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RELAÇÕES DE GÊNERO E RAÇA NO SETOR BANCÁRIO: Algumas notas sobre o trabalho no contexto da reestruturação produtiva Vanessa Santos do Canto RESUMO O presente trabalho faz parte de reflexões e pesquisa em andamento para a elaboração de dissertação de mestrado e pretende apresentar alguns apontamentos acerca da presença das mulheres negras no trabalho do setor bancário. Discute o impacto da reestruturação produtiva neste setor e alguns aspectos dos novos modos de subjetivação e resistência em um período em que o capitalismo passa por grandes transformações. A temática será orientada pela necessidade de diálogo entre o debate sobre a centralidade do trabalho e os novos enfrentamentos que surgem para os movimentos sociais no momento histórico em que a classe trabalhadora apresenta maior complexidade. Palavraschave: Gênero; Raça; Trabalho; Setor bancário ABSTRACT This work is part of ongoing discussions and research for development of master’s thesis and wants to make some notes about the presence of black women working in the banking sector. Discusses the impact of productive restructuring in this sector and some aspects of the new modes of subjectivity and resistance in a period where capitalism is going through major changes. The theme will be guided by the need for dialogue between the debate on the centrality of work and new confrontations that arise for social movements in the historical moment in which the working class is more complex. Keywords: Gender; Race; Work; Banking sector 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, podem ser observadas inúmeras transformações nos modos de produção capitalista que têm gerado novos desafios para a ação política, bem como, para a resistência por parte das trabalhadoras e trabalhadores. Diante deste contexto, observase uma crescente demanda por direitos pautados em processos identitários de gênero e raça e certas críticas quanto à insuficiência das lutas fundamentadas apenas em uma identidade do trabalhador que leva em

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RELAÇÕES DE GÊNERO E RAÇA NO SETOR BANCÁRIO:

Algumas notas sobre o trabalho no contexto da r eestr utur ação

produtiva

Vanessa Santos do Canto

RESUMO

O presente trabalho faz parte de reflexões e pesquisa em andamento para a elaboração de dissertação de mestrado e pretende apresentar alguns apontamentos acerca da presença das mulheres negras no trabalho do setor bancário. Discute o impacto da reestruturação produtiva neste setor e alguns aspectos dos novos modos de subjetivação e resistência em um período em que o capitalismo passa por grandes transformações. A temática será orientada pela necessidade de diálogo entre o debate sobre a centralidade do trabalho e os novos enfrentamentos que surgem para os movimentos sociais no momento histórico em que a classe trabalhadora apresenta maior complexidade.

Palavras­chave: Gênero; Raça; Trabalho; Setor bancário

ABSTRACT

This work is part of ongoing discussions and research for development of master’s thesis and wants to make some notes about the presence of black women working in the banking sector. Discusses the impact of productive restructuring in this sector and some aspects of the new modes of subjectivity and resistance in a period where capitalism is going through major changes. The theme will be guided by the need for dialogue between the debate on the centrality of work and new confrontations that arise for social movements in the historical moment in which the working class is more complex.

Keywords: Gender; Race; Work; Banking sector

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, podem ser observadas inúmeras transformações nos modos de

produção capitalista que têm gerado novos desafios para a ação política, bem como,

para a resistência por parte das trabalhadoras e trabalhadores.

Diante deste contexto, observa­se uma crescente demanda por direitos pautados

em processos identitários de gênero e raça e certas críticas quanto à insuficiência das

lutas fundamentadas apenas em uma identidade do trabalhador que leva em

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consideração as especificidades que demarcam a posição de homens e mulheres na

divisão social e técnica do trabalho.

Neste sentido, é importante destacar algumas importantes mudanças

observadas a partir da década de 1990. É neste momento que o Estado brasileiro admite

oficialmente a existência do racismo no Brasil. Esta admissão representava a ruptura

oficial com o mito “da democracia racial 1 ” que conjugado com a não menos

problemática crença na existência “do homem cordial brasileiro 2 representava um

importante entrave para a discussão da dimensão étnico­racial da desigualdade no país 3 .

A adoção desta postura de ruptura com estes paradigmas sociológicos que

contribuíam para a dissimulação do racismo aqui instaurado resultava, em grande parte,

da crescente pressão que os movimentos sociais de corte étnico­racial negro havia

imposto após séculos de resistência contra um regime opressor e degradante que,

mesmo após o seu término oficial, ainda é capaz de reproduzir as práticas que ferem

frontalmente a dignidade humana.

Contudo, este ápice tem como momento anterior importante, a promulgação da

nova Constituição da República no ano de 1988. De fato, não podemos negar que a

articulação dos movimentos sociais negros 4 durante os debates realizados para o

1 Esta expressão se tornou célebre no livro de Freyre (1973) e consiste, grosso modo, na idéia de que a miscigenação resultante das relações estabelecidas entre brancos, negros e índios, teria formado uma sociedade harmônica e livre de conflitos étnico­raciais. A desigualdade existente entre os indivíduos poderia ser explicada nas análises marxistas pela relação dialética entre capital e trabalho ou na visão liberal pela ausência de chances iguais para todos, levando a uma exclusão daqueles com menos aptidões competitivas para se inserir no mercado de trabalho ou alcançar as melhores oportunidades. Hasenbalg (1999), em sua análise weberiana das desigualdades raciais e políticas presentes no Brasil, afirma que a "posição sócio­econômica inferior dos negros e mulatos no Brasil contemporâneo tem sido explicada em termos dos diferentes pontos de partida desses grupos e do grupo branco no momento da abolição da escravatura. A esse argumento pode ser contraposto outro segundo o qual o poder explicativo da escravidão como causa da subordinação social de negros e mestiços decresce ao longo do tempo. A afirmativa de que as desigualdades raciais contemporâneas estão só residualmente ligadas ao legado da escravidão deve­se a contínua operação de princípios racistas de seleção social” (p. 40). 2 Expressão cunhada por Sérgio Buarque de Holanda (1984) em seu “Raízes do Brasil”. Nesta obra, o autor analisa a influência da colonização ibérica no país e sua influência sobre a cultura política e econômica do país. Parte do pressuposto de que os próprios portugueses como povo miscigenado já trazia consigo elementos culturais que seriam marcantes no modo de ser brasileiro. 3 Neste sentido, Amaro (2005) afirma que [...] o discurso da democracia racial ancorado nas garantias constitucionais de igualdade, nos casamentos inter­raciais e na ausência de hostilidade manifesta entre brancos e negros, convive harmonicamente com a situação de milhões de brasileiros, majoritariamente negros, vivendo em condições de pobreza e desemprego, apartados da cidadania social ( p. 59). Segundo a autora, o Brasil pratica exclusão pela cor, visto que a pobreza não é distribuída de maneira democrática entre os grupos raciais, “pois os negros representam 64% da população e estão permanentemente entre os segmentos mais esquecidos, excluídos e negligenciados” (Amaro, 2005, p. 59). 4 Fala­se em movimentos negros devido à diversidade de agendas e escolhas políticas que cada grupo específico possui. Nesse sentido, pode­se exemplificar que as demandas apresentadas pelos movimentos negros de caráter urbano diferem daquelas apresentadas por aqueles que possuem seus interesses ligados ao campo.

