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1 Os 100 anos da República Monárquica

Os 100 anos da República Monárquica

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Os 100 anos da República Monárquica

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A República pressupõe, entre outros princípios, a l iberdade de

expressão representada acima de tudo pelo parlamento -

expressão do povo através da sua representação directa.

A questão parlamentar vem de longe.

Porquê começar pela análise da estrutura polít ica parlamentar

tornar-se-á óbvia, se o não for desde logo pela sua importância

fundamental, na sequência exposição a que nos propomos.

De acordo com estudiosos da teoria Geral do Estado, a

Inglaterra terá sido o berço do sistema parlamentar. Citando

Dallari, já no séc. XIII , numa rebelião dos barões e do clero contra

o monarca Henrique III, foi promovida uma reunião que muitos

apontam como a verdadeira criação do parlamento

Parece claro que a aceitar a ideia acima explorada, a iniciativa

parlamentar pretendia terminar com o poderio das monarquias

absolutistas.

Este é um princípio fundamental.

O parlamento inglês “na segunda metade do séc. XIV (…) já se

apresentava com a sua fisionomia actual: Câmara dos Lordes e

Câmara dos Comuns” (Quintão Soares, 2001).

Vários foram os motivos ingleses, a saber:

(1) A vitória em 1688 do governo representativo sobre o

absolutismo;

(2) O controle parlamentar sobre o governo, na votação da

tributária anual proposta no orçamento;

(3) A formação de dois grandes partidos;

(4) A preparação cultural da aristocracia inglesa.

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Recorrendo-nos de novo a Quintão Soares, diz ele, citando

Loewestein, que “o sistema parlamentar da Inglaterra autêntico,

apenas começou a funcionar normalmente após a Reform Bill de

1832, com a ampliação do sufrágio à classe média enriquecida”.

Também aqui é fácil perceber que o parlamentarismo só surt irá

efeito se a sua base for a maior possível no tecido societário.

Aliás, a importância do parlamentarismo é tal que bastar-nos-á

mencionar a Bill of Rights , aprovada em 1689 no parlamento

inglês, para percebermos que estamos diante do verdadeiro

documento constitucional, promovendo as liberdades públicas, de

opinião e acção polít ica. O documento garante no seu todo a

liberdade, a vida, a propriedade privada, o direito à just iça, ao

trabalho, entre outros tantos.

Este parlamentarismo inf luenciou uma imensidão de países por

toda a Europa.

Estamos assim perante um regime representat ivo, sendo a

gestão da coisa pública responsabil idade do parlamento e de

órgãos de soberania, que respondem perante a representação

nacional – o parlamento.

Deste princípio nasce outro; o executivo representa o conjunto

dos cidadãos, baseado na distribuição de poderes.

Quão importante é este conceito, como adiante veremos.

Dizíamos:

O poder executivo ou conselho de Ministros como

e´comummente aceite, tem a responsabil idade da fixação e gestão

da polít ica geral do país, como órgão responsável pelo seu

funcionamento.

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Recorrendo uma vez mais ao exemplo inglês, recorrência não

inocente, constatamos que compunham o parlamento o Monarca

representante da Coroa, os Lords representantes da aristocracia e

a Câmara dos Comuns onde o povo se encontrava representado.

O eixo sobre o qual gira o esquema de funcionamento do país é

o governo. Como sempre o governo é, tão simplesmente, toda a

população, porque o governo representa e acima de tudo serve o

estado e o Estado somos todos nós.

Segundo o autor e investigador Sahid Maluf, as característ icas

essenciais do parlamentarismo serão as seguintes:

(1) Organização dualística do poder executivo;

(2) Colégio governamental;

(3) Responsabil idade polít ica do Primeiro-Ministro perante o

Parlamento;

(4) Responsabil idade polít ica do Parlamento perante os

eleitores;

(5) Interdependência dos poderes legislat ivos e executivos.

Nada de novo portanto, em relação aos nossos dias.

Igualmente certo é o facto da coisa polít ica, a Real Poli t ik, ser

conduzida por homens e estes, por natureza, errarem.

A República defende que subjaz à monarquia o poder da

aristocracia.

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A Monarquia pretende que as dif iculdades económicas e os

custos associados do estado são razões suficientes para

just if icarem um regime monárquico.

Acaso se faça um exercício sério, comparando as situações

republicana e monárquica em cada um dos seus tempos e, com

maior acuidade nos tempos actuais, verif icamos que uns e outros,

os regimes, passam por dif iculdades semelhantes, não sendo

assim de esperar que sejam aquelas razões, quer de um lado quer

do outro, que suportem as respectivas defesas.

