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Seu Roque Ano I nº 01| Distribuição Gratuita O retrato de Salvador em branco e preto EXCLUSIVO abre as portas de sua casa Padre Pinto de quem você é tiete? Ô piriguete dor de cotovelo, impotência, unha encravada tira suas dúvidas Mestre dos Magos I Want a Job Tire Onda Finja que entende de vinho Levi Que não é Strauss Assombração Elza Soares tira fotos sensuais Eu poderia estar roubando... Eu poderia estar matando... Anuncie! Mas eu tô pedindo: [email protected] www.revistaseuroque.blogspot.com

Revista Seu Roque edicao 1

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Uma revista que mostra o retrato de Salvador em branco e preto, jornalismo gonzo, literário, irônico, ordinário, mas nunca banal.

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Page 1: Revista Seu Roque edicao 1

Seu Roque Ano I nº 01| Distribuição Gratuita

O retrato de Salvador em branco e preto

EXCLUSIVO

abre as portasde sua casa

Padre Pinto

de quem você é tiete?

Ô piriguete

dor de cotovelo, impotência,unha encravada

tira suas dúvidasMestre dos Magos

I Want a Job

Tire OndaFinja que entende

de vinho

LeviQue não éStrauss

AssombraçãoElza Soares

tira fotossensuais

Eu poderia estar roubando...

Eu poderia estar matando...

Anuncie!Mas eu tô pedindo:

[email protected]

www.revistaseuroque.blogspot.com

Page 2: Revista Seu Roque edicao 1

“Muitos serão chamados, poucos os escolhidos”Se esta revista parou em suas mãos é porque Deus te deu uma importante missão. Ainda esta noite, de madrugada, entre 1h e 4h da manhã, prepare-se para realizar o grande sonho de sua vida. Faça um pedido e conte para os primeiros quinze homens que aparecerem em sua frente vestindo camisa azul, dê três pulinhos, pegue no verde, abrace uma árvore, cante ilariê, leia e passe esta revista para seu amigo mais próximo.Não quebre essa corrente! Duas pessoas não acreditaram e tiveram grandes infortúnios na vida: uma passou o Reveillon em Inema, dividindo farofa com o presidente Lula e a outra passou mais de duas horas presa num engarrafamento, dentro do ônibus Vila 2 de Julho/Trobogy.Leia e passe adiante!

“Drama é vida sem os momentos estúpidos que a cercam”

ExpedienteEDIÇÃO

Victor Civita (por Psicografia)

DIAGRAMAÇÃOGrupo G1 do Colégio Nª Sª das Causas

Impossíveis - Disciplina para alunos com problema de coordenação motora.

TEXTOSFugitivos voluntários da pesquisa para um novo

psicotrópico

IMPRESSÃObarraquinha da esquina

FOTOGRAFIAstudio Moon Moon Flash

TIRAGEMaté o limite do Hipercard

COMERCIALSandra de Sá

CONSELHO EDITORIALSeu Roque, Seu Samba, Seu Blues e Seu

Cha Cha Cha

FALE COM A REDAÇÃ[email protected]

SEU ROQUE NA INTERNETwww.revistaseuroque.blogspot.com

“Sorria, meu patrão”

[Curtas & Grossas]

Depois de Fernanda Young estampar as capas da revista masculina mais vendida no país, a cantora Elza Soares resolve assustar os internautas do site Sambarazzo. Aos 73 anos, a dublê de Avatar exibe fotos pra lá de sensuais, dividindo espaço com rainhas de bateria e musas de escolas de samba, que ainda não entraram na menopausa.

Do c

óccix

até

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Fãs criticam a cantora Beyoncé por apresentação particular para o filho do chefe de estado da Líbia, Muammar Gaddafi. A assessoria de imprensa alega que o show privado fora para Muatsim-Billah Gaddafi, e não seu irmão, o coronel Moutassim Bilal “Hannibal” Gaddafi, famoso por agressões à mulheres. “E se fosse o irmão de Osama Bin Laden?”, questiona um fã, revoltado. O fato é que por U$ 2 milhões, atire a primeira pedra quem não aceitaria.To

do “

Bilal”

é igual

A notícia se espalhou como rastilho de pólvora por Fazenda Grande, Retiro, Subúrbio Ferroviário e Cidade Baixa: mais de 300 vagas de emprego em um mega salão de beleza no Largo do Tanque. O final de 2009

foi de ansiedade: algumas das milhares candidatas passaram por até seis etapas da seleção com entrevistas e até redação. As selecionadas vibraram, mas não contavam que aqueles cabelos trabalhosamente alisados por mais de uma década não combinavam com a foto na carteira de trabalho, que seria assinada pelo Instituto Beleza Natural. Muitas choraram na hora de passar a máquina 3 e deixar apenas a moitinha capilar original, enroladinha e rasteira. No prédio imponente de três andares, o custo de fazer pé e mão ganha dos melhores salões da Pituba e vale quase o mesmo preço de uma moqueca pra dois no Boca de Galinha. A gerente da filial, que fez curso na sede, no Rio de Janeiro, continua passeando com as madeixas hidratadas e alisadas à base de chapinha, sem qualquer vestígio de imposição étnica.

Tudo p

ara

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O Padre e a pedraQuatro anos depois de fazer polêmica, o sacerdote ainda não se livrou de pedradas

A revista Seu Roque foi em busca do Padre Pinto pensando em uma grande reportagem, mas encontrou um homem com a aparência catatônica de quem viu uma assombração, e não teve tempo de se assustar. Reações e sentimentos não fazem parte mais de seu semblante alongado só que cheio de carnes. Ele recebe visitas e atende telefonemas com o mesmo aspecto vazio de quem come uma hóstia ou de quem reza um terço ou de quem assiste a uma palestra do reitor da UFBa.Ninguém se apresentou como jornalista e mesmo assim não se conseguiu qualquer cumplicidade e seque o início de um diálogo justo e enriquecedor. O alvo da pauta faz questão de mostrar que não tem interesse em conversa, respondendo com monoss í l abos e de ixando intermináveis silêncios entre uma resposta e a próxima pergunta (que deve ser respondida com uma palavra de sim, de não ou um murmúrio)Encontrar padre Pinto depois dele ser o religioso mais polêmico e contestado do Brasil no ano de 2006 - capaz de rezar

