser possvel encar-la20.A obra principal a ser analisada ser Fin del cristianismo premoderno:retos hacia um nuevo horizonte, pois nela Queiruga deixa evidente que aModernidade trouxe a falncia do mundo esttico e introduziu novosparadigmas no Ocidente, exigindo um repensar profundo, voltado para oprocesso de secularizao. Segundo ele, a Modernidade caracterizou-se poruma insatisfao direta e global em face da herana crist. Pois quando seobserva o processo religioso no difcil perceber que conservadorismoeclesistico e teolgico, por um lado, e crtica secularista e atia, por outro,polarizaram a marcha da cultura, carregadas por ambas as partes deagressividades e mal-entendidos21.20 Idem. Fin del cristianismo premoderno. p. 73.21 Ibid. p. 21. 25. 25Realizamos tambm um levantamento bibliogrfico do autor que trata daproblemtica levantada por ns. Apostando que, sob o ngulo do conflitoModernidade e cristianismo pr-moderno, possamos apontar horizontes para odilogo e possibilitar que ocristianismo possa manter-sefirmeecontextualizado na sua proposta e, assim, obter um quadro geral que propicieuma viso abrangente do tema em questo.6 Objetivo ou resultado esperadoEsperamos quenosso trabalho de pesquisa possacontribuirsignificativamente para o estudo das cincias da religio, trazer umacompreenso da sociedade moderna e da crise do cristianismo pr-moderno,que sofreu grande impacto da Modernidade. Nosso objetivo, tambm, apresentar as reflexes de Queiruga, sua concepo de cristianismo naModernidade, pois s assim, poderemos perceber sua contribuio para umrepensar e uma releitura do cristianismo diante do panorama histrico eteolgico. Analisar as causas da insatisfao especfica ao cristianismo naModernidade, significa verificar o que s transformaes podem ajudar eensinar a darmos uma boa resposta aos novos desafios para uma necessriarenovao de um cristianismo que queira viver altura de seu tempo.7 Apresentao dos captulos da pesquisaEstruturamosnossapesquisa em cinco captulos paramelhorreposicionar a discusso em torno do cristianismo e da Modernidade,procuramos construir dados histricos daModernidadeedeseudesenvolvimento em relao ao cristianismo. Preocupando-se com os desafios 26. 26propostos por toda mudana enfocada pela Modernidade e possibilitando umanova perspectiva teolgica. Assim tambm, analisamos o desafio dascontribuies teolgicas de Andrs Torres Queiruga para repensar ocristianismo na Modernidade.Para tanto, no primeiro captulo, o objetivo reconstruir os caminhos daentrada da Modernidade para situarmos nosso objeto de pesquisa, acontribuio de Andrs Torres Queiruga para uma releitura moderna docristianismo. Analisando os desafios propostos por toda mudana enfocadaque possibilitar, segundo o telogo citado, uma nova configurao docristianismo no mundo. O fim do cristianismo pr-moderno e o dilogo com aModernidade passam por abordagens da histria, do pluralismo e dasecularizao religiosa, na qual esta marcar profundamente a sociedade.Diante das mudanas, o cristianismo ir inserir-se em uma situaocompletamente nova, deixando a cincia religiosa e aos especialistas o papelprincipal de trazer uma nova compreenso global dessa religio ao homemmoderno.Faz-se necessrio realizar uma busca conceitual da Modernidade, para,ento, podermos adentrar nas categorias de anlise, no qual o processohistrico proporciona clareza fundamental para compreenso do sentido damudana trazida pela Modernidade. Assim, como tambm, as novas idiascolocadas pelo pluralismo proporcionaram uma nova autonomia do homem,exigindo que o cristianismo se situasse dentro de uma nova realidade, de umanova linguagem para ser entendido pela nova cultura. Quanto mais aModernidade foi se desenvolvendo, mais o ser humano foi tomando 27. 27conscincia de que a realidade do mundo dotada de um funcionamento comleis prprias, tendo como conseqncia imediata o desencantamento ousecularizao do mundo.No segundocaptulo, tratamos dos desafios colocados pelaModernidade ao cristianismo. Desafios que em sua configurao trouxe umanova realidade, ou seja, uma diversidade de pensamentos estruturados namentalidade cientfica que passou a orientar o homem moderno. A cinciapassa a questionar o cristianismo que estava fechado na autoridade daTradio e da Escritura interpretada literalmente pela Igreja Catlica. Estacincia passa a apresentar novos mtodos de interpretaes e produz umacrise na compreenso pr-moderna da revelao. Mostraremos as novasperspectivas teolgicas diante das grandes mudanas proporcionadas pelaModernidade. Diante das grandes mudanas provocadas foi necessrio trazerao campo religioso, novas categorias de anlise, que possibilitasse umalinguagem moderna para a contribuio do dilogo teolgico e para que ohomem moderno pudesse entender a mensagem do Evangelho.No terceiro captulo tratamos a respeito da trajetria de Andrs TorresQueiruga, a influncia que absorveu de outros telogos em sua formao, seuestilo teolgico, sua perspectiva de dilogo com a cultura moderna e analisaras interpretaes negativas do cristianismo que se formaram no decorrer daModernidade. Diante disso, percebermos suas contribuies para uma releituramoderna do cristianismo, pois o aprofundamento de seu dilogo com a culturamoderna passa pela anlise das principais teses do Iluminismo. 28. 28No quarto captulo, nosso objetivo apresentar a responsabilidade deAndrs Torres Queiruga na grande tarefa teologal de repensar o cristianismo etrazer uma nova experincia para a vida crist, atravs de novas categoriasteolgicas. Sua meta principal atingir todos os indivduos que foramafastados da religio por uma caricatura de um velho paradigma religioso e queno mais consegue atrair sujeitos para uma nova experincia da f. Assim, no possvel ignorar as suspeitas e crticas levantadas pela Modernidade esimplesmente voltar s categorias j ultrapassadas pela linguagem e contedoque foram estruturados no mundo pr-moderno. necessrio voltar-se para arealidade dos fatos, ou seja, analisar a crise do cristianismo pr-moderno quetrouxe a necessidade de se repensar toda estrutura crist diante da novacultura. Os novos referenciais exigem um novo reposicionamento religioso queseja capaz de traduzir o especfico da proposta crist, desvinculando a idia depensamento da perspectiva da cultura medieval. H o grande desafio derepensar o cristianismo dentro de uma nova linguagem e de uma nova teologiaque possa atender o homem moderno dentro de suas necessidades.Assim, no quinto captulo analisaremos aquela que pensamos ser a obraprincipal de Queiruga, Fin del cristianismo premoderno: retos hacia um nuevohorizonte, a qual traz as categorias propostas a serem repensadas. Tambmrealiza um levantamento de toda problemtica do cristianismo diante daModernidade, e aponta como sada para o fim do cristianismo pr-moderno aesperana do dilogo entre as tradies religiosas. A contribuio de Queirugafica evidente: ele mostra que o cristianismo para sobreviver ter que atualizarsua mensagem e compreender as verdades latentes na nova situao cultural,repensar e expressar-se de maneira que se torne inteligvel e vivenciveis 29. 