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INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
O DESAMOR EUROPEU: CAUSAS
UM ESTUDO DE CASO
Evolução dos Paradigmas Internacionais
Prof. Adriano Moreira
Eduardo Fernandes Sumares
Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
Universidade Católica Portuguesa
21 de Janeiro de 2016
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“Quando a história da nação é mal ensinada nas escolas,
ignorada pelos jovens e orgulhosamente rejeitada pelos
mais velhos e qualificados, a consciência da tradição
consiste apenas em querer destruí-la.”
Jacques Barzun1
1. Introdução
Ao longo do passado ano, o globo terráqueo assistiu, atónito, as decapitações de reféns
perpetradas pelo Daesh. São imagens que revelam um abissal fosso de escuridão e
brutalidade. De qualquer pessoa confrontada por tais imagens, espera-se nada menos que
o repúdio mais inequívoco, a condenação mais veemente ou, até mesmo, a indignação
mais intestina. Como então explicar que, em vez de motivar rejeição, o Daesh fascine,
atraia e até mesmo alicie? Mais paradoxalmente ainda, como explicar que o
autoproclamado Estado Islâmico logre recrutar até mesmo aqueles nascidos e criados em
nações europeias -- cujos atuais níveis de prosperidade material, paz social e liberdade
comportamental possibilitam aos seus cidadãos níveis de bem-estar inéditos na história
da humanidade? Sem fugir às palavras fortes: como podem os aliciados pelo Daesh
abandonarem a civilização para se juntarem à barbárie?
Justifica-se a pergunta ante os milhares de jovens europeus, portugueses inclusive, que
partiram ao oriente médio para engrossar as fileiras do terror2. Em tentativas de explicar
esse fenómeno, poder-se-ia, é claro, aventar hipóteses de diversas naturezas: razões ad
hoc para cada recrutamento; justificativas de cunho psicológico comuns aos aliciados,
como, por exemplo, distúrbios de carácter ou desmedida propensão à violência;
explicações de cunho mitológico ou religioso, como a incontornável tentação humana
pelo proibido ou a progressiva radicalização religiosa. Não se pretende aqui negar a
plausibilidade de hipóteses desses gêneros. No entanto, a senda de explicação é
seguramente mais larga: a quantidade e abrangência geográfica dos aliciamentos de
europeus já qualificam o fenómeno como um facto social, na aceção de Durkheim. É,
1 Barzun, p. 834 2 Segundo o jornal português Expresso, seriam por volta de 3 mil os europeus que já se juntaram as fileiras do Daesh.
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portanto, fenómeno multifacetado e capaz de aproveitar, ao menos teoricamente,
hipóteses de todas as citadas naturezas, senão também outras.
Devido à impossibilidade de o presente ensaio, em sua limita ambição, fazer justiça à
referida multiplicidade de hipóteses potencialmente relevantes, ou mesmo contribuir,
ainda que marginalmente, para a compreensão do aliciamentos de europeus pelo Daesh,
a investigação aqui desenvolvida não tratará daquele tema, mas limitar-se-á a discorrer
acerca do que identifica ser uma das suas dimensões mais difusas: o que se poderia
denominar “ desamor europeu”. Assim, a discussão terá por finalidade restrita demonstrar
a existência desse fenómeno, bem como relacionar algumas de suas possíveis causas. Para
os propósitos deste ensaio, a expressão “desamor europeu” designa uma ideologia
negativa consistente na falta de apreço ou até mesmo o repúdio pela civilização europeia
e seus valores, símbolos, cultura e história3, tanto na Europa quanto fora dela. Por incidir
sobre a integralidade do carácter de uma civilização e sua cultura, “o desamor europeu”
apresenta-se como dimensão de abrangência e profundidade incomuns e que, por tal
motivo, extrapola o âmbito próprio à ciência política, não prescindindo de tratamento
interdisciplinar.
Nesse sentido, longe de enclausurar-se nos temas e abordagens típicos daquela ciência,
este ensaio buscará subsídios não apenas nas demais ciências sociais, mas também nas
diversas áreas do saber denominadas humanidades. No intuito de evidenciar o fenómeno,
a primeira parte do ensaio tratará de analisar um caso exemplificativo do desamor
europeu. Em seguida passará à discussão de algumas causas do fenómeno, notadamente
aquelas associadas ao pós-modernismo. Por fim, à guisa de conclusão, o ensaio buscará
relacionar o desamor europeu à atual quadra histórica atravessada pela Europa.
