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A CONTRATAÇÃO DIRETA DAS PARCERIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO
(PDPs) COMO INSTRUMENTO DE ALAVANCAGEM DO PROGRAMA DO .
~
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAUDE - PROCIS
ALÉCIA PAOLUCCI NOGUEIRA BICALHO
Advogada consultora de entidades públicas e privadas em contratações públicas,
infraestrutura e regulatório.
PARTE I
Introdução
Desde a edição da Lei 12.349/10, que inseriu o desenvolvimento nacional sustentável entre os princípios da licitação, iniciou-se uma assertiva atuação legislativa e governamental na implementação de políticas públicas essenciais à realização do princípio tutelado.
Inaugurou-se, então, franca produção de normas com vistas à efetivação dos princípios constitucionais que constituem o pano de fundo de tais ações de Governo - o desenvolvimento tecnológico e o fomento ao mercado interno - tendo por destinatários os diversos setores produtivos da economia nacional.
Os efeitos que irradiam de tais princípios geram as bases de um novo cenário que alcança as contratações públicas nas vertentes do desenvolvimento e da autosustentabilidade tecnológica do país.
Nesse contexto, especificamente as políticas nacionais relacionadas à saúde pública tiveram seu desenvolvimento produtivo potencializado a partir de então.
É o que se observa, num primeiro momento, do teor da Portaria 837, de 18 de abril de 2012, do Ministério da Saúde, que definiu as diretrizes e os critérios para o estabelecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) visando à implantação do Programa denominado Complexo Industrial da Saúde - PROCIS.
NEGÓciOS PúBucoS . março 2015 55
O estabelecimento dessas parcerias passou a constituir um dos principais focos do esforço governamental, como se observou, em linha procedimental, num segundo momento, pela inserção de nova hipótese de dispensa de licitação para as contratações de transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde- SUS. O inciso XXXII foi inserido no art. 24 da Lei de Licitações pela Lei 12.715, de 17 de setembro de 2012, resultante da conversão da Medida Provisória 563, de 2012[1].
[1] Foram muitas e acirradas as discussões parlamenta
res em torno da Medida Provisória 563, de 2012, que versou
sobre temas relacionados ao Programa Brasil Maior, trazendo
medidas de estímulo à indústria e fomento a setores diver-
sificados da economia. Entre as 183 emendas apresentadas à
referida MP 563-A de 2012, o Projeto de Lei de Conversão
18/2012 - aprovado pelo Senado e encaminhado à sanção
presidencial - alterou o dispositivo indicado, da LNL. Mas
os debates em torno da constitucionalidade do artigo 73 da
Medida Provisória 563-A/2012 foram superados com a san
ção presidencial e subsequente conversão do PLV 18/2012 na
Lei 12.715/12. A ausência de exposição de motivos sobre o
referido artigo 73 - reclamada pelas críticas da oposição ao
Deputado Romero Jucá - terá sido justificada pelo conteúdo
da manifestação do DD. Secretário de Ciência e Tecnologia
do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, em resposta às ques
tões apresentadas sobre o tema em matéria publicada no Jornal
O Globo de 12/08/12, na Coluna de Elio Gaspari: Em pri
meiro lugar, cabe destacar que o Artigo 73 da MP 563 para
a saúde se insere na estratégia do Brasil Maior para estimular
a tecnologia, a renda e o emprego no contexto da crise inter
nacional. A área de saúde é das mais importantes do ponto
de vista econômico [ .. .]. O Brasil tem significativa dependên
cia na saúde e quanto mais o sistema se universaliza para in
cluir toda população, como na Farmácia Popular, mais o País
depende de importações, deixando de gerar conhecimento,
renda e emprego qualificado no País. [ ... ] É para contribuir
para a superação desta situação que se insere o artigo 73 da
Medida Provisória 563 aprovada no Congresso Nacional que
56 N EGócroS PúBLic oS . março 2015
Identificou-se aí mais uma ferramenta legislativa de apoio à viabilidade e agilidade da implantação do PROCIS, com a nítida finalidade de alavancar suas ações no beneficiamento e aceleração do processo de auto-sustentabilidade da indústria farmacêutica nacional.
