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11 As tomadas de poder comunistas na China 'A Segunda Guerra Mundial, tão importante para os partidos Comunistas chegarem ao poder na Europa, foi crucial também na China. Enfraqueceu '1 imensamente Chiang Kai-shek, pois seu Kuomintang suportara o maior peso da luta contra os japoneses. Os Comunistas haviam tido um papel ,relativamente modesto na resistência aos ocupantes estrangeiros em seu país. ,'Uma prioridade maior para eles, e para Mao Zedong em particular, havia "sido se preparar para a luta contra os nacionalistas pelo controle de todo O , Estado chinês. Os Comunistas haviam fortalecido sua base de poder a tal ponto, que se em 1937, quando a guerra contra 'o Japão começou, contro- lavam áreas cujas populações totalizam apenas quatro milhões de pessoas e tinham cem mil soldados sob seu comando, em 1945, quando a guerra terminou, já comandavam territórios que compreendiam mais de 95 milhões de habitantes e tinham 900 mil soldados no Exército Vermelho chinês.' Na reunião de Yalta, na Crimeia soviética, em fevereiro de 1945, Roose- ,velt e Churchill haviam concordado prontamente com Stalin de que a URSS deveria entrar na guerra contra o japão.? De olho em ganhos territoriais, Stalin estava ansioso para fazer isso. De fato, a União Soviética tomou , posse das ilhas Curilas, conhecidas no Japão como Territórios do Norte, e : no século XXI estas continuam sendo um sério pomo de discórdia entre a Rússia e o Japão. Quando a guerra no Pacífico entrou em sua última fase, tropas soviéticas avançaram pela Manchúria.! Os Comunistas chineses se associaram às forças soviéticas e conseguiram se manter na Manchúria, apesar dos esforços de Chiang Kai-shek para expulsá-los. Entre 1946 e 1949, os Comunistas ampliaram gradualmente seu controle territorial a outras partes da China e acabaram tomando as importantes cidades de Beijing e Xangai. Embora reivindicasse o manto do nacionalismo, o Kuornintang não produziu qualquer solução para os problemas do país, enquanto os Comunistas pareciam estar reiterando a dignidade nacional e oferecendo uma visão do futuro da China." Muitos revolucionários jovens da geração

Comunismo na China

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As tomadas de poder comunistas na China

'A Segunda Guerra Mundial, tão importante para os partidos Comunistaschegarem ao poder na Europa, foi crucial também na China. Enfraqueceu

'1 imensamente Chiang Kai-shek, pois seu Kuomintang suportara o maiorpeso da luta contra os japoneses. Os Comunistas haviam tido um papel,relativamente modesto na resistência aos ocupantes estrangeiros em seu país.

,'Uma prioridade maior para eles, e para Mao Zedong em particular, havia"sido se preparar para a luta contra os nacionalistas pelo controle de todo O

, Estado chinês. Os Comunistas haviam fortalecido sua base de poder a talponto, que se em 1937, quando a guerra contra 'o Japão começou, contro-lavam áreas cujas populações totalizam apenas quatro milhões de pessoase tinham cem mil soldados sob seu comando, em 1945, quando a guerraterminou, já comandavam territórios que compreendiam mais de 95 milhõesde habitantes e tinham 900 mil soldados no Exército Vermelho chinês.'

Na reunião de Yalta, na Crimeia soviética, em fevereiro de 1945, Roose-,velt e Churchill haviam concordado prontamente com Stalin de que a URSSdeveria entrar na guerra contra o japão.? De olho em ganhos territoriais,Stalin estava ansioso para fazer isso. De fato, a União Soviética tomou

, posse das ilhas Curilas, conhecidas no Japão como Territórios do Norte, e: no século XXI estas continuam sendo um sério pomo de discórdia entre a

Rússia e o Japão. Quando a guerra no Pacífico entrou em sua última fase,tropas soviéticas avançaram pela Manchúria.! Os Comunistas chineses seassociaram às forças soviéticas e conseguiram se manter na Manchúria,apesar dos esforços de Chiang Kai-shek para expulsá-los. Entre 1946 e 1949,os Comunistas ampliaram gradualmente seu controle territorial a outraspartes da China e acabaram tomando as importantes cidades de Beijinge Xangai. Embora reivindicasse o manto do nacionalismo, o Kuornintangnão produziu qualquer solução para os problemas do país, enquanto osComunistas pareciam estar reiterando a dignidade nacional e oferecendouma visão do futuro da China." Muitos revolucionários jovens da geração

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de Mao viam o marximo-leninismo como uma doutrina que apontava umcaminho para pôr fim ao atraso econômico e político da China e à humilha-ção que seu país sofrera nas mãos de estrangeiros ao longo do século XIX eda primeira metade do século XX.I O papel do Exército Vermelho da Chinano combate aos japoneses, embora bastante limitado em comparação aodas forças. lideradas por Chiang Kai-shek, foi significativo no norte do país,e conseguiu acrescentar um tom patriótico e nacional à luta:de classes dosComunis~as. Em pa,rt~, isso foi r,e~ultado de uma propaganda eficiente, quese aproveitou ao máximo das vanas batalhas das quais eles participaram.As operações sob o controle do Partido Comunista Chinês (PCC) foram~a maioria, ações de guerrilha para tomar terras não guarnecidas pelosJaponeses ou por seus auxiliares chineses.