2. O caso
Por inusitado que seja, o caso que servirá para evidenciar o desamor europeu versa sobre
uma nação extraeuropeia: o Brasil. A escolha de um caso brasileiro não é despropositada.
3 O próprio conceito de europeu comporta significativa variação de espécies, uma vez que a europa é um conjunto de elementos culturais diversos, incluindo uma grande variedade de idiomas, diversas religiões e diferentes ethos nacionais. Ainda, assim, sustenta-se, é claramente identificável como gênero, uma matriz civilizacional europeia.
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Acredita-se que o hibridismo4 da cultura brasileira -- tão celebremente demostrado por
Gilberto Freyre --, ofereça parâmetros comparativos do valor atribuído à herança cultural
europeia relativamente ao substancial legado cultural extraeuropeu, seja ele ameríndio,
africano ou asiático. Assim, por apresentar-se como ambiente de confluência
civilizacional, onde o elemento europeu convive e concorre muito proximamente com
diversos elementos extraeuropeus, o caso do Brasil oferece condições objetivas de se
avaliar o valor atribuído à herança cultural europeia relativamente às demais.
Até meados do século XX, o Brasil enaltecia sua herança cultural europeia, não apenas a
portuguesa, mas também a italiana, espanhola, alemã entre outras, reservando à herança
cultural ameríndia e africana apenas menosprezo ou até mesmo embaraço. Esse
enaltecimento da herança cultural europeia era compatível com as doutrinas racistas que
até meados do século XX defendiam a inferioridade dos povos não europeus e de suas
correspondentes culturas. Ao final daquele século, o desmascaramento do racialismo
como farsa científica enfim possibilitou uma avaliação menos tendenciosa acerca dos
elementos conformadores da cultura e civilização brasileiras. Atualmente, se seria
absurdo continuar a falar em enaltecimento da herança genética europeia, é facto que a
herança cultural daquele continente, notadamente a portuguesa, segue sendo a principal
matriz da cultura e civilização brasileiras. Apesar das significativas componentes
culturais extraeuropeias, o idioma do Brasil é o português, as religiões predominantes são
todas variações do Cristianismo e a história narra um longo passado em comum com
Portugal. Portanto, nessas três dimensões fulcrais do carácter de uma nação, quais sejam,
idioma, religião e história, o Brasil é, indubitavelmente e predominantemente tributário
de sua matriz cultural europeia.
Diante da clareza desse facto que, assevere-se, já está bem vincado no carácter da nação
brasileira, surpreende a recente emergência de forças que, sob o manto do
multiculturalismo e do politicamente correto, pretendem falsear a realidade pela negação
4 Ainda que um elevado grau de hibridismo cultural configure-se particularidade brasileira raramente encontrada em outras nações, acredita-se ser plausível que as conclusões acerca do valor atribuído à herança europeia nesse ambiente brasileiro possam ser validamente extrapoladas para o Ocidente genericamente considerado. Por essa ótica, o caso brasileiro poderia ser considerado uma espécie de termômetro do desamor europeu não apenas no Brasil, mas no Ocidente. A assertiva apoia-se no facto de que, no atual estágio de globalização da comunicação social e de opinião pública mundial, é plausível supor-se que haja algum grau não desprezível de correlação entre os diversos países do ocidente relativamente ao apreço pela civilização europeia.
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da predominância da herança cultural europeia no Brasil, bem como denunciar um
alegado eurocentrismo, sobretudo no campo da educação infantojuvenil. A manifestação
mais recente dessa tendência evidencia-se no conteúdo do currículo escolar,
nomeadamente no ensino de história para os alunos entre os 15 e 18 anos. Em Setembro
de 2015, o Ministério da Educação e Cultura do Brasil (“MEC”) apresentou proposta
preliminar da denominada Base Nacional Comum Curricular, cujo objetivo é e determinar
o currículo mínimo para todas as escolas do país. A proposta encontra-se em fase de
consulta pública até Março do corrente ano, e o MEC pretende oficializar o documento
ainda em 2016. Trata-se da primeira iniciativa brasileira de fixação de currículo escolar
mínimo.5
Após minuciosa leitura da proposta da Base Nacional Comum Curricular, causa espécie
verificar que, não apenas o peso relativo atribuído ao ensino da história europeia é
drasticamente deficiente, como também a dimensão da herança cultural europeia na
civilização brasileira foi incrivelmente subestimada. Senão, vejamos alguns exemplos:
(1) A proposta deixa de contemplar o ensino da História Antiga e, com ela, os elos
culturais e civilizacionais que unem o Brasil, como país ocidental, à herança de Atenas,
Roma ou Jerusalém. (2) O texto também deixa de se referir a qualquer aspeto da História
Medieval, pelo que se omite relativamente à expansão do cristianismo, o
desenvolvimento da ordem feudal ou o processo de formação de Portugal; (3) A proposta
é completamente silente sobre o Renascimento, ignorando o génio artístico da altura e
florescimento de uma cultura humanística que pautou a gradual secularização do
Ocidente; (4) O texto omite também fenómenos europeus incontornáveis da Idade
Moderna, como a Reforma e Contra-reforma, o Iluminismo e as Revoluções Gloriosa,
Francesa e Industrial, aos quais não dedica uma palavra sequer. Acredita-se que esse
breve elenco de tão inaceitáveis lacunas basta para evidenciar o real intento da proposta:
não se trata de mera redução do peso curricular usualmente atribuído à história europeia.