A regulamentação veio no Decreto 7.807, de mesma data, cujo artigo 1° ratifica o fluxo decisório da definição, pela direção nacional do SUS, dos produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde, em conformidade com as recomendações do G ECIS - Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde, criado pelo Decreto de 12 de maio de 2008.
Em recente Seminário realizado em São Paulo, em 26 de setembro último, promovido pelo Comitê da Cadeia Produtiva da Bioindústria (BioBrasil) e pelo Comitê da Saúde (Comsaúde) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ministro da Saúde, Arthur Chioro, apresentou um balanço das propostas para as PDPs. Segundo os dados abordados, o Ministério tem hoje 104 parcerias em vigor, envolvendo 19laboratórios públicos e 57 priva-
altera o artigo 24 da Lei 8666 para estimular a produção no
País, envolvendo os produtores públicos e viabilizando as par
cerias com o setor privado. Hoje a saúde constitui o caso mais
bem sucedido de parcerias na área industrial para viabilizar a
produção e a inovação no País, aliando produção nacional, re
dução de preços e desenvolvimento tecnológico local (34 par
cerias com economia estimada em RS 1,7 bilhões no gasto pú
blico e redução esperada no déficit de US 1 bilhão, envolvendo
empresas privadas nacionais e estrangeiras em parceria com
instituições públicas produtoras). (Carlos Gadelha responde
Elio Gaspari sobre MP 563 em <http://blogsaudebrasil.com.
br/2012/08/18>, acesso em 29/09/12).
dos, com potencial de geração de economia na ordem de R$ 4,1 bilhões por ano[2l .
Também recentemente o Ministério divulgou a Consulta Pública 8, de 13 de agosto deste ano, disponibilizando a minuta de nova Portaria que deverá substituir a Portaria 3.089/GM/MS[3l,
destinada a constituir o novo marco regulatório na gestão dos acordos firmados entre o setor público e a iniciativa privada, para as' transferências de tecnologia; fortalecer seu monitoramento pelo governo federal; e definir prazos para as empresas apresentarem as propostas.
Marco regulatório do Complexo Industrial da Saúde O desenvolvimento científico e tecnológico, e o fomento do mercado interno, previstos nos artigos 3°, inciso II, 218 e 219 da Constituição Federal, inserem-se entre os princípios estruturais da República mais vigorosamente prestigiados na atualidade e francamente postos em
[2] Em sua exposição, o Ministro Arthur Chioro res-
saltou que o Brasil tem o desafio .de garantir o acesso da po
pulação a medicamentos e equipamentos médicos hospitalares
pelo SUS e' via parcerias com o setor privado: Ainda temos
uma dependência muito grande do exterior para aquisição
desses produtos. Com o objetivo de minimizar essa situação,
o governo federal está fazendo grande esforço para firmar par
cerias com laboratórios públicos e privados. Nossa ideia é que
o Brasil produza e domine as tecnologias e utilize o poder de
compra pública. http://portalsaude.saude.gov.brlindex.php/
cidadao/principal/agencia-saude/14834-ministro-da- saude
- apresenta -parcerias-de- desenvolvimento-produ ti v o-para-
-empresarios2, acesso em 10/10/2014.
[3] Redefine a lista de produtos estratégicos para o
Sistema Único de Saúde (SUS), e as respectivas regras para
sua definição.
movimento por políticas públicas setoriais objeto de marco regulatório específico[4l .
Entre os instrumentos de realização de tais políticas públicas exsurgem as contratações do Poder Público. Há muito o instituto da licitação e os contratos administrativos deixaram de corporificar meros meios de obtenção de produtos e serviços pela Administração Pública -- cujo poder de compra funciona, num espectro mais amplo, como legítimo instrumento de desenvolvimento e regulação de mercado. [SJ
[4] Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: [ .. . ] II - garantir o desenvolvi
mento nacional; Art. 218. O Estado promoverá e incentivará
o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecno
lógicas. § 1° - A pesquisa científica básica receberá tratamento
prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o pro
gresso das ciências. § 2° - A pesquisa tecnológica voltar-se-á
preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros
e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e re
gional. § 3° - O Estado apoiará a formação de recursos huma
nos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos
que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4° - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em
pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e
aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem
sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, des
vinculada do salário, participação nos ganhos econômicos re
sultantes da produtividade de seu trabalho. § So - É facultado
aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua recei
ta orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à
pesquisa científica e tecnológica. Art. 219. O mercado interno
integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a
viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o
bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País,
nos termos de lei federal.