missa com fantas ia de or ixá e cumprimentar artistas em público com selinho - não é muito difícil. Basta perguntar no Largo da Lapinha, onde celebrou por mais de 20 anos, mas tendo o cuidado ao falar com seu Valzinho, o zelador do templo. Quem perguntar se ali é a igreja do Padre Pinto vai ouvir ele responder rispidamente: “não, aqui a igreja é dos Paroquianos”. Mas depois vai indicar o mapa certinho até São Caetano, avisando que ele está de novo bem acomodado em uma batina, graças a muita oração e remédio controlado. Quatro anos atrás, José de Souza Pinto fora acusado por muitos, colegas de igreja aí incluídos, de estar louco de pedra. Nesta tarde de sábado, ele atende a campainha do rígido Convento de São Caetano, sede da Sociedade das Divinas Vocações, onde foi literalmente internado no segundo semestre de 2006, depois de perceber que não teria muito futuro apenas como artista plástico fora da igreja. Abre a porta de alumínio e dá de cara com um agitado Mário, vestindo camisa do Vitória e exibindo um bom pedaço de argila sólida,

avisando que voltará, enquanto padre Pinto fecha a porta e se dirige à equipe de Seu Roque: “Vocês vieram assistir à missa das 17h, não é? Eu vou pedir licença a vocês porque tenho que terminar um trabalho”. Depois de aceitar tirar fotos como se fosse atração turística, limita-se a comentar sobre o padre Hélio, de Belém, distrito de Cachoeira: “Conheço, sim, gente fina”. Logo após a despedida, ainda fica por sinistros três minutos escondido atrás da porta para observar bem quem são aqueles dois disfarçados de visitantes fora de hora. Nunca se sabe as artimanhas de alguém da imprensa para conseguir arrasar a vida de um clérigo. E assim está Padre Pinto, ora se defendendo de pedradas, ora acuado do outro lado da fechadura.

O antes e o depois: em boca fechada não entra mosquito

meio quilo de carquejo que não cabia em uma mão. “Ô, seu padre, isso aqui veio do seu terreno e acertou bem em cima do meu carro”. “Devem ter sido os moleques que pulam aqui pra roubar manga”, minimizou o sacerdote. “Não, não, os pivetes passaram correndo e a pedra foi jogada para afastar eles”. O reclamante queria que a mossa no veículo fosse paga por alguém, desde que o alguém fosse da igreja. “Veja se esse tipo de pedra não é o mesmo solo que tem aí no terreno”, argumentava, usando geologia de bar. Impassível, o ex-fã de Psirico, ex-frequentador da boate Lotus, ex-filho de Gandhy e atual ocupante de uma calça de moletom e uma blusa com cheiro de suor azedo limita-se a dizer: “O padre Carlinhos vai resolver isso com vocês”. Volta três ou quatro minutos depois para dizer que não achou o vigário. Mário repete ameaças veladas e não aceita a justificativa de que nenhum padre adota como passatempo vespertino o arremesso de pedras muro afora. “Aí dentro tem seminarista, tem gente que não é padre. Eu não vou ficar no prejuízo, não”. Padre Pinto recomenda que ele volte em outra hora, sem tirar do rosto a máscara inexpressiva de alguém que não sabe o que falar sobre um filme de Carla Camuratti. O cidadão ainda está reclamando e e

4 Seu Roque | Janeiro 2010

[Por onde anda]

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6 | Janeiro 2010 Seu Roque

Ô piriguete, de quem você é tiete?

“Ô, Nana, ê, vem bananear, ê, ô, Vem bananear, ê, á, Vem Nanã, Naná”

AINA KAORNER

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Tomai todos e bebei”

Durante um passeio na livraria do

Aeroporto Internacional de Salvador, eis que meus olhos avistam a fotografia dos mais largos sorrisos, como bandejas de taturanas em e x p o s i ç ã o , z i g o m á t i c o s proeminentes e íris de cifrões concedidos por consumidores de onomatopéias. Chiclete com Banana, Uma Paixão, folheei a relíquia à procura de uma resposta para um dos maiores enigmas da sociedade ocidental: Será Bell Marques careca? “Eu não tiro a bandana porque tenho medo de não ser reconhecido”, afirma o cantor. É bem verdade que sem o costumeiro prêt-à-porter de tafetá, o ícone da mús ica ba iana poder ia ser confundido em qualquer esquina

com João Bosco ou com meu tio Finfinho.Impelida pelos impulsos e devaneios capitalistas, por pouco não paguei o dízimo depositado pelos seguidores da seita. Durante o processo decisório lembrei que R$ 49,90 daria pra comprar um CD do Beto Jamaica e Reinaldo, cinco revistas Ana Maria, três garrafas de vinho Canção, quatro big big's e duas balas icekiss. Além do mais, não tinha fotos de Bell careca. No máximo umas entradas frontais enquanto o minoxidil ainda fazia efeito.Pra que cabelo? Pra que seu Queiroz? - Vinte e cinco discos, quinze de ouro, diversos prêmios no exterior, mais de cento e trinta shows por ano e uma legião de fãs alucinados fazem parte da biografia da antiga banda Scorpius, que iniciou a carreia com o disco intitulado

Traz os Montes, cuja capa retrata oito jovens recém chegados de Woodstock, com postura de estudante de teatro da UFBA, com cabelos que ainda não conheciam os poderes da L'oréal e Kérastase. Hoje o vinil é vendido na internet pelo valor de R$ 1.250,00. “Acredito ainda que o preço é pequeno para uma banda que tem mais de 25 anos de história. Por que alguém se desfazeria de uma relíquia dessas?”, questiona uma chicleteira, no blog do fã clube Chicletemetal. O gênesis chicleteiro surgiu em 1980, quando jovens estudantes baianos, na tentativa de economizar a mesada do pai para aquisição de necessidades orgânicas imediatas resolveram apostar os cruzeiros nos covers de John Lennon para puxarem um bloco de carnaval. Foi medida a eficácia do domínio etílico sobre os pseudocérebros saltitantes entre as serpentinas momescas e ninguém reparou que a voz de Bell faria Carlo Farinelli, Enrico Caruso e Luciano Pavarotti dançarem Thriller ao som de Diga que Valeu. A primeira vez que o astro subiu num palco para cantar Alone Again, ainda acreditava que este seria o nome do mais novo integrante do ThunderCats, mas o talento nato fez com que o mestre cantasse fluentemente os versos contemporâneos: Inalire uali fronáu, aime noti filin eni lesáu... Foi daí que surgiu a tendência da banda em criar músicas onde as letras não tivessem significado algum. Basta um Le le lê ou Na na ná que as patinhas se erguem eufóricas na multidão. “Eu mesmo vou lançar uma música agora que se chama Tum ta ta, que tem um refrão muito bobo, muito besta”, confirma o cantor, em entrevista concedida à Revista Muito.O irmão, Wilson Marques, até tentou salvar a humanidade dos agudos laríngeos projetados pela caricatura de