A reformulação é muito mais radical. Por considerar o cânone histórico ocidental -- desde
a Grécia Antiga até a Revolução Industrial --, um elemento de relevância menor para a
formação cultural brasileira, visa então a relegá-lo à insignificância.
5 Não obstante as diretrizes curriculares do ensino médio já tivessem sido fixadas por meio da Resolução n. 2, de 30 de janeiro de 2012.
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A essa brutal supressão do cânone histórico europeu corresponde um vigoroso aumento
do espaço dedicado ao ensino da história africana e ameríndia, em especial no tocante à
formação cultural brasileira6. O currículo do primeiro ano (alunos de 15 anos de idade) é
dedicado à lecionação do “mundo ameríndio, africano e afro-brasileiros” mas, apesar da
referência ao mundo ameríndio, parece inteiramente focado nos dois últimos. Dentre os
objetivos escolares atinentes ao tema, a proposta indica “interpretar os movimentos
sociais negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre
esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações, do século XIX ao século
XXI.” bem como “valorizar e promover o respeito às culturas africanas, afro-americanas
(povos negros das Américas Central e do Sul) e afro-brasileiras, percebendo os
diferentes sentidos, significados e representações de ser africano e ser afro-brasileiro.”
O currículo do segundo ano, por sua vez, deixa de concentrar-se sobre a matriz africana
para enfocar a matriz ameríndia ou, nos termos da proposta os “mundos americanos”.
Relativamente a esse tema, os objetivos citados contemplam “conhecer o passado
indígena das Américas a partir do património material e imaterial desses povos; além de
“analisar a pluralidade de conceções históricas e cosmológicas das sociedades
ameríndias […] tais como as cosmogonias Inca, Maia, Tupi e Jê.”. A história europeia
aparece apenas no currículo do terceiro e último ano, quando o tema central passa a ser
“mundos europeus e asiáticos”. Chega a ser espantoso que, em um currículo que tem por
linha metodológica considerar as histórias dos diferentes povos em razão do seu
contributo para a formação da cultura brasileira, o elemento europeu, e especificamente
o português – aquele que predomina na língua, religião e história – não mereça sequer a
qualidade de tema independente, e apareça conjugado com um outro, o asiático – este
sim, um elemento cultural coadjuvante que se fez sentir apenas no século XX e de forma
geograficamente restrita. Ademais, conforme já mencionado, o currículo é omisso acerca
do cânone histórico que a Europa legou ao Ocidente, referindo-se apenas a fenómenos
episódicos, quase sempre conjugados com seus congéneres asiáticos como em
“Reconhecer as presenças europeias e asiáticas nas histórias locais, valorizando-as e
promovendo o respeito a essas presenças.” ou “Contextualizar processos de migrações,
6 Aqui, frise-se que a valorização da matriz cultural ameríndia e africana já constava das diretrizes curriculares fixadas em 2012, por meio da Resolução n. 2, de 30 de janeiro daquele ano, cujo artigo 9º determina como componentes obrigatórios “em uma ou mais das áreas de conhecimento para compor o currículo: […] c) o ensino da História do Brasil, que leva em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia; d) o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História brasileiras;”
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deslocamentos e diásporas que envolveram populações europeias e asiáticas, tais como
a migração Japonesa para o Brasil, Paraguai e Estados Unidos, na primeira metade do
século XX, e a diáspora judaica pelo mundo, a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945)”. É dizer que, mesmo quanto o tema tratado abrange o “mundo europeu”, omite-se
qualquer evidência da predominância da herança cultural europeia na civilização
brasileira bem como todo e qualquer indício de que o Brasil teria um passado político em
comum com Portugal e constituiria parte do conjunto cultural denominado Ocidente.