[5] No iimbito do Complexo Industrial da· Saúde esta
realidade foi reconhecida textualmente na regulamentação
- Portaria 374/08 do Ministério da Saúde, Art. 4° As di
retrizes estabelecidas para o Programa Nacional de Fomento
NEGÓciOS PúsucoS . março 2015 57
Em nível legislativo, a efetivação do comando constitucional - de desenvolvimento, fortalecimento e auto-sustentabilidade da indústria nacional - recebeu consistente impulso, como dito, na firme atuação do legislador infraconstitucional, pela Lei 12.349/10, regulamentada pelo Decreto 7.546 de 02/08/11, que alterou o art. 3° da Lei 8.666/93 para introduzir entre os princípios da licitação a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (caput), e :fixar margens de preferência aos produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras, e resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país (parágrafos 5° a 12 do art. 3° da LNL).
É absolutamente oportuna a observação de Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO sobre a impositividade estatal de cumprimento dos comandos constitucionais, ao afirmar que como a Constituição não contém normas despidas
de ificácia, as normas antes classificadas como me
ramente programáticas efetivamente difinem de
veres, e não meras diretrizes ao Poder Público, o
que já se assentou, em diversas oportunidades, no
Supremo Tribunal Federal.{6]
à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da
Saúde são: I - fortalecer, ampliar e qualificar a participação
dos produtores públicos no Complexo Industrial da Saúde,
de modo a contribuir no processo de transformação da estru
tura produtiva do País, tornando-a compatível com um novo
padrão de consumo em saúde e com novos padrões tecnoló
gicos; [ ... ] VI - utilizar estrategicamente o poder de compra
do Estado na área da saúde em articulação com políticas de
fomento ao desenvolvimento industrial; [ ... ] VIII - propor, no
âmbito do SUS, alterações na legislação de compras de forma a
permitir o uso estratégico do poder de compra do Estado para
produtos inovadores de alta essencialidade para a saúde.
[6] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo e
GARCIA, Flávio Amaral, parecer mimeo, 11/01/11 -
Política Pública. Programa do Complexo Industrial da Saúde.
58 NEGÓCioS PúBLicoS • março 2015
Segundo esta vertente neoconstitucionalista, o texto da Constituição deve ser cumprido, porquanto traduz comandos a serem exercidos no âmbito do poder-dever da boa administração, e não meras diretrizes. Aliás, é nítido, de resto, o viés neoconstitucionalista desenhado - na mesma linha estruturante do PROCIS, na política pública de desestatização e da tutela do desenvolvimento nacional sustentável em busca do bem comum, da melhoria das condições de vida da sociedade.
A implementação da ordem constitucional de desenvolvimento e auto-suficiência científico-tecnológica da indústria nacional no setor de saúde pública foi originariamente concretizada em atuação conjunta dos Ministérios da Saúde e do Planejamento. Com o apoio financeiro do BNDES, os Ministérios instituíram o Programa do Complexo Industrial da Saúde, tendo por objetivo implantar a política pública de redução da dependência do país na tecnologia estrangeira, e de fomento à produção nacional, a baixo custo, de medicamentos considerados essenciais à população.
Em palestra apresentada no Seminário promovido pelo Valor Econômico em março de 2010, Nelson Brasil de Oliveira, então 1° Vice-Presidente da ABIFINA - Associação Brasileira das Indústrias de Qyímica Fina, Biotecnologia e suas Especialidades, abriu sua exposição comentando o processo de desindus-
Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia no País. Parcerias
com o setor privado. Fortalecimento dos laboratórios públicos .
Finalidade pública legítima de reduzir/eliminar a dependên
cia das empresas multinacionais no campo da produção de
medicamentos. Ausência de violação aos princípios que infor
mam a atuação da Administração Pública. Juridicidade da li
citação realizada pelo L aboratório Farmacêutico do Estado de
Pernambuco Miguel Arraes - LAFEPE para a transferência
de tecnologia e segredo industrial na produção de fármacos, p.
12.
trialização no setor, dos anos 90, e noticiando os diagnósticos setoriais elaborados com vistas à construção da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) de forma integrada e transparente, definida em foros de competitividade dos quais fizeram parte agentes econômicos públicos e privados.