Pedro Cardoso germinado com o presidente Lula: “Sua voz é muito aguda. Tá meio esquisito. Você não vai dar certo, porque sua voz é muito estridente”. Mas nada adiantou, Bell abandonou o supletivo e des ist iu do sonho de se tornar caminhoneiro, ou quem sabe piloto de Fórmula 1, para seguir carreira em especialista de perfuração de tímpanos e transmissor de cefaléia tensional crônica, fazendo sucesso até na Fazenda Cabaceiras do Paraguaçu, onde os ovinos gritam “Bell, Bell”, assim que o ídolo adentra ao pasto.Gregos, troianos e... índios – Se nem Jesus Cristo agradou a todos, já era de se esperar que alguém no mundo não gostasse do Chiclete com Banana. Conhecido como Cacik Jonne, representa o 1% das estatísticas entre os frequentadores dos Circuitos Dodô e Osmar. Em 2002, começou a disputa cocar versus bandana, quando o ex-guitarrista moveu três ações judiciais contra a banda, solicitando uma quantia de aproximadamente R$ 1 milhão, pelos vinte anos de acordes elétricos em cima do trio. Além disso, reivindica também a inclusão do nome na sociedade como co-fundador da banda. Tudo isso após descobrir que sofre de ataxia cerebelar degenerativa e ser aposentado por invalidez.

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8 | Janeiro 2010 Seu Roque

Valeu, foi bom, adeus

Um dos principais mistérios que acomete a humanidade, além das Minas do Rei Salomão, a chegada do homem à Lua e a submersão de Atlântida, está na origem da patinha, símbolo de um dos blocos mais famosos do carnaval da Bahia, o Camaleão, que desfila no circuito Barra/Ondina. O emblema místico é representado com apenas quatro dedos, enquanto que os répteis possuem cinco dedos em forma de um V invertido. As explicações ocultas são infindas e enigmáticas até para François Charles Barlet. Será a patinha um camaleão abduzido e transplantado por algum ser extraterreno? Ou quem sabe a impressão digital de algum publicitário baiano oferecido a entidades mefistofélicas em troca do sucesso do grupo?

Elementar, meu caro

Se Você á chicleteiro, amor, Deus abençoa. Se você não é, Deus te perdoa!

Atualmente, o ex-músico embolsa mensalmente da previdência social o valor de R$ 1.500 e sobrevive real izando cultos evangél icos semanais, em sua residência. A quantia dá para comprar trinta biografias do Chiclete com Banana, provavelmente a única forma de ver o rosto de Bell, já que a BMW do ídolo nunca está estacionada na garagem quando recebe a visita do tapuio. Hoje, Jonne avista de longe o sucesso dos colegas em cima do trio, enquanto espera a oportunidade de realizar um transplante de células-tronco embrionárias, procedimento proibido no Brasil.

A Seita – Exceto o Cacik Jonne, boa parte do planeta Terra é viciada no Chiclete com Banana. Não é à toa que a banda possui um altíssimo patrimônio, equiparado ao de muitos políticos de índole duvidosa. Mesmo acusado, em 2003, de sonegar impostos no pagamento do Imposto de Renda, o sorriso de Bell permanece maior que o do garoto Cepacol.O show do Chicletão não custa menos que R$50, o primeiro lote de abadás, descartados pelos inflados, pouco antes da primeira Skol ou recortados

como moldes esfarrapados de piercings umbilicais ao som dos hinos Tiete do Chiclete, Quero Chiclete, Tem que ter chiclete, Se você é Chicleteiro, Levada Chicleteira, Chicleteiro eu, Chicleteira ela, Se tem Chiclete eu tô lá, Chiclete Chopp com Banana.Com quase 10.000 membros, a comunidade do Orkut Só caso quando o Bell morrer tem deixado muito Santo Antônio de cabeça pra baixo. “Quando você é solteiro, você tem 100% da sua vida. Quando você se casa, você tem 50% da sua vida. Os outros 50% você dedica à sua mulher”, profetiza o guru da música baiana. Enquanto o mestre canta “dê bola para mim, ei, ei, eiheiê, só depende de você”, os Chicleteiros medem a eficácia do winstrol: “e o que eu mais quero nessa vida é seu amor, só quero seu amor e um beijo seu”, elucubram. Para não fazer feio no palco, Bell também se preocupa com a aparência física e m a n t é m a f o r m a c o r r e n d o constantemente na orla de Salvador, mas garante que não usa cosmético e numa fez plástica (a gente acredita!). Durante muitos anos usou um short jeans recortado, fazendo a alegria da mulherada, mas a marca registrada do cantor ainda continua sendo a voz singular, típica de vendedor de caranguejo do Recôncavo baiano. Quando pensávamos que nada pior poderia aparecer, perante a proximidade do apocalipse, eis que surge a banda Chicana, um projeto decadente de Chiclete com Banana, que funciona como placebo para os desprovidos de Mastercar e massa muscular. De olhos fechados a diferença é mínima, mas Chicleteiro que se preza não troca Buscopan por dipirona sódica. Felizmente o grupo não fez o mesmo sucesso. Essa é a prova que é dos carecas que elas gostam mais.

