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8/16/2019 Genocídio Armênio_ Uma Introdução Histórica » Política Externa
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Genocídio armênio: uma introdução históricapor Heitor de Andrade Carvalho Loureiro em 08/06/2015
Ao se completar o centenário do genocídio armênio pelo Império Otomano, a
Humanidade ainda se defronta com a resistência turca em assumir a responsabilidade
por tal crime. O massacre de 800 mil a um milhão de armênios entre 1915 e 1923 – em
prisões, nas marchas para a morte, em campos de concentração – foi gerado pelas
condições históricas e pela onda nacionalista turca daquele momento. Mas comporta
comparação com o Holocausto dos judeus promovido anos mais tarde pela Alemanha
nazista e não pode ser negado. A questão armênia continua atual e reverbera nos
massacres de minorias em curso.
Upon completing 100 years of the Armenian genocide by the Ottoman Empire, the
humanity still faces the Turkish resistance to take responsibility for this crime. The
massacre of more than 800 thousand Armenians between 1915 and 1923 – in prisons,
during the marches to death and inside concentration camps – was generated by
historical conditions and by the Turkish nationalist wave at that period. But it is
comparable to the Holocaust of Jews promoted years later by Nazi Germany and cannot
be denied. The Armenian issue remains present and it is still reverberating on the ongoing
massacres of minorities.
Introdução
O historiador britânico Eric Hobsbawm de‐ne o século XX como a “Era da Guerra Total”, um
tempo no qual novas palavras, como genocídio e apátrida, ganharam sentido e signi‐cado na
sociedade. Pela primeira vez na história contemporânea o extermínio de um povo pôde ser
minuciosamente planejado e executado. A ideia de uma sociedade ocidental que marcha a
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EDIÇÃO ATUAL - VOL. 24 Nº 1 E 2
jul/dez - 2015
O Acordo de Viena sobre o
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evitou as consequências
trágicas da hipótese de o
Irã, país inserido na região
mais tensa do mundo, obter
armamento nuclear.
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8/16/2019 Genocídio Armênio_ Uma Introdução Histórica » Política Externa
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longos passos rumo ao progresso foi profundamente avariada por “duas guerras mundiais, por
dois períodos globais de revoluções após cada guerra, pela descolonização generalizada e, em
parte, revolucionária, e por duas expulsões em massa de povos que culminaram em genocídio”.
A Alemanha nazista mostrou ao mundo como a morte e o extermínio podem ser sistemáticos e
precisos quando se tem um Estado forte, organizado e compenetrado na missão de matar o
outro. O Holocausto foi a expressão máxima da morte cienti‐camente calculada, o ápice do
assassinato em massa provocado pela modernidade, que ataca e destrói os pilares da
igualdade, soberania e autonomia de um povo.
Entretanto, foi o Genocídio Armênio de 1915 a 1923, perpetrado pelo governo otomano, a
primeira tentativa sistemática de levar a cabo uma solução ‐nal contra uma minoria. O caso
armênio foi o paradigma do século XX para massacres e intolerâncias que perpassam os anos,
cujos ecos ressoam até os nossos dias. Para Arnold J. Toynbee, o massacre dos armênios criou
algo inteiramente novo: a extinção de uma nação. Estima-se que entre um e um milhão e
meio de armênios tenham morrido durante esse período.
Um genocídio não ocorre de forma aleatória. De acordo com a Convenção das Nações Unidas
sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, sua ocorrência é fruto da ação deliberada
para infringir a uma minoria étnica, nacional, racial ou religiosa um estado físico ou mental de
degradação. A de‐nição passa pela quali‐cação do extermínio daquele grupo especí‐co, e não
outro qualquer, pelas mãos dos que teriam o dever ético, moral e jurídico de protegê-los. O
genocídio ocorre também graças à inação da comunidade internacional, que adota uma posturapassiva na prevenção e sanção dos crimes contra a humanidade. Destarte, a impunidade de um
ato genocida incentiva outro. Perpetradores percebem que nada se faz àqueles que infringem
minorias a condições degradantes. Para Peter Balakian, a ausência de punição aos responsáveis
atua na psicologia social do grupo ao qual os perpetradores pertencem, legitimando novos
massacres.
Pretendemos abordar o genocídio armênio sob uma perspectiva histórica, inserindo esse
evento no contexto de decadência do Império Otomano. Como as sucessivas derrotas nas
possessões dos Bálcãs, centro nevrálgico otomano, e as constantes mudanças internas, são
centrais para entender porque os armênios se tornaram alvo do governo otomano, controlado
pelos Jovens Turcos. O ápice conjuntural foi o advento da Grande Guerra, de 1914 a 1918, que
criou o ambiente propício para que os massacres contra os armênios fossem executados,
enquanto as potências ocidentais estavam voltadas para o con†ito que se de†agrara.
A proposta aqui é entender como o genocídio armênio foi um plano arquitetado e levado a cabo
pela Sublime Porta para refundar um país cujas estruturas estavam prestes a ruir. Veremos
como o império entrou em colapso a partir, principalmente, da segunda metade do século XIX.
Desse ponto até a fundação da moderna República da Turquia em 1923 – pelas mãos de
Mustafá Kemal, posteriormente chamado de Atatürk, o “pai dos turcos” –, com a manutenção da
integridade territorial turca na Anatólia, há um longo caminho a ser percorrido. Em suma, é
necessário compreender como o extermínio dos armênios e a vitória otomana na Grande
Guerra poderiam, no entendimento dos Jovens Turcos, salvar o Império Otomano.
A Questão Armênia permanece em aberto até os dias atuais. O governo da República da
Turquia, herdeira do Império Otomano, não reconhece os episódios de 1915-1923 comogenocídio. O reconhecimento poderia implicar reivindicações de devolução de terras,
pagamento de indenizações, reconstrução e restauração de bens culturais, além dos danos
morais causados pelo trauma e pelo desastre social. Assim, o genocídio armênio também
perpassa questões de Direitos Humanos e de Direito Internacional.
O Império Otomano: instituições sociopolíticasPor volta do século XI, povos nômades oriundos dos planaltos da Ásia Central migraram rumo
ao Ocidente, em busca de melhores condições para os seus. Chegando à Anatólia, ainda como
nômades, conseguiram se instalar em um terreno inóspito, onde os árabes haviam sido
derrotados anos antes.
Entretanto, a terra conquistada não era inabitada. Diversos povos se encontravam ali. Entre
eles, havia os armênios. Instalados no sopé do Monte Ararat, os armênios viram seu Estado
chegar à extensão máxima sob o governo de Tigranes, o Grande, entre os anos de 95 e 56 a.C., o
que os fez aliados importantes do Império Romano, que precisavam dos armênios para conter a
ameaça persa vinda do Oriente, funcionando como uma espécie de “tampão”.
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É na era cristã, porém, que a história dos armênios ganha novo signi‐cado. Já sem a força de um
Estado estável e ameaçados pelas potências romana, bizantina e persa, os armênios
encontraram na sua Igreja o elo político, social e cultural que os mantém até hoje ligados,
ajudando a forjar uma identidade comum, mesmo na diáspora pós-genocídio.
Os turcos, por sua vez, aos poucos foram conquistando terreno sob as possessões árabes. A
decadência desses no Oriente Médio facilitou o avanço dos forasteiros, que conquistaram Bagdá
e fundaram um Império Seljúcida já sedentarizado, aproveitando toda a estrutura jurídica e
administrativa deixada pelos árabes. Em meados do século XIII, as invasões mongóis
fragmentaram a unidade existente dos Estados turcos, transformando-os em um mosaico de
emirados sem unidade. Desse cenário heterogêneo, o sultanato osmanli – origem dos otomanos– surge como força capaz de dominar as demais instituições e uni‐cá-las em torno de um
grande império.
O historiador Perry Anderson chama a atenção para a convergência de instituições culturais e
religiosas que teriam dotado o Império Otomano do poderio que este teria durante os próximos
500 anos. Para o autor, a racionalidade administrativa islâmica, herdada pelos turcos, somada
ao zelo militar, teria propiciado a esse império os contornos peculiares que nenhum Estado
europeu poderia criar.
