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Modelos de Organização e Financiamento de Serviços de Saúde

(MOFSS)

Tema:

Análise crítica do sistema de financiamento

português

Fernando Biscaia Fraga

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Introdução

A responsabilidade primeira de qualquer sistema de saúde é a de promover a saúde dos

cidadãos. A evidência tende a demonstrar, porém, que o rendimento dos cidadãos, o

desenvolvimento económico e social, a escolaridade, as características culturais,

constituem fatores cuja importância para os resultados ou ganhos em saúde, em especial

nas sociedades mais desenvolvidas, rivaliza com o número de médicos, ou de camas de

agudos, ou as despesas totais ou públicas com a saúde. (Comissão para a

Sustentabilidade do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde, 2007)

Os decisores políticos têm sido confrontados, neste setor, com objetivos contraditórios,

em que por um lado, a evolução demográfica exige cada vez mais dos sistemas de saúde,

e por outro, a inovação tecnológica ocorre a um ritmo tão acelerado e em áreas tão

diversificadas que se torna difícil garantir que as respostas dadas à população são as

mais adequadas às suas necessidades (Valente, 2010). Para além da finalidade nobre dos

sistemas de saúde, que é a de contribuírem decisivamente para os ganhos em saúde,

espera-se, também, que a ação pública na saúde contribua para a diminuição das

desigualdades dos resultados em saúde e para a redução das desigualdades no acesso a

tratamentos (Campos, 2007)

A perceção geral de que o setor da saúde é diferente dos outros tem levado, porém, à

presunção de que o raciocínio económico não se aplica neste setor, sendo vulgar ouvir

dizer-se que «a saúde não tem preço» (Barros P. , 2005) o que por si só tem conduzido a

constrangimentos acrescidos à implementação de reformas, relativamente a outros

sectores da Administração Pública. No entanto, apesar das especificidades deste setor,

nomeadamente a ausência de fins lucrativos, as entidades prestadoras de cuidados de

saúde são agentes económicos racionais, que poderão ter um comportamento em tudo

semelhante a outros, procurando obter excedentes para aplicação noutros fins

coincidentes com o interesse geral da sociedade (Barros P. , 2005) . É consensual a

constatação de alguma ineficiência associada não apenas ao desperdício dos recursos

afetados à saúde, mas também ao subaproveitamento dos recursos e da capacidade

instalada nas unidades de saúde (Rego, 2011). Segundo o Tribunal de Contas, existem

importantes ineficiências que a nível do Serviço Nacional de Saúde (SNS) determinam

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desperdícios em meios financeiros que corresponderão a cerca de 25% dos meios

disponíveis (OPSS, 2012), sendo, portanto, questionável a sua sustentabilidade

económica e financeira e a viabilidade dos modelos aplicados.

Além disso, a oferta hospitalar portuguesa é um dos mais significativos ativos e um dos

mais importantes investimentos realizados nas últimas décadas na construção de um

Serviço Nacional de Saúde de acesso universal para responder a uma procura de

cuidados de saúde cada vez mais sofisticada e exigente por parte dos cidadãos.

O sistema de saúde português, influenciado pelo modelo beveridgeano, caracteriza-se

pela coexistência de três sistemas sobreponíveis: o Serviço Nacional de Saúde (SNS),

esquemas especiais de seguros públicos e privados para determinadas profissões e

obrigatórios para os seus beneficiários (subsistemas de saúde) e seguro voluntário de

saúde privado (Simões & Barros, 2007), constituindo portanto uma realidade muito

complexa dos pontos de vista político, social e económico.

O sistema de saúde é coordenado pelo Ministério da Saúde, o qual fornece e financia os

cuidados de saúde públicos e, tal como na maioria dos sistemas de saúde europeus, o

português é uma combinação de financiamento público e privado, em que os seguros

privados tendem a ser complementares face ao seguro público.

Embora o seguro público constitua a fonte de financiamento dominante, os pagamentos

diretos das famílias apresentam um peso significativo nas despesas com saúde.