Da leitura da proposta de currículos mínimos para os três anos de lecionação de História,
tais como expressos na minuta da Base Nacional Comum Curricular, resta cristalina uma
constatação: para o Ministério de Educação e Cultura, o Brasil seria uma nação
primordialmente formada pelas culturas ameríndias e africanas; cabendo à história
europeia um papel no melhor das hipóteses marginal em sua gênese como nação.
Ora, o contraste entre a citada perspetiva e a realidade do Brasil é nada aquém de gritante.
A virtual totalidade dos mais de duzentos milhões de brasileiros possui um único idioma
nativo, o português. Nesse aspeto o Brasil contrasta com alguns de seus vizinhos, como
Paraguai, Perú ou Bolívia, onde idiomas indígenas são bastante difundidos - ao ponto de
rivalizarem com o idioma espanhol. Por óbvio, a presença ameríndia no Brasil bem como
o influxo de milhões de africanos ao longo de mais de três séculos de regime escravocrata
contribuíram para enriquecer o português falado no Brasil, especialmente no nível lexical.
Contudo, tal contribuição de maneira alguma descaracteriza o idioma falado no Brasil
como uma variante do Português. À língua, soma-se a religião. O catolicismo herdado de
Portugal permanece a religião predominante entre os brasileiros. E se a Igreja Católica
tem perdido considerável quantidade de fiéis ao longo das últimas três décadas, essa perda
não tem beneficiado as religiões afro-brasileiras ou ameríndias, e sim outras
denominações do Cristianismo, nomeadamente o Pentecostalismo. Portanto, sob qualquer
ponto de vista, a predominância da ancestralidade cultural europeia no idioma e religião,
faz-se presente e incontornável.
Mas as lacunas relativas aos episódios que formam o cânone da história europeia não são
as únicas a macular a proposta de Base Comum Curricular. Qualquer leitor minimamente
familiarizado com a historiografia certamente estranhará que um currículo proposto para
a lecionação durante um período de três anos aluda tão pouco a fatos ou fenómenos
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estritamente históricos7 - independentemente do povo a que se refiram. A escassez desses
fatos e fenómenos é tamanha que, argumenta-se, desnatura o currículo como guião de
ensino da História. É dizer que, em vez de uma abordagem historiográfica, a proposta de
currículo avança uma de carácter sociológico, marcadamente culturalista e identitário.
Nesse sentido, note-se a abundância de referências com caráter extra-histórico e
identitária, tais como: “…estimula e promove o respeito às singularidades e às
pluralidades étnico-raciais e culturais…”; “O componente curricular Historia, portanto,
tem papel relevante na problematização das questões identitárias…”; “Ciência da
História que está comprometida como valores democráticos e com uma sociedade multi
e transcultural.” Não obstante a proposta curricular sustente a importância do “respeito
às singularidades e às pluralidades étnico-raciais e culturais”, surpreende notar que esse
discurso identitário conviva com tão flagrante subestimação da herança cultural europeia
no Brasil. O paradoxo aponta para uma conclusão inequívoca: a herança cultural da
Europa foi excluída do âmbito de proteção e respeito aludido na própria proposta
curricular. Parece que as pluralidades étnico-raciais e culturais merecem respeito, exceto
quando de matriz europeia.
Concluído esse panorama da proposta de Base Nacional Comum Curricular para o
currículo de História, acredita-se que resta evidenciado o desamor europeu como
fenómeno que permeia aquele texto. Todos os três aspetos da proposta curricular aqui
abordados, quais sejam, a omissão do cânone histórico europeu; a subestimação da
herança civilizacional europeia na formação cultural do Brasil; e o enfoque
multiculturalista e identitário que, por parcial, exclui o elemento europeu do seu âmbito
de respeito, são manifestações inequívocas de falta de apreço, quando não de repúdio pela
herança cultural e civilizacional europeia. A proposta de Base Nacional Comum
Curricular constitui um projeto deliberado de tentativa de apagamento da herança cultural
dos povos europeus no Brasil.