Os turcos mantinham uma relação dúbia com os não islâmicos que se encontravam sob jugo
durante a expansão da dinastia otomana: se, por um lado, havia a necessidade da conversão do
“in‐el” para que o império prosperasse; por outro, a conversão de todos os cristãos – ainda que
isso fosse possível – não seria viável do ponto de vista administrativo, uma vez que o Islã prevê atolerância a não muçulmanos, desde que esses sejam devidamente tributados pelo Estado. Tal
tributação, seja ela em gêneros alimentícios, metais, animais, ou até mesmo em pessoas –
devshirme – era vital para a sobrevivência do império.
Entre os anos de 1839-1876, o império sofreu uma profunda reorganização – em turco, tanzimat
– em suas estruturas políticas e sociais. O tanzimat colocava ‐m às interações paternalistas
existentes na estrutura otomana, tornando através de dois decretos – sendo o mais importante
deles o Rescriptum Imperial – o Otomanismo a nova política do império. O Otomanismo
englobava todos os habitantes do império, muçulmanos ou não. Dessa forma, muitos cristãos
ascenderam no aparelho estatal, mas ainda eram tratados diferenciadamente. Esses, por
exemplo, não podiam ocupar cargos nas pastas de relações internacionais e ‐nanças do
império.
Para organizar as minorias que viviam no Império Otomano, foram criados os millet, sistema
administrativo que agrupava uma mesma coletividade que vivia sob o controle otomano. O
Ermeni Millet recebeu das autoridades turcas, em 1461, a nomeação de um patriarca armênio
com sede na cidade de Constantinopla, a ‐m de balancear a grande in†uência do millet grego.
No caso dos armênios, o único millet existente reunia armênios apostólicos, católicos e
protestantes, o que gerava certo desconforto e desgaste dentro da própria coletividade.
Em 1863, após anos de discussão entre posições políticas distintas no millet armênio, a Porta
rati‐cou um documento chamado de “Regulamento da Nação Armênia” contemplando algumas
aspirações dos cristãos, que alcunharam o texto de “Constituição Nacional Armênia”. O
regulamento garantia aos armênios liberdades religiosas e culturais pouco comuns entre as
outras minorias otomanas. Tal concessão foi propagandeada pela Porta como um voto de
con‐ança àqueles que eram chamados pelas autoridades otomanas de “millet leal”. Em suma, a
Constituição Nacional armênia e a institucionalização do millet são partes de um “pacto de
domínio” feito entre o povo armênio e o Estado otomano, a ‐m de garantir a coesão interna do
império. Entretanto, a relativa autonomia política e a vigência de uma compilação de leis que
garantiam aos armênios alguns direitos não eram su‐cientes para atingir com e‐cácia todas as
partes do império.
A crise do Império OtomanoAs províncias da Anatólia, da Síria e do Egito viviam seu apogeu no século XVI, bene‐ciadas pelo
deslocamento do eixo político, econômico e administrativo do império para os Bálcãs. A unidade
otomana no Oriente Médio criara um cenário de paz, ideal para a prosperidade dos comérciosde especiarias que cruzava a região. A população rural da Anatólia aumentou dois quintos ao
longo do século e assistiu a um surto de crescimento urbano, tendo Constantinopla cerca de
400 mil habitantes. Entretanto, esse crescimento econômico teria limites bem de‐nidos: o
abastecimento de alimentos não era su‐ciente para suprir o excedente populacional que surgiu
na região durante o século XVI, fruto da sedentarização de povos nômades. Além disso, o
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aumento dos gastos com o exército, para a conquista e controle das províncias supracitadas, foi
subsidiado pelas populações rurais otomanas até o ponto de se tornar insustentável.
Com o ‐m da expansão das fronteiras otomanas rumo à Europa, no século XVII, a Porta
começou a perder força. Assim como aconteceu com Roma, no período da pax romana, no
século I a.C., o Império Otomano se viu diante de um dilema: sem meios de fazer frente às
tropas europeias que reconquistavam as possessões turcas no leste do Velho Continente, os
otomanos também não poderiam manter as suas instituições sem o espólio das conquistas.
Segundo Anderson, as terras conquistadas e as riquezas con‐scadas pelos exércitos da Porta
eram essenciais para manter a sociedade de privilégios do império. Como não havia a
propriedade privada de terras, a concessão do uso dessas, bem como de cargos administrativos,eram as principais distinções aristocráticas otomanas. Destarte, é compreensível o efeito
devastador que o estancamento das fronteiras e da in†uência otomana teve sobre a sociedade.
Ademais, na esfera econômica, Şevket Pamuk chama a atenção para a grande onda in†acionária
que tomou conta do império. Segundo o autor turco, entre 1469 e 1914, os preços de produtos
cotidianos e essenciais – principalmente os gêneros alimentícios – subiram cerca de 300 vezes,
em média 1,3% ao ano. Durante a Primeira Guerra, a fome assolava as classes baixas do
Império Otomano.
No século XIX, o Império Otomano assistiu ao seu declínio. O equilíbrio de poder das Potências,
mediado pela chamada Santa Aliança, gerara uma orquestração pela paz nos anos 1800. Com
isso, as fronteiras se tornaram estáticas, e as possessões otomanas nos Bálcãs mostraram
graves rachaduras. A paralisia administrativa da Porta no ‐nal do século XVIII permitiu ocrescimento dos poderes agrários locais na Anatólia e de explosões nacionalistas nos Bálcãs. As
tentativas de reformas liberais por volta do ano de 1820, patrocinadas pelo Ocidente,
fracassaram.
Outro império, o Russo, emergia como protagonista no cenário internacional. Foi justamente no
nicho de poder deixado pelos otomanos nas regiões balcânicas, desde o século XVII, onde os
russos se instalaram e trouxeram para perto de si a aristocracia local, criando uma zona de
in†uência no antigo centro nevrálgico da Porta. A disputa entre as duas forças se tornou
belicosa em 1877, não obstante o esforço alemão para evitar o con†ito. Uma vez instalado, a
Grã-Bretanha e o Império Alemão ‐caram do lado dos turcos, como forma de manter a todo
custo o equilíbrio de poder que se encontrava sob ameaça. Entretanto, no Congresso de Berlim,
‐rmado entre as partes após o término do litígio, em 1878, as possessões otomanas na Europa,
que anos antes eram vistas como partes indissociáveis da Porta, agora encontravam-sefragmentadas, em nome da manutenção da estabilidade de forças. Para agravar a complexa
situação da região, o Império Austro-Húngaro, que há muito havia se lançado em uma
campanha expansionista sobre os Bálcãs, viu-se dilacerado em 1890 pelas várias etnias que
compunham a região. A derrocada otomana acirrou os ânimos e alterou ainda mais o ‐el da
balança naquele canto de mundo, onde estouraria o barril de pólvora da Grande Guerra.
De protagonista no teatro das Nações mundiais a alvo dos interesses das potências europeias:
eis a trajetória otomana até a segunda metade do século XIX. Porém, esse país em decadência
ainda daria lampejos para provar que estava vivo. Os próprios con†itos com o Império Russo
são exemplos disso. E é nesse contexto que surge a ‐gura do sultão Abdul-Hamid II, em 1878,
com o seu “despotismo pessoal frágil, porém brutal”, repressor radical das nacionalidades e
entusiasta do centralismo otomano.
O sultão e a radicalizaçãoPara o maior controle da Porta sobre os territórios da Anatólia com grande contingente
populacional armênio, esses foram divididos em seis vilayets – ou províncias. A questão é que,
após a Guerra da Crimeia, povos muçulmanos, como os circassianos, emigraram para dentro
das fronteiras do Império Otomano, fugindo do processo de russi‐cação levado a cabo pelo
czarismo. Isso aumentou a tensão entre os povos recém-chegados e os armênios já
radicados. A sedentarização dos curdos, bem como o nascer de um sentimento panislâmico e
panturquista, também contribuíram para o acirramento dos con†itos nas províncias. Diversos
grupos disputavam o mesmo nicho geográ‐co e administrativo, o que gerou inúmeros protestos
do lado armênio junto à Porta, denunciando a violência e abusos dos curdos no trato com oscristãos. O governo otomano, entretanto, não atendeu ao chamado armênio para a execução de
reformas na estrutura do império, de forma a apaziguar os ânimos acalorados que tomavam
conta da porção oriental. Assim, a saída visualizada pelas autoridades armênias foi recorrer às
potências ocidentais, de forma a pressionar a Porta de fora para dentro, chamando-a a assumir
as responsabilidades pelos acontecimentos.