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[Perfil]

Mais um desempregado baianoA saga de Roque Nilson dos Santos, cinquenta e dois maltratados anos de vida e um objetivo: voltar a trabalhar para reconstruir o lar

10 Seu Roque | Janeiro 2010

Seu Roque, na obstinação dos famintos, chegou até uma lan house em espasmos de ansiedade para fazer o currículo. Ditou as referências e experiência profissional e saiu de lá com uma folha de A4 impressa, arrumadinha, é bem verdade, e com 12 reais a menos no minguado patrimônio. Até aqui, ele é mais um desempregado na região metropolitana de Salvador, mas até o final da história de dramas, tragédias e gargalhadas involuntárias, seu Roque vai ganhar sobrenome, empatia, um rascunho de biografia com rápidos capítulos, até algumas explicações. E talvez você se sinta mal por um dia ter dado um não a seu Roque ou alguém que se assemelhe. Seu portifólio é uma apresentação padronizada como a de milhares de Roques e Marias, que saem levando em envelopes pardos, todos os dias, do subúrbio em

direção ao centro da metrópole, o Eldorado das carteiras assinadas. No cabeçalho, ao lado de onde se lê Roque Nilson dos Santos, a foto 3x4 dele, um candidato a vigilante, zelador, no máximo porteiro de prédio, que apresenta como objetivo de emprego uma ementa que bem poderia estar na proposta de um concorrente no reality show O Aprendiz, de Roberto Justus (que se seu Roque conhecesse certamente diria que é um dotô de cabelo arrumado mesmo achando o cont rár io ) : “Contribuir com as empresas que busquem um profissional dinâmico e dedicado à prática de produzir soluções ágeis e seguras e que esteja apto a cumprir metas e objetivos, enfrentando e vencendo novos desafios”. Fora da estatística - Apesar das notícias divulgadas no final de 2009 de redução histórica no nível de desemprego da Região Metropolitana de Salvador, seu

Roque continua à margem. Pouco importa se a pesquisa da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia indica que desde 1996 nunca tanta gente esteve empregada na capital. Ainda assim, 17,8% da população sofrem pela falta de oportunidade. Significa que a cada seis pessoas em idade economicamente ativa uma não tem serviço, nem mesmo temporário, ou biscate, ou algo que garanta o mínimo de renda. Seu Roque está ali na frente, bem mais palpável que uma estatística, precisando de uma ocupação de meio turno que pague o transporte e a comida do dia seguinte, já que o almoço foi garantido na casa de uma patroa. Mais por misericórdia do que necessidade, ele ganha um lugar para fazer uma faxina que tentou em seu próprio aspecto. Há quase 18 horas, não sabe o que é banho, desde quando ontem pagou dois reais pelo corte de cabelo e para fazer a barba de forma impecável. Colocou uma calça surrada, mas de modelo tradicional, e uma camisa de botão. Saiu com uma mala pouco maior do que uma pochete decidido a trazer dentro dela o crachá de funcionário ainda com o nome PROVISÓRIO. Mais de outras 20 vinte vezes partiu da casa de número 5, na rua da Camboja, em Ilha Amarela, um bairro suburbano na divisa de Salvador com Simões Filho, com a mesma determinação. Voltou à noite, cheio de avisos para aguardar uns 15 dias. Todo dia sempre igual - Desta vez, percorreu a Pituba inteira, desceu até o Rio Vermelho e Amaralina e ainda teve fôlego para chegar na Avenida Vasco da Gama em apenas uma manhã, sem direito a almoço. O mais próximo de um sim que ouviu foi: “contratamos um no último dia 7, mas pode deixar seu currículo aí”. E pela 14ª vez em uma manhã, depositou o currículo feito na Lan House. “Pensei em ir na prefeitura também, mas dizem que esse negócio de carta de vereador ninguém está mesmo olhando nas empresas”, resume, com a voz trêmula de quem se envergonha de incomodar o outro com a própria fala. Chegar ao nível de um pedido é um esforço que franze a testa, encolhe a caixa torácica e vai expulso

como uma tosse: ufa, ainda bem que saiu de mim esse desejo e agora cabe a você se envergonhar de dizer não.Seu Roque não sabe o que é twitter e nem esta revista gostaria de fazer qualquer pegadinha a respeito. Provavelmente, na primeira vez em que alguém lhe perguntar o que seja, ele vai responder com o ar magnânimo de um guru acostumado a lavar carro duas ou três vezes por semana: ô meu patrão, é aquela caixinha de som que fica na táubua do porta-malas. Seu Roque também não imagina o que seja uma balada, desconhece o significado de aquecimento global, nunca ouviu falar de camada Pré-Sal e não lembra em quem votou nas últimas eleições para deputado. Nessas questões políticas, ele torce muito pelo presidente dos Estados Unidos, negão como a gente, seu Barata Obama. Certa vez, fingiu muito mal gostar de uma quesadilla mexicana, recheada com o melhor queijo brie, peito de peru e salada. Mastigou um pouco, disfarçou a saída e cuspiu toda a garfada antes de voltar ao bom, velho e de sabor seguro feijão com farinha. Enquanto o fígado de seu Roque aceita velhas e novas experiências, o estômago parece não muito confortável com inovações.E para que tudo não fique concentrado apenas no sentido do paladar, tem a questão da audição de seu Roque, que não é das melhores assim como o olfato. Ou ele não ouve perfeitamente ou é possuidor de uma capacidade invejável de sublimar experiências auditivas constrangedoras. Qualquer pessoa que se dirija a ele com uma pergunta, ele responde com o sorriso sem vida e o constante: sim, meu patrão. Do mesmo jeito que se atacarem com um xingamento, ele reage da mesma forma, ou se avisarem que ele é vítima de um sequestro, ou que o Bahia foi campeão, ou que o bolsa-família foi cortado, ou que seu tataravô era embaixador da Namíbia, ou que ele ganhou na mega-sena. Tudo vem acompanhado do mesmo riso desprovido de substância e o “sim, meu patrão'.