O 1° VP da ABIFINA destacou as diretrizes . do Complexo Industrial da Saúde então defi-nido pelo PAC SAÚDE - MAIS SAÚDE -PROGRAMA PARA 2008-2011, tendo por vetor fundamental:
[ ... ] reduzir a vulnerabilidade política social brasileira via fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde, aprofundando objetivos do SUS com a necessária transformação da estrutura produtiva I inovatória, tornando-as compatíveis com um novo padrão de consumo em saúde e com novos padrões tecnológicos. l7l
Reafirmou-se, na ocasião, entre seus destaques, o objetivo de alcançar a transformação da estru
tura produtiva para atingir a auto-sustentabilida
de industrial no setor farmacológico para aumentar
a competitividade em inovações nas empresas e nos
laboratórios oficiais que fabricam produtos para a
área da saúde, tendo por objetivos torná-los capazes
de enfrentar a concorrência global, promovendo um
vigoroso processo de substituição de importações de
produtos e insumos em saúde com maior densidade
tecnológica que atendam às necessidades de saúde.
Tendo tais bases político-institucionais, as origens constitucionais do marco regulatório do Complexo Industrial da Saúde, fixadas a partir dos artigos 196, 197, 198, 200, 218 e 219 da Constituição Federall8l, foram prosseguidas
[7] www.valoronline.com.br - apresentação_abifina,
. acesso em 26/08/11, p. 2.
[8] Disposições constitucionais: O art. 196 institui o
dever de estabelecer políticas públicas sociais e econômicas no
em sede infraconstitucional, a partir da década de 90, com a Lei 8.080/90l9l; e vieram amadurecendo na regulamentação que se seguiu, em especial a Portaria 837/12, a Lei 12.715/12, e, como se anseia, a nova Portaria que deverá resultar da Consulta Pública 8, de agosto de 2014.
O marco regulatório do PROCIS foi fixado em outras normas que se seguiram, trazidas pela Portaria do Ministério da Saúde 374, de 28.02.08 (que instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde- SUS, o Programa Nacional
setor da saúde; o art. 197 considera de relevância pública as
ações e serviços de saúde e atribui ao Poder Público o dever de
implementá-las; o art. 198 institui exceção ao quadro regular
de autonomia político-administrativa na Federação: o sistema
único e hierarquizado da saúde; o art. 200 dispõe sobre a com
petência do sistema único nacional, entre as quais destacam
-se: participar da produção de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos (inciso
I) e incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento
científico e tecnológico (inciso V); o art. 218 dispõe que o
Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico,
a pesquisa e a capacitação tecnológica (caput); que a pesquisa
tecnológica deve voltar-se preponderantemente para a solução
dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do siste
ma produtivo nacional e regional (§ 2°.); e que a lei apoiará e
estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de
tecnologia adequada ao, formação e aperfeiçoamento de seus
recursos humanos, entre outros (§ 4°.).
[9] Dispõe sobre as condições para a promoção, prote
ção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes; o art. 6° inclui no campo de atu
ação do SUS a formulação da política de medicamentos, equi
pamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para
a saúde e a participação na sua produção- L ei 8.080/90, Art.
6°. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema
Único de Saúde (SUS): [ ... ] VI - a formulação da política de
medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insu
mos de interesse para a saúde e a participação na sua produção.
Regulamentada pelo D ecreto 7.508/11.
NEGÓciOS PúBLicoS. março 2015 59
de Fomento à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da Saúde), cujo art. 2° fixa o objetivo do Programa, criado com vistas à auto-suficiência e auto-sustentabilidade tecnológica dos laboratórios públicos:
Art. 2°. O Programa ora instituído tem como objetivo promover o fortalecimento e a modernização do conjunto de laboratórios públicos encarregados da produção de medicamentos e imunobiológicos de relevância estratégica para o Sistema Único de Saúde, por intermédio da ampliação da participação no Complexo Produtivo da Saúde, do aumento da capacidade inovadora e da mudança de patamar competitivo, contribuindo para a redução da defasagem tecnológica existente e o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do País.