Igualmente não cola o argumento de que um regime possa ser

mais moderno e o outro mais apegado ao passado. Ambos os

regimes existem desde tempos imemoriais, apresentando forças e

fraquezas que coincidem, na sua maior parte, com as do homem.

Não será igualmente por acaso que falamos em governos e a

forma de governação.

Esta forma, o regime, seja ela qual for, necessita de um

conteúdo que a valorize e viabil ize.

Este conteúdo é indiferente à própria forma de governação.

Não nos podemos iludir quando pretendemos tri lhar o caminho

da dissecação dos valores republicano e monárquico. Se quer um

regime quer outro não se encontrarem orientados no sentido de

servir o Estado, ou seja, todos nós, qualquer um deles terá omit ido

a parte fundamental da sua consolidação: a essência do conteúdo

estar orientado para o bem-estar social, para o welfare .

De igual forma perigosamente derivat iva, a discussão entre

monarquia, república e, o terceiro elemento, democracia, assume

por vezes, contornos risíveis.

Esta discussão é infundada, porquanto a democracia é um

sistema polít ico em si mesmo, que convive com qualquer um dos

regimes… bem ou mal.

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Exemplos são vários, de excelentes democracias a funcionar em

monarquias, como também de péssimas democracias a viver e

respirar em repúblicas.

Pondo de lado argumentos habituais, verif icamos que a

república não vive, não respira, por nenhum tipo de glorif icação

divina.

Aliás, nesta senda do divino e rel igioso, encontramos as bases

para as revoltas republicanas, apostadas em quebrar a santa

aliança entre Monarcas e Igreja.

Porque a república vive da não cedência da independência à

Igreja, da certeza que os homens são eleitos pela vontade popular

e não por nascimento ancestral.

O Presidente é substituível e, até em casos extremos,

destituível, por comparação com o Rei que o é por direito divino e,

por conseguinte, só por algum golpe ou atentado pode ser apeado

das suas funções.

Derrubar um presidente não signif ica derrubar um regime. O

inverso não é verdadeiro.

A monarquia representa, em si mesma, o próprio regime. Caído

o Rei acaba a monarquia. Substituído um Presidente não acaba a

República.

Contudo, as regras de funcionamento das democracias

modernas, não impõem que esta separação de conceito seja

suficientemente forte, para fazer a diferença e justif icar posições.

Verif icamos, como atrás se aludiu, que uma das democracias

mais fortes do mundo, para não dizer a mais forte, no conteúdo e

na interiorização pelo cidadão, a democracia inglesa, construiu-se,

consolidou-se e afirmou-se, SEMPRE, num regime Monárquico.

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Que importância representa para os ingleses a existência de

uma monarquia? A unidade territorial.

Tal como em Espanha o tem representado – não nos atormenta

qualquer espécie de dúvida que acaso o regime franquista t ivesse

assentado numa república, a Espanha actual não viveria momentos

de autonomização de províncias, mas seria uma manta de retalhos

de várias repúblicas.

A unidade foi conseguida através da figura pacif icadora e de

unif icação do Rei, mesmo quando representado por Franco.

Mas serão as Repúblicas tão diferentes assim das Monarquias?

Acaso será o conceito de democracia, assente na partidocracia,

uma repulsa para a monarquia, ou mesmo algo de intangível?

Também aqui a história nos mostra que não.

A convivência entre um monarca e os polít icos é tão salutar e

natural quanto a de um Presidente da República.

O Presidente deve ser encarado como um cidadão comum.

À medida que aumentam as capacidades culturais das

populações aumentará, em princípio, a acuidade na escolha do

presidente.

Igualmente qualquer cidadão poderá aspirar a ser presidente da

república.

Mas será mesmo assim? Será que qualquer cidadão pode

efectivamente aspirar a ser, um dia, presidente da república?

A história mostra-nos que não.

À presidência concorre quem, sujeitando-se é certo a sufrágio,

está l igado a part idos polít icos e tem meios f inanceiros ao seu

dispor. Para ascender à presidência necessita de estar ligado a um

grande part ido ou apoiado por uma forte coligação part idária e a

grupos económicos fortes.

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Só assim pode sair para eleições com uma base sustentada de

provável sucesso.

Há pouco tempo em Portugal o exemplo Manuel Alegre é disso

mesmo prova. Não basta ser-se conhecido, gozar de maior ou

menor estima, congregar simpatias, é necessário estar apoiado

numa força ou conjunto de forças polít icas e no capital, para que

se garanta a eleição; Alegre não estava, não foi eleito.