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Os con†itos entre as minorias não eram sanados pelas autoridades otomanas justamente
porque, aos olhos do sultão Abdul-Hamid II, a aniquilação mútua das diversas etnias que
compunham o mosaico da fração oriental do império era interessante. Explorando o fanatismo
religioso e aproveitando-se da apatia internacional, o sultão in†amava com um discurso radical
os muçulmanos contra os cristãos armênios para justi‐car e aplicar uma ação de extermínio na
região. Os interesses do sultão eram claros: além da nítida intolerância religiosa e étnica
especí‐ca para com os armênios, Abdul-Hamid II temia que a questão armênia servisse de álibi
para uma intervenção russa no Império Otomano, assim como aconteceu com a questão
balcânica.
Abdul-Hamid II via o império sendo penetrado, cada vez mais, pelo capital ocidental,principalmente após a crise ‐nanceira otomana de 1876, quando a Porta declarou moratória. O
país que mais aproveitou esse momento de fragilidade foi o Império Alemão. Um acordo de
chanceleres cedeu à Alemanha o direito de ser a ‐nanciadora do exército otomano, armando-o
com modernos materiais bélicos vindos de Berlim. Além disso, ‐cou a cargo dos o‐ciais alemães
o treinamento da força terrestre otomana aos moldes ocidentais, tornando-a combativa perante
os maiores exércitos mundiais. Fora dos acordos militares, o Deutsche Bank, uma das mais
poderosas instituições ‐nanceira europeias, também começou a operar dentro das fronteiras
otomanas.
Apesar do acordo com a Alemanha, a entrada do Ocidente no império de Abdul-Hamid II era
vista com descon‐ança pelo sultão, sentimento esse agravado pelas perdas territoriais do
império nos Bálcãs desde 1870 e pela crescente escalada social e econômica dos armênios após
o Tanzimat, o que fez com que o governante de†agrasse uma política pan-islâmica, fortalecendoo elemento muçulmano que vivia no império. Assim, ele conseguiu legitimar a união de turcos,
curdos e outras etnias contra o elemento cristão – grego e, principalmente, armênio –, tido
como causador de todos os problemas econômicos e sociais do Império Otomano.
É importante perceber a relação direta que há entre a crise econômica e política que se abate
sobre o império, atingindo principalmente os turcos, e a gradual radicalização do discurso pan-
islâmico, dotando as minorias cristãs – e as Potências – de culpa pelas mazelas do período. Tal
percepção aumentou após a implementação do Tanzimat, que permitiu a ascensão armênia se
comparada com seus compatriotas turcos. O pan-islamismo de Abdul-Hamid II era uma forte
reação ao otomanismo do Tanzimat. Na concepção do sultão e seus correligionários, o império
não era para os otomanos, mas apenas para os muçulmanos, excluindo armênios, assírios,
gregos e outros súditos cristãos ou não islâmicos.
Ademais, o impacto das perdas territoriais nos Bálcãs já no segundo ano de sultanato de Abdul-
Hamid II se somava às radicalizações nacionalistas tanto de turcos como de armênios, agitando
o cenário político e social no império de ‐nais do século XIX. Nesse sentido, o sultão, temeroso
de um levante armênio no nordeste da Anatólia incentivado pelas potências europeias, lançou-
se sobre os armênios em uma empreitada aniquiladora, com o intuito de desmobilizar as
possíveis pretensões emancipatórias desses cristãos através da aniquilação física e cultural. Essa
é a explicação oferecida por Henry Morgenthau para os morticínios de armênios na década de
1890. As investidas de Abdul-Hamid II seriam uma espécie de massacre preventivo, isto é,
antes que os armênios se sublevassem contra a Porta e alcançassem a sua independência, o
sultanato deveria agir para evitar que uma onda revolucionária e separatista acontecesse na
Anatólia, seguindo o que vinha acontecendo nos Bálcãs.
A ascensão dos Jovens TurcosA situação do Império Otomano piorava a cada dia. A dívida externa da Porta alcançava cifras
impagáveis, o que obrigava o governo a negociar com os seus credores ocidentais. Assim, o
imperialismo europeu se fazia presente por meio de seu capital, cujos interesses divergiam de
acordo com a origem. Para a França, interessava a integridade do sultanato otomano, pois a
queda desse abriria um nicho no qual o Império Alemão poderia penetrar e ganhar força,
ameaçando assim os interesses da primeira potência na região. Ambos os países disputavam
também o direito de fornecer armas e de construir e usufruir as ferrovias na Anatólia. As duas
contendas foram vencidas pelos alemães. Esse país teve um papel crucial nos últimos anos do
Império Otomano, principalmente após a visita do Imperador Guilherme II.
Nesse contexto, uma onda liberal advinda da Europa já vinha efervescendo os otomanos.
Dentro da sociedade otomana, jovens estudantes de famílias abastadas do império e com
contato direto com as mais recentes ideias europeias – principalmente, o positivismo –
começaram a questionar a organização da Porta e os rumos que o império estava tomando.
Dentro desses círculos de intelectuais, compostos também pelo jovem o‐cialato do exército
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otomano, tomou forma o que viria a constituir depois o Comitê União e Progresso – Ittihad ve
Terakki – que ‐cou mundialmente conhecido pela alcunha de Jovens Turcos.
Com propostas reformadoras que agregavam os diversos povos otomanos, o Comitê União e
Progresso obteve apoio das minorias que habitavam o império e viam nos Jovens Turcos uma
esperança de melhora das condições políticas, sociais e econômicas. Assim, importantes forças
políticas, como a Federação Revolucionária Armênia (FRA), aderiram ao programa do Comitê,
inclusive enviando delegados para compor um congresso de oposição ao sultanato em Paris. Os
delegados clamavam, sobretudo, pela queda do regime de Abdul-Hamid II, em benefício de um
sistema parlamentar e constitucional de governo. A FRA, ‐el à sua orientação ideológica,
considerava lícito recorrer ao uso de meios revolucionários para atingir tais objetivos. Ouseja, mais que incentivar o movimento emergente no império, os armênios – ou parte deles –
compunham e fortaleciam politicamente a frente contra o absolutismo hamidiano.
Ocorre que, em 1908, estourou outra questão nacional nos Bálcãs que ameaçava a integridade
territorial do império. O movimento emergente na Macedônia foi o estopim para que as forças
políticas oposicionistas se reunissem e assediassem o sultão. A parte dos Bálcãs ainda sob jugo
otomano – Macedônia e, principalmente, Salônica – concentrava muitos dos o‐ciais simpáticos
aos novos ventos que sopravam na direção do império. Dessa forma, a efervescência de uma
questão nacional, que almejava se insurgir contra o governo instalado, era uma boa
oportunidade para o crescimento da frente de oposição a Abdul-Hamid II.
Em julho de 1908, contingentes militares comandados por ‐guras como Niazi Bey e o jovem
o‐cial Ismail Enver se juntaram aos rebeldes da Macedônia e Albânia para pressionarpoliticamente a Porta a ceder às exigências dos rebelados. Gregos e búlgaros se juntam ao
movimento que, fortalecido, enviou um ultimato ao sultão: a Constituição de 1876 deveria estar
em vigor dentro de 24 horas ou as forças oposicionistas marchariam rumo à Constantinopla.
Enfraquecido politicamente e militarmente ameaçado, o sultão cedeu às pressões oriundas dos
Bálcãs e restaurou a Constituição. Assim, a vitória dos Jovens Turcos permitiu ao Comitê União e
Progresso, restrito a algumas regiões do império, atingir o núcleo otomano do qual suas ideias
passariam a emanar por toda a Anatólia a partir de então.
Ainda em 1908, Bulgária, Creta e Grécia proclamaram suas independências da Porta, e a Bósnia
foi anexada pelo Império Austro-Húngaro. A perda de territórios enfraquecia o discurso do
comitê de manutenção da pujança do império. As forças pró-sultão se manifestaram contra a
política dos Jovens Turcos. Temerosos de um contragolpe de Abdul-Hamid II, o mesmo exército
da Macedônia, que tornou o golpe de julho de 1908 possível, interveio e pressionou oParlamento a exilar o sultão em Salônica. No trono vacante, ascendeu o irmão de Abdul-Hamid
II, como ‐gura meramente ilustrativa. Os Jovens Turcos e o Comitê União e Progresso se
sagraram de‐nitivamente vitoriosos em sua revolução. No entanto, o golpe de Estado de fato só
se concretizou em 1913, quando os ittihadistas – ou seja, membros do Ittihad ve Terakki, os
Jovens Turcos – assumiram o poder em de‐nitivo, sem ‐gurantes para fazer um mise en scène,
de forma a legitimar a ação golpista.
