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CRÍTICA DE MÍDIA E A

TESSITURA DAS MEDIAÇÕES

JOSÉ FERREIRA JUNIOR(Organizador)

CRÍTICA DE MÍDIA E A

TESSITURA DAS MEDIAÇÕES

Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

Francinete Louseiro de Almeida

José Arnold Filho

Josefa Melo e Sousa Bentivi Andrade - Zefinha Bentivi

Junerlei Dias Moraes

Marcos Arruda Valente de Figueiredo

Nilma Regina Mendes Lima

São Luís2012

1ª EDIÇÃO ATUALIZADA

JOSÉ FERREIRA JUNIOR(Organizador)

CRÍTICA DE MÍDIA E A

TESSITURA DAS MEDIAÇÕES

Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

Francinete Louseiro de Almeida

José Arnold Filho

Josefa Melo e Sousa Bentivi Andrade - Zefinha Bentivi

Junerlei Dias Moraes

Marcos Arruda Valente de Figueiredo

Nilma Regina Mendes Lima

São Luís2012

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Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

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Marcos Arruda Valente de Figueiredo

Nilma Regina Mendes Lima

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Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

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José Arnold Filho

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Junerlei Dias Moraes

Marcos Arruda Valente de Figueiredo

Nilma Regina Mendes Lima

São Luís2012

São Luís

2018

1ª EDIÇÃO ATUALIZADA

JOSÉ FERREIRA JUNIOR(Organizador)

CRÍTICA DE MÍDIA E A

TESSITURA DAS MEDIAÇÕES

Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

Francinete Louseiro de Almeida

José Arnold Filho

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Marcos Arruda Valente de Figueiredo

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CRÍTICA DE MÍDIA E A

TESSITURA DAS MEDIAÇÕES

Ana Leila Melonio dos Santos

Euclides Moreira Neto

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Copyright © 2018 by EDUFMA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

Profa. Dra. Nair Portela Silva CoutinhoReitora

Prof. Dr. Fernando Carvalho SilvaVice-Reitor

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃOProf. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira

Diretor

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Jardel Oliveira SantosProfa Dra. Michele Goulart Massuchin

Prof. Dr. Jadir Machado LessaProfa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima

Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra FreireProfa Dra. Maria Mary Ferreira

Profa. Dra. Raquel Gomes Noronha

RevisãoElaine Oliveira

DiagramaçãoFrancisco Batista Freire Filho

NormalizaçãoMaria de Fátima Ribeiro dos Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Crítica de mídia e tessitura das mediações/José Ferreira Junior (orga-nizador) São Luís: EDUFMA, 2018, 1ª edição atualizada.

235 p.

ISBN 978-85-7862-730-0

1. Mídia. 2. Crítica de mídia. I. Ferreira, José.

CDU 316.774

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SUMÁRIO

A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais O Estado do Maranhão e Jornal PequenoJosefa Melo e Sousa Bentivi Andrade – Zefinha Bentivi

REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhenseEuclides Moreira Neto

OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIAFrancinete Louseiro de Almeida

A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da Rádio EducadoraJosé Arnold Filho

DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra – leituras e releituras nas entrelinhas do silêncioAna Leila Melonio dos Santos

A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinemaJunerlei Dias Moraes

ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacu-larização das narrativas jornalísticas na Revista CarasNilma Regina Mendes Lima A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DA CARTA-CAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo in-sustentáveisMarcos Arruda Valente de Figueiredo

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SUMÁRIO

A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais O Estado do Maranhão e Jornal PequenoJosefa Melo e Sousa Bentivi Andrade – Zefinha Bentivi

REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhenseEuclides Moreira Neto

OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIAFrancinete Louseiro de Almeida

A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da Rádio EducadoraJosé Arnold Filho

DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra – leituras e releituras nas entrelinhas do silêncioAna Leila Melonio dos Santos

A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinemaJunerlei Dias Moraes

ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacu-larização das narrativas jornalísticas na Revista CarasNilma Regina Mendes Lima A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DA CARTA-CAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo in-sustentáveisMarcos Arruda Valente de Figueiredo

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APRESENTAÇÃO

Este livro se originou das dissertações de mestrado em Comu-nicação, defendidas na cidade de Niterói (RJ) em 2011, frutos do convênio entre a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Maranhão como instituição associada.

O Mestrado Interinstitucional (MINTER) titulou sete docen-tes do Departamento de Comunicação Social e uma técnico-admi-nistrativa da UFMA. A iniciativa teve a chancela da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no que diz respeito à certificação do convênio. A coordenação acadêmica ficou a cargo do Prof. Dr. Fernando Antonio Resende (UFF) e cou-be a mim a coordenação operacional por parte da UFMA.

A intenção dos docentes e dos discentes do MINTER, logo após a finalização dos trabalhos, foi registrar os resultados das pesquisas em função da receptividade que as mesmas tiveram das bancas examina-doras e da necessidade de divulgar, além-muros da universidade, tra-balhos cuja relevância abranja não somente inquietações intelectuais presentes na academia, mas, sobretudo, atenda a demandas prove-nientes dos profissionais e dos estudantes da área de Comunicação.

No título desta obra, Crítica de mídia e a tessitura das me-diações, encontram-se definidos os parâmetros norteadores dos ar-tigos. A tradição crítica dos processos de comunicação, empreen-dida em todo o século XX e na primeira década do século XXI, se faz presente, com apreciável repertório teórico. O conceito de me-diação, em cuja construção destaca-se há mais de trinta anos Jesús Martín-Barbero, é outra matriz da qual brotam as análises de temas que, mesmo quando inseridos em contextos regionais, ganham uni-versalidade em função da tessitura e do rigor analíticos.

Com essas características, apresenta-se o artigo de Zefinha Ben-tivi, A guerra pelos pobres do Maranhão: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”, em que a autora utiliza-se da hermenêutica da narrativa para identificar os

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APRESENTAÇÃO

Este livro se originou das dissertações de mestrado em Comu-nicação, defendidas na cidade de Niterói (RJ) em 2011, frutos do convênio entre a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Maranhão como instituição associada.

O Mestrado Interinstitucional (MINTER) titulou sete docen-tes do Departamento de Comunicação Social e uma técnico-admi-nistrativa da UFMA. A iniciativa teve a chancela da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no que diz respeito à certificação do convênio. A coordenação acadêmica ficou a cargo do Prof. Dr. Fernando Antonio Resende (UFF) e cou-be a mim a coordenação operacional por parte da UFMA.

A intenção dos docentes e dos discentes do MINTER, logo após a finalização dos trabalhos, foi registrar os resultados das pesquisas em função da receptividade que as mesmas tiveram das bancas examina-doras e da necessidade de divulgar, além-muros da universidade, tra-balhos cuja relevância abranja não somente inquietações intelectuais presentes na academia, mas, sobretudo, atenda a demandas prove-nientes dos profissionais e dos estudantes da área de Comunicação.

No título desta obra, Crítica de mídia e a tessitura das me-diações, encontram-se definidos os parâmetros norteadores dos ar-tigos. A tradição crítica dos processos de comunicação, empreen-dida em todo o século XX e na primeira década do século XXI, se faz presente, com apreciável repertório teórico. O conceito de me-diação, em cuja construção destaca-se há mais de trinta anos Jesús Martín-Barbero, é outra matriz da qual brotam as análises de temas que, mesmo quando inseridos em contextos regionais, ganham uni-versalidade em função da tessitura e do rigor analíticos.

Com essas características, apresenta-se o artigo de Zefinha Ben-tivi, A guerra pelos pobres do Maranhão: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”, em que a autora utiliza-se da hermenêutica da narrativa para identificar os

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meandros da tessitura textual de dois polos de uma contenda na qual as elites políticas disputam a primazia da guarda dos excluídos do Maranhão.

A diáspora africana, traduzida pelo gênero reggae, ouvido, dan-çado e midiatizado no estado do Maranhão, é tratada por Euclides Moreira Neto em Reggae e poder: radiolas e simbolismo na cul-tura maranhense, apresentada nos seus aspectos técnico-logísticos e socialmente simbólicos, enfatizando-se as rotinas e o calendário de festas. Essa leitura do reggae ancora-se nos pressupostos teóricos dos estudos culturais em que pontifica, dentre outros, Stuart Hall.

A construção ritualística da realidade é o desafio enfrentado por Francinete Louseiro de Almeida, em Os enquadramentos ne-cessários para a construção de uma notícia, abordagem focada em um período conturbado da política maranhense, cujo momento mais emblemático foi a passagem do poder, em 2009, do governa-dor cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, Jackson Lago, para a então senadora Roseana Sarney. Os diários de São Luís construí-ram enquadramentos, matéria sobre a qual se debruça a autora.

A percepção da força comunicativa do rádio AM é tarefa a que se propõe José Arnold Filho, no artigo A força do rádio AM: a cobertura da Rádio Educadora sobre a CPI do crime organizado, em um estudo de caso sobre a cobertura jornalística da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Assembleia Legislati-va do Maranhão, em 1999, para apurar crimes até então ainda não elucidados, replicando uma iniciativa já tomada pela Câmara dos Deputados em Brasília, cujas consequências levaram à cassação e à prisão de deputados estaduais, resultado este que foi ao encontro dos anseios da opinião pública maranhense.

Verifica-se a presença de mais quatro artigos em cenários de mediação comunicacional nos quais ambientes jornalísticos, tele-visuais e cinematográficos são analisados, no escopo de trabalhos, cujo temário se volta para questões extrarregionais.

No artigo Duas novelas, múltiplas identidades e um deno-minador comum: a protagonista negra – leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio, Ana Leila Melonio dos Santos trata da

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questão da inserção de personagens protagonistas negras em tele-novelas da Rede Globo, examinado as tipificações dessa iniciativa nos aspectos sociais e comportamentais.

Junerlei Dias Moraes empreende uma investigação da narrati-va na obra Dinheiro Queimado, com base na tradução intersemió-tica. A adaptação para o cinema do romance de Ricardo Piglia é o corpus analítico do artigo A narrativa como telhado de muitas águas: excesso e concisão no cinema, em que são ressaltados dis-tanciamentos e aproximações na condução do texto de partida (o livro) até o texto de chegada (o filme).

O jornalismo de revista é contemplado com dois artigos que tomam por pressupostos a construção social da realidade.

Entre o sagrado e o profano: a espetacularização das narra-tivas jornalísticas na Revista Caras é o título do artigo de Nilma Regina Mendes Lima que se debruçou sobre as manifestações da sociedade do espetáculo e suas ramificações pelo cotidiano jorna-lístico, de que a revista Caras é um dos exemplos mais significativos em termos imagéticos.

Marcos Arruda Valente de Figueiredo aborda a questão da construção do medo destituído de fundamentos em A gripe suína nas páginas de CartaCapital e Veja: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis, tema periodicamente protagonizado pela mídia, em cuja percepção há sinuoso viés sensacionalista. Nesse caso, encon-tram-se semelhanças, no plano do conteúdo, com ênfases diferen-ciadas, em duas publicações referenciadas da imprensa brasileira.

Com a variedade temática e a determinação para uma análise conceitual, é uma satisfação entregar ao leitor uma obra que re-presenta um momento simbolicamente rico ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, lugar acadêmico dos discursos registrados nesta oportunidade. Trata-se da consolidação de um grupo de docentes no território da pesquisa e da pós-graduação. José Ferreira Junior

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meandros da tessitura textual de dois polos de uma contenda na qual as elites políticas disputam a primazia da guarda dos excluídos do Maranhão.

A diáspora africana, traduzida pelo gênero reggae, ouvido, dan-çado e midiatizado no estado do Maranhão, é tratada por Euclides Moreira Neto em Reggae e poder: radiolas e simbolismo na cul-tura maranhense, apresentada nos seus aspectos técnico-logísticos e socialmente simbólicos, enfatizando-se as rotinas e o calendário de festas. Essa leitura do reggae ancora-se nos pressupostos teóricos dos estudos culturais em que pontifica, dentre outros, Stuart Hall.

A construção ritualística da realidade é o desafio enfrentado por Francinete Louseiro de Almeida, em Os enquadramentos ne-cessários para a construção de uma notícia, abordagem focada em um período conturbado da política maranhense, cujo momento mais emblemático foi a passagem do poder, em 2009, do governa-dor cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, Jackson Lago, para a então senadora Roseana Sarney. Os diários de São Luís construí-ram enquadramentos, matéria sobre a qual se debruça a autora.

A percepção da força comunicativa do rádio AM é tarefa a que se propõe José Arnold Filho, no artigo A força do rádio AM: a cobertura da Rádio Educadora sobre a CPI do crime organizado, em um estudo de caso sobre a cobertura jornalística da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Assembleia Legislati-va do Maranhão, em 1999, para apurar crimes até então ainda não elucidados, replicando uma iniciativa já tomada pela Câmara dos Deputados em Brasília, cujas consequências levaram à cassação e à prisão de deputados estaduais, resultado este que foi ao encontro dos anseios da opinião pública maranhense.

Verifica-se a presença de mais quatro artigos em cenários de mediação comunicacional nos quais ambientes jornalísticos, tele-visuais e cinematográficos são analisados, no escopo de trabalhos, cujo temário se volta para questões extrarregionais.

No artigo Duas novelas, múltiplas identidades e um deno-minador comum: a protagonista negra – leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio, Ana Leila Melonio dos Santos trata da

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questão da inserção de personagens protagonistas negras em tele-novelas da Rede Globo, examinado as tipificações dessa iniciativa nos aspectos sociais e comportamentais.

Junerlei Dias Moraes empreende uma investigação da narrati-va na obra Dinheiro Queimado, com base na tradução intersemió-tica. A adaptação para o cinema do romance de Ricardo Piglia é o corpus analítico do artigo A narrativa como telhado de muitas águas: excesso e concisão no cinema, em que são ressaltados dis-tanciamentos e aproximações na condução do texto de partida (o livro) até o texto de chegada (o filme).

O jornalismo de revista é contemplado com dois artigos que tomam por pressupostos a construção social da realidade.

Entre o sagrado e o profano: a espetacularização das narra-tivas jornalísticas na Revista Caras é o título do artigo de Nilma Regina Mendes Lima que se debruçou sobre as manifestações da sociedade do espetáculo e suas ramificações pelo cotidiano jorna-lístico, de que a revista Caras é um dos exemplos mais significativos em termos imagéticos.

Marcos Arruda Valente de Figueiredo aborda a questão da construção do medo destituído de fundamentos em A gripe suína nas páginas de CartaCapital e Veja: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis, tema periodicamente protagonizado pela mídia, em cuja percepção há sinuoso viés sensacionalista. Nesse caso, encon-tram-se semelhanças, no plano do conteúdo, com ênfases diferen-ciadas, em duas publicações referenciadas da imprensa brasileira.

Com a variedade temática e a determinação para uma análise conceitual, é uma satisfação entregar ao leitor uma obra que re-presenta um momento simbolicamente rico ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, lugar acadêmico dos discursos registrados nesta oportunidade. Trata-se da consolidação de um grupo de docentes no território da pesquisa e da pós-graduação. José Ferreira Junior

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SOBRE OS AUTORES

José Ferreira Junior (Organizador)Jornalista. Mestre e Doutor em Comunicação Semiótica pela Ponti-fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Doutor em Literatura Brasileira pela USP Professor do Departamento de Co-municação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

Ana Leila Melonio dos SantosRelações Públicas. Mestra em Comunicação pela Universidade Fe-deral Fluminense (UFF). Professora Adjunta do Curso de Comuni-cação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Dou-tora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).E-mail: [email protected]

Euclides Moreira NetoJornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Flu-minense (UFF). Professor adjunto do Departamento de Comunica-ção Social da UFMA.E-mail: [email protected]

Francinete Louseiro de AlmeidaRelações Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]

José Arnold FilhoJornalista. Radialista. Mestre em Comunicação pela Universidade Fe-deral Fluminense (UFF). Professor adjunto do Departamento de Co-municação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected]

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José Ferreira Junior (Organizador)Jornalista. Mestre e Doutor em Comunicação Semiótica pela Ponti-fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Doutor em Literatura Brasileira pela USP. Professor do Departamento de Co-municação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected]

Ana Leila Melonio dos SantosRelações Públicas. Mestra em Comunicação pela Universidade Fe-deral Fluminense (UFF), Professora Adjunta do Curso de Comu-nicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), doutoranda em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). E-mail: [email protected].

Euclides Moreira Neto Jornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Flu-minense (UFF). Professor adjunto do Departamento de Comunica-ção Social da UFMA. E-mail: [email protected].

Francinete Louseiro de AlmeidaRelações Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected].

José Arnold FilhoJornalista. Radialista. Mestre em Comunicação pela Universida-de Federal Fluminense (UFF). Doutorando em Comunicação pela

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A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e

“Jornal Pequeno”JOSEFA MELO E SOUSA BENTIVI ANDRADE-

Zefinha Bentivi

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa as formas narrativo-discursivas do jorna-lismo impresso no Maranhão e as relaciona a contextos histórico-culturais, com objetivo de compreender os modos de dizer1 e de ser no jornalismo maranhense. Optou-se por pensar o jornalismo ma-ranhense a partir do mito da Athenas Brasileira2, construído, de acordo com Borralho (2009), na primeira metade do século XIX, como estratégia dos setores dominantes da sociedade de então para participar do projeto de construção da identidade nacional em cur-so. Mito3 que tem sido revisitado e atualizado, desde sua ereção,

1 Expressão utilizada por Milton Pinto (2004, p.23), partindo das categorias da Arte Re-tórica de Aristóteles (1981), o autor credita a modos de dizer (em análise do discurso) não apenas à interpretação semântica dos conteúdos dos textos, mas, essencialmen-te, a “como e por que se diz, mostra e seduz”. Em resumo, em modos de dizer estão contidos “modos de mostrar”; “modos de interagir” e “modos de seduzir”.

2 Segundo Barros, a Athenas, enquanto elemento dístico da singularidade maranhense, tem sido reapropriada desde sua ereção para aplacar uma marca regional, um ethos deste lugar, ainda que de forma antagônica; no século XIX, para legitimar a socie-dade escravista, no século XX, para incorporar os segmentos que outrora não eram percebidos enquanto sujeitos sociais. Assim sendo, “o Maranhão é reatualizado como Athenas Brasileira e São Luís como única capital brasileira fundada por franceses”. (BARROS, 2007, apud BORRALHO, 2009).

3 Partindo do princípio de que o mito não pode ser entendido somente como esfera má-gica, fantástica, fantasmagórica, pois é histórico e ordenado, Borralho afirma que a Athenas Brasileira é “um mito, pois, ainda que não atemporal, já que todos demarcavam

Josefa Melo e Sousa Bentivi Andrade - Zefinha BentiviJornalista. Mestra em Comunicação pela Universidade Federal Flu-minense (UFF). Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Especia-lista em Jornalismo Cultural pela Universidade Federal do Mara-nhão (UFMA). Professora Adjunta do Departamento de Comuni-cação Social da UFMA.E-mail: [email protected]

Junerlei Dias MoraesMestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professor assistente do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected]

Marcos Arruda Valente de FigueiredoJornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Flumi-nense (UFF). Doutor em comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Grande do Sul (PUC-RS). Professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

Nilma Regina Mendes LimaRelações Públicas. Mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Professora Adjunta do Departamento de Comunicação Social da UFMA. E-mail: [email protected]

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“Jornal Pequeno”JOSEFA MELO E SOUSA BENTIVI ANDRADE-

Zefinha Bentivi

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa as formas narrativo-discursivas do jorna-lismo impresso no Maranhão e as relaciona a contextos histórico-culturais, com objetivo de compreender os modos de dizer1 e de ser no jornalismo maranhense. Optou-se por pensar o jornalismo ma-ranhense a partir do mito da Athenas Brasileira2, construído, de acordo com Borralho (2009), na primeira metade do século XIX, como estratégia dos setores dominantes da sociedade de então para participar do projeto de construção da identidade nacional em cur-so. Mito3 que tem sido revisitado e atualizado, desde sua ereção,

1 Expressão utilizada por Milton Pinto (2004, p.23), partindo das categorias da Arte Re-tórica de Aristóteles (1981), o autor credita a modos de dizer (em análise do discurso) não apenas à interpretação semântica dos conteúdos dos textos, mas, essencialmen-te, a “como e por que se diz, mostra e seduz”. Em resumo, em modos de dizer estão contidos “modos de mostrar”; “modos de interagir” e “modos de seduzir”.

2 Segundo Barros, a Athenas, enquanto elemento dístico da singularidade maranhense, tem sido reapropriada desde sua ereção para aplacar uma marca regional, um ethos deste lugar, ainda que de forma antagônica; no século XIX, para legitimar a socie-dade escravista, no século XX, para incorporar os segmentos que outrora não eram percebidos enquanto sujeitos sociais. Assim sendo, “o Maranhão é reatualizado como Athenas Brasileira e São Luís como única capital brasileira fundada por franceses”. (BARROS, 2007, apud BORRALHO, 2009).

3 Partindo do princípio de que o mito não pode ser entendido somente como esfera má-gica, fantástica, fantasmagórica, pois é histórico e ordenado, Borralho afirma que a Athenas Brasileira é “um mito, pois, ainda que não atemporal, já que todos demarcavam

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A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”

em 1832, por intelectuais da província, principalmente escritores e jornalistas, alguns com projeção nacional, homens-semióforos4, sujeitos que se dispunham/dispõem, conforme Abreu (1996 apud BORRALHO, 2009), a intérpretes do seu tempo.

Retoma-se, pois, neste trabalho, a temática Athenas Brasileira por entender que o mito de diferenciação do Maranhão ou dos Ma-ranhões, construído (s) discursivamente, sobrevive na atualidade e explica, em grande parte, o jornalismo maranhense. Problematiza-se, por conseguinte, o jornalismo como semióforo da sociedade con-temporânea, enfatizando-se a função de representação e mediação das narrativas jornalísticas no processo de construção e reprodução da cultura maranhense.

Para tal, analisam-se as narrativas dos jornais impressos o Es-tado do Maranhão e Pequeno, a partir do rompimento de José Rei-naldo Tavares (JRT), governador do Maranhão, no período 2003-2006, com o grupo Sarney. Acontecimento que, na consideração de Gomes e Conceição (2008, p. 1), abalou a estrutura política hegemônica maranhense, instalando-se uma crise entre o gover-nador e o grupo Sarney. Convém contextualizar que José Reinaldo Tavares, a personagem em torno da qual os jornais representam (traduzem) o Maranhão ou os Maranhões, foi vice-governador de Roseana Sarney, em dois mandatos (1995/1998 e 1999/2002). Elei-to governador com apoio do gru-po Sarney (2003/2006), no meio do mandato, em 2004, rompeu com o grupo.

Dizendo-se perseguido pela família Sarney (que o apoiou na elei-ção) e pelos seus veículos de comunicação, após, a princípio, ne-gar-se a apoiar o candidato do grupo a prefeito de São Luís na elei-

o surgimento do Grupo Maranhense (1832-1864) como marco fundante do epíte-to, não se discutia o porquê do surgimento de tantos gênios. Além disso, a Athenas Brasileira criou um sentido de organização social, uma explicação sobre o passado do Maranhão, fundou uma etiologia, um ethos das coisas do Maranhão, estabeleceu o passado enquanto patrimônio”. (BORRALHO, 2009, p. 109)

4 Vem de semeion, signo, conforme Chauí (2001). Aquilo que dimensiona e circuns-creve os elementos de uma determinada cultura, seus pontos de convergência e de identificação a partir de suas práticas sociais e influências históricas e de tradição. Aquilo que designa semióforos, patrimônios de identidade (POMIAN, 1984). Para Pomion, um semióforo é um patrimônio. (BORRALHO, 2009, p. 30).

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ção de 2004, José Reinaldo volta-se contra os seus antigos aliados, responsabilizando, inclusive, o governo de Roseana Sarney pelas péssimas condições sociais, econômicas e administrativas do esta-do. (COUTO, 2009, p. 176).

No primeiro momento, o embate não se publiciza claramente nos jornais, podendo-se percebê-lo, porém, na apreensão de es-tratégias discursivas utilizadas pelos narradores das notícias, como apagamentos, silenciamentos, penumbras, segredos ou luminosida-des. Depois, de forma clara, os jornais tomam posição e as notícias são usadas como “armas” para os “duelos” que se travam no campo midiático. Ocorrem, por conseguinte, duas guerras: nas hostes po-líticas e na imprensa, tendo em vista que os meios de comunicação tornam-se porta-vozes dos grupos em disputa. O episódio que se está denominando de A Guerra pelos pobres do Maranhão: a saga das falas dos jornais o Estado do Maranhão e Pequeno retrata este momento e aponta para os valores e a identidade do jornalismo maranhense.

Para o exame das narrativas, optou-se pela metodologia da análise pragmática da narrativa (narratologia), associada à análise de discurso5, possibilitando, assim, trabalhar as dimensões estrutu-rais da narrativa, relacionando-as aos sistemas de significação que estão presentes e são passíveis de identificação nos modos de fun-cionamento de um discurso.

Assim é que, tomando-se como orientação a Teoria Social do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001), apreenderam-se os sentidos dos textos pela identificação de marcas, traços (associando-se a contextos), pistas que possibilitaram ir ao encontro das formações

5 Sobre a narratologia, Motta (apud LAGO; BENETTI, 2007, p. 144) afirma ser esta, ao mesmo tempo, uma teoria e um método usado para análise das narrativas. Nestas, observaram-se os movimentos de: recomposição dos acontecimentos jornalísticos; iden-tificação dos conflitos e da funcionalidade dos episódios; estratégias comunicativas; iden-tificação de metanarrativas. Considera-se que a narratologia e a análise de discurso são, de certa forma, complementares, principalmente quando se compreende que a análise de discurso, conforme Benetti (2007), é uma metodologia adequada para mapeamento de vozes e identificação de sentidos, quer nos textos verbais, quer nos textos imagéticos.

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em 1832, por intelectuais da província, principalmente escritores e jornalistas, alguns com projeção nacional, homens-semióforos4, sujeitos que se dispunham/dispõem, conforme Abreu (1996 apud BORRALHO, 2009), a intérpretes do seu tempo.

Retoma-se, pois, neste trabalho, a temática Athenas Brasileira por entender que o mito de diferenciação do Maranhão ou dos Ma-ranhões, construído (s) discursivamente, sobrevive na atualidade e explica, em grande parte, o jornalismo maranhense. Problematiza-se, por conseguinte, o jornalismo como semióforo da sociedade con-temporânea, enfatizando-se a função de representação e mediação das narrativas jornalísticas no processo de construção e reprodução da cultura maranhense.

Para tal, analisam-se as narrativas dos jornais impressos o Es-tado do Maranhão e Pequeno, a partir do rompimento de José Rei-naldo Tavares (JRT), governador do Maranhão, no período 2003-2006, com o grupo Sarney. Acontecimento que, na consideração de Gomes e Conceição (2008, p. 1), abalou a estrutura política hegemônica maranhense, instalando-se uma crise entre o gover-nador e o grupo Sarney. Convém contextualizar que José Reinaldo Tavares, a personagem em torno da qual os jornais representam (traduzem) o Maranhão ou os Maranhões, foi vice-governador de Roseana Sarney, em dois mandatos (1995/1998 e 1999/2002). Elei-to governador com apoio do gru-po Sarney (2003/2006), no meio do mandato, em 2004, rompeu com o grupo.

Dizendo-se perseguido pela família Sarney (que o apoiou na elei-ção) e pelos seus veículos de comunicação, após, a princípio, ne-gar-se a apoiar o candidato do grupo a prefeito de São Luís na elei-

o surgimento do Grupo Maranhense (1832-1864) como marco fundante do epíte-to, não se discutia o porquê do surgimento de tantos gênios. Além disso, a Athenas Brasileira criou um sentido de organização social, uma explicação sobre o passado do Maranhão, fundou uma etiologia, um ethos das coisas do Maranhão, estabeleceu o passado enquanto patrimônio”. (BORRALHO, 2009, p. 109)

4 Vem de semeion, signo, conforme Chauí (2001). Aquilo que dimensiona e circuns-creve os elementos de uma determinada cultura, seus pontos de convergência e de identificação a partir de suas práticas sociais e influências históricas e de tradição. Aquilo que designa semióforos, patrimônios de identidade (POMIAN, 1984). Para Pomion, um semióforo é um patrimônio. (BORRALHO, 2009, p. 30).

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ção de 2004, José Reinaldo volta-se contra os seus antigos aliados, responsabilizando, inclusive, o governo de Roseana Sarney pelas péssimas condições sociais, econômicas e administrativas do esta-do. (COUTO, 2009, p. 176).

No primeiro momento, o embate não se publiciza claramente nos jornais, podendo-se percebê-lo, porém, na apreensão de es-tratégias discursivas utilizadas pelos narradores das notícias, como apagamentos, silenciamentos, penumbras, segredos ou luminosida-des. Depois, de forma clara, os jornais tomam posição e as notícias são usadas como “armas” para os “duelos” que se travam no campo midiático. Ocorrem, por conseguinte, duas guerras: nas hostes po-líticas e na imprensa, tendo em vista que os meios de comunicação tornam-se porta-vozes dos grupos em disputa. O episódio que se está denominando de A Guerra pelos pobres do Maranhão: a saga das falas dos jornais o Estado do Maranhão e Pequeno retrata este momento e aponta para os valores e a identidade do jornalismo maranhense.

Para o exame das narrativas, optou-se pela metodologia da análise pragmática da narrativa (narratologia), associada à análise de discurso5, possibilitando, assim, trabalhar as dimensões estrutu-rais da narrativa, relacionando-as aos sistemas de significação que estão presentes e são passíveis de identificação nos modos de fun-cionamento de um discurso.

Assim é que, tomando-se como orientação a Teoria Social do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001), apreenderam-se os sentidos dos textos pela identificação de marcas, traços (associando-se a contextos), pistas que possibilitaram ir ao encontro das formações

5 Sobre a narratologia, Motta (apud LAGO; BENETTI, 2007, p. 144) afirma ser esta, ao mesmo tempo, uma teoria e um método usado para análise das narrativas. Nestas, observaram-se os movimentos de: recomposição dos acontecimentos jornalísticos; iden-tificação dos conflitos e da funcionalidade dos episódios; estratégias comunicativas; iden-tificação de metanarrativas. Considera-se que a narratologia e a análise de discurso são, de certa forma, complementares, principalmente quando se compreende que a análise de discurso, conforme Benetti (2007), é uma metodologia adequada para mapeamento de vozes e identificação de sentidos, quer nos textos verbais, quer nos textos imagéticos.

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discursivas (FDs) cuja definição é “[...] aquilo que pode ser dito em oposição ao que não pode e não deve ser dito.” (BENETTI, 2007, p.122). Por sua vez, o estudo das vozes ou o mapeamento das vozes constituiu-se numa ferramenta indispensável para entender e infe-rir as posições dos sujeitos, os contratos de leitura, os significados de fundo moral, entre outros aspectos propostos para análise da narrativa, tanto em textos verbais quanto em textos imagéticos.

Desse modo, notícias, sobretudo manchetes e títulos, dos jor-nais o Estado do Maranhão e Pequeno, sobre o empréstimo pleitea-do pelo governo José Reinaldo Tavares ao Banco Mundial, com-põem o corpus de análise deste trabalho. Nestas, identificaram-se as disputas por hegemonia política e de falas, do/sobre o Maranhão, por meio das categorias propostas por Pinto (1999 e 2004). Afirma o autor que “a análise de discursos, que se interessa particularmen-te pela disputa da hegemonia da fala na sociedade, não deixa de ser, de certa forma, uma reflexão sobre a teoria e a técnica da re-tórica.” (PINTO, 2004, p. 12), conforme verificaram também Go-mes e Conceição (2008). Os autores, tomando como base teórica Chauraudeau (2009) e Pinto (1999), relacionaram as estratégias de discurso com a argumentação da técnica retórica e os modos de dizer da análise do discurso contemporânea, em “categorias em tríades: legitimação/ethos/modos de mostrar; captação/pathos/modos de intera-gir; credibilidade/lógica/modos de seduzir.” (GOMES; CONCEIÇÃO, 2008, p. 2, grifo do autor). Categorias adequadas também à análise realizada neste trabalho, adaptadas, porém, às especificidades do objeto.

OS SEMIÓFOROS E A (S) TRADUÇÃO (ÕES) DO MARANHÃO

Uma breve incursão na história do jornalismo leva a entender, pela via do discurso, como, em sua própria constituição, a his-tória se faz refletida. E mais, como o contexto histórico em que o jornalismo se constitui enquanto campo de reflexão e práti-ca tem um papel de fundamental importância no que se tem apreendido acerca desse campo ao longo dos anos. No caso do

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Brasil, particularmente, é nítido como fatos e falas se entrecru-zam. (RESENDE, 2007, p. 82).

A relação que Resende estabelece entre fatos e falas é o pon-to de partida para analisar os processos narrativos do jornalismo maranhense, considerando-se, à luz do autor, que as narrativas apresentam-se como uma possibilidade de melhor compreender a práxis jornalística. Nesse sentido, bem mais do que cronologias e factualidades, interessa relacionar formas narrativas e discursi-vas no e sobre o jornalismo a contextos histórico-culturais, para compreender os modos de dizer e de ser do jornalismo maranhense. Reafirma-se com Benetti (2007) que a compreensão das condições em que os discursos são produzidos não é acessória. Ao contrário, é pressuposto para qualquer estudo de jornalismo, embora não seja necessário detalhar todas as condições para entendimento das pro-duções textuais do jornalismo.

Assim, analisar as narrativas ou o ato de narrar do jornalismo é considerar os discursos produzidos sobre e pelo jornalismo, estes que se explicam e se constituem a partir de contextos histórico-cul-turais. É, em síntese, compreender como atos e falas se entrelaçam em acontecimentos narrativo-discursivos, sobretudo por intermé-dio de homens-semióforos que constroem valores, midiaticamente compartilhados e reverberados, em traduções do Maranhão ou dos Maranhões nascidos de “[...] discursos e saberes dos agentes so-ciais, cuja eficácia de sua crença está assentada na correlação das forças sociais que configuram o campo político.” (MAUSS, 1980 apud GONÇALVES, 2008, p. 49).

Nessa perspectiva, destaca-se o fato de São Luís, a capital do Maranhão, autoreferenciar-se, desde o século XIX, com o epíteto de Athenas Brasileira. A designação decorre da emergência do Gru-po Maranhense (1832-1868), formado por intelectuais da província Maranhão, principalmente jornalistas/escritores (alguns com proje-ção nacional), identificados com os ideais iluministas, base ideoló-gica e estética dos movimentos literários Arcadismo e Romantismo,

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A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”

discursivas (FDs) cuja definição é “[...] aquilo que pode ser dito em oposição ao que não pode e não deve ser dito.” (BENETTI, 2007, p.122). Por sua vez, o estudo das vozes ou o mapeamento das vozes constituiu-se numa ferramenta indispensável para entender e infe-rir as posições dos sujeitos, os contratos de leitura, os significados de fundo moral, entre outros aspectos propostos para análise da narrativa, tanto em textos verbais quanto em textos imagéticos.

Desse modo, notícias, sobretudo manchetes e títulos, dos jor-nais o Estado do Maranhão e Pequeno, sobre o empréstimo pleitea-do pelo governo José Reinaldo Tavares ao Banco Mundial, com-põem o corpus de análise deste trabalho. Nestas, identificaram-se as disputas por hegemonia política e de falas, do/sobre o Maranhão, por meio das categorias propostas por Pinto (1999 e 2004). Afirma o autor que “a análise de discursos, que se interessa particularmen-te pela disputa da hegemonia da fala na sociedade, não deixa de ser, de certa forma, uma reflexão sobre a teoria e a técnica da re-tórica.” (PINTO, 2004, p. 12), conforme verificaram também Go-mes e Conceição (2008). Os autores, tomando como base teórica Chauraudeau (2009) e Pinto (1999), relacionaram as estratégias de discurso com a argumentação da técnica retórica e os modos de dizer da análise do discurso contemporânea, em “categorias em tríades: legitimação/ethos/modos de mostrar; captação/pathos/modos de intera-gir; credibilidade/lógica/modos de seduzir.” (GOMES; CONCEIÇÃO, 2008, p. 2, grifo do autor). Categorias adequadas também à análise realizada neste trabalho, adaptadas, porém, às especificidades do objeto.

OS SEMIÓFOROS E A (S) TRADUÇÃO (ÕES) DO MARANHÃO

Uma breve incursão na história do jornalismo leva a entender, pela via do discurso, como, em sua própria constituição, a his-tória se faz refletida. E mais, como o contexto histórico em que o jornalismo se constitui enquanto campo de reflexão e práti-ca tem um papel de fundamental importância no que se tem apreendido acerca desse campo ao longo dos anos. No caso do

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Brasil, particularmente, é nítido como fatos e falas se entrecru-zam. (RESENDE, 2007, p. 82).

A relação que Resende estabelece entre fatos e falas é o pon-to de partida para analisar os processos narrativos do jornalismo maranhense, considerando-se, à luz do autor, que as narrativas apresentam-se como uma possibilidade de melhor compreender a práxis jornalística. Nesse sentido, bem mais do que cronologias e factualidades, interessa relacionar formas narrativas e discursi-vas no e sobre o jornalismo a contextos histórico-culturais, para compreender os modos de dizer e de ser do jornalismo maranhense. Reafirma-se com Benetti (2007) que a compreensão das condições em que os discursos são produzidos não é acessória. Ao contrário, é pressuposto para qualquer estudo de jornalismo, embora não seja necessário detalhar todas as condições para entendimento das pro-duções textuais do jornalismo.

Assim, analisar as narrativas ou o ato de narrar do jornalismo é considerar os discursos produzidos sobre e pelo jornalismo, estes que se explicam e se constituem a partir de contextos histórico-cul-turais. É, em síntese, compreender como atos e falas se entrelaçam em acontecimentos narrativo-discursivos, sobretudo por intermé-dio de homens-semióforos que constroem valores, midiaticamente compartilhados e reverberados, em traduções do Maranhão ou dos Maranhões nascidos de “[...] discursos e saberes dos agentes so-ciais, cuja eficácia de sua crença está assentada na correlação das forças sociais que configuram o campo político.” (MAUSS, 1980 apud GONÇALVES, 2008, p. 49).

Nessa perspectiva, destaca-se o fato de São Luís, a capital do Maranhão, autoreferenciar-se, desde o século XIX, com o epíteto de Athenas Brasileira. A designação decorre da emergência do Gru-po Maranhense (1832-1868), formado por intelectuais da província Maranhão, principalmente jornalistas/escritores (alguns com proje-ção nacional), identificados com os ideais iluministas, base ideoló-gica e estética dos movimentos literários Arcadismo e Romantismo,

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com destaque para Antônio Gonçalves Dias6, João Francisco Lis-boa, Francisco Sotero dos Reis, Antônio Henriques Leal e Manoel Odorico Mendes, entre outros, além de homens públicos de desta-que na província.

Esses atores sociais agiram como construtores e intérpretes do Maranhão que precisava se tornar visível dentro do império brasi-leiro. Organizaram uma parte da cultura maranhense e, em regime de cooperação ou de disputa, dividiram entre si as funções de intér-pretes e condutores da sociedade maranhense. E, como arautos do saber, como classe dirigente da sociedade, careciam de visibilidade, quer pelo jornalismo ou pela literatura e, principalmente, pela pro-dução de biografias, nas quais e pelas quais, tornaram-se conheci-dos como organizadores da cultura oficial maranhense.

Vale acrescentar que, de acordo com Borralho (2009), São Luís e o Maranhão se confundem já que, por muito tempo, e com reflexos nos tempos atuais, o Maranhão se restringiu à sua capital. Desse modo, a distinção que se formou em torno do mito da Athe-nas Brasileira estendeu-se para o Maranhão. O autor explica que, em uma sociedade “ensimesmada”, “entrópica”, envolta numa guerra civil de proporções como a Balaiada7, algumas lideranças intelectuais e políticas encontraram no referencial grego uma ‘res-posta’ ao caos provocado por uma guerra, ao mesmo tempo em que costuraram uma articulação política entre o emergente esta-do brasileiro e a recém-formada província do Maranhão, outrora

6 Ao maranhense Gonçalves Dias coube o papel de consolidar a escola romântica no Brasil, ao lado do escritor José de Alencar. Ambos foram decisivos na formação de um temário nacional em nossa literatura e se aprimoraram no sentido de assegurar a brasilidade literária, a sua cor local. Ligado ao grupo de Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias imprimiu à sua poesia um tom particular – uma aliança da razão ao sentimento – legando ao Romantismo brasileiro, “a mais equilibrada poesia românti-ca”, no julgamento de Manuel Bandeira. (CAMPEDELLI; SOUZA, 2000, p. 189).

7 A Balaiada, revolta popular que explodiu na província do Maranhão, entre os anos de 1838 a 1841, em que morreram cerca de 12 mil sertanejos e escravos. A razão do conflito foi a crise da economia agrária e a insatisfação da população pobre, uma multidão formada por vaqueiros, sertanejos e escravos. Havia também insatisfação entre a classe média urbana, que formava o grupo dos bem-te-vis. Sem organização consistente, nem projeto político definido, o movimento não era único, tampouco harmônico (COTRIM, 1994).

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estado de vastas dimensões territoriais. Da literatura disponível8 que tenta elucidar “a transformação” da província do Maranhão em Athenas evidencia-se a contradição entre o Maranhão real e o Maranhão construído. Em razão deste último, o paralelo São Luís/Athenas ou Maranhão/Grécia tornou-se plausível, pelo menos dis-cursivamente.

A discussão sobre o fenômeno, é claro, não se restringe aos aspectos aqui apresentados, tampouco se esgota nos limites des-ta análise. Interessa, todavia, a concepção histórica que subjaz ao mito, porquanto se defende, neste trabalho, que o mito Athenas Brasileira sobrevive na atualidade e responde, em grande parte, pe-los modos de dizer/ser do jornalismo maranhense, tendo em vista que os jornalistas, bem como os personagens analisados para a rea-lização desta pesquisa enquadram-se como os semióforos da con-temporaneidade. Corrobora com este entendimento a afirmação de Borralho:

[...] frações de classe do Maranhão, colocando-se na condição de organizadores de toda a cultura maranhense, optaram conscien-temente em selecionar e erigir determinadas representações em detrimentos de outros seguimentos sociais que, embora presentes no labor do dia-a-dia do sol tórrido do Maranhão, sempre foram negligenciados. (BORRALHO, 2009, p. 22).

E as representações de classes, sobretudo de frações de classe da elite, seguem a lógica discursiva que se experienciou nos tex-tos analisados. No epicentro, os Maranhões (dos atos e das falas), embora estes não existam separadamente, uma vez que são cons-truções sociais/culturais e, em razão da condição de produto cultu-ral, os atos não podem prescindir das falas e vice-versa. Castoriadis (apud ATAÍDE, 2006, p. 3) afirma o social implica alguma coisa que jamais pode ser dada como tal, provém, por conseguinte, dos “movimentos do real”, responsáveis pela indefinição e instabilida-de das instituições as quais podem até preceder a linguagem, mas

8 Segundo Borralho, (2009), a Athenas Brasileira é uma das temáticas mais estudadas na historiografia maranhense.

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com destaque para Antônio Gonçalves Dias6, João Francisco Lis-boa, Francisco Sotero dos Reis, Antônio Henriques Leal e Manoel Odorico Mendes, entre outros, além de homens públicos de desta-que na província.

Esses atores sociais agiram como construtores e intérpretes do Maranhão que precisava se tornar visível dentro do império brasi-leiro. Organizaram uma parte da cultura maranhense e, em regime de cooperação ou de disputa, dividiram entre si as funções de intér-pretes e condutores da sociedade maranhense. E, como arautos do saber, como classe dirigente da sociedade, careciam de visibilidade, quer pelo jornalismo ou pela literatura e, principalmente, pela pro-dução de biografias, nas quais e pelas quais, tornaram-se conheci-dos como organizadores da cultura oficial maranhense.

Vale acrescentar que, de acordo com Borralho (2009), São Luís e o Maranhão se confundem já que, por muito tempo, e com reflexos nos tempos atuais, o Maranhão se restringiu à sua capital. Desse modo, a distinção que se formou em torno do mito da Athe-nas Brasileira estendeu-se para o Maranhão. O autor explica que, em uma sociedade “ensimesmada”, “entrópica”, envolta numa guerra civil de proporções como a Balaiada7, algumas lideranças intelectuais e políticas encontraram no referencial grego uma ‘res-posta’ ao caos provocado por uma guerra, ao mesmo tempo em que costuraram uma articulação política entre o emergente esta-do brasileiro e a recém-formada província do Maranhão, outrora

6 Ao maranhense Gonçalves Dias coube o papel de consolidar a escola romântica no Brasil, ao lado do escritor José de Alencar. Ambos foram decisivos na formação de um temário nacional em nossa literatura e se aprimoraram no sentido de assegurar a brasilidade literária, a sua cor local. Ligado ao grupo de Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias imprimiu à sua poesia um tom particular – uma aliança da razão ao sentimento – legando ao Romantismo brasileiro, “a mais equilibrada poesia românti-ca”, no julgamento de Manuel Bandeira. (CAMPEDELLI; SOUZA, 2000, p. 189).

7 A Balaiada, revolta popular que explodiu na província do Maranhão, entre os anos de 1838 a 1841, em que morreram cerca de 12 mil sertanejos e escravos. A razão do conflito foi a crise da economia agrária e a insatisfação da população pobre, uma multidão formada por vaqueiros, sertanejos e escravos. Havia também insatisfação entre a classe média urbana, que formava o grupo dos bem-te-vis. Sem organização consistente, nem projeto político definido, o movimento não era único, tampouco harmônico (COTRIM, 1994).

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A discussão sobre o fenômeno, é claro, não se restringe aos aspectos aqui apresentados, tampouco se esgota nos limites des-ta análise. Interessa, todavia, a concepção histórica que subjaz ao mito, porquanto se defende, neste trabalho, que o mito Athenas Brasileira sobrevive na atualidade e responde, em grande parte, pe-los modos de dizer/ser do jornalismo maranhense, tendo em vista que os jornalistas, bem como os personagens analisados para a rea-lização desta pesquisa enquadram-se como os semióforos da con-temporaneidade. Corrobora com este entendimento a afirmação de Borralho:

[...] frações de classe do Maranhão, colocando-se na condição de organizadores de toda a cultura maranhense, optaram conscien-temente em selecionar e erigir determinadas representações em detrimentos de outros seguimentos sociais que, embora presentes no labor do dia-a-dia do sol tórrido do Maranhão, sempre foram negligenciados. (BORRALHO, 2009, p. 22).

E as representações de classes, sobretudo de frações de classe da elite, seguem a lógica discursiva que se experienciou nos tex-tos analisados. No epicentro, os Maranhões (dos atos e das falas), embora estes não existam separadamente, uma vez que são cons-truções sociais/culturais e, em razão da condição de produto cultu-ral, os atos não podem prescindir das falas e vice-versa. Castoriadis (apud ATAÍDE, 2006, p. 3) afirma o social implica alguma coisa que jamais pode ser dada como tal, provém, por conseguinte, dos “movimentos do real”, responsáveis pela indefinição e instabilida-de das instituições as quais podem até preceder a linguagem, mas

8 Segundo Borralho, (2009), a Athenas Brasileira é uma das temáticas mais estudadas na historiografia maranhense.

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emergem em significados por meio desta, em tramas ideológicas que ordenam e reordenam as instituições.

Reflete-se, então: se entrelaçados estão atos e falas nos diver-sos campos de construção da realidade, se mesmo o que está fora da linguagem emerge dos “movimentos do real”, em significações discursivas, como entender como verdadeiros (reais) os Maranhões construídos por narrativas que se opõem de tal modo que uma ex-clui a outra, se não em totalidade, pelo menos parcialmente? Como possível resposta, observou-se que tanto ontem, com os athenien-ses do século XIX, quanto hoje, com os athenienses do século XXI, as narrativas dão conta de Maranhões diversos, múltiplos, mas ver-dadeiros. Uma verdade retórica, antes de tudo.

Em relação à retórica, Pinto (2004) esclarece que é a arte (equivalente à técnica hoje) de persuadir que permite assegurar a propriedade da fala. A arte retórica chegou ao seu apogeu na cultu-ra grega com os sofistas os quais foram atacados por Platão pela prá-tica de substituir o “conhecimento” e a “verdade” por simulacros verossímeis que “[...] escondiam interesses de indivíduos e grupos, utilizando uma técnica de produção discursiva centrada na emoção mais do que na razão, destinada à cooptação do público.” (PIN-TO, 2004, p. 15). Aristóteles, em sua Arte Retórica, reposiciona as críticas de Platão e, em lugar de opor verossimilhança e verdade, opta por definir os bons e os maus usos da retórica, classifican-do-a como “a arte da verossimilhança a serviço da argumentação nos discursos da vida prática”, tentando “nesse sentido estabelecer uma diferenciação entre verossimilhança absoluta e verossimilhança aparente.” (PINTO, 2004, p.16, grifo nosso). Nesses moldes, par-tilha-se da possibilidade de que as construções discursivas sobre o Maranhão e sua gente, tão díspares, como já se problematizou acima, são verdades retóricas que transitam entre verossimilhanças absoluta e aparente.

Nessa lógica, percebem-se realidades, verdades e valores, nar-rativamente construídos, sobre o Maranhão que não se restringem somente aos atos e não são decorrência meramente das falas. No período de análise, por exemplo, notou-se que o Maranhão trans-formou-se em tema central da agenda midiática do estado e, em

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razão disso, tornou-se agenda pública dos maranhenses. Maranhão, aliás, que “não é um espaço geográfico, econômico em si [...], mas um espaço simbólico que serve para exprimir um projeto de do-minação política de práticas de poder pessoais.” (GONÇALVES, 2008, p. 48).

Eis a pertinência de pensar o Maranhão a partir do contexto que configurou e cristalizou o mito Athenas Brasileira, uma vez que o Maranhão do século XIX constituía-se por uma sociedade demar-cada pelos conflitos sociais, pelas disputas de memórias, de opções políticas e sociais e de instrumentação econômica por parte dos de-tentores do poder político, numa Athenas que nascia pautada na ex-clusão, na exploração do trabalho escravo e, sobretudo, nas inúme-ras diferenças e desigualdades, como afirma Borralho (2009, p. 22):

Ao editarem o epíteto ateniense não vislumbraram o mosaico compósito da diversidade sociocultural do Maranhão, encobriram segmentos sociais que ladeavam a reza do latim ao tambor-de-crioula, pratos refinados da Europa ao lado de vendeiros, quitutei-ras, pregoeiros que não escondiam um outro Maranhão. Estavam porque sempre estiveram ali.

De igual modo, o Maranhão do século XXI tornou-se o mote para que as elites discutissem a si mesmas, em disputa pelo poder. Ontem como hoje, constata-se!

A DOIS GRAUS DO EQUADOR – NA ILHA MARANHÃO: SUJEITOS E CONTEXTOS NO/DO JORNALISMO

O campo dos media, conforme Resende (2010), tem a capaci-dade de instaurar, conformar, definir e redefinir, ao mesmo tempo, discursos sobre e para sociedade, criando e recriando práticas so-ciais discursivas, por meio de narrativas nas quais e pelas quais se tecem os saberes acerca do mundo. Se há alguma mediação possível, afirma o autor, em se tratando do campo dos media, ela acontece na e pela narrativa. A esse respeito, Kant (apud SODRÉ, 2009, p. 28) afirma que “[...] os fatos são objetos para conceitos cuja

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emergem em significados por meio desta, em tramas ideológicas que ordenam e reordenam as instituições.

Reflete-se, então: se entrelaçados estão atos e falas nos diver-sos campos de construção da realidade, se mesmo o que está fora da linguagem emerge dos “movimentos do real”, em significações discursivas, como entender como verdadeiros (reais) os Maranhões construídos por narrativas que se opõem de tal modo que uma ex-clui a outra, se não em totalidade, pelo menos parcialmente? Como possível resposta, observou-se que tanto ontem, com os athenien-ses do século XIX, quanto hoje, com os athenienses do século XXI, as narrativas dão conta de Maranhões diversos, múltiplos, mas ver-dadeiros. Uma verdade retórica, antes de tudo.

Em relação à retórica, Pinto (2004) esclarece que é a arte (equivalente à técnica hoje) de persuadir que permite assegurar a propriedade da fala. A arte retórica chegou ao seu apogeu na cultu-ra grega com os sofistas os quais foram atacados por Platão pela prá-tica de substituir o “conhecimento” e a “verdade” por simulacros verossímeis que “[...] escondiam interesses de indivíduos e grupos, utilizando uma técnica de produção discursiva centrada na emoção mais do que na razão, destinada à cooptação do público.” (PIN-TO, 2004, p. 15). Aristóteles, em sua Arte Retórica, reposiciona as críticas de Platão e, em lugar de opor verossimilhança e verdade, opta por definir os bons e os maus usos da retórica, classifican-do-a como “a arte da verossimilhança a serviço da argumentação nos discursos da vida prática”, tentando “nesse sentido estabelecer uma diferenciação entre verossimilhança absoluta e verossimilhança aparente.” (PINTO, 2004, p.16, grifo nosso). Nesses moldes, par-tilha-se da possibilidade de que as construções discursivas sobre o Maranhão e sua gente, tão díspares, como já se problematizou acima, são verdades retóricas que transitam entre verossimilhanças absoluta e aparente.

Nessa lógica, percebem-se realidades, verdades e valores, nar-rativamente construídos, sobre o Maranhão que não se restringem somente aos atos e não são decorrência meramente das falas. No período de análise, por exemplo, notou-se que o Maranhão trans-formou-se em tema central da agenda midiática do estado e, em

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razão disso, tornou-se agenda pública dos maranhenses. Maranhão, aliás, que “não é um espaço geográfico, econômico em si [...], mas um espaço simbólico que serve para exprimir um projeto de do-minação política de práticas de poder pessoais.” (GONÇALVES, 2008, p. 48).

Eis a pertinência de pensar o Maranhão a partir do contexto que configurou e cristalizou o mito Athenas Brasileira, uma vez que o Maranhão do século XIX constituía-se por uma sociedade demar-cada pelos conflitos sociais, pelas disputas de memórias, de opções políticas e sociais e de instrumentação econômica por parte dos de-tentores do poder político, numa Athenas que nascia pautada na ex-clusão, na exploração do trabalho escravo e, sobretudo, nas inúme-ras diferenças e desigualdades, como afirma Borralho (2009, p. 22):

Ao editarem o epíteto ateniense não vislumbraram o mosaico compósito da diversidade sociocultural do Maranhão, encobriram segmentos sociais que ladeavam a reza do latim ao tambor-de-crioula, pratos refinados da Europa ao lado de vendeiros, quitutei-ras, pregoeiros que não escondiam um outro Maranhão. Estavam porque sempre estiveram ali.

De igual modo, o Maranhão do século XXI tornou-se o mote para que as elites discutissem a si mesmas, em disputa pelo poder. Ontem como hoje, constata-se!

A DOIS GRAUS DO EQUADOR – NA ILHA MARANHÃO: SUJEITOS E CONTEXTOS NO/DO JORNALISMO

O campo dos media, conforme Resende (2010), tem a capaci-dade de instaurar, conformar, definir e redefinir, ao mesmo tempo, discursos sobre e para sociedade, criando e recriando práticas so-ciais discursivas, por meio de narrativas nas quais e pelas quais se tecem os saberes acerca do mundo. Se há alguma mediação possível, afirma o autor, em se tratando do campo dos media, ela acontece na e pela narrativa. A esse respeito, Kant (apud SODRÉ, 2009, p. 28) afirma que “[...] os fatos são objetos para conceitos cuja

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realidade objetiva pode ser provada (seja mediante pura razão, seja pela experiência).” Comporta, assim, uma atribuição de sentido, conclama do sujeito uma interpretação, o que significa tornar-se acontecimento que se disponha como objeto para a consciência. Visto dessa forma, o verdadeiro (o real) será uma combinação que se estabelece entre uma representação e o fato. “Verdadeiro será, portanto, o enunciado que concorde (entenda-se: que seja capaz de figurar lógica e linguisticamente alguma coisa) com a realidade”. Desse modo, a representação social do fato é o acontecimento que se materializa em narrativas as quais traduzem o conhecimento ob-jetivo e subjetivo do mundo.

Na proposta hermenêutica da narrativa de Paul Ricouer, a sig-nificação social da experiência passa por uma forma de inteligibi-lidade narrativizada. O autor parte dos três momentos da mimese aristotélica, denominando-os de mimese I, mimese II e mimese III. Na I, tem-se a prefiguração do campo prático, (o mundo prefigura-do); na II, dá-se a configuração textual ou a mediação, (o mundo configurado) e na III, a refiguração pela recepção da obra, (o mun-do refigurado).

É construindo a relação entre os três modos miméticos que cons-tituo a mediação entre tempo e narrativa. É essa própria mediação que passa pelas três fases da mimese. Ou, em outros termos, para resolver o problema da relação entre tempo e narrativa, devo esta-belecer o papel mediador da tessitura da intriga entre um estágio da experiência própria que a precede e um estágio que a sucede. (RICOUER, 1994, p. 87).

A intriga a que se refere Ricouer é tecida na própria narrativa ou, em suas palavras, uma síntese do heterogêneo porque trans-forma os acontecimentos ou incidentes em uma história. Assim, a tessitura da intriga é um conceito complexo que supõe a capacida-de de identificar a ação por seus traços estruturais (do mundo pre-figurado); elaborar uma significação articulada da ação (semântica da ação) e identificar mediações simbólicas da ação, em forma de texto.

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Em se tratando das narrativas construídas sobre o Maranhão, nos diversos espaços midiáticos, verificou-se que a crise política entre José Reinaldo Tavares e o grupo Sarney transformou-se em histórias tão heterogêneas a ponto de se aventar a possibilidade de o mundo prefigurado ser apenas um simulacro da realidade. Mas ao contrário disso, o que se apreende das narrativas é que a prefigura-ção está assegurada, na perspectiva de Gonçalves (2008, p.49-50), como uma realidade simbólica tão ou mais forte que a realidade concreta a ponto de, ainda pensando como a autora, “o Maranhão, no singular, por assim dizer, estar cheio de atributos que lhe confe-rem a aparência de consenso e de naturalidade [...]. Isso é traduzi-do na fala dos agentes produtores do discurso político.”

Nesse aspecto, compreende-se que os Maranhões simbólicos que os semióforos-jornalistas constroem são verdadeiros e reconhe-cidos a ponto de eles se sentirem com autoridade para dizê-los ou representá-los narrativamente. Uma prática que, convém relem-brar, remete ao século XIX, sobretudo quando se observa que as narrativas do passado assentavam-se em crenças e lançavam mão de dispositivos retóricos aceitos como se fossem dados prontos e não construídos. Em adaptação aos postulados de Fátima Gonçal-ves, ousa-se afirmar que se fabricou um Maranhão, uma Athenas e, em simultâneo, fabricou-se a crença:

Refiro-me à análise e explicação da magia de Maus (1980) que asseverou que a crença do mágico e aquela do público não são coi-sas distintas, mas reflexas porquanto a simulação do mágico não é possível senão em razão da credulidade pública e circunscreve a definição da crença pelo atributo de coletividade, uma espécie de força construída socialmente por um grupo que partilha ideias e noções. (GONÇALVES, 2008, p. 49).

Crenças e magias coletivas que constroem a credulidade pú-blica do jornalismo de tal forma que, em relação às narrativas noti-ciosas, problematiza-se com Milton Pinto (2004) que os jornalistas aprendem e apreendem a lógica do processo de configuração nas faculdades, “sob o inocente disfarce de uma técnica sem ideologia”.

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realidade objetiva pode ser provada (seja mediante pura razão, seja pela experiência).” Comporta, assim, uma atribuição de sentido, conclama do sujeito uma interpretação, o que significa tornar-se acontecimento que se disponha como objeto para a consciência. Visto dessa forma, o verdadeiro (o real) será uma combinação que se estabelece entre uma representação e o fato. “Verdadeiro será, portanto, o enunciado que concorde (entenda-se: que seja capaz de figurar lógica e linguisticamente alguma coisa) com a realidade”. Desse modo, a representação social do fato é o acontecimento que se materializa em narrativas as quais traduzem o conhecimento ob-jetivo e subjetivo do mundo.

Na proposta hermenêutica da narrativa de Paul Ricouer, a sig-nificação social da experiência passa por uma forma de inteligibi-lidade narrativizada. O autor parte dos três momentos da mimese aristotélica, denominando-os de mimese I, mimese II e mimese III. Na I, tem-se a prefiguração do campo prático, (o mundo prefigura-do); na II, dá-se a configuração textual ou a mediação, (o mundo configurado) e na III, a refiguração pela recepção da obra, (o mun-do refigurado).

É construindo a relação entre os três modos miméticos que cons-tituo a mediação entre tempo e narrativa. É essa própria mediação que passa pelas três fases da mimese. Ou, em outros termos, para resolver o problema da relação entre tempo e narrativa, devo esta-belecer o papel mediador da tessitura da intriga entre um estágio da experiência própria que a precede e um estágio que a sucede. (RICOUER, 1994, p. 87).

A intriga a que se refere Ricouer é tecida na própria narrativa ou, em suas palavras, uma síntese do heterogêneo porque trans-forma os acontecimentos ou incidentes em uma história. Assim, a tessitura da intriga é um conceito complexo que supõe a capacida-de de identificar a ação por seus traços estruturais (do mundo pre-figurado); elaborar uma significação articulada da ação (semântica da ação) e identificar mediações simbólicas da ação, em forma de texto.

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Em se tratando das narrativas construídas sobre o Maranhão, nos diversos espaços midiáticos, verificou-se que a crise política entre José Reinaldo Tavares e o grupo Sarney transformou-se em histórias tão heterogêneas a ponto de se aventar a possibilidade de o mundo prefigurado ser apenas um simulacro da realidade. Mas ao contrário disso, o que se apreende das narrativas é que a prefigura-ção está assegurada, na perspectiva de Gonçalves (2008, p.49-50), como uma realidade simbólica tão ou mais forte que a realidade concreta a ponto de, ainda pensando como a autora, “o Maranhão, no singular, por assim dizer, estar cheio de atributos que lhe confe-rem a aparência de consenso e de naturalidade [...]. Isso é traduzi-do na fala dos agentes produtores do discurso político.”

Nesse aspecto, compreende-se que os Maranhões simbólicos que os semióforos-jornalistas constroem são verdadeiros e reconhe-cidos a ponto de eles se sentirem com autoridade para dizê-los ou representá-los narrativamente. Uma prática que, convém relem-brar, remete ao século XIX, sobretudo quando se observa que as narrativas do passado assentavam-se em crenças e lançavam mão de dispositivos retóricos aceitos como se fossem dados prontos e não construídos. Em adaptação aos postulados de Fátima Gonçal-ves, ousa-se afirmar que se fabricou um Maranhão, uma Athenas e, em simultâneo, fabricou-se a crença:

Refiro-me à análise e explicação da magia de Maus (1980) que asseverou que a crença do mágico e aquela do público não são coi-sas distintas, mas reflexas porquanto a simulação do mágico não é possível senão em razão da credulidade pública e circunscreve a definição da crença pelo atributo de coletividade, uma espécie de força construída socialmente por um grupo que partilha ideias e noções. (GONÇALVES, 2008, p. 49).

Crenças e magias coletivas que constroem a credulidade pú-blica do jornalismo de tal forma que, em relação às narrativas noti-ciosas, problematiza-se com Milton Pinto (2004) que os jornalistas aprendem e apreendem a lógica do processo de configuração nas faculdades, “sob o inocente disfarce de uma técnica sem ideologia”.

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Assim, por meio do domínio de tecnologias discursivas (como o uso do lead, da pirâmide invertida, entre outros), desenvolvem compe-tências e habilidades as quais, ao contrário do que advogam profes-sores e alunos, têm um componente importante e privilegiado da retórica clássica. Nos termos do autor:

Todo processo de comunicação é um processo polêmico de con-vencimento, onde poder e saber estão em jogo e em que valores sociais se reproduzem ou se modificam. A prática discursiva é, dialeticamente, ao mesmo tempo constitutiva e criativa daqueles valores. (PINTO, 2004, p. 14).

Destaca-se que, no recorte temporal analisado, de acordo com Gomes e Conceição (2008), iniciava-se um processo de mudan-ça discursiva na mídia maranhense em geral. Particularmente, nos jornais impressos e, destes, nos jornais o Estado do Maranhão e Pe-queno, decorrente de uma reestruturação hegemônica. Com efeito, os jornais passaram a construir novos cenários e sentidos sobre o Maranhão e sobre os políticos que dirigem ou dirigiram o estado nos últimos 40 anos.

As políticas editoriais mudam radicalmente. É, porém, no “Jor-nal Pequeno” (JP) e no jornal “O Estado do Maranhão” (JEMA), que se evidencia mais forte a mudança editorial. O Estado do Ma-ranhão, de aliado do governador, numa postura de porta-voz do governo, passa a desqualificar sua administração e a apontar as mazelas do estado. No discurso do JEMA, o Maranhão que, até o rompimento, era o estado das oportunidades, dos grandes investi-mentos, torna-se um estado decadente. Já o JP, de crítico ou indi-ferente ao governo, mas sempre oposição ao grupo Sarney, passa a legitimar o governador e seu governo e, por consequência, a defen-der a possibilidade de um Maranhão “livre”, um Maranhão que, a despeito de um processo histórico de “opressão” e “desmandos administrativos” estaria vivendo um novo momento, com perspec-tivas de crescimento e prosperidade.

É, portanto, a partir desse quadro, que se problematiza o jornalismo, em específico, o jornalismo maranhense, tendo em vista

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que, historicamente, a legitimidade social desse campo assenta-se na crença de que esta é uma atividade que profere a verdade, porque se pauta na objetividade, na imparcialidade, naquilo que tradicionalmente se designa de racionalidade jornalística9. Con-cepções que se “traduzem” em técnicas legitimadas e reproduzidas nas escolas de jornalismo e nas redações dos jornais pelo uso de tecnologias discursivas (regras que se apreendem na estrutura das narrativas jornalísticas como o uso do lead; o “afastamento” do nar-rador pelo uso da terceira pessoa; a apresentação de provas; o re-curso da mobilização de vozes, entre outras regras. Recursos, enfim, que intentam apagar subjetividades e parcialidades, criando-se, por conseguinte, efeitos de realidade).

Mas o condicionamento do texto jornalístico a regras e a téc-nicas não apaga as marcas da enunciação que lhe são próprias. Com base em Resende (2009), afirma-se que a lógica estruturan-te que predomina no jornalismo não “domestica” os sentidos das narrativas. Para o autor, o fato não se encerra nele próprio, pro-duz sentidos, formando outros polos possíveis de significação. É, pois, na tessitura textual, que o texto jornalístico se completa nas dimensões discursivas e narrativas. Assim, a pesquisa possibilitou constatar que as notícias do jornalismo impresso maranhense se constituem por narrativas cuja estrutura as legitima como lugar da verdade, da objetividade e da racionalidade e, paradoxalmente, de tessituras que revelam parcialidades e emocionalidades negadas pelo paradigma da racionalidade jornalística. Fenômeno que se de-signa de estrutura traída10.

9 Aparato, ao mesmo tempo, ideológico, contextual e instrumental, designado racio-nalidade jornalística; fazer institucionalizado e sistemático, pela adoção de rotinas, tomadas de decisões, seleção e apresentação dos fatos, a mobilização de fontes, uso de estratégias para lidar com fatos, fontes, valores, tempo e decisões de produção (TUCHMAN apud TRAQUINA, 1999, p.74; 88-89).

10 “Observa-se que as narrativas do jornalismo impresso maranhense demarcam-se por uma contradição: do ponto de vista da estrutura, os textos reproduzem operações e procedimentos referendados por um processo a que Fairclough (1997, apud CON-CEIÇÃO, 2004, p. 126) denomina de tecnologias discursivas (leia-se racionalidade no processo de construção da notícia). Do ponto de vista das tessituras textuais, contudo, o jornalismo maranhense conserva valores e constrói sentidos que negam, em grande parte, os pressupostos de que o jornalismo depende, exclusivamente, de

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Assim, por meio do domínio de tecnologias discursivas (como o uso do lead, da pirâmide invertida, entre outros), desenvolvem compe-tências e habilidades as quais, ao contrário do que advogam profes-sores e alunos, têm um componente importante e privilegiado da retórica clássica. Nos termos do autor:

Todo processo de comunicação é um processo polêmico de con-vencimento, onde poder e saber estão em jogo e em que valores sociais se reproduzem ou se modificam. A prática discursiva é, dialeticamente, ao mesmo tempo constitutiva e criativa daqueles valores. (PINTO, 2004, p. 14).

Destaca-se que, no recorte temporal analisado, de acordo com Gomes e Conceição (2008), iniciava-se um processo de mudan-ça discursiva na mídia maranhense em geral. Particularmente, nos jornais impressos e, destes, nos jornais o Estado do Maranhão e Pe-queno, decorrente de uma reestruturação hegemônica. Com efeito, os jornais passaram a construir novos cenários e sentidos sobre o Maranhão e sobre os políticos que dirigem ou dirigiram o estado nos últimos 40 anos.

As políticas editoriais mudam radicalmente. É, porém, no “Jor-nal Pequeno” (JP) e no jornal “O Estado do Maranhão” (JEMA), que se evidencia mais forte a mudança editorial. O Estado do Ma-ranhão, de aliado do governador, numa postura de porta-voz do governo, passa a desqualificar sua administração e a apontar as mazelas do estado. No discurso do JEMA, o Maranhão que, até o rompimento, era o estado das oportunidades, dos grandes investi-mentos, torna-se um estado decadente. Já o JP, de crítico ou indi-ferente ao governo, mas sempre oposição ao grupo Sarney, passa a legitimar o governador e seu governo e, por consequência, a defen-der a possibilidade de um Maranhão “livre”, um Maranhão que, a despeito de um processo histórico de “opressão” e “desmandos administrativos” estaria vivendo um novo momento, com perspec-tivas de crescimento e prosperidade.

É, portanto, a partir desse quadro, que se problematiza o jornalismo, em específico, o jornalismo maranhense, tendo em vista

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que, historicamente, a legitimidade social desse campo assenta-se na crença de que esta é uma atividade que profere a verdade, porque se pauta na objetividade, na imparcialidade, naquilo que tradicionalmente se designa de racionalidade jornalística9. Con-cepções que se “traduzem” em técnicas legitimadas e reproduzidas nas escolas de jornalismo e nas redações dos jornais pelo uso de tecnologias discursivas (regras que se apreendem na estrutura das narrativas jornalísticas como o uso do lead; o “afastamento” do nar-rador pelo uso da terceira pessoa; a apresentação de provas; o re-curso da mobilização de vozes, entre outras regras. Recursos, enfim, que intentam apagar subjetividades e parcialidades, criando-se, por conseguinte, efeitos de realidade).

Mas o condicionamento do texto jornalístico a regras e a téc-nicas não apaga as marcas da enunciação que lhe são próprias. Com base em Resende (2009), afirma-se que a lógica estruturan-te que predomina no jornalismo não “domestica” os sentidos das narrativas. Para o autor, o fato não se encerra nele próprio, pro-duz sentidos, formando outros polos possíveis de significação. É, pois, na tessitura textual, que o texto jornalístico se completa nas dimensões discursivas e narrativas. Assim, a pesquisa possibilitou constatar que as notícias do jornalismo impresso maranhense se constituem por narrativas cuja estrutura as legitima como lugar da verdade, da objetividade e da racionalidade e, paradoxalmente, de tessituras que revelam parcialidades e emocionalidades negadas pelo paradigma da racionalidade jornalística. Fenômeno que se de-signa de estrutura traída10.

9 Aparato, ao mesmo tempo, ideológico, contextual e instrumental, designado racio-nalidade jornalística; fazer institucionalizado e sistemático, pela adoção de rotinas, tomadas de decisões, seleção e apresentação dos fatos, a mobilização de fontes, uso de estratégias para lidar com fatos, fontes, valores, tempo e decisões de produção (TUCHMAN apud TRAQUINA, 1999, p.74; 88-89).

10 “Observa-se que as narrativas do jornalismo impresso maranhense demarcam-se por uma contradição: do ponto de vista da estrutura, os textos reproduzem operações e procedimentos referendados por um processo a que Fairclough (1997, apud CON-CEIÇÃO, 2004, p. 126) denomina de tecnologias discursivas (leia-se racionalidade no processo de construção da notícia). Do ponto de vista das tessituras textuais, contudo, o jornalismo maranhense conserva valores e constrói sentidos que negam, em grande parte, os pressupostos de que o jornalismo depende, exclusivamente, de

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De tal maneira que, nos modos de dizer (PINTO, 1999), dos jornais analisados evidenciam-se os processos de legitimação (o su-jeito da enunciação advoga autoridade para falar de); a credibilidade (necessário se faz que o sujeito prove a “verdade”) e a captação (o parceiro da troca comunicativa – o leitor – precisa sintonizar com o sujeito da enunciação). No jogo, pois, das tramas discursi-vas dos jornais, foi possível compreender como homens-semióforos constroem valores, em tradução (ões) do (s) Maranhão (ões) que se revelam poderosos instrumentos de saber/poder. É o jornalismo, portanto, com o poder de construir conhecimento social.

A esse respeito, Genro Filho (1987, p. 21) afirma que, “além de ser uma forma de comunicação que responde às funções tra-dicionais de socialização, funcionalidade, organização, etc., o jor-nalismo constitui, e leva a cabo, uma forma singular do conheci-mento humano, cotidianamente produzido e veiculado no espaço social.” Meditsch (1997 apud PONTE, 2005, p.105), partindo de Genro Filho, convida a pensar sobre o conhecimento produzido pelo jornalismo naquilo que ele tem de “único” e “original”, uma vez que o jornalismo constrói conhecimento diferente daquele que é produzido pela ciência, conhecimento que, de acordo com Ponte (2005), é também um conhecimento político. Nesses termos, é que o jornalismo valida-se como forma de conhecimento da realidade social com implicações e consequência nesta realidade.

Complementa-se a reflexão com Foucault (2005) para quem o conhecimento (saber) necessariamente não é científico, mas não existe, porém, conhecimento sem uma prática discursiva definida; prática que, também, só se constitui pelo saber que ela veicula. Para o autor:

Um saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico. [...]; um saber é, também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso

normas/regras as quais, aplicadas ao texto, garantem explicar os acontecimentos do mundo sem a interferência de quem conta tais fatos” (ANDRADE, 2011, p. 82)

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[...]; um saber é também o campo de coordenação e de subordina-ção dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam; finalmente, um saber se define por pos-sibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso. (FOUCAULT, 2005, p. 209).

De acordo com Foucault (2005), por meio do conhecimen-to (saber), uns indivíduos “mantêm o controle” sobre outros. Co-nhecimento é, portanto, poder, é manipulação, é dominação. É, principalmente, critério de distinção entre as pessoas. Assim, o jor-nalismo, por meio dos seus agentes e de suas práticas discursivas, “disputa o poder de falar e de se fazer ouvir bem como a prevalência do seu modo de perceber e classificar as coisas do mundo e, desse modo, de se fazer tomar em consideração, produzir a realidade e de intervir sobre essa realidade.” (ARAÚJO, 2000 apud CONCEI-ÇÃO, 2004).

NA TRAMA: FALAS EM DISPUTA NO JORNALISMO IMPRESSO MARANHENSE

[...] inquietação de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT, 1999, p. 8).

A assertiva de Michel Foucault enquadra-se de forma magistral ao momento de produção discursiva em recente passado político-midiático do Maranhão. Poderes e perigos, dominações e servidões e, principalmente, ferimentos, numa luta fratricida (considerando paternidade única do grupo em disputa: José Sarney) tornaram o momento discursivamente rico e jornalisticamente complexo. Dis-cursos, até então, “proibidos” vêm à cena como as desavenças entre a primeira dama Alexandra Tavares e a ex-governadora Roseana Sarney. Sutis, mas surpreendentes notas em colunas sociais e char-

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A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”

De tal maneira que, nos modos de dizer (PINTO, 1999), dos jornais analisados evidenciam-se os processos de legitimação (o su-jeito da enunciação advoga autoridade para falar de); a credibilidade (necessário se faz que o sujeito prove a “verdade”) e a captação (o parceiro da troca comunicativa – o leitor – precisa sintonizar com o sujeito da enunciação). No jogo, pois, das tramas discursi-vas dos jornais, foi possível compreender como homens-semióforos constroem valores, em tradução (ões) do (s) Maranhão (ões) que se revelam poderosos instrumentos de saber/poder. É o jornalismo, portanto, com o poder de construir conhecimento social.

A esse respeito, Genro Filho (1987, p. 21) afirma que, “além de ser uma forma de comunicação que responde às funções tra-dicionais de socialização, funcionalidade, organização, etc., o jor-nalismo constitui, e leva a cabo, uma forma singular do conheci-mento humano, cotidianamente produzido e veiculado no espaço social.” Meditsch (1997 apud PONTE, 2005, p.105), partindo de Genro Filho, convida a pensar sobre o conhecimento produzido pelo jornalismo naquilo que ele tem de “único” e “original”, uma vez que o jornalismo constrói conhecimento diferente daquele que é produzido pela ciência, conhecimento que, de acordo com Ponte (2005), é também um conhecimento político. Nesses termos, é que o jornalismo valida-se como forma de conhecimento da realidade social com implicações e consequência nesta realidade.

Complementa-se a reflexão com Foucault (2005) para quem o conhecimento (saber) necessariamente não é científico, mas não existe, porém, conhecimento sem uma prática discursiva definida; prática que, também, só se constitui pelo saber que ela veicula. Para o autor:

Um saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico. [...]; um saber é, também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso

normas/regras as quais, aplicadas ao texto, garantem explicar os acontecimentos do mundo sem a interferência de quem conta tais fatos” (ANDRADE, 2011, p. 82)

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[...]; um saber é também o campo de coordenação e de subordina-ção dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam; finalmente, um saber se define por pos-sibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso. (FOUCAULT, 2005, p. 209).

De acordo com Foucault (2005), por meio do conhecimen-to (saber), uns indivíduos “mantêm o controle” sobre outros. Co-nhecimento é, portanto, poder, é manipulação, é dominação. É, principalmente, critério de distinção entre as pessoas. Assim, o jor-nalismo, por meio dos seus agentes e de suas práticas discursivas, “disputa o poder de falar e de se fazer ouvir bem como a prevalência do seu modo de perceber e classificar as coisas do mundo e, desse modo, de se fazer tomar em consideração, produzir a realidade e de intervir sobre essa realidade.” (ARAÚJO, 2000 apud CONCEI-ÇÃO, 2004).

NA TRAMA: FALAS EM DISPUTA NO JORNALISMO IMPRESSO MARANHENSE

[...] inquietação de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT, 1999, p. 8).

A assertiva de Michel Foucault enquadra-se de forma magistral ao momento de produção discursiva em recente passado político-midiático do Maranhão. Poderes e perigos, dominações e servidões e, principalmente, ferimentos, numa luta fratricida (considerando paternidade única do grupo em disputa: José Sarney) tornaram o momento discursivamente rico e jornalisticamente complexo. Dis-cursos, até então, “proibidos” vêm à cena como as desavenças entre a primeira dama Alexandra Tavares e a ex-governadora Roseana Sarney. Sutis, mas surpreendentes notas em colunas sociais e char-

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ges nos jornais alinhados ao grupo Sarney prenunciam uma crise que se vai intensificando com discursos cada vez mais reveladores até o desfecho com a ruptura pública do grupo.

Tudo isso vai se tornando visível e compreendido pela po-pulação por meio da mídia, especialmente, por meio dos veículos impressos. Cenários instigantes em que se intenta compreender (problematizar) o acontecimento jornalístico. Nessa perspectiva, pensa-se com Cristina Ponte:

A necessidade de ter presente as estratégias cruzadas dos media e das fontes de informação, com as zonas de luminosidade, de pe-numbra e de segredo. Põe em causa a aparente contradição entre os interesses dos media noticiosos e das fontes de informação na disputa dessas zonas de luminosidade e de segredo e interroga-se sobre se as duas estratégias concorrentes não serão complementa-res nas formas como trabalham os ditos e os não-ditos de aconte-cimentos. (PONTE, 2005, p. 115).

Zonas de “luminosidade, de penumbra e de segredo”, em razão da disputa por visibilidade e diferenciação. Disputa de poder nos jornais. Nesse sentido, pensa-se com Michel Foucault (2005) para quem o poder não está circunscrito, exclusivamente, ao Estado. Ele representa uma articulação de poderes associados ao Estado (de várias maneiras), indispensáveis, inclusive, à manutenção do pró-prio Estado. Tal concepção possibilita entender o poder implícito nas práticas sociais e distribuído por todas as esferas sociais. Pinto (2004) adere ao pensamento foucaultiano para entender o papel do discurso nas sociedades modernas.

Para o autor,

O poder moderno não é imposto de cima por nenhum agente co-letivo, como uma classe social ou o estado sobre grupos ou indi-víduos; ele se desenvolve “de baixo” por meio de certas ‘micro-técnicas’ [...] O poder e o saber estão assim numa relação binária de implicação na sociedade moderna. Algumas dessas tecnologias discursivas de poder estão nas mãos dos profissionais de comuni-cação, como jornalistas e marqueteiros [...] (PINTO, 2004, p.14).

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Concebe-se, por conseguinte, o jornalismo como instituição duplamente determinada, ou seja, como “um dos modos pelos quais se institui o poder; e também como discurso, isto é, como uma das maneiras de organizar um discurso sobre o poder.” (ATAÍDE, 2006, p. 2). Nessa lógica, é que se apresenta a história do empréstimo pleitea-do pelo governo do Maranhão ao Banco Mundial, com objetivo de com-bater a pobreza, narrada pelos jornais o Estado do Maranhão e Pequeno.

Em contexto, o empréstimo, que se transformou em uma das principais bandeiras política e midiática na luta de JRT contra o grupo Sarney, foi requerido pelo governo do estado do Maranhão ao Banco Mundial (Bird). O dinheiro seria destinado ao Programa de Desenvolvimento Integrado e os recursos utilizados em ações de combate à pobreza no estado, nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e produção, com destinação de (60%) para investimento nos 80 municípios maranhenses de menor índice de desenvolvi-mento humano (IDH). Assim, em maio de 2004, o Bird confirmou oficialmente o empréstimo ao governo do Maranhão. Para ser, po-rém, efetivamente concretizado, o Senado Federal deveria analisar e aprovar o pleito. Eis a razão do conflito. A versão dos reinaldistas atribuía a morosidade às manobras dos senadores ligados ao grupo Sarney e também ao poder de José Sarney na esfera federal. Poder usado para emperrar a aprovação do empréstimo. Por outro lado, os sarneysistas alegavam que o estado não estava legalmente apto para pleitear o empréstimo.

Do confronto das falas construídas pelo JP e JEMA emergem posições que serão determinantes para o duelo entre os que lutam pela aprovação do empréstimo, “em nome dos pobres”, portanto, e aqueles que se defendem e, por consequência, são acusados de “maldosos”, “inimigos do Maranhão”, “os vilões” que, por meio de estratagemas variados, tentam impedir a aprovação do empréstimo e a “salvação dos pobres”. Convém informar que o duelo das falas foi às ruas, com manifestações populares às quais o JP dará visibi-lidade e o JEMA ignorará. Até porque a motivação do embate, a pobreza do Maranhão, é calada e nunca relacionada ao empréstimo pelo JEMA, mas é construída e reiterada como a motivação maior do empréstimo e da luta pela “libertação do Maranhão”, no JP.

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ges nos jornais alinhados ao grupo Sarney prenunciam uma crise que se vai intensificando com discursos cada vez mais reveladores até o desfecho com a ruptura pública do grupo.

Tudo isso vai se tornando visível e compreendido pela po-pulação por meio da mídia, especialmente, por meio dos veículos impressos. Cenários instigantes em que se intenta compreender (problematizar) o acontecimento jornalístico. Nessa perspectiva, pensa-se com Cristina Ponte:

A necessidade de ter presente as estratégias cruzadas dos media e das fontes de informação, com as zonas de luminosidade, de pe-numbra e de segredo. Põe em causa a aparente contradição entre os interesses dos media noticiosos e das fontes de informação na disputa dessas zonas de luminosidade e de segredo e interroga-se sobre se as duas estratégias concorrentes não serão complementa-res nas formas como trabalham os ditos e os não-ditos de aconte-cimentos. (PONTE, 2005, p. 115).

Zonas de “luminosidade, de penumbra e de segredo”, em razão da disputa por visibilidade e diferenciação. Disputa de poder nos jornais. Nesse sentido, pensa-se com Michel Foucault (2005) para quem o poder não está circunscrito, exclusivamente, ao Estado. Ele representa uma articulação de poderes associados ao Estado (de várias maneiras), indispensáveis, inclusive, à manutenção do pró-prio Estado. Tal concepção possibilita entender o poder implícito nas práticas sociais e distribuído por todas as esferas sociais. Pinto (2004) adere ao pensamento foucaultiano para entender o papel do discurso nas sociedades modernas.

Para o autor,

O poder moderno não é imposto de cima por nenhum agente co-letivo, como uma classe social ou o estado sobre grupos ou indi-víduos; ele se desenvolve “de baixo” por meio de certas ‘micro-técnicas’ [...] O poder e o saber estão assim numa relação binária de implicação na sociedade moderna. Algumas dessas tecnologias discursivas de poder estão nas mãos dos profissionais de comuni-cação, como jornalistas e marqueteiros [...] (PINTO, 2004, p.14).

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Concebe-se, por conseguinte, o jornalismo como instituição duplamente determinada, ou seja, como “um dos modos pelos quais se institui o poder; e também como discurso, isto é, como uma das maneiras de organizar um discurso sobre o poder.” (ATAÍDE, 2006, p. 2). Nessa lógica, é que se apresenta a história do empréstimo pleitea-do pelo governo do Maranhão ao Banco Mundial, com objetivo de com-bater a pobreza, narrada pelos jornais o Estado do Maranhão e Pequeno.

Em contexto, o empréstimo, que se transformou em uma das principais bandeiras política e midiática na luta de JRT contra o grupo Sarney, foi requerido pelo governo do estado do Maranhão ao Banco Mundial (Bird). O dinheiro seria destinado ao Programa de Desenvolvimento Integrado e os recursos utilizados em ações de combate à pobreza no estado, nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e produção, com destinação de (60%) para investimento nos 80 municípios maranhenses de menor índice de desenvolvi-mento humano (IDH). Assim, em maio de 2004, o Bird confirmou oficialmente o empréstimo ao governo do Maranhão. Para ser, po-rém, efetivamente concretizado, o Senado Federal deveria analisar e aprovar o pleito. Eis a razão do conflito. A versão dos reinaldistas atribuía a morosidade às manobras dos senadores ligados ao grupo Sarney e também ao poder de José Sarney na esfera federal. Poder usado para emperrar a aprovação do empréstimo. Por outro lado, os sarneysistas alegavam que o estado não estava legalmente apto para pleitear o empréstimo.

Do confronto das falas construídas pelo JP e JEMA emergem posições que serão determinantes para o duelo entre os que lutam pela aprovação do empréstimo, “em nome dos pobres”, portanto, e aqueles que se defendem e, por consequência, são acusados de “maldosos”, “inimigos do Maranhão”, “os vilões” que, por meio de estratagemas variados, tentam impedir a aprovação do empréstimo e a “salvação dos pobres”. Convém informar que o duelo das falas foi às ruas, com manifestações populares às quais o JP dará visibi-lidade e o JEMA ignorará. Até porque a motivação do embate, a pobreza do Maranhão, é calada e nunca relacionada ao empréstimo pelo JEMA, mas é construída e reiterada como a motivação maior do empréstimo e da luta pela “libertação do Maranhão”, no JP.

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Nesse sentido, convinha ao JP construir a “história da luta pelos pobres do Maranhão”, denunciando e responsabilizando, por conseguinte, o grupo Sarney pelos males que acometiam o estado. Assim, na “guerra pelos pobres”, o JP parte para a ofensiva, en-quanto o JEMA responde reativamente. Conta-se, pois, a história do empréstimo para o combate à pobreza, por meio de “ataques” e “contra-ataques” do JP e do JEMA, no entrelaçamento dos textos em manchetes e títulos. A guerra das falas em torno do empréstimo ocorre em dois momentos intensos: nos meses de março e abril, quando, praticamente, só o Jornal Pequeno fala do assunto e, de-pois, nos meses de outubro e novembro de 2005A guerra pelos pobres do Maranhão

Inicia-se com o “Jornal Pequeno”:

Figura 1- Projeto de combate à pobrezaFonte: Jornal Pequeno, 4 de março de 2005, capa

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A imagem ao lado vem acompanhada do texto:

Já no ponto de ser votado no Senado, conforme prometeu o presi-dente Renan Calheiros ao governador José Reinaldo Tavares, o projeto que destina 40 milhões para combate à pobreza no Maranhão recebeu oito emendas de última hora, na última terça-feira, e teve que retornar à comissão de assuntos econômicos (CAE) da Casa para novo parecer do senador Rodolpho Tourinho (PFL- BA). As emendas foram apresentadas pelos senadores Garibaldi Alves Sil-va (PMDB-RN), Maguito Vilela (PMDB-GO) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que nem conhecem o Maranhão. A manobra foi denunciada, ontem, pela deputada Terezinha Fernandes (PT-MA), que identificou nela “mais uma trama do senador José Sarney (PM-DB-AP) para prejudicar o Maranhão”. A sessão onde tudo aconte-ceu estava sendo presidida pelo senador Papaléo Paes – aliado de Sarney e do PMDB do Amapá. (JORNAL PEQUENO, 4 de março de 2005, capa, grifo nosso)

A chamada (texto verbal e o texto fotográfico) tem o apelo de

mostrar a realidade da pobreza no Maranhão, ao mesmo tempo em que sensibiliza para a denúncia quanto à “maldade” de José Sar-ney, já caracterizado negativamente como “cacique” e denunciado pela “armação” de colocar seus aliados a emendarem de “última hora” o projeto. A expressão “já no ponto de ser votado” elimina a possibilidade ou a necessidade de mudanças no projeto. Infere-se, portanto, do não dito, que os senadores que emendaram o projeto estariam a serviço da “trama” do senador José Sarney para preju-dicar o Maranhão. O efeito do discurso é contundente: “José Sar-ney não deseja livrar o Maranhão da pobreza”. Um dos argumentos presentes nas narrativas é que o grupo Sarney se nutre da pobreza. A conversa, porém, no “outro lado da ponte”11 é outra: o JEMA publica: Recursos: Senadores defendem aprovação dos US$ 30 milhões para o Maranhão – João Alberto diz que o governo entrava liberação de empréstimo. A chamada da notícia é:

O senador João Alberto voltou a defender ontem, no Senado, a aprovação do empréstimo de US$ 30 milhões que o Maranhão

11 Expressão usada reiteradas vezes pelo JP para caracterizar as empresas de comunica-ção do grupo Sarney e, ao mesmo tempo, simbolizar as trincheiras da guerra.

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Nesse sentido, convinha ao JP construir a “história da luta pelos pobres do Maranhão”, denunciando e responsabilizando, por conseguinte, o grupo Sarney pelos males que acometiam o estado. Assim, na “guerra pelos pobres”, o JP parte para a ofensiva, en-quanto o JEMA responde reativamente. Conta-se, pois, a história do empréstimo para o combate à pobreza, por meio de “ataques” e “contra-ataques” do JP e do JEMA, no entrelaçamento dos textos em manchetes e títulos. A guerra das falas em torno do empréstimo ocorre em dois momentos intensos: nos meses de março e abril, quando, praticamente, só o Jornal Pequeno fala do assunto e, de-pois, nos meses de outubro e novembro de 2005A guerra pelos pobres do Maranhão

Inicia-se com o “Jornal Pequeno”:

Figura 1- Projeto de combate à pobrezaFonte: Jornal Pequeno, 4 de março de 2005, capa

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A imagem ao lado vem acompanhada do texto:

Já no ponto de ser votado no Senado, conforme prometeu o presi-dente Renan Calheiros ao governador José Reinaldo Tavares, o projeto que destina 40 milhões para combate à pobreza no Maranhão recebeu oito emendas de última hora, na última terça-feira, e teve que retornar à comissão de assuntos econômicos (CAE) da Casa para novo parecer do senador Rodolpho Tourinho (PFL- BA). As emendas foram apresentadas pelos senadores Garibaldi Alves Sil-va (PMDB-RN), Maguito Vilela (PMDB-GO) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que nem conhecem o Maranhão. A manobra foi denunciada, ontem, pela deputada Terezinha Fernandes (PT-MA), que identificou nela “mais uma trama do senador José Sarney (PM-DB-AP) para prejudicar o Maranhão”. A sessão onde tudo aconte-ceu estava sendo presidida pelo senador Papaléo Paes – aliado de Sarney e do PMDB do Amapá. (JORNAL PEQUENO, 4 de março de 2005, capa, grifo nosso)

A chamada (texto verbal e o texto fotográfico) tem o apelo de

mostrar a realidade da pobreza no Maranhão, ao mesmo tempo em que sensibiliza para a denúncia quanto à “maldade” de José Sar-ney, já caracterizado negativamente como “cacique” e denunciado pela “armação” de colocar seus aliados a emendarem de “última hora” o projeto. A expressão “já no ponto de ser votado” elimina a possibilidade ou a necessidade de mudanças no projeto. Infere-se, portanto, do não dito, que os senadores que emendaram o projeto estariam a serviço da “trama” do senador José Sarney para preju-dicar o Maranhão. O efeito do discurso é contundente: “José Sar-ney não deseja livrar o Maranhão da pobreza”. Um dos argumentos presentes nas narrativas é que o grupo Sarney se nutre da pobreza. A conversa, porém, no “outro lado da ponte”11 é outra: o JEMA publica: Recursos: Senadores defendem aprovação dos US$ 30 milhões para o Maranhão – João Alberto diz que o governo entrava liberação de empréstimo. A chamada da notícia é:

O senador João Alberto voltou a defender ontem, no Senado, a aprovação do empréstimo de US$ 30 milhões que o Maranhão

11 Expressão usada reiteradas vezes pelo JP para caracterizar as empresas de comunica-ção do grupo Sarney e, ao mesmo tempo, simbolizar as trincheiras da guerra.

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pleiteia no Banco Mundial. Ele ressaltou que os obstáculos para o processo estão na administração do estado. “Estou aqui pleiteando a aprovação, assim como fazem também os senadores Edison Lobão e Roseana Sarney”. O senador Lobão, também presente, ressaltou os discursos que fez sobre o assunto. O senador Marco Maciel, de Pernambuco, confirmou o trabalho dos maranhenses pelo empréstimo [grifo nosso]. (JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO, 28 de maio de 2005, capa).

Pode-se inferir, das marcas textuais, que os senadores estão na defensiva. Desejam mostrar ou justificar que não estão contra a aprovação do empréstimo. A expressão “voltou a defender” deixa implícito que o senador já vem defendendo o projeto. A necessi-dade de uma “testemunha” que “confirma” (Marcos Maciel) o que dizem os senadores também é pista de que se pode entendê-los em situação desconfortável. Outra observação com base nas marcas do texto é a ausência, na fala dos senadores, do motivo do emprésti-mo: “a pobreza do Maranhão”. Não há em qualquer narrativa do JEMA, nesse período, alusão à pobreza do Maranhão nos moldes apresentados pelo JP. Na fala dos senadores, existem obstáculos no processo, contudo atribuem tais empecilhos ao governo do estado.

Ainda em março, o JP publica uma série de denúncias. No dia 5: Boicote ao projeto de combate à pobreza – Deputados reagem à mal-dade de Sarney contra pobres do MA. No dia 7: Crime contra os pobres do Maranhão – Governador e deputados lutam para reverter maldade de Sarney – governador cancela agenda e vai para Brasília pressionar senadores. No dia 17, o JP informa, em manchete: Projeto de combate à pobreza – Omissão de senadores faz Zé Reinaldo apelar a Capiberibe. Na página 3, no mesmo dia: Como Sarney, Roseana, Lobão e João Al-berto nada fazem – Capiberibe apela no Senado em favor dos pobres do Maranhão. Em 20 de março, continua o JP: Repercute em Brasília o discurso de Capiberibe em favor dos pobres maranhenses – Postura dos senadores do MA é condenada na Câmara Federal. Em 30 de março: Sarney e Roseana querem mesmo deixar maranhenses com fome. No dia seguinte, Maldade dos Senadores do MA contra pobres escandaliza políticos do DF.

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É importante destacar as formações discursivas deste período: expressões como “boicote”, “maldade contra os pobres”, “luta para reverter maldade”, “crimes contra os pobres”, “omissão de senadores”, “apelo a Capeberibe”, “postura condenada na Câmara Federal”, “deixar maranhenses com fome” são estratégias retóricas que dividem a seara semântica em dois espaços: os maus, aqueles que não se importam com os pobres, portanto não se preocupam com o Maranhão e os bons, aqueles que, “bravamente”, lutam con-tra os maus e pelos pobres.

Em abril, o JP continua. Solitário, porém, uma vez que o JEMA não se manifesta. Logo no dia 7, o JP publica: Maldade contra os po-bres do Maranhão repercute no Jornal o Globo do Rio – Família Sarney tenta retardar a aprovação do empréstimo. No dia 22, Maldade contra os pobres do Maranhão – Manobra de Sarney faz projeto dos 30 milhões cair nas mãos de ACM. Dois dias depois: Dobradinha Sarney – ACM em ação contra os pobres – Deputados condenam nova manobra contra empréstimo de US$ 30 milhões. Em 26 de abril: Deputados denunciam sabotagem de Sarney – Encaminhamento do projeto de combate à po-breza à CCJ, de ACM, confirma maldade do chefe da oligarquia contra os pobres. Mais uma série de narrativas do JP constroem efeitos de sentido que vilanizam o grupo Sarney, com a estratégia de apelar para a legitimidade externa, pelo respaldo do jornal da mídia do sudeste do país, como o jornal o Globo.

De maio a setembro, o tema empréstimo sai da pauta do JP, em função da própria dinâmica das votações do Senado. Retorna, con-tudo, em primeiro de outubro, com matéria de capa: Zé Reinaldo convoca todos à luta para romper atraso no Maranhão – Presidente da FAMEM também se filia e passa a integrar a frente de libertação. Até aquele momento, há apenas uma manifestação do JEMA, sobre o assunto. O silêncio fala, contudo. As possíveis leituras apontam para a omissão do grupo em relação ao empréstimo ou para a deli-berada decisão de obstacular o pleito do governo do estado. O Pe-queno continua no “ataque”, em 6 de outubro, informa: Capiberibe pede aprovação de empréstimo para o Maranhão. Em 13 de outubro: Empréstimo de US$ 30 milhões para combate à pobreza – MA reage ao boicote de senadores e obriga oligarquia Sarney se mexer. No dia

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pleiteia no Banco Mundial. Ele ressaltou que os obstáculos para o processo estão na administração do estado. “Estou aqui pleiteando a aprovação, assim como fazem também os senadores Edison Lobão e Roseana Sarney”. O senador Lobão, também presente, ressaltou os discursos que fez sobre o assunto. O senador Marco Maciel, de Pernambuco, confirmou o trabalho dos maranhenses pelo empréstimo [grifo nosso]. (JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO, 28 de maio de 2005, capa).

Pode-se inferir, das marcas textuais, que os senadores estão na defensiva. Desejam mostrar ou justificar que não estão contra a aprovação do empréstimo. A expressão “voltou a defender” deixa implícito que o senador já vem defendendo o projeto. A necessi-dade de uma “testemunha” que “confirma” (Marcos Maciel) o que dizem os senadores também é pista de que se pode entendê-los em situação desconfortável. Outra observação com base nas marcas do texto é a ausência, na fala dos senadores, do motivo do emprésti-mo: “a pobreza do Maranhão”. Não há em qualquer narrativa do JEMA, nesse período, alusão à pobreza do Maranhão nos moldes apresentados pelo JP. Na fala dos senadores, existem obstáculos no processo, contudo atribuem tais empecilhos ao governo do estado.

Ainda em março, o JP publica uma série de denúncias. No dia 5: Boicote ao projeto de combate à pobreza – Deputados reagem à mal-dade de Sarney contra pobres do MA. No dia 7: Crime contra os pobres do Maranhão – Governador e deputados lutam para reverter maldade de Sarney – governador cancela agenda e vai para Brasília pressionar senadores. No dia 17, o JP informa, em manchete: Projeto de combate à pobreza – Omissão de senadores faz Zé Reinaldo apelar a Capiberibe. Na página 3, no mesmo dia: Como Sarney, Roseana, Lobão e João Al-berto nada fazem – Capiberibe apela no Senado em favor dos pobres do Maranhão. Em 20 de março, continua o JP: Repercute em Brasília o discurso de Capiberibe em favor dos pobres maranhenses – Postura dos senadores do MA é condenada na Câmara Federal. Em 30 de março: Sarney e Roseana querem mesmo deixar maranhenses com fome. No dia seguinte, Maldade dos Senadores do MA contra pobres escandaliza políticos do DF.

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É importante destacar as formações discursivas deste período: expressões como “boicote”, “maldade contra os pobres”, “luta para reverter maldade”, “crimes contra os pobres”, “omissão de senadores”, “apelo a Capeberibe”, “postura condenada na Câmara Federal”, “deixar maranhenses com fome” são estratégias retóricas que dividem a seara semântica em dois espaços: os maus, aqueles que não se importam com os pobres, portanto não se preocupam com o Maranhão e os bons, aqueles que, “bravamente”, lutam con-tra os maus e pelos pobres.

