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36 CAPA Alguns restaurantes cobram pelos vinhos de sua carta até três vezes o preço da importadora Piti Reali

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Alguns restaurantes cobram pelos vinhos de sua carta até três vezes o preço da importadora

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Rolhas em Restaurantes:uma polêmica

por Fernando Roveri e Roberto Rodrigues

L evar ou não levar uma garrafa de vinho a um restaurante? Essa é uma questão freqüente

que surge em conversas entre enófilos e restauranteurs. Mas, raramente, existe um consenso sobre o assunto.

Sem a pretensão de encontrar a “solu-ção”, apresentaremos alguns dos prin-cipais aspectos ligados à polêmica e diversas opiniões divergentes.

Todos os enófilos possuem, em suas adegas, vinhos raros ou de safras excepcionais, reservados para ocasiões especiais, e muitas vezes gostariam de desarrolhar a garrafa em bons restau-rantes. Numa outra situação, clientes de um determinado restaurante con-sideram que a carta de vinhos não está à altura da qualidade dos pratos e preferem levar a garrafa. Não se pode esquecer que, muitas vezes, a margem de lucro que o restaurante coloca sobre os vinhos da carta é muito alta e deses-timula o consumo.

Nas metrópoles brasileiras encon-tramos restaurantes com políticas (no bom sentido, por favor) diversas sobre o tema:● os que proíbem terminantemente que seus clientes levem os próprios vinhos;● os que permitem que os clientes levem seu próprio vinho, cobrando uma “taxa de rolha”, ou seja, um determinado valor

correspondente ao serviço do vinho;● os que permitem que os clientes levem seu próprio vinho desde que também consumam vinhos de sua carta;● os que permitem que seus clientes levem seu próprio vinho sem qualquer restrição ou cobrança (existem, embora raros!).A seguir veremos o que pensam sobre o assunto proprietários de restaurantes e clientes.

O ponto de vista dos restauranteurs cariocasJorge Renato, sócio do Restaurante

Garden, de Ipanema, salienta que os impostos pesam muito para os restau-rantes. “No fundo, o que importa é ter uma margem de lucro que dê retorno ao capital investido”, diz. Ele explica que o restaurante tem determinado número de lugares, um giro e um custo e que para determinado número de clientes haverá uma margem de lucro; se algo não for pago (como o não consumo de vinho da carta) a margem deve vir de outro lugar, o que pode significar, por exemplo, um aumento no preço de seus pratos. “Nenhum restaurante é uma instituição de caridade”, polemiza Jorge Renato.

Já João Carlos Aleixo, proprietário dos restaurantes Artigiano em Ipanema,

Pomodorino na Lagoa e Fiorino na Tijuca, diz que cobrar a rolha é um “ato simpático”, mas prefere que as pessoas não levem a garrafa. Ele deixa clara a sua política: “Procuro colocar uma margem pequena sobre os vinhos, ter sempre uma variedade grande na carta e colocar vinhos para todas as faixas de clientes, desde o mais exigente até os iniciantes e sempre vinhos de qualida-de”. Por outro lado, declara que não tem vinhos caríssimos em seus restaurantes. “Se um cliente quiser trazer um vinho raro ou caro será bem recebido, pode trazer à vontade vinhos acima de R$ 1000 e não vou cobrar taxa de rolha”, completa Aleixo. Ele salienta que procu-ra comprar vinhos em quantidades gran-des para obter o melhor preço e repassar o benefício para ao cliente. “Pago sem-pre à vista para obter o melhor preço”, salienta ele. Pelo menos nove em cada dez clientes pedem vinho em seus res-taurantes, o que comprova o sucesso de sua política.

Outros restaurantes preferem colocar margens absurdas nos vinhos de suas cartas. Existem casos em que a margem é tão alta que o preço na carta chega a ser três vezes o preço do importa-dor. Nesses restaurantes, como é de se esperar, o consumo de vinho é muito menor.

