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Curso de Extensão Universitária Políticas e Estratégias de Sistemas e Organizações de Saúde Economia da Saúde e Avaliação Económica (ESAE) Tema 4 A partir de estudos que utilizaram metodologia económica, o que sabemos sobre a equidade na prestação ou no financiamento de cuidados de saúde em Portugal? Fernando Biscaia Fraga

O que sabemos sobre a equidade na prestação ou no financiamento de cuidados de saúde em Portugal?

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O que sabemos sobre a equidade na prestação ou no financiamento de cuidados de saúde em Portugal?

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Curso de Extensão Universitária Políticas e Estratégias de

Sistemas e Organizações de Saúde

Economia da Saúde e Avaliação Económica

(ESAE)

Tema 4

A partir de estudos que utilizaram metodologia económica, o que

sabemos sobre a equidade na prestação ou no financiamento de

cuidados de saúde em Portugal?

Fernando Biscaia Fraga

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Introdução

Segundo o glossário de termos e conceitos sobre a economia da saúde (Pereira J. , 2004),

o termo equidade refere-se à distribuição justa de determinado atributo populacional e

no acesso a cuidados de saúde. Este tema é cada vez mais recorrente, na medida em que

uns dos pressupostos do sistema de saúde público assenta na noção de equidade. Esta

equidade pode ser pensada de diversas formas.

Habitualmente associa-se este conceito ao livre acesso aos cuidados de saúde,

independentemente do grau de necessidade ou das características de cada indivíduo.

Neste caso, está-se apenas a discutir uma questão de igualdade, ignorando divergências

ao nível da necessidade. O conceito de equidade pode, por outro lado, centrar-se na

ideia de que se deve prover um mínimo decente de cuidados de saúde para que o

sistema seja equitativo, o que pode gerar dúvidas quanto ao que será um mínimo

decente. Existem ainda conceitos que apontam para a maximização da utilidade

esperada dos indivíduos, o que, por sua vez, apresenta alguns problemas ao nível da sua

valorização. Outro dos conceitos possíveis para a definição de equidade é a regra do

maximin, que define como equitativo um sistema no qual se maximiza o bem-estar do

indivíduo que se encontra em piores condições (Simões, Paquete, & Araújo, 2006). No

sentido de facilitar a análise de desigualdades na distribuição de qualquer atributo é

utilizada uma representação gráfica denominada como Curva de Lorenz, em que é

estabelecida através de um conjunto de pontos que tem como coordenadas a

percentagem acumulada da população, quando ordenada na variável Y (eixo horizontal)

e a percentagem acumulada dessa mesma variável (eixo vertical). Quanto maior for o

afastamento da curva de Lorenz da diagonal maior é a desigualdade na distribuição. Por

outro lada existe a Curva de Concentração que se define como sendo uma representação

gráfica da distribuição económica de determinado atributo X para o qual existe interesse

ético. Uma curca de concentração tem por coordenadas a percentagem acumulada da

variável X no eixo vertical, e a percentagem acumulada da população quando ordenada

pelos níveis de rendimento, no eixo horizontal. A partir desta curva é possível calcular-

se o índice de Concentração, utilizado no campo da saúde para medir a equidade

relativamente aos sistemas de financiamento, resultado e da prestação de cuidados de

saúde (Pereira J. , 2004).

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Desenvolvimento

Em Portugal encontra-se, subjacente nos diplomas fundamentais de política de saúde,

um princípio de igualdade de acesso aos cuidados de saúde. Na sociedade democrática e

livre em que vivemos, com padrões de solidariedade social em constante evolução, o

direito humano à proteção e à promoção da saúde é fundamental para promover

igualdade de oportunidades. Em concordância, no Artigo 64º da Constituição da

República Portuguesa, declara no ponto 1º que ―Todos os cidadãos têm o direito à

proteção da saúde e o dever de a defender e promover. (Constituição da República

Portuguesa)