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estabelecimento de um novo texto constitucional foi crucial para esta importante

conquista.

Aliás, este ano foi extremamente importante devido ao grande valor simbólico

que continha, pois era comemorado o centenário da abolição oficial da escravidão negra

no Brasil. Assim, era trazida para a pauta da agenda política a discussão acerca do

reconhecimento de uma identidade étnico­racial negra positiva gerada à sombra da

identidade nacional brasileira.

Entretanto, apesar das conquistas acima referidas, os movimentos sociais em

geral se deparavam com novos desafios a serem enfrentados, pois a crise econômica e

social que há muito já havia atingido os países de capitalismo avançado chegava com

toda a sua plenitude no Brasil, justamente no momento em que a América Latina dava

importantes passos a caminho da redemocratização.

Neste contexto societário marcado pela emergência de uma nova sociabilidade,

onde a essência do capital se torna fictícia 5 e o discurso neoliberal se impõe de maneira

contundente é que se deve repensar o diálogo entre a nova centralidade do trabalho vivo

e a ação política dos trabalhadores, pois as relações étnico/raciais e de gênero são

perpassadas por estas importantíssimas questões.

Assim, pretende­se demonstrar algumas reflexões acerca deste debate que será

dividido em três partes. Inicialmente, serão apresentadas algumas considerações acerca

das metamorfoses pelas quais vem passando o trabalho na contemporaneidade e o

enfraquecimento da relação salarial, sobretudo, no setor bancário que havia se

constituído em uma ilha de segurança em um país onde o desemprego estrutural e a

informalidade sempre foram a regra geral.

Em seguida, alguns apontamentos sobre os impactos da reestruturação do

trabalho do setor bancário sobre os trabalhadores serão realizados, tendo como principal

eixo de análise as relações étnico/raciais e de gênero estabelecidas no setor, visto que a

partir da Constituição Federal de 1988, tais temas passam a ter relevância oficial para a

implantação de um Estado Democrático e de Direito.

Após estas digressões, serão apresentadas algumas reflexões sobre um “outro

olhar” acerca da crise em um contexto de reestruturação dos modos de produção

5 Aqui utilizamos a reflexão de Cocco (2003). Segundo o autor: “No pós­fordismo, é a essência do capital que é ‘fictícia’ (parasitária) e, portanto, não tem mais condições de ser ‘real’. (...)Não é apenas o capital ‘fictício’ que é improdutivo, mas o capital em geral que é cada vez menos capaz de ser ‘real’, ou seja, cada vez menos capaz de se pôr como condição necessária das combinações produtivas” (p. 34).

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capitalista, bem como, a relação existente entre esta perspectiva e o trabalho do setor

bancário, a fim de contribuir para a ampliação do debate.

Finalmente, apresentaremos algumas considerações acerca desta reflexão, como

um esforço teórico que busca questionar de que forma se dá a inserção da mulher negra

no mercado de trabalho brasileiro e, neste caso específico no setor bancário, a fim de

indagar se houve avanços na luta pela igualdade racial e de gênero no país, após cento e

vinte anos de abolição da escravidão negra no Brasil e vinte anos de promulgação de um

texto constitucional resultante de lutas dos movimentos sociais rurais e urbanos que

visavam à restauração das liberdades individuais e da retomada da construção de uma

sociedade de fato democrática e realmente pluralista.

2. O TRABALHO NO SETOR BANCÁRIO E A NOVA CENTRALIDADE DO

TRABALHO VIVO

A análise dos efeitos dos da reestruturação dos modos de produção capitalista

sobre o trabalho bancário terá como recorte temporal a década de 1990, visto que é

neste período em que convergem as condições políticas e sociais que propiciam a

percepção mais nítida a respeito do esgotamento do projeto nacional­desenvolvimentista

gestado nos períodos anteriores.

Primeiramente, será destacado o processo de reestruturação bancária e as

transformações no cotidiano do trabalho deste setor, a partir da produção acadêmica das

Ciências Sociais no Brasil, a fim de demonstrar os principais aspectos demarcadores das

referidas mudanças.

Em seguida, a abordagem será voltada para os impactos que o processo de

reestruturação bancária tiveram sobre a subjetividade e as formas de resistência das (os)

trabalhadoras (es) desta categoria, bem como, as estratégias desenvolvidas para o

enfrentamento dos desafios daí decorrentes.

Finalmente, as transformações anteriormente apresentadas serão discutidas a

partir da perspectiva teórica desenvolvida a partir do operaísmo italiano 6 que a entende

como uma nova grande transformação demarcadora da passagem para um capitalismo

6 Para um maior aprofundamento acerca do histórico do movimento operaísta italiano se recomenda a leitura de Lazzarato (2001) e Altamira (2008). Contudo, destaca­se que para além das divisões internas que se seguiram no grupo, seus principais teóricos são Mário Tronti, Raniero Pauzieri e Antonio Negri.

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cognitivo. Além disso, esta discussão terá como suporte o conceito de trabalho imaterial

desenvolvido por Antonio Negri e Maurício Lazzarato.

2.1. Dos aspectos objetivos: a r eestruturação bancária

Nas últimas décadas do século XX foram percebidas inúmeras transformações na

divisão social do trabalho, principalmente a partir da crise do regime de produção

fordista que constituiu o ápice das sociedades disciplinares descritas por Foucault

(2007b) até o seu declínio, que ocorreu mais rapidamente após o fim da Segunda Guerra

Mundial em decorrência da configuração de novas forças na ordem mundial (Deleuze,

1992).

Afirma­se que se trata de um período em que a fábrica já não é mais o padrão de

organização da sociedade. Vive­se um período pós­fordista definido como “regime de

acumulação que implica a co­presença de diferentes configurações produtivas, desde as

formas de tipo proto­industrial até o toyotismo” (Cocco, 2001, p.101).

Ao se levar em consideração as experiências empíricas apresentadas, podem ser

considerados alguns aspectos deste contexto social que tem uma construção histórica

relacionada à política de desregulamentação financeira nos países mais industrializados

e que se traduziram em enormes transformações no sistema financeiro internacional.

Neste sentido, pode­se dizer que o enfraquecimento das relações de emprego no

setor bancário brasileiro, exemplo importante da reestruturação produtiva, integra uma

crise mais ampla que possui efeitos em todo o mundo 7 .

Note­se que no Brasil, a reestruturação bancária é resultante de um processo que

se inicia com a Reforma Bancária no final do ano de 1964 (Lei n. 4595, de 31.12.1964),

pela Reforma do Mercado de Capitais (Lei n. 4728, de 14.07.1965 e o Plano de Ação

Econômica do Governo realizado entre os anos de 1964 e 1966 8 . Neste período, o setor

bancário já começa a utilizar tecnologia de primeiro mundo (Grisci, 2004).

Estas mudanças estabeleceram, ainda, as bases do Sistema Financeiro Nacional ­

SFN e são ampliadas com o chamado Programa Nacional de Desburocratização criado

7 Segundo Negri & Cocco (2005) “é a transformação da dependência em interdependência que coloca em evidência a nova situação, que mostra ­ eventualmente – suas possibilidades de deslocamento e que identifica de forma não­secundária) a nova figura dos conflitos com a nova qualidade dos temas" (p. ). 8 Estas leis criaram mecanismos de controle e fiscalização das instituições públicas e privadas do sistema financeiro por parte do Estado, conforme ressalta Jinkings (1996).