7 Em rigor, conta-se apenas referências aos seguintes factos e processos históricos: colonização do Brasil, colonização, partilha e descolonização de África (1º ano); colonização nas Américas, Guerra de Secessão, Guerra do Paraguai e Guerra do Pacífico, Independência dos Estados Unidos, Haiti e Paraguai, Porfirismo, Caudilhismo e Coronelismo, Doutrina Monroe, Big-Stick, Plano Marshall e Aliança para o Progresso, Revoluções Mexicana, Cubana, Boliviana e Sandinista, Peronismo, Cardenismo e Varguismo, Redemocratização da Argentina, Governo de Pinochet (2º ano); migração japonesa para o Brasil, Paraguai e Estado Unidos, diáspora judaica, Liberalismo Europeu, Imperialismos e Descolonizações, 1ª Guerra Mundial, 2ª Guerra Mundial, Globalização, Fascismo, Nazismo e Estalinismo (3º ano).
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3. Algumas Causas
Antes de adentrar na investigação das causas do desamor europeu, convém ressalvar que,
embora o caso analisado verse sobre manifestações daquele fenómeno em contexto
brasileiro, ele afeta igualmente as nações europeias. Essa diferença de ambientes,
contudo, acarreta consequências para a investigação das causas do fenómeno. Enquanto
em contexto extraeuropeu o desamor tem por objeto um ente externo, - a Europa -,
podendo portanto ser considerado sempre consequência, no ambiente europeu, a
autorreferencialidade do desamor, que então incide sobre o próprio sujeito, dificulta a
determinação do sentido da causalidade entre o fenómeno do desamor e as suas
manifestações. Portanto, não resta claro se tais manifestações devem ser consideradas
como fatores, e portanto causa, do referido desamor, ou seriam melhor enquadrados como
sintomas, e portanto, consequências do desamor.
Essa nebulosidade que obscurece o campo na causalidade, entretanto, não impossibilita a
determinação da génese do fenómeno. As sementes do desamor europeu parecem ter sido
plantadas ainda no início do século XX, mais precisamente durante a primeira Guerra
Mundial. Até então, a civilização europeia fora marcadamente autoconfiante e orgulhosa
de suas conquistas. Afinal, no século anterior, seu desenvolvimento intelectual e
científico propiciara a Revolução Industrial. As novas máquinas e tecnologia aumentaram
a produtividade possibilitando maior geração de riqueza. E novas modalidades de
transporte, como as estradas de ferro e navios a vapor, levaram tropas europeias a
colonizar meio globo ainda pelo final do século XIX. A colonização era vista como sinal
inequívoco do poder e mérito da civilização europeia e de seus valores. Na virada para o
século XX, a Europa olhava para o futuro confiante na esperança de tempos ainda mais
radiantes. Mas a confiança no porvir e nos valores daquela civilização foram revertidos
pela catástrofe da 1ª Grande Guerra. A intensificação do conflito e a carnificina das
batalhas de trincheiras, levou muitos a questionarem a sanidade de uma civilização capaz
de produzir quadro tão desesperador. Talvez a mais expressiva manifestação da perda de
confiança na civilização europeia tenha ocorrido no campo das artes, com o surgimento
das vanguardas artísticas - o dadaísmo na literatura, o cubismo na pintura, e o
dodecafonismo na música -, cujo projeto estético consistia em romper com as tradições e
tudo o mais que os ligasse a um passado cultural de uma civilização que culminara em
tamanha catástrofe.
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Como costuma ocorrer, os artistas parecem ter sido os primeiros a captar a chegada do
espirito de um novo tempo. Aquelas sementes do desamor, plantadas em meio a uma
primeira guerra, frutificaram a partir de uma segunda, pouco mais de duas décadas depois.
Com a eclosão da 2ª Guerra Mundial em sua natureza de conflito total, a ideia de
civilização voltou às cordas. Aquela nova espécie de conflito ocasionou destruição em
escala até então inédita. Em meio a ele, as potências beligerantes cruzaram fronteiras não
apenas políticas, mas sobretudo morais: cidades inteiras foram bombardeadas a pó, ou
pulverizadas em átimos atómicos, ocasionando a morte de milhões de civis, incluindo
mulheres e crianças. E já nas quadras finais do conflito, quando o fim da barbárie na
Europa descortinava-se sobre o horizonte, a maior de todas emergiu das trevas: tropas
Aliadas em avanço sobre território alemão se depararam com verdadeiras fábricas de
morte, onde alguns poucos esqueletos ambulantes teimavam em sobreviver em meio a
pilhas de corpos em pele e osso. Eram os campos de concentração nazistas, onde, em
nome do ideal fanático de pureza racial, perpetrara-se uma política ordenada e deliberada
de genocídio de milhões de judeus. A guerra significou o colapso da Europa, civilização
outrora elevada, ao âmago da barbárie mais vil: quando o apetite desenfreado por
destruição e morte dispõem dos meios de devastação capazes de reduzir paisagens idílicas
a um inferno de escombros e cadáveres.