PABLO REIS

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[Perfil]

12 Seu Roque | Janeiro 2010

Dor de amor - Seu Roque ultimamente padece de uma desilusão amorosa, mas é quase certo que este termo se aplique melhor ao sentimento da ex-mulher dele, que resolveu sair de casa depois de tentar, sem sucesso, ser mais que a outra. Por um bom tempo, ela até aguentou a humilhação de estar em segundo plano, de ver o pai de seus filhos entregue às perturbações de uma destruidora de lares. A esposa suportou uns bons anos, mas há seis meses deixou a casa e de sua boca praticamente saiu um “ou ela, ou eu”. A decisão ficou pra seu Roque, que até o momento está mais para o “ela”. O matrimônio, é bem verdade, não foi abalado por alguma mulata vaporosa da Ilha Amarela, ou aquele tipo de Lolita em trajes mínimos de sugerir marca de biquíni que se transforma na paixão para a vida toda durante 90 dias. “Ela” é o modo de se referir à bebida, a companheira que se

tornou a traição na vida de seu Roque, com sua sedução a goladas e aquela saudade implacável que bate de tempos em tempo. Contado desse jeito, até parece que seu Roque fez uma escolha, optou pela boemia contra os deveres de provedor da casa. Mas conversando com ele dá para perceber que não foi bem uma decisão, mas uma imposição psicológica e orgânica. “Meu patrão, eu te digo, semana que vem vou chegar aqui normal, dizendo ao senhor, estou em ordem para trabalhar”, promete, com uma voz meio vacilante, meio tiririca. E a promessa vale apenas até a semana que vem quando ele encontrar com algum porteiro de prédio, zelador, que ignorando ser uma má influência vá convidá-lo para dividir duas cervejas ou comprar um par de cigarros (“um meu e um seu”).Enquanto isso, vai ficando mais distante o retorno da esposa, que deixou claro que uma casa com cheiro de refluxo azedo de aguardente em estômago vazio (apesar de ser um estado gasoso) não tem espaço para ela. “Não é que eu seja apaixonado, mas é que desde que ela foi embora eu já não sou o mesmo”, resmunga, para depois ouvir que ele precisa dar a volta por cima e se recuperar antes de qualquer tentativa de reconciliação. Paralisia social - Seu Roque é um cidadão sem voz na selva de pedra. E muitas vezes essa constatação obedece a critérios literais. Como outro dia em que entrou na área de serviço da casa de uma cliente apenas para pegar alguns baldes, esponjas e flanelas para lavar o carro da vítima e em poucos minutos de solidão, distração e gafes, conseguiu soltar a pedra de granito que servia como estante da mulher e ficar um tempo maior do que a ação de um lava-jato segurando a peça de 20 quilos, imóvel,

impassível e – o que é pior – totalmente aterrorizado. E ali ficaria pelas horas derradeiras da tarde, entraria a noite e amanheceria na mesma posição até que desmaiasse de desnutrição, ou que deixasse a pedra cair em função do delirium tremens – o que acontecesse primeiro. Só que uns 20 minutos depois a dona ficou incomodada com o silêncio e a aparente calmaria e resolveu checar a situação, encontrando a seguinte cena: um homem de perfil, gotejando suor pela testa, olho fixo em um suporte de metal entortado, se tremendo do crânio até os metatarsos, passando por pescoço, omoplata, úmero e mãos, tentando equilibrar dois baldes de roupa suja, uma máquina de costura relíquia da família, um pacote de 15 quilos de ração pra cachorro e um estojo com alguns pregadores de roupa e com a aparência aflita de quem pensa: Meu Deus do céu, por que eu fui sair de casa hoje? “Ô, dona Lídis, o negócio desmontou sozinho”. “Seu ROQUEEEEE, que inferno é esse... você vai destruir minha máquina de costura”. Esse seria o retorno profissional de seu Roque, depois de três dias internado no Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce. Ele se recusou a entrar em detalhes sobre o motivo da baixa médica, mas os convivas sugerem que o corpo de nenhum ser humano resistiria mais tempo apenas movido a combustível de alta octanagem. Resumindo, se seu Roque fosse um carro, seria um modelo popular de carroceria bem maltratada, precisando fazer uma revisão periódica e, assim, como no automóvel, do filtro de óleo arrasado, o fígado dele precisando de uma limpeza, uma descarbonização, uma purificação ou qualquer outro procedimento revitalizador. Fala, Roque - Na reincidência de paciente de uma moléstia indeterminada – um mal que não ousa dizer o nome -, retornou do PAM de Roma ontem para receber o celular pedido como recompensa pela cessão de direitos de imagem. A figura de seu Roque em uma revista de circulação mínima vale um telefone doado pelo terapeuta Moacir

Alberto Oliveira, quando muito 20 reais em créditos e um novo chip. Toma, seu Roque, o instrumento de conexão com o mundo civilizado. Receba, com os votos de que ali vai chegar o sinal para a inserção no mercado de trabalho. Quando o 9118-7844 tocar pode não ser engano, pode ser uma chamada para a nova vida. Pode ser o chamado. E se isso ainda não aconteceu, ele vai seguindo diariamente do subúrbio para a cidade, driblando “a outra”, em busca de uma ocupação. Assim como o tempo, seu Roque não pára.

profissional dinâmico e dedicado à prática de produzir soluções ágeis e seguras

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Escolhendo as uvasSeja um Sommelier Se a bebida mais cara que você tomou na vida foi uma Skol Beats, está na hora de esquecer o São Jorge, Dom Bosco e Country Wine, para adentrar ao mundo dos taninos, aromas, cores e estrutura.Em primeiro lugar, aprenda que gente chique não gosta de vinho doce. Escolha sempre os vinhos secos e nunca use copo de requeijão. Uma das características essenciais para um vinho ser considerado bom é o equilíbrio entre o nível de acidez e o grau alcoólico, mas essa é uma descoberta que você só conseguirá fazer depois da segunda garrafa, pouco antes do sal de frutas.Outro detalhe importante é saber que carvalho, além do nome do gerente do seu banco, é o nome da madeira onde o vinho é fermentado, em barris. É mais ou menos o mesmo p r o c e s s o d o g u a r a n á Antarctica, que depois do uso das garrafas de plástico ficou com gosto de bolinha de sabão.Quando se trata de vinho, uva é como embalagem de Tang, pode ter gosto de framboesas, morangos, amoras, groselhas, ameixas, cerejas, figos, passas, maçãs, melão, maracujá, avelãs, amêndoas, chocolate derretido, e até feijão verde. No início você não vai sentir diferença nenhuma, mas pelo menos é o que dizem. Não se preocupe em sentir, diga também!

ApresentaçãoSabemos que sua vontade é dar logo o primeiro gole, da mesma forma que vira a cerveja geladinha depois do baba, mas quando se trata de vinhos é preciso um pouco mais de desenvolvimento espiritual. Fique olhando para a bebida por alguns instantes, como se estivesse procurando alguma traça escondida no fundo do copo. Segure a taça pela base ou haste (sem levantar o dedo mindinho!), inclinando-a para a frente num ângulo de 45° permaneça admirando a coloração, agitando o líquido suavemente com gestos circulares.