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pelo Decreto nº. 83.740 de 1979, no Governo Figueiredo, com o objetivo de dispor

sobre a contratação de correspondentes no país.

Além disso, no período 1940­1980, ocorreu um forte crescimento econômico e

das relações formais de trabalho do Brasil, sobretudo, devido à implementação do

projeto de industrialização nacional, bem como à institucionalização das relações de

trabalho através de um conjunto de normas legais instituídas pela Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT). Estas mudanças originaram novas demandas e a necessidade dos

bancos a se adaptarem a uma nova realidade.

Segundo Segnini (2001), neste período a relação entre crescimento econômico,

emprego e direitos sociais nunca havia se dado de forma tão intensiva e o avanço do

capitalismo intensificou a profunda heterogeneidade produtiva e a desigualdade nas

relações de trabalho e renda 9 .

Na década de 1970, o sistema financeiro internacional passava por um processo

de desregulamentação, a fim de atender às demandas emergentes do processo de

reestruturação do capital que obrigava as instituições financeiras a se tornarem cada vez

mais competitivas, visto que com a crise do Estado de Bem­Estar Social, que possuía

seus fundamentos nos modelos de produção taylorista / fordista e no keynesianismo, o

“compromisso” 10 social realizado entre capital e trabalho mediado pelo Estado, como

uma opção apresentada pela social­democracia, já demonstrava toda a sua fragilidade.

Entretanto, a partir dos anos 80, as medidas macroeconômicas utilizadas como

mecanismos para solucionar (ou melhor, conter) o crescimento da dívida externa e o

colapso do financiamento da economia brasileira concorreram para fortes e rápidas

oscilações econômicas, superinflação e estagnação. Nesse contexto, as estruturas do

frágil mercado de trabalho brasileiro foram rompidas.

Neste período, a reestruturação bancária foi marcada pela redução dos custos

operacionais, intensificação da automação, desenvolvimento e incentivo ao auto­

9 No mesmo sentido Negri&Cocco (2005) afirmam que: [...] a partir dos anos 30, através do autoritarismo populista, a hibridação se dará entre paternalismo, modernismo e facismo: sobre esta base irão se desenvolver novas forças corporativas. [...] É ilusório considerar que, sob tais condições, a cidadania social e a formação de modos de interação entre as classes poderiam ter lugar. Se de 1940 a 1980 a taxa média anal de crescimento econômico foi, no Brasil, de impressionantes 7%, isso não teve, naquelas condições sociais nenhum efeito democrático” (p. 106). 10 Segundo Antunes (2002): “Na verdade, esse “compromisso” era resultado de vários elementos imediatamente posteriores à crise de 30 e da gestação da política keynesiana que sucedeu. Resultado, por um lado, da “própria ‘lógica’ do desenvolvimento anterior do capitalismo” e, por outro, do equilíbrio relativo na relação de força entre burguesia e proletariado, que se instaurou ao fim de decênios de lutas. Mas esse compromisso era dotado de um sentido ilusório, visto que se por um lado sancionava uma fase de relação de forças entre capital e trabalho, por outro lado ele não foi conseqüência de discussões em torno de uma pauta claramente estabelecida”. (p. 38).

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atendimento, mudanças na gestão de pessoal, redução dos postos de trabalho e práticas

de terceirização.

No entanto, é com a introdução dos princípios da administração pública gerencial, com o intuito de transformar as formas de gestão do Estado utilizadas nos períodos

anteriores, que o processo de reestruturação bancária se aprofunda, principalmente a

partir da implementação do Plano Real na década de 90 (Jinkings, 2006) 11 . Nesse

sentido, afirma­se que: A reestruturação do sistema bancário brasileiro aprofundou­se especialmente após a implementação do programa de estabilização monetária conhecido como Plano Real, em meados dos anos 1990. De modo semelhante aos processos desencadeados nos países capitalistas centrais ao longo da década 1980, no Brasil os “ajustes” no sistema bancário direcionam­se para a redução de custos operacionais – apoiada na intensificação tecnológica e na terceirização – e a concepção de novas estratégias mercadológicas, baseadas na diversificação e sofisticação de produtos e serviços (Jinkings, 2006, p.193).

Não se deve esquecer ainda que no início da década de 1990 ocorreu uma

importante mudança que acelerou o processo de reestruturação bancária: a criação do

banco múltiplo. Com isto, ocorreu o fim da exigência de carta patente para a abertura de

uma instituição financeira (Grisci, 2004).

Dessa forma, ao mesmo tempo em que adquiriu maior relevância econômica em

todo o mundo, o setor bancário é marcado por uma concorrência cada vez maior

(Larangeira, 1997; Jinkings, 2001). Pode­se afirmar diante deste contexto que: ... estratégias comuns de orientação comercial não são suficientes para garantir similaridades na organização do trabalho. Ao examinar a questão da reestruturação produtiva no setor, é importante considerar a existência de diferentes concepções de processo de trabalho, o que, às vezes, resulta em estratégias opostas, como bem ilustram exemplos internacionais (Larangeira, 1997, p. 113)

De acordo com Larangeira (1997), o tipo de abordagem adotada para implementar

o processo de reestruturação bancária varia de acordo com o país. Afirma que a escolha

de estratégias gerenciais de uso e gestão da força de trabalho é condicionada por fatores

societais, tais como grau de escolaridade, extensão e efetividade das leis trabalhistas e

natureza das relações de poder estabelecidas entre os agentes envolvidos; e de ordem

econômica, que se relacionam com o tipo de mercado e com o grau de competitividade

entre as empresas.

11 Segundo Grisci (2004), baseando­se em trabalho realizado pelo DIEESE afirma que “o processo de reestruturação produtiva pode ser dividido em duas etapas: a reestruturação ou “ajustes para dentro” (reorganização interna) e a reestruturação ou “ajustes para fora” (p.174). O primeiro foi realizado mais intensamente a partir da segunda metade da década de 1980 e a segunda etapa se dá a partir do final do ano de 1994.

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No caso brasileiro, bancos públicos e privados expandem suas atividades

voltando­se para a área de negócios e de venda de “produtos” financeiros, realizam a

segmentação da clientela e adotam outras medidas, tais como mudança da marca e do layout das agências a fim de reduzir os custos e aumentar a lucratividade, bem como fusões, aquisições e privatizações por parte de bancos nacionais e estrangeiros

(Larangeira, 1997; Jinkings, 2001; Dourado, 2005).