Financiamento

De acordo com os dados publicados pelo INE (INE, 2012), o SNS é aquela que maior

contributo dá para o financiamento da despesa em saúde, respondendo por mais de

metade de tal financiamento (53% em 2009). No entanto, a despesa privada das famílias

responde por uma fatia ainda bastante significativa da despesa, tendo obtido em 2009,

um impacto de mais de um quinto do total da despesa de saúde (27,3%). Por sua vez, os

subsistemas de saúde pública têm a seu cargo uma parcela da despesa de 7,4%, sendo,

em todo o caso, expressamente superior à componente dos sistemas privados.

Um orçamento para o total das despesas do SNS é estabelecido dentro do orçamento

nacional anual. Este tem sido tradicionalmente um orçamento flexível, tendo em conta

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que as despesas com a saúde têm geralmente excedido os limites do orçamento em larga

margem, necessitando de aprovação de orçamentos suplementares.

Para além da cobertura do seguro universal de saúde prestado pelo SNS, cerca de 20 a

25% da população está coberta pelos subsistemas de saúde (Simões & Barros, 2007)

sendo o acesso aos mesmos geralmente limitado a membros de uma profissão específica

e suas famílias. De acordo com os dados de janeiro de 2013, revelados pela própria

ADSE (Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes Públicos), entre

titulares ativos, aposentados, e familiares, totaliza-se cerca de 10% da população17. A

ADSE corresponde ao maior subsistema de saúde e constitui um serviço integrado do

Ministério das Finanças e Administração Pública. As atribuições e normas de

funcionamento encontram-se consignadas no Decreto Regulamentar n.º 44/2012, de 20

de junho e na Portaria n.º 351/2007, de 30 de março.

Os restantes subsistemas públicos (SAD/PSP - Serviços de Assistência à Doença da

Polícia de Segurança Pública, SAD/GNR - Serviços de Assistência à Doença à GNR e

ADM - Assistência à Doença dos Militares da Armada) asseguram o acesso dos seus

beneficiários aos cuidados de saúde, em igual medida ao da ADSE, quer enquanto

responsáveis pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados àqueles pelos serviços e

estabelecimentos integrados no SNS, quer garantindo aos beneficiários um acesso a um

conjunto de serviços ou cuidados, regra geral mediante a celebração de acordos ou

convenções com prestadores privados de cuidados de saúde (regime convencionado), ou

ainda mediante um mecanismo de reembolso de despesas com a aquisição de serviços

médicos em entidades privadas não convencionadas (regime livre) (Diniz, 2013).

A ADM foi recentemente extinta através da publicação do Decreto-Lei n.º 11/2011, de

21 de janeiro, que extinguiu o subsistema de saúde da justiça, integrando os seus

beneficiários na ADSE, por um lado, pela coincidência dos níveis de proteção de ambos

os subsistemas e, por outro, por claras vantagens de gestão com a organização conjunta

dos subsistemas públicos de saúde (ERS, 2011).

Os subsistemas privados de saúde consistem em entidades de natureza privada que, por

contrato, asseguram prestações de saúde a um conjunto de cidadãos e/ou comparticipam

financeiramente nos correspondentes encargos (ERS, 2011). Segundo a Entidade

Reguladora da Saúde, estes subsistemas são de natureza obrigatória, constituindo um

mecanismo de solidariedade intragrupal (de matriz profissional ou de empresa),

contrapondo-se, desde logo, aos seguros privados cuja adesão não se encontra, por

definição, restrita a determinado grupo (ERS, 2011).

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No setor privado, os principais subsistemas de saúde são Portugal Telecom - Associação

de Cuidados de Saúde (PT-ACS), para os funcionários do operador Telecom e para os

funcionários dos correios, e SAMS (Serviços de Assistência Médico-Social), para os

funcionários bancários e de seguros associados. Existem ainda alguns fundos mais

pequenos, a maioria membros da Associação Nacional dos Subsistemas de Saúde

(Simões & Barros, 2007). Para a ERS (ERS, 2011)estes subsistemas de saúde que

apresentam complementaridade (em termos de financiamento) com o SNS, funcionam

quase que numa lógica de seguros de saúde, através dos quais os cidadãos, que a eles

aderem, de forma compulsiva ou voluntária, beneficiam de uma mais ampla cobertura

de cuidados de saúde.