AromaEssa parte os especialista chamam de “apreciar o bouquet”, mas não se assuste, pois não é nada que vá afetar sua masculinidade. Coloque o nariz delicadamente na parte inferior da abertura do copo e respire devagar durante três ou quatro segundos. Repita este processo duas ou três vezes.

Paladar Dê apenas um gole pequeno e espalhe suavemente pela boca, como se fosse um antiséptico bucal. Demore um pouquinho para engolir. Faça um mistério para impressionar e exclame “excepcional!”.

DA REDAÇÃO

Cabernet SauvignonEste não é o nome da mais recente bactéria descoberta pelo Hospital Sick Children, na Canadá, mas sim uma uva de origem francesa. Para decorar: “Bastante denso e inebriante, principalmente se for um chileno”.

Carmenère Uva cultivada no Chile, usada para vinhos de corte e varietais. Para decorar: “Dizem que parece a Merlot, mas eu particularmente sinto os taninos mais macios”.

Shiraz Quando quiser experimentar um vinho forte, escuro e com um elevado grau de álcool, escolha esse rótulo. Pa ra d e c o ra r : “ B a s t a n t e e n c o r p a d o e a r o m á t i c o . Envelhecido de forma sublime. Um verdadeiro clássico”

Pinot Noir Requer requisitos específicos para o cultivo, como o clima frio e úm ido . Po s su i uma pe le extremamente fina e é bastante uti l izada na produção de espumantes. Pronuncia-se mais ou menos como o nome artístico daquele seu vizinho esquisitão: pinô noar.Para decorar: “Esta uva é tão delicada quanto você”.

MerlotUva muito utilizada para suavizar vinhos mais compostos e ásperos. Para decorar: “Que vinho suave! Este tem menos tanino que a Cabernet Sauvignon”.

Malbec Uva característica dos vinhos produzidos na Argentina. Possui a cor escura, densa e com aromas florais. Para decorar: “Bastante tânica, só podia ser coisa de argentino” (fazendo uma aparência de ironia, mas demonstrando que é superior a bairrismos mesquinhos)

Tannat Uva do sudoeste da França. Para decorar: “É impressão minha ou sinto um perfume de amora e framboesa?”

14 Seu Roque | Janeiro 2010

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[Frase de caminhão] POR TONHO DE AMORZINHO

Mulher pintada pra mim é jaguatirica

E não adianta nem ficar se inchando com as coisas que digo. Não é que eu seja ignorante, mas fico impaciente com homem que não consegue se impor na própria casa. A culpa é dele que não consegue educar. Começa assim, daqui a pouco já quer almoçar antes do marido chegar, ou até mesmo ficar conversando com amiga no telefone. Eu sou do tipo que mulher precisa de três coisas: regra, disciplina e um lar para chamar de seu e tomar conta. Por isso que lá em casa, Isaurinha jamais pegou em controle remoto. Outro dia, ela veio com uma insinuação de que Jussara (uma terrorista que se acha senhora de direitos) tinha rejuvenescido 15 anos com uns produtos da Avon. Eu só precisei olhar para ela de lado, levantar o copo pra ela encher de cerveja e aumentar o volume da TV. Ela entendeu que na minha casa não entram dessas coisas.Não entendo como Barbosa ainda permite que a mulher passe batom pra ir na feira. E parece que de uns tempos pra cá ainda inventaram três ou quatro coisas para passar em olho, bochecha, sobrancelha. Daqui a pouco é capaz de ter até argola pra nariz. Uma vez aí peguei minha patroa passando Leite de Rosas e creme na mão antes de uma missa e tomei a atitude que qualquer macho de respeito temente ao

Senhor teria: mandei ela tomar um banho frio com sabão de coco e rezar 30 terços, além de ficar 90 dias sem ir na igreja. Acho que Deus concordou comigo que aquilo poderia virar um abuso. Mulher pintada me lembra a época de estrada. E elas ficavam na rodagem fazendo vida com os colegas do transporte interestadual. Nunca fui fã, mas nas vezes que utilizei ainda desligava a lâmpada da boléia pra não ficar olhando para aquelas caras estampadas.

Portanto, madames, respeitem seus

homens que já te acham originalmente

belas. Reconheçam como eles são

compreensivos permitindo um creme

rinse no cabelo, brincos discretos e

prateados e uma colônia no dia do

aniversário. O resto é coisa das terroristas

que são exibidas e que gostariam de estar

no seu lugar, ao lado de um cidadão de

bem que só exige um pouco de

compostura, uma camisa passada para ir

trabalhar e a cervejinha gelada depois do

expediente. Tudo não passa de acessório

supérfluo, pena pra esconder pé de

pavão. Feijoada pra mim é carne com

feijão, não precisa de couve e nem fatia

de laranja.

Outro dia, Juarez que conserta geladeiras no fim de linha veio reclamar que a mulher tentou pedir para mudar para uma novela do canal 5 bem na hora do futebol. Aí eu que não tenho essas nove horas todas fui logo falando: mas a culpa é sua...

[Ligue Jah ] POR MESTRE DOS MAGOS

16 Seu Roque | Janeiro 2010

Mestre, só você pode me ajudar. Minha mulher tem alguma síndrome que faz ela falar línguas estrangeiras durante o sono. Eu só falo português, mas percebo que ela diz nomes estranhos como creguesmiti, vaitomjonsom, uilirrelme e metestuarti. Que fenômeno seria esse? (Carlos Jamanta, 39 anos, Pau Miúdo)Amigo, há casos documentados de incorporação onírica, em que o médium recebe espíritos que falam idiomas estranhos ao dele. Em mulheres, frequentemente ocorre durante o início da gestação. Recomendo que por seu desconhecimento em línguas estrangeiras, você grave e mostre a um especialista (indico algum professor do CCAA de São Rafael, não vá em nenhum Wizard). Mas ainda não comente com ela. Sobre você ser pai, ainda não vamos às parabenizações. É o caso de saber se a delegação de basquete universitário do Alabama não fez nenhuma turnê em sua cidade, enquanto você estava naqueles 15 dias de confinamento na plataforma da Petrobras. Ah, e como sua esposa é apreciadora de línguas estrangeiras, convém o professor do CCAA não ficar muito íntimo da família.