A equidade é um alicerce fundamental na legislação do sistema de saúde português

embora tenha havido pouca preocupação no passado em concretizar, promover e

monitorizar este objetivo. Recentemente, a OMS (Organização Mundial de Saúde)

avaliou o PNS (Plano Nacional de Saúde) que vigorou entre 2004 e 2010, identificando

as suas potencialidades, limitações e lacunas (WHO, 2010). Segundo este relatório, o

PNS prestou muito pouca atenção ao tema da equidade em saúde, nomeadamente em

termos de estratégias e programas para combater as desigualdades em saúde. Noutro

documento, destinado a avaliar o desempenho do sistema de saúde português a OMS

apontou para melhorias assinaláveis no sistema de saúde, não deixando, todavia, de

assinalar que ainda persistem diferenças significativas no estado de saúde dos

portugueses de acordo com o género, região geográfica e nível socioeconómico (por

nível educacional ou de rendimento (WHO, 2010). De acordo com os autores, o sistema

de saúde português tem como desafio para a consolidação e melhoria do estado de saúde

dos cidadãos, a diminuição dos níveis de desigualdade entre grupos e a adequação de

resposta às expectativas dos portugueses (Furtado & Pereira, 2010).

Em termos nacionais, pretende-se equilibrar a equidade, através de um modelo flexível

baseado na lei da procura e da oferta. ―A igualdade de oportunidades de acesso para

igual necessidade, está presente quando todos os utentes em todas as regiões de um país

têm acesso aos mesmos cuidados básicos de saúde, com os mesmos custos e com a

mesma brevidade no acesso aos mesmos; este conceito relaciona-se sobretudo com a

perspetiva da oferta. ―A igualdade de utilização para igual necessidade refere-se aos

utentes que têm menos propensão para a utilização dos cuidados de saúde, implicando

uma certa discriminação a favor dos mesmos, este conceito é identificável nas classes

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socioeconómicas mais baixas e insere-se numa perspetiva da procura de cuidados de

saúde (Giraldes M. R., 2001).

O SNS e financiando pelos portugueses através de quatro vias principais.

Maioritariamente, através de impostos diretos e indiretos, como o IRS, IRC e IVA. Uma

segunda forma de financiamento é através de seguros sociais, onde os cidadãos

abrangidos fazem contribuições obrigatórias para subsistemas públicos, tipicamente em

função do rendimento (ex. ADSE). Alguns cidadãos pagam, de forma voluntária,

prémios de seguros privados, sendo as contribuições calculadas de acordo com o risco

(individual ou de grupo). Por outro lado, praticamente todas as famílias portuguesas

contribuem para o financiamento do sistema de saúde através de pagamentos diretos,

efetuados no momento de consumo e diretamente relacionados com a utilização de

cuidados. Os pagamentos diretos são constituídos por um leque diversificado de

despesas, como por exemplo, as taxas moderadoras pagas pelos utentes no âmbito do

SNS ou as despesas não comparticipadas com produtos farmacêuticos (Furtado &

Pereira, 2010). Apesar de Portugal possuir um Serviço Nacional de Saúde Universal e, o

consumo privado é proporcionalmente o mais elevado de todos os países da

Comunidade Europeia. As pessoas escolhem racionalmente consumir cuidados e saúde

fora do SNS porque pressentem que os benefícios são maiores (Pereira, 1995).

A maior parte das análises que abordam o sistema de prestação de cuidados em Portugal

verifica que existem fatores para além da necessidade clínica que influenciam a

utilização de cuidados de saúde, nomeadamente de consultas médicas, evidenciando a

existência de iniquidades favorecendo os grupos de rendimento mais elevado (Pereira J. ,

2002). Este padrão é corroborado pelo estudo realizado pela OCDE (Van Doorslaer &

Masseria, 2004), o qual permite contextualizar o desempenho de Portugal

comparativamente a 21 países analisados. Os resultados obtidos revelaram que em

Portugal a probabilidade de ter uma consulta médica apresenta um dos índices de

iniquidade mais elevados, (Furtado & Pereira, 2010)

O acesso à utilização de consultas pode ser condicionado por fatores demográficos,

económicos e sociais. Em Portugal, existe uma grande disparidade na alocação de

prestadores de cuidados de saúde, concentrando-se essencialmente em zonas de maior

densidade populacional. Neste sentido, como vários estudos de Santana (Santana, 2005)

indicam, a população de regiões mais carenciadas é também caracterizada por um

envelhecimento e pela grande necessidade de cuidados médicos, tendo maior

dificuldade no acesso de que necessitam.

