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O que um milagre?1
Olavo de Carvalho
(Transcrio: Abner Schmuller)
Como tema de hoje, gostaria de desviar um pouquinho da sequncia
dedicada ao assunto da paralaxe cognitiva e da mentalidade
revolucionria, para dar para vocs alguns resultados de uma
investigao que estou fazendo a muitos anos, que comecei a muitos
anos, interrompi, agora voltei, que a experincia sobre os
fenmenos chamados miraculosos.
Essa investigao tem uma importncia para a outra, a mentalidade
revolucionria, por um efeito, no tanto de contraste, porque ela vai
fixar a medida, o parmetro, a fronteira, entre uma ordem de
fenmenos e a outra ordem de fenmenos, mesmo porque, em toda
esta efervescncia da mentalidade revolucionria moderna, o
atesmo militante um aspecto bastante importante, e ele tem se
traduzido nos ltimos anos por um florescimento editorial anormal,
uma profuso de livros atesticos cujo pai, ou, cuja me, este de
Vistor J. Stenger God, The Failed Hypothesis Deus a hiptese
falhada. Todos os outros livros que tem aparecido, Christopher
Hitchens, Sam Haris, Richard Dawkins, todos eles pegam a base no
Stenger. O Dawkins reconhece, explicitamente, a dvida que ele tem
para com este autor, os outros nem sempre, mas agente v que os
argumentos so mais ou menos os mesmos.
Toda esta discusso gira em torno da possibilidade de ns
identificarmos, em alguns acontecimentos observveis, uma causa
sobrenatural, ou seja, uma causa de ordem no material que teria
interferido nos acontecimentos. evidente que pelos mtodos
cientficos atualmente existentes, no h nenhuma maneira de voc
identificar a presena ou ausncia de um elemento no material. No
que quer que seja. Ento, de certo modo, toda a discusso j est
viciada desde a base. Especialmente, me parece danosa, prejudicial,
1 Acesso http://www.youtube.com/watch?v=se-HyPc--eo, em 01 de setembro de 2013, s 17:00h. Durao do vdeo: 01h40min.29seg.
a definio inicial mesma do milagre como um fato determinado por
causas sobrenaturais. Esta definio pressupe, em primeiro lugar,
que existem fatos que no tem causa sobrenatural alguma. Este
pressuposto inteiramente absurdo. Porque, se voc definir a
natureza como um campo que est limitado por determinadas leis,
determinadas e conhecveis, ento a natureza, assim, um sistema
fechado que s pode operar dentro dos parmetros, do modo
determinado por estas leis, e neste caso, a natureza, como um todo,
teria que obedecer a segunda lei da termodinmica e que estaria em
extino perptua.
Em contrapartida, todo mundo sabe que existem fenmenos novos,
a todo momento acontecendo na natureza, o surgimento de novas
estrelas ou as galxias, e tudo isto j mostra que a natureza, entre
aspas, no um campo limitado, nem muito menos, definido.
Quando ns usamos o termo natureza, ns, realmente, no sabemos
do que estamos falando, natureza ou cosmos, ns no sabemos.
Estamos querendo indicar uma realidade de extenso ilimitada,
cujos limites ns no conhecemos, mas, em princpio, no possvel
voc fixar limites. Isso quer dizer que, para alm de toda a realidade
conhecida ou conhecvel, existe o reino da possibilidade ilimitada.
Possibilidade que s encontra limites na contradio interna, ou
seja, definir como possvel tudo aquilo que no tem contradio
interna. E, a possibilidade ilimitada, possibilidade universal, se
torna a, mais ou menos, como um marco, dentro do qual, boiaria o
conjunto que ns chamamos natureza. Se neste conjunto, neste
sistema no houve, continuamente, a entrada de novas
possibilidades, a natureza j estaria extinta h muito tempo. De
modo que, fixar um limite entre o natural e o sobrenatural, me
parece, absolutamente, invivel. T certo?
Ademais, essa definio, no podendo fixar os limites da natureza, o
que ela faz? Ela toma os limites da cincia presentemente conhecida,
como se fosse estes limites da natureza. Mas claro que isso
procedimento meramente convencional. E como que de uma
premissa convencional, voc poderia tirar concluses aplicveis ao
mundo dos fatos? Daquilo que convencional, voc s pode tirar
concluses hipotticas. Isto por definio, uma coisa de lgica
elementar. Se voc coloca uma premissa convencional, ela no diz
respeito aos fatos. Voc pode raciocinar com base nesta premissa,
mas todas as concluses que voc tirar dali, esto, j, pr-
determinadas pela prpria conveno. Portanto, so concluses
hipotticas, jamais concluses de fato.
Ento, quer dizer que quando definimos um milagre como fenmeno
de causa sobrenatural, ns, j de cara, entramos no reino do
absurdo. Mais absurdo ainda porque voc est definindo o
fenmeno pelas suas causas, ao passo que, para investigar as causas
de um fenmeno, voc, primeiro, tem que saber o que ele . Se voc
no sabe o que o fenmeno, se voc no tem o conceito dele, no
tem como voc investigar as suas causas. Agora, se voc j embute as
causas dentro da prpria definio, simplesmente no h mais o que
investigar. Quer dizer, outro erro lgico brutal. Por exemplo: ns
sabemos o que um crime. Quer dizer, sabemos o que um
homicdio. Porque ns sabemos o que um homicdio, que ns
podemos investigar quem o praticou. Ta certo? Agora, se ns s
pudssemos definir como homicdio, um ato X ou Y, praticado por
Fulano ou Ciclano, ento, evidentemente, ns s poderamos
investigar um nico homicdio que este mesmo que est contido na
definio.