29diante dos novos horizontes. Assim tambm, elaboramos um balano crticoem nossa pesquisa mostrando algumas dificuldades prticas diante dealgumas expresses que Queiruga apresenta no decorrer de sua teologia.Finalizando com as consideraes finais fechamos nossa pesquisa como desejo fundamental de refletir o cristianismo diante de uma porta que se abreteologicamente, para repensarmos toda interpretao bblica colocada diantede ns pela tradio religiosa. Surge o profundo desejo, diante da nova culturamoderna de apropriar dos instrumentos necessrios para tal reflexo. 30. 1 CAPTULOMODERNIDADE: UMA ABORDAGEM A PARTIR DAS CATEGORIAS DAHISTRIA, PLURALISMO E SECULARIZAO.Quando olhamos para a Modernidade podemos perceber que elamarcou de modo definitivo a caminhada da humanidade. Mesmo que aetimologia indique, sabemos que este termo no soa como sendo umanovidade, mas ao contrrio, pois muitos a consideram como sendo um termoultrapassado pela anunciada Ps-Modernidade. A Modernidade na verdadetraz uma experincia de fundo, ou seja, aquela que promove o movimento degrandes acontecimentos com tanta fora que chega a revolucionar o mundoocidental.A Modernidade anunciou-se sob diversas formas. No mundo econmico,vinha j dos finais da Idade Mdia a tecitura do capitalismo at firmar-se nossculos XVII e XVIII com a Revoluo Industrial. Aspiraes comunitrias,associativas revelaram um anseio poltico democrtico que a revoluoFrancesa consagrou com a trade: liberdade, igualdade e fraternidade.Culturalmente as razes da Modernidade sugaram seivas nominalistas. Mastornou-se um movimento cultural incontvel depois da revoluo das cinciasmodernas e da virada cartesiana.A enorme mudana que todos estes dados introduziram provocou umacrise tremenda no cristianismo, assim to necessariamente exigindo que se orepense, que possa refazer uma releitura moderna dessa religio. Desse modo,queremos aqui analisar a Modernidade em trs abordagens nas categorias: da 31. 31Histria, do Pluralismo e da Secularizao. Lembrando que nos faz necessrioabordarmos primeiro a Modernidade no que tange de sua conceituao. Pois, ocristianismo, especialmente sob a forma catlica, resistiu quanto pde aoembate com a Modernidade, cercando-se de duplo cuidados como: a dacontra-reforma e a antimodernizao. Construiu uma identidade tridentina toslida e firme que resiste at hoje, com fragmentos de uma mentalidade pr-moderna, em muitos rinces catlicos. A anlise destas categorias fundamental para situarmos nosso tema: A contribuio de Andrs TorresQueiruga para uma releitura moderna do cristianismo. Diante de tantasmudanas no mais possvel conviver com um cristianismo pr-moderno.1 A Modernidade: em busca de uma preciso conceitualGeralmente se entende por Modernidade um modo de civilizao que sedesenvolveu na Europa ocidental a partir do sculo XVI, com o HumanismoRenascentista e a Reforma Protestante e encontrou seus fundamentosfilosficos e polticos nos sculos XVII e XVIII, com o pensamento empirista,racionalista e iluminista. Diz respeito ao modo como as elites culturaisilustradas passaram a caracterizar a prpria posio em relao a um longoperodo obscurantista estruturado pelo cristianismo e dominado pela tradioreligiosa catlica, num ambiente rural atrasado e ignorante, e pejorativamentechamado de Idade Mdia. A nova civilizao alcana o seu apogeu em meadosdo sculo XVIII com o Iluminismo e um acontecimento decisivo: a RevoluoFrancesa que traz a modernizao e o desencantamento do mundo religioso.Os conceitos de subjetividade e racionalidade descreveriam, contudo, a raiz dadinmica especfica da Modernidade: a passagem para a Modernidade 32. 32coincide com a emergncia de um sujeito humano consciente da suaautonomia e com a vitria de uma anlise racional de todos os fenmenos danatureza e da sociedade1. Em funo da sua dimenso crtica e normativa, o termo sobretudo naforma do adjetivo moderno acaba designando todo momento histricovalorizado como novo, criativo, em ruptura com as tradies dominantes, emtodos os campos da cultura: cincia, filosofia, tica, poltica, economia, arte,religio etc. A Modernidade assume uma tonalidade burguesa2, ou seja,proclama a liberdade do ser humano em relao natureza e a autonomia doindivduo frente s autoridades tradicionais, abrindo a era da esfera privada docidado, que deixa de ser submetida s normas pblicas e universais. Areligio torna-se tambm um domnio privado frente cincia e poltica. Noseio, separam-se as formas privadas vividas na privacidade da famliaburguesa e as formas pblicas ou eclesisticas da religio. Como arealizao de uma vida feliz passa a pertencer esfera dos interessesindividuais privados, sobretudo no domnio da sexualidade, h uma sobrecargaideolgica de busca de felicidade. A Modernidade est vinculada estreitamentea objetivos tais como a emancipao do indivduo, o progresso da sociedade, alibertao de grupos e de classes determinadas. Podemos dizer queModernidade no seja outra coisa seno um imenso processo civilizacional,mas necessitando de uma aclarao e conceituao para objetivao de nossapesquisa, para situarmos nosso objeto o cristianismo dentro das grandes1CLAUDE, Geffr & JOSSUA, Jean-Pierre. Pour une interpretation de la modernit. Editorial,Conciliun 244, 1992/6, p. 7.2O rompimento com a nobreza e a implantao de uma ordem social, denominada liberalburguesa, inaugurou novos parmetros onde o poder econmico passou a determinar o statussocial dos indivduos em detrimento da origem de nascimento, definindo a forma deestruturao das sociedades capitalistas contemporneas. 33. 33mudanas ocorridas. Da a necessidade de profunda reviso e atualizao nacompreenso dos conceitos, para percebermos as contribuies de AndrsTorres Queiruga para uma releitura moderna do cristianismo. O termo Modernidade tem sido usado indiscriminadamente, naatualidade ampliou demasiadamente o seu significado, indicando aquilo quetodos, de alguma forma, julgam possuir, pois, ningum admite ser chamado depr-moderno. Pode indicar os objetivos que muitas sociedades buscam atingiratravs de mudanas econmicas e polticas, ou valores que grupos ou classesreivindicam. Tambm pode ser um programa cultural que prope a seguir oscaminhos histricos de Modernidade; ou ainda, o termo pode ser identificadocom algum iderio, concepo de homem, sociedade e histria a ser adotadopor todos os que se julgam modernos e que freqentemente incluem odistanciamento das representaes simblicas tradicionais. Conforme o propsito terico e interpretativo de nosso trabalho faz-senecessrio fazer uma observao a respeito da noo de Modernidade. Trata-se de um conceito complexo, denso e de mltiplos significados, cujasdefinies, muitas vezes, perdem-se na polissemia de suas descries.Henrique Cludio de Lima Vaz argumenta que o termo Modernidade, demaneira como usado hoje, a cada momento e a todo propsito, acabou setransformando em um tipo de moeda gasta cuja inscrio tornou-seindecifrvel e quase ilegvel3. Sobre a Modernidade tem-se produzido vastaliteratura4, todavia seu significado exato ainda no se consegue apreender.3VAZ, Henrique C. de Lima. Religio e modernidade filosfica. SNTESE NOVA FASE, vol. 18,n 53, p. 241. Idem. Escritos de filosofia III: op. cit., p. 225.4Sobre Modernidade podem-se consultar as seguintes obras: VAZ, Henrique C. de Lima.Escritos de Filosofia I; Idem. Escritos de Filosofia III; Idem. Escritos de Filosofia VII; Idem. 34. 