A ordem social que o PCC começou a destruir, e a substituir por novasrelações sociais e políticas, estava muito mais firmemente estabelecidado que aquelas contra as quais qualquer partido Comunista europeu tiveraque lutar. Embora tivessem ocorrido mudanças na posse sobre as terrasao ~ongo do tempo, aquela era uma estrutura de classes que existia, emmuitos aspectos, há cerca de três mil anos.s Mas, independentemente de oquanto era brusco o rompimento com a tradição nacional que os Comunis-tas r.e,p~esentavam, havia um apelo à solidariedade nacional e à aspiraçãopatrrotica nas palavras de Mao Zedong, usado em mais de uma ocasiãoespecialmente na época da fundação da' República Popular da China. àpovo chinês, disse ele, "erguera-se'?. As visões marxistas convencionais sobre classes sociais eram problemá-

ticas no contexto chinês. Mesmo antes de 1917, havia algum interesse porelas por parte de uma pequena minoria de intelectuais chineses. Foi, porém,a revolução bolchevique, naquele ano, que despertou o interesse pelo leninis-mo. Depois da incorporação do Partido Comunista Chinês ao Cominternem 1922, o Comintern e assessores soviéticos ofereceram farta assistênciae ajuda material ao partido chinês, mas a ênfase teórica marxista-Ieninistaor~odoxa que eles davam à classe operária era inapropriada para a situaçãochi~esa. Também na Rússia - embora não na mesma proporção que aChina - os camponeses eram de longe o maior estrato social na época darevolução. Na Rússia, porém, os campos de batalha urbanos foram maisimportantes, principalmente São Petersburgo, e os operários tiveram umpapel significativo na luta revolucionária. Em sua doutrina, bem como emsua prática política, o Partido Comunista da União Soviética manteve oscamponeses firmemente em uma posição subordinada. Mesmo quando

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pararam de falar na "ditadura do proletariado", os líderes e ideólogos so-viéticos substituíram o termo pelo "papel de liderança da classe operária".Na China, em contraste, os comunistas não foram a lugar algum antes desubstituírem o proletariado pelos camponeses, mantendo à frente, portanto,a teoria marxista-leninista ortodoxa. sEmbora a população urbana da Chinativesse tido um crescimento gradual na primeira metade do século XX, naépoca em que o PCC chegou ao poder, em 1949, esta representava apenascerca de 57 milhões de pessoas em uma população de aproximadamente550 milhões de habitantes.

A guerra de resistência aos japoneses teve um preço tremendo para aChina. As tropas de Chiang Kai-shek lutaram durante oito anos contrauma feroz força de combate japonesa. O exército Comunista, com táticasde guerrilha, sofreu baixas menos sérias do que os nacionalistas. Por terempreendido menos campanhas grandes nos últimos anos da guerra, seussoldados estavam muito mais bem dispostos que os de Chiang.ê Depois darendição japonesa, em 15 de agosto de 1945, os dois lados da resistênciachinesa começaram a estabelecer suas autoridades em diferentes partes dopaís, dispostos a reiniciar suas guerras civis, que haviam sido interrompidaspela invasão japonesa. As tropas de Chiang conseguiram atuar na maiorparte da região ao sul do rio Amarelo, enquanto o reduto Comunista ficavano norte. Ali, os Comunistas controlavam grande parte do interior, embo-ra O Kuomintang tenha conseguido ocupar as cidades." Uma tentativa deunir nacionalistas e Comunistas foi intermediada pelos Estados Unidos eapoiada (pelo menos para manter as aparências) por Stalin. Depois de ashostilidades entre nacionalistas e Comunistas serem reiniciadas com forçatotal, Mao foi convencido a participar de negociações com Chiang Kai-shek.A luta entre o Kuomintang e os Comunistas prosseguia quando, em agostode 1945, Mao seguiu em um avião americano para Chongquing, para oque acabaria sendo 45 dias de negociações com Chiang. Foi acompanha-do, por sua própria insistência, de um embaixador americano, porque suadesconfiança em relação aos nacionalistas era tanta, que ele não descartavauma tentativa de forjar um acidente. Diante da dependência de Chiang dosEstados Unidos para o fornecimento de armamentos, a companhia de umaautoridade americana era uma política, de segurança útil para Mao. Haviauma profunda desconfiança entre Chiang e Mao, e ambos tinham toda aintenção de obter uma vitória final na contínua guerra civil. Entretanto,Chiang, em particular, teve que se mostrar interessado em buscar um acordocom seus rivais Comunistas. Em parte, isso resultou de sua confiança no

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apoio arnericano.!' Refletiu também o fato de que a opinião pública na Chinaestava fortemente contrária à guerra civil e favorável a uma reconstruçãonacional. O encontro terminou em um tom aparentemente positivo, comum acordo para realizar uma conferência de consulta política e reconhecertodos os partidos políticos. Entretanto, quase imediatamente, os dois ladosretomaram a luta por controle territorial e o conflito se intensificou em 1946_

A guerra civil durou até 1949. Em 1947, as forças militaresCom~nistasforam rebatizadas de Exército de Libertação Popular (ELP),-e em 1948 ha-viam ido além da guerra de guerrilha, pondo grandes unidades de exércitoem campo e usando artilharia - na maior parte de origem japonesa ~que lhe fora dada pelos aliados soviéticos. Mao Zedong chefiava o ComitêMilitar Revolucionário, embora o comandante em chefe do ELP fosseum militar mais profissional, Zhu De.12 Uma combinação de redistribuiçãode terras para obter o apoio dos camponeses, convicção ideológica, fortedisciplina do partido, impressionante capacidade de organização e períciamilitar levou os Comunistas ao poder. Os nacionalistas dependiam tantode pessoas influentes e grandes proprietários de terras, que foi impossívelcompetir Com os Comunistas no campo da reforma agrária. Estavam tam-bém muito mais divididos internamente e sofrendo com a perda de seusprincipais profissionais militares. Mais de cem mil oficiais estavam entreos militares do Kuomintang perdidos na guerra sino-japonesa.13 ChiangKai-shek também cometeu alguns erros sérios. Depois da derrota dosjaponeses, a desmobilização do exército chinês acontecera rapidamente,sem qualquer providência para que os soldados desmobilizados ganhassemum novo meio de vida. Além disso, as forças chinesas que haviam lutadocomo auxiliares dos japoneses também foram desmanteladas, e o PCC nãohesitou em recrutar grandes números desses ex-soldados que haviam sidotreinados pelos japoneses e adquirido um nível de habilidade militar maiselevado que o de seus próprios soldados.