Por outras palavras, a vontade do povo está, na part idocracia,

subjugada à vontade dos partidos em que as massas se revêem,

ou seja, não se vota, na generalidade, na pessoa A ou B – podem

exist ir pontualmente situações de antipatia que empurram o voto

noutra direcção – mas nos part idos que as apoiam.

Não dependendo de um nascimento ancestral, o futuro

presidente depende dos apoios polít icos e económicos que

congrega.

Não conseguindo congregar todos, por impossibi l idade filosófica

e de doutrina, o presidente já não representa, ab initio , todos os

cidadãos. Não representa a vontade do povo no seu todo, mas a

vontade de uma elite, mesmo que de base alargada.

O términus do mandato é igualmente um facto.

É então possível substituir os presidentes conforme a sua

actuação se mostre mais ou menos capaz. Em Portugal nenhum

presidente pode exercer mais de dois mandatos consecutivos.

Curiosamente, todos os presidentes foram reeleitos.

Esta é uma demonstração da necessidade da manutenção do

status quo , pelo menos ao nível do primeiro representante da

Nação.

Esta necessidade de estabil idade, no mais alto cargo público,

implica uma leitura que nos parece clara: espera-se que o

presidente esteja em sintonia com a população, com a vida real e,

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admite-se, que um mandato, mesmo que menos bom, possa gerar

um segundo mandato com maior nível de positividade.

Há ainda uma segunda hipótese, mais maldosa, mas igualmente

possível: o primeiro mandato é exercido pensando e executando

uma função presidencial mais cautelosa e consensual com a

sociedade em geral, abdicando aqui e ali, dos apoios polít icos

obtidos para a eleição e, num segundo mandato, sem nada a

perder, o presidente consagra maior atenção aos que o apoiaram,

podendo ler-se como uma colagem à linha polít ica e ideológica que

professa.

Abundam exemplos na democracia portuguesa de ataques e

contra-ataques de forças polít icas a presidentes, principalmente

nos seus segundos mandatos.

É bom que fique claro não haver qualquer interesse nesta altura

em exemplif icar estas situações, mas todos nos lembraremos, num

piscar de olhos, de uma mão-cheia delas.

De qualquer forma, a noção de cidadão comum, atribuível ao

Presidente, parece perder-se quando nos confrontamos com a, até

agora, inevitabil idade da sua eleição em Portugal:

(1) Tem de estar fortemente apoiado em partidos polít icos e

grupos económicos, o que não está conforme a noção de

cidadão comum e;

(2) Tem sido sistematicamente reeleito para segundo

mandato, o que parece, e acentuo o parece , indiciar algo

mais do que uma eleição e uma cidadania igual a todas as

outras.

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Perguntamo-nos: se os mandatos não estivessem limitados a

dois, quantos teria feito o Dr. Mário Soares?

É uma mera pergunta que não carece de resposta, por demais

subject iva que se antevê a discussão que geraria.

(O escriba tem noção que é polémico, mas a polémica é salutar,

porque questiona, interroga, coloca a dúvida onde só existe a

pseudo certeza. Porque, af inal, é f i losóf ica e sendo-o, é garante do

amor à sabedoria, da qual nos encontramos todos tão distantes).

Assim, sem a pretensão de ter todas as respostas, verif icamos

que nem é válido o argumento de que qualquer cidadão, reforço

qualquer, consegue ser presidente, como igualmente não é líquida

a sua independência em relação aos interesses da nação, de toda

a população.

Também o senso polít ico que se poderia almejar, pelo facto de

ser possível eleger “um entre iguais”, perde-se no crescimento da

abstenção, na dif iculdade em debater seriamente a obrigatoriedade

do voto.

Mesmo que assim não fosse, perder-se-ia no desinteresse

polít ico crescente, fruto da dissonância entre a vontade de ver uma

população crescer cultural e socialmente e, a dura realidade, de a

ver perder os object ivos – gerações futuras hipotecadas por

dividas públicas crescentes.

Vê-se na perca de credibil idade do sistema de segurança social

e da qualidade de vida, na ausência continuada de cuidados

primários de acesso à saúde e na dif iculdade de acesso à

educação.

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A sistemática alteração dos manuais escolares, para citar um

exemplo, só um, dramático para as famíl ias, é uma aviltação aos

seus direitos – e, last but not least, uma justiça que não

funcionando emperra todo o sistema , promovendo desigualdades

e afastando investimentos, o mesmo é dizer, emprego e

prosperidade.

E quanto à Monarquia?

O Rei nasce na sua função, implicando uma primeira leitura:

não depende das forças polít icas nem económicas para o ser; não

está comprometido.