34Nas palavras de Anthony Giddens, suas caractersticas principais aindapermanecem guardadas em segurana numa caixa-preta5. Etimologicamente o termo Modernidade tem sua origem no advrbiolatino modo, que significa h pouco, recentemente6. Carmelo Dotolo associao conceito Modernidade ao latim hodiernus ou modo, que igual a agora,indicando uma periodizao histrica que assume o moderno como poca donovo7. Nicola Abbagnano associa Modernidade ao vocbulo latino modernus,que significa literalmente atual, ou modo8. O advrbio de tempo latino modosignifica neste momento, imediatamente, agora mesmo, ainda h pouco,ainda agora9. De maneira que, grosso modo, ao falar de Modernidadeestamos nos referindo a um tempo atual, presente ou a um tempo recente, acoisas novas, quilo que novo, mas no s isso. Na imensa variedade de trabalhos sobre Modernidade, procurandoidentificar suas razes a partir de uma reflexo filosfica, os estudos deHenrique C. Lima Vaz parecem dos mais consistentes. Em sua opinio, entreModernidade e filosofia h certa equivalncia conceitual, de modo queReligio e modernidade filosfica, Sntese Nova Fase; PERINE, Marcelo. A Modernidade e suacrise, Sntese Nova Fase, vol. 19, n 57, abril-junho 1992. MENESES, Paulo. Modernidade: umsonho latino-americano. Sntese Nova Fase, vol. 25, n 80, janeiro-maro 1998; GIDDENS,Anthony. As conseqncias da modernidade. So Paulo, Editora UNESP, 1991. TOURAINE,Alain. Critica da modernidade. Petrpolis, Vozes, 1994. LIMA, Lus Corra. Teologia deMercado: uma viso da economia mundial no tempo em que os economistas eram telogos.Bauru, SP, EDUSC, 2001. SIEGMUND, Georg. O atesmo moderno. So Paulo, Loyola, 1966.BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido:orientao do homem moderno. Petrpolis, RJ. 2005; HABERMAS, Jrgen. O discursofilosfico da modernidade: doze lies. So Paulo, Martins Fontes, 2000; VATTIMO, Gianni. Ofim da modernidade: niilismo e hermenutica na cultura ps-moderna. So Paulo, MartinsFontes, 2007.5 GIDDENS, Anthony. As conseqncias da modernidade. p. 11.6 VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de filosofia III. p. 225.7 DOTOLO, Carmelo. Modernidade. In: Lexicon: Dicionrio teolgico enciclopdico. So Paulo,Loyola, 2003. p. 503.8 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia. So Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 679.9FARIA, Ernesto (org.) Dicionrio escolar latino-portugus. 4 ed., Rio de Janeiro,Departamento nacional de Educao, 1967. 35. 35podemos afirmar que toda Modernidade fundamentalmente filosfica ou quetoda filosofia expresso de uma Modernidade10. De acordo com essaconcepo, a categoria Modernidade se formou luz da reflexo filosfica edeita suas razes na Grcia Antiga, na idade da Ilustrao grega, por volta dossculos VI e IV a.C. Entendendo o termo Modernidade dessa maneira, aprimeira Modernidade seria a da civilizao jnica, que se organizou na rbitada razo filosfica do mundo grego. Da por diante, organizam-se outrasModernidades e sero tantas quantas forem as formas da Razo,filosoficamente configuradas, que ocuparem o centro da cultura11. Em suma,Modernidade a emergncia de um tempo novo, uma poca do novo, umamaneira de ler o tempo presente, o tempo do agora, onde se exerce o ato darazo12. Vista a partir do prisma da filosofia, Modernidade pretende designar especificamente o terreno da urdidura das idias que vo, de alguma maneira, anunciando, manifestando ou justificando a emergncia de novos padres e paradigmas da vida vivida. Em suma, Modernidade compreende o domnio da vida pensada, o domnio das idias propostas, discutidas, confrontadas nessa esfera do universo simblico que, a partir da Grcia, adquire no mundo ocidental seu contorno e seu movimentoprprioseque denominamos mundo intelectual. Nele operam, como em seu territrio nativo, os intelectuais orgnicos de cada poca, expresso recebida de Gramsci, mas aqui empregada em sentido mais amplo: os filsofos do mundo antigo, os clrigos e os artistas na Idade Mdia, os humanistasda Renascena, os cientistas-filsofos do sculo XVII, os filsofos da10 VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de filosofia III. p. 225.11 Ibid. p. 229.12 Idem. Escritos de filosofia VII. p. 13. 36. 36Ilustrao, enfim os intelectuais simplesmente do mundops-revolucionrio.13 Tentando captar a idia de Modernidade no contnuo histrico comoemergncia de novos atos da razo, de novos padres e paradigmas da vidavivida e pensada, colocaremos nossa ateno no sculo XVI para estabeleceruma linha de ruptura entre o declnio do antigo e a emergncia do novo, aemergncia de uma Modernidade ocidental. Estamos nos referindo a um tempohistrico e a uma localizao geogrfica. O sculo XVI comumenteconsiderado o sculo da ruptura com a Idade Mdia latina reconhecida comoIdade de uma civilizao crist. Essa ruptura passa a ser entendida comoruptura com um paradigma histrico cristo, onde este novo paradigma avanapelos sculos XVII, XVIII e XIX, essa ruptura atravessa toda a espessura dotecido social e cultural: crenas, idias, mentalidades, atitudes e prticassociais. No campo do pensamento, uma dessas formas de ruptura radicalforam o Iluminismo e o advento da cincia como nova interpretao do mundoe da histria. O Iluminismo substituiu o modelo teolgico de pensamento, abase terica da Idade Mdia. Desta forma, o paradigma cristo perde fora ecede lugar para o paradigma da cincia na interpretao do mundo. Com oadvento da cincia d-se a progressiva perda do privilgio do credo cristocomo centro de referncias das idias e valores dominantes no mundoocidental14. Para o historiador Eric J. Hobsbawm a Modernidade atravs doIluminismo, no sculo XVIII, foi se afirmando como vontade de eliminar todaforma de conhecimento e de representao da realidade que no fossesubordinada aos princpios da razo. As narraes mitolgicas, a religio e13 Ibid. p. 12.14 Idem. Lima. Escritos de filosofia III. p. 107. 37. 37teologia neste contexto apareciam como formas arcaicas fatalmente ligadas dominao poltica tradicional e s antigas estruturas de classe. A tendncianessa poca foi de uma enftica secularizao. A cincia se achava emcrescente conflito com as Escrituras, medida que a Modernidade seaventurava pelos caminhos da evoluo. A ideologia do progresso estavapresente na sociedade ocidental e seus expoentes acreditavam que a histriahumana era um avano mais que um retrocesso, pois podiam observarclaramente que o conhecimento cientfico e o controle tcnico do homem sobrea natureza aumentavam diariamente. Era uma ideologia rigorosamenteracionalista e secular, convencida da capacidade dos homens em princpiopara compreender tudo e solucionar todos os problemas pelo uso da razo15. Entendemos que a definio de Modernidade remete a modificaesocorridas em mbitos histricos, scio-econmicos e poltico-culturais,atingindo a vida do homem ocidental em todos os aspectos, sendo esta nooantagnica a toda e qualquer vivncia j empreendida pelo ser humano. Umaruptura total com as sociedades anteriores j experimentadas pelo homem.Mais do que o conceito em si e por si, interessa-nos esclarecer o fato daModernidade, porquanto tal denominao pretende definir, de maneiraintegradora e at totalizante, a fisionomia especifica do homem e da sociedadechamada moderna. E dada elasticidade, e inclusive ambigidade, que onome encerra, devemos tomar cuidado com modelos de interpretaes quepossa trazer tentao monopolizadora. Na argumentao de Miguel Rubio, aModernidade15Cf. HOBSBAWM, Eric J. A era das revolues: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Paz eTerra, 1977. p. 244-256. 