Nem a União Soviética para os Comunistas nem os Estados Unidospara o Kuomintang foram aliados completamente sinceros. Sem dúvida, ossoldados de Mao se beneficiaram da captura soviética da Manchúria depoisde entrarem na guerra. Isso permitiu ao Exército Vermelho chinês se unir aseu,s colegas soviéticos, e depois disso o exército soviético partiu para o seulado d~ fronteira. As forças Comunistas se beneficiaram também do amploforneCImento de armas japonesas apreendidas que a União Soviética Ihesdeu. Entretanto, Stalin era mais cauteloso que Mao e parecia contente como fato de os Comunistas chineses controlarem somente o norte da China e

não terem pressa alguma de tentar tirar de Chiang Kai-shek o controle dosul. Stalin e Chiang haviam chegado a um entendi~ento segundo o qual aChina reconheceria a Mongólia (Exterior) como um Estado "independente",embora fosse essencialmentge um satélite soviético, em vez de fazer qualquerreivindicação de uma Mongólia unificada. Em novembro de 1948, quandoos Comunistas estavam ganhando terreno sobre os nacionalistas na guerracivil, Stalin exortou Mao Zedong a consolidar os ganhos no norte, deixan-do o sul sob a administração de Chiang Kai-shek.!" Mao desconsiderou oconselho. Em conversa com um grupo de líderes dos partidos búlgaro eiugoslavo (que incluía Dimitrov da Bulgária, mas não Tito- da Iugoslávia)em Moscou, em fevereiro de 1948 - pouco antes da ruptura entre sovié-ticos e iugoslavos - Stalin admitiu que a liderança soviética havia seequivocado e que os Comunistas chineses estavam certos ao acreditar quepodiam tomar o poder de todo o país. Ele disse: "É verdade. Nós tambémpodemos cometer um erro. Aqui, quando a guerra com o Japão terminou,convidamos os camaradas chineses para concordar com um meio de alcan-çar um modus vivendi com Chiang Kai-shek. Eles concordaram conosconas palavras, mas na prática agiram à sua maneira quando chegaram emcasa: reuniram suas forças e atacaram. Foi demonstrado que eles estavamcertos e nós não."!'

Do outro lado da divisão política, os Estados Unidos também exortaramuma contenção. Embora de maneira geral apoiasse o Kuomintang, o governoTruman convenceu os nacionalistas a buscar um armistício em junho de1946, justamente quando eles estavam a ponto de capturar a cidade chinesamais próxima da fronteira russa, Harbin. As forças Comunistas na área,sob o comando de Lin Biao, receberam uma trégua bastante necessária.Em um esforço para pôr fim à luta, os Estados Unidos chegaram a introduzirum embargo ao fornecimento de armas à China, o que prejudicou mais osnacionalistas do que os Comunistas. No fim das contas, porém, o resultadoda guerra civil foi determinado pela diferença na habilidade das liderançasdos dois exércitos chineses para inspirar suas forças e mobilizar apoio dentroda sociedade. Em 1949, quando os Comunistas finalmente estabeleceramsua supremacia, nem os Estados Unidos nem a União Soviética tiveram umpapel oectsivo no resultado. ,

Embora todos esses fatores - além da liderança hábil e implacável deMao - tenham tido uma influência importante na bem-sucedida conquis-ta do poder de toda a China pelos Comunistas em 1949, houve tambémcondições com raizes mais profundas que contribuíram para esse sucesso.

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~o.longo da primeira metade do século XX, a China era um país queVIVIa uma pobreza terrível. Os nacionalistas não haviam conseguido criarum programa para reduzi-Ia. Além disso, a corrupção entre eles - tantoem nível local quanto dentro do círculo familiar de Chiang Kai-shek _provocava um amplo ressentimento. Imediatamente após a guerra, houvehiperinflação. Enquanto em 1937 o dólar americano equivalia a 3,42 iuanes(moeda chinesa), em 1945 equivalia a 1.705 iuanes, e em agosto. de J948 aimpressionantes 8,6 milhões de iuanes. O governo nacionalista introduziuum novo iuane naquele mês, tentando estabilizá-lo no valor de um quartode dólar. Em meados de maio de 1949, um dólar comprava 22,3 milhõesde iuanes novos." O Kuomintang não conseguiu encontrar uma saída paraesse enorme problema, levado a termo pelos Comunistas em seus primeirosanos no poder.

Embora o apoio soviético ao Exército Vermelho chinês fosse significa-tivo, a China foi um caso bastante diferente dos países do Leste Europeudiscutidos no capítulo anterior. Apesar da ajuda de Stalin, a chegada dosComunistas chineses ao poder foi essencialmente um movimento nativo,comparável ao da Iugoslávia, e não a tomadas de poder Comunistas comodig~~os, a. da Hungria ou da Polônia. Na Iugoslávia e na China, as tropa;sovreticas tiveram um papel de apoio na recaptura do território (no primeirocaso, ocupado pelo alemães e no segundo, pelos japoneses), mas nos doispaíses a capacidade dos Comunistas de gerar apoio interno foi mais deci-siva. E embora a ajuda militar soviética tenha sido muito importante parao PCC depois de a Segunda Guerra Mundial acabar no Pacífico, tambémhavia sido dada uma ajuda em quantidade substancial a Chiang Kai-shekquando seu exército combatia os japoneses.