Numa segunda leitura teremos de conceder: nascendo sabendo

que irá ser Rei, toda a sua educação é canalizada para o exercício

da função. O monarca passa a ser um indivíduo altamente treinado

para a função, sendo certo que a experiência e conhecimento da

mesma são armas mais importantes que qualquer inteligência

bri lhante ou brilhantismo intel igente, conforme os tempos actuais

nos mostram á saciedade.

E será problemático que um incompetente seja o sucessor a um

trono? Tão pouco nos parece: bastas vezes, polít icos foram eleitos

e acabaram por se revelar estrondosos fracassos, por inépcia,

desconhecimento e inadaptação ao cargo.

São substituíveis dirão, por eleições antecipadas.

É expectável que tal suceda quando falamos de um Presidente

da República? Não o creio.

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Pessoalmente já teria gostado de substituir alguém em

determinada altura (não pensem que direi quem. Guardo para

mim com o vosso assentimento, até porque não compensa

chorar sobre leite derramado…), mas nunca senti vontade

popular de o fazer, nem sequer vontade polít ica dos principais

partidos.

O lugar é, claramente, intocável e só se o “rei morrer” tal será

possível…

Mas não devemos esquecer que, na Idade Média, era possível

substituir um sucessor ao trono quando este se mostrasse

inadequado para a função.

Esta prát ica só caíu com o despotismo de Versail les, na fase de

decadência da monarquia francesa, quando o procedimento foi

abandonado.

Aqui confrontamo-nos com uma outra questão: esta prática

poderia ser corrigida, com a inst ituição de um tribunal que

pudesse, caso se mostrasse necessário, intervir no sentido de

alterar a ordem de sucessão ao trono. Era possível e desejável e

ultrapassava uma questão de fundo.

O monarca, para todos os efeitos, ao não estar ligado de forma

alguma a qualquer força de pressão, quer polítca quer económica,

representa perante a população a imagem da independência total.

O seu objectivo é servir todos por igual. Em tempos de crise

esta faceta sobressai e é, bastas vezes, sinónimo de união nas

nações, impedidindo fracturas sociais graves, pela capacidade de

se dirigir a todos, como se de um único se tratassem.

Por outro lado, na monarquia não existe a necessidade do

resultado polít ico imediato, elemento eleitoral constrangedor .

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O monarca pode dirigir a sua acção num pressuposto de

perenidade, porque a sua autoridade, quer factual quer funcional,

não é questionável.

O monarca é igualmente um ponto de suporte, de alavancagem

da identidade nacional.

Esta identidade nacional estava patente na necessidade que o

rei sentia de comunicar de perto com as populações, de lhes

chegar em pessoa. O monarca util izava um instrumento para este

f im: as deambulações reais.

Verif icamos na república, na nossa, que este instrumento foi

superiormente uti l izado pelo presidente Mário Soares, quando

inaugurou as “presidências abertas”. Profundo conhecedor da

história, homem culto, o Dr. Mário Soares viu aqui a porta para se

aproximar do povo, de comunicar e sentir directamente as suas

alegrias e frustrações.

Estas presidencias abertas foram seguidas também, como todos

se recordam, pelo presidente Jorge Sampaio.

Há, quer queiramos quer não, uma correspondência clara entre

as deambulações reais e as “presidencias abertas”, com várias

leituras possíveis.

Uma das leituras enraíza na monarquização da figura do

presidente, do ente tutelar, primeiro magistrado da nação,

considerado como último guardião da república, o seu início e o

seu fim.

Como vimos, regressando um pouco atrás, a democracia nasce

no parlamento, ocupado pelos representantes do povo, tendo ou

não câmaras altas e baixas.

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A figura do presidente é uma figura da república, representa a

república, é eleito pelo povo mas não garante a democracia, mas

tão-somente o regime republicano.

A monarquia convive tão bem com a democracia como a

república. Os exemplos abundam, como sabemos e já o referimos.

O presidente é o tutelar, o guardião da república como o rei o é

da monarquia.

Não há, na verdade, razões de animosidade suficientemente

fortes, para atacar o regime monárquico em favor do republicano.

São regimes possíveis que deveriam radicar na história.

Contudo, há situações potenciadoras de ódios.

A confusão gerada pela enorme permissividade entre as

monarquias absolutas e a Igreja levou aos actos de ataque, por

palavras e actos, aos regimes monárquicos. Foi a razão da

revolução francesa – as enormes regalias de clero e nobreza, a

relação promíscua e o poder que a rel igião impunha e emanava,

contrapunham-se à miséria da população: o povo não tinha pão

nem indulgência.