38. 38caracteriza-se por uma transio ao mesmo tempodiferenciadora e integradora de um tipo de sociedademais tradicional a outro de sociedade mais desenvolvida,na qual os esquemas estruturais e os sistemas de valoresforam profundamente afetados e modificados. Os laostradicionais do passagem a estruturas e instituies maisdiversificadas. Aumentagrandementea mobilidadeocupacional, tanto individual como social. Os valores quemoldam a ordem scio-poltico j no so regulados porum sistema de crenas religiosas, mas por critrios demaior racionalidade. A escala de valores tico-religiosossofre tambm uma alterao, no s na medida em queso deslocados do lugar absoluto e prioritrio quetradicionalmente ocupavam, mas tambm na medida emque so reinterpretados, chegando inclusive a mudar osinal de valor. O desenvolvimento industrial e os fatoreseconmicos adquirem uma importncia particular16. No campo scio-poltico, a Revoluo Francesa de 1789 constitui-senuma dessas marcas de ruptura radical, pondo fim ao Antigo Regime, cujopoder absoluto dos monarcas encontrava base na religio. A revoluo instaurao estado moderno, democrtico, laico, separado das estruturas eclesisticas eneutro em matria religiosa. Disso resulta um modo bem caracterstico decivilizao, que se ope constantemente tradio crist, considera superadoo que velho, e substitui a idia de Deus pela idia de cincia e de progresso.Doravante, a civilizao, suficiente por si mesma, se organiza a partir de outrosparadigmas, afasta a idia de Deus do panorama pblico, coloca o homem nocentro do seu mundo e no necessita fazer apelo ao passado cristo. Todavia,16RUBIO, Miguel. El hombre moderno: Apuntes para una antropologia desde la modernidad.Madrid, 1981. p. 19. (traduo nossa) 39. 39devemos ter cautela e boa dose de cuidado ao elaborar esse tipo de afirmao.A Modernidade, principalmente a partir do sculo XVIII, pelo fato de privatizara religio, no significou o seu fim, mas o fim da fundamentao e legitimaoreligiosa das estruturas sociais e polticas que, segundo Lima Vaz, a marcada construo da primeira civilizao no-religiosa da histria, na qual aModernidade se afirma na sua novidade e na justificao de seus valores17.Postodessa maneirapode-se entender em nossa pesquisaModernidade como uma explicitao da razo, como uma poca, umasituao, um tempo diferente no qual emergem novos padres, novos estilosde vida, de pensamento, novos valores, novas referncias; como uma novaordem cultural no seu sentido mais abrangente que faz do homem o princpiodo bem e do mal e no mais o representante de uma ordem estabelecida porum ser superior transcendente Deus ou pela natureza. Enfim, entender aModernidade como uma poca de contestao, de tenso, de embate, mas umembate resultante da convivncia entre a razo crist e a razo tcnico-cientfica. Tambm, nesse trabalho, no fazemos distino entre Modernidade,mundo moderno, tempos modernos e novos tempos. Esses conceitos, para nsreferem-se mesma realidade. Alm disso, no devemos esquecer e deixar deconsiderar, e Lima Vaz tem mostrado isso, que, embora o tempo do novorejeite o antigo, ele no surgiu do nada. Ao contrrio, surge e constri-se dasbases do antigo.Entretanto, o mais importante aqui reportar a Modernidade enquantopromotora de desafios para uma releitura do cristianismo, tarefa que o telogo17 VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de filosofia VII. p. 25. 40. 40Andrs Torres Queiruga tem conseguido a partir de seus esforos.Apresentaremos a seguir alguns dos temas fundamentais da Modernidade apartir de trs categorias bsicas: histria, pluralidade e desencantamento. Isto, a Modernidade introduziu perspectivas histricas, todos os acontecimentosvo passando pelo crivo da histria; a Modernidade mostra um grandemomento da pluralidade, novas idias que surgem, diferenciadas crenas quese estabelecem; mas tambm a Modernidade produziu o desencantamento domundo, ou seja, atravs da razo e da cincia se estabeleceu o processo desecularizao. Como veremos mais adiante, essas categorias indicam o modoprincipal pelo qual o referido telogo trata de realizar sua proposta de repensaro cristianismo. Pois, segundo ele, no mais possvel manter um cristianismopr-moderno diantedasmudanasqueproporcionaram uma novacompreenso da presena divina nos dinamismos do mundo18.2 A Modernidade pela tica histricaA histria introduziu de forma irreversvel a perspectiva crtica daavaliao da cultura, das instituies e tambm da religio. Cada vez mais oser humano moderno tem a conscincia de estar criando a si mesmo e o seumundo, e construindo a sua prpria histria. Nesta nova mentalidade, averdade no mais aceita porque foi dita ou ditada de fora por uma autoridadedivina ou humana. O conhecimento, em certo sentido, est subordinado experincia pessoal, ou seja, a auto-experincia do ser humano passa a ser oponto de partida de qualquer forma de conhecimento.18 Cf. QUEIRUGA, Andrs Torres. Recuperar a criao. p. 103. 41. 41As mudanas histricas produziram a sensao de que, com a mudanaou com a destruio dos moldes culturais estabelecidos, ocorresse uma perdada prpria essncia da f. Mas, o que ocorreu, podemos dizer, foi que atradio possibilitou a compreenso da mudana e a necessidade de relativizaro que era secundrio e fez ressaltar o que era de fato fundamental, ou seja,uma leitura crtica para a eliminao dos enganos e os danos sem deixarperder o autntico significado, abrindo-se para o dilogo no agressivo.As novas estruturas colocadas pelos movimentos histricos queinauguraram a Modernidade, como o Renascimento, a Reforma Protestante e oIluminismo, mostram que as mudanas so determinantes para percebermosque no existe em estado puro a f e nem mesmo a Escritura. Podemos notarque cada contexto deve realizar sua prpria verso de revelao e de vivnciada f, possibilitando fazer uma nova releitura religiosa e o repensar docristianismo.2.1 Renascimento: transio entre Idade Mdia e ModernaA sociedade moderna ocidental se inicia com diversas transformaesrefletidas nas estruturas histricas scio-econmicas e poltico-culturaisocorridas pelo advento do movimento artstico-humanista denominadoRenascimento. Este foi um amplo movimento cultural, que atingiu as camadasurbanas da Europa Ocidental entre os sculos XIV e XVI. O termoRenascimento, cunhado ainda no sculo XVI, pejorativo, pois implica a morteda cultura durante a Idade Mdia, tida como Idade das Trevas, perodo em 42. 