Em abril, o JP continua. Solitário, porém, uma vez que o JEMA não se manifesta. Logo no dia 7, o JP publica: Maldade contra os po-bres do Maranhão repercute no Jornal o Globo do Rio – Família Sarney tenta retardar a aprovação do empréstimo. No dia 22, Maldade contra os pobres do Maranhão – Manobra de Sarney faz projeto dos 30 milhões cair nas mãos de ACM. Dois dias depois: Dobradinha Sarney – ACM em ação contra os pobres – Deputados condenam nova manobra contra empréstimo de US$ 30 milhões. Em 26 de abril: Deputados denunciam sabotagem de Sarney – Encaminhamento do projeto de combate à po-breza à CCJ, de ACM, confirma maldade do chefe da oligarquia contra os pobres. Mais uma série de narrativas do JP constroem efeitos de sentido que vilanizam o grupo Sarney, com a estratégia de apelar para a legitimidade externa, pelo respaldo do jornal da mídia do sudeste do país, como o jornal o Globo.

De maio a setembro, o tema empréstimo sai da pauta do JP, em função da própria dinâmica das votações do Senado. Retorna, con-tudo, em primeiro de outubro, com matéria de capa: Zé Reinaldo convoca todos à luta para romper atraso no Maranhão – Presidente da FAMEM também se filia e passa a integrar a frente de libertação. Até aquele momento, há apenas uma manifestação do JEMA, sobre o assunto. O silêncio fala, contudo. As possíveis leituras apontam para a omissão do grupo em relação ao empréstimo ou para a deli-berada decisão de obstacular o pleito do governo do estado. O Pe-queno continua no “ataque”, em 6 de outubro, informa: Capiberibe pede aprovação de empréstimo para o Maranhão. Em 13 de outubro: Empréstimo de US$ 30 milhões para combate à pobreza – MA reage ao boicote de senadores e obriga oligarquia Sarney se mexer. No dia

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seguinte, Empréstimo de combate à pobreza – Deputado volta a culpar em Brasília os políticos ligados ao grupo Sarney. Em 18 de outubro, o JP anuncia: Quase 18 mil trabalhadores pressionam em praça pública: Grito da pobreza ecoa na Deodoro (ato histórico em São Luís pela apro-vação do empréstimo de US$ 30 milhões para combate à pobreza no MA que está sendo boicotado pelo “Esquema Sarney”).

Como “resultado da manifestação popular”, no dia 19, o JP divulga: Projeto de combate à pobreza – Pressão popular pode levar o Senado a aprovar empréstimo para o Maranhão. No dia 20, Projeto para o combate à pobreza – Senadores são pressionados para aprovar empréstimo para o MA. Ainda em outubro, no dia 21, Evangelista condena boicote a projeto de combate à pobreza – Presidente da Assem-bleia Legislativa critica senadores do Maranhão. No dia 22, o JP desco-bre a manobra: Combate à pobreza – ACM revela que Sarney boicota projeto dos 30 milhões de dólares. Nesse mesmo dia, mais uma notícia no JP: Deputado denuncia na Câmara Federal, em Brasília – Roseana Sarney é quem mais tenta boicotar empréstimo de 30 milhões. Em 27 de outubro: Maldade dos senadores maranhenses contra os pobres não tem limite – Esquema Sarney ‘adoece’ senador e atrasa de novo projeto de 30 milhões.

Chamam atenção, neste período, as estratégias de captação: “José Reinaldo convoca todos à luta para romper o atraso”, “O MA reage ao boicote e obriga senadores”. Tais estratégias objetivam o envolvimento da população no embate. A metonímia Maranhão = a José Reinaldo reagindo e rompendo com o atraso, bem como “O grito da pobreza” são exemplos de linguagem metafórica, em função conativa, com objetivo de captar e seduzir. Até o final de novem-bro, as falas são produzidas quase que exclusivamente pelo JP, exce-tuando-se uma nota ou outra sem muito destaque no JEMA. Dessa forma, somente no final de outubro, no dia 30, o JEMA manifesta-se sobre o assunto: US$ 30 MI – governador descumpriu metas e não pode assumir novos compromissos financeiros – Inadimplente, governo está proibido de pedir empréstimo. Ao que o JP responde (contesta), dois dias depois: Tesouro Nacional garante que o Maranhão pode fazer empréstimo – Secretário diz que notícia do jornal dos Sarney sobre a ‘inadimplência’ do Estado é mentirosa. O JEMA, em tréplica, publica

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no dia 02 de novembro: Prejuízo: governador tentou evitar penaliza-ção, mas a Secretaria do Tesouro Nacional não aceitou argumentos – Inadimplência obrigou o governo a pagar multa milionária ao Tesouro. O JP responde, no mesmo dia, com boas-novas: Projeto de US$ 30 milhões é aprovado na comissão de ACM. Em 8 de novembro, o JP noticia: É hoje ou nunca – Reinaldo e deputados pressionam em Brasília pelos US$ 30 milhões. No dia seguinte, mais uma notícia do JP: Apesar das pressões do “Esquema Sarney” sobre Ney Suassuna – Projeto dos 30 milhões passa pela última comissão e vai a Plenário. O JEMA, porém, não se dá por vencido e contra-ataca: no mesmo dia (9): Vexame: Acordo milionário com empreiteira prejudica ‘empréstimo dos pobres’- Comissão do Senado autoriza empréstimo, mas condiciona contrato à regularização na STN. Nas aspas do JEMA, o questiona-mento sobre as motivações do empréstimo. O Estado do Maranhão tenta desmontar, assim, o principal argumento do “adversário”.

Mas o JP informa que o fim está próximo, o “adversário está agonizando”. No dia 10 de novembro: Sem saída diante do Projeto dos 30 milhões, senadores do MA entram em pânico – Sarney e Rosea-na saem da toca e João Alberto agride o Governador com baixarias no Senado. Ao que o JEMA responde, no mesmo dia: Senadores mos-tram que governo não pode contratar empréstimo – Sarney, Lobão, João Alberto e Roseana desmontam versão de José Reinaldo. Coube ao JP, no dia 11 de novembro, o desfecho: Vitória do povo do Maranhão – Empréstimo de US$ 30 milhões é aprovado pelo Senado Federal (Sarney e Suassuna ainda fazem uma última manobra contra a pobreza rural no Estado). Como se pode perceber, nesse embate, o Jornal Pequeno deu a palavra final, encerrando-se a guerra das falas pelos pobres do Maranhão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas falas e/ou silêncios dos jornais analisados, reforça-se a tese de que os semióforos da contemporaneidade continuam a tra-duzir/construir os Maranhões como espaços simbólicos de poder, em torno do qual, as elites disputam espaço. Não se observaram nas

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seguinte, Empréstimo de combate à pobreza – Deputado volta a culpar em Brasília os políticos ligados ao grupo Sarney. Em 18 de outubro, o JP anuncia: Quase 18 mil trabalhadores pressionam em praça pública: Grito da pobreza ecoa na Deodoro (ato histórico em São Luís pela apro-vação do empréstimo de US$ 30 milhões para combate à pobreza no MA que está sendo boicotado pelo “Esquema Sarney”).

Como “resultado da manifestação popular”, no dia 19, o JP divulga: Projeto de combate à pobreza – Pressão popular pode levar o Senado a aprovar empréstimo para o Maranhão. No dia 20, Projeto para o combate à pobreza – Senadores são pressionados para aprovar empréstimo para o MA. Ainda em outubro, no dia 21, Evangelista condena boicote a projeto de combate à pobreza – Presidente da Assem-bleia Legislativa critica senadores do Maranhão. No dia 22, o JP desco-bre a manobra: Combate à pobreza – ACM revela que Sarney boicota projeto dos 30 milhões de dólares. Nesse mesmo dia, mais uma notícia no JP: Deputado denuncia na Câmara Federal, em Brasília – Roseana Sarney é quem mais tenta boicotar empréstimo de 30 milhões. Em 27 de outubro: Maldade dos senadores maranhenses contra os pobres não tem limite – Esquema Sarney ‘adoece’ senador e atrasa de novo projeto de 30 milhões.

Chamam atenção, neste período, as estratégias de captação: “José Reinaldo convoca todos à luta para romper o atraso”, “O MA reage ao boicote e obriga senadores”. Tais estratégias objetivam o envolvimento da população no embate. A metonímia Maranhão = a José Reinaldo reagindo e rompendo com o atraso, bem como “O grito da pobreza” são exemplos de linguagem metafórica, em função conativa, com objetivo de captar e seduzir. Até o final de novem-bro, as falas são produzidas quase que exclusivamente pelo JP, exce-tuando-se uma nota ou outra sem muito destaque no JEMA. Dessa forma, somente no final de outubro, no dia 30, o JEMA manifesta-se sobre o assunto: US$ 30 MI – governador descumpriu metas e não pode assumir novos compromissos financeiros – Inadimplente, governo está proibido de pedir empréstimo. Ao que o JP responde (contesta), dois dias depois: Tesouro Nacional garante que o Maranhão pode fazer empréstimo – Secretário diz que notícia do jornal dos Sarney sobre a ‘inadimplência’ do Estado é mentirosa. O JEMA, em tréplica, publica

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Mas o JP informa que o fim está próximo, o “adversário está agonizando”. No dia 10 de novembro: Sem saída diante do Projeto dos 30 milhões, senadores do MA entram em pânico – Sarney e Rosea-na saem da toca e João Alberto agride o Governador com baixarias no Senado. Ao que o JEMA responde, no mesmo dia: Senadores mos-tram que governo não pode contratar empréstimo – Sarney, Lobão, João Alberto e Roseana desmontam versão de José Reinaldo. Coube ao JP, no dia 11 de novembro, o desfecho: Vitória do povo do Maranhão – Empréstimo de US$ 30 milhões é aprovado pelo Senado Federal (Sarney e Suassuna ainda fazem uma última manobra contra a pobreza rural no Estado). Como se pode perceber, nesse embate, o Jornal Pequeno deu a palavra final, encerrando-se a guerra das falas pelos pobres do Maranhão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas falas e/ou silêncios dos jornais analisados, reforça-se a tese de que os semióforos da contemporaneidade continuam a tra-duzir/construir os Maranhões como espaços simbólicos de poder, em torno do qual, as elites disputam espaço. Não se observaram nas

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narrativas construídas, por exemplo, outras vozes que pudessem contribuir para um debate menos maniqueísta ou menos emocio-nal das questões sobre o Maranhão e seus problemas. Na Athenas Brasileira contemporânea, as discussões dos problemas do Mara-nhão ou Maranhões são um artifício retórico, igualmente pedagó-gico e didático, para que as elites discutam, sobretudo, a si mesmas. Embora se reconheça que, no passado como presente, o caráter de denúncia e de cisão no espaço intraelitista possa favorecer o aparecimento de outros atores sociais e outras temáticas. É sempre salutar e recomendável pensar assim.

Nessa lógica, as escolhas dos modos de dizer (mostrar e legi-timar; dar credibilidade e seduzir, assim como captar e interagir) constituem-se em estratégias discursivas a serviço da causa política que os jornais defendem. Condições que implicam a existência de um Maranhão retórico, um Maranhão de papel. Este que, convém ressaltar, não se considera invenção ou simulacro, tendo em vista ser um espaço simbólico que “serve para exprimir um projeto de dominação política, de práticas de poder”, com consequências no cotidiano das pessoas. Na Athenas, portanto, dizer é ser.

Conclui-se que os jornais maranhenses (como suporte e como ordem de discurso) constituem-se em “tribunas” em que as classes dominantes discutem a si mesmas (avaliam-se, atribuem-se valo-res, num jogo de espelhos que reflete, em simultâneo, a imagem da “acusação” e da “defesa”). Um jornalismo eminentemente de-claratório pela mobilização das vozes da elite intelectual e política (governo, partidos e outras organizações representantes do poder). Registra-se que raras são as vozes mobilizadas que fogem desse es-quema de visibilidade pública. As notícias, por conseguinte, cons-tituem-se, quase sempre, pelo jogo de versões, com apoio de alguns dados da realidade empírica, tratados na lógica da verdade que convém. Por consequência, a “racionalidade jornalística” revela-se em estratégia retórica, a comprovar a tese de que a estrutura con-tribui para enclausurar o texto, mas não elimina as marcas do (s) produtor (es) e suas intenções.

Estruturas textuais (notícias) que podem suscitar suspeitas ou, ao contrário disso, revelar que, de fato, ali está incontestavelmente

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a versão dos fatos. Considerando-se esta possibilidade, é possível supor que, no processo de refiguração, as narrativas do jornalismo impresso maranhense sejam recebidas por uma platéia (pensando a notícia como espetáculo) que pode “aderir” “tomar posição”, reali-zar, enfim, uma leitura partidarizada ou, indiferente, simplesmente assistir ao espetáculo. Não é descartável pensar, com base no que ocorreu no passado, que as questões tratadas pelo jornalismo im-presso maranhense acabem interessando a uma sociedade compos-ta por “letrados” interessados em política, especificamente, política partidária porque se veem contemplados nos debates realizados por estes jornais, como ocorreu no século XIX, quando a noção de distinção cultural da Athenas Brasileira só fazia sentido dentro da lógica específica de um tipo de sociedade (de pouquíssimos privilegiados) pensada pelos letrados, com características de erudição, intelectualidade, instrução e hábitos refinados, em contraponto com uma maioria desprovida de instrução formal, sem domínio de leitura e sem participação nos debates públicos.36

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narrativas construídas, por exemplo, outras vozes que pudessem contribuir para um debate menos maniqueísta ou menos emocio-nal das questões sobre o Maranhão e seus problemas. Na Athenas Brasileira contemporânea, as discussões dos problemas do Mara-nhão ou Maranhões são um artifício retórico, igualmente pedagó-gico e didático, para que as elites discutam, sobretudo, a si mesmas. Embora se reconheça que, no passado como presente, o caráter de denúncia e de cisão no espaço intraelitista possa favorecer o aparecimento de outros atores sociais e outras temáticas. É sempre salutar e recomendável pensar assim.

Nessa lógica, as escolhas dos modos de dizer (mostrar e legi-timar; dar credibilidade e seduzir, assim como captar e interagir) constituem-se em estratégias discursivas a serviço da causa política que os jornais defendem. Condições que implicam a existência de um Maranhão retórico, um Maranhão de papel. Este que, convém ressaltar, não se considera invenção ou simulacro, tendo em vista ser um espaço simbólico que “serve para exprimir um projeto de dominação política, de práticas de poder”, com consequências no cotidiano das pessoas. Na Athenas, portanto, dizer é ser.

Conclui-se que os jornais maranhenses (como suporte e como ordem de discurso) constituem-se em “tribunas” em que as classes dominantes discutem a si mesmas (avaliam-se, atribuem-se valo-res, num jogo de espelhos que reflete, em simultâneo, a imagem da “acusação” e da “defesa”). Um jornalismo eminentemente de-claratório pela mobilização das vozes da elite intelectual e política (governo, partidos e outras organizações representantes do poder). Registra-se que raras são as vozes mobilizadas que fogem desse es-quema de visibilidade pública. As notícias, por conseguinte, cons-tituem-se, quase sempre, pelo jogo de versões, com apoio de alguns dados da realidade empírica, tratados na lógica da verdade que convém. Por consequência, a “racionalidade jornalística” revela-se em estratégia retórica, a comprovar a tese de que a estrutura con-tribui para enclausurar o texto, mas não elimina as marcas do (s) produtor (es) e suas intenções.

Estruturas textuais (notícias) que podem suscitar suspeitas ou, ao contrário disso, revelar que, de fato, ali está incontestavelmente

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a versão dos fatos. Considerando-se esta possibilidade, é possível supor que, no processo de refiguração, as narrativas do jornalismo impresso maranhense sejam recebidas por uma platéia (pensando a notícia como espetáculo) que pode “aderir” “tomar posição”, reali-zar, enfim, uma leitura partidarizada ou, indiferente, simplesmente assistir ao espetáculo. Não é descartável pensar, com base no que ocorreu no passado, que as questões tratadas pelo jornalismo im-presso maranhense acabem interessando a uma sociedade compos-ta por “letrados” interessados em política, especificamente, política partidária porque se veem contemplados nos debates realizados por estes jornais, como ocorreu no século XIX, quando a noção de distinção cultural da Athenas Brasileira só fazia sentido dentro da lógica específica de um tipo de sociedade (de pouquíssimos privilegiados) pensada pelos letrados, com características de erudição, intelectualidade, instrução e hábitos refinados, em contraponto com uma maioria desprovida de instrução formal, sem domínio de leitura e sem participação nos debates públicos. 37

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A GUERRA PELOS POBRES DO MARANHÃO: a saga das falas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Jornal Pequeno”

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JOSEFA MELO E SOUSA BENTIVI ANDRADE - Zefinha Bentivi

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TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. 2. ed. Lisboa: Comunicação e Linguagens, 1999.

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

EUCLIDES MOREIRA NETO

INTRODUÇÃO

Talvez o que mais impressione um cidadão comum quando vai a uma festa de reggae no Maranhão, seja a grandiosidade das estruturas sonoras montadas e que, em terras timbiras, são deno-minadas pela população de paredões ou colunas de caixas sonoras. São formadas por dezenas de caixas distribuídas ao longo do espaço geográfico onde ocorrem as audições festivas, que quase sempre são realizadas no turno da noite.

Vale lembrar que essas caixas sonoras, apelidadas de pare-dões ou colunas, são vitais nas audições festivas, principalmente, naquelas que visem ao lucro. Essas festas podem ser promovidas ou produzidas por agentes institucionais ou particulares, para, por exemplo, comemorar o aniversário de uma cidade ou de qualquer segmento da estrutura comunitária e de inaugurações diversas, quermesses religiosas, aniversário de outra radiola ou grupo cultu-ral e permuta com outros grupos da cidade, etc.

Essas informações iniciais são apenas para ressaltar a impor-tância da realização de uma festa de reggae no meio social comu-nitário maranhense. É uma ação que requer cuidados especiais e ganha importância diferenciada de outras atividades culturais e co-merciais que não requeiram um aparato tecnológico tão grandioso, pois uma festa de reggae, no Maranhão, em especial em sua capital, foi um fenômeno que se expandiu através da ação periférica para o centro, numa prática oposta aos paradigmas apregoados pela indús-tria cultural e num caminho inverso de várias outras manifestações culturais existentes na região.

Para melhor situar o contexto desse universo cultural, con-duzo essa análise ao que Heidrich (2008, p. 295) denominou de

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

EUCLIDES MOREIRA NETO

INTRODUÇÃO

Talvez o que mais impressione um cidadão comum quando vai a uma festa de reggae no Maranhão, seja a grandiosidade das estruturas sonoras montadas e que, em terras timbiras, são deno-minadas pela população de paredões ou colunas de caixas sonoras. São formadas por dezenas de caixas distribuídas ao longo do espaço geográfico onde ocorrem as audições festivas, que quase sempre são realizadas no turno da noite.

Vale lembrar que essas caixas sonoras, apelidadas de pare-dões ou colunas, são vitais nas audições festivas, principalmente, naquelas que visem ao lucro. Essas festas podem ser promovidas ou produzidas por agentes institucionais ou particulares, para, por exemplo, comemorar o aniversário de uma cidade ou de qualquer segmento da estrutura comunitária e de inaugurações diversas, quermesses religiosas, aniversário de outra radiola ou grupo cultu-ral e permuta com outros grupos da cidade, etc.

Essas informações iniciais são apenas para ressaltar a impor-tância da realização de uma festa de reggae no meio social comu-nitário maranhense. É uma ação que requer cuidados especiais e ganha importância diferenciada de outras atividades culturais e co-merciais que não requeiram um aparato tecnológico tão grandioso, pois uma festa de reggae, no Maranhão, em especial em sua capital, foi um fenômeno que se expandiu através da ação periférica para o centro, numa prática oposta aos paradigmas apregoados pela indús-tria cultural e num caminho inverso de várias outras manifestações culturais existentes na região.

Para melhor situar o contexto desse universo cultural, con-duzo essa análise ao que Heidrich (2008, p. 295) denominou de

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“espaço, paisagem, território e lugar” como sendo categorias usuais da geografia. Neste caso, trata-se de geografia cultural, que tem permitido realizar importantes análises e falar de determinados contextos a partir da paisagem, do território e do lugar, verifican-do-se que, quando os estudos predominavam a partir da morfologia das paisagens, do reconhecimento de paredões e de manifestações culturais, as dinâmicas em superfície eram únicas.

De acordo com o teórico Sodré (1963; 1964 apud HEIDRI-CH, 2008, p. 295), a urbanização da humanidade “trouxe inúmeras inconsistências explicativas”, pois o intercâmbio e as relações eco-nômicas passaram a determinar as relações singulares dos lugares e regiões. Dessa forma, vejo o reggae como uma singular expressão absorvida pelo povo maranhense, que, mesmo ancorado naquilo que é mais visível (os paredões) e auditivo (o ritmo), acolhe o cam-po das representações e das identidades, o que expõe uma dialética entre a paisagem marca e a paisagem matriz.

Simplificando este entendimento, Heidrich (2008, p. 296) afirma que “as manifestações da cultura no espaço envolvem com-plexos, sobreposição de imagens, multiplicação de territorialidades e espaços que não possuem correspondência direta em paisagem”, o que levou Moreira (2007 apud HEIDRICH, 2008, p. 296) a in-terpretar que “a relação homem-meio deve se estruturar na forma combinada da paisagem, do território e do espaço”, o que inclui nesse raciocínio a localização, distribuição, extensão, distância, po-sição e escala.

Essas observações serão a mola condutora dessa análise, em que tentarei compreender o significado das radiolas de reggae no espaço geográfico da região em que estão localizadas, observando a paisagem como sendo a maneira de ver, ou o método que permite calibrar o olhar para perceber, assim como verificar se essa paisa-gem é a maneira de ver que depende do que se conhece de uma relação de objeto, formas e dinâmicas.

Como mencionei, o fato que mais impressiona as pessoas no primeiro momento em que se chega a uma festa de reggae no Ma-ranhão é a grandiosidade da estrutura sonora, vale ressaltar que

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esse instrumento eletromecânico era montado, na primeira etapa da introdução do reggae no Maranhão, por meio de um comando e caixas sonoras distribuídas de forma contida, e, com o passar do tempo, foi ganhando importância.

Desse modo, ao longo dos anos, alguns radioleiros e inves-tidores mais visionários, vendo a evolução tecnológica ser aper-feiçoada em espaços de tempo mais curtos, vislumbraram que o aumento da quantidade de caixas de som, de inserção de luzes ex-tras, de acessórios e de adereços com efeitos visuais extras, como relógios cenográficos, pisca-piscas, refletores com lâmpadas leds, além de um design futurista, eram fatores que também conquista-vam o interesse do público e de adeptos para as festas promovidas na região.

As caixas de som, inicialmente, conforme pude apurar junto a proprietários de radiolas e técnicos que montavam essas estruturas, eram montadas com alto falantes de 15 polegadas de 250 watts. Antes da explosão da febre sonora pelo ritmo e pela competição entre as radiolas, dois a quatro conjuntos simples de caixas de som distribuídos nos quatro cantos de um barracão atendiam ao gosto sonoro do público, que não era exigente, e nem havia ainda os pro-gramas midiáticos no rádio e na televisão para insuflar e/ou motivar a galera para frequentar as festas.

Refletindo sobre essas intervenções urbanas nas cidades e países, Martin-Barbero e Rey (2001, p. 17-18) enfatizam que “é toda a axiologia dos lugares e das funções das práticas culturais da memória, do saber, do imaginário e da criação, que hoje sofre uma séria reconstituição.” Esses autores citam A. Renaud (1990 apud MARTIN-BARBERO; REY, 2001, p. 17) para destacar que “a visualidade eletrônica passou a fazer parte constitutiva da visi-bilidade cultural”, e isso, segundo ele, “é ao mesmo tempo entorno tecnológico e novo imaginário capaz de falar culturalmente” como abrir novos espaços e tempo para uma nova era do sensível.

Durante a década de 80, do século XX, Hall (2003, p. 257) refere-se às práticas desenvolvidas pelos atores que trabalham com culturas populares como “[...] formas e atividades cujas raízes se

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

“espaço, paisagem, território e lugar” como sendo categorias usuais da geografia. Neste caso, trata-se de geografia cultural, que tem permitido realizar importantes análises e falar de determinados contextos a partir da paisagem, do território e do lugar, verifican-do-se que, quando os estudos predominavam a partir da morfologia das paisagens, do reconhecimento de paredões e de manifestações culturais, as dinâmicas em superfície eram únicas.

De acordo com o teórico Sodré (1963; 1964 apud HEIDRI-CH, 2008, p. 295), a urbanização da humanidade “trouxe inúmeras inconsistências explicativas”, pois o intercâmbio e as relações eco-nômicas passaram a determinar as relações singulares dos lugares e regiões. Dessa forma, vejo o reggae como uma singular expressão absorvida pelo povo maranhense, que, mesmo ancorado naquilo que é mais visível (os paredões) e auditivo (o ritmo), acolhe o cam-po das representações e das identidades, o que expõe uma dialética entre a paisagem marca e a paisagem matriz.

Simplificando este entendimento, Heidrich (2008, p. 296) afirma que “as manifestações da cultura no espaço envolvem com-plexos, sobreposição de imagens, multiplicação de territorialidades e espaços que não possuem correspondência direta em paisagem”, o que levou Moreira (2007 apud HEIDRICH, 2008, p. 296) a in-terpretar que “a relação homem-meio deve se estruturar na forma combinada da paisagem, do território e do espaço”, o que inclui nesse raciocínio a localização, distribuição, extensão, distância, po-sição e escala.

Essas observações serão a mola condutora dessa análise, em que tentarei compreender o significado das radiolas de reggae no espaço geográfico da região em que estão localizadas, observando a paisagem como sendo a maneira de ver, ou o método que permite calibrar o olhar para perceber, assim como verificar se essa paisa-gem é a maneira de ver que depende do que se conhece de uma relação de objeto, formas e dinâmicas.

Como mencionei, o fato que mais impressiona as pessoas no primeiro momento em que se chega a uma festa de reggae no Ma-ranhão é a grandiosidade da estrutura sonora, vale ressaltar que

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esse instrumento eletromecânico era montado, na primeira etapa da introdução do reggae no Maranhão, por meio de um comando e caixas sonoras distribuídas de forma contida, e, com o passar do tempo, foi ganhando importância.

Desse modo, ao longo dos anos, alguns radioleiros e inves-tidores mais visionários, vendo a evolução tecnológica ser aper-feiçoada em espaços de tempo mais curtos, vislumbraram que o aumento da quantidade de caixas de som, de inserção de luzes ex-tras, de acessórios e de adereços com efeitos visuais extras, como relógios cenográficos, pisca-piscas, refletores com lâmpadas leds, além de um design futurista, eram fatores que também conquista-vam o interesse do público e de adeptos para as festas promovidas na região.

As caixas de som, inicialmente, conforme pude apurar junto a proprietários de radiolas e técnicos que montavam essas estruturas, eram montadas com alto falantes de 15 polegadas de 250 watts. Antes da explosão da febre sonora pelo ritmo e pela competição entre as radiolas, dois a quatro conjuntos simples de caixas de som distribuídos nos quatro cantos de um barracão atendiam ao gosto sonoro do público, que não era exigente, e nem havia ainda os pro-gramas midiáticos no rádio e na televisão para insuflar e/ou motivar a galera para frequentar as festas.

Refletindo sobre essas intervenções urbanas nas cidades e países, Martin-Barbero e Rey (2001, p. 17-18) enfatizam que “é toda a axiologia dos lugares e das funções das práticas culturais da memória, do saber, do imaginário e da criação, que hoje sofre uma séria reconstituição.” Esses autores citam A. Renaud (1990 apud MARTIN-BARBERO; REY, 2001, p. 17) para destacar que “a visualidade eletrônica passou a fazer parte constitutiva da visi-bilidade cultural”, e isso, segundo ele, “é ao mesmo tempo entorno tecnológico e novo imaginário capaz de falar culturalmente” como abrir novos espaços e tempo para uma nova era do sensível.

Durante a década de 80, do século XX, Hall (2003, p. 257) refere-se às práticas desenvolvidas pelos atores que trabalham com culturas populares como “[...] formas e atividades cujas raízes se

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situam nas condições sociais e materiais de classes específicas”, incluindo neste raciocínio as tradições e práticas. Mais tarde, esse mesmo autor reavalia seu posicionamento anterior e define o meio cultural como linguagem, textualidade e significação. (HALL, 2003, p. 212, grifo nosso).

Bhabha (1998), que tem o discurso semelhante ao de Hall, referindo-se à autoridade das práticas costumeiras, tradicionais, como um “espaço além da teoria”, aponta a “nação” como constru-ção semiótica formada por narrativas, enquanto “popular” aparece com certa autonomia como forma de vida que é mais complexa que “comunidade”, mais simbólica como “sociedade”, mais conotativa do que “país”. (BHABHA, apud SAHR, 2008, p. 36-37).

Nesse período inicial e indo ao encontro da reflexão de Bha-bha e Hall, as festas tocavam de tudo que agradava ao gosto musi-cal da gente maranhense: merengue, salsa, bolero, forró e música brega em geral. Um dos festeiros mais reconhecidos pelos decanos frequentadores dessas festas comunitárias era José Ribamar Maurí-cio da Costa, conhecido por “Carne Seca”1, que dava o seu nome à sua radiola.

“Carne Seca” foi também espécie de agente produtor e difusor do lazer comunitário nos bairros menos estruturados dos grandes centros urbanos, uma vez que esse cidadão agregou em torno de si vários outros cidadãos que logo se tornaram células vitais para pôr seu negócio para funcionar, dando a essa estrutura uma caracterís-tica de equipamento social e econômico com várias ramificações e, por conseguinte, ele pode ser considerado um intelectual orgânico, de acordo com as classificações feitas por Gramsci (1978).

“Carne Seca” foi um dos pioneiros que se preocupou em modernizar sua radiola, trazendo novidades tecnológicas para o seu conjunto estrutural sonoro e, dando ao mesmo, os passos

1 “Carne Seca” é considerado o introdutor do reggae em São Luís. Titular da empre-sa “Sonzão do Carne Seca”, ele começou em 1951 com as chamadas “Pick Up’s”, veiculos automotores aparelhados semelhantes aos “sound-systems” jamaicano e as antecessoras das atuais “radiolas”. Na década de setenta do século passado participou da disseminação da nova música que animaria as festas da capital. Porém, em 02 de julho de 1999, “Carne Seca” falece vítima de um derrame cerebral em São Luís.

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evolutivos oferecidos pela indústria da época, mais precisamente início da década de 1970, estendendo-se ao final da década de 1980, fazendo com que outros radioleiros seguissem o seu caminho e o seu modelo, o qual apresentava ao público maranhense as ino-vações técnicas que a indústria disponibilizava para os consumido-res daquela época.

Apurei, junto ao empresário José Eleonildo Pinto Soares, co-nhecido por Pinto da Itamaraty2 (dono de uma das radiolas que mais cresceu no Maranhão, e que é filho de um radioleiro dessa época inicial, portanto contemporâneo de “Carne Seca”), que “Carne Seca” e o seu pai, Jackson Raimundo Soares, foram intro-duzindo o ritmo reggae gradativamente nas festas que promoviam, dando cada vez mais espaço para esse gênero musical caribenho que agradava, sobretudo, à periferia, formada em sua grande maio-ria por pessoas pobres, negras, analfabetas e desocupadas.

Na metade da década de 70, o gênero reggae começa a ser inserido em programações radiofônicas de São Luís, aumentando o interesse pelo gênero e os questionamentos por parte da imprensa considerada burguesa, pelo fato de, nas manifestações regueiras, sempre haver brigas ou terminarem as audições festivas em con-flitos que requeriam a presença da força policial, tornando-se um prato cheio para os programas sensacionalistas e popularescos espe-cializados em explorar a boa fé do povo simples.

Sem dúvida, esses programas sensacionalistas fomentavam e traziam consigo uma série de signos preconceituosos como o fato de o reggae atender o gosto da gente simples e periférica, afinal um profissional de imprensa criticar a gente simples da periferia não vai desagradar àqueles que pagam os honorários de qualquer programa radiofônico – seja no rádio AM ou FM, assim como em qualquer outro meio de comunicação, pois os valores que são considerados nesse comportamento referem-se à ideologia dominante do sistema capitalista.

2 Pinto da Itamaraty em 2011 está exercendo o seu terceiro mandato de Deputado Federal. Nas últimas eleições, realizadas em 2010, ele obteve 80.159 votos tendo sido o candidato mais votado do PSDB, no Maranhão.

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situam nas condições sociais e materiais de classes específicas”, incluindo neste raciocínio as tradições e práticas. Mais tarde, esse mesmo autor reavalia seu posicionamento anterior e define o meio cultural como linguagem, textualidade e significação. (HALL, 2003, p. 212, grifo nosso).

Bhabha (1998), que tem o discurso semelhante ao de Hall, referindo-se à autoridade das práticas costumeiras, tradicionais, como um “espaço além da teoria”, aponta a “nação” como constru-ção semiótica formada por narrativas, enquanto “popular” aparece com certa autonomia como forma de vida que é mais complexa que “comunidade”, mais simbólica como “sociedade”, mais conotativa do que “país”. (BHABHA, apud SAHR, 2008, p. 36-37).

Nesse período inicial e indo ao encontro da reflexão de Bha-bha e Hall, as festas tocavam de tudo que agradava ao gosto musi-cal da gente maranhense: merengue, salsa, bolero, forró e música brega em geral. Um dos festeiros mais reconhecidos pelos decanos frequentadores dessas festas comunitárias era José Ribamar Maurí-cio da Costa, conhecido por “Carne Seca”1, que dava o seu nome à sua radiola.

“Carne Seca” foi também espécie de agente produtor e difusor do lazer comunitário nos bairros menos estruturados dos grandes centros urbanos, uma vez que esse cidadão agregou em torno de si vários outros cidadãos que logo se tornaram células vitais para pôr seu negócio para funcionar, dando a essa estrutura uma caracterís-tica de equipamento social e econômico com várias ramificações e, por conseguinte, ele pode ser considerado um intelectual orgânico, de acordo com as classificações feitas por Gramsci (1978).

“Carne Seca” foi um dos pioneiros que se preocupou em modernizar sua radiola, trazendo novidades tecnológicas para o seu conjunto estrutural sonoro e, dando ao mesmo, os passos

1 “Carne Seca” é considerado o introdutor do reggae em São Luís. Titular da empre-sa “Sonzão do Carne Seca”, ele começou em 1951 com as chamadas “Pick Up’s”, veiculos automotores aparelhados semelhantes aos “sound-systems” jamaicano e as antecessoras das atuais “radiolas”. Na década de setenta do século passado participou da disseminação da nova música que animaria as festas da capital. Porém, em 02 de julho de 1999, “Carne Seca” falece vítima de um derrame cerebral em São Luís.

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evolutivos oferecidos pela indústria da época, mais precisamente início da década de 1970, estendendo-se ao final da década de 1980, fazendo com que outros radioleiros seguissem o seu caminho e o seu modelo, o qual apresentava ao público maranhense as ino-vações técnicas que a indústria disponibilizava para os consumido-res daquela época.

Apurei, junto ao empresário José Eleonildo Pinto Soares, co-nhecido por Pinto da Itamaraty2 (dono de uma das radiolas que mais cresceu no Maranhão, e que é filho de um radioleiro dessa época inicial, portanto contemporâneo de “Carne Seca”), que “Carne Seca” e o seu pai, Jackson Raimundo Soares, foram intro-duzindo o ritmo reggae gradativamente nas festas que promoviam, dando cada vez mais espaço para esse gênero musical caribenho que agradava, sobretudo, à periferia, formada em sua grande maio-ria por pessoas pobres, negras, analfabetas e desocupadas.

Na metade da década de 70, o gênero reggae começa a ser inserido em programações radiofônicas de São Luís, aumentando o interesse pelo gênero e os questionamentos por parte da imprensa considerada burguesa, pelo fato de, nas manifestações regueiras, sempre haver brigas ou terminarem as audições festivas em con-flitos que requeriam a presença da força policial, tornando-se um prato cheio para os programas sensacionalistas e popularescos espe-cializados em explorar a boa fé do povo simples.

Sem dúvida, esses programas sensacionalistas fomentavam e traziam consigo uma série de signos preconceituosos como o fato de o reggae atender o gosto da gente simples e periférica, afinal um profissional de imprensa criticar a gente simples da periferia não vai desagradar àqueles que pagam os honorários de qualquer programa radiofônico – seja no rádio AM ou FM, assim como em qualquer outro meio de comunicação, pois os valores que são considerados nesse comportamento referem-se à ideologia dominante do sistema capitalista.

2 Pinto da Itamaraty em 2011 está exercendo o seu terceiro mandato de Deputado Federal. Nas últimas eleições, realizadas em 2010, ele obteve 80.159 votos tendo sido o candidato mais votado do PSDB, no Maranhão.

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A crítica à gente humilde, pobre, periférica, analfabeta e que gostava de um gênero que na época não era local, princi-palmente, porque ainda era cantado somente em inglês, só re-forçava os preconceitos e as regras da sociedade dominante. A crítica, quando direcionada a pessoas de classe burguesa, toma outro caráter e passa a ser comedida e pensada duas vezes para evitar conflitos com os poderosos, que quase sempre são os pa-trocinadores dos programas e de grandes eventos socioculturais que ocorriam na região.

Esses conflitos sociais são apontados por Martin-Barbero e Rey (2001, p. 18) como “desordenamento cultural que atraves-samos” e segundo eles, na maioria das vezes, “ao entrelaçamento cada dia mais denso entre os modos de simbolização e ritualiza-ção do laço social com os de operar dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais”. Para esses autores “o que modifica tan-to o estatuto epistemológico como institucional das condições de saber e das figuras de razão em sua conexão com as novas formas do sentir e as novas figuras da sociabilidade”.

Voltando à caracterização das radiolas na primeira fase de sua introdução no Maranhão, o radioleiro Pinto da Itamaraty lembra que Carne Seca viajava constantemente para Manaus-AM, para adquirir equipamentos sonoros e visuais, a fim de modernizar sua radiola, portanto, tudo o que era novidade, era trazido: lâmpadas luminosas de led, relógio, painel colorido para colocar na parte frontal da rack (comando), gravadores de fitas de rolo, entre outras novidades tecnológicas da época.

As viagens dos radioleiros à procura de equipamentos e de discos de vinis exclusivos, segundo depoimentos de pesquisadores e militantes do movimento regueiro local, foram se tornando fator de competição entre os próprios proprietários de radiolas e des-pertando o interesse dos frequentadores das festas que ocorriam na periferia das áreas urbanas das cidades maranhenses, principal-mente, das cidades da região da baixada e da capital, constituindo essa praxis um paradigma absorvido pelos militantes do movimen-to regueiro.

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Outro ponto lembrado por Pinto da Itamaraty foi o fato de que “Carne Seca” e seus seguidores, quando faziam suas viagens à Ama-zônia brasileira, sempre paravam em Belém do Pará, que, segundo ele, por sua proximidade com o Caribe, tinha um vasto acervo de LP, compact disc e fita cassete com os ritmos caribenhos, a exemplo do calipso, salsa e reggae, os quais eram vendidos de forma bastante espontânea em feiras livres e por camelôs ambulantes nas ruas e avenidas da capital paraense, numa prática considerada intensa de comércio informal, livre de fiscalizações e perseguições policiais.

Nessa época, também em Belém, havia um número grande de radiolas, que, em terras paraenses, são chamadas “aparelhagens” para tocar principalmente o que mais tarde se convencionou como “tecnobrega” e que animavam festas equipadas com elementos (equipamentos) sonoros e visuais de última geração, pois, para os paraenses, era bem mais fácil a aquisição desse tipo de acessórios sonoros e visuais sem a cobrança dos impostos legais, como ocorria em outras regiões do país, considerando a proximidade geográfica da capital paraense dos centros considerados zona-franca, como Manaus-AM e Macapá-AP.

Em Belém do Pará, os ritmos caribenhos sempre tiveram um consumo muito grande por parte do povo que residia nos bairros periféricos, tendo se sobressaído o gênero calipso, enquanto o gêne-ro reggae ganhou notoriedade no Maranhão. Em ambos os Estados, a difusão e expansão têm características semelhantes, assim como as complexidades são de identidade regional, todavia cada povo se adequou e absorveu o seu modo peculiar de consumir seu gênero musical preferido.

Vejo essa iniciativa dos radioleiros maranhenses de procurar se equipar com as novidades tecnológicas como uma forma de esti-mular a “espetacularização da manifestação festiva” com o gênero reggae, por isso recorro ao que afirma Williams (1965 apud HALL, 2009, p. 127) quando diz: “Já que a nossa maneira de viver, o pro-cesso de comunicação, de fato, é processo de comunhão”, por isso, segundo ele, “isto é, o compartilhamento de significados comuns; a oferta, recepção e comparação de novos significados, que levam a tensões, ao crescimento e a mudanças”.

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A crítica à gente humilde, pobre, periférica, analfabeta e que gostava de um gênero que na época não era local, princi-palmente, porque ainda era cantado somente em inglês, só re-forçava os preconceitos e as regras da sociedade dominante. A crítica, quando direcionada a pessoas de classe burguesa, toma outro caráter e passa a ser comedida e pensada duas vezes para evitar conflitos com os poderosos, que quase sempre são os pa-trocinadores dos programas e de grandes eventos socioculturais que ocorriam na região.

Esses conflitos sociais são apontados por Martin-Barbero e Rey (2001, p. 18) como “desordenamento cultural que atraves-samos” e segundo eles, na maioria das vezes, “ao entrelaçamento cada dia mais denso entre os modos de simbolização e ritualiza-ção do laço social com os de operar dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais”. Para esses autores “o que modifica tan-to o estatuto epistemológico como institucional das condições de saber e das figuras de razão em sua conexão com as novas formas do sentir e as novas figuras da sociabilidade”.

Voltando à caracterização das radiolas na primeira fase de sua introdução no Maranhão, o radioleiro Pinto da Itamaraty lembra que Carne Seca viajava constantemente para Manaus-AM, para adquirir equipamentos sonoros e visuais, a fim de modernizar sua radiola, portanto, tudo o que era novidade, era trazido: lâmpadas luminosas de led, relógio, painel colorido para colocar na parte frontal da rack (comando), gravadores de fitas de rolo, entre outras novidades tecnológicas da época.

As viagens dos radioleiros à procura de equipamentos e de discos de vinis exclusivos, segundo depoimentos de pesquisadores e militantes do movimento regueiro local, foram se tornando fator de competição entre os próprios proprietários de radiolas e des-pertando o interesse dos frequentadores das festas que ocorriam na periferia das áreas urbanas das cidades maranhenses, principal-mente, das cidades da região da baixada e da capital, constituindo essa praxis um paradigma absorvido pelos militantes do movimen-to regueiro.

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Outro ponto lembrado por Pinto da Itamaraty foi o fato de que “Carne Seca” e seus seguidores, quando faziam suas viagens à Ama-zônia brasileira, sempre paravam em Belém do Pará, que, segundo ele, por sua proximidade com o Caribe, tinha um vasto acervo de LP, compact disc e fita cassete com os ritmos caribenhos, a exemplo do calipso, salsa e reggae, os quais eram vendidos de forma bastante espontânea em feiras livres e por camelôs ambulantes nas ruas e avenidas da capital paraense, numa prática considerada intensa de comércio informal, livre de fiscalizações e perseguições policiais.

Nessa época, também em Belém, havia um número grande de radiolas, que, em terras paraenses, são chamadas “aparelhagens” para tocar principalmente o que mais tarde se convencionou como “tecnobrega” e que animavam festas equipadas com elementos (equipamentos) sonoros e visuais de última geração, pois, para os paraenses, era bem mais fácil a aquisição desse tipo de acessórios sonoros e visuais sem a cobrança dos impostos legais, como ocorria em outras regiões do país, considerando a proximidade geográfica da capital paraense dos centros considerados zona-franca, como Manaus-AM e Macapá-AP.

Em Belém do Pará, os ritmos caribenhos sempre tiveram um consumo muito grande por parte do povo que residia nos bairros periféricos, tendo se sobressaído o gênero calipso, enquanto o gêne-ro reggae ganhou notoriedade no Maranhão. Em ambos os Estados, a difusão e expansão têm características semelhantes, assim como as complexidades são de identidade regional, todavia cada povo se adequou e absorveu o seu modo peculiar de consumir seu gênero musical preferido.

Vejo essa iniciativa dos radioleiros maranhenses de procurar se equipar com as novidades tecnológicas como uma forma de esti-mular a “espetacularização da manifestação festiva” com o gênero reggae, por isso recorro ao que afirma Williams (1965 apud HALL, 2009, p. 127) quando diz: “Já que a nossa maneira de viver, o pro-cesso de comunicação, de fato, é processo de comunhão”, por isso, segundo ele, “isto é, o compartilhamento de significados comuns; a oferta, recepção e comparação de novos significados, que levam a tensões, ao crescimento e a mudanças”.

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ROMPENDO FRONTEIRAS

O depoimento do cineasta José Murilo dos Santos3 (2010) que registrou, em 1974, uma das primeiras configurações de radiolas de reggae, no distrito de Itamatatiua (Município de Alcântara – MA), quando filmou o documentário “A Festa de Santa Teresa”, chama a atenção para a forma de concepção da radiola de propriedade do empresário do entretenimento conhecido por “Carne Seca”, que era revestida de fórmica, possuía luzes coloridas, com design futuris-ta, tinha autonomia de energia elétrica e contava com um gravador de rolo da marca “Akai”.

Figura 2 - Festa com a radiola sonzão do “Carne Seca” Fonte: Murilo Santos (1974)

3 O depoimento de Murilo Santos está consubstanciado no filme-documentário “A Festa de Santa Teresa”, dirigido por ele e filmado na bitola Super 8, entre os anos de 1974 a 1976, no interior do Município de Alcântara, durante a festa de Santa Teresa, que era feita para pagamento de promessa por uma família de quilombolas residen-te naquela localidade. Naquela época, Murilo Santos já documentou uma tentativa pioneira de montar uma radiola de reggae, similar aos “sound systems” jamaicanos, de propriedade do radioleiro “Carne Seca”.

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Assim afirma o cineasta e fotógrafo Murilo Santos, um profissio-nal que, ao longo de sua vida, se preocupou em documentar a vida de homens e mulheres simples que integram os setores populares:

Foi em 1974, em Itamatatiua, que vi pela primeira vez uma radiola dessas ambulantes alimentada por um gerador. Era a do “Carne Seca” e na época ainda não era considerada “Radiola de Reggae”. A magia das luzes fluorescentes coloridas naquele cenário natural, daquela comunidade negra rural, se completava com os modernos gravadores de rolos “Akai” e com as caixas de som de desenho futuristas, feitas de fórmica e decoradas com reluzentes suspiros de guarda-roupas e telas e aros metálicos de auto falantes de fusca. As músicas mais pedidas eram as de Jimmy Cliff, as internacionais como eram conhecidas o reggae naquela época. No documentário “Festa de Santa Teresa”, de Itamatatiua, inclui uma dessas trilhas sonoras e recebi criticas por ter colocado música estrangeira na trilha, ao lado de ladainhas e toque das caixeiras. Naquele tempo o reggae como força popular, ainda não era compreendido muito bem pelos intelectuais e artistas, mesmo os engajados. Por ser can-tado em Inglês, muitos o adicionavam erradamente ao elenco de rejeição e aos enlatados norte-americanos (MURILO SANTOS, 2010, entrevista concedida ao pesquisador).

O reggae que, no início dos anos 1970, era chamado de música internacional, já estava presente e ocupava grande parte da execu-ção sonora das festas populares realizadas naquela época. Assim, o reggae foi sendo introduzido no Maranhão em etapas distintas que se sucederam à medida que eram absorvidas e entendidas pelo povo humilde da periferia ludovicense e da região. E, a cada vez que isso ocorria, havia uma releitura de signos e significados por parte dos atores envolvidos – receptor e consumidor, na qual cada um defen-dia e legitimava seu papel, que, por sua vez, à medida que era po-pularizado cada vez mais se fortalecia junto ao povo maranhense.

Para Murilo Santos (2010), aquela engrenagem sonora tenta-va reproduzir os avanços tecnológicos sonoros da época, todavia, no Maranhão, não existiam equipamentos culturais que se preocu-passem em documentar por meio audiovisuais, em fazer registro ou produzir documentação que testemunhasse essa intervenção

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ROMPENDO FRONTEIRAS

O depoimento do cineasta José Murilo dos Santos3 (2010) que registrou, em 1974, uma das primeiras configurações de radiolas de reggae, no distrito de Itamatatiua (Município de Alcântara – MA), quando filmou o documentário “A Festa de Santa Teresa”, chama a atenção para a forma de concepção da radiola de propriedade do empresário do entretenimento conhecido por “Carne Seca”, que era revestida de fórmica, possuía luzes coloridas, com design futuris-ta, tinha autonomia de energia elétrica e contava com um gravador de rolo da marca “Akai”.

Figura 2 - Festa com a radiola sonzão do “Carne Seca” Fonte: Murilo Santos (1974)

3 O depoimento de Murilo Santos está consubstanciado no filme-documentário “A Festa de Santa Teresa”, dirigido por ele e filmado na bitola Super 8, entre os anos de 1974 a 1976, no interior do Município de Alcântara, durante a festa de Santa Teresa, que era feita para pagamento de promessa por uma família de quilombolas residen-te naquela localidade. Naquela época, Murilo Santos já documentou uma tentativa pioneira de montar uma radiola de reggae, similar aos “sound systems” jamaicanos, de propriedade do radioleiro “Carne Seca”.

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Assim afirma o cineasta e fotógrafo Murilo Santos, um profissio-nal que, ao longo de sua vida, se preocupou em documentar a vida de homens e mulheres simples que integram os setores populares:

Foi em 1974, em Itamatatiua, que vi pela primeira vez uma radiola dessas ambulantes alimentada por um gerador. Era a do “Carne Seca” e na época ainda não era considerada “Radiola de Reggae”. A magia das luzes fluorescentes coloridas naquele cenário natural, daquela comunidade negra rural, se completava com os modernos gravadores de rolos “Akai” e com as caixas de som de desenho futuristas, feitas de fórmica e decoradas com reluzentes suspiros de guarda-roupas e telas e aros metálicos de auto falantes de fusca. As músicas mais pedidas eram as de Jimmy Cliff, as internacionais como eram conhecidas o reggae naquela época. No documentário “Festa de Santa Teresa”, de Itamatatiua, inclui uma dessas trilhas sonoras e recebi criticas por ter colocado música estrangeira na trilha, ao lado de ladainhas e toque das caixeiras. Naquele tempo o reggae como força popular, ainda não era compreendido muito bem pelos intelectuais e artistas, mesmo os engajados. Por ser can-tado em Inglês, muitos o adicionavam erradamente ao elenco de rejeição e aos enlatados norte-americanos (MURILO SANTOS, 2010, entrevista concedida ao pesquisador).

O reggae que, no início dos anos 1970, era chamado de música internacional, já estava presente e ocupava grande parte da execu-ção sonora das festas populares realizadas naquela época. Assim, o reggae foi sendo introduzido no Maranhão em etapas distintas que se sucederam à medida que eram absorvidas e entendidas pelo povo humilde da periferia ludovicense e da região. E, a cada vez que isso ocorria, havia uma releitura de signos e significados por parte dos atores envolvidos – receptor e consumidor, na qual cada um defen-dia e legitimava seu papel, que, por sua vez, à medida que era po-pularizado cada vez mais se fortalecia junto ao povo maranhense.

Para Murilo Santos (2010), aquela engrenagem sonora tenta-va reproduzir os avanços tecnológicos sonoros da época, todavia, no Maranhão, não existiam equipamentos culturais que se preocu-passem em documentar por meio audiovisuais, em fazer registro ou produzir documentação que testemunhasse essa intervenção

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técnica. A ausência documental audiovisual de como isso evoluiu no território maranhense é uma clara demonstração de descaso com as intervenções populares e, ainda, da apoderação dessas prá-ticas socioculturais.

Sobre a falta de cuidado com a memória por parte dos órgãos públicos e da própria população em geral, esse fotógrafo e cineasta destaca que “hoje, pelo fato de não termos nenhum registro de sua existência como forma popular de cultura e lazer de origem negra em museus que tratam de cultura popular, (mesmo considerando que essa ação existe praticamente há 40 anos) percebo que ainda há uma discriminação a essa cultura”, e finaliza Murilo Santos, afir-mando que a mesma (a cultura regueira) é considerada subterrânea aos olhos oficiais.

Essa montagem de radiolas e sua sofisticação conforme as pos-sibilidades tecnológicas vêm ao encontro da afirmação de Martin--Barbero (1999, p. 77), em O exercício do ver, quando diz que “os tempos internos da elaboração midiática variam ao ingressar nas lógicas da produção industrial, enquanto suas realizações são mais permeáveis à intersecção de gêneros, à experimentação e à espe-tacularização”, Quem tem opinião semelhante é Araújo (2008, p. 112-113), quando afirma que:

A comunicação midiática baseia-se na mediação das relações so-ciais possibilitada por um modelo novo de organização da socie-dade, em que a imagem passa a ocupar lugar de destaque na inte-ração das pessoas com as outras, das pessoas com as instituições e das instituições como outras instituições no âmbito de um modo de produção marcado pela competitividade e pelo individualismo.

As fronteiras da introdução do ritmo reggae em terras ma-ranhenses se consolidam também, inicialmente, pelas ondas das emissoras de rádio AM, depois pelas emissoras FM, e mais tarde pela televisão. Essa introdução foi também fruto de uma constru-ção planejada que transmite à população apreciadora desse gênero musical, que é também anônima, heterogênea e massiva, um forte apelo emocional.

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Desse modo, o reggae tem esse apelo, pois ao seu entorno jun-taram-se não só a população jovem negra e pobre da periferia de São Luís, mas também os empresários do entretenimento, os DJs, os apresentadores de programas radiofônicos e os dançarinos, que, a meu ver, se tornaram personagens simbólicos, constituindo-se numa espécie de “mascote” que muito colaborou para conquistar a simpatia e a adesão de novos adeptos.

Os novos adeptos a que me refiro, nesta etapa em que se le-gitimava o gênero reggae, são os cantores e compositores de MPM (Música Popular Maranhense) e MPB (Música Popular Brasileira)que usam esse ritmo em suas novas composições; o aparecimento de bandas com músicas e intérpretes independentes e o surgimento de ONGs (Organizações Não-Governamentais) que viram, nesse gênero, uma forma de desenvolver trabalhos comunitários, inclusi-ve formando, em vários bairros, grupos de jovens especializados em dança, que criavam coreografias próprias, incluindo uma indumen-tária bem característica, geralmente utilizando as cores da bandeira jamaicana.

Essa forma de expansão do movimento regueiro em São Luís, por meio de qualquer uma das três vertentes que apresentei, vem se consolidar e se legitimar com a força do rádio, enquanto meio de comunicação de massa que atinge um público heterogêneo, massivo e anônimo, embora seja bom ressaltar que, nos primeiros momentos, os apresentadores de programas radiofônicos tiveram que ter a colaboração e cumplicidade dos “donos” das chamadas radiolas, uma vez que os programas eram produzidos com material exclusivo dos apresentadores ou então com a permissão dos empre-sários donos de radiolas, que cediam parte de seu acervo para uso durante os programas.

Quem apresenta outros aspectos comuns que envolveram a relação dos donos de radiolas e o mercado maranhense é Silva (1995 e 2007) quando destaca que “[...] entre outras semelhanças existentes entre o trajeto do reggae jamaicano e o ludovicense, po-demos citar, ainda, a disputa realizada entre os sound-systems, na Ja-maica, e as radiolas, no Maranhão,” que, segundo ele, “era acirrada pela incansável, e às vezes desleal, luta por exclusividade sobre as

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técnica. A ausência documental audiovisual de como isso evoluiu no território maranhense é uma clara demonstração de descaso com as intervenções populares e, ainda, da apoderação dessas prá-ticas socioculturais.

Sobre a falta de cuidado com a memória por parte dos órgãos públicos e da própria população em geral, esse fotógrafo e cineasta destaca que “hoje, pelo fato de não termos nenhum registro de sua existência como forma popular de cultura e lazer de origem negra em museus que tratam de cultura popular, (mesmo considerando que essa ação existe praticamente há 40 anos) percebo que ainda há uma discriminação a essa cultura”, e finaliza Murilo Santos, afir-mando que a mesma (a cultura regueira) é considerada subterrânea aos olhos oficiais.

Essa montagem de radiolas e sua sofisticação conforme as pos-sibilidades tecnológicas vêm ao encontro da afirmação de Martin--Barbero (1999, p. 77), em O exercício do ver, quando diz que “os tempos internos da elaboração midiática variam ao ingressar nas lógicas da produção industrial, enquanto suas realizações são mais permeáveis à intersecção de gêneros, à experimentação e à espe-tacularização”, Quem tem opinião semelhante é Araújo (2008, p. 112-113), quando afirma que:

A comunicação midiática baseia-se na mediação das relações so-ciais possibilitada por um modelo novo de organização da socie-dade, em que a imagem passa a ocupar lugar de destaque na inte-ração das pessoas com as outras, das pessoas com as instituições e das instituições como outras instituições no âmbito de um modo de produção marcado pela competitividade e pelo individualismo.

As fronteiras da introdução do ritmo reggae em terras ma-ranhenses se consolidam também, inicialmente, pelas ondas das emissoras de rádio AM, depois pelas emissoras FM, e mais tarde pela televisão. Essa introdução foi também fruto de uma constru-ção planejada que transmite à população apreciadora desse gênero musical, que é também anônima, heterogênea e massiva, um forte apelo emocional.

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Desse modo, o reggae tem esse apelo, pois ao seu entorno jun-taram-se não só a população jovem negra e pobre da periferia de São Luís, mas também os empresários do entretenimento, os DJs, os apresentadores de programas radiofônicos e os dançarinos, que, a meu ver, se tornaram personagens simbólicos, constituindo-se numa espécie de “mascote” que muito colaborou para conquistar a simpatia e a adesão de novos adeptos.

Os novos adeptos a que me refiro, nesta etapa em que se le-gitimava o gênero reggae, são os cantores e compositores de MPM (Música Popular Maranhense) e MPB (Música Popular Brasileira)que usam esse ritmo em suas novas composições; o aparecimento de bandas com músicas e intérpretes independentes e o surgimento de ONGs (Organizações Não-Governamentais) que viram, nesse gênero, uma forma de desenvolver trabalhos comunitários, inclusi-ve formando, em vários bairros, grupos de jovens especializados em dança, que criavam coreografias próprias, incluindo uma indumen-tária bem característica, geralmente utilizando as cores da bandeira jamaicana.

Essa forma de expansão do movimento regueiro em São Luís, por meio de qualquer uma das três vertentes que apresentei, vem se consolidar e se legitimar com a força do rádio, enquanto meio de comunicação de massa que atinge um público heterogêneo, massivo e anônimo, embora seja bom ressaltar que, nos primeiros momentos, os apresentadores de programas radiofônicos tiveram que ter a colaboração e cumplicidade dos “donos” das chamadas radiolas, uma vez que os programas eram produzidos com material exclusivo dos apresentadores ou então com a permissão dos empre-sários donos de radiolas, que cediam parte de seu acervo para uso durante os programas.

Quem apresenta outros aspectos comuns que envolveram a relação dos donos de radiolas e o mercado maranhense é Silva (1995 e 2007) quando destaca que “[...] entre outras semelhanças existentes entre o trajeto do reggae jamaicano e o ludovicense, po-demos citar, ainda, a disputa realizada entre os sound-systems, na Ja-maica, e as radiolas, no Maranhão,” que, segundo ele, “era acirrada pela incansável, e às vezes desleal, luta por exclusividade sobre as

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músicas — a qual dava direito, entre outros, à raspagem dos selos dos discos ou à compra de todos os exemplares disponíveis.”

Silva afirma que os pesquisadores ainda verificaram que há também semelhanças entre a prática dos regueiros maranhenses e jamaicanos em alguns aspectos como: “os roubos de músicas, na tentativa de comprometer a exclusividade de outrem sobre elas; a torcida fervorosa que as radiolas e os sound-systems e respectivos DJs têm; e a necessidade de lançar sucessos dos DJs jamaicanos e maranhenses” (SILVA, 1995, 2007 apud SANTOS, 2009, p. 23) foram fatores bastante marcantes no movimento regueiro de São Luís e do Estado do Maranhão.

De um modo geral, observa-se que essa prática de ceder parte do acervo musical aos programas especializados em reggae não era tão fácil de ser concedida, a não ser quando o empresá-rio ou pessoa de sua confiança era o apresentador do programa. Vale ressaltar que o cidadão concedente das músicas para serem utilizadas em programas radiofônicos, muitas vezes, utilizava-se de um artifício de “carimbar” as músicas, inserindo o nome da radiola ou do próprio DJ – animador, no início, meio ou fim da faixa, provocando o que em comunicação se denomina de “mer-chandising”.

Santos (2009) enfatiza também que “é pertinente destacar-mos, ainda, que os discos de vinil, raridades exclusivas de poucos, as fitas cassete, posteriormente os CDs, MDs e DVDs, o seu uso normal, assim como as radiolas e alguns programas locais de rádio e de TV”. Ela ressalta que inicialmente tocavam reggae, entre outros ritmos, e que, com o tempo, passaram a tocar, na maioria das vezes, exclusivamente reggae. Por isso, segundo a autora, “desempenha-ram, igualmente, papel fundamental na divulgação e fixação do reggae em São Luís e em outros municípios do Maranhão” (SAN-TOS, 2009, p. 23).

A fundamentação teórica de Martin-Barbero é a que melhor explica esse fenômeno ocorrido com o movimento regueiro ma-ranhense: “o espaço social onde melhor se expressa o sentido da dinâmica que, desde o popular, dá forma a novos movimentos ur-

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banos é o bairro, enquanto território de lançamento da resistência e da criatividade cultural” (MARTIN-BARBERO, 2002, p. 146), enfim é no bairro que se criam as raízes da convivência comunitária e das identidades de seus moradores.

Esse autor afirma também que “o bairro se constitui assim num mediador fundamental entre o universo privado da casa e o mun-do público da cidade, proporcionando algumas referências básicas para a construção de “nós”, de uma “sociedade” mais ampla que familiar e mais densa e estável que imposta pela sociedade” (MAR-TIN-BARBERO, 2002, p. 147), assim o movimento regueiro legiti-ma-se e ganha reconhecimento entremeado por diversos interesses que nasceram das aspirações populares.

Vale ressaltar que havia e ainda há, nos dias atuais, muitas ocorrências de brigas durante as festas de reggae em São Luís, assim como no interior do Maranhão. Essas ocorrências policiais são pe-jorativamente taxadas de “coisa de negros”, ou em outras palavras pode-se dizer “coisa de regueiro”, de maconheiro, de desocupado, etc., numa alusão preconceituosa ao lazer preferido da camada da população menos favorecida e que habitava os guetos periféricos dos centros urbanos do Estado.

A rigor, todos esses fatos são também muito semelhantes aos que ocorreram na Jamaica ao longo dos anos, muito semelhante ao que ocorreu e também ainda ocorre no Maranhão, só que, neste caso, os atores principais aqui referenciados são os mesmos afrodes-cendentes, ou seja, os negros traficados do continente africano para o Estado do Maranhão, portanto, são frutos da diáspora africana que aqui fixaram residência e criaram raízes.

Também é verdade que muitos dos jovens que frequentam os salões de festas de reggae de São Luís se organizam em “patotas”, as conhecidas “gangues” da atualidade e, quando há rixas e elas se encontram, é confusão na certa e os estragos são grandes, termi-nando em agressões físicas, prisões e, às vezes, morte. Essa prática maculou muito a forma de a população, em melhor situação de vida, ver o reggae, o que fez surgir os clichês anti-reggae e a aversão ao movimento regueiro.

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músicas — a qual dava direito, entre outros, à raspagem dos selos dos discos ou à compra de todos os exemplares disponíveis.”

Silva afirma que os pesquisadores ainda verificaram que há também semelhanças entre a prática dos regueiros maranhenses e jamaicanos em alguns aspectos como: “os roubos de músicas, na tentativa de comprometer a exclusividade de outrem sobre elas; a torcida fervorosa que as radiolas e os sound-systems e respectivos DJs têm; e a necessidade de lançar sucessos dos DJs jamaicanos e maranhenses” (SILVA, 1995, 2007 apud SANTOS, 2009, p. 23) foram fatores bastante marcantes no movimento regueiro de São Luís e do Estado do Maranhão.

De um modo geral, observa-se que essa prática de ceder parte do acervo musical aos programas especializados em reggae não era tão fácil de ser concedida, a não ser quando o empresá-rio ou pessoa de sua confiança era o apresentador do programa. Vale ressaltar que o cidadão concedente das músicas para serem utilizadas em programas radiofônicos, muitas vezes, utilizava-se de um artifício de “carimbar” as músicas, inserindo o nome da radiola ou do próprio DJ – animador, no início, meio ou fim da faixa, provocando o que em comunicação se denomina de “mer-chandising”.

Santos (2009) enfatiza também que “é pertinente destacar-mos, ainda, que os discos de vinil, raridades exclusivas de poucos, as fitas cassete, posteriormente os CDs, MDs e DVDs, o seu uso normal, assim como as radiolas e alguns programas locais de rádio e de TV”. Ela ressalta que inicialmente tocavam reggae, entre outros ritmos, e que, com o tempo, passaram a tocar, na maioria das vezes, exclusivamente reggae. Por isso, segundo a autora, “desempenha-ram, igualmente, papel fundamental na divulgação e fixação do reggae em São Luís e em outros municípios do Maranhão” (SAN-TOS, 2009, p. 23).

A fundamentação teórica de Martin-Barbero é a que melhor explica esse fenômeno ocorrido com o movimento regueiro ma-ranhense: “o espaço social onde melhor se expressa o sentido da dinâmica que, desde o popular, dá forma a novos movimentos ur-

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banos é o bairro, enquanto território de lançamento da resistência e da criatividade cultural” (MARTIN-BARBERO, 2002, p. 146), enfim é no bairro que se criam as raízes da convivência comunitária e das identidades de seus moradores.

Esse autor afirma também que “o bairro se constitui assim num mediador fundamental entre o universo privado da casa e o mun-do público da cidade, proporcionando algumas referências básicas para a construção de “nós”, de uma “sociedade” mais ampla que familiar e mais densa e estável que imposta pela sociedade” (MAR-TIN-BARBERO, 2002, p. 147), assim o movimento regueiro legiti-ma-se e ganha reconhecimento entremeado por diversos interesses que nasceram das aspirações populares.

Vale ressaltar que havia e ainda há, nos dias atuais, muitas ocorrências de brigas durante as festas de reggae em São Luís, assim como no interior do Maranhão. Essas ocorrências policiais são pe-jorativamente taxadas de “coisa de negros”, ou em outras palavras pode-se dizer “coisa de regueiro”, de maconheiro, de desocupado, etc., numa alusão preconceituosa ao lazer preferido da camada da população menos favorecida e que habitava os guetos periféricos dos centros urbanos do Estado.

A rigor, todos esses fatos são também muito semelhantes aos que ocorreram na Jamaica ao longo dos anos, muito semelhante ao que ocorreu e também ainda ocorre no Maranhão, só que, neste caso, os atores principais aqui referenciados são os mesmos afrodes-cendentes, ou seja, os negros traficados do continente africano para o Estado do Maranhão, portanto, são frutos da diáspora africana que aqui fixaram residência e criaram raízes.

Também é verdade que muitos dos jovens que frequentam os salões de festas de reggae de São Luís se organizam em “patotas”, as conhecidas “gangues” da atualidade e, quando há rixas e elas se encontram, é confusão na certa e os estragos são grandes, termi-nando em agressões físicas, prisões e, às vezes, morte. Essa prática maculou muito a forma de a população, em melhor situação de vida, ver o reggae, o que fez surgir os clichês anti-reggae e a aversão ao movimento regueiro.

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Segundo revela Silva (2007, p. 191), “o reggae, que foi consi-derado um ‘elemento invasor’ e ameaçador da identidade cultural maranhense, adquiriu status de símbolo alternativo de identificação pelas próprias rupturas proporcionadas pela tradição”. Esse autor ressalta também que “é o novo que se apresenta, não como amea-çador ou destruidor da cultura local, mas como algo já sincretizado positivamente, numa relação de reciprocidade com as raízes cultu-rais regionais.”

É, nessa vertente, que os programas radiofônicos têm um papel fundamental para desfazer a má impressão deixada pelas ocorrências policiais registradas por ocasião da realização de festas com a presença das radiolas, que naturalmente reuniam um grande público envolvido por diversos interesses, desde a simples diversão, até a comercialização de produtos diversos, inclusive alucinógenos, fato que maculava muito os aficionados por esse gênero musical, pois nem todos fazem uso desse entorpecente.

Coube aos programas de rádio fazer a defesa do movimento regueiro e explicar o que é reggae, como ele foi transposto para o Maranhão, divulgar a programação das radiolas na capital e no interior, fazer promoções surpresas, divulgar concursos de dançari-nos, interagir com a população de forma direta e utilizar o espaço do programa, fazendo circular músicas clássicas do reggae e faixas novas, exclusivas.

Aliás, as faixas novas, antigas ou não, que são consideradas boas pela massa regueira, no Maranhão, são apelidadas de “pedras”, “pedradas” ou “tijoladas”, portanto qualquer evento realizado em solo ludovicense e maranhense com o gênero musical reggae só tem sentido se reunir uma coleção de boas “pedradas”, aí incluídos os programas específicos do rádio AM e FM ou mesmo de TV, que, se forem produzidos com qualidade, deverão apresentar bons clips.

Martin-Barbero (2002, p. 170) explica que essa relação do emissor com o receptor comunitário é viés “apegado à vida dos seus ouvintes e produtores, o rádio se historicisa e é proposto como par-te e testemunha dessa história comum.” Reforça ainda esse autor (2004, 167), dizendo que “O rádio recolhe e se nutre de um longo

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processo de sedimentação cultural que desemboca no discurso popu-lista, enquanto modo de apelo às massas.”

Para Martin-Barbero (2002, p. 170): “Ativando a demanda [...] as emissoras de rádio fazem meio-campo entre moradores do bairro e o Estado, ‘insinuando a imagem de um mercado onde os bens se trans-mutam em serviços’ e reforçando o sentido cidadão, sua pertinência e sua apropriação da cidade”, criando dessa forma raízes e uma cultura própria que o tempo se encarregará de legitimar com pilares fecundos.

Na relação do movimento regueiro maranhense com os meios de comunicação de massa, no seu início e ao longo do processo de apropriação pelas diversas vertentes que ele atingiu, coube ao rádio, em meio a adversidades que vão do preconceito até rejeições socioeconômicas e culturais, exercer um papel de mediador para que a sociedade local acolhesse o “reggae” como manifestação le-gítima da cultura local, apesar de ele ter origens no exterior, mais precisamente na Jamaica, país que recebeu um enorme contingen-te de escravos africanos.

Essa discussão não se encerra aqui, por isso ela pode ser abor-dada em outro momento, destacando as várias leituras que se po-dem desdobrar a partir do ritmo reggae em relação aos interesses intrínsecos que atendam o clamor da coletividade, dos donos de salões e radiolas, do poder público, dos meios de comunicação de massa, dos produtores culturais, dos compositores e intérpretes, dos DJs, dos apresentadores de programas midiáticos, entre outros.

A partir de conversas informais, fiz um levantamento quanti-tativo sobre os programas midiáticos da capital maranhense e cons-tatei que, em março de 2011, somente na região metropolitana da ilha de São Luís, havia 11 programas de rádios AM e FM, e 2 pro-gramas diários na televisão, demonstrando o interesse com que o “reggae” se instalou na sociedade local, sendo capaz de reunir um número significativo de programas midiáticos, que, naturalmente, são eficientes formadores de opinião, assim como cooptadores de novos adeptos.

É bem verdade também que a grande maioria dos programas que estão no ar, a exemplo do que ocorreu no passado, ainda tem

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Segundo revela Silva (2007, p. 191), “o reggae, que foi consi-derado um ‘elemento invasor’ e ameaçador da identidade cultural maranhense, adquiriu status de símbolo alternativo de identificação pelas próprias rupturas proporcionadas pela tradição”. Esse autor ressalta também que “é o novo que se apresenta, não como amea-çador ou destruidor da cultura local, mas como algo já sincretizado positivamente, numa relação de reciprocidade com as raízes cultu-rais regionais.”

É, nessa vertente, que os programas radiofônicos têm um papel fundamental para desfazer a má impressão deixada pelas ocorrências policiais registradas por ocasião da realização de festas com a presença das radiolas, que naturalmente reuniam um grande público envolvido por diversos interesses, desde a simples diversão, até a comercialização de produtos diversos, inclusive alucinógenos, fato que maculava muito os aficionados por esse gênero musical, pois nem todos fazem uso desse entorpecente.

Coube aos programas de rádio fazer a defesa do movimento regueiro e explicar o que é reggae, como ele foi transposto para o Maranhão, divulgar a programação das radiolas na capital e no interior, fazer promoções surpresas, divulgar concursos de dançari-nos, interagir com a população de forma direta e utilizar o espaço do programa, fazendo circular músicas clássicas do reggae e faixas novas, exclusivas.

Aliás, as faixas novas, antigas ou não, que são consideradas boas pela massa regueira, no Maranhão, são apelidadas de “pedras”, “pedradas” ou “tijoladas”, portanto qualquer evento realizado em solo ludovicense e maranhense com o gênero musical reggae só tem sentido se reunir uma coleção de boas “pedradas”, aí incluídos os programas específicos do rádio AM e FM ou mesmo de TV, que, se forem produzidos com qualidade, deverão apresentar bons clips.

Martin-Barbero (2002, p. 170) explica que essa relação do emissor com o receptor comunitário é viés “apegado à vida dos seus ouvintes e produtores, o rádio se historicisa e é proposto como par-te e testemunha dessa história comum.” Reforça ainda esse autor (2004, 167), dizendo que “O rádio recolhe e se nutre de um longo

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processo de sedimentação cultural que desemboca no discurso popu-lista, enquanto modo de apelo às massas.”

Para Martin-Barbero (2002, p. 170): “Ativando a demanda [...] as emissoras de rádio fazem meio-campo entre moradores do bairro e o Estado, ‘insinuando a imagem de um mercado onde os bens se trans-mutam em serviços’ e reforçando o sentido cidadão, sua pertinência e sua apropriação da cidade”, criando dessa forma raízes e uma cultura própria que o tempo se encarregará de legitimar com pilares fecundos.

Na relação do movimento regueiro maranhense com os meios de comunicação de massa, no seu início e ao longo do processo de apropriação pelas diversas vertentes que ele atingiu, coube ao rádio, em meio a adversidades que vão do preconceito até rejeições socioeconômicas e culturais, exercer um papel de mediador para que a sociedade local acolhesse o “reggae” como manifestação le-gítima da cultura local, apesar de ele ter origens no exterior, mais precisamente na Jamaica, país que recebeu um enorme contingen-te de escravos africanos.

Essa discussão não se encerra aqui, por isso ela pode ser abor-dada em outro momento, destacando as várias leituras que se po-dem desdobrar a partir do ritmo reggae em relação aos interesses intrínsecos que atendam o clamor da coletividade, dos donos de salões e radiolas, do poder público, dos meios de comunicação de massa, dos produtores culturais, dos compositores e intérpretes, dos DJs, dos apresentadores de programas midiáticos, entre outros.

A partir de conversas informais, fiz um levantamento quanti-tativo sobre os programas midiáticos da capital maranhense e cons-tatei que, em março de 2011, somente na região metropolitana da ilha de São Luís, havia 11 programas de rádios AM e FM, e 2 pro-gramas diários na televisão, demonstrando o interesse com que o “reggae” se instalou na sociedade local, sendo capaz de reunir um número significativo de programas midiáticos, que, naturalmente, são eficientes formadores de opinião, assim como cooptadores de novos adeptos.

É bem verdade também que a grande maioria dos programas que estão no ar, a exemplo do que ocorreu no passado, ainda tem

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

um vínculo com os proprietários de radiolas e/ou proprietários de salões de dança, que, muitas vezes, disponibilizam o seu acervo mu-sical para compor o conteúdo dos programas, a exemplo da prática registrada quando integrantes do movimento regueiro vislumbra-ram que os programas midiáticos poderiam ser potencialmente be-néficos para a legitimação do reggae enquanto produto cultural e que ainda propiciasse lucro.

ORGANIZAÇÃO TÉCNICA E SOCIAL

Para melhor compreender como eram montadas as colunas e os paredões de caixas de som, tentarei apresentar as configurações técnicas de como esses equipamentos foram configurados aos lon-gos desses primeiros quarenta anos de inserção, consolidação e legi-timação junto ao povo maranhense, transformando-se num ponto vital de reconhecimento e identificação dessa cultura com o fazer e o saber do maranhense ao absorver essa manifestação.

Dizem os mais fanáticos que, além de um repertório de quali-dade, que inclui ainda músicas exclusivas e de um DJ que conheça a fundo a vontade do seu público, sendo capaz de controlá-lo e colocá-lo para dançar nos momentos certos e nas horas certas, a es-trutura da radiola tem que ser munida de aparato tecnológico bom e convincente, que neste caso inclui a quantidade bastante grande de caixas sonoras amplificadoras de ritmo musical, caso contrário o empreendimento está fadado ao fracasso, a ficar numa inércia sem apelo auditivovisual.

A partir dessa vertente, pode-se constatar que a conquista do público está estreitamente ligada ao apelo visual-sonoro, prin-cipalmente na fase inicial, que teve uma corrida de empresários para equipar seus empreendimentos de forma exagerada, a fim de impressionar o público simpatizante de reggae. Por isso, o fanático ou o simpatizante, ao chegar aos locais das audições das festas de reggae, tem, como primeiro impacto, o tamanho físico dos paredões das radiolas, que eram publicizadas nos meios midiáticos de forma a ganhar status e reconhecimento.

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Considero essa forma exagerada de expor a estrutura física das radiolas como uma maneira de espetacularizar a audição festiva, impressionando o público através dos atributos possibilitados pela indústria eletroeletrônica, apesar de entender que, quando se fala em espetacularização na área de comunicação, os estudiosos sem-pre conduzem essa análise para os efeitos audiovisuais possibilita-dos pelos meios midiáticos, principalmente da televisão.

De certa forma, as radiolas, enquanto equipamentos midiá-ticos com objetivos econômicos e sociais, têm, inseridas nas suas estruturas funcionais, equipes de gravação de vídeo digital para mostrar, posteriormente, as imagens de suas festas, nos programas de televisão da própria empresa promotora de festas ou de empresas aliadas, pois no meio do movimento verifica-se uma regular troca de favores entre as radiolas, o que inclui a divulgação de suas festas.

Observo que a inserção de equipe de gravação de vídeo digital é também uma forma de espetacularizar, pois se os efeitos de espe-tacularização são ter o domínio da mídia como sustentava Debord (apud PORTELA JÚNIOR, 2009), para que elucidasse “o signifi-cado dessa espetacularização, na tentativa de compreender (e com-bater) os efeitos nocivos do novo estágio de acumulação capitalista na vida cotidiana dos indivíduos”, o que, em outras palavras, sig-nifica atender exigências de um sistema, pois essa acumulação será consumida de forma impositiva e não de modo a atender a necessi-dades construídas espontaneamente por esses indivíduos.

Verifico que essa espetacularização “foi reduzida a uma mera sociedade repleta de imagens midiáticas, em que os meios de comu-nicação teriam se tornado o eixo central da organização dos pro-cessos sociais, sejam políticos, econômicos e culturais”, pois para Debord (1997, p. 171), a visão de espetáculo, passou a ser designa-da simplesmente como “excessos midiáticos”, ou seja, o “espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivel-mente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos.”

Entendendo tecnicamente a definição do tamanho do que se-jam radiolas grandes, médias e pequenas nos dias atuais, verifiquei,

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um vínculo com os proprietários de radiolas e/ou proprietários de salões de dança, que, muitas vezes, disponibilizam o seu acervo mu-sical para compor o conteúdo dos programas, a exemplo da prática registrada quando integrantes do movimento regueiro vislumbra-ram que os programas midiáticos poderiam ser potencialmente be-néficos para a legitimação do reggae enquanto produto cultural e que ainda propiciasse lucro.

ORGANIZAÇÃO TÉCNICA E SOCIAL

Para melhor compreender como eram montadas as colunas e os paredões de caixas de som, tentarei apresentar as configurações técnicas de como esses equipamentos foram configurados aos lon-gos desses primeiros quarenta anos de inserção, consolidação e legi-timação junto ao povo maranhense, transformando-se num ponto vital de reconhecimento e identificação dessa cultura com o fazer e o saber do maranhense ao absorver essa manifestação.

Dizem os mais fanáticos que, além de um repertório de quali-dade, que inclui ainda músicas exclusivas e de um DJ que conheça a fundo a vontade do seu público, sendo capaz de controlá-lo e colocá-lo para dançar nos momentos certos e nas horas certas, a es-trutura da radiola tem que ser munida de aparato tecnológico bom e convincente, que neste caso inclui a quantidade bastante grande de caixas sonoras amplificadoras de ritmo musical, caso contrário o empreendimento está fadado ao fracasso, a ficar numa inércia sem apelo auditivovisual.

A partir dessa vertente, pode-se constatar que a conquista do público está estreitamente ligada ao apelo visual-sonoro, prin-cipalmente na fase inicial, que teve uma corrida de empresários para equipar seus empreendimentos de forma exagerada, a fim de impressionar o público simpatizante de reggae. Por isso, o fanático ou o simpatizante, ao chegar aos locais das audições das festas de reggae, tem, como primeiro impacto, o tamanho físico dos paredões das radiolas, que eram publicizadas nos meios midiáticos de forma a ganhar status e reconhecimento.

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Considero essa forma exagerada de expor a estrutura física das radiolas como uma maneira de espetacularizar a audição festiva, impressionando o público através dos atributos possibilitados pela indústria eletroeletrônica, apesar de entender que, quando se fala em espetacularização na área de comunicação, os estudiosos sem-pre conduzem essa análise para os efeitos audiovisuais possibilita-dos pelos meios midiáticos, principalmente da televisão.

De certa forma, as radiolas, enquanto equipamentos midiá-ticos com objetivos econômicos e sociais, têm, inseridas nas suas estruturas funcionais, equipes de gravação de vídeo digital para mostrar, posteriormente, as imagens de suas festas, nos programas de televisão da própria empresa promotora de festas ou de empresas aliadas, pois no meio do movimento verifica-se uma regular troca de favores entre as radiolas, o que inclui a divulgação de suas festas.

Observo que a inserção de equipe de gravação de vídeo digital é também uma forma de espetacularizar, pois se os efeitos de espe-tacularização são ter o domínio da mídia como sustentava Debord (apud PORTELA JÚNIOR, 2009), para que elucidasse “o signifi-cado dessa espetacularização, na tentativa de compreender (e com-bater) os efeitos nocivos do novo estágio de acumulação capitalista na vida cotidiana dos indivíduos”, o que, em outras palavras, sig-nifica atender exigências de um sistema, pois essa acumulação será consumida de forma impositiva e não de modo a atender a necessi-dades construídas espontaneamente por esses indivíduos.

Verifico que essa espetacularização “foi reduzida a uma mera sociedade repleta de imagens midiáticas, em que os meios de comu-nicação teriam se tornado o eixo central da organização dos pro-cessos sociais, sejam políticos, econômicos e culturais”, pois para Debord (1997, p. 171), a visão de espetáculo, passou a ser designa-da simplesmente como “excessos midiáticos”, ou seja, o “espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivel-mente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos.”

Entendendo tecnicamente a definição do tamanho do que se-jam radiolas grandes, médias e pequenas nos dias atuais, verifiquei,

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junto aos empresários do ramo, que isso é muito relativo levando em consideração somente a questão técnica, uma vez que a indús-tria tecnológica oferece várias possibilidades de se montar um equi-pamento compacto com uma qualidade superior, incluindo uma potência invejável, todavia isso só não é suficiente para o sucesso de uma radiola, em terras maranhenses.

Desse modo, voltamos ao início dos anos 1980, quando, no entendimento dos radioleiros ou investidores da época, a radiola grande, para ter sucesso, teria que ter a maior quantidade possível de colunas de caixas sonoras. Segundo Pinto da Itamaraty e Natty Nayfson, uma coluna, ou paredão, era formada por caixas de som graves e caixas de som médio e médio-grave, as quais são compos-tas de alto-falantes de doze a quinze polegadas, incluindo ainda al-to-falantes para voz, cornetas e twitters, além de caixas superiores, que no meio regueiro, são chamadas de “baterias”.

Nesse módulo chamado “bateria”, há várias cornetas menores ao lado de diversas twitters que deverão evidenciar os sons agudos e a voz. Enfim, traduzindo em números e de acordo com os paradig-mas desenvolvidos pelos técnicos especializados em som no meio regueiro maranhense, a coluna maior deve ser constituída de oito caixas de som grave, quatro caixas de som médio, quatro de som médio-grave e três a quatro baterias que deverão absorver de 30 a 45 super twitters e cornetas.

Se um paredão envolve em média 15 caixas sonoras, contendo equipamentos para sons graves, médios e médio-grave, e três bate-rias com super twitters e cornetas, as radiolas de reggae eram defini-das ou rotuladas de pequenas, médias e grandes, ficando claro que, atualmente, o que define o tamanho técnico da radiola é o número de colunas que compõem os paredões, levando-se em consideração a qualidade sonora, que é mensurada prioritariamente pela potên-cia utilizada.

Portanto, sobre o entendimento do que era radiola grande nos anos 1980, pode-se afirmar que a estrutura desse tipo de radiola de-veria conter de cinco a sete colunas de caixas sonoras, que, a rigor, era um número bastante exagerado, pois essa estrutura funcionava

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com 75 a 90 caixas de som, o que requeria uma superequipe para transportá-la, montá-la e pôr em funcionamento, necessitando pelo menos de uma carreta ou dois caminhões grandes para fazer o seu transporte.

Se por um lado, o tamanho da estrutura dava à radiola um sta-tus de grande reconhecimento e poder, por outro, os custos para sua operacionalização também eram muito grandes para o seu proprie-tário, envolvendo dezenas de pessoas para viabilizar essa funciona-lidade o que inclui, entre outras tarefas, transporte, carregamento, montagem, desmontagem e manutenção dos equipamentos, e a própria segurança dos equipamentos antes, durante e depois das audições festivas.

Desse modo, os proprietários de radiolas, para ganhar pres-tígio e facilitar o aluguel de suas aparelhagens, adotaram práticas inovadoras de gerenciamento, estando entre elas a aquisição de geradores de energia elétrica como item quase que obrigatório na estrutura das mesmas, considerando que essa aquisição assegurava aos locatários a certeza de que o evento seria realizado, além de dar reconhecimento e status ao proprietário da radiola.

O pioneiro nessa prática de adquirir gerador de energia elétrica foi o radioleiro “Carne Seca”, logo seguido por outros concorrentes, lembrando que a potência do gerador de energia foi um dos pontos que ganharam interesse progressivo, pois essa potência era também sinônimo de poder, considerando principalmente a quantidade de equipamentos que seriam conectados a esse gerador para não ter sua capacidade estrangulada.

Concorrendo com o aparato tecnológico das radiolas, uma fi-gura tem se mostrado útil para o reconhecimento das radiolas, mes-mo levando-se em conta aquelas festas de povoados e comunidades localizadas em áreas de difícil acesso. Trata-se do DJ4, uma espécie de animador nato que, com sua astúcia e compreensão, deve saber conduzir o ritmo da festa, assim como vender uma imagem positiva do movimento regueiro, fomentando a adesão de novos simpatizan-

4 O DJ é considerado a primeira mídia genuína do movimento regueiro maranhense, sendo considerado até hoje personagem vital para obter e manter o sucesso da radiola.

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junto aos empresários do ramo, que isso é muito relativo levando em consideração somente a questão técnica, uma vez que a indús-tria tecnológica oferece várias possibilidades de se montar um equi-pamento compacto com uma qualidade superior, incluindo uma potência invejável, todavia isso só não é suficiente para o sucesso de uma radiola, em terras maranhenses.

Desse modo, voltamos ao início dos anos 1980, quando, no entendimento dos radioleiros ou investidores da época, a radiola grande, para ter sucesso, teria que ter a maior quantidade possível de colunas de caixas sonoras. Segundo Pinto da Itamaraty e Natty Nayfson, uma coluna, ou paredão, era formada por caixas de som graves e caixas de som médio e médio-grave, as quais são compos-tas de alto-falantes de doze a quinze polegadas, incluindo ainda al-to-falantes para voz, cornetas e twitters, além de caixas superiores, que no meio regueiro, são chamadas de “baterias”.

Nesse módulo chamado “bateria”, há várias cornetas menores ao lado de diversas twitters que deverão evidenciar os sons agudos e a voz. Enfim, traduzindo em números e de acordo com os paradig-mas desenvolvidos pelos técnicos especializados em som no meio regueiro maranhense, a coluna maior deve ser constituída de oito caixas de som grave, quatro caixas de som médio, quatro de som médio-grave e três a quatro baterias que deverão absorver de 30 a 45 super twitters e cornetas.

Se um paredão envolve em média 15 caixas sonoras, contendo equipamentos para sons graves, médios e médio-grave, e três bate-rias com super twitters e cornetas, as radiolas de reggae eram defini-das ou rotuladas de pequenas, médias e grandes, ficando claro que, atualmente, o que define o tamanho técnico da radiola é o número de colunas que compõem os paredões, levando-se em consideração a qualidade sonora, que é mensurada prioritariamente pela potên-cia utilizada.

Portanto, sobre o entendimento do que era radiola grande nos anos 1980, pode-se afirmar que a estrutura desse tipo de radiola de-veria conter de cinco a sete colunas de caixas sonoras, que, a rigor, era um número bastante exagerado, pois essa estrutura funcionava

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com 75 a 90 caixas de som, o que requeria uma superequipe para transportá-la, montá-la e pôr em funcionamento, necessitando pelo menos de uma carreta ou dois caminhões grandes para fazer o seu transporte.

Se por um lado, o tamanho da estrutura dava à radiola um sta-tus de grande reconhecimento e poder, por outro, os custos para sua operacionalização também eram muito grandes para o seu proprie-tário, envolvendo dezenas de pessoas para viabilizar essa funciona-lidade o que inclui, entre outras tarefas, transporte, carregamento, montagem, desmontagem e manutenção dos equipamentos, e a própria segurança dos equipamentos antes, durante e depois das audições festivas.

Desse modo, os proprietários de radiolas, para ganhar pres-tígio e facilitar o aluguel de suas aparelhagens, adotaram práticas inovadoras de gerenciamento, estando entre elas a aquisição de geradores de energia elétrica como item quase que obrigatório na estrutura das mesmas, considerando que essa aquisição assegurava aos locatários a certeza de que o evento seria realizado, além de dar reconhecimento e status ao proprietário da radiola.

O pioneiro nessa prática de adquirir gerador de energia elétrica foi o radioleiro “Carne Seca”, logo seguido por outros concorrentes, lembrando que a potência do gerador de energia foi um dos pontos que ganharam interesse progressivo, pois essa potência era também sinônimo de poder, considerando principalmente a quantidade de equipamentos que seriam conectados a esse gerador para não ter sua capacidade estrangulada.

Concorrendo com o aparato tecnológico das radiolas, uma fi-gura tem se mostrado útil para o reconhecimento das radiolas, mes-mo levando-se em conta aquelas festas de povoados e comunidades localizadas em áreas de difícil acesso. Trata-se do DJ4, uma espécie de animador nato que, com sua astúcia e compreensão, deve saber conduzir o ritmo da festa, assim como vender uma imagem positiva do movimento regueiro, fomentando a adesão de novos simpatizan-

4 O DJ é considerado a primeira mídia genuína do movimento regueiro maranhense, sendo considerado até hoje personagem vital para obter e manter o sucesso da radiola.

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tes e apresentando os pontos vitais da sua radiola para ser contrata-da, como um repertório exclusivo e a existência de gerador elétrico.

Sem dúvida, é esse animador, o DJ, o mestre de cerimônia da festa popular, que, em São Luís e em todo o estado Maranhão, leva a população a se embriagar com o gênero musical reggae, pois ele é quem deve ficar atento para colocar uma faixa mais lenta ou mais acelerada, ou dar um aviso, ou oferecer a próxima música para o ca-sal apaixonado, ou então avisar que está chegando a hora de parar, enfim o DJ controla, dá ritmo e mantém o público sob seu domínio para não banalizar a audição festiva, nem deixar que ocorra algum tipo de descontrole desagradável.

RADIOLAS PEQUENAS, MÉDIAS E GRANDES

Entendido o que é uma coluna de caixa de som, na estrutura técnica de uma radiola de reggae, o próximo passo é compreender o que é uma radiola pequena, média e/ou grande, observando-se a configuração de coluna já mencionada anteriormente, pois assim os pesquisadores terão condições de classificar com maior clareza esses critérios e normas postas em prática no Estado do Maranhão, assim como nos estados localizados no seu entorno geográfico.

Numa tentativa de compreender melhor essa questão, recorro a discussões promovidas por Saquet (2007, p. 127) quando aborda-va a temática “[...] territorialização e espacializações como elemen-tos culturais da sociedade.” Esse autor posiciona o território como um corpo relacional entre o material e o ideário, onde os elementos da apropriação e produção são “a um só tempo: econômicos, políti-cos e culturais”, no entanto ele não define como estas três dimen-sões são caracterizadas e interligadas.

Por outro lado, Haesbaert (2008, p. 127) aprofunda essa dis-cussão de territoriedade, afirmando que a mesma precisa ser ampla, levando-se em conta as características de mobilidade, da constru-ção e da vivência, seguindo posicionamentos sugeridos por Deleuze

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e Guattari (1996). De acordo com Haesbaert (2008, p. 127) “muito mais do que uma coisa ou objeto, o território é um ato, uma ação, uma relação, um movimento (de territorialização e desterritoriali-zação), um ritmo, um movimento que se repete e sobre o qual se exerce um controle.”

Compreendendo melhor esta questão, Deleuze e Guattari (1996, p. 32, grifo nosso) nomeiam o território como “um ato em movimento”, no qual o território territorializa-se entre significância e subjetividade, e não no espaço. Nessa linha de raciocínio, pode--se considerar que todos os elementos utilizados pelos radioleiros maranhenses são “armas” subjetivas para marcar e desmarcar terri-tórios, conquistando espaços diversificados e adeptos em qualquer vertente de atuação. (...)

Para chegar a este diagnóstico tecnológico, apliquei dois ques-tionários junto a radioleiros e empresários do ramo, assim como fiz algumas entrevistas com pessoas chaves no meio cultural ludovi-cense. A pessoa que mais me deu subsídios para eu chegar a este diagnóstico foi o empresário Pinto da Itamaraty, atualmente de-tentor da maior estrutura de radiola do Estado do Maranhão, com duas radiolas grandes e uma nova estrutura tipo compacta, que ele denomina de Roots Itamaraty, cuja caracterização explicarei mais à frente. (...)

De acordo com as respostas dos arguídos, a radiola pequena, em sua maioria, tem duas coluninhas pequenas, constituídas de duas caixas de graves, duas caixas de voz, sem ter grande potência e pode tocar em qualquer ambiente pequeno de 15 a 25m2. Esse tipo de radiola é quase uma estrutura doméstica cujo proprietário tem a ambição de se tornar dono de uma radiola média ou grande, após consolidar-se no mercado, garantindo uma clientela mínima que o sustente.

Entre as radiolas classificadas por pequenas e médias, estão as apelidadas de compactas, definidas por Pinto da Itamaraty, como uma estrutura que tem caixas pequenas com no máximo dois alto falantes de quinze polegadas em cada caixa, além disso, essas caixas são compostas de graves, algumas cornetas pequenas e twiters, o

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tes e apresentando os pontos vitais da sua radiola para ser contrata-da, como um repertório exclusivo e a existência de gerador elétrico.

Sem dúvida, é esse animador, o DJ, o mestre de cerimônia da festa popular, que, em São Luís e em todo o estado Maranhão, leva a população a se embriagar com o gênero musical reggae, pois ele é quem deve ficar atento para colocar uma faixa mais lenta ou mais acelerada, ou dar um aviso, ou oferecer a próxima música para o ca-sal apaixonado, ou então avisar que está chegando a hora de parar, enfim o DJ controla, dá ritmo e mantém o público sob seu domínio para não banalizar a audição festiva, nem deixar que ocorra algum tipo de descontrole desagradável.

RADIOLAS PEQUENAS, MÉDIAS E GRANDES

Entendido o que é uma coluna de caixa de som, na estrutura técnica de uma radiola de reggae, o próximo passo é compreender o que é uma radiola pequena, média e/ou grande, observando-se a configuração de coluna já mencionada anteriormente, pois assim os pesquisadores terão condições de classificar com maior clareza esses critérios e normas postas em prática no Estado do Maranhão, assim como nos estados localizados no seu entorno geográfico.

Numa tentativa de compreender melhor essa questão, recorro a discussões promovidas por Saquet (2007, p. 127) quando aborda-va a temática “[...] territorialização e espacializações como elemen-tos culturais da sociedade.” Esse autor posiciona o território como um corpo relacional entre o material e o ideário, onde os elementos da apropriação e produção são “a um só tempo: econômicos, políti-cos e culturais”, no entanto ele não define como estas três dimen-sões são caracterizadas e interligadas.

Por outro lado, Haesbaert (2008, p. 127) aprofunda essa dis-cussão de territoriedade, afirmando que a mesma precisa ser ampla, levando-se em conta as características de mobilidade, da constru-ção e da vivência, seguindo posicionamentos sugeridos por Deleuze

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e Guattari (1996). De acordo com Haesbaert (2008, p. 127) “muito mais do que uma coisa ou objeto, o território é um ato, uma ação, uma relação, um movimento (de territorialização e desterritoriali-zação), um ritmo, um movimento que se repete e sobre o qual se exerce um controle.”

Compreendendo melhor esta questão, Deleuze e Guattari (1996, p. 32, grifo nosso) nomeiam o território como “um ato em movimento”, no qual o território territorializa-se entre significância e subjetividade, e não no espaço. Nessa linha de raciocínio, pode--se considerar que todos os elementos utilizados pelos radioleiros maranhenses são “armas” subjetivas para marcar e desmarcar terri-tórios, conquistando espaços diversificados e adeptos em qualquer vertente de atuação. (...)

Para chegar a este diagnóstico tecnológico, apliquei dois ques-tionários junto a radioleiros e empresários do ramo, assim como fiz algumas entrevistas com pessoas chaves no meio cultural ludovi-cense. A pessoa que mais me deu subsídios para eu chegar a este diagnóstico foi o empresário Pinto da Itamaraty, atualmente de-tentor da maior estrutura de radiola do Estado do Maranhão, com duas radiolas grandes e uma nova estrutura tipo compacta, que ele denomina de Roots Itamaraty, cuja caracterização explicarei mais à frente. (...)

De acordo com as respostas dos arguídos, a radiola pequena, em sua maioria, tem duas coluninhas pequenas, constituídas de duas caixas de graves, duas caixas de voz, sem ter grande potência e pode tocar em qualquer ambiente pequeno de 15 a 25m2. Esse tipo de radiola é quase uma estrutura doméstica cujo proprietário tem a ambição de se tornar dono de uma radiola média ou grande, após consolidar-se no mercado, garantindo uma clientela mínima que o sustente.

Entre as radiolas classificadas por pequenas e médias, estão as apelidadas de compactas, definidas por Pinto da Itamaraty, como uma estrutura que tem caixas pequenas com no máximo dois alto falantes de quinze polegadas em cada caixa, além disso, essas caixas são compostas de graves, algumas cornetas pequenas e twiters, o

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que produz um som de boa qualidade para ambientes pequenos e relativamente médios. Esse tipo de radiola já se apresenta com um pequeno comando, um painelzinho e um bom repertório musical, o que agrada muito ao público jovem e ao universitário, não tendo grandes dificuldades para seu deslocamento.

Uma radiola de estrutura média deveria ter de duas a três colunas formando os paredões, contendo, cada um, seis caixas de graves e essas caixas de graves deverão ter, cada uma, quatro alto falantes de quinze ou dezoito polegadas, condicionados à necessidade de potência, além disso, cada coluna deverá ter duas caixas de som médio para voz, cada uma com quatro alto falantes de doze ou quinze polegadas e uma corneta e quatro twitters em cada caixa. A bateria (último módulo de caixa a ser posicionado no alto da coluna) deverá ter pelo menos duas cornetas e quatro twitters cada uma.

Com essa configuração, a estrutura da radiola considerada mé-dia está adequada para produzir um som de boa qualidade e potên-cia. Pinto da Itamaraty me chamou a atenção para o fato de que numa estrutura de radiola considerada média, não é só o tamanho e a potência que se leva em conta, mas estão também incluídos, nessa classificação, o sucesso que a radiola faz (sendo imensurável e intangível), os contratos e eventos que atendem e a adesão do público, tornando-a reconhecida e conquistando adeptos, além do repertório que deverá ter boa qualidade e se possível ser próprio.

Verifica-se que as configurações vão ficando mais complexas, envolvendo, segundo estudos de Martin-Barbero e Rey (2001), um sentido estético, o poder político ou mercantil Para eles, abre-se um novo caminho e um novo olhar que, por um lado, descobrem a envergadura atual das hibridizações entre visualidade e tecnicidade e, por outro, resgatam as imagísticas batalhas culturais, o que a meu ver explica, de forma convincente, a disputa, com o objetivo de conquistar status e reconhecimento, praticada pelos proprietários de radiolas no Maranhão.