Foi igualmente a razão da perseguição aos jesuítas em

Portugal, após 1910.

Mas atentemos, os acontecimentos do dia 5 de Outubro t iveram,

na sua génese, uma outra vontade.

A alteração polít ica foi o leit motiv .

A ditadura criada por João Franco, ciente erroneamente que o

apoio da ruralidade e do próprio Rei D. Carlos o suportariam ad

eternum, levou a um aumento da base conspiradora contra o

regime.

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A revolta de 31 de Janeiro de 1891, com origem na cidade do

Porto,f foi a primeira com raízes na honra nacional.

O “mapa cor-de-rosa” foi a razão, em 1890, pref igurando

cedências consideradas inaceitáveis à época, por parte do governo

e da coroa, aos nossos aliados de sempre, os ingleses, que com o

seu famoso ultimatum foram a espiral do vért ice que entornou um

regime monárquico democrático e o transfigurou num regime

autocrát ico.

De acordo com Malheiro Dias “o que garantia e salvava os reis

era serem o resumo das aspirações colectivas”.

Os Braganças não eram perante a história, nem um exemplo de

glória nacional nem um princípio teológico imutável mas,

simplesmente, uma situação temporária que a história se

encarregou de eternizar e que Portugal se via obrigado a viver.

D. Carlos era um liberal nas ideias, mas igualmente um homem

que embora muito culto era em igual medida “distraído”, soit

disant.

A monarquia polít ica, por assim dizer, era-o em grande parte

constituída por republicanos encapuçados em monárquicos, com

deformações polít icas provocadas pelos ideais da revolução

francesa. E o rei era fraco e distante do seu povo.

D. Carlos, tendo iniciado o seu reinado em 1889, viu-se, assim,

confrontado com uma crise polít ica tremenda que foi, claramente,

inibidora da forma como encarou a democracia, a que se juntou o

seu próprio feit io.

Facilmente “manejável”, deixou-se inf luenciar decisivamente por

João Franco, que conduziu a polít ica monárquica não no sentido

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da sua promoção mas na desvalorização da questão do regime ser

monárquico ou republicano.

João Franco foi chamado ao governo e os primeiros anos de

franquismo ficam marcados pelo arregimentar de elementos

ligados ao princípio republicano.

Para ele, os portugueses eram “em face da Europa Central e

Ocidental, o povo mais atrasado, mais pobre e mais infeliz”.

A causa maior de tanto desalento residia na corrupção que se

tinha instalado entre os partidos polít icos “rotat ivos”, tal como hoje

sucede em Portugal, na III República, com as notícias de

escândalos a sucederem-se a todo o instante.

Com ou sem razão, as noticias provocam abalos e os

julgamentos populares são-no de imediato, tão lenta é a just iça

nacional a mover-se. Contas de outro rosário que passaremos

entre os dedos mais perto do final.

A solução passava, então, pela democrat ização, pelo interesse

da população na vida pública, pelo funcionamento da justiça e

criminalização da corrupção. Sumariamente: sujeitando o Poder

aos tribunais.

Mas João Franco confiou por demais no verbo, no apoio da

ruralidade e do próprio Rei.

A conspiração aumentou e cresceu até ao dia 28 de Janeiro de

1908, aproveitando a ausência, reiterada do Rei em Vila Viçosa.

Os conspiradores foram detidos a 31 de Janeiro por decreto real

e o rei foi morto no dia seguinte, ao desembarcar em Lisboa.

O que se atacou naquele dia em Portugal não foi o rei de

Portugal, foi o regime monárquico e o rei era o elo mais fraco….

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Podiam ter abatido João Franco que seguia no cortejo, mas não

o fizeram. Era o regime que se abatia naquele dia no Terreiro do

Paço, em Lisboa.

Mas que regime era este que se aniquilava num dia? (D. Manuel

II não tinha qualquer hipótese de sobreviver ao clima agitado que

se gerou).

Por comparação, nada ou muito pouco o separa da I ou da III

repúblicas.

Partidocracia , corrupção, falta de confiança no sistema

judiciário, ausência de participação cívica, honrarias

desmedidas , ganhos excessivos, abusos de poder, ausência de

polít icas sérias ao nível da educação, da saúde e da cultura, má

gestão da coisa pública , entre tantas outras que poderiam ser

mencionadas.

Contudo, é igualmente certo que a situação económica nacional

em Portugal não melhorou com a implantação da república. O PIB

caiu, caindo o poder de compra.

O que aconteceu entre 1890 e 1910, economicamente falando?