42que a cultura teria estagnado. Mas podemos afirmar que a Idade Mdia teveuma vida cultural intensa, mas vinculada Igreja Catlica.19 Uma vez que o Renascimento refere-se ao reviver das tradiesclssicas (greco-romanas) e foi levado a cabo por eruditos, desvalorizou-se acultura tida como popular. Momento de transio entre a Idade Mdia e a IdadeModerna, o Renascimento contraps-se justamente aos valores teocntricos Deus no centro de todas as coisas e ao coletivismo do perodo medieval. Emcontraposio mentalidade medieval em que as pessoas eram vistascoletivamente, includas no mundo cristo, os tempos modernos permitiambrechas para as manifestaes do individualismo, seja na economia, nas artes,na filosofia, nas cincias etc. Isso refletiu diretamente no humanismo.A atividade crtica [...] foi uma das caractersticas maisnotveis do movimento humanista. Uma atividade crticavoltadaparaa percepodamudana,paraatransformaodoscostumes,daslnguase dascivilizaes. Uma viso, portanto, mais atenta aosaspectos de modificao e variao do que aos depermanncia e continuidade. O choque entre esse pontode vista e o dos telogos tradicionais, que defendiam osvalores da Igreja e da cultura medieval, no poderia sermais completo. Para esses, nenhuma mudana contavaque no fossem as mudanas no interior da alma: aescolha feita por cada um entre o caminho do bem,indicado pelo clero, e o do mal, aconselhado pelas forassatnicas. [...] Os humanistas, por sua vez, voltavam-separa o aqui e o agora, para o mundo concreto dos seres19A esse respeito: Cf. BAKHTIN, Mihail. A cultura popular na Idade Mdia e no Renascimento.So Paulo-Braslia, Hucitec, 1993; FRANCO Jr. Hilrio. O feudalismo. So Paulo, Brasiliense,1985; Idem. As utopias medievais. So Paulo, Brasiliense, 1992. 43. 43humanos em luta entre si e com a natureza, a fim deterem um controle maior sobre o prprio destino.20 O humanismo descartava a escolstica e valorizava o individualismo e oracionalismo humano. Os homens passaram a entender-se como a maisperfeita criao de Deus e, por isso, capazes de sistematizar o conhecimentosobre todas as coisas. Os intelectuais renascentistas, como tambm osiluministas no sculo XVIII, acreditavam em Deus, mas tambm na razohumana, que consideram ser a suprema obra divina. Orgulhavam-se de fazerparte do gnero humano e propunham que a humanidade era senhora de seusdestinos. Os humanistas puderam irradiar-se por meio da multiplicao dasuniversidades e da inveno da imprensa de Gutenberg, no sculo XV. Aimprensa permitiu a difuso do saber, criando uma elite alfabetizada. Acelerouo Renascimento e difundiu o movimento protestante e a cultura letrada entre aelite econmica. A maioria da populao europia, no entanto, continuouanalfabeta e marginalizada desse processo. Vale lembrar, mesmo assim, queos hbitos de leitura tambm eram diferentes e muitas idias circulavam sob aforma de leituras pblicas ou por oralidade depois que algum ouvira algo quefora lido em pblico21. Nas cidades, uma nova maneira de se relacionar surgiu, visto que otrabalho, a diverso, o tipo de moradia e os encontros nas ruas eram distintosdaqueles da vida feudal, ou seja, na Idade Moderna os laos da estrutura socialmedieval foram se rompendo, abrindo espao para que o indivduo pudesseemergir. O sujeito foi ganhando o direito de transitar nos extratos sociais.20SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. So Paulo, Atual, 1994. p. 16-17.21 Cf. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idias de um moleiroperseguido pela Inquisio. So Paulo, Companhia das Letras, 1987. p. 15-34. 44. 44Apesar de afirmarmos que o Renascimento foi um movimento primordialmentede elite, pode-se perceber que essas relaes sociais que acabamos de citaralcanaram parcelas bem mais amplas da sociedade, embora a maior parte dapopulao europia vivesse no campo e estivesse mais distante das novasrealidades.No se pode afirmar, tambm, que, por recuperar valores clssicos, oRenascimento tem legado uma cpia da Antiguidade em termos artsticos efilosficos, pois em nenhum momento o movimento deixou de criar novastcnicas e de pensar nas temticas crists.O racionalismo, convico de que tudo pode ser explicado pela razo dohomem, levou ao surgimento do experimentalismo, em que o homem passou aestudar a natureza e o prprio ser humano tentando entend-losracionalmente. O individualismo refletiu a emergncia da burguesia e dasnovas relaes, em que cada um seria responsvel por suas prprias aes, eno mais pelo coletivo. Na pintura, por exemplo, levou ao grande nmero deretratos individuais. A busca de referenciais que pudessem explicar o mundo ea natureza de forma racional, levou criao de novos modelos anatmicos efsicos, bem como filosficos.O homem que emergia desse contexto europeu sentia-se animado porverdadeira fome de preciso, cultuando a exatido e o rigor do conhecimento.Agora no mais o homem dominado pelas crenas e supersties,aprisionado sem defesa aos dogmas religiosos, mas um ser pensante queemerge em um panorama cultural e que se maravilha com os progressos da 45. 45cincia. O homem moderno frente a este novo horizonte de busca despontasobre si, no pode de maneira nenhuma reagir de forma letrgica,despretensiosa e contemplativa. Ele se transforma, instigado produocomo processo interminvel, produo esta que leva ao desenvolvimento denovos tipos de homens e, conseqentemente, a um novo conceito de homem,diferente tanto do antigo como do medieval: o homem como ser dinmico22.Homem dinmico, que tece suas teias de relacionamento em cima deum novo binmio: homens dinmicos/relaes dinmicas. Emerge a noorenascentista da divindade do homem: o homem que no nasceu um deus,mas que se transforma em um. Agnes Heller aponta cinco foras essenciaisdos homens que, com o auxlio do intelecto e do trabalho, os transformam emdeuses terrenos: a capacidade e o exerccio da criatividade (trabalho, arte,cincia, tcnica); a autocriao: incluindo o desenvolvimento da sua substnciatica e autoconscincia; a versatilidade; a insatisfao (insaciabilidade); comomanifestao desta ltima, a ausncia de limites no que se refere aoconhecimento, criao e a satisfao de necessidades, sendo declarado queo homem era capaz de tudo23.No chamado Renascimento Cientfico, normalmente conceituado comouma srie de descobertas cientficas se faz notar num progresso contnuo dacincia baseado na tcnica, em constante evoluo. No campo da Astronomia,por exemplo, so fundamentais as contribuies de Johanner Kepler, NicolauCoprnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei. Por meio de observaesastronmicas com lunetas, Coprnico demonstrou que o Sol ocuparia o centro22 HELLER, Agnes. O homem do renascimento. Lisboa, Ed. Presena, 1982. p. 14.23 Cf. Ibid. p. 355. 46. 