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Curso de Extensão Universitária Políticas e Estratégias de

Sistemas e Organizações de Saúde

Qualidade em Saúde e Governação Clínica

(QSGC)

Governação clínica: a importância da relação entre os 7 pilares

Fernando Biscaia Fraga

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Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS), refletindo sobre os direitos do doente, afirma

que os doentes têm o direito de ser completamente informados, nomeadamente sobre os

procedimentos clínicos que lhes são propostos, juntamente com os riscos e benefícios

potenciais de cada procedimento. Este aspeto faz um apelo particular às virtudes

tradicionais dos médicos, principalmente ao “bom senso” e à “prática exemplar. A OMS

chama, também, a atenção para que se estabeleça e implemente, uma estratégia para a

qualidade e segurança em saúde, que tenha particular atenção na necessidade da tomada

de medidas sustentáveis a longo prazo. Tal estratégia deve ter em vista a criação de

conhecimento sobre os problemas em matéria da qualidade, bem como das suas

soluções e ser implementada, de forma sistemática, de acordo com as realidades

regionais e locais.

A gestão eficiente dos recursos disponíveis, cada vez mais escassos para dar resposta a

um volume crescente da procura de cuidados de saúde, não obsta a que se exija um

nível da qualidade da prestação cada vez mais elevado, mesmo considerando que

vivemos uma época de enormes desafios para os gestores dos sistemas de saúde e para

os profissionais que neles trabalham. (DQS, 2013)

O conceito Governação Clínica surgiu recentemente e relativamente ao qual as

organizações de saúde atuais já não podem ficar alheias. É um conceito que tem

necessariamente que ser interiorizado por este tipo de instituições para que estas

realizem uma gestão eficaz e eficiente dos recursos que são limitados, envolvendo todos

os atores que têm um papel ativo na realização da sua atividade-chave – prestar

cuidados de saúde. Este conceito tem sofrido alguma evolução e atualmente entende-se

a governação clínica como um sistema para melhorar os padrões da prática clínica e

para proteger as pessoas de padrões de cuidados inaceitáveis e inclui diferentes tipos de

atividades que devem estar coordenadas na mesma estrutura, substituindo as iniciativas

desconexas que se destinam a melhorar a qualidade. Nestas inclui-se, a formação

contínua, a introdução e manutenção e de bons sistemas de gestão, a promoção da

efetividade clínica, a auditoria clínica, a gestão do risco, investigação e

desenvolvimento e fortalecimento de uma mentalidade de abertura e de

responsabilização. Algumas dessas atividades são de desenvolvimento por natureza, tais

como formação contínua e divulgação de boas práticas. A gestão de riscos, através da

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qual as organizações procuram analisar eventos adversos e aprender com eles, é outro

exemplo de uma atividade de desenvolvimento. Outras atividades são de natureza de

acompanhamento ou supervisão. Por exemplo, as organizações são obrigadas a recolher

dados e informações sobre os cuidados prestados pelos seus profissionais. Isso deve

permitir que a organização detete o mau desempenho de modo que possa ser corrigido,

mas a coleta de dados também deve chamar a atenção para o bom desempenho e,

portanto, ter um efeito sobre o desenvolvimento. Outras atividades destinam-se a

incentivar os clínicos a auto monitorarem‐se, com a intenção de que tal proporcione a

oportunidade e o incentivo para melhorar o desempenho clínico (NHS, 2006)

Desenvolvimento

A Governação Clínica assenta em alguns pilares fundamentais que facilitam o caminho

para uma filosofia de Gestão pela Qualidade Total. Só assim se poderá ir ao encontro

das expectativas dos utentes – são os utentes a razão da existência das organizações de

saúde –, prestando cuidados de saúde de eleva da qualidade, contribuindo deste modo

para a sua satisfação e, consequentemente, para a melhoria da sua qualidade de vida

(Bugada, 2006). A Governação Clínica é o processo através do qual as organizações de

saúde se responsabilizam pela melhoria contínua da qualidade dos seus serviços e pela

salvaguarda de padrões elevados de qualidade de cuidados. Envolve todos os membros

da equipa de saúde pelo reconhecimento da colaboração de cada um para a qualidade

dos cuidados, implica esforço conjunto, da equipa, para identificar aspetos que

necessitem de melhoria e para procurar soluções, implica responsabilização pelos

serviços prestados, passando pela disponibilização de informação aos utentes. Este

último aspeto é importante, não bastando prestar bons cuidados, mas sendo necessário

demonstrá-lo, para confiança de colegas e cidadãos (Filipe, Rocha, Magalhães, & Neves,

2004).Os pilares fundamentais sobre os quais tem que assentar a Governação Clínica

são a seguir apresentados.

Pilar Um – Envolvimento dos pacientes e do público

O olhar primordial da governação clínica é para “fora”, para os utentes, para a

comunidade, para os subgrupos populacionais com necessidades especiais de cuidados e,

só depois, subsidiariamente, para “dentro”, para a organização e seus processos. Desta

forma o objetivo primeiro é a focalização na saúde e bem-estar das pessoas.