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Ao analisar a equidade deveria ser tida em conta a qualidade dos serviços prestados, que

não está contida na análise devido à dificuldade de contabilização da mesma. Este é um

fator cada vez mais relevante, na medida em que um maior acesso por parte dos

indivíduos pode não significar um maior acréscimo no estado de saúde. Por outro lado,

a elevada concentração de indivíduos de rendimentos elevados no sector privado poderá

estar relacionada não só com o seu poder de compra ou o seu nível de informação, mas

também com a maior qualidade percecionada do mesmo e com o menor tempo de

espera (Simões, Paquete, & Araújo, 2006).

Conclusão

Na pesquisa a vários estudos realizados constata-se a existência de iniquidade no

sistema de saúde público português. Da análise resulta a evidência de que os indivíduos

com menores rendimentos são os que mais utilizam o sistema de saúde público,

nomeadamente as consultas de clínica geral. É interessante notar que, apesar do maior

consumo deste tipo de recursos, esta classe apresenta níveis de necessidade algo

superiores aos de utilização (Simões, Paquete, & Araújo, 2006).

Nestes estudos realizados em Portugal a análise dos indicadores de saúde tem sido

efetuada maioritariamente através de medidas globais que apenas refletem a tendência

de evolução. Não tem existido de um modo consistente uma análise padronizada das

desigualdades socioeconómicas ou geográficas subjacentes a esses indicadores, embora

para alguns casos tal seja possível. Para tomar decisões para promover políticas de

equidade será necessário atestar a fiabilidade dos estudos disponíveis. Deste modo deve-

se analisar com prudência os resultados obtidos nos estudos disponíveis nomeadamente:

Ao facto da maioria dos resultados serem obtidos através de estudos académicos e não

resultaram em sugestões de melhoria ao nível do sistema de saúde; à disponibilidade de

informação há áreas mais analisadas quer ao nível dos cuidados de quer ao nível das

características socioeconómicas; à não existência de estudos que analisem de um modo

integrado as diferentes causas das desigualdades em saúde e no acesso aos cuidados; às

barreiras no acesso aos cuidados de saúde em Portugal que ocorrem em diferentes fases

do processo de prestação de cuidados e estão relacionadas quer com características

estruturais, como a oferta e proximidade dos cuidados, quer com características

organizacionais, como as dificuldades na marcação de consultas, tempos de espera ou

referenciação.

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Apesar da falta de estudos que demonstrem com acurácia o estado real da equidade na

saúde em Portugal, todos dos governos surgem com documentos programáticos que

aparentam retomar a centralidade da equidade e o acesso ao sistema de saúde. Estes

documentos referem a identificação de necessidades, a definição de prioridades e a

garantia de que os recursos estarão disponíveis nos tempos e locais adequados, de forma

continuada e equitativa. Para tanto, deve ser seguido e assegurado o compromisso

implícito no contrato social de garantia de universalidade da cobertura; a equidade do

acesso; a sustentabilidade financeira, atual e futura, do SNS, baseada na solidariedade

do financiamento; e a aplicação eficiente dos recursos públicos na obtenção de

resultados de qualidade e ganhos de saúde para a população (Governo de Portugal,

2013). De facto face do país mudou nos últimos 30 anos e para isso contribuí os

investimentos em infraestrutura que se cifraram em 4% do PIB em média (Pereia, 2013).

Existe atualmente uma fase de grande agonia orçamental por o problemas das finanças

públicas terem assumido uma proporção dramática. Esta realidade pode ainda agravar

mais as assimetrias no acesso ao SNS.

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