46do universo e que os planetas giravam a seu redor. Na poca, acreditava-seque a Terra era o centro do Universo. Galileu levou os estudos de Coprnicoadiante e atraiu a ateno da Inquisio, que o ameaou de morte caso elecontinuasse a sustentar essa teoria. Para salvar a vida, Galileu acabourejeitando a idia. Ao longo dos sculos XV e XVI, a cincia europia sofreu, em diversosaspectos, um impulso renovador. Um expressivo nmero de pesquisadores,valorizando a razo e a experimentao, procurava examinar questes danatureza e da sociedade. Esses pesquisadores diferenciavam-se de muitosestudiosos medievais que acatavam concepes tradicionais desenvolvidas poralguns sbios da Antiguidade e incorporadas pelos telogos cristos. Antes deaceitar concluses prontas, a atitude crtica levava os novos cientistas aobservar os fenmenos naturais, fazer experimentos, propor novas hipteses,medir e reavaliar. Mas essa nova mentalidade cientfica no se desenvolveusem a resistncia daqueles que defendiam as tradies culturais medievais. A sociedade europia, que colhia os frutos do Renascimento e queestava sentindo os efeitos que o pensamento cientfico moderno estavaproporcionando, sofreria uma outra ruptura com o legado medieval. Essaruptura se tornaria emblemtica perante a slida estrutura institucional da IgrejaCatlica que at ento havia reinado soberana no mundo terreno e espiritualdos homens do perodo. A gnese da ruptura vai se iniciar com a ReformaProtestante, que afetar sobremaneira toda a Europa Ocidental crist. 47. 472.2 A Reforma Protestante como marco da ModernidadeO incio paradoxal da Modernidade ocorre com a derrocada dacristandade e a construo de forte identidade protestante. Por volta de 1500,os fundamentos da velha sociedade medieval estavam ruindo e uma novasociedade, com uma dimenso geogrfica muito ampla e com transformaesnos padres polticos, econmicos, intelectuais e religiosos, comeava a surgir.As mudanas foram realmente revolucionrias, por sua natureza e pela forade seus efeitos sobre a ordem social.O conhecimento geogrfico do homem medieval sofreu mudanasfundamentais entre 1492 e 1600. As descobertas de Colombo e de outrosexploradores inauguraram uma era de civilizao ocenica, em que os marestornaram-se as estradas do mundo. Ao tempo em que Lutero traduzia o NovoTestamento para o alemo, em 1522, o navio de Magalhes completava a suavolta ao mundo. Isso significa que estava em decorrncia a expanso dosnovos territrios conquistados pelo Velho Mundo.As perspectivas mudaram tambm no campo poltico. O conceitomedieval de um estado universal estava dando lugar ao novo conceito denao-estado. Os estados, a partir do declnio da Idade Mdia, comearam ase organizar em bases nacionais. A descentralizao feudal do mundomedieval foi substituda por uma Europa fundada sobre naes-estadoscentralizadas. Diante da independncia de cada estado, o novo princpio dobalano do poder, orientador das relaes internacionais, tomou o seu lugar deimportncia nas guerras religiosas do sculo XVI e de princpios do XVII. 48. 48Surpreendentemente, algumas mudanas econmicas ocorreram umpouco antes da Reforma. Durante a Idade Mdia, a economia dos pases daEuropa estruturava-se na agricultura. Por volta do sculo XIV e XV, oressurgimento das cidades, a abertura de novos mercados e a descoberta defontes de matria-prima nas recentes terras descobertas inaugurou uma era decomrcio, em que a classe mdia mercantil tomou a frente da nobreza feudalna liderana da sociedade. classe mdia capitalista emergente, pelos menosno norte da Europa, no interessava o envio de suas riquezas IgrejaUniversal Catlica sob a liderana do papa em Roma.A organizao social horizontal da sociedade medieval, onde se morriana classe em que se nascia, foi substituda por uma sociedade organizada sobtraos verticais. Era possvel a algum da classe baixa emergir alta. Nostempos medievais, quem fosse filho de servo teria pouqussimas chances demudar de condio, exceto se fosse servir na Igreja. Por volta de 1500, oshomens estavam ascendendo, por fora dos negcios, a altos nveis sociais. Aservido estava desaparecendo e uma nova classe mdia, inexistente nasociedade medieval, formada especialmente por proprietrios livres, pelapequena nobreza da cidade e pela classe mercantil comeou a surgir. Emlinhas gerais, foi essa classe mdia fortalecida que garantiu as mudanasintroduzidas pela Reforma. Pois ao aumentar numericamente, essa classemdia tornou-se individualista e se colocou contra o conceito corporativista dasociedade medieval, que colocava o dever sempre acima do indivduo.Portanto, as mudanas na estrutura social aumentaram a decepo com aIgreja Catlica, fazendo ruir os fundamentos da velha sociedade medieval. As 49. 49transformaes nos padres econmicos, polticos e intelectuais, propostaspelo humanismo da Renascena, comeavam a surgir.E foram as transformaes intelectuais provocadas pelo Renascimento,ao norte e ao sul dos Alpes, que criaram um clima intelectual que propiciou odesenvolvimento do protestantismo. O interesse pela volta s fontes dopassado levou os humanistas cristos do norte ao estudo da Bblia nas lnguasoriginais. Deste modo, as diferenas entre a nova Igreja proposta e a IgrejaCatlica Romana tornaram-se claras, para prejuzo da organizaoeclesistica, medieval.Para Karen Armstrong a mudana colocada pela Reforma Protestanteno se deve inteiramente corrupo da Igreja Catlica Romana, nem aodeclnio no fervor religioso. Na verdade, parece ter havido um entusiasmoreligioso na Europa, que levou as pessoas a criticarem abusos que antesaceitavam como normais. As idias concretas dos reformadores brotaramtodas de teologias medievais catlicas. A ascenso do nacionalismo e dascidades na Alemanha e Sua tambm desempenhou um papel, como ofizeram as novas religiosidade e conscincia teolgica do laicato no sculo XVI.Havia tambm um maior senso de individualismo na Europa, e isso sempreimplicaram uma reviso radical de atitudes religiosas correntes. Em vez deexpressar sua f por meio de formas externas coletivas, os europeuscomearam a examinar as conseqncias mais interiores da religio. Todosesses fatores contriburam para mudanas dolorosas e muitas vezes violentasque impeliram o Ocidente para a Modernidade24.24 Cf. ARMSTRONG, Karen. Uma histria de Deus: quatro milnios de busca do judasmo,cristianismo e islamismo. So Paulo, Companhia das Letras, 1994. p. 278. 50. 50A nfase renascentista no indivduo foi um fator preponderante no desenvolvimento do ensino protestante de que a salvao era uma questo pessoal, a ser resolvida pelo indivduo, sem a interferncia de um sacerdote como mediador humano. O esprito crtico do Renascimento foi usado pelos reformadores para justificar sua crtica hierarquia e aos sacramentos. Segundo ngela Randolpho Paiva, o processo iniciado com a reforma representa o momento religioso mais exemplar desse tempo de mudana na esfera religiosa, quando novos rumos para afinidades distintas entre religio e poltica foram pensados. Nesse processo surgem dois traos quevo contrastar profundamente com a prtica religiosa catlica: no s a religio perde seu carter universal, e passa a ser uma dastantasesferasdisponveis noprocessode secularizao, mas tambm a liberdade de pensamento passa ser condio para a prtica religiosa protestante. uma guinada fundamental que certamente imprime novos rumos nas relaes entre as esferas religiosa e social.25A uniformidade religiosa medieval deu lugar, no incio do sculo XVI, diversidade religiosa. A Igreja Catlica Romana, internacional e universal,estava dividida pelos cismas religiosos que resultaram na formao de igrejasprotestantes nacionais. Estas igrejas, especialmente a anglicana e a luterana,estavam em geral sob o controle dos governos das Naes-Estados.A autoridade da Igreja Romana foi substituda pela autoridade da Bblia,de leitura livre a qualquer sujeito. O crente, individualmente, seria agora o seu25PAIVA, ngela Randolpho. Catlico, Protestante, Cidado: uma comparao entre Brasil eEstados Unidos. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2003. p. 27. 51. 51prprio sacerdote e o mentor de sua prpria vida religiosa. A ReformaProtestante trouxe, por certo, uma mudana significativa para a vivnciareligiosa, a manifestao da valorizao do indivduo. Para Max Weber, oprotestantismo a religio da Modernidade, a religio do secular e daautonomia da cultura moderna.Em duas de suas obras, A tica protestante e o esprito do capitalismo26;Economia e sociedade27, a inteno de Weber a de mostrar como as diversasgrandes religies haviam favorecido ou perturbado a secularizao e aracionalizao moderna. No caso do cristianismo, sua ateno concentrou-seespecificamente na Reforma Protestante, principalmente na idia calvinista depredestinao, que substitui o ascetismo fora do mundo pelo ascetismo nomundo. Weber queria verificar o esprito que animava o capitalismo no seuauge e tambm na sua origem, para avaliar em que medida o protestantismohavia contribudo na formao desse esprito. Descobre que o capitalismocaracteriza-se, sobretudo pela racionalizao do trabalho e da produo emvista do lucro e pela impessoalidade e burocratizao das relaes de troca,mediadas pelo livre mercado. Ele gera grandes transformaes na cultura e nasociedade. A racionalizao da vida e da conduta tem origem no ascetismomonstico, onde a vida metdica, produtiva e frugal. A Reforma Protestantecriou um ascetismo laico e um conceito de vocao que fez da atividadeintramundana do ser humano a realizao da vontade divina. No ambientecalvinista, vocao passou a incluir o trabalho incansvel do empresriocapitalista. O controle social exercido pelas seitas protestantes sobre os seusmembros limitava o consumo, valorizava o trabalho e a honestidade e dava a26 Cf. WEBER, Max. A tica protestante e o esprito do capitalismo. So Paulo, Pioneira, 1994.27 Cf. Idem. Economia y sociedad. Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1984. 52. 52eles credibilidade no mundo dos negcios. O dogma calvinista dapredestinao retirou os sinais que davam a segurana da salvao e impeliuos fiis ao trabalho infatigvel e a uma vida extremamente sbria e auto-controlada. A moral protestante favoreceu o capitalismo numa relaodenominado afinidade eletiva28, que segundo Weber, a relao entre ticaprotestante e o esprito do capitalismo. Ele no define o que quer dizer comeste termo, mas pelos seus escritos, podemos deduzir que se trata de umarelao de atrao e reforo mtuos, que, em certos casos, leva a uma espciede simbiose cultural.A anlise weberiana privilegia as crenas religiosas que contribuemdiretamente para isolar uma lgica econmica do restante da vida social epoltica. Para Weber a Reforma retirou dos mosteiros o ascetismo racional eseus hbitos e os colocou no mundo, a servio da vida ativa. A vida religiosa28Este termo oriundo das cincias naturais, mais especificamente da qumica do sculoXVIII, a expresso em latim attractio electiva passou a circular em 1782 com a publicaodo livro De attractionibus electivis, de autoria do qumico sueco Torbern Berrgmann, que usavao termo para se referir existncia, constatada pela qumica inorgnica da poca, deelementos que formam combinaes preferenciais, as quais, porm, em presena dedeterminados outros elementos, se mostram impermanentes, dissolvendo-se em favor denovas combinaes. Portanto, este termo migrou para a sociologia, passando pela literatura. ttulo de um romance de Goethe: Die Wahlverwandtschaften (As afinidades eletivas), de 1809.Segundo Michael Lwy, o termo utilizado na sociologia weberiana significa um tipo muitoparticular de relao dialtica que se estabelece entre duas configuraes sociais ou culturais,no redutveis determinao causal direta ou influencia no sentido tradicional. Trata-se, apartir de certa analogia estrutural, de um movimento de convergncia, de atrao recproca, deconfluncia ativa, de combinao capaz de chegar at a fuso. Cf. LWY, Michael. Redenoe utopia: o judasmo libertrio na Europa Central (Um estudo de afinidade eletiva). So Paulo,Companhia das Letras, 1989, p. 13-18. Podemos assinalar que o conceito de afinidade eletiva um instrumento intelectual que permite ao autor escapar da relao de causalidade entreprotestantismo e capitalismo, bem como de reducionismos historiogrficos tanto econmicosquanto culturais. Para Weber, necessrio se libertar da idia de que possvel interpretar aReforma como conseqncia histrica necessria de certas mudanas econmicas. Inmerascircunstncias histricas no dependem da lei econmica e nem mantm relao alguma comqualquer ponto de vista econmico. So circunstancias puramente polticas que contriburampara que as novas igrejas pudessem pelo menos sobreviver. E, p outro lado, no se podeaceitar uma tese tola de que o esprito do capitalismo surgiu somente como conseqncia dedeterminadas influncias da Reforma, ou que o capitalismo como sistema econmico seria umproduto da Reforma. O fato de algumas formas importantes do sistema comercial capitalista sernotoriamente anteriores Reforma o bastante para refutar essa argumentao. Cf. WEBER,Max. A tica protestante. p. 61. 53. 53dos santos desligava-se da vida natural, espontnea, mas era vivida dentrodo mundo e de suas instituies, e no mais fora dele, nas comunidadesmonsticas. Esta racionalizao da conduta dentro do mundo, porm comvistas ao mundo do alm, foi a conseqncia do conceito de vocao doprotestantismo asctico. O ascetismo cristo j tinha dominado o mundo apartir do mosteiro e por meio da Igreja, mas fugia dele para a solido. Assim,ele no havia alterado o carter natural e espontneo da vida cotidiana nosculo. A partir da Reforma, ele adentrou-se no mercado da vida, fechou atrsde si a porta do mosteiro e tentou penetrar exatamente naquela rotina diriacom a sua meticulosidade para mold-la a uma vida racional, s que no destemundo, nem para ele29. A moral intramundana do protestantismo toma o lugarda moral extramundana do catolicismo medieval. O efeito da Reforma, em contraste com a concepo catlica, foiaumentar a nfase moral e o prmio religioso para o trabalho secular eprofissional30. Todavia, a moral luterana e a moral calvinista seriam diferentes.A primeira seria uma moralidade do estado de vida. A segunda, uma moral daprofisso, incluindo a o trabalho incansvel em vista do lucro. Esta diferena conseqncia do dogma da predestinao e de sua incidncia sobre a vidaprtica, que acaba por tornar a moral calvinista mais inclinada ao esprito docapitalismo. A importncia do protestantismo no diz respeito ao contedo de sua f,mas sua rejeio do encantamento do mundo cristo. Percebemos ento queo pensamento de Weber no corresponde a uma definio geral da29 Cf. Ibid. p. 109.30 Cf. Ibid. p. 55. 54. 