Saiba tudo para não passar vergonha na hora de levar sua própria garrafa

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As diversas opiniões dos sommeliers e chefs paulistanosNo D.O.M., um dos restaurantes mais

badalados de São Paulo, o sommelier José Maria Lopes, que cobra R$ 50 pelo serviço, acredita que a carta de vinhos da casa tem uma ótima relação custo-benefício. “Tenho vinhos cujo preço é praticamente o mesmo da importadora. Oferecemos o chileno “Don Melchor 1999” por R$ 249, encontrado na im-portadora por R$ 247, ou seja, pra-ticamente o mesmo preço”, ressalta ele, que acredita na cobrança da taxa da rolha como forma de “educar o cliente”. “Se não cobrarmos, todos irão trazer o vinho. Algumas pessoas recusam até o couvert, pensando que é o valor cobrado pelo pão e patê servidos antes do prato, mas o couvert envolve todo o serviço prestado, desde o manuseio do garçom até o trabalho do sommelier”, esclarece Lopes.

Um caso interessante é o do res-taurante La Brasserie Erick Jacquin. O valor da taxa varia de acordo com a qualidade do vinho do cliente. “Se o cliente traz um vinho que custa R$ 40, cobramos R$ 20, e se ele traz, por exemplo, algum Supertoscano, cobra-mos R$ 100, o valor máximo”, declara o sommelier da casa, Mauro Nilson Monteiro. O restaurante, com ênfase em rótulos franceses, tem aproximada-mente 170 vinhos na carta, e o valor é 25% maior do que o encontrado na

importadora. Para Monteiro, este per-centual é justo, visto que alguns restau-rantes dobram o preço do vinho.

No entanto, há quem louve o direito do cliente em levar seu próprio vinho. “Meu interesse é vender os vinhos que tenho na carta, mas deixo o cliente à vontade para trazer a bebida de sua preferência”, diz Eduardo Borges, um dos sócios do restaurante Allez, Allez!, a sensação gastronômica paulistana. Para ele, o valor de R$ 40 cobrado pela casa é apenas uma taxa de conveniência e proporciona uma boa relação custo-benefício para o cliente. Mas Eduardo diz que essa relação também está na carta de vinhos. “Tenho bons vinhos a preços acessíveis que proporcionam uma ótima relação custo-benefício, como um “Château de Haute Serre 1989”, um vinho safrado, por R$ 189, e um “Cotes du Rhone Parallel 45”, safra de 2003, por R$ 78”.

Com uma postura ainda mais extrema – e amistosa para os enófilos –, Neriton Vasconcelos, proprietário do From The Galley, permite que os clientes levem seus próprios vinhos sem pagar nada. “Como consumidor, detesto pagar a rolha; acho natural pagar uma gorjeta para o garçom, principalmente se alguém leva um vinho que vale R$ 2000”, ressalta ele. O mais surpreendente é que, apesar de não cobrar pelo serviço, pouquíssimos clientes levam seus vinhos.

A justificativa de Neriton para o fato é o valor justo cobrado pelos vinhos no restaurante. Um “Catena Chardonnay”, por exemplo, custa R$ 65 na carta, contra R$ 53,78 na importadora; ou um “Montes Alpha Syrah 2004”, por R$ 75, ao passo que na importadora custa R$ 68,90. Essa atitude é, também, um investimento de marketing, pois deixa o cliente à vontade. “A pessoa paga o que quer. Recentemente, uma cliente trouxe um vinho que valia R$ 2000 e deixou vinte de gorjeta para o garçom”, diz Vasconcelos.

Um caso excepcional nesse ínterim é o do restaurante Nakombi. O cliente paga R$ 38 pelo serviço e é presenteado com um vinho. Para o proprietário Paulo Barossi, essa política incentiva o retorno do cliente. “A pessoa toma o vinho que quer e ainda leva uma garrafa para casa. Não há prejuízo, pois o cliente, indiretamente, compra um vinho meu”, explica Barossi. Casos como esse são raros.