Os armênios celebraram a vitória dos Jovens Turcos. Esses últimos, fortalecidos politicamente,
derrubaram o regime hamidiano retomando a Constituição de 1876, o que era uma antiga
reivindicação armênia. Entretanto, o fortalecimento político do Comitê União e Progresso fazia
com que a sua cúpula planejasse alçar voos mais altos e distantes, e esses não pareciam tão
liberais quanto o discurso anterior deixava transparecer.
Com a Constituição em vigência e o panorama de um futuro estável e próspero, o movimento
revolucionário armênio foi em parte desarticulado. Os partidos revolucionários armênios
tomaram feições democráticas e disputaram as eleições do Parlamento otomano como atores
políticos institucionalizados no império. Contudo, a vitória dos Jovens Turcos na porção
ocidental e em Constantinopla não alterou o quadro caótico que os armênios vivenciavam na
parte oriental da Anatólia. Lá, os direitos constitucionais não tinham valor, pois o Estado não se
fazia presente para colocá-los em prática. Destarte, as populações dos seis vilayets orientais
ainda eram assediadas por grupos curdos e turcos. A insegurança dos tempos de Abdul-Hamid
II ainda estava longe de se dissipar naquelas terras.
A precariedade das relações entre turcos e armênios era patente. Con†itos como o que ocorreu
na cidade de Adana, na Cilícia, em 1909, ilustram bem esse ponto. A Cilícia – ou Armênia Menor,
região localizada no sul da Anatólia, banhada pelo Mar Mediterrâneo – não havia sido molestada
pelas forças paramilitares do sultanato, mas viu-se em situação crítica em março de 1909.
Região economicamente próspera, com 25% da população composta por armênios, a Cilícia
sempre se destacou pelo potencial comercial explorado, sobretudo, por judeus e armênios.
Na ocasião, a convivência entre armênios e turcos tomou feições agressivas quando a Porta
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nomeou dois homens para os cargos de vali e comandante militar que haviam participado das
deportações e massacres hamidianos nos anos de 1890. Em torno desses nomes, os
movimentos reacionários turcos se reorganizaram e se armaram, na iminência de um con†ito
com os cristãos da Cilícia. Por outro lado, a desarticulação dos braços armados das entidades
políticas armênias os tornava presas fáceis de seus inimigos.
Finalmente, a tensão se converteu em ação. Em Adana, a morte de dois turcos pelas mãos de
um armênio em uma briga desencadeou uma onda de violência por toda a Cilícia. Turcos
exaltados conclamavam os seus compatriotas a combater os cristãos armênios, causadores de
todo o mal-estar que a região presenciava. As autoridades de Adana solicitaram à Porta
reforços militares, que foram prontamente enviados à cidade, a ‐m de reprimir as agitações.Contudo, com um discurso anticristão e anti-armênio, as forças militares foram lançadas sobre
as propriedades dos armênios da cidade, ceifando a vida de centenas deles.
Os con†itos perduraram por meses e transcenderam os limites de Adana. Mais uma vez,
repetindo a prática dos massacres hamidianos, houve a demonização do elemento armênio,
posto como causador de todo o mal. Com o uso do exército otomano, legitimado e apoiado pela
sociedade turco-muçulmana, não foi difícil que o saldo do con†ito tomasse grandes proporções:
entre 15 a 20 mil mortos. Assim, Adana foi a prova que a mera mudança do governo central e
a Constituição não seriam su‐cientes para apaziguar os ânimos entre turcos e armênios. O
acontecimento de 1909 mostrou ao mundo que o passado recente da Porta não estava
sepultado e ainda que os armênios permaneciam como alvo do ímpeto das autoridades turcas.
Enquanto armênios e turcos se culpavam mutuamente pelos acontecimentos, as potênciascobravam da Porta medidas para que novos con†itos não tomassem lugar no império. O
governo dissimulou. Entretanto, era patente a participação das tropas legalistas otomanas no
massacre de Adana, o que provava o envolvimento doloso da Porta. Para Balakian, Adana foi
uma espécie de teste para a relação entre armênios e turcos na nova era do Império Otomano.
Segundo Yves Ternon, 1909 constitui o elo genocida entre os anos de 1890 e 1915, elo
esse que nos permite concluir que os planos de expurgo do elemento armênio de dentro do
Império Otomano nunca deixaram de existir na cúpula dos Jovens Turcos. A aniquilação dos
armênios sempre esteve em pauta, esperando apenas o momento ideal para tomar formas de
solução ‐nal.
O ano de 1909 marca também o início da mudança de postura dos Jovens Turcos. A política
otomanista dá lugar a uma prática nacionalista e excludente das minorias, que teria o seu ápice
na solução genocida da questão armênia em 1915. Em 1908, o Comitê União e Progresso ainda
não tinha a estrutura que seria capaz de organizar o genocídio poucos anos mais tarde.
Ameaçados por correntes oposicionistas e reacionárias no ambiente político do império, os
Jovens Turcos ‐rmaram uma posição por um Estado forte e centralizado, cujo comando
emanaria de uma única fonte em Constantinopla.
O Segundo Congresso do Comitê União e Progresso, em 1910, ensejou a criação de um conclave
liderado por Mehmet Talat Paxá, que defendia o abandono da política otomanista e a adoção do
panturquismo, prevendo a eliminação dos cristãos hostis ao Comitê. Essa tendência ganhou
força, e os encontros subsequentes rati‐caram posições que em nada lembravam o discurso de
agregação e igualdade de poucos anos atrás.
Os congressos eram um termômetro da situação política dos Jovens Turcos e de todo o império,
mas não eram a causa da radicalização do discurso do Comitê. Segundo Yves Ternon, a derrota
do Império Otomano na Guerra dos Bálcãs, nos primeiros anos da década de 1910, é a melhor
explicação para o panturquismo ter virado política de Estado. Com a insurgência de‐nitiva
dos territórios balcânicos, unidos por uma grande coalizão contrária à Porta, o Império
Otomano perdeu cerca de 25% de seu território e em torno de cinco milhões de pessoas.
Além da piora da estabilidade política da Porta, com os movimentos oposicionistas crescendo e
forçando o Comitê a manobrar politicamente e com a redução populacional eslava e cristã do
império decorrente da independência balcânica, foi a primeira vez que os turcos islâmicos se
tornaram a maioria absoluta no império. Como consequência dessa alteração demográ‐ca e
social, o discurso nacionalista panturquista reverberou com mais ênfase na população que,
descontente com as derrotas nos Bálcãs, seria a base de apoio para a radicalização das ações
dos Jovens Turcos.
No campo internacional, a Porta elegeu o Império Russo como adversário por esse último
motivar os ensejos libertários dos Bálcãs, graças à também nacionalista postura pan-eslava.
Ademais, a Rússia exercia sua in†uência no Cáucaso, área ocupada pelos muçulmanos, mas
principalmente pelos armênios. A Armênia, assim como em um passado não tão distante, era
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uma constante ameaça de emancipação de Constantinopla e, consequentemente, uma maior
amputação territorial do Império Otomano. O temor que a Armênia virasse uma “nova Bulgária”,
como a‐rmava Talat, fez com que os cristãos da Anatólia, Ásia Menor e Cáucaso fossem os
novos alvos eleitos pelo Comitê União e Progresso. Além disso, dentro da proposta de uma
grande Turquia que uni‐casse os povos de origem turca da Europa e Ásia, a Armênia era um
enclave no núcleo desse país que, para Yves Ternon, longe de ser uma utopia, era o objetivo
almejado pelos Jovens Turcos.
Como uma entidade paraestatal, o Comitê União e Progresso criou em sua estrutura grandes
objetivos a serem alcançados a qualquer preço. A pauta panturquista estava na ordem do dia.
Com esse discurso, a legitimação do genocídio armênio seria feita assim que os Jovens Turcoselegessem os armênios como o mal a ser extirpado do império. A partir daí, coube ao Comitê
montar o aparelho genocida utilizando o controle do Estado. Nomeando secretários, delegados,
governadores e inspetores, os arquitetos do genocídio conseguiram ter capilaridade em todo o
império para atingir os seus ‐ns.