A guerra significou uma pá-de-cal sobre qualquer tentativa de recuperação do orgulho da
Europa em sua civilização. Mas, restabelecida a paz em 1945, os alquebrados europeus
engoliram a vergonha e puseram-se a trabalhar na reconstrução daquela terra devastada -
e agora também dividida por uma cortina de ferro. Considerada a magnitude da destruição
material, os resultados dos esforços de reconstrução da Europa foram nada menos do que
impressionantes. No intervalo de algumas décadas, os povos europeus lograram não
apenas reerguer suas cidades e economias, mas também, a partir dos anos de 1990, a
consolidar regimes democráticos em praticamente toda a extensão do continente. Além
disso, avançaram com um projeto de integração económica e política que, apesar de
enfrentar constantes dificuldades, aparenta ter afastado de uma vez por todas o monstro
da beligerância. Contudo, não obstante todos esses notáveis progressos no plano material,
económico e político, o trauma das guerras parece ter-se alojado nos recôncavos mais
profundos do espírito europeu. A alma europeia, se é que se pode falar em uma, aparenta
ainda sofrer com as cicatrizes daqueles conflitos. Uma dessas marcas indeléveis figura
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entre as causas do desamor europeu: uma popular narrativa da própria história do
continente.
Terminada a Segunda Grande Guerra, a europa assistiu à emergência de uma tendência
historiográfica profundamente marcada pelos conflitos armados que assolaram a Europa
no século XX. Segundo essa escola, que tornou-se popular a partir dos anos 1970, a
história da Europa seria uma sucessão de conflitos e massacres e portanto indigna de
celebração8. Curiosamente, trata-se da inversão daquela hagiografia que, meros cem anos
antes, comemorava o intrépido dinamismo da civilização europeia, cujos heroicos povos
aventuravam-se pelo globo a levar o progresso aos povos mais atrasados. Em menos de
um século, o pêndulo oscilou de um extremo ao outro: do júbilo autoconfiante aos
lamentos de comiseração. Se antes a Europa era um modelo a ser seguido pelos demais
povos, passou a ser apresentada como um agente cuja voracidade espoliadora causava
apenas guerras e massacres9 onde quer que fosse. Tal fixação nos piores episódios da
história da Europa cega para todos aqueles outros cujos méritos, a olhos menos culpados,
mereceriam o respeito da reverência histórica. A obsessão pelo trágico aprisiona a
narrativa histórica em uma lamentação perene, eivada de culpa e vergonha que furta ao
espirito a confiança, o sentimento de pertença, a resiliência e o ímpeto de celebrar,
preservar e defender a sua civilização.
Essa narrativa de lamentação compõe a vertente historiográfica de um movimento
intelectual mais amplo, o qual ganhou força a partir do final dos anos de 1960 e permanece
influente desde então: o pós-modernismo. Fortemente influenciado por Marx e Freud,
uma de suas correntes de força busca sintetizar elementos das doutrinas daqueles autores
em uma violenta denúncia do projeto moderno como máscara de hipocrisia a encobrir um
sistema opressor. Ora, esse projeto da modernidade vilificado como hipócrita e opressor
é aquele cuja gestação iniciou-se ainda no Iluminismo, e cujos ideais de universalidade,
individualidade, autonomia e racionalidade, resultaram ou contribuíram para, entre
outros, a democracia liberal e a revolução industrial, e que, por isso, confunde-se com a
própria representação da civilização europeia. Em razão dessa confusão entre o projeto
moderno e o modelo civilizacional europeu, os petardos retóricos disparados pelos
8 Dalrymple p. 105
12
autores pós-modernos, como Foucault e Marcuse, contra o projeto moderno, acabaram
por abalar também os alicerces axiológicos da civilização europeia.
Dentre esses alicerces atingidos, destaque-se o ideal de universalidade tão fundamental
ao projeto moderno. Os ataques contra o universalismo desvalorizam a civilização
europeia em ao menos três dimensões, pois ela é, simultaneamente (i) a matriz, (ii) o
símbolo positivo, e (iii) o símbolo negativo ao avesso daquele ideal civilizacional.