As transformações dos processos de trabalho nos bancos são fortemente apoiadas

na utilização de tecnologia de base microeletrônica e informática 12 . Em relação a este

aspecto (Jinkings, 2001) afirma que: Com a automatização de sua atividade, os bancários manipulam símbolos de valor cada vez mais fantasmagóricos: sua tradicional matéria­prima – o papel­dinheiro ­ vai sendo rapidamente substituída por impulsos eletrônicos derivados das memórias dos computadores. E o produto do trabalho disfarça­se agora, nos dados informatizados que representam as cifras e os valores da mercadoria­dinheiro em circulação (Jinkings apud Jinkings, 2001, p. 3)

No que se refere ao âmbito das relações de trabalho se pode dizer que a principal

mudança relaciona­se à inserção da flexibilização no processo de trabalho, cujos

fundamentos são: o fato de que a legislação trabalhista é ao mesmo tempo obsoleta e um

dos elementos que impedem o aumento da competitividade empresarial, devido ao alto

custo do trabalho; a negociação é a via mais adequada entre empresários e trabalhadores

como forma de aquisição de benefícios; é necessário que seja reformulado (ou

suprimido) o art. 7º da Constituição da República, por impedir reformas mais amplas

dos direitos trabalhistas.

A flexibilização vem acompanhada de alguns elementos como as práticas de

terceirização, externalização, a qualidade total, o discurso pela qualificação e a

polivalência 13 que causa insegurança, perda do emprego, precarização das condições do

trabalho e saúde dos trabalhadores, dentre outras conseqüências. Além disso, os

processos de terceirização que vêm se acentuando no setor variam muito devido à sua

heterogeneidade.

12 De fato, a introdução de tecnologia nos processos de trabalho interfere de diversas maneiras em seu cotidiano. Segundo Grisci (2004): “Três possibilidades, entretanto, estão presentes no trabalho bancário atual: a automatização; o trabalho mais intelectualizado que demanda um trabalhador com capacidades e qualificações distintas das anteriormente demandadas e o aumento do desemprego” (p. 161). 13 Em relação à polivalência convém notar que esta passa a ser uma exigência que significa que todos devem saber realizar qualquer operação, aliada a idéia de integração de funções, ou seja, o cliente deve realizar todas as suas operações com o mesmo atendente. Neste sentido, Gorz (2005) afirma que a “impossibilidade de mensurar o desempenho individual e de prescrever os meios e os procedimentos para chegar a um resultado conduz os dirigentes da empresa a recorrer a ‘gestão por objetivos’: eles fixam objetivos aos assalariados; cabendo a eles desdobrar­se para cumpri­los” (p. 18).

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A terceirização possui características que dizem respeito ao tipo, à forma e ao

lugar onde a atividade é realizada: dentro ou fora da empresa contratante; se a atividade

é total ou parcialmente repassada a terceiros; se a atividade é considerada meio ou fim;

se a atividade é repassada para além daqueles que fecharam o contrato com a empresa­

mãe; se a atividade é realizada dentro ou fora do país de origem demandante.

Nesse sentido, convém notar que o ordenamento jurídico brasileiro não permite

a terceirização de atividades ligadas ao objeto social das empresas. Contudo, Sanches

(2006) salienta que: A área de Compensação e todas as tarefas que envolvem seu processamento (Retaguarda) não têm sido reconhecidas como atividade­fim. Ou seja, não são consideradas pelos banqueiros essenciais para o deslanche de seu negócio e, por isso, se tornaram terceirizáveis. No entanto, não existe nada mais elementar na atividade bancária do que processar cheque, que é objeto de transação bancária e só encontra sentido no negócio bancário. (p.19)

Argumenta, ainda, que a terceirização 14 desses serviços pode transgredir as

normas contidas nas Leis Federais n.° 4595/64 e 7492/86, que tratam do sigilo bancário

e contribui para a redução dos postos de trabalho nos bancos e pulverização desta

categoria. Contudo, Larangeira (1997) observa que a terceirização também é um recurso

utilizado para atividades que tendem a desaparecer em um curto espaço de tempo e cita

como exemplo, a compensação de cheques anteriormente referida.

Outro ponto importante no que se refere à terceirização é destacado por Venco

(2006) que, ao estudar a terceirização dos serviços de telemarketing dos bancos, observa que as novas configurações dos layouts buscam controlar não apenas as atividades de

seus empregados, mas também de seus clientes. Neste caso, ocorre uma comparação

com o panóptico de Jeremy Bentham, descrito por Foucault (2007), como forma de

vigilância e disciplina constante.

Neste sentido Sanches (2006) afirma que até mesmo os clientes participam da

gestão da produção capitalista no contexto do sistema bancário e têm suas ações cada

vez mais controladas pelos bancos, na medida em que “após 1994, as mais diversas

14 Terceir izar significa contratar serviços especializados à outra empresa que não se relacionam com a atividade­fim da empresa contratante. Contudo, o que se observa é a utilização indiscriminada desse instrumento a fim de burlar as normas protetoras dos trabalhadores estabelecidas, principalmente, nos arts. 6° e 7° da Constituição da República e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, deve­se observar o fenômeno da quar teir ização. Este conceito se refere à prática, cada vez mais crescente, de repasse de atividades por parte da empresa terceirizada contratada para realizar determinado serviço estipulado por meio de contrato. É importante ressaltar que a quarteirização é repudiada pela Justiça do Trabalho, pois geralmente surge de uma terceirização ilícita ou se constitui no contrato de alocação de mão­de­obra em outra empresa. Estas práticas são rechaçadas no enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

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tarifas passaram a ser cobradas sobre as operações realizadas para e pelos clientes que,

inclusive, sugerem e obedecem às ordens no imperativo” (p.34). Prossegue afirmando

que: Nas operações bancárias, feitas nos caixas eletrônicos até mesmo o tempo é controlado. “Caso o próprio cliente demore em efetivar uma operação, a tela de trabalho será removida e ele terá que voltar ao ponto inicial e refazer todo o trajeto interrompido” (p.35).

Nesse contexto, não nos podemos furtar à comparação com o poder disciplinar de

Foucault (2007), principalmente em sua análise da formação dos “corpos dóceis” em

que trata da arte das distribuições e da importância do controle da atividade e dos

“recursos para o bom adestramento” em que “a vigilância é um operador econômico

decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de

produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar” (p.147).

Contudo, pode­se afirmar que ao mesmo tempo em que se percebe a dinâmica da

disciplina pode­se também observar uma mudança no que se refere ao controle do

tempo. Esta característica é essencial para se compreender a passagem para uma

sociedade de segurança (Foucault, 2008c), ou, ainda, para uma sociedade de controle

conforme destaca Deleuze (1992).

Sanches (2006) afirma que estes aspectos negativos da reestruturação bancária

se devem ao fato de estarem fortemente conjugados com a expansão da tecnologia e da

informação nos processos de trabalho. Segundo esta leitura acerca das transformações

pelas quais vem passando o setor bancário, a substituição do trabalho vivo pelo trabalho

morto seria uma das principais causas dos males causados pela reestruturação produtiva

no setor (Sanches, 2006; Antunes, 2006).

2.2. DOS ASPECTOS SUBJETIVOS: A FRAGMENTAÇÃO DA CATEGORIA

BANCÁRIA, OU DA CRISE DA “ANTIGA” SUBJETIVIDADE

Em um contexto de reestruturação produtiva, o desemprego tem significado a

fragilização dos trabalhadores assalariados, na medida em que no Brasil, o registro do

contrato na carteira de trabalho significa o reconhecimento de um vínculo empregatício

que possibilita aos trabalhadores, a fruição de direitos e garantias previstos em sede

constitucional e infraconstitucional.