Nessa altura, as mais proeminentes ‐guras, que ainda na primeira década do século XX deram
origem ao movimento que derrubaria o sultanato, estavam estabelecidas em importantes
cargos da administração otomana. O carismático Ismail Enver, herói da Guerra dos Bálcãs,
ocupou a pasta da Guerra, e Mehmet Talat tornou-se chefe do pragmático Ministério do Interior.
Essa pasta possuía a prerrogativa de nomear e destituir governadores e autoridades de
províncias. O Ministério lançou mão dessa prática, por exemplo, na cidade de Van, em 1915, ao
destituir um governador mais tolerante e político pelo radical Cevdet Bey, cunhado de Enver
Paxá.
Idealizada por Talat, a Organização Especial – Teshkilât-i Mahsusa – funcionava como uma força
paramilitar da cúpula do Comitê União e Progresso e, em alguns momentos, chegou a ter mais
poder e prestígio do que o próprio governo. Composta por nomes como Ziya Gökalp,
Mehmet Nazim, além do próprio Talat, a Organização foi responsável por manter vivos os
princípios radicais do nacionalismo, panturquismo e anticristianismo que permearam o Comitê
União e Progresso durante a maior parte de sua existência. Para Taner Akçam, a decisão de
levar a cabo o genocídio partiu de alguns setores dos Jovens Turcos que ocupavam alguns
ministérios, e não de todo o gabinete otomano.
En‐m, a burocracia otomana foi deturpada para agir em prol do massacre. Porém, essa prática
não constituía uma novidade. Na década de 1890, a mesma burocracia já utilizava o aparelho
estatal para extorquir os armênios, enquanto grupos armados executavam a ação de ordem
prática, ou seja, o assassinato.
A prática genocidaA Grande Guerra foi de†agrada em 1914. Para a Porta, soou como uma oportunidade de
revanche em cima das potências que, na opinião dos Jovens Turcos, foram as responsáveis pela
derrota da Guerra dos Bálcãs.
Segundo Balakian, a Primeira Guerra Mundial criou para o Comitê União e Progresso uma
condição de “guerra total”, ou seja, uma mobilização nacional em torno de um objetivo
beligerante, envolvido em um sentimento de risco à segurança nacional, além de uma profundaxenofobia e um senso de caos. Em uma situação como essa, os perpetradores podem associar o
grupo-alvo com os inimigos, legitimando e mascarando assim a sua ação criminosa. No
genocídio armênio não foi diferente. A rivalidade russo-turca existente há anos estava então
institucionalizada. A Guerra colocou os impérios de lados opostos, exacerbando ao máximo as
divergências entre ambos. A Organização Especial do Comitê União e Progresso formou grupos
de curdos nômades e de prisioneiros anistiados para invadir o território russo e incitar as
populações islâmicas que viviam nesse país a se rebelarem contra o czarismo. A Primeira
Guerra Mundial serviu tanto de cortina para esconder os crimes do Comitê quanto como
pretexto para que os Jovens Turcos pudessem lançar suas forças a ‐m de aniquilar os armênios.
Dois pretextos básicos foram usados pelos Jovens Turcos para legitimar – e, posteriormente,
negar – os massacres: uma possível revolta armênia separatista e o apoio que esse povo
estaria dando ao Império Russo. Ambas as acusações são infundadas ou supervalorizadas.Mas o alto escalão do Comitê tinha tudo o que precisava: o plano, as condições materiais, a
oportunidade e o pretexto.
No dia 24 de abril de 1915, o Comitê deu ordens para a polícia de Constantinopla procurar e
prender cerca de 250 armênios residentes na cidade. As prisões não eram aleatórias. Só
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interessavam às lideranças da comunidade, membros da intelligentsia armênio-otomana.
Eliminando essas ‐guras, os Jovens Turcos intencionavam silenciar os armênios, “decapitando” a
comunidade. Os intelectuais presos, deportados e mortos serviriam de exemplo a todos os
armênios do império.
A ação de 24 de abril não foi isolada. Concomitantemente, a Porta ordenou o desarmamento de
todos os armênios – fossem os civis, fossem os que ocupavam postos nas Forças Armadas – e a
realocação desses em “batalhões especiais” que eram, na realidade, grupos de trabalhos
forçados para a construção de estradas Anatólia adentro. Quando os trabalhos eram
‐nalizados, aqueles que ainda não haviam morrido devido às péssimas condições de trabalho
eram assassinados.
Nos seis vilayets armênios, a prática genocida foi organizada metodicamente. Curdos, turcos e
outras minorias residentes nas redondezas – a exemplo do que aconteceu nos massacres
hamidianos – foram usados como forças paramilitares com a missão de percorrer as centenas
de vilas e cidades da Anatólia, preparando os armênios para serem deportados e agindo com
brutal violência. Muitos prisioneiros do império foram anistiados em troca de, uma vez soltos,
tomar lugar nos massacres. Esses elementos formavam forças paramilitares a serviço do Comitê
União e Progresso, e seus comandantes reportavam diretamente a Enver e Talat Paxá.
Com as populações seminômades, as autoridades otomanas ‐zeram um pacto: os primeiros se
lançariam sobre as cidades e vilas armênias, expulsando os que lá viviam através de quaisquer
meios, e poderiam ‐car com os bens e propriedades. Ou seja, o genocídio armênio gerava um
espólio para os curdos e turcos sem posses que rodavam pela Anatólia e Ásia Menor em buscade oportunidades de sobrevivência. Segundo Toynbee, muitos muçulmanos, expulsos dos
Bálcãs após a independência das possessões otomanas, também estavam entre essas colunas
que expulsavam e matavam armênios. Para Vahakn Dadrian, essa prática tinha também uma
função social e econômica para a Porta. Curdos e outros grupos seminômades eram
populações marginais no império e viviam a mercê do pastoreio e de eventuais saques, o que
criava um desequilíbrio no interior da Anatólia. Assim, o genocídio e a distribuição do espólio
resultante das desapropriações e assassinatos foram uma espécie de redistribuição forçada de
renda. O argumento do sociólogo ganha força se lembramos da importância que a
expropriação tinha para o Império Otomano desde suas origens, sendo uma prática validada
culturalmente e vital para a manutenção econômica do sultanato. Além do espólio
propriamente dito, muitos armênios, com a incapacidade de levarem seus bens nas caminhadas
de deportação, eram obrigados a vender a preços ín‐mos aos turcos que estivessem dispostos
a comprá-los.
A chegada dos grupos armados nas cidades e vilas era apenas o primeiro passo. A partir daí, os
armênios eram destituídos de suas casas e posses, organizados em colunas que marchariam até
“colônias agrícolas”, afastadas das áreas que estavam ameaçadas por causa da Guerra.
Obviamente, tais colônias não existiam e eram apenas um eufemismo para grandes campos de
concentrações de deportados, como o da cidade de Aleppo. Depois de reunidos na cidade, os
armênios marchavam rumo ao deserto de Der-el-Zor, ou seja, rumo à morte.
O fato é que a maioria dos armênios deportados sequer chegava aos campos de refugiados. As
colunas de mulheres, crianças e idosos iam se desintegrando pelo caminho, com muitos de seus
componentes morrendo por inanição e maus-tratos. Muitas mulheres e crianças eram raptadas
e levadas para haréns, como parte do espólio conquistado. Outras tantas eram estupradas emortas. Em algumas regiões, a deportação dos armênios era feita por ferrovias, inaugurando
assim o uso das estradas de ferro para transportar a população civil com propósitos genocidas.
Para resumir a prática genocida na Anatólia e Ásia Menor, Balakian elenca as principais ações do
alto escalão do Ittihad ve Terakki da seguinte forma: 1) recrutamento dos homens aptos a
servirem ao exército, mas nas frentes de trabalhos forçados, após terem sido previamente
desarmados; 2) prisão dos armênios com condições de exercer algum tipo de resistência aos
grupos de massacre; 3) preparação da Organização Especial do Comitê União e Progresso para
exterminar os armênios e pilhar suas propriedades; 4) priorização da destruição de cidades que
resistiram aos massacres hamidianos em 1895-96, como Zeytun; 5) utilização da resistência dos
armênios – como na cidade de Van – para legitimar os ataques otomanos, servindo como
pretexto para o Comitê União e Progresso alegar que os morticínios foram respostas à traiçãoarmênia, 6) eliminação da intelligentsia armênia em Constantinopla no dia 24 de abril de
1915; 7) organização das deportações e dos grandes massacres, que ceifaram entre 800 mil e
um milhão de vidas entre os anos de 1915-17. Normalmente estes são os anos mais
lembrados do genocídio. Todavia, as perseguições não terminam nesse período. Além de
massacres dispersos que ocorreram até 1922, houve uma parte do genocídio que não foi
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praticada por gendarmes e soldados, mas por diplomatas e políticos.