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Deverá promover o envolvimento de todos, a todos os níveis. A governação clínica não

é compatível com a bifurcação “uns governam vs. outros são governados”. Cada

profissional de saúde detém uma capacidade de decisão técnica autónoma, inclusive de

ordenar despesa (prescrição médica, por exemplo) pelo que a gestão clínica requer o

envolvimento e a responsabilização universal de todos os profissionais e,

progressivamente, também dos utentes e da comunidade. Por fim a governação clínica

visa desenvolver uma cultura de avaliação de processos e, sobretudo, de resultados

clínicos e de saúde, a todos os níveis. Desde o desempenho individual até ao

desempenho de cada centro de saúde e do “agrupamento” como um todo, passando pela

avaliação do desempenho das várias equipas e unidades funcionais. (Santos & Sá, 2010)

Pilar dois – Gestão de Risco

Outra dimensão da qualidade da gestão clínica são os programas de redução do risco.

Compreendem um conjunto de medidas que visam prever ameaças reais ou potenciais

para a ocorrência de quaisquer tipos de danos clínicos- acidentes, má prática médica, etc.

Sendo a falta de comunicação uma das causas mais comuns dos “acidentes” em

medicina, os programas de redução do risco clínico deve incluir medidas tais como:

visitas conjuntas aos doentes com médicos, e enfermeiros onde se planeie o de

tratamento, ficando bem explícito os objetivos e método a aplicar, passagem de

ocorrências entre os enfermeiros para prevenir erros de comunicação; prescrição médica

correta e legível, com folhas de registo bem preenchidas e atualizadas; discussão regular

dos casos clínicos, dos incidentes que vão surgindo e a forma de os evitar, promovendo

a aprendizagem de toda a equipa.

O diretor de cada serviço deverá remeter ao gabinete de gestão de risco ou ao gestor de

risco clínico, com periodicidade trimestral, os resultados globais do seu serviço, fruto

das auditorias clínicas praticadas, indicando o movimento, o resultado conseguido e o

desvio em relação ao previsto e também o grau de satisfação gerado (Bugada, 2006).

Pilar Três – Auditoria Clínica

A auditoria é o método usado pelos profissionais de saúde para avaliar e melhorar, de

forma sistemática, os cuidados ministrados aos doentes de forma a melhorar a sua saúde

e a sua qualidade de vida. Para se exercer a auditoria clínica, é necessário que sejam

aplicados os protocolos de controlo diagnóstico e terapêutico, com base na elaboração

de excelentes histórias clínicas e dentro do marco ético de atuação dos profissionais

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médicos da instituição. Estes três ingredientes: protocolos, histórias clínicas e ética

profissional asseguram a qualidade dos cuidados e previnem ou contestam factos diante

de eventual reclamação pelo doente ou seus familiares quanto a supostos atos de má

prática clínica.

A auditoria permite comparar a performance do grupo ou serviço e dos indivíduos

dentro dele, é um método que serve ainda objetivos didáticos, permite corrigir vícios de

atitude e permite mesmo a progressão de standards terapêuticos. Traduz ainda uma

postura defensiva em relação a Administradores, Colégios e Governos, atitude que

contribui para uma maior credibilização das práticas médicas e facilita uma melhor

gestão de recursos humanos e de meios técnicos, a nível dos Serviços. As auditorias

servem assim a gestão da Qualidade (Bugada, 2006).

Pilar Quatro – Gestão do Pessoal.

Nenhum staff pode ser estático. É a dimensão dinâmica e contextual do conhecimento

coletivo que explica a performance. É possível identificar algumas propriedades

subjacentes à performance dos grupos: os indivíduos que compõem o grupo criam uma

força social e agem como tendo essa força; os fenómenos que ocorrem nos grupos são o

produto e as condições das ações dos indivíduos; as pessoas ao agirem como se

tivessem essa força contribuem para a realização do sistema de ação conjunta que

visiona e interrelaciona as ações que desenvolvem, com o sistema visionado; é

contribuindo, representando e subordinando que os elementos do grupo criam uma

situação de inter-relações entre atividades, que conduzem à performance do grupo. É na

interação que os indivíduos constroem a diversidade e o consenso, ou seja como o grupo

atribui sentido à sua própria ação.

A gestão clínica é responsabilidade de todos. Compreende a inspeção – consultas e

envolvimento dos doentes, o manejo do risco clínico, a educação, o treino e

desenvolvimento do pessoal, as auditorias clínicas, a investigação e eficácia, a provisão

e gestão do pessoal, o uso da informação sobre as experiências dos doentes.

A cultura organizacional é o elemento fundamental da segurança de uma equipa e da

sua fiabilidade, entendendo-se esta como o conjunto de pressupostos que influenciam as

pessoas a gerirem o inesperado. Deverá haver uma mudança cultural para a aceitação de

opiniões, hierarquias/poder (Bugada, 2006).