A economia quase estagnou, mesmo apesar de em 1910 ter

atingido o maior valor para o Rendimento Interno até então

conseguido (1.007.000 contos a preços constantes de 1914).

Mesmo apesar da enorme dívida, que todos os anos crescia 11.000

contos, o país crescia. Não havia uma tendência no sentido da

descida, como se veio a verif icar desde 1910 até 1921.

Num estudo de 1915, “O Ágio”, da autoria do académico Oliveira

Salazar, f icou provado o que já era sugerido por alguns: foi o

câmbio da moeda brasi leira que determinou o câmbio da moeda

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nacional até 1907, just if icando o crescimento da dívida pública no

valor mencionado. Contudo, o PIB per capita de 1909 só seria

igualado em 1928, dezanove anos depois.

A enorme liberdade de movimento f inanceiro e executivo dos

sucessivos governos veio provar que a independência orçamental

t inha sido subestimada, e que esta era de facto mais forte do que

os poderes consignados na Constituição…mas não era eficiente.

As diferenças sociais aumentaram, e se em 1910 não se vivia

muito bem, em 1921 nem pão havia para comer, o que diz muito da

igualdade entre os cidadãos.

A única alteração visível foi a substituição do Rei por um

Presidente, o resto estava lá tudo, há muitos anos.

Atestando este arrazoado de males, de matérias funestas, será

lógico que se arrogue, imaterialmente falando como se lhe

estivesse destinado, estarem todos os males agarrados ao regime

monárquico?

Não, de todo!!!

Conhecemos igualmente esta realidade, para o bem e o mal e

conhecendo, verif icamos que estes males são transversais aos

dois regimes, monarquia e república.

Mudando o curso da dissertação, é curioso verif icarmos,

curiosidade que fica manchada pelo signif icado que assume, da

necessidade do regime republicano manter uma hierarquização

titular, não nobiliárquica – os títulos e honrarias nobil iárquicas

foram retirados após 1910.

Se no tempo da monarquia os títulos académicos exist iam,

estes ganharam um peso acrescido após o 5 de Outubro, peso que

chega até aos nossos dias, num país onde todos têm de ser

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doutores e engenheiros, onde o tratamento pelo título cria

formalismos dif íceis, onde também se banalizou as atribuições

honoríf icas do estado, com a distr ibuição de comendas quase

todas avulso.

Onde falta um título académico existe uma comenda.

Há excepções, como sempre existem, mas só confirmam a

regra.

Para um país republicano, à beira do centenário, não deixa de

ser anedótico que todos se tenham de atribuir um título, uma

dist inção e se mantenham apegados a esse tratamento dist intivo.

Como anedótico é o facto do decreto que determina o fim da

titulação nobil iárquica ser assinado por homens que fizeram

anteceder o seu nome pelo título de doutor.

À nobil iarquia monárquica sucedeu-se, claramente, a

nobil iarquia académica. Os homens sempre necessitam de títulos,

ao fim e ao cabo.

Será que estes mesmos homens, que vivem da república e

respiram a república, enjeitariam um título de barão, por exemplo?

Casos recentes mostram-nos que não, que são até muito

desejados, os títulos.

Mesmo em cima do centenário da República, convêm tecer

algumas ideias sobre o mau nome da I República e apurar da sua

responsabil idade e autoria.

Por norma, os epítetos depreciat ivos são sempre atribuíveis aos

nossos inimigos; assim lógico será pensarmos que a má fama da

I República, que vê agora elevados ao panteão da glória os seus

precursores é um acto de má fé, que deriva de todos os seus

inimigos, a saber: monárquicos e Estado Novo.

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A redução do 5 de Outubro a datas e nomes é uma pretensão

das comemorações. Por conveniência republicana.

O que representaram, as afirmações proferidas, as acções

empreendidas serão escamoteadas.

É a história a fazer-se ao jeito dos que a sobrestimam, no

silêncio apropriado e conveniente do bronze e no esquecimento

das palavras.

.

Mas, espante-se , as crít icas pesadas e o mau nome provêm

dos próprios republicanos.

Não das franjas dissidentes , mas da própria pirâmide de

poder, dos seus defensores e arautos, desde os mais altos

dignitários da nação, até aos seus filhos dilectos : os art istas,

os escritores e os seus heróis.

Damos exemplos, com os quais elucidaremos sem delongas

este ponto tão importante:

(1) “O que se está passando nesta casa do parlamento nem

mesmo tem precedentes no tempo da monarchia…”

“Através de calumnias e de infamias, de provocações e de

ameaças, que chegaram dentro dos arraiais republicanos ao

que nunca tinham attingido durante a monarchia, cumpri o

meu dever de não desunir o part ido…”

Afonso Costa, chefe do Partido Democrát ico, citado por

Malheiro Dias, em “Zona de Tufões”, 1912.