Mao Zedong e a liderança comunista chinesa

A :sc~n~ão do Partido Comunista Chinês e a ascensão de Mao Zedongestao Intimamente interligadas, por mais absurdamente exageradas que asconquistas de Mao fossem se tornar durante o culto à sua personalidade,que ele promoveu quando estava no poder. Ele emergiu da Longa Marchacomo a principal figura do partido de fato, embora isso só fosse se tornaroficial durante a Segunda Guerra Mundial. Bem antes da guerra, foi re-conhecido na União Soviética como líder dos Comunistas chineses. Alta-mente simpático a Mao,o livro Red Star Over China, de Edgar Snow, foi

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publicado na URSS, em tradução russa, em 1938. Em 1939, uma inflamadabiografia de Mao foi publicada em Moscou e, no mesmo ano, um livretosoviético foi dedicado aos dois uozhdi do povo chinês, sendo o segundouozbd' Zhu De, chefe militar do Exército Vermelho chinês.'?" A liderançade Mao foi institucionalizada quando ele se tornou presidente do Polirburoe do Secretariado do Partido Comunista Chinês, em 1943, e quando suaposição suprema foi ratificada no VII Congresso do Partido, em 1945.1S

Mao tinha uma relação de a ltos e baixos com Stalin muito antes deencontrá-Io pela primeira vez em 1949. Reconhecia, porém, o líder soviéticocomo a maior autoridade dentro do Movimento Comunista Internacional.Tinha consciência de que o controle de Stalin sobre o Comintern e seuprestígio entre Comunistas em todo o mundo, inclusive na China, era tan-to, que ele tinha o poder de dar a outra pessoa a honra de ser o líder dosComunistas chineses. Neste caso, a pessoa recebia esse status não apenasde um número suficiente de membros do partido chinês mas também doComintern e, assim, de rodo o Movimento Comunista Internacional. Àluz dessa consciência, Mao desconfiava especialmente do representante daChina no Cornintern, Wang Ming, que, devido a seu cargo, passou a maiorparte do tempo em Moscou até o Comintern ser extinto, em 1943. Wangrealmente aspirava ao principal cargo na China e, portanto, era visto porMao como um rival fatal. Além disso, tinha também em Moscou um aliadocauteloso na chefia da administração do Comintern: Georgi Dimitrov, queadotara como sua a jovem filha de Wang.19 Stalin, porém, era o árbitroque decidia a liderança de partidos Comunistas não governantes e tinhauma opinião menos favorável sobre Wang Ming do que Dimitrov. Em de-terminada fase, Wang manchou seriamente seu nome com Stalin. Quandoum dos líderes militares chineses com ligações com os Comunistas capturouChiang Kai-shek;em 1936, Stalin ficou furioso por Wang Ming reagir aisso propondo um telegrama indicando que Chiang fosse morto - ou, pelomenos, foi o que informaram a Stalin.?" Stalin considerava Chiang essencialpara seu plano de formar uma frente unida contra os japoneses.

À meia-noite de 14 de dezembro de 1936, Dimitrov recebeu um telefo-nema de Stalin em que o líder soviético perguntou: "Quem é esse WangMing de vocês? Um provocador? Ele queria apresentar um telegrama paramatar Chiang Kai-shek.'?' Para um dirigente do Comintern, ser chamado

"Yozbd' (o singular de vuzhdi) indica um líder bastante comum. Embora usado de manei:.a maisampla do que Führer (como indica sua aplicação a dois Comunistas chineses conremporâneos),é o equivalente russo mais próximo da palavra alemã.

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de "provocador" por Stalin era normalmente um prelúdio de uma sentençade morte. Mas, com apoio de Dimitrov, Wang Ming sobreviveu." Em dis-cussões no Comintern, Wang frequentemente desdenhava das qualidades deMao Zedong como líder. Mas Stalin, apesar de todas as suas reservas emrelação a Mao, combinava um relutante respeito a ele com uma contínuasuspeita sobre Wang Ming. Um recente artigo acadêmico em urna.revistarussa (baseado em um estudo de documentos do Comintern) tem.até O" títulode "Como Stalin ajudou Mao a se tornar líder (vozhd')".23 Aparentemente,Stalin foi firmemente a favor de Mao em 1938. Transmitindo as preferênciasde Stalin, Dimitrov disse a uma delegação do Partido Comunista Chinêsenv iada ao Comintern: "Vocês devem comunicar a todos que eles precisamapoiar Mao Zedong como uozhd' do Partido Comunista da China. Ele éfortalecido pela prática da luta. Não há necessidade alguma de pessoascomo Wang Ming lutarem pela liderança.'?" As vontades de Sta!in e suassérias dúvidas em relação a Wang Ming claramente prevaleceram sobre aamizade pessoal de Dimitrov com Wang.

De maneira mais geral, a política de Stalin, até o momento em que osComunistas conseguiram ganhar o poder em toda a China, era exortarcautela ao partido chinês, porque ele aprovara a participação do exércitode Chiang Kai-shek na guerra contra o Japão e o via como um contrapesoao imperialismo britânico. Aos olhos de Stalin, Chiang tinha tambémcomo vantagem as relações desconfortávéis com seus aliados americanos.Durante a guerra, Stalin quis que os Comunistas chineses mantivessemsua aliança com o Kuomintang e se concentrassem mais no combate aosjaponeses. Na época e na guerra civil que se seguiu, Mao e os Comunistaschineses continuaram em frente, independentemente de sua agenda políticainterna de suplantar completamente os nacionalistas. A vitória veio maisrapidamente do que até mesmo eles esperavam. Em abril de 1948, Stalin,antecipando uma vitória final dos Comunistas chineses, exortou Mao a sercauteloso também no período inicial do regime Comunista. Tendo em menteo exemplo do Leste Europeu - de uma coalizão genuína abrindo caminhopara uma pseudocoalizão e, no devido tempo, para o monopólio do poderComunista - Stalin enfatizou a necessidade de um governo com uma baseampla depois da vitória finaLna guerra civil. Ele escreveu a Mao: "Deve-semanter em mente que depois da vitória do exército de libertação popularda China - pelo menos em um período pós-vitória, cuja duração é difícildefinir agora - o governo chinês, em termos de política, será um governodemocrático revolucionário nacional, e não um governo Comunista."> Isso,