Além disso, tem sido cada vez mais difícil compreender os trabalhadores apenas

sob uma perspectiva de classe. Isto porque têm sido cada vez questionadas as tendências

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homogeneizantes desta perspectiva, pois se argumenta que são encobertas as diferenças

de gênero, raça, de orientação sexual, de geração que perpassam a “classe” trabalhadora.

Outra crítica feita é que no Brasil a perspectiva de classe esteve ligada a um

projeto desenvolvimentista que não levava em conta a subjetividade, pois segundo

Negri & Cocco (2005) o “desenvolvimentismo capta as dimensões estruturais do

subdesenvolvimento, mas ignora os sujeitos e, sobretudo, as figuras das lutas e da

resistência naquele período” (p. 75).

Neste sentido, tem­se uma forte crítica ao desenvolvimentismo pois, relegou a

um segundo plano as influências do racismo na dinâmica do trabalho. Isto porque a

escravidão negra no Brasil ainda tem importantes rebatimentos na atual configuração do

mercado de trabalho, sobretudo, ao tomarmos como ponto de partida o lugar

historicamente atribuído às mulheres, sobretudo às mulheres negras na sociedade.

Diante disto, as reflexões realizadas por Bairros (1991) e Gonzalez (1994) são

preciosas, pois embora tenham sido realizadas dentro do paradigma fordista, apresentam

de maneira contundente a dupla subordinação que marca a inserção da mulher negra no

mercado de trabalho, visto que são discriminadas pelo fato de serem mulheres e negras.

Ao avaliarem a situação das mulheres negras no Brasil destacam que, se por

um lado, houve crescimento econômico durante o “milagre” e o incremento da

participação das mulheres no emprego fortemente centrado na indústria, bem como no

acesso à educação, por outro lado, as mulheres negras mantiveram praticamente

inalteradas a sua situação na sociedade, ou seja, permaneceram ligadas às atividades

domésticas e com poucos anos de freqüência de educação formal (Bairros, 1991;

Gonzalez, 1994).

No decorrer das décadas a situação das trabalhadoras negras, ainda que tenha

melhorado, apresentam enormes disparidades quando são analisados os dados de

pesquisas sobre o mercado de trabalho e desagregados por gênero e raça, pois

geralmente mostram que estas se encontram nos cargos com menos prestígio social e/

ou recebendo os menores salários, muitas vezes desempenhando as mesmas funções

com as mesmas responsabilidades 15 .

No que se refere às transformações no mercado de trabalho e seu impacto sobre a

subjetividade dos trabalhadores, Segnini (2001) escolhe a categoria bancária como

15 Neste sentido, podem ser citadas as pesquisas realizadas pelo DIEESE (2005B, 2006), UNIFEM (2004) e IPEA (2008). No que se refere às discussões que colocadas no presente trabalho tais observações ainda são bastante atuais, conforme se verá adiante.

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exemplo analítico, na medida em que esta categoria teve (e ainda se pode dizer que tem)

acesso à sociedade salarial 16 , ou seja, às relações de trabalho formais que possibilitaram

o acesso a um conjunto de direitos e garantias sociais.

Neste sentido, Segnini (2001) afirma que o trabalho bancário, que é um dos ramos

mais expoentes do setor de serviços, constituiu­se em um “pilar consistente de direitos”,

ainda que inscrito em um contexto caracterizado por desigualdades, considerando­se

tanto a relação banqueiros/bancários, a diferenciação hierárquica e salarial, a

diferenciação de gênero e étnica. Destacando, ainda, que o trabalho bancário é marcado

por muita tensão, estresse e sofrimento mental.

Destaca­se, ainda, que apesar de a atividade bancária continuar a crescer

economicamente, os trabalhadores bancários estão vivenciando alto grau de

vulnerabilidade social, expressa pelo índice elevado de desemprego, pela terceirização

dos serviços e pela intensificação do trabalho para os que permanecem empregados e a

redução da própria categoria (Dourado, 2000; Larangeira, 1997; Jinkings, 1996, 2001,

2002; Segnini, 2001).

Larangeira (1997) assinala que ocorreram mudanças significativas no perfil dos

trabalhadores bancários, pois nos anos das décadas de 1970 e 1980, a maioria dos caixas

e escriturários eram jovens estudantes, sem expectativas de permanência no emprego

por muito tempo, desempenhando funções rotineiras e de baixa qualificação, apesar da

alta escolaridade. Por outro lado na atualidade: O perfil do novo bancário é traçado, portanto, a partir da ênfase na capacidade de lidar com tarefas não prescritas e com limites pouco definidos, contrariando a exigência anterior, quando as atividades eram claramente delimitadas pelo manual (Larangeira, 1997, p. 118).

Além disso, Segnini (1998) percebe que o maior nível de escolaridade das

mulheres que trabalham no setor bancário e o processo de feminização da categoria,

podem estar evidenciando novas formas de exploração/domesticação. Estes aspectos da

divisão sexual do trabalho podem ser interpretados como novas mudanças nos

dispositivos 17 do poder.

16 O termo sociedade salarial é utilizado por Castel (1998) ao analisar as metamorfoses da questão social. O autor apresenta um panorama de sua formação a partir do enfoque sobre a sociedade francesa. 17 Aqui os dispositivos são entendidos como um conjunto multilinear composto por linhas de diferentes naturezas que não abarcam nem delimitam sistemas homogêneos, mas seguem diferentes caminhos, formando processos em desequilíbrio. Neste sentido, Deleuze (1990) afirma que “as três grandes instâncias que Foucault distingue sucessivamente (Saber, Poder e Subjetividade) não possuem, de modo definitivo, contornos definitivos; são antes cadeias de variáveis entre si” (Deleuze, 1990, p. 155).

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13

Pesquisas realizadas pelo DIEESE (2004, 2005a) mostram uma "participação

equilibrada" entre homens e mulheres brancas no setor bancário (45% de mulheres

brancas e 55% de homens brancos). Contudo, em relação às outras cores não foi

encontrado o mesmo "equilíbrio”. Os homens são maioria expressiva entre os bancários

pretos e pardos.

Em relação às funções, foi percebido que pretos e pardos são sempre minoria e

também apresentam as menores participações quando comparados com amarelos – à

exceção de funções como as de vigias, contínuos, pessoal de limpeza, etc. Neste sentido,

afirma­se que: Quanto maior o grau de hierarquia, menor a participação de pretos e pardos. Os pretos e pardos aparecem com maior expressão nos cargos de contínuos, vigias, pessoal de limpeza, etc. Devemos lembrar que a alocação de uma pessoa em um determinado segmento é um elemento­chave, uma vez que seu salário vai depender das regras internas daquele segmento (DIEESE, 2004, p. 09).

Segundo pesquisa de Portilho (2007), utilizando­se de dados do Ministério do

Trabalho e Emprego ­ MTE no ano de 2005, o perfil dos sindicalizados desagregado por

sexo indica a predominância de mulheres nos bancos privados e sua menor presença nos

bancos públicos.

Esta diferença de gênero observada em relação aos bancos públicos e privados

pode ser explicada pelo fato de que somente no final da década de 1960, as mulheres

puderam participar de concurso para ingressar nos bancos públicos (Jinkings, 1996;

Segnini, 2001).