Os subsistemas de saúde públicos têm contribuições compulsórias de beneficiários

(1,5% do salário em 2007), no entanto, estas contribuições representam uma pequena

fração do seu financiamento, uma vez que o Governo, através do Orçamento de Estado,

contribui com cerca de 90% do financiamento total (Simões & Barros, 2007)

Sendo um dos aspetos mais sensíveis ao nível da gestão de organizações de saúde, o

financiamento desperta intrinsecamente uma atenção particular em todos os agentes

envolvidos direta ou indiretamente no processo direto de prestação de cuidados de saúde

às populações. Esta especial atenção resulta em grande medida da representatividade

monetária que o sector da saúde detém no contexto da nossa sociedade. Vejamos

particularmente para o caso português os principais valores associados ao financiamento

de cuidados de saúde:

Numa perspetival histórica, a ACSS (ACSS, 2010) reconhece que o critério utilizado

nos últimos anos baseou-se no nível de despesas anteriores. As ARS receberam o seu

montante financeiro a partir do que conseguiram gastar em exercícios anteriores

(Santana, 2011).

Devido à progressiva desproporção entre o crescimento de gastos e de recursos, os

governos viram-se obrigados a conduzir políticas de contenção de custos, através da

limitação de recursos públicos e formas de controlo. Algumas medidas:

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A limitação de recursos públicos pode ocorrer através do crescimento dos

copagamentos ou redução do número de exceção aos mesmos, do racionamento,

do incremento do papel dos seguros voluntários de saúde e do desenvolvimento

de formas alternativas à hospitalização;

Em termos de formas de controlo, os autores realçam - controlo sobre os

honorários, controlo dos inputs (nomeadamente salários, pessoal e despesas de

capital), controlo das camas hospitalares, introdução de guidelines nas

terapêuticas, introdução do sistema de preços de referência (que delimita um

nível máximo de comparticipação da entidade pagadora, acima do qual será

pago pelo consumidor) e controlo do tempo de internamento, promovendo-se

alternativas à hospitalização.

Pagamentos Diretos

Os pagamentos diretos incluem a partilha de custos e pagamentos diretos para os

serviços do setor privado. A forma mais utilizada de partilha de custos no SNS consiste

em copagamentos ou taxas moderadoras, traduzidos numa quantia fixa para um serviço,

e que existem na maioria dos serviços públicos em saúde (Simões & Barros, 2007) . As

taxas moderadoras têm como objetivo (explícito) conter e regular a procura dos serviços

públicos (o argumento convencional de controlo do risco moral), enquanto os

copagamentos nos produtos farmacêuticos não só têm o papel de influenciar a procura,

como também desviar a carga financeira para os utentes (Simões & Barros, 2007). As

taxas moderadoras foram instituídas no acesso aos cuidados de saúde ambulatórios, e

posteriormente nos serviços hospitalares.

Estes pagamentos constituem uma importante fonte de financiamento do sistema de

saúde português. Representavam cerca de 22% das despesas totais em saúde em 2004.

Embora nos últimos anos vários países, incluindo Portugal, tenham procurado formas de

aumentar a participação direta do cidadão para garantir a sustentabilidade do

financiamento da saúde, o recurso a pagamentos diretos levanta sempre questões muito

polémicas.

Tanto os defensores como os detratores do financiamento direto podem encontrar

argumentos válidos para o seu ponto de vista particular. Em última análise, porém, a

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opção por maior ou menor recurso à participação direta dos utentes dependerá de

escolhas políticas e de pressões orçamentais.

A evidência nacional analisada aponta para o impacto orçamental das taxas

moderadoras ser relativamente pequeno, o que se deve, muito provavelmente, à

complexidade do sistema de pagamento e à extensão das isenções, que abrangem grupos

muito variados da população. No contexto europeu, o recurso a taxas de utilização nas

consultas e internamento varia muito de país para país, sendo que Portugal se

aproximou recentemente dos países que mais recorrem a este tipo de financiamento. É

no sector do medicamento, contudo, que a participação dos utentes é relativamente

elevada, o que se deve por um lado, a taxas de comparticipação comparativamente

baixas, com poucas isenções de pagamento, e por outro lado, a níveis de utilização de

fármacos pela população portuguesa que são relativamente elevados. A análise dos

dados de inquéritos aos orçamentos familiares demonstrou, ainda, que os pagamentos

diretos, na sua globalidade, são altamente regressivos. Esta situação deve-se em

primeiro lugar ao facto de as famílias mais pobres suportarem uma maior carga de

doença, o que as leva a serem consumidores mais intensivos de cuidados. Contudo, a

regressividade poderá também ser resultado de mecanismos relativamente fracos de

proteção das despesas dos grupos mais pobres. Num período em que o nível de

regressividade das despesas em saúde parece ter vindo a aumentar, é importante que

eventuais medidas que visem a sustentabilidade, por via das despesas diretas, sejam

suficientemente flexíveis para não agravar a situação dos mais carenciados e que,

eventualmente, corrijam essa situação. (Comissão para a Sustentabilidade do

Financiamento do Serviço Nacional de Saúde, 2007)