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prosseguiu ele, significaria um necessário adiamento da nacionali~açdo econfisco de propriedades de grandes, médios e pequenos proprtetarros deterra. Enquanto isso, os Comunistas chineses prosseguiram com o conflitomilitar e, em fevereiro de 1949, tomaram Beijing. Em outubro daquele ano,eles ganharam o controle da última grande cidade do sul, Guangzhou.Chiang Kai-shek apelou aos Estados Unidos para obter mais ajuda, masnão conseguiu. Teve poucas opções além de partir com o que restava deseu governo e seu exército para a ilha de Taiwarr."

o modelo soviético e a China comunista

Embora disposto a reconhecer a preeminência da União Soviética como oprimeiro "Estado socialista" do mundo, o que combinava com seu p~udenterespeito à autoridade de Stalin, Mao se considerava, não sem motivo, ummelhor avaliador das condições no território chinês. Sua desconsideraçãopelos conselhos de Stalin de tempos em tempos não causou, nessa fase, qual-quer crise nas relações entre os Comunismos soviético e chinês, porque osresultados das políticas de Mao foram suficientemente positivos do pontode vista soviético. A guerra no Pacífico terminara com a derrota do Japão_ embora graças mais aos americanos e ao exército de Chiang Kai-shekdo que às forças de Mao - e em 1949 o Partido Comunista chegou ~opoder em toda a China. Mao se moveu um pouco mais rápido do que Stalinrecomendara em 1948, mas a proporção com que o sistema construído peloPCC era uma cópia do que existia na URSS não podia agradar ao lídersoviético. Embora alguns estudiosos chineses argumentem que mesmo nasprimeiras fases do-regime Comunista havia diferenças significativas, bemcomo semelhanças, com o sistema soviético, um historiador russo sustentaconvincentemente que o que se construiu na China foi "o modelo soviéticode desenvolvimento político, social e econômico". E ele prossegue descre-vendo o que eram, de fato, características fundamentais que eles tinham emcomum: "o poder indiviso do Partido Comunista estritamente centralizado

, e hierárquico, o culto ilimitado ao líder do partido, o controle total sob~e avida política e intelectual dos cidadãos pelos órgãos de segurança púbh,ca,a tomada das propriedades privadas pelo Estado, o planejamento estrrta-mente centralizado, a prioridade ao desenvolvimento da indústria pesadae os enormes recursos destinados à defesa nacional't."

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Mao irritara Sralin de tempos em tempos com sua doutrina ortodoxabem como com diversas de suas iniciativas quando Stalin pedia cautela. Ma:embora indubitavelmente tivesse reservas em relação a Stalin, Mao tiverao cuidado, até mesmo nos anos 1930, de se apresentar aos emissários daUnião Soviética como um seguidor dedicado do uozhd' do Kremlin. Assimquando um diretor de documentários, Roman Karmen, foi à China, naprimavera de 1939, para fazer um filme sobre Mao, esteposDu.com'umaobra de Stalin em suas mãos, estudando-a atentamente ~ assegurando'que o quadro de Stalin fosse claramente mostrado pela câmera. Karmenpôde relatar a Moscou o entusiasmo com que Mao falou sobre Stalin.28Entretanto, Mao se encontrou com Stalin pela primeira vez somente emdezembro de 1949. A visita foi marcada para coincidir com a celebraçãodo 70° aniversário de Stalin, o que teve o efeito de ofuscar a chegada deMao. Os Comunistas chineses haviam chegado ao poder apenas dois mesese meio antes, e esse acontecimento foi recebido em Moscou como urna provada marcha progressiva do Comunismo - além do mais, em um país degrande significado internacional. Mas se qualquer pessoa fosse avaliar pelacobertura na imprensa soviética, seria obrigada a concluir que entre os doisacontecimentos, a chegada do Partido Comunista ao poder no Estado maispopuloso do mundo foi uma ocasião menos importante para comemorardo que os 70 anos de Stalin.

Ao longo dos anos, Mao tivera o cuidado de desacreditar potenciais rivaisdentro do partido ou torná-Ios dependentes dele. Quando os Comunistaschegaram ao poder na China, havia, porém, indivíduos talentos os de altoprestítigo na liderança do país, além de Mao. Uma dessas pessoas era LiuShaoqi. Embora Mao fosse o líder principal e inquestionável, com sua basede poder no partido, Liu, que na guerra civil Contra os nacionalistas atuaracom habilidade nas "áreas brancas" por trás das linhas inimigas, ocupavao segundo lugar. O terceiro na hierarquia era o chefe da administraçãodo governo, Zhou Enlai, que combinava esse cargo com o de ministro doExterior. 29 Veterano do partido com grande habilidade, e que se opuse-raa Mao algumas vezes no início dos anos 1930, Zhou tinha o instinto deamenizar algumas das políticas mais extremas de Mao. Assim como Anas-tas Mikoyan - de maneira semelhante, um inteligente, flexível e antigomembro do Politburo soviético sob o comando de Stalin e Kruschev _Zhou se contentava em nunca buscar o cargo mais alto. (Nesse aspecto,ele se diferenciava de Wang Ming.) Assim, conseguiu ficar na liderança dopartido durante quatro décadas, ao preço de dividir a responsabilidade

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por erros caros e pela sangrenta repressão. Permanecendo comprometidocom a causa Comunista que abraçara na juventude, Zhou Enlai aceitava asviradas e distorções da liderança de Mao assim como Mikoyan aceitava sua

'subordinação a Stalin. (Na União Soviética, mais ainda do que na China,fazer ou não fazer isso era uma questão de vida ou morte.) Ao comentar as"contradições evidentes" de Mao Zedong, um importante especialista empolítica chinesa, LowelI Dittmer, escreveu que embora Mao estivesse "ab-solutamente determinado a ter seu próprio caminho e esmagar a oposição,

;ele desprezava aqueles que (como Zhou Enlai) o agradavam e bajulavam't '?