Explica-se: foi o Iluminismo europeu que, apesar de anticlerical, deu forma política ao
espirito igualitário e universal do Cristianismo, passando a considerar a totalidade os
homens iguais perante a lei, parindo, assim, o universalismo enquanto projeto
civilizacional. A partir de então, “o horizonte de emancipação humana é o da unidade da
espécie”10, transcendendo os povos e fronteiras nacionais. E, embora a civilização
europeia tenha posteriormente testemunhado reações particularistas, notadamente o
movimento romântico e sua valorização do Volkgeist, ela manteve-se fiel àquele ideal
iluminista, elegendo-o como pedra de toque em seu direito e cosmovisão -- notadamente
na noção de direitos humanos. Além de matriz do universalismo, a civilização europeia
é, também, a mais universal de todas. Em razão do seu elevado grau de hibridismo11,
possui a qualidade de símbolo positivo da universalidade. Desprezando os ideais de
isolamento e pureza favorecidos no Oriente, a Europa não apenas se manteve
historicamente aberta a influências culturais de outros povos, como também mostrou-se
capaz de sintetizar elementos de culturas tão díspares quanto a Ateniense, de onde extraiu
o ideal democrático, a Judaica, de onde extraiu o Cristianismo e as Árabe e Hindu, de
onde obteve os numerais indo-arábicos e outros conceitos matemáticos.
A terceira dimensão de desvalorização, não decorre tanto da associação da civilização
europeia com o universalismo, mas, mais precisamente, da inadequação daquela
civilização ao ideal particularista entronado pelo pós-modernismo. Ora, o particularismo
pressupõe a existência de elementos culturais particulares e exclusivos a uma civilização,
considerados valores-símbolo da diversidade e do multiculturalismo -- seus ideais irmãos.
Como ao longo dos últimos cinco séculos, a civilização europeia difundiu-se pelo mundo,
semeando aspetos de sua cultura por todos os cantos do globo, desde a América até a
Ásia, passando pela Àfrica, a Europa em larga medida deixou de possuir elementos
10 Rouanet, p. 34 11 Barzun p. 15
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culturais que lhe possam ser considerado exclusivos. Assim, por essencialmente
cosmopolita e carente de atributos culturais exclusivos, a civilização europeia é pouco
valorizada pelo pós-modernismo em seu ideal particularista e multiculturalista.
Essa última forma de desvalorização da cultura europeia é adicionalmente problemática.
O particularismo pós-moderno não valoriza apenas a exclusividade cultural, mas também
a diversidade cultural, o que pressupõe que cada cultural conserve as suas
particularidades. Esse ethos conservacionista facilmente se converte em um ideal de
pureza cultural. E aos olhos desse ideal, a presença de elementos culturais oriundos da
europeia passa a ser vista como contaminação. Considerados elementos alienígenas, os
traços culturais europeus passam a ser desvalorizados, como recentemente ocorrido na
Bolívia, em consequência de esforço de valorizar a cultura autóctone12.
4. Conclusão
A partir do estranhamento causado pelo aliciamento de europeus pelo Daesh, este ensaio
pretendeu evidenciar a existência do fenómeno do desamor europeu -- entendido como o
desapreço pela cultura e civilização europeias, seus valores, símbolos e herança, tanto na
Europa quanto fora dela --, bem como identificar algumas das causas desse fenómeno.
No sentido de sua demonstração, discorreu sobre caso atual passado no Brasil, nação onde
-- apesar do alto nível de hibridismo em que avulta a herança cultural europeia --,
discute-se proposta de currículo nacional mínimo para o ensino de História que
severamente subestima tal herança -- o que se interpreta como evidência do desamor
europeu.
Em seguida, já com vistas a identificar algumas das causas do fenómeno, argumentou-se
que o processo pelo qual a civilização europeia perdeu sua confiança e orgulho iniciou-
se em meio a Primeira Guerra Mundial, intensificou-se com a Segunda e, finalmente,
converteu-se em paradigma com o pós-modernismo dos anos 1970. A partir de então,
difundiu-se uma narrativa obcecada com as tragédias bélicas do Século XX, para a qual
a história da Europa equivaleria a uma sequência de guerras e massacres, narrativa essa
12 Mediante medidas diversas, dentre as quais a obrigatoriedade de que os funcionários públicos aprendam ao menos uma das três línguas oficiais indígenas do país.