De acordo com N. Postman (1991 apud MARTIN-BARBE-RO; REY, 2001, p. 16) “o atual regime da visualidade se acha so-

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cialmente dicotomizado entre o universo do sublime e do espetá-culo/divertimento”, que para ele é “na experiência social que ela introduz, emerge a relação constitutiva das mediações tecnológicas com as mudanças na discursividade, suas novas competências de linguagem.”

Ao partir para compreender o que é uma radiola grande, veri-fiquei que havia aí muitos interesses em jogo, tornando a definição mais complexa, entretanto recorri à praxis de Pinto da Itamaraty para melhor entender a questão. Esse empresário (2011, entrevis-ta) foi taxativo ao afirmar que:

Eu não tenho dúvidas de que, se não fosse essas disputas de ra-diolas, esse movimento não teria alimentado o reggae por tantos anos e se autoafirmado dentro de todo Estado do Maranhão e em grande parte de todo Brasil. (ITAMARATY, 2011, entrevista con-cedida em 12.02.2011).

Conforme o entendimento do empresário Pinto da Itamaraty, a radiola é grande em várias concepções, pois, para ele, a radiola é grande no tamanho, na potência, no sucesso e na aceitação popu-lar. Para Itamaraty, são poucas as radiolas que conseguem aglutinar todos esses pré-requisitos. Observando sua resposta pela ótica tec-nicista, a radiola grande atualmente é composta por quatro a cinco colunas, pelos aparelhos de última geração tecnológica, além disso, a estrutura deverá ter à sua disposição dois caminhões trukados ou uma carreta para transportar os equipamentos.

Na relação de necessidades apontadas pelo empresário Pinto da Itamaraty, consta, ainda, um gerador de energia elétrica de 150 KVA, pois a estrutura precisa estar preparada para fazer grandes shows e grandes eventos, tanto no Maranhão quanto em todo o Brasil, e, nem sempre, os locais dos eventos contam com transfor-madores de energia elétrica com potência suficiente para absorver a necessidade de energia para a estrutura de uma radiola conside-rada grande.

Para melhor compreender o que seria uma radiola grande, mais uma vez provoquei o empresário Itamaraty, solicitando que

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que produz um som de boa qualidade para ambientes pequenos e relativamente médios. Esse tipo de radiola já se apresenta com um pequeno comando, um painelzinho e um bom repertório musical, o que agrada muito ao público jovem e ao universitário, não tendo grandes dificuldades para seu deslocamento.

Uma radiola de estrutura média deveria ter de duas a três colunas formando os paredões, contendo, cada um, seis caixas de graves e essas caixas de graves deverão ter, cada uma, quatro alto falantes de quinze ou dezoito polegadas, condicionados à necessidade de potência, além disso, cada coluna deverá ter duas caixas de som médio para voz, cada uma com quatro alto falantes de doze ou quinze polegadas e uma corneta e quatro twitters em cada caixa. A bateria (último módulo de caixa a ser posicionado no alto da coluna) deverá ter pelo menos duas cornetas e quatro twitters cada uma.

Com essa configuração, a estrutura da radiola considerada mé-dia está adequada para produzir um som de boa qualidade e potên-cia. Pinto da Itamaraty me chamou a atenção para o fato de que numa estrutura de radiola considerada média, não é só o tamanho e a potência que se leva em conta, mas estão também incluídos, nessa classificação, o sucesso que a radiola faz (sendo imensurável e intangível), os contratos e eventos que atendem e a adesão do público, tornando-a reconhecida e conquistando adeptos, além do repertório que deverá ter boa qualidade e se possível ser próprio.

Verifica-se que as configurações vão ficando mais complexas, envolvendo, segundo estudos de Martin-Barbero e Rey (2001), um sentido estético, o poder político ou mercantil Para eles, abre-se um novo caminho e um novo olhar que, por um lado, descobrem a envergadura atual das hibridizações entre visualidade e tecnicidade e, por outro, resgatam as imagísticas batalhas culturais, o que a meu ver explica, de forma convincente, a disputa, com o objetivo de conquistar status e reconhecimento, praticada pelos proprietários de radiolas no Maranhão.

De acordo com N. Postman (1991 apud MARTIN-BARBE-RO; REY, 2001, p. 16) “o atual regime da visualidade se acha so-

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cialmente dicotomizado entre o universo do sublime e do espetá-culo/divertimento”, que para ele é “na experiência social que ela introduz, emerge a relação constitutiva das mediações tecnológicas com as mudanças na discursividade, suas novas competências de linguagem.”

Ao partir para compreender o que é uma radiola grande, veri-fiquei que havia aí muitos interesses em jogo, tornando a definição mais complexa, entretanto recorri à praxis de Pinto da Itamaraty para melhor entender a questão. Esse empresário (2011, entrevis-ta) foi taxativo ao afirmar que:

Eu não tenho dúvidas de que, se não fosse essas disputas de ra-diolas, esse movimento não teria alimentado o reggae por tantos anos e se autoafirmado dentro de todo Estado do Maranhão e em grande parte de todo Brasil. (ITAMARATY, 2011, entrevista con-cedida em 12.02.2011).

Conforme o entendimento do empresário Pinto da Itamaraty, a radiola é grande em várias concepções, pois, para ele, a radiola é grande no tamanho, na potência, no sucesso e na aceitação popu-lar. Para Itamaraty, são poucas as radiolas que conseguem aglutinar todos esses pré-requisitos. Observando sua resposta pela ótica tec-nicista, a radiola grande atualmente é composta por quatro a cinco colunas, pelos aparelhos de última geração tecnológica, além disso, a estrutura deverá ter à sua disposição dois caminhões trukados ou uma carreta para transportar os equipamentos.

Na relação de necessidades apontadas pelo empresário Pinto da Itamaraty, consta, ainda, um gerador de energia elétrica de 150 KVA, pois a estrutura precisa estar preparada para fazer grandes shows e grandes eventos, tanto no Maranhão quanto em todo o Brasil, e, nem sempre, os locais dos eventos contam com transfor-madores de energia elétrica com potência suficiente para absorver a necessidade de energia para a estrutura de uma radiola conside-rada grande.

Para melhor compreender o que seria uma radiola grande, mais uma vez provoquei o empresário Itamaraty, solicitando que

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comparasse as radiolas de reggae maranhenses com os grandes trios elétricos baianos e ele foi enfático ao afirmar que as duas estruturas são parecidas e grandiosas no seu tamanho, no entanto ele ressal-tou que as radiolas têm um número de equipamentos igual e, às vezes, inferior aos dos trios elétricos baianos, mas, normalmente, os trios têm o triplo de potência que usam as grandes radiolas de reggae maranhenses. (...)

Nesse caso, a movência que ocorre nas audições festivas da ra-diola são caracterizadas pela performance do DJ, do repertório exe-cutado (incluindo as faixas exclusivas), os espaços utilizados para a execução da festa, a equipe de técnicos e de servidores contratados para garantir o bom andamento da audição, o público com suas várias ramificações de gênero (público jovem, militantes ortodoxos do movimento regueiro, rastafáris, dançarinos, pesquisadores, tu-ristas, curiosos, etc), o comércio informal que se organiza de formas diversas, todos constituindo-se num conjunto pulsante de interes-ses, que têm, no reggae, sua maior motivação.

Bakhtin (1990), analisando essas distinções de gênero e rela-cionamentos de classes, envolvendo dialetos raciais, regionais e ét-nicos, entre outros, conduz sua análise aplicando o termo “lingua-gem” para categorias profissionais e ocupacionais, grupos de idade, grupos religiosos, círculos sociais, “movimentos” e outros padrões de agrupamento. Destaca ainda Bakhtin que são elementos que devem ser observados, os períodos do dia, os dias da semana e as estações, pois todos eles têm suas “linguagens” específicas. Por isso, a festa de reggae, feita à noite, não é igual à realizada, à tarde, para estudantes e adolescentes. Nem essas festas temáticas são iguais às comemorações institucionais, entre outras.

Diz Bakhtin (1990, p. 98) que:

Deste modo, em cada momento de sua existência histórica, a lin-guagem é grandemente pluridiscursiva [heteroglota]. Deve-se isso à coexistência de contradições socioideológicas entre presente e passado, entre diferentes épocas do passado, entre diversos gru-pos socioideológicos, entre correntes, escolas, círculos, e assim por diante. Estes ‘falares’ do plurilinguísmo [da heteroglossia]

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entrecruzam-se de maneira multiforme, formando novos ‘falares’ socialmente típico.

O professor Horace Newcomb (1991 apud RIBEIRO; SA-

CRAMENTO, 2010, p. 368), da Universidade da Georgia (USA), comentando esse posicionamento de Bakhtin, ressalta que: “Den-tro dessa comunicação poliglota que conhecemos como sociedade, então, toda enunciação que vai do orador para o ouvinte, do escri-tor para o leitor, dos criadores para o público, está ligada a um siste-ma de significados múltiplos”. Para ele, “Toda “palavra” – e Bakhtin usa a ideia de “a palavra” para exprimir qualquer enunciação – é construída, sobreposta e infiltrada, por esses significados”.

Voltando à análise das radiolas, verifica-se que elas embutiram um elenco de significados na cultura maranhense, como audições festivas em locais fixos, ao contrário das audições dos trios elétri-cos que ocorrem quase 100% ao ar livre e em movimento, e quase sempre o espaço reservado para a participação do público é delimi-tado por cordas, formando um cordão (ou curral, como é chamado no Maranhão), enquanto que as radiolas podem ser montadas em qualquer espaço ao ar livre ou coberto, sem a dinâmica do movi-mento dos veículos motorizados, pois os paredões estão ali, empi-lhados e distribuídos de forma contínua, fixa, prontos para provo-car uma explosão sonora do ritmo reggae.

Resumindo essa configuração técnica do tamanho das estru-turas de radiolas de reggae no Estado do Maranhão, pode-se, de forma simplificada, afirmar que: estrutura com um paredão corres-ponde ao que se classifica radiola pequena; estrutura com dois a três paredões corresponde ao que se classifica como radiola média; a estrutura com quatro, cinco ou mais paredões corresponde a uma estrutura classificada como radiola grande, devendo-se levar em consideração ainda a potência dos equipamentos com que foram montadas as caixas da radiola, pois essa potência é quem vai men-surar e determinar a qualidade sonora da aparelhagem.

Em São Luís, essa prática das radiolas ocorre em todos os grandes momentos que envolvem uma significativa participação

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comparasse as radiolas de reggae maranhenses com os grandes trios elétricos baianos e ele foi enfático ao afirmar que as duas estruturas são parecidas e grandiosas no seu tamanho, no entanto ele ressal-tou que as radiolas têm um número de equipamentos igual e, às vezes, inferior aos dos trios elétricos baianos, mas, normalmente, os trios têm o triplo de potência que usam as grandes radiolas de reggae maranhenses. (...)

Nesse caso, a movência que ocorre nas audições festivas da ra-diola são caracterizadas pela performance do DJ, do repertório exe-cutado (incluindo as faixas exclusivas), os espaços utilizados para a execução da festa, a equipe de técnicos e de servidores contratados para garantir o bom andamento da audição, o público com suas várias ramificações de gênero (público jovem, militantes ortodoxos do movimento regueiro, rastafáris, dançarinos, pesquisadores, tu-ristas, curiosos, etc), o comércio informal que se organiza de formas diversas, todos constituindo-se num conjunto pulsante de interes-ses, que têm, no reggae, sua maior motivação.

Bakhtin (1990), analisando essas distinções de gênero e rela-cionamentos de classes, envolvendo dialetos raciais, regionais e ét-nicos, entre outros, conduz sua análise aplicando o termo “lingua-gem” para categorias profissionais e ocupacionais, grupos de idade, grupos religiosos, círculos sociais, “movimentos” e outros padrões de agrupamento. Destaca ainda Bakhtin que são elementos que devem ser observados, os períodos do dia, os dias da semana e as estações, pois todos eles têm suas “linguagens” específicas. Por isso, a festa de reggae, feita à noite, não é igual à realizada, à tarde, para estudantes e adolescentes. Nem essas festas temáticas são iguais às comemorações institucionais, entre outras.

Diz Bakhtin (1990, p. 98) que:

Deste modo, em cada momento de sua existência histórica, a lin-guagem é grandemente pluridiscursiva [heteroglota]. Deve-se isso à coexistência de contradições socioideológicas entre presente e passado, entre diferentes épocas do passado, entre diversos gru-pos socioideológicos, entre correntes, escolas, círculos, e assim por diante. Estes ‘falares’ do plurilinguísmo [da heteroglossia]

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O professor Horace Newcomb (1991 apud RIBEIRO; SA-

CRAMENTO, 2010, p. 368), da Universidade da Georgia (USA), comentando esse posicionamento de Bakhtin, ressalta que: “Den-tro dessa comunicação poliglota que conhecemos como sociedade, então, toda enunciação que vai do orador para o ouvinte, do escri-tor para o leitor, dos criadores para o público, está ligada a um siste-ma de significados múltiplos”. Para ele, “Toda “palavra” – e Bakhtin usa a ideia de “a palavra” para exprimir qualquer enunciação – é construída, sobreposta e infiltrada, por esses significados”.

Voltando à análise das radiolas, verifica-se que elas embutiram um elenco de significados na cultura maranhense, como audições festivas em locais fixos, ao contrário das audições dos trios elétri-cos que ocorrem quase 100% ao ar livre e em movimento, e quase sempre o espaço reservado para a participação do público é delimi-tado por cordas, formando um cordão (ou curral, como é chamado no Maranhão), enquanto que as radiolas podem ser montadas em qualquer espaço ao ar livre ou coberto, sem a dinâmica do movi-mento dos veículos motorizados, pois os paredões estão ali, empi-lhados e distribuídos de forma contínua, fixa, prontos para provo-car uma explosão sonora do ritmo reggae.

Resumindo essa configuração técnica do tamanho das estru-turas de radiolas de reggae no Estado do Maranhão, pode-se, de forma simplificada, afirmar que: estrutura com um paredão corres-ponde ao que se classifica radiola pequena; estrutura com dois a três paredões corresponde ao que se classifica como radiola média; a estrutura com quatro, cinco ou mais paredões corresponde a uma estrutura classificada como radiola grande, devendo-se levar em consideração ainda a potência dos equipamentos com que foram montadas as caixas da radiola, pois essa potência é quem vai men-surar e determinar a qualidade sonora da aparelhagem.

Em São Luís, essa prática das radiolas ocorre em todos os grandes momentos que envolvem uma significativa participação

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popular, seja no carnaval, no período junino, que mexe com o in-consciente coletivo por quase quatro meses: pré-São João, no São João propriamente dito (junho), e no pós-São João, durante o mês de julho; no aniversário da cidade (setembro), quando é desenvol-vida uma extensa programação no centro e em bairro periférico, incluindo-se aí as comemorações do dia municipal do regueiro (05 de setembro), entre outras atividades de origem comunitária.

Dentro desse universo de diversidade cultural, pode-se afir-mar que o gênero reggae, na capital maranhense, é hoje uma mani-festação cultural que chegou e veio somar às outras manifestações originárias dessa terra e às riquezas naturais proporcionadas pelo meio ambiente geográfico da região, e que, naturalmente, identi-ficam a cidade de São Luís como a terra das palmeiras, da juçara, a terra do arroz de cuxá, a terra do arroz de jaçanã, das tortas de caranguejo e de camarão, do beiju, dos blocos tradicionais que têm um ritmo único dentro do universo musical brasileiro, sem falar do bumba meu boi e do tambor de crioula, manifestações consideradas patrimônio imaterial do Brasil.

Enfim, o reggae e os seus paredões de caixas sonoras já estão totalmente adotados pelo povo de Jah, que vive no Maranhão. Vale lembrar que essa manifestação cultural, que está enraizada na re-gião, proporciona, atualmente, não somente lazer e entretenimen-to, mas construiu um circuito de serviços ligados à cultura, à eco-nomia, ao turismo e às relações sociais do povo, pois uma parcela significativa de pessoas consegue sobreviver com os desdobramen-tos provocados por essa atividade, por meio dos vários vieses que se fazem presentes no dia a dia maranhense.

Nessa ótica de ver essa construção, a ação do movimento re-gueiro é atualmente uma atividade tão fecunda e pulsante no meio sociocultural local, que dela fazem parte não somente os empresá-rios, investidores e radioleiros, mas também cidadãos comuns que integram a cadeia de comércio formal e informal que gira em torno dessa atividade, mobilizando uma quantidade significativa de pesso-as que se tornaram dependentes dessa organização socioeconômica.

São destaques dessa organização os artesãos, os vendedores

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ambulantes de bebidas e de alimentação, de roupas customizadas, os professores de dança, os produtores culturais, seguranças de eventos, vendedores de CDs e DVDs, assessores de imprensa e profissionais ligados aos programas midiáticos, sem falar nos téc-nicos e nos operadores das radiolas de reggae, que, a cada sema-na, muitas vezes em mais de uma vez por semana, são forçados a montar e desmontar as aparelhagens em diferentes espaços para realizar eventos festivos, religiosos, artísticos e promocionais de uma forma geral, agregando trabalho e renda para uma quantida-de significativa de pessoas.

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popular, seja no carnaval, no período junino, que mexe com o in-consciente coletivo por quase quatro meses: pré-São João, no São João propriamente dito (junho), e no pós-São João, durante o mês de julho; no aniversário da cidade (setembro), quando é desenvol-vida uma extensa programação no centro e em bairro periférico, incluindo-se aí as comemorações do dia municipal do regueiro (05 de setembro), entre outras atividades de origem comunitária.

Dentro desse universo de diversidade cultural, pode-se afir-mar que o gênero reggae, na capital maranhense, é hoje uma mani-festação cultural que chegou e veio somar às outras manifestações originárias dessa terra e às riquezas naturais proporcionadas pelo meio ambiente geográfico da região, e que, naturalmente, identi-ficam a cidade de São Luís como a terra das palmeiras, da juçara, a terra do arroz de cuxá, a terra do arroz de jaçanã, das tortas de caranguejo e de camarão, do beiju, dos blocos tradicionais que têm um ritmo único dentro do universo musical brasileiro, sem falar do bumba meu boi e do tambor de crioula, manifestações consideradas patrimônio imaterial do Brasil.

Enfim, o reggae e os seus paredões de caixas sonoras já estão totalmente adotados pelo povo de Jah, que vive no Maranhão. Vale lembrar que essa manifestação cultural, que está enraizada na re-gião, proporciona, atualmente, não somente lazer e entretenimen-to, mas construiu um circuito de serviços ligados à cultura, à eco-nomia, ao turismo e às relações sociais do povo, pois uma parcela significativa de pessoas consegue sobreviver com os desdobramen-tos provocados por essa atividade, por meio dos vários vieses que se fazem presentes no dia a dia maranhense.

Nessa ótica de ver essa construção, a ação do movimento re-gueiro é atualmente uma atividade tão fecunda e pulsante no meio sociocultural local, que dela fazem parte não somente os empresá-rios, investidores e radioleiros, mas também cidadãos comuns que integram a cadeia de comércio formal e informal que gira em torno dessa atividade, mobilizando uma quantidade significativa de pesso-as que se tornaram dependentes dessa organização socioeconômica.

São destaques dessa organização os artesãos, os vendedores

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REFERÊNCIAS

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SANTOS. Georgiana Márcia Oliveira. A terminologia do reg-gae ludovicense: uma abordagem socioterminológica (Disserta-ção de Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, For-taleza, 2009.

SAQUET, Marcos Aurélia. Abordagens e concepções de territó-rio. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

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REFERÊNCIAS

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território em contexto cultural. In: SERPA, Angelo (Org.). Espa-ços culturais: vivências, imaginações e representações. Salvador: EDUFBA, 2008.

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SANTOS. Georgiana Márcia Oliveira. A terminologia do reg-gae ludovicense: uma abordagem socioterminológica (Disserta-ção de Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, For-taleza, 2009.

SAQUET, Marcos Aurélia. Abordagens e concepções de territó-rio. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

SILVA, Carlos Benedito da. Da terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade cultural. São Luís: EDUFMA, 1995.

. Ritmos da identidade: mestiçagem e sincretismo na cultura do Maranhão. São Luís: APMA/EDUFMA, 2007a.

. Os sons do Atlântico Negro. Revista Brasileira do Caribe, Goiânia, v. 8, n. 5, p. 21-39, 2007b.

SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro brasi-leira. Petrópolis: Vozes, 1988.

. A noção do gênero de vida e seu valor atual. Boletim Geo-gráfico, Rio de Janeiro, n. 172-173, 1963-1964.

ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS COLHIDOS

NAYFSON, Natty (dono de radiola). Entrevista concedida a Eu-clides Moreira Neto. São Luís, 26 maio 2010. Gravado em vídeo.

SANTOS. José Murilo Moraes (cineasta e professor universitário). Re-lato concedido a Euclides Moreira Neto. São Luís, set. 2010. Via email.

SOARES, José Eleonildo Pinto Soares (Pinto da Itamaraty). Entre-vista concedida a Euclides Moreira Neto. São Luís, 8. fev. 2010.

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A

CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIAFRANCINETE LOUSEIRO DE ALMEIDA

INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa teve como motivação a análise de rituais, sobretudo os rituais na política. Para tanto, o estudo teve como objeto a posse contestada da governadora do Maranhão, Ro-seana Sarney, que mesmo não sendo vitoriosa nas eleições de 2006 para o governo do estado, tomou posse após uma decisão do Tribu-nal Superior Eleitoral (TSE). Esta pesquisa trabalha com a seguinte questão central: considerando que num sistema de democracia re-presentativa, a posse encerra uma disputa, como a mídia pode olhar um ritual de posse contestado?

Como a opção foi trabalhar com periódicos impressos, foram escolhidos, para esta pesquisa, os três jornais de maior circulação no estado: o jornal “O Estado do Maranhão”, o jornal “O Impar-cial” e o “Jornal Pequeno”. O jornal “O Estado do Maranhão” é o único jornal com circulação nas principais cidades do Maranhão, entre outros municípios. É o jornal que concentra maior número de informação, além de ter uma expressiva equipe de jornalistas e editorias. É líder de mercado e procura manter um padrão editorial e visual que o diferencia dos demais pela coerência e cuidado com a estética e identidade do jornal.

O “Jornal Pequeno” é uma empresa familiar cuja direção é re-passada de pai para filho. Possui uma posição combativa que se sus-tenta desde sua fundação, e sua consolidação ocorreu durante seus 61 anos de existência. É um jornal diferente dos outros grupos; sur-giu na condição de único órgão de imprensa conceitualmente apar-tidário, fora de todas as propostas e propósitos políticos vigentes,

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REGGAE E PODER: radiolas e simbolismo na cultura maranhense

SILVA, Carlos Benedito da. Da terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade cultural. São Luís: EDUFMA, 1995.

. Ritmos da identidade: mestiçagem e sincretismo na cultura do Maranhão. São Luís: APMA/EDUFMA, 2007a.

. Os sons do Atlântico Negro. Revista Brasileira do Caribe, Goiânia, v. 8, n. 5, p. 21-39, 2007b.

SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro brasi-leira. Petrópolis: Vozes, 1988.

. A noção do gênero de vida e seu valor atual. Boletim Geo-gráfico, Rio de Janeiro, n. 172-173, 1963-1964.

ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS COLHIDOS

NAYFSON, Natty (dono de radiola). Entrevista concedida a Eu-clides Moreira Neto. São Luís, 26 maio 2010. Gravado em vídeo.

SANTOS. José Murilo Moraes (cineasta e professor universitário). Re-lato concedido a Euclides Moreira Neto. São Luís, set. 2010. Via email.

SOARES, José Eleonildo Pinto Soares (Pinto da Itamaraty). Entre-vista concedida a Euclides Moreira Neto. São Luís, 8. fev. 2010.

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A

CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIAFRANCINETE LOUSEIRO DE ALMEIDA

INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa teve como motivação a análise de rituais, sobretudo os rituais na política. Para tanto, o estudo teve como objeto a posse contestada da governadora do Maranhão, Ro-seana Sarney, que mesmo não sendo vitoriosa nas eleições de 2006 para o governo do estado, tomou posse após uma decisão do Tribu-nal Superior Eleitoral (TSE). Esta pesquisa trabalha com a seguinte questão central: considerando que num sistema de democracia re-presentativa, a posse encerra uma disputa, como a mídia pode olhar um ritual de posse contestado?

Como a opção foi trabalhar com periódicos impressos, foram escolhidos, para esta pesquisa, os três jornais de maior circulação no estado: o jornal “O Estado do Maranhão”, o jornal “O Impar-cial” e o “Jornal Pequeno”. O jornal “O Estado do Maranhão” é o único jornal com circulação nas principais cidades do Maranhão, entre outros municípios. É o jornal que concentra maior número de informação, além de ter uma expressiva equipe de jornalistas e editorias. É líder de mercado e procura manter um padrão editorial e visual que o diferencia dos demais pela coerência e cuidado com a estética e identidade do jornal.

O “Jornal Pequeno” é uma empresa familiar cuja direção é re-passada de pai para filho. Possui uma posição combativa que se sus-tenta desde sua fundação, e sua consolidação ocorreu durante seus 61 anos de existência. É um jornal diferente dos outros grupos; sur-giu na condição de único órgão de imprensa conceitualmente apar-tidário, fora de todas as propostas e propósitos políticos vigentes,

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

por isso, procura fazer um jornalismo que mostre a realidade do estado, principalmente no que diz respeito à política, dando sempre espaço para que a população possa tornar público suas indignações, buscando ajudar a diminuir o sofrimento das comunidades mais carentes.

“O Imparcial” é um jornal que faz parte do grupo “Diários Associados”, que, atualmente, é o sexto maior conglomerado de empresas de mídia do Brasil. De acordo com o editor-chefe, Pedro Freire, a linha editorial do jornal “O Imparcial” procura seguir um equilíbrio no qual a notícia se impõe de acordo com a sua própria importância e o compromisso é apenas com a informação.

Como metodologia de análise, a pesquisa trabalha com o en-quadramento. “Enquadrar um acontecimento é escolher arbitra-riamente dados que lhe levam a diferentes formas de ver a mesma história.” (GOFFMAN, 2002). Podem-se notar, na cobertura do objeto desta pesquisa, as diferentes maneiras apresentadas sobre o mesmo fato, pelos jornais regionais. Por isso, este artigo iniciará com uma abordagem sobre enquadramentos.

ENQUADRAMENTOS

Pode-se dizer que a produção jornalística não se limita apenas a um conjunto de regras que darão forma a textos informativos e a narrativas noticiosas; a prática jornalística vai além desta constru-ção, pois inclui, também, as estratégias de como os jornalistas sele-cionam os acontecimentos e os apresentam em forma de notícias, ou seja, como será utilizado aquilo que no jornalismo é chamado de enquadramento1.

Goffman (2002) dizia que o texto contém frames, ou seja, qua-dros que destacam ou não, palavras-chave, fontes de informação, e sentenças que reforçam aglomerados de fatos ou julgamentos. É

1 Enquadrar é selecionar certos aspectos da realidade percebida e torná-los mais salien-tes no texto da comunicação de tal forma a promover a definição particular de um problema, de uma interpretação causal, de uma avaliação moral e/ou a recomenda-ção de tratamento para o tema descrito (LIMA, 2006, p. 14).

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um movimento de legitimação e autentificação, que existe nos pró-prios media, nos quais, por exemplo, lideranças são transformadas em personalidades, e isso somente acontece pela prática do enqua-dramento. “As formas de cobertura se acrescem no enquadramento sistemático, e esse enquadramento, muito ampliado, ajuda a determi-nar o destino do movimento” (GITLIN, 1980, p. 4).

O enquadramento vai além da forma simples de salientar al-guns aspectos no texto, porém, principalmente, é a forma como os jornalistas participam na construção da realidade social e ainda revelam algumas peculiaridades dos seus veículos noticiosos. Essa estratégia de escolha se baseia nas rotinas de trabalho em que o profissional está inserido, assim como na sua própria cultura profis-sional: “Esse enquadramento depende de uma série de questões re-veladoras do lugar de fala de quem narra os fatos” (MOURA, 2006, p. 52). Portanto, o processo de escolha do enquadramento não se torna aleatória; está fundamentado numa rotina de trabalho que fornece frames num determinado momento do real e que podem ser utilizados na construção da notícia.

Os enquadramentos possibilitam aos jornalistas processar, rápida e rotineiramente, grandes quantidades de informação: reconhe-cê-las como informação, designá-las por categorias cognitivas, e acondicioná-las para uma eficiente transmissão a suas audiências. Desse modo, por motivos organizacionais apenas, os enquadra-mentos são inevitáveis, e o jornalismo é organizado para regular sua produção. (GITLIN, 1980, p. 7).

A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA

Há uma máxima que diz: “aqui tudo o que acontece vira notí-cia”. No mundo jornalístico essa máxima é real, pois notícias, pode-se dizer, são todos os fatos ou acontecimentos narrados e relatados que já aconteceram ou que ainda vão acontecer. A notícia é o produto final de um processo com várias etapas: começa pela própria escolha e seleção daquilo que será noticiado, considerando-se ainda os vários aspectos que influenciam nesta seleção; o período que o

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

por isso, procura fazer um jornalismo que mostre a realidade do estado, principalmente no que diz respeito à política, dando sempre espaço para que a população possa tornar público suas indignações, buscando ajudar a diminuir o sofrimento das comunidades mais carentes.

“O Imparcial” é um jornal que faz parte do grupo “Diários Associados”, que, atualmente, é o sexto maior conglomerado de empresas de mídia do Brasil. De acordo com o editor-chefe, Pedro Freire, a linha editorial do jornal “O Imparcial” procura seguir um equilíbrio no qual a notícia se impõe de acordo com a sua própria importância e o compromisso é apenas com a informação.

Como metodologia de análise, a pesquisa trabalha com o en-quadramento. “Enquadrar um acontecimento é escolher arbitra-riamente dados que lhe levam a diferentes formas de ver a mesma história.” (GOFFMAN, 2002). Podem-se notar, na cobertura do objeto desta pesquisa, as diferentes maneiras apresentadas sobre o mesmo fato, pelos jornais regionais. Por isso, este artigo iniciará com uma abordagem sobre enquadramentos.

ENQUADRAMENTOS

Pode-se dizer que a produção jornalística não se limita apenas a um conjunto de regras que darão forma a textos informativos e a narrativas noticiosas; a prática jornalística vai além desta constru-ção, pois inclui, também, as estratégias de como os jornalistas sele-cionam os acontecimentos e os apresentam em forma de notícias, ou seja, como será utilizado aquilo que no jornalismo é chamado de enquadramento1.

Goffman (2002) dizia que o texto contém frames, ou seja, qua-dros que destacam ou não, palavras-chave, fontes de informação, e sentenças que reforçam aglomerados de fatos ou julgamentos. É

1 Enquadrar é selecionar certos aspectos da realidade percebida e torná-los mais salien-tes no texto da comunicação de tal forma a promover a definição particular de um problema, de uma interpretação causal, de uma avaliação moral e/ou a recomenda-ção de tratamento para o tema descrito (LIMA, 2006, p. 14).

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um movimento de legitimação e autentificação, que existe nos pró-prios media, nos quais, por exemplo, lideranças são transformadas em personalidades, e isso somente acontece pela prática do enqua-dramento. “As formas de cobertura se acrescem no enquadramento sistemático, e esse enquadramento, muito ampliado, ajuda a determi-nar o destino do movimento” (GITLIN, 1980, p. 4).

O enquadramento vai além da forma simples de salientar al-guns aspectos no texto, porém, principalmente, é a forma como os jornalistas participam na construção da realidade social e ainda revelam algumas peculiaridades dos seus veículos noticiosos. Essa estratégia de escolha se baseia nas rotinas de trabalho em que o profissional está inserido, assim como na sua própria cultura profis-sional: “Esse enquadramento depende de uma série de questões re-veladoras do lugar de fala de quem narra os fatos” (MOURA, 2006, p. 52). Portanto, o processo de escolha do enquadramento não se torna aleatória; está fundamentado numa rotina de trabalho que fornece frames num determinado momento do real e que podem ser utilizados na construção da notícia.

Os enquadramentos possibilitam aos jornalistas processar, rápida e rotineiramente, grandes quantidades de informação: reconhe-cê-las como informação, designá-las por categorias cognitivas, e acondicioná-las para uma eficiente transmissão a suas audiências. Desse modo, por motivos organizacionais apenas, os enquadra-mentos são inevitáveis, e o jornalismo é organizado para regular sua produção. (GITLIN, 1980, p. 7).

A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA

Há uma máxima que diz: “aqui tudo o que acontece vira notí-cia”. No mundo jornalístico essa máxima é real, pois notícias, pode-se dizer, são todos os fatos ou acontecimentos narrados e relatados que já aconteceram ou que ainda vão acontecer. A notícia é o produto final de um processo com várias etapas: começa pela própria escolha e seleção daquilo que será noticiado, considerando-se ainda os vários aspectos que influenciam nesta seleção; o período que o

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jornalista tem para a produção desta notícia; o olhar que construirá a notícia e algumas outras questões pertinentes ao assunto, para que se entenda o resultado daquilo que está sendo pautado e que chamará a atenção da sociedade.

o jornalismo não é reflexo, mas construção social de uma realidade específica. Da cultura profissional dos jornalistas, da organização geral do trabalho e dos processos produtivos, portanto, de uma rotina industrial atravessada por uma polifonia discursiva, surgem os relatos de fatos significativos (os acontecimentos) a que se dá o nome de notícias. (SODRÉ, 2009, p. 26).

As notícias são o resultado de um trabalho jornalístico que se compreende desde o momento da apuração do fato até a matéria propriamente dita, e, neste intervalo, os vários aspectos envolvidos incidem sobre aquilo que se terá como produto final. O que deve se considerar é que toda essa rotina de trabalho, essa polifonia discur-siva e toda uma cultura profissional do jornalista refletem na cons-trução social dessa realidade2 que está sendo narrada através da notícia, “É inútil encarar o noticiário como distorcendo ou como refletindo a realidade, porque as “realidades” são feitas e o noti-ciário é parte do sistema que as faz” (FISHMAN, 1990, p.10); as notícias são fruto de uma construção que está no acontecer da pró-pria realidade social. No entanto, para não serem alvo de críticas, os próprios jornalistas se baseiam numa argumentação de que o seu trabalho é objetivo. Deve-se lembrar, ainda, que o real da notícia é a sua factualidade, a sua representação de um fato, porém isso não limita e nem inviabiliza a incidência dos aspectos mencionados acima sobre a construção da notícia.

A notícia é o produto final de um processo complexo, por isso vários aspectos são discutidos para se compreender e se fun-damentar essa prática jornalística. A organização burocrática dos

2 O mundo ao nosso redor é marcado por acontecimentos, fatos, situações, rotinas e movimentos diários que se apresentam como construtores de uma realidade vivida pelos seres humanos. “A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpre-tada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente.” (BERGER; LUCKMAN, 1985, p. 35).

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media categorizando as notícias, a estrutura de valores-notícia que seleciona o que será noticiado dentro das categorias já definidas e o momento da construção da própria notícia são outros aspectos levantados por Hall et al. (2009, p. 226) no intuito de se criar e se manter subsídios para a discussão a respeito do fazer jornalismo. Para esses autores “As coisas são noticiáveis porque elas represen-tam a volubilidade, a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo”. Sendo assim, podem surgir as perguntas: o que se transfor-ma, então, em uma notícia? Que coisas são noticiáveis?

A construção de uma notícia envolve unicamente a existência de um fato, que, por conseguinte, “[...] é um complexo que inclui eventos envolvendo coisas, pessoas e textos.” (GOMES, 2009, p. 30). O mundo da experiência empírica é o mundo dos fatos, é o local onde as relações propiciam o aparecimento de tal fenômeno ou não, o fato é esta relação entre coisas. Já quando se fala sobre o acontecimento, a referência é feita à representação social do fato,

o acontecimento é uma modalidade clara e visível de tratamento do fato, portanto, é uma construção ou uma produção de real, atravessada pelas representações da vicissitude da vida social, o que equivale a dizer tanto pela fragmentação às vezes paradoxal das ocorrências quanto pelos conflitos em torno da hegemonia das representações. (SODRÉ, 2009, p. 37).

O acontecimento, como já foi explicado pode ser entendido ainda como o reflexo do caso acorrido que se instaura a partir da-quilo que chamamos de fato, e como representação social dele; por-tanto, este norteará todas as modalidades de acontecimentos, que por si só se constituirá num evento, a partir da ocorrência que o originou. Pode-se fazer uma comparação com o próprio aconteci-mento que originou o objeto desta pesquisa, a posse contestada da governadora Roseana Sarney, na qual o fato que deu origem a esse acontecimento foi o pedido de cassação3 que fora encaminhado pela

3 A Coligação de Roseana Sarney, Maranhão – a Força do Povo (PFL, PMDB, PTB, PV), após as eleições de 2006, solicitou a cassação do mandato do então governador Jackson Képler Lago, alegando a utilização da máquina pública durante a campanha.

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jornalista tem para a produção desta notícia; o olhar que construirá a notícia e algumas outras questões pertinentes ao assunto, para que se entenda o resultado daquilo que está sendo pautado e que chamará a atenção da sociedade.

o jornalismo não é reflexo, mas construção social de uma realidade específica. Da cultura profissional dos jornalistas, da organização geral do trabalho e dos processos produtivos, portanto, de uma rotina industrial atravessada por uma polifonia discursiva, surgem os relatos de fatos significativos (os acontecimentos) a que se dá o nome de notícias. (SODRÉ, 2009, p. 26).

As notícias são o resultado de um trabalho jornalístico que se compreende desde o momento da apuração do fato até a matéria propriamente dita, e, neste intervalo, os vários aspectos envolvidos incidem sobre aquilo que se terá como produto final. O que deve se considerar é que toda essa rotina de trabalho, essa polifonia discur-siva e toda uma cultura profissional do jornalista refletem na cons-trução social dessa realidade2 que está sendo narrada através da notícia, “É inútil encarar o noticiário como distorcendo ou como refletindo a realidade, porque as “realidades” são feitas e o noti-ciário é parte do sistema que as faz” (FISHMAN, 1990, p.10); as notícias são fruto de uma construção que está no acontecer da pró-pria realidade social. No entanto, para não serem alvo de críticas, os próprios jornalistas se baseiam numa argumentação de que o seu trabalho é objetivo. Deve-se lembrar, ainda, que o real da notícia é a sua factualidade, a sua representação de um fato, porém isso não limita e nem inviabiliza a incidência dos aspectos mencionados acima sobre a construção da notícia.

A notícia é o produto final de um processo complexo, por isso vários aspectos são discutidos para se compreender e se fun-damentar essa prática jornalística. A organização burocrática dos

2 O mundo ao nosso redor é marcado por acontecimentos, fatos, situações, rotinas e movimentos diários que se apresentam como construtores de uma realidade vivida pelos seres humanos. “A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpre-tada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente.” (BERGER; LUCKMAN, 1985, p. 35).

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A construção de uma notícia envolve unicamente a existência de um fato, que, por conseguinte, “[...] é um complexo que inclui eventos envolvendo coisas, pessoas e textos.” (GOMES, 2009, p. 30). O mundo da experiência empírica é o mundo dos fatos, é o local onde as relações propiciam o aparecimento de tal fenômeno ou não, o fato é esta relação entre coisas. Já quando se fala sobre o acontecimento, a referência é feita à representação social do fato,

o acontecimento é uma modalidade clara e visível de tratamento do fato, portanto, é uma construção ou uma produção de real, atravessada pelas representações da vicissitude da vida social, o que equivale a dizer tanto pela fragmentação às vezes paradoxal das ocorrências quanto pelos conflitos em torno da hegemonia das representações. (SODRÉ, 2009, p. 37).

O acontecimento, como já foi explicado pode ser entendido ainda como o reflexo do caso acorrido que se instaura a partir da-quilo que chamamos de fato, e como representação social dele; por-tanto, este norteará todas as modalidades de acontecimentos, que por si só se constituirá num evento, a partir da ocorrência que o originou. Pode-se fazer uma comparação com o próprio aconteci-mento que originou o objeto desta pesquisa, a posse contestada da governadora Roseana Sarney, na qual o fato que deu origem a esse acontecimento foi o pedido de cassação3 que fora encaminhado pela

3 A Coligação de Roseana Sarney, Maranhão – a Força do Povo (PFL, PMDB, PTB, PV), após as eleições de 2006, solicitou a cassação do mandato do então governador Jackson Képler Lago, alegando a utilização da máquina pública durante a campanha.

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coligação da própria candidata; a partir deste fato, vários aconteci-mentos marcaram o estado do Maranhão.

Utilizando-se de um poder simbólico que perpassa o campo político4, esse acontecimento se tornou midiático, influenciando as ações e crenças de uma sociedade na formação da sua opinião pública se configurando no que alguns autores denominaram de escândalo político midiático – “evento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e moral-mente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências posteriores” (LIMA, 2006, p. 13). Essa influência da mídia pode ser entendida nas formas e maneiras como tais acontecimentos, narra-dos como notícias, são selecionados e enfatizados nos respectivos veículos de comunicação, por meio dos seus enquadramentos. A pesquisa se propõe a analisar o enquadramento dado ao fato que foi citado anteriormente: o pedido de cassação feito por Roseana Sarney e que levou a vários acontecimentos, a começar pelas duas votações que foram suspensas, finalizando com a cassação e, conse-quentemente, a posse contestada.

O CONFLITO

No dia 1° de janeiro de 2007, foi empossado como governador do Maranhão, Jackson Lago, candidato vitorioso nas eleições de 29 de outubro de 2006. Com o lema, “Agora é a vez do Maranhão” o novo governador estava determinado a começar a “reconstrução do Maranhão” que sofrera 40 anos nas mãos da oligarquia Sarney. Chamada por Carneiro e por Costa (2009) de condomínio5, as bases políticas que levaram esse grupo ao poder refletiram em muito a política utilizada pelas velhas oligarquias do Maranhão: a utilização da máquina pública administrativa, a troca de favores espúrios, as

4 O campo político é o campo da ação e interação que está ligado à aquisição e ao exer-cício do poder político pelo uso, entre outros, do poder simbólico. (LIMA, 2006, p. 12).

5 Utiliza-se o termo condomínio em sua acepção jurídica: “a posse ou o direito simul-tâneo, por duas ou mais pessoas, sobre um mesmo objeto (no caso, o aparelho de Estado); co-propriedade. (CARNEIRO; COSTA, 2009).

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coligações de interesses, entre outras. É importante afirmar que não se está aqui defendendo ou acusando algum grupo, nem tampouco se discute os méritos da atuação política de cada um. A intenção é relatar o viés que levou à cassação do mandato do governador Jackson Lago e a retomada do poder pela família Sarney.

Uma das primeiras propostas do governo Jackson Lago para o Estado foi o plano de metas 2007, intitulado “Um Maranhão De-mocrático e Solidário”, no entanto na visão de vários economistas, o plano foi inconsistente, se constituindo em novas declarações de boas intenções do governo. Não houve uma discussão maior com a sociedade, uma análise mais detalhada da atual situação vivida, demonstrando, assim, a incapacidade do governo em discutir com a sociedade as possíveis alternativas e soluções para o desenvolvi-mento do estado. Apresenta-se, aqui, mais uma vez um ponto em comum com o grupo adversário.

O movimento contra a chamada “Lei do cão” 6 (uma greve que se estendeu por 87 dias) ganhou força e respaldo porque havia uma classe do funcionalismo, os professores, que se encontravam revol-tados e arrependidos de terem elegido o governo da “Libertação”. É neste clima de total desestabilidade do governo Jackson Lago que acontecem as votações pelo TSE, sobre o pedido de cassação que fora encaminhado pela coligação de Roseana Sarney, Maranhão – a Força do Povo (PFL, PMDB, PTB, PV) após as eleições de 2006, alegando a utilização da máquina pública durante a campanha.

Em 19 de dezembro de 2008, o processo começou a ser julgado pelo TSE, mas fora adiado e, várias vezes, retomado. Primeiro por um pedido de vista do ministro Félix Fischer; depois, o ministro Joaquim Barbosa se julgou impedido de participar por motivos pes-soais. Em sessão no mês de fevereiro de 2009, o julgamento tam-bém foi adiado por causa de problemas com a saúde do ministro Fernando Gonçalves. Na madrugada do dia 4 de março, acontece a votação e o governador é cassado, porém seus advogados entram com recurso e, somente no dia 16 de abril de 2009, o TSE mantém

6 Nome que foi dado, pelos professores, à Lei 8.592/2007 que reestruturou a política salarial do funcionalismo público.

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coligação da própria candidata; a partir deste fato, vários aconteci-mentos marcaram o estado do Maranhão.

Utilizando-se de um poder simbólico que perpassa o campo político4, esse acontecimento se tornou midiático, influenciando as ações e crenças de uma sociedade na formação da sua opinião pública se configurando no que alguns autores denominaram de escândalo político midiático – “evento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e moral-mente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências posteriores” (LIMA, 2006, p. 13). Essa influência da mídia pode ser entendida nas formas e maneiras como tais acontecimentos, narra-dos como notícias, são selecionados e enfatizados nos respectivos veículos de comunicação, por meio dos seus enquadramentos. A pesquisa se propõe a analisar o enquadramento dado ao fato que foi citado anteriormente: o pedido de cassação feito por Roseana Sarney e que levou a vários acontecimentos, a começar pelas duas votações que foram suspensas, finalizando com a cassação e, conse-quentemente, a posse contestada.

O CONFLITO

No dia 1° de janeiro de 2007, foi empossado como governador do Maranhão, Jackson Lago, candidato vitorioso nas eleições de 29 de outubro de 2006. Com o lema, “Agora é a vez do Maranhão” o novo governador estava determinado a começar a “reconstrução do Maranhão” que sofrera 40 anos nas mãos da oligarquia Sarney. Chamada por Carneiro e por Costa (2009) de condomínio5, as bases políticas que levaram esse grupo ao poder refletiram em muito a política utilizada pelas velhas oligarquias do Maranhão: a utilização da máquina pública administrativa, a troca de favores espúrios, as

4 O campo político é o campo da ação e interação que está ligado à aquisição e ao exer-cício do poder político pelo uso, entre outros, do poder simbólico. (LIMA, 2006, p. 12).

5 Utiliza-se o termo condomínio em sua acepção jurídica: “a posse ou o direito simul-tâneo, por duas ou mais pessoas, sobre um mesmo objeto (no caso, o aparelho de Estado); co-propriedade. (CARNEIRO; COSTA, 2009).

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coligações de interesses, entre outras. É importante afirmar que não se está aqui defendendo ou acusando algum grupo, nem tampouco se discute os méritos da atuação política de cada um. A intenção é relatar o viés que levou à cassação do mandato do governador Jackson Lago e a retomada do poder pela família Sarney.

Uma das primeiras propostas do governo Jackson Lago para o Estado foi o plano de metas 2007, intitulado “Um Maranhão De-mocrático e Solidário”, no entanto na visão de vários economistas, o plano foi inconsistente, se constituindo em novas declarações de boas intenções do governo. Não houve uma discussão maior com a sociedade, uma análise mais detalhada da atual situação vivida, demonstrando, assim, a incapacidade do governo em discutir com a sociedade as possíveis alternativas e soluções para o desenvolvi-mento do estado. Apresenta-se, aqui, mais uma vez um ponto em comum com o grupo adversário.

O movimento contra a chamada “Lei do cão” 6 (uma greve que se estendeu por 87 dias) ganhou força e respaldo porque havia uma classe do funcionalismo, os professores, que se encontravam revol-tados e arrependidos de terem elegido o governo da “Libertação”. É neste clima de total desestabilidade do governo Jackson Lago que acontecem as votações pelo TSE, sobre o pedido de cassação que fora encaminhado pela coligação de Roseana Sarney, Maranhão – a Força do Povo (PFL, PMDB, PTB, PV) após as eleições de 2006, alegando a utilização da máquina pública durante a campanha.

Em 19 de dezembro de 2008, o processo começou a ser julgado pelo TSE, mas fora adiado e, várias vezes, retomado. Primeiro por um pedido de vista do ministro Félix Fischer; depois, o ministro Joaquim Barbosa se julgou impedido de participar por motivos pes-soais. Em sessão no mês de fevereiro de 2009, o julgamento tam-bém foi adiado por causa de problemas com a saúde do ministro Fernando Gonçalves. Na madrugada do dia 4 de março, acontece a votação e o governador é cassado, porém seus advogados entram com recurso e, somente no dia 16 de abril de 2009, o TSE mantém

6 Nome que foi dado, pelos professores, à Lei 8.592/2007 que reestruturou a política salarial do funcionalismo público.

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e confirma a cassação do mandato do governador e do seu vice, e decide, ainda, que a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) deve-rá tomar posse imediatamente.

RITUAL E POSSE

Entende-se por ritual um conjunto de representações simbó-licas características de um meio social que comunica determinada realidade de uma sociedade, de um povo ou de uma cultura. “O Ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é cons-tituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressas por múltiplos meios.” (PEIRANO, 2003, p.11). Todo ritual expressa, de certa forma, a crença e os valores daquilo que um povo acredita, por isso, ele acontece numa sequência lógica de cerimônias e símbolos que procuram dar sentido e dizer algo, seguindo uma lógica eficiente.

É válido acrescentar nesta pesquisa que, para se traçar uma análise sobre rituais na política, fundamenta-se também a partir de uma literatura especializada no governo Monárquico, especialmente em (GEERTZ, 1980) que apresenta um estudo sobre a sociedade balinesa, tendo como objeto a dimensão simbólica do poder. Para isso, a sua análise é focada na dimensão simbólica da sociedade, através dos cargos políticos e no funeral do rei morto. E, em BURKE (2009), são identificadas as estratégias da fabricação da imagem pública de Luís XIV.

Seguindo esta linha de pensamento, os sociólogos Durkheim e Mauss propõem uma “concepção de sociedade que estabelece um vínculo essencial entre rituais, de um lado, e representações, de outro.” (PEIRANO, 2003, p. 18). Para estes sociólogos os rituais são “atos de sociedade” que servem para que os indivíduos se iden-tifiquem se recriem e se renovem. Como a própria autora cita, os rituais como proclamação da república e da independência, e as próprias eleições servem para ratificar a nacionalidade de um povo, pois recriam continuamente esta ideia, garantindo o não esqueci-mento e as significações de sua cultura.

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Esses conceitos sobre os rituais, principalmente os apresenta-dos na política, servem como base para que se entenda o objeto de estudo deste trabalho que é a contestação da posse da governadora Roseana Sarney, em abril de 2009, após a cassação do mandato do ex-governador Jackson Lago em São Luís. Na verdade, em virtude do conflito instaurado, a posse não retratou as convenções e simbo-logias de um ritual de acordo com os costumes e a cultura do nosso país, onde a posse de um governador, em linhas gerais, segue um determinado roteiro: Os presidentes das Assembleias Legislativas são incumbidos de empossar o chefe do executivo; então, via de regra, os governadores eleitos juntamente com os seus vices são recebidos pelo presidente da Assembleia Legislativa que, em segui-da, declara aberta a sessão da posse. Ouve-se o hino nacional, o presidente da Assembleia faz o seu discurso inicial e os candidatos eleitos são convidados a cumprirem o compromisso constitucional. O termo de posse é lido pelo secretário da casa e, logo após, assina-do pelos candidatos eleitos.

Demarcando esse momento, pode-se ler aquilo que Gennep (1978) coloca quando fala sobre o Rito de Passagem. Haveria uma espécie de limite e que, ao serem passados, ou melhor, ultrapassa-dos, estariam concretizando o “Rito de Passagem”, aquilo que para Turner (1974) seria a “Liminaridade”. Na verdade, nessa concei-tuação de Gennep (1978), a vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra.

É o próprio ato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial à outra e de uma situação social a outra, de tal modo que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos a mesma natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento, paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte. (GEN-NEP, 1978, p. 26).

No momento em que um candidato eleito assina um termo de posse, ele passa do estado de candidato eleito por uma maioria de votos, a governador que representará a todos. Aqui se depara

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e confirma a cassação do mandato do governador e do seu vice, e decide, ainda, que a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) deve-rá tomar posse imediatamente.

RITUAL E POSSE

Entende-se por ritual um conjunto de representações simbó-licas características de um meio social que comunica determinada realidade de uma sociedade, de um povo ou de uma cultura. “O Ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é cons-tituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressas por múltiplos meios.” (PEIRANO, 2003, p.11). Todo ritual expressa, de certa forma, a crença e os valores daquilo que um povo acredita, por isso, ele acontece numa sequência lógica de cerimônias e símbolos que procuram dar sentido e dizer algo, seguindo uma lógica eficiente.

É válido acrescentar nesta pesquisa que, para se traçar uma análise sobre rituais na política, fundamenta-se também a partir de uma literatura especializada no governo Monárquico, especialmente em (GEERTZ, 1980) que apresenta um estudo sobre a sociedade balinesa, tendo como objeto a dimensão simbólica do poder. Para isso, a sua análise é focada na dimensão simbólica da sociedade, através dos cargos políticos e no funeral do rei morto. E, em BURKE (2009), são identificadas as estratégias da fabricação da imagem pública de Luís XIV.

Seguindo esta linha de pensamento, os sociólogos Durkheim e Mauss propõem uma “concepção de sociedade que estabelece um vínculo essencial entre rituais, de um lado, e representações, de outro.” (PEIRANO, 2003, p. 18). Para estes sociólogos os rituais são “atos de sociedade” que servem para que os indivíduos se iden-tifiquem se recriem e se renovem. Como a própria autora cita, os rituais como proclamação da república e da independência, e as próprias eleições servem para ratificar a nacionalidade de um povo, pois recriam continuamente esta ideia, garantindo o não esqueci-mento e as significações de sua cultura.

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Esses conceitos sobre os rituais, principalmente os apresenta-dos na política, servem como base para que se entenda o objeto de estudo deste trabalho que é a contestação da posse da governadora Roseana Sarney, em abril de 2009, após a cassação do mandato do ex-governador Jackson Lago em São Luís. Na verdade, em virtude do conflito instaurado, a posse não retratou as convenções e simbo-logias de um ritual de acordo com os costumes e a cultura do nosso país, onde a posse de um governador, em linhas gerais, segue um determinado roteiro: Os presidentes das Assembleias Legislativas são incumbidos de empossar o chefe do executivo; então, via de regra, os governadores eleitos juntamente com os seus vices são recebidos pelo presidente da Assembleia Legislativa que, em segui-da, declara aberta a sessão da posse. Ouve-se o hino nacional, o presidente da Assembleia faz o seu discurso inicial e os candidatos eleitos são convidados a cumprirem o compromisso constitucional. O termo de posse é lido pelo secretário da casa e, logo após, assina-do pelos candidatos eleitos.

Demarcando esse momento, pode-se ler aquilo que Gennep (1978) coloca quando fala sobre o Rito de Passagem. Haveria uma espécie de limite e que, ao serem passados, ou melhor, ultrapassa-dos, estariam concretizando o “Rito de Passagem”, aquilo que para Turner (1974) seria a “Liminaridade”. Na verdade, nessa concei-tuação de Gennep (1978), a vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra.

É o próprio ato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial à outra e de uma situação social a outra, de tal modo que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos a mesma natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento, paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte. (GEN-NEP, 1978, p. 26).

No momento em que um candidato eleito assina um termo de posse, ele passa do estado de candidato eleito por uma maioria de votos, a governador que representará a todos. Aqui se depara

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com a questão da representação7; é neste momento que existe a suspensão de um conflito que ainda está instaurado, porque o can-didato eleito é agora o governador de todos, o representante legal de todos. É através deste rito de passagem que um cidadão comum passa a ter o poder de representação de toda uma sociedade. No momento de cada rito de passagem, principalmente na vida social, existe uma cerimônia que delimita o instante do passamento, que define o que era o indivíduo antes e o que ele passará a ser depois.

Após a assinatura do termo, o governador é convidado a fazer um breve discurso que encerrará a sessão especial na casa. Geral-mente este discurso é feito no lado de dentro de onde está aconte-cendo a solenidade, ou num lugar preparado ao ar livre, conside-rando que nestes tipos de solenidades se concentram populares que querem participar e acompanhar o evento. No momento em que o governador empossado se dirige ao encontro do então ex-governa-dor, que sempre o espera na sede que representa a administração local do estado, ele recebe antes as honras militares e passa em revista as tropas.

Esse é outro ponto que define o ritual de posse como um mo-mento de entrega de poder. Recebimento de continência, passagem em revista e saudação à bandeira são atos carregados de simbologias que traçam um vínculo entre o representante e seus representados. Apenas quem tem o poder de governar pode receber tais mani-festações, no entanto, o representado naquele momento se sente diretamente ligado a seu representante por identificar naquele ges-to o reconhecimento de um símbolo nacional, algo que nos une e nos aproxima como nação. No dizer de Durkheim e Mauss (apud PEIRANO, 2003, p. 18), são atos de sociedade “[...] através deles a sociedade toma consciência de si, se recria e se afirma.”

Encerrado este primeiro momento da solenidade de posse, o go-vernador se dirige à sede administrativa do governo onde será recebi-do pelo agora ex-governador. É justamente este o momento em que

7 O princípio do governo representativo consiste no fato de que, através de um pro-cesso eletivo, se atribui autoridade a determinados indivíduos que passam, a partir de então, a representar aqueles que os escolheu; o poder aqui é repassado para eles, através dos próprios representados ou governados.

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será oficializada a transmissão do cargo. Geralmente, aquele que está entregando o cargo recebe o governador na porta de entrada, depois seguem para um auditório, onde há uma mesa composta por algumas autoridades, inclusive o presidente da Assembleia Legisla-tiva que empossou o governador; segue-se, então, uma solenidade formal com a execução do hino nacional. Em uma de suas últimas atribuições, o ex-governador faz o seu discurso de despedida e em seguida entrega para o atual governador a faixa do estado. Depois deste momento, o ex-governador é conduzido até a saída da sede do governo, e o governador, já em seu exercício, retorna para um auditório, onde começará os trabalhos fazendo a nomeação do seu secretariado. Um aspecto importante que deve ser destacado é que o ex-governador não é conduzido até a saída pelo governador; esta tarefa geralmente é atribuída a um oficial da polícia militar.

O rito consagra e legitima algo que estava no campo da arbi-trariedade; ele institui8, dá a alguém a sua identidade; o ato de ins-tituir é um ato de comunicação. No momento em que o governador recebe a faixa de seu antecessor, ele é instituído o chefe máximo do poder executivo, e a partir daquele momento ele é legitimado e au-torizado como representante de todos. A instituição também é um ato de “magia social” na qual se explora e se consagra as diferenças existentes. Quando instituído, há o direito de ser e deve ser, ou seja, é fazer alguém entender que possui não só os direitos adquiridos, mas também os deveres que tal instituição lhe atribuiu.

Atos de magia social tão diferentes como o casamento ou a circun-cisão, a colação de grau ou de títulos, a sagração de um cavaleiro, a nomeação para cargos, missões, a concessão de honrarias, a imposi-ção de uma marca, a aposição de uma assinatura ou de uma rubrica, logram êxito no caso de a instituição (no sentido ativo de um ato que tende a instituir ou alguma coisa dotados deste ou daquele esta-tuto, desta ou daquela propriedade) constituir um ato de instituição num outro sentido, qual seja um ato garantido por todo o grupo ou por uma instituição reconhecida. (BOURDIEU, 1998, p. 104).

8 Para Gennep (1977) a separação institui uma diferença entre os que foram e os que não foram afetados; daí se trabalha não mais com Rito de Passagem, mas sim com Rito de Instituição.

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com a questão da representação7; é neste momento que existe a suspensão de um conflito que ainda está instaurado, porque o can-didato eleito é agora o governador de todos, o representante legal de todos. É através deste rito de passagem que um cidadão comum passa a ter o poder de representação de toda uma sociedade. No momento de cada rito de passagem, principalmente na vida social, existe uma cerimônia que delimita o instante do passamento, que define o que era o indivíduo antes e o que ele passará a ser depois.

Após a assinatura do termo, o governador é convidado a fazer um breve discurso que encerrará a sessão especial na casa. Geral-mente este discurso é feito no lado de dentro de onde está aconte-cendo a solenidade, ou num lugar preparado ao ar livre, conside-rando que nestes tipos de solenidades se concentram populares que querem participar e acompanhar o evento. No momento em que o governador empossado se dirige ao encontro do então ex-governa-dor, que sempre o espera na sede que representa a administração local do estado, ele recebe antes as honras militares e passa em revista as tropas.

Esse é outro ponto que define o ritual de posse como um mo-mento de entrega de poder. Recebimento de continência, passagem em revista e saudação à bandeira são atos carregados de simbologias que traçam um vínculo entre o representante e seus representados. Apenas quem tem o poder de governar pode receber tais mani-festações, no entanto, o representado naquele momento se sente diretamente ligado a seu representante por identificar naquele ges-to o reconhecimento de um símbolo nacional, algo que nos une e nos aproxima como nação. No dizer de Durkheim e Mauss (apud PEIRANO, 2003, p. 18), são atos de sociedade “[...] através deles a sociedade toma consciência de si, se recria e se afirma.”

Encerrado este primeiro momento da solenidade de posse, o go-vernador se dirige à sede administrativa do governo onde será recebi-do pelo agora ex-governador. É justamente este o momento em que

7 O princípio do governo representativo consiste no fato de que, através de um pro-cesso eletivo, se atribui autoridade a determinados indivíduos que passam, a partir de então, a representar aqueles que os escolheu; o poder aqui é repassado para eles, através dos próprios representados ou governados.

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será oficializada a transmissão do cargo. Geralmente, aquele que está entregando o cargo recebe o governador na porta de entrada, depois seguem para um auditório, onde há uma mesa composta por algumas autoridades, inclusive o presidente da Assembleia Legisla-tiva que empossou o governador; segue-se, então, uma solenidade formal com a execução do hino nacional. Em uma de suas últimas atribuições, o ex-governador faz o seu discurso de despedida e em seguida entrega para o atual governador a faixa do estado. Depois deste momento, o ex-governador é conduzido até a saída da sede do governo, e o governador, já em seu exercício, retorna para um auditório, onde começará os trabalhos fazendo a nomeação do seu secretariado. Um aspecto importante que deve ser destacado é que o ex-governador não é conduzido até a saída pelo governador; esta tarefa geralmente é atribuída a um oficial da polícia militar.

O rito consagra e legitima algo que estava no campo da arbi-trariedade; ele institui8, dá a alguém a sua identidade; o ato de ins-tituir é um ato de comunicação. No momento em que o governador recebe a faixa de seu antecessor, ele é instituído o chefe máximo do poder executivo, e a partir daquele momento ele é legitimado e au-torizado como representante de todos. A instituição também é um ato de “magia social” na qual se explora e se consagra as diferenças existentes. Quando instituído, há o direito de ser e deve ser, ou seja, é fazer alguém entender que possui não só os direitos adquiridos, mas também os deveres que tal instituição lhe atribuiu.

Atos de magia social tão diferentes como o casamento ou a circun-cisão, a colação de grau ou de títulos, a sagração de um cavaleiro, a nomeação para cargos, missões, a concessão de honrarias, a imposi-ção de uma marca, a aposição de uma assinatura ou de uma rubrica, logram êxito no caso de a instituição (no sentido ativo de um ato que tende a instituir ou alguma coisa dotados deste ou daquele esta-tuto, desta ou daquela propriedade) constituir um ato de instituição num outro sentido, qual seja um ato garantido por todo o grupo ou por uma instituição reconhecida. (BOURDIEU, 1998, p. 104).

8 Para Gennep (1977) a separação institui uma diferença entre os que foram e os que não foram afetados; daí se trabalha não mais com Rito de Passagem, mas sim com Rito de Instituição.

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É neste momento de instituição, ressaltado por Bourdieu, como um momento de reconhecimento, que podemos analisar os rituais na democracia representativa onde existe uma série de ri-tuais que marcam a vida de candidatos, de partidos políticos e de parlamentares. Estes rituais instituem e reconhecem perante a so-ciedade, os espaços ocupados, os deveres e os direitos de tais atores sociais. A posse de um candidato é um ato de instituição que o consagra e o legitima. Tal evento não é apenas uma festa de demar-cação de um novo governo; é sim, um ritual repleto de simbolismos e convenções que devem ser considerados e analisados. Em seu li-vro “A Invenção das Tradições”, Hobsbawm9 nos fala sobre práticas inventadas que repetem as práticas sociais do passado como uma forma de legitimar o presente. Porém as tradições que hoje fazem parte de um universo ritualístico da democracia representativa são fundamentadas principalmente nestes três aspectos:

Em primeiro lugar, o ritual da posse atua através da mobilização coletiva dos cidadãos, que deste modo se percebem como parte de uma unidade maior, a nação; em segundo lugar, o ritual da posse possui um caráter performativo (Austin, 1990), ou seja, ele não apenas enuncia um tipo de discurso sobre a democracia, mas o faz através de uma encenação; em terceiro lugar, o ritual da posse instaura um momento liminar, de suspensão temporária da ordem estabelecida e das clivagens que a caracterizam. (DINIZ; ALBU-QUERQUE, 2007, p. 66, grifo dos autores).

Portanto, os rituais na democracia representativa, e em espe-cial, o ritual de posse, são marcados pela mobilização coletiva, re-sultado da participação ativa da mídia num trabalho de divulgação e de formação de opinião pública. O caráter performativo pode ser percebido pelas simbologias nas cerimônias que sempre seguem um ritual pré-estabelecido e preparado para dar certo. O que nos inte-ressa não é estudar essa sequência, pois já foi testada em momentos outros e, na verdade, é muitas vezes alterada. O que vale entender

9 Hobsbawm diferencia as tradições inventadas dos costumes. Estes seriam práticas so-ciais que podem, até certo ponto, sofrerem mudanças estruturais e têm como função principal justamente legitimar as mudanças desejadas ou a resistência à inovação.

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são os momentos ritualísticos que expressam a legitimação do po-der incumbido ao representante e, finalmente, a marca da liminari-dade que dá ao ritual de posse a sua característica de consenso. Esta característica não foi expressa totalmente na posse da governadora Roseana Sarney, em abril de 2009.

Desde o dia 19 de dezembro, data em que o processo de cas-sação do governador Jackson Lago começou a ser julgado, muitas mobilizações aconteceram na cidade de São Luís, como o movi-mento de apoio ao governador que recebeu o nome de “Balaiada”10; inclusive, todas as sessões para a votação foram assistidas por po-líticos, assessores e apoiadores do governador, num telão que fora montado na parte interna do Palácio dos Leões, local em que Jack-son Lago ocupou (a parte residencial), juntamente com sua família e correligionários, desde o fim da noite de 16 de abril de 2009, dia da decisão final do TSE.

Estavam neste acampamento cerca de 500 militantes ligados ao Movimento dos Sem Terra, que vieram do interior do estado prestar solidariedade ao governador. Várias barracas foram armadas nos jardins do Palácio dos Leões, onde também foi montado um palco para apresentação de artistas maranhenses que faziam parte do movimento. Em volta do Palácio havia faixas de apoio ao gover-nador e um forte esquema de segurança montado para permitir a entrada, nos cômodos do Palácio, apenas de políticos e pessoas liga-das ao governador. Porém, mesmo com a resistência do movimento Balaiada, após o pronunciamento final do TSE sobre a cassação do mandato do então governador Jackson Lago, o Maranhão tinha uma nova governadora, Roseana Sarney Murad que, por decisão do mesmo Tribunal é empossada imediatamente à saída do gover-nador cassado.

Então, cumprindo-se o que fora determinado, às 08h30 do dia 17 de abril, Roseana Sarney toma posse numa sessão extraordiná-ria e solene da Assembleia Legislativa. A sessão foi presidida pelo

10 O movimento foi denominado de Balaiada em lembrança à “Balaiada” - o movimento revolucionário e social que se estendeu pelo Maranhão, Piauí e Ceará de dezembro de 1838 a meados de 1841.

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

É neste momento de instituição, ressaltado por Bourdieu, como um momento de reconhecimento, que podemos analisar os rituais na democracia representativa onde existe uma série de ri-tuais que marcam a vida de candidatos, de partidos políticos e de parlamentares. Estes rituais instituem e reconhecem perante a so-ciedade, os espaços ocupados, os deveres e os direitos de tais atores sociais. A posse de um candidato é um ato de instituição que o consagra e o legitima. Tal evento não é apenas uma festa de demar-cação de um novo governo; é sim, um ritual repleto de simbolismos e convenções que devem ser considerados e analisados. Em seu li-vro “A Invenção das Tradições”, Hobsbawm9 nos fala sobre práticas inventadas que repetem as práticas sociais do passado como uma forma de legitimar o presente. Porém as tradições que hoje fazem parte de um universo ritualístico da democracia representativa são fundamentadas principalmente nestes três aspectos:

Em primeiro lugar, o ritual da posse atua através da mobilização coletiva dos cidadãos, que deste modo se percebem como parte de uma unidade maior, a nação; em segundo lugar, o ritual da posse possui um caráter performativo (Austin, 1990), ou seja, ele não apenas enuncia um tipo de discurso sobre a democracia, mas o faz através de uma encenação; em terceiro lugar, o ritual da posse instaura um momento liminar, de suspensão temporária da ordem estabelecida e das clivagens que a caracterizam. (DINIZ; ALBU-QUERQUE, 2007, p. 66, grifo dos autores).

Portanto, os rituais na democracia representativa, e em espe-cial, o ritual de posse, são marcados pela mobilização coletiva, re-sultado da participação ativa da mídia num trabalho de divulgação e de formação de opinião pública. O caráter performativo pode ser percebido pelas simbologias nas cerimônias que sempre seguem um ritual pré-estabelecido e preparado para dar certo. O que nos inte-ressa não é estudar essa sequência, pois já foi testada em momentos outros e, na verdade, é muitas vezes alterada. O que vale entender

9 Hobsbawm diferencia as tradições inventadas dos costumes. Estes seriam práticas so-ciais que podem, até certo ponto, sofrerem mudanças estruturais e têm como função principal justamente legitimar as mudanças desejadas ou a resistência à inovação.

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são os momentos ritualísticos que expressam a legitimação do po-der incumbido ao representante e, finalmente, a marca da liminari-dade que dá ao ritual de posse a sua característica de consenso. Esta característica não foi expressa totalmente na posse da governadora Roseana Sarney, em abril de 2009.

Desde o dia 19 de dezembro, data em que o processo de cas-sação do governador Jackson Lago começou a ser julgado, muitas mobilizações aconteceram na cidade de São Luís, como o movi-mento de apoio ao governador que recebeu o nome de “Balaiada”10; inclusive, todas as sessões para a votação foram assistidas por po-líticos, assessores e apoiadores do governador, num telão que fora montado na parte interna do Palácio dos Leões, local em que Jack-son Lago ocupou (a parte residencial), juntamente com sua família e correligionários, desde o fim da noite de 16 de abril de 2009, dia da decisão final do TSE.

Estavam neste acampamento cerca de 500 militantes ligados ao Movimento dos Sem Terra, que vieram do interior do estado prestar solidariedade ao governador. Várias barracas foram armadas nos jardins do Palácio dos Leões, onde também foi montado um palco para apresentação de artistas maranhenses que faziam parte do movimento. Em volta do Palácio havia faixas de apoio ao gover-nador e um forte esquema de segurança montado para permitir a entrada, nos cômodos do Palácio, apenas de políticos e pessoas liga-das ao governador. Porém, mesmo com a resistência do movimento Balaiada, após o pronunciamento final do TSE sobre a cassação do mandato do então governador Jackson Lago, o Maranhão tinha uma nova governadora, Roseana Sarney Murad que, por decisão do mesmo Tribunal é empossada imediatamente à saída do gover-nador cassado.

Então, cumprindo-se o que fora determinado, às 08h30 do dia 17 de abril, Roseana Sarney toma posse numa sessão extraordiná-ria e solene da Assembleia Legislativa. A sessão foi presidida pelo

10 O movimento foi denominado de Balaiada em lembrança à “Balaiada” - o movimento revolucionário e social que se estendeu pelo Maranhão, Piauí e Ceará de dezembro de 1838 a meados de 1841.

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Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Tavares11 (PSB), que mesmo estando contra a decisão do TSE, fez cumprir a sua obrigação. Antes da sessão extraordinária da Assembléia Le-gislativa, Roseana Sarney Murad e o seu vice, João Alberto, se en-caminharam para o TRE, onde a solenidade de diplomação foi co-mandada pelo vice-presidente e corregedor da Corte, José Joaquim Figueiredo dos Anjos. Por causa de alguns boatos de rebelião por parte do movimento “Balaiada”, a polícia federal, antes da soleni-dade, fez uma varredura no prédio, pois havia recebido denúncias de instalação de bombas; no entanto, a solenidade aconteceu de forma simples e rápida, sem discursos dos empossados, apenas com uma entrevista aos jornalistas presentes. Ressalta-se também que havia populares, no lugar, com faixas de apoio à nova governadora.

Após outras reuniões e já com a notícia da posse de Roseana Sarney, o ex-governador deixa o Palácio dos Leões juntamente com seus assessores e ex-secretários, após 36 horas de ocupação. O gru-po político saiu do Palácio em caminhada pelo centro de São Luís e em seu último pronunciamento o ex-governador afirmou que con-tinuaria com os recursos no STF e que seria candidato nas eleições de outubro de 2010.

A pesquisa foi o estudo sobre um acontecimento que se tor-nou midiático pelas suas características de volubilidade, imprevi-sibilidade e pela própria natureza conflituosa que se instarou em torno de um embate entre grupos políticos no estado do Mara-nhão. Como categoria de análise, foi verificado o enquadramento que este acontecimento recebeu em três jornais regionais: o “Jornal Pequeno”, “O Imparcial” e “O Estado do Maranhão”. Com o de-senrolar do fato, que foi o pedido de cassação do então governador, três momentos áureos marcaram a cobertura jornalística: os dois julgamentos que entraram e saíram de pauta, até chegar ao aconte-

11 Marcelo Tavares é sobrinho do ex-governador José Reinaldo Tavares e foi secretário de Estado de Desenvolvimento Social e secretário de Estado de Articulação Política do governo José Reinaldo, de quem coordenou a campanha vitoriosa em 2002. Mar-celo Tavares fora muito criticado pelos seus aliados, inclusive pelo o ex-governador (Jackson Lago) que queria que o presidente da Casa convocasse eleições indiretas no estado, contrariando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral

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cimento maior, a posse contestada. Optou-se em trabalhar com um corpus de matérias que noticiaram esses três momentos, ou seja, as matérias publicadas entre os dias 13 a 19 de dezembro de 2008; 1 a 7 de março de 2009 e 11 a 18 de abril de 2009. Também se justifica essa seleção do corpus analisado, utilizando uma citação de Pinto (2010, p.69): “sugere o trânsito das matérias entre a capa e as pá-ginas internas da editoria de política; e o fluxo dos acontecimentos divulgados ao longo da cobertura.”

Nesse corpus pesquisado, pode-se notar a presença de três fe-nômenos que podem ser analisados em diferentes quadros de ação: 1) Enquadramento sobre a decisão judicial; 2) Enquadramento de resistência; 3) Enquadramento sobre a posse. No enquadramen-to sobre a desisão judicial o que se percebe é uma disputa entre dois enquadramentos sobre a legitimidade de uma ação: primeiro um enquadramento democrático que mostra que Jackson Lago foi eleito pelo povo, através de uma eleição democrática. Quando há a sua substituição pelo poder judiciário, há uma jogada política que remete ao segundo enquadramento, que seria o legal, uma correção nas eleições, já que o grupo que entrou na justiça pela sua cassação alegava que ele fora eleito de forma ilegal, ou seja, agora se estaria fazendo justiça para com a candidata que ficou em segundo lugar no pleito.

No enquadramento de resistência o que se percebe é uma de-fesa em nome da vontade popular, paralelo a um desrespeito pela justiça e pela democracia. As matérias que trazem esse quadro mos-traram a resistência do governador Jackson Lago em sair da sede do governo, bem como os seus correligionários; foram abordadas, também, as manifestações de populares, partidos políticos, grupos empresariais, instituições religiosas e entidades de classe que se mo-bilizaram em defesa do então governador.

No último enquadramento, o da posse, fica aparente a dispu-ta entre fraude em relação à vontade popular versus início de um governo legítimo. As matérias apresentadas dentro desse quadro enfatizam o desrespeito pela vontade popular, em anular uma vota-ção democrática e se utilizar da judicialização da política, além de tentar mostrar um novo governo que se apresenta vitorioso contra uma injustiça que sofrera nas eleições. Foi um total de 260 maté-

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Tavares11 (PSB), que mesmo estando contra a decisão do TSE, fez cumprir a sua obrigação. Antes da sessão extraordinária da Assembléia Le-gislativa, Roseana Sarney Murad e o seu vice, João Alberto, se en-caminharam para o TRE, onde a solenidade de diplomação foi co-mandada pelo vice-presidente e corregedor da Corte, José Joaquim Figueiredo dos Anjos. Por causa de alguns boatos de rebelião por parte do movimento “Balaiada”, a polícia federal, antes da soleni-dade, fez uma varredura no prédio, pois havia recebido denúncias de instalação de bombas; no entanto, a solenidade aconteceu de forma simples e rápida, sem discursos dos empossados, apenas com uma entrevista aos jornalistas presentes. Ressalta-se também que havia populares, no lugar, com faixas de apoio à nova governadora.

Após outras reuniões e já com a notícia da posse de Roseana Sarney, o ex-governador deixa o Palácio dos Leões juntamente com seus assessores e ex-secretários, após 36 horas de ocupação. O gru-po político saiu do Palácio em caminhada pelo centro de São Luís e em seu último pronunciamento o ex-governador afirmou que con-tinuaria com os recursos no STF e que seria candidato nas eleições de outubro de 2010.

A pesquisa foi o estudo sobre um acontecimento que se tor-nou midiático pelas suas características de volubilidade, imprevi-sibilidade e pela própria natureza conflituosa que se instarou em torno de um embate entre grupos políticos no estado do Mara-nhão. Como categoria de análise, foi verificado o enquadramento que este acontecimento recebeu em três jornais regionais: o “Jornal Pequeno”, “O Imparcial” e “O Estado do Maranhão”. Com o de-senrolar do fato, que foi o pedido de cassação do então governador, três momentos áureos marcaram a cobertura jornalística: os dois julgamentos que entraram e saíram de pauta, até chegar ao aconte-

11 Marcelo Tavares é sobrinho do ex-governador José Reinaldo Tavares e foi secretário de Estado de Desenvolvimento Social e secretário de Estado de Articulação Política do governo José Reinaldo, de quem coordenou a campanha vitoriosa em 2002. Mar-celo Tavares fora muito criticado pelos seus aliados, inclusive pelo o ex-governador (Jackson Lago) que queria que o presidente da Casa convocasse eleições indiretas no estado, contrariando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral

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cimento maior, a posse contestada. Optou-se em trabalhar com um corpus de matérias que noticiaram esses três momentos, ou seja, as matérias publicadas entre os dias 13 a 19 de dezembro de 2008; 1 a 7 de março de 2009 e 11 a 18 de abril de 2009. Também se justifica essa seleção do corpus analisado, utilizando uma citação de Pinto (2010, p.69): “sugere o trânsito das matérias entre a capa e as pá-ginas internas da editoria de política; e o fluxo dos acontecimentos divulgados ao longo da cobertura.”

Nesse corpus pesquisado, pode-se notar a presença de três fe-nômenos que podem ser analisados em diferentes quadros de ação: 1) Enquadramento sobre a decisão judicial; 2) Enquadramento de resistência; 3) Enquadramento sobre a posse. No enquadramen-to sobre a desisão judicial o que se percebe é uma disputa entre dois enquadramentos sobre a legitimidade de uma ação: primeiro um enquadramento democrático que mostra que Jackson Lago foi eleito pelo povo, através de uma eleição democrática. Quando há a sua substituição pelo poder judiciário, há uma jogada política que remete ao segundo enquadramento, que seria o legal, uma correção nas eleições, já que o grupo que entrou na justiça pela sua cassação alegava que ele fora eleito de forma ilegal, ou seja, agora se estaria fazendo justiça para com a candidata que ficou em segundo lugar no pleito.

No enquadramento de resistência o que se percebe é uma de-fesa em nome da vontade popular, paralelo a um desrespeito pela justiça e pela democracia. As matérias que trazem esse quadro mos-traram a resistência do governador Jackson Lago em sair da sede do governo, bem como os seus correligionários; foram abordadas, também, as manifestações de populares, partidos políticos, grupos empresariais, instituições religiosas e entidades de classe que se mo-bilizaram em defesa do então governador.

No último enquadramento, o da posse, fica aparente a dispu-ta entre fraude em relação à vontade popular versus início de um governo legítimo. As matérias apresentadas dentro desse quadro enfatizam o desrespeito pela vontade popular, em anular uma vota-ção democrática e se utilizar da judicialização da política, além de tentar mostrar um novo governo que se apresenta vitorioso contra uma injustiça que sofrera nas eleições. Foi um total de 260 maté-

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rias publicadas nos três principais jornais do estado do Maranhão, distribuídos da seguinte forma: 94 no “Jornal Pequeno”, 57 em “O Imparcial” e 109 no jornal “O Estado do Maranhão”.

ENQUADRAMENTOS NO “JORNAL PEQUENO”

A primeira semana analisada corresponde ao período de 13 a 19 de dezembro de 2008; nesta semana o “Jornal Pequeno” publicou um montante de 23 matérias, distribuídas em 7 edições. Dentro dos en-quadramentos destacados por esta pesquisa, pode-se afirmar que as primeiras matérias publicadas no “Jornal Pequeno”, e que foram ana-lisadas, estão preferencialmente no enquadramento sobre a decisão judicial, que é destaque nas matérias nas quais partidos, grupos em-presariais e movimentos sociais apoiam o governador Jackson Lago.

O enquadramento de resistência também aparece em destaque nessa primeira semana de análise, pois o adiamento do julgamento é comemorado como mais uma vitória de um grupo político sobre o outro. Nesse enquadramento fica aparente o conflito, evidencia-do na maioria das matérias publicadas pelo “Jornal Pequeno”, que assumidamente se coloca contra o grupo da família Sarney e traz matérias com os seguintes títulos: Jornal do Clã Sarney ofende Pales-tinos e chama trabalhadores e Neiva Moreira de Terroristas, “Cassação de Jackson lago é tentativa de golpe de estado” e Golpe não! Derrotado em 2006, Sarneisismo quer ressuscitar na ‘marra’ no MA; esta última, publicada num caderno especial no dia 14 de dezembro, o que re-forçou o conflito existente há muitos anos na política maranhense.

A segunda semana de matérias analisadas no jornal começa em 1° de março de 2009 e se estende até o dia 7, cujo fato marcante foi o julgamento e a cassação do mandato do governador Jackson Lago, que ainda recorreu ao TSE para a revisão do processo. A ma-téria de capa do dia 1° já traz uma acusação à família e lembra que no mês de fevereiro desse mesmo ano, apelidado pelo jornal como o fevereiro do desgosto, o nome da família foi manchete de alguns jornais nacionais e revista internacional. Nesta semana, os enqua-dramentos oscilavam entre o democrático e o de resistência, e o

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fato que pode explicar o porquê desses enquadramentos será justa-mente o julgamento que já havia sido marcado para aquela semana. Tenta-se aqui, então, movimentar a opinião pública em favor do governador, tendo em vista a importância do fato que aconteceria nos próximos dias.

Já na edição do dia 4, como últimas notícias, o jornal traz a informação da cassação do mandato do governador Jackson Lago, que ocorreu durante a madrugada. A notícia chama a atenção para o placar da votação, que foi de 5 x 2 e lembra que o julgamento do processo foi adiado por três vezes: no primeiro, o ministro Felix Fischer pediu vistas; no segundo julgamento o ministro Joaquim Barbosa se julgou impedido de participar por questões pessoais; e na terceira vez o ministro Fernando Gonçalves passou mal e foi levado ao Instituto do Coração (INCOR).

As matérias que se seguiram depois desse dia davam ênfase à resistência instaurada pelo governador, que afirmou em muitas entrevistas que estaria disposto a lutar até o último recurso, entre-gando, se preciso fosse, a própria vida. Muitas manifestações tam-bém foram publicadas depois da cassação, inclusive matérias com especialistas em direito eleitoral para explicar as possíveis chances de o governador reverter a situação de cassação.

A terceira semana analisada começa no dia 12 de abril e se estende até o dia da posse contestada da governadora. Vale ressaltar que não foi encontrado na sede do Jornal Pequeno o exemplar do dia seguinte à posse da governadora, ou seja, do dia 18 de abril. As ma-térias que se obteve foram retiradas e pesquisadas no site do Jornal.

As edições dessa semana se pautam principalmente na defesa do governador e na acusação à senadora que ocupará o cargo de governadora. O enquadramento de resistência aparece novamente nas matérias que trazem políticos em defesa do governador e das manifestações feitas pela sociedade civil organizada. O enquadra-mento jurídico é demonstrado na segunda e na terceira semanas, para mais uma vez explicar os procedimentos da Corte responsável pelo julgamento, e o conflito está explícito na maioria das matérias, como nesta chamada: “Derrotado no voto Zé Sarney retoma na mar-ra o poder no Maranhão”, o que demonstra o embate político que

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rias publicadas nos três principais jornais do estado do Maranhão, distribuídos da seguinte forma: 94 no “Jornal Pequeno”, 57 em “O Imparcial” e 109 no jornal “O Estado do Maranhão”.

ENQUADRAMENTOS NO “JORNAL PEQUENO”

A primeira semana analisada corresponde ao período de 13 a 19 de dezembro de 2008; nesta semana o “Jornal Pequeno” publicou um montante de 23 matérias, distribuídas em 7 edições. Dentro dos en-quadramentos destacados por esta pesquisa, pode-se afirmar que as primeiras matérias publicadas no “Jornal Pequeno”, e que foram ana-lisadas, estão preferencialmente no enquadramento sobre a decisão judicial, que é destaque nas matérias nas quais partidos, grupos em-presariais e movimentos sociais apoiam o governador Jackson Lago.

O enquadramento de resistência também aparece em destaque nessa primeira semana de análise, pois o adiamento do julgamento é comemorado como mais uma vitória de um grupo político sobre o outro. Nesse enquadramento fica aparente o conflito, evidencia-do na maioria das matérias publicadas pelo “Jornal Pequeno”, que assumidamente se coloca contra o grupo da família Sarney e traz matérias com os seguintes títulos: Jornal do Clã Sarney ofende Pales-tinos e chama trabalhadores e Neiva Moreira de Terroristas, “Cassação de Jackson lago é tentativa de golpe de estado” e Golpe não! Derrotado em 2006, Sarneisismo quer ressuscitar na ‘marra’ no MA; esta última, publicada num caderno especial no dia 14 de dezembro, o que re-forçou o conflito existente há muitos anos na política maranhense.

A segunda semana de matérias analisadas no jornal começa em 1° de março de 2009 e se estende até o dia 7, cujo fato marcante foi o julgamento e a cassação do mandato do governador Jackson Lago, que ainda recorreu ao TSE para a revisão do processo. A ma-téria de capa do dia 1° já traz uma acusação à família e lembra que no mês de fevereiro desse mesmo ano, apelidado pelo jornal como o fevereiro do desgosto, o nome da família foi manchete de alguns jornais nacionais e revista internacional. Nesta semana, os enqua-dramentos oscilavam entre o democrático e o de resistência, e o

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fato que pode explicar o porquê desses enquadramentos será justa-mente o julgamento que já havia sido marcado para aquela semana. Tenta-se aqui, então, movimentar a opinião pública em favor do governador, tendo em vista a importância do fato que aconteceria nos próximos dias.

Já na edição do dia 4, como últimas notícias, o jornal traz a informação da cassação do mandato do governador Jackson Lago, que ocorreu durante a madrugada. A notícia chama a atenção para o placar da votação, que foi de 5 x 2 e lembra que o julgamento do processo foi adiado por três vezes: no primeiro, o ministro Felix Fischer pediu vistas; no segundo julgamento o ministro Joaquim Barbosa se julgou impedido de participar por questões pessoais; e na terceira vez o ministro Fernando Gonçalves passou mal e foi levado ao Instituto do Coração (INCOR).

As matérias que se seguiram depois desse dia davam ênfase à resistência instaurada pelo governador, que afirmou em muitas entrevistas que estaria disposto a lutar até o último recurso, entre-gando, se preciso fosse, a própria vida. Muitas manifestações tam-bém foram publicadas depois da cassação, inclusive matérias com especialistas em direito eleitoral para explicar as possíveis chances de o governador reverter a situação de cassação.

A terceira semana analisada começa no dia 12 de abril e se estende até o dia da posse contestada da governadora. Vale ressaltar que não foi encontrado na sede do Jornal Pequeno o exemplar do dia seguinte à posse da governadora, ou seja, do dia 18 de abril. As ma-térias que se obteve foram retiradas e pesquisadas no site do Jornal.

As edições dessa semana se pautam principalmente na defesa do governador e na acusação à senadora que ocupará o cargo de governadora. O enquadramento de resistência aparece novamente nas matérias que trazem políticos em defesa do governador e das manifestações feitas pela sociedade civil organizada. O enquadra-mento jurídico é demonstrado na segunda e na terceira semanas, para mais uma vez explicar os procedimentos da Corte responsável pelo julgamento, e o conflito está explícito na maioria das matérias, como nesta chamada: “Derrotado no voto Zé Sarney retoma na mar-ra o poder no Maranhão”, o que demonstra o embate político que

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acontece há anos no estado e reforça o perfil adotado pelo próprio Jornal Pequeno nesses enfrentamentos.

ENQUADRAMENTO NO “JORNAL PEQUENO” – CASSAÇÃO, RITUAL E POSSE

Ressalta-se que não houve, pelo jornal, a preocupação em mostrar a posse como um ritual de passagem. Em nenhuma de suas matérias é demonstrada a sequência dos tradicionais rituais que legitimam uma posse; na verdade, os enquadramentos rece-bidos nas matérias negam a existência desse ritual. Assim como as notícias que marcaram a semana, as notícias publicadas no “Jornal Pequeno” no dia da cassação de Jackson Lago e da posse da governadora Roseana Sarney receberam um enquadramento de resistência. Títulos como: Jackson diz que não aceitará golpe e que ficará no Palácio; TSE mantém cassação de Jackson Lago e man-da Roseana assumir o governo no Maranhão; Manifestantes fazem ato de apoio a Jackson Lago em frente ao TSE demonstram como o jornal trabalhou a construção dessa notícia. O “Jornal Pequeno”, pelo seu histórico político e também pelo seu próprio perfil de oposição, optou por apresentar o acontecimento como Hall et al. (1999, p. 224) coloca: “é que o jornalismo tenderá a realçar os elementos extraordinários, dramáticos, trágicos, etc., numa ‘es-tória’ para realçar a sua notabilidade.” No caso específico, para o jornalismo desse periódico, a importância desse acontecimento está no jogo político e numa disputa pelo poder no estado, que não se concentra apenas em ações legais, mas também nas formas disfarçadas para alcançar esse poder, por isso, o jornal se utiliza da palavra ‘golpe’, tentando sintetizar o que aconteceu. E aqui aparece o enquadramento da posse, que engloba a fraude em re-lação à vontade popular.

Encerrando a análise da cobertura da posse contestada de Ro-seana Sarney, pelo Jornal Pequeno, a edição do dia 19 de abril12

12 Foi incluído o dia 19 de abril, apenas para a análise do Jornal Pequeno considerando que não foi encontrado a edição impressa do jornal em seus arquivos.

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mostra a saída de Jackson Lago da sede do governo do estado que havia sido ocupada pelos ‘balaios’ e os protestos realizados. Após analisar todo esse material, percebe-se que a noção de enquadra-mento apresentada pelo jornal se assemelha ao que Sodré (2009, p.38) afirma: “o ‘enquadre’ constitui, assim, um sistema de referên-cias (regras, esquemas interpretativos) que possibilita a atribuição de sentido a uma ocorrência ou uma situação qualquer de modo a organizar a experiência social.” Cada jornal analisado nesta pesqui-sa apresentará um esquema interpretativo que irá criar um sentido e constituir a sua própria experiência social, ou seja, a sua prática cotidiana, leitura, interpretação e divulgação dos acontecimentos. No caso específico deste objeto de pesquisa, o ritual de posse, o que se conclui é que o enquadramento utilizado pelo “Jornal Pequeno” nega a existência desse acontecimento, porque é justamente o ri-tual que legitima a governadora enquanto representante do povo; havendo a negação desse ritual, consequentemente houve a nega-ção, por parte da cobertura do jornal, de Roseana Sarney enquanto representante e governadora do Estado.

ENQUADRAMENTOS EM “O ESTADO DO MARANHÃO”

O jornal “O Estado do Maranhão” foi o periódico que apre-sentou mais material sobre o acontecimento, com um total de 109 matérias em três semanas de análise, distribuídas em artigos, edi-toriais e chamadas de capa. Na primeira semana o que se percebe é uma tentativa de apresentar as causas que levaram a coligação “Maranhão – a Força do povo” a entrar com o pedido de cassa-ção do governador eleito em 2006. Várias matérias são produzidas, inclusive com a publicação de documentos que comprovariam as denúncias dos esquemas de compra de votos nas eleições de 2006. Algumas matérias sempre traziam um Box com o título “Entenda o Caso”, ou “Os motivos” e mais uma vez era detalhado todo o caso em julgamento.

As matérias de capa e principais chamadas que estiveram em maior número nessa primeira semana de cobertura, foram as que

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acontece há anos no estado e reforça o perfil adotado pelo próprio Jornal Pequeno nesses enfrentamentos.

ENQUADRAMENTO NO “JORNAL PEQUENO” – CASSAÇÃO, RITUAL E POSSE

Ressalta-se que não houve, pelo jornal, a preocupação em mostrar a posse como um ritual de passagem. Em nenhuma de suas matérias é demonstrada a sequência dos tradicionais rituais que legitimam uma posse; na verdade, os enquadramentos rece-bidos nas matérias negam a existência desse ritual. Assim como as notícias que marcaram a semana, as notícias publicadas no “Jornal Pequeno” no dia da cassação de Jackson Lago e da posse da governadora Roseana Sarney receberam um enquadramento de resistência. Títulos como: Jackson diz que não aceitará golpe e que ficará no Palácio; TSE mantém cassação de Jackson Lago e man-da Roseana assumir o governo no Maranhão; Manifestantes fazem ato de apoio a Jackson Lago em frente ao TSE demonstram como o jornal trabalhou a construção dessa notícia. O “Jornal Pequeno”, pelo seu histórico político e também pelo seu próprio perfil de oposição, optou por apresentar o acontecimento como Hall et al. (1999, p. 224) coloca: “é que o jornalismo tenderá a realçar os elementos extraordinários, dramáticos, trágicos, etc., numa ‘es-tória’ para realçar a sua notabilidade.” No caso específico, para o jornalismo desse periódico, a importância desse acontecimento está no jogo político e numa disputa pelo poder no estado, que não se concentra apenas em ações legais, mas também nas formas disfarçadas para alcançar esse poder, por isso, o jornal se utiliza da palavra ‘golpe’, tentando sintetizar o que aconteceu. E aqui aparece o enquadramento da posse, que engloba a fraude em re-lação à vontade popular.

Encerrando a análise da cobertura da posse contestada de Ro-seana Sarney, pelo Jornal Pequeno, a edição do dia 19 de abril12

12 Foi incluído o dia 19 de abril, apenas para a análise do Jornal Pequeno considerando que não foi encontrado a edição impressa do jornal em seus arquivos.

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mostra a saída de Jackson Lago da sede do governo do estado que havia sido ocupada pelos ‘balaios’ e os protestos realizados. Após analisar todo esse material, percebe-se que a noção de enquadra-mento apresentada pelo jornal se assemelha ao que Sodré (2009, p.38) afirma: “o ‘enquadre’ constitui, assim, um sistema de referên-cias (regras, esquemas interpretativos) que possibilita a atribuição de sentido a uma ocorrência ou uma situação qualquer de modo a organizar a experiência social.” Cada jornal analisado nesta pesqui-sa apresentará um esquema interpretativo que irá criar um sentido e constituir a sua própria experiência social, ou seja, a sua prática cotidiana, leitura, interpretação e divulgação dos acontecimentos. No caso específico deste objeto de pesquisa, o ritual de posse, o que se conclui é que o enquadramento utilizado pelo “Jornal Pequeno” nega a existência desse acontecimento, porque é justamente o ri-tual que legitima a governadora enquanto representante do povo; havendo a negação desse ritual, consequentemente houve a nega-ção, por parte da cobertura do jornal, de Roseana Sarney enquanto representante e governadora do Estado.

ENQUADRAMENTOS EM “O ESTADO DO MARANHÃO”

O jornal “O Estado do Maranhão” foi o periódico que apre-sentou mais material sobre o acontecimento, com um total de 109 matérias em três semanas de análise, distribuídas em artigos, edi-toriais e chamadas de capa. Na primeira semana o que se percebe é uma tentativa de apresentar as causas que levaram a coligação “Maranhão – a Força do povo” a entrar com o pedido de cassa-ção do governador eleito em 2006. Várias matérias são produzidas, inclusive com a publicação de documentos que comprovariam as denúncias dos esquemas de compra de votos nas eleições de 2006. Algumas matérias sempre traziam um Box com o título “Entenda o Caso”, ou “Os motivos” e mais uma vez era detalhado todo o caso em julgamento.

As matérias de capa e principais chamadas que estiveram em maior número nessa primeira semana de cobertura, foram as que

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

atraíam a atenção para o dia do julgamento e para o pedido de adiamento que fora encaminhado pelo governador. Essas matérias tinham a intenção de lembrar ao leitor sobre o possível julgamento e a consequente cassação do governador, por isso, no corpo da ma-téria, a possibilidade do governador perder o mandato era sempre evidenciada. Como o julgamento foi adiado algumas vezes, o jornal foi incansável em estar relembrando todos os dias esse fato. As ma-térias se apresentaram no quadro de ação sobre a decisão judicial e reforçaram o que esta pesquisa está chamando de enquadramento legal, pois aqui é deslocada e ressaltada a questão do julgamento, que resolveria uma injustiça criada nas eleições de 2006, por uma vitória fraudulenta.

Por manter uma linha em defesa da coligação de Roseana Sarney, o jornal “O Estado do Maranhão” procurou mostrar sem-pre, em sua narrativa, as possíveis derrotas do então governa-dor, mesmo no dia em que Jackson Lago e seus correligionários comemoravam a vitória pelo adiamento do processo que ficou para ser julgado somente no outro ano. Nesse dia, o jornal “O Estado do Maranhão” traz na capa uma chamada que dizia: “O governador Jackson Lago (PDT) sofreu ontem sua primeira derrota no julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do processo que pede sua cassação”.

Dentro dos enquadramentos para a análise sugeridos por esta pesquisa, nota-se que o jornal “O Estado do Maranhão” focalizou principalmente o quadro da legalidade, ou seja, a decisão judicial corrigindo uma injustiça que fora realizada em uma eleição. O jornal trouxe poucas matérias que falavam sobre a resistência do governador em sair da sede do governo e também não mostra-va o resultado das eleições de 2006 como expressão da vontade popular, e sim, tentava sempre explicar os motivos que levaram a coligação de Roseana Sarney a entrar na justiça contra o seu adversário. Diferente do “Jornal Pequeno”, o jornal “O Estado do Maranhão” reconheceu a posse da governadora e reforçou esse enquadramento nas matérias que foram publicadas no dia da cas-sação e posse de Roseana.

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ENQUADRAMENTO EM “O ESTADO DO MARANHÃO”– CASSAÇÃO, RITUAL E POSSE

O jornal “O Estado do Maranhão” foi enfático nesses dois eventos: tanto na cassação do governador quanto na posse de Ro-seana Sarney. As matérias destacavam a vitória de Roseana sobre o governador Jackson Lago. A matéria de capa do dia 17/04/2009, dia da cassação, traz a seguinte chamada: “Jackson Lago cassado; Roseana assume hoje.” Procurou-se mostrar, principalmente, a derrota de um grupo numa guerra política que marca o cotidia-no do poder no estado do Maranhão. O enquadramento dado a esse acontecimento marca a legitimidade de um governo que fora injustiçado nas eleições em 2006. O jornal “O Estado do Mara-nhão” mostra não apenas uma vitória judicial, mas tenta colocar o acontecimento num quadro de correção e de justiça a favor de uma candidata.

A edição do jornal “O Estado do Maranhão” que foi às ruas no dia 17 de abril, trouxe matérias que falavam sobre a cassação, focando o fato de que o governador sairia e automaticamente Ro-seana Sarney assumiria o governo, que no enquadramento dado pelo jornal, deveria ter sido assumido desde as eleições de 2006, ou seja, a decisão judicial agora estava acontecendo de forma legal e justa13.

No dia 18 de abril, o jornal traz as matérias da cobertura da posse da governadora que, diferentemente do “Jornal Pequeno”, apresenta uma posse legitima e um ritual seguido nos protocolos cerimoniosos legais. Apesar de o Palácio dos Leões, sede oficial do governo, ainda estar ocupado pelo ex-governador, no momento da posse de Roseana, o jornal “O Estado do Maranhão”, numa tentati-va de legitimação da governadora, mostra como foi o ritual, mesmo com a contestação e com o fato de que, pela ocupação, alguns dos

13 A Assembleia Legislativa deve empossar a nova governadora ainda na manhã de hoje. Roseana Sarney assumirá o mandato que deveria ter exercido desde janeiro de 2007, já que Jackson Lago foi condenado por ter cometido abuso de poder político e econômico para se eleger em 2006 (Fonte: O Estado do Maranhão).