Medicamentos Tal como noutros países, o campo onde os pagamentos diretos têm assumido maior

expressão no sistema público é o dos medicamentos. Em parte esta situação deve-se a

taxas de comparticipação que no contexto europeu são comparativamente baixas e

também à utilização relativamente elevada de fármacos pela população portuguesa.

Comparado com outros países europeus a taxa de comparticipação dos medicamentos

pelo sistema público em Portugal é relativamente baixa (Pinto e Miguel, 2006). Este

facto, aliás, explicará uma parte substancial do elevado peso das despesas diretas no

nosso país, já que, como se viu atrás, os valores despendidos nas taxas moderadoras são

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relativamente baixos. Como se pode verificar no quadro 19, que apresenta dados sobre a

taxa média de comparticipação no mercado do SNS, os encargos dos utentes rondam os

31% do preço de venda dos medicamentos. Este valor correspondia a um encargo médio

por utente de 79,91€ no ano de 2004 com uma comparticipação correspondente do

Estado de 177,42€. (Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do Serviço

Nacional de Saúde, 2007)

Tal como no caso das taxas moderadoras importa também aqui evidenciar o impacto

dos benefícios especiais para certos grupos de utentes. Em termos de comparticipação

do SNS o regime especial de pensionistas representa 53,5% do total das

comparticipações. Os utentes deste regime suportam uma taxa média de cosseguro de

23,6%, em comparação com os 38,5% dos utentes do regime normal. O custo médio por

embalagem para os utentes do regime de pensionistas é de 4,00€, o que contrasta

favoravelmente com os 6,02€ do regime normal. Os regimes especiais de cobertura das

despesas com medicamentos em ambulatório onde a comparticipação do Estado é de

100%, - doenças profissionais, paramiloidose e outros – representam uma fatia muito

pequena da comparticipação global do Estado. Em 2004, estas despesas representavam

apenas 0,6% de todos os encargos do Estado com os medicamentos em ambulatório.

(Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde,

2007)

O Modelo Empresarial

O ponto de partida para este processo de «empresarialização» assentava num

diagnóstico exaustivamente repetido pelos especialistas do setor, o qual evidenciada

problemas de eficiência na afetação de recursos, falta de produtividade sistémica,

despesa pública com ritmos de crescimento incomportáveis para o país e uma crescente

insatisfação dos utentes pelos níveis do serviço prestado, carecendo de um aumento de

eficiência no setor cuja reposta reclamada era a «gestão empresarial» (Ribeiro, 2004).

Ainda em contexto de experiências inovadoras de gestão de natureza empresarial, não

podem deixar de ser mencionadas as parcerias público-privadas, cujo regime se

encontra definido ao abrigo dos Decretos-Lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, e n.º

86/2003, de 26 de abril. As parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento

privados, visaram fundamentalmente (segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º

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185/2002), obter melhores serviços com partilha de riscos e benefícios mútuos entre as

entidades públicas que têm a responsabilidade pelos serviços públicos e outras entidades

que se lhe associam com carácter duradouro. As parcerias público-privadas no setor da

saúde têm subjacentes três aspetos importantes no âmbito do direito financeiro:

"consubstanciam um contrato que envolve a realização de desembolsos públicos; as

respetivas despesas realizam-se em vários anos económicas, e a contratação de uma

parceria pressupõe uma orçamentação plurianual dos respetivos encargos" (Harfouche,

2008). Como novo mecanismo de provisão e prestação de cuidados públicos de saúde,

as parcerias assentam na seguinte tríplice de vetores: planeamento e financiamento

públicos; investimento e gestão privados; e controlo e titularidade públicos (Simões,

2004).