Pilar Cinco – Educação, Formação Continua e Desenvolvimento Pessoal e Profissional.

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A formação dos profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico

e terapêutica e todos os demais profissionais - é um pilar essencial na dinâmica de

funcionamento dos hospitais, é necessária e fundamental para garantir a qualidade dos

cuidados de saúde, introduzir mudanças e atualização nos contextos de trabalho e da

organização dos serviços, assumindo um papel fulcral na política de gestão dos recursos

humanos.

A formação deve desenvolver competências e capacidades para o exercício das

profissões de saúde, que permitam estimular o brio profissional como forma de fazer

sentir a importância e o papel de cada um no caminhar do coletivo.

A formação não poderá continuar a assentar nos modelos estáticos e clássicos como se

organizou na segunda metade do século passado, baseados apenas na divulgação dos

conhecimentos técnicos e científicos e na sua atualização, pouco adequados às

realidades e necessidades formativas suscetíveis de gerarem mudanças nas práticas, ao

nível individual e organizacional.

O estímulo ao conhecimento científico tem que ser enquadrado numa “Cultura de

Gestão” cujo paradigma deverá ser a transferência do brio profissional individual para o

Serviço Público, a preocupação constante com a qualidade e continuidade da prestação

de cuidados, a resposta efetiva às necessidades de saúde da população e com a correta

utilização de recursos. (Ministério da Saúde, 2010).

Pilar Seis – Efetividade Clínica

A efetividade clínica é a mensuração da extensão de quanto funciona uma intervenção

específica. A medida por si só é útil e se intensifica ao considerar que a intervenção é

apropriada e representa valor monetário. Inclui a análise do quanto a intervenção é

apropriada considerando seus custos. Nos serviços de saúde modernos, a prática clínica

precisa ser redefinida à luz das evidências de efetividade, bem como considerar os

aspetos da eficiência e segurança na perspetiva individual (do paciente) e da

comunidade. De facto, gestores e profissionais da saúde, devem entender que os

hospitais e os serviços só têm uma razão de ser: o “doente” para o atendimento das suas

necessidades de forma cada dia mais efetiva.

Pilar Sete – Informação Clínica

A construção de sistemas de informação capazes de suportar a gestão nas suas múltiplas

dimensões, incluindo necessariamente a clínica, é uma condição prévia incontornável

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para se poder evoluir nos domínios da governação clínica que vive, como praticamente

todos os outros sistemas de gestão, de uma rigorosa caracterização da realidade e da

análise comparativa com padrões ou com outras realidades comparáveis.

O registo clínico, quando entendido como um instrumento de apoio às boas práticas, de

suporte à decisão clínica e de veículo de formação e que, simultaneamente cumpra as

funções de comunicação e suporte para decisões médico-legais, é uma operação

exigente, que carece de linguagens estruturadas (ontologias) e de metodologias próprias

(registo clínico orientado por problemas).

A recolha da informação deverá ser feita através de entrevistas, questionários,

observações diretas e análise documental. Logo que a recolha esteja completa, os dados

clínicos são validados e faz-se o seu envio para controlo da performance clínica.

A governação clínica oferece aos profissionais de saúde a liderança no planeamento,

visando prestar os melhores cuidados que podem. É uma oportunidade para os médicos

e enfermeiros assumirem a responsabilidade da agenda de qualidade e, ao mesmo tempo,

prestarem contas, como agora deles é esperado. A governação clínica pretende alcançar

a melhor gestão da prática de cada um, como forma de prestar cuidados de elevada

qualidade. É pouco provável que um bom profissional preste cuidados excelentes, se

trabalha num contexto em que a sua prática é mal gerida, onde, por exemplo, as

intervenções clínicas são mal planeadas ou as necessidades de formação de pessoal são

ignoradas (Roland & Baker, 1999)

Conclusão

A governação clínica alarga a tradicional noção de responsabilidade profissional e legal

obrigando os profissionais e as equipas de saúde a terem que prestar contas das

atividades que desenvolvem.

O desenvolvimento tecnológico a que temos vindo a assistir nos últimos anos permite à

população estar cada vez mais informada e, por isso, tornar-se cada vez mais exigente.

Os serviços de saúde têm que apostar sobretudo na prestação de cuidados de elevada

qualidade. A governação clínica visa aumentar a responsabilidade coletiva de todos os

profissionais. Estes são responsáveis perante a hierarquia, perante a comunidade a quem

prestam cuidados e perante os seus pares. Na governação clínica existem tensões na

escolha de prioridades e na distribuição de recursos, nos objetivos de ação prática entre

os profissionais, a comunidade e a hierarquia. Deste modo, a gestão das organizações de

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saúde deve ser feita com base nas práticas enunciadas nos pilares fundamentais da

Clinical Governance, o que conduzirá à implementação de uma filosofia de Gestão pela

Qualidade Total, sempre centrada na satisfação dos utentes, pois são eles a razão da

existência deste tipo de organizações.

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