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atraíam a atenção para o dia do julgamento e para o pedido de adiamento que fora encaminhado pelo governador. Essas matérias tinham a intenção de lembrar ao leitor sobre o possível julgamento e a consequente cassação do governador, por isso, no corpo da ma-téria, a possibilidade do governador perder o mandato era sempre evidenciada. Como o julgamento foi adiado algumas vezes, o jornal foi incansável em estar relembrando todos os dias esse fato. As ma-térias se apresentaram no quadro de ação sobre a decisão judicial e reforçaram o que esta pesquisa está chamando de enquadramento legal, pois aqui é deslocada e ressaltada a questão do julgamento, que resolveria uma injustiça criada nas eleições de 2006, por uma vitória fraudulenta.

Por manter uma linha em defesa da coligação de Roseana Sarney, o jornal “O Estado do Maranhão” procurou mostrar sem-pre, em sua narrativa, as possíveis derrotas do então governa-dor, mesmo no dia em que Jackson Lago e seus correligionários comemoravam a vitória pelo adiamento do processo que ficou para ser julgado somente no outro ano. Nesse dia, o jornal “O Estado do Maranhão” traz na capa uma chamada que dizia: “O governador Jackson Lago (PDT) sofreu ontem sua primeira derrota no julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do processo que pede sua cassação”.

Dentro dos enquadramentos para a análise sugeridos por esta pesquisa, nota-se que o jornal “O Estado do Maranhão” focalizou principalmente o quadro da legalidade, ou seja, a decisão judicial corrigindo uma injustiça que fora realizada em uma eleição. O jornal trouxe poucas matérias que falavam sobre a resistência do governador em sair da sede do governo e também não mostra-va o resultado das eleições de 2006 como expressão da vontade popular, e sim, tentava sempre explicar os motivos que levaram a coligação de Roseana Sarney a entrar na justiça contra o seu adversário. Diferente do “Jornal Pequeno”, o jornal “O Estado do Maranhão” reconheceu a posse da governadora e reforçou esse enquadramento nas matérias que foram publicadas no dia da cas-sação e posse de Roseana.

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ENQUADRAMENTO EM “O ESTADO DO MARANHÃO”– CASSAÇÃO, RITUAL E POSSE

O jornal “O Estado do Maranhão” foi enfático nesses dois eventos: tanto na cassação do governador quanto na posse de Ro-seana Sarney. As matérias destacavam a vitória de Roseana sobre o governador Jackson Lago. A matéria de capa do dia 17/04/2009, dia da cassação, traz a seguinte chamada: “Jackson Lago cassado; Roseana assume hoje.” Procurou-se mostrar, principalmente, a derrota de um grupo numa guerra política que marca o cotidia-no do poder no estado do Maranhão. O enquadramento dado a esse acontecimento marca a legitimidade de um governo que fora injustiçado nas eleições em 2006. O jornal “O Estado do Mara-nhão” mostra não apenas uma vitória judicial, mas tenta colocar o acontecimento num quadro de correção e de justiça a favor de uma candidata.

A edição do jornal “O Estado do Maranhão” que foi às ruas no dia 17 de abril, trouxe matérias que falavam sobre a cassação, focando o fato de que o governador sairia e automaticamente Ro-seana Sarney assumiria o governo, que no enquadramento dado pelo jornal, deveria ter sido assumido desde as eleições de 2006, ou seja, a decisão judicial agora estava acontecendo de forma legal e justa13.

No dia 18 de abril, o jornal traz as matérias da cobertura da posse da governadora que, diferentemente do “Jornal Pequeno”, apresenta uma posse legitima e um ritual seguido nos protocolos cerimoniosos legais. Apesar de o Palácio dos Leões, sede oficial do governo, ainda estar ocupado pelo ex-governador, no momento da posse de Roseana, o jornal “O Estado do Maranhão”, numa tentati-va de legitimação da governadora, mostra como foi o ritual, mesmo com a contestação e com o fato de que, pela ocupação, alguns dos

13 A Assembleia Legislativa deve empossar a nova governadora ainda na manhã de hoje. Roseana Sarney assumirá o mandato que deveria ter exercido desde janeiro de 2007, já que Jackson Lago foi condenado por ter cometido abuso de poder político e econômico para se eleger em 2006 (Fonte: O Estado do Maranhão).

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ritos de legitimação e identificação, como a revista às tropas e a execução do hino nacional e maranhense, não puderam se realizar, como seria de praxe numa cerimônia de posse.

A matéria de capa traz a governadora já empossada, fazendo um sinal de vitória e, como fundo, uma multidão que teria acom-panhado a posse na Assembleia Legislativa. Na foto, Roseana já se encontra com a faixa governamental e, além dessa chamada, na capa ainda se encontram fotos de populares abraçando a governa-dora e o momento no TRE, quando ela é diplomada. O editorial do jornal, que também veio na capa, traz o seguinte título “De volta à democracia”. Percebe-se, aqui, a tentativa do jornal em mais uma vez enquadrar a decisão legal da justiça em corrigir um erro nas eleições, e reafirmar o quadro do início de um governo legítimo.

Esses dois enquadramentos, a decisão legal e o início de um go-verno legítimo, serão demonstrados em algumas matérias internas, que com os títulos “Roseana prega união e trabalho pelo desenvolvi-mento do estado” e “Posse de Roseana repercute no interior”, mostram uma governadora disposta ao trabalho, a corrigir a injustiça que sofrera nas eleições e a, inclusive, esquecer o passado e governar sem revanchismo.

ENQUADRAMENTOS EM “O IMPARCIAL”

O jornal “O Imparcial” foi o periódico que menos trouxe ma-térias relativas aos acontecimentos políticos de cassação e posse de Jackson Lago e Roseana Sarney, respectivamente. Na primeira semana analisada foram 4 matérias de capa e 10 matérias internas. Todas as chamadas de capa dessa primeira semana chamavam a atenção para o julgamento e para a preocupação e nervosismo vi-vidos no Palácio dos Leões. Muitas fotos vinham reforçando aquilo que os títulos diziam, por isso, numa edição pode-se ver pessoas aflitas e preocupadas e, em outra, pessoas comemorando.

As matérias internas trazem principalmente as manifestações de populares, movimentos sociais e políticos a favor do governador

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Jackson Lago. Nessa primeira semana, a expectativa pelo julga-mento também é uma notícia que persiste nas páginas do jornal “O Imparcial”, que lembrou o adiamento, traz a cobertura do julga-mento e a presença de populares, que juntamente com o governa-dor, assistiram à sessão do TSE por intermédio de um telão que foi montado em praça pública, onde o ambiente foi denominado pelo próprio jornal de “acampamento”. O que se percebe nessas maté-rias é um enquadramento de resistência que procura sempre desta-car a disputa invisível que estava instaurada sobre a defesa da von-tade popular contra o desrespeito à democracia. Esses dois quadros são apresentados quando se compreende no jornal “O Imparcial” a tentativa de mostrar populares indo às ruas, a solidariedade no acampamento e, principalmente, a comemoração da vitória, que é publicada no dia 19/12/2008, quando o Ministro Felix Fischer pede vistas do processo e o julgamento é mais uma vez adiado.

Na semana da cassação do mandato do governador Jackson Lago, o jornal “O Imparcial” trouxe duas matérias de capa sobre o assunto, e 14 matérias internas. Durante essa semana, foi publi-cada apenas uma matéria falando sobre uma carreata de apoio ao governador, antes da decisão pela cassação, que foi anunciada no dia 3/3/2009, e, noticiada no jornal no dia 4/3/2009. A partir dessa data, o jornal publica novamente matérias que trazem a solidarie-dade de políticos, o próprio governador afirmando que irá conti-nuar a lutar pelo seu mandato e que primou pela lisura nas eleições que o escolheu como governador. O PDT, partido do governador cassado, também se manifesta por meio de notas, de discursos de seus representantes em Brasília e através de um ato organizado pe-los dirigentes nacionais.

Mais uma vez é confirmado o quadro de resistência, mostran-do a negação da vontade popular; porém nessa semana de análise, percebe-se, ainda, a presença do enquadramento sobre a decisão judicial que mostra o quadro democrático: Jackson Lago sendo eleito pelo povo em contrapartida a uma jogada política, que ten-ta mostrar o lado legal da ação, a correção nas eleições de 2006. Esse enquadramento pode ser notado nas matérias que falam sobre como os ministros votaram, e em uma matéria que traz o ministro

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ritos de legitimação e identificação, como a revista às tropas e a execução do hino nacional e maranhense, não puderam se realizar, como seria de praxe numa cerimônia de posse.

A matéria de capa traz a governadora já empossada, fazendo um sinal de vitória e, como fundo, uma multidão que teria acom-panhado a posse na Assembleia Legislativa. Na foto, Roseana já se encontra com a faixa governamental e, além dessa chamada, na capa ainda se encontram fotos de populares abraçando a governa-dora e o momento no TRE, quando ela é diplomada. O editorial do jornal, que também veio na capa, traz o seguinte título “De volta à democracia”. Percebe-se, aqui, a tentativa do jornal em mais uma vez enquadrar a decisão legal da justiça em corrigir um erro nas eleições, e reafirmar o quadro do início de um governo legítimo.

Esses dois enquadramentos, a decisão legal e o início de um go-verno legítimo, serão demonstrados em algumas matérias internas, que com os títulos “Roseana prega união e trabalho pelo desenvolvi-mento do estado” e “Posse de Roseana repercute no interior”, mostram uma governadora disposta ao trabalho, a corrigir a injustiça que sofrera nas eleições e a, inclusive, esquecer o passado e governar sem revanchismo.

ENQUADRAMENTOS EM “O IMPARCIAL”

O jornal “O Imparcial” foi o periódico que menos trouxe ma-térias relativas aos acontecimentos políticos de cassação e posse de Jackson Lago e Roseana Sarney, respectivamente. Na primeira semana analisada foram 4 matérias de capa e 10 matérias internas. Todas as chamadas de capa dessa primeira semana chamavam a atenção para o julgamento e para a preocupação e nervosismo vi-vidos no Palácio dos Leões. Muitas fotos vinham reforçando aquilo que os títulos diziam, por isso, numa edição pode-se ver pessoas aflitas e preocupadas e, em outra, pessoas comemorando.

As matérias internas trazem principalmente as manifestações de populares, movimentos sociais e políticos a favor do governador

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Jackson Lago. Nessa primeira semana, a expectativa pelo julga-mento também é uma notícia que persiste nas páginas do jornal “O Imparcial”, que lembrou o adiamento, traz a cobertura do julga-mento e a presença de populares, que juntamente com o governa-dor, assistiram à sessão do TSE por intermédio de um telão que foi montado em praça pública, onde o ambiente foi denominado pelo próprio jornal de “acampamento”. O que se percebe nessas maté-rias é um enquadramento de resistência que procura sempre desta-car a disputa invisível que estava instaurada sobre a defesa da von-tade popular contra o desrespeito à democracia. Esses dois quadros são apresentados quando se compreende no jornal “O Imparcial” a tentativa de mostrar populares indo às ruas, a solidariedade no acampamento e, principalmente, a comemoração da vitória, que é publicada no dia 19/12/2008, quando o Ministro Felix Fischer pede vistas do processo e o julgamento é mais uma vez adiado.

Na semana da cassação do mandato do governador Jackson Lago, o jornal “O Imparcial” trouxe duas matérias de capa sobre o assunto, e 14 matérias internas. Durante essa semana, foi publi-cada apenas uma matéria falando sobre uma carreata de apoio ao governador, antes da decisão pela cassação, que foi anunciada no dia 3/3/2009, e, noticiada no jornal no dia 4/3/2009. A partir dessa data, o jornal publica novamente matérias que trazem a solidarie-dade de políticos, o próprio governador afirmando que irá conti-nuar a lutar pelo seu mandato e que primou pela lisura nas eleições que o escolheu como governador. O PDT, partido do governador cassado, também se manifesta por meio de notas, de discursos de seus representantes em Brasília e através de um ato organizado pe-los dirigentes nacionais.

Mais uma vez é confirmado o quadro de resistência, mostran-do a negação da vontade popular; porém nessa semana de análise, percebe-se, ainda, a presença do enquadramento sobre a decisão judicial que mostra o quadro democrático: Jackson Lago sendo eleito pelo povo em contrapartida a uma jogada política, que ten-ta mostrar o lado legal da ação, a correção nas eleições de 2006. Esse enquadramento pode ser notado nas matérias que falam sobre como os ministros votaram, e em uma matéria que traz o ministro

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Carlos Lupi defendendo o governador e afirmando que o TSE co-meteu uma injustiça.

Na última semana analisada, o enquadramento de resistên-cia é recorrente; as matérias lembram o julgamento dos recur-sos. Assim como no “Jornal Pequeno”, é produzida uma matéria denunciando a desembargadora Nelma Sarney, que já havia so-licitado reforço policial para a diplomação de sua sobrinha Ro-seana Sarney, antes mesmo do resultado final do julgamento e deputados aliados ao governador fazem movimentação de apoio. Buscando uma forma de reafirmação do enquadramento sugerido pelo jornal, em toda a cobertura do caso, “O Imparcial” ainda traz uma declaração de Jackson Lago, lembrando que “jurou cumprir a Constituição e que somente sairá se deputados escolherem, de forma indireta, um novo chefe do executivo” (JORNAL O IM-PARCIAL, 2011, p. 3, 17 de abril). Mais uma vez fica claro que, não só a resistência, mas também a decisão judicial em oposição à vontade popular e aos princípios democráticos contra uma de-cisão judicial, é enquadrada para que o leitor perceba isso nas matérias sobre o caso.

ENQUADRAMENTO EM “O IMPARCIAL” – DIA DA CASSAÇÃO E POSSE

“O Imparcial” trouxe apenas uma matéria com o título “Rosea-na Sarney é empossada e promete trabalho”, que narrou toda a sole-nidade de posse a qual aconteceu de forma diferenciada por causa da ocupação no Palácio. Foi o único jornal que informou quem colocou a faixa de governadora em Roseana Sarney, tendo em vista que o ex-governador se negava a sair do palácio e a cumprir esse ritual. Além disso, a matéria dá a sequência da solenidade, desde a diplomação no TRE, até a chegada da governadora na Assembleia Legislativa, descrevendo inclusive como aconteceu a solenidade, até o momento do discurso na sacada e o recebimento da faixa.

No dia da cassação, o referido jornal trouxe matérias que mos-travam como o governador tinha acompanhado o julgamento e

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também a sua decisão em não sair do Palácio. Uma matéria interes-sante, que foi publicada também no dia 17/4/2009, traz o seguinte título: “Renúncia pedida ao pai, diploma recebido da tia”. O texto ex-plicava que Roseana deveria enviar para o seu pai, presidente do senado, uma carta, solicitando a renúncia do cargo de senadora e, em seguida, seria diplomada por sua tia, a desembargadora Nelma Sarney. Apesar de que a desembargadora declinou da diplomação, o enquadramento que remete a essa matéria é justamente o da de-cisão judicial, que através de uma jogada política, decide corrigir o resultado de uma eleição fraudada anteriormente.

Apesar dessas matérias do dia da cassação, o enquadramento que é dado para o dia da posse é o de um começo de governo legítimo, considerando a correção nas eleições de 2006. Outro detalhe que deve ser ressaltado são as capas do jornal “O Imparcial” do dia da cassação e do dia da posse; ambas estão marcadas pela cor vermelha, que lembra o PDT, e traz ainda a movimentação de populares, tanto em favor do governador cassado, como da governadora empossada. Finalizando os enquadramentos analisados na cobertura do jornal “O Imparcial”, volta-se à citação:

A cada instante o mundo está repleto de eventos. Mesmo dentro de um dado evento existe uma infinidade de detalhes noticiáveis. Enquadramentos são princípios de seleção, ênfase, e apresentação, compostos de pequenas teorias tácitas acerca do que existe, do que acontece e do que é importante. (GITLIN, 1980, p.7).

É fundamental lembrar que esses princípios de seleção, de apresentação, de ênfase estão contidos naquilo que o jornal atribui no momento de construção de sua notícia. Por isso, pode-se perceber essa infinidade de detalhes que são noticiáveis e que diferem entre os jornais, mesmo em se tratando de um mesmo acontecimento, como no caso do objeto desta pesquisa. Finalizando este ponto sobre a análise dos jornais, conclui-se reforçando o que já foi dito antes nesta pesquisa sobre a atividade jornalística. O trabalho do jornalista é permeado por fatores que vão além da simples redação de um texto, pois é necessário considerar todo um contexto histórico, político, social e cultural que está implicado no

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Carlos Lupi defendendo o governador e afirmando que o TSE co-meteu uma injustiça.

Na última semana analisada, o enquadramento de resistên-cia é recorrente; as matérias lembram o julgamento dos recur-sos. Assim como no “Jornal Pequeno”, é produzida uma matéria denunciando a desembargadora Nelma Sarney, que já havia so-licitado reforço policial para a diplomação de sua sobrinha Ro-seana Sarney, antes mesmo do resultado final do julgamento e deputados aliados ao governador fazem movimentação de apoio. Buscando uma forma de reafirmação do enquadramento sugerido pelo jornal, em toda a cobertura do caso, “O Imparcial” ainda traz uma declaração de Jackson Lago, lembrando que “jurou cumprir a Constituição e que somente sairá se deputados escolherem, de forma indireta, um novo chefe do executivo” (JORNAL O IM-PARCIAL, 2011, p. 3, 17 de abril). Mais uma vez fica claro que, não só a resistência, mas também a decisão judicial em oposição à vontade popular e aos princípios democráticos contra uma de-cisão judicial, é enquadrada para que o leitor perceba isso nas matérias sobre o caso.

ENQUADRAMENTO EM “O IMPARCIAL” – DIA DA CASSAÇÃO E POSSE

“O Imparcial” trouxe apenas uma matéria com o título “Rosea-na Sarney é empossada e promete trabalho”, que narrou toda a sole-nidade de posse a qual aconteceu de forma diferenciada por causa da ocupação no Palácio. Foi o único jornal que informou quem colocou a faixa de governadora em Roseana Sarney, tendo em vista que o ex-governador se negava a sair do palácio e a cumprir esse ritual. Além disso, a matéria dá a sequência da solenidade, desde a diplomação no TRE, até a chegada da governadora na Assembleia Legislativa, descrevendo inclusive como aconteceu a solenidade, até o momento do discurso na sacada e o recebimento da faixa.

No dia da cassação, o referido jornal trouxe matérias que mos-travam como o governador tinha acompanhado o julgamento e

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também a sua decisão em não sair do Palácio. Uma matéria interes-sante, que foi publicada também no dia 17/4/2009, traz o seguinte título: “Renúncia pedida ao pai, diploma recebido da tia”. O texto ex-plicava que Roseana deveria enviar para o seu pai, presidente do senado, uma carta, solicitando a renúncia do cargo de senadora e, em seguida, seria diplomada por sua tia, a desembargadora Nelma Sarney. Apesar de que a desembargadora declinou da diplomação, o enquadramento que remete a essa matéria é justamente o da de-cisão judicial, que através de uma jogada política, decide corrigir o resultado de uma eleição fraudada anteriormente.

Apesar dessas matérias do dia da cassação, o enquadramento que é dado para o dia da posse é o de um começo de governo legítimo, considerando a correção nas eleições de 2006. Outro detalhe que deve ser ressaltado são as capas do jornal “O Imparcial” do dia da cassação e do dia da posse; ambas estão marcadas pela cor vermelha, que lembra o PDT, e traz ainda a movimentação de populares, tanto em favor do governador cassado, como da governadora empossada. Finalizando os enquadramentos analisados na cobertura do jornal “O Imparcial”, volta-se à citação:

A cada instante o mundo está repleto de eventos. Mesmo dentro de um dado evento existe uma infinidade de detalhes noticiáveis. Enquadramentos são princípios de seleção, ênfase, e apresentação, compostos de pequenas teorias tácitas acerca do que existe, do que acontece e do que é importante. (GITLIN, 1980, p.7).

É fundamental lembrar que esses princípios de seleção, de apresentação, de ênfase estão contidos naquilo que o jornal atribui no momento de construção de sua notícia. Por isso, pode-se perceber essa infinidade de detalhes que são noticiáveis e que diferem entre os jornais, mesmo em se tratando de um mesmo acontecimento, como no caso do objeto desta pesquisa. Finalizando este ponto sobre a análise dos jornais, conclui-se reforçando o que já foi dito antes nesta pesquisa sobre a atividade jornalística. O trabalho do jornalista é permeado por fatores que vão além da simples redação de um texto, pois é necessário considerar todo um contexto histórico, político, social e cultural que está implicado no

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

momento da notícia, que é resultado de um processo de construção social da realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa colocou, no centro das discussões, questões re-lacionadas com a mídia, com os rituais e com a democracia. Todos os atos e os protocolos emblemáticos nos rituais, especificamente falando aqui dos rituais políticos, ganham reforço e maior legitima-ção por intermédio da mídia. Os rituais, incluídos os da política, são tradições inventadas que são repassadas culturalmente de tempo em tempo, e que têm na mídia uma relação de parceria no sentido de que, conforme a abordagem, será ela quem dará aos rituais o poder de legitimação necessário para que o fato se concretize en-quanto definidor de uma determinada situação. O que estamos querendo afirmar com isso é que, num ritual de posse, toda a ação ritualística, dos protocolos e dos momentos de identificação e de legitimação, procede a suspensão de um conflito que foi instaurado durante o período de escolha, e, nessa passagem, se não fosse a atuação da mídia, a população não perceberia esse ato.

No caso específico desta pesquisa, o ritual de posse não cele-brou o consenso, pois foi uma posse contestada, na qual predomi-nou o conflito. No entanto, o papel da mídia foi importante para o desenvolvimento e entendimento de todo o processo. O conflito se instaurou pelo fato de ter se colocado em contraponto dois princí-pios legitimadores de poder: o princípio aristocrático e o princípio democrático; e foi nesse contexto que se traçou a questão central deste trabalho: como a mídia olhou e, de certa forma, narrou esse acontecimento?

Optou-se em trabalhar com o enquadramento como uma estratégia para se entender como o acontecimento foi noticiado através da visão de três jornais que, entretanto, apresentaram aspectos distintos e diferentes. Cada jornal mostrou a posse a partir daquilo que se tinha como referencial cultural e profissio-nal do fazer jornalístico. Os diferentes quadros apresentados são

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os frutos do que é reproduzido no cotidiano de uma redação, a contar da seleção do que será noticiado, até como o aconteci-mento será apresentado.

No “Jornal Pequeno”, podem-se notar os quadros democrá-ticos, mostrando que o governador Jackson Lago foi eleito pela vontade popular; o quadro da resistência, onde há sempre um con-fronto entre a defesa da vontade popular e a decisão judicial, com um desrespeito à democracia e, ainda, o quadro de posse, onde o jornal apresenta, com insistência, a fraude em relação à vontade do povo, sem mostrar o início de um governo legítimo. Na cobertura do jornal “O Estado do Maranhão”, são repetitivos dois tipos de en-quadramentos: o primeiro, o da decisão judicial em corrigir um erro das eleições de 2006 e o segundo seria o da posse, na tentativa de mostrar agora um governo legitimo que reergueria um estado que se encontrava afundado; seria o início de uma nova era para o Ma-ranhão. Já na cobertura do jornal “O Imparcial” o enquadramento que é dado para a posse de Roseana mostra o início de um governo que, mesmo não sendo legitimado pelo povo, está começando com boas perspectivas. Na cobertura desse mesmo jornal, o quadro de resistência reforça a violação dos direitos do cidadão, pois remete à cassação do governador a uma ação inconstitucional que atacou a decisão popular, que foi expressa por intermédio de um princípio democrático.

Os enquadramentos utilizados pelos jornais regionais sobre a cassação do governador Jackson Lago e a posse da governadora Roseana Sarney são utilizados nos textos, sugerindo uma forma de leitura para os seus respectivos públicos. Não se trata de uma deter-minação, de uma forma mágica, mas sim, da expressão do fazer jor-nalismo daquela determinada empresa de comunicação. Entman (1991) fala que não há, em todas as ciências sociais e humanas, um mapa geral da teoria do enquadramento que mostre como os quadros são constituídos em um texto; na verdade, o que se sabe é que eles existem, pois são percebidos nos modos de fazer, quando se identifica num mesmo fenômeno, num mesmo acontecimento, olhares e maneiras diferentes de apresentá-los e narrá-los.

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momento da notícia, que é resultado de um processo de construção social da realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa colocou, no centro das discussões, questões re-lacionadas com a mídia, com os rituais e com a democracia. Todos os atos e os protocolos emblemáticos nos rituais, especificamente falando aqui dos rituais políticos, ganham reforço e maior legitima-ção por intermédio da mídia. Os rituais, incluídos os da política, são tradições inventadas que são repassadas culturalmente de tempo em tempo, e que têm na mídia uma relação de parceria no sentido de que, conforme a abordagem, será ela quem dará aos rituais o poder de legitimação necessário para que o fato se concretize en-quanto definidor de uma determinada situação. O que estamos querendo afirmar com isso é que, num ritual de posse, toda a ação ritualística, dos protocolos e dos momentos de identificação e de legitimação, procede a suspensão de um conflito que foi instaurado durante o período de escolha, e, nessa passagem, se não fosse a atuação da mídia, a população não perceberia esse ato.

No caso específico desta pesquisa, o ritual de posse não cele-brou o consenso, pois foi uma posse contestada, na qual predomi-nou o conflito. No entanto, o papel da mídia foi importante para o desenvolvimento e entendimento de todo o processo. O conflito se instaurou pelo fato de ter se colocado em contraponto dois princí-pios legitimadores de poder: o princípio aristocrático e o princípio democrático; e foi nesse contexto que se traçou a questão central deste trabalho: como a mídia olhou e, de certa forma, narrou esse acontecimento?

Optou-se em trabalhar com o enquadramento como uma estratégia para se entender como o acontecimento foi noticiado através da visão de três jornais que, entretanto, apresentaram aspectos distintos e diferentes. Cada jornal mostrou a posse a partir daquilo que se tinha como referencial cultural e profissio-nal do fazer jornalístico. Os diferentes quadros apresentados são

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os frutos do que é reproduzido no cotidiano de uma redação, a contar da seleção do que será noticiado, até como o aconteci-mento será apresentado.

No “Jornal Pequeno”, podem-se notar os quadros democrá-ticos, mostrando que o governador Jackson Lago foi eleito pela vontade popular; o quadro da resistência, onde há sempre um con-fronto entre a defesa da vontade popular e a decisão judicial, com um desrespeito à democracia e, ainda, o quadro de posse, onde o jornal apresenta, com insistência, a fraude em relação à vontade do povo, sem mostrar o início de um governo legítimo. Na cobertura do jornal “O Estado do Maranhão”, são repetitivos dois tipos de en-quadramentos: o primeiro, o da decisão judicial em corrigir um erro das eleições de 2006 e o segundo seria o da posse, na tentativa de mostrar agora um governo legitimo que reergueria um estado que se encontrava afundado; seria o início de uma nova era para o Ma-ranhão. Já na cobertura do jornal “O Imparcial” o enquadramento que é dado para a posse de Roseana mostra o início de um governo que, mesmo não sendo legitimado pelo povo, está começando com boas perspectivas. Na cobertura desse mesmo jornal, o quadro de resistência reforça a violação dos direitos do cidadão, pois remete à cassação do governador a uma ação inconstitucional que atacou a decisão popular, que foi expressa por intermédio de um princípio democrático.

Os enquadramentos utilizados pelos jornais regionais sobre a cassação do governador Jackson Lago e a posse da governadora Roseana Sarney são utilizados nos textos, sugerindo uma forma de leitura para os seus respectivos públicos. Não se trata de uma deter-minação, de uma forma mágica, mas sim, da expressão do fazer jor-nalismo daquela determinada empresa de comunicação. Entman (1991) fala que não há, em todas as ciências sociais e humanas, um mapa geral da teoria do enquadramento que mostre como os quadros são constituídos em um texto; na verdade, o que se sabe é que eles existem, pois são percebidos nos modos de fazer, quando se identifica num mesmo fenômeno, num mesmo acontecimento, olhares e maneiras diferentes de apresentá-los e narrá-los.

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REFERÊNCIAS

BERGER, Peter L; LUCKMAN. A construção social da realida-de: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1998.

BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem públi-ca de Luís XIV. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009.

CARNEIRO, Marcelo Sampaio; COSTA, Wagner Cabral (Org.). A terceira margem do rio: ensaios sobre a realidade do Maranhão no novo milênio. São Luís: EDUFMA, 2009.

DINIZ, Ariane; ALBUQUERQUE, Afonso de. Sob nova direção: democracia e transmissão do poder na posse de Lula. LOGOS 27: mídia e democracia, ano 14, 2º semestre, 2007.

ENTMAN, Robert M. Framing U.S. Coverage of International News: constrasts in narratives of the kal and Iran Incidents. Jour-nal of Communication, 1991.

FISHMAN, Mark. Manufacturing news. Austin: University of Texas Press. Tradução de M.T.G.F Albuquerque e F.F.L. Albuquer-que. Revisão técnica de A. de Albuquerque. 1990.

GEERTZ, Clifford. Negara: o estado teatro no século XIX. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1980.

GENNEP, Arnold Van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravi-

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dez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, ordenação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Petropólis: Vozes, 1978.

GITLIN, Todd. The whole world is watching: mass media in the making & unmaking of the new left. Tradução de M.T.G.F. de Albuquerque e F.F.L.A. de Albuquerque. Revisão técnica de Afonso de Albuquerque. Berkeley: University of California Press, 1980. Introduction, p.1-18.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 2. ed. Petropólis: Vozes, 2002.

GOMES, Wilson. Jornalismo, fatos e interesses: ensaios de teoria do jornalismo. Florianópolis: Insular. 2009.

HALL, Stuart et al. A produção Social das Notícias: O ‘Mugging’ nos Media. In: TRAQUINA, Nélson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999, p. 224-248.

LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006.

MOURA, Maria Betânia. Os nós da teia: desatando estratégias de faticidade jornalística. São Paulo: Annablume, 2006.

PEIRANO. Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.

PINTO, Pâmela Araújo. As interfaces do jornalismo nacional e regional do Brasil: Roseana Sarney e o caso Lunus. 2010. Disser-tação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal Flumi-nense, Niterói, 2010.

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REFERÊNCIAS

BERGER, Peter L; LUCKMAN. A construção social da realida-de: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1998.

BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem públi-ca de Luís XIV. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009.

CARNEIRO, Marcelo Sampaio; COSTA, Wagner Cabral (Org.). A terceira margem do rio: ensaios sobre a realidade do Maranhão no novo milênio. São Luís: EDUFMA, 2009.

DINIZ, Ariane; ALBUQUERQUE, Afonso de. Sob nova direção: democracia e transmissão do poder na posse de Lula. LOGOS 27: mídia e democracia, ano 14, 2º semestre, 2007.

ENTMAN, Robert M. Framing U.S. Coverage of International News: constrasts in narratives of the kal and Iran Incidents. Jour-nal of Communication, 1991.

FISHMAN, Mark. Manufacturing news. Austin: University of Texas Press. Tradução de M.T.G.F Albuquerque e F.F.L. Albuquer-que. Revisão técnica de A. de Albuquerque. 1990.

GEERTZ, Clifford. Negara: o estado teatro no século XIX. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1980.

GENNEP, Arnold Van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravi-

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dez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, ordenação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Petropólis: Vozes, 1978.

GITLIN, Todd. The whole world is watching: mass media in the making & unmaking of the new left. Tradução de M.T.G.F. de Albuquerque e F.F.L.A. de Albuquerque. Revisão técnica de Afonso de Albuquerque. Berkeley: University of California Press, 1980. Introduction, p.1-18.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 2. ed. Petropólis: Vozes, 2002.

GOMES, Wilson. Jornalismo, fatos e interesses: ensaios de teoria do jornalismo. Florianópolis: Insular. 2009.

HALL, Stuart et al. A produção Social das Notícias: O ‘Mugging’ nos Media. In: TRAQUINA, Nélson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999, p. 224-248.

LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006.

MOURA, Maria Betânia. Os nós da teia: desatando estratégias de faticidade jornalística. São Paulo: Annablume, 2006.

PEIRANO. Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.

PINTO, Pâmela Araújo. As interfaces do jornalismo nacional e regional do Brasil: Roseana Sarney e o caso Lunus. 2010. Disser-tação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal Flumi-nense, Niterói, 2010.

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OS ENQUADRAMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOTÍCIA

SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.

TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do

crime organizadoJOSÉ ARNOLD FILHO

INTRODUÇÃO

O objetivo primordial deste artigo é demonstrar a força e a pujança do rádio AM, mesmo em um momento de multiplicação dos meios midiáticos. Para tal intento, resgatamos a cobertura da Rádio Educadora de São Luís do Maranhão sobre a CPI do crime organizado, instalada no ano de 1999, na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, cujos desdobramentos culminaram com a prisão e com a condenação de policiais e de políticos.

O recorte temático para o presente trabalho foi o clima de comoção traduzido pela cobertura radiofônica. Trata-se de um dos aspectos abordados na dissertação de mestrado, defendida em 2011, na Universidade Federal Fluminense (UFF), intitulada Rádio AM e Radcom em São Luís: convergências e divergências entre a Edu-cadora e a Bacanga.

Antes de tratarmos do tema sobre o qual recaem nossas aten-ções neste texto, examinaremos, nesta introdução ampliada, alguns aspectos da trajetória do rádio no Brasil e no Maranhão.

Os programas de auditório da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, das cantoras do rádio como Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira, Dircinha e Linda Batista, dos apresentadores Paulo Gracindo, César de Alencar, Manoel de Nóbrega e vários outros serviram, por exemplo, de modelo para a criação de forma-tos semelhantes, quando foi instalada a primeira estação de rádio, em São Luís.

Martini (2010, p. 506) destaca a importância da Rádio Na-cional do Rio de Janeiro, nesse período, cujo apogeu ocorreu nas

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SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.

TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do

crime organizadoJOSÉ ARNOLD FILHO

INTRODUÇÃO

O objetivo primordial deste artigo é demonstrar a força e a pujança do rádio AM, mesmo em um momento de multiplicação dos meios midiáticos. Para tal intento, resgatamos a cobertura da Rádio Educadora de São Luís do Maranhão sobre a CPI do crime organizado, instalada no ano de 1999, na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, cujos desdobramentos culminaram com a prisão e com a condenação de policiais e de políticos.

O recorte temático para o presente trabalho foi o clima de comoção traduzido pela cobertura radiofônica. Trata-se de um dos aspectos abordados na dissertação de mestrado, defendida em 2011, na Universidade Federal Fluminense (UFF), intitulada Rádio AM e Radcom em São Luís: convergências e divergências entre a Edu-cadora e a Bacanga.

Antes de tratarmos do tema sobre o qual recaem nossas aten-ções neste texto, examinaremos, nesta introdução ampliada, alguns aspectos da trajetória do rádio no Brasil e no Maranhão.

Os programas de auditório da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, das cantoras do rádio como Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira, Dircinha e Linda Batista, dos apresentadores Paulo Gracindo, César de Alencar, Manoel de Nóbrega e vários outros serviram, por exemplo, de modelo para a criação de forma-tos semelhantes, quando foi instalada a primeira estação de rádio, em São Luís.

Martini (2010, p. 506) destaca a importância da Rádio Na-cional do Rio de Janeiro, nesse período, cujo apogeu ocorreu nas

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décadas de 1940 e de 1950, por ele consideradas a época de ouro para a história do rádio no Brasil.

A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira emissora do País, entrou no ar, em 1923, com um problema a ser resolvido: a fal-ta de aparelhos receptores suficientes para atender à demanda. Em São Luís a primeira emissora foi inaugurada em 1940, fazendo com que o governo e a população enfrentassem a mesma dificuldade: não havia receptores. As pessoas com algumas posses procuravam adquirir os rádios na capital da República, e até fora do país; e a prefeitura local instalava sistemas de alto-falantes nas árvores e nos postes para que a primeira rádio maranhense pudesse ser ouvida.

Prata (2008) nos fala dessa época, dizendo que, apesar de o rádio brasileiro ter sido inaugurado oficialmente em 1922, a pri-meira transmissão somente ocorreria em 1923, quando começou a funcionar de fato a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, considerada a pioneira no Brasil.

Conforme Ortriwano (1985) e Gomes (2007), o rádio brasilei-ro era um meio de elite, porque somente ela tinha poder aquisitivo para buscar os aparelhos de rádio no exterior.

De acordo com Prata (2008), a busca pela audiência começou a melhorar o padrão de qualidade dos programas e fez com que o governo reconhecesse a importância do rádio.

Gomes (2007) nos diz que os profissionais daquela época logo concluíram pela existência de uma relação entre qualidade, audi-ência e faturamento.

Martín-Barbero (2009) registra que a publicidade transformou a comunicação inteira em persuasão, fazendo com que o consumo se convertesse em elemento de cultura. O mesmo autor vai mais além, quando diz que “[...] para a cultura de massa, a publicidade não é somente a fonte mais vasta de seu financiamento; é também a força que produz seu encantamento.” (MARTIN-BARBERO, 2009).

Nessa perspectiva de ascensão das emissoras, em razão prin-cipalmente da publicidade, surgiria a radiodifusão em São Luís do Maranhão. A Rádio Timbira foi inaugurada em 28 de julho de 1940, com o prefixo PRJ-9, Onda Curta, paradoxalmente a faixa de maior

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alcance, atingindo não somente a capital, São Luís, como o inte-rior. (COELHO, 2003). No Estado Novo, o Maranhão era gover-nado pelo interventor federal Paulo Ramos. A emissora, seguindo a orientação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), veiculava mensagens favoráveis aos governos federal e estadual1.

Em 1946, o Brasil retornava à democracia, após a queda do Estado Novo. A Timbira, a exemplo de outras rádios estatais, pas-sou a transmitir também em onda tropical, na faixa de 62 metros, e depois em onda média, na freqüência de 1.280 KHz. A Rádio teve um papel destacado, durante a Greve de 1951, movimento popular que eclodiu em São Luís, contra a posse do então governador Eu-gênio Barros2. Cumprindo as normas jornalísticas, ouviu tanto re-presentantes do governo, quanto da oposição. O governo entendeu como uma afronta o espaço concedido aos líderes oposicionistas, e demitiu toda a direção da Rádio. Esse comportamento não foi modificado nos dias atuais, em que verificamos que os detentores do poder, em sua maioria, entendem que o espaço público deve se subordinar aos interesses privados dos mandatários. A estação teve suas atividades encerradas em 1958, por falta de investimentos go-vernamentais, e retornou ao ar em 1963. A partir do final dos anos 80, começou o declínio da emissora, primeiro com a mudança do local de suas instalações, para um prédio nos arredores da cidade, depois com a redução cada vez maior dos recursos para sua ma-nutenção e, finalmente, em 1996, com a extinção do seu quadro funcional, porque o governo estadual da época pretendia privati-zá-la, a exemplo de medidas semelhantes, adotadas pelo governo federal. Por motivos legais, a Rádio não foi transferida à iniciativa particular, mas a Timbira, que era de grande porte, transformou-se em uma emissora inexpressiva, inclusive por falta de equipe, já

1 O DIP, foi criado pelo decreto-lei 1.915, de 27.12.1939, do Estado Novo, publicado no Diário Oficial da União de 29.12.1939. A finalidade, de acordo com os preceitos do artigo 2º desse dispositivo legal, era regulamentar tudo o que as rádios e os jornais poderiam publicar e impor normas principalmente às rádios da União e dos estados.

2 A greve de 51 aconteceu porque o governador eleito, Saturnino Bello, faleceu antes de tomar posse, e o Tribunal de Justiça do Estado resolveu empossar o 2º candidato mais votado, Eugênio Barros, com o que não concordaram os líderes da oposição, que pleiteavam nova eleição.

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décadas de 1940 e de 1950, por ele consideradas a época de ouro para a história do rádio no Brasil.

A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira emissora do País, entrou no ar, em 1923, com um problema a ser resolvido: a fal-ta de aparelhos receptores suficientes para atender à demanda. Em São Luís a primeira emissora foi inaugurada em 1940, fazendo com que o governo e a população enfrentassem a mesma dificuldade: não havia receptores. As pessoas com algumas posses procuravam adquirir os rádios na capital da República, e até fora do país; e a prefeitura local instalava sistemas de alto-falantes nas árvores e nos postes para que a primeira rádio maranhense pudesse ser ouvida.

Prata (2008) nos fala dessa época, dizendo que, apesar de o rádio brasileiro ter sido inaugurado oficialmente em 1922, a pri-meira transmissão somente ocorreria em 1923, quando começou a funcionar de fato a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, considerada a pioneira no Brasil.

Conforme Ortriwano (1985) e Gomes (2007), o rádio brasilei-ro era um meio de elite, porque somente ela tinha poder aquisitivo para buscar os aparelhos de rádio no exterior.

De acordo com Prata (2008), a busca pela audiência começou a melhorar o padrão de qualidade dos programas e fez com que o governo reconhecesse a importância do rádio.

Gomes (2007) nos diz que os profissionais daquela época logo concluíram pela existência de uma relação entre qualidade, audi-ência e faturamento.

Martín-Barbero (2009) registra que a publicidade transformou a comunicação inteira em persuasão, fazendo com que o consumo se convertesse em elemento de cultura. O mesmo autor vai mais além, quando diz que “[...] para a cultura de massa, a publicidade não é somente a fonte mais vasta de seu financiamento; é também a força que produz seu encantamento.” (MARTIN-BARBERO, 2009).

Nessa perspectiva de ascensão das emissoras, em razão prin-cipalmente da publicidade, surgiria a radiodifusão em São Luís do Maranhão. A Rádio Timbira foi inaugurada em 28 de julho de 1940, com o prefixo PRJ-9, Onda Curta, paradoxalmente a faixa de maior

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alcance, atingindo não somente a capital, São Luís, como o inte-rior. (COELHO, 2003). No Estado Novo, o Maranhão era gover-nado pelo interventor federal Paulo Ramos. A emissora, seguindo a orientação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), veiculava mensagens favoráveis aos governos federal e estadual1.

Em 1946, o Brasil retornava à democracia, após a queda do Estado Novo. A Timbira, a exemplo de outras rádios estatais, pas-sou a transmitir também em onda tropical, na faixa de 62 metros, e depois em onda média, na freqüência de 1.280 KHz. A Rádio teve um papel destacado, durante a Greve de 1951, movimento popular que eclodiu em São Luís, contra a posse do então governador Eu-gênio Barros2. Cumprindo as normas jornalísticas, ouviu tanto re-presentantes do governo, quanto da oposição. O governo entendeu como uma afronta o espaço concedido aos líderes oposicionistas, e demitiu toda a direção da Rádio. Esse comportamento não foi modificado nos dias atuais, em que verificamos que os detentores do poder, em sua maioria, entendem que o espaço público deve se subordinar aos interesses privados dos mandatários. A estação teve suas atividades encerradas em 1958, por falta de investimentos go-vernamentais, e retornou ao ar em 1963. A partir do final dos anos 80, começou o declínio da emissora, primeiro com a mudança do local de suas instalações, para um prédio nos arredores da cidade, depois com a redução cada vez maior dos recursos para sua ma-nutenção e, finalmente, em 1996, com a extinção do seu quadro funcional, porque o governo estadual da época pretendia privati-zá-la, a exemplo de medidas semelhantes, adotadas pelo governo federal. Por motivos legais, a Rádio não foi transferida à iniciativa particular, mas a Timbira, que era de grande porte, transformou-se em uma emissora inexpressiva, inclusive por falta de equipe, já

1 O DIP, foi criado pelo decreto-lei 1.915, de 27.12.1939, do Estado Novo, publicado no Diário Oficial da União de 29.12.1939. A finalidade, de acordo com os preceitos do artigo 2º desse dispositivo legal, era regulamentar tudo o que as rádios e os jornais poderiam publicar e impor normas principalmente às rádios da União e dos estados.

2 A greve de 51 aconteceu porque o governador eleito, Saturnino Bello, faleceu antes de tomar posse, e o Tribunal de Justiça do Estado resolveu empossar o 2º candidato mais votado, Eugênio Barros, com o que não concordaram os líderes da oposição, que pleiteavam nova eleição.

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que todos os antigos empregados haviam sido demitidos e restou-lhe apenas ser um vitrolão3. Sem programas, sem apresentadores, sem jornalismo! Timidamente, há cerca de três anos, começou a reerguer-se. Mas tendo sido a única rádio local que transmitia em ondas médias, tropicais e curtas, hoje dirige o sinal em apenas faixas médias e com um transmissor de reduzido alcance. Não foi por acaso que, a partir das medidas que resultaram no declínio da Timbira, constatou-se que os governadores que as determinaram são proprietários de emissoras de rádio AM, o que leva a entender que não possuem qualquer interesse na manutenção de uma rádio pública de qualidade.

Em 13 de junho de 1947, São Luís passou a ter a sua segun-da emissora de rádio AM, a Rádio Ribamar, criada pelo jornalis-ta Ribamar Pinheiro, que havia sido o primeiro diretor da Rádio Timbira, e pelo comerciante Gerson Tavares. Contrariamente ao que ocorre hoje, em nível nacional, em que a quase totalidade dos proprietários de emissoras de rádio e TV é detentora de manda-tos eletivos ou possui vínculos com detentores desses mandatos, nas primeiras décadas da radiodifusão no Brasil, os concessionários eram apenas comerciantes – hoje chamados de empresários - ou proprietários rurais. A emissora transmitia somente em onda tropi-cal, e, em 1951, passou a operar também em onda média. Gerson Tavares dirigiu a Rádio Ribamar até 1972, quando vendeu a esta-ção ao grupo do ex-deputado Vieira da Silva. No final da década de 1980, o grupo Vieira da Silva vendeu o controle de cotas da Rádio para o sistema liderado pelo ex-governador maranhense Luiz Ro-cha, e a emissora mudou o nome para Rádio Capital.

Consideramos interessante ressaltar o papel que a Rádio Ri-bamar exerceu durante os movimentos grevistas de 1951, que ti-nham como objetivo impedir a posse do governador Eugênio Bar-ros. Essas greves aconteceram porque a oposição entendia que a eleição tinha sido fraudada. A emissora era a única emissora em que as chamadas oposições coligadas tinham acesso, e os espaços

3 O termo vitrolão é usado de forma depreciativa, para referir-se às rádios que não têm programas, apenas tocam músicas.

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eram ocupados por líderes oposicionistas como Neiva Moreira, Clodomir Milet, Genésio Rego, Luiz Cortez, Maria de Lourdes Ma-chado, Maria Aragão, Maurício Jansen, Fernando Viana, Edson Brandão, Jaime Rabelo de Sousa, Tavares das Neves e um jovem político que mais tarde viria a ser governador do Maranhão e pre-sidente da República: José Sarney. Um fato demonstra a existên-cia do mandonismo do governo, até mesmo nos empreendimentos particulares: poucas rádios possuíam gerador de eletricidade e, no horário das oposições coligadas, costumava faltar energia, onde a Rádio Ribamar estava localizada. As oposições, acreditando que se tratava de um desligamento intencional da rede elétrica, por parte da Ullen Company, empresa americana, concessionária do serviço, financiaram a compra de um gerador, de custo considerado eleva-do, o que dificultava sua aquisição com os poucos recursos que as rádios tinham, obtidos com publicidade. Somente assim, as oposi-ções podiam falar na rádio. Observa-se que, transcorridos mais de cinqüenta anos após esse fato, as práticas não mudaram. O des-ligamento intencional de energia na sede das rádios de oposição perdeu a eficiência, e o uso da violência para silenciar essas vozes ainda é feito, mas de forma bastante restrita. Em contrapartida, o poder econômico ganhou contornos muito mais abrangentes e uma rádio de porte médio, se cumprir a sua finalidade jornalística de informar tudo o que interessa à população e criticar grupos pode-rosos que agem em prejuízo dos mais pobres, é cerceada no aspecto financeiro, por parte do governo e dos empresários. Em uma rádio comunitária, o cerceamento é ainda muito mais visível, inviabili-zando a sua manutenção.

Nos anos 1955, São Luís se apresentava como uma capital que comportaria a instalação de uma terceira emissora e o empresário Raimundo Bacelar, que também havia sido diretor da Rádio Tim-bira, do governo do Estado, resolveu criar a sua própria estação e, para isso, constituiu uma sociedade com o técnico de transmissores Edson Browe de Araújo e o deputado estadual José Machado. Em 29 de outubro de 1955, era inaugurada a Rádio Difusora de São Luís, transmitindo em ondas médias e tropicais, e que também foi a precursora da primeira televisão do Maranhão, a TV Difusora

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que todos os antigos empregados haviam sido demitidos e restou-lhe apenas ser um vitrolão3. Sem programas, sem apresentadores, sem jornalismo! Timidamente, há cerca de três anos, começou a reerguer-se. Mas tendo sido a única rádio local que transmitia em ondas médias, tropicais e curtas, hoje dirige o sinal em apenas faixas médias e com um transmissor de reduzido alcance. Não foi por acaso que, a partir das medidas que resultaram no declínio da Timbira, constatou-se que os governadores que as determinaram são proprietários de emissoras de rádio AM, o que leva a entender que não possuem qualquer interesse na manutenção de uma rádio pública de qualidade.

Em 13 de junho de 1947, São Luís passou a ter a sua segun-da emissora de rádio AM, a Rádio Ribamar, criada pelo jornalis-ta Ribamar Pinheiro, que havia sido o primeiro diretor da Rádio Timbira, e pelo comerciante Gerson Tavares. Contrariamente ao que ocorre hoje, em nível nacional, em que a quase totalidade dos proprietários de emissoras de rádio e TV é detentora de manda-tos eletivos ou possui vínculos com detentores desses mandatos, nas primeiras décadas da radiodifusão no Brasil, os concessionários eram apenas comerciantes – hoje chamados de empresários - ou proprietários rurais. A emissora transmitia somente em onda tropi-cal, e, em 1951, passou a operar também em onda média. Gerson Tavares dirigiu a Rádio Ribamar até 1972, quando vendeu a esta-ção ao grupo do ex-deputado Vieira da Silva. No final da década de 1980, o grupo Vieira da Silva vendeu o controle de cotas da Rádio para o sistema liderado pelo ex-governador maranhense Luiz Ro-cha, e a emissora mudou o nome para Rádio Capital.

Consideramos interessante ressaltar o papel que a Rádio Ri-bamar exerceu durante os movimentos grevistas de 1951, que ti-nham como objetivo impedir a posse do governador Eugênio Bar-ros. Essas greves aconteceram porque a oposição entendia que a eleição tinha sido fraudada. A emissora era a única emissora em que as chamadas oposições coligadas tinham acesso, e os espaços

3 O termo vitrolão é usado de forma depreciativa, para referir-se às rádios que não têm programas, apenas tocam músicas.

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eram ocupados por líderes oposicionistas como Neiva Moreira, Clodomir Milet, Genésio Rego, Luiz Cortez, Maria de Lourdes Ma-chado, Maria Aragão, Maurício Jansen, Fernando Viana, Edson Brandão, Jaime Rabelo de Sousa, Tavares das Neves e um jovem político que mais tarde viria a ser governador do Maranhão e pre-sidente da República: José Sarney. Um fato demonstra a existên-cia do mandonismo do governo, até mesmo nos empreendimentos particulares: poucas rádios possuíam gerador de eletricidade e, no horário das oposições coligadas, costumava faltar energia, onde a Rádio Ribamar estava localizada. As oposições, acreditando que se tratava de um desligamento intencional da rede elétrica, por parte da Ullen Company, empresa americana, concessionária do serviço, financiaram a compra de um gerador, de custo considerado eleva-do, o que dificultava sua aquisição com os poucos recursos que as rádios tinham, obtidos com publicidade. Somente assim, as oposi-ções podiam falar na rádio. Observa-se que, transcorridos mais de cinqüenta anos após esse fato, as práticas não mudaram. O des-ligamento intencional de energia na sede das rádios de oposição perdeu a eficiência, e o uso da violência para silenciar essas vozes ainda é feito, mas de forma bastante restrita. Em contrapartida, o poder econômico ganhou contornos muito mais abrangentes e uma rádio de porte médio, se cumprir a sua finalidade jornalística de informar tudo o que interessa à população e criticar grupos pode-rosos que agem em prejuízo dos mais pobres, é cerceada no aspecto financeiro, por parte do governo e dos empresários. Em uma rádio comunitária, o cerceamento é ainda muito mais visível, inviabili-zando a sua manutenção.

Nos anos 1955, São Luís se apresentava como uma capital que comportaria a instalação de uma terceira emissora e o empresário Raimundo Bacelar, que também havia sido diretor da Rádio Tim-bira, do governo do Estado, resolveu criar a sua própria estação e, para isso, constituiu uma sociedade com o técnico de transmissores Edson Browe de Araújo e o deputado estadual José Machado. Em 29 de outubro de 1955, era inaugurada a Rádio Difusora de São Luís, transmitindo em ondas médias e tropicais, e que também foi a precursora da primeira televisão do Maranhão, a TV Difusora

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canal 4, que viria a ser instalada em 1963. A Rádio Difusora foi, na época, a mais forte concorrente da Rádio Timbira, na busca de audiência. Como não havia institutos de pesquisa em São Luís, os índices eram apresentados de forma aleatória, de acordo com o que as próprias emissoras divulgavam.

Em 1961, um fato mais uma vez comprovaria a estreita liga-ção entre os proprietários de empresas de comunicação e o estado brasileiro, vínculos estabelecidos desde o governo Vargas, durante quinze anos, continuados durante o curto período democrático de 46 a 64, mantidos pela ditadura militar e até mesmo pela democra-cia pós-88: o fundador e dono dos Diários Associados, Assis Cha-teaubriand, foi eleito senador pelo Maranhão, sem sequer ter vindo ao Estado fazer campanha política, devendo essa vitória, em parte, ao prestígio político do senador Vitorino Freire, que, nos anos de 1945 a 1965, comandou uma oligarquia responsável pela eleição de quatro governadores. Para demonstrar força política, Chateau-briand instalou a quarta rádio da capital maranhense: a Gurupi. Tão grande era o prestígio desse “coronel das comunicações”, no governo do então presidente João Goulart, a Rádio Gurupi entrou no ar em 2 de janeiro de 1962, sem que tivesse concessão e prefixo. A concessão só viria seis meses depois da inauguração. O diretor regional dos Diários Associados, Pires de Sabóia, professor da Fa-culdade Federal de Direito, recrutou para o elenco de locutores da Gurupi os seus alunos do Curso de Ciências Jurídicas. Naqueles anos, não havia Curso de Comunicação Social em São Luís e os lo-cutores, em sua quase totalidade, não possuíam graduação univer-sitária. Assim, a emissora ficou conhecida como a “Universidade do Rádio”. A Gurupi permaneceu no ar até 30 de junho de 1981, quando foi vendida ao grupo Zildêni Falcão, que mudou a sua de-nominação para Rádio São Luís4.

Aqui caberia a pergunta: se as AM’s ainda têm capacidade de conquistar audiência, por que a rádio foi vendida? A venda dessa

4 O autor deste artigo trabalhou na Rádio Gurupi nos anos de 1969 a 1972, como locu-tor, e de 1977 a 1981, como diretor geral, onde obteve essas informações e foi também diretor de programação da Rádio São Luís, emissora que se originou da venda da Rádio Gurupi para o Grupo Zildêni Falcão.

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e de tantas outras rádios dos Associados, em vários estados brasi-leiros, foi conseqüência da cassação, pela ditadura militar, das sete televisões desse conglomerado de veículos, em 1980, que constitu-íam a Rede Tupi de Televisão. A viabilidade da emissora pode ser comprovada na medida em que o grupo que a comprou, há mais de trinta anos, continua explorando-a comercialmente, em boas condições de audiência e faturamento.

A Rádio Mirante iniciou suas transmissões em 1986, e, perten-ce ao grupo político-empresarial do ex-presidente da República José Sarney. Integra o maior complexo de comunicação do Maranhão, em número de veículos, do qual fazem parte a TV Mirante, afiliada da Rede Globo, a Mirante FM, o jornal “O Estado do Maranhão”, além de emissoras AMs ou FMs em cada cidade do interior do Estado.

Apresentado o demonstrativo das rádios AM’s em São Luís, constata-se que a Timbira foi à pioneira, mas como rádio esta-tal, sofreu entraves políticos e administrativos que a levaram ao fechamento, seguido de uma reabertura e depois ao declínio. O governo estadual a mantém a contragosto, simplesmente, porque não conseguiu privatizá-la, dedução que fazemos devido à quase inexistência de investimentos na emissora. A Rádio Ribamar, que mudou o nome para Rádio Capital, pertence a um grupo que a uti-liza exclusivamente com objetivos especialmente políticos, o que a impede de fazer um jornalismo que divulgue informações contrárias aos seus interesses. A Rádio São Luís, do grupo Zildêni Falcão, cuja atividade principal é a distribuição de revistas, tem sua programa-ção voltada para divulgar esses impressos, e a Mirante, do ex-pre-sidente Sarney, apenas transmite programas de interesse do grupo ao qual serve.

O diferencial poderia ser a Rádio Educadora. A condição de pertencer à Igreja Católica, se, por um lado, permite que tenha uma programação alardeada como laica, se comparada às rádios de ou-tras denominações religiosas, estas últimas sem qualquer laicidade, por outro lado implica a constituição de uma suposta autoridade moral, que pode ter como consequência a supressão de princípios democráticos que, a priori, poderiam ou deveriam ser os objetivos que nortearam a sua criação. Originalmente dirigida ao meio rural,

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canal 4, que viria a ser instalada em 1963. A Rádio Difusora foi, na época, a mais forte concorrente da Rádio Timbira, na busca de audiência. Como não havia institutos de pesquisa em São Luís, os índices eram apresentados de forma aleatória, de acordo com o que as próprias emissoras divulgavam.

Em 1961, um fato mais uma vez comprovaria a estreita liga-ção entre os proprietários de empresas de comunicação e o estado brasileiro, vínculos estabelecidos desde o governo Vargas, durante quinze anos, continuados durante o curto período democrático de 46 a 64, mantidos pela ditadura militar e até mesmo pela democra-cia pós-88: o fundador e dono dos Diários Associados, Assis Cha-teaubriand, foi eleito senador pelo Maranhão, sem sequer ter vindo ao Estado fazer campanha política, devendo essa vitória, em parte, ao prestígio político do senador Vitorino Freire, que, nos anos de 1945 a 1965, comandou uma oligarquia responsável pela eleição de quatro governadores. Para demonstrar força política, Chateau-briand instalou a quarta rádio da capital maranhense: a Gurupi. Tão grande era o prestígio desse “coronel das comunicações”, no governo do então presidente João Goulart, a Rádio Gurupi entrou no ar em 2 de janeiro de 1962, sem que tivesse concessão e prefixo. A concessão só viria seis meses depois da inauguração. O diretor regional dos Diários Associados, Pires de Sabóia, professor da Fa-culdade Federal de Direito, recrutou para o elenco de locutores da Gurupi os seus alunos do Curso de Ciências Jurídicas. Naqueles anos, não havia Curso de Comunicação Social em São Luís e os lo-cutores, em sua quase totalidade, não possuíam graduação univer-sitária. Assim, a emissora ficou conhecida como a “Universidade do Rádio”. A Gurupi permaneceu no ar até 30 de junho de 1981, quando foi vendida ao grupo Zildêni Falcão, que mudou a sua de-nominação para Rádio São Luís4.

Aqui caberia a pergunta: se as AM’s ainda têm capacidade de conquistar audiência, por que a rádio foi vendida? A venda dessa

4 O autor deste artigo trabalhou na Rádio Gurupi nos anos de 1969 a 1972, como locu-tor, e de 1977 a 1981, como diretor geral, onde obteve essas informações e foi também diretor de programação da Rádio São Luís, emissora que se originou da venda da Rádio Gurupi para o Grupo Zildêni Falcão.

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e de tantas outras rádios dos Associados, em vários estados brasi-leiros, foi conseqüência da cassação, pela ditadura militar, das sete televisões desse conglomerado de veículos, em 1980, que constitu-íam a Rede Tupi de Televisão. A viabilidade da emissora pode ser comprovada na medida em que o grupo que a comprou, há mais de trinta anos, continua explorando-a comercialmente, em boas condições de audiência e faturamento.

A Rádio Mirante iniciou suas transmissões em 1986, e, perten-ce ao grupo político-empresarial do ex-presidente da República José Sarney. Integra o maior complexo de comunicação do Maranhão, em número de veículos, do qual fazem parte a TV Mirante, afiliada da Rede Globo, a Mirante FM, o jornal “O Estado do Maranhão”, além de emissoras AMs ou FMs em cada cidade do interior do Estado.

Apresentado o demonstrativo das rádios AM’s em São Luís, constata-se que a Timbira foi à pioneira, mas como rádio esta-tal, sofreu entraves políticos e administrativos que a levaram ao fechamento, seguido de uma reabertura e depois ao declínio. O governo estadual a mantém a contragosto, simplesmente, porque não conseguiu privatizá-la, dedução que fazemos devido à quase inexistência de investimentos na emissora. A Rádio Ribamar, que mudou o nome para Rádio Capital, pertence a um grupo que a uti-liza exclusivamente com objetivos especialmente políticos, o que a impede de fazer um jornalismo que divulgue informações contrárias aos seus interesses. A Rádio São Luís, do grupo Zildêni Falcão, cuja atividade principal é a distribuição de revistas, tem sua programa-ção voltada para divulgar esses impressos, e a Mirante, do ex-pre-sidente Sarney, apenas transmite programas de interesse do grupo ao qual serve.

O diferencial poderia ser a Rádio Educadora. A condição de pertencer à Igreja Católica, se, por um lado, permite que tenha uma programação alardeada como laica, se comparada às rádios de ou-tras denominações religiosas, estas últimas sem qualquer laicidade, por outro lado implica a constituição de uma suposta autoridade moral, que pode ter como consequência a supressão de princípios democráticos que, a priori, poderiam ou deveriam ser os objetivos que nortearam a sua criação. Originalmente dirigida ao meio rural,

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apesar de estar localizada na capital do Estado, a Rádio marcou os seus primeiros anos como veículo que contestava a ditadura. Contestava, em termos, porque o golpe de março de 1964, inicial-mente, foi apoiado pela Igreja Católica, conforme ficou demonstra-do na Marcha da Família com Deus pela Liberdade5. Mas algumas posições contrárias aos militares, assumidas pela Rádio, a partir dos anos 1966 e os que se seguiram, quando o regime iniciou o processo de recrudescimento, fizeram com que a Rádio fosse fechada por duas vezes. Na véspera das comemorações da Independência do Brasil, em 1967, a Educadora divulgou um editorial, no qual cri-ticava o governo, argumentando que os generais haviam acabado com a independência e colocado o País sob o controle dos Estados Unidos. O fechamento ocorreu no mesmo dia – 6 de setembro de 1967 – pela unidade local do Exército que, apesar de o Brasil se encontrar em regime de exceção, não tinha poderes para lacrar es-tações. Para que retornasse ao ar, o Arcebispo dom João José da Mota Albuquerque precisou recorrer à influência da Igreja Católi-ca. Mesmo criticando a ditadura, a Igreja era respeitada pelos dita-dores – talvez até em razão das críticas. Ao voltar de Brasília com a ordem de retirada do lacre, o Arcebispo fez um pronunciamento mais contundente contra os militares, que, a partir dessa data, de-ram uma trégua à Rádio.6

RÁDIO EDUCADORA, VOZ E VEZ DOS EXCLUÍDOS: MAS QUEM SÃO OS EXCLUÍDOS?

Voz e vez dos excluídos! Este é um dos slogans da Educadora. Informações inseridas no site da Rádio indicam que foi criada para atender especialmente às comunidades interioranas do Estado.

5 Nome dado a uma série de manifestações contra o governo do então presidente João Goulart, iniciadas a partir do comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, que geraram temores por parte da Igreja Católica, apoiada pelas classes conservado-ras, de que o governo pretendesse instaurar uma república sindicalista-comunista.

6 Informações repassadas ao autor pelo professor Geraldo Ribeiro Pinto, que foi dire-tor-geral da Rádio Educadora nos anos 1970.

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Com esse objetivo, foi registrada a razão social Rádio Educadora do Maranhão Rural, em 24 de julho de 1960. Em 1962, o então Minis-tério da Viação e Obras Públicas liberou a concessão de funciona-mento, e quatro anos depois a emissora entrava no ar, tendo como seu primeiro diretor o jornalista José Maria Linhares. A programa-ção inicial era destinada à área rural do Maranhão, o que permitiu a criação de parcerias com órgãos do governo, como as secretarias de Estado do Interior, da Agricultura e da Educação, Associação de Crédito e Assistência Rural e Movimento de Educação de Base. Com isso, houve uma reação negativa por parte da população, que entendeu que a Igreja Católica teria estabelecido uma ligação com os poderes públicos, o que poderia contrariar os objetivos da Rádio, de ser um instrumento de combate ao regime ditatorial e porta-voz dos excluídos. Na concepção editorial da Rádio, explicitada no site da estação, a reação negativa se desfez na medida em que a Educa-dora se mostrou atuante e conhecedora dos problemas do campo. Dessa forma, estaria capacitada para atender às necessidades de informação dos trabalhadores do campo e da cidade, permitindo a essas pessoas que expusessem seus problemas e aspirações.7

RÁDIO EDUCADORA E A REPORTAGEM SOBRE A CPI DO CRIME ORGANIZADO: SENSACIONALISMO

A Rádio Educadora fez, nos anos 1999, uma reportagem que mostrou que o rádio AM, ao percorrer caminhos mais abertos ao jornalismo, poderia ter resultados positivos na busca pela conquista do público que migrara para o FM, seduzido pela melhor qualidade de áudio. Os aspectos principais desse trabalho jornalísticos pode-rão comprovar as premissas de que o rádio em amplitude modulada ainda é um dos veículos de maior abrangência – se não o principal – entre as mídias eletrônicas.

Em 1999, o delegado Stênio Mendonça, da Polícia Civil do Maranhão, dirigindo a investigação sobre o roubo de carretas, no

7 Informações obtidas no site www.educadora560.com.br.

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apesar de estar localizada na capital do Estado, a Rádio marcou os seus primeiros anos como veículo que contestava a ditadura. Contestava, em termos, porque o golpe de março de 1964, inicial-mente, foi apoiado pela Igreja Católica, conforme ficou demonstra-do na Marcha da Família com Deus pela Liberdade5. Mas algumas posições contrárias aos militares, assumidas pela Rádio, a partir dos anos 1966 e os que se seguiram, quando o regime iniciou o processo de recrudescimento, fizeram com que a Rádio fosse fechada por duas vezes. Na véspera das comemorações da Independência do Brasil, em 1967, a Educadora divulgou um editorial, no qual cri-ticava o governo, argumentando que os generais haviam acabado com a independência e colocado o País sob o controle dos Estados Unidos. O fechamento ocorreu no mesmo dia – 6 de setembro de 1967 – pela unidade local do Exército que, apesar de o Brasil se encontrar em regime de exceção, não tinha poderes para lacrar es-tações. Para que retornasse ao ar, o Arcebispo dom João José da Mota Albuquerque precisou recorrer à influência da Igreja Católi-ca. Mesmo criticando a ditadura, a Igreja era respeitada pelos dita-dores – talvez até em razão das críticas. Ao voltar de Brasília com a ordem de retirada do lacre, o Arcebispo fez um pronunciamento mais contundente contra os militares, que, a partir dessa data, de-ram uma trégua à Rádio.6

RÁDIO EDUCADORA, VOZ E VEZ DOS EXCLUÍDOS: MAS QUEM SÃO OS EXCLUÍDOS?

Voz e vez dos excluídos! Este é um dos slogans da Educadora. Informações inseridas no site da Rádio indicam que foi criada para atender especialmente às comunidades interioranas do Estado.

5 Nome dado a uma série de manifestações contra o governo do então presidente João Goulart, iniciadas a partir do comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, que geraram temores por parte da Igreja Católica, apoiada pelas classes conservado-ras, de que o governo pretendesse instaurar uma república sindicalista-comunista.

6 Informações repassadas ao autor pelo professor Geraldo Ribeiro Pinto, que foi dire-tor-geral da Rádio Educadora nos anos 1970.

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Com esse objetivo, foi registrada a razão social Rádio Educadora do Maranhão Rural, em 24 de julho de 1960. Em 1962, o então Minis-tério da Viação e Obras Públicas liberou a concessão de funciona-mento, e quatro anos depois a emissora entrava no ar, tendo como seu primeiro diretor o jornalista José Maria Linhares. A programa-ção inicial era destinada à área rural do Maranhão, o que permitiu a criação de parcerias com órgãos do governo, como as secretarias de Estado do Interior, da Agricultura e da Educação, Associação de Crédito e Assistência Rural e Movimento de Educação de Base. Com isso, houve uma reação negativa por parte da população, que entendeu que a Igreja Católica teria estabelecido uma ligação com os poderes públicos, o que poderia contrariar os objetivos da Rádio, de ser um instrumento de combate ao regime ditatorial e porta-voz dos excluídos. Na concepção editorial da Rádio, explicitada no site da estação, a reação negativa se desfez na medida em que a Educa-dora se mostrou atuante e conhecedora dos problemas do campo. Dessa forma, estaria capacitada para atender às necessidades de informação dos trabalhadores do campo e da cidade, permitindo a essas pessoas que expusessem seus problemas e aspirações.7

RÁDIO EDUCADORA E A REPORTAGEM SOBRE A CPI DO CRIME ORGANIZADO: SENSACIONALISMO

A Rádio Educadora fez, nos anos 1999, uma reportagem que mostrou que o rádio AM, ao percorrer caminhos mais abertos ao jornalismo, poderia ter resultados positivos na busca pela conquista do público que migrara para o FM, seduzido pela melhor qualidade de áudio. Os aspectos principais desse trabalho jornalísticos pode-rão comprovar as premissas de que o rádio em amplitude modulada ainda é um dos veículos de maior abrangência – se não o principal – entre as mídias eletrônicas.

Em 1999, o delegado Stênio Mendonça, da Polícia Civil do Maranhão, dirigindo a investigação sobre o roubo de carretas, no

7 Informações obtidas no site www.educadora560.com.br.

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Estado, foi assassinado com cinco tiros. O deputado estadual José Gerardo, dono de empresa concessionária de transporte coletivo, foi acusado de ser o mandante do crime. Foram ainda acusados pelo assassinato de Stênio Mendonça o delegado de Polícia Luís Moura; a mulher dele, Ilce Gabina; o cunhado, Raimundo Gabina de Cas-tro; os deputados Davi Alves Silva e Francisco Caíca e o empresário Joaquim Laurixto, que havia trabalhado como segurança do ex-pre-sidente José Sarney. José Gerardo foi condenado em 2002 a 23 anos de prisão, como mandante do assassinato do delegado Stênio Men-donça e cumpre pena na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas, em São Luís. A apuração do homicídio foi antecipada de um processo amplo, que se desenvolveu primeiro na Câmara dos Deputados, em Brasília, com a instalação de uma Comissão Parlamentar de In-quérito, denominada CPI do Narcotráfico, para apurar denúncias sobre a existência de tráfico de drogas, incluindo roubo de cargas, compra e venda de armas, prostituição de crianças e adolescentes e assassinatos de encomenda em cerca de 14 estados brasileiros. Depois, a Assembléia Legislativa do Maranhão instalou uma CPI semelhante, mas com nome diferente, a CPI do crime organizado. De acordo com Wolf (2005), a mídia passa para o primeiro plano o acontecimento que decidiu enfatizar. No mesmo período houve vários outros assuntos, talvez até mais importantes, que não recebe-ram tanto destaque. As duas CPI’s, a federal e a estadual, tiveram reportagens feitas pela imprensa do Maranhão, mas uma emissora de rádio local priorizou a reportagem ao vivo, dos trabalhos da CPI do narcotráfico, em Brasília, e da CPI do crime organizado, no Ma-ranhão: a Rádio AM Educadora, da Arquidiocese de São Luís. A transposição desse acontecimento para o primeiro plano das infor-mações jornalísticas renderia uma visibilidade que a direção e os profissionais da emissora não vislumbraram inicialmente.

Em 7 de outubro de 1999, o apresentador Roberto Fernan-des, da Rádio Educadora, começou a falar sobre a Comissão Par-lamentar de Inquérito, criada para investigar o narcotráfico, em Brasília, e sobre CPI semelhante, que seria instalada em São Luís, para apurar o crime organizado, segundo informações divulgadas pela Rádio Educadora. Abertos os trabalhos da Comissão federal,

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a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, pediu ao relator Mo-roni Torgan que os trabalhos também fossem deslocados para São Luís. Roberto Fernandes, ao dar essa informação, procurou trazer para a emissora os méritos da decisão da governadora:

A governadora Roseana Sarney resolveu atender aos apelos dos nossos ouvintes e já se pronunciou sobre a CPI. E mais: quer re-sultados imediatos sobre as investigações acerca do crime organi-zado no Maranhão. A governadora enviou uma carta ao relator da CPI do narcotráfico, deputado Moroni Torgan, convidando-o a colaborar com as investigações da Assembleia, aqui em São Luís. Membros da CPI, deputados e lideranças se encontram em Brasília, para acompanhar de perto o depoimento do deputado José Gerar-do, acusado de chefiar o crime organizado no Maranhão. O depoi-mento deve ter início às 10 horas, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Ontem, a comissão ouviu as explicações de Augusto Farias e a Polícia Federal, finalmente, conseguiu encontrar o empresário Willian Sozza, que deve depor na próxima semana. Ainda ontem, a CPI aprovou a convocação do deputado Francisco Caíca e do ex-deputado Marconi Farias. Ontem, o deputado Augusto Farias, aos berros, no grito, evitou certamente o que mais ele temia: a acarea-ção com Jorge Meres. Na hora em que o deputado do Mato Grosso pediu para ficarem frente a frente Augusto Farias e Jorge Meres, Augusto Farias berrou, gritou e acabou não acontecendo a aca-reação. Hoje teremos o deputado José Gerardo depondo na CPI8.

8 O deputado federal Moroni Torgan, na época do PFL do Ceará, foi o Relator da CPI do narcotráfico. Um dos investigados pela CPI, Willian Sozza, também conhecido com Willian Marques, empresário de Campinas, São Paulo, era considerado testa-de-ferro de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do ex-presidente da República Fernando Collor. Paulo César Farias, o PC, tido como um dos pivôs do impeachment do ex-presidente Collor, foi encontrado morto em 1996, na praia de Guaxuma, em Maceió, Estado do Alagoas. Duas hipóteses foram levantadas sobre a morte: suicí-dio ou homicídio, sendo que, nesta última, o irmão de PC Farias, o então deputado Augusto Farias, foi acusado de ser o mandante do crime. Francisco Caíca, na época deputado estadual e então aliado do deputado José Gerardo, foi cassado em 2 de dezembro de 1999, quando teve sua prisão decretada. Temeroso de ser assassinado a mando do deputado José Gerardo, que o considerou um traidor, durante o decorrer do processo, pediu para ficar sob a proteção da Polícia Federal. Jorge Méres Alves foi apontado como um dos membros da quadrilha do crime organizado. Em depoimento à CPI, acusou os deputados José Gerardo e Francisco Caíca, o ex-deputado Hilde-brando Paschoal e o empresário Willian Sozza. Jorge Méres morreu em São Luís, e o atestado de óbito informou enfarte do miocárdio, como causa da morte. Hildebrando

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Estado, foi assassinado com cinco tiros. O deputado estadual José Gerardo, dono de empresa concessionária de transporte coletivo, foi acusado de ser o mandante do crime. Foram ainda acusados pelo assassinato de Stênio Mendonça o delegado de Polícia Luís Moura; a mulher dele, Ilce Gabina; o cunhado, Raimundo Gabina de Cas-tro; os deputados Davi Alves Silva e Francisco Caíca e o empresário Joaquim Laurixto, que havia trabalhado como segurança do ex-pre-sidente José Sarney. José Gerardo foi condenado em 2002 a 23 anos de prisão, como mandante do assassinato do delegado Stênio Men-donça e cumpre pena na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas, em São Luís. A apuração do homicídio foi antecipada de um processo amplo, que se desenvolveu primeiro na Câmara dos Deputados, em Brasília, com a instalação de uma Comissão Parlamentar de In-quérito, denominada CPI do Narcotráfico, para apurar denúncias sobre a existência de tráfico de drogas, incluindo roubo de cargas, compra e venda de armas, prostituição de crianças e adolescentes e assassinatos de encomenda em cerca de 14 estados brasileiros. Depois, a Assembléia Legislativa do Maranhão instalou uma CPI semelhante, mas com nome diferente, a CPI do crime organizado. De acordo com Wolf (2005), a mídia passa para o primeiro plano o acontecimento que decidiu enfatizar. No mesmo período houve vários outros assuntos, talvez até mais importantes, que não recebe-ram tanto destaque. As duas CPI’s, a federal e a estadual, tiveram reportagens feitas pela imprensa do Maranhão, mas uma emissora de rádio local priorizou a reportagem ao vivo, dos trabalhos da CPI do narcotráfico, em Brasília, e da CPI do crime organizado, no Ma-ranhão: a Rádio AM Educadora, da Arquidiocese de São Luís. A transposição desse acontecimento para o primeiro plano das infor-mações jornalísticas renderia uma visibilidade que a direção e os profissionais da emissora não vislumbraram inicialmente.

Em 7 de outubro de 1999, o apresentador Roberto Fernan-des, da Rádio Educadora, começou a falar sobre a Comissão Par-lamentar de Inquérito, criada para investigar o narcotráfico, em Brasília, e sobre CPI semelhante, que seria instalada em São Luís, para apurar o crime organizado, segundo informações divulgadas pela Rádio Educadora. Abertos os trabalhos da Comissão federal,

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a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, pediu ao relator Mo-roni Torgan que os trabalhos também fossem deslocados para São Luís. Roberto Fernandes, ao dar essa informação, procurou trazer para a emissora os méritos da decisão da governadora:

A governadora Roseana Sarney resolveu atender aos apelos dos nossos ouvintes e já se pronunciou sobre a CPI. E mais: quer re-sultados imediatos sobre as investigações acerca do crime organi-zado no Maranhão. A governadora enviou uma carta ao relator da CPI do narcotráfico, deputado Moroni Torgan, convidando-o a colaborar com as investigações da Assembleia, aqui em São Luís. Membros da CPI, deputados e lideranças se encontram em Brasília, para acompanhar de perto o depoimento do deputado José Gerar-do, acusado de chefiar o crime organizado no Maranhão. O depoi-mento deve ter início às 10 horas, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Ontem, a comissão ouviu as explicações de Augusto Farias e a Polícia Federal, finalmente, conseguiu encontrar o empresário Willian Sozza, que deve depor na próxima semana. Ainda ontem, a CPI aprovou a convocação do deputado Francisco Caíca e do ex-deputado Marconi Farias. Ontem, o deputado Augusto Farias, aos berros, no grito, evitou certamente o que mais ele temia: a acarea-ção com Jorge Meres. Na hora em que o deputado do Mato Grosso pediu para ficarem frente a frente Augusto Farias e Jorge Meres, Augusto Farias berrou, gritou e acabou não acontecendo a aca-reação. Hoje teremos o deputado José Gerardo depondo na CPI8.

8 O deputado federal Moroni Torgan, na época do PFL do Ceará, foi o Relator da CPI do narcotráfico. Um dos investigados pela CPI, Willian Sozza, também conhecido com Willian Marques, empresário de Campinas, São Paulo, era considerado testa-de-ferro de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do ex-presidente da República Fernando Collor. Paulo César Farias, o PC, tido como um dos pivôs do impeachment do ex-presidente Collor, foi encontrado morto em 1996, na praia de Guaxuma, em Maceió, Estado do Alagoas. Duas hipóteses foram levantadas sobre a morte: suicí-dio ou homicídio, sendo que, nesta última, o irmão de PC Farias, o então deputado Augusto Farias, foi acusado de ser o mandante do crime. Francisco Caíca, na época deputado estadual e então aliado do deputado José Gerardo, foi cassado em 2 de dezembro de 1999, quando teve sua prisão decretada. Temeroso de ser assassinado a mando do deputado José Gerardo, que o considerou um traidor, durante o decorrer do processo, pediu para ficar sob a proteção da Polícia Federal. Jorge Méres Alves foi apontado como um dos membros da quadrilha do crime organizado. Em depoimento à CPI, acusou os deputados José Gerardo e Francisco Caíca, o ex-deputado Hilde-brando Paschoal e o empresário Willian Sozza. Jorge Méres morreu em São Luís, e o atestado de óbito informou enfarte do miocárdio, como causa da morte. Hildebrando

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Vejamos qual a posição da Rádio Educadora em relação ao go-verno de Roseana Sarney. A Rádio assume-se como sendo contrá-ria ao governo. Com isso, porém, deixa de ter o distanciamento ne-cessário na emissão de conceitos relativos à governadora e ao grupo que representa. Roseana Sarney é a herdeira política de um grupo que assumiu o comando do Estado há 45 anos, quando o pai, José Sarney tomou posse como governador do Maranhão, em 1966. Na época da CPI do Crime Organizado, a governadora cumpria o seu segundo mandato. Reeleita em 2010 para o quarto mandato, Ro-seana foi a governadora que permaneceu o mais longo período de tempo à frente dos destinos do Maranhão. Essa longa permanência no poder faz com que seja cômodo para uma Rádio, que se apre-senta como porta-voz da Igreja Católica e dos oprimidos, situar-se na oposição. Até porque o principal acusado, na CPI do Crime Or-ganizado, era considerado, até antes do processo, um parlamentar que, mesmo não pertencendo ao partido situacionista, transitava muito bem no governo estadual. A postura da Educadora faz com que o apresentador Roberto Fernandes, sempre que possível, dirija suas alfinetadas, quando não especificamente à governadora, aos políticos que a apóiam. Fernandes demonstrou isso quando disse que a CPI começou a criar polêmica, na indicação dos deputados estaduais para os cargos de Presidente e Relator:

Uma notícia que surpreendeu a classe política e até ao governo do Estado: é que o presidente da Assembléia Legislativa teria vetado o nome do deputado Jomar Fernandes. A questão não é bem essa. O que ocorre é que, na Assembléia, os deputados têm por praxe ser o presidente da CPI aquele que é o autor do requerimento. Mas presidente e relator são votados na hora em que são esco-lhidos os membros dessa CPI. O Jornal Pequeno deu hoje esta manchete: Lourival Mendes é escolhido para presidir a Comissão. Ora, o que todo mundo imaginava e o que todo mundo esperava era que o deputado Jomar Fernandes fosse escolhido presidente da CPI. Espero, já que ele não foi o presidente que, como autor do re-

Paschoal, ex-deputado federal e ex-coronel do Exército, foi condenado, em março de 2005, a 25 anos de prisão, por homicídio triplamente qualificado e também por ser integrante da quadrilha do crime organizado.(Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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querimento, pelo menos seja o relator. Agora o deputado Lourival Mendes é uma pessoa competente, inclusive é um delegado de car-reira. Mas, na hora em que se falou das denúncias, o nosso repórter Denny Cabral tentou ouvi-lo e foi o primeiro frouxo. Disse assim mesmo: eu não sei nada, eu não vi nada, eu não vou falar. Então, como é que um deputado, com medo de falar, vai assumir a presi-dência da CPI? É competente, o senhor Lourival Mendes. Se não amolecer, se não tiver medo. E ainda tem muita gente com medo, nesta Assembléia do Maranhão, porque três deputados não quise-ram assumir a CPI. Um deles é o deputado Pavão Filho. Disse, in-clusive, eu declinei, porque tinha outras tarefas. No momento, eu entendo que esta é a tarefa mais importante do Estado. Os outros dois foram Júlio Monteles e Antônio Carlos Bacelar. Eles pediram para não participar da CPI e o motivo não é outro. É medo!9

Entendemos que o impasse foi superdimensionado, por par-te da Rádio Educadora e do apresentador, que fez o uso de termos agressivos, beirando o grotesco. Na realidade, a direção da Rádio e o jornalista esperavam que o deputado Jomar Fernandes fosse não apenas o presidente da Comissão, mas que conduzisse os trabalhos de forma que as acusações respingassem na governadora Roseana Sarney, como o apresentador deixa claro no texto a seguir transcrito:

Eu acho que até a governadora, ouvindo os apelos dos ouvintes da Rádio Educadora - e nós dissemos isto pra ela, quando a entre-vistamos - já entendeu que o grupo político que aí está, ao longo

9 O deputado Jomar Fernandes foi um dos fundadores do Partido dos Tra-balhadores, no Maranhão. Quando militou no movimento estudantil, na década de 70, foi um dos líderes da Campanha da Meia Passagem, no Ma-ranhão, vitoriosa em 1979. Foi prefeito do município de Imperatriz, interior do Maranhão, no período de 2001 a 2004. Lourival Mendes, atualmente deputado federal pelo Partido Trabalhista do Brasil, foi deputado estadual e, nessa condição, presidiu a CPI do Crime Organizado, em 1997. O deputado estadual Pavão Filho hoje integra os quadros do PDT, mas, na época da CPI do Crime Organizado, pertencia ao PMDB. Os deputados Júlio Monteles e Antônio Carlos Bacelar hoje fazem parte, respectivamente, do PMDB e PDT. O “Jornal Pequeno”, matutino que circula em São Luís desde 1951, faz oposição declarada não somente à governadora Roseana Sarney, mas a todo o grupo político liderado pelo ex-presidente José Sarney (Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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Vejamos qual a posição da Rádio Educadora em relação ao go-verno de Roseana Sarney. A Rádio assume-se como sendo contrá-ria ao governo. Com isso, porém, deixa de ter o distanciamento ne-cessário na emissão de conceitos relativos à governadora e ao grupo que representa. Roseana Sarney é a herdeira política de um grupo que assumiu o comando do Estado há 45 anos, quando o pai, José Sarney tomou posse como governador do Maranhão, em 1966. Na época da CPI do Crime Organizado, a governadora cumpria o seu segundo mandato. Reeleita em 2010 para o quarto mandato, Ro-seana foi a governadora que permaneceu o mais longo período de tempo à frente dos destinos do Maranhão. Essa longa permanência no poder faz com que seja cômodo para uma Rádio, que se apre-senta como porta-voz da Igreja Católica e dos oprimidos, situar-se na oposição. Até porque o principal acusado, na CPI do Crime Or-ganizado, era considerado, até antes do processo, um parlamentar que, mesmo não pertencendo ao partido situacionista, transitava muito bem no governo estadual. A postura da Educadora faz com que o apresentador Roberto Fernandes, sempre que possível, dirija suas alfinetadas, quando não especificamente à governadora, aos políticos que a apóiam. Fernandes demonstrou isso quando disse que a CPI começou a criar polêmica, na indicação dos deputados estaduais para os cargos de Presidente e Relator:

Uma notícia que surpreendeu a classe política e até ao governo do Estado: é que o presidente da Assembléia Legislativa teria vetado o nome do deputado Jomar Fernandes. A questão não é bem essa. O que ocorre é que, na Assembléia, os deputados têm por praxe ser o presidente da CPI aquele que é o autor do requerimento. Mas presidente e relator são votados na hora em que são esco-lhidos os membros dessa CPI. O Jornal Pequeno deu hoje esta manchete: Lourival Mendes é escolhido para presidir a Comissão. Ora, o que todo mundo imaginava e o que todo mundo esperava era que o deputado Jomar Fernandes fosse escolhido presidente da CPI. Espero, já que ele não foi o presidente que, como autor do re-

Paschoal, ex-deputado federal e ex-coronel do Exército, foi condenado, em março de 2005, a 25 anos de prisão, por homicídio triplamente qualificado e também por ser integrante da quadrilha do crime organizado.(Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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querimento, pelo menos seja o relator. Agora o deputado Lourival Mendes é uma pessoa competente, inclusive é um delegado de car-reira. Mas, na hora em que se falou das denúncias, o nosso repórter Denny Cabral tentou ouvi-lo e foi o primeiro frouxo. Disse assim mesmo: eu não sei nada, eu não vi nada, eu não vou falar. Então, como é que um deputado, com medo de falar, vai assumir a presi-dência da CPI? É competente, o senhor Lourival Mendes. Se não amolecer, se não tiver medo. E ainda tem muita gente com medo, nesta Assembléia do Maranhão, porque três deputados não quise-ram assumir a CPI. Um deles é o deputado Pavão Filho. Disse, in-clusive, eu declinei, porque tinha outras tarefas. No momento, eu entendo que esta é a tarefa mais importante do Estado. Os outros dois foram Júlio Monteles e Antônio Carlos Bacelar. Eles pediram para não participar da CPI e o motivo não é outro. É medo!9

Entendemos que o impasse foi superdimensionado, por par-te da Rádio Educadora e do apresentador, que fez o uso de termos agressivos, beirando o grotesco. Na realidade, a direção da Rádio e o jornalista esperavam que o deputado Jomar Fernandes fosse não apenas o presidente da Comissão, mas que conduzisse os trabalhos de forma que as acusações respingassem na governadora Roseana Sarney, como o apresentador deixa claro no texto a seguir transcrito:

Eu acho que até a governadora, ouvindo os apelos dos ouvintes da Rádio Educadora - e nós dissemos isto pra ela, quando a entre-vistamos - já entendeu que o grupo político que aí está, ao longo

9 O deputado Jomar Fernandes foi um dos fundadores do Partido dos Tra-balhadores, no Maranhão. Quando militou no movimento estudantil, na década de 70, foi um dos líderes da Campanha da Meia Passagem, no Ma-ranhão, vitoriosa em 1979. Foi prefeito do município de Imperatriz, interior do Maranhão, no período de 2001 a 2004. Lourival Mendes, atualmente deputado federal pelo Partido Trabalhista do Brasil, foi deputado estadual e, nessa condição, presidiu a CPI do Crime Organizado, em 1997. O deputado estadual Pavão Filho hoje integra os quadros do PDT, mas, na época da CPI do Crime Organizado, pertencia ao PMDB. Os deputados Júlio Monteles e Antônio Carlos Bacelar hoje fazem parte, respectivamente, do PMDB e PDT. O “Jornal Pequeno”, matutino que circula em São Luís desde 1951, faz oposição declarada não somente à governadora Roseana Sarney, mas a todo o grupo político liderado pelo ex-presidente José Sarney (Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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desses anos todos, foi um grupo que também se sustentou no po-der, dando guarida a pessoas que hoje estão sendo acusadas. E é preciso que se tire qualquer possibilidade de apoio político a quem faz parte do crime organizado. Vamos ouvir hoje o ex-deputado Marconi Farias, contra quem pesam sérias acusações feitas pelo deputado José Gerardo. E o Marconi Farias, pelas informações que tenho, é assessor jurídico do Secretário de Segurança Pública. E o deputado José Gerardo coloca o ex-deputado Marconi Farias como alguém ligado ao Bando Bel, portanto ligado ao crime orga-nizado, e sendo assessor do Secretário de Segurança Pública. Nós não o estamos acusando, até porque não temos provas. Mas pre-cisamos responder à acusação do deputado José Gerardo, contra o ex-deputado Marconi Farias. 10

Hohlfeldt (2005) argumenta que o jornalista muitas vezes condena “as personalidades públicas eventualmente envolvidas em questões polêmicas da administração”, e que depois essas acusa-ções, no todo ou em parte, se revelam infundadas. Entendemos que esta é uma via de mão dupla: se por um lado, a credibilidade do jornalista pode fazer com que o público condene os acusados pela mídia, por outro, uma vez comprovada a inocência dessas pessoas, a credibilidade do veículo e dos profissionais ficará comprometida.

Definida a CPI, a Rádio Educadora resolveu atender ao pe-dido de resposta formulado pelo ex-deputado Marconi Farias, que demonstrou inquietação com as acusações do deputado José Ge-

10 O ex-deputado Marconi Farias fez parte do PFL e do PMDB. O Secretário de Seguran-ça, quando da instalação da CPI, era o delegado da Polícia Federal Raimundo Soares Cutrim, hoje deputado federal. O Bando Bel era formado por José Humberto Gomes de Oliveira, o Bel; José Vera Cruz Soares, o cabo Cruz; Ismael Cunha, alcunhado de Fala Fina; e Marcondes de Oliveira Pereira, primo de Bel, conhecido como Marcone. Os quatro foram presos em Belém do Pará, acusados do assassinato do delegado Stê-nio Mendonça. Recolhidos a uma delegacia de Polícia de São Luís, foram levados ao município de Santa Luzia de Tide, interior do Maranhão, para uma acareação com outro acusado. No retorno a São Luís, na Br-222, a viatura policial que transportava o Bando Bel foi interceptada por homens encapuzados e os quatro elementos do Bando foram executados a tiros. O crime até hoje não foi esclarecido, mas a Polícia acredita em queima de arquivo. Os mandantes do assassinato do delegado Stênio Mendonça seriam o deputado estadual José Gerardo e o empresário Joaquim Felipe de Sousa Neto, o Joaquim Lauristo. .(Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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rardo e também porque o apresentador falou sobre a ligação que o ex-parlamentar teria com o Bando Bel. O diálogo foi tenso, e começou com o entrevistado desmentindo o entrevistador:

Marconi Farias: Uma coisa eu quero deixar bem claro, Ro-berto: eu não sou assessor do secretário de segurança, Raimundo Cutrim. Eu sou advogado e atualmente sou assessor do presidente da Assembléia Legislativa, deputado Manoel Ribeiro.

Roberto Fernandes: deputado Marconi Farias, o senhor ouviu as acusações do deputado José Gerardo. O que o senhor acha disso?

Marconi Farias: O deputado José Gerardo está sendo acusado pela Polícia, com comprometimento no Judiciário, no que diz respeito à participação dele no crime organizado no Maranhão. Ele está que-rendo agora, depois dessas acusações, em vez de se defender, dar uma conotação de ordem política, dizendo que está sendo persegui-do pelo governo, pelo secretário de segurança. Ele quer dar a enten-der à opinião pública que de fato ele não merece ser acusado. Como eu sou adversário dele, na região do Vale do Pindaré, ele foi me buscar lá, para que eu me manifestasse sobre ele, para concretizar essa idéia de que ele está sendo perseguido. Isso não é o meu feitio, eu não vou fazer o jogo dele. Eu não vou acusá-lo de nada. Eu estou sendo convocado pela Comissão Parlamentar de Inquérito de Bra-sília. Se as declarações que Zé Gerardo fez contra mim interessarem à Justiça, como esclarecimento, eu estou à disposição da Justiça.

Roberto Fernandes: Zé Gerardo disse que no momento em que o Bel deixou de financiar sua campanha o senhor não mais foi reeleito.

Marconi Farias: No meu 2º mandato ele já não era mais meu amigo, porque eu soube das coisas que ele estava fazendo e me distanciei dele. Tem tantas outras coisas que eu quero deixar para relatar na Comissão Parlamentar de Inquérito, em Brasília. Agora eu tenho condições de esclarecer muitas outras coisas e vou escla-recer. Eu achei muito oportuna a declaração da governadora Ro-seana Sarney, dizendo que, se ela fosse deputada, faria questão de fazer parte da comissão. Se você não tem condições de contribuir com as autoridades constituídas para combater o crime organizado, você vai contribuir para favorecer a impunidade.

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desses anos todos, foi um grupo que também se sustentou no po-der, dando guarida a pessoas que hoje estão sendo acusadas. E é preciso que se tire qualquer possibilidade de apoio político a quem faz parte do crime organizado. Vamos ouvir hoje o ex-deputado Marconi Farias, contra quem pesam sérias acusações feitas pelo deputado José Gerardo. E o Marconi Farias, pelas informações que tenho, é assessor jurídico do Secretário de Segurança Pública. E o deputado José Gerardo coloca o ex-deputado Marconi Farias como alguém ligado ao Bando Bel, portanto ligado ao crime orga-nizado, e sendo assessor do Secretário de Segurança Pública. Nós não o estamos acusando, até porque não temos provas. Mas pre-cisamos responder à acusação do deputado José Gerardo, contra o ex-deputado Marconi Farias. 10

Hohlfeldt (2005) argumenta que o jornalista muitas vezes condena “as personalidades públicas eventualmente envolvidas em questões polêmicas da administração”, e que depois essas acusa-ções, no todo ou em parte, se revelam infundadas. Entendemos que esta é uma via de mão dupla: se por um lado, a credibilidade do jornalista pode fazer com que o público condene os acusados pela mídia, por outro, uma vez comprovada a inocência dessas pessoas, a credibilidade do veículo e dos profissionais ficará comprometida.

Definida a CPI, a Rádio Educadora resolveu atender ao pe-dido de resposta formulado pelo ex-deputado Marconi Farias, que demonstrou inquietação com as acusações do deputado José Ge-

10 O ex-deputado Marconi Farias fez parte do PFL e do PMDB. O Secretário de Seguran-ça, quando da instalação da CPI, era o delegado da Polícia Federal Raimundo Soares Cutrim, hoje deputado federal. O Bando Bel era formado por José Humberto Gomes de Oliveira, o Bel; José Vera Cruz Soares, o cabo Cruz; Ismael Cunha, alcunhado de Fala Fina; e Marcondes de Oliveira Pereira, primo de Bel, conhecido como Marcone. Os quatro foram presos em Belém do Pará, acusados do assassinato do delegado Stê-nio Mendonça. Recolhidos a uma delegacia de Polícia de São Luís, foram levados ao município de Santa Luzia de Tide, interior do Maranhão, para uma acareação com outro acusado. No retorno a São Luís, na Br-222, a viatura policial que transportava o Bando Bel foi interceptada por homens encapuzados e os quatro elementos do Bando foram executados a tiros. O crime até hoje não foi esclarecido, mas a Polícia acredita em queima de arquivo. Os mandantes do assassinato do delegado Stênio Mendonça seriam o deputado estadual José Gerardo e o empresário Joaquim Felipe de Sousa Neto, o Joaquim Lauristo. .(Informações divulgadas pela Rádio Educadora).

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rardo e também porque o apresentador falou sobre a ligação que o ex-parlamentar teria com o Bando Bel. O diálogo foi tenso, e começou com o entrevistado desmentindo o entrevistador:

Marconi Farias: Uma coisa eu quero deixar bem claro, Ro-berto: eu não sou assessor do secretário de segurança, Raimundo Cutrim. Eu sou advogado e atualmente sou assessor do presidente da Assembléia Legislativa, deputado Manoel Ribeiro.

Roberto Fernandes: deputado Marconi Farias, o senhor ouviu as acusações do deputado José Gerardo. O que o senhor acha disso?

Marconi Farias: O deputado José Gerardo está sendo acusado pela Polícia, com comprometimento no Judiciário, no que diz respeito à participação dele no crime organizado no Maranhão. Ele está que-rendo agora, depois dessas acusações, em vez de se defender, dar uma conotação de ordem política, dizendo que está sendo persegui-do pelo governo, pelo secretário de segurança. Ele quer dar a enten-der à opinião pública que de fato ele não merece ser acusado. Como eu sou adversário dele, na região do Vale do Pindaré, ele foi me buscar lá, para que eu me manifestasse sobre ele, para concretizar essa idéia de que ele está sendo perseguido. Isso não é o meu feitio, eu não vou fazer o jogo dele. Eu não vou acusá-lo de nada. Eu estou sendo convocado pela Comissão Parlamentar de Inquérito de Bra-sília. Se as declarações que Zé Gerardo fez contra mim interessarem à Justiça, como esclarecimento, eu estou à disposição da Justiça.

Roberto Fernandes: Zé Gerardo disse que no momento em que o Bel deixou de financiar sua campanha o senhor não mais foi reeleito.

Marconi Farias: No meu 2º mandato ele já não era mais meu amigo, porque eu soube das coisas que ele estava fazendo e me distanciei dele. Tem tantas outras coisas que eu quero deixar para relatar na Comissão Parlamentar de Inquérito, em Brasília. Agora eu tenho condições de esclarecer muitas outras coisas e vou escla-recer. Eu achei muito oportuna a declaração da governadora Ro-seana Sarney, dizendo que, se ela fosse deputada, faria questão de fazer parte da comissão. Se você não tem condições de contribuir com as autoridades constituídas para combater o crime organizado, você vai contribuir para favorecer a impunidade.

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Roberto Fernandes: Deputado Marconi Farias: por que o se-nhor não denunciou o Bel depois que descobriu que ele era bandido?

Marconi Farias: Eu não tenho obrigação de denunciar nin-guém. E eu também não tenho as provas de que ele esteja envol-vido em roubo de carreta. Mas as autoridades chegaram em cima dele. O delegado Stênio Mendonça chegou até ele e por isso mor-reu. Eu era amigo pessoal do Stênio. Ele freqüentava minha casa.11

A emissora resolveu chamar ainda mais a atenção da classe po-lítica e da sociedade sobre a escolha do cargo de presidente da CPI, e ouviu o vereador Joan Botelho, da Câmara Municipal de São Luís, dirigente do Sindicato dos Professores da Rede Pública e integrante do Partido dos Trabalhadores. Joan Botelho fez graves denúncias:

Vou falar sobre a CPI do crime organizado: nós do PT estamos temerosos com o destino dessa CPI. Ainda bem que o Jomar Fer-nandes, que foi quem fez a proposição, se compromete como rela-tor. E em algumas CPIs, o relator consegue ter uma atuação acima do presidente. Mas o medo que eu tenho é que o presidente é Lourival Mendes. Eu não discuto a competência do Lourival, que é um delegado de carreira, é um delegado que já conhece todas essas mazelas que, desde os anos 70, vêm se desencadeando em São Luís. Ontem, a deputada Helena Heluy, no grande expediente da Câmara, fez um discurso que causou um impacto. Ela fez um relato a partir dos anos 70, quando ela era promotora de Justiça, mostrando como se articulava o crime organizado. A dra. Helena mostrou como denunciava desde essa época os assassinatos, os extermínios, como se articulava o crime organizado aqui. Disse que denunciou o delegado Luís Moura e foi afastada do caso, pelo Ministério Público, por ter denunciado Luís Moura. Pelo de-poimento do Jorge Meres, se sabe que essa história de quadrilha, no Maranhão, já vem há muito tempo. São denúncias graves, envolvendo os deputados José Gerardo, Francisco Caíca, Marco-ni Farias, Hemetério Weba, além de juízes, policiais. O governo pode estar comprometido. Não pode a sociedade ficar omissa. A sociedade tem que pressionar, para que tenhamos os resultados esperados.12

11 Áudio obtido junto ao pesquisador Talvani Lukato, de São Luís-MA.12 Id.

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Uma CPI, apesar de estar investida do poder de julgar, adota procedimentos diferentes do Judiciário. Neste, os juízes, ao interro-garem os depoentes e testemunhas, procuram evitar comentários, principalmente aqueles que podem denotar opiniões pessoais. Os membros do Legislativo, no entanto, talvez até pela prática da tri-buna, quando se manifestam elevando o tom de voz e usando de forma demasiada os adjetivos e predicados, não procuram demons-trar isenção e nem mesmo a parcimônia, requisitos para o ato de decidir. Os jornalistas também emitem opiniões, muitas vezes apai-xonadas. A Rádio Educadora e os seus profissionais, nesta cobertu-ra, não pouparam críticas ao governo estadual, como se observa nas palavras de Roberto Fernandes:

Há um problema a ser solucionado. José Gerardo, um dos princi-pais acusados dos crimes que estão sendo apurados nas duas CPIs, a federal e a estadual, também poderia puxar o fio de uma meada. Mas a deputada Laura Carneiro foi incisiva ao dizer: “não aceito denúncia contra a governadora do Maranhão”. Se queremos fatos novos, ontem foi citado o deputado Albérico Filho, que é primo da governadora e do deputado federal Sarney Filho. O Lauristo já citou Albérico Filho e Sarney Filho. Isso precisa ser apurado. José Gerardo não é um fim em si mesmo. Precisamos saber quem dá proteção ao José Gerardo. A CPI deve se despir dessa veste prote-tora das autoridades do Palácio do Governo do Maranhão. Não se pode admitir que a CPI não aceite apurar envolvimento de nomes que a própria CPI pode estar querendo proteger. Outra coisa: a cassação do deputado José Gerardo é um ato político. Não tem nada a ver com polícia. Se a carreta roubada foi periciada, é pre-ciso pegar o documento do Detran que comprova o roubo. Para a cassação, é preciso que a Comissão de Ética emita o parecer acer-ca de o deputado José Gerardo ter faltado ou não com o decoro parlamentar. Com a cassação, ele perde a imunidade parlamentar e poderá ser processado pelos crimes pelos quais está sendo acu-sado, inclusive por ter falsificado um diploma de curso superior. O próprio deputado José Gerardo, quando foi questionado se tinha curso superior, respondera que fez vários vestibulares, nos quais não foi aprovado. Então, como poderia apresentar diploma de cur-so superior?13

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Roberto Fernandes: Deputado Marconi Farias: por que o se-nhor não denunciou o Bel depois que descobriu que ele era bandido?

Marconi Farias: Eu não tenho obrigação de denunciar nin-guém. E eu também não tenho as provas de que ele esteja envol-vido em roubo de carreta. Mas as autoridades chegaram em cima dele. O delegado Stênio Mendonça chegou até ele e por isso mor-reu. Eu era amigo pessoal do Stênio. Ele freqüentava minha casa.11

A emissora resolveu chamar ainda mais a atenção da classe po-lítica e da sociedade sobre a escolha do cargo de presidente da CPI, e ouviu o vereador Joan Botelho, da Câmara Municipal de São Luís, dirigente do Sindicato dos Professores da Rede Pública e integrante do Partido dos Trabalhadores. Joan Botelho fez graves denúncias:

Vou falar sobre a CPI do crime organizado: nós do PT estamos temerosos com o destino dessa CPI. Ainda bem que o Jomar Fer-nandes, que foi quem fez a proposição, se compromete como rela-tor. E em algumas CPIs, o relator consegue ter uma atuação acima do presidente. Mas o medo que eu tenho é que o presidente é Lourival Mendes. Eu não discuto a competência do Lourival, que é um delegado de carreira, é um delegado que já conhece todas essas mazelas que, desde os anos 70, vêm se desencadeando em São Luís. Ontem, a deputada Helena Heluy, no grande expediente da Câmara, fez um discurso que causou um impacto. Ela fez um relato a partir dos anos 70, quando ela era promotora de Justiça, mostrando como se articulava o crime organizado. A dra. Helena mostrou como denunciava desde essa época os assassinatos, os extermínios, como se articulava o crime organizado aqui. Disse que denunciou o delegado Luís Moura e foi afastada do caso, pelo Ministério Público, por ter denunciado Luís Moura. Pelo de-poimento do Jorge Meres, se sabe que essa história de quadrilha, no Maranhão, já vem há muito tempo. São denúncias graves, envolvendo os deputados José Gerardo, Francisco Caíca, Marco-ni Farias, Hemetério Weba, além de juízes, policiais. O governo pode estar comprometido. Não pode a sociedade ficar omissa. A sociedade tem que pressionar, para que tenhamos os resultados esperados.12

11 Áudio obtido junto ao pesquisador Talvani Lukato, de São Luís-MA.12 Id.

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Uma CPI, apesar de estar investida do poder de julgar, adota procedimentos diferentes do Judiciário. Neste, os juízes, ao interro-garem os depoentes e testemunhas, procuram evitar comentários, principalmente aqueles que podem denotar opiniões pessoais. Os membros do Legislativo, no entanto, talvez até pela prática da tri-buna, quando se manifestam elevando o tom de voz e usando de forma demasiada os adjetivos e predicados, não procuram demons-trar isenção e nem mesmo a parcimônia, requisitos para o ato de decidir. Os jornalistas também emitem opiniões, muitas vezes apai-xonadas. A Rádio Educadora e os seus profissionais, nesta cobertu-ra, não pouparam críticas ao governo estadual, como se observa nas palavras de Roberto Fernandes:

Há um problema a ser solucionado. José Gerardo, um dos princi-pais acusados dos crimes que estão sendo apurados nas duas CPIs, a federal e a estadual, também poderia puxar o fio de uma meada. Mas a deputada Laura Carneiro foi incisiva ao dizer: “não aceito denúncia contra a governadora do Maranhão”. Se queremos fatos novos, ontem foi citado o deputado Albérico Filho, que é primo da governadora e do deputado federal Sarney Filho. O Lauristo já citou Albérico Filho e Sarney Filho. Isso precisa ser apurado. José Gerardo não é um fim em si mesmo. Precisamos saber quem dá proteção ao José Gerardo. A CPI deve se despir dessa veste prote-tora das autoridades do Palácio do Governo do Maranhão. Não se pode admitir que a CPI não aceite apurar envolvimento de nomes que a própria CPI pode estar querendo proteger. Outra coisa: a cassação do deputado José Gerardo é um ato político. Não tem nada a ver com polícia. Se a carreta roubada foi periciada, é pre-ciso pegar o documento do Detran que comprova o roubo. Para a cassação, é preciso que a Comissão de Ética emita o parecer acer-ca de o deputado José Gerardo ter faltado ou não com o decoro parlamentar. Com a cassação, ele perde a imunidade parlamentar e poderá ser processado pelos crimes pelos quais está sendo acu-sado, inclusive por ter falsificado um diploma de curso superior. O próprio deputado José Gerardo, quando foi questionado se tinha curso superior, respondera que fez vários vestibulares, nos quais não foi aprovado. Então, como poderia apresentar diploma de cur-so superior?13

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

O deputado Pavão Filho, sabendo que o apresentador Roberto Fernandes o havia chamado de medroso, por não querer participar da CPI do Crime Organizado, pediu espaço na emissora. No ar, declarou:

Primeiro, eu quero informar que só me foi possível exercer o direito de resposta porque ameacei recorrer ao Judiciário. A Rádio argu-mentou que só o fato de me chamar de medroso não daria direito a exercer a resposta. Eu quero dizer que não tenho medo de parti-cipar de qualquer CPI. Agradeço à liderança do bloco parlamentar que indicou o nosso nome, pela nossa seriedade, para fazer parte da CPI que está apurando essas denúncias. Eu fui o décimo segun-do deputado maranhense a assinar a CPI. Fui um dos primeiros deputados a se pronunciar, quando essas denúncias estouraram. Defendo a apuração das denúncias para que a verdade prevaleça. Agora, eu disse ao deputado líder do governo, na Assembléia, Stê-nio Rezende, que eu não posso participar da CPI, porque, como presidente da Comissão de Educação, estou envolvido com a apu-ração de uma série de denúncias de desvio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios. Eu estou debruçado sobre os do-cumentos, porque é muita coisa e coisa séria, tão séria quanto a apuração do crime organizado. Tudo indica que isso vai resultar em uma nova CPI, a do desvio de verbas do Fundo de Participação.14

A negativa inicial da Educadora, em conceder o direito de resposta, demonstra que dois pesos e duas medidas estavam sendo utilizados, ao permitir o acesso ao microfone: para os parlamenta-res afinados com o governo a orientação da Rádio era dificultar o exercício da resposta.

Um outro líder de esquerda, declarado opositor ao governo do Estado, foi ouvido pelo jornalista Roberto Fernandes: o vice-prefei-to de São Luís, Domingos Dutra, na época braço direito do prefeito da capital, Jackson Lago, do PDT, adversário ferrenho do grupo Sarney, na política maranhense:

O crime organizado não é um fato isolado em São Luís. É um pro-blema geral do País. Mas o que nós esperamos é que, se não acabar o

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crime organizado no Maranhão e no Brasil, pelo menos esse pessoal pegue um susto. É muita gente envolvida: é peixe miúdo, peixe graú-do. Queremos que no Maranhão seja passado a limpo tudo e que não seja estabelecido qualquer limite nas investigações. Mas não acredi-tamos que isso seja feito com facilidade e achamos que o governo do Estado vai dificultar a apuração. Estamos aqui em duas posições: como vice-prefeito de São Luís e como advogado da sra. Marília Mendonça, viúva do delegado assassinado, Stênio Mendonça.15

Em programa transmitido alguns dias depois, a emissora des-tacou o êxito da cobertura sobre o crime organizado, que, em São Luís, demonstrou que o rádio AM deve focar suas atividades, prin-cipalmente, no jornalismo investigativo. Uma nova vinheta passou a ir ao ar, com o texto que reproduzimos:

Educadora, a primeira emissora do Brasil a transmitir passo a passo as CPIs do narcotráfico e crime organizado. Cumprimos assim, mais uma vez, a função de sermos a única tribuna livre do Estado. Cre-dibilidade conquistada ao longo de 33 anos. Saímos na frente mais uma vez. CPI total é na Educadora, o verdadeiro radiojornalismo.16

Não resta dúvida que essa vinheta tem uma finalidade espe-cificamente comercial, fazendo propaganda da própria estação. Contudo, é uma propaganda que procura colocar o jornalismo que a emissora faz como absolutamente verdadeiro. De acordo com Mendonça (2002, p. 35-36), o fato jornalístico deve ser visto com olhos cada vez mais críticos, e o autor faz um alerta sobre os meios de comunicação:

Não se escondem mais no mito do espaço de veiculação de infor-mações neutras e objetivas, mas, principalmente, como difusores de modelos de sociabilidade e regulação para o consumo. De agora em diante, o telespectador-consumidor, ao se deparar com qual-quer notícia, não poderá se esquecer que elas foram produzidas por empresas que há muito abandonaram o papel (se é que um dia o tiveram) de prestadores de serviços, como divulgadores impar-ciais de fatos de interesse geral.

15 Id.16 Id.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

O deputado Pavão Filho, sabendo que o apresentador Roberto Fernandes o havia chamado de medroso, por não querer participar da CPI do Crime Organizado, pediu espaço na emissora. No ar, declarou:

Primeiro, eu quero informar que só me foi possível exercer o direito de resposta porque ameacei recorrer ao Judiciário. A Rádio argu-mentou que só o fato de me chamar de medroso não daria direito a exercer a resposta. Eu quero dizer que não tenho medo de parti-cipar de qualquer CPI. Agradeço à liderança do bloco parlamentar que indicou o nosso nome, pela nossa seriedade, para fazer parte da CPI que está apurando essas denúncias. Eu fui o décimo segun-do deputado maranhense a assinar a CPI. Fui um dos primeiros deputados a se pronunciar, quando essas denúncias estouraram. Defendo a apuração das denúncias para que a verdade prevaleça. Agora, eu disse ao deputado líder do governo, na Assembléia, Stê-nio Rezende, que eu não posso participar da CPI, porque, como presidente da Comissão de Educação, estou envolvido com a apu-ração de uma série de denúncias de desvio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios. Eu estou debruçado sobre os do-cumentos, porque é muita coisa e coisa séria, tão séria quanto a apuração do crime organizado. Tudo indica que isso vai resultar em uma nova CPI, a do desvio de verbas do Fundo de Participação.14

A negativa inicial da Educadora, em conceder o direito de resposta, demonstra que dois pesos e duas medidas estavam sendo utilizados, ao permitir o acesso ao microfone: para os parlamenta-res afinados com o governo a orientação da Rádio era dificultar o exercício da resposta.

Um outro líder de esquerda, declarado opositor ao governo do Estado, foi ouvido pelo jornalista Roberto Fernandes: o vice-prefei-to de São Luís, Domingos Dutra, na época braço direito do prefeito da capital, Jackson Lago, do PDT, adversário ferrenho do grupo Sarney, na política maranhense:

O crime organizado não é um fato isolado em São Luís. É um pro-blema geral do País. Mas o que nós esperamos é que, se não acabar o

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crime organizado no Maranhão e no Brasil, pelo menos esse pessoal pegue um susto. É muita gente envolvida: é peixe miúdo, peixe graú-do. Queremos que no Maranhão seja passado a limpo tudo e que não seja estabelecido qualquer limite nas investigações. Mas não acredi-tamos que isso seja feito com facilidade e achamos que o governo do Estado vai dificultar a apuração. Estamos aqui em duas posições: como vice-prefeito de São Luís e como advogado da sra. Marília Mendonça, viúva do delegado assassinado, Stênio Mendonça.15

Em programa transmitido alguns dias depois, a emissora des-tacou o êxito da cobertura sobre o crime organizado, que, em São Luís, demonstrou que o rádio AM deve focar suas atividades, prin-cipalmente, no jornalismo investigativo. Uma nova vinheta passou a ir ao ar, com o texto que reproduzimos:

Educadora, a primeira emissora do Brasil a transmitir passo a passo as CPIs do narcotráfico e crime organizado. Cumprimos assim, mais uma vez, a função de sermos a única tribuna livre do Estado. Cre-dibilidade conquistada ao longo de 33 anos. Saímos na frente mais uma vez. CPI total é na Educadora, o verdadeiro radiojornalismo.16

Não resta dúvida que essa vinheta tem uma finalidade espe-cificamente comercial, fazendo propaganda da própria estação. Contudo, é uma propaganda que procura colocar o jornalismo que a emissora faz como absolutamente verdadeiro. De acordo com Mendonça (2002, p. 35-36), o fato jornalístico deve ser visto com olhos cada vez mais críticos, e o autor faz um alerta sobre os meios de comunicação:

Não se escondem mais no mito do espaço de veiculação de infor-mações neutras e objetivas, mas, principalmente, como difusores de modelos de sociabilidade e regulação para o consumo. De agora em diante, o telespectador-consumidor, ao se deparar com qual-quer notícia, não poderá se esquecer que elas foram produzidas por empresas que há muito abandonaram o papel (se é que um dia o tiveram) de prestadores de serviços, como divulgadores impar-ciais de fatos de interesse geral.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Em outro programa, Roberto Fernandes falou sobre possíveis desdobramentos da CPI, inclusive envolvendo a emissora com es-ses desdobramentos, comprometendo a neutralidade que presumi-velmente o jornalismo deveria demonstrar:

Eu já recebi alguns telefonemas. Esses ouvintes pedem que a Rá-dio Educadora mobilize a população, afim de que todos pressio-nem a bancada maranhense para que haja a aceleração do pro-cesso do deputado José Gerardo, objetivando a sua condenação. Que as pessoas escrevam cartas, mandem e-mails e liguem para os telefones das CPIs pedindo rapidez na punição do deputado. Nós também chamamos a atenção para o fato de que, na hora em que Zé Gerardo falou da amizade do Lauristo com a família Sarney não deixaram. Isto não se admite. Tinham que deixar. Depois se investigaria se havia verdade no que ele disse. Não pode é impedir o depoente de falar.17

A opinião do apresentador, quando estimula a pressão popu-lar pela condenação, se revela equivocada, porque a CPI não tem poderes para emitir uma sentença definitiva de prisão, prerroga-tiva exclusiva do Judiciário. Obviamente, o Judiciário não deve-rá condenar por pressão popular. Nem mesmo o Tribunal do Júri, composto por pessoas do povo, não graduadas em Direito, poderia agir desta maneira. Ainda nesse programa, a Educadora, em um hipotético contraponto, abriu espaço para o advogado constituído pelo ex-deputado José Gerardo, Pedro Calmon, em Brasília, e que o acompanhou na chegada a São Luís. O advogado, cumprindo o seu papel de defensor, externou para a opinião pública que as acusações ao seu cliente não se sustentariam:

Advogado Pedro Calmon: A situação jurídica do senhor José Ge-rardo é a melhor possível. Não existe nenhuma prova concreta dos crimes que foram imputados a ele. Todas estas acusações, uma se encontra no Tribunal Regional Federal para ser julgado um pedido de habeas-corpus. Essa é uma acusação por tráfico e que o Institu-to Nacional de Criminalística não encontrou nenhum vestígio. O outro é uma prisão preventiva decretada por um caso acontecido

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há dezoito anos, e que a prisão só foi determinada em razão de um suposto clamor público. Aí eu pergunto: existe clamor público para um hipotético crime que teria ocorrido há 18 anos ou esse decreto de prisão preventiva é uma farsa? O restante está entregue ao Tri-bunal e nós, como advogados, vamos provar a inocência dele. Em relação à acusação de ser o mandante do assassinato do delegado Stênio Mendonça, digo a vocês que testemunha sem prova e nada é a mesma coisa. Testemunha fala o que quiser. Vamos ver se, no Ju-diciário, essas testemunhas vão se sustentar. Nós queremos a prova material. Sem a prova material não se pode condenar ninguém. Tra-ta-se até agora de um julgamento político, mas eu não acredito que o Poder Judiciário do Maranhão se preste a uma situação dessas.18

Mas a Rádio Educadora, pouco depois, colocou no ar a opi-nião do apresentador Gilberto Lima, colocando por terra o otimis-mo demonstrado pelo advogado do principal acusado na CPI do Crime Organizado:

Gilberto Lima: Entendemos que a situação do ex-deputado José Gerardo é bastante complicada. Ele parece que tentou o suicídio em Brasília, mas, segundo informações, essa tentativa de suicídio teria sido uma manobra, aconselhada pelo advogado Pedro Cal-mon, e também pelo médico Ewerton Menezes. O médico teria sido chamado para participar dessa simulação da tentativa de sui-cídio, em Brasília. Qual seria o objetivo? Segundo comentou a im-prensa de Brasília, a tentativa de suicídio levou o ex-parlamentar a ser internado em uma UTI e seria passado à sociedade que o es-tado de saúde de José Gerardo era muito grave, para que os advo-gados pudessem tentar, junto à Justiça, um salvo-conduto. O salvo conduto seria dado pelo fato de o ex-deputado José Gerardo estar em uma situação aparentemente crítica. Com o salvo-conduto, ele não poderia ser preso, e os advogados ganhariam um pouco mais de tempo. Só que isso foi negado, em Brasília, e o mandado de prisão terminou sendo cumprido. Na noite de ontem, quando o ex-deputado deixava a UTI, em Brasília, já consciente, um dos delegados apresentou a ele o documento para que tomasse ciência da prisão. O ex-deputado recusou-se a assinar e duas testemunhas atestaram a entrega do mandado de prisão.19

18 Id.19 Id.

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Em outro programa, Roberto Fernandes falou sobre possíveis desdobramentos da CPI, inclusive envolvendo a emissora com es-ses desdobramentos, comprometendo a neutralidade que presumi-velmente o jornalismo deveria demonstrar:

Eu já recebi alguns telefonemas. Esses ouvintes pedem que a Rá-dio Educadora mobilize a população, afim de que todos pressio-nem a bancada maranhense para que haja a aceleração do pro-cesso do deputado José Gerardo, objetivando a sua condenação. Que as pessoas escrevam cartas, mandem e-mails e liguem para os telefones das CPIs pedindo rapidez na punição do deputado. Nós também chamamos a atenção para o fato de que, na hora em que Zé Gerardo falou da amizade do Lauristo com a família Sarney não deixaram. Isto não se admite. Tinham que deixar. Depois se investigaria se havia verdade no que ele disse. Não pode é impedir o depoente de falar.17

A opinião do apresentador, quando estimula a pressão popu-lar pela condenação, se revela equivocada, porque a CPI não tem poderes para emitir uma sentença definitiva de prisão, prerroga-tiva exclusiva do Judiciário. Obviamente, o Judiciário não deve-rá condenar por pressão popular. Nem mesmo o Tribunal do Júri, composto por pessoas do povo, não graduadas em Direito, poderia agir desta maneira. Ainda nesse programa, a Educadora, em um hipotético contraponto, abriu espaço para o advogado constituído pelo ex-deputado José Gerardo, Pedro Calmon, em Brasília, e que o acompanhou na chegada a São Luís. O advogado, cumprindo o seu papel de defensor, externou para a opinião pública que as acusações ao seu cliente não se sustentariam:

Advogado Pedro Calmon: A situação jurídica do senhor José Ge-rardo é a melhor possível. Não existe nenhuma prova concreta dos crimes que foram imputados a ele. Todas estas acusações, uma se encontra no Tribunal Regional Federal para ser julgado um pedido de habeas-corpus. Essa é uma acusação por tráfico e que o Institu-to Nacional de Criminalística não encontrou nenhum vestígio. O outro é uma prisão preventiva decretada por um caso acontecido

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Mas a Rádio Educadora, pouco depois, colocou no ar a opi-nião do apresentador Gilberto Lima, colocando por terra o otimis-mo demonstrado pelo advogado do principal acusado na CPI do Crime Organizado:

Gilberto Lima: Entendemos que a situação do ex-deputado José Gerardo é bastante complicada. Ele parece que tentou o suicídio em Brasília, mas, segundo informações, essa tentativa de suicídio teria sido uma manobra, aconselhada pelo advogado Pedro Cal-mon, e também pelo médico Ewerton Menezes. O médico teria sido chamado para participar dessa simulação da tentativa de sui-cídio, em Brasília. Qual seria o objetivo? Segundo comentou a im-prensa de Brasília, a tentativa de suicídio levou o ex-parlamentar a ser internado em uma UTI e seria passado à sociedade que o es-tado de saúde de José Gerardo era muito grave, para que os advo-gados pudessem tentar, junto à Justiça, um salvo-conduto. O salvo conduto seria dado pelo fato de o ex-deputado José Gerardo estar em uma situação aparentemente crítica. Com o salvo-conduto, ele não poderia ser preso, e os advogados ganhariam um pouco mais de tempo. Só que isso foi negado, em Brasília, e o mandado de prisão terminou sendo cumprido. Na noite de ontem, quando o ex-deputado deixava a UTI, em Brasília, já consciente, um dos delegados apresentou a ele o documento para que tomasse ciência da prisão. O ex-deputado recusou-se a assinar e duas testemunhas atestaram a entrega do mandado de prisão.19

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Buscando demonstrar isenção, a Rádio ouviu o Secretário de Estado da Segurança Pública, Raimundo Cutrim. O relato do Secretário demonstrou que o apresentador Gilberto Lima estava certo, e a manifestação do advogado Pedro Calmon poderia ser in-terpretada como um equívoco.

Secretário Raimundo Cutrim: O ex-deputado José Gerardo, ini-cialmente, ficará preso em uma das celas do Quartel da Polícia Militar, cela comum, mas, por medida de segurança não ficará com outros presos, até para garantir a própria vida do ex-deputado. Isto até que haja a condenação dele, transitada em julgado, quan-do será transferido para a Penitenciária de Pedrinhas. A Polícia estadual fez um trabalho árduo, investiu em equipamentos, tudo isso para conseguir descobrir os chefões do crime organizado, no Maranhão. Mas também destaco que a Polícia Federal e a CPI de Brasília tiveram um papel decisivo, na realização desse trabalho.20

O apresentador Gilberto Lima também entrevistou dona Ma-rília Mendonça, viúva do delegado Stênio Mendonça. O assassina-to do delegado desencadeou todo o processo de apuração do crime organizado no Maranhão:

Gilberto Lima: Observa-se ainda que há um clima de festa, se é que se pode chamar de festa tudo isso, mas acredito que há um regozijo, por parte da população, pela prisão de José Gerardo. In-clusive as pessoas estão soltando foguetes. Seria cômico se não fosse trágico. Vamos ouvir novamente a viúva do delegado Stênio Mendonça, dona Marília Mendonça.

Marília Mendonça: São dois anos e meio de espera. Um dos man-dantes da morte do meu marido foi preso, e a Justiça do Mara-nhão, a Justiça do meu país, espero que não conceda a esse mise-rável nenhum habeas-corpus. Eu peço, eu imploro, que a Justiça do Maranhão, a Justiça do meu país não deixe esse bandido solto.

Gilberto Lima: Foi um desabafo de uma mulher que teve o marido assassinado, ao que tudo indica a mando do ex-deputado José Ge-rardo. Dona Marília ainda vai falar:

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Marília Mendonça: O povo agora acordou. Nós vivemos um pe-sadelo de mais de vinte anos. Este homem, junto com outros, fa-zem parte de uma organização criminosa, que se acha no direito de determinar quem deve morrer, e mandam matar. E ficam na impunidade, como se fossem senhores de bem. E ficam, além da impunidade, na imunidade que deu proteção a um canalha desses que há muito tempo deveria ter sido preso, condenado e estar na Penitenciária de Pedrinhas.21

Na realidade, não havia qualquer ordem judicial de prisão do ex-parlamentar. José Gerardo estava detido no Quartel da Polícia Militar por determinação da Comissão Parlamentar de Inquérito, podendo inclusive ser beneficiado por habeas-corpus e aguardar em liberdade o julgamento. Mas isto não foi passado para os ouvin-tes, pelo Secretário de Segurança, que buscou enfatizar o mérito da Polícia estadual, a ele subordinada, na apuração dos fatos. A Rádio também não teria esse interesse, porque poderia minimizar os efei-tos da prisão e da cobertura. Pelo menos não naquele momento.

Em 7 de dezembro de 1999, o apresentador Gilberto Lima fa-lou sobre o encerramento dos trabalhos da CPI, lamentando que a Comissão não tenha prorrogado suas atividades:

A CPI do Crime Organizado foi encerrada. Os deputados acham que a CPI já cumpriu o seu objetivo primordial: investigar a prová-vel participação de deputados estaduais com o crime organizado. Dois deputados foram cassados: José Gerardo e Francisco Caíca. Agora o trabalho ficará por conta do Judiciário. Nós defendemos a continuação dos trabalhos após o dia 15, para que fosse feita uma acareação entre os três prefeitos e seus acusadores. Infelizmente, isso não foi feito. Mas a CPI cumpriu o seu objetivo. O Relatório será elaborado pelo relator, deputado Jomar Fernandes, devendo ser apreciado por todos os membros da CPI do Crime Organizado. Uma cópia do relatório será encaminhada ao Ministro da Justiça, outra cópia para a Secretaria de Estado da Segurança Pública e finalmente outra ao Ministério Público, que decidirá se vai apre-sentar ou não a denúncia formal ao Poder Judiciário.22

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Buscando demonstrar isenção, a Rádio ouviu o Secretário de Estado da Segurança Pública, Raimundo Cutrim. O relato do Secretário demonstrou que o apresentador Gilberto Lima estava certo, e a manifestação do advogado Pedro Calmon poderia ser in-terpretada como um equívoco.

Secretário Raimundo Cutrim: O ex-deputado José Gerardo, ini-cialmente, ficará preso em uma das celas do Quartel da Polícia Militar, cela comum, mas, por medida de segurança não ficará com outros presos, até para garantir a própria vida do ex-deputado. Isto até que haja a condenação dele, transitada em julgado, quan-do será transferido para a Penitenciária de Pedrinhas. A Polícia estadual fez um trabalho árduo, investiu em equipamentos, tudo isso para conseguir descobrir os chefões do crime organizado, no Maranhão. Mas também destaco que a Polícia Federal e a CPI de Brasília tiveram um papel decisivo, na realização desse trabalho.20

O apresentador Gilberto Lima também entrevistou dona Ma-rília Mendonça, viúva do delegado Stênio Mendonça. O assassina-to do delegado desencadeou todo o processo de apuração do crime organizado no Maranhão:

Gilberto Lima: Observa-se ainda que há um clima de festa, se é que se pode chamar de festa tudo isso, mas acredito que há um regozijo, por parte da população, pela prisão de José Gerardo. In-clusive as pessoas estão soltando foguetes. Seria cômico se não fosse trágico. Vamos ouvir novamente a viúva do delegado Stênio Mendonça, dona Marília Mendonça.

Marília Mendonça: São dois anos e meio de espera. Um dos man-dantes da morte do meu marido foi preso, e a Justiça do Mara-nhão, a Justiça do meu país, espero que não conceda a esse mise-rável nenhum habeas-corpus. Eu peço, eu imploro, que a Justiça do Maranhão, a Justiça do meu país não deixe esse bandido solto.

Gilberto Lima: Foi um desabafo de uma mulher que teve o marido assassinado, ao que tudo indica a mando do ex-deputado José Ge-rardo. Dona Marília ainda vai falar:

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Marília Mendonça: O povo agora acordou. Nós vivemos um pe-sadelo de mais de vinte anos. Este homem, junto com outros, fa-zem parte de uma organização criminosa, que se acha no direito de determinar quem deve morrer, e mandam matar. E ficam na impunidade, como se fossem senhores de bem. E ficam, além da impunidade, na imunidade que deu proteção a um canalha desses que há muito tempo deveria ter sido preso, condenado e estar na Penitenciária de Pedrinhas.21

Na realidade, não havia qualquer ordem judicial de prisão do ex-parlamentar. José Gerardo estava detido no Quartel da Polícia Militar por determinação da Comissão Parlamentar de Inquérito, podendo inclusive ser beneficiado por habeas-corpus e aguardar em liberdade o julgamento. Mas isto não foi passado para os ouvin-tes, pelo Secretário de Segurança, que buscou enfatizar o mérito da Polícia estadual, a ele subordinada, na apuração dos fatos. A Rádio também não teria esse interesse, porque poderia minimizar os efei-tos da prisão e da cobertura. Pelo menos não naquele momento.

Em 7 de dezembro de 1999, o apresentador Gilberto Lima fa-lou sobre o encerramento dos trabalhos da CPI, lamentando que a Comissão não tenha prorrogado suas atividades:

A CPI do Crime Organizado foi encerrada. Os deputados acham que a CPI já cumpriu o seu objetivo primordial: investigar a prová-vel participação de deputados estaduais com o crime organizado. Dois deputados foram cassados: José Gerardo e Francisco Caíca. Agora o trabalho ficará por conta do Judiciário. Nós defendemos a continuação dos trabalhos após o dia 15, para que fosse feita uma acareação entre os três prefeitos e seus acusadores. Infelizmente, isso não foi feito. Mas a CPI cumpriu o seu objetivo. O Relatório será elaborado pelo relator, deputado Jomar Fernandes, devendo ser apreciado por todos os membros da CPI do Crime Organizado. Uma cópia do relatório será encaminhada ao Ministro da Justiça, outra cópia para a Secretaria de Estado da Segurança Pública e finalmente outra ao Ministério Público, que decidirá se vai apre-sentar ou não a denúncia formal ao Poder Judiciário.22

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Somente após o encerramento da CPI é que esse mesmo jor-nalista da Educadora informou, de forma bem sucinta, que o Mi-nistério Público ainda deveria analisar se apresentaria ou não a denúncia ao Judiciário. Ou seja: se seria aberto processo criminal contra o acusado. Obviamente, se fosse passado para os ouvintes que os procedimentos adotados nas Comissões Parlamentares de Inquérito, tanto de Brasília, quanto de São Luís, seriam apenas me-ras peças investigativas, a repercussão poderia ser bem menor, frus-trando a população e reduzindo os índices de audiência.

A Rádio Educadora transmitiu o último pronunciamento do Relator da CPI, deputado Jomar Fernandes, em 14 de dezembro de 1999, que enfatizou os males que o crime organizado causa à democracia:

O Estado Democrático de Direito tem sofrido, ao longo de sua história, diversos tipos de ataques. Devemos destacar dois deles: primeiro, a tirania, quando os direitos e garantias individuais são abolidos, e segundo, o predomínio do ilícito como organização, que podemos traduzir pela expressão muito utilizada ultimamente de crime organizado. Quando o crime se organiza, com o concurso de autoridades públicas e de outras pessoas de destaque na cons-telação social, ele também destrói direitos e garantias individuais e coletivas. Quando um prefeito desvia dinheiro público para com-prar carga roubada, ele está agredindo a educação, maltratando a saúde, impedindo o desenvolvimento de sua gente. Ele está pro-movendo a sonegação fiscal e com isso diminuindo a capacida-de de investimento do Estado. Ele está contribuindo para que o Maranhão continue mergulhado em indicadores sociais extrema-mente negativos. O mais incrível de tudo isso é o poder que eles adquirem, através da difusão do medo. A capacidade que eles têm de matar quem quer que seja deixa o cidadão comum totalmente inseguro e assim este se torna presa fácil da lei do silêncio, esta que não está nos códigos jurídicos, mas está como apêndice de uma lei maior, que é a lei da sobrevivência. Eu disse certa vez, durante os trabalhos desta CPI, que o Estado, enquanto organização política da sociedade, não poderia e não pode se curvar a algumas dúzias de quadrilheiros. Disse aquilo por acreditar nas pessoas de bem que felizmente ainda existem e estão a lutar por um mundo melhor.23

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Reportagens dessa natureza utilizam a mídia eletrônica como principal meio para atingir um público cada vez maior. Canclini (2010) chama a atenção para o grande número de lares com rádio e televisão na América Latina, cuja proporção ultrapassa o núme-ro de casas em que seus integrantes completaram o primeiro grau. A Educadora soube aproveitar o aumento de rádios ligados, cuja constatação foi feita também nas ruas, observando as pessoas que dispunham de receptores portáteis, para enfatizar a importância do AM. A emissora veiculou a vinheta a seguir transcrita, gravada pelo diretor artístico Robson Júnior, a voz que identifica a estação:

Não dá pra esconder a verdade. A cobertura da CPI mostrou que o rádio AM é, foi e será sempre o veículo das massas. Presente nos momentos mais importantes da história, o rádio AM diverte, edu-ca, esclarece, reivindica, faz história. A CPI do Crime Organizado/ Narcotráfico tem um personagem muito importante: o rádio AM. Ouça. Faça parte desta história, porque, pra gente, não basta ser ouvinte: tem que participar.24

Para Eco (2001), o rádio e as demais mídias fornecem as con-dições objetivas das comunicações. A vinheta da Educadora pro-cura enfatizar a importância do rádio AM. Opinamos que o AM será mais um veículo das massas e não o único veículo, como deixa transparecer o texto. Reconhecemos que se trata de um comercial institucional em que a Rádio objetivou destacar a importância das transmissões em amplitude modulada, importância essa que a esta-ção espera seja revertida em benefício da própria Educadora. Acre-ditamos que tenha o objetivo de mostrar que, apesar da existência do FM e da televisão, as estações AM ainda sejam mídias em alta junto ao público.

CONCLUSÃO

A transmissão em tempo real da CPI do Crime Organizado, instalada na Assembleia Legislativa do Maranhão, no ano de 1999,

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

Somente após o encerramento da CPI é que esse mesmo jor-nalista da Educadora informou, de forma bem sucinta, que o Mi-nistério Público ainda deveria analisar se apresentaria ou não a denúncia ao Judiciário. Ou seja: se seria aberto processo criminal contra o acusado. Obviamente, se fosse passado para os ouvintes que os procedimentos adotados nas Comissões Parlamentares de Inquérito, tanto de Brasília, quanto de São Luís, seriam apenas me-ras peças investigativas, a repercussão poderia ser bem menor, frus-trando a população e reduzindo os índices de audiência.

A Rádio Educadora transmitiu o último pronunciamento do Relator da CPI, deputado Jomar Fernandes, em 14 de dezembro de 1999, que enfatizou os males que o crime organizado causa à democracia:

O Estado Democrático de Direito tem sofrido, ao longo de sua história, diversos tipos de ataques. Devemos destacar dois deles: primeiro, a tirania, quando os direitos e garantias individuais são abolidos, e segundo, o predomínio do ilícito como organização, que podemos traduzir pela expressão muito utilizada ultimamente de crime organizado. Quando o crime se organiza, com o concurso de autoridades públicas e de outras pessoas de destaque na cons-telação social, ele também destrói direitos e garantias individuais e coletivas. Quando um prefeito desvia dinheiro público para com-prar carga roubada, ele está agredindo a educação, maltratando a saúde, impedindo o desenvolvimento de sua gente. Ele está pro-movendo a sonegação fiscal e com isso diminuindo a capacida-de de investimento do Estado. Ele está contribuindo para que o Maranhão continue mergulhado em indicadores sociais extrema-mente negativos. O mais incrível de tudo isso é o poder que eles adquirem, através da difusão do medo. A capacidade que eles têm de matar quem quer que seja deixa o cidadão comum totalmente inseguro e assim este se torna presa fácil da lei do silêncio, esta que não está nos códigos jurídicos, mas está como apêndice de uma lei maior, que é a lei da sobrevivência. Eu disse certa vez, durante os trabalhos desta CPI, que o Estado, enquanto organização política da sociedade, não poderia e não pode se curvar a algumas dúzias de quadrilheiros. Disse aquilo por acreditar nas pessoas de bem que felizmente ainda existem e estão a lutar por um mundo melhor.23

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Reportagens dessa natureza utilizam a mídia eletrônica como principal meio para atingir um público cada vez maior. Canclini (2010) chama a atenção para o grande número de lares com rádio e televisão na América Latina, cuja proporção ultrapassa o núme-ro de casas em que seus integrantes completaram o primeiro grau. A Educadora soube aproveitar o aumento de rádios ligados, cuja constatação foi feita também nas ruas, observando as pessoas que dispunham de receptores portáteis, para enfatizar a importância do AM. A emissora veiculou a vinheta a seguir transcrita, gravada pelo diretor artístico Robson Júnior, a voz que identifica a estação:

Não dá pra esconder a verdade. A cobertura da CPI mostrou que o rádio AM é, foi e será sempre o veículo das massas. Presente nos momentos mais importantes da história, o rádio AM diverte, edu-ca, esclarece, reivindica, faz história. A CPI do Crime Organizado/ Narcotráfico tem um personagem muito importante: o rádio AM. Ouça. Faça parte desta história, porque, pra gente, não basta ser ouvinte: tem que participar.24

Para Eco (2001), o rádio e as demais mídias fornecem as con-dições objetivas das comunicações. A vinheta da Educadora pro-cura enfatizar a importância do rádio AM. Opinamos que o AM será mais um veículo das massas e não o único veículo, como deixa transparecer o texto. Reconhecemos que se trata de um comercial institucional em que a Rádio objetivou destacar a importância das transmissões em amplitude modulada, importância essa que a esta-ção espera seja revertida em benefício da própria Educadora. Acre-ditamos que tenha o objetivo de mostrar que, apesar da existência do FM e da televisão, as estações AM ainda sejam mídias em alta junto ao público.

CONCLUSÃO

A transmissão em tempo real da CPI do Crime Organizado, instalada na Assembleia Legislativa do Maranhão, no ano de 1999,

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

foi uma demonstração empírica da força do rádio e ficou gravada no imaginário da população por ter sido um momento no qual uma demanda popular, a punição de criminosos, foi contemplada e a equipe de jornalismo da Rádio Educadora se destacou na cobertu-ra do trabalho de investigação dos parlamentares, sinalizando uma resistência deste meio de comunicação, em cujo processo de trans-formação se esboçam vários cenários possíveis, não sendo prudente desprezar a força da transmissão ao vivo, no calor da hora, e com carga emotiva advinda do discurso vocal e dos recursos de sonori-dade. Portanto, algumas certezas acerca do crepúsculo deste meio de comunicação tendem a ficar abaladas.

Os meios de comunicação se encontram em profundas mo-dificações tecnológicas que avançaram bastante a partir da me-tade do século passado, principalmente, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, no qual o Brasil se inclui. A radiodifusão sonora vem se adaptando não somente no aspecto técnico, como também no artístico e no jornalístico, para manter sua audiência, em face do surgimento da televisão, de extremo alcance, especial-mente com as transmissões via satélite, que viabilizaram a criação de grandes redes de TV. As emissoras AM’s – e FM’s por consequ-ência – também se beneficiaram desses avanços, que permitem que uma estação instalada em qualquer cidade tenha o sinal recebido em várias outras cidades, pelo satélite, formando assim as redes de rádios. Esses acessos se completam com a Internet, e, em razão da abrangência da rede mundial de computadores, a grande maioria das rádios AM, que até então transmitiam em ondas médias, tropi-cais e curtas, solicitaram o cancelamento destas duas últimas faixas ao governo brasileiro. Paradoxalmente, as ondas tropicais e curtas alcançam distâncias maiores. Mas a sua manutenção deixou de ser interessante, devido ao grande volume de recursos financeiros de-mandados e porque, com a Internet, as rádios podem ser ouvidas em todo o mundo, com excelente qualidade de áudio e a custo praticamente zero.

A teoria da escola francesa da análise do discurso mostra que a forma como a pessoa se comunica está condicionada ao lugar de fala dessa pessoa. Esse lugar de fala também é condicionado às

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questões culturais, sociais e históricas. Assim, os que detêm o poder da comunicação, especialmente através do rádio, podem transmitir sua mensagem como verdadeira, ainda que nem sempre o seja. É comum o ouvinte de rádio argumentar: deu no rádio. Se a infor-mação saiu no rádio – e também na TV – é porque é verdadeira, e, nesse caso, não se pode contestá-la. Doce ilusão!

A informação produzida encontra eco no conceito hegemôni-co. A hegemonia decorre da aceitação, pelas classes subalternas, da ideologia das classes dominantes, na medida em que os subalternos reconhecem que os interesses dos dominantes podem também re-presentar seus interesses. O ouvinte se identifica com o locutor de rádio, com sua mensagem, a ponto de senti-lo como se fosse alguém seu. Não é simples coincidência os donos de rádio e os locutores in-gressarem na política para disputar espaços, com amplas possibilida-des de vitória. E não é por acaso que a legislação eleitoral determina o afastamento dos locutores dos microfones, onde buscam transmi-tir a sua mensagem hegemônica e a dos proprietários de emissoras.

Faltam cerca de dez anos para a radiodifusão brasileira chegar ao centenário e as suas formas de transmitir passaram por diversas transformações. Das ondas curtas e tropicais inicialmente concebi-das, o rádio AM passou a operar com as ondas médias, de qualidade superior às primeiras. A televisão acrescentou a imagem ao som e pensou-se que o rádio poderia se tornar obsoleto. Os avanços nos trouxeram o FM, com áudio muito superior ao AM, que continuou vivo e disputando espaços. As comunitárias representaram uma nova maneira de o rádio ser não somente ouvido, mas visto como difusor das comunidades que queriam ouvir e ser ouvidas. O século XXI sinaliza com a tecnologia digital, em que o AM terá o som do atual FM e este deverá dispor da qualidade do CD. Outros meios disputam espaços, como a Internet. Entendemos que todos estes veículos continuarão a conviver, junto aos diversos públicos. Da mesma forma que o jornal impresso cria perspectivas outras para manter-se atuante perante o leitor, o rádio sai em busca de novos caminhos. Esse processo faz com que as mídias – e o rádio é uma delas – busquem a renovação, tornando-as cada vez mais vivas, superando-se sempre, sem que jamais sejam superadas.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

foi uma demonstração empírica da força do rádio e ficou gravada no imaginário da população por ter sido um momento no qual uma demanda popular, a punição de criminosos, foi contemplada e a equipe de jornalismo da Rádio Educadora se destacou na cobertu-ra do trabalho de investigação dos parlamentares, sinalizando uma resistência deste meio de comunicação, em cujo processo de trans-formação se esboçam vários cenários possíveis, não sendo prudente desprezar a força da transmissão ao vivo, no calor da hora, e com carga emotiva advinda do discurso vocal e dos recursos de sonori-dade. Portanto, algumas certezas acerca do crepúsculo deste meio de comunicação tendem a ficar abaladas.

Os meios de comunicação se encontram em profundas mo-dificações tecnológicas que avançaram bastante a partir da me-tade do século passado, principalmente, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, no qual o Brasil se inclui. A radiodifusão sonora vem se adaptando não somente no aspecto técnico, como também no artístico e no jornalístico, para manter sua audiência, em face do surgimento da televisão, de extremo alcance, especial-mente com as transmissões via satélite, que viabilizaram a criação de grandes redes de TV. As emissoras AM’s – e FM’s por consequ-ência – também se beneficiaram desses avanços, que permitem que uma estação instalada em qualquer cidade tenha o sinal recebido em várias outras cidades, pelo satélite, formando assim as redes de rádios. Esses acessos se completam com a Internet, e, em razão da abrangência da rede mundial de computadores, a grande maioria das rádios AM, que até então transmitiam em ondas médias, tropi-cais e curtas, solicitaram o cancelamento destas duas últimas faixas ao governo brasileiro. Paradoxalmente, as ondas tropicais e curtas alcançam distâncias maiores. Mas a sua manutenção deixou de ser interessante, devido ao grande volume de recursos financeiros de-mandados e porque, com a Internet, as rádios podem ser ouvidas em todo o mundo, com excelente qualidade de áudio e a custo praticamente zero.

A teoria da escola francesa da análise do discurso mostra que a forma como a pessoa se comunica está condicionada ao lugar de fala dessa pessoa. Esse lugar de fala também é condicionado às

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A informação produzida encontra eco no conceito hegemôni-co. A hegemonia decorre da aceitação, pelas classes subalternas, da ideologia das classes dominantes, na medida em que os subalternos reconhecem que os interesses dos dominantes podem também re-presentar seus interesses. O ouvinte se identifica com o locutor de rádio, com sua mensagem, a ponto de senti-lo como se fosse alguém seu. Não é simples coincidência os donos de rádio e os locutores in-gressarem na política para disputar espaços, com amplas possibilida-des de vitória. E não é por acaso que a legislação eleitoral determina o afastamento dos locutores dos microfones, onde buscam transmi-tir a sua mensagem hegemônica e a dos proprietários de emissoras.

Faltam cerca de dez anos para a radiodifusão brasileira chegar ao centenário e as suas formas de transmitir passaram por diversas transformações. Das ondas curtas e tropicais inicialmente concebi-das, o rádio AM passou a operar com as ondas médias, de qualidade superior às primeiras. A televisão acrescentou a imagem ao som e pensou-se que o rádio poderia se tornar obsoleto. Os avanços nos trouxeram o FM, com áudio muito superior ao AM, que continuou vivo e disputando espaços. As comunitárias representaram uma nova maneira de o rádio ser não somente ouvido, mas visto como difusor das comunidades que queriam ouvir e ser ouvidas. O século XXI sinaliza com a tecnologia digital, em que o AM terá o som do atual FM e este deverá dispor da qualidade do CD. Outros meios disputam espaços, como a Internet. Entendemos que todos estes veículos continuarão a conviver, junto aos diversos públicos. Da mesma forma que o jornal impresso cria perspectivas outras para manter-se atuante perante o leitor, o rádio sai em busca de novos caminhos. Esse processo faz com que as mídias – e o rádio é uma delas – busquem a renovação, tornando-as cada vez mais vivas, superando-se sempre, sem que jamais sejam superadas.

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A FORÇA DO RÁDIO AM: a cobertura da rádio educadora sobre a CPI do crime organizado

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Bernardo Coelho de. Éramos felizes e não sabíamos. 3. ed. São Luís: Revista Legenda Ed., 1996.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2010.

COELHO, Carlos Alberto Lima. Show de rádio: subsídios para a história do rádio maranhense. São Luís: Lithograf, 2003.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspec-tiva, 2001.

GOMES, Erica Cristina da Silva. (Re) Fazendo rádios comunitá-rias: a tensão em transformar ficção em História, 2007. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós Graduação em Comunicação Social do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2007.

HOHLFELDT, Antonio. Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação. In: HOHLFELDT, Antonio MARTINO; Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga. (Org.). Teorias da comunicação. Pe-trópolis: Vozes, 2005. LUKATO, Talvani. Cobertura jornalística feita pela Rádio Edu-cadora sobre a CPI do crime organizado. São Luís, 2011.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comuni-cação, cultura e hegemonia. Tradução de Ronaldo Polito e Sérgio Alcides. 6. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009.MARTINI, Carina Macedo. Rádio Nacional do Rio de Janeiro: um

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estudo dos gêneros entretenimento e jornalístico. Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. In: FERRARETTO, Luiz Artur; KLÖ-CKNER, Luciano (Org.). E o rádio?: novos horizontes midiáticos [recurso eletrônico] – Dados eletrônicos. Porto Alegre: Edipucrs, 2010. p. 506-521.

ORTRIWANO, Gisela Swetlano. A Informação no rádio: os gru-pos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

PRATA, Nair. Webradio: novos gêneros, novas formas de intera-ção 2008. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005.130

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REFERÊNCIAS

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GOMES, Erica Cristina da Silva. (Re) Fazendo rádios comunitá-rias: a tensão em transformar ficção em História, 2007. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós Graduação em Comunicação Social do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2007.

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estudo dos gêneros entretenimento e jornalístico. Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. In: FERRARETTO, Luiz Artur; KLÖ-CKNER, Luciano (Org.). E o rádio?: novos horizontes midiáticos [recurso eletrônico] – Dados eletrônicos. Porto Alegre: Edipucrs, 2010. p. 506-521.

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM

DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras

nas entrelinhas do silêncioANA LEILA MELONIO DOS SANTOS

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado da pesquisa realizada na disser-tação de Mestrado em Comunicação que trata da construção da identidade étnica brasileira por meio da telenovela, com base na análise das telenovelas “Da Cor do Pecado” e “Viver a Vida”. Ele-gemos como principal foco da nossa observação as protagonistas de ambas as tramas, vividas pela atriz Taís Araujo, para refletir-mos como a própria imagem pública da atriz participou do processo de reconfiguração e construção da identidade étnica brasileira. As telenovelas em análise contemplam representações opostas às da protagonista. Em “Da Cor do Pecado” Taís Araújo é a protagonista da cultura popular na qual se configura uma mulher simples e sua simplicidade está representada na fala, no figurino e nas relações que estabelece ao longo do enredo. Em “Viver a Vida” vimos uma protagonista cosmopolita, mulher sofisticada, viajada, bem sucedi-da profissionalmente e com uma carreira de projeção internacional.

Em comum, as duas protagonistas têm apenas os conflitos do amor, embora essa temática seja abordada de forma diferenciada nas duas tramas. Em “Da Cor do Pecado” a atriz dá vida à per-sonagem Preta, típica heroína romântica nos moldes do folhetim tradicional. Em “Viver a Vida”, Helena apresenta traços de per-sonalidade mais realista, marcada pelas ambiguidades próprias da natureza humana.

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM

DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras

nas entrelinhas do silêncioANA LEILA MELONIO DOS SANTOS

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado da pesquisa realizada na disser-tação de Mestrado em Comunicação que trata da construção da identidade étnica brasileira por meio da telenovela, com base na análise das telenovelas “Da Cor do Pecado” e “Viver a Vida”. Ele-gemos como principal foco da nossa observação as protagonistas de ambas as tramas, vividas pela atriz Taís Araujo, para refletir-mos como a própria imagem pública da atriz participou do processo de reconfiguração e construção da identidade étnica brasileira. As telenovelas em análise contemplam representações opostas às da protagonista. Em “Da Cor do Pecado” Taís Araújo é a protagonista da cultura popular na qual se configura uma mulher simples e sua simplicidade está representada na fala, no figurino e nas relações que estabelece ao longo do enredo. Em “Viver a Vida” vimos uma protagonista cosmopolita, mulher sofisticada, viajada, bem sucedi-da profissionalmente e com uma carreira de projeção internacional.

Em comum, as duas protagonistas têm apenas os conflitos do amor, embora essa temática seja abordada de forma diferenciada nas duas tramas. Em “Da Cor do Pecado” a atriz dá vida à per-sonagem Preta, típica heroína romântica nos moldes do folhetim tradicional. Em “Viver a Vida”, Helena apresenta traços de per-sonalidade mais realista, marcada pelas ambiguidades próprias da natureza humana.

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Assim, as duas personagens trazem elementos diferentes para o público e, consequentemente, se refletem de forma diversa na construção de identidades. Em ambos os casos raça e etnia, embora não tenham se constituído elementos preponderantes na definição das personagens, estiveram involuntariamente presentes na trama, na medida em que fazem parte da realidade social e despertam o público para a discussão em torno de questões raciais. As teleno-velas provocaram debates na mídia sobre a escolha da protagonista negra. Uma observação atenta ao enredo das duas tramas nos per-mite perceber que a firmeza de caráter e a doçura de Preta, bem como a determinação e competência profissional de Helena, de certa forma constroem uma imagem positiva da mulher negra. O que não significa, necessariamente, uma abordagem linear. Dentro dessa representação positiva ainda se escondem estigmas, precon-ceitos e racismos, desenhando uma relação dinâmica marcada pelo caráter profundamente dialético dessas representações e da cons-trução das identidades subjacentes a elas.

Nesse contexto, buscamos estruturar um referencial teórico-metodológico que privilegiasse o diálogo teoria/empiria que nos permitisse analisar as conexões existentes entre a ficção, o melo-drama e a identidade negra na teledramaturgia, a partir das quais essa identidade é construída e/ou desconstruída, bem como a aná-lise das personagens Preta e Helena para identificar as formas de representação do preconceito nas telenovelas.

PROTAGONISTA DA CULTURA POPULAR

Ao refletirmos sobre as questões raciais e sobre o seu papel na formação da identidade étnica do brasileiro, tomando como objeto de análise a narrativa de João Emanuel Carneiro, foi possível perce-ber que a representação preconceituosa da mulher negra mostra–se de forma subliminar já no título “Da Cor do Pecado”.

Nas reflexões sobre o título consideramos relevante questio-nar o que é o pecado, e, se ele tem cor, qual seria essa cor. Dentre outras definições para a palavra pecado, o dicionário brasileiro da

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língua portuguesa da Enciclopédia Mirador a define como sendo “[...] 3. Demônio, tentador. 4. Culpa, defeito, falta, vício. 5. Mulher tentadora. [...]”

Como bem se sabe, a protagonista da trama em análise é negra e atende pelo nome de Preta, o que nos atiça a indagar: seria preta a cor do pecado?

Complicado é fazer afirmativas nesse sentido, contudo não se pode negar que ao longo da trama, a imagem de Taís Araújo foi muitas vezes explorada de forma a exaltar sua sensualidade, deno-tando a imagem de mulher tentadora (pecado), o que nos remete a reflexões sobre o fascínio que a mulher negra exercia sobre os senhores de engenho e como eram vistas como figuras demoníacas que incitavam ao pecado.

No inicio da novela, Paco e Preta encontram-se numa roda de Tambor de Crioula1, ocasião em que Preta dança de forma sen-sual. Na cena, Preta vestia uma indumentária típica da dança que é composta por uma blusa colorida colada ao corpo, evidenciando os seios, com a barriga à mostra e um leve decote, uma saia longa e rodada que exibe as pernas da dançarina em um sedutor jogo de mostra/esconde enquanto a mesma rodopia na realização dos mo-vimentos sensuais próprios da dança.

Ao longo da telenovela, o figurino da atriz foi composto por peças simples, já que a mesma era representante do núcleo pobre da trama. Em geral, eram peças que evidenciavam o corpo da atriz. Com decotes que favoreciam a exibição dos ombros e do abdome, Preta materializou uma imagem regional e étnica de periferia. Seu visual trazia elementos da cultura negra como os cabelos encara-colados e as bijuterias coloridas feitas de matérias primas naturais (sementes) típicas de pequenos comércios de artesanato e de baixo valor econômico.

Em uma descrição sobre a representação do corpo feminino nas telenovelas, Martín-Barbero (2004b, p. 145) faz referência à

1 Uma das mais expressivas manifestações da cultura maranhense de origem afro e que foi reconhecida, em 2007, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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Assim, as duas personagens trazem elementos diferentes para o público e, consequentemente, se refletem de forma diversa na construção de identidades. Em ambos os casos raça e etnia, embora não tenham se constituído elementos preponderantes na definição das personagens, estiveram involuntariamente presentes na trama, na medida em que fazem parte da realidade social e despertam o público para a discussão em torno de questões raciais. As teleno-velas provocaram debates na mídia sobre a escolha da protagonista negra. Uma observação atenta ao enredo das duas tramas nos per-mite perceber que a firmeza de caráter e a doçura de Preta, bem como a determinação e competência profissional de Helena, de certa forma constroem uma imagem positiva da mulher negra. O que não significa, necessariamente, uma abordagem linear. Dentro dessa representação positiva ainda se escondem estigmas, precon-ceitos e racismos, desenhando uma relação dinâmica marcada pelo caráter profundamente dialético dessas representações e da cons-trução das identidades subjacentes a elas.

Nesse contexto, buscamos estruturar um referencial teórico-metodológico que privilegiasse o diálogo teoria/empiria que nos permitisse analisar as conexões existentes entre a ficção, o melo-drama e a identidade negra na teledramaturgia, a partir das quais essa identidade é construída e/ou desconstruída, bem como a aná-lise das personagens Preta e Helena para identificar as formas de representação do preconceito nas telenovelas.

PROTAGONISTA DA CULTURA POPULAR

Ao refletirmos sobre as questões raciais e sobre o seu papel na formação da identidade étnica do brasileiro, tomando como objeto de análise a narrativa de João Emanuel Carneiro, foi possível perce-ber que a representação preconceituosa da mulher negra mostra–se de forma subliminar já no título “Da Cor do Pecado”.

Nas reflexões sobre o título consideramos relevante questio-nar o que é o pecado, e, se ele tem cor, qual seria essa cor. Dentre outras definições para a palavra pecado, o dicionário brasileiro da

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Como bem se sabe, a protagonista da trama em análise é negra e atende pelo nome de Preta, o que nos atiça a indagar: seria preta a cor do pecado?

Complicado é fazer afirmativas nesse sentido, contudo não se pode negar que ao longo da trama, a imagem de Taís Araújo foi muitas vezes explorada de forma a exaltar sua sensualidade, deno-tando a imagem de mulher tentadora (pecado), o que nos remete a reflexões sobre o fascínio que a mulher negra exercia sobre os senhores de engenho e como eram vistas como figuras demoníacas que incitavam ao pecado.

No inicio da novela, Paco e Preta encontram-se numa roda de Tambor de Crioula1, ocasião em que Preta dança de forma sen-sual. Na cena, Preta vestia uma indumentária típica da dança que é composta por uma blusa colorida colada ao corpo, evidenciando os seios, com a barriga à mostra e um leve decote, uma saia longa e rodada que exibe as pernas da dançarina em um sedutor jogo de mostra/esconde enquanto a mesma rodopia na realização dos mo-vimentos sensuais próprios da dança.

Ao longo da telenovela, o figurino da atriz foi composto por peças simples, já que a mesma era representante do núcleo pobre da trama. Em geral, eram peças que evidenciavam o corpo da atriz. Com decotes que favoreciam a exibição dos ombros e do abdome, Preta materializou uma imagem regional e étnica de periferia. Seu visual trazia elementos da cultura negra como os cabelos encara-colados e as bijuterias coloridas feitas de matérias primas naturais (sementes) típicas de pequenos comércios de artesanato e de baixo valor econômico.

Em uma descrição sobre a representação do corpo feminino nas telenovelas, Martín-Barbero (2004b, p. 145) faz referência à

1 Uma das mais expressivas manifestações da cultura maranhense de origem afro e que foi reconhecida, em 2007, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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aura de sensualidade: “corpos desejados, corpos exaltados, sujeitos do amor ou das perversões quase sempre ingênuas, são tão regula-mentados pela imaginação como ordenados.” Na mesma linha de raciocínio, ao discorrer sobre a exploração excessiva da estética na televisão, Marcondes Filho (1993, p. 40) ressalta que “o belo cor-po, a pose sensual, o olhar fatal” tornam a atração sexual abstrata, genérica e simbólica. Assim, a exibição do corpo perfeito de Tais Araújo que tem a cor do pecado pode ser interpretada como uma redução da figura feminina a símbolo sexual. O elemento racial referente à cor da pele da atriz seria um ingrediente a mais para aguçar o imaginário masculino.

Na capa do CD da trilha sonora nacional de “Da Cor do Pe-cado”, Tais Araújo aparece em pose sensual, sugerindo a nudez da atriz (em uma imagem em que se subentende que estaria nua). Na abertura da novela também aparece a imagem frontal do corpo nu de uma mulher negra evidenciando os seios que estão cobertos com as palavras “Da Cor do Pecado”. Fica subtendido que o corpo é de Taís Araújo.

No que se refere ao enredo, “Da Cor do Pecado” é uma expres-são autêntica da estrutura tradicional das telenovelas brasileiras. De acordo com Crespo (2000), essa estrutura obedece a uma lógica dual com uma divisão clara entre o bem e o mal e mais especifica-mente entre os pobres honestos, honrados e de sentimentos nobres e os ricos gananciosos e de caráter duvidoso. Entre os ricos, há sempre “uma ovelha branca”, o herói ou heroína, representados por pessoas simples, de coração bondoso e profundamente infelizes com o universo vazio e superficial de sua classe social.

A organização espacial desse universo dicotômico ocorre por meio da divisão em núcleos: “[...] o ‘núcleo dos pobres’, habitantes da Zona Norte do Rio de Janeiro, por exemplo, e o ‘núcleo dos ri-cos’ moradores da Zonal Sul, empresários de sucesso.” (CRESPO, 2000, p. 213). Em “Da Cor do Pecado” o núcleo pobre está loca-lizado no Maranhão e sua principal representante é a personagem Preta, a jovem pobre, negra, representativa da cultura popular. Sua antagonista, Bárbara, é uma jovem sem escrúpulos, loira, represen-tante de uma aristocracia falida, que mora no Rio de Janeiro.

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A dicotomia presente na trama é evidente: o bem e o mal, o branco e o negro, a pobreza e a riqueza, o centro e a periferia, o autêntico e o falso, ignorando a infinidade de relações que existem entre estes extremos e evidenciando uma representação caracteri-zada por uma pseudoingenuidade que esconde os verdadeiros con-flitos sociais presentes na vida real como o preconceito contra o pobre, o nordestino, o negro, e que estão vivos em nosso cotidiano ainda que não institucionalizados.

Vivemos em uma sociedade pautada por muita ambigüidade, so-bretudo no que se refere às relações raciais. Se de um lado, ofi-cialmente, impera um modelo que exalta uma sociabilidade racial impar, de outro, dados estatísticos apontam o contrário: persiste uma evidente segregação social que se afirma no trabalho, nos ín-dices de nascimento e morte, na divisão geográfica, nas oportuni-dades de êxito social e até no lazer. No entanto, não existe no Bra-sil espaços formais para separação racial, assim como não temos qualquer lei que estabeleça uma política de apartheid social ou qualquer forma de segregação oficial. [...] Impera, porém, um ra-cismo dissimulado, silencioso, por vezes cordial, na feliz expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda; que escapa ao espaço oficial, mas ganha os locais mais cotidianos ou reina gloriosa na ideologia do senso comum: discurso tão poderoso como o cientifi-co ou religioso. (SCHWARZ, 2009, p. 72).

O padrão descrito por Crespo (2000, p. 213) contempla tam-bém o amor impossível:

Normalmente acontecerá um romance, às vezes dois, entre mem-bros dos núcleos antagônicos. Sempre o moço ou moça rica se apaixona pelo moço ou moça pobre e invariavelmente alguém de sua família se coloca contra o casamento, que acontecerá, prova-velmente, no último capítulo. [...] Trama central da novela: a pai-xão difícil, mas não impossível entre o moço rico e a moça pobre ou vice-versa. [...] A trama vai organizar-se a partir das relações entre os dois ‘núcleos’ que de maneira geral se complementam. Em outras palavras, o quadro social representado em uma novela, em lugar de considerar os conflitos sociais que conformam nossa so-ciedade, maneja as relações entre os membros dessas classes como

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aura de sensualidade: “corpos desejados, corpos exaltados, sujeitos do amor ou das perversões quase sempre ingênuas, são tão regula-mentados pela imaginação como ordenados.” Na mesma linha de raciocínio, ao discorrer sobre a exploração excessiva da estética na televisão, Marcondes Filho (1993, p. 40) ressalta que “o belo cor-po, a pose sensual, o olhar fatal” tornam a atração sexual abstrata, genérica e simbólica. Assim, a exibição do corpo perfeito de Tais Araújo que tem a cor do pecado pode ser interpretada como uma redução da figura feminina a símbolo sexual. O elemento racial referente à cor da pele da atriz seria um ingrediente a mais para aguçar o imaginário masculino.

Na capa do CD da trilha sonora nacional de “Da Cor do Pe-cado”, Tais Araújo aparece em pose sensual, sugerindo a nudez da atriz (em uma imagem em que se subentende que estaria nua). Na abertura da novela também aparece a imagem frontal do corpo nu de uma mulher negra evidenciando os seios que estão cobertos com as palavras “Da Cor do Pecado”. Fica subtendido que o corpo é de Taís Araújo.

No que se refere ao enredo, “Da Cor do Pecado” é uma expres-são autêntica da estrutura tradicional das telenovelas brasileiras. De acordo com Crespo (2000), essa estrutura obedece a uma lógica dual com uma divisão clara entre o bem e o mal e mais especifica-mente entre os pobres honestos, honrados e de sentimentos nobres e os ricos gananciosos e de caráter duvidoso. Entre os ricos, há sempre “uma ovelha branca”, o herói ou heroína, representados por pessoas simples, de coração bondoso e profundamente infelizes com o universo vazio e superficial de sua classe social.

A organização espacial desse universo dicotômico ocorre por meio da divisão em núcleos: “[...] o ‘núcleo dos pobres’, habitantes da Zona Norte do Rio de Janeiro, por exemplo, e o ‘núcleo dos ri-cos’ moradores da Zonal Sul, empresários de sucesso.” (CRESPO, 2000, p. 213). Em “Da Cor do Pecado” o núcleo pobre está loca-lizado no Maranhão e sua principal representante é a personagem Preta, a jovem pobre, negra, representativa da cultura popular. Sua antagonista, Bárbara, é uma jovem sem escrúpulos, loira, represen-tante de uma aristocracia falida, que mora no Rio de Janeiro.

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A dicotomia presente na trama é evidente: o bem e o mal, o branco e o negro, a pobreza e a riqueza, o centro e a periferia, o autêntico e o falso, ignorando a infinidade de relações que existem entre estes extremos e evidenciando uma representação caracteri-zada por uma pseudoingenuidade que esconde os verdadeiros con-flitos sociais presentes na vida real como o preconceito contra o pobre, o nordestino, o negro, e que estão vivos em nosso cotidiano ainda que não institucionalizados.

Vivemos em uma sociedade pautada por muita ambigüidade, so-bretudo no que se refere às relações raciais. Se de um lado, ofi-cialmente, impera um modelo que exalta uma sociabilidade racial impar, de outro, dados estatísticos apontam o contrário: persiste uma evidente segregação social que se afirma no trabalho, nos ín-dices de nascimento e morte, na divisão geográfica, nas oportuni-dades de êxito social e até no lazer. No entanto, não existe no Bra-sil espaços formais para separação racial, assim como não temos qualquer lei que estabeleça uma política de apartheid social ou qualquer forma de segregação oficial. [...] Impera, porém, um ra-cismo dissimulado, silencioso, por vezes cordial, na feliz expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda; que escapa ao espaço oficial, mas ganha os locais mais cotidianos ou reina gloriosa na ideologia do senso comum: discurso tão poderoso como o cientifi-co ou religioso. (SCHWARZ, 2009, p. 72).

O padrão descrito por Crespo (2000, p. 213) contempla tam-bém o amor impossível:

Normalmente acontecerá um romance, às vezes dois, entre mem-bros dos núcleos antagônicos. Sempre o moço ou moça rica se apaixona pelo moço ou moça pobre e invariavelmente alguém de sua família se coloca contra o casamento, que acontecerá, prova-velmente, no último capítulo. [...] Trama central da novela: a pai-xão difícil, mas não impossível entre o moço rico e a moça pobre ou vice-versa. [...] A trama vai organizar-se a partir das relações entre os dois ‘núcleos’ que de maneira geral se complementam. Em outras palavras, o quadro social representado em uma novela, em lugar de considerar os conflitos sociais que conformam nossa so-ciedade, maneja as relações entre os membros dessas classes como

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se se tratassem de simples relações pessoais. Por isso, a imagem que veiculam é a de uma sociedade estruturalmente harmoniosa, cujos conflitos se dão entre indivíduos e não entre classes sociais.

Em “Da Cor do Pecado”, essa configuração é claramente ob-servada na história de amor entre Preta e Paco. A estrutura tradi-cional observada em “Da Cor do Pecado” também é contemplada por Martín-Barbero (2004b, p. 120) na seguinte passagem: “Gêne-ro moldado por um formato que põe em imagens unicamente pai-xões e sentimentos primordiais, elementares, excluindo do espaço dramático toda ambiguidade ou complexidade histórica e neutra-lizando, com frequência, as referências de lugar e de tempo [...].”

Sobre a estrutura tradicional, o autor acrescenta que “os con-flitos centrais são de parentesco, a estrutura dos estratos sociais é cruamente maniqueísta e os personagens são puros signos. [...]” (MARTÍN-BARBERO, 2004b, p. 121). Tal descrição adéqua-se harmonicamente com enredo de “Da Cor do Pecado”: os conflitos entre Paco e Afonso, a negligência de Bárbara enquanto mãe, a an-siedade de Raí por conhecer o pai, o segredo de Edilásia, o adultério cometido por Afonso, a separação dos gêmeos, enfim, os conflitos de parentesco estão claramente presentes. Entretanto, não se dis-cutem de forma clara o racismo, os preconceitos, nem os conflitos deles decorrentes.

Sobre o romance inter-racial entre Preta e Paco, o autor da novela, em entrevista concedida a Nilson Xavier para o site “tele-dramaturgia.com”, João Emanuel Carneiro fez a seguinte afirma-ção: “Não estou fazendo uma coisa sociológica. Estou contando a história de dois personagens. A história de amor entre Paco e Preta. Não é o meu objetivo criar polêmica.”

Xavier também colheu o depoimento da diretora Denise Sara-ceni que reafirma que o tema da novela não é o racismo: “a ênfase da novela está no relacionamento humano e em suas consequên-cias. Mas, como a protagonista é negra, inevitavelmente ela passa-rá por situações desagradáveis, refletindo o que acontece na nossa sociedade.”

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No depoimento de Saraceni é possível questionar importantes aspectos notavelmente contraditórios de sua declaração: embora a diretora negue o racismo como tema da novela, delimitando-o à questão do relacionamento humano, o racismo, como ela mesma reconhece mais adiante, está presente na trama como reflexo “do que acontece em nossa sociedade.”

Embora, em “Da Cor do Pecado” as relações raciais tenham sido tratadas superficialmente, cabe ressaltar, sob o ponto de vista cultural, a importância da utilização de outros cenários além do Rio de Janeiro, tais como São Luís, Alcântara e os Lençóis Maranhen-ses como palco das narrativas, mostrando a riqueza e a diversidade das culturas regionais para fugir, mesmo que momentaneamente, de uma contradição comumente presente nas telenovelas que, se-gundo Martín-Barbero (2004b, p. 157), “[...] desorienta e articula nossa modernidade: o desencontro do nacional com o regional, a centralização desintegradora de um país plural e a luta das regiões por se fazer reconhecer como construtiva do nacional.”

Contudo, a participação do Maranhão como cenário em re-lação ao conjunto da obra foi pequena. Com a continuação da te-lenovela ela vai sendo diluída e cada vez mais descaracterizada. A relação centro-periferia se fez clara “diante do enganoso mapa sociocultural da dicotomia entre progresso e atraso, que nos foi traçado pela modernização desenvolvimentista [...]” (MARTÍN--BARBERO, 2004b, p. 157).

PROTAGONISTA COSMOPOLITA

Se em “Da Cor do Pecado” a questão racial é pouco discutida, em “Viver a Vida” ela é praticamente desconsiderada. A narrativa de Manoel Carlos mostra-se como uma perfeita expressão da utó-pica democracia racial.

Comecemos também pelo título, “Viver a Vida”. Ele expressa bem a essência de uma representação, onde as diferenças são minimi-zadas a situações raras. O grande elenco da trama vive a vida em toda sua plenitude e beleza: belas mansões, carros de luxo, helicópteros,

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se se tratassem de simples relações pessoais. Por isso, a imagem que veiculam é a de uma sociedade estruturalmente harmoniosa, cujos conflitos se dão entre indivíduos e não entre classes sociais.

Em “Da Cor do Pecado”, essa configuração é claramente ob-servada na história de amor entre Preta e Paco. A estrutura tradi-cional observada em “Da Cor do Pecado” também é contemplada por Martín-Barbero (2004b, p. 120) na seguinte passagem: “Gêne-ro moldado por um formato que põe em imagens unicamente pai-xões e sentimentos primordiais, elementares, excluindo do espaço dramático toda ambiguidade ou complexidade histórica e neutra-lizando, com frequência, as referências de lugar e de tempo [...].”

Sobre a estrutura tradicional, o autor acrescenta que “os con-flitos centrais são de parentesco, a estrutura dos estratos sociais é cruamente maniqueísta e os personagens são puros signos. [...]” (MARTÍN-BARBERO, 2004b, p. 121). Tal descrição adéqua-se harmonicamente com enredo de “Da Cor do Pecado”: os conflitos entre Paco e Afonso, a negligência de Bárbara enquanto mãe, a an-siedade de Raí por conhecer o pai, o segredo de Edilásia, o adultério cometido por Afonso, a separação dos gêmeos, enfim, os conflitos de parentesco estão claramente presentes. Entretanto, não se dis-cutem de forma clara o racismo, os preconceitos, nem os conflitos deles decorrentes.

Sobre o romance inter-racial entre Preta e Paco, o autor da novela, em entrevista concedida a Nilson Xavier para o site “tele-dramaturgia.com”, João Emanuel Carneiro fez a seguinte afirma-ção: “Não estou fazendo uma coisa sociológica. Estou contando a história de dois personagens. A história de amor entre Paco e Preta. Não é o meu objetivo criar polêmica.”

Xavier também colheu o depoimento da diretora Denise Sara-ceni que reafirma que o tema da novela não é o racismo: “a ênfase da novela está no relacionamento humano e em suas consequên-cias. Mas, como a protagonista é negra, inevitavelmente ela passa-rá por situações desagradáveis, refletindo o que acontece na nossa sociedade.”

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No depoimento de Saraceni é possível questionar importantes aspectos notavelmente contraditórios de sua declaração: embora a diretora negue o racismo como tema da novela, delimitando-o à questão do relacionamento humano, o racismo, como ela mesma reconhece mais adiante, está presente na trama como reflexo “do que acontece em nossa sociedade.”

Embora, em “Da Cor do Pecado” as relações raciais tenham sido tratadas superficialmente, cabe ressaltar, sob o ponto de vista cultural, a importância da utilização de outros cenários além do Rio de Janeiro, tais como São Luís, Alcântara e os Lençóis Maranhen-ses como palco das narrativas, mostrando a riqueza e a diversidade das culturas regionais para fugir, mesmo que momentaneamente, de uma contradição comumente presente nas telenovelas que, se-gundo Martín-Barbero (2004b, p. 157), “[...] desorienta e articula nossa modernidade: o desencontro do nacional com o regional, a centralização desintegradora de um país plural e a luta das regiões por se fazer reconhecer como construtiva do nacional.”

Contudo, a participação do Maranhão como cenário em re-lação ao conjunto da obra foi pequena. Com a continuação da te-lenovela ela vai sendo diluída e cada vez mais descaracterizada. A relação centro-periferia se fez clara “diante do enganoso mapa sociocultural da dicotomia entre progresso e atraso, que nos foi traçado pela modernização desenvolvimentista [...]” (MARTÍN--BARBERO, 2004b, p. 157).

PROTAGONISTA COSMOPOLITA

Se em “Da Cor do Pecado” a questão racial é pouco discutida, em “Viver a Vida” ela é praticamente desconsiderada. A narrativa de Manoel Carlos mostra-se como uma perfeita expressão da utó-pica democracia racial.

Comecemos também pelo título, “Viver a Vida”. Ele expressa bem a essência de uma representação, onde as diferenças são minimi-zadas a situações raras. O grande elenco da trama vive a vida em toda sua plenitude e beleza: belas mansões, carros de luxo, helicópteros,

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mega eventos, viagens internacionais, paisagens paradisíacas, en-fim, um modo de viver a vida que, embora seja o sonho de consu-mo e alimente o imaginário de grande parte da população, pouco expressa às dificuldades da vida real dos brasileiros que, como bem expressa Chiavenato (1998, p. 26),

[...] lutam para pagar aluguel, não perder o ônibus e arranjar-se em qualquer emprego. Lutam para que suas filhas não sejam pros-titutas. Lutam para comer. Lutam pela roupa. E lutam para com-prar bugigangas chinesas. Mas aparentemente não discutem que lhes falta atendimento médico, sanitário e ensino.

Em “Viver a Vida”, Taís Araújo representa a protagonista cos-mopolita Helena, cidadã do mundo, modelo de sucesso com proje-ção internacional. O autor da telenovela, em entrevista concedida à jornalista Maria Carolina Maia para “Veja Online”, afirma: “uma atriz negra para o papel de protagonista não foi uma preocupação, um objetivo, uma deliberação. Não parti desse ponto para dar o papel a Taís”. Do depoimento de Manoel Carlos, pode-se concluir então que a Helena de “Viver a Vida” é negra por pura obra da ca-sualidade. Por acaso a atriz que ele escolheu era negra.

O figurino de Taís Araújo em “Viver a Vida” expressa clara-mente o caráter cosmopolita da personagem que apresenta um es-tilo sofisticado e elegante que remete ao glamour das passarelas. Dentre as características do figurino de Helena destaca-se a ins-piração safári, cores neutras e tons nude. Outra característica fre-quentemente observada é a presença do tema deusa grega, presente nos vestidos de um ombro só e tomara-que-caia. Com relação aos cabelos mantiveram-se os cachos, que passaram por um tratamen-to diferenciado, pois não se assemelham aos cabelos naturais de mulheres negras comuns. Os cachos não traduziam, portanto, uma identidade étnico-racial, mas simplesmente uma característica do visual da personagem.

Diferentemente da estrutura do enredo de “Da Cor do Peca-do”, a trama de “Viver a Vida” não possui, na mesma intensidade, as características tradicionais do melodrama. Embora o melodrama

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também estivesse fortemente presente, o autor mesclou a narrativa com características mais humanas e menos ideais. Marcos, o par romântico de Helena na primeira fase da novela, foge ao padrão tradicional do mocinho fiel e generoso. Passada a fase do encontro, da paixão e da lua de mel, a representação de Marcos transgride a idealização do herói honrado e perfeito do melodrama e passou a apresentar outros traços. O personagem revelou-se machista, egoísta, autoritário e adúltero. Em consequência, o casamento apresentou crises, aproximando-se de uma forma mais realista dos relacionamentos da vida a dois e de seus conflitos.

Helena também se distancia da mocinha romântica tradicio-nal. Rebelde, ela se nega a ceder aos caprichos do marido, como, por exemplo, parar de trabalhar, subvertendo, assim, a representa-ção subserviente da mulher casta e fiel que vive para o amor. Ainda casada com Marcos, Helena flerta com Bruno. Os personagens tro-cam beijos e carícias, atitudes não convencionais em uma mocinha de um melodrama tradicional.

Outro elemento identificado no enredo de “Viver a Vida” refe-re-se ao que Muniz Sodré denomina “Romance Familiar.” O autor diz que essa é uma característica comum na telenovela brasileira explicando que:

A telenovela brasileira dispõe de fortes elementos para que a identifiquemos como romance familiar coletivo. ‘Romance fami-liar’ tem aqui a mesma acepção que lhe dá Freud ao referir-se as fantasias criadas pelo indivíduo no quadro do complexo edipiano, para modificar imaginariamente os laços com os pais, aspectos das relações familiares ou mesmo para criar uma família imaginária. Dentre as motivações possíveis dessa fabulação pessoal, acha-se, como se sabe, a tentativa de contornar a barreira do incesto. (SO-DRÉ, 1996, p. 153).

Em “Viver a Vida”, o “Romance familiar coletivo” se manifesta na trama de muitas formas. Luciana sente forte atração por Bruno e, mesmo estando noiva de Jorge, se insinua para Bruno de quem “rouba” um ardente beijo. Mais tarde, Luciana descobre que é irmã de Bruno, porque ele é filho de Marcos que, por sua vez, é marido

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mega eventos, viagens internacionais, paisagens paradisíacas, en-fim, um modo de viver a vida que, embora seja o sonho de consu-mo e alimente o imaginário de grande parte da população, pouco expressa às dificuldades da vida real dos brasileiros que, como bem expressa Chiavenato (1998, p. 26),

[...] lutam para pagar aluguel, não perder o ônibus e arranjar-se em qualquer emprego. Lutam para que suas filhas não sejam pros-titutas. Lutam para comer. Lutam pela roupa. E lutam para com-prar bugigangas chinesas. Mas aparentemente não discutem que lhes falta atendimento médico, sanitário e ensino.

Em “Viver a Vida”, Taís Araújo representa a protagonista cos-mopolita Helena, cidadã do mundo, modelo de sucesso com proje-ção internacional. O autor da telenovela, em entrevista concedida à jornalista Maria Carolina Maia para “Veja Online”, afirma: “uma atriz negra para o papel de protagonista não foi uma preocupação, um objetivo, uma deliberação. Não parti desse ponto para dar o papel a Taís”. Do depoimento de Manoel Carlos, pode-se concluir então que a Helena de “Viver a Vida” é negra por pura obra da ca-sualidade. Por acaso a atriz que ele escolheu era negra.

O figurino de Taís Araújo em “Viver a Vida” expressa clara-mente o caráter cosmopolita da personagem que apresenta um es-tilo sofisticado e elegante que remete ao glamour das passarelas. Dentre as características do figurino de Helena destaca-se a ins-piração safári, cores neutras e tons nude. Outra característica fre-quentemente observada é a presença do tema deusa grega, presente nos vestidos de um ombro só e tomara-que-caia. Com relação aos cabelos mantiveram-se os cachos, que passaram por um tratamen-to diferenciado, pois não se assemelham aos cabelos naturais de mulheres negras comuns. Os cachos não traduziam, portanto, uma identidade étnico-racial, mas simplesmente uma característica do visual da personagem.

Diferentemente da estrutura do enredo de “Da Cor do Peca-do”, a trama de “Viver a Vida” não possui, na mesma intensidade, as características tradicionais do melodrama. Embora o melodrama

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também estivesse fortemente presente, o autor mesclou a narrativa com características mais humanas e menos ideais. Marcos, o par romântico de Helena na primeira fase da novela, foge ao padrão tradicional do mocinho fiel e generoso. Passada a fase do encontro, da paixão e da lua de mel, a representação de Marcos transgride a idealização do herói honrado e perfeito do melodrama e passou a apresentar outros traços. O personagem revelou-se machista, egoísta, autoritário e adúltero. Em consequência, o casamento apresentou crises, aproximando-se de uma forma mais realista dos relacionamentos da vida a dois e de seus conflitos.

Helena também se distancia da mocinha romântica tradicio-nal. Rebelde, ela se nega a ceder aos caprichos do marido, como, por exemplo, parar de trabalhar, subvertendo, assim, a representa-ção subserviente da mulher casta e fiel que vive para o amor. Ainda casada com Marcos, Helena flerta com Bruno. Os personagens tro-cam beijos e carícias, atitudes não convencionais em uma mocinha de um melodrama tradicional.

Outro elemento identificado no enredo de “Viver a Vida” refe-re-se ao que Muniz Sodré denomina “Romance Familiar.” O autor diz que essa é uma característica comum na telenovela brasileira explicando que:

A telenovela brasileira dispõe de fortes elementos para que a identifiquemos como romance familiar coletivo. ‘Romance fami-liar’ tem aqui a mesma acepção que lhe dá Freud ao referir-se as fantasias criadas pelo indivíduo no quadro do complexo edipiano, para modificar imaginariamente os laços com os pais, aspectos das relações familiares ou mesmo para criar uma família imaginária. Dentre as motivações possíveis dessa fabulação pessoal, acha-se, como se sabe, a tentativa de contornar a barreira do incesto. (SO-DRÉ, 1996, p. 153).

Em “Viver a Vida”, o “Romance familiar coletivo” se manifesta na trama de muitas formas. Luciana sente forte atração por Bruno e, mesmo estando noiva de Jorge, se insinua para Bruno de quem “rouba” um ardente beijo. Mais tarde, Luciana descobre que é irmã de Bruno, porque ele é filho de Marcos que, por sua vez, é marido

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de Helena, por quem Bruno se apaixona e com quem estabelece relacionamento amoroso e se casa no final da trama. O romance fa-miliar e o incesto implícito não param por aí. Miguel, irmão gêmeo de Jorge, se apaixona pela cunhada, com quem se casa no final da narrativa. Ao longo do enredo a rivalidade entre os irmãos Jorge e Miguel, marcada por uma relação de ciúme e inveja, se intensifica a partir da disputa pelo amor de Luciana

Depreendemos desse contexto relações incestuosas entre ir-mão/irmã, madrasta/enteado, cunhada/cunhado, reafirmando a tese de Sodré (1996, p. 154):

[...] a telenovela, na esteira do folhetim oitocentista, costuma obter efeitos junto ao grande público com a manipulação de ele-mento típicos do romance familiar freudiano, a exemplo das vi-cissitudes da bastardia, das aventuras secretas de pai e mãe, das rivalidades entre irmãos ou parentes etc. São também sintomáti-cas as conexões latentes ou explícitas de determinadas situações ficcionais com a temática do incesto.

Martín-Barbero (2004b, p. 153), em seu incansável e minucio-so exercício do ver, também tece reflexões que nos permitem ana-lisar os elementos presentes nesse romance familiar, em passagem na qual o autor chama a atenção para o drama do reconhecimento:

O que na hibridação de velhas lendas com linguagem modernas move a trama – tanto ou mais que as peripécias do amor – é o drama do reconhecimento, isto é o movimento que conduz do desconhecimento – do filho pela mãe, de um irmão por outro, do pai pelo filho – ao reconhecimento da identidade.

Em “Viver a Vida” o drama do reconhecimento está presente de forma bastante recorrente. Bruno descobre ser filho de Marcos e irmão de Luciana. Em tramas paralelas a pequena Rafaela, filha de Dora, vive o drama da busca da identidade do pai desconhecido que, mais tarde, descobre ser um bandido perigoso. Dora, por sua vez, vive a angústia de desconhecer a identidade do pai do filho que carrega no ventre.

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Martín-Barbero (2004b, p. 151) levanta importantes questio-namentos sobre as simbologias escondidas no drama do reconheci-mento:

Não estará aí, no drama do reconhecimento, a conexão secreta do melodrama com a história cultural do ‘sub’- continente latino--americano: com sua mescla de raças que confunde e obscurece sua identidade, e com a luta, por conseguinte, para se fazer reco-nhecer?

Partindo desses questionamentos, Martín-Barbero (2004b, p. 151-152) discorre sobre as faces ocultas nas representações das te-lenovelas, as construções imaginárias, as vozes silenciadas, o não dito, nas realidades omitidas:

Na América latina o melodrama resultou em algo mais do que um gênero dramático, ou seja, resultou em uma matriz cultural que alimenta, o reconhecimento popular na cultura de massas, terri-tório chave para estudar a não simultaneidade do contemporâneo como chave das mestiçagens de que somos feitas por que como nas praças populares de mercado, no melodrama está tudo resol-vido, as estruturas sociais e as do sentimento, muito mais do que somos – machistas, fatalistas, supersticiosos – e do que sonhamos ser, a nostalgia e a raiva. Na forma de tango ou de bolero, de cine-ma mexicano ou de crônica sentimental, o melodrama trabalha, nessas terras, um filão profundo do imaginário coletivo e não há acesso a memória nem projeção ao futuro que não passem pelo imaginário.

Assim, as telenovelas negam identidades na medida em que ro-mantizam dramas reais de milhares de pessoas. Em “Viver a Vida”, por exemplo, a tetraplegia de Luciana foi tratada de forma surreal e díspar em relação à realidade da maioria dos portadores desse tipo de deficiência. Todo aparato tecnológico e material colocado à disposição da personagem destoa completamente das possibilidades econômicas dos deficientes da vida real, e isso pode ser constatado em rápido passeio por hospitais públicos no Brasil a fora.

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de Helena, por quem Bruno se apaixona e com quem estabelece relacionamento amoroso e se casa no final da trama. O romance fa-miliar e o incesto implícito não param por aí. Miguel, irmão gêmeo de Jorge, se apaixona pela cunhada, com quem se casa no final da narrativa. Ao longo do enredo a rivalidade entre os irmãos Jorge e Miguel, marcada por uma relação de ciúme e inveja, se intensifica a partir da disputa pelo amor de Luciana

Depreendemos desse contexto relações incestuosas entre ir-mão/irmã, madrasta/enteado, cunhada/cunhado, reafirmando a tese de Sodré (1996, p. 154):

[...] a telenovela, na esteira do folhetim oitocentista, costuma obter efeitos junto ao grande público com a manipulação de ele-mento típicos do romance familiar freudiano, a exemplo das vi-cissitudes da bastardia, das aventuras secretas de pai e mãe, das rivalidades entre irmãos ou parentes etc. São também sintomáti-cas as conexões latentes ou explícitas de determinadas situações ficcionais com a temática do incesto.

Martín-Barbero (2004b, p. 153), em seu incansável e minucio-so exercício do ver, também tece reflexões que nos permitem ana-lisar os elementos presentes nesse romance familiar, em passagem na qual o autor chama a atenção para o drama do reconhecimento:

O que na hibridação de velhas lendas com linguagem modernas move a trama – tanto ou mais que as peripécias do amor – é o drama do reconhecimento, isto é o movimento que conduz do desconhecimento – do filho pela mãe, de um irmão por outro, do pai pelo filho – ao reconhecimento da identidade.

Em “Viver a Vida” o drama do reconhecimento está presente de forma bastante recorrente. Bruno descobre ser filho de Marcos e irmão de Luciana. Em tramas paralelas a pequena Rafaela, filha de Dora, vive o drama da busca da identidade do pai desconhecido que, mais tarde, descobre ser um bandido perigoso. Dora, por sua vez, vive a angústia de desconhecer a identidade do pai do filho que carrega no ventre.

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Martín-Barbero (2004b, p. 151) levanta importantes questio-namentos sobre as simbologias escondidas no drama do reconheci-mento:

Não estará aí, no drama do reconhecimento, a conexão secreta do melodrama com a história cultural do ‘sub’- continente latino--americano: com sua mescla de raças que confunde e obscurece sua identidade, e com a luta, por conseguinte, para se fazer reco-nhecer?

Partindo desses questionamentos, Martín-Barbero (2004b, p. 151-152) discorre sobre as faces ocultas nas representações das te-lenovelas, as construções imaginárias, as vozes silenciadas, o não dito, nas realidades omitidas:

Na América latina o melodrama resultou em algo mais do que um gênero dramático, ou seja, resultou em uma matriz cultural que alimenta, o reconhecimento popular na cultura de massas, terri-tório chave para estudar a não simultaneidade do contemporâneo como chave das mestiçagens de que somos feitas por que como nas praças populares de mercado, no melodrama está tudo resol-vido, as estruturas sociais e as do sentimento, muito mais do que somos – machistas, fatalistas, supersticiosos – e do que sonhamos ser, a nostalgia e a raiva. Na forma de tango ou de bolero, de cine-ma mexicano ou de crônica sentimental, o melodrama trabalha, nessas terras, um filão profundo do imaginário coletivo e não há acesso a memória nem projeção ao futuro que não passem pelo imaginário.

Assim, as telenovelas negam identidades na medida em que ro-mantizam dramas reais de milhares de pessoas. Em “Viver a Vida”, por exemplo, a tetraplegia de Luciana foi tratada de forma surreal e díspar em relação à realidade da maioria dos portadores desse tipo de deficiência. Todo aparato tecnológico e material colocado à disposição da personagem destoa completamente das possibilidades econômicas dos deficientes da vida real, e isso pode ser constatado em rápido passeio por hospitais públicos no Brasil a fora.

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio

No que diz respeito à questão racial, como já mencionamos, foi abordada de forma marginal, praticamente sendo desconside-rada. Apesar de Helena, a protagonista da trama, ser negra, essa condição passa despercebida em virtude do seu status econômico. O mesmo não acontece com Sandra, irmã da personagem. Na tra-ma, a representação dos conflitos raciais e de classe se resumiu ao envolvimento de Sandra com traficante, e também negro, Bené. O romance de Sandra e Bené foi, em uma estória caracterizada pelo luxo e glamour, uma pequena brecha pela qual foi possível visua-lizar uma amostra das tensões sociais de nosso tempo. Mesmo de forma limitada, funcionou como:

O acesso ao traçado das humilhações e revanches de que está a vida dos que lutam não só para sobreviver, mas também para ser alguém. E para isso se auscultam o opaco tecido em que as classes se tocam: as perversões dos ricos, conectando-os com a boca do lixo e as táticas dos pobres ‘explorando’ os vícios dos ricos [...] desvelam novos modos de relação social, turvas relações de soli-dariedade e cumplicidade, brechas morais e culturais, que fendem a mentirosa normalidade de nossa sociedade. (MARTÍN-BARBE-RO, 2004b, p. 156).

Contudo, a realidade de conflito social vivenciado por Bené e Sandra foi colocada de forma extremamente romantizada. As cenas filmadas no morro, por exemplo, davam mais ênfase à beleza natu-ral da paisagem (do alto do morro tinha-se uma vista panorâmica do Rio de Janeiro) do que à pobreza e carência de infraestrutura do local, evidente na cena do batizado do filho de Sandra e Bené.

Dessa forma, a representação das relações raciais em “Viver a Vida”, obedecendo à lógica das telenovelas brasileiras, em geral, pouco expressou a realidade do negro em nossa sociedade e pouco contribuiu para a construção de uma identidade étnico-racial. De acordo com Araújo (2004, p. 305), a quantidade de atores negros no elenco é “[...] uma demonstração contundente de que a teleno-vela nunca respeitou as definições étnico-raciais que os brasileiros fazem de si mesmo num país que tem cerca de cinquenta por cento de sua população constituída de afro-descendentes.” Essa configu-

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ração se mostrou presente tanto em “Viver a Vida” quanto em “Da Cor do Pecado”.

Cabe ressaltar ainda que, apesar de toda fabulação feita por Manoel Carlos em uma estória marcada pela opulência e pratica-mente sem conflitos sociais, a escolha de uma Helena negra foi no-tadamente importante enquanto representação da mulher negra, apesar do autor ter declarado que a cor da pele não foi critério para a escolha da atriz Taís Araújo.

Assim, a presença de uma Helena negra, bonita, famosa, bem sucedida profissionalmente numa trama levada ao ar no horário nobre da Rede Globo evidenciou um padrão de representação ne-gra diferente daquele ao qual já nos habituamos. Em uma ocasião rara na teledramaturgia brasileira, deslocou-se a mulher negra da cozinha e da área de serviço para uma profissão que é o objeto de desejo de homens e de mulheres no mundo inteiro. Além de bela, Helena foi apresentada como uma modelo altamente gabaritada, donde se conclui que para ter sucesso profissional não basta ser branca, é necessário competência, fato que se assemelha à própria história de vida da estrela Taís Araújo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Lopes (2010, p. 7), “as histórias narradas pela televisão são, antes de tudo, importantes pelo seu significado cul-tural. [...] oferece material precioso para entender a cultura e a sociedade de que é expressão.”

Dentre essas narrativas, a telenovela ocupa lugar privilegiado enquanto instrumento para construção e desconstrução de identi-dades. Foi por esta razão que Martín-Barbero declarou sua “Afeição intelectual a telenovela”: O autor considera a telenovela como um “produto e uma prática comunicativa” na qual se faz “evidente o melhor e o pior da cumplicidade entre o popular e o maciço.”

Diante de todos aqueles para os quais constituía unicamente um subpro-duto marginal à grande CULTURA, a telenovela converteu-se[...] na

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No que diz respeito à questão racial, como já mencionamos, foi abordada de forma marginal, praticamente sendo desconside-rada. Apesar de Helena, a protagonista da trama, ser negra, essa condição passa despercebida em virtude do seu status econômico. O mesmo não acontece com Sandra, irmã da personagem. Na tra-ma, a representação dos conflitos raciais e de classe se resumiu ao envolvimento de Sandra com traficante, e também negro, Bené. O romance de Sandra e Bené foi, em uma estória caracterizada pelo luxo e glamour, uma pequena brecha pela qual foi possível visua-lizar uma amostra das tensões sociais de nosso tempo. Mesmo de forma limitada, funcionou como:

O acesso ao traçado das humilhações e revanches de que está a vida dos que lutam não só para sobreviver, mas também para ser alguém. E para isso se auscultam o opaco tecido em que as classes se tocam: as perversões dos ricos, conectando-os com a boca do lixo e as táticas dos pobres ‘explorando’ os vícios dos ricos [...] desvelam novos modos de relação social, turvas relações de soli-dariedade e cumplicidade, brechas morais e culturais, que fendem a mentirosa normalidade de nossa sociedade. (MARTÍN-BARBE-RO, 2004b, p. 156).

Contudo, a realidade de conflito social vivenciado por Bené e Sandra foi colocada de forma extremamente romantizada. As cenas filmadas no morro, por exemplo, davam mais ênfase à beleza natu-ral da paisagem (do alto do morro tinha-se uma vista panorâmica do Rio de Janeiro) do que à pobreza e carência de infraestrutura do local, evidente na cena do batizado do filho de Sandra e Bené.

Dessa forma, a representação das relações raciais em “Viver a Vida”, obedecendo à lógica das telenovelas brasileiras, em geral, pouco expressou a realidade do negro em nossa sociedade e pouco contribuiu para a construção de uma identidade étnico-racial. De acordo com Araújo (2004, p. 305), a quantidade de atores negros no elenco é “[...] uma demonstração contundente de que a teleno-vela nunca respeitou as definições étnico-raciais que os brasileiros fazem de si mesmo num país que tem cerca de cinquenta por cento de sua população constituída de afro-descendentes.” Essa configu-

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ração se mostrou presente tanto em “Viver a Vida” quanto em “Da Cor do Pecado”.

Cabe ressaltar ainda que, apesar de toda fabulação feita por Manoel Carlos em uma estória marcada pela opulência e pratica-mente sem conflitos sociais, a escolha de uma Helena negra foi no-tadamente importante enquanto representação da mulher negra, apesar do autor ter declarado que a cor da pele não foi critério para a escolha da atriz Taís Araújo.

Assim, a presença de uma Helena negra, bonita, famosa, bem sucedida profissionalmente numa trama levada ao ar no horário nobre da Rede Globo evidenciou um padrão de representação ne-gra diferente daquele ao qual já nos habituamos. Em uma ocasião rara na teledramaturgia brasileira, deslocou-se a mulher negra da cozinha e da área de serviço para uma profissão que é o objeto de desejo de homens e de mulheres no mundo inteiro. Além de bela, Helena foi apresentada como uma modelo altamente gabaritada, donde se conclui que para ter sucesso profissional não basta ser branca, é necessário competência, fato que se assemelha à própria história de vida da estrela Taís Araújo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Lopes (2010, p. 7), “as histórias narradas pela televisão são, antes de tudo, importantes pelo seu significado cul-tural. [...] oferece material precioso para entender a cultura e a sociedade de que é expressão.”

Dentre essas narrativas, a telenovela ocupa lugar privilegiado enquanto instrumento para construção e desconstrução de identi-dades. Foi por esta razão que Martín-Barbero declarou sua “Afeição intelectual a telenovela”: O autor considera a telenovela como um “produto e uma prática comunicativa” na qual se faz “evidente o melhor e o pior da cumplicidade entre o popular e o maciço.”

Diante de todos aqueles para os quais constituía unicamente um subpro-duto marginal à grande CULTURA, a telenovela converteu-se[...] na

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manifestação mais significativamente latino-americana do residual, no seu duplo sentido: o daquilo que não importa, esse ‘resto’ que fica quando se tira o que vale e aquele outro [...] que do passado se acha ainda dentro do processo cultural vigente. (MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 25).

Caparelli (1982, p.137) destaca que “o papel desempenhado pela novela na televisão foi um papel de arregimentar grandes mas-sas para tevê, pois ela se transformou no produto mais popular, de maior apelo popular e de maior comunicação popular.” Assim, é inegável a expressividade social desse produto televisivo.

Nessa perspectiva buscamos analisar e discutir o papel da te-lenovela na construção da identidade étnico-racial do brasileiro. A escolha das novelas da “Da Cor do Pecado” e “Viver a Vida” para compor o corpus desta pesquisa derivou do fato de ambas as tele-novelas terem a mesma atriz como protagonista com recortes dife-renciados: em uma, estava representada a protagonista da cultura popular e em outra, a protagonista cosmopolita.