Os Tratados de PazO ‐m da Primeira Guerra Mundial veio em 1918 e, com ele, a derrota do Império Otomano e das
potências centrais. Os países beligerantes se puseram então a negociar as rendições e os
espólios do grande con†ito. Para além de Versalhes, outros tratados tiveram lugar em diferentes
momentos, cada qual tratando de interesses especí‐cos.
A questão armênia não poderia estar excluída das negociações. Em 1918, o mundo tinha totalconhecimento dos massacres ocorridos no interior do Império Otomano. Alguns países
solidários à causa, incluindo o Brasil, estavam dispostos a negociar com a derrotada Porta uma
Armênia livre e independente, como lar nacional para os que sobreviveram. O povo armênio se
tornou, de‐nitivamente, uma nação diaspórica.
Em março de 1918, a Rússia Soviética negociou em Brest-Litovsk com os Impérios Alemão,
Austro-Húngaro e Otomano, bem como com a Bulgária. Nessa oportunidade, a Rússia aceitou
evacuar as regiões de Batum, Kars e Ardahan e o restante da Anatólia ocupada, devolvendo as
terras aos turcos. A essa altura, a Armênia compunha o Comitê Transcaucasiano, com Geórgia e
Azerbaijão. A união era uma tentativa dos três países de se fortalecerem para terem suas
aspirações atendidas nas negociações que aconteciam. Em 28 de maio de 1918, algumas
semanas depois de Brest-Litovsk, o Comitê entrou em colapso, e a Armênia se declarou um
Estado independente, tendo como território nacional a chamada “Armênia russa” e uma partedos seis vilayets que compunham o Império Otomano e que foram palco do genocídio.
O tratado mais importante para os armênios foi o ‐rmado na cidade de Sèvres em 1919. Na
ocasião, duas delegações armênias se sentaram à mesa para discutir qual seria o espólio que
caberia ao país. As pretensões territoriais compunham a chamada “Armênia de mar a mar”, que
compreendia os seis vilayets, a Armênia russa, as províncias ocidentais do Império Otomano e a
Cilícia. Evidentemente, numa negociação de grande porte, o pedido inicial armênio foi elevado,
para que durante as discussões as pretensões de cada parte fossem sendo ajustadas de acordo
com a viabilidade.
A situação da Armênia em Sèvres foi acompanhada por Woodrow Wilson. O presidente norte-
americano seria o responsável por delimitar as fronteiras do novo Estado armênio. Os turcos
abdicariam dos territórios delineados por Wilson e garantiriam a segurança e a integridade das
minorias que viveriam dentro de suas fronteiras. Além disso, era de responsabilidade da Porta
julgar os culpados pelos massacres em tempos de guerra. Em 10 de agosto de 1920, a Grã-
Bretanha, França, Itália, Japão, Armênia, Bélgica, Grécia, Polônia, Portugal, Romênia e
Tchecoslováquia assinaram o Tratado de Sèvresa por um lado, enquanto a Turquia era
signatária pela outra parte.
O Tratado de Sèvres atendia às expectativas dos armênios, dando a esses o território
historicamente reivindicado, bem como obrigava os turcos a reconhecerem os crimes de guerra.
Contudo, ele nunca entrou em vigor. A ascensão de Mustafá Kemal na Turquia deu uma nova
roupagem ao nacionalismo da população e pontuou como princípio a modernização e a
ocidentalização do país, às custas do desrespeito ao Tratado que desintegrava o território
otomano. Em dezembro de 1920, o exército kemalista começou seus ataques contra os
territórios armênios, de forma a recuperar o que estava sob controle do país vizinho.
A reação internacional foi imediata e contundente. A Inglaterra e os EUA vociferaram contra a
ofensiva kemalista, enquanto países como Espanha e Brasil se mostravam dispostos a
colaborar diplomaticamente para a resolução do con†ito. Porém, a ajuda prometida nunca
chegou de fato a ser enviada, e a Liga das Nações vetou a entrada da Armênia na entidade.
Desamparada, a Armênia se via mais uma vez frente a frente com a ameaça turca, sem ter a
quem recorrer. A única opção era ceder a autonomia em troca da existência e, em 2 de
dezembro de 1920, a Rússia revolucionária anexou os territórios armênios de Yerevan e
Nagorno-Karabah.
Na Turquia, Mustafá Kemal ‐caria conhecido como o “pai dos turcos” e “eterno líder”. Assim
como Paxá, suas vitórias e glórias nos campos de batalha cobriram-no de prestígio napopulação. Assim, a tradição militarista otomana e o peso sociopolítico se ‐zeram presentes. Foi
sob o seu governo nacionalista que a moderna República da Turquia foi fundada, e as derrotas
do Império Otomano foram sepultadas. Se a queda da Porta foi inevitável, o genocídio foi um
plano elaborado e bem-sucedido. Metade da população armênia otomana – que era de cerca de
dois milhões de pessoas antes da Grande Guerra – foi dizimada, e a Turquia conseguiu manter a
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sua integridade territorial através do Tratado de Lausanne, em 1923, que entrou em vigor no
lugar de Sèvres, rejeitado por Kemal.
A questão é que a Armênia wilsoniana não interessava a ninguém. O território desenhado pelo
presidente norte-americano faria da Armênia uma nação extensa, forte e sob o protetorado
norte-americano, o que para a Rússia não era interessante. Esta, por sua vez, abriu mão, desde
o Tratado de Brest-Litovsk, das terras da chamada Armênia turca. A porção caucasiana foi
preservada e, em 1920, anexada. Mais uma vez, os armênios perderam o direito de ter um
Estado nacional livre e independente, situação que só iria se reverter em 1991, com o ‐m da
União Soviética.
Considerações finaisApós a Segunda Guerra Mundial, os ‐lósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer preocupavam-
se com os riscos de repetição dos mecanismos que tornaram o Holocausto possível. Em obra
posterior, o próprio Adorno relembra o genocídio armênio, acusando as autoridades alemãs de
saberem sobre o ocorrido na época dos acontecimentos, apesar do silêncio absoluto sobre esse
crime contra a humanidade. O Holocausto já era a reedição da violência, da exclusão, da
intolerância e da aniquilação que o genocídio armênio mostrou ao mundo.
A reincidência genocida acontece, em grande medida, por conta da apatia mundial frente aos
horrores perpetrados no interior do Império Otomano, em Auschwitz, nos gulags, em diferentes
prisões e campos de extermínio espalhados pelo mundo a partir de 1915. Essa apatia não éacidental, como bem destaca Samantha Power. Há a necessidade de re†etir sobre os motivos
que, por detrás das cortinas, mitigam o dever ético e moral da comunidade internacional em
impedir a perpetração de genocídios. A inação de povos e dos governos perante os genocídios é
prática política deliberada. Por mais que as missões humanitárias e religiosas norte-americanas
na Anatólia tenham sido pioneiras para tentar parar o massacre, assim como a ação do
embaixador dos EUA no país, Henry Morgenthau, o governo norte-americano hesitou ao prestar
ajuda efetiva ao povo armênio no momento que o genocídio ocorria. O presidente Woodrow
Wilson, que ao ‐nal da guerra iria “adotar” a Armênia, recusou-se a declarar guerra contra o
Império Otomano e nem sequer rompeu as relações diplomáticas com este. Outra potência,
a Alemanha, era aliada de primeira hora do Comitê União e Progresso. Se não podemos
discorrer com clareza acerca da função desempenhada por o‐ciais alemães nas deportações e
mortes de armênios, podemos seguramente dizer que eles estavam cientes do que ocorria com
os armênios e adotaram uma postura omissa frente às mortes.