Mestre, sou fã de Cláudia Leitte, o que

posso fazer? (Jaiminho, 19 anos, Costa Azul)Jovem Jaime, percebe-se uma angústia e um confl ito tênues, porém insuportáveis em suas palavras. Você parece não ver problemas graves em seu comportamento, ao tempo em que deve sofrer represálias públicas por sua atitude. Não se desespere, já que muita gente boa passou por isso, incluindo Leonardo Pareja, Hitler e Michael Jackson. Não é propriamente uma questão de se curar, mas de entender os motivos que te levam a buscar esse refúgio: abuso sexual, varíola ou oxiúros na infância? Resumindo, se você não tem grandes dilemas para agüentar 80 quilos nas costas, por que precisa ficar tão inquieto só pelo fato de gostar de ouvir “lirirrixá, timbaleiro...” Ah, agora lembrei o porquê. Respondendo sua pergunta, o lugar bom pra você seria Avenida Prof. Edgard Santos, s/n°,

Creguesmiti, Vaitomjonsom, Uilirrelme e Metestuarti

Tire suas dúvidas com o Mestre dos Magos.As perguntas devem ser encaminhadas [email protected]

“Não se desespere, já que muita gente boa passou por

isso, incluindo Leonardo Pareja, Hitler e Michael

Jackson”

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[La Pensée Sauvage] POR LEVI... QUE NÃO É STRAUSS

“Estamos deixando de ser nós mesmos pra nos tornarmos

clones da personificação de nós mesmos”

O que é que a baiana tinhaEra apoteótica a imagem das baianas cheias de cor, frutas, brilhos e cabelos. Era. Um triste exemplo disso é Ildi Silva, baiana dos sonhos de qualquer músico que queira falar da beleza.Continua linda, mas já não tem a vasta cabeleira encaracolada. Como diria Caetano: “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”... História ela tem, foi modelo, hoje atriz. De beleza apoteótica. Mas os cabelos...Talvez a culpa seja da mídia, que sempre enfoca os cabelos lisos como o padrão.Mesmo em tempo de moda dos cabelos encaracolados, sempre haverá aquela que vai se destacar com cabelos lisos. Sem contar as magras anoréxicas que são apenas cabide de roupa.Viva a mulher de verdade, com carne e cabelos. Essa é a verdadeira baiana sempre cantada dentro e fora do Brasil.Tenho orgulho das baianas comuns do dia a dia, que passam, olham, jogam charme e respondem com frescor a essa pergunta: “O que é que a baiana

tem?” Só o baiano sabe.

Ser ou não ser, eis a confusãoNesses tempos globalizados, em que a informação modifica às vezes a realidade, dependendo de quem passa a informação, estamos perdendo nossa originalidade. Estamos deixando de ser nós mesmos pra nos tornarmos clones da personificação de nós mesmos.Se já não nos bastasse os jargões, que desconstroem a linguagem regional, agora perdemos o estilo regional. Foi-se o tempo em que se identificava uma pessoa pelo seu jeito de ser, de falar, de vestir. Nesse caldeirão todos são r i d i cu lamente i gua i s , apenas mostrando diferença naquilo que seria considerado negativo, que causaria o desconforto.O sotaque é um deles, na televisão quem tem sotaque é normalmente alguém com características duvidosas. Nordestino é quem mais sofre, sempre são representados por personagens ruins ou toscos. As piores prostitutas são de Salvador, a “bichas” são de Salvador,

os ignorantes são de Salvador. Esses mesmos personagens quando vindos de outras regiões do Brasil têm estilo: a prostitua é garota de programa, a bicha é homossexual e o ignorante, quando existe fora da Bahia, torna-se qualquer coisa no fim, menos ignorante. No final das contas, o que deveria proporcionar informação, simplesmente está tornado a mesma como ferramenta de emburrecimento.Da próxima vez que for ao salão de beleza preste atenção no que vai pedir, que não seja aquele corte da novela das 20 horas.

E o poder vai para...Criamos leis e deixamos os políticos comandarem para que seja fracionado o poder, mas quando esse poder passa pras mãos dos funcionários públicos isso muda de figura. Ou não. Quando esses funcionários trabalham no trânsito é pior ainda. Nas ruas ou fora delas a função desses funcionários é criar um ambiente saudável pra todos, com segurança, respeito e justiça. Essa ultima é a mais complicada.As multas de transito hoje são um caos. Sabe-se de casos que até carros estacionados foram multados por passar em sinal vermelho, ou por infrações criadas em bairros distantes um do outro, na mesma hora.Como isso? Na Transalvador. Basta sair na foto que qualquer cidadão é multado (pelo menos se o dito não for ninguém alem de cidadão).Antes, quando ainda se chamava SET, houve uma greve, e o que se esperava era que Salvador parasse. Ledo engano. Não houve engarrafamento em Salvador nesse dia.Outra coisa interessante que ninguém nunca vai saber é quem, pelo amor de

Deus, decide quem vai ser multado e pelo quê, numa foto com vários carros? Como a “pessoa” que decide não deve gostar de escolher, coloca todos para serem multados. E não aceitam reclamação. O que mostra que poder e justiça não convivem bem.

Será mesmo?Sempre que se argumenta algo sobre bairros periféricos ouve-se falar de sujeira, desorganização e mau cheiro. A culpa sempre cai nos mesmos motivos: educação, infra-estrutura e higiene.Mas a mais feia delas não acontece nos bairros periféricos, e sim nos bairros chamados nobres. Um deles, tão bem falado, é o Corredor da Vitória, morada dos ricos de berço até os novos ricos.E a culpa nesse caso é o respeito, ou melhor, falta de respeito. Talvez por morar perto do céu, não se preocupam tanto com quem passa na rua.Já não sei o que sinto mais ao passar por esse corredor, se é o mau cheiro de cocô, dos belos cãezinhos ou o lixo mal colocado, estrategicamente. Me assombro ao constatar que nesse corredor não falta educação, infra-estrutura ou higiene - palavras tão bem ut i l i zadas nos ba i r ros periféricos.

Pêra, uva, maçã ou salada mista?