A presença da mesma atriz negra como protagonista das duas tramas e o alarde da mídia em ambos os casos, pela surpresa da escolha dos autores, despertou uma curiosidade científica, pois muitas atrizes brancas já protagonizaram diversas novelas repetidas vezes sem que tenha se tornado objeto de discussão ou admiração pela grande imprensa. Fato estranho em um país mestiço, comu-mente definido como uma “democracia racial”, palco de convivên-cia pacífica da multiculturalidade.

A discussão da mídia em torno da escolha de uma protagonista negra para as telenovelas da Rede Globo desconsiderou ou tratou de forma menor o longo caminho percorrido pela atriz Taís Araújo. De “Xica da Silva”, primeira novela protagonizada pela atriz na extinta Rede Manchete para “Da Cor do Pecado” foram nove anos. E de “Da Cor do Pecado” até “Viver a Vida” transcorreram-se mais cinco anos.

A presença de uma atriz negra no papel principal do mais importante produto midiático da maior emissora de televisão

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brasileira, inicialmente no horário das sete e posteriormente no horário nobre, causou espanto e admiração porque se tratava e ain-da se trata de uma exceção, considerando que em geral são reser-vados às atrizes negras papéis secundários.

Para compreender esse universo, analisamos o foco de discus-são do autor, a trajetória profissional da protagonista, o figurino, o cenário, a estrutura do enredo e as relações estabelecidas no mes-mo, bem como uma análise comparativa dos perfis representados pela protagonista em contextos diferenciados.

Nesse processo de observação, as categorias analisadas fo-ram contempladas a partir de um olhar questionador, investiga-dor, que tentou se direcionar para além das aparências, buscando o não dito, ensaiando interpretar silêncios, enxergar os detalhes, tentando decifrar imagens, fugindo do senso comum, enfim, bus-cando a essência de uma análise pautada nos princípios cientí-ficos. Foi uma tarefa difícil, caminho árduo, tortuoso, como são os caminhos da ciência. Mas, a mesma ciência que desafia tam-bém encanta, fascina, amplia horizontes, constrói possibilidades e move a história.

Atualmente, reina o império das imagens, que encontra na mídia seu principal representante. Imagens atraentes, coloridas e falantes. Imagens que constroem artificialmente espetáculos fasci-nantes e persuasivos, entrando em nossas casas, influenciando dire-tamente na formação de identidades, sendo a telenovela um exem-plo ilustrativo desse fato, como observamos em “Viver a Vida”.

Arbex Júnior (2002, p. 47) nos fala sobre o poder da telenovela em criar realidades e identidades:

[...] mundos aos quais o olhar empresta uma realidade, que se tor-na assim uma realidade vivida no íntimo dos telespectadores, com o seu consentimento. A identidade do telespectador com as perso-nagens da telenovela ocorre por um processo de ‘enquadramento’ da vida num certo enredo permitido e tolerado. O processo de identificação permite viver certas emoções sem correr riscos, no isolamento de sua casa e cercado de todas as garantias (nada mais conhecido do que o enredo de uma telenovela).

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manifestação mais significativamente latino-americana do residual, no seu duplo sentido: o daquilo que não importa, esse ‘resto’ que fica quando se tira o que vale e aquele outro [...] que do passado se acha ainda dentro do processo cultural vigente. (MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 25).

Caparelli (1982, p.137) destaca que “o papel desempenhado pela novela na televisão foi um papel de arregimentar grandes mas-sas para tevê, pois ela se transformou no produto mais popular, de maior apelo popular e de maior comunicação popular.” Assim, é inegável a expressividade social desse produto televisivo.

Nessa perspectiva buscamos analisar e discutir o papel da te-lenovela na construção da identidade étnico-racial do brasileiro. A escolha das novelas da “Da Cor do Pecado” e “Viver a Vida” para compor o corpus desta pesquisa derivou do fato de ambas as tele-novelas terem a mesma atriz como protagonista com recortes dife-renciados: em uma, estava representada a protagonista da cultura popular e em outra, a protagonista cosmopolita.

A presença da mesma atriz negra como protagonista das duas tramas e o alarde da mídia em ambos os casos, pela surpresa da escolha dos autores, despertou uma curiosidade científica, pois muitas atrizes brancas já protagonizaram diversas novelas repetidas vezes sem que tenha se tornado objeto de discussão ou admiração pela grande imprensa. Fato estranho em um país mestiço, comu-mente definido como uma “democracia racial”, palco de convivên-cia pacífica da multiculturalidade.

A discussão da mídia em torno da escolha de uma protagonista negra para as telenovelas da Rede Globo desconsiderou ou tratou de forma menor o longo caminho percorrido pela atriz Taís Araújo. De “Xica da Silva”, primeira novela protagonizada pela atriz na extinta Rede Manchete para “Da Cor do Pecado” foram nove anos. E de “Da Cor do Pecado” até “Viver a Vida” transcorreram-se mais cinco anos.

A presença de uma atriz negra no papel principal do mais importante produto midiático da maior emissora de televisão

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brasileira, inicialmente no horário das sete e posteriormente no horário nobre, causou espanto e admiração porque se tratava e ain-da se trata de uma exceção, considerando que em geral são reser-vados às atrizes negras papéis secundários.

Para compreender esse universo, analisamos o foco de discus-são do autor, a trajetória profissional da protagonista, o figurino, o cenário, a estrutura do enredo e as relações estabelecidas no mes-mo, bem como uma análise comparativa dos perfis representados pela protagonista em contextos diferenciados.

Nesse processo de observação, as categorias analisadas fo-ram contempladas a partir de um olhar questionador, investiga-dor, que tentou se direcionar para além das aparências, buscando o não dito, ensaiando interpretar silêncios, enxergar os detalhes, tentando decifrar imagens, fugindo do senso comum, enfim, bus-cando a essência de uma análise pautada nos princípios cientí-ficos. Foi uma tarefa difícil, caminho árduo, tortuoso, como são os caminhos da ciência. Mas, a mesma ciência que desafia tam-bém encanta, fascina, amplia horizontes, constrói possibilidades e move a história.

Atualmente, reina o império das imagens, que encontra na mídia seu principal representante. Imagens atraentes, coloridas e falantes. Imagens que constroem artificialmente espetáculos fasci-nantes e persuasivos, entrando em nossas casas, influenciando dire-tamente na formação de identidades, sendo a telenovela um exem-plo ilustrativo desse fato, como observamos em “Viver a Vida”.

Arbex Júnior (2002, p. 47) nos fala sobre o poder da telenovela em criar realidades e identidades:

[...] mundos aos quais o olhar empresta uma realidade, que se tor-na assim uma realidade vivida no íntimo dos telespectadores, com o seu consentimento. A identidade do telespectador com as perso-nagens da telenovela ocorre por um processo de ‘enquadramento’ da vida num certo enredo permitido e tolerado. O processo de identificação permite viver certas emoções sem correr riscos, no isolamento de sua casa e cercado de todas as garantias (nada mais conhecido do que o enredo de uma telenovela).

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio

Nas duas telenovelas analisadas muito se observou sobre o po-der das imagens, exploradas exaustivamente nos belos cenários, na exaltação da beleza de corpos perfeitos, nos figurinos impecáveis, mas que pouco foi usado para representar a realidade vivida pelas pessoas comuns.

Essa observação é pertinente também no que se refere às re-lações raciais. A fuga dessa discussão é claramente observada. É como se ela assustasse os autores, que temem tocar na ferida social do racismo velado e logo se apressam em explicar que suas narra-tivas desejam apenas contar belas histórias de amores complicados e finais felizes.

Assim, a protagonista negra, sua riqueza de representações e seu poder de construir identidades, foram simplificados e, por que não dizer, reduzidos na figura da mulher bonita e símbolo sexual.

E como os silêncios falam e, às vezes, até gritam, nossa pes-quisa nos conduziu à constatação de que o racismo ainda tem sua presença nas telenovelas brasileiras, mesmo que de forma velada e não evidenciada. Araújo (2004, p. 309) destaca que “poucos autores fizeram do conflito social real, da existência da discrimi-nação racial e do preconceito em sua complexidade de formas e atitudes, temas de suas novelas.” Foi o que observamos nas duas telenovelas analisadas, nas quais os autores intencionalmente e declaradamente fugiram da discussão racial, para enfatizarem o amor e o romance familiar.

Um rápido passeio pela história da telenovela brasileira mos-tra que salvo raras exceções, a telenovela não tem construído uma representação positiva do negro. Contudo, quando traçamos um comparativo de onde viemos e para onde estamos indo percebemos um “[...] lento e complexo processo que está transformando, simul-taneamente, a representação e o imaginário da população e dos autores e diretores de telenovela sobre o negro brasileiro.” (ARAÚ-JO, 2004, p. 310).

Apesar da participação de atores negros ainda ser pequena em relação ao total do elenco, já é possível perceber que houve um aumento e que, aos poucos, em proporções bem maiores em relação

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ao passado, a mídia televisiva através do seu produto telenovela traz para a discussão social elementos que ajudam a redefinir esta realidade preconceituosa. Por que não imaginar que tais elementos sirvam de subsídios para produção de uma representação coerente do real e que essa representação seja coadjuvante na construção da verdadeira história do povo brasileiro, história protagonizada pelos negros, sujeitos ativos dessa história?

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio

Nas duas telenovelas analisadas muito se observou sobre o po-der das imagens, exploradas exaustivamente nos belos cenários, na exaltação da beleza de corpos perfeitos, nos figurinos impecáveis, mas que pouco foi usado para representar a realidade vivida pelas pessoas comuns.

Essa observação é pertinente também no que se refere às re-lações raciais. A fuga dessa discussão é claramente observada. É como se ela assustasse os autores, que temem tocar na ferida social do racismo velado e logo se apressam em explicar que suas narra-tivas desejam apenas contar belas histórias de amores complicados e finais felizes.

Assim, a protagonista negra, sua riqueza de representações e seu poder de construir identidades, foram simplificados e, por que não dizer, reduzidos na figura da mulher bonita e símbolo sexual.

E como os silêncios falam e, às vezes, até gritam, nossa pes-quisa nos conduziu à constatação de que o racismo ainda tem sua presença nas telenovelas brasileiras, mesmo que de forma velada e não evidenciada. Araújo (2004, p. 309) destaca que “poucos autores fizeram do conflito social real, da existência da discrimi-nação racial e do preconceito em sua complexidade de formas e atitudes, temas de suas novelas.” Foi o que observamos nas duas telenovelas analisadas, nas quais os autores intencionalmente e declaradamente fugiram da discussão racial, para enfatizarem o amor e o romance familiar.

Um rápido passeio pela história da telenovela brasileira mos-tra que salvo raras exceções, a telenovela não tem construído uma representação positiva do negro. Contudo, quando traçamos um comparativo de onde viemos e para onde estamos indo percebemos um “[...] lento e complexo processo que está transformando, simul-taneamente, a representação e o imaginário da população e dos autores e diretores de telenovela sobre o negro brasileiro.” (ARAÚ-JO, 2004, p. 310).

Apesar da participação de atores negros ainda ser pequena em relação ao total do elenco, já é possível perceber que houve um aumento e que, aos poucos, em proporções bem maiores em relação

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ao passado, a mídia televisiva através do seu produto telenovela traz para a discussão social elementos que ajudam a redefinir esta realidade preconceituosa. Por que não imaginar que tais elementos sirvam de subsídios para produção de uma representação coerente do real e que essa representação seja coadjuvante na construção da verdadeira história do povo brasileiro, história protagonizada pelos negros, sujeitos ativos dessa história?

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Joel Zito Almeida de. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2004.

ARBEX JÚNIOR, José. Showjornalismo: a notícia como espetá-culo. São Paulo: Casa Amarela, 2002.

CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L&PM, 1982.

CHAUI, Marilena Chauí. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2001.

CHIAVENATO, Julio José. Ética globalizada e sociedade do consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica).

CRESPO, Regina Aída. In: TOMAZI, Nelson Dacio (Coord.). Ini-ciação a sociologia. São Paulo: Atual, 2000.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo. Ficção televisiva e identidade cultura da nação. ALCEU: Revista de Comunicação, Cultura e Política, Rio de Janeiro. v. 10, n. 20, jan./jun. 2010.

MARCONDES FILHO, Ciro. Jornalismo fin-de-siécle. São Paulo: Scritta Editorial, 1993.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alterida-des: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: . Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2004a.

. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comu-nicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004b.

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo “à Brasileira”. In: SZWAKO, José Eduardo. ALMEIDA, Heloisa Buarque de (Org.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis&Vertecchia, 2009.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1996.

XAVIER, Nilson. Da Cor do Pecado. Disponível em: <http://www.teledramaturgia.com.br/tele/dacorb.asp> Acesso em: 9. nov. 2011.

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DUAS NOVELAS, MÚLTIPLAS IDENTIDADES E UM DENOMINADOR COMUM: a protagonista negra - leituras e releituras nas entrelinhas do silêncio

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Joel Zito Almeida de. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2004.

ARBEX JÚNIOR, José. Showjornalismo: a notícia como espetá-culo. São Paulo: Casa Amarela, 2002.

CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L&PM, 1982.

CHAUI, Marilena Chauí. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2001.

CHIAVENATO, Julio José. Ética globalizada e sociedade do consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica).

CRESPO, Regina Aída. In: TOMAZI, Nelson Dacio (Coord.). Ini-ciação a sociologia. São Paulo: Atual, 2000.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo. Ficção televisiva e identidade cultura da nação. ALCEU: Revista de Comunicação, Cultura e Política, Rio de Janeiro. v. 10, n. 20, jan./jun. 2010.

MARCONDES FILHO, Ciro. Jornalismo fin-de-siécle. São Paulo: Scritta Editorial, 1993.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alterida-des: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: . Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2004a.

. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comu-nicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004b.

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo “à Brasileira”. In: SZWAKO, José Eduardo. ALMEIDA, Heloisa Buarque de (Org.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis&Vertecchia, 2009.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1996.

XAVIER, Nilson. Da Cor do Pecado. Disponível em: <http://www.teledramaturgia.com.br/tele/dacorb.asp> Acesso em: 9. nov. 2011.

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS:

excesso e concisão no cinemaJUNERLEI DIAS MORAES

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise da transposição cinematográfica do romance Dinheiro Queimado, de Ricardo Piglia (no original Plata Quemada), lançado em 1997, e que embasou o filme homônimo, para tanto levei em consideração os aspectos his-tóricos e estéticos do livro e do filme para mostrar as semelhanças e diferenças tanto na narrativa quanto na linguagem dos dois meios.

O filme Dinheiro Queimado (Plata Quemada – 2000-2001) guarda mais afinidades do que uma relação de fidelidade com o livro. Mesmo porque a obra, apesar de mostrar uma linguagem pla-na quase sem metáforas e, sobretudo, abordar um caso policial, em nenhum momento se deixa prender pelos clichês das novelas poli-ciais com “tramas detetivescas”, e por isso não desliza suave como o filme, que por estar inserido em uma narrativa mais comercial, aplainando todas as arestas existentes, evita o que poderia signifi-car entraves na recepção. Se por alguns aspectos, o livro viola a gra-mática tradicional dos livros policiais, ao contrário, o filme parece fazer um esforço para ser enquadrado nas narrativas e gramáticas tradicionais.

Se o cinema de vanguarda sempre se caracterizou por ‘lan-çar mão’ de recursos ainda não utilizados, não é ilegítimo esperar que também possa acontecer exatamente o contrário, e assim, para além de não usar clichês e ‘abrir mão’ dos expedientes recorrentes, um filme avant garde também pode abdicar de algum dos recursos

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS:

excesso e concisão no cinemaJUNERLEI DIAS MORAES

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise da transposição cinematográfica do romance Dinheiro Queimado, de Ricardo Piglia (no original Plata Quemada), lançado em 1997, e que embasou o filme homônimo, para tanto levei em consideração os aspectos his-tóricos e estéticos do livro e do filme para mostrar as semelhanças e diferenças tanto na narrativa quanto na linguagem dos dois meios.

O filme Dinheiro Queimado (Plata Quemada – 2000-2001) guarda mais afinidades do que uma relação de fidelidade com o livro. Mesmo porque a obra, apesar de mostrar uma linguagem pla-na quase sem metáforas e, sobretudo, abordar um caso policial, em nenhum momento se deixa prender pelos clichês das novelas poli-ciais com “tramas detetivescas”, e por isso não desliza suave como o filme, que por estar inserido em uma narrativa mais comercial, aplainando todas as arestas existentes, evita o que poderia signifi-car entraves na recepção. Se por alguns aspectos, o livro viola a gra-mática tradicional dos livros policiais, ao contrário, o filme parece fazer um esforço para ser enquadrado nas narrativas e gramáticas tradicionais.

Se o cinema de vanguarda sempre se caracterizou por ‘lan-çar mão’ de recursos ainda não utilizados, não é ilegítimo esperar que também possa acontecer exatamente o contrário, e assim, para além de não usar clichês e ‘abrir mão’ dos expedientes recorrentes, um filme avant garde também pode abdicar de algum dos recursos

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considerados importantes ou até mesmo fundamentais para a nar-rativa cinematográfica. Como exemplo, cito o realizador holandês Jos Stelling autor do filme De Illusionist (O Ilusionista – Holanda, 1984). Dois irmãos que vivem no interior da Holanda. O mais ve-lho tem veleidades artísticas. Assim, enquanto trabalha, sonha com as luzes da ribalta e com a hipótese de brilhar em palcos de um mundo maior que o vilarejo em que habita. O outro, portador de deficiência mental, parece satisfeito com a tranquilidade da vila, e ainda que não carregue a ideologia da punição não tem competên-cia cultural nem mesmo para sonhar ser além do que já é.

Em Plata Quemada, Nene Brignone e o Gaucho Dorda/Angel nem mesmo são irmãos, quanto mais gêmeos, mas são cha-mados mellizos (gêmeos por todos que os conhecem). Os conflitos entre irmãos (sobre a realização pessoal) já foram mostrados na literatura por Sófocles em Antígona (irmãos Etéocles e Polinices); Machado de Assis em Esaú e Jacó (gêmeos Pedro e Paulo); que inspirou Milton Hatoun em Dois Irmãos (gêmeos Yaqub e Omar) e todos descendem, sobretudo da narrativa bíblica com os irmãos Caim e Abel a quem o filme se refere.

Jos Stelling conta tudo isso sem diálogos, e o mundo tenso e delicado dos irmãos é atravessado por lamúrias, grunhidos e sus-surros sem gritos. É interessante ressaltar que o filme O Homem da Linha (De Wisselwachter, realizado na Holanda só em 1986, já estava com o roteiro pronto desde o final da década de 1970, épo-ca, portanto, anterior a O Ilusionista, e já esboçava a tendência ao silêncio). A personagem principal vive em uma estação de trens não apenas isolada, mas principalmente, quase não utilizada por passageiros (o trabalho do homem da linha é ativar e desativar os desvios e servir como uma espécie de faroleiro). Entretanto, uma mulher aporta na estação e muda a rotina da personagem título. Quando os espectadores escutariam pela primeira vez sua voz, o trem passa e se sobrepõe à fala do homem.

Enquanto a moderna arte cada vez mais parece fazer muito ba-rulho por nada, Jos Stelling optou pelo mutismo eletivo que difere do efeito de suspensão, sobretudo porque enquanto o mutismo ele-tivo cala por motivos psicológicos que justificam o silêncio (mesmo

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estético), por seu turno, na maior parte das vezes, a suspensão si-lencia imotivadamente, e às vezes apenas para causar maior impac-to quando retornar à fala como observa Costa (2010), reportando-se a Michel Chion.

O que o francês chama de ‘suspensão’ trata-se de um efeito de silêncio menos sutil, com funções mais claras na narrativa cine-matográfica. A suspensão ocorre sempre que um som que corres-pondia de forma realista a uma imagem deixa de ser ouvido sem que haja justificativas imagéticas para que isso aconteça. (CHION apud COSTA, 2010b, p.15).

Quando falo dos motivos psicológicos que levam ao silêncio real e justificam o silêncio ficcional e/ou estético é tão somente por pensar que sempre será necessária uma justificativa imagética que de maneira fluida e homodiegética se incorpore à narrativa e, assim, não pareça violar a diegese com a única e exclusiva finalidade de pa-recer vanguardista, como exemplo desse silêncio justificado, podem ser citadas as primeiras cenas em que aparece Kaspar Hauser per-sonagem titulo do filme O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen alle, Alemanha, 1974) de Werner Herzog. Assim, da mesma forma o silêncio da personagem Angel/Gaucho Dorda não é imotivado, como explica a personagem do médico Bunge:

De toda maneira, no relatório Bunge explicou a caracteropatia de Dorda como a de um esquizo, com tendência à afasia. Porque ouvia vozes falava pouco, por isso era calado. Os que não falam, os autistas, estão o tempo todo ouvindo vozes (grifo meu), gente que fala, vive em outra frequência, ocupados com um murmúrio, um cochicho interminável, ouvindo ordens, gritos, risos sufoca-dos...,... e ele ficava quieto, sem se mexer, para que ninguém ouvis-se o que estavam lhe dizendo... (PIGLIA. 1998, p. 52).

A afasia é uma das principais características dos pacientes que sofrem do Mutismo Eletivo, e o Gaucho Dorda silencia propositada-mente para ouvir o que na verdade não lhe traz conforto. Nas pági-nas 51, 54, 55, 56 e 57 aparecem mais explicações da “caracteropa-

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinema

considerados importantes ou até mesmo fundamentais para a nar-rativa cinematográfica. Como exemplo, cito o realizador holandês Jos Stelling autor do filme De Illusionist (O Ilusionista – Holanda, 1984). Dois irmãos que vivem no interior da Holanda. O mais ve-lho tem veleidades artísticas. Assim, enquanto trabalha, sonha com as luzes da ribalta e com a hipótese de brilhar em palcos de um mundo maior que o vilarejo em que habita. O outro, portador de deficiência mental, parece satisfeito com a tranquilidade da vila, e ainda que não carregue a ideologia da punição não tem competên-cia cultural nem mesmo para sonhar ser além do que já é.

Em Plata Quemada, Nene Brignone e o Gaucho Dorda/Angel nem mesmo são irmãos, quanto mais gêmeos, mas são cha-mados mellizos (gêmeos por todos que os conhecem). Os conflitos entre irmãos (sobre a realização pessoal) já foram mostrados na literatura por Sófocles em Antígona (irmãos Etéocles e Polinices); Machado de Assis em Esaú e Jacó (gêmeos Pedro e Paulo); que inspirou Milton Hatoun em Dois Irmãos (gêmeos Yaqub e Omar) e todos descendem, sobretudo da narrativa bíblica com os irmãos Caim e Abel a quem o filme se refere.

Jos Stelling conta tudo isso sem diálogos, e o mundo tenso e delicado dos irmãos é atravessado por lamúrias, grunhidos e sus-surros sem gritos. É interessante ressaltar que o filme O Homem da Linha (De Wisselwachter, realizado na Holanda só em 1986, já estava com o roteiro pronto desde o final da década de 1970, épo-ca, portanto, anterior a O Ilusionista, e já esboçava a tendência ao silêncio). A personagem principal vive em uma estação de trens não apenas isolada, mas principalmente, quase não utilizada por passageiros (o trabalho do homem da linha é ativar e desativar os desvios e servir como uma espécie de faroleiro). Entretanto, uma mulher aporta na estação e muda a rotina da personagem título. Quando os espectadores escutariam pela primeira vez sua voz, o trem passa e se sobrepõe à fala do homem.

Enquanto a moderna arte cada vez mais parece fazer muito ba-rulho por nada, Jos Stelling optou pelo mutismo eletivo que difere do efeito de suspensão, sobretudo porque enquanto o mutismo ele-tivo cala por motivos psicológicos que justificam o silêncio (mesmo

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estético), por seu turno, na maior parte das vezes, a suspensão si-lencia imotivadamente, e às vezes apenas para causar maior impac-to quando retornar à fala como observa Costa (2010), reportando-se a Michel Chion.

O que o francês chama de ‘suspensão’ trata-se de um efeito de silêncio menos sutil, com funções mais claras na narrativa cine-matográfica. A suspensão ocorre sempre que um som que corres-pondia de forma realista a uma imagem deixa de ser ouvido sem que haja justificativas imagéticas para que isso aconteça. (CHION apud COSTA, 2010b, p.15).

Quando falo dos motivos psicológicos que levam ao silêncio real e justificam o silêncio ficcional e/ou estético é tão somente por pensar que sempre será necessária uma justificativa imagética que de maneira fluida e homodiegética se incorpore à narrativa e, assim, não pareça violar a diegese com a única e exclusiva finalidade de pa-recer vanguardista, como exemplo desse silêncio justificado, podem ser citadas as primeiras cenas em que aparece Kaspar Hauser per-sonagem titulo do filme O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen alle, Alemanha, 1974) de Werner Herzog. Assim, da mesma forma o silêncio da personagem Angel/Gaucho Dorda não é imotivado, como explica a personagem do médico Bunge:

De toda maneira, no relatório Bunge explicou a caracteropatia de Dorda como a de um esquizo, com tendência à afasia. Porque ouvia vozes falava pouco, por isso era calado. Os que não falam, os autistas, estão o tempo todo ouvindo vozes (grifo meu), gente que fala, vive em outra frequência, ocupados com um murmúrio, um cochicho interminável, ouvindo ordens, gritos, risos sufoca-dos...,... e ele ficava quieto, sem se mexer, para que ninguém ouvis-se o que estavam lhe dizendo... (PIGLIA. 1998, p. 52).

A afasia é uma das principais características dos pacientes que sofrem do Mutismo Eletivo, e o Gaucho Dorda silencia propositada-mente para ouvir o que na verdade não lhe traz conforto. Nas pági-nas 51, 54, 55, 56 e 57 aparecem mais explicações da “caracteropa-

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tia” do Gaucho Dorda/Angel. É interessante ressaltar que mesmo sendo uma das personagens principais, é possível ver páginas se-guidas com diálogos em que não aparece qualquer fala do Gaucho, mesmo ele estando presente e participando da ação/cena, exemplo disso é quando assiste a uma relação sexual entre o Corvo e a Vivi e mais uma vez fica em silêncio e não é o simples silêncio de quem vê ou está no lugar errado e na hora errada, mas o silêncio doente de quem vê e pensa o sexo como algo sujo apesar de prazeroso, a culpa é maior que o gozo. Esse silêncio, aliado à onipresença da voz do outro “gêmeo”, pode levar o leitor/espectador a imaginar que o Nene Brignone tenha verborragia, no entanto, para o observador atento é possível perceber que ele fala muito como se estivesse du-blando o silêncio do amigo/namorado.

Muito inteligente, Dorda, muito fechado, com aquele problema que tinha, a afasia, o mutismo, porque de repente ficava um mês sem falar, fazia-se entender por sinais e gestos, ficava com os olhos assim ou fechava os lábios para se fazer entender. Só o Nene o sacava... (PIGLIA, 1998, p. 58).

Mesmo que a suspensão e o Mutismo Eletivo guardem mais

afastamentos que aproximações, em alguns casos se deve conside-rar o uso funcional (logo justificado) da suspensão:

Exemplo também funcional de suspensão comprovado em sala de aula está em uma das últimas sequências de O poderoso chefão III (Francis Ford Copolla, 1990): Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, grita na escadaria do teatro ao ver sua filha balea-da. Vemos sua face urrando em plano próximo, mas não ouvimos o grito. O plano é intercalado com outro, do corpo da filha nas escadas, e por três vezes vemos o esforço do rosto de Pacino, sem ouvi-lo. (COSTA, 2010a, p. 15-16).

O ADVENTO DA FALA E O MESMO ELETIVO Acerca da importância da fala no cinema, o cineasta Linduarte

Noronha em entrevista ao autor deste trabalho afirmou que, mes-

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mo na época do cinema falado, Charles Chaplin continuou fazendo filmes mudos o que provaria que o cinema pode prescindir da fala.

A fala no cinema apareceu em um filme de 1927 O cantor de Jazz, mas vai desaparecer logo porque não é essencial, é um apêndice, ‘refugo’..., é uma coisa desnecessária que se pode viver muito bem sem ela e pode ser extraída numa cirurgia tão simples, tão rápida e tão fácil, que o paciente no mesmo dia volta para casa. Para mim um filme só funciona realmente quando a imagem consegue transmitir a mensagem, ainda que o som não esteja presente, e é por isso mesmo que quando vejo esses filmes novos em vídeo ou na televisão, a primeira coisa que eu faço é abaixar todo o volume para ver se sem som, o ‘danado’ consegue me dizer alguma coisa, contar a história ou a estória só com a imagem. (NORONHA apud MORAES, 1989, p. 36-37).

O realizador paraibano declarou que, durante as filmagens do documentário Aruanda (BRASIL, 1960), muitas vezes ficava se au-toquestionando se era correto um filme sonoro não mostrar a fala das personagens principais, mesmo correndo o risco de ser taxado de elitista, posto que privilegiasse a voz do narrador (facilmente compa-rada com a voz do ocupante), em detrimento da voz dos quilombolas (ocupados). Contudo Linduarte Noronha logo concluiu que:

[...] a voz de Zé Bento ou de qualquer outro habitante da Serra do Talhado não é fundamental no documentário, porque cinema sempre deve ser muito mais áudio que visual e, para o bem da narrativa, a imagem - preponderante no cinema - sempre precisa sobrepujar o som. (MORAES, 1989, p. 37).

Entretanto, a música tocada ao vivo e que, acompanhava os filmes desde 1895 até meados de 1927, denota que o cinema nunca foi totalmente mudo, apesar dos espectadores que estavam no ate-lier do fotógrafo Felix Nadar no Boulevard de Capucines, para as-sistir ao filme A Chegada do Trem à Estação de Ciotat (L’Arrivée d’un train en gare de la Ciotat, França - 1895 - Louis e Auguste Lumière) – terem se assustado com a imagem de um trem projetado em preto e branco e que não tinha som, (quem não é surdo, nem tem

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tia” do Gaucho Dorda/Angel. É interessante ressaltar que mesmo sendo uma das personagens principais, é possível ver páginas se-guidas com diálogos em que não aparece qualquer fala do Gaucho, mesmo ele estando presente e participando da ação/cena, exemplo disso é quando assiste a uma relação sexual entre o Corvo e a Vivi e mais uma vez fica em silêncio e não é o simples silêncio de quem vê ou está no lugar errado e na hora errada, mas o silêncio doente de quem vê e pensa o sexo como algo sujo apesar de prazeroso, a culpa é maior que o gozo. Esse silêncio, aliado à onipresença da voz do outro “gêmeo”, pode levar o leitor/espectador a imaginar que o Nene Brignone tenha verborragia, no entanto, para o observador atento é possível perceber que ele fala muito como se estivesse du-blando o silêncio do amigo/namorado.

Muito inteligente, Dorda, muito fechado, com aquele problema que tinha, a afasia, o mutismo, porque de repente ficava um mês sem falar, fazia-se entender por sinais e gestos, ficava com os olhos assim ou fechava os lábios para se fazer entender. Só o Nene o sacava... (PIGLIA, 1998, p. 58).

Mesmo que a suspensão e o Mutismo Eletivo guardem mais

afastamentos que aproximações, em alguns casos se deve conside-rar o uso funcional (logo justificado) da suspensão:

Exemplo também funcional de suspensão comprovado em sala de aula está em uma das últimas sequências de O poderoso chefão III (Francis Ford Copolla, 1990): Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, grita na escadaria do teatro ao ver sua filha balea-da. Vemos sua face urrando em plano próximo, mas não ouvimos o grito. O plano é intercalado com outro, do corpo da filha nas escadas, e por três vezes vemos o esforço do rosto de Pacino, sem ouvi-lo. (COSTA, 2010a, p. 15-16).

O ADVENTO DA FALA E O MESMO ELETIVO Acerca da importância da fala no cinema, o cineasta Linduarte

Noronha em entrevista ao autor deste trabalho afirmou que, mes-

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mo na época do cinema falado, Charles Chaplin continuou fazendo filmes mudos o que provaria que o cinema pode prescindir da fala.

A fala no cinema apareceu em um filme de 1927 O cantor de Jazz, mas vai desaparecer logo porque não é essencial, é um apêndice, ‘refugo’..., é uma coisa desnecessária que se pode viver muito bem sem ela e pode ser extraída numa cirurgia tão simples, tão rápida e tão fácil, que o paciente no mesmo dia volta para casa. Para mim um filme só funciona realmente quando a imagem consegue transmitir a mensagem, ainda que o som não esteja presente, e é por isso mesmo que quando vejo esses filmes novos em vídeo ou na televisão, a primeira coisa que eu faço é abaixar todo o volume para ver se sem som, o ‘danado’ consegue me dizer alguma coisa, contar a história ou a estória só com a imagem. (NORONHA apud MORAES, 1989, p. 36-37).

O realizador paraibano declarou que, durante as filmagens do documentário Aruanda (BRASIL, 1960), muitas vezes ficava se au-toquestionando se era correto um filme sonoro não mostrar a fala das personagens principais, mesmo correndo o risco de ser taxado de elitista, posto que privilegiasse a voz do narrador (facilmente compa-rada com a voz do ocupante), em detrimento da voz dos quilombolas (ocupados). Contudo Linduarte Noronha logo concluiu que:

[...] a voz de Zé Bento ou de qualquer outro habitante da Serra do Talhado não é fundamental no documentário, porque cinema sempre deve ser muito mais áudio que visual e, para o bem da narrativa, a imagem - preponderante no cinema - sempre precisa sobrepujar o som. (MORAES, 1989, p. 37).

Entretanto, a música tocada ao vivo e que, acompanhava os filmes desde 1895 até meados de 1927, denota que o cinema nunca foi totalmente mudo, apesar dos espectadores que estavam no ate-lier do fotógrafo Felix Nadar no Boulevard de Capucines, para as-sistir ao filme A Chegada do Trem à Estação de Ciotat (L’Arrivée d’un train en gare de la Ciotat, França - 1895 - Louis e Auguste Lumière) – terem se assustado com a imagem de um trem projetado em preto e branco e que não tinha som, (quem não é surdo, nem tem

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acromatopsia ouve sons e enxerga em cores), em que pese ser a primeira exibição pública do cinematógrafo, esse fato, atesta que indubitavelmente o cinema pode comunicar abdicando do som e usando apenas as imagens.

No filme Jezebel (EUA - 1938 ) - mesmo que não intencional-mente - o realizador William Wyler faz um Trompe-l’oeil, não apenas com os espectadores da época do filme, mas também, e principal-mente, com os hodiernos que estão muito mais habituados aos fil-mes coloridos, tanto outrora, como agora, todos saem do cinema com a nítida impressão de que a transgressora personagem Julie Marsden (interpretada por Betty Davis) usa um vestido vermelho (malgrado o fato do filme ser em preto e branco). O mesmo se passa com o filme Aurora (Sunrise :A Song of two Humans, EUA- 1927) de Friedrich Wilhelm Murnau, em que temos uma situação análoga. Para tanto, é bastante pensarmos em uma sinestesia, e, se onde pensávamos cor, pensarmos som, vamos ter a impressão que estávamos realmente a ouvir o som do vento.

E mesmo os filmes mudos falavam: nós é que éramos surdos a eles. Como prisioneiros de uma garrafa, os atores do cinema mudo tenta-vam compensar nossa surdez com mímicas e contorções. Daí a im-pressão de aquário do cinema silencioso. (NAZÁRIO, 1986, p. 13).

Mesmo sabendo que teria mais hipóteses de naufragar no ocea-no da vanguarda, que navegar tranquilo no mar de almirante da narrativa linear e convencional, ainda assim, na década de 1990, quando já havia gravação de som digital e avançados recursos de efeitos especiais, o cineasta inglês Derek Jarman resolveu remar contra a maré do que se pensa acerca de cinema e realizou Blue (Blue, Inglaterra, 1993), um filme em que se tem uma paisagem sonora artificial construída com alguns ruídos, sonetos de William Shakespeare e a música de Simon Fisher Turner que é mostrada sobre um fundo azul, formando um audiovisual amputado, ou um antifilme. Se pensar que, ao contrário do teatro em que, entrando no jogo diegético, se aceita que existe uma rua ou um trem em cena mesmo sem vê-los, o cinema é arte visual apolínea e seu con-

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trato social sempre investiu na visualidade e segundo a linguagem da transparência uma “realidade era mostrada” com esforço para ocultar as costuras em sua tessitura. E é a opacidade ou o oposto da transparência que fala mais acerca da avant garde. Sobre a relação conflitante entre vanguarda e linguagem poética menos palatável Pignatari (1997, p. 63), nos diz:

Guimarães Rosa exibiu-nos o datiloscrito de um conto inédito per-guntando-nos porque a prosa literária brasileira contemporânea (1964) parecia tão frouxa, desossada em comparação com a sua, mais pedregosa...e viril. Respondemos a um primeiro exame de amostragem representada pelo datiloscrito, que isso poderia resul-tar , entre outras coisas de um grupo maior de grupos consonan-tais...e mais tarde botamos um de seus contos no computador e lhe enviamos o resultado que confirmava: uma pequena porcentagem a mais de consoantes.

Mesmo com o cuidado de não matematizar a arte, se for estabe-lecida uma analogia entre cinema e literatura, é possível perceber que a ossatura e o esteio do cinema estão calcados na imagem, bem como a ossatura da literatura está nas consoantes. Entretanto, por uma disfunção narcotizante, tanto o leitor quanto o espectador moderno privilegiam as vogais e apreciam desossadas (os) e frouxas (os) literatura, cinema, arquitetura, teatro, música, dança e artes plásticas. Quanto mais livre e inventiva - logo poética - for a obra, tanto mais desprezada, quase como uma inconsciente reafirmação da sociedade unidimensional (propalada por Herbert Marcuse) sempre a esmagar a arte. Por outro lado, podemos pensar que “[...] Pier Paolo Pasolini pensou maduramente nestes problemas, e para ele o atual triunfo do ‘cinema de poesia’ chega a comprometer tan-to o espetáculo como a narração.” (METZ 1977, p. 174). Talvez por seguir essa linha de raciocínio, Marcelo Piñeyro não ousou repetir Jos Stelling ao avesso. Esse avesso seria “mostrar” o cruza-mento entre as muitas vozes que o Gaucho Dorda/Angel (perso-nagem interpretada pelo ator Eduardo Noriega) ouve. Então, foi o não descolamento da moldura institucional do cinema comercial que não permitiu que aparecesse no filme a polifonia ou a sinfonia

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acromatopsia ouve sons e enxerga em cores), em que pese ser a primeira exibição pública do cinematógrafo, esse fato, atesta que indubitavelmente o cinema pode comunicar abdicando do som e usando apenas as imagens.

No filme Jezebel (EUA - 1938 ) - mesmo que não intencional-mente - o realizador William Wyler faz um Trompe-l’oeil, não apenas com os espectadores da época do filme, mas também, e principal-mente, com os hodiernos que estão muito mais habituados aos fil-mes coloridos, tanto outrora, como agora, todos saem do cinema com a nítida impressão de que a transgressora personagem Julie Marsden (interpretada por Betty Davis) usa um vestido vermelho (malgrado o fato do filme ser em preto e branco). O mesmo se passa com o filme Aurora (Sunrise :A Song of two Humans, EUA- 1927) de Friedrich Wilhelm Murnau, em que temos uma situação análoga. Para tanto, é bastante pensarmos em uma sinestesia, e, se onde pensávamos cor, pensarmos som, vamos ter a impressão que estávamos realmente a ouvir o som do vento.

E mesmo os filmes mudos falavam: nós é que éramos surdos a eles. Como prisioneiros de uma garrafa, os atores do cinema mudo tenta-vam compensar nossa surdez com mímicas e contorções. Daí a im-pressão de aquário do cinema silencioso. (NAZÁRIO, 1986, p. 13).

Mesmo sabendo que teria mais hipóteses de naufragar no ocea-no da vanguarda, que navegar tranquilo no mar de almirante da narrativa linear e convencional, ainda assim, na década de 1990, quando já havia gravação de som digital e avançados recursos de efeitos especiais, o cineasta inglês Derek Jarman resolveu remar contra a maré do que se pensa acerca de cinema e realizou Blue (Blue, Inglaterra, 1993), um filme em que se tem uma paisagem sonora artificial construída com alguns ruídos, sonetos de William Shakespeare e a música de Simon Fisher Turner que é mostrada sobre um fundo azul, formando um audiovisual amputado, ou um antifilme. Se pensar que, ao contrário do teatro em que, entrando no jogo diegético, se aceita que existe uma rua ou um trem em cena mesmo sem vê-los, o cinema é arte visual apolínea e seu con-

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trato social sempre investiu na visualidade e segundo a linguagem da transparência uma “realidade era mostrada” com esforço para ocultar as costuras em sua tessitura. E é a opacidade ou o oposto da transparência que fala mais acerca da avant garde. Sobre a relação conflitante entre vanguarda e linguagem poética menos palatável Pignatari (1997, p. 63), nos diz:

Guimarães Rosa exibiu-nos o datiloscrito de um conto inédito per-guntando-nos porque a prosa literária brasileira contemporânea (1964) parecia tão frouxa, desossada em comparação com a sua, mais pedregosa...e viril. Respondemos a um primeiro exame de amostragem representada pelo datiloscrito, que isso poderia resul-tar , entre outras coisas de um grupo maior de grupos consonan-tais...e mais tarde botamos um de seus contos no computador e lhe enviamos o resultado que confirmava: uma pequena porcentagem a mais de consoantes.

Mesmo com o cuidado de não matematizar a arte, se for estabe-lecida uma analogia entre cinema e literatura, é possível perceber que a ossatura e o esteio do cinema estão calcados na imagem, bem como a ossatura da literatura está nas consoantes. Entretanto, por uma disfunção narcotizante, tanto o leitor quanto o espectador moderno privilegiam as vogais e apreciam desossadas (os) e frouxas (os) literatura, cinema, arquitetura, teatro, música, dança e artes plásticas. Quanto mais livre e inventiva - logo poética - for a obra, tanto mais desprezada, quase como uma inconsciente reafirmação da sociedade unidimensional (propalada por Herbert Marcuse) sempre a esmagar a arte. Por outro lado, podemos pensar que “[...] Pier Paolo Pasolini pensou maduramente nestes problemas, e para ele o atual triunfo do ‘cinema de poesia’ chega a comprometer tan-to o espetáculo como a narração.” (METZ 1977, p. 174). Talvez por seguir essa linha de raciocínio, Marcelo Piñeyro não ousou repetir Jos Stelling ao avesso. Esse avesso seria “mostrar” o cruza-mento entre as muitas vozes que o Gaucho Dorda/Angel (perso-nagem interpretada pelo ator Eduardo Noriega) ouve. Então, foi o não descolamento da moldura institucional do cinema comercial que não permitiu que aparecesse no filme a polifonia ou a sinfonia

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de vozes que povoa a mente do Angel/Gaucho Dorda. É o oposto da opacidade que fala mais acerca da avant garde, uma linguagem que ousa arriscar e por mais águas/quedas em sua construção.

“Alguém disse”, Alice murmurou, “que ele gira quando cada um trata do que é da sua conta.”

“Ah, bem o significado é quase o mesmo”, disse a Duquesa, ....,... “e amoral disto é... ‘cuide dos sentidos que os sons cuidarão de si”. (CARROLL, 2010, p.105, grifo nosso).

De uma forma metalinguística Lewis Carroll parece avisar que

apesar da tensão entre som e sentido (significado e significante), eles se complementam, ou, talvez avise sobre privilégio do signifi-cante em detrimento do significado como sempre fizeram os van-guardistas, pois existem muitas possibilidades de interpretações para além do senso comum, abrindo assim, janela para a vanguarda.

Se na arte, menos pode ser mais, logo a elipse, o não dito e o of-screen seriam o arrazoado de Marcelo Piñeyro para não mostrar as vozes que atordoam o Angel/Gaucho Dorda, entretanto, se em cada fissura e até mesmo nos espaços aparentemente impenetráveis e sólidos, a diegese é cada vez mais atravessada por uma ilusão de realidade, (oximoro permitido pela pós-modernidade), só se pode-ria justificar a argumentação da contenção das vozes e do teor po-lítico que Piglia pôs no livro, se eu disser não apenas que Marcelo Piñeyro apostou todas as fichas na inteligência e competência cul-tural do público do seu filme, e, principalmente, se dissermos tam-bém que todos os espectadores de filmes pornográficos, de horror e de melodrama não usam as partes pensantes do cérebro.

O gosto popular pelo abjeto, pelo horror, pelo melodrama e, sobretudo pelo pornográfico, parece reiterar uma tradicional de-marcação entre arte menor e arte maior, que já foi apontada até mesmo por Aristóteles:

Pode alguém ficar em dúvida sobre qual a melhor imitação, se a épica, se a trágica. Com efeito, se a menos vulgar é a melhor e tal é a que visa a um público melhor, é por demais evidente ser vulgar a que imita tendo em vista a multidão. Por sinal, os atores

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cuidam que a plateia não compreende sem que eles aumentem a carga e por isso se desmancham em gesticulação; por exemplo os flauteiros ordinários, que se contorcem para sugerir o lançamento do disco e arrastam o corifeu quando tocam a Cila. (ARISTÓTE-LES, 2001, p. 51).

Essa cisão assinalada por Aristóteles não residia apenas entre o cidadão grego (que assistia aos espetáculos trágicos feitos para ins-pirar terror e piedade), e os escravos (que assistiam aos espetáculos cômicos, que mesmo tendo em seus quadros um autor como Aris-tófanes, entra em decadência e partir do século III a.C, já começa apresentar os espetáculos de comédias fálicas, cuja aproximação com o gênero pornográfico não parece ilegítima nem tampouco forçada).

É interessante ressaltar que, a partir do momento em que Roma domina a Grécia, mesmo conservando parte da cultura grega, o Es-tado Romano que administrava as artes e diversões oferecia uma fuga da realidade através do Panem et Circenses, e assim introduziu uma nova forma de espetáculo que facilmente poderia ser vista em uma via paralela com dois dos “gostos”, quais sejam, o horror e o abjeto, ora a luta de gladiadores estava cada vez mais ultrapassan-do o horror da morte ao vivo e ganhando o contexto do abjeto quando os espectadores (a minoria era considerada cidadão) pe-diam que os animais devorassem os derrotados. Entretanto, antes do domínio romano sobre a Grécia, Eurípedes fez uma pesquisa e constatou que grande parte do público da tragédia (cidadãos gregos com direito civis e constituídos como tal) não entendia, ou para dizer o mínimo, não tinha total compreensão do que assistia. Em geral o espectador ia para ver um espetáculo gratuito, subsidiado pelo Estado, e percebido por grande parte desse público, muitas vezes, não como um acontecimento artístico, mas sempre como um evento social.

[...] o que parece pressupor que existia uma desproporção latente entre a arte helênica anterior e a inteligência do espectador. Se assim fosse, deveríamos até louvar como progresso sobre Sófocles

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de vozes que povoa a mente do Angel/Gaucho Dorda. É o oposto da opacidade que fala mais acerca da avant garde, uma linguagem que ousa arriscar e por mais águas/quedas em sua construção.

“Alguém disse”, Alice murmurou, “que ele gira quando cada um trata do que é da sua conta.”

“Ah, bem o significado é quase o mesmo”, disse a Duquesa, ....,... “e amoral disto é... ‘cuide dos sentidos que os sons cuidarão de si”. (CARROLL, 2010, p.105, grifo nosso).

De uma forma metalinguística Lewis Carroll parece avisar que

apesar da tensão entre som e sentido (significado e significante), eles se complementam, ou, talvez avise sobre privilégio do signifi-cante em detrimento do significado como sempre fizeram os van-guardistas, pois existem muitas possibilidades de interpretações para além do senso comum, abrindo assim, janela para a vanguarda.

Se na arte, menos pode ser mais, logo a elipse, o não dito e o of-screen seriam o arrazoado de Marcelo Piñeyro para não mostrar as vozes que atordoam o Angel/Gaucho Dorda, entretanto, se em cada fissura e até mesmo nos espaços aparentemente impenetráveis e sólidos, a diegese é cada vez mais atravessada por uma ilusão de realidade, (oximoro permitido pela pós-modernidade), só se pode-ria justificar a argumentação da contenção das vozes e do teor po-lítico que Piglia pôs no livro, se eu disser não apenas que Marcelo Piñeyro apostou todas as fichas na inteligência e competência cul-tural do público do seu filme, e, principalmente, se dissermos tam-bém que todos os espectadores de filmes pornográficos, de horror e de melodrama não usam as partes pensantes do cérebro.

O gosto popular pelo abjeto, pelo horror, pelo melodrama e, sobretudo pelo pornográfico, parece reiterar uma tradicional de-marcação entre arte menor e arte maior, que já foi apontada até mesmo por Aristóteles:

Pode alguém ficar em dúvida sobre qual a melhor imitação, se a épica, se a trágica. Com efeito, se a menos vulgar é a melhor e tal é a que visa a um público melhor, é por demais evidente ser vulgar a que imita tendo em vista a multidão. Por sinal, os atores

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cuidam que a plateia não compreende sem que eles aumentem a carga e por isso se desmancham em gesticulação; por exemplo os flauteiros ordinários, que se contorcem para sugerir o lançamento do disco e arrastam o corifeu quando tocam a Cila. (ARISTÓTE-LES, 2001, p. 51).

Essa cisão assinalada por Aristóteles não residia apenas entre o cidadão grego (que assistia aos espetáculos trágicos feitos para ins-pirar terror e piedade), e os escravos (que assistiam aos espetáculos cômicos, que mesmo tendo em seus quadros um autor como Aris-tófanes, entra em decadência e partir do século III a.C, já começa apresentar os espetáculos de comédias fálicas, cuja aproximação com o gênero pornográfico não parece ilegítima nem tampouco forçada).

É interessante ressaltar que, a partir do momento em que Roma domina a Grécia, mesmo conservando parte da cultura grega, o Es-tado Romano que administrava as artes e diversões oferecia uma fuga da realidade através do Panem et Circenses, e assim introduziu uma nova forma de espetáculo que facilmente poderia ser vista em uma via paralela com dois dos “gostos”, quais sejam, o horror e o abjeto, ora a luta de gladiadores estava cada vez mais ultrapassan-do o horror da morte ao vivo e ganhando o contexto do abjeto quando os espectadores (a minoria era considerada cidadão) pe-diam que os animais devorassem os derrotados. Entretanto, antes do domínio romano sobre a Grécia, Eurípedes fez uma pesquisa e constatou que grande parte do público da tragédia (cidadãos gregos com direito civis e constituídos como tal) não entendia, ou para dizer o mínimo, não tinha total compreensão do que assistia. Em geral o espectador ia para ver um espetáculo gratuito, subsidiado pelo Estado, e percebido por grande parte desse público, muitas vezes, não como um acontecimento artístico, mas sempre como um evento social.

[...] o que parece pressupor que existia uma desproporção latente entre a arte helênica anterior e a inteligência do espectador. Se assim fosse, deveríamos até louvar como progresso sobre Sófocles

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a tendência radical de Eurípedes para estabelecer uma relação conveniente entre o público e a obra de arte. Mas o ‘público’ não passa de palavra; não é, de modo nenhum, um valor sempre igual e constante. Por que haveria o artista de se julgar obrigado a sub-meter-se a um poder cuja força reside apenas no número? (NIET-ZSCHE, 1972, p. 92).

Ao contrário do discurso de sobriedade, que em algumas nar-rativas pode apresentar um único foco (o estofo histórico necessá-rio ao ensaio e aos textos científicos não permite o uso de muitas águas), a ficção é sempre uma construção com, no mínimo, um telhado de duas águas. Colocar mais divisões (águas ou quedas) no telhado depende de como o autor quer a planta de sua casa, da mesma forma se dá com as variações sobre um tema, como mostra Sebastião Uchoa Leite:

Se o tema é recorrente, ele não recorre sempre da mesma manei-ra, há um repertório definido de variações. A mais corrente é a situação (A) Criminosos que são perseguidos pela lei. Há sempre um fugitivo da justiça (força policial, agência de inteligência federal, justiceiros solitários. Quase sempre por sugestão dramática, é um fugitivo solitário, mas também a frequência de grupos, gangsters ou foras da lei ...,...sejam quais forem as circunstâncias da busca/fuga, o que se processa é um jogo de habilidades das duas partes: a de localizar, e a de ocultar e escapar. (LEITE, 1995, p. 114-115).

A situação supracitada se enquadra com perfeição ao que ocorre em Plata Quemada, e assim já se teria um telhado de duas águas ou duas quedas, sendo a primeira água o crime, e a segunda a fuga e a perseguição: “Segundo as informações de última hora, os policiais que investigam o sangrento assalto prestam atenção às sa-colas abandonadas pelos malfeitores em sua fuga” (PIGLIA, 1998, p.41). Entretanto, isso ainda diz pouco, posto que o paralelo entre a situação proposta por Leite e Plata Quemada não se dá só pelos impropérios e desafios do trio Nene, Angel e Corvo Meireles na sequência em que estão acuados no apartamento:

Apareceu na janela e olhou para a rua. Havia uma estranha cal-

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ma, lá embaixo. Lá em cima ele os ouvia se agitarem, os secretas, como se movessem uma folha de lata venham seus grandes filhos da puta – gritou - Ainda tenho duas caixas de balas. (PIGLIA, 1998, p.162).

Mas também, e, sobretudo, no diálogo (que não está no livro, mas aparece no filme) entre o contratador Fontana e o aguantador Losardo, em que o uruguaio diz que o delegado Chancho Aguirre está pressionado e pressionando, assim:

Situação (D): Criminosos perseguem criminosos. É uma situação comum em filmes de gangsters, quando alguém se vê encurrala-do pelos rivais por ou pelos antigos companheiros de gang por motivos diversos, da alcaguetagem à ambição. (LEITE, 1995, p. 116-117).

A classificação de Leite é destinada ao cinema, todavia não é ilegítimo transportá-la como empréstimo para a literatura, pra-ça em que não se sentirá deslocada, ademais no caso de um livro atípico com narrativa com sugestões de cortes. É interessante notar que muitos livros, especialmente desde a derrocada do mo-vimento Oulipo - Ouvroir de Littérature Potentiel (Oficina de Li-teratura Potencial), passaram a denotar uma forte influência da linguagem cinematográfica, isso não ocorre somente na literatu-ra policial, (gênero considerado menor), outras linhas estilísticas parecem adotar as técnicas da narrativa fílmica, os cortes brus-cos, a multitonalidade aproximam a literatura do roteiro cinema-tográfico. É possível perceber um dueto e um duelo na sinfonia de vozes que em algumas vezes chegam a se desmentir, disputam espaço não só na cabeça de Angel/ Gaucho Dorda, mas também nos espectadores/leitores e esse entrechoque de vozes está muito mais presente no livro de Ricardo Piglia que no filme de Marcelo Piñeyro, o que coloca o livro dentro de uma linha narrativa te-lhado de muitas águas.

Podemos considerar de vanguarda todo filme onde a técnica, uti-lizada tendo em vista uma expressão renovada da imagem e do

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a tendência radical de Eurípedes para estabelecer uma relação conveniente entre o público e a obra de arte. Mas o ‘público’ não passa de palavra; não é, de modo nenhum, um valor sempre igual e constante. Por que haveria o artista de se julgar obrigado a sub-meter-se a um poder cuja força reside apenas no número? (NIET-ZSCHE, 1972, p. 92).

Ao contrário do discurso de sobriedade, que em algumas nar-rativas pode apresentar um único foco (o estofo histórico necessá-rio ao ensaio e aos textos científicos não permite o uso de muitas águas), a ficção é sempre uma construção com, no mínimo, um telhado de duas águas. Colocar mais divisões (águas ou quedas) no telhado depende de como o autor quer a planta de sua casa, da mesma forma se dá com as variações sobre um tema, como mostra Sebastião Uchoa Leite:

Se o tema é recorrente, ele não recorre sempre da mesma manei-ra, há um repertório definido de variações. A mais corrente é a situação (A) Criminosos que são perseguidos pela lei. Há sempre um fugitivo da justiça (força policial, agência de inteligência federal, justiceiros solitários. Quase sempre por sugestão dramática, é um fugitivo solitário, mas também a frequência de grupos, gangsters ou foras da lei ...,...sejam quais forem as circunstâncias da busca/fuga, o que se processa é um jogo de habilidades das duas partes: a de localizar, e a de ocultar e escapar. (LEITE, 1995, p. 114-115).

A situação supracitada se enquadra com perfeição ao que ocorre em Plata Quemada, e assim já se teria um telhado de duas águas ou duas quedas, sendo a primeira água o crime, e a segunda a fuga e a perseguição: “Segundo as informações de última hora, os policiais que investigam o sangrento assalto prestam atenção às sa-colas abandonadas pelos malfeitores em sua fuga” (PIGLIA, 1998, p.41). Entretanto, isso ainda diz pouco, posto que o paralelo entre a situação proposta por Leite e Plata Quemada não se dá só pelos impropérios e desafios do trio Nene, Angel e Corvo Meireles na sequência em que estão acuados no apartamento:

Apareceu na janela e olhou para a rua. Havia uma estranha cal-

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ma, lá embaixo. Lá em cima ele os ouvia se agitarem, os secretas, como se movessem uma folha de lata venham seus grandes filhos da puta – gritou - Ainda tenho duas caixas de balas. (PIGLIA, 1998, p.162).

Mas também, e, sobretudo, no diálogo (que não está no livro, mas aparece no filme) entre o contratador Fontana e o aguantador Losardo, em que o uruguaio diz que o delegado Chancho Aguirre está pressionado e pressionando, assim:

Situação (D): Criminosos perseguem criminosos. É uma situação comum em filmes de gangsters, quando alguém se vê encurrala-do pelos rivais por ou pelos antigos companheiros de gang por motivos diversos, da alcaguetagem à ambição. (LEITE, 1995, p. 116-117).

A classificação de Leite é destinada ao cinema, todavia não é ilegítimo transportá-la como empréstimo para a literatura, pra-ça em que não se sentirá deslocada, ademais no caso de um livro atípico com narrativa com sugestões de cortes. É interessante notar que muitos livros, especialmente desde a derrocada do mo-vimento Oulipo - Ouvroir de Littérature Potentiel (Oficina de Li-teratura Potencial), passaram a denotar uma forte influência da linguagem cinematográfica, isso não ocorre somente na literatu-ra policial, (gênero considerado menor), outras linhas estilísticas parecem adotar as técnicas da narrativa fílmica, os cortes brus-cos, a multitonalidade aproximam a literatura do roteiro cinema-tográfico. É possível perceber um dueto e um duelo na sinfonia de vozes que em algumas vezes chegam a se desmentir, disputam espaço não só na cabeça de Angel/ Gaucho Dorda, mas também nos espectadores/leitores e esse entrechoque de vozes está muito mais presente no livro de Ricardo Piglia que no filme de Marcelo Piñeyro, o que coloca o livro dentro de uma linha narrativa te-lhado de muitas águas.

Podemos considerar de vanguarda todo filme onde a técnica, uti-lizada tendo em vista uma expressão renovada da imagem e do

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinema

som, rompe com a tradição estabelecida para pesquisar, no do-mínio estritamente visual e auditivo acordes patéticos e inéditos. O filme de vanguarda não visa o simples prazer das massas. Ele é ao mesmo tempo mais egoísta e mais altruísta. Egoísta, porque manifestação pessoal de um pensamento puro, altruísta, porque isento de qualquer preocupação que não a do progresso. (DULAC apud XAVIER, 1978, p. 110).

Desde a segunda metade do século XIX, artistas plásticos, so-bretudo os impressionistas, Claude Monet em especial, já apon-tavam para uma visão não apenas particular de contestação ao academicismo vigente, como também de espontaneidade quase querendo acompanhar a evolução tecnológica, por exemplo, o ad-vento da fotografia que flagrava ‘instantes da vida’; houve ainda a invenção dos tubos sintéticos de tinta e a diminuição e conse-quente mobilidade dos cavaletes que pensados e projetados como estúdios móveis ou em miniatura possibilitaram, por exemplo, que o artista saísse do espaço cerrado do estúdio/atelier, isso pode ser visto como um escorço da inspiração para a revolução que as câ-meras leves e portáteis fizeram com o cinema francês na época da Nouvelle Vague.

Além disso, houve algumas incongruências com os passos da fotografia que desejava a máxima fidelidade com o objeto retra-tado, assim, os impressionistas investiram não apenas em se dis-tanciar da aparência de realidade, como também em mostrar as entranhas da pintura (no Cinema, Ismail Xavier denominou esse revolver intestinal de discurso da opacidade e aquela forma de ocultar, chamou discurso da transparência), e o observador atento consegue perceber uma espécie de making of avant la lettre de ar-tistas pintando a si mesmo ou a outros artistas (Johannes Vermeer em Alegoria da Pintura e Jan van Eick n’O Casal Arnolfini também já haviam feito making offs, entretanto usaram espelhos e pintaram a si mesmos, enquanto que o pintor alemão Albrecht Dürer usava o espelho em autorretrato, mas sem se flagrar no ato de execução de alguma obra).

Essa tendência metalinguística das artes plásticas (em espe-

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cial a pintura) para além de autoafirmação, parece apontar para uma necessidade de comentario e diálogo entre pares, pois mes-mo que ao lado da música e da poesia trovadoresca (e mais in-fluente que o teatro) as artes plásticas dominassem o imaginário artístico, estávamos longe dos séculos de imagem que bombar-deariam a modernidade com o advento do cinema e posterio-mente da televisão.

Esse é o verdadeiro momento da sociedade da imagem, na qual segundo Paul Willis, os sujeitos humanos já expostos ao bom-bardeio de até mil imagens por dia vivem e consomem cultura de maneiras novas e diferentes..., ...é tentador sugerir que no momento pós moderno a reflexividade como tal se submerge na pura superabundância de imagens como em um novo ele-mento no qual respiramos como se fosse natural. (JAMESON, 1994, p. 120).

Essa superabundância ou exacerbação das imagens e do som na modernidade foi denominada como sendo um Frenesi da Má-xima Visibilidade, sem prejuízo da congruência, é possível afir-mar que essa classificação pode ser vista e/ou posta em oposição ao Mutismo Seletivo, sendo esse similar à arte dionisíaca (sem formas ou musical), e aquela à arte apolínea (plástica ou com formas).

É, pois, às suas duas divindades das artes, a Apolo e a Dionísio, que se refere a nossa constância do extraordinário antagonismo, tanto de origens como de fins que existe no mundo grego, entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical, a arte dionisíaca. Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta, mutuamente se desafiando e excitando para darem origem a criações novas... para com elas perpetuarem o conflito deste antagonismo que a palavra arte , comum dos dois consegue mascarar... (NIETZS-CHE, 1972, p.35).

Se pensarmos que o cinema é arte visual por excelência, por-tanto apolínea na classificação de Nietzsche, é possível perceber

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som, rompe com a tradição estabelecida para pesquisar, no do-mínio estritamente visual e auditivo acordes patéticos e inéditos. O filme de vanguarda não visa o simples prazer das massas. Ele é ao mesmo tempo mais egoísta e mais altruísta. Egoísta, porque manifestação pessoal de um pensamento puro, altruísta, porque isento de qualquer preocupação que não a do progresso. (DULAC apud XAVIER, 1978, p. 110).

Desde a segunda metade do século XIX, artistas plásticos, so-bretudo os impressionistas, Claude Monet em especial, já apon-tavam para uma visão não apenas particular de contestação ao academicismo vigente, como também de espontaneidade quase querendo acompanhar a evolução tecnológica, por exemplo, o ad-vento da fotografia que flagrava ‘instantes da vida’; houve ainda a invenção dos tubos sintéticos de tinta e a diminuição e conse-quente mobilidade dos cavaletes que pensados e projetados como estúdios móveis ou em miniatura possibilitaram, por exemplo, que o artista saísse do espaço cerrado do estúdio/atelier, isso pode ser visto como um escorço da inspiração para a revolução que as câ-meras leves e portáteis fizeram com o cinema francês na época da Nouvelle Vague.

Além disso, houve algumas incongruências com os passos da fotografia que desejava a máxima fidelidade com o objeto retra-tado, assim, os impressionistas investiram não apenas em se dis-tanciar da aparência de realidade, como também em mostrar as entranhas da pintura (no Cinema, Ismail Xavier denominou esse revolver intestinal de discurso da opacidade e aquela forma de ocultar, chamou discurso da transparência), e o observador atento consegue perceber uma espécie de making of avant la lettre de ar-tistas pintando a si mesmo ou a outros artistas (Johannes Vermeer em Alegoria da Pintura e Jan van Eick n’O Casal Arnolfini também já haviam feito making offs, entretanto usaram espelhos e pintaram a si mesmos, enquanto que o pintor alemão Albrecht Dürer usava o espelho em autorretrato, mas sem se flagrar no ato de execução de alguma obra).

Essa tendência metalinguística das artes plásticas (em espe-

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Esse é o verdadeiro momento da sociedade da imagem, na qual segundo Paul Willis, os sujeitos humanos já expostos ao bom-bardeio de até mil imagens por dia vivem e consomem cultura de maneiras novas e diferentes..., ...é tentador sugerir que no momento pós moderno a reflexividade como tal se submerge na pura superabundância de imagens como em um novo ele-mento no qual respiramos como se fosse natural. (JAMESON, 1994, p. 120).

Essa superabundância ou exacerbação das imagens e do som na modernidade foi denominada como sendo um Frenesi da Má-xima Visibilidade, sem prejuízo da congruência, é possível afir-mar que essa classificação pode ser vista e/ou posta em oposição ao Mutismo Seletivo, sendo esse similar à arte dionisíaca (sem formas ou musical), e aquela à arte apolínea (plástica ou com formas).

É, pois, às suas duas divindades das artes, a Apolo e a Dionísio, que se refere a nossa constância do extraordinário antagonismo, tanto de origens como de fins que existe no mundo grego, entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical, a arte dionisíaca. Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta, mutuamente se desafiando e excitando para darem origem a criações novas... para com elas perpetuarem o conflito deste antagonismo que a palavra arte , comum dos dois consegue mascarar... (NIETZS-CHE, 1972, p.35).

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinema

que alguns narradores optam por dotar o cinema de características dionisíacas, atendendo ao que Nietzsche chamou de narrativa ou arte ideal - a tragédia ática. Isso atesta que o caminho tomado por Marcelo Piñeyro não é certo, verdadeiro, falso ou errado, e sim o caminho do meio. “[...] sentir o que dessas imagens se deve tomar, o que abandonar; conhecer as paixões moderadas e as extremas e representá-las sem esgares” (DIDEROT, 1999, p. 88-89).

As características dionisíacas parecem entortar ou falsear a realidade, o que indubitavelmente, é a forma mais corriqueira de acrescentar quedas/águas em uma narrativa. Nos filmes musicais de Hollywood, nos filmusicais argentinos, protagonizados por Carlos Gardel ou nas chanchadas da Atlântida, podia-se ver o uso da mú-sica de forma heterodiegética (um cantor fazia um número musical descolado o divorciado da diegese).

É interessante notar que Marcelo Piñeyro, como quase todo o novo cinema argentino, quase nunca utiliza a música como ele-mento heterodiegético. Se o acréscimo é feito de maneira homodie-gética (como exemplo pode-se pensar em uma personagem ligando um aparelho de som e em seguida ouvimos a música), a narrativa flui mais fácil, todavia, não significa que flua melhor, pois a intro-dução de elementos exógenos à obra já aparece no teatro grego, na escultura pré-histórica e nunca foi contestada pelos espectadores. Assim, quando Eurípedes populariza o uso do Deus ex Machina, também está recorrendo a impostura da qual reclamavam Fran-çois Truffaut e Paulo Leminski. Pode-se pensar o Deus ex Machina como um elemento heterodiegético que com o tempo não apenas foi aceito (tornando-se, portanto, homodiegético), como também passou a parecer natural da mesma forma que o organismo huma-no aceita e se acostuma com uma prótese.

O uso de metalinguagens parece tão homodiegético como o uso da própria pele de um ser como enxerto, por seu turno a intersemiótica soa heterodiegética, como o uso de células tronco e isso não torna certo ou errado, maior nem menor. Os especta-dores formados pelo cinema que recorrem aos efeitos especiais sentem dificuldades e estranheza com o cinema sem tais efeitos. Assim, pode-se dizer da impostura e da estranheza que a primeira

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decorre do parto a fórceps de um neologismo artístico, enquan-to que a estranheza do desconhecimento, senão veja os planos invertidos, reflexos na água usados por Mario Peixoto em Limite (Brasil, 1930), ou o primeiro close-up utilizado por David Wark Griffith, que hoje parecem comuns a todo e qualquer espectador, e depois de domesticado torna-se aceito.

Vale dizer que as artes plásticas há muito tempo já utilizavam esses recursos. Mas nem a ópera ou mesmo o sonho de arte total de Richard Wagner nos preparou para o fluxo e amor livre entre as artes. Sempre que um recurso de uma arte migra para outra, causa estranhez.

O trânsito entre as linguagens artísticas, que hoje recebe o nome de intermidialidade, parece encerrar muito mais arestas que cordialidade e ao mesmo tempo que os dois séculos da imagem (XX e XXI) reverenciam e dão primazia para a metalinguagem, findam por comparar e olhar com óculos de axiologia ou taxonomia os trá-fegos intersemióticos que ao mesmo tempo que auxiliam e dinami-zam a narrativa, parecem afastá-la da “realidade”. Assim, a fruição estética e a análise crítica e estética repousam menos sobre o objeto em si, que sobre a fonte e/ou matriz do objeto obra de arte. Quanto mais livre e inventiva a obra, tanto mais desprezada, quase como uma inconsciente reafirmação da sociedade unidimensional esma-gando a arte.

A fruição não paira sobre o conteúdo, a forma, ou possíveis ressignificações, metalinguagens e empréstimos linguísticos, mas sobre a veracidade, realidade ou ilusão de realidade e as fronteiras de realidade e ficção são borradas, não por consciência estética, mas somente por desejo de realidade ou ilusão de realidade advindas de uma disfunção narcotizante dos espectadores modernos que, assim como Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo, expulsariam o cinema de poesia, advogado por Pier Paolo Pasolini. É esse es-pectador que exige o explícito e rende devoção aos efeitos espe-ciais (via de mão dupla que a um só tempo é ilusão e realidade) que possibilitam a impossível visão da trajetória de uma bala ou flecha e privilegiando o apolíneo em detrimento do dionisíaco im-

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que alguns narradores optam por dotar o cinema de características dionisíacas, atendendo ao que Nietzsche chamou de narrativa ou arte ideal - a tragédia ática. Isso atesta que o caminho tomado por Marcelo Piñeyro não é certo, verdadeiro, falso ou errado, e sim o caminho do meio. “[...] sentir o que dessas imagens se deve tomar, o que abandonar; conhecer as paixões moderadas e as extremas e representá-las sem esgares” (DIDEROT, 1999, p. 88-89).

As características dionisíacas parecem entortar ou falsear a realidade, o que indubitavelmente, é a forma mais corriqueira de acrescentar quedas/águas em uma narrativa. Nos filmes musicais de Hollywood, nos filmusicais argentinos, protagonizados por Carlos Gardel ou nas chanchadas da Atlântida, podia-se ver o uso da mú-sica de forma heterodiegética (um cantor fazia um número musical descolado o divorciado da diegese).

É interessante notar que Marcelo Piñeyro, como quase todo o novo cinema argentino, quase nunca utiliza a música como ele-mento heterodiegético. Se o acréscimo é feito de maneira homodie-gética (como exemplo pode-se pensar em uma personagem ligando um aparelho de som e em seguida ouvimos a música), a narrativa flui mais fácil, todavia, não significa que flua melhor, pois a intro-dução de elementos exógenos à obra já aparece no teatro grego, na escultura pré-histórica e nunca foi contestada pelos espectadores. Assim, quando Eurípedes populariza o uso do Deus ex Machina, também está recorrendo a impostura da qual reclamavam Fran-çois Truffaut e Paulo Leminski. Pode-se pensar o Deus ex Machina como um elemento heterodiegético que com o tempo não apenas foi aceito (tornando-se, portanto, homodiegético), como também passou a parecer natural da mesma forma que o organismo huma-no aceita e se acostuma com uma prótese.

O uso de metalinguagens parece tão homodiegético como o uso da própria pele de um ser como enxerto, por seu turno a intersemiótica soa heterodiegética, como o uso de células tronco e isso não torna certo ou errado, maior nem menor. Os especta-dores formados pelo cinema que recorrem aos efeitos especiais sentem dificuldades e estranheza com o cinema sem tais efeitos. Assim, pode-se dizer da impostura e da estranheza que a primeira

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Vale dizer que as artes plásticas há muito tempo já utilizavam esses recursos. Mas nem a ópera ou mesmo o sonho de arte total de Richard Wagner nos preparou para o fluxo e amor livre entre as artes. Sempre que um recurso de uma arte migra para outra, causa estranhez.

O trânsito entre as linguagens artísticas, que hoje recebe o nome de intermidialidade, parece encerrar muito mais arestas que cordialidade e ao mesmo tempo que os dois séculos da imagem (XX e XXI) reverenciam e dão primazia para a metalinguagem, findam por comparar e olhar com óculos de axiologia ou taxonomia os trá-fegos intersemióticos que ao mesmo tempo que auxiliam e dinami-zam a narrativa, parecem afastá-la da “realidade”. Assim, a fruição estética e a análise crítica e estética repousam menos sobre o objeto em si, que sobre a fonte e/ou matriz do objeto obra de arte. Quanto mais livre e inventiva a obra, tanto mais desprezada, quase como uma inconsciente reafirmação da sociedade unidimensional esma-gando a arte.

A fruição não paira sobre o conteúdo, a forma, ou possíveis ressignificações, metalinguagens e empréstimos linguísticos, mas sobre a veracidade, realidade ou ilusão de realidade e as fronteiras de realidade e ficção são borradas, não por consciência estética, mas somente por desejo de realidade ou ilusão de realidade advindas de uma disfunção narcotizante dos espectadores modernos que, assim como Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo, expulsariam o cinema de poesia, advogado por Pier Paolo Pasolini. É esse es-pectador que exige o explícito e rende devoção aos efeitos espe-ciais (via de mão dupla que a um só tempo é ilusão e realidade) que possibilitam a impossível visão da trajetória de uma bala ou flecha e privilegiando o apolíneo em detrimento do dionisíaco im-

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pedem que o leitor/espectador imagine e complete a cena off-s-creen/não dito. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se direcionou no sentido de encontrar o ponto, ou algum ponto de bifurcação e também de união entre dois diferen-tes meios de expressão, para poder enfocar a relação quase conju-gal entre literatura e cinema, parecendo que este está subjugado àquela em um casamento no qual o cônjuge é apenas o cinema e o jugo, a canga está posta somente sobre o seu pescoço, como se essa relação fosse um casamento medieval em que o marido/ ma-cho é a literatura que precisa entrar só com e como o patrimônio. Enquanto que, ao cinema, esposa/fêmea, coubesse o matrimônio carregado de deveres, obediência e fidelidade “o amor do marido por sua mulher se chama estima, o da mulher por seu marido se chama reverência” (DUBY, 1990, p. 58).

Foi interessante perceber em quais pontos o cineasta se apro-ximou e, acima de tudo, em quais os pontos ele se autorizou um li-vre arbítrio. Assim, quando se afastou do hipotexto literário, gerou uma individuação que, em muitas medidas, enobreceu sua obra, são as cenas em que Marcelo Piñeyro desviou (gerando afastamen-tos) e até mesmo inventou/criou por perceber o que seria o melhor caminho para dinamizar a narrativa cinematográfica, sem se impor-tar com os dados apurados por Ricardo Piglia e escritos no livro. E em contrapartida, constatam-se pontos em que tomou o texto do livro como argumento e o seguiu, não por ser servil, e sim por saber que essa transposição não tornaria o filme uma obra mimética ou um conjunto de imagens coadjuvantes para o texto literário.

[...] a tradução como forma estética não é uma simples trans-ferência de unidade para unidade, do complexo de um sistema sígnico para outro, pois toda unidade constrói o seu sentido e significação numa unidade maior que a inclui” (PLAZA, 1987, p. 72, grifo nosso).

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Outro ponto instigante foi ver por que a quase maioria dos espectadores e dos leitores, viam Ricardo Piglia como o dono da história. Uma justificativa plausível é que além de escrever o livro, foi ele quem descobriu, pesquisou e, acima de tudo, trouxe à tona esses fatos que, indubitavelmente, seriam esquecidos se continuas-sem como notícia antiga nos jornais, ou como caso encerrado nos arquivos policiais. Todavia, o mais interessante é que esta interro-gação levou a outra que foi tentar desvendar em qual medida os fatos reais não podem, por si mesmos, serem considerados como um hipotexto gerador do texto baseado em fatos reais. A realidade passa a ser um hipotexto, sobretudo se o mundo for pensado como um texto, assim necessariamente é povoado de signo como explica Julio Plaza:

A mediação do mundo pelo signo não se faz sem profundas modi-ficações na consciência, visto que cada sistema-padrão de lingua-gem nos impõe normas, cânones, ora enrijecendo, ora liberando a consciência, ora colocando a sua sintaxe como moldura que se interpõe entre nós e o mundo real. [...] Ao povoar o mundo de signos, dá-se um sentido ao mundo, o homem educa o mundo e é educado por ele, o homem pensa com os signos e é pensado pelos signos, a natureza se faz paisagem e o mundo uma floresta de símbolos. (PLAZA, 1987, p. 19, grifo nosso).

Há que se considerar, e alguns estudiosos já consideram, mas com pesar, que existe uma distância insuperável entre a imagem e a palavra, para agravar isso, ao contrário do se espera a adaptação cinematográfica de qualquer texto literário não vai ser a mágica redentora que vai servir de ponte ou elemento de ligação para unir continentes que mesmo que não se comportem como antagônicos, para além de falarem línguas diferentes, também tem uma lingua-gem diferente, mesmo que o cinema incorpore ou se aproprie de parte da linguagem literária, ainda assim, por ser uma arte hetero-gênea o cinema como já disse neste trabalho, soma características e recebe influências de todas outras artes, com tudo isso, o diálogo cinema literatura, como mostra Christian Metz, não é uma estrada plana e tão bem pavimentada:

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pedem que o leitor/espectador imagine e complete a cena off-s-creen/não dito. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se direcionou no sentido de encontrar o ponto, ou algum ponto de bifurcação e também de união entre dois diferen-tes meios de expressão, para poder enfocar a relação quase conju-gal entre literatura e cinema, parecendo que este está subjugado àquela em um casamento no qual o cônjuge é apenas o cinema e o jugo, a canga está posta somente sobre o seu pescoço, como se essa relação fosse um casamento medieval em que o marido/ ma-cho é a literatura que precisa entrar só com e como o patrimônio. Enquanto que, ao cinema, esposa/fêmea, coubesse o matrimônio carregado de deveres, obediência e fidelidade “o amor do marido por sua mulher se chama estima, o da mulher por seu marido se chama reverência” (DUBY, 1990, p. 58).

Foi interessante perceber em quais pontos o cineasta se apro-ximou e, acima de tudo, em quais os pontos ele se autorizou um li-vre arbítrio. Assim, quando se afastou do hipotexto literário, gerou uma individuação que, em muitas medidas, enobreceu sua obra, são as cenas em que Marcelo Piñeyro desviou (gerando afastamen-tos) e até mesmo inventou/criou por perceber o que seria o melhor caminho para dinamizar a narrativa cinematográfica, sem se impor-tar com os dados apurados por Ricardo Piglia e escritos no livro. E em contrapartida, constatam-se pontos em que tomou o texto do livro como argumento e o seguiu, não por ser servil, e sim por saber que essa transposição não tornaria o filme uma obra mimética ou um conjunto de imagens coadjuvantes para o texto literário.

[...] a tradução como forma estética não é uma simples trans-ferência de unidade para unidade, do complexo de um sistema sígnico para outro, pois toda unidade constrói o seu sentido e significação numa unidade maior que a inclui” (PLAZA, 1987, p. 72, grifo nosso).

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Outro ponto instigante foi ver por que a quase maioria dos espectadores e dos leitores, viam Ricardo Piglia como o dono da história. Uma justificativa plausível é que além de escrever o livro, foi ele quem descobriu, pesquisou e, acima de tudo, trouxe à tona esses fatos que, indubitavelmente, seriam esquecidos se continuas-sem como notícia antiga nos jornais, ou como caso encerrado nos arquivos policiais. Todavia, o mais interessante é que esta interro-gação levou a outra que foi tentar desvendar em qual medida os fatos reais não podem, por si mesmos, serem considerados como um hipotexto gerador do texto baseado em fatos reais. A realidade passa a ser um hipotexto, sobretudo se o mundo for pensado como um texto, assim necessariamente é povoado de signo como explica Julio Plaza:

A mediação do mundo pelo signo não se faz sem profundas modi-ficações na consciência, visto que cada sistema-padrão de lingua-gem nos impõe normas, cânones, ora enrijecendo, ora liberando a consciência, ora colocando a sua sintaxe como moldura que se interpõe entre nós e o mundo real. [...] Ao povoar o mundo de signos, dá-se um sentido ao mundo, o homem educa o mundo e é educado por ele, o homem pensa com os signos e é pensado pelos signos, a natureza se faz paisagem e o mundo uma floresta de símbolos. (PLAZA, 1987, p. 19, grifo nosso).

Há que se considerar, e alguns estudiosos já consideram, mas com pesar, que existe uma distância insuperável entre a imagem e a palavra, para agravar isso, ao contrário do se espera a adaptação cinematográfica de qualquer texto literário não vai ser a mágica redentora que vai servir de ponte ou elemento de ligação para unir continentes que mesmo que não se comportem como antagônicos, para além de falarem línguas diferentes, também tem uma lingua-gem diferente, mesmo que o cinema incorpore ou se aproprie de parte da linguagem literária, ainda assim, por ser uma arte hetero-gênea o cinema como já disse neste trabalho, soma características e recebe influências de todas outras artes, com tudo isso, o diálogo cinema literatura, como mostra Christian Metz, não é uma estrada plana e tão bem pavimentada:

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[...] visto sob determinado ângulo, o cinema tem todas as apa-rências daquilo que ele não é. É obviamente uma espécie de lin-guagem; foi visto como uma língua. Ele possibilita, exige até uma decupagem e uma montagem: aceitou-se que sua organização sintagmática só podia se se originar numa paradigmática prévia, embora apresentada como ainda pouco consciente de si mesma. É por demais óbvio que o filme é uma mensagem para que não se lhe tenha imaginado um código. (METZ, 1977, p. 55-56).

Parece que o único espaço onde cinema e literatura interagem

é na adaptação cinematográfica, disputar terreno e privilegiar um segmento artístico em detrimento do outro, sob hipótese alguma vai arejar o debate, que precisa ser visto como uma janela aberta para a análise de mensagens verbais e não verbais.

Marcelo Piñeyro sempre teve em mente que na adaptação a única certeza é que os diálogos não podem parecer feitos para com-plementar à imagem da tela, tampouco a imagem da tela serve mera-mente como ilustração dos diálogos e/ou texto do narrador literário.

Porém, quando o filme é baseado em um romance cuja lingua-gem parece extremamente influenciada pelo cinema , com cortes rá-pidos, multitonalidades de vozes, avanços e recuos, como se fossem flashbacks e flashforwards típicos da linguagem cinematográfica, parece que a relação não se dá com tantos percalços.

O processo de tradução/transposição cinematográfica precisa ser visto como uma reescrita, senão como um transcriação. Nesse sentido pode-se pensar o termo adaptação como algo que se adé-qua, sem imitar o comportamento, assim a tradução intersemiótica pode ser considerada uma adaptação.

Fidelidade ou servilidade ao romance traz em si a possibilidade de tornar o filme uma simples mimese da literatura, o que importa ao cineasta é contar a mesma história com uma eloquência própria, pois por mais que suportes distintos como teatro, fotografia, música e no caso estudado, literatura e cinema compartilhem o mesmo conteúdo diegético, não existe possibilidade de apagar o fato que eles vão ser realizados em meios diversos. E os meios têm seus pró-

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prios sotaques, sua particular dicção. Isso se passou na transposição do livro Dinheiro Queimado, para o cinema, é bastante notar que no começo do filme o narrador se fazia presente, até onipresente, mas logo foi se apagando, enquanto que no livro o narrador permanece, sem prejuízo estético, como uma espécie de maestro que rege a somatória de relatos, às vezes, contraditórios. Todavia vê-se com mais naturalidade a presença do narrador na literatura do que no cinema, e quando o cinema noir usava o narrador, estava fazendo uma ponte e uma homenagem à literatura negra/policial de autores como Dashiell Hammett e Raymond Chandler.

O filme de Marcelo Piñeyro não deve ser posto em uma moldura de filme policial tradicional, é interessante ressaltar que o romance de Ricardo Piglia também não se enquadra na tradicio-nal concepção de romance policial que segundo Todorov (1980, p. 163).

[...] é o desaparecimento da narrativa ou pelo menos de sua forma simples e fundamental. Poderíamos ficar surpresos com tal afirma-ção uma vez que Poe passa por narrador por excelência; mas uma leitura atenta nos convencerá de que, nele, quase nunca há enca-deamento de elementos sucessivos [...] O mesmo ocorre com os contos de raciocínio, que, neste sentido, estão muito distante das formas atuais do romance policial: a lógica da ação é substituída pela procura de conhecimento; nunca assistimos ao encadeamen-to das causas e efeitos, apenas à sua dedução após o fato.

Como descobrir o que é pessoal e intransferível de uma arte, qual elemento é único e específico da literatura, e qual é único e específico do cinema, o projeto de Richard Wagner era tornar a Ópera uma síntese das demais artes, mas não logrou êxito. A arte na modernidade também tentou, mas o borramento de fronteiras promovido pela pós- modernidade elevou essa tentativa a máxima potência, é certo que desde os últimos anos da década de 1960, as artes plásticas incorporam elementos de cinema, ainda que os espectadores que frequentavam as exposições tivessem a impressão que viam um filme complementar aos quadros, esculturas ou ha-ppenings.

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[...] visto sob determinado ângulo, o cinema tem todas as apa-rências daquilo que ele não é. É obviamente uma espécie de lin-guagem; foi visto como uma língua. Ele possibilita, exige até uma decupagem e uma montagem: aceitou-se que sua organização sintagmática só podia se se originar numa paradigmática prévia, embora apresentada como ainda pouco consciente de si mesma. É por demais óbvio que o filme é uma mensagem para que não se lhe tenha imaginado um código. (METZ, 1977, p. 55-56).

Parece que o único espaço onde cinema e literatura interagem

é na adaptação cinematográfica, disputar terreno e privilegiar um segmento artístico em detrimento do outro, sob hipótese alguma vai arejar o debate, que precisa ser visto como uma janela aberta para a análise de mensagens verbais e não verbais.

Marcelo Piñeyro sempre teve em mente que na adaptação a única certeza é que os diálogos não podem parecer feitos para com-plementar à imagem da tela, tampouco a imagem da tela serve mera-mente como ilustração dos diálogos e/ou texto do narrador literário.

Porém, quando o filme é baseado em um romance cuja lingua-gem parece extremamente influenciada pelo cinema , com cortes rá-pidos, multitonalidades de vozes, avanços e recuos, como se fossem flashbacks e flashforwards típicos da linguagem cinematográfica, parece que a relação não se dá com tantos percalços.

O processo de tradução/transposição cinematográfica precisa ser visto como uma reescrita, senão como um transcriação. Nesse sentido pode-se pensar o termo adaptação como algo que se adé-qua, sem imitar o comportamento, assim a tradução intersemiótica pode ser considerada uma adaptação.

Fidelidade ou servilidade ao romance traz em si a possibilidade de tornar o filme uma simples mimese da literatura, o que importa ao cineasta é contar a mesma história com uma eloquência própria, pois por mais que suportes distintos como teatro, fotografia, música e no caso estudado, literatura e cinema compartilhem o mesmo conteúdo diegético, não existe possibilidade de apagar o fato que eles vão ser realizados em meios diversos. E os meios têm seus pró-

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prios sotaques, sua particular dicção. Isso se passou na transposição do livro Dinheiro Queimado, para o cinema, é bastante notar que no começo do filme o narrador se fazia presente, até onipresente, mas logo foi se apagando, enquanto que no livro o narrador permanece, sem prejuízo estético, como uma espécie de maestro que rege a somatória de relatos, às vezes, contraditórios. Todavia vê-se com mais naturalidade a presença do narrador na literatura do que no cinema, e quando o cinema noir usava o narrador, estava fazendo uma ponte e uma homenagem à literatura negra/policial de autores como Dashiell Hammett e Raymond Chandler.

O filme de Marcelo Piñeyro não deve ser posto em uma moldura de filme policial tradicional, é interessante ressaltar que o romance de Ricardo Piglia também não se enquadra na tradicio-nal concepção de romance policial que segundo Todorov (1980, p. 163).

[...] é o desaparecimento da narrativa ou pelo menos de sua forma simples e fundamental. Poderíamos ficar surpresos com tal afirma-ção uma vez que Poe passa por narrador por excelência; mas uma leitura atenta nos convencerá de que, nele, quase nunca há enca-deamento de elementos sucessivos [...] O mesmo ocorre com os contos de raciocínio, que, neste sentido, estão muito distante das formas atuais do romance policial: a lógica da ação é substituída pela procura de conhecimento; nunca assistimos ao encadeamen-to das causas e efeitos, apenas à sua dedução após o fato.

Como descobrir o que é pessoal e intransferível de uma arte, qual elemento é único e específico da literatura, e qual é único e específico do cinema, o projeto de Richard Wagner era tornar a Ópera uma síntese das demais artes, mas não logrou êxito. A arte na modernidade também tentou, mas o borramento de fronteiras promovido pela pós- modernidade elevou essa tentativa a máxima potência, é certo que desde os últimos anos da década de 1960, as artes plásticas incorporam elementos de cinema, ainda que os espectadores que frequentavam as exposições tivessem a impressão que viam um filme complementar aos quadros, esculturas ou ha-ppenings.

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Todavia, já nos primeiros anos na década de 1970, o multiar-tista Nam June Paik lança o vídeo arte agregando à linguagem au-diovisual às suas obras de uma maneira mais natural e orgânica. Este artigo quer não destramar, mas sim desvendar os fios desse tecido de sons, imagens, gestos e palavras, para tentar abri-lo para novas possibilidades de análise e de articulação.

Como expressar a narrativa? A história de um bando de la-drões que assaltam um carro forte, fogem para outro país, lutam em um tiroteio com a polícia e antes de morrer queimam o que resta do dinheiro roubado? O meio pelo qual essa história é contada vai naturalmente influir na forma, e até no conteúdo. Para contar isso, a literatura (e no caso aqui estudado Ricardo Piglia) conta apenas com as palavras, ao passo que o cinema (e Marcelo Piñeyro) tem possibilidades mais vastas para usar e explorar, o que não faz de uma maior ou menor, apenas distintas.

Os planos cinematográficos não são similares às palavras, tam-pouco as cenas correspondem às frases, nem as sequências às ora-ções. Afinal o que Denis Bertrand diz, para a literatura, pode ser usado para o cinema que deve ser pensado como um independente sistema de significação “[...] que produz em si mesmo as condições contextuais de sua leitura” (BERTRAND, 2003, p. 23).

Um romance, ou qualquer obra baseada em fatos reais, neces-sariamente também é baseado em sons, palavras, imagens, movi-mentos e gestos, que foram transformados em palavras, posto que os fatos não nasceram escritos. E quando escritos não seguiram exatamente como aconteceu, a não ser que o narrador seja Funes el Memorioso personagem da Rosa Amarilla, de Jorge Luis Borges, que apesar de lembrar de tudo, não tem a capacidade de elaborar, editar, ou trair algum fato, ou seja, não consegue ser infiel ao original:

A fidelidade ao original deixa de ser critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como uma nova experiência que deve ter sua forma, e os sentidos nela implicados, julgados em seu próprio direito. Afinal, livro e filme estao distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm a mesma sensibilidade e pers-

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pectiva, sendo [...] de esperar que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo e a iden-tificação com os valores nele expressos. (XAVIER, 2003, p. 62).

Mesmo que obedeça a algumas regras, a arte é pautada pela exceção, e é exatamente a exceção que representa o cimento, a ar-gamassa que sustentam todas as vigas estruturais da ficção. Assim, sem elaboração, edição e, acima de tudo traição de algum ponto ou fato do caso em questão, o narrador finda por fazer história e não ficção.

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinema

Todavia, já nos primeiros anos na década de 1970, o multiar-tista Nam June Paik lança o vídeo arte agregando à linguagem au-diovisual às suas obras de uma maneira mais natural e orgânica. Este artigo quer não destramar, mas sim desvendar os fios desse tecido de sons, imagens, gestos e palavras, para tentar abri-lo para novas possibilidades de análise e de articulação.

Como expressar a narrativa? A história de um bando de la-drões que assaltam um carro forte, fogem para outro país, lutam em um tiroteio com a polícia e antes de morrer queimam o que resta do dinheiro roubado? O meio pelo qual essa história é contada vai naturalmente influir na forma, e até no conteúdo. Para contar isso, a literatura (e no caso aqui estudado Ricardo Piglia) conta apenas com as palavras, ao passo que o cinema (e Marcelo Piñeyro) tem possibilidades mais vastas para usar e explorar, o que não faz de uma maior ou menor, apenas distintas.

Os planos cinematográficos não são similares às palavras, tam-pouco as cenas correspondem às frases, nem as sequências às ora-ções. Afinal o que Denis Bertrand diz, para a literatura, pode ser usado para o cinema que deve ser pensado como um independente sistema de significação “[...] que produz em si mesmo as condições contextuais de sua leitura” (BERTRAND, 2003, p. 23).

Um romance, ou qualquer obra baseada em fatos reais, neces-sariamente também é baseado em sons, palavras, imagens, movi-mentos e gestos, que foram transformados em palavras, posto que os fatos não nasceram escritos. E quando escritos não seguiram exatamente como aconteceu, a não ser que o narrador seja Funes el Memorioso personagem da Rosa Amarilla, de Jorge Luis Borges, que apesar de lembrar de tudo, não tem a capacidade de elaborar, editar, ou trair algum fato, ou seja, não consegue ser infiel ao original:

A fidelidade ao original deixa de ser critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como uma nova experiência que deve ter sua forma, e os sentidos nela implicados, julgados em seu próprio direito. Afinal, livro e filme estao distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm a mesma sensibilidade e pers-

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pectiva, sendo [...] de esperar que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo e a iden-tificação com os valores nele expressos. (XAVIER, 2003, p. 62).

Mesmo que obedeça a algumas regras, a arte é pautada pela exceção, e é exatamente a exceção que representa o cimento, a ar-gamassa que sustentam todas as vigas estruturais da ficção. Assim, sem elaboração, edição e, acima de tudo traição de algum ponto ou fato do caso em questão, o narrador finda por fazer história e não ficção.

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REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Cultrix, 2001.

BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

CARROLL, L. Alice no país das maravilhas. Rio de Janeiro: Za-har, 2010.

CHION, M. Audio-vision: sound on screen. New York: Columbia University Press, 1994.

COSTA, F. M. Pode o cinema contemporâneo representar o am-biente sonoro em que vivemos? Artigo apresentado no Seminário Minter PPGCom UFF, 2010a.

. Som e ritmo interno no plano-sequência. XI Estudo de Cinema e Audiovisual SOCINE, São Paulo, 2010b.

DIDEROT, D. Ensaios sobre a pintura. Campinas: Unicamp; Pa-pirus, 1999.

DUBY, G. Idade média, idade dos homens. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 1990. JAMESON, F. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.

LEITE, S. U. Jogos e enganos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Ed. 3, 1995. METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1977.

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MORAES, J. A importância de Aruanda na cinematografia na-cional 1989. Monografia (Graduação em Comunicação Social) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1989.

NAZÁRIO, L. A margem do cinema. São Paulo: Nova Stella,1986.NIETZSCHE, F. W. A origem da tragédia. Lisboa: Guimarães Ed., 1972.

PIGNATARI, D. Informação, linguagem, comunicação. São Paulo: Cultrix, 1997.

PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.

PIGLIA, R. Dinheiro queimado. São Paulo: Companhia das Le-tras, 1998.

TODOROV, T. As categorias da narrativa. In:____. Análise es-trutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1971.

. Os limites de Edgar Alan Poe. In: ____. Os gêneros do dis-curso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 155-165.

XAVIER, I. Sétima arte: um culto moderno. São Paulo: Perspec-tiva, 1978.

et al. Literatua, cinema e televisão. São Paulo, SENAC Editora, 2003.

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A NARRATIVA COMO TELHADO DE MUITAS ÁGUAS: excesso e concisão no cinema

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Cultrix, 2001.

BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

CARROLL, L. Alice no país das maravilhas. Rio de Janeiro: Za-har, 2010.

CHION, M. Audio-vision: sound on screen. New York: Columbia University Press, 1994.

COSTA, F. M. Pode o cinema contemporâneo representar o am-biente sonoro em que vivemos? Artigo apresentado no Seminário Minter PPGCom UFF, 2010a.

. Som e ritmo interno no plano-sequência. XI Estudo de Cinema e Audiovisual SOCINE, São Paulo, 2010b.

DIDEROT, D. Ensaios sobre a pintura. Campinas: Unicamp; Pa-pirus, 1999.

DUBY, G. Idade média, idade dos homens. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 1990. JAMESON, F. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.

LEITE, S. U. Jogos e enganos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Ed. 3, 1995. METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1977.

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MORAES, J. A importância de Aruanda na cinematografia na-cional 1989. Monografia (Graduação em Comunicação Social) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1989.

NAZÁRIO, L. A margem do cinema. São Paulo: Nova Stella,1986.NIETZSCHE, F. W. A origem da tragédia. Lisboa: Guimarães Ed., 1972.

PIGNATARI, D. Informação, linguagem, comunicação. São Paulo: Cultrix, 1997.

PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.

PIGLIA, R. Dinheiro queimado. São Paulo: Companhia das Le-tras, 1998.

TODOROV, T. As categorias da narrativa. In:____. Análise es-trutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1971.

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et al. Literatua, cinema e televisão. São Paulo, SENAC Editora, 2003.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas

jornalísticas na Revista Caras NILMA REGINA MENDES LIMA

INTRODUÇÃO

Tortuosos são os caminhos que conduzem ao sagrado e ao pro-fano1. Na comunicação, na cultura, no jornalismo, na ciência, na história e na própria vida, todos os limites que os separam são sensí-veis e fluidos, às vezes, se confundem. Muito mal já foi causado em nome do bem comum, muitos inocentes já foram mortos em nome de Deus, muitas guerras se fizeram em nome da paz e muito ódio se praticou em nome do amor. Essa é a complexa dialética da vida.

Atividade profissional carregada pelo peso da responsabilidade social de narrar os acontecimentos de forma objetiva e imparcial, o jornalismo traz consigo a árdua tarefa de construção simbólica da realidade. Assim, os meios de comunicação (jornal, revista, televi-são, etc.) acabam sob um ponto de vista idealizado se transmutan-do nos olhos e ouvidos da sociedade.

Contudo, longe das abstrações idealistas, o jornalismo en-quanto atividade eminentemente humana carrega consigo todas as contradições, ambiguidades e jogos de interesses próprios dessa condição humana.

Embora existam fervorosas discussões acerca do lugar que o jornalismo ocupa na sociedade, o fato é que, em tempos de hiper-

1 Neste estudo, as expressões sagrado e profano representam um jogo de palavras utili-zadas em sentido metafórico para traduzir as dicotomias e dilemas próprios da prática jornalística, desde a sua mais tenra idade tal como o ideal e o possível, a realidade e a ficção, a objetividade e a subjetividade, a parcialidade e a imparcialidade, bem como a presença desses elementos na realidade narrada e construída pelos jornalistas.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas

jornalísticas na Revista Caras NILMA REGINA MENDES LIMA

INTRODUÇÃO

Tortuosos são os caminhos que conduzem ao sagrado e ao pro-fano1. Na comunicação, na cultura, no jornalismo, na ciência, na história e na própria vida, todos os limites que os separam são sensí-veis e fluidos, às vezes, se confundem. Muito mal já foi causado em nome do bem comum, muitos inocentes já foram mortos em nome de Deus, muitas guerras se fizeram em nome da paz e muito ódio se praticou em nome do amor. Essa é a complexa dialética da vida.

Atividade profissional carregada pelo peso da responsabilidade social de narrar os acontecimentos de forma objetiva e imparcial, o jornalismo traz consigo a árdua tarefa de construção simbólica da realidade. Assim, os meios de comunicação (jornal, revista, televi-são, etc.) acabam sob um ponto de vista idealizado se transmutan-do nos olhos e ouvidos da sociedade.

Contudo, longe das abstrações idealistas, o jornalismo en-quanto atividade eminentemente humana carrega consigo todas as contradições, ambiguidades e jogos de interesses próprios dessa condição humana.

Embora existam fervorosas discussões acerca do lugar que o jornalismo ocupa na sociedade, o fato é que, em tempos de hiper-

1 Neste estudo, as expressões sagrado e profano representam um jogo de palavras utili-zadas em sentido metafórico para traduzir as dicotomias e dilemas próprios da prática jornalística, desde a sua mais tenra idade tal como o ideal e o possível, a realidade e a ficção, a objetividade e a subjetividade, a parcialidade e a imparcialidade, bem como a presença desses elementos na realidade narrada e construída pelos jornalistas.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

modernidade, as formas de fazer jornalismo se distanciam mais ra-pidamente da visão idealista daquilo que é considerado como um legítimo jornalismo que pelo menos em tese, prioriza a objetividade e a imparcialidade (o sagrado2) e cada vez mais se aproximam de um jornalismo considerado mais leve, com marcas de subjetivida-de, apelo à emoção, ao sensacionalismo e a espetacularização da notícia (o profano3).