(2) “Os ministros ignoram tudo das suas funções, assinam de

cruz os documentos mais disparatados. No ministério parece

não haver um único funcionário competente”.

“Os desatinos da República t iram toda a autoridade aos seus

diplomatas”.

João Chagas (Primeiro-Ministro do 1º governo constitucional

da república, representante de Portugal em França), Diário,

Vol. I.

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(3) “ Depois que o povo passou para o segundo plano, a

república perdeu a grandeza”

Raul Brandão, Memórias, Vol. II

E, finalizando em grande estilo, cito ramalho Ortigão em “As

Últimas Farpas”:

“Quer rindo, quer chorando, de qualquer ponto de vista e em

qualquer disposição de espírito em que a consideremos, a

República portuguesa apresenta-nos sempre como fundamental

característica a servil imitação polít ica de todos os desvarios e de

todos os erros em que a república francesa tem incorrido. A

vantagem dos pequenos povos modestos que vão atrás dos outros

na marcha da civil ização é a de evitar no caminho os tropeções e

as quedas dos que vão adiante. A República portuguesa é a

retardatária obtusa para quem essa lição é inúti l”.

Ramalho Ortigão, Últimas Farpas.

Parece claro que as crít icas à I república t iveram origem no interior

mais profundo da mesma.

Há ainda um ponto, fundamental, a considerar nesta

deambulação entre república e monarquia, entre os 100 anos

daquela e os oitocentos anos de história desta.

Um ponto mais que aproxima, de forma clara, a ideia de uma

república que nunca deixou de ser monárquica.

Esta é, acima de qualquer suspeita, uma matéria que suscita a

maior das preocupações e se prende, total e integralmente, com os

valores da democracia.

A matéria em causa é a judicial; a questão fundamental, a sua

arregimentação polít ica e de interesses.

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A democracia vive de uma base sólida: a legislação.

É esta que salvaguarda todos os interesses, todos os direitos e

todas as obrigações.

É o cunho do comportamento societário, o seu ADN, a garantia

do cidadão, a sua maior ou menor qualidade de vida, a precursora

de todo o respeito, dignidade e integridade.

O poder judiciário tem de ser independente, atendendo à

responsabil idade e responsabil ização que recai sobre quem tem a

competência de atentar, interpretar, aplicar e confirmar ou reverter

as leis.

Na monarquia a lei requeria um guardião e um juiz. Mesmo nos

monarcas mais poderosos, esta função foi sempre executada com

total respeito pelos poderes locais.

Desde a Bíbl ia até Palat ino (conde de Palat ino, delegado do

Imperador da Alemanha) que a administração da justiça era uma

muito nobre tarefa, extremamente exigente, com um enorme

escrúpulo no exercício da função executiva – todos se encaravam

como juízes. Todas as outras funções adjacentes se subordinavam

a esta, a função judicial.

O juiz só consegue interpretar e aplicar a lei se for

independente. A independência num homem só é possível se ele

não depender de ninguém, não dever favores ou não ficar em

dívida.

Na republica todo e qualquer membro da magistratura, seja um

membro do Supremo Tribunal, o Procurador-Geral ou, como

recentemente constatámos com o Provedor de Justiça, todos eles

de uma forma ou outra, são caucionados por uma outra qualquer

fonte, uma outra origem, pela qual é responsável e/ou é

dependente.

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A função do mais alto cargo da Nação é a de zelar pela

manutenção da lei, no mais estrito cumprimento da lei fundamental

do estado, a Constituição, onde se consagram os princípios

fundamentais.

O direito de veto actual tem as suas origens no direito de veto

monárquico, após a tramitação parlamentar.

Ao Rei compete a obrigação de zelar pela lei natural, porque

ele próprio é Rei por direito natural.

Temos para nós que não é aceitável a subordinação do poder

judicial ao poder polít ico. Não é aceitável que os jogos de poder se

alimentem nos mesmos corredores onde se passeia a justiça.

A justiça tem de ser independente do poder polít ico. Sem esta

independência não existe estado de direito.

É um erro crasso delegar tais funções e responsabilidades a

nomeações polít icas, equivalendo o mesmo a franquear portas a

intr igas palacianas, tão ao gosto polít ico e, ainda mais perigoso

para os cidadãos, abrir de par em par a jurisprudência aos

interesses privados.

Há demasiado tempo que o poder judiciário não retém a

primazia do seu legado.

Perguntemo-nos, agora, onde cabe a figura do Chefe de Estado.