18 Seu Roque | Janeiro 2010

Page 11: Revista Seu Roque edicao 1

[Entrevista]

“No Natal ganhei duas cestas básicas”

20 Seu Roque | Janeiro 2010

Ele desconhece a teor ia da invisibilidade, mas certamente serviria de exemplo para dissertações a c a d ê m i c a s . C o m 7 7 a n o s , inconformado com a miséria de uma a p o s e n t a d o r i a , p e r c o r r e 6 0 quilômetros por dia para conseguir o extra da sobrevivência. Diariamente, ele sai com o carrinho para carregar frutas tentando voltar para casa com 25 quilos de jornal, vendidos em uma funerária por R$10. Para conseguir o valor que não daria para comprar a promoção do Big Mac, ele precisa fazer o corpo encurvado de 55 quilos e 1,52m suar. Pega um ou mais ônibus de Itinga, em Lauro de Freitas, até a Pituba, onde vai recolhendo com os porteiros de prédios todo o resíduo leituras

passadas dos moradores. Seu Evaristo é daqueles que recicla notícia velha em alimento novo. Volta puxando o carrinho de alumínio com rodas empenadas que ele pagou R$5 para consertar, um fardo literal para um quase octagenário, que se dá folga apenas aos domingos, dedicados a uma das poucas alegrias: engolir 51 sem misturar com nada. Com muita dificuldade auditiva e um esforço extremo para superar a surdez, seu Evaristo tentou responder a todas as perguntas em quase 30 minutos de entrevista no trajeto da Pituba até em casa. Falou tudo no banco de carona do carro, com a visível sensação de desconfiança de quem não está acostumado a boa vontade ou gentilezas gratuitas. O que não falta é gente para ignorar seu Evaristo.

Entra no carro...

Revista Seu Roque - Pra onde o senhor vai, Seu Evaristo?Seu Evaristo - Vou pra Itinga.

O senhor vem todos os dias pegar jornal na Pituba e vai até Itinga carregando esse peso todo?Sim. Em Itinga não tem jornal. Já sou conhecido nos ônibus. Os motoristas nem pedem mais meu cartão.

Me conte sua vida. O senhor é casado?Sou viúvo. Minha mulher morreu com 76 anos. Não pôde operar de um negócio que nasceu no fígado. Casei no fórum, cinco horas da tarde. Ela era filha de Santo Antônio de Jesus. E eu, de Amargosa.

Tem filhos?Sou pai de sete filhos, dois morreram. A única filha que fica em minha casa é uma que não deu sorte com marido. Ela trabalha na Pituba também. Eles querem é que eu morra para ficar com que é meu. Minha aposentadoria da Caixa Econômica de Itapuã. Tenho uma neta que casou com um paulista, ele tirou ela do emprego.

O senhor trabalhava com o quê?Eu era pedreiro. Em 1958, fiz o conjunto IAPI. Construí muitos prédios na Barra e na Piedade.

Como é sua rotina?Levanto 5h, varro tudo, quando não tá chovendo, molho minhas plantas e vou catar jornal.

Onde o senhor almoça?Como lá no Popular, no Comércio. Ontem foi xinxim de bofe, anteontem foi frango. Lá é bom, mas tem gente que ainda fala mal da comida. É só R$1. O pessoal que anda de muleta o elevador leva até o primeiro andar.

E a saúde? Como vai?

Tô bem. Tô com os dentes aqui pra cair, mas ainda tomo uma e como farinha seca. Tomo todo dia limão com mel e 51. Compro 40 limão (sic) por um real, em São Joaquim, a partir das quatro horas da tarde. Hoje não pode entrar porque é festa do Bonfim.

O senhor torce pra que time?Eu torcia pro Ypiranga, faliu, agora sou Bahia. Lá em Itinga tem campo de bola já. Eu jogava todo sábado, no quintal, quando morava no Largo Dois de Julho.

Gosta de televisão?Gosto! Assisto todo dia o jornal da manhã e da noite. [canta] “A gente vai se ver na Globo” (risos). Também gosto de Globo Rural.

E de política?Votei em Lula e Moema [prefeita de Lauro de Freitas]. Lula é trabalhador, tomava café com farinha para trabalhar. [muda de assunto para falar de sua mais nova descoberta no porto de Salvador] Você viu o tamanho do novo navio? Vai como daqui na Boca do Rio...

Teoria da invisibilidade

Page 12: Revista Seu Roque edicao 1

[Teste de DNA]

22 Seu Roque | Janeiro 2010

Malu (professora)

Gisele Bündchen (modelo)

Daúde (cantora)

Scheila Carvalho (ex dançarina)

O senhor tem amigos?Tenho. O Barão da Casa Moura, Seu Pedro e Seu Gerson. Também Doutor Henrique. Ele tem 86 anos e me deu R$40 da última vez que fui visitar ele. Todo dia de manhã, eu pegava a correspondência e o jornal. Ele só ia no sanitário lendo jornal. Agora ele mora na Praça Nossa Senhora da Luz. Mas a casa dele depois virou o Hotel Democrata.

O Hotel Democrata foi fechado... É uma coisa errada.

O senhor é cristão?Sou católico. Vou na igreja Nossa Senhora da Luz, na Pituba. E em Nossa Senhora de Fátima, em Itinga. Sou devoto de santa Bárbara, São Jerônimo, São Gentio e São Cristóvão, mas minha família toda é crente.

[próximo a Itapuã, murmura sozinho] Que sorte! Deus é pai.

O que foi, seu Evaristo?Eu ia chegar mais de quatro horas em Itinga. Você pode me deixar no posto de Itinga, para não gastar a gasolina. Gasolina tá cara, né?

Que nada, Seu Evaristo...

No Natal ganhei duas cestas básicas de uma moça.

Legal...

O que é entrevista? Vão fazer uma entrevista comigo lá no Bar de Sérgio. A moça do apartamento 302.

[GPS ]Seu Roque

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Se você é ouvinte da rádio Metrópole e por alguns instantes escutou “Eu não tô nem aí pro que vão falar, eu não tô nem aí pro que vão dizer” e pensou que fosse a resposta da barata ao jingle da Astral, engana-se. Trata-se da mais recente obra prima da música baiana, “cantada” pelo amigo de Daniela Mercury, Márcio Mello. Numa entrevista para o jornal do mesmo grupo, o próprio afirma “Velho, não dá para ouvir rádio em Salvador!”. Não tente imitá-lo após as refeições!

Sinais do Apocalipse