De acordo com Simões (Simões, 2004), o desenho e implementação do novo modelo

de financiamento nos hospitais SA ocorreram simultaneamente ao lançamento da

operação de empresarialização dos hospitais e assentaram em quatro grandes princípios:

1. A criação de uma relação contratual entre o Estado e o respetivo hospital,

titulada por um contrato-programa;

2. Cuidados e serviços agrupados por linhas de atividade - internamentos, consultas,

episódios de urgência e hospital de dia - com um preço ajustado pelo índice de

case-mix (severidade média das patologias) e por um ponderador de cluster

(diferenciação e matriz tecnológica do hospital);

3. Volume de produção contratada tendo em atenção a capacidade instalada,

permitindo cobrir os custos fixos dos hospitais; e

4. Produção marginal paga até um certo limite médio. Este novo modelo passaria a

permitir a prática de benchmarking a nível hospitalar.

Deduções Fiscais

As deduções fiscais em saúde merecem ser consideradas quando se discute a

sustentabilidade do financiamento da saúde. Portugal é hoje um dos países mais

generosos nesta matéria, havendo vários outros países comparáveis que estabelecem

limites mais rigorosos às despesas em saúde ou simplesmente não permitem a sua

dedução nos impostos sobre o rendimento. Foi evidenciado que a despesa fiscal em

saúde tem um peso assinalável no contexto da despesa em saúde, atingindo 5% das

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despesas públicas. Os cerca de 500 milhões de euros que representam a despesa fiscal

em saúde correspondem a cinco vezes o valor das taxas moderadoras cobradas pelo

Estado nos hospitais e centros de saúde.

Apresentou-se, ainda, evidência que aponta para a iniquidade do sistema de deduções

fiscais em saúde em Portugal. O sistema favorece sobretudo os grupos de mais elevados

rendimentos, incentivando-os a um aumento das despesas diretas em saúde. Os mais

pobres não pagam imposto, na sua maior parte, mas ao realizarem despesas privadas em

saúde, estas manifestam-se claramente como um encargo excessivo, visto não

usufruírem do benefício fiscal. A passagem para um sistema de créditos fiscais em 1999

melhorou a equidade vertical, mas o sistema ainda continua a agravar a conhecida

regressividade do financiamento da saúde em Portugal.

As deduções fiscais em saúde ao induzirem uma redução das receitas fiscais, acabam

por funcionar também como um processo de transferência de rendimento da população

em geral (dado o peso de impostos indiretos no sistema fiscal) para os cidadãos

elegíveis para o benefício fiscal da despesa em saúde. (Comissão para a

Sustentabilidade do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde, 2007)

Considerações Finais

O sistema de saúde português, tal como os seus congéneres europeus, tem-se defrontado

com problemas de sustentabilidade financeira no médio prazo, necessitando que

medidas enérgicas sejam introduzidas no seu funcionamento e que conduzam ao

abrandamento do ritmo de crescimento da despesa pública com a saúde, ou ao aumento

da receita ("Por um sistema de saúde mais eficiente", 2007).

Repensar globalmente o sistema de saúde é um imperativo para a concretização de uma

política de saúde concertada com os valores nucleares da nossa sociedade, tendo em

conta que é consensual a constatação de alguma ineficiência associada não apenas ao

desperdício dos recursos afetados à saúde, mas também ao subaproveitamento dos

recursos e da capacidade instalada nas unidades de saúde (Rego, 2011).

A procura de uma melhoria contínua dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos,

cada vez mais exigentes, é um objetivo essencial para os decisores políticos, porém

atualmente, não importa apenas oferecer um acesso equitativo a serviços de elevada

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qualidade com promoção de justiça na contribuição financeira dos cidadãos. É

imprescindível que a racionalização dos custos seja efetiva, garantindo eficiência na

utilização dos recursos- trata-se da necessidade de obtenção de ganhos em saúde

garantindo a eficiência (global) máxima do sistema.

A avaliação do desempenho da gestão é, consequentemente, uma questão fundamental,

apesar de controversa, não existindo na literatura relevante, tanto quanto é do nosso

conhecimento, um consenso quanto à forma de avaliar o desempenho no contexto

hospitalar.