É uma figura respeitável, secundária em muitos dos aspectos

polít icos da governação, mas importante no veto de leis, na

nomeação de governos ou na sua capacidade de exonerar

primeiros-ministros e convocar eleições.

Mas não exerce o poder executivo.

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Este compete ao Chefe do Executivo, ao Primeiro-Ministro,

f igura central do parlamentarismo.

A sua presença em exercício está, obrigatoriamente, casada

com a maioria parlamentar que o apoia.

Sem esta, o executivo cai e são necessárias eleições. Para que

o apoio seja continuado durante o mandato, o Primeiro-ministro

tem de repartir com o parlamento o estabelecimento das decisões

polít icas fundamentais e, igualmente importante, a posse recíproca

de meios de controlo de maneira a que o primado do segundo

sobre o primeiro permita a sua destituição, através de moções de

censura.

Como bem sabemos, em regimes de maioria absoluta esta

premissa bem como as anteriores não são validadas, estando a

actuação do Primeiro-Ministro entregue ao seu livre arbítrio.

Pior, não sendo a Presidência de República um cargo por

inerência, por uma qualquer obediência natural e divina, o

presidente está preso das suas próprias amarras: o poder é-lhe

atribuído por uma maioria mas não é “reconhecido” por todos, no

sentido da sua independência.

O primeiro magistrado da nação também o é por iniciativa

polít ica, também está devedor e penhorado de alguma coisa, de

algum part ido ou ideologia e, estando-o, também o está dos

interesses, sejam eles públicos ou privados.

O sistema está viciado.

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Em síntese, em nada diverge no parlamentarismo, o regime

monárquico do republicano, excepto na magistratura independente

do chefe de estado, que a exerce no tempo e no espaço de forma

total e completamente isenta. A sua magistratura goza de um

carácter nacional, unif icando, congregando e coordenando pela

consensualidade em relação à sua função.

O parlamento funciona da mesma forma e com as mesmas

responsabil idades.

O governo é empossado da mesma maneira, de acordo com as

mesmas regras e respeitando maiorias parlamentares.

A responsabil idade orçamental e a sua execução é do governo,

depois de aprovado na general idade e especial idade no

parlamento.

O parlamento é eleito pelo povo, representado por indivíduos

sufragados pelo voto em partidos polít icos.

A classe polít ica não está isenta de erros.

Ao Presidente da República cabe uma função importante, mas

limitada, como sucede nos regimes semi-parlamentares. Portugal

já foi mais semi-presidencial, mas os poderes do presidente têm

sido reduzidos.

O descontentamento da população para com a classe polít ica é

a mesma.

As oligarquias existem.

Os títulos honoríf icos e as posições inerentes também.

A dependência do exterior é fortíssima, agora com a União

Europeia, antes com as províncias ultramarinas, antes ainda com o

Brasil.

A democracia parlamentar é um facto.

A tendência para o despotismo polít ico é uma tentação.

A única diferença parece residir na primeira f igura da nação, na

forma como surge e é encarada. E, mesmo aí, os diversos

presidentes da república têm assumido, com enorme frequência,

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um papel paternalista, muito próprio dos monarcas, nas palavras,

atitudes, posturas de estado e algumas arrogâncias.

Nada parece distinguir os regimes, a não ser a designação do

seu mais alto magistrado.

Os 100 anos que se comemoram são, no imediato, quase

indist inguíveis de uma monarquia, a não ser pelos custos

suportados, os custos das presidencias e, mais ainda, pela

enormíssima quantidade de presidentes que Portugal conheceu.

Mas mais ainda, acrescem, entre outros, dois valores mais

importantes e absolutos: a independência do monarca, em relação

a interesses estranhos aos da própria nação, e a devoção para

com o seu povo.

Se os altos cargos exigem perenidade, conhecimento e

reconhecimento, o que just if icou a manutenção do Governador do

Banco de Portugal na função após o 25 de Abri l de 1974, o mesmo

se deveria aplicar à primeira f igura do estado, ao seu mais alto

magistrado.

O Presidente da República não atinge a totalidade da dimensão

do monarca, porque a sua maior fragi l idade existe onde parece

residir a sua maior força: a sujeição ao voto universal.

Este voto universal consubstancia-se numa maioria simples,

piorando se vai a uma segunda volta, não descontando, por

manifesta boa vontade, os votos nulos e a abstenção. O que é

intocável na sua figura transforma-se num mito de poder,

sufragado por alguns e imposto a todos os outros.

Cada um terá as suas convicções, mas na minha, Portugal

estaria bem se fosse uma monarquia