Quanto às relações de gênero o DIEESE (2004), também se observa que os

homens ocupam a maior parte dos cargos de gerência em relação às mulheres no banco

ABN Real. Contudo, é importante ressaltar a ausência de dados referentes a homens e

mulheres pretas e pardas nestas funções. Segundo o DIEESE (2004): Em 2002, 86,73% dos bancários do ABN Real eram brancos e 10,24% eram negros (pretos e pardos). Se além da variável raça se utilizar o gênero, a fim de constatarmos se há diversidade racial nos bancos, veremos que as mulheres e homens brancos são a maioria. Por outro lado, mulheres e homens pretos não chegam a 1% (0,36% e 0,60% respectivamente) e mulheres e homens pardos não passam de 5,00% (4,32% e 4,96%, respectivamente) (p. 14).

Segundo Portilho (2007), no ano de 2005, a faixa etária predominante dos

bancários do Município do Rio de Janeiro variava de 40 a 49 anos (32%), sendo que até

29 anos (27%) e de 30 a 39 anos (29%). Quanto ao nível de escolaridade predominam

os empregados com nível superior (67%).

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14

A redução dos postos de trabalho no setor impacta diretamente o cotidiano do

trabalho dos empregados que permanecem nos bancos, bem como, a ação sindical da

categoria que não deve ser atribuída somente à queda das taxas de sindicalização. Neste

sentido, Jinkings (1996) ressalta que

... na categoria bancária, as mudanças organizacionais e tecnológicas, influindo profundamente nas relações de poder dentro das instituições, no cotidiano de trabalho e no próprio perfil da categoria, compeliriam os trabalhadores a criar novos mecanismos de resistência (p. 96).

Tais mudanças têm atingido até mesmo sindicatos que possuem tradição na defesa

dos interesses da categoria que representam como é o caso do Sindicato dos Bancários

do Município do Rio de Janeiro 18 . Neste sentido, Portilho (2007) sustenta que: A opção dos bancários do Rio de Janeiro de intensificar as lutas no campo social se justificava principalmente pelas políticas neoliberais anti­sociais que vinham sendo implantadas com marcantes perdas para os trabalhadores do setor bancário. Desta forma, o Sindicato buscava um meio de se manter ativo, mesmo sob o recrudescimento das investidas políticas contra a entidade e os trabalhadores, tanto de parte do governo quanto dos banqueiros (p. 9)

No que se refere ao perfil dos trabalhadores que aderiram ao Sindicato dos

Bancários do Município do Rio de Janeiro no ano de 2005, a maior parte é oriunda de

bancos privados (60%) e, em menor percentual, dos bancos públicos (25%).

Portilho (2007) afirma, ainda, que devido ao fato de muitos empregados dos

bancos possuírem nível superior, muitos preferem recolher a contribuição sindical ao

órgão representativo de sua classe, pois não se reconhecem como bancários, tal como

acontece com advogados administradores e contadores.

Neste quadro de redução de postos de trabalho e diminuição do número de

sindicalizados, os sindicatos têm enfrentado novas demandas que surgem da falência da

visão desenvolvimentista de organização das forças produtivas. As demandas daí

decorrentes são pautadas na afirmação de novas identidades que constituem parte de

uma nova subjetividade das (os) trabalhadoras (es).

Esta subjetividade não deve ser entendida como algo voltado para o interior do

sujeito, como algo abstrato, mas como algo concreto que é constituído a partir das

influências do mundo e, que, por outro lado o constitui. Neste sentido, os modos de

subjetivação se referem às maneiras como os indivíduos ou as coletividades se

18 O Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro foi fundado na década de 1930 e “sua trajetória de conquistas inclui a jornada de 6 horas desde 1933 e a estabilidade no emprego, posteriormente alterada tanto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto por ocasião da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), na década de 1960” (Portilho, 2007, p. 08­ 9).

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15

constituem como sujeitos (Deleuze, 1992). Segundo Grisci (2004) “[...] a subjetividade

pode ser compreendida como fabricada, produzida, moldada, modulada” (p. 04).

A própria pressão que os movimentos de mulheres, o movimento feminista e o

movimento negro imprimiram nos últimos anos da década de 1970 e no início dos anos

da década de 1990 no Brasil, também foi importante para o questionamento de uma

“igualdade forçada” em termos de identidade das (os) trabalhadoras (es).

Além disso, a promulgação do novo texto constitucional incluiu entre os seus

objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação” (art. 3º, IV, CFRB/88). Provocou,

ainda, mudanças significativas no que se refere ao trabalho da mulher incluindo novos

direitos e garantias para o seu exercício.

Neste contexto, foram negociados novos pactos pautados em documentos

internacionais decorrentes de Conferências que observassem os princípios e objetivos da

República. Dentre elas, podem ser destacadas a Conferência Internacional da Mulher

realizada em Beijing no ano de 1995, que teve como novidade a discussão em torno da

articulação entre relações de gênero e questão racial no âmbito mundial e a III

Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerâncias Correlatas, que ocorreu na cidade de Durban em 2003, que ampliou o

debate iniciado na Conferência de Beijing. Note­se, ainda, que a partir de 2003: ... em consonância com a construção histórica dos movimentos sociais, as bases da política nacional e os compromissos assumidos internacionalmente, o governo brasileiro criou três instrumentos institucionais considerados fundamentais para o enfrentamento das discriminações: a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM); e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), todas vinculadas à Presidência da República. Essas Secretarias inauguram uma página significativa no tratamento dispensado pelo Estado brasileiro às iniqüidades resultantes do racismo, das discriminações e das desigualdades sociais históricas. (Ribeiro, 2006, 807).

Dessa forma, a partir da articulação entre movimentos sociais e órgãos

governamentais é que irá se delinear novas formas de enfrentamento no âmbito da luta

pela manutenção do emprego e incremento da diversidade nos locais de trabalho.

Neste sentido, deve­se notar que antes mesmo do ano 2000 os sindicatos já

cobravam dos bancos uma auditoria da diversidade que se baseou no “O Rosto dos

Bancários – Mapa de Gênero e Raça no Setor Bancário Brasileiro”, realizada a pedido

da CNB­CUT pelo DIEESE (2001) entre 1998 e 2000, sendo publicada em 2001 e que

comprovou a existência da discriminação no setor bancário.

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16

Note­se, ainda, que no ano de 2000, a Confederação Nacional dos Bancários –

CNB lançou uma Campanha Nacional pela Igualdade de Oportunidades, sob o

argumento de que apesar da inclusão de várias cláusulas relativas ao trabalho da mulher

em várias convenções coletivas, poucos avanços ocorreram em relação ao tratamento

diferenciado entre homens e mulheres; os negros continuavam a ser preteridos no

mercado de trabalho e, tampouco, havia diminuído a dificuldade que os deficientes

enfrentam para viver nas cidades.

Além disso, foi denunciado que no âmbito do trabalho bancário o desrespeito às

Convenções 100 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da defesa

salário igual para trabalho de valor igual para homens e mulheres e a Convenção 111

que discute a questão da discriminação no trabalho era uma realidade constante.