54Modernidade, mas ao capitalismo, forma econmica da ideologia ocidental daModernidade. O que Weber analisa no a forma econmica da Modernidadeem geral, mas a concepo particular da Modernidade que se concentra sobrea ruptura entre razo e a crena e todas as pertenas sociais e culturais. O queWeber mostra no a Modernidade, mas a forma particular de modernizaoque se processa na racionalizao econmica. No modelo clssico deModernidade a razo, mais que o capital e o trabalho, que desempenha opapel principal. Neste modelo o mais importante para as sociedades quedesenvolveram o esprito e as prticas da Modernidade a ordem e no omovimento.O progresso cientfico que sucedeu o rompimento com o dogmatismomedieval ps-Reforma se alicerou no sculo XVIII com o Iluminismo, sculoilustrado, em que as novas idias foram reelaboradas e apropriadas mediantemltiplas interpretaes, com a primazia do conhecimento sobre a f.2.3 O Iluminismo e a ModernidadePara os filsofos do Iluminismo, no sculo XVIII, era necessriosubstituir a arbitrariedade da moral religiosa pelo conhecimento das leis danatureza, que proporcionava, segundo eles, o prazer. Isso no era consensogeral entre eles at mesmo porque no se pode impor a razo como se impeuma verdade revelada. Na realidade o movimento do Iluminismo era compostode uma elite instruda, de nobres, de burgueses e intelectuais avanados, queexperimentavam nos prazeres uma libertao e a satisfao de escandalizar a 55. 55Igreja Catlica31. A idia secular de progresso, to caracterstica daModernidade em oposio ao Renascimento que, apesar de dar incio a umdistanciamento em relao ao cristianismo da Idade Mdia, mantinha uma forteorientao retrospectiva, voltada para a antiguidade aplicada a todas asreas da vida, como sinal dos tempos com referncia a toda histria.O caminho o da razo pura sem a f religiosa. Voltaire significa oRacionalismo, a Enciclopdia, o Sculo da Razo. O ardente entusiasmo deFrancis Bacon incutiu em toda a Europa exceto Rousseau a confianaincontestada no poder da cincia e da lgica para resolver por fim todos osproblemas e patentear a infinita perfectibilidade do homem. Condorcet, napriso, escreveu seu Quadro Histrico do Progresso do Esprito Humano(1793), que exprimia a sublime confiana do sculo XVIII na cincia e na razo,e no pedia para descobrir a Utopia outra chave alm da educao universal.Em Spinoza, a f na razo gerou grandiosa estrutura de geometria elgica: o universo era um sistema matemtico e poderia ser descrito a priori,por pura deduo de axiomas admitidos. De Spinoza a Diderot os destroos daf ficaram na esteira da razo mais e mais triunfante; desapareciam os velhosdogmas; rua por terra toda crena medieval, com seus detalhes; o antigo Deusfoi despencado de seu trono juntamente com o cu cristo que se converteriano cu visvel e o inferno se mudou em simples figura retrica.David Hume (1711-1776) desempenhou importante papel na campanhado racionalismo contra a crena no sobrenatural. Para Hume a f e aesperana religiosas,proclamadasem toda Europa, achavam-se31 Cf. TOURAINE, Alain. Critica da modernidade. p. 22. 56. 56fundamentadas nas instituies sociais, como no interior dos homens, portanto,no seria possvel submeterem-se de pronto ao veredicto hostil da razo;inevitvel era que essa f e a esperana, assim condenadas, pusessem emdvida alm do exame da religio, o exame tambm da razo. Eleescandalizou toda cristandade com seu Tratado sobre a natureza Humana,desfazendo o conceito de alma. E no se contentou em destruir somente areligio ortodoxa, mas avanou sobre a cincia desfazendo tambm o conceitode lei. Dessa forma a tradio epistemolgica deixou de servir de amparo religio. Doravante a razo o caminho a ser buscado para o desenvolvimentoda sociedade. O cenrio estava armado para a crise do cristianismo.Em 1784, Immanuel Kant escreveu um artigo como resposta pergunta:O que iluminismo? Respondeu que o iluminismo era a chegada do homem maioridade. Isto se dava quando o homem saa da imaturidade que o levava aconfiar nas autoridades externas tais como a Bblia, a Igreja e o Estado paradizer-lhe o que devia pensar e fazer. Nenhuma gerao devia estar presa aoscredos e costumes de eras do passado. Para ele estar preso a estas coisas um ultraje contra a natureza humana, cujo destino se acha no progresso. Kantreconhecia que o sculo XVIII ainda no podia ser considerado uma erailuminada, mas sim, a era do iluminismo. As barreiras ao progresso estavamsendo derrubadas; o campo agora estava aberto. o inevitvel progressocientfico que sucede ao rompimento com o dogmatismo medieval vai sealicerar no sculo XVIII com o iluminismo. As conquistas da Modernidadedeterminaram a sada do homem da minoridade32, e ao mesmo tempo oaprofundamento da crise do cristianismo pr-moderno. Neste sentido perceber-32Cf. IMMANUEL, Kant. Resposta pergunta: Que esclarecimento? In: Textos seletos.Petrpolis, Vozes, 1985. p. 101. 57. 57se que Kant est querendo com sua filosofia reavaliar o conhecimento humano,a tica, a esttica e a religio luz do ideal racional. E como primeiro passonecessrio empreendeu um exame do escopo e das limitaes da mentehumana em relao a estes assuntos. Era este o tema que suas trs grandescrticas tinham em comum: A crtica da razo pura (1781), A crtica da razoprtica (1788) e A crtica do julgamento (1790). Estas obras tratavam,respectivamente, do conhecimento humano, da tica e da esttica. Tratou datica tambm em Fundamentos da metafsica da moral (1785). Exps seuconceito iluminado da religio em a Religio dentro dos limites da mera razo(1793).A viso de Kant quanto ao conhecimento combinava elementosextrados tanto do racionalismo quanto do empirismo. Kant concordava com osempiristas, ao dizer que todo conhecimento do mundo exterior chega a nsatravs dos sentidos. Mas sustentava, juntamente com os racionalistas, que aprpria mente contribui para nosso conhecimento da realidade. Seu papel processar os dados fornecidos pelos sentidos, e isto feito aplicando-se aosdados dos sentidos idias como tempo e espao, nmero, causa e efeito. Amente usa estas idias para interpretar a realidade fsica conforme ela transmitida pelos sentidos. Sem eles, no poderamos pensar em coisaalguma. Por outro lado, conhecemos as coisas apenas segundo ocondicionamento da mente com todas as suas limitaes. No conhecemos arealidade conforme ela em si mesma.Tudo isso levou Kant a rejeitar todo conhecimento metafsico. Visto queat mesmo nosso conhecimento das coisas materiais condicionado pelamente, todas as alegaes de se possuir conhecimento da realidade alm da 58. 58fsica, e acima dela devem ser condicionadas de modo semelhante. Asreivindicaes do conhecimento metafsico e teolgico envolvem contradiesdesesperadoras, as quais a mente humana no est equipada para resolver.Ele rejeitava os argumentos tradicionais da existncia de Deus. Afirmavaque o argumento cosmolgico a partir da causalidade at chegar causaprima e o argumento teleolgico a partir das evidncias de um designo nomundo at chegar a um grande projetista dependiam do argumentoontolgico, que ilegtimo. Este ltimo apelava razo isoladamente parainferir a existncia de Deus a partir da idia de Deus como o ser mais perfeito,alegando o motivo de que Deus no seria o ser mais perfeito se ele noexistisse. Kant acreditava que o argumento ontolgico baseava-se numatautologia que apenas definia Deus como um ser ne