Mas, apesar dessas relações desiguais e desconfortáveis, durante os.'anos que os Comunistas chineses consolidaram seu poder de Estado - de;'ol.ltubro de 1949 a meados dos anos 1950 - a elite dominante permane-ceu estável. A grande maioria dos membros do Comitê Central eleitos no;VII Congresso do partido, em 1945, que ainda estavam vivos em 1956 foi"reeleita no VIII Congresso, naquele ano." A unidade da elite na época con-trastava com o tumulto que ocorreria mais tarde, mas o princípio leninistade centralismo democrático dentro do partido funcionava em seu benefícioenquanto este consolidava seu poder. Na prática política, isso significavaprojetar para a sociedade uma imagem monolítica, baseada na disciplinarígida e na organização extremamente hierárquica que prevalecia dentro

. do Partido Comunista. Havia também na época um genuíno entendimentono PCC de que a experiência soviética provia o modelo de construção dosocialismo, embora esse "modelo" tivesse variado ao longo do tempo - daNova Política Econômica de Lenin à coletivização compulsória da agricul-tura por Stalin e a introdução dos planos de cinco anos de desenvolvimento

. econômico. Nos primeiros anos do regime, os Comunistas chineses tendiama olhar para a experiência soviética do fim dos anos 1920 ao considerar odesenvolvimento econômico, mas para as instituições políticas do sistemapolítico soviético consolidado.ê!

Um dos slogans disseminados pelo Partido Comunista Chinês no iníciodos anos 1950 era: "A União Soviética de hoje é o nosso amanhã.v" No-tadamente, ainda no fim de janeiro de 1956, Mao declarou que os Comu-nistas chineses haviam meramente aprimorado as realizações soviéticas.P

"As "eleições" para o Comitê Central ou para seu órgão interno, o Politburo - na China, assimcomo em outros Estados comunistas- não eram por meio de uma escolha livre de delegados parao Congresso do Partido. Endossavam uma lista de nomes de pessoas escolhidas pela liderançainterna do partido, sendo que Mao, no caso chinês, tinha uma influência desproporcionalmentegrande no resultado.

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Durante esse período de construção do sistema Comunista, como observaFrederick Teiwes, as influências soviéticas afetaram a política do PartidoComunista Chinês e a sociedade chinesa de maneiras diversas e complexas.Teiwes prossegue: "Em alguns sentidos, o processo estava além do controledos líderes do Partido, porém mais fundamentalmente refletia a eScolhaconsciente deles. E quando esses líderes - ou um grupo dominante deles '--viram a necessidade de romper Com o caminho soviético,-dépoi_s de 1957,fazer isso era algo que estava dentro de sua capacidade, embora muita,sinfluências soviéticas tenham inevitavelmente permanecido."34

A população imensa e bastante espalhada do Estado chinês e o tamanhodo Partido Comunista do país o puseram em uma categoria bastante dife-rente dos regimes impostos pelos soviéticos no centro e no leste da Europaquando, alguns anos depois da morte de Stalin, começaram a surgir sériasdiferenças com a liderança soviética. Nos primeiros anos do PCC no poder,porém, havia em grande medida um acordo entre os dois maiores partidosComunistas do mundo.

Os partidos 'Comunistas do Leste Europeu cujo caminho para o podertinha pelo menos alguma coisa em comum com o PCC eram os da Iugosláviae da Albânia, porque nos dois casos foram os exércitos Comunistas quetiveram uma vitória essencialmente militar, na qual a libertação nacionalem relação à ocupação estrangeira e a revolução social e política ocorreramparalelamente. Outra característica comum - e especialmente significativa- é que, apesar da importância que os exércitos tiveram em todas as trêsvitórias, a supremacia do Partido Comunista foi preservada. Mao explicouisso claramente já em 1938: "Nosso princípio é de que o Partido comandaa arma, e nunca se pode permitir que a arma comande o Partido." QuandoO PCC chegou ao poder, esse princípio foi seguido estritamente. O primeirosecretário do partido em cada região era, assim como em outros países domundo Comunista, a figura de maior autoridade dentro daquele território,e em cada região chinesa, exceto uma - o Centro-Sul, onde o cargo foidado a Lin Biao, um dos mais bem-sucedidos comandantes do ExercitoVermelho chinês - esse cargo era exercido por uma figura política civil. 15

Assim como os partidos Comunistas do Leste Europeu, o PCC teve umrápido aumento de seu número de membros durante o período em que es-tava chegando ao poder, passando de cerca de 2,8 milhões de membros, em1948, para cerca de 5,8 milhões em 1950. A velocidade com que o partidomais do que dobrou seu tamanho significava que faltava a muitos dos novosrecrutas não apenas conhecimento sobre a ideologia marxista-leninista, mas

té mesmo uma alfabetização básica. Além disso, eles estavam i.ntegrandoa lado vencedor, o que significava que aqueles que haviam participado da~nga luta contra os nacionalistas não estavam certos sobre o quan~~ erl~autêntico o comprometimento dos novos recrutas com a causa Comunista.

A guerra da Coreia e o rompimento interno

. ,. I" d K mintang foram deixadosInicialmente, muitos funcioná nos ocais ~ uo .e os Comunistas não tinham pessoas suficientes paraem seus cargos, porqu , I

reencher todos os cargos. O novo governo Comunista consegul,u~ontro " ainflação desenfreada, em parte se apoderan,d~ do sistema banca no e, assim,btendo o controle sobre a emissão de credito, e em parte controland~ o

~u rimento de produtos e pagando às pessoas ~rinc,ipalmente em n:erca 0-

, p -'1 o O índice de inflação fOIrapidamente reduzido paranas, como graos e o e . "15 or cento ao ano." Nos primeiros dias, o regime Comunista evocouent~siasmo em grande parte da sociedade chinesa. Nas palavras de JohnKing Fairbank:

Ali estava um governo dedicado que realmente arrumou as coisas - nãoapenas os esgotose as ruas, mas também os mendig?~,prostltutaAselPeque-

lhid econdicionarnento. Iestavanos delinquentes todos elesreco I os para r c IChl'na'da qual as pessoas podiam se orgulhar, que contra ou auma nova , _ f de é e a

inflação, aboliu os privilégiosde estrangeiros, eliminou o ~mo e opio ,corrupção emgerale levouos cidadãos a uma profusãodeatividadesSOCiaIS

t obras públicas disseminar o alfabetisrno,controlar doenças,para conser ar, _ p to dealiar-se à classesubalterna e estudar a Nova Democraciaeo ensamen dMao Zedong.Todasessasatividades abriram novasportas para a juventu eidealista e arnbiciosa.ê"