Em seu trabalho já citado neste estudo, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO e Flávio Amaral GARCIA sintetizam os objetivos e o conceito político-legislativo do Programa, como segue:
Busca-se, em suma, implantar um novo marco regulatório no setor da saúde pública, com a introdução de novas políticas e estratégias que incentivem à inovação e ao desenvolvimento, no País, de uma base produtiva que viabilize, para a população brasileira, o acesso a esses bens e serviços considerados estratégicos para o setor.
Há, portanto, um claro fortalecimento das forças produtivas da indústria local, com o Estado exercendo o seu papel de indutor do desenvolvimento nacional e viabilizador de um sistema equânime e universal de saúde.
Daí porque foi criado, no âmbito do Ministério da Saúde, por intermédio do mencionado Decreto de 12.05.08, o Grupo Executivo do 'Complexo Industrial da Saúde', com o objetivo de promover medidas
6 O NEGócroS PúBLicoS. março 2015
e ações concretas visando à criação e implementação do marco regulatório referente à estratégia de desenvolvimento do Governo Federal para a área de saúde. (grifos do original). [lO]
Precisamente quanto ao setor de fármacos, a Portaria 374/08 reforça que a almejada autosuficiência tecnológica dos laboratórios públicos deverá ser atingida mediante a formalização de parcerias com o setor privado, por meio da absorção do conhecimento técnico industrial:
Art. 3° Estabelecer que os objetivos específicos do Programa, segundo os segmentos que compõem a produção do conjunto de laboratórios públicos, são:
I - Segmento Farmacêutico:
a) - estimular a internalização da produção de farmoquímicos e medicamentos de maior impacto para o Sistema Único de Saúde;
b) modernizar os Laboratórios Farmacêuticos Oficiais em termos tecnológicos e organizacionais e capacitá-los para estabelecer parcerias com o setor produtivo privado;
Art. 4° As diretrizes estabelecidas para o Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da Saúde são:
VII - promover a articulação entre os produtores públicos e a indústria privada com vistas à realização de ações complementares e sinérgicas em benefício do mercado público de saúde;
A participação da iniciativa privada na execução dos objetivos no setor de saúde já vinha, de resto, prevista no art. 8° da Lei 8.080/90, que dispõe:
[lO] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo e
GARCIA, Flávio Amaral, parecer mimeo, 11/01/11, cit., p.
20.
As ações e serviços de saúde, executados pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada serão organiza
dos de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.
Na sequência da regulamentação, o PROCIS
teve ainda como base regulatória originária:
- Decreto sem número, de 12 de maio de
2008, que criou, no âmbito do Ministério
da Saúde, o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (GECIS);
- Portaria do Ministério da Saúde 978/GM/
MS, de 16 de maio de 2008, que dispôs sobre a lista de produtos estratégicos, no âmbito do
Sistema Único de Saúde- SUS, com a fina
lidade de colaborar com o desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde e instituiu
a Comissão para Revisão e Atualização da referida lista;
- Portariainterministerial128/MPOG/MS/
MCT/MDIC, de 30 de maio de 2008, que estabeleceu Diretrizes para a Contratação Pública de Medicamentos e Fármacos da fa
bricação de medicamentos e fármacos pelo SUS;
Portaria do Ministério da Saúde 3.031/GM/
MS, de 16 de dezembro de 2008, que dispôs
sobre os critérios a serem considerados pelos Laboratórios Oficiais de produção de medicamentos em suas licitações para aquisição de matérias-primas.
Portanto, o objetivo central do Programa é
prover os laboratórios públicos, por meio de transferência de tecnologia[lll com a estrutura
[11] O processo de transferência de tecnologia compre-
ende o simultâneo fornecimento do medicamento que cons-
e o conhecimento tecnológico necessários para a produção e comercialização, em nível nacio
nal, e a baixo custo, dos medicamentos eleitos pelo Ministério da Saúde como produtos estratégicos, indicados nas Portarias 1.284/10, 978/08[12l, com procedimento prosseguido pelo
Decreto 7.807, de 17 de setembro de 2012.