Entretanto, é importante perceber que entre o sagrado e o profano existe uma multiplicidade de análises, de apropriações e questionamentos. A lógica do espetáculo é real e está presente em nossa sociedade, bem como a cultura subjacente a ela, o sensa-cionalismo, o entretenimento e as apropriações e representações midiáticas desses fenômenos. Então não basta negar essa realidade: é necessário analisá-la, questioná-la, compreendê-la.

Foi dessa teia de reflexões que emergiu o conjunto de ques-tionamentos que serviram de parâmetros norteadores para a cons-trução deste artigo, os quais são: Como a lógica da sociedade do espetáculo se manifesta na construção das notícias? Quais os ins-trumentos ou recursos utilizados no processo de espetacularização? Que simbologias são produzidas a partir da espetacularização das notícias? A espetacularização da notícia expressa uma realidade ou cria uma ficção? Como e por que o atual momento histórico amplia o espaço para o jornalismo espetacular?

Dada a amplitude do universo a que a sociedade do espetá-culo e a espetacularização da notícia contemplam, cedo brotou a necessidade de escolha de um objeto empírico. E foi assim que se chegou à definição da Revista Caras para o corpus da pesquisa, com a proposta de investigar “A Espetacularização das Narrativas Jorna-

2 Sagrado: (Adj.) 1. Que sagrou ou recebeu a consagração; 2. Concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto; sacro, santo.; 3. Inviolável, puro; 4. Pro-fundamente respeitável; venerável, santo; 5. Que não deve ser tocado, infringido, violado; 6. Que não se pode faltar; que não se pode deixar de cumprir; 7 aquilo que é ou foi sagrado. (FERREIRA, 1988, p. 582)

3 Profano: (Adj.) 1. Não pertencente à religião; 2. Contrário ao respeito devido às coisas sagradas; 3. Não sagrado; 4. Secular, leigo; 5. fig. Estranho ou alheio a ideias ou conhecimentos sobre determinado assuntos. (FERREIRA, 1988, p. 531)

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lísticas na Revista Caras” e a complexidade de questões existentes entre o sagrado e profano no jornalismo e na construção social da realidade.

O JORNALISMO EM TEMPOS HIPERMODERNOS

As transformações ocorridas ao longo da história levaram o jornalismo a ser compreendido e trabalhado de maneiras distin-tas, em diferentes épocas. Na medida em que se compreende que o ato de narrar “[...] deriva da permanência de se estabelecerem modos de compreensão e entendimento do mundo em que se vive” (RESENDE, 2009), deduz-se que os modos de fazer jornalismo são dinâmicos e estão diretamente relacionados ao contexto no qual estão inseridos.

O vertiginoso desenvolvimento tecnológico, o crescente aprimoramento do conhecimento, a ininterrupta aceleração nas velocidades das comunicações e da manipulação dos dados, a capacidade de gerar, armazenar, recuperar, processar e transmitir informações em tempo real e todas as contradições e paradoxos imbuídos nesses processos são marcas definidoras do atual momento histórico. Marcas que transformaram radicalmente os modos de vida e a forma como as pessoas se relacionam. Essas transformações, entretanto, não resultaram do acaso, elas foram gestadas e construídas historicamente.

Atualmente, o universo acadêmico abriga um intenso debate sobre a denominação específica a ser dada ao atual momento mar-cado por uma variedade de adjetivações: modernidade tardia, pós-modernidade e hipermodernidade. Seja qual for a denominação ou o foco trabalhado pelos mais diversos autores, o fato é que se per-cebe, no atual momento, a presença de mudanças de paradigmas e adensamentos de estruturas advindas de um período do momento histórico anterior: a modernidade.

A hipermodernidade emerge trazendo visíveis mudanças na sociedade em suas várias faces. Essas transformações manifestam-se, principalmente, na forma como as diferentes áreas passam a

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

modernidade, as formas de fazer jornalismo se distanciam mais ra-pidamente da visão idealista daquilo que é considerado como um legítimo jornalismo que pelo menos em tese, prioriza a objetividade e a imparcialidade (o sagrado2) e cada vez mais se aproximam de um jornalismo considerado mais leve, com marcas de subjetivida-de, apelo à emoção, ao sensacionalismo e a espetacularização da notícia (o profano3).

Entretanto, é importante perceber que entre o sagrado e o profano existe uma multiplicidade de análises, de apropriações e questionamentos. A lógica do espetáculo é real e está presente em nossa sociedade, bem como a cultura subjacente a ela, o sensa-cionalismo, o entretenimento e as apropriações e representações midiáticas desses fenômenos. Então não basta negar essa realidade: é necessário analisá-la, questioná-la, compreendê-la.

Foi dessa teia de reflexões que emergiu o conjunto de ques-tionamentos que serviram de parâmetros norteadores para a cons-trução deste artigo, os quais são: Como a lógica da sociedade do espetáculo se manifesta na construção das notícias? Quais os ins-trumentos ou recursos utilizados no processo de espetacularização? Que simbologias são produzidas a partir da espetacularização das notícias? A espetacularização da notícia expressa uma realidade ou cria uma ficção? Como e por que o atual momento histórico amplia o espaço para o jornalismo espetacular?

Dada a amplitude do universo a que a sociedade do espetá-culo e a espetacularização da notícia contemplam, cedo brotou a necessidade de escolha de um objeto empírico. E foi assim que se chegou à definição da Revista Caras para o corpus da pesquisa, com a proposta de investigar “A Espetacularização das Narrativas Jorna-

2 Sagrado: (Adj.) 1. Que sagrou ou recebeu a consagração; 2. Concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto; sacro, santo.; 3. Inviolável, puro; 4. Pro-fundamente respeitável; venerável, santo; 5. Que não deve ser tocado, infringido, violado; 6. Que não se pode faltar; que não se pode deixar de cumprir; 7 aquilo que é ou foi sagrado. (FERREIRA, 1988, p. 582)

3 Profano: (Adj.) 1. Não pertencente à religião; 2. Contrário ao respeito devido às coisas sagradas; 3. Não sagrado; 4. Secular, leigo; 5. fig. Estranho ou alheio a ideias ou conhecimentos sobre determinado assuntos. (FERREIRA, 1988, p. 531)

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lísticas na Revista Caras” e a complexidade de questões existentes entre o sagrado e profano no jornalismo e na construção social da realidade.

O JORNALISMO EM TEMPOS HIPERMODERNOS

As transformações ocorridas ao longo da história levaram o jornalismo a ser compreendido e trabalhado de maneiras distin-tas, em diferentes épocas. Na medida em que se compreende que o ato de narrar “[...] deriva da permanência de se estabelecerem modos de compreensão e entendimento do mundo em que se vive” (RESENDE, 2009), deduz-se que os modos de fazer jornalismo são dinâmicos e estão diretamente relacionados ao contexto no qual estão inseridos.

O vertiginoso desenvolvimento tecnológico, o crescente aprimoramento do conhecimento, a ininterrupta aceleração nas velocidades das comunicações e da manipulação dos dados, a capacidade de gerar, armazenar, recuperar, processar e transmitir informações em tempo real e todas as contradições e paradoxos imbuídos nesses processos são marcas definidoras do atual momento histórico. Marcas que transformaram radicalmente os modos de vida e a forma como as pessoas se relacionam. Essas transformações, entretanto, não resultaram do acaso, elas foram gestadas e construídas historicamente.

Atualmente, o universo acadêmico abriga um intenso debate sobre a denominação específica a ser dada ao atual momento mar-cado por uma variedade de adjetivações: modernidade tardia, pós-modernidade e hipermodernidade. Seja qual for a denominação ou o foco trabalhado pelos mais diversos autores, o fato é que se per-cebe, no atual momento, a presença de mudanças de paradigmas e adensamentos de estruturas advindas de um período do momento histórico anterior: a modernidade.

A hipermodernidade emerge trazendo visíveis mudanças na sociedade em suas várias faces. Essas transformações manifestam-se, principalmente, na forma como as diferentes áreas passam a

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entender e a se relacionar com o mundo. A velocidade na ob-tenção de conhecimentos; a aparição de diferentes tecnologias e mídias; novas formas de aproveitamento de tempo e espaço; mer-cados mais exigentes; competitividade entre as empresas; novos formatos de socialização constituem alguns dos novos paradigmas da sociedade hipermoderna.

Nessa sociedade, nada é considerado absoluto, posto que a ló-gica cultural valoriza o relativismo, no qual não existem verdades absolutas, mas a verdade válida é a que corresponde à que funciona para o indivíduo. Nesse contexto a lógica, a ciência, a história e a moralidade são produtos da experiência e da interpretação indivi-dual, onde não há padrões a serem seguidos ou verdades absolutas a serem aceitas.

Entende-se que a narrativa é a própria compreensão do mundo em que se vive e se a percepção que se tem do mundo é tão plural, parece ser impossível conceber a narrativa de uma única forma, como se a audiência fizesse parte de uma massa homogênea com os mesmos interesses e valores. Nesse sentido, Ijuim (2007, p. 22) afirma:

Construir narrativas deve envolver uma contextualização preci-sa e profunda, fruto de uma observação/percepção cuidadosa dos fenômenos sociais. Para as narrativas contextualizadas há que se contemplar os nexos, as significações desejáveis à audiência, de modo que esta perceba os sentidos das mensagens na sua vida.

Dentro deste cenário cabe, então, a procura pela construção de narrativas que busquem a representação do mundo, que se pro-ponham a tecer as informações de uma forma diferente, produzindo sentidos, entendendo que a verdade é multifacetária e que em uma sociedade plural há muitas verdades e, portanto, muitas formas de narrá-las.

Uma das características marcantes dessa realidade, que assu-me um caráter central na análise aqui realizada, é a lógica do espe-táculo. Lógica essa que permeia grande parte das relações sociais e da representação feita pela mídia na construção simbólica da rea-lidade.

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A LÓGICA DO ESPETÁCULO

O fazer jornalístico em tempos hipermodernos pressupõe o entendimento de toda uma sociedade e suas implicações nos mais diversos campos, econômico, social, cultural e político.

Nesse estudo, considera-se que a hipermodernidade correspon-de ao adensamento da modernidade nos mais variados aspectos, sen-do o econômico preponderante para a compreensão da atual lógica que rege todo um comportamento da sociedade contemporânea.

Do adensamento da 3a fase do capitalismo – o capitalismo fi-nanceiro – emerge a nova etapa do capitalismo, denominada de capitalismo especulativo surgido entre o final dos anos 70 e início dos anos 80. O capitalismo especulativo corresponde à fase mais avançada do capitalismo.

Entende-se por capitalismo especulativo a ampliação do lu-cro sobre o capital produtivo, atrelando um valor fictício ao valor real do produto ou serviço a ser vendido, com vistas a obter lucros maiores e mais rápidos advindos da diferença do valor real e do valor comercial.

Essa forma contemporânea do capitalismo promove um redi-recionamento nas formas de acúmulo de capital, alicerçadas não somente pela produção ou pelo comércio, mas pela especulação em torno dos sistemas produtivos e comerciais.

Vê-se, nesse novo capitalismo, que há uma inversão nos valo-res de uso e de troca das mercadorias, na qual o valor de uso passa a ser um coadjuvante na relação e o valor abstrato ou de troca, aqui-lo que se especula sobre o que é a mercadoria (e que nem sempre corresponde à realidade) torna-se fundamental.

O valor de troca só pôde se formar como agente de valor de uso, mas as armas de sua vitória criam as condições de sua dominação autônoma. Ao mobilizar todo uso humano e ao assumir o mo-nopólio de sua satisfação, ele conseguiu dirigir o uso. O processo de troca identificou-se com os usos possíveis, os sujeitou. O valor de troca, condottiere do valor de uso, acaba guerreando por conta própria. (DEBORD, 1997, p. 33).

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entender e a se relacionar com o mundo. A velocidade na ob-tenção de conhecimentos; a aparição de diferentes tecnologias e mídias; novas formas de aproveitamento de tempo e espaço; mer-cados mais exigentes; competitividade entre as empresas; novos formatos de socialização constituem alguns dos novos paradigmas da sociedade hipermoderna.

Nessa sociedade, nada é considerado absoluto, posto que a ló-gica cultural valoriza o relativismo, no qual não existem verdades absolutas, mas a verdade válida é a que corresponde à que funciona para o indivíduo. Nesse contexto a lógica, a ciência, a história e a moralidade são produtos da experiência e da interpretação indivi-dual, onde não há padrões a serem seguidos ou verdades absolutas a serem aceitas.

Entende-se que a narrativa é a própria compreensão do mundo em que se vive e se a percepção que se tem do mundo é tão plural, parece ser impossível conceber a narrativa de uma única forma, como se a audiência fizesse parte de uma massa homogênea com os mesmos interesses e valores. Nesse sentido, Ijuim (2007, p. 22) afirma:

Construir narrativas deve envolver uma contextualização preci-sa e profunda, fruto de uma observação/percepção cuidadosa dos fenômenos sociais. Para as narrativas contextualizadas há que se contemplar os nexos, as significações desejáveis à audiência, de modo que esta perceba os sentidos das mensagens na sua vida.

Dentro deste cenário cabe, então, a procura pela construção de narrativas que busquem a representação do mundo, que se pro-ponham a tecer as informações de uma forma diferente, produzindo sentidos, entendendo que a verdade é multifacetária e que em uma sociedade plural há muitas verdades e, portanto, muitas formas de narrá-las.

Uma das características marcantes dessa realidade, que assu-me um caráter central na análise aqui realizada, é a lógica do espe-táculo. Lógica essa que permeia grande parte das relações sociais e da representação feita pela mídia na construção simbólica da rea-lidade.

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A LÓGICA DO ESPETÁCULO

O fazer jornalístico em tempos hipermodernos pressupõe o entendimento de toda uma sociedade e suas implicações nos mais diversos campos, econômico, social, cultural e político.

Nesse estudo, considera-se que a hipermodernidade correspon-de ao adensamento da modernidade nos mais variados aspectos, sen-do o econômico preponderante para a compreensão da atual lógica que rege todo um comportamento da sociedade contemporânea.

Do adensamento da 3a fase do capitalismo – o capitalismo fi-nanceiro – emerge a nova etapa do capitalismo, denominada de capitalismo especulativo surgido entre o final dos anos 70 e início dos anos 80. O capitalismo especulativo corresponde à fase mais avançada do capitalismo.

Entende-se por capitalismo especulativo a ampliação do lu-cro sobre o capital produtivo, atrelando um valor fictício ao valor real do produto ou serviço a ser vendido, com vistas a obter lucros maiores e mais rápidos advindos da diferença do valor real e do valor comercial.

Essa forma contemporânea do capitalismo promove um redi-recionamento nas formas de acúmulo de capital, alicerçadas não somente pela produção ou pelo comércio, mas pela especulação em torno dos sistemas produtivos e comerciais.

Vê-se, nesse novo capitalismo, que há uma inversão nos valo-res de uso e de troca das mercadorias, na qual o valor de uso passa a ser um coadjuvante na relação e o valor abstrato ou de troca, aqui-lo que se especula sobre o que é a mercadoria (e que nem sempre corresponde à realidade) torna-se fundamental.

O valor de troca só pôde se formar como agente de valor de uso, mas as armas de sua vitória criam as condições de sua dominação autônoma. Ao mobilizar todo uso humano e ao assumir o mo-nopólio de sua satisfação, ele conseguiu dirigir o uso. O processo de troca identificou-se com os usos possíveis, os sujeitou. O valor de troca, condottiere do valor de uso, acaba guerreando por conta própria. (DEBORD, 1997, p. 33).

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

A baixa tendência do valor de uso, a valorização do valor de troca aliada aos novos sistemas produtivos e aos novos padrões de consumo impulsionou a oferta de produtos e serviços ao merca-do de forma que os produtos oferecidos aos consumidores já não objetivam somente satisfazer a necessidade de sobrevivência, mas são voltados para satisfação do que Debord (1997) denomina de sobrevivência ampliada.

Entende-se por sobrevivência ampliada a necessidade que o consumidor contemporâneo tem de consumir além do que de fato precisa, de consumir algo real visando as possibilidades ilusórias que aquela mercadoria trará junto à sociedade. Segundo Debord (1997, p. 33) “é o momento em que o consumidor real torna-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real e o espetáculo sua manifestação geral.”

É nesse contexto que se constrói a lógica do espetáculo, tão presente em nossa sociedade. Na lógica do espetáculo, tudo é transformado em mercadoria, a mercadoria ganha vida própria na medida em que as pessoas são coisificadas. A própria essência do capitalismo e a natureza da mercadoria dentro dessa lógica4 gestam as condições materiais e simbólicas5 para edificação da sociedade do espetáculo. A clássica definição de Marx já sinaliza para essa realização. De acordo com autor:

A mercadoria é antes de tudo um objeto externo, uma coisa a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estô-mago ou da fantasia, não altera nada na coisa. (MARX, 1996, p. 165).

O fato é que ao se apropriar dessas necessidades, do estomago ou da fantasia, o capitalismo vislumbrou a possibilidade concreta de lucro e não mediu esforço para atingir seu propósito.

4 Dentro da lógica capitalista a produção de mercadorias só tem sentido se estas forem convertidas em valor de troca. O objetivo primordial da produção é o lucro e não satisfação de necessidades.

5 Das relações econômicas decorrem relações imateriais, construção de hábitos, costu-mes, visões de mundo, ideologias, culturas enfim.

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É conveniente enfatizar que a necessidade da fantasia e a sua utilização como estratégia de dominação não é privilégio do capita-lismo, uma vez que a mesma esteve presente em todos os momentos da história e faz parte da própria natureza humana. Entretanto, no capitalismo essa característica ganha contornos específicos, pois, é no capitalismo que essa tendência ou necessidade da natureza humana é transformada em objeto de compra e venda, ou seja, é transformada em mercadoria.

É interessante notar o quanto a lógica do espetáculo nos remete ao conceito de Marx (1996, p. 197), sobre o fetichismo da merca-doria. Segundo o autor, “à primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente, analisando-a vê-se que ela é uma coisa muito complicada cheia de sutilezas metafísicas e manhas teológicas.”

Tomando como referencial o conceito marxiano de fetichismo da mercadoria, Chauí (2008, p. 54-55) explica que:

[...] a mercadoria é uma realidade social. No entanto o trabalha-dor e os demais membros da sociedade capitalista não percebem que a mercadoria, por ser produto do trabalho, exprime relações sociais determinadas. Percebem a mercadoria como uma coisa do-tada de valor de uso (utilidade) e de valor de troca (preço). Ela é percebida e consumida como uma simples coisa. Assim, em lugar de a mercadoria aparecer como resultado de relações sociais en-quanto relações de produção, ela aparece como um bem que se compra e se consome. Aparece como valendo por si mesma e em si mesma, como se fosse um dom natural das próprias coisas.

Assim, as sutilezas metafísicas e teológicas da mercadoria assu-mem proporções mais significativas quando materializam em merca-doria especial aquilo que funciona como equivalente geral para to-das as outras: o dinheiro. A este respeito, Chauí (2008) destaca que:

E como o dinheiro também é mercadoria (aquela mercadoria que serve para estabelecer um equivalente social geral para todas as mercadorias), tem início uma relação fantástica das mercadorias umas com as outras. [...] As coisas-mercadorias começam, pois, a relacionarem-se umas com as outras como se fosse sujeitos sociais dotados de vida própria (um apartamento estilo ‘mediterrâneo’

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A baixa tendência do valor de uso, a valorização do valor de troca aliada aos novos sistemas produtivos e aos novos padrões de consumo impulsionou a oferta de produtos e serviços ao merca-do de forma que os produtos oferecidos aos consumidores já não objetivam somente satisfazer a necessidade de sobrevivência, mas são voltados para satisfação do que Debord (1997) denomina de sobrevivência ampliada.

Entende-se por sobrevivência ampliada a necessidade que o consumidor contemporâneo tem de consumir além do que de fato precisa, de consumir algo real visando as possibilidades ilusórias que aquela mercadoria trará junto à sociedade. Segundo Debord (1997, p. 33) “é o momento em que o consumidor real torna-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real e o espetáculo sua manifestação geral.”

É nesse contexto que se constrói a lógica do espetáculo, tão presente em nossa sociedade. Na lógica do espetáculo, tudo é transformado em mercadoria, a mercadoria ganha vida própria na medida em que as pessoas são coisificadas. A própria essência do capitalismo e a natureza da mercadoria dentro dessa lógica4 gestam as condições materiais e simbólicas5 para edificação da sociedade do espetáculo. A clássica definição de Marx já sinaliza para essa realização. De acordo com autor:

A mercadoria é antes de tudo um objeto externo, uma coisa a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estô-mago ou da fantasia, não altera nada na coisa. (MARX, 1996, p. 165).

O fato é que ao se apropriar dessas necessidades, do estomago ou da fantasia, o capitalismo vislumbrou a possibilidade concreta de lucro e não mediu esforço para atingir seu propósito.

4 Dentro da lógica capitalista a produção de mercadorias só tem sentido se estas forem convertidas em valor de troca. O objetivo primordial da produção é o lucro e não satisfação de necessidades.

5 Das relações econômicas decorrem relações imateriais, construção de hábitos, costu-mes, visões de mundo, ideologias, culturas enfim.

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É conveniente enfatizar que a necessidade da fantasia e a sua utilização como estratégia de dominação não é privilégio do capita-lismo, uma vez que a mesma esteve presente em todos os momentos da história e faz parte da própria natureza humana. Entretanto, no capitalismo essa característica ganha contornos específicos, pois, é no capitalismo que essa tendência ou necessidade da natureza humana é transformada em objeto de compra e venda, ou seja, é transformada em mercadoria.

É interessante notar o quanto a lógica do espetáculo nos remete ao conceito de Marx (1996, p. 197), sobre o fetichismo da merca-doria. Segundo o autor, “à primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente, analisando-a vê-se que ela é uma coisa muito complicada cheia de sutilezas metafísicas e manhas teológicas.”

Tomando como referencial o conceito marxiano de fetichismo da mercadoria, Chauí (2008, p. 54-55) explica que:

[...] a mercadoria é uma realidade social. No entanto o trabalha-dor e os demais membros da sociedade capitalista não percebem que a mercadoria, por ser produto do trabalho, exprime relações sociais determinadas. Percebem a mercadoria como uma coisa do-tada de valor de uso (utilidade) e de valor de troca (preço). Ela é percebida e consumida como uma simples coisa. Assim, em lugar de a mercadoria aparecer como resultado de relações sociais en-quanto relações de produção, ela aparece como um bem que se compra e se consome. Aparece como valendo por si mesma e em si mesma, como se fosse um dom natural das próprias coisas.

Assim, as sutilezas metafísicas e teológicas da mercadoria assu-mem proporções mais significativas quando materializam em merca-doria especial aquilo que funciona como equivalente geral para to-das as outras: o dinheiro. A este respeito, Chauí (2008) destaca que:

E como o dinheiro também é mercadoria (aquela mercadoria que serve para estabelecer um equivalente social geral para todas as mercadorias), tem início uma relação fantástica das mercadorias umas com as outras. [...] As coisas-mercadorias começam, pois, a relacionarem-se umas com as outras como se fosse sujeitos sociais dotados de vida própria (um apartamento estilo ‘mediterrâneo’

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vale ‘um modo de viver’, um cigarro vale ‘um estilo de viver’, um automóvel zero km vale ‘um jeito de viver’, uma bebida vale ‘a alegria de viver’, uma calça vale ‘uma vida jovem’ etc.

Seguindo o mesmo raciocínio, Singer (1987, p. 7-8) nos diz que na sociedade capitalista:

Todos querem dinheiro porque com ele tudo pode ser comprado – todas as coisas desejáveis estão à venda, são mercadorias. Isso ob-viamente não é verdade estrita. Amor, fidelidade, paz de espírito ou um bom prato de comida caseira ainda podem ser encontrados no intercâmbio interpessoal, ou seja, no inter-relacionamento das pessoas, sem pagamente em ‘espécie’, isto é, sem a moeda legal do país. Mas existe no capitalismo a tendência de transformar tudo o que é desejável em objeto de comércio. Amor mesmo não pode ser comprado, mas sexo pode, e sucedâneos sobre a forma de cachor-rinhos ou bichanos também.

Dessa concepção, extrai-se o entendimento de que a merca-doria traz em sua essência um poder sobrenatural ao tornar-se obje-to de desejo capaz de influenciar na identidade de seu proprietário ao ponto de fazê-lo se sentir melhor ou maior pela posse do produ-to. Assim, a mercadoria transcende seu valor de uso. A roupa, por exemplo, já não serve simplesmente para vestir o corpo, mas visa definir um status social. Ao comprar uma Mercedes o consumidor não está buscando simplesmente adquirir um meio de transporte e sim edificar a imagem de um indivíduo rico, poderoso, bem-sucedi-do e desejável. Eis o fetiche da mercadoria.

Chauí (2008, p. 56) explica ainda que esse fetiche se dá em dois momentos:

O primeiro momento do fetichismo é este. A mercadoria é um fetiche (no sentido religioso da palavra), uma coisa que existe em si e por si. O segundo momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte: assim como fetiche religioso (deuses, objetos, símbo-los, gesto) tem poder sobre seus crentes ou adoradores, domina--os como uma força estranha, assim também age a mercadoria. O mundo transforma-se numa imensa fantasmagoria.

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Dessa forma, o capitalismo especulativo intensifica a exaltação do poderio de bens. E essa característica passa a permear pratica-mente todas as relações entre as pessoas, moldando opiniões e com-portamentos da sociedade em que se vive. Vê-se que este cenário – o parecer torna-se o paradigma dominante – passa a afetar dire-tamente a maneira de as pessoas se comportarem, se relacionarem.

As relações que se estabelecem nessa sociedade, seguem a lógi-ca do parecer, de modo que quanto mais o indivíduo aparentar ter, mais valor ele terá. Assim, o parecer se torna real na medida em que cria uma realidade capaz de movimentar as relações entre as pessoas.

A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social le-vou, na definição de toda realização humana, a uma evidente de-gradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que o ‘ter’ efetivo perde seu prestígio imediato em função da última. (DE-BORD, 1997, p.18).

De acordo com Debord, essa hipervalorização do parecer en-tre os sujeitos sociais é o que dá origem à lógica do espetáculo nas sociedades: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as moder-nas condições de produção se apresenta como uma imensa acumu-lação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p.13).

Ainda na concepção deste autor, a sociedade do espetáculo faz referência a um mundo de aparência mediado por imagens e versa sobre a lógica de que todas as relações da vida viraram um show, no qual o indivíduo faz um show de si mesmo e se relaciona com os outros indivíduos como se estivesse fazendo um espetáculo. A ideia sempre presente é a de imagens mediadas por imagens – o parecer.

É como se as pessoas se relacionassem por imagens – a partir de uma projeção de imagens – partindo da premissa de que ao olhar para o outro (transformado em show) o indivíduo consegue iden-tificá-lo como isso ou aquilo - pois somente o parecer é suficiente para categorizá-lo.

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vale ‘um modo de viver’, um cigarro vale ‘um estilo de viver’, um automóvel zero km vale ‘um jeito de viver’, uma bebida vale ‘a alegria de viver’, uma calça vale ‘uma vida jovem’ etc.

Seguindo o mesmo raciocínio, Singer (1987, p. 7-8) nos diz que na sociedade capitalista:

Todos querem dinheiro porque com ele tudo pode ser comprado – todas as coisas desejáveis estão à venda, são mercadorias. Isso ob-viamente não é verdade estrita. Amor, fidelidade, paz de espírito ou um bom prato de comida caseira ainda podem ser encontrados no intercâmbio interpessoal, ou seja, no inter-relacionamento das pessoas, sem pagamente em ‘espécie’, isto é, sem a moeda legal do país. Mas existe no capitalismo a tendência de transformar tudo o que é desejável em objeto de comércio. Amor mesmo não pode ser comprado, mas sexo pode, e sucedâneos sobre a forma de cachor-rinhos ou bichanos também.

Dessa concepção, extrai-se o entendimento de que a merca-doria traz em sua essência um poder sobrenatural ao tornar-se obje-to de desejo capaz de influenciar na identidade de seu proprietário ao ponto de fazê-lo se sentir melhor ou maior pela posse do produ-to. Assim, a mercadoria transcende seu valor de uso. A roupa, por exemplo, já não serve simplesmente para vestir o corpo, mas visa definir um status social. Ao comprar uma Mercedes o consumidor não está buscando simplesmente adquirir um meio de transporte e sim edificar a imagem de um indivíduo rico, poderoso, bem-sucedi-do e desejável. Eis o fetiche da mercadoria.

Chauí (2008, p. 56) explica ainda que esse fetiche se dá em dois momentos:

O primeiro momento do fetichismo é este. A mercadoria é um fetiche (no sentido religioso da palavra), uma coisa que existe em si e por si. O segundo momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte: assim como fetiche religioso (deuses, objetos, símbo-los, gesto) tem poder sobre seus crentes ou adoradores, domina--os como uma força estranha, assim também age a mercadoria. O mundo transforma-se numa imensa fantasmagoria.

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Dessa forma, o capitalismo especulativo intensifica a exaltação do poderio de bens. E essa característica passa a permear pratica-mente todas as relações entre as pessoas, moldando opiniões e com-portamentos da sociedade em que se vive. Vê-se que este cenário – o parecer torna-se o paradigma dominante – passa a afetar dire-tamente a maneira de as pessoas se comportarem, se relacionarem.

As relações que se estabelecem nessa sociedade, seguem a lógi-ca do parecer, de modo que quanto mais o indivíduo aparentar ter, mais valor ele terá. Assim, o parecer se torna real na medida em que cria uma realidade capaz de movimentar as relações entre as pessoas.

A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social le-vou, na definição de toda realização humana, a uma evidente de-gradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que o ‘ter’ efetivo perde seu prestígio imediato em função da última. (DE-BORD, 1997, p.18).

De acordo com Debord, essa hipervalorização do parecer en-tre os sujeitos sociais é o que dá origem à lógica do espetáculo nas sociedades: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as moder-nas condições de produção se apresenta como uma imensa acumu-lação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p.13).

Ainda na concepção deste autor, a sociedade do espetáculo faz referência a um mundo de aparência mediado por imagens e versa sobre a lógica de que todas as relações da vida viraram um show, no qual o indivíduo faz um show de si mesmo e se relaciona com os outros indivíduos como se estivesse fazendo um espetáculo. A ideia sempre presente é a de imagens mediadas por imagens – o parecer.

É como se as pessoas se relacionassem por imagens – a partir de uma projeção de imagens – partindo da premissa de que ao olhar para o outro (transformado em show) o indivíduo consegue iden-tificá-lo como isso ou aquilo - pois somente o parecer é suficiente para categorizá-lo.

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Debord (1997) também considera que o espetáculo correspon-de ao momento em que a mercadoria ocupou a vida das pessoas. Na sociedade capitalista do capitalismo especulativo, as pessoas se rela-cionam como mercadoria, na qual vale mais quem parece ter mais.

Se dentro da lógica do espetáculo tudo se torna mercadoria, autoimagem também se converte em objeto de compra e venda, pois representa um importante poder de negociação na sociedade em que se vive, qualquer que seja o lugar que se quer ocupar. Isso é vender.

Para analisar a relação entre ser e parecer por meio de geren-ciamento da autoimagem na sociedade atual, recorre-se à categoria performance, tal como foi analisada por Goffman (2009). Embora o conceito de performance de Goffman tenha sido desenvolvido em 1959 e não tenha uma ligação com mídia, este mostrou-se significa-tivamente relevante para a formulação de analogias referente às re-lações sociais do mundo contemporâneo e a sua representação mi-diática, bem como sua estreita relação com a lógica do espetáculo.

Para Goffman (2009), é necessário entender que todas as rela-ções entre os sujeitos são mediadas por performances. A performance é algo que é constitutivo, inerente a toda relação intersubjetiva. As-sim, em toda relação entre sujeitos está presente uma performance.

Não tem a ver com verdade ou mentira, performance não é representação, não é encenação e não é teatro. É uma face da ver-dade. Isso porque ocupamos diversos papéis e junto a cada um deles precisamos ter uma performance diferente.

Nessa perspectiva, performance é um jogo de projeções de ima-gens para tentar controlar a impressão do outro. Uma performance advém do desejo e/ou da necessidade do indivíduo em representar um determinado papel social e consequentemente em definir a for-ma como ele quer que os outros o vejam. As pessoas desejam ser respeitadas, autorizadas, desejam despertar admiração ou piedade, desejam ganhar coisas. É esse o jogo de projeções de imagens que o indivíduo quer estabelecer, controlando o máximo possível a ideia que o outro irá construir dele, buscando nessa relação uma coe-rência entre o papel que deseja ocupar, a performance e a impressão causada no interlocutor. Assim, ao realizar sua performance, o in-

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divíduo deseja que outros o olhem de uma determinada maneira, deseja adquirir respeito, prestígio, poder e, para isso, utiliza imagens que o projetarão da forma que lhe convém que o vejam.

Para Goffman (2009), as táticas e os mecanismos que são ope-rados por cada sujeito passam pelo gerenciamento dessa autoima-gem. Desse jogo nasce a performance.

O gerenciamento, as táticas e os mecanismos fazem parte de um sistema simbólico (imagético) que leva em consideração to-das as comunicações não verbais (vestuário, trejeitos, expressões, etc...). Todo esse sistema remete a uma imagem, logo é essencial-mente imagético. Dessa forma, os sujeitos sociais se utilizam de per-formances na contínua busca do parecer.

Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente so-licita de seus observadores que levem a sério a impressão susten-tada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir [...] (GOFFMAN, 2009, p. 25).

É como se o indivíduo utilizasse uma tática para autogerenciar a imagem que quer passar, entendendo que para isso deve levar em con-sideração não somente o critério de visualidade (pensando a imagem só como algo que é visto), mas também o pressuposto de que o pare-cer envolve todo um sistema simbólico (imagético) que leva em conta outros elementos. Não é só o que é visto, e sim como o individuo é percebido como um todo, levando-se em consideração, por exemplo, o contexto histórico, social, as relações, o texto, a entonação etc.

Na sociedade do espetáculo, em que as relações entre os su-jeitos são mediadas por performances, domina a lógica do parecer sendo, portanto, necessário que a mídia procure elaborar estraté-gias que levem em consideração as características dessa sociedade.

É com base nessas performances e na projeção espetacular de imagens que as pessoas identificam, conceituam e categorizam umas as outras. É também sobre essa base que o indivíduo terá ou não êxito, será categorizado como alguém bem ou malsucedido, mais ou menos poderoso, de maior ou de menor prestígio social.

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Debord (1997) também considera que o espetáculo correspon-de ao momento em que a mercadoria ocupou a vida das pessoas. Na sociedade capitalista do capitalismo especulativo, as pessoas se rela-cionam como mercadoria, na qual vale mais quem parece ter mais.

Se dentro da lógica do espetáculo tudo se torna mercadoria, autoimagem também se converte em objeto de compra e venda, pois representa um importante poder de negociação na sociedade em que se vive, qualquer que seja o lugar que se quer ocupar. Isso é vender.

Para analisar a relação entre ser e parecer por meio de geren-ciamento da autoimagem na sociedade atual, recorre-se à categoria performance, tal como foi analisada por Goffman (2009). Embora o conceito de performance de Goffman tenha sido desenvolvido em 1959 e não tenha uma ligação com mídia, este mostrou-se significa-tivamente relevante para a formulação de analogias referente às re-lações sociais do mundo contemporâneo e a sua representação mi-diática, bem como sua estreita relação com a lógica do espetáculo.

Para Goffman (2009), é necessário entender que todas as rela-ções entre os sujeitos são mediadas por performances. A performance é algo que é constitutivo, inerente a toda relação intersubjetiva. As-sim, em toda relação entre sujeitos está presente uma performance.

Não tem a ver com verdade ou mentira, performance não é representação, não é encenação e não é teatro. É uma face da ver-dade. Isso porque ocupamos diversos papéis e junto a cada um deles precisamos ter uma performance diferente.

Nessa perspectiva, performance é um jogo de projeções de ima-gens para tentar controlar a impressão do outro. Uma performance advém do desejo e/ou da necessidade do indivíduo em representar um determinado papel social e consequentemente em definir a for-ma como ele quer que os outros o vejam. As pessoas desejam ser respeitadas, autorizadas, desejam despertar admiração ou piedade, desejam ganhar coisas. É esse o jogo de projeções de imagens que o indivíduo quer estabelecer, controlando o máximo possível a ideia que o outro irá construir dele, buscando nessa relação uma coe-rência entre o papel que deseja ocupar, a performance e a impressão causada no interlocutor. Assim, ao realizar sua performance, o in-

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divíduo deseja que outros o olhem de uma determinada maneira, deseja adquirir respeito, prestígio, poder e, para isso, utiliza imagens que o projetarão da forma que lhe convém que o vejam.

Para Goffman (2009), as táticas e os mecanismos que são ope-rados por cada sujeito passam pelo gerenciamento dessa autoima-gem. Desse jogo nasce a performance.

O gerenciamento, as táticas e os mecanismos fazem parte de um sistema simbólico (imagético) que leva em consideração to-das as comunicações não verbais (vestuário, trejeitos, expressões, etc...). Todo esse sistema remete a uma imagem, logo é essencial-mente imagético. Dessa forma, os sujeitos sociais se utilizam de per-formances na contínua busca do parecer.

Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente so-licita de seus observadores que levem a sério a impressão susten-tada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir [...] (GOFFMAN, 2009, p. 25).

É como se o indivíduo utilizasse uma tática para autogerenciar a imagem que quer passar, entendendo que para isso deve levar em con-sideração não somente o critério de visualidade (pensando a imagem só como algo que é visto), mas também o pressuposto de que o pare-cer envolve todo um sistema simbólico (imagético) que leva em conta outros elementos. Não é só o que é visto, e sim como o individuo é percebido como um todo, levando-se em consideração, por exemplo, o contexto histórico, social, as relações, o texto, a entonação etc.

Na sociedade do espetáculo, em que as relações entre os su-jeitos são mediadas por performances, domina a lógica do parecer sendo, portanto, necessário que a mídia procure elaborar estraté-gias que levem em consideração as características dessa sociedade.

É com base nessas performances e na projeção espetacular de imagens que as pessoas identificam, conceituam e categorizam umas as outras. É também sobre essa base que o indivíduo terá ou não êxito, será categorizado como alguém bem ou malsucedido, mais ou menos poderoso, de maior ou de menor prestígio social.

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Na sociedade do espetáculo conseguirá sobressair-se aquele que conseguir elaborar o melhor show, o espetáculo de si mesmo, como afirma Sibilia (2008, p, 50): “[...] a espetacularização da inti-midade cotidiana torna-se habitual, com todo um arsenal de técni-cas de estilização das experiências de vida e da própria personalida-de para “ficar bem na foto”.

Para elaborar o melhor show de si mesmo, os sujeitos passam a se apresentar, não somente em eventos especiais, mas, cotidiana-mente, de maneira performática, como se estivessem participando de um filme – em que todos os detalhes são meticulosamente pen-sados, como forma de “facilitar” as relações. Eis o paradigma que reina na atualidade.

Por trás dessa lógica está todo um sistema simbólico e é impor-tante reconhecer que a cultura da mídia é um grande manancial, uma grande fonte desse sistema simbólico por dois motivos: primei-ro por ser a principal construtora de papeis ideais e segundo por ser a grande inspiradora da construção de performances.

A INFORMAÇÃO COMO ESPETÁCULO

A construção das notícias baseadas na espetacularização (um híbrido de espetáculo e sensacionalismo) aparece nos dias atuais como uma característica cada vez mais frequente nas narrativas jornalísticas, sendo consideradas pela indústria da mídia como im-portante instrumento para conquistar a audiência.

Com base em diversos autores, dentre os quais Kellner, pode-se dizer que essa tendência é um reflexo da lógica de mercantiliza-ção priorizada pela indústria da mídia. A cultura da mídia, segundo o autor, “promove espetáculos cada vez mais sofisticados para con-quistar audiências e aumentar o poder e o lucro da indústria cultu-ral” (KELLNER, 2006, p. 119). Nessa mesma linha de pensamento, Schiavo (2010, p. 6) destaca que: “A lógica do espetáculo da notí-cia se apóia na própria concepção da indústria cultural, onde tudo tem sentido mercantil.”

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Ao produzir um sentido que transita com desenvoltura entre a ficção e a realidade, a espetacularização da notícia atrai audiência porque encanta e seduz o público, criando universos imaginários paralelos nos quais reina a emoção. Essa estratégia é capaz de con-quistar multidões e garantir lucros cada vez maiores.

Assim, para atingir seus objetivos, a mídia passa a produzir narrativas permeadas pela lógica do espetáculo. Notícias em que tudo deve parecer grandioso, melhor, mais bonito, maior como for-ma de proporcionar a sedução da audiência utilizando, para isso, elementos como a supervalorização da imagem, supremacia da emoção, a dramatização na narração, fragmentação, além de outras estratégias. Arbex Júnior (2002, p.32) compreende a espetaculari-zação da notícia como um “enfraquecimento ou apagamento total da fronteira entre o real e o fictício”.

À luz do pensamento de Kellner (2006), é possível afirmar que, ao espetacularizar a notícia e seduzir a audiência, a mídia pas-sa a funcionar como uma das grandes responsáveis pelo triunfo do espetáculo. Dos espetáculos mais simples aos mais complexos, “A cultura da mídia não aborda apenas os grandes momentos da vida comum, mas proporciona também material ainda mais farto para as fantasias e sonhos, modelando o pensamento, o comportamento e as identidades” (KELLNER, 2006, p.119).

Assim, na sociedade do espetáculo os parâmetros norteadores da construção da notícia ganham outras configurações. De acordo com Moraes (2005, p. 69):

Apesar de bastante teorizado o conceito de notícia sempre deixou aberturas para interpretações dúbias ou mesmo mostrou-se insufi-ciente e contraditório. Uma das causas desse fato reside na própria mudança na noção de realidade pela qual vem passando a socie-dade nas últimas décadas, mudança essa baseada principalmente, [...] no desejo de entretenimento.

Partindo dessa perspectiva e tomando como referências as re-flexões de Dejavite (2008), é possível inferir que a conjunção en-tre a informação e entretenimento, conhecido por infotenimento,

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

Na sociedade do espetáculo conseguirá sobressair-se aquele que conseguir elaborar o melhor show, o espetáculo de si mesmo, como afirma Sibilia (2008, p, 50): “[...] a espetacularização da inti-midade cotidiana torna-se habitual, com todo um arsenal de técni-cas de estilização das experiências de vida e da própria personalida-de para “ficar bem na foto”.

Para elaborar o melhor show de si mesmo, os sujeitos passam a se apresentar, não somente em eventos especiais, mas, cotidiana-mente, de maneira performática, como se estivessem participando de um filme – em que todos os detalhes são meticulosamente pen-sados, como forma de “facilitar” as relações. Eis o paradigma que reina na atualidade.

Por trás dessa lógica está todo um sistema simbólico e é impor-tante reconhecer que a cultura da mídia é um grande manancial, uma grande fonte desse sistema simbólico por dois motivos: primei-ro por ser a principal construtora de papeis ideais e segundo por ser a grande inspiradora da construção de performances.

A INFORMAÇÃO COMO ESPETÁCULO

A construção das notícias baseadas na espetacularização (um híbrido de espetáculo e sensacionalismo) aparece nos dias atuais como uma característica cada vez mais frequente nas narrativas jornalísticas, sendo consideradas pela indústria da mídia como im-portante instrumento para conquistar a audiência.

Com base em diversos autores, dentre os quais Kellner, pode-se dizer que essa tendência é um reflexo da lógica de mercantiliza-ção priorizada pela indústria da mídia. A cultura da mídia, segundo o autor, “promove espetáculos cada vez mais sofisticados para con-quistar audiências e aumentar o poder e o lucro da indústria cultu-ral” (KELLNER, 2006, p. 119). Nessa mesma linha de pensamento, Schiavo (2010, p. 6) destaca que: “A lógica do espetáculo da notí-cia se apóia na própria concepção da indústria cultural, onde tudo tem sentido mercantil.”

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Ao produzir um sentido que transita com desenvoltura entre a ficção e a realidade, a espetacularização da notícia atrai audiência porque encanta e seduz o público, criando universos imaginários paralelos nos quais reina a emoção. Essa estratégia é capaz de con-quistar multidões e garantir lucros cada vez maiores.

Assim, para atingir seus objetivos, a mídia passa a produzir narrativas permeadas pela lógica do espetáculo. Notícias em que tudo deve parecer grandioso, melhor, mais bonito, maior como for-ma de proporcionar a sedução da audiência utilizando, para isso, elementos como a supervalorização da imagem, supremacia da emoção, a dramatização na narração, fragmentação, além de outras estratégias. Arbex Júnior (2002, p.32) compreende a espetaculari-zação da notícia como um “enfraquecimento ou apagamento total da fronteira entre o real e o fictício”.

À luz do pensamento de Kellner (2006), é possível afirmar que, ao espetacularizar a notícia e seduzir a audiência, a mídia pas-sa a funcionar como uma das grandes responsáveis pelo triunfo do espetáculo. Dos espetáculos mais simples aos mais complexos, “A cultura da mídia não aborda apenas os grandes momentos da vida comum, mas proporciona também material ainda mais farto para as fantasias e sonhos, modelando o pensamento, o comportamento e as identidades” (KELLNER, 2006, p.119).

Assim, na sociedade do espetáculo os parâmetros norteadores da construção da notícia ganham outras configurações. De acordo com Moraes (2005, p. 69):

Apesar de bastante teorizado o conceito de notícia sempre deixou aberturas para interpretações dúbias ou mesmo mostrou-se insufi-ciente e contraditório. Uma das causas desse fato reside na própria mudança na noção de realidade pela qual vem passando a socie-dade nas últimas décadas, mudança essa baseada principalmente, [...] no desejo de entretenimento.

Partindo dessa perspectiva e tomando como referências as re-flexões de Dejavite (2008), é possível inferir que a conjunção en-tre a informação e entretenimento, conhecido por infotenimento,

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constitui-se em uma importante estratégia para espetacularização da notícia. Contudo, conforme explica Kellner, esse não é um fe-nômeno recente, mas é necessário perceber que na atualidade ele ganha dimensões mais intensas. A este respeito Kellner (2006, p. 120) explica que:

O entretenimento popular há muito tem suas raízes no espetáculo, enquanto a guerra, a religião, os esportes e outros domínios da vida pública foram terrenos férteis para a propagação do espetáculo por séculos. Agora, com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e multimídia, os tecnoespetáculos, vêm moldando de-cisivamente os contornos e trajetórias das sociedades e culturas atuais, ao menos nos países capitalistas avançados. O espetáculo midiático também se tornou um elemento determinante numa era de terrorismo e guerra.

Moraes (2005) ressalta que a competição entre as grandes organizações jornalísticas refletiu-se diretamente na forma e no conteúdo das notícias, que passaram a ser norteadas no sentido do entretenimento. A autora explica que “foi no âmbito dessa luta por audiência que o jornalismo se aproximou cada vez mais do que é diversão, criando (ou sofisticando), muitas vezes uma modalidade informativa que prioriza o espetacular” (MORAES, 2005, p. 70). Ganharam espaço o jornalismo centrado no mercado e as notícias leves. A utilização do infotenimento nas narrativas jornalísticas tor-nou-se comum, apresentando-se de forma cada vez mais adensada.

Esse adensamento ocorre por que a indústria da mídia - regida pela lógica capitalista e imersa em um mercado altamente compe-titivo - ao utilizar-se cada vez mais de estratégias que garantam a audiência, encontrou no infotenimento um grande e importante trunfo capaz de proporcionar lucros expressivos, e para garantir os lucros busca conhecer e satisfazer os desejos do receptor.

Percebe-se, então, que o receptor na contemporaneidade es-pera encontrar uma narrativa que ao mesmo tempo satisfaça suas necessidades e interesses de informação, dê sentido à sua realida-de, mas também divirta, distraia e o alivie das tensões do dia-a-dia. É neste cenário que o jornalismo de entretenimento se apóia,

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concatenando as intenções editoriais e mercadológicas com as ne-cessidades do receptor.

Tais narrativas, conforme Dejavite (2006, p. 99), conquistam o leitor por apresentar características tais como:

Textos leves e atrativos com linguagem coloquial, onde o leitor vivencia e se identifica com a notícia;

Utilização de adjetivos e advérbios;

Estímulo à distração e à curiosidade, extravasamento de frustra-ções e produção de emoções;

Foco na personalização, dramatização, revelação de segredo.

Com base em Kellner (2006), identifica-se como narrativas de infotenimento também as matérias que envolvem temas como arquitetura, artes, beleza, casa e decoração, celebridades e perso-nalidades, cinema, cultura, eventos, moda, publicidade, turismo, televisão e vídeo, comportamento, só para citar alguns dos quase quarenta temas que compõem a lista desse tipo de narrativa.

Ao se analisar a estética das narrativas de infotenimento, per-cebe-se a estreita ligação de suas estratégias com as características do sensacionalismo, pois ambas procuram apoiar-se na pedagogia das sensações.

Dessa forma, pode-se se compreender que, em tempos hiper-modernos, o infotenimento e o sensacionalismo estão diretamente relacionados, configurando-se como elementos importantes para a espetacularização da notícia. É nesse contexto que Dejavite (2008, p. 38) afirma: “O entretenimento junto a informação aparece como um dos valores emergentes do cenário contemporâneo”. De acor-do com Kellner (2006, p. 119), “as formas de entretenimento per-meiam notícias e dados, e uma cultura de infoentretenimento tab-loidizada está cada vez mais popular”.

Assim, observa-se que na atualidade é cada vez mais comum a construção de narrativas que misturam a informação ao entre-tenimento. Percebe-se quanto é crescente a quantidade de mídias tradicionais que se utilizam dessa estratégia. Tal fenômeno pode ser

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

constitui-se em uma importante estratégia para espetacularização da notícia. Contudo, conforme explica Kellner, esse não é um fe-nômeno recente, mas é necessário perceber que na atualidade ele ganha dimensões mais intensas. A este respeito Kellner (2006, p. 120) explica que:

O entretenimento popular há muito tem suas raízes no espetáculo, enquanto a guerra, a religião, os esportes e outros domínios da vida pública foram terrenos férteis para a propagação do espetáculo por séculos. Agora, com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e multimídia, os tecnoespetáculos, vêm moldando de-cisivamente os contornos e trajetórias das sociedades e culturas atuais, ao menos nos países capitalistas avançados. O espetáculo midiático também se tornou um elemento determinante numa era de terrorismo e guerra.

Moraes (2005) ressalta que a competição entre as grandes organizações jornalísticas refletiu-se diretamente na forma e no conteúdo das notícias, que passaram a ser norteadas no sentido do entretenimento. A autora explica que “foi no âmbito dessa luta por audiência que o jornalismo se aproximou cada vez mais do que é diversão, criando (ou sofisticando), muitas vezes uma modalidade informativa que prioriza o espetacular” (MORAES, 2005, p. 70). Ganharam espaço o jornalismo centrado no mercado e as notícias leves. A utilização do infotenimento nas narrativas jornalísticas tor-nou-se comum, apresentando-se de forma cada vez mais adensada.

Esse adensamento ocorre por que a indústria da mídia - regida pela lógica capitalista e imersa em um mercado altamente compe-titivo - ao utilizar-se cada vez mais de estratégias que garantam a audiência, encontrou no infotenimento um grande e importante trunfo capaz de proporcionar lucros expressivos, e para garantir os lucros busca conhecer e satisfazer os desejos do receptor.

Percebe-se, então, que o receptor na contemporaneidade es-pera encontrar uma narrativa que ao mesmo tempo satisfaça suas necessidades e interesses de informação, dê sentido à sua realida-de, mas também divirta, distraia e o alivie das tensões do dia-a-dia. É neste cenário que o jornalismo de entretenimento se apóia,

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concatenando as intenções editoriais e mercadológicas com as ne-cessidades do receptor.

Tais narrativas, conforme Dejavite (2006, p. 99), conquistam o leitor por apresentar características tais como:

Textos leves e atrativos com linguagem coloquial, onde o leitor vivencia e se identifica com a notícia;

Utilização de adjetivos e advérbios;

Estímulo à distração e à curiosidade, extravasamento de frustra-ções e produção de emoções;

Foco na personalização, dramatização, revelação de segredo.

Com base em Kellner (2006), identifica-se como narrativas de infotenimento também as matérias que envolvem temas como arquitetura, artes, beleza, casa e decoração, celebridades e perso-nalidades, cinema, cultura, eventos, moda, publicidade, turismo, televisão e vídeo, comportamento, só para citar alguns dos quase quarenta temas que compõem a lista desse tipo de narrativa.

Ao se analisar a estética das narrativas de infotenimento, per-cebe-se a estreita ligação de suas estratégias com as características do sensacionalismo, pois ambas procuram apoiar-se na pedagogia das sensações.

Dessa forma, pode-se se compreender que, em tempos hiper-modernos, o infotenimento e o sensacionalismo estão diretamente relacionados, configurando-se como elementos importantes para a espetacularização da notícia. É nesse contexto que Dejavite (2008, p. 38) afirma: “O entretenimento junto a informação aparece como um dos valores emergentes do cenário contemporâneo”. De acor-do com Kellner (2006, p. 119), “as formas de entretenimento per-meiam notícias e dados, e uma cultura de infoentretenimento tab-loidizada está cada vez mais popular”.

Assim, observa-se que na atualidade é cada vez mais comum a construção de narrativas que misturam a informação ao entre-tenimento. Percebe-se quanto é crescente a quantidade de mídias tradicionais que se utilizam dessa estratégia. Tal fenômeno pode ser

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

observado nos telejornais da Rede Globo, nos jornais a Folha de São Paulo, Zero Hora, em programas como o “CQC” (Custe o Que Custar). A Revista Caras, objeto empírico desta pesquisa, constitui-se em exemplo ilustrativo desse fato.

A “REVISTA CARAS” E SUAS PECULIARIDADES

Criada na Argentina no início da década de 1990, pela Editora Perfil, e lançada no Brasil no início de 1993, pela Editora Abril, a Revista Caras, baseada em um jornalismo de entretenimento, con-solidou-se como uma revista de grande consumo.

No site oficial da Revista Caras6, há interessantes descrições sobre sua filosofia e sua linha editorial. A revista se propõe levar aos leitores “entretenimento, diversão e lazer [...] com muito glamour e sofisticação (grifos nossos). Nessa perspectiva o site apresenta a missão da revista que é: “[...] ser a maior e melhor revista de en-tretenimento do País, oferecendo um jornalismo fotográfico e uma qualidade gráfica incomparáveis.” (grifos nossos).

Outro aspecto destacado pelo site é que “os 4.114.327 leitores de CARAS são qualificados e bem-informados. Eles buscam na re-vista um referencial de consumo para o seu dia a dia”. (grifos nossos)

A descrição presente no site da revista também define seus leitores como “Multiplicadores de opinião, com alto poder de con-sumo”, que “valorizam serviços e produtos de qualidade”. Públicos estes que “procuram na publicação um estilo de vida positivo e os últimos acontecimentos de um mundo real e de sonhos, habitado por celebridades do Brasil e do exterior”. (grifos nossos).

Da autodescrição de Caras, é possível desprender importan-tes questões a serem analisadas. A primeira delas refere-se ao gla-mour e a sofisticação exaltados pela revista. Diversos estudos aca-dêmicos7 revelam a produção artificial desses elementos que são naturalizados pelo semanário como banalidades cotidianas, mas

6 Disponível em: <http://caras.uol.com.br/anuncie/revista/missao.html>7 Dentre os quais destacamos os realizados por Moraes (2005) e Souza (2004).

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que fogem, totalmente, à realidade da maioria das pessoas. Assim, os leitores se sentem incitados a consumir esse glamour, pois já que ele se constitui em banalidade cotidiana torna-se enquadrável em qualquer cenário.

É nesse jogo de faz de conta que o leitor se converte em con-sumidor do rico e diversificado universo de mercadorias disponíveis nas páginas de Caras, que além de revista de entretenimento deseja (e consegue) se transformar em referencial de consumo.

Na definição de sua missão, Caras deixa claro a que veio, veio para vender o material e o imaterial. A revista vende talheres, cd’s, roupas, sapatos, e tudo mais que o anunciante estiver disposto a pa-gar. Mas o grande trunfo de Caras, o nicho de mercado, são vendas de outra natureza. Vende-se “um estilo de vida positivo”, vende-se um mundo de sonhos habitado por celebridades”. Essa face da missão de Caras nos remete à lógica da comercialização contem-porânea tal como foi descrita por Sodré (1996, p. 118): “não se trata apenas de vender o produto ao consumidor, mais também de inculcar-lhe a excelência da marca, com objetivos de expansão e controle de mercado”.

Assim, Caras se utiliza de seu jornalismo fotográfico com “qua-lidade gráfica incomparável” para construir com eficiência o feti-che de sua mercadoria. A este respeito Souza (2004, p. 92) destaca que “se a foto é o mais importante em Caras, o fotógrafo em ação é a voz de comando da revista.” A voz de comando garante a perfei-ção e o rebuscamento estético dos cenários, como prima a filosofia estética da revista. Foi o que se observou em Caras, definida por ela mesma.

Para alcançar seus objetivos, Caras possui estratégias bem defi-nidas, trabalhadas como se fossem normas, regras a serem seguidas por seus editores e jornalistas. Tais regras definem os aspectos que devem ser levados em consideração para que a revista da semana possa tornar-se um sucesso.

É como uma fórmula matemática, que elenca os elementos a serem utilizados em uma edição, elementos esses que são os propulsores das vendas expressivas. Da capa à última folha da re-

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

observado nos telejornais da Rede Globo, nos jornais a Folha de São Paulo, Zero Hora, em programas como o “CQC” (Custe o Que Custar). A Revista Caras, objeto empírico desta pesquisa, constitui-se em exemplo ilustrativo desse fato.

A “REVISTA CARAS” E SUAS PECULIARIDADES

Criada na Argentina no início da década de 1990, pela Editora Perfil, e lançada no Brasil no início de 1993, pela Editora Abril, a Revista Caras, baseada em um jornalismo de entretenimento, con-solidou-se como uma revista de grande consumo.

No site oficial da Revista Caras6, há interessantes descrições sobre sua filosofia e sua linha editorial. A revista se propõe levar aos leitores “entretenimento, diversão e lazer [...] com muito glamour e sofisticação (grifos nossos). Nessa perspectiva o site apresenta a missão da revista que é: “[...] ser a maior e melhor revista de en-tretenimento do País, oferecendo um jornalismo fotográfico e uma qualidade gráfica incomparáveis.” (grifos nossos).

Outro aspecto destacado pelo site é que “os 4.114.327 leitores de CARAS são qualificados e bem-informados. Eles buscam na re-vista um referencial de consumo para o seu dia a dia”. (grifos nossos)

A descrição presente no site da revista também define seus leitores como “Multiplicadores de opinião, com alto poder de con-sumo”, que “valorizam serviços e produtos de qualidade”. Públicos estes que “procuram na publicação um estilo de vida positivo e os últimos acontecimentos de um mundo real e de sonhos, habitado por celebridades do Brasil e do exterior”. (grifos nossos).

Da autodescrição de Caras, é possível desprender importan-tes questões a serem analisadas. A primeira delas refere-se ao gla-mour e a sofisticação exaltados pela revista. Diversos estudos aca-dêmicos7 revelam a produção artificial desses elementos que são naturalizados pelo semanário como banalidades cotidianas, mas

6 Disponível em: <http://caras.uol.com.br/anuncie/revista/missao.html>7 Dentre os quais destacamos os realizados por Moraes (2005) e Souza (2004).

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que fogem, totalmente, à realidade da maioria das pessoas. Assim, os leitores se sentem incitados a consumir esse glamour, pois já que ele se constitui em banalidade cotidiana torna-se enquadrável em qualquer cenário.

É nesse jogo de faz de conta que o leitor se converte em con-sumidor do rico e diversificado universo de mercadorias disponíveis nas páginas de Caras, que além de revista de entretenimento deseja (e consegue) se transformar em referencial de consumo.

Na definição de sua missão, Caras deixa claro a que veio, veio para vender o material e o imaterial. A revista vende talheres, cd’s, roupas, sapatos, e tudo mais que o anunciante estiver disposto a pa-gar. Mas o grande trunfo de Caras, o nicho de mercado, são vendas de outra natureza. Vende-se “um estilo de vida positivo”, vende-se um mundo de sonhos habitado por celebridades”. Essa face da missão de Caras nos remete à lógica da comercialização contem-porânea tal como foi descrita por Sodré (1996, p. 118): “não se trata apenas de vender o produto ao consumidor, mais também de inculcar-lhe a excelência da marca, com objetivos de expansão e controle de mercado”.

Assim, Caras se utiliza de seu jornalismo fotográfico com “qua-lidade gráfica incomparável” para construir com eficiência o feti-che de sua mercadoria. A este respeito Souza (2004, p. 92) destaca que “se a foto é o mais importante em Caras, o fotógrafo em ação é a voz de comando da revista.” A voz de comando garante a perfei-ção e o rebuscamento estético dos cenários, como prima a filosofia estética da revista. Foi o que se observou em Caras, definida por ela mesma.

Para alcançar seus objetivos, Caras possui estratégias bem defi-nidas, trabalhadas como se fossem normas, regras a serem seguidas por seus editores e jornalistas. Tais regras definem os aspectos que devem ser levados em consideração para que a revista da semana possa tornar-se um sucesso.

É como uma fórmula matemática, que elenca os elementos a serem utilizados em uma edição, elementos esses que são os propulsores das vendas expressivas. Da capa à última folha da re-

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

vista tudo é muito bem definido, quantidade de reportagens com ricos e famosos, matérias que mais vendem, como os personagens devem ser apresentados, como o cenário deve ser montado, en-fim, é uma fórmula que define todo o conteúdo da Revista.

Assim como em toda revista, a capa caracteriza-se como o trunfo da publicação, é ela que em primeiro plano vai gerar o de-sejo de consumo junto aos leitores, sendo, portanto imperioso que possua assuntos de grande interesse do público e seja atrativa o suficiente para se destacar das demais publicações.

Caras inicia esse processo enfatizando o efeito hiper já no for-mato da revista que se apresenta em tamanho maior que as demais publicações presentes do mercado. Sua capa é composta pelo logo-tipo em tom vermelho que contrasta com letras brancas, grandes e sofisticadas, que dão um ar de superioridade à Revista. Em sua capa, existem a chamada principal e as chamadas complementares denominadas de janelas de capa.

A este respeito Souza (2004, p.42) explica que:

Além da chamada principal, Caras tem chamadas menores, secun-dárias, que podem vir com ou sem foto. São as chamadas janelas de capa. Normalmente, há a superior, mais importante, à direita da página e na mesma linha do logotipo, no campo visual mais pri-vilegiado; e outras duas no rodapé, também com fotos. Neste espa-ço, normalmente também há o que se chama de chamada cega, ou seja, sem foto. É nessa parte inferior da capa onde costumam vir as promoções da revista, outro chamariz para o leitor. As janelas de capa muitas vezes dialogam e fazem ilações de maior ou menor temperatura, que ajudam a temperar a capa, a dar a ela equilíbrio - às vezes, a chamada das janelas são mais fortes que a principal, mas os personagens, apesar disso, não correspondem à capa

A definição das capas também segue um critério de ordem de importância. Segundo Menezes (2002, p. 121):

Por ordem, as capas que vendem mais nas publicações de celebri-dades são aquelas sobre:

1. a morte de uma grande personalidade (a Caras esgotou duas ve-

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zes com edições sobre a morte do piloto Ayrton Senna, em 1994, vendendo 1milhão de exemplares. Esgotou também com a edição sobre a morte da princesa Diana, em 1997, e com a do cantor sertanejo Leandro, em 1998);

2. o casamento de uma celebridade (a cobertura do casamento de Adriane Galisteu e Roberto Justus aumentou a circulação em 40%);

3. o nascimento do filho de uma celebridade (as capas com os trigêmeos dos jornalistas William Bonner e Fátima Bernardes ge-raram vendas em banca, e, 1998, acima de 220 mil exemplares, um aumento de 50% na média);

4. as revelações amorosas sobre e/ou de celebridades;

5. e, finalmente, a estrela da hora, homem ou mullher, com um lindo e sedutor sorriso nos lábios.

Caras segue, ainda, uma espécie de receita para preencher suas páginas, que parece ser seguida à risca pelos seus editores (é o seu Newsmaking). Estes, assim como os bons chefs (só para fazer um trocadilho) partem em busca dos melhores ingredientes para o recheio da publicação. Menezes (2002, p.117-119) relaciona os elementos que devem estar presentes nas páginas de Caras:

O modelo pode ser descrito da seguinte forma. Em cada edição descontadas as páginas de seções fixas, há uma média de 68 pági-nas editoriais, nas quais estão incluídas seções de CARAS, Estilo e Momentos. É nesse espaço que são publicadas as notícias da se-mana e os perfis com os personagens. A seleção não é exatamente matemática, mas idealmente cada edição deveria ter:

• 1 personagem do mundo das comunicações: do jornalismo ou da publicidade ou do marketing; um jornalista famoso, colunista social, dono de jornal, diretor de revista, crítico de arte, dono de agência de publicidade, promoter...

• 1 empresário(a): de qualquer setor, que tenha sucesso. Se ele não for

famoso, sua empresa ou marca devem ser.

• 1 personagem da cultura: artista plástico, escritor, colecionador.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

vista tudo é muito bem definido, quantidade de reportagens com ricos e famosos, matérias que mais vendem, como os personagens devem ser apresentados, como o cenário deve ser montado, en-fim, é uma fórmula que define todo o conteúdo da Revista.

Assim como em toda revista, a capa caracteriza-se como o trunfo da publicação, é ela que em primeiro plano vai gerar o de-sejo de consumo junto aos leitores, sendo, portanto imperioso que possua assuntos de grande interesse do público e seja atrativa o suficiente para se destacar das demais publicações.

Caras inicia esse processo enfatizando o efeito hiper já no for-mato da revista que se apresenta em tamanho maior que as demais publicações presentes do mercado. Sua capa é composta pelo logo-tipo em tom vermelho que contrasta com letras brancas, grandes e sofisticadas, que dão um ar de superioridade à Revista. Em sua capa, existem a chamada principal e as chamadas complementares denominadas de janelas de capa.

A este respeito Souza (2004, p.42) explica que:

Além da chamada principal, Caras tem chamadas menores, secun-dárias, que podem vir com ou sem foto. São as chamadas janelas de capa. Normalmente, há a superior, mais importante, à direita da página e na mesma linha do logotipo, no campo visual mais pri-vilegiado; e outras duas no rodapé, também com fotos. Neste espa-ço, normalmente também há o que se chama de chamada cega, ou seja, sem foto. É nessa parte inferior da capa onde costumam vir as promoções da revista, outro chamariz para o leitor. As janelas de capa muitas vezes dialogam e fazem ilações de maior ou menor temperatura, que ajudam a temperar a capa, a dar a ela equilíbrio - às vezes, a chamada das janelas são mais fortes que a principal, mas os personagens, apesar disso, não correspondem à capa

A definição das capas também segue um critério de ordem de importância. Segundo Menezes (2002, p. 121):

Por ordem, as capas que vendem mais nas publicações de celebri-dades são aquelas sobre:

1. a morte de uma grande personalidade (a Caras esgotou duas ve-

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zes com edições sobre a morte do piloto Ayrton Senna, em 1994, vendendo 1milhão de exemplares. Esgotou também com a edição sobre a morte da princesa Diana, em 1997, e com a do cantor sertanejo Leandro, em 1998);

2. o casamento de uma celebridade (a cobertura do casamento de Adriane Galisteu e Roberto Justus aumentou a circulação em 40%);

3. o nascimento do filho de uma celebridade (as capas com os trigêmeos dos jornalistas William Bonner e Fátima Bernardes ge-raram vendas em banca, e, 1998, acima de 220 mil exemplares, um aumento de 50% na média);

4. as revelações amorosas sobre e/ou de celebridades;

5. e, finalmente, a estrela da hora, homem ou mullher, com um lindo e sedutor sorriso nos lábios.

Caras segue, ainda, uma espécie de receita para preencher suas páginas, que parece ser seguida à risca pelos seus editores (é o seu Newsmaking). Estes, assim como os bons chefs (só para fazer um trocadilho) partem em busca dos melhores ingredientes para o recheio da publicação. Menezes (2002, p.117-119) relaciona os elementos que devem estar presentes nas páginas de Caras:

O modelo pode ser descrito da seguinte forma. Em cada edição descontadas as páginas de seções fixas, há uma média de 68 pági-nas editoriais, nas quais estão incluídas seções de CARAS, Estilo e Momentos. É nesse espaço que são publicadas as notícias da se-mana e os perfis com os personagens. A seleção não é exatamente matemática, mas idealmente cada edição deveria ter:

• 1 personagem do mundo das comunicações: do jornalismo ou da publicidade ou do marketing; um jornalista famoso, colunista social, dono de jornal, diretor de revista, crítico de arte, dono de agência de publicidade, promoter...

• 1 empresário(a): de qualquer setor, que tenha sucesso. Se ele não for

famoso, sua empresa ou marca devem ser.

• 1 personagem da cultura: artista plástico, escritor, colecionador.

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• 1 personagem fashion: designers, arquitetos, decoradores, cria-dores de

tendência, chefes de cozinha, donos de restaurante.

• 1 artista brega, mas muito famoso e vendedor, por semana. A pauta deve ter relação com algum fato da atualidade ou então ser uma reportagem muito bem produzida na casa, na fazenda ou em uma viagem.

• 1 modelo, mulher de preferência. É fundamental mostrar gente linda

para embelezar o conjunto da edição.

• 1 personagem internacional importante.

• 1 único personagem do universo esportivo. É melhor privilegiar as mulheres. No caso dos homens, valem apenas os personagens muito conhecidos, como Ronaldinho e corredores de Formula Indy. Em geral, essas reportagens, salvo as fotos sejam espetacula-res, são pequenas. Uma página ou duas, no máximo.

• 1 personagem do interior do Brasil.

• 1 socialite, clássica ou emergente.

• 1 matéria social com movimento. A cada edição precisamos ter um casamento, uma festa de aniversário, um evento importante.

• 1 personagem da política (privilegiar mulheres de governadores,

prefeitos e embaixadores)

• 1 reportagem deve vir de Caras Argentina ou Portugal.

No resto, as outras reportagens devem ser de personagens famo-sos, do mundo do espetáculo, do show bizz, principalmente da TV, como prioridade nos globais e, só em segundo lugar, do mundo da música. [...]

1. Sempre prevalecer as mulheres sobre os homens em uma pro-porção de 3 para 1.

2. Os personagens devem ser mostrados em suas casas como prio-ridade 1. Em uma viagem, como segunda alternativa. Produzidos em um lugar charmoso, possibilidade três. Sem produção (com roupa especial, iluminação, maquiagem etc.) apenas em notas fla-grantes e quentes.

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3. Na maior quantidade possível das produções, o personagem deve

aparecer junto à sua família.

4. O personagem deve aparecer com seus animais de estimação.

5. Crianças e bebês são muito importantes de mostrar.

6. Na diagramação, as fotos devem ser grandes. Menos quantidade e mais amplitude, o que exige melhor qualidade fotográfica.

7. Nos textos, mais dados, mais informação, mais perguntas e res-postas.

8. Em fotos, é fundamental pensar uma situação diferente para cada personagem. Caprichar, buscar ângulos, usar mais a grande angular e menos a zoom. Os personagens têm de voltar a olhar a câmera. O olho do retratado tem que encontrar o olho do leitor.

Outra peculiaridade encontrada na Revista é a ausência de paginação. Para encontrar uma matéria estampada na capa o leitor precisa percorrer praticamente todas as outras páginas até chegar à matéria que gostaria de ler. Esta estratégia força o leitor a folhear a revista se deparando com outras informações presentes na publica-ção, tais como fotos, outras matérias e publicidade. A este respeito Souza (2004, p. 46) destaca que:

A falta de numeração, em Caras nunca foi um problema. Pelo contrário. O leitor não se dá conta de que as páginas não estão numeradas e folheia a revista como um álbum de fotos. Entre jornalistas, inclusive, virou expressão comum dizer que Caras era uma revista para “ler com o dedo”: é o indicador que vai guiando o leitor pelas páginas e, portanto, legendas, nessa revista, são bas-tante importantes.

Com base na descrição das peculiaridades presentes na com-posição de Caras, percebe-se o quanto a revista é meticulosamente planejada, utilizando como critérios desse planejamento elementos que promovem a sedução da audiência e reafirmam a presença em suas narrativas, de espetacularização e da pedagogia das sensações.

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• 1 personagem fashion: designers, arquitetos, decoradores, cria-dores de

tendência, chefes de cozinha, donos de restaurante.

• 1 artista brega, mas muito famoso e vendedor, por semana. A pauta deve ter relação com algum fato da atualidade ou então ser uma reportagem muito bem produzida na casa, na fazenda ou em uma viagem.

• 1 modelo, mulher de preferência. É fundamental mostrar gente linda

para embelezar o conjunto da edição.

• 1 personagem internacional importante.

• 1 único personagem do universo esportivo. É melhor privilegiar as mulheres. No caso dos homens, valem apenas os personagens muito conhecidos, como Ronaldinho e corredores de Formula Indy. Em geral, essas reportagens, salvo as fotos sejam espetacula-res, são pequenas. Uma página ou duas, no máximo.

• 1 personagem do interior do Brasil.

• 1 socialite, clássica ou emergente.

• 1 matéria social com movimento. A cada edição precisamos ter um casamento, uma festa de aniversário, um evento importante.

• 1 personagem da política (privilegiar mulheres de governadores,

prefeitos e embaixadores)

• 1 reportagem deve vir de Caras Argentina ou Portugal.

No resto, as outras reportagens devem ser de personagens famo-sos, do mundo do espetáculo, do show bizz, principalmente da TV, como prioridade nos globais e, só em segundo lugar, do mundo da música. [...]

1. Sempre prevalecer as mulheres sobre os homens em uma pro-porção de 3 para 1.

2. Os personagens devem ser mostrados em suas casas como prio-ridade 1. Em uma viagem, como segunda alternativa. Produzidos em um lugar charmoso, possibilidade três. Sem produção (com roupa especial, iluminação, maquiagem etc.) apenas em notas fla-grantes e quentes.

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3. Na maior quantidade possível das produções, o personagem deve

aparecer junto à sua família.

4. O personagem deve aparecer com seus animais de estimação.

5. Crianças e bebês são muito importantes de mostrar.

6. Na diagramação, as fotos devem ser grandes. Menos quantidade e mais amplitude, o que exige melhor qualidade fotográfica.

7. Nos textos, mais dados, mais informação, mais perguntas e res-postas.

8. Em fotos, é fundamental pensar uma situação diferente para cada personagem. Caprichar, buscar ângulos, usar mais a grande angular e menos a zoom. Os personagens têm de voltar a olhar a câmera. O olho do retratado tem que encontrar o olho do leitor.

Outra peculiaridade encontrada na Revista é a ausência de paginação. Para encontrar uma matéria estampada na capa o leitor precisa percorrer praticamente todas as outras páginas até chegar à matéria que gostaria de ler. Esta estratégia força o leitor a folhear a revista se deparando com outras informações presentes na publica-ção, tais como fotos, outras matérias e publicidade. A este respeito Souza (2004, p. 46) destaca que:

A falta de numeração, em Caras nunca foi um problema. Pelo contrário. O leitor não se dá conta de que as páginas não estão numeradas e folheia a revista como um álbum de fotos. Entre jornalistas, inclusive, virou expressão comum dizer que Caras era uma revista para “ler com o dedo”: é o indicador que vai guiando o leitor pelas páginas e, portanto, legendas, nessa revista, são bas-tante importantes.

Com base na descrição das peculiaridades presentes na com-posição de Caras, percebe-se o quanto a revista é meticulosamente planejada, utilizando como critérios desse planejamento elementos que promovem a sedução da audiência e reafirmam a presença em suas narrativas, de espetacularização e da pedagogia das sensações.

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A ESTÉTICA DAS NARRATIVAS E O IMPÉRIO DA IMAGEM

Moraes (2005, p. 113) reproduz trecho da entrevista de Mar-cos Rosa, editor de imagens de Caras, à revista eletrônica Fhox (Edição 72) em que o fotógrafo exalta o objetivo da revista, e do qual é possível inferir seu caráter mercantil, as peculiaridades desse comércio e o fetiche da mercadoria promovida pela Revista:

A filosofia da revista é trazer a intimidade da pessoa, dividir com você momentos íntimos de família, de relacionamento pessoal, como anda em casa. O objetivo da revista é atingir um público determinado, geralmente mulher, que quer saber de outras, que vê bons exemplos. Por mais que a gente dê notícias ruins ou que não sejam as melhores, são sempre contadas de uma maneira que a pessoa não se sinta agredida, nem o personagem, nem o leitor. (MARCOS ROSA apud SOUZA, 2004, p. 113).

A representação da vida familiar na intimidade do lar, dos re-lacionamentos e toda a subjetividade ilustrada nas páginas de Ca-ras demarcam duas características preponderantes desse produto midiático: a estética das narrativas e o império das imagens.

Esses recursos mostram-se extremamente eficientes na cons-trução da revista, uma vez que esta “utiliza uma narrativa jornalís-tico-ficcional, em que simula algo próximo da realidade através da reprodução de cenas e rituais do cotidiano.” (SOUZA, 2004, p.7)

Através da análise da Revista, é possível comprovar a contínua utilização de recursos que demonstram claramente a presença do infotenimento e da espetacularização como estratégia de sucesso. Percebe-se que a publicação utiliza esses recursos em praticamente todas as suas páginas, desde a concepção das narrativas, até a utili-zação dos espaços publicitários.

Quando se confronta os recursos utilizados pela espetaculari-zação da notícia com o conteúdo da Revista, verifica-se que o seu conteúdo é embasado na supervalorização das imagens, na supre-macia da emoção e a dramatização da narração, existindo, também, na narrativa, a reiteração do fetiche da mercadoria.

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A revista apresenta ainda um conteúdo informativo, nota-se a presença de manchetes, destaques, colunas, lead, porém não se apresentam esteticamente como no jornalismo em geral. Observa-se uma supervalorização das imagens, que pode ser verificada em todas as páginas. Na revista, as imagens falam mais que o próprio texto. Ocupam aproximadamente 5/6 de espaço em cada página, restando somente 1/6 para as narrativas jornalísticas.

Apesar de possuírem alguns traços das narrativas tradicionais como a editoração, o planejamento e a montagem gráfica, as nar-rativas parecem se referir a um universo existente apenas na ficção.

Nas narrativas de Caras, os textos apresentam-se seguindo os padrões das narrativas de Infotenimento, ou seja, os textos apa-recem de maneira leve e atraente, com linguagem coloquial (não se vê presença de formalidade, pronomes de tratamento etc.). A revista contempla em suas páginas um vocabulário peculiar:

‘Bodas’ e ‘núpcias’, no lugar de casamento; ‘herdeiro’, no lugar de filho; ‘clã’ em vez de família; ‘mansão’ no lugar de casa; verbos como ‘desposar’ e ‘coroar’, pouco falados na linguagem usual, são frequentemente lidos nas páginas de Caras. A expressão ‘em se-gredo’ também se constitui outro recurso usado frequentemente por Caras: para reforçar que tem acesso a lugares onde o leitor comum está sempre de fora, a revista lança mão regularmente de expressões e palavras como ‘intimidade’, ‘refúgio’, ‘cerimônia ín-tima’, ‘privado’. Além disso, recorre inúmeras vezes a verbos de celebração, que denotam alegria, como ‘festejar’, ‘celebrar’, ‘co-memorar’, ‘vibrar’, ‘aprovar’, ‘divertir-se’, muito de acordo com o cenário de sonhos que a ela interessa construir e manter. (SOU-ZA, 2004, p. 12).

Outros tipos de narrativas, comumente presentes nas páginas de Caras. são aquelas que reiteram o fetiche da mercadoria, enfa-tizando determinadas marcas, lugares e celebridades como símbolo de poder. A este respeito Souza (2004, p. 8) destaca que:

Demonstrar poder é uma das preocupações de Caras. Foi assim que a revista construiu seu discurso, em que se firmou a se afir-mou diante de leitores, anunciantes, famosos e profissionais que

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

A ESTÉTICA DAS NARRATIVAS E O IMPÉRIO DA IMAGEM

Moraes (2005, p. 113) reproduz trecho da entrevista de Mar-cos Rosa, editor de imagens de Caras, à revista eletrônica Fhox (Edição 72) em que o fotógrafo exalta o objetivo da revista, e do qual é possível inferir seu caráter mercantil, as peculiaridades desse comércio e o fetiche da mercadoria promovida pela Revista:

A filosofia da revista é trazer a intimidade da pessoa, dividir com você momentos íntimos de família, de relacionamento pessoal, como anda em casa. O objetivo da revista é atingir um público determinado, geralmente mulher, que quer saber de outras, que vê bons exemplos. Por mais que a gente dê notícias ruins ou que não sejam as melhores, são sempre contadas de uma maneira que a pessoa não se sinta agredida, nem o personagem, nem o leitor. (MARCOS ROSA apud SOUZA, 2004, p. 113).

A representação da vida familiar na intimidade do lar, dos re-lacionamentos e toda a subjetividade ilustrada nas páginas de Ca-ras demarcam duas características preponderantes desse produto midiático: a estética das narrativas e o império das imagens.

Esses recursos mostram-se extremamente eficientes na cons-trução da revista, uma vez que esta “utiliza uma narrativa jornalís-tico-ficcional, em que simula algo próximo da realidade através da reprodução de cenas e rituais do cotidiano.” (SOUZA, 2004, p.7)

Através da análise da Revista, é possível comprovar a contínua utilização de recursos que demonstram claramente a presença do infotenimento e da espetacularização como estratégia de sucesso. Percebe-se que a publicação utiliza esses recursos em praticamente todas as suas páginas, desde a concepção das narrativas, até a utili-zação dos espaços publicitários.

Quando se confronta os recursos utilizados pela espetaculari-zação da notícia com o conteúdo da Revista, verifica-se que o seu conteúdo é embasado na supervalorização das imagens, na supre-macia da emoção e a dramatização da narração, existindo, também, na narrativa, a reiteração do fetiche da mercadoria.

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A revista apresenta ainda um conteúdo informativo, nota-se a presença de manchetes, destaques, colunas, lead, porém não se apresentam esteticamente como no jornalismo em geral. Observa-se uma supervalorização das imagens, que pode ser verificada em todas as páginas. Na revista, as imagens falam mais que o próprio texto. Ocupam aproximadamente 5/6 de espaço em cada página, restando somente 1/6 para as narrativas jornalísticas.

Apesar de possuírem alguns traços das narrativas tradicionais como a editoração, o planejamento e a montagem gráfica, as nar-rativas parecem se referir a um universo existente apenas na ficção.

Nas narrativas de Caras, os textos apresentam-se seguindo os padrões das narrativas de Infotenimento, ou seja, os textos apa-recem de maneira leve e atraente, com linguagem coloquial (não se vê presença de formalidade, pronomes de tratamento etc.). A revista contempla em suas páginas um vocabulário peculiar:

‘Bodas’ e ‘núpcias’, no lugar de casamento; ‘herdeiro’, no lugar de filho; ‘clã’ em vez de família; ‘mansão’ no lugar de casa; verbos como ‘desposar’ e ‘coroar’, pouco falados na linguagem usual, são frequentemente lidos nas páginas de Caras. A expressão ‘em se-gredo’ também se constitui outro recurso usado frequentemente por Caras: para reforçar que tem acesso a lugares onde o leitor comum está sempre de fora, a revista lança mão regularmente de expressões e palavras como ‘intimidade’, ‘refúgio’, ‘cerimônia ín-tima’, ‘privado’. Além disso, recorre inúmeras vezes a verbos de celebração, que denotam alegria, como ‘festejar’, ‘celebrar’, ‘co-memorar’, ‘vibrar’, ‘aprovar’, ‘divertir-se’, muito de acordo com o cenário de sonhos que a ela interessa construir e manter. (SOU-ZA, 2004, p. 12).

Outros tipos de narrativas, comumente presentes nas páginas de Caras. são aquelas que reiteram o fetiche da mercadoria, enfa-tizando determinadas marcas, lugares e celebridades como símbolo de poder. A este respeito Souza (2004, p. 8) destaca que:

Demonstrar poder é uma das preocupações de Caras. Foi assim que a revista construiu seu discurso, em que se firmou a se afir-mou diante de leitores, anunciantes, famosos e profissionais que

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

trabalham nela ou para ela - os públicos com quem, para quem e de quem fala todas as semanas.

Diante dessa contextualização, pode-se dizer que, seja através da supervalorização da imagem, da supremacia, da emoção da dra-matização das narrativas ou pela reafirmação do fetiche da merca-doria, o que se percebe é que, na Revista Caras, a utilização de nar-rativas leves e o jogo de imagens para fabular a realidade de ricos e famosos mostraram-se uma estratégia extremamente eficiente para conquistar leitores, anunciantes e consumidores.

Constata-se, a partir das análises realizadas, que para alcançar seus objetivos mercadológicos e garantir a audiência a Revista Ca-ras mistura ficção e realidade na espetacularização da notícia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada sobre a espetacularização de casamentos na Revista Caras produziu relevantes constatações, uma delas é que o atual momento histórico é permeado por um conjunto de carac-terísticas, práticas e valores que abalaram a estrutura normativa da modernidade, fato que levou alguns autores a decretar sua morte, defendendo a transição para um período denominado de pós-mo-dernidade.

O jornalismo, por sua importante função de construção simbó-lica da realidade social, constitui-se em um espaço estratégico para se pensar e representar essa realidade em toda sua complexidade. Entendendo que a realidade é multifacetada, torna-se imperioso ao jornalismo a compreensão dos paradigmas hipermodernos e de suas formas midiáticas de manifestação, mesmo quando estas profanam os sagrados cânones do jornalismo.

Uma face extremamente importante da realidade atual refere-se à lógica reinante na sociedade e no jornalismo contemporâneo: a lógica do espetáculo. Essa lógica, fortemente marcada pela mer-cantilização da vida, permeia as relações sociais, sua representação pela mídia e a construção do imaginário social.

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Essa mercantilização da vida em geral manifesta-se também nas formas de fazer jornalismo, apresentando contornos profanos como a espetacularização da notícia. Contudo, não basta negar o profano, é necessário investigá-lo, conhecê-lo, mergulhar nas tra-mas, compreendê-lo enquanto realidade social.

Ao mergulhar na análise dessa realidade social, percebeu-se que a espetacularização da notícia tem suas raízes fincadas no sensacionalismo. As atuais formas de espetacularização da notí-cia trazem do passado características do jornalismo sensacional, dando-lhes nova roupagem, mesclando-se com a estratégia de infotenimento. A hibridação entre informação e entretenimen-to, alicerçada pela espetacularização da notícia, tem sido utili-zada pelas diversas mídias existentes, das mais tradicionais às mais alternativas, como uma eficiente fórmula para conquistar audiência.

Nesse contexto fortemente marcado pela lógica capitalista, emergem um conjunto de símbolos e signos alicerçados priorita-riamente no apelo ao consumo. “Em nossos dias, o consumo de serviços e signos, nos seus mais variados regimes semióticos, é tão ou mais importante do que o consumo de bens materiais. Isso sig-nifica que o consumo simbólico ganhou uma relevância até então inaudita.” (ROCHA; CASTRO, 2009, p. 51).

Criam-se, então, representações midiáticas espetacularizadas que vão se distanciando cada vez mais da realidade e se aproximan-do cada vez mais da ficção.

A cultura veiculada pela mídia transformou-se na força dominan-te de socialização: suas imagens e celebridades substituem a famí-lia, a escola e a Igreja como árbitros de gosto, valor e pensamento, produzindo novos modelos de identificação, estilo, moda e com-portamento. Com o advento da cultura da mídia, os indivíduos são submetidos a um fluxo, sem precedentes, de imagens e sons dentro de sua própria casa; novos mundos virtuais de entreteni-mento, informação, sexo e política estão reordenando percepções de espaço, de tempo e anulando distinções entre realidade e repre-sentação. (LEITE, 2004, p. 1-2).

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

trabalham nela ou para ela - os públicos com quem, para quem e de quem fala todas as semanas.

Diante dessa contextualização, pode-se dizer que, seja através da supervalorização da imagem, da supremacia, da emoção da dra-matização das narrativas ou pela reafirmação do fetiche da merca-doria, o que se percebe é que, na Revista Caras, a utilização de nar-rativas leves e o jogo de imagens para fabular a realidade de ricos e famosos mostraram-se uma estratégia extremamente eficiente para conquistar leitores, anunciantes e consumidores.

Constata-se, a partir das análises realizadas, que para alcançar seus objetivos mercadológicos e garantir a audiência a Revista Ca-ras mistura ficção e realidade na espetacularização da notícia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada sobre a espetacularização de casamentos na Revista Caras produziu relevantes constatações, uma delas é que o atual momento histórico é permeado por um conjunto de carac-terísticas, práticas e valores que abalaram a estrutura normativa da modernidade, fato que levou alguns autores a decretar sua morte, defendendo a transição para um período denominado de pós-mo-dernidade.

O jornalismo, por sua importante função de construção simbó-lica da realidade social, constitui-se em um espaço estratégico para se pensar e representar essa realidade em toda sua complexidade. Entendendo que a realidade é multifacetada, torna-se imperioso ao jornalismo a compreensão dos paradigmas hipermodernos e de suas formas midiáticas de manifestação, mesmo quando estas profanam os sagrados cânones do jornalismo.

Uma face extremamente importante da realidade atual refere-se à lógica reinante na sociedade e no jornalismo contemporâneo: a lógica do espetáculo. Essa lógica, fortemente marcada pela mer-cantilização da vida, permeia as relações sociais, sua representação pela mídia e a construção do imaginário social.

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Essa mercantilização da vida em geral manifesta-se também nas formas de fazer jornalismo, apresentando contornos profanos como a espetacularização da notícia. Contudo, não basta negar o profano, é necessário investigá-lo, conhecê-lo, mergulhar nas tra-mas, compreendê-lo enquanto realidade social.

Ao mergulhar na análise dessa realidade social, percebeu-se que a espetacularização da notícia tem suas raízes fincadas no sensacionalismo. As atuais formas de espetacularização da notí-cia trazem do passado características do jornalismo sensacional, dando-lhes nova roupagem, mesclando-se com a estratégia de infotenimento. A hibridação entre informação e entretenimen-to, alicerçada pela espetacularização da notícia, tem sido utili-zada pelas diversas mídias existentes, das mais tradicionais às mais alternativas, como uma eficiente fórmula para conquistar audiência.

Nesse contexto fortemente marcado pela lógica capitalista, emergem um conjunto de símbolos e signos alicerçados priorita-riamente no apelo ao consumo. “Em nossos dias, o consumo de serviços e signos, nos seus mais variados regimes semióticos, é tão ou mais importante do que o consumo de bens materiais. Isso sig-nifica que o consumo simbólico ganhou uma relevância até então inaudita.” (ROCHA; CASTRO, 2009, p. 51).

Criam-se, então, representações midiáticas espetacularizadas que vão se distanciando cada vez mais da realidade e se aproximan-do cada vez mais da ficção.

A cultura veiculada pela mídia transformou-se na força dominan-te de socialização: suas imagens e celebridades substituem a famí-lia, a escola e a Igreja como árbitros de gosto, valor e pensamento, produzindo novos modelos de identificação, estilo, moda e com-portamento. Com o advento da cultura da mídia, os indivíduos são submetidos a um fluxo, sem precedentes, de imagens e sons dentro de sua própria casa; novos mundos virtuais de entreteni-mento, informação, sexo e política estão reordenando percepções de espaço, de tempo e anulando distinções entre realidade e repre-sentação. (LEITE, 2004, p. 1-2).

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Todos esses elementos próprios da espetacularização tão pre-sentes no atual momento histórico, apresentam-se em abundância nas páginas da Revista Caras, com narrativas que reiteram o fetiche da mercadoria, enfatizando determinadas marcas, lugares e celebri-dades como símbolo de poder. Seja por intermédio da supervalori-zação da imagem, da supremacia da emoção, da dramatização das narrativas ou pela reafirmação do fetiche da mercadoria, o que se percebe é que Caras se utiliza das narrativas de infotenimento e do sensacionalismo na espetacularização da notícia.

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REFERÊNCIAS

ARBEX JÚNIOR, José. Showjornalismo: a notícia como espetá-culo. São Paulo: Casa Amarela, 2002.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Con-traponto, 1997.

DEJAVITE, Fábia Angélica. Infotenimento nos impressos cente-nários brasileiros. Revista Estudos em Jornalismo e Mídia. v. 1. jan/jun. 2008.

___. INFOtenimento: informação + entretenimento no jornalis-mo. São Paulo: Paulinas, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: 1988.

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petró-polis: Vozes, 2009.

IJUIM, JK. Por um jornalismo humanizado: reflexões sobre uma abordagem alternativa sobre o fazer jornalístico. Campo Grande, 2007.

KELLNER, D. Cultura da Mídia e Triunfo do Espetáculo. In: MORAES, Dênis (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

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Todos esses elementos próprios da espetacularização tão pre-sentes no atual momento histórico, apresentam-se em abundância nas páginas da Revista Caras, com narrativas que reiteram o fetiche da mercadoria, enfatizando determinadas marcas, lugares e celebri-dades como símbolo de poder. Seja por intermédio da supervalori-zação da imagem, da supremacia da emoção, da dramatização das narrativas ou pela reafirmação do fetiche da mercadoria, o que se percebe é que Caras se utiliza das narrativas de infotenimento e do sensacionalismo na espetacularização da notícia.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

LEITE, Sidney Ferreira. Reflexões sobre comunicação e sociedade: as contribuições de douglas kellner. Revista eletrônica e-compós. n. 1, dez. 2004. Disponível em: <http://www.compos.org.br/e-compos>. Acesso em: 31 out. 2011.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janei-ro: Bertrand Brasil, 1996. v. 1. MENEZES, Claudia Giudice de. Jornalismo irresistível: o fenôme-no da Revista Caras e o casamento, sem separação de bens, da notí-cia com o entretenimento. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

MORAES, Fabiana. Do pseudo-evento à não-notícia: um estudo sobre a Revista Caras. Dissertação (Mestrado) – Universidade Fe-deral de Pernambuco, Recife, 2005.

RESENDE, Fernando. O Jornalismo e suas narrativas: as brechas do discurso e as possibilidades do encontro. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p. 31-43, dez. 2009.

ROCHA, Rose de Melo; CASTRO Gisela G. S. Cultura da mídia, cultura do consumo: imagem e espetáculo no discurso pós-moder-no. LOGOS 30: tecnologias de comunicação e subjetividade, ano 16, 1º semestre, 2009.

SCHIAVO, Juliano. Jornalismo de espetáculo: entre o sensacio-nalismo e o infotenimento. Disponível em: < http://alie.br/nova/conteudo.php?idn=1377>. Acesso em: 15 jul. 2010.

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica, sua dinâ-mica. São Paulo: Moderna, 1987.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis: Vozes, 1996.

SOUZA, Ana Claudia. A (re) invenção do real: o limite entre vida pública e privada na cobertura das revistas de celebridades. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

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ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: a espetacularização das narrativas jornalísticas na Revista Caras

LEITE, Sidney Ferreira. Reflexões sobre comunicação e sociedade: as contribuições de douglas kellner. Revista eletrônica e-compós. n. 1, dez. 2004. Disponível em: <http://www.compos.org.br/e-compos>. Acesso em: 31 out. 2011.

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SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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SINGER, Paul. O capitalismo: sua evolução, sua lógica, sua dinâ-mica. São Paulo: Moderna, 1987.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis: Vozes, 1996.

SOUZA, Ana Claudia. A (re) invenção do real: o limite entre vida pública e privada na cobertura das revistas de celebridades. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA:

o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

MARCOS ARRUDA VALENTE DE FIGUEIREDO

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo a compreensão da dinâmica da comunicação, enquanto fenômeno complexo, em seus processos de mediação e de interlocução com diferentes públicos, visando apontar algumas reflexões e possibilidades acerca da gestão dos processos comunicacionais que se articularam em torno da epi-demia de proporções mundiais que assustou populações inteiras em 2009, o vírus da Influenza A, conhecido como Gripe Suína.

O relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), di-vulgado em abril de 2009, no México, anunciava um surto de Gripe A, subtipo H1N1, também chamada Gripe Suína ou In-fluenza A (H1N1), que levara à morte mais de 100 pessoas, no México e nos Estados Unidos. Além disso, o relatório supraci-tado estimou que mais de 1.500 pessoas já estivessem infectadas pelo vírus em todo o mundo (BRASIL, 2009). Nessa mesma data, a OMS declarava a Influenza A (H1N1) como emergência de saúde pública, em caráter internacional, lançando um alerta para a possibilidade de uma pandemia1 originada a partir do sur-to, o que trouxe, em seu rastro, mudanças de hábitos e desafios

1 Uma pandemia de gripe pode ser descrita como um evento epidemiológico caracteri-zado pela circulação mundial de novo subtipo de um vírus Influenza ao qual a popula-ção apresenta pouca ou nenhuma imunidade, com características de patogenicidade e virulência suficientes para, sob condições favoráveis de transmissão, infectar um grande número de pessoas.

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o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

MARCOS ARRUDA VALENTE DE FIGUEIREDO

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo a compreensão da dinâmica da comunicação, enquanto fenômeno complexo, em seus processos de mediação e de interlocução com diferentes públicos, visando apontar algumas reflexões e possibilidades acerca da gestão dos processos comunicacionais que se articularam em torno da epi-demia de proporções mundiais que assustou populações inteiras em 2009, o vírus da Influenza A, conhecido como Gripe Suína.

O relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), di-vulgado em abril de 2009, no México, anunciava um surto de Gripe A, subtipo H1N1, também chamada Gripe Suína ou In-fluenza A (H1N1), que levara à morte mais de 100 pessoas, no México e nos Estados Unidos. Além disso, o relatório supraci-tado estimou que mais de 1.500 pessoas já estivessem infectadas pelo vírus em todo o mundo (BRASIL, 2009). Nessa mesma data, a OMS declarava a Influenza A (H1N1) como emergência de saúde pública, em caráter internacional, lançando um alerta para a possibilidade de uma pandemia1 originada a partir do sur-to, o que trouxe, em seu rastro, mudanças de hábitos e desafios

1 Uma pandemia de gripe pode ser descrita como um evento epidemiológico caracteri-zado pela circulação mundial de novo subtipo de um vírus Influenza ao qual a popula-ção apresenta pouca ou nenhuma imunidade, com características de patogenicidade e virulência suficientes para, sob condições favoráveis de transmissão, infectar um grande número de pessoas.

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à ciência. O alerta foi o suficiente para que os meios de comuni-cação dessem à nova gripe grande destaque em suas coberturas. Quando os primeiros casos de Gripe Suína foram identificados no Brasil, no início de maio de 2009, a mídia logo se interessou pela nova enfermidade que desafiava cientistas e preocupava a população. O contexto de pânico internacional criado, de certa forma, pela própria mídia, os desafios lançados às autoridades sanitárias de vários países, os cuidados que a população deveria tomar para evitar a proliferação da doença e a clara manifestação de poder da mídia em seu papel de vigilância, de publicização de dados e de estatísticas acerca das pessoas infectadas ou vítimas do vírus e de orientação ao público sobre a profilaxia necessária constituíram o formato desta pesquisa.

Por meio dos primeiros estudos estatísticos realizados no Brasil sobre a Gripe Suína constatou-se, entretanto, que a mortalidade ocasionada pela Influenza A (H1N1) foi inferior à de outros países. Conforme dados do Ministério da Saúde, revelou-se ainda que, até o ano de 2009, o Brasil havia registrado 0,09 mortes em cada grupo de 100 mil habitantes, o equivalente a 192 óbitos, significando que o país ocupava, naquele momento, a segunda menor taxa de mor-talidade entre os 15 países com histórico de óbitos no mundo em consequência da Gripe Suína.

Este estudo está voltado para o jornalismo semanal de revis-ta, no caso específico as revistas CartaCapital e Veja, para análise da sua influência no processo de legitimação de medidas de pro-filaxia, vigilância e controle da epidemia de Gripe Suína, com destaque para a onda inicial de pânico sobre a população e para as fases da produção das narrativas jornalísticas através das quais é perceptível o controle dos dados e critérios da produção dis-cursiva, a saber: a fase do pânico, contendo informações sobre a doença e a possibilidade real de morte que ela representava; a fase científica, quando médicos e cientistas eram as fontes que mencionavam a gripe com mais naturalidade; e a fase de tranqui-lização, quando foram publicados índices que apontavam a mor-talidade da Gripe Suína não superior aos de uma gripe sazonal, optou-se pela escolha do recorte das reportagens veiculadas no período de abril a setembro de 2009.

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O MEDO DO CONTÁGIO DAS EPIDEMIAS

No ciclo da história humana vários foram os momentos em que a humanidade viveu o medo causado pelo aparecimento de doenças contagiosas. E tanto maior era o pânico, quanto necessá-rias eram as medidas de higienização que, não raro, impunham o isolamento. A Peste Negra na Idade Média, a Gripe Espanhola no século XX, a Gripe A, nos dias atuais, são alguns dos exemplos de pandemias causadas por vírus que abalaram o mundo.