Se grande parte disso - mas de modo algum tudo - ,foi positi~o, ~oladomais obscuro do regime Comunista não demorou rrunto p~r,a VI[ a tona.Mantendo um estrito controle sobre o comportamento pohtlc,~ e ~o,breoacesso à informação, enquanto introduzia uma mudança revolucionária n~s

" 'I' ' o levou logicamente a uma repressaorelações SOCIaiSe po ttrcas, o govern _ I A "

física e à ditadura do partido. Éprovável que o período de rel~t1vato e~anclad ão Comunista da sociedade tenha sido ainda mais breve o queo estrato na d C o AquelaPoderia ter sido devido à entrada da China na Guerra a oreia. _

0_- 'I" b - um conflito que custou afoi uma luta fortemente ideo ogrca, em corno o

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Ii~"

232 ASCENSÃO E QU EDA DO COMUNISMO

vida de,mUi,tossoldados. Três milhões de soldados chineses participaram,e as estimanvas de mortos variam entre 400 mil e um milhão sendo pou 'a cre~ibilidade, dada ao número oficial de 152 mil mortos, fornecido p~:autoridades chinesas na época." Entre os mortos na Coreia estava - emum bombardeio americano - o filho mais velho de Mao Zedong qb Ih . , uetra a a,va como tradutor de russo para o comandànte chinês da Guerrada Coreia, Peng Dehuai." A União Soviética não participou abertamenteda guerra, mas deu enorme assistência às forças chinesas e norte-éoreanas -mal equipadas, enviando clandestinamente equipes aéreas, assessores ~fornecendo tecnologia militar em grande escala." -

Hoje sabemos, por meio da leitura cuidadosa de documentos dos ar-quivos soviéticos, que o líder coreano Kim Il-sung convenceu Stalin deque ~oderia vencer rapidamente uma guerra para incorporar o sul a umaC~rela Comunista unida e o convenceu também a lhe dar o aval para pla-nejar um ataque. Quando o sucesso inicial dos norre-coreanos foi revertidopela resi~tência americana, Stalin manifestou a Kim Il-sung esperança eexpectat~va de que "voluntários" chineses salvassem os norte-coreanos.?~ao hesitou, porém, em comprometer as forças chinesas com o conflito,citando, e~ uma mensagem a Stalin em 2 de outubro de 1950, o desejo depaz na China depois de tantos anos de guerra. Mao também enfrentavasé~ias dúvidas no Politburo chinês sobre perturbar a reconstrução do país,a~em de preocupações, de que a guerra pudesse expor a China a um ataquedireto dos Estados Unidos (as bombas atômicas lançadas no Japão em 1945estavam frescas na memória)." Ao mencionar algumas dessas dificuldades aS~al~n,,Mao ta,lvezestivesse também fortalecendo sua posição de negociadorvls-a-v~s a,Unlão Soviética com uma opinião também para consolidar suaascendência s?bre seus colegas do Politburo. Ele tinha que assegurar quehouvesse sufiCle~t~apoio militar secreto da União Soviética para compensaro ~traso tecnológico das forças armadas chinesas. A liderança Comunistachinesa com Zh E I ' L' B' , d-:- ou n ai e m iao envia os a Moscou para se encontrarcom Stalin - enfatizou a importância do apoio aéreo soviético se os chine-ses participassem da guerra. Em uma carta que escreveu em 4 de outubrode, 1950, e qu~ foi entregue a Mao no dia seguinte, Stalin pressionou oschineses a enviar tropas à Coreia - no mínimo cinco ou seis "divisões devoluntários". Argumentou que a China não receberia o reconhecimento in-ternacio~al pelo qu~l ansiava com "temporização passiva e paciência", e queestava ate mesmo disposro a se arriscar a uma guerra mundial envolvendo

AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA

os Estados Unidos (embora não acreditasse que este fosse ser o resultado)para impedir a derrota dos Comunistas na Coreia. Stalin escreveu:

Pode-se supor que os EUA, embora não estejam preparados para umagrande guerra, poderiam ainda ser atraídos para uma grande guerra, oque por sua vez arrastaria a China para a guerra e, juntamente com ela, aURSS, que está ligada à China pelo Pacto de Assistência Mútua. Devemostemer isso? Na minha opinião, não, porque juntos seremos mais fortes queos EUA e a Inglaterra, enquanto os outros Estados capitalistas europeus-sem a Alemanha, incapaz de dar qualquer assistência aos Estados Unidosagora - não apresentam uma força militar séria. [Os trechos em itálico sãoemendas feitas à mão por Stalin à carta darilografada.]"

Na mesma carta, Stalin disse ter ouvido de Mao que a presença de partidosburgueses na coalizão chinesa significava que estes conseguiriam exploraro descontentamento no país com o Partido Comunista e sua liderança emcaso de guerra. Disse que entendia a situação difícil de Mao, mas lembrouque antes este declarara sua disposição para enviar tropas à Coreia. Stalindeixou implícito que achava que Mao estava mostrando sinais de recuo edemonstrando uma solidariedade revolucionária insuficiente. De fato, maistarde, Mao diria que Stalin suspeitava de que ele fosse um segundo Tiro esó confiou nele depois de ele intervir na Coreia." Três dias após receber acarta de Stalin - e depois do que ele disse terem sido três dias e noites semdormir - Mao deu uma ordem secreta para que "voluntários" chinesescruzassem a fronteira coreana. Assim teve início a participação chinesa naGuerra da Coreia - com o objetivo, nas palavras de Mao, de resistir aos"ataques do imperialismo dos EUA e de seus lacaios"."