Ento, a definio de um gnero de fatos no pode ser dada pelas
suas causas. A definio tem que ser dada descritivamente, de modo
que voc possa distinguir este gnero de fatos de outro gnero de
fatos. Dada esta distino, uma vez que voc sabe o que so estes
fatos, a sim, voc pode investigar quais so as suas causas.
Em terceiro lugar, existe o problema de que voc dizer que uma coisa
tem uma causa sobrenatural ou foi causada por Deus, realmente
no dizer absolutamente nada. Isso no uma explicao, de
maneira alguma. Explicar um fato por uma causa sobrenatural,
como ns j vimos, pressupe que h fatos de causas no
sobrenaturais. Mas como, teologicamente, Deus a causa ltima de
tudo, causa primeira ou ltima de tudo o que acontece, ento esta
afirmao meramente tautolgica. Quer dizer que uma coisa
aconteceu porque Deus quis, supe que possa acontecer coisas que
Deus no quer. O que contraditrio com a prpria definio de
Deus como onipotente, como causa primeira. Ento, no entendo
como se pode fazer uma investigao cientfica partindo de uma base
lgica to errada, tanto da parte daqueles que aceitam a existncia
do miraculoso, como da parte daqueles que no aceitam. Agora,
porque estas dificuldades que acabei de colocar, elas raramente, ou
nunca, aparecem para os debatedores do assunto? Elas no
aparecem pela seguinte razo: quando se quer investigar se um fato
foi miraculoso ou no, a primeira coisa que se faz classificar este
fato dentro de uma ordem de outros fatos semelhantes cuja origem
tida como no miraculosa. Por exemplo, o sujeito que curou de
cncer. Primeiro se enquadra o fato em que se diz: Tem-se aqui o
seu fulano que foi curado miraculosamente..., mas, existe uma srie
de pessoas que foram curadas do cncer por maneiras no
miraculosas. Voc, primeiro, enquadra este fato particular dentro da
classe geral chamada cura do cncer e, em seguida, voc vai
investigar se esta cura em particular teve origem sobrenatural ou
no. Com isto, o fato miraculoso j est definido previamente como
no miraculoso, porque voc j o colocou dentro de uma classe de
fenmenos similares. E estes fenmenos similares j so explicveis
por outros meios. Se voc fez isso e em seguida voc procura uma
causa miraculosa para este fato, a mesma coisa que voc procurar
algo que voc j definiu que no pode estar l. Quer dizer: alm de
voc ter um impedimento metodolgico com o fato de que as
cincias naturais, atualmente praticadas, j operam dentro de
limites definidos por elas mesmas, na qual s aquilo que
mensurvel ou, portanto, material, entre aspas, pode ser
observado, alm de voc ter essa dificuldade metodolgica, voc tem
uma dificuldade lgica intrnseca. Voc j classificou o fato dentro de
uma espcie que est, por definio, excluda deste tipo de
investigao. claro que isto a dificultar enormemente a
continuao da investigao.
Quer dizer: as curas miraculosas so invocadas como um
subconjunto do conjunto curas. O conjunto curas no definido
pela interveno de nenhum elemento miraculoso. Ento, quer
dizer: o fato miraculoso nesta perspectiva, um fato banal como
outro qualquer, com a diferena que haveria ou no haveria a
interveno de um elemento miraculoso. Quer dizer: o milagre, a no
caso, amputado das prprias caractersticas que o diferencia dos
outros fatos. Nesta perspectiva, a nica diferena que existe entre
um fato miraculoso e um fato no miraculoso, seria uma causa, quer
dizer, a diferena estaria na causa e no no fenmeno mesmo. Mas,
se o fenmeno pertence mesma ordem dos outros fenmenos,
quase impossvel voc identificar para ele uma causa diferente
daquela que foi assinalada para todos os demais fenmenos da
mesma espcie. Ou seja, este tipo de discusso geralmente ocorre
dentro de uma atmosfera de confuso mental quase psictica.
Ento, o que teramos que fazer da maneira mais lgica ou menos
infame de investigar este fenmeno, partindo do princpio de que
ns no tivemos nenhuma revelao direta que nos esclarea o
fenmeno, quer dizer, partindo da premissa de que ns podemos
investigar somente com as nossas luzes naturais, ainda que com o
apoio do Esprito Santo, mas sem uma revelao especial, o que ns
teramos que fazer o seguinte: em primeiro lugar temos que ver o
que que ns estamos investigando. Isto quer dizer que ns
tnhamos que tentar delimitar o fenmeno miraculoso pelas suas
caractersticas prprias e independentemente das causas, porque as
causas j seriam a explicao do fenmeno. E como podemos
encontrar uma explicao para algo que ns nem sabemos o que ?
Isto quer dizer que toda investigao do miraculoso tem consistido
exatamente nisto, quer dizer, voc vai investigar as causas de uma
coisa que voc no sabe o que e que, de antemo, voc j definiu
pela presena destas mesmas causas. T certo?
Ento, se ns examinarmos, no superficialmente, um nico
fenmeno reconhecido pela Igreja, e ns temos que delimitar o
terreno para evitar outras dificuldades, e claro que existe
inumerveis milagres que a Igreja no reconheceu e nem ficou
sabendo, mas se tomarmos aqueles que so reconhecidos pela Igreja
como miraculosos, ns vamos observar neles algumas caractersticas
que os distinguem de quaisquer outros fatos, isolada a hiptese de
uma causa natural. Ou seja, ns no precisamos as causas. Ou o
fenmeno tem um elemento distintivo em si mesmo,
independentemente da considerao das suas causas, ou ento, no
h sequer uma razo para investigar os fenmenos miraculosos uma
vez que, neste caso, no se distinguiriam de nenhum outro fato no
miraculoso. Quer dizer, se existe uma razo para investigar os fatos
miraculosos, porque h neles algum trao que j os distingