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FERNANDO COELHO Ex-presidente da OAB e coordenador da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (Discurso pronunciado em 15.08.14 na Solenidade de conclusão do curso dos novos bacharéis em Direito pela Uninassau) O que vos poderá dizer, no dia de hoje, este antigo professor de Direito – advogado a vida toda – agora, no outono, ainda a serviço da Justiça patrocinando apenas a revisão da história recente, distorcida pelos que se apossaram do poder pela força e durante mais de vinte anos, em regime de exceção, governaram este país? O que vos poderá dizer este advogado, no dia de hoje, além de palavras de agradecimento pela generosidade do vosso gesto, dando o seu nome à Turma de Formandos de Direito da Uninassau? O que vos poderá dizer este advogado , quando ides receber o grau de bacharel em Direito no momento exato em que Pernambuco enlutado pranteia, a uma só voz, o seu jovem ex-governador – todos nós ainda sob o impacto do acidente que o vitimou e a alguns companheiros, mortos em plena luta pela construção de um Brasil melhor e uma sociedade mais justa? De Eduardo Campos prefiro, no entanto, guardar mais as lições de vida que a cilada da morte. Inclusive pelos laços de família. Acompanhei de muito perto toda a sua trajetória, desde antes do seu nascimento, como professor da UNICAP e amigo do seu pai. Como tio de Renata - também ela nascida numa família forte. De minha mãe, sua avó,

Artigo escrito por Fernando Coelho, coordenador da CEMVDHC, para discurso pronunciado a formandos do curso de Direito Uninassau, em homenagem a Eduardo Campos

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FERNANDO COELHO

Ex-presidente da OAB e coordenador da Comissão Estadual da Memória e

Verdade Dom Helder Câmara

(Discurso pronunciado em 15.08.14 na Solenidade de conclusão do curso dos

novos bacharéis em Direito pela Uninassau)

O que vos poderá dizer, no dia de hoje, este antigo professor de Direito –

advogado a vida toda – agora, no outono, ainda a serviço da Justiça

patrocinando apenas a revisão da história recente, distorcida pelos que se

apossaram do poder pela força e durante mais de vinte anos, em regime de

exceção, governaram este país? O que vos poderá dizer este advogado, no dia

de hoje, além de palavras de agradecimento pela generosidade do vosso

gesto, dando o seu nome à Turma de Formandos de Direito da Uninassau? O

que vos poderá dizer este advogado , quando ides receber o grau de bacharel

em Direito no momento exato em que Pernambuco enlutado pranteia, a uma só

voz, o seu jovem ex-governador – todos nós ainda sob o impacto do acidente

que o vitimou e a alguns companheiros, mortos em plena luta pela construção

de um Brasil melhor e uma sociedade mais justa?

De Eduardo Campos prefiro, no entanto, guardar mais as lições de vida que a

cilada da morte. Inclusive pelos laços de família. Acompanhei de muito perto

toda a sua trajetória, desde antes do seu nascimento, como professor da

UNICAP e amigo do seu pai. Como tio de Renata - também ela nascida numa

família forte. De minha mãe, sua avó, lembro que Dom Carlos Coelho escreveu

haver sido um exemplo das mulheres fortes do Evangelho que ele havia

conhecido. Estive sempre ao lado do seu avô, Miguel Arraes, antes, durante e

depois do exílio, até a sua morte. Presidente do IPSEP no seu primeiro

governo e Chefe de sua Assessoria Especial, no último. E, antes mesmo de

Miguel Arraes ter assumido a Prefeitura do Recife e me convocado para chefiar

a Procuradoria Jurídica do Município, mal saído da Faculdade de Direito e dos

embates da política estudantil, ingressando na vida pública com o prefeito que

o antecedeu – o artífice da Frente do Recife e líder primeiro de todos nós:

Pelópidas Silveira.