Pode ser que a hesitação de Mao se devesse em parte à sua suspeita deque, além do perigo de um conflito mais amplo, a participação chinesa naGuerra da Coreia - com o desvio de fundos e a perda de vidas que neces-sariamente ocorreriam - aumentaria a oposição interna ao novo regimee produziria distúrbios no país. Entretanto, ele viu que havia tambémoportunidades a serem exploradas. A ameaça externa poderia consolidaro controle interno e, ao levar a luta aos americanos, Mao fortaleceria seu

,prestígio entre os Comunistas internamente. Certamente ele estava prontopara usar a tensão elevada como desculpa para tomar medidas duras contrauma oposição até mesmo potencial. O número de execuções de cidadãoschineses pelos Comunistas do país aumentou bastante depois de a Guerra daCoreia começar. As estimativas do número de pessoas executadas na China

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234 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO

entre !949 e 1953 variam muito - de 800 mil a cinco milhões. A grandernaiorra das execuções Ocorreu depois de as tropas chinesas entrarem nC ' a

orera, em outubro de 1950. O número de pessoas presas ou intimidadaspelas autoridades foi muitas vezes maior." As pressões ideológicas sobreraciocínios incorretos _. "reforma do pensamento" - também começarama aumentar e~ 1950. De maneira convincente, tem sido argumentado quefOI ,uma combinação de terror disseminado deliberadamente compars-,nalismo que permitiu ao Partido Comunista Chinês ter sucesso onde os'nacional~stas_haviam fracassado nos anos 1930 e 1940 com suas estratégiasde mobilização e doutrinação.w O Estada. dava apoio material àqueles quecooperavam com os novos governantes, enquanto lidava cruelmente com osopositores. Foram organizadas apresentações públicas dedicadas às ativida-des contrarrevolucionárias, nas quais os acusados desses crimes explicavama n~t~reza da ameaça contrarrevolucionária, manifestavam arrependimentoe diziam o quanto estavam gratos pelo fato de as autoridades apontaremos erros em seus caminhos."

Simples~ente abster-se de atividades contrarrevolucionárias estava longede se,r suficiente. O que desencadeou os ataques a intelectuais que estavamem CIma do muro e não abraçavam completamente os objetivos do PartidoComunista foi um filme, A vida de Wu Xun, lançado em dezembro de1950. O filme retratava um filantropo do século XIX que deixava de serum pobre mendigo para se tornar um rico proprietário de terras e usavasua fortuna não apenas para criar escolas para os pobres, mas tambémpara convencer o governo imperial a participar de seu empenho. O filmeera popular e recebera boas críticas. Entretanto, na primavera de 1951,começou a ser ferozmente atacado por iniciativa do Comitê de Gestão deFilmes do Ministério da Cultura. Uma possível instigadora das críticas foiJian Qing, que recentemente fora nomeada membro do comitê e se tornaraa quarta esposa de Mao. Logo, jornais estavam dedicando um bocado desuas páginas para denunciar A vida de Wu Xun. Um erro político funda-mental do filme era sugerir que o progresso podia ser alcançado por meio deum reformismo idealista, e não através da luta de classes revolucionária.v'

Um modo de pensar dicotômico tem sido característico da doutrinaComunista ortodoxa." Isso significa que, em essência, só há dois ladosna_ luta - as forças do progresso revolucionário e as forças de reação.Nao pode haver um "terceiro caminho". Isso foi dito aos produtores de~lmes em .termos claros, e a mensagem foi rapidamente espalhada para osmtelectualscomo um todo. Artistas, escritores, professores universitários

AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 235

, e professores primários estavam entre os que foram obrigados a participar. de grandes reuniões em que tinham de discutir as obras de Marx, Lenin e. Mao, denunciar seus pensamentos anteriores, fazer autocríticas e enfren-tar as críticas de outros. Enquanto proprietários de terras e opositores darevolução evidentes eram presos ou executados, o objetivo da campanhade controle do pensamento era conservar as habilidades de pessoas instruí-das mas remodelar completamente o pensamento delas em conformidadecom a nova ideologia dominante. Ao mesmo tempo, o sistema educacionalchinês foi reestruturado de acordo com a linha soviética, o que significoudar grande prioridade a assuntos práticos - engenharia e ciências naturais- e desmantelar programas educacionais liberais que haviam produzidogeneralistas altamente instruídos (embora estes fossem uma pequena maioriada população totall."

Uma série de campanhas caracterizou o período entre 1951 e 1953.Em 1952, a campanha "Três-Anti" foi rapidamente seguida do projeto"Cinco-Anti". Os focos da "três" eram a corrupção, o desperdício e aburocracia. Já o "cinco" se referia a suborno, evasão de impostos, roubode propriedades do Estado, trapaças em contratos do governo e roubo dedados econômicos do governo." Os alvos sociais das campanhas eram osfuncionários urbanos, principalmente aqueles envolvidos em administraçãofinanceira, e os capitalistas. Uma campanha anterior, em 1951, levara àprisão de "contrarrevolucionários" e "espiões"." Juntamente com essascampanhas, a liderança começara a construir um sistema Comunista demaneira relativamente ortodoxa, dando prioridade à nacionalização daindústria pesada, que no fim de 1952 estava entre 70 e 80 por cento estati-zada (assim como 40 por cento da indústria leve na época). Enquanto isso,o Partido Comunista retirara as carteiras do partido de aproximadamente10 por cento dos membros que haviam ingressado nos anos anteriores, masacrescentara novos recrutas, de modo que, no fim de 1953, o número demembros continuava a ser de 6,5 milhões.v O que tudo isso significou foique enquanto Stalin estava vivo - ele morreu em março de 1953 - o siste-ma Comunista chinês, apesar de seguir um caminho distinto para o poder,estava desenvolvendo caminhos reconhecidos e aceitos pelos árbitros daretidão ideológica e organizacional no Krernlin. Mao, no que dizia respeitoao Movimento Comunista Internacional, ainda não se tornara "maoista".