Apesar do número crescente de res-taurantes que permitem ao cliente levar o próprio vinho, há alguns estabeleci-mentos tradicionais da cidade que se recusam a oferecer o serviço, como os consagrados Fasano e Massimo. Manoel Beato, sommelier do Fasano, considera o serviço como uma desvan-tagem. “O vinho faz parte da receita do restaurante, que tem uma carta de vinhos à altura de seu cardápio. Se for

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permitido ao cliente trazer o próprio vinho, o que pode ocorrer é que as pes-soas podem passar no supermercado, comprar uma garrafa qualquer e trazer para cá. Se há um grande investimento na carta, o estabelecimento precisa ter o retorno”, justifica Beato.

Uma boa carta atrai os clientes mais esclarecidos e de bom gosto. Essa é a filosofia do restaurante Vinheria Percussi, que contém cerca de 300 opções de vinho. O estabelecimento não permite que clientes levam o pró-prio vinho e abre exceções somente em comemorações específicas ou encontros de confrarias, com consentimento pré-vio. Nesses casos excepcionais, cobra-se R$ 30 como taxa da rolha. Em casos extremamente especiais, o valor não é cobrado. “Quando grandes vinhos são trazidos, não fazemos sequer a cobrança das rolhas. Normalmente, os amantes da boa mesa e dos bons vinhos têm conhecimento e bom senso para consumir algum vinho da nossa carta”, diz o proprietário Lamberto Percussi. A carta da Vinheria Percussi oferece opções com valores diferenciados para que os clientes tenham liberdade de escolha. No caso dos champagnes, por exemplo, oferecem desde um “Möet & Chandon Brut Imperial”, de 200ml, por 54 reais, até um “Louis Roederer Brut Cristal 1990”, por R$ 1800.

Saber levar o vinho adequado é fun-damental, segundo o mâitre do Le Chef

Rouge, Eudes Marques. “Deixamos o cliente à vontade para trazer o vinho que quiser, mas o importante é trazer um vinho diferenciado”, diz Marques. Além disso, o restaurante também deve investir em uma carta de vinhos dife-renciada, primando pela exclusividade. “Se temos um vinho em nossa carta que é facilmente encontrado em super-mercados, nós o retiramos da carta”, salienta Marques.

O ponto de vista além do eixo Rio – São PauloEm Brasília, a proprietária da importa-

dora Vintage Vinhos, Tatiana Dualibe, defende o serviço de rolha. Para ela, o estabelecimento só tem a ganhar. “Se o proprietário de um restaurante cobra o serviço de rolha, pode investir em uma carta de vinhos menor, porém mais requintada, e isso também atrai o cliente”, afirma Dualibe. Segundo ela, o restauranteur também pode investir na melhoria do serviço e na valoriza-ção do cardápio oferecido pelo chef. No entanto, a empresária ressalta que o cliente deve ter a sensibilidade neces-sária e um bom senso de escolha para levar o próprio vinho. “É importante ligar para o restaurante, pedir para dis-ponibilizar a carta, pesquisar e, dessa forma, levar um vinho especial. Se hou-ver cooperação de ambas as partes, sou super favorável ao serviço e vejo isso de uma forma positiva”, diz ela.

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Em Belém, o chef Paulo Martins, do restaurante Lá em Casa, adotou uma política diferenciada: se o vinho trazido pelo cliente for superior ao oferecido na carta, o valor não é cobrado. Segundo Martins, em Belém, o hábito de se tomar vinho não é tão grande como em outras capitais. “Por enquanto ainda não faço grandes investimentos, tenho vinhos bem usu-ais, mas aos poucos vou aprimorando a carta”, diz ele, que não vê proble-mas em cobrar pelo serviço, mas tem a mesma opinião de Tatiana Dualibe, ou seja, o cliente deve saber escolher a garrafa. “A pessoa tem a liberdade de levar a garrafa que desejar, mas se for um vinho que é oferecido em minha carta, eu cobro”, afirma o chef.