Além disso, o Ministério Público do Trabalho ­ MPT procurou os bancos para

garantir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com prazos e metas para

eliminar as desigualdades.

Os bancos, mais uma vez, negaram o problema. Com isso, o MPT entrou com

ações na Justiça contra Itaú, Bradesco, Real ABN, Unibanco e HSBC por discriminação

coletiva. Nesse cenário, o movimento negro conseguiu uma audiência pública na

Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados, em meados de

2005, que rendeu reuniões, que aconteceram nos anos de 2006 e 2007, perdendo até

hoje, entre MPT e Febraban, com participação da CONTRAF­CUT, resultando num

plano para o combate às discriminações, o COORDIGUALDADE.

3. CAPITALISMO COGNITIVO E TRABALHO IMATERIAL: UM “OUTRO

OLHAR” ACERCA DA CRISE

No âmbito das transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, alguns

autores têm afirmado a passagem de um capitalismo pautado na produção fordista,

caracterizado por um trabalho em série, repetitivo, para uma fase pós­fordista em que

prepondera a invenção e a criatividade. Essa é a hipótese do capitalismo cognitivo

(Corsani, 2003; Moulier­Boutang, 2003, 2007).

Diante disto, não se deve mais tomar a fábrica de alfinetes (Adam Smith), mas a

produção do livro (Gabriel Tarde). Isto significa que “seria necessário parar de pensar a

produção de conhecimentos encerrando­a na produção de mercadorias” (Corsani, 2003).

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17

Dessa maneira, aqueles que se dedicam a combater o discurso do fim do trabalho

(e do fim da história) tanto em suas divergências quanto em suas convergências são

importantes para lançar luz sobre os questionamentos daí decorrentes. Diante disso,

afirma­se que a categoria trabalho imater ial é importante para a compreensão das

transformações pelas quais tem passado o capital e atingido a sociedade de maneira

geral.

O trabalho imaterial é uma categoria formulada por Maurício Lazzarato e Antônio

Negri como desdobramento do conceito de operário­massa originário das lutas operárias

italianas, cujo movimento ficou conhecido como operaísmo italiano. Dessa forma,

afirma­se uma nova perspectiva de análise da crise do capital, pois, o “trabalho material,

mensurável em unidades de produtos por unidades de tempo, é substituído por trabalho

dito imaterial, ao qual os padrões clássicos de medida não mais podem se aplicar”

(Gorz, 2005, p. 16). Além disso, pode­se afirmar acerca do trabalho imaterial que:

Com efeito, é contemporaneamente sobre a derrota do operário fordista e sobre o reconhecimento da centralidade de um trabalho vivo sempre mais intelectualizado, que se constituíram as variantes do modelo pós­fordista. [...] Como prescreve o novo management hoje, ‘é a alma do operário que deve descer na firma. É a sua personalidade, a sua subjetividade, que deve ser organizada e comandada. “Qualidade e quantidade do trabalho são reorganizadas em torno de sua imaterialidade (Lazzarato, 2001, p. 25).

A importância atribuída a esta categoria se justifica na medida em que através do

trabalho imaterial, é possível afirmar que as dimensões comunicativas e sociais não são

perdidas ao se integrar na dinâmica da acumulação.

Tal análise esclarece que a nova centralidade do trabalho deve estar atenta para a

relação entre trabalho imaterial e territorialização da produção 19 visto que compõem

esta nova centralidade, pois é “unicamente no trabalho imaterial, figura historicamente

determinada do General Intellect (do saber social geral, do saber como bem público), que é impossível separar o tempo de trabalho do tempo de reprodução” (Cocco, 2001,

p.110).

Assim, são propostos alguns elementos de reflexão para o deslocamento da crítica

dentro do novo paradigma, para enfrentar e não apenas negar os novos desafios. Nessa

19 Segundo Moulier­Boutang (2003) o “trabalho assalariado fortemente homogeneizado pela grande indústria não constitui mais a ossatura do território; é o território que assegura a compatibilidade, a combinação de diversas formas de trabalho dependente [...] É esta transformação que modifica profundamente o papel dos sistemas de proteção social ainda amplamente herdados da época fordista” (p. 45). Neste sentido, o autor defende que se vive em uma época que denomina de capitalismo cognitivo marcada pela difusão da empresa por toda a sociedade e pela crise dos sistemas de mensuração dos níveis de produtividade do trabalho herdados do período fordista/ taylorista.

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18

perspectiva, sua proposta se articula em dois eixos interligados de redefinição da

mudança, quais sejam o da cidadania e o do trabalho.

Cocco (2001) desenvolve uma análise das mudanças da constituição material

dentro da passagem do fordismo ao pós­fordismo e do deslocamento da relação entre

cidadania e produção. Baseando­se na definição da constituição material do pós­

fordismo interpreta a nova centralidade do trabalho vivo, no sentido de que: [...] por trás da crise do trabalho industrial (e do trabalho assalariado formal), o regime de acumulação pós­fordista determina uma difusão social do trabalho. Longe de desaparecer, o trabalho não pára de se difundir no espaço e no tempo: nos territórios desenhados pelas redes sociais de cooperação; num tempo definido pela recomposição de tempo de vida e tempo de trabalho. (Cocco, 2001, p.16)

Procura reconstruir as análises político­teóricas da crise financeira, a fim de

demonstrar que não é possível analisá­la em si mesma, pois acredita que sua novidade

depende dos paradigmas que caracterizam os processos de trabalho, e ao contrário do

que propõe as abordagens de tipo neo­industrial, não os determina 20 .

Neste sentido, as abordagens que separam a esfera real da esfera financeira (ou

seja, a autonomização da esfera do capital fictício), apesar das divergências quanto à

apreensão do processo de globalização (tanto na sua aceitação, quanto nas formas de

resistência a esse processo) partem do pressuposto de que o Estado­nação e sua

soberania são parâmetros insuperáveis da discussão política e de alternativas de

superação do mercado 21 .

A questão central se subsume à circulação e à distribuição da riqueza produzida,

pois a perda da dinâmica universalizante da relação salarial que funcionava como motor

da formação da mais­valia e de sua realização acaba reabrindo a discussão neste período

de ‘ditadura’ dos mercados e do Estado cada vez menos intervencionista.

Ao se compreender o fordismo como resultado das relações altamente conflituais

da relação salarial tem­se uma abordagem mais ampla acerca da reestruturação

produtiva, pois “o cerne do fordismo encontra­se, na dinâmica dos ganhos de

produtividade, da qual depende o crescimento, simultâneo e interdependente, da

acumulação e dos salários reais” (Cocco, 2001, p. 65).

Segundo Cocco (2001), a difusão territorial dos processos produtivos

(especialização flexível) não se limita às lógicas de externalização e terceirização, pois,

20 Moulier­Boutang (2003) e Corsani (2003) entendem que a mutação do capitalismo é radical e, dessa forma a globalização representaria apenas em parte o deslocamento de uma ordem antiga. A novidade essencial consistiria no estabelecimento de uma nova base do valor, novas formas de validação da moeda e de novas de subordinação do trabalho. 21 Nesta perspectiva podem ser citados Fiori (1999) e Fiori & Tavares (1997).