Também ocultada por uma guerra mundial, a inação internacional diante do Holocausto seguiu
os passos dos acontecimentos com os armênios. Enquanto os nazistas faziam o seu papel de
perpetradores, ou seja, negando a morte sistemática de judeus, os Aliados mantinham distância
do caso, alegando que mortes daquele calibre não poderiam realmente estar acontecendo na
Alemanha. Para os norte-americanos, a vitória na Segunda Guerra Mundial seria a melhor
maneira de agir contra a matança de judeus nas “fábricas nazistas de processamento de
cadáveres”. A incredulidade para matanças em larga escala permeou tanto o caso armênio
como o judeu. No primeiro, a sociedade ocidental não queria acreditar na brutalidade das
mortes dos armênios e, no segundo, o Ocidente achava descabidas as acusações de que
milhões de judeus estavam sendo reduzidos a cinzas. Em suma, os Jovens Turcos e os alemães
nazistas quebraram os paradigmas da história de tal modo que, para os céticos expectadoresocidentais, tudo aquilo não passava de fantasia.
Vahakn Dadrian destaca em um de seus trabalhos outros pontos de intersecção entre o
genocídio armênio e o Holocausto. O autor mostra como, em ambos os casos, partidos políticos
tomaram o aparelho estatal – Ittihad ve Terakki, na Turquia, e Nationalsozialistische Deutsche
Arbeiterpartei, na Alemanha – tendo ‐guras carismáticas à frente – Ismail Enver Paxá e Adolf
Hitler, respectivamente – com desígnios radicais que reverberaram na população.
A comparação entre os dois crimes contra a humanidade também encontra lugar nas
perseguições ocorridas no início dos processos de extermínio. A Kristallnacht, pogrom que
depredou propriedades e levou cerca de 20 mil judeus de grandes cidades da Áustria e da
Alemanha para campos de concentração durante novembro de 1938, foi o acontecimento
correlato ao 24 de abril de 1915 em Constantinopla, quando os intelectuais armênios forampresos e deportados. Mais do que causar um grande impacto demográ‐co, esses massacres
têm como objetivo enviar uma mensagem ao restante da população-alvo, instalando o medo e a
confusão.
É possível comparar também a utilização das deportações como mecanismo de genocídio.
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Principal arma das autoridades do Comitê União e Progresso para dar cabo dos armênios, as
marchas para a morte conduzidas pelos grupos armados curdo-turcos tornavam possível a
eliminação, por inanição, de centenas de milhares de armênios, sem que muita tecnologia
precisasse ser empregada. No genocídio perpetrado pelos nazistas, as marchas da morte
foram uma forma e‐caz de esvaziamento dos campos de concentração no ‐nal da Segunda
Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que acontecia o abandono de milhares de prisioneiros
nas estradas. Os Einsatzgruppen – unidades móveis de execução – faziam o trabalho de
deportação no interior da Polônia e da Lituânia:
Homens de 14 a 60 anos eram conduzidos para um único local, uma praça ou umcemitério, onde eram trucidados, metralhados ou mortos com granadas de mão. Tinham
de cavar suas próprias sepulturas. Crianças de orfanatos, idosos internados em asilos,
doentes hospitalizados eram fuzilados, mulheres eram mortas nas ruas. Em muitas
cidades, os judeus eram levados para “um destino desconhecido” e mortos nas †orestas
próximas.
Para os armênios, a narrativa segue da seguinte maneira:
Há poucos homens entre eles, muito poucos, pois a maior parte foi morta pela estrada.
Todos contam a mesma história de terem sido atacados e roubados pelos curdos, por mais
de uma vez, e um grande número, sobretudo de homens, foi assassinado. Foram também
mortas mulheres e crianças. Muitas morreram de doença e debilidade pelo caminho (…)Têm chegado vários grupos e, depois de ‐carem um ou dois dias, continuam sua marcha,
aparentemente sem destino. Os que têm chegado aqui são apenas uma pequena parte dos
que marcharam. Continuando a forçá-los a marchar desta forma será possível dispor deles
em espaço de tempo relativamente curto.
Para “um destino desconhecido” e em uma marcha “aparentemente sem destino”. Longe de
meras coincidências semânticas, as semelhanças entre os dois testemunhos de diferentes
genocídios explicitam o papel das deportações tanto no Holocausto quanto no genocídio
armênio. Também é conhecido o uso de ferrovias pelos turcos a ‐m de deslocar um grande
contingente da população armênia, como os alemães fariam com os judeus poucos anos mais
tarde. No limite, o genocídio armênio inaugura na modernidade a transferência populacional
como instrumento letal.
A queda do Império Otomano provocou modi‐cações políticas e sociais em seu interior. A perda
dos Bálcãs, no ‐nal do século XIX e início do XX, ensejou uma explosão anticristã, xenófoba e
nacionalista que propiciou o ambiente ótimo para o surgimento dos Jovens Turcos – Comitê
União e Progresso. Ainda, a pressão das potências – principalmente a rivalidade com o Império
Russo – provocava um constante estado de medo no governo otomano de uma intervenção
externa em seu território. Por ‐m, o nacionalismo e o crescente engajamento político dos
armênios se somaram à equação, gerando um quadro altamente in†amável na Anatólia.
A grave crise econômica otomana piorou drasticamente o quadro caótico apresentado. Com os
custos de vários con†itos e uma in†ação nunca antes vista, a Porta não tinha estabilidade
su‐ciente para conduzir tranquilamente os rumos políticos do império. Nesse cenário, surgiu o
elemento estereotipado do armênio causador do mal-estar do Império Otomano, de mãos
dadas com os interesses ocidentais que iam violentamente contra o nacionalismo turco e asobrevivência do império.
A opção por tomar partido no con†ito mundial junto aos Impérios Alemão e Austro-Húngaro,
contra França, Grã-Bretanha e Rússia foi a forma encontrada pelo governo otomano de ter a
revanche sobre as potências que apoiaram, na sua visão, as nações balcânicas nos con†itos que
fragmentaram a porção europeia de seu império.
Além disso, a entrada na Primeira Guerra serviria, segundo Taner Akçam, para a expansão dos
ideais panturqusitas e pan-islâmicos pelos diversos territórios balcânicos e russos que outrora
pertenceram ao Império Otomano. O historiador turco frisa a crescente pressão tanto
interna, por parte dos armênios, como externa, oriunda das potências, para a execução de
reformas nos vilayets orientais. Na visão dos Jovens Turcos, as reformas seriam mais uma
derrota para os turcos, que preferiram resolver a contenda pela solução genocida. O genocídiofoi uma tentativa de criar um Estado turco na Anatólia e, assim, manter vivo o império.
Entretanto, nenhum desses fenômenos pode ser entendido como única causa, seja do
genocídio armênio, seja do ‐m do Império Otomano. Todos os fatores enumerados são frutos
da crise do império e das fracassadas tentativas do sultanato – e, posteriormente, do Comitê
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União e Progresso – em conter a trajetória descendente. Assim foi o genocídio armênio: a
resposta do Império Otomano à sua própria queda, após anos de desgaste econômico, político
e social.
Muito além de vivenciar a queda de impérios e o nascimento de nações e movimentos
nacionais, a década de 1910 ‐cou especialmente marcada por apresentar ao mundo uma nova
modalidade de crime: o assassinato em massa, que anos mais tarde seria nomeado de
genocídio. Nesse sentido, os Jovens Turcos foram modelos para os nazistas que, poucos anos
mais tarde, também organizariam marchas pela morte, reuniriam suas vítimas em campos de
concentração, demonizariam os elementos indesejáveis, classi‐cariam esses como causadores
de todo o mal etc. Entretanto, os nazistas foram julgados, e o Holocausto foi reconhecido tantopor seus perpetradores como pela comunidade internacional, enquanto o massacre de
armênios é negado até os dias atuais.
O extermínio de judeus e a criação do crime de genocídio promoveu, algum tempo depois, um
reajuste de terminologias entre os militantes da causa armênia. Imediatamente após o término
da Segunda Guerra Mundial, poucos intelectuais categorizavam o massacre de armênios dessa
forma. Mas isso mudou drasticamente em 1965 quando uma grande manifestação em Yerevan,
capital da Armênia Soviética, fomentada pelo governo central marcou o 50º aniversário de início
dos morticínios. A partir de então, cresceram as reivindicações para que os massacres de
armênios no Império Otomano fossem conceituados como genocídio, dentro dos marcos da
de‐nição da ONU de 1948. A estratégia de Moscou, ao estimular que os armênios soviéticos
reivindicassem os territórios perdidos para a Turquia após o rompimento do Tratado de Sèvres,
de 1920, consistia em melindrar o país vizinho, membro da OTAN e cabeça de ponte daspotências ocidentais no Oriente Médio, a ‐m de frear quaisquer atitudes do governo turco que
pudessem colocar em risco as posições soviéticas no Cáucaso.