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De Pelópidas, de Arraes, e agora também de Eduardo, guardo, por isso

mesmo, muito pedaços de tempo. Pedaços de tempo inesquecíveis, que para

mim representam uma continuidade. Uma história começada antes de Eduardo

e que, com ele, não terminou, que urge continuar. Como ele desejaria e

Pernambuco e o Brasil também estão cobrando, nas mensagens que nos

chegam de todo país, depois de alimentada tanta esperança, para espancar o

sentimento de uma dolorosa frustração.

Frei “Betto, em seu último livro “Típicos Tipos”, se referiu ao que chamou de

“saudades do futuro” como “Há quem tenha saudades do futuro. De um tempo

de justiça e paz.” Lendo o texto, não pude deixar de lembrar aqueles

desbravadores. De pensar nos líderes a que Eduardo, em definitivo, foi agora

se juntar com a sua lição de vida sonhando também construir um mundo novo,

melhor e mais justo para todos os homens, consciente de que estava

cumprindo uma missão da qual nunca fez segredo, como repetiu em várias

oportunidades:

“ Fui em todos esses anos, como meu pai Maximiano Campos me ensinou,

servo ideal e do sonho. Os mesmos ideais e os mesmos sonhos que agora

impulsionam a caminhada iniciada hoje, com os pés no chão e os olhos no

futuro”. (Eduardo Campos - discurso na transmissão do cargo de Governador

do Estado a João Lyra Neto, em abril de 2014).

“Levo comigo antigas e sábias lições transmitidas pelo meu avô, Miguel Arraes.

Dele aprendi o essencial para a vida pública: a defesa da democracia, da

soberania nacional, a crença na organização popular e o compromisso com os

excluídos”. (Eduardo Campos - discurso na transmissão do cargo de

Governador a João Lyra Neto, em abril de 2014).

“Assumimos a tarefa de escrever com serenidade uma nova história. O mais

importante agora não é construir estradas, mas sim construir a cidadania”.

(Eduardo Campos - discurso na transmissão do cargo de Governador a João

Lyra Neto, em abril de 2007).

”A gente derrotou uma ditadura, a gente derrotou uma hiperinflação, colocamos

o tema social na mesa do Brasil, é preciso colocar o tema de melhorar a

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política. Ou melhora a política, ou não se melhora nada neste país”. (Eduardo

Campos - entrevista à Folha de São Paulo em 01/05/2014).

Continuar a marcha antecipada pelos que fincaram suas marcas no caminho é

o desafio que hoje temos que enfrentar sem desfalecimentos e com a mesma

dedicação. Olhos voltados para o amanhã mais do que para o ontem. O

momento é propício às mudanças, como a sociedade vem demonstrando por

todos os seus segmentos, a partir da juventude. Daí a oportunidade do debate

sobre a convocação de uma Constituinte exclusiva, legitimada pelo voto

popular para editar a reforma política e outras que se façam necessárias, com

a coragem de inovar, sem a paixão do novo simplesmente por ser novo, mas

com a firmeza de querer inaugurar um tempo novo, mais justo que o velho.

Tendo presente que o Direito somente se impõe à aceitação e ao respeito

gerais se objetiva à realização da Justiça. E que a ordem injusta é a pior das

desordens. Por mais sofisticada que seja a motivação que se lhe atribua ou,

aparentemente, relevantes os interesses que intente preservar.

A capacidade de me indignar, de crer e de resistir – que a mocidade tem

trazido às ruas, desde o ano passado, no exercício de sua cidadania – continua

também me gratificando. O suficiente para vos poder dizer, de coração, nesta

hora, como companheiro de ideal, que hoje a Comissão Estadual da Memória e

Verdade Dom Helder Câmara prossegue combatendo, que não desertou da

luta. Vão em frente e que Deus os proteja porque a vida os espera com seus

desafios surpreendentes. Juntos todos os que pensamos assim – e somos

muito mais do que às vezes imaginamos – vamos mudar o mundo. Até que se

torne realidade o sonho que, como homens livres, temos o direito de sonhar e a

obrigação de continuar lutando para construir.