Já Pedro Corrêa, proprietário da importadora Porto a Porto, de Curitiba, afirma que no meio gastronômico do país deve-se combater a “ditadura do vinho”, ou seja, restaurantes que fazem acordo de exclusividade com uma única importadora e cobram valores exorbitantes na carta. “Se há concorrência entre as importadoras, o preço cai e beneficia o cliente e o restaurante. Ao cobrar um valor muito alto, cria-se essa espécie de ditadura”, explica Corrêa. Para o importador, uma carta bem elaborada, com uma margem correta e justa, é um atrativo da casa.

O ponto de vista dos enófilosRicardo Farias, presidente da

Associação Brasileira de Sommeliers, do Rio de Janeiro, lista alguns dos motivos pelos quais costuma preferir restaurantes em que possa levar seu próprio vinho. “O custo quando se leva o vinho é menor, mas o principal é que se pode beber o vinho que se quer em uma oportunidade de jantar fora”, diz ele. Ricardo revela que nem sempre leva vinho. “Experimentar as novidades disponíveis nos restauran-tes é uma outra faceta importante”, salienta. Ele se diz favorável ao servi-ço e aumenta a gorjeta quando leva o vinho, pois os funcionários do restau-rante têm o mesmo trabalho caso fosse consumido um vinho da casa.

Um connaisseur radical, que sequer olha a carta de vinhos, é o músico Ed Motta. Sempre que sai para jantar, leva sua garrafa. E salienta: se alguém vier lhe cobrar a tarifa, não volta ao restaurante, por mais que goste do cardápio. Para o músico, o serviço dos restaurantes não é tão bom para cobrar o valor. “Se o lugar quer cobrar pelo menos R$ 50, precisa ter copos melhores e um decanter limpo, pois 99% dos restaurantes tem um decan-ter sujo”, polemiza. Além disso, os restaurantes devem diminuir a mar-gem do valor cobrado pelos vinhos, que, segundo o músico, é abusiva.

Segundo a etiqueta, o cliente só deve levar ao restaurante vinhos de qualidade compatível com os de sua carta

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Qual a solução?Apesar da polêmica e das diversas

opiniões, o serviço de rolha é cada vez mais adotado pelos restaurantes em todo o país. Se é benefício ou não para o estabelecimento, ou uma forma de atrair mais freqüentadores, o leitor, a partir de agora, estará mais atento quando optar por levar a própria garra-fa ao visitar um restaurante. Afinal, não é tão simples encontrar soluções que atendam aos interesses tanto dos enófi-los quanto dos restauranteurs. Todavia, fica claro que o bom senso, em hipó-tese alguma, deve ser abandonado em nome das regras de mercado. Mas uma coisa é certa, não deve-se abrir mão dos bons restaurantes. E nem dos bons vinhos. Santé!

1 O cliente deve ligar antes para o restau-rante e fazer sua reserva informando que levará o próprio vinho. Deve também aproveitar a ocasião para combinar as condições (“taxa de rolha” ou similar) e se certificar de que seu vinho não consta na carta do restaurante (do contrário, não é elegante levar a garrafa).2 Os vinhos devem ser escolhidos para acompanhar a refeição, ou seja, um vi-nho para cada prato é o limite adequado. O restaurante não é um lugar de degusta-ção de vários rótulos, e sim para se fazer uma refeição agradável. 3 Só se leva ao restaurante um vinho de qualidade compatível com os de sua carta. 4 Se o foco principal de uma casa é a bebida – no caso de um bar a vin, por exemplo – não cabe levar vinho.5 O cliente deve ser discreto ao chegar ao restaurante com seu vinho. A garra-fa deve estar acondicionada em uma bolsa própria para o transporte. Se pos-sível, deve ser entregue ao sommelier ou maître antes de se sentar à mesa.6 O cliente deve considerar seriamente a possibilidade de consumir também um vinho do restaurante. Um espumante para o início da refeição ou um vinho de sobremesa, por exemplo.7 A gorjeta deve ser sempre acrescida de um valor equivalente ao que seria dado caso fossem consumidos vinhos da casa, pois a equipe do restaurante prestou um serviço e deve receber sua gratificação por ele.

Etiqueta para a “Taxa de Rolha”O que se deve fazer e evitar para levar seu próprio vinho a um restaurante