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que, não apenas encobriu os méritos daquela civilização, como também cegava para outro
que lhe era concomitante: a reconstrução de uma Europa próspera, democrática e,
sobretudo, pacífica.
Também argumentou-se que, para além da historiografia, outra vertente do pós-
modernismo contribuiu para a popularização do desamor europeu, nomeadamente a
denúncia do projeto civilizacional da modernidade -- em razão de confundir-se com o
europeu. A crítica ao ideal moderno de universalidade atinge a cultura e civilização
europeia, desvalorizando-a, não apenas por ela figurar como matriz, mas sobretudo, como
o símbolo máximo do universalismo. Ademais, defendeu-se que, por estar a cultura
europeia largamente difundida pelo globo, o ideal cultural particularista entronado pelos
pós-modernos é incapaz de enxergar-lhe o mesmo valor atribuído às culturas particulares.
Por fim, argumentou-se que, o ideal particularista contribui ainda mais para o desamor
europeu na medida em que incentiva culturas a conservarem-se puras, pelo que
desvaloriza elementos culturais alienígenas. E por ser a cultura europeia a mais
cosmopolita e difundida mundialmente, é também a mais prejudicada pelo nativismo que,
no limite, pretende expurgar de elementos culturas alienígenas, como recentemente
ocorrido na América do Sul.
Evidentemente, este ensaio jamais pretendeu esgotar as possíveis causas do desamor
europeu. Tampouco pretende que as causas aqui discutidas sejam as principais ou
possuidoras de relevância especial. Pretendeu-se apenas demonstrar - com o nível de rigor
analítico e expositivo permitido a um trabalho acadêmico necessariamente breve -, certa
relação entre o pós-modernismo e o desamor europeu. Contudo, é certo que mesmo
relativamente ao pós-modernismo, muitas outras de suas vertentes poderiam ser
identificadas como causas do desamor europeu. Este ensaio pretendeu discorrer
brevemente sobre apenas algumas delas.
Finalmente, cabe aludir ao facto de que a Europa é atualmente palco de dois movimentos
migratórios que, apesar de desproporcionais em escala e inversos em sentido geográfico,
transmitem mensagens complementares. Se, de um lado, alguns milhares de europeus têm
deixado para trás a prosperidade, segurança e liberdade da vida na Europa, de onde partem
rumo ao oriente medio, onde almejam juntarem-se às hordas bárbaras do Daesh; de outro,
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sudaneses, sírios, iemenitas, líbios, paquistaneses e outros nacionais somam milhões a
tentar escapar da miséria, insegurança e opressão, quando não da barbárie, em travessias
perigosas rumo à Europa, onde buscam uma vida mais próspera, livre e segura.
A mensagem do primeiro movimento parece ser: a Europa precisa de valorizar os seus
méritos enquanto civilização bem como recuperar o orgulho de sua cultura e de sua
história. Precisa de considerá-los pelo que efetivamente são: um tesouro a ser preservado
e protegido, sob pena de, não havendo quem lute por eles, sucumbir à indiferença quando
não ao desprezo dos seus. A mensagem do segundo movimento parece ser: Apesar das
crises económicas e da austeridade, a civilização europeia representa um oásis em meio
a um mundo conflagrado, onde a prosperidade, segurança e liberdade são, cada um,
artigos de excecional raridade, e mais ainda quando conjugados.
Oxalá, ambas as mensagens possam ser ouvidas. Que elas possam motivar um saudável,
pacífico e tolerante novo amor europeu, pelo menos na Europa. Já passa do tempo.
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5. Referências
Barzun, Jacques, Da Alvorada à Decadência: A História da Cultura Ocidental de 1500
aos nossos dias. Rio de Janeiro: Campus, 2002
Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Base Nacional Comum Curricular. Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Acesso em 11 de Janeiro de
2016, às 18:56.
Dalrymple, Theodore, The New Vichy Syndrome: Why European Intellectuals Surrender
to Barbarsim. New York & London: Encounter Books, 2010.
Marques, Nelson. Seis mitos sobre os refugiados. Expresso [Lisboa] 9 de Outubro de
2015. Disponível em http://expresso.sapo.pt/internacional/2015-09-10-Seis-mitos-sobre-
os-refugiados. Acesso em 13 de Janeiro de 2016 às 20:40
Rouanet, Sergio Paulo, Mal-estar na Modernidade, São Paulo: Companhia das Letras, 2ª
Edição, 2003 (Ed.Original: 1993)
Scruton, Roger, Como Ser um Conservador. Rio de Janeiro: Record, 2015