O medo da morte em consequência da Gripe A, em pleno sé-culo XXI, é o mesmo medo que assolava os nossos antepassados em razão da Peste Negra na Idade Média. Trata-se, em ambos os casos, de uma fobia cuja origem está na experiência do sujeito. O medo aqui é o sentimento de temor em relação a uma ameaça real ou imaginária. Na sociedade pós-moderna, o medo ainda é o mesmo do homem primitivo, que se traduz no medo da morte. Se antes o homem temia o mar, as trevas e o desconhecido, ou tudo que pertencesse a outro universo, hoje esses temores estão representados pela violência, pelo terrorismo e pelos acidentes. O medo se revela através das diversas designações com as quais se identificam sua fragmentação em muitos outros medos. Daí a importância de se pesquisar na história das civilizações elemen-tos que levem a entender de que forma o uso político do medo que alimenta e acompanha o homem por toda a sua existência foi, e ainda é, utilizado como modo de pôr em ação o poder nas sociedades.

A PESTE NEGRA – QUATRO SÉCULOS DE MEDO

Uma compreensão adequada da história das doenças depende, necessariamente, do estudo do contexto social e cultural em que elas se inseriram, dos significados que produziram e de suas caracte-rísticas biológicas, considerando que em cada contexto histórico os significados das doenças ganham novos sentidos. Na Idade Média, por exemplo, a Peste foi considerada castigo divino contra o pecado

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à ciência. O alerta foi o suficiente para que os meios de comuni-cação dessem à nova gripe grande destaque em suas coberturas. Quando os primeiros casos de Gripe Suína foram identificados no Brasil, no início de maio de 2009, a mídia logo se interessou pela nova enfermidade que desafiava cientistas e preocupava a população. O contexto de pânico internacional criado, de certa forma, pela própria mídia, os desafios lançados às autoridades sanitárias de vários países, os cuidados que a população deveria tomar para evitar a proliferação da doença e a clara manifestação de poder da mídia em seu papel de vigilância, de publicização de dados e de estatísticas acerca das pessoas infectadas ou vítimas do vírus e de orientação ao público sobre a profilaxia necessária constituíram o formato desta pesquisa.

Por meio dos primeiros estudos estatísticos realizados no Brasil sobre a Gripe Suína constatou-se, entretanto, que a mortalidade ocasionada pela Influenza A (H1N1) foi inferior à de outros países. Conforme dados do Ministério da Saúde, revelou-se ainda que, até o ano de 2009, o Brasil havia registrado 0,09 mortes em cada grupo de 100 mil habitantes, o equivalente a 192 óbitos, significando que o país ocupava, naquele momento, a segunda menor taxa de mor-talidade entre os 15 países com histórico de óbitos no mundo em consequência da Gripe Suína.

Este estudo está voltado para o jornalismo semanal de revis-ta, no caso específico as revistas CartaCapital e Veja, para análise da sua influência no processo de legitimação de medidas de pro-filaxia, vigilância e controle da epidemia de Gripe Suína, com destaque para a onda inicial de pânico sobre a população e para as fases da produção das narrativas jornalísticas através das quais é perceptível o controle dos dados e critérios da produção dis-cursiva, a saber: a fase do pânico, contendo informações sobre a doença e a possibilidade real de morte que ela representava; a fase científica, quando médicos e cientistas eram as fontes que mencionavam a gripe com mais naturalidade; e a fase de tranqui-lização, quando foram publicados índices que apontavam a mor-talidade da Gripe Suína não superior aos de uma gripe sazonal, optou-se pela escolha do recorte das reportagens veiculadas no período de abril a setembro de 2009.

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O MEDO DO CONTÁGIO DAS EPIDEMIAS

No ciclo da história humana vários foram os momentos em que a humanidade viveu o medo causado pelo aparecimento de doenças contagiosas. E tanto maior era o pânico, quanto necessá-rias eram as medidas de higienização que, não raro, impunham o isolamento. A Peste Negra na Idade Média, a Gripe Espanhola no século XX, a Gripe A, nos dias atuais, são alguns dos exemplos de pandemias causadas por vírus que abalaram o mundo.

O medo da morte em consequência da Gripe A, em pleno sé-culo XXI, é o mesmo medo que assolava os nossos antepassados em razão da Peste Negra na Idade Média. Trata-se, em ambos os casos, de uma fobia cuja origem está na experiência do sujeito. O medo aqui é o sentimento de temor em relação a uma ameaça real ou imaginária. Na sociedade pós-moderna, o medo ainda é o mesmo do homem primitivo, que se traduz no medo da morte. Se antes o homem temia o mar, as trevas e o desconhecido, ou tudo que pertencesse a outro universo, hoje esses temores estão representados pela violência, pelo terrorismo e pelos acidentes. O medo se revela através das diversas designações com as quais se identificam sua fragmentação em muitos outros medos. Daí a importância de se pesquisar na história das civilizações elemen-tos que levem a entender de que forma o uso político do medo que alimenta e acompanha o homem por toda a sua existência foi, e ainda é, utilizado como modo de pôr em ação o poder nas sociedades.

A PESTE NEGRA – QUATRO SÉCULOS DE MEDO

Uma compreensão adequada da história das doenças depende, necessariamente, do estudo do contexto social e cultural em que elas se inseriram, dos significados que produziram e de suas caracte-rísticas biológicas, considerando que em cada contexto histórico os significados das doenças ganham novos sentidos. Na Idade Média, por exemplo, a Peste foi considerada castigo divino contra o pecado

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dos homens, ou uma maldição capaz de exterminar a presença do ser humano na terra. A história das enfermidades é reveladora dos costumes, das crenças, das organizações política e social dos povos, portanto, sua compreensão tem sido cada vez mais ampliada para além do discurso médico-científico.

Enquanto no século XIV, período marcado por inquietação social, decadência econômica, histeria religiosa, fome e flagelo, a Igreja se impunha como autoridade fazendo uso político do medo para tentar explicar e legitimar-se como resposta e solução para o problema da peste, nos dias atuais esse mesmo uso político é colo-cado em prática por diferentes e variadas instituições. Em 2009, o medo ressurge, em grande parte, em decorrência da cobertura jornalística sobre a Gripe A. Juntos, a OMS, a mídia global e os estados-nação fazem uso dele para anunciar o que deve ser feito para salvar a população do planeta. A mídia, mais que disseminar pânico, cria o clima propício para a legitimação das ações políticas da OMS visando ao controle global de Saúde. Dessa forma, em determinados momentos, mídia e cientistas tornam-se um braço articulado da OMS, ora para divulgar e apoiar, ora para criticar suas ações.

Logo que surgiram os primeiros casos de Gripe A, em 2009, a OMS, por intermédio da mídia, procurou não fixar o México como seu local de origem. É o que se pode constatar nas narrativas de CartaCapital (COSTA, 2009, p. 64): “A Organização Mundial da Saúde (OMS) prefere chamá-la de ‘gripe norte-americana’, pois foi descoberta simultaneamente nos EUA e no México.”

Assim que o perigo de contaminação parece iminente, a ati-tude inicial das autoridades é a de ignorar ou de minimizar esse perigo. As crônicas relativas às pestes ressaltam a frequente negli-gência em tomar as medidas indispensáveis com a agilidade que a situação impõe, quase sempre com a justificativa de não assustar a população, até mesmo de não interromper as relações econômicas com o exterior, o que implicaria o fechamento do comércio e o surgimento de dificuldades de abastecimento. Em relação à Gripe Suína, registros semelhantes são relatados pela CartaCapital sobre

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a falta de celeridade das autoridades argentinas no combate à gripe: “de todos os lados chovem críticas sobre a demora das autoridades em adotar medidas eficazes para impedir uma pandemia no país, que contabiliza cerca de 2 mil contaminados em pouco mais de um mês.”(NEPOMUCENO, 2009, p. 64). CartaCapital traz ainda informações que evidenciam os prejuízos causados à economia me-xicana a partir do surgimento da Gripe A:

Com a economia já abalada pela crise nos EUA e pelo acirramento da violência do narcotráfico – em fevereiro, o PIB caiu 10,8% ante o mesmo mês de 2008 -, o México agora é golpeado no turismo, no comércio e talvez na indústria e pecuária. A cotação do peso, que estava em recuperação depois de despencar 32% em seis meses, caiu 6% em dois dias. O Banco Mundial proporcionou um emprés-timo de emergência de 205 milhões de dólares para o combate à epidemia e o país poderá recorrer a uma linha de crédito do FMI de 47 bilhões. (COSTA, 2009, p. 65).

Quando a Peste alcançava uma cidade, a quarentena logo era imposta, decretava-se a suspensão de qualquer atividade ou divertimento, as ruas e as praças eram tomadas por um cenário desolador, marcado pela ausência e pelo silêncio. Situação seme-lhante ocorreu no México, em 2009, com o aparecimento do ví-rus da Gripe A. Na matéria da Veja (Teixeira et al, 2009, p.114), apresenta-se o seguinte relato: “para evitar concentrações que favorecem a disseminação do vírus, o governo [mexicano] proi-biu o funcionamento de bares, restaurantes, cinema e teatros. Os jogos de futebol do campeonato mexicano são agora realizados a portas fechadas, sem torcida.” CartaCapital, de 6 de maio de 2009, apresenta enunciados que mostram uma nova dinâmica social na Cidade do México bem diferente de seu cotidiano:

Normalmente ativa, barulhenta e animada, a Cidade do México foi comparada em 25 e 26 de abril, fim de semana, a uma cidade fantasma. [...] os shopping centers ficaram vazios, [...]. Ficaram fe-chados todos os museus, bibliotecas, cinemas e teatros, bem como muitos bares, restaurantes e igrejas. (COSTA, 2009, p. 65).

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dos homens, ou uma maldição capaz de exterminar a presença do ser humano na terra. A história das enfermidades é reveladora dos costumes, das crenças, das organizações política e social dos povos, portanto, sua compreensão tem sido cada vez mais ampliada para além do discurso médico-científico.

Enquanto no século XIV, período marcado por inquietação social, decadência econômica, histeria religiosa, fome e flagelo, a Igreja se impunha como autoridade fazendo uso político do medo para tentar explicar e legitimar-se como resposta e solução para o problema da peste, nos dias atuais esse mesmo uso político é colo-cado em prática por diferentes e variadas instituições. Em 2009, o medo ressurge, em grande parte, em decorrência da cobertura jornalística sobre a Gripe A. Juntos, a OMS, a mídia global e os estados-nação fazem uso dele para anunciar o que deve ser feito para salvar a população do planeta. A mídia, mais que disseminar pânico, cria o clima propício para a legitimação das ações políticas da OMS visando ao controle global de Saúde. Dessa forma, em determinados momentos, mídia e cientistas tornam-se um braço articulado da OMS, ora para divulgar e apoiar, ora para criticar suas ações.

Logo que surgiram os primeiros casos de Gripe A, em 2009, a OMS, por intermédio da mídia, procurou não fixar o México como seu local de origem. É o que se pode constatar nas narrativas de CartaCapital (COSTA, 2009, p. 64): “A Organização Mundial da Saúde (OMS) prefere chamá-la de ‘gripe norte-americana’, pois foi descoberta simultaneamente nos EUA e no México.”

Assim que o perigo de contaminação parece iminente, a ati-tude inicial das autoridades é a de ignorar ou de minimizar esse perigo. As crônicas relativas às pestes ressaltam a frequente negli-gência em tomar as medidas indispensáveis com a agilidade que a situação impõe, quase sempre com a justificativa de não assustar a população, até mesmo de não interromper as relações econômicas com o exterior, o que implicaria o fechamento do comércio e o surgimento de dificuldades de abastecimento. Em relação à Gripe Suína, registros semelhantes são relatados pela CartaCapital sobre

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a falta de celeridade das autoridades argentinas no combate à gripe: “de todos os lados chovem críticas sobre a demora das autoridades em adotar medidas eficazes para impedir uma pandemia no país, que contabiliza cerca de 2 mil contaminados em pouco mais de um mês.”(NEPOMUCENO, 2009, p. 64). CartaCapital traz ainda informações que evidenciam os prejuízos causados à economia me-xicana a partir do surgimento da Gripe A:

Com a economia já abalada pela crise nos EUA e pelo acirramento da violência do narcotráfico – em fevereiro, o PIB caiu 10,8% ante o mesmo mês de 2008 -, o México agora é golpeado no turismo, no comércio e talvez na indústria e pecuária. A cotação do peso, que estava em recuperação depois de despencar 32% em seis meses, caiu 6% em dois dias. O Banco Mundial proporcionou um emprés-timo de emergência de 205 milhões de dólares para o combate à epidemia e o país poderá recorrer a uma linha de crédito do FMI de 47 bilhões. (COSTA, 2009, p. 65).

Quando a Peste alcançava uma cidade, a quarentena logo era imposta, decretava-se a suspensão de qualquer atividade ou divertimento, as ruas e as praças eram tomadas por um cenário desolador, marcado pela ausência e pelo silêncio. Situação seme-lhante ocorreu no México, em 2009, com o aparecimento do ví-rus da Gripe A. Na matéria da Veja (Teixeira et al, 2009, p.114), apresenta-se o seguinte relato: “para evitar concentrações que favorecem a disseminação do vírus, o governo [mexicano] proi-biu o funcionamento de bares, restaurantes, cinema e teatros. Os jogos de futebol do campeonato mexicano são agora realizados a portas fechadas, sem torcida.” CartaCapital, de 6 de maio de 2009, apresenta enunciados que mostram uma nova dinâmica social na Cidade do México bem diferente de seu cotidiano:

Normalmente ativa, barulhenta e animada, a Cidade do México foi comparada em 25 e 26 de abril, fim de semana, a uma cidade fantasma. [...] os shopping centers ficaram vazios, [...]. Ficaram fe-chados todos os museus, bibliotecas, cinemas e teatros, bem como muitos bares, restaurantes e igrejas. (COSTA, 2009, p. 65).

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A LÓGICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO NA GESTÃO DAS EPIDEMAIS

Até aqui se tem discutido a experiência do medo oriundo das doenças, especialmente das epidemias, dadas as circunstâncias so-ciais, culturais e políticas que as cercaram como o desconhecimento de sua origem, dos cuidados de prevenção e cura, que culminaram na tomada de medidas administrativas e disciplinares. Tais medidas incluíam desde o isolamento da pessoa doente e de seus familiares às pressões de vigilância e controle, aos procedimentos de “libera-ção” das vítimas das epidemias, como forma de “higienização” do ambiente, necessária para evitar mais contágio.

Nos tempos atuais, caracterizado pelo avanço das ciências mé-dicas e das tecnologias comunicacionais, quando o pânico causa-do pelas epidemias já não mais deveria estar conjugado ao pânico advindo de medidas severas de vigilância e de punição aos doen-tes e a seus familiares, ainda prevalecem o medo e a insegurança do desconhecido. Nesse sentido, o papel da mídia é fundamental enquanto mediadora e interlocutora, em âmbito massivo, das in-formações sobre cuidados, prevenção e controle das doenças. No entanto, quando do aparecimento, em 2009, do vírus da Gripe A, subtipo H1N1, em proporções mundiais, o que se presenciou foi a generalização do pânico em populações inteiras. O medo da contaminação e do aparecimento de uma “nova peste” foi, inicial-mente, resultado do modo como a mídia informou e opinou sobre as condições de surgimento do vírus, da inicial perplexidade das autoridades sanitárias mundiais em relação às medidas de contro-le, maximizando atitudes de insegurança por parte da população que, antes mesmo de ser “vitimada” pela gripe suína, foi alcançada por uma “pandemia discursiva”, resultado de uma construção dos meios de comunicação.

Paralelamente à discussão sobre os mecanismos de controle e prevenção das epidemias próprios das sociedades de soberania, disciplinar, e de segurança, tal como analisadas por Foucault, apre-senta-se, neste artigo, um contraponto com os mecanismos da

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sociedade contemporânea, preconizada por Deleuze, que seria a sociedade de controle, marcada pelo aparecimento da Gripe Suína entre outras doenças.

No entendimento de Foucault (2009, p. 133), durante o sé-culo XVIII, a disciplina surge como forma de fazer funcionar as relações de poder, utilizando permanentemente a vigilância hie-rárquica, o registro contínuo, o julgamento e a classificação. Em síntese, substitui o poder de soberania da sociedade pelo poder da sociedade disciplinar.

Semelhantes aos protocolos de observação médica utilizados no século XVIII, ocorreram também, durante a epidemia de gri-pe suína em 2009, medidas administrativas utilizadas por hospitais em vários países, com a finalidade de adaptarem suas unidades de saúde, criando novos métodos de acompanhamento aos pacientes infectados pelo vírus, isolando as alas onde se encontravam esses pacientes, com o fim específico de manter sob controle o atendi-mento daqueles cujo estado de saúde era mais grave. Tais medidas foram coordenadas pela OMS que, mais uma vez, utilizou o sistema de identificação e de registro individual de cada paciente infectado e a contabilidade global da epidemia como forma de combate ao vírus, o que pode ser constatado através da Veja (2009):

Até a quinta-feira passada, no México, a gripe suína havia fei-to, oficialmente, oito vítimas fatais e levado aos hospitais outras 3.000. Foram relatados mais de 170 casos de contaminação em outros onze países [...]. Nos Estados Unidos, registrou-se o primei-ro caso de morte pela gripe fora do México. [...], a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 [...] seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, [...]. (TEI-XEIRA et al., 2009, p. 111).

Da mesma forma como aconteceu com a peste no século XVII, o isolamento domiciliar, em 2009, voltou a ser uma das formas mais eficazes de controle da gripe A. Em que pesem os avanços da ciên-cia médica, verifica-se que as medidas profiláticas de higienização e de isolamento utilizadas há mais de três séculos continuam pre-

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

A LÓGICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO NA GESTÃO DAS EPIDEMAIS

Até aqui se tem discutido a experiência do medo oriundo das doenças, especialmente das epidemias, dadas as circunstâncias so-ciais, culturais e políticas que as cercaram como o desconhecimento de sua origem, dos cuidados de prevenção e cura, que culminaram na tomada de medidas administrativas e disciplinares. Tais medidas incluíam desde o isolamento da pessoa doente e de seus familiares às pressões de vigilância e controle, aos procedimentos de “libera-ção” das vítimas das epidemias, como forma de “higienização” do ambiente, necessária para evitar mais contágio.

Nos tempos atuais, caracterizado pelo avanço das ciências mé-dicas e das tecnologias comunicacionais, quando o pânico causa-do pelas epidemias já não mais deveria estar conjugado ao pânico advindo de medidas severas de vigilância e de punição aos doen-tes e a seus familiares, ainda prevalecem o medo e a insegurança do desconhecido. Nesse sentido, o papel da mídia é fundamental enquanto mediadora e interlocutora, em âmbito massivo, das in-formações sobre cuidados, prevenção e controle das doenças. No entanto, quando do aparecimento, em 2009, do vírus da Gripe A, subtipo H1N1, em proporções mundiais, o que se presenciou foi a generalização do pânico em populações inteiras. O medo da contaminação e do aparecimento de uma “nova peste” foi, inicial-mente, resultado do modo como a mídia informou e opinou sobre as condições de surgimento do vírus, da inicial perplexidade das autoridades sanitárias mundiais em relação às medidas de contro-le, maximizando atitudes de insegurança por parte da população que, antes mesmo de ser “vitimada” pela gripe suína, foi alcançada por uma “pandemia discursiva”, resultado de uma construção dos meios de comunicação.

Paralelamente à discussão sobre os mecanismos de controle e prevenção das epidemias próprios das sociedades de soberania, disciplinar, e de segurança, tal como analisadas por Foucault, apre-senta-se, neste artigo, um contraponto com os mecanismos da

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sociedade contemporânea, preconizada por Deleuze, que seria a sociedade de controle, marcada pelo aparecimento da Gripe Suína entre outras doenças.

No entendimento de Foucault (2009, p. 133), durante o sé-culo XVIII, a disciplina surge como forma de fazer funcionar as relações de poder, utilizando permanentemente a vigilância hie-rárquica, o registro contínuo, o julgamento e a classificação. Em síntese, substitui o poder de soberania da sociedade pelo poder da sociedade disciplinar.

Semelhantes aos protocolos de observação médica utilizados no século XVIII, ocorreram também, durante a epidemia de gri-pe suína em 2009, medidas administrativas utilizadas por hospitais em vários países, com a finalidade de adaptarem suas unidades de saúde, criando novos métodos de acompanhamento aos pacientes infectados pelo vírus, isolando as alas onde se encontravam esses pacientes, com o fim específico de manter sob controle o atendi-mento daqueles cujo estado de saúde era mais grave. Tais medidas foram coordenadas pela OMS que, mais uma vez, utilizou o sistema de identificação e de registro individual de cada paciente infectado e a contabilidade global da epidemia como forma de combate ao vírus, o que pode ser constatado através da Veja (2009):

Até a quinta-feira passada, no México, a gripe suína havia fei-to, oficialmente, oito vítimas fatais e levado aos hospitais outras 3.000. Foram relatados mais de 170 casos de contaminação em outros onze países [...]. Nos Estados Unidos, registrou-se o primei-ro caso de morte pela gripe fora do México. [...], a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 [...] seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, [...]. (TEI-XEIRA et al., 2009, p. 111).

Da mesma forma como aconteceu com a peste no século XVII, o isolamento domiciliar, em 2009, voltou a ser uma das formas mais eficazes de controle da gripe A. Em que pesem os avanços da ciên-cia médica, verifica-se que as medidas profiláticas de higienização e de isolamento utilizadas há mais de três séculos continuam pre-

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valecendo atualmente, no trato das infecções, como foi o caso do vírus da gripe A, como se verifica na afirmação do médico Drauzio Varella, em matéria publicada na CartaCapital:

A prevenção é feita com o isolamento domiciliar. Os cuidados com secreções respiratórias são de importância decisiva. Pacientes e contatuantes devem lavar as mãos com água e sabão com muita freqüência, porque essa medida simples reduz o risco de infecção e de transmissão. (VARELLA, 2009, p. 65).

Medidas semelhantes às adotadas no século XVII, e que mar-

caram a sociedade disciplinar, foram registradas na primeira década do século XXI, no México, quando o governo mexicano impôs ao povo, em alguns momentos, um regime de exceção com a justifi-cativa de combate ao surto de gripe A, conforme se verifica nas narrativas de CartaCapital:

Em 23 de abril, o governo mexicano alertou o país e suspendeu as aulas até 6 de maio. O decreto permite à Secretaria de Saúde invadir domicílios e comércios para isolar os suspeitos de portar o vírus. Na capital, soldados e funcionários públicos distribuíram 6 milhões de máscaras cirúrgicas, [...]. (COSTA, 2009, p. 65).

A insegurança e o pânico coletivo que assolaram os mexica-nos e, posteriormente, outros povos, não foram diferentes dos que envolveram os habitantes das cidades arrasadas pela peste. Além do medo da doença e da morte, também sofriam com a pressão dos atos da vigilância constante a que eram submetidos. Enquanto a vigilância, no século XVIII, era exercida sob o olhar alerta de um corpo de milícia comandado por oficiais que trabalhava incessan-temente em todos os bairros para tornar imediata a obediência do povo e absoluta a autoridade; pela visita diária do intendente que inspecionava o quarteirão sob sua responsabilidade; pela verifica-ção do trabalho dos síndicos ou das queixas dos habitantes e dos próprios síndicos, em 2009, com o surto a gripe A, percebem-se nuanças que separam as medidas tomadas pelo Estado Nacional no passado, e as medidas, determinadas pela OMS, em 2009. Um

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aspecto específico da atualidade é o fato de a imprensa transfor-mar os casos isolados em uma “pandemia no discurso”: a imprensa contamina seu discurso com a doença transformando a epidemia em uma “pandemia discursiva” e, antes de a pessoa ser contami-nada, de fato, pela doença, é contaminada discursivamente pela mídia. Daí o pânico.

Em outra visão das profilaxias que se distanciam das utilizadas durante os surtos da lepra e da peste, em que já se percebe um refinamento da lógica da disciplina, Foucault (2008), em sua obra Segurança, Território, População, preconiza três formas de poder em relação ao espaço. Enquanto na sociedade de soberania se exerce o poder sobre o território, e na sociedade disciplinar esse poder é exercido fundamentalmente sobre os corpos dos indivíduos nos espaços disciplinares das instituições, na sociedade de segurança o exercício do poder é feito pela economia e pela estatística, visando ao controle do fluxo das populações, não do homem enquanto in-divíduo ou corpo, mas do homem enquanto espécie. Dessa forma, a partir do século XVIII, com o surgimento da varíola, novas formas de controle sanitário foram implementadas: controles estatísticos e práticas de inoculação na tentativa de combater a disseminação da doença. A vacina, hoje, altera os critérios da vigilância e as medi-das de exceção, onde a norma é que vai determinar os procedimen-tos. De acordo com Foucault (2008, p. 14):

O problema se coloca de maneira bem diferente: não tanto impor uma disciplina, embora a disciplina [seja] chamada em auxílio; o problema fundamental vai ser o de saber quantas pessoas pega-ram varíola, com que idade, com quais efeitos, qual a mortalidade, quais as lesões ou quais as sequelas, que riscos se corre fazendo-se inocular, qual a probabilidade de um indivíduo vir a morrer ou pe-gar varíola apesar da inoculação, quais os efeitos estatísticos sobre a população em geral, em suma, todo um problema que já não é o da exclusão, como na lepra, que já não é o da quarentena, como na peste, que vai ser o problema das epidemias e das campanhas médicas por meio das quais se tentam jugular os fenômenos, tan-tos os epidêmicos quanto os endêmicos.

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valecendo atualmente, no trato das infecções, como foi o caso do vírus da gripe A, como se verifica na afirmação do médico Drauzio Varella, em matéria publicada na CartaCapital:

A prevenção é feita com o isolamento domiciliar. Os cuidados com secreções respiratórias são de importância decisiva. Pacientes e contatuantes devem lavar as mãos com água e sabão com muita freqüência, porque essa medida simples reduz o risco de infecção e de transmissão. (VARELLA, 2009, p. 65).

Medidas semelhantes às adotadas no século XVII, e que mar-

caram a sociedade disciplinar, foram registradas na primeira década do século XXI, no México, quando o governo mexicano impôs ao povo, em alguns momentos, um regime de exceção com a justifi-cativa de combate ao surto de gripe A, conforme se verifica nas narrativas de CartaCapital:

Em 23 de abril, o governo mexicano alertou o país e suspendeu as aulas até 6 de maio. O decreto permite à Secretaria de Saúde invadir domicílios e comércios para isolar os suspeitos de portar o vírus. Na capital, soldados e funcionários públicos distribuíram 6 milhões de máscaras cirúrgicas, [...]. (COSTA, 2009, p. 65).

A insegurança e o pânico coletivo que assolaram os mexica-nos e, posteriormente, outros povos, não foram diferentes dos que envolveram os habitantes das cidades arrasadas pela peste. Além do medo da doença e da morte, também sofriam com a pressão dos atos da vigilância constante a que eram submetidos. Enquanto a vigilância, no século XVIII, era exercida sob o olhar alerta de um corpo de milícia comandado por oficiais que trabalhava incessan-temente em todos os bairros para tornar imediata a obediência do povo e absoluta a autoridade; pela visita diária do intendente que inspecionava o quarteirão sob sua responsabilidade; pela verifica-ção do trabalho dos síndicos ou das queixas dos habitantes e dos próprios síndicos, em 2009, com o surto a gripe A, percebem-se nuanças que separam as medidas tomadas pelo Estado Nacional no passado, e as medidas, determinadas pela OMS, em 2009. Um

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aspecto específico da atualidade é o fato de a imprensa transfor-mar os casos isolados em uma “pandemia no discurso”: a imprensa contamina seu discurso com a doença transformando a epidemia em uma “pandemia discursiva” e, antes de a pessoa ser contami-nada, de fato, pela doença, é contaminada discursivamente pela mídia. Daí o pânico.

Em outra visão das profilaxias que se distanciam das utilizadas durante os surtos da lepra e da peste, em que já se percebe um refinamento da lógica da disciplina, Foucault (2008), em sua obra Segurança, Território, População, preconiza três formas de poder em relação ao espaço. Enquanto na sociedade de soberania se exerce o poder sobre o território, e na sociedade disciplinar esse poder é exercido fundamentalmente sobre os corpos dos indivíduos nos espaços disciplinares das instituições, na sociedade de segurança o exercício do poder é feito pela economia e pela estatística, visando ao controle do fluxo das populações, não do homem enquanto in-divíduo ou corpo, mas do homem enquanto espécie. Dessa forma, a partir do século XVIII, com o surgimento da varíola, novas formas de controle sanitário foram implementadas: controles estatísticos e práticas de inoculação na tentativa de combater a disseminação da doença. A vacina, hoje, altera os critérios da vigilância e as medi-das de exceção, onde a norma é que vai determinar os procedimen-tos. De acordo com Foucault (2008, p. 14):

O problema se coloca de maneira bem diferente: não tanto impor uma disciplina, embora a disciplina [seja] chamada em auxílio; o problema fundamental vai ser o de saber quantas pessoas pega-ram varíola, com que idade, com quais efeitos, qual a mortalidade, quais as lesões ou quais as sequelas, que riscos se corre fazendo-se inocular, qual a probabilidade de um indivíduo vir a morrer ou pe-gar varíola apesar da inoculação, quais os efeitos estatísticos sobre a população em geral, em suma, todo um problema que já não é o da exclusão, como na lepra, que já não é o da quarentena, como na peste, que vai ser o problema das epidemias e das campanhas médicas por meio das quais se tentam jugular os fenômenos, tan-tos os epidêmicos quanto os endêmicos.

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Na contemporaneidade, quando a sociedade de controle carac-teriza-se como sendo um aperfeiçoamento da sociedade disciplinar (DELEUZE, 1990), o controle do vírus H1N1 apontou para uma lógica na qual os setores sanitários e políticos já não mais exerceram o controle meramente disciplinar, da vigilância e da punição, mas um controle que é da lógica do controle, por ele mesmo.

Como foi possível verificar, os registros históricos dão conta de que as ocorrências de epidemias ou de pandemias em diferentes períodos foram administradas e submetidas a normas disciplinares cujos instrumentos não deixaram dúvidas quanto ao “braço forte” das instâncias do poder político-estatal, quer através de rígida vigi-lância a que eram submetidos os indivíduos, das punições ou mesmo do exame compulsório com suas técnicas documentais redutoras do indivíduo a mero dado estatístico. Se nos tempos atuais normas e instrumentos são amenizados, uma nova instância de poder assume a função de vigilância e de controle, assentada em bases tecnoló-gicas e de alcance ubíquo: a mídia, em todas as suas modalidades.

Como se vê, a mídia, nessas circunstâncias em que trata da cobertura de pandemias, envolvendo o pânico gerado pelo desco-nhecido, a falta de orientação em relação à prevenção e à cura e os riscos de morte acabam tecendo uma construção discursiva onde o medo contamina a população. Construção essa que estamos cha-mando, neste trabalho, de “pandemia discursiva”.

A EPIDEMIA SUÍNA E SEU PERCURSO

Em pleno século XXI, o mundo viveu o medo da doença e da morte, à semelhança do pânico que envolveu populações mun-diais quando da ocorrência da Peste Negra. As matérias publicadas nas revistas Veja e CartaCapital, que constituíram o corpus para a pesquisa deste estudo, trouxeram informações sobre a epidemia da Gripe A, ou Gripe Suína, primeiramente, estabelecendo o medo, provavelmente em função do desconhecimento inicial e da dúvida sobre o trato e o controle, por parte de autoridades governamentais e sanitárias. Verifica-se que, na sequência, as matérias traziam da-

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dos científicos para informar o leitor que de posse de informações objetivas era levado à situação de mais tranquilidade.

O percurso da epidemia foi traçado pela mídia por meio de formas narrativas que envolveram elementos da construção jorna-lística que transitaram entre a objetividade e o sensacionalismo. Es-sas narrativas, ora utilizando a objetividade, ora o sensacionalismo, foram os instrumentos da construção discursiva por meio das quais as revistas aqui analisadas buscaram atribuir sentido às questões que envolveram o episódio do vírus Influenza A. Além dessas duas questões, levou-se em conta a análise das três fases desse tecido discursivo – a do pânico, a científica e a da tranquilização – que envolveram tanto a comunidade científica quanto a população.

Ao estudar a construção da narrativa sensacionalista no jorna-lismo, Barbosa e Enne (2005) classificam as notícias em duas tipo-logias: o sensacionalismo, cujo conteúdo interpela o gosto popular com apelo ao extraordinário, a tudo que foge ao comum, que se aproxima do inominável. E a objetividade, caracterizada, primor-dialmente, pela “seriedade”. Na visão das autoras, “é como se de um lado estivesse o mau gosto representado pelo gosto popular, e, de outro, o bom gosto daqueles que possuem capital simbólico e político suficiente para tornar até mesmo os gostos hegemônicos.” (BARBOSA; ENNE, 2005, p. 67).

Ao considerarem o jornalismo de sensações, as autoras levam em conta não apenas o apelo às sensações físicas e psíquicas, mas às sensações presentes na relação da leitura com o extraordinário, com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia do inomi-nável. São sensações encontradas nas representações próprias do melodrama e que continuam presentes nas formas narrativas do jornalismo sensacionalista. Os gostos e os anseios populares são formados pela mescla de dramas cotidianos com as estruturas nar-rativas que apelam a um imaginário que se situa na fronteira entre o sonho e a realidade. Daí porque o jornalismo sensacionalista tam-bém pode ser caracterizado como de sensações na medida em que estabelece como estrutura básica a construção narrativa de mitos, figurações e representações de uma literatura que atravessa sécu-los, e que, mesmo também narrando “crimes violentos, mortes sus-

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

Na contemporaneidade, quando a sociedade de controle carac-teriza-se como sendo um aperfeiçoamento da sociedade disciplinar (DELEUZE, 1990), o controle do vírus H1N1 apontou para uma lógica na qual os setores sanitários e políticos já não mais exerceram o controle meramente disciplinar, da vigilância e da punição, mas um controle que é da lógica do controle, por ele mesmo.

Como foi possível verificar, os registros históricos dão conta de que as ocorrências de epidemias ou de pandemias em diferentes períodos foram administradas e submetidas a normas disciplinares cujos instrumentos não deixaram dúvidas quanto ao “braço forte” das instâncias do poder político-estatal, quer através de rígida vigi-lância a que eram submetidos os indivíduos, das punições ou mesmo do exame compulsório com suas técnicas documentais redutoras do indivíduo a mero dado estatístico. Se nos tempos atuais normas e instrumentos são amenizados, uma nova instância de poder assume a função de vigilância e de controle, assentada em bases tecnoló-gicas e de alcance ubíquo: a mídia, em todas as suas modalidades.

Como se vê, a mídia, nessas circunstâncias em que trata da cobertura de pandemias, envolvendo o pânico gerado pelo desco-nhecido, a falta de orientação em relação à prevenção e à cura e os riscos de morte acabam tecendo uma construção discursiva onde o medo contamina a população. Construção essa que estamos cha-mando, neste trabalho, de “pandemia discursiva”.

A EPIDEMIA SUÍNA E SEU PERCURSO

Em pleno século XXI, o mundo viveu o medo da doença e da morte, à semelhança do pânico que envolveu populações mun-diais quando da ocorrência da Peste Negra. As matérias publicadas nas revistas Veja e CartaCapital, que constituíram o corpus para a pesquisa deste estudo, trouxeram informações sobre a epidemia da Gripe A, ou Gripe Suína, primeiramente, estabelecendo o medo, provavelmente em função do desconhecimento inicial e da dúvida sobre o trato e o controle, por parte de autoridades governamentais e sanitárias. Verifica-se que, na sequência, as matérias traziam da-

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dos científicos para informar o leitor que de posse de informações objetivas era levado à situação de mais tranquilidade.

O percurso da epidemia foi traçado pela mídia por meio de formas narrativas que envolveram elementos da construção jorna-lística que transitaram entre a objetividade e o sensacionalismo. Es-sas narrativas, ora utilizando a objetividade, ora o sensacionalismo, foram os instrumentos da construção discursiva por meio das quais as revistas aqui analisadas buscaram atribuir sentido às questões que envolveram o episódio do vírus Influenza A. Além dessas duas questões, levou-se em conta a análise das três fases desse tecido discursivo – a do pânico, a científica e a da tranquilização – que envolveram tanto a comunidade científica quanto a população.

Ao estudar a construção da narrativa sensacionalista no jorna-lismo, Barbosa e Enne (2005) classificam as notícias em duas tipo-logias: o sensacionalismo, cujo conteúdo interpela o gosto popular com apelo ao extraordinário, a tudo que foge ao comum, que se aproxima do inominável. E a objetividade, caracterizada, primor-dialmente, pela “seriedade”. Na visão das autoras, “é como se de um lado estivesse o mau gosto representado pelo gosto popular, e, de outro, o bom gosto daqueles que possuem capital simbólico e político suficiente para tornar até mesmo os gostos hegemônicos.” (BARBOSA; ENNE, 2005, p. 67).

Ao considerarem o jornalismo de sensações, as autoras levam em conta não apenas o apelo às sensações físicas e psíquicas, mas às sensações presentes na relação da leitura com o extraordinário, com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia do inomi-nável. São sensações encontradas nas representações próprias do melodrama e que continuam presentes nas formas narrativas do jornalismo sensacionalista. Os gostos e os anseios populares são formados pela mescla de dramas cotidianos com as estruturas nar-rativas que apelam a um imaginário que se situa na fronteira entre o sonho e a realidade. Daí porque o jornalismo sensacionalista tam-bém pode ser caracterizado como de sensações na medida em que estabelece como estrutura básica a construção narrativa de mitos, figurações e representações de uma literatura que atravessa sécu-los, e que, mesmo também narrando “crimes violentos, mortes sus-

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peitas, milagres e de tudo o que rompe com a ordem estabelecida, instaurando um modelo de anormalidade” (BARBOSA; ENNE, 2005, p. 69), não se configura, necessariamente, como uma nar-rativa jornalística pior ou errada, ou de mau gosto, em relação à forma objetiva, mas como uma diferente alternativa discursiva, sem o peso desses qualificativos.

Em se tratando da Gripe Suína, a mídia logo demonstrou inte-resse, evidenciado pela grande produção de textos que dava conta de um novo tipo de gripe causada por um vírus pouco conhecido e que supostamente possuía um grau de letalidade maior do que outras formas já conhecidas de Influenza. Fugir do monstro invisí-vel, o que significava evitar o contágio pelo vírus H1N1, tornou-se prioridade na vida de muitas pessoas. Mas esse cenário só foi montado graças ao que Enne convencionou chamar de “fluxo do sensacional”, que é o resultado da grande exposição do assunto na mídia sob a forma de reportagens, filmes, pesquisas, relatórios e ou-tras modalidades.

Através da construção textual, o jornalista cria uma realidade em que mistura realismo e romance por meio de uma narrativa que se assemelha à dos folhetins, constrói personagens e representações arquetípicas, com personagens retirados do mundo real. Esse tipo de texto envolve o leitor tanto pelo inusitado da trama quanto pela participação – ainda que indireta – na vida desses personagens, atribuindo coerência e sentido de realidade. Mas esse enunciado precisa ser apresentado dentro de um parâmetro de verossimilhan-ça a partir do qual a narrativa esteja situada no meio-termo entre a realidade e a atmosfera de sonho, na qual ao mesmo tempo em que os elementos passionais não devem ser ocultados, não deve haver exagero nas descrições. Tal tipologia noticiosa é quase sempre limi-tada por pequenos subtítulos que resumem o conteúdo, motivando a leitura ou possibilitando o entendimento a partir da visualização de breves elementos textuais. Não basta apenas estampar a man-chete. É preciso particularizar, resumindo o seu conteúdo em pe-quenos subtítulos.

Outro aspecto importante presente nas narrativas sensacio-nalistas é o destaque dado às cores e às imagens, evidenciando a

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prática comum, no Ocidente, de articular quase que obrigatoria-mente o texto à imagem, para conduzir o leitor a construir seu entendimento a partir da leitura que faz também dessa construção não verbal. Isso nos remete à edição, ou melhor, à diagramação, à forma como texto e imagens são dispostos na página, bem como à tipologia empregada, aos cortes produzidos na narrativa. Estraté-gias editoriais que conduzem o leitor a uma forma presumida de leitura e de interpretação.

Depreende-se, com base na visão dessas autoras, que as nar-rativas emocionadas produzem um mundo imaginado, fazem o pú-blico sentir-se participativo naquela realidade criada por meio de estratégias de transformação do verossímil em verdadeiro e ainda leva esse público leitor a estabelecer relação com o periódico. A criação da verossimilhança se faz por duplo movimento, isto é, tan-to pela aproximação com as narrativas que soam familiares, comuns e cotidianas, quanto pelas narrativas que falam de um mundo co-nhecido e que, por ser semelhante, é real e, portanto, “verdadeiro”.

Considerando sua capacidade de seduzir e atrair o público lei-tor, a narrativa sensacionalista tem ainda outra função: alertar. O entendimento do sensacionalismo como mobilizador da sociedade a partir de sua função de alertar para um fenômeno, uma crise ou mesmo um acontecimento pontual, é recorrente.

Pensar o jornalismo sensacionalista para além de uma práti-ca ou de um fenômeno e considerar o que Enne (2007) preconiza como sendo o fluxo narrativo do sensacional, essencialmente ur-bano e, portanto, fortemente associado à modernidade ocidental e ao surgimento das metrópoles e suas inovações tecnológicas como energia elétrica, transporte e comunicação, permite evidenciar os sinais que apontam para a origem da intensificação de estímulos nervosos a que esse homem moderno foi submetido neste novo am-biente urbano. De acordo com Singer (2001, p. 116), as considera-ções que detalham o novo ritmo de vida do homem nesse universo das grandes cidades sinalizam que:

A modernidade implicou um mundo fenomenal – especifica-mente urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico,

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

peitas, milagres e de tudo o que rompe com a ordem estabelecida, instaurando um modelo de anormalidade” (BARBOSA; ENNE, 2005, p. 69), não se configura, necessariamente, como uma nar-rativa jornalística pior ou errada, ou de mau gosto, em relação à forma objetiva, mas como uma diferente alternativa discursiva, sem o peso desses qualificativos.

Em se tratando da Gripe Suína, a mídia logo demonstrou inte-resse, evidenciado pela grande produção de textos que dava conta de um novo tipo de gripe causada por um vírus pouco conhecido e que supostamente possuía um grau de letalidade maior do que outras formas já conhecidas de Influenza. Fugir do monstro invisí-vel, o que significava evitar o contágio pelo vírus H1N1, tornou-se prioridade na vida de muitas pessoas. Mas esse cenário só foi montado graças ao que Enne convencionou chamar de “fluxo do sensacional”, que é o resultado da grande exposição do assunto na mídia sob a forma de reportagens, filmes, pesquisas, relatórios e ou-tras modalidades.

Através da construção textual, o jornalista cria uma realidade em que mistura realismo e romance por meio de uma narrativa que se assemelha à dos folhetins, constrói personagens e representações arquetípicas, com personagens retirados do mundo real. Esse tipo de texto envolve o leitor tanto pelo inusitado da trama quanto pela participação – ainda que indireta – na vida desses personagens, atribuindo coerência e sentido de realidade. Mas esse enunciado precisa ser apresentado dentro de um parâmetro de verossimilhan-ça a partir do qual a narrativa esteja situada no meio-termo entre a realidade e a atmosfera de sonho, na qual ao mesmo tempo em que os elementos passionais não devem ser ocultados, não deve haver exagero nas descrições. Tal tipologia noticiosa é quase sempre limi-tada por pequenos subtítulos que resumem o conteúdo, motivando a leitura ou possibilitando o entendimento a partir da visualização de breves elementos textuais. Não basta apenas estampar a man-chete. É preciso particularizar, resumindo o seu conteúdo em pe-quenos subtítulos.

Outro aspecto importante presente nas narrativas sensacio-nalistas é o destaque dado às cores e às imagens, evidenciando a

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prática comum, no Ocidente, de articular quase que obrigatoria-mente o texto à imagem, para conduzir o leitor a construir seu entendimento a partir da leitura que faz também dessa construção não verbal. Isso nos remete à edição, ou melhor, à diagramação, à forma como texto e imagens são dispostos na página, bem como à tipologia empregada, aos cortes produzidos na narrativa. Estraté-gias editoriais que conduzem o leitor a uma forma presumida de leitura e de interpretação.

Depreende-se, com base na visão dessas autoras, que as nar-rativas emocionadas produzem um mundo imaginado, fazem o pú-blico sentir-se participativo naquela realidade criada por meio de estratégias de transformação do verossímil em verdadeiro e ainda leva esse público leitor a estabelecer relação com o periódico. A criação da verossimilhança se faz por duplo movimento, isto é, tan-to pela aproximação com as narrativas que soam familiares, comuns e cotidianas, quanto pelas narrativas que falam de um mundo co-nhecido e que, por ser semelhante, é real e, portanto, “verdadeiro”.

Considerando sua capacidade de seduzir e atrair o público lei-tor, a narrativa sensacionalista tem ainda outra função: alertar. O entendimento do sensacionalismo como mobilizador da sociedade a partir de sua função de alertar para um fenômeno, uma crise ou mesmo um acontecimento pontual, é recorrente.

Pensar o jornalismo sensacionalista para além de uma práti-ca ou de um fenômeno e considerar o que Enne (2007) preconiza como sendo o fluxo narrativo do sensacional, essencialmente ur-bano e, portanto, fortemente associado à modernidade ocidental e ao surgimento das metrópoles e suas inovações tecnológicas como energia elétrica, transporte e comunicação, permite evidenciar os sinais que apontam para a origem da intensificação de estímulos nervosos a que esse homem moderno foi submetido neste novo am-biente urbano. De acordo com Singer (2001, p. 116), as considera-ções que detalham o novo ritmo de vida do homem nesse universo das grandes cidades sinalizam que:

A modernidade implicou um mundo fenomenal – especifica-mente urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico,

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fragmentado e desorientador do que as fases anteriores da cultu-ra humana. Em meio à turbulência sem precedentes do tráfego, barulho, painéis, sinais de trânsito, multidões, que se acotove-lam, vitrines e anúncios da cidade grande, o indivíduo defron-tou-se com uma nova intensidade de estimulação sensorial. [...] O ritmo de vida também se tornou mais frenético, acelerado pe-las novas formas de transporte rápido, pelos horários prementes do capitalismo moderno e pela velocidade sempre acelerada da linha de montagem.

Horror e melodrama são responsáveis por apagar as fronteiras entre o que pode ser considerada ficção e realidade. Assim, por meio de estratégias de produção de sentido, o jornalismo, ora atra-vés da objetividade, ou por meio das marcas discursivas do sensa-cionalismo, leva até ao leitor elementos da tragédia e do horror e, por que não, do espetáculo, ao produzir informações, opiniões e críticas acerca dos fatos ou acontecimentos da realidade.

O sensacional é a lógica que diz respeito a relações com ma-trizes culturais, o que significa dizer que não necessariamente está restrito a jornais e a revistas sensacionalistas. Como lógica, o sen-sacionalismo pode aparecer e, às vezes, aparece em vários outros discursos em veículos que usualmente não são reconhecidos ou identificados como sensacionalistas.

Nas análises realizadas sobre a cobertura jornalística da epi-demia da Gripe A nas revistas Veja e CartaCapital, depara-se com narrativas que não apenas privilegiaram informações sobre saúde e doença, cuidados profiláticos, pesquisas laboratoriais, política sani-tária de controle de epidemias, mas destacaram o horror, o pânico, o medo da doença e da morte. Outro ponto importante a ser obser-vado foi o despreparo de autoridades governamentais e sanitaristas sobre o contágio da epidemia, e que CartaCapital (CINTRA; LI-RIO, 2009, p. 34), em edição de 12 de agosto, destacou:

Quando se trata de saúde pública, substituir a opinião serena de especialistas por propostas de leigos e oportunistas costuma, no mínimo, resultar em medidas completamente inúteis. O exem-plo mais recente no Brasil foi a decisão da juíza Giani Maria

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Moreschi, que exigiu a distribuição de máscaras no jogo entre Santos e Coritiba, realizado na quarta-feira 5, em Cascavel, pela 17ª rodada do Campeonato Brasileiro. Pelas imagens, pode-se constatar que parte significativa dos torcedores usou a máscara como ornamento do pescoço. Caso cepas do vírus H1N1 te-nham dignado-se a assistir à magra vitória do Santos (1 a 0), não encontraram dificuldades para driblar as intenções da ma-gistrada e circular livremente pelo estádio. Na cidade paranaen-se havia, até o dia do jogo, oito casos confirmados da gripe A, ex-suína. Nenhum fatal.

O modo como essas narrativas foram construídas remete para alguns momentos da história, em que graves doenças infec-ciosas se alastraram em diferentes continentes, fazendo milhares de vítimas pelo medo, pela exclusão e pela morte. Momentos da história em que o poder exerceu sua prerrogativa de vigilância e de punição com extremo rigor. Aqui estão os principais ingre-dientes do jornalismo sensacional que apela para valores cultu-rais, para o imaginário e para as sensações de uma memória social e coletiva na qual o leitor se comove e se aproxima – na dor e no medo – das vítimas.

Entretanto, convém esclarecer que os profissionais jornalistas, assim como as pessoas comuns, não tinham no momento da defla-gração do vírus, acesso a informações completas, de modo que suas publicações, principalmente as iniciais sobre as epidemias, tivessem a marca de uma cobertura correta. Nem suas editorias seriam racio-nais ao ponto de antever até mesmo o que os profissionais da saúde desconheciam. Essa realidade demandou das revistas um processo de reatualização de matrizes culturais da ordem do sensacional, o que, necessariamente, não produziu um “mau jornalismo”, apenas gerou efeitos sociais que são vistos pelos veículos e pelas relações de poder como necessários ao estabelecimento de um tipo de controle e um tipo de resposta na sociedade.

Dessa conjuntura, a mídia estabeleceu um percurso para a produção de suas narrativas que se designa, para efeito do presente estudo, de fase do pânico, de fase científica e de fase da tranqui-

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fragmentado e desorientador do que as fases anteriores da cultu-ra humana. Em meio à turbulência sem precedentes do tráfego, barulho, painéis, sinais de trânsito, multidões, que se acotove-lam, vitrines e anúncios da cidade grande, o indivíduo defron-tou-se com uma nova intensidade de estimulação sensorial. [...] O ritmo de vida também se tornou mais frenético, acelerado pe-las novas formas de transporte rápido, pelos horários prementes do capitalismo moderno e pela velocidade sempre acelerada da linha de montagem.

Horror e melodrama são responsáveis por apagar as fronteiras entre o que pode ser considerada ficção e realidade. Assim, por meio de estratégias de produção de sentido, o jornalismo, ora atra-vés da objetividade, ou por meio das marcas discursivas do sensa-cionalismo, leva até ao leitor elementos da tragédia e do horror e, por que não, do espetáculo, ao produzir informações, opiniões e críticas acerca dos fatos ou acontecimentos da realidade.

O sensacional é a lógica que diz respeito a relações com ma-trizes culturais, o que significa dizer que não necessariamente está restrito a jornais e a revistas sensacionalistas. Como lógica, o sen-sacionalismo pode aparecer e, às vezes, aparece em vários outros discursos em veículos que usualmente não são reconhecidos ou identificados como sensacionalistas.

Nas análises realizadas sobre a cobertura jornalística da epi-demia da Gripe A nas revistas Veja e CartaCapital, depara-se com narrativas que não apenas privilegiaram informações sobre saúde e doença, cuidados profiláticos, pesquisas laboratoriais, política sani-tária de controle de epidemias, mas destacaram o horror, o pânico, o medo da doença e da morte. Outro ponto importante a ser obser-vado foi o despreparo de autoridades governamentais e sanitaristas sobre o contágio da epidemia, e que CartaCapital (CINTRA; LI-RIO, 2009, p. 34), em edição de 12 de agosto, destacou:

Quando se trata de saúde pública, substituir a opinião serena de especialistas por propostas de leigos e oportunistas costuma, no mínimo, resultar em medidas completamente inúteis. O exem-plo mais recente no Brasil foi a decisão da juíza Giani Maria

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Moreschi, que exigiu a distribuição de máscaras no jogo entre Santos e Coritiba, realizado na quarta-feira 5, em Cascavel, pela 17ª rodada do Campeonato Brasileiro. Pelas imagens, pode-se constatar que parte significativa dos torcedores usou a máscara como ornamento do pescoço. Caso cepas do vírus H1N1 te-nham dignado-se a assistir à magra vitória do Santos (1 a 0), não encontraram dificuldades para driblar as intenções da ma-gistrada e circular livremente pelo estádio. Na cidade paranaen-se havia, até o dia do jogo, oito casos confirmados da gripe A, ex-suína. Nenhum fatal.

O modo como essas narrativas foram construídas remete para alguns momentos da história, em que graves doenças infec-ciosas se alastraram em diferentes continentes, fazendo milhares de vítimas pelo medo, pela exclusão e pela morte. Momentos da história em que o poder exerceu sua prerrogativa de vigilância e de punição com extremo rigor. Aqui estão os principais ingre-dientes do jornalismo sensacional que apela para valores cultu-rais, para o imaginário e para as sensações de uma memória social e coletiva na qual o leitor se comove e se aproxima – na dor e no medo – das vítimas.

Entretanto, convém esclarecer que os profissionais jornalistas, assim como as pessoas comuns, não tinham no momento da defla-gração do vírus, acesso a informações completas, de modo que suas publicações, principalmente as iniciais sobre as epidemias, tivessem a marca de uma cobertura correta. Nem suas editorias seriam racio-nais ao ponto de antever até mesmo o que os profissionais da saúde desconheciam. Essa realidade demandou das revistas um processo de reatualização de matrizes culturais da ordem do sensacional, o que, necessariamente, não produziu um “mau jornalismo”, apenas gerou efeitos sociais que são vistos pelos veículos e pelas relações de poder como necessários ao estabelecimento de um tipo de controle e um tipo de resposta na sociedade.

Dessa conjuntura, a mídia estabeleceu um percurso para a produção de suas narrativas que se designa, para efeito do presente estudo, de fase do pânico, de fase científica e de fase da tranqui-

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lização, através das quais é perceptível o controle dos dados e dos critérios de produção discursiva.

FASE DE PÂNICO

A imprecisão de informações sobre a doença – suas causas, controle e prevenção, principalmente, por parte das autoridades sanitárias, relatos sobre o medo de familiares de vítimas, relatórios de óbitos, os riscos de contágio – caracteriza a narrativa inicial so-bre a Gripe Suína e constitui algumas das razões para o surgimento do que é denominado, neste artigo, de fase de pânico, momento quando se instalou o medo generalizado na população, em função das imprecisões e das incertezas.

A edição de 6 de maio de 2009, da revista Veja traz uma longa reportagem destacando, em uma das chamadas de capa, o título: “Pandemia por que a gripe suína assusta tanto o mundo”. O título do texto se sobressai com a palavra Pânico. A fotografia, que ocu-pa grande parte das duas primeiras páginas, mostra passageiros no metrô da Cidade do México usando máscaras para se protegerem do vírus da gripe. Essa matéria utiliza algumas estratégias editoriais que, de acordo com Enne (2007) evidenciam o apelo sensaciona-lista, como manchetes com letras “garrafais”, seguidas de subtítulos impactantes, bem como a utilização de ilustrações, como grandes fotografias mostrando detalhes de uma tragédia que está por vir. A legenda - Inimigo Invisível - é também carregada de simbolismo e reforça o quadro de apreensão e de horror representado pelo desco-nhecido, pelo “outro”, ou pelo “monstro” que pode levar à morte.

Observa-se que a atmosfera de medo em relação à doença não se limita apenas aos títulos, subtítulos, fotos e legendas, mas está presente também no enunciado que abre a matéria, no qual é possí-vel verificar forte carga de melodrama e horror, como se constata na sentença “a insuficiência respiratória torna impossível caminhar” ou no uso do advérbio “simplesmente” que, no contexto, possui um valor significativo e representa mais uma vez o “monstro”, esse suposto inimigo invisível.

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Enne (2007) lembra o que Eugène Sue descreve como os “no-vos outros”, os novos agentes que forjam uma nova referência espa-cial para o medo, não mais representados pelas florestas e castelos medievais, posto que a monstruosidade agora está presente na vida urbana, no perigo das grandes cidades, nos bairros populosos, nas ruas mal iluminadas, nos rostos anônimos, no estilo de vida metro-politano. As cidades modernas, com sua concentração demográfica e constantes aglomerações, impõem aos seus habitantes o medo de, em um simples aperto de mão, ser contaminado por um vírus letal.

Na mesma reportagem, Veja destaca o papel da OMS, como sendo a autoridade da informação e a detentora do poder de coor-denar as ações de controle e combate da epidemia no mundo, ao elevar o alerta para a possibilidade de a Gripe Suína se transformar em pandemia. Na sequência do texto, Veja faz referência à Gripe Espanhola utilizando-se de um elo narrativo temporal que aqui tem efeito melodramático e de horror, pois, afinal, instala o medo e a comoção de se viver o drama das populações da Idade Média com a Peste Negra, ou do século passado com a Gripe Espanhola, ou ainda o medo da vacina, quando da epidemia da varíola no Bra-sil. As narrativas sobre o pânico atual da população em relação à Gripe Suína ativa uma memória (social e discursiva) sobre o medo das pestes e suas consequências já vividas. Eis o relato de Veja, em matéria assinada por Teixeira:

Na quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 – numa escala de 1 a 6 – seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, ou seja, uma epide-mia que se dissemina por todo o planeta. Aos poucos, o medo se transformou em pânico. Por toda parte ressurgiu o espectro da pior epidemia do século XX, a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas nos cinco continentes. As semelhanças realmente exis-tem. A gripe espanhola de 1918 também eclodiu em um momento de globalização, com os grandes navios transatlânticos e ondas mi-gratórias sucessivas. (TEIXEIRA et al., 2009, p. 111).

Quando se refere às epidemias do século passado, faz uso de algumas imagens em preto e branco, levando o leitor a pensar que o

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lização, através das quais é perceptível o controle dos dados e dos critérios de produção discursiva.

FASE DE PÂNICO

A imprecisão de informações sobre a doença – suas causas, controle e prevenção, principalmente, por parte das autoridades sanitárias, relatos sobre o medo de familiares de vítimas, relatórios de óbitos, os riscos de contágio – caracteriza a narrativa inicial so-bre a Gripe Suína e constitui algumas das razões para o surgimento do que é denominado, neste artigo, de fase de pânico, momento quando se instalou o medo generalizado na população, em função das imprecisões e das incertezas.

A edição de 6 de maio de 2009, da revista Veja traz uma longa reportagem destacando, em uma das chamadas de capa, o título: “Pandemia por que a gripe suína assusta tanto o mundo”. O título do texto se sobressai com a palavra Pânico. A fotografia, que ocu-pa grande parte das duas primeiras páginas, mostra passageiros no metrô da Cidade do México usando máscaras para se protegerem do vírus da gripe. Essa matéria utiliza algumas estratégias editoriais que, de acordo com Enne (2007) evidenciam o apelo sensaciona-lista, como manchetes com letras “garrafais”, seguidas de subtítulos impactantes, bem como a utilização de ilustrações, como grandes fotografias mostrando detalhes de uma tragédia que está por vir. A legenda - Inimigo Invisível - é também carregada de simbolismo e reforça o quadro de apreensão e de horror representado pelo desco-nhecido, pelo “outro”, ou pelo “monstro” que pode levar à morte.

Observa-se que a atmosfera de medo em relação à doença não se limita apenas aos títulos, subtítulos, fotos e legendas, mas está presente também no enunciado que abre a matéria, no qual é possí-vel verificar forte carga de melodrama e horror, como se constata na sentença “a insuficiência respiratória torna impossível caminhar” ou no uso do advérbio “simplesmente” que, no contexto, possui um valor significativo e representa mais uma vez o “monstro”, esse suposto inimigo invisível.

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Enne (2007) lembra o que Eugène Sue descreve como os “no-vos outros”, os novos agentes que forjam uma nova referência espa-cial para o medo, não mais representados pelas florestas e castelos medievais, posto que a monstruosidade agora está presente na vida urbana, no perigo das grandes cidades, nos bairros populosos, nas ruas mal iluminadas, nos rostos anônimos, no estilo de vida metro-politano. As cidades modernas, com sua concentração demográfica e constantes aglomerações, impõem aos seus habitantes o medo de, em um simples aperto de mão, ser contaminado por um vírus letal.

Na mesma reportagem, Veja destaca o papel da OMS, como sendo a autoridade da informação e a detentora do poder de coor-denar as ações de controle e combate da epidemia no mundo, ao elevar o alerta para a possibilidade de a Gripe Suína se transformar em pandemia. Na sequência do texto, Veja faz referência à Gripe Espanhola utilizando-se de um elo narrativo temporal que aqui tem efeito melodramático e de horror, pois, afinal, instala o medo e a comoção de se viver o drama das populações da Idade Média com a Peste Negra, ou do século passado com a Gripe Espanhola, ou ainda o medo da vacina, quando da epidemia da varíola no Bra-sil. As narrativas sobre o pânico atual da população em relação à Gripe Suína ativa uma memória (social e discursiva) sobre o medo das pestes e suas consequências já vividas. Eis o relato de Veja, em matéria assinada por Teixeira:

Na quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 – numa escala de 1 a 6 – seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, ou seja, uma epide-mia que se dissemina por todo o planeta. Aos poucos, o medo se transformou em pânico. Por toda parte ressurgiu o espectro da pior epidemia do século XX, a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas nos cinco continentes. As semelhanças realmente exis-tem. A gripe espanhola de 1918 também eclodiu em um momento de globalização, com os grandes navios transatlânticos e ondas mi-gratórias sucessivas. (TEIXEIRA et al., 2009, p. 111).

Quando se refere às epidemias do século passado, faz uso de algumas imagens em preto e branco, levando o leitor a pensar que o

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

ato de relembrar as epidemias é uma estratégia discursiva para, sob o argumento de evitá-las no futuro, legitimar as ações necessárias de controle e vigilância recomendadas por autoridades sanitárias.

O enunciador de Veja é forte, ameaçador, não raro assu-mindo a posição de detentor da verdade. Veja não apenas narra os fatos, ela os dramatiza, compondo um quadro que chega a ser chocante. O fato de haver a exploração da emoção não impede a presença, na mesma narrativa, de elementos com informações não-ficcionais. As narrativas que envolvem melodrama e horror são comumente apresentadas como uma história assombrosa, horrível, ou extraordinária, porém atual e verdadeira, retirada diretamente da vida privada das pessoas. Mesmo tornando-se públicas, tais narrativas aproximam-se das preocupações familiares do leitor que se reconhece em cada uma das histórias que poderia ser a sua. Narrativas emocionais que evocam laços familiares são fundamentalmente importantes, por conferirem estatuto de legitimidade a essas histórias. A presença dos detalhes, as entrevistas e as imagens são alguns dos elementos que contribuem para a autenticidade da história e para a ilusão de proximidade, marcas que estão presentes nestas narrativas.

A matéria destaca também a questão dos prejuízos causados à economia mexicana em função da onda de pânico gerada com o anúncio da possibilidade de uma pandemia:

Calcula-se que a paralisação de parte da economia do país esteja causando um prejuízo diário de 55 milhões de dólares apenas na capital. O México é o único país latino-americano a figurar na lista dos dez principais destinos turísticos do mundo, com 21 mi-lhões de visitantes estrangeiros por ano, quatro vezes o que recebe o Brasil. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional divulgado há duas semanas, o México é o país da América Latina mais afetado pela crise financeira, com uma queda de 3,7% do PIB neste ano. Com a gripe suína, economistas mexicanos estimam que a queda do PIB possa chegar a 4,8%. (TEIXEIRA et al., 2009, p. 114).

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A revista CartaCapital, na edição do dia 06 de maio de 2009, publicou duas reportagens, trazendo na chamada de capa, “Gripe Suína: os riscos reais da epidemia”. Na sessão Nosso Mundo, editoria internacional de CartaCapital, o sugestivo título da primeira matéria era instigante: “Se os EUA espirram...” A reportagem começava afirmando que “Outra epidemia inquieta as autoridades sanitárias de todo o mundo. Os motivos, desta vez, são mais fortes do que os que inspiram ansiedade em relação à Gripe Aviária [...]” (COSTA, 2009, p. 64). Em razão da materialização do texto e das imagens, é possível perceber que a reportagem sugere o papel gerenciador da imprensa e da OMS. Esse papel relaciona-se às crises globais, sejam elas de ordem econômica, de saúde, de política, de violência ou de outra ordem, desde que afetem a comunidade mundial.

Observou-se, anteriormente, por meio das análises de Foucault (2009), o modo como, em tempo de peste, era posto em funciona-mento um amplo sistema de contabilidade, que era constantemen-te atualizado, como forma de exercer o controle dos enfermos e dos mortos. Assim, em 2009, a OMS estabelece a imprensa como lugar de gerenciar as crises mundiais e, para isso, utiliza-se também de uma permanente contabilidade em todo o mundo para determinar o que deve ser feito em relação ao combate da Gripe A. É o que constatamos em CartaCapital:

Em 25 de abril, a OMS declarou emergência internacional de saúde pública. Nos Estados Unidos, principalmente no Texas e na Califór-nia, foram confirmados pelo menos 66 casos em laboratórios (ante apenas 19 no México). Também há casos confirmados no Canadá, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Áustria, Nova Zelândia, Costa Rica e Israel, e suspeitos em outros países da Europa, América Lati-na e Extremo Oriente. Na segunda-feira 27, a comissária de Saúde da União Européia,[...] solicitou aos cidadãos que evitem as via-gens ao México e aos EUA que não sejam absolutamente urgentes. Cuba e Argentina suspenderam totalmente os vôos para o México. A França pediu a mesma medida à EU. (COSTA, 2009, p. 65).

A questão do elo narrativo temporal é outro ponto importan-te, a forma como as construções narrativas (re) atualizam-se nas

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

ato de relembrar as epidemias é uma estratégia discursiva para, sob o argumento de evitá-las no futuro, legitimar as ações necessárias de controle e vigilância recomendadas por autoridades sanitárias.

O enunciador de Veja é forte, ameaçador, não raro assu-mindo a posição de detentor da verdade. Veja não apenas narra os fatos, ela os dramatiza, compondo um quadro que chega a ser chocante. O fato de haver a exploração da emoção não impede a presença, na mesma narrativa, de elementos com informações não-ficcionais. As narrativas que envolvem melodrama e horror são comumente apresentadas como uma história assombrosa, horrível, ou extraordinária, porém atual e verdadeira, retirada diretamente da vida privada das pessoas. Mesmo tornando-se públicas, tais narrativas aproximam-se das preocupações familiares do leitor que se reconhece em cada uma das histórias que poderia ser a sua. Narrativas emocionais que evocam laços familiares são fundamentalmente importantes, por conferirem estatuto de legitimidade a essas histórias. A presença dos detalhes, as entrevistas e as imagens são alguns dos elementos que contribuem para a autenticidade da história e para a ilusão de proximidade, marcas que estão presentes nestas narrativas.

A matéria destaca também a questão dos prejuízos causados à economia mexicana em função da onda de pânico gerada com o anúncio da possibilidade de uma pandemia:

Calcula-se que a paralisação de parte da economia do país esteja causando um prejuízo diário de 55 milhões de dólares apenas na capital. O México é o único país latino-americano a figurar na lista dos dez principais destinos turísticos do mundo, com 21 mi-lhões de visitantes estrangeiros por ano, quatro vezes o que recebe o Brasil. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional divulgado há duas semanas, o México é o país da América Latina mais afetado pela crise financeira, com uma queda de 3,7% do PIB neste ano. Com a gripe suína, economistas mexicanos estimam que a queda do PIB possa chegar a 4,8%. (TEIXEIRA et al., 2009, p. 114).

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A revista CartaCapital, na edição do dia 06 de maio de 2009, publicou duas reportagens, trazendo na chamada de capa, “Gripe Suína: os riscos reais da epidemia”. Na sessão Nosso Mundo, editoria internacional de CartaCapital, o sugestivo título da primeira matéria era instigante: “Se os EUA espirram...” A reportagem começava afirmando que “Outra epidemia inquieta as autoridades sanitárias de todo o mundo. Os motivos, desta vez, são mais fortes do que os que inspiram ansiedade em relação à Gripe Aviária [...]” (COSTA, 2009, p. 64). Em razão da materialização do texto e das imagens, é possível perceber que a reportagem sugere o papel gerenciador da imprensa e da OMS. Esse papel relaciona-se às crises globais, sejam elas de ordem econômica, de saúde, de política, de violência ou de outra ordem, desde que afetem a comunidade mundial.

Observou-se, anteriormente, por meio das análises de Foucault (2009), o modo como, em tempo de peste, era posto em funciona-mento um amplo sistema de contabilidade, que era constantemen-te atualizado, como forma de exercer o controle dos enfermos e dos mortos. Assim, em 2009, a OMS estabelece a imprensa como lugar de gerenciar as crises mundiais e, para isso, utiliza-se também de uma permanente contabilidade em todo o mundo para determinar o que deve ser feito em relação ao combate da Gripe A. É o que constatamos em CartaCapital:

Em 25 de abril, a OMS declarou emergência internacional de saúde pública. Nos Estados Unidos, principalmente no Texas e na Califór-nia, foram confirmados pelo menos 66 casos em laboratórios (ante apenas 19 no México). Também há casos confirmados no Canadá, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Áustria, Nova Zelândia, Costa Rica e Israel, e suspeitos em outros países da Europa, América Lati-na e Extremo Oriente. Na segunda-feira 27, a comissária de Saúde da União Européia,[...] solicitou aos cidadãos que evitem as via-gens ao México e aos EUA que não sejam absolutamente urgentes. Cuba e Argentina suspenderam totalmente os vôos para o México. A França pediu a mesma medida à EU. (COSTA, 2009, p. 65).

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narrativas atuais sobre a Gripe Suína, trazendo informações de en-fermidades que marcaram a história, a exemplo da Gripe Espanho-la, da Gripe Aviária, e outras. O pânico gerado pela doença e pelo medo da morte, o horror causado pelas medidas de isolamento e de punição, como formas administrativas de vigilância e controle para evitar o contágio, e que marcaram as epidemias na Idade Média e no século XVIII, pareciam estar de volta por meio das narrativas atualizadas sobre as epidemias contemporâneas.

Na segunda reportagem desta mesma edição, CartaCapital (2009) apresenta a matéria “Epidemia de despreparo”. Com uma abordagem nacional e internacional, a reportagem destaca o jorna-lismo e as relações de poder, ao analisar como a falta de preparo, o desconhecimento e a influência econômica interferem no discurso de autoridades sanitárias no mundo todo. Informava-se, na maté-ria, que a Europa parecia mais preparada para adequar as respostas de governo a esse tipo de ameaça porque as recomendações eram dadas por órgãos de saúde:

As epidemias ocorrem por erro dos países que não vacinam seus animais e não tem programa educativo ou de orientação para os criadores de porcos e aves. Em alguns lugares o porco doente é abatido e servido na mesa do criador.[...] A Europa parece muito mais preparada para adequar as respostas de governo a esse tipo de ameaça, pois seus dirigentes se reservam a anunciar reuniões com seus técnicos e as precauções são dadas pelos órgãos de saúde e com bom senso.[...] A comissária de Saúde da União Européia, Androulla Vassilliou, recomendou claramente aos cidadãos que evitem viagens não essenciais às regiões onde há casos confirma-dos da doença. (TUMA, 2009, p. 67-68).

CartaCapital constrói suas narrativas de maneira forte e amea-çadora e mostra como os sistemas de saúde no mundo são vulnerá-veis à nova epidemia. A revista constrói sentidos ligados ao medo, quando destaca duas imagens: a primeira em preto em branco de um hospital de campanha durante a Gripe Espanhola, em 1918, e a segunda, do recolhimento de aves para o sacrifício, durante a epidemia de Gripe Aviária, em 2003. Para reforçar as imagens, o

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texto informa que ao contrário da Gripe Aviária, transmitida de animais para humanos, a Gripe Suína é transmitida por humanos, o que, supostamente, segundo CartaCapital, significa um risco muito maior de pandemia, de abrangência mundial. Verifica-se, nessa re-portagem, mais do que uma crítica às autoridades, um verdadeiro exercício de poder por parte do suporte, que exige determinadas ações em relação ao combate a epidemia no Brasil.

A esperança no desenvolvimento de uma vacina que traga a imunização e cura aos pacientes de Gripe Suína era uma marca pre-sente em algumas matérias publicadas no período que chamamos de fase do pânico. Nessa fase, as matérias publicadas pela imprensa falavam de um vírus devastador sobre o qual não havia controle sanitário, o que ampliava o medo da população. Ademais, a nar-rativa jornalística estabelecia comparação com a Gripe Espanhola, publicava depoimentos emocionados de pessoas que haviam perdi-do familiares vítimas da Gripe Suína, alertava contra os riscos reais e ilustrava as matérias com imagens de pessoas usando máscaras, como forma de alertar sobre a prevenção e os cuidados contra o contágio. Mas a fase do pânico deu lugar à fase que chamamos de científica, quando tem início o momento marcado pelo controle sanitário do vírus da gripe.

FASE CIENTÍFICA

A análise das matérias publicadas por CartaCapital e Veja de-monstrou que, à proporção que o vírus se tornava conhecido, a prevenção do contágio, as medidas profiláticas e a demonstração de maior segurança por parte das autoridades sanitárias em relação às causas e controle da epidemia, a narrativa e o discurso também vão sendo alterados. A esta fase, estamos denominando de fase científica, caracterizada pela transição em que as notícias tendem a basear-se mais em observações médicas, dando às narrativas cunho mais científico. Percebe-se que o enfoque, nessa segunda fase, ame-niza a tensão inicialmente construída. A Veja, de 20 de maio de 2009, trazia a reportagem cujo título era “A lição da gripe suína”, e

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

narrativas atuais sobre a Gripe Suína, trazendo informações de en-fermidades que marcaram a história, a exemplo da Gripe Espanho-la, da Gripe Aviária, e outras. O pânico gerado pela doença e pelo medo da morte, o horror causado pelas medidas de isolamento e de punição, como formas administrativas de vigilância e controle para evitar o contágio, e que marcaram as epidemias na Idade Média e no século XVIII, pareciam estar de volta por meio das narrativas atualizadas sobre as epidemias contemporâneas.

Na segunda reportagem desta mesma edição, CartaCapital (2009) apresenta a matéria “Epidemia de despreparo”. Com uma abordagem nacional e internacional, a reportagem destaca o jorna-lismo e as relações de poder, ao analisar como a falta de preparo, o desconhecimento e a influência econômica interferem no discurso de autoridades sanitárias no mundo todo. Informava-se, na maté-ria, que a Europa parecia mais preparada para adequar as respostas de governo a esse tipo de ameaça porque as recomendações eram dadas por órgãos de saúde:

As epidemias ocorrem por erro dos países que não vacinam seus animais e não tem programa educativo ou de orientação para os criadores de porcos e aves. Em alguns lugares o porco doente é abatido e servido na mesa do criador.[...] A Europa parece muito mais preparada para adequar as respostas de governo a esse tipo de ameaça, pois seus dirigentes se reservam a anunciar reuniões com seus técnicos e as precauções são dadas pelos órgãos de saúde e com bom senso.[...] A comissária de Saúde da União Européia, Androulla Vassilliou, recomendou claramente aos cidadãos que evitem viagens não essenciais às regiões onde há casos confirma-dos da doença. (TUMA, 2009, p. 67-68).

CartaCapital constrói suas narrativas de maneira forte e amea-çadora e mostra como os sistemas de saúde no mundo são vulnerá-veis à nova epidemia. A revista constrói sentidos ligados ao medo, quando destaca duas imagens: a primeira em preto em branco de um hospital de campanha durante a Gripe Espanhola, em 1918, e a segunda, do recolhimento de aves para o sacrifício, durante a epidemia de Gripe Aviária, em 2003. Para reforçar as imagens, o

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texto informa que ao contrário da Gripe Aviária, transmitida de animais para humanos, a Gripe Suína é transmitida por humanos, o que, supostamente, segundo CartaCapital, significa um risco muito maior de pandemia, de abrangência mundial. Verifica-se, nessa re-portagem, mais do que uma crítica às autoridades, um verdadeiro exercício de poder por parte do suporte, que exige determinadas ações em relação ao combate a epidemia no Brasil.

A esperança no desenvolvimento de uma vacina que traga a imunização e cura aos pacientes de Gripe Suína era uma marca pre-sente em algumas matérias publicadas no período que chamamos de fase do pânico. Nessa fase, as matérias publicadas pela imprensa falavam de um vírus devastador sobre o qual não havia controle sanitário, o que ampliava o medo da população. Ademais, a nar-rativa jornalística estabelecia comparação com a Gripe Espanhola, publicava depoimentos emocionados de pessoas que haviam perdi-do familiares vítimas da Gripe Suína, alertava contra os riscos reais e ilustrava as matérias com imagens de pessoas usando máscaras, como forma de alertar sobre a prevenção e os cuidados contra o contágio. Mas a fase do pânico deu lugar à fase que chamamos de científica, quando tem início o momento marcado pelo controle sanitário do vírus da gripe.

FASE CIENTÍFICA

A análise das matérias publicadas por CartaCapital e Veja de-monstrou que, à proporção que o vírus se tornava conhecido, a prevenção do contágio, as medidas profiláticas e a demonstração de maior segurança por parte das autoridades sanitárias em relação às causas e controle da epidemia, a narrativa e o discurso também vão sendo alterados. A esta fase, estamos denominando de fase científica, caracterizada pela transição em que as notícias tendem a basear-se mais em observações médicas, dando às narrativas cunho mais científico. Percebe-se que o enfoque, nessa segunda fase, ame-niza a tensão inicialmente construída. A Veja, de 20 de maio de 2009, trazia a reportagem cujo título era “A lição da gripe suína”, e

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

com o subtítulo “o pânico causado pela epidemia se dissipou, mas serviu de alerta para um inimigo que a ciência está longe de domar: os vírus responsáveis por doenças que vão do câncer à AIDS”. O texto inicial da matéria informa que: “passadas três semanas do anúncio de que a gripe suína poderia se transformar numa pande-mia mortal, o pânico que correu o mundo enfim se dissipou”. Com um enfoque predominantemente internacional, a revista faz uma rápida referência ao Brasil na contabilidade de infectados. (CA-RELLI; LOPES, 2009, p. 80).

Veja ainda explora muito a imagem, que ocupa a maior parte das duas páginas iniciais. A fotografia mostra um bebê com másca-ra sendo observado pela mãe em um hospital da China, onde, mais uma vez, é possível evidenciar marcas de melodrama e de horror, associados ao fato de surgirem três novos grupos de vítimas mais suscetíveis de contaminação pela Gripe A – crianças, gestantes e idosos. A imagem parece sugerir que agora, primordialmente, é preciso salvar o filho. A mãe parece ficar em segundo plano na prioridade de atenção à saúde. A política de combate da Gripe Suína, coordenada pela OMS, insere novos procedimentos nos protocolos de tratamento da doença, preconizando que agora a atenção deve ser dada às crianças, às gestantes e aos idosos que, por serem mais vulneráveis, sob o ponto de vista imunológico, se-rão vacinados por fazerem parte do grupo de risco. Isto nos remete a Foucault (2009), quando trata da normalização. Ele descreve sobre a rigidez das normas que foram tomadas, no século XVIII, em relação aos processos de controle nos hospitais, as quais ser-viram à vigilância médica exercida sobre a população contagiada pela Peste.

Por outro lado, a revista CartaCapital (PANDEMIA, 2009, p. 17), de 17 de junho, traz na seção “A semana”, uma nota em que destaca que a OMS elevou o nível de alerta em relação à Gripe A da fase 5 para a 6, a mais alta na escala de risco. No entanto, informa que “a OMS acredita que o planeta está preparado para combater com eficácia o avanço da doença” e que “nenhuma pan-demia foi detectada com tanta antecedência ou acompanhada tão de perto em tempo real, em seu estágio inicial.”

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Enquanto a fase do pânico tratou a epidemia do vírus da Gri-pe Suína enfatizando sua propagação em proporções mundiais, estabelecendo comparações com epidemias anteriores, fazendo a contagem das vítimas, a fase científica tratou a questão de modo menos sensacional, o que gerou certa amenidade na pressão gera-da pela fase anterior. Na fase científica, as narrativas jornalísticas buscavam orientar a população em relação aos procedimentos de tratamento e publicavam declarações otimistas da OMS sobre o combate e o controle da epidemia. A fase seguinte, a da tranqui-lização, reverte o cenário de medo e infunde a esperança da cura.

FASE DE TRANQUILIZAÇÃO

Essa fase foi marcada pela publicação de matérias caracteri-zadas pela esperança no desenvolvimento de uma vacina capaz de imunizar e de trazer cura aos pacientes da Gripe Suína. Em 29 de julho, a revista Veja publica uma reportagem com dados mais ani-madores, que acabam indo de encontro às suas primeiras matérias, ao anunciar no título que “Não há motivo para tanto alarme”. Nes-se mesmo sentido, traz como subtítulo “A gripe suína preocupa mi-lhões de brasileiros, mas ela mata muito menos que a gripe comum, e nada indica que o vírus transmissor ficará mais agressivo.”

Com pequena chamada de capa, matéria de apenas duas pá-ginas e fotografia ocupando aproximadamente meia página, traz infográficos explicativos sobre mitos e verdades da nova gripe. Em dado momento, a reportagem afirma que “A gripe comum é bem mais letal do que ela”. Com enfoque predominantemente nacio-nal, fica clara a mudança de abordagem na matéria para um tom mais neutro em relação às anteriormente publicadas, evidenciando a fase de tranquilização.

Como o título sugere, a matéria da Veja tentava tranquilizar o leitor, mostrando que a situação estava sob controle, finalizando com a afirmação de que “no Brasil, a vacina seria utilizada a partir do próximo inverno. Até lá, repita-se, é prudente ter cuidado com a gripe suína, mas não há necessidade de alterar hábitos, muito

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com o subtítulo “o pânico causado pela epidemia se dissipou, mas serviu de alerta para um inimigo que a ciência está longe de domar: os vírus responsáveis por doenças que vão do câncer à AIDS”. O texto inicial da matéria informa que: “passadas três semanas do anúncio de que a gripe suína poderia se transformar numa pande-mia mortal, o pânico que correu o mundo enfim se dissipou”. Com um enfoque predominantemente internacional, a revista faz uma rápida referência ao Brasil na contabilidade de infectados. (CA-RELLI; LOPES, 2009, p. 80).

Veja ainda explora muito a imagem, que ocupa a maior parte das duas páginas iniciais. A fotografia mostra um bebê com másca-ra sendo observado pela mãe em um hospital da China, onde, mais uma vez, é possível evidenciar marcas de melodrama e de horror, associados ao fato de surgirem três novos grupos de vítimas mais suscetíveis de contaminação pela Gripe A – crianças, gestantes e idosos. A imagem parece sugerir que agora, primordialmente, é preciso salvar o filho. A mãe parece ficar em segundo plano na prioridade de atenção à saúde. A política de combate da Gripe Suína, coordenada pela OMS, insere novos procedimentos nos protocolos de tratamento da doença, preconizando que agora a atenção deve ser dada às crianças, às gestantes e aos idosos que, por serem mais vulneráveis, sob o ponto de vista imunológico, se-rão vacinados por fazerem parte do grupo de risco. Isto nos remete a Foucault (2009), quando trata da normalização. Ele descreve sobre a rigidez das normas que foram tomadas, no século XVIII, em relação aos processos de controle nos hospitais, as quais ser-viram à vigilância médica exercida sobre a população contagiada pela Peste.

Por outro lado, a revista CartaCapital (PANDEMIA, 2009, p. 17), de 17 de junho, traz na seção “A semana”, uma nota em que destaca que a OMS elevou o nível de alerta em relação à Gripe A da fase 5 para a 6, a mais alta na escala de risco. No entanto, informa que “a OMS acredita que o planeta está preparado para combater com eficácia o avanço da doença” e que “nenhuma pan-demia foi detectada com tanta antecedência ou acompanhada tão de perto em tempo real, em seu estágio inicial.”

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Enquanto a fase do pânico tratou a epidemia do vírus da Gri-pe Suína enfatizando sua propagação em proporções mundiais, estabelecendo comparações com epidemias anteriores, fazendo a contagem das vítimas, a fase científica tratou a questão de modo menos sensacional, o que gerou certa amenidade na pressão gera-da pela fase anterior. Na fase científica, as narrativas jornalísticas buscavam orientar a população em relação aos procedimentos de tratamento e publicavam declarações otimistas da OMS sobre o combate e o controle da epidemia. A fase seguinte, a da tranqui-lização, reverte o cenário de medo e infunde a esperança da cura.

FASE DE TRANQUILIZAÇÃO

Essa fase foi marcada pela publicação de matérias caracteri-zadas pela esperança no desenvolvimento de uma vacina capaz de imunizar e de trazer cura aos pacientes da Gripe Suína. Em 29 de julho, a revista Veja publica uma reportagem com dados mais ani-madores, que acabam indo de encontro às suas primeiras matérias, ao anunciar no título que “Não há motivo para tanto alarme”. Nes-se mesmo sentido, traz como subtítulo “A gripe suína preocupa mi-lhões de brasileiros, mas ela mata muito menos que a gripe comum, e nada indica que o vírus transmissor ficará mais agressivo.”

Com pequena chamada de capa, matéria de apenas duas pá-ginas e fotografia ocupando aproximadamente meia página, traz infográficos explicativos sobre mitos e verdades da nova gripe. Em dado momento, a reportagem afirma que “A gripe comum é bem mais letal do que ela”. Com enfoque predominantemente nacio-nal, fica clara a mudança de abordagem na matéria para um tom mais neutro em relação às anteriormente publicadas, evidenciando a fase de tranquilização.

Como o título sugere, a matéria da Veja tentava tranquilizar o leitor, mostrando que a situação estava sob controle, finalizando com a afirmação de que “no Brasil, a vacina seria utilizada a partir do próximo inverno. Até lá, repita-se, é prudente ter cuidado com a gripe suína, mas não há necessidade de alterar hábitos, muito

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

menos de entrar em pânico por causa dela.” (MAGALHÃES; MO-RAES, 2009, p. 99).

Nessa fase, observa-se que não houve a necessidade de esta-belecer elo narrativo temporal com a ideia de pânico, explorado em matérias anteriores. Bastante opinativa, Veja privilegia as fontes não oficiais, por entender o Estado como incompetente e intruso, destinando ao setor privado a primazia das soluções do mundo.

No mundo ocidental, a ficção e a fantasia utilizam, muitas vezes, o medo como ingrediente principal. São frequentes notícias alarmistas sobre doenças em jornais e revistas de interesse geral, incluindo publicações nas quais não se esperaria encontrá-las. Nessa análise, encontram-se narrativas que destacaram o pânico e o medo da doença e da morte, em pleno século XXI, em que o avanço do conhecimento e das pesquisas já deveria ser um fator de confiança, tanto da parte do governo quanto do meio científi-co. As revistas Veja e CartaCapital, que constituíram o corpus de análise deste artigo, e que estão entre as publicações que gozam de credibilidade no meio editorial e entre o público brasileiro, cons-truíram, de modo similar, um discurso cujas estratégias narrativas iam se adequando ao percurso que seu próprio objeto – o vírus da Gripe A, conhecido como Gripe Suína – ia trilhando, nos movi-mentos que incluíram seu aparecimento, disseminação e controle.

Nessas construções, tanto Veja quanto CartaCapital lançaram mão de estratégias narrativas que ora se explicavam pela objeti-vidade, ora pelo sensacionalismo, na qualidade de mediadoras e interlocutoras das “vozes autorizadas” de um saber especifico sobre uma questão que envolveu a atenção do mundo sobre a vida e a morte, representadas pelos riscos de uma epidemia. À luz dos estu-dos de Foucault, constata-se a questão do poder que se faz presente por meio de quem e de qual lugar o enuncia. Ao mesmo tempo, quando se trata de um enunciado por meio do discurso jornalístico, necessariamente não é a dicotomia certo/errado, sério/sensacional que vai determinar se é a objetividade ou as sensações o parâme-tro para a melhor estratégia de produção discursiva, cujo sentido abrangeu não só o acontecimento, mas a dor, o medo, a inseguran-

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ça dos envolvidos nesse acontecimento, como o da epidemia da Gripe Suína e seu percurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As sociedades contemporâneas, em função de seu próprio processo de desenvolvimento, produzem situações de risco que, não raro, transformam-se em sérios problemas sociais. A questão comum a todas essas epidemias – Peste Negra, varíola, Gripe Es-panhola, Aids, Gripe Suína e muitas outras – é a da origem de um “novo” vírus responsável pelo medo que se instalou, em gran-de parte, em função do desconhecimento do agente patogênico e, consequentemente, das formas de profilaxia e tratamento.

No que se refere à posição da OMS em alertar para a probabi-lidade da ocorrência de pandemia da Gripe Suína, é sempre impor-tante analisar até que ponto a tomada de decisão sobre o processo de informação e de alerta acerca da doença é baseada em informa-ções técnico-científicas ou se está a serviço de interesses comer-ciais, ainda que de modo espontâneo ou involuntário. Essa mesma reflexão deve pautar a imprensa, refém, algumas vezes, da cultura do medo, e mesmo a sociedade, que, em geral, só atenta para um fato cotidiano quando este ganha relevância na mídia.

A complexidade de eventos que envolveram a saúde pública em relação à gripe H1N1 estende-se, também, aos epidemiologis-tas e profissionais da saúde pública e se reflete, naturalmente, na maneira como as informações sobre o assunto chegam à socieda-de. Parte da cobertura sobre a Gripe Suína indica que houve pouca exploração de assuntos científicos que esclarecessem o público de maneira adequada sobre o desenvolvimento da doença, incluindo sua origem, a evolução do vírus e os procedimentos de defesa.

Embora as instituições de pesquisa não controlem a agenda da mídia, elas podem oferecer subsídios essenciais à ampliação do conhecimento científico para toda a sociedade. Além disso, é fun-damental saber o momento certo de veicular, ou não, notícias sobre

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

menos de entrar em pânico por causa dela.” (MAGALHÃES; MO-RAES, 2009, p. 99).

Nessa fase, observa-se que não houve a necessidade de esta-belecer elo narrativo temporal com a ideia de pânico, explorado em matérias anteriores. Bastante opinativa, Veja privilegia as fontes não oficiais, por entender o Estado como incompetente e intruso, destinando ao setor privado a primazia das soluções do mundo.

No mundo ocidental, a ficção e a fantasia utilizam, muitas vezes, o medo como ingrediente principal. São frequentes notícias alarmistas sobre doenças em jornais e revistas de interesse geral, incluindo publicações nas quais não se esperaria encontrá-las. Nessa análise, encontram-se narrativas que destacaram o pânico e o medo da doença e da morte, em pleno século XXI, em que o avanço do conhecimento e das pesquisas já deveria ser um fator de confiança, tanto da parte do governo quanto do meio científi-co. As revistas Veja e CartaCapital, que constituíram o corpus de análise deste artigo, e que estão entre as publicações que gozam de credibilidade no meio editorial e entre o público brasileiro, cons-truíram, de modo similar, um discurso cujas estratégias narrativas iam se adequando ao percurso que seu próprio objeto – o vírus da Gripe A, conhecido como Gripe Suína – ia trilhando, nos movi-mentos que incluíram seu aparecimento, disseminação e controle.

Nessas construções, tanto Veja quanto CartaCapital lançaram mão de estratégias narrativas que ora se explicavam pela objeti-vidade, ora pelo sensacionalismo, na qualidade de mediadoras e interlocutoras das “vozes autorizadas” de um saber especifico sobre uma questão que envolveu a atenção do mundo sobre a vida e a morte, representadas pelos riscos de uma epidemia. À luz dos estu-dos de Foucault, constata-se a questão do poder que se faz presente por meio de quem e de qual lugar o enuncia. Ao mesmo tempo, quando se trata de um enunciado por meio do discurso jornalístico, necessariamente não é a dicotomia certo/errado, sério/sensacional que vai determinar se é a objetividade ou as sensações o parâme-tro para a melhor estratégia de produção discursiva, cujo sentido abrangeu não só o acontecimento, mas a dor, o medo, a inseguran-

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ça dos envolvidos nesse acontecimento, como o da epidemia da Gripe Suína e seu percurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As sociedades contemporâneas, em função de seu próprio processo de desenvolvimento, produzem situações de risco que, não raro, transformam-se em sérios problemas sociais. A questão comum a todas essas epidemias – Peste Negra, varíola, Gripe Es-panhola, Aids, Gripe Suína e muitas outras – é a da origem de um “novo” vírus responsável pelo medo que se instalou, em gran-de parte, em função do desconhecimento do agente patogênico e, consequentemente, das formas de profilaxia e tratamento.

No que se refere à posição da OMS em alertar para a probabi-lidade da ocorrência de pandemia da Gripe Suína, é sempre impor-tante analisar até que ponto a tomada de decisão sobre o processo de informação e de alerta acerca da doença é baseada em informa-ções técnico-científicas ou se está a serviço de interesses comer-ciais, ainda que de modo espontâneo ou involuntário. Essa mesma reflexão deve pautar a imprensa, refém, algumas vezes, da cultura do medo, e mesmo a sociedade, que, em geral, só atenta para um fato cotidiano quando este ganha relevância na mídia.

A complexidade de eventos que envolveram a saúde pública em relação à gripe H1N1 estende-se, também, aos epidemiologis-tas e profissionais da saúde pública e se reflete, naturalmente, na maneira como as informações sobre o assunto chegam à socieda-de. Parte da cobertura sobre a Gripe Suína indica que houve pouca exploração de assuntos científicos que esclarecessem o público de maneira adequada sobre o desenvolvimento da doença, incluindo sua origem, a evolução do vírus e os procedimentos de defesa.

Embora as instituições de pesquisa não controlem a agenda da mídia, elas podem oferecer subsídios essenciais à ampliação do conhecimento científico para toda a sociedade. Além disso, é fun-damental saber o momento certo de veicular, ou não, notícias sobre

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

o risco de um vírus, sem abrir mão da informação a que a sociedade tem direito, mas com a preocupação necessária de evitar o pânico. Preocupação que deveria estar na pauta midiática, mesmo porque, o que se observou na cobertura da Gripe A foi que muitos veículos que não possuem características de meio sensacionalista, como é o caso das revistas CartaCapital e Veja, também exploraram esse tipo de jornalismo, gerando medo ainda que sob a justificativa de esta-rem a serviço da legitimação das ações de saúde, implementadas para o controle e para o combate das epidemias. É importante evi-denciar que o sensacionalismo não é exclusividade do jornalismo, pois está presente, também, no cinema, na internet, nos meios que integram as redes sociais.

Hoje a vigilância se dá de outra forma: não é apenas o Estado Nacional quem toma as medidas, mas a OMS quem determina o que deve ser feito. Além disso, existe a imprensa, transformando os casos isolados em uma pandemia no discurso: a mídia contamina seu discurso com a doença, convertendo a epidemia em uma pan-demia discursiva.

Na sociedade contemporânea, destaca-se o papel do jornalis-mo, como o lugar de poder, ao julgar as ações do Estado, da OMS, buscando regular (normalizar) o que é certo e o que é errado para salvar a população mundial diante das epidemias.

Na tentativa de esclarecer a população, o que se observou, inicialmente, foi o uso político do medo para disseminar o pânico e, em um segundo momento, a reação da população, exigindo das autoridades da área de saúde respostas eficazes, legitimando assim o poder a tomar algumas medidas para o controle e combate da epidemia muitas vezes de efeito puramente midiático.

A imprensa se institui com outras possibilidades para além da vigilância, em que o controle é algo ainda mais presente, e seu pa-pel será o do controle pelo discurso. A grande questão da disserta-ção sobre a doença é o papel político que a produção de consensos discursivos provoca.

Alguns aspectos sensacionais em análises de reportagens mos-tram como isso tem um objetivo político. A cobertura da Gripe

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A, por exemplo, demandou das revistas uma cobertura que (re) atualiza matrizes culturais da ordem do sensacional; produzindo, assim, efeitos sociais que são vistos pelos veículos e pelas relações de poder como necessários para se estabelecer um tipo de controle e um tipo de resposta na sociedade. Por isso, é importante aprofun-dar a visão crítica a respeito do papel do jornalismo mundial hoje. Assim, talvez, será possível evidenciar a necessidade de reconfigu-rar as perspectivas teóricas e de rever as práticas cotidianas para compreender as narrativas (sensacionalistas) que vão continuar presentes nas páginas da imprensa contemporânea.

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A GRIPE SUÍNA NAS PÁGINAS DE CARTACAPITAL E VEJA: o pânico e o sensacionalismo insustentáveis

o risco de um vírus, sem abrir mão da informação a que a sociedade tem direito, mas com a preocupação necessária de evitar o pânico. Preocupação que deveria estar na pauta midiática, mesmo porque, o que se observou na cobertura da Gripe A foi que muitos veículos que não possuem características de meio sensacionalista, como é o caso das revistas CartaCapital e Veja, também exploraram esse tipo de jornalismo, gerando medo ainda que sob a justificativa de esta-rem a serviço da legitimação das ações de saúde, implementadas para o controle e para o combate das epidemias. É importante evi-denciar que o sensacionalismo não é exclusividade do jornalismo, pois está presente, também, no cinema, na internet, nos meios que integram as redes sociais.

Hoje a vigilância se dá de outra forma: não é apenas o Estado Nacional quem toma as medidas, mas a OMS quem determina o que deve ser feito. Além disso, existe a imprensa, transformando os casos isolados em uma pandemia no discurso: a mídia contamina seu discurso com a doença, convertendo a epidemia em uma pan-demia discursiva.

Na sociedade contemporânea, destaca-se o papel do jornalis-mo, como o lugar de poder, ao julgar as ações do Estado, da OMS, buscando regular (normalizar) o que é certo e o que é errado para salvar a população mundial diante das epidemias.

Na tentativa de esclarecer a população, o que se observou, inicialmente, foi o uso político do medo para disseminar o pânico e, em um segundo momento, a reação da população, exigindo das autoridades da área de saúde respostas eficazes, legitimando assim o poder a tomar algumas medidas para o controle e combate da epidemia muitas vezes de efeito puramente midiático.

A imprensa se institui com outras possibilidades para além da vigilância, em que o controle é algo ainda mais presente, e seu pa-pel será o do controle pelo discurso. A grande questão da disserta-ção sobre a doença é o papel político que a produção de consensos discursivos provoca.

Alguns aspectos sensacionais em análises de reportagens mos-tram como isso tem um objetivo político. A cobertura da Gripe

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A, por exemplo, demandou das revistas uma cobertura que (re) atualiza matrizes culturais da ordem do sensacional; produzindo, assim, efeitos sociais que são vistos pelos veículos e pelas relações de poder como necessários para se estabelecer um tipo de controle e um tipo de resposta na sociedade. Por isso, é importante aprofun-dar a visão crítica a respeito do papel do jornalismo mundial hoje. Assim, talvez, será possível evidenciar a necessidade de reconfigu-rar as perspectivas teóricas e de rever as práticas cotidianas para compreender as narrativas (sensacionalistas) que vão continuar presentes nas páginas da imprensa contemporânea.

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REFERÊNCIAS

BARBOSA, Marialva; ENNE, Ana Lucia S. O jornalismo popular, a construção narrativa e o fluxo do sensacional. ECO-PÓS: Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 67-87, ago./dez. 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ocorrências de casos humanos na América do Norte. Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe_influenza_28_04_09_14h.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2009.

CARELLI, Gabriela; LOPES, Eduardo. A lição da gripe suína. Veja, São Paulo, ano 42, n. 20, ed. 2113, p. 80-82, maio. 2009.

CINTRA, Luiz Antonio; LIRIO, Sergio. O vírus da dúvida. Carta-Capital, São Paulo, ano 15, n. 558, p. 34-39, ago. 2009.

COSTA, Antonio Luiz M. C. Se os EUA espirram... CartaCapital, São Paulo, ano 15, n. 544, p. 64-66, maio. 2009.

DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de contro-le. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. Disponível em: <http://www.por-talgens.com.br/filosofia/textos/sociedades_de_controle_deleuze.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2011.

ENNE, Ana Lúcia S. O sensacionalismo como processo cultural. ECO-PÓS: Comunicação e melodrama, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 70-84, jul./dez. 2007.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2009.

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MAGALHÃES, Naiara; MORAES, Renata. Não há motivo para tanto alarme. Veja, São Paulo, ano 42, n. 30, ed. 2123, p. 98-99, jul. 2009.

NEPOMUCENO, Eric. Em estado de emergência. CartaCapital, São Paulo, ano 15, n. 553, p. 64-65, jul. 2009.

PANDEMIA. CartaCapital, São Paulo, ano 15, n. 550, p. 17, jun. 2009.

SINGER, Bem. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensa-cionalismo popular. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (Org.) O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac&Naify, 2001.

TEIXEIRA, Duda et al. Pânico. Veja, São Paulo, ano 42, n. 18, ed. 2111, p. 110-114, maio. 2009.

TUCHMAN, Barbara W. Um espelho distante. o terrível século XIV. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

TUMA, Rogério. Epidemia de despreparo. CartaCapital, São Pau-lo, ano 15, n. 544, p. 67-68, maio. 2009.

VARELLA, Drauzio. A gripe suína. CartaCapital, São Paulo, ano 15, n. 554, p. 65, jul. 2009.

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REFERÊNCIAS

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MAGALHÃES, Naiara; MORAES, Renata. Não há motivo para tanto alarme. Veja, São Paulo, ano 42, n. 30, ed. 2123, p. 98-99, jul. 2009.

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