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19

“por um lado o mercado entrou na fábrica, obrigando­a a flexibilizar­se para

acompanhar suas evoluções cada vez mais voláteis e mais visíveis. Por outro lado, o

próprio regime de fábrica generalizou­se por toda a sociedade” (Cocco, 2001, p. 98).

Isto significa que ao contrário de uma marginalização do trabalho, tem­se em última

instância, em uma nova centralidade do trabalho vivo imbricado com as características

de profunda socialização do trabalho.

Na heterogeneidade dos modos de produção no pós­fordismo, a comunicação

possui papel fundamental aliada à rearticulação territorial da produção. Dessa forma: Trabalho imaterial e territorialização da produção constituem as duas faces de uma mesma transformação, fundamentada na recomposição subjetiva do trabalho, a nova centralidade do trabalho vivo. [...] Assim, a descentralização produtiva e a desintegração vertical constituem apenas fenômenos secundários diante do crescimento de um trabalho concreto que integra as dimensões empresariais (Cocco, 2001, p. 102).

Assim, o conceito de intelectualidade pública 22 supera a categoria clássica do

trabalho improdutivo por considerá­lo insuficiente para responder às novas demandas

societárias 23 . Por isso Cocco (2001) afirma que é “unicamente no trabalho imaterial,

figura historicamente determinada do General Intellect (do saber social geral, do saber como bem público), que é impossível separar o tempo de trabalho do tempo de

reprodução” (p. 110). Desta forma, afirma que ocorre a recomposição do fazer e do

agir 24 .

Compreende­se a necessidade de que sejam apreendidas tais mudanças

paradigmáticas que ocorrem com o capitalismo, a fim de possibilitar uma análise mais

apurada das relações de gênero e de raça/etnia que se estabelecem no interior da força

de trabalho e, no caso específico desta pesquisa, no interior do trabalho bancário. Neste

sentido, Grisci (2006) afirma que: A exigência imposta aos trabalhadores, de uma mobilidade sem precedentes em parte possibilitada pelas próteses tecnológicas que acoplam aos corpos, não pressupõe autonomia para traçar suas próprias rotas, uma vez que o controle se impõe de maneira dispersa, em todas atividades de forma rizomática [...] ao analisar as atuais formas laborais bancárias (p. 36).

22 O termo deriva do que Karl Marx denominava General Intellect. 23 Neste sentido, Grisci (2006) destaca que “ao falar­se em trabalho imaterial, fala­se também do trabalho produtivo material” (p. 39). Esta observação é importante tendo em vista que na clássica divisão dicotômica entre trabalho material e trabalho imaterial, este último foi marginalizado por se considerar que ao trabalho no setor de serviços e que este, por sua vez, se subsume e ainda é dependente da indústria (Antunes, 2006). 24 Outra análise deste mesmo ponto de vista é encontrada em Virno (2008). O autor sustenta que: “a) que o Trabalho absorveu os traços distintivos da ação política; b) que tal anexação tornou­se possível graças à conspiração entre a produção contemporânea e um Intelecto tornado público, isto é, irrompido no mundo das aparências” (p. 118).

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20

Dessa forma, não se pode pensar a resistência das (os) trabalhadoras (es) em uma

forma de enfrentamento direto aos processos de trabalho que atualmente se configuram,

notadamente no trabalho bancário. Conforme assinala Grisci (2006), a resistência se dá

através de linhas de fuga.

Para Foucault a resistência se relaciona ao poder e precede às investidas de seus

dispositivos e, em última instância, como resposta ao biopoder, que se constitui como

um poder sobre a vida (Foucault, 2005) 25 . Somente assim se pode resistir a um controle

que cada vez mais se aproxima da forma de um rizoma 26 .

Convém esclarecer que se compreende a resistência como integrante da

subjetividade. Esta subjetividade, conforme foi visto anteriormente, se constitui e é

constituída por meio de entrecruzamentos com o mundo, com o real e, nesta perspectiva

é que deve ser compreendida a resistência.

Dessa forma, descortinam­se múltiplas possibilidades para reflexão acerca da

nova centralidade do trabalho vivo e a articulação entre produção de subjetividades e

resistência, principalmente em um período em que tanto se tem falado de crise e da

perda de um horizonte em que não se descortina mais um sujeito político capaz de uma

mudança radical da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

25 É importante destacar que o biopoder é articulado ao surgimento do racismo de Estado. Este fenômeno demarca uma importante passagem daquilo que se conhecia como luta das raças voltada para um inimigo externo e que, após o século XIX se volta para o seu próprio interior (Foucault, 2005). Neste sentido, o autor afirma que ao antigo direito de soberania que se fazia morrer ou se deixava viver, sobrevém outro a complementá­lo que consiste no “[...] direito de fazer viver e deixar morrer” (Foucault, 2005, p. 287). 26 Além disso, para se apreender a resistência como linha de fuga, como multiplicidade de estratégias, é importante compreender o que é um rizoma. Neste sentido, Deleuze (1995) afirma que: “um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter­ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ [...] Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. [...] Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início e nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio” (p. 37).

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21

Foram apresentadas algumas considerações sobre o processo de reestruturação

produtiva no setor bancário, principalmente a partir da década de 1990, período em que

a globalização e o pensamento neoliberal penetram no país com grande força.

Além disso, abordaram­se algumas especificidades deste processo no que se refere

ao município do Rio de Janeiro, principalmente em relação ao perfil dos trabalhadores

pertencentes a esta categoria, a fim de se apresentar algumas importantes assimetrias

existentes na sua composição.

A partir de uma análise mais ampla dos processos que contribuíram para as

transformações no cotidiano do trabalho bancário foram apresentadas as desigualdades

no que se refere à ocupação dos postos de trabalho e à renda que se tornam mais nítidas

quando se analisam os dados desagregados segundo gênero e raça.

Além disso, algumas considerações sobre as transformações do capitalismo que

influenciam os modos de produção foram apontadas a partir de uma perspectiva que se

desenvolve a partir do movimento denominado operaísmo italiano. Esta perspectiva

parte uma leitura pouco ortodoxa das obras de Marx, a fim de repensá­las à luz de

autores pós­estruturalistas como Foucault e Deleuze.

Neste período histórico em que se afirma a necessidade do reconhecimento das

diferenças, da afirmação de identidades que rompam com essencialismos e com a lógica

binária é que se deve pensar outras possibilidades teóricas que possam enriquecer o

debate acerca do mundo do trabalho na contemporaneidade, bem como os sujeitos e

novas possibilidades de ação política.

É necessário refletir sobre os novos dispositivos do poder neste contexto em que

transparece apenas a aparência de uma crise interminável. E a reflexão aqui proposta

não deve ser compreendida como mais um discurso acerca da dominação e exploração

sofrida pelos negros e, principalmente, pelas mulheres negras na sociedade brasileira,

pois isto já tem sido muito noticiado pelas estatísticas e pode ser facilmente percebido

pelas ruas das cidades brasileiras.

O que interessa saber é de que forma homens e mulheres resistem a um

capitalismo que, ao contrário do passado, não busca anular a subjetividade, mas dela

precisa para existir e, dessa forma, impõe novos desafios para todas as trabalhadoras e

trabalhadores.

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22

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