Atualmente, mais de metade dos recursos financeiros do SNS são afetos através de

contratos-programa. Os hospitais públicos, sejam do setor empresarial do estado, do

sector público administrativo ou em regime de parceria público-privada, relacionam-se

com a entidade pagadora através deste instrumento, reduzindo-se a rigidez

administrativa e descentralizando-se o processo de decisão. O contrato fixa objetivos

por linha de catividade e o pagamento é feito com base na atividade realizada, de acordo

com um preço base, em vez do reembolso dos custos suportados. Em teoria, o sistema

de preços é fixado pelo pagador, o que obriga a entidade prestadora a alcançar melhores

níveis de eficiência.

Segundo Escoval (Escoval, 2010), é preciso trabalhar mais ativamente, para promover

uma nova síntese entre a teoria e a prática da contratualização em saúde no país,

aprendendo com a experiência, revendo as práticas a partir de novos patamares de

elaboração.

Apesar dos autores serem consensuais relativamente à melhoria da transparência no

setor com a introdução da contratualização, na verdade há ainda um longo percurso a

percorrer para a sua maximização. Os próprios documentos de metodologia reforçam a

necessidade de uma melhor definição de conceitos para que todas as entidades

prestadoras o entendam de igual forma. Por outro lado, a política de incentivos é apenas

dada a conhecer aos cidadãos como uma percentagem a oferecer mediante cumprimento

de objetivos definidos, no entanto, apesar de publicarem a valorização percentual dos

mesmos, não definem explicitamente o conceito de «cumprimento relativamente ao

estipulado». Para além disso, ficamos sem saber que entidades prestadoras receberam

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incentivos e mediante que níveis de classificação/cumprimento, o que penaliza a

transparência tão «publicitada».

O desempenho económico-financeiro dos hospitais EPE apresentou-se

significativamente mais desfavorável no período após a implementação da

contratualização nestes hospitais.

Naturalmente não se conclui que o processo de contratualização conduziu a um

resultado negativo na gestão hospitalar, mas os resultados sugerem que o mesmo não foi

efetivo na melhoria de eficiência num contexto económico de severas restrições

orçamentais.

O respeito pelos limites orçamentais é necessário que sejam de facto introduzidas

consequências (penalizações e/ou incentivos), quer ao nível da gestão, quer ao nível de

toda a organização abrangendo todos os decisores que têm capacidade de gerar despesa.

Para além disso, constatou-se que a evolução do desempenho económico-financeiro não

se encontra associada à evolução do grau de execução do contrato-programa e que este

último, por sua vez, não apresentou uma tendência de melhoria ao longo do período em

análise. Também aqui os estudos apontam para falhas no processo de contratualização.

Os indicadores padrão de desempenho em que assentam a negociação, isto é, o nível de

desempenho ótimo que se deve esperar face a uma determinada capacidade instalada,

deverão ser definidos e assentarem em critérios científicos. Os autores já anteriormente

citados, defendem também o desenvolvimento de conhecimentos sólidos ao nível da

contratualização interna.

Pedro Pitta Barros afirma que temos de ter a arte de encontrar a solução. Não é copiar o

sistema deste ou daquele. Temos de ter a arte e a coragem de procurar o nosso caminho.

Já vimos que só importar não dá resultado" e que "não é fácil ter um modelo a seguir.

Depende do contexto do País, seja económico, social, seja a capacidade de o Estado ou

a sociedade se organizarem". Na saúde, a assimetria da informação é explícita, quem

diagnostica prescreve e quem prescreve gera os custos do serviço que presta. Na

generalidade dos casos, o doente pode ter concorrido para a doença mas não escolheu

ficar doente (Justo, 2006). Para esta inconsistência entre intencionalidade e resultado

não será estranho o facto de a representação social de certos estilos de vida geradores de

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doença e a sua adoção serem frequentemente moduladas pelos valores dominantes do

mercado. Portanto, ao equacionarem-se modelos de financiamento, assumindo-se que o

SNS se mantém na esfera pública, tanto a propriedade dos meios de produção como a

sua gestão, há questões prévias que devem ser respondidas, atendendo aos valores éticos

que regulam as nossas relações sociais: se a saúde tem um valor de troca, se continua a

existir lugar para uma relação de agência entre prestador e utilizador, se os custos com o

impacto sobre a saúde do funcionamento do mercado devem continuar a ser indexados

ao Orçamento de Estado e se deve manter-se o pagamento dos custos com cuidados que,

no catual estado da ciência, nunca irão gerar retorno social.

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