A partir de então, a disputa pela aplicabilidade do conceito de genocídio no caso armênio se
tornou mais intensa. De um lado, armênios soviéticos e da diáspora pressionavam suas
respectivas áreas de in†uência para obterem resoluções de governos nacionais e de organismos
multilaterais em favor do reconhecimento do genocídio armênio; de outro, a República da
Turquia ‐nanciava publicações editoriais e centros de pesquisas ao redor do mundo para
neutralizar as investidas armênias, ao mesmo tempo em que a diplomacia coordenada por
Ancara trabalhava para destacar a singularidade da “Solução Final” no caso judeu durante a
Segunda Guerra Mundial numa tentativa de enfraquecer a experiência armênia de algumas
décadas antes.
Nos anos 1970-80, a disputa que até então estava nos campos da academia e da diplomacia
tomou contornos mais dramáticos. Extenuados pelo jogo político que girava em torno do lobby
armênio, por um lado, e da negação como política de Estado na Turquia, por outro, grupos
dissidentes de partidos políticos armênios que operavam em diferentes países decidiram partir
para a luta armada como forma de propaganda da causa. Entre 1973 e 1985, cerca de 50
diplomatas turcos foram mortos durante ações armadas que visavam representações
diplomáticas turcas pelo mundo. A mais famosa delas, em outubro de 1983, terminou com a
morte dos cinco militantes armênios que tomaram a Embaixada da Turquia em Lisboa.
Ainda que a estratégia dessas células armênias possa ser questionada, o fato é que as atenções
do mundo naquele período se voltaram para a causa armênia. Enquanto o governo da Turquia
se colocava em uma situação de fragilidade perante a opinião pública, utilizando da condenação
do chamado “terrorismo armênio” para desquali‐car as demandas daquele povo, os armênios
aproveitavam a visibilidade causada pelos ataques para criar instituições educacionais e de
pesquisa que fornecessem insumos para o debate, esperando fazer, assim, o contraponto ao
esforço estatal turco.
Depois disso, os pedidos de reconhecimento do genocídio em diversos espaços políticos pelo
mundo se intensi‐caram. Ainda em 1984, uma resolução conjunta da Câmara dos
Representantes dos EUA solicitou que o dia 24 de abril de 1985 fosse declarado como o “Dia
Nacional de Rememoração da Desumanidade do Homem para com o Homem”, após
intensas disputas entre parlamentares in†uenciados pelos lobbies de armênios e turcos,
gerando texto lacônico. Uma resolução do Parlamento Europeu de junho de 1987 teve tom
menos conciliador e de‐niu que:
(…) os trágicos eventos entre 1915-1917 envolvendo os armênios que viviam em território
do Império Otomano constituem genocídio no sentido da Convenção pela Prevenção e
Punição do Crime de Genocídio adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de
dezembro de 1948.
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Donald Bloxham destaca que essa crescente onda de conscientização europeia, no que tange à
causa armênia e a não observância aos direitos humanos na Turquia, colaborou para frustrar os
planos turcos de ingresso no que na época era chamado de Comunidade Econômica Europeia,
antecessora da União Europeia. Não obstante essa derrota política, o país intercontinental não
deixou de ter um peso relevante na geopolítica ocidental, sobretudo no contexto de incertezas
da virada dos anos 1980-90.
Com o ‐m da URSS e da Guerra Fria, todo o tabuleiro geopolítico foi alterado, assim como as
estratégias dos armênios para obter o reconhecimento. A partir de 1991, a existência de um
Estado armênio autônomo fez com que os trabalhos políticos feitos pelas comunidades
diaspóricas ao redor mundo pudessem ter um centro, ainda que, não raramente, o governo emYerevan e a diáspora discordassem drasticamente dos métodos e objetivos utilizados para
angariar apoio à causa. Apesar dos grandes problemas enfrentados pela recém-independente
república, como um terremoto de grande magnitude que destruiu uma importante cidade no
crepúsculo dos anos soviéticos e um con†ito territorial com o vizinho Azerbaijão – que acarretou
no fechamento da fronteira armênio-turca por decisão unilateral de Ancara, em apoio aos
aliados azerbaijanos em 1993 –, os anos 1990 foram promissores para a divulgação da causa e a
obtenção de reconhecimento governamental do genocídio armênio. Na Europa, Grécia, Chipre e
Bulgária reconheceram os acontecimentos de 1915 como genocídio, lançando mão da demanda
armênia para causar certo desconforto à Turquia, adversária histórica dos três países –
sobretudo do país insular, cuja parte setentrional foi ocupada pelo exército turco nos anos 1970.
Na América Latina, o reconhecimento do genocídio tomou um caminho distinto. Com
comunidades signi‐cativas presentes na Argentina, Brasil e Uruguai e, em menor grau, naVenezuela, Chile e México, os armênios gozavam de certa liberdade e autonomia para
reivindicar seus direitos junto aos países onde residiam, uma vez que o subcontinente estava à
margem do tabuleiro geopolítico, distante dos interesses imediatos da Turquia ou das potências
ocidentais. O Uruguai foi o primeiro país no mundo a passar uma resolução legislativa que
menciona os massacres de 1915. Em 20 de abril de 1965, os parlamentares uruguaios
aprovaram o texto da Lei nº 13.326, que decreta o dia 24 de abril como “dia de rememoração
dos mártires armênios”. A grande concentração de armênios e descendentes na capital dessa
pequena república platina certamente colaborou para o pioneirismo, em que pese as profundas
cisões que marcam a coletividade de Montevidéu.
A onda de regimes autoritários entre os anos 1960-80 não permitiu que outros países sul-
americanos seguissem o exemplo uruguaio. Apenas depois da redemocratização do
subcontinente a causa armênia foi reinserida com vigor na pauta política. O Senado argentino
aprovou texto nesse sentido em 1993, rati‐cado por outras resoluções semelhantes nos
anos 2000. Chile, Venezuela e, mais recentemente, Bolívia, trilharam o mesmo caminho. A
falta de articulação da coletividade armênia do Brasil junto às esferas políticas nacionais depois
da redemocratização – não obstante a consecução da alteração do nome de uma estação de
metrô na capital paulista para “Armênia”, em 1985, e a aprovação da Lei n° 6.468, de
19/05/1989, que institui o dia 24 de abril como o “Dia da Solidariedade para com o Povo
Armênio”, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – não permitiu que a demanda
do reconhecimento chegasse aos poderes Legislativo e Executivo federais, embora as entidades
da coletividade lutem, com apoio da República da Armênia, diuturnamente para que isso
aconteça o mais rápido possível.
ConclusãoSe o Império Otomano foi o perpetrador das matanças dos armênios, é a República da Turquia
responsável pelo espólio genocida de seu antecessor. Se não é essa nação a responsável direta
pela maior parte das mortes, é a atual república que nega os acontecimentos, compondo assim
o último estágio do genocídio: a sua negação. Na Turquia, a negação é uma política de
Estado. Intelectuais são incentivados a publicar estudos que tentam mitigar os acontecimentos
de 1915. Fora do país, Ancara faz lobby em universidades espalhadas pelo mundo a ‐m de
conseguir que historiadores e cientistas sociais de renome assinem textos que corroborem a
argumentação criminosa. A cartilha negacionista é invariável: relativiza números, credita os
crimes à insurreição armênia, argumenta que as acusações de genocídio são parte de uma
propaganda dos adversários de guerra ou que são motivadas por propósitos econômicos e
políticos etc. Os que trabalham em prol da negação distorcem e matam a verdade, última vítimado genocídio.
O artigo 301 do Código Penal turco estabelece como crime insultar a dignidade e as instituições
da Turquia. Esse capcioso mecanismo legal foi usado por muitas vezes para silenciar vozes
dissonantes na Turquia que insistiam em a‐rmar que o genocídio armênio aconteceu. Elif
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8/16/2019 Genocídio Armênio_ Uma Introdução Histórica » Política Externa
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30/05/2016 Genocídi o ar mêni o: um a i ntr odução hi stór ica » Pol íti ca Exter na
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