Registrem-se ainda quanto ao marco regulatório do PROCIS:
- o Decreto 7.540, de 2 de agosto de 2011, que instituiu o Plano Brasil Maior - PBM
e criou o seu Sistema de Gestão, situando o
Complexo Econômico e Industrial da Saúde como área estratégica da Política Industrial do País;
- a Portaria 506/GM/MS, de 21 de março
de 2012, que instituiu o Programa para o
Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (PROCIS) e seu Comitê Gestor;
- a Portaria 837, de 18 de abril de 2012, que definiu as diretrizes e os critérios para o estabelecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP); e
- a Resolução ANVISA - RDC 2, de 2 de
fevereiro de 2011, que já dispunha sobre os procedimentos, no âmbito da Agência,
para acompanhamento, instrução e análise
dos processos de registro e pós-registro, no
Brasil, de medicamentos produzidos mediante parcerias público-público ou público-privado, e transferência de tecnologia de interesse do SUS[13l.
absorção, pelos laboratórios públicos, da tecnologia de sua
produção.
[12] Ambas revogadas pelo art. 10, incisos I e II, respec-
tivamente, da Portaria 3.089, de 11 de dezembro de 2013.
[13] ide ainda Resolução ANVISA - RDC 50, de 13 de
titui seu objeto, até que sejam concluídas a estruturação e a setembro de 2012.
NEGócroS PúBLicoS. março 2015 61
A Portaria 837/12 fez as relevantes menções
quanto:
-à utilização pelo Ministério da Saúde e de
mais órgãos e entidades públicas, dos meca
nismos de transferência de tecnologia para a
inovação, entre os quais aqueles previstos na
Lei 10.973, de 2004 (Lei de Inovação), e sua
regulamentação, pelos Decretos 5.563, de 11 de outubro de 2005 e 7.539, de 2 de agosto
de 2011, com o objetivo de promover capa
citação, alcançar a autonomia tecnológica e
o desenvolvimento industrial do País, conju
gado com o estímulo à produção nacional de
produtos estratégicos para o SUS; e
- o estabelecimento -- entre as 16 diretrizes
do Plano Nacional de Saúde (2012-2015),
compatibilizado com o Plano Plurianual
Anual (PPA) instituído pela Lei 12.593,
de 18 de janeiro de 2012, e aprovado pelo
Conselho Nacional de Saúde --,da diretriz
relacionada ao fortalecimento do complexo
produtivo e de ciência, tecnologia e inovação
em saúde, como vetor estruturante da agen
da nacional de desenvolvimento econômico,
social e sustentável, com redução de vulnera
bilidade do acesso à saúde.
A contratação das PDPs na Lei 8.666/93
A inserção do art. 73 no texto da Medida
Provisória 563-A, de 2012, posteriormente
convertida na Lei 12.715, de 17 de setembro
de 2012, refletiu, na ocasião, o pragmatismo
necessário ao atendimento de agenda positiva
no cumprimento dos deveres constitucionais do
Executivo relacionados à saúde pública; agenda
esta posta em marcha concretamente, em sua
origem, via fixação do marco regulatório do
Programa do Complexo Industrial da Saúde. O
6 2 NEGÓc roS P úB u coS. março 2015
dispositivo encontra eco no histórico da políti
ca governamental relacionada ao exercício das
competências e deveres constitucionais atinen
tes à saúde pública:
'Art. 24 .... .. .
XXXII - na contratação em que houver
transferência de tecnologia de produtos es
tratégicos para o Sistema Único de Saúde -
SUS, no âmbito da Lei no. 8.080, de 19 de
setembro de 1990, conforme elencados em
ato da direção nacional do SUS, inclusive
por ocasião da aquisição destes produtos du
rante as etapas de absorção tecnológica.'
§ 1 o Os percentuais referidos nos incisos I e
II do caput deste artigo serão 20% (vinte por
cento) para compras, obras e serviços con
tratados por consórcios públicos, sociedade
de economia mista, empresa pública e por
autarquia ou fundação qualificadas, na forma
da lei, como Agências Executivas.
§2° O limite temporal de criação do órgão
ou entidade que integre a administração pú
blica estabelecido no inciso VIII do caput
deste artigo não se aplica aos órgãos ou en
tidades que produzem produtos estratégicos
para o SUS, no âmbito da Lei no. 8.080, de
19 de setembro de 1990, conforme elenca
dos em ato da direção nacional do SUS.'
Os sabidamente restritos domínios e a comple
xidade das tecnologias de produção de medica
mentos cuja transferência se almeja através das
mencionadas parcerias, terá suficientemente
justificado a instituição da hipótese de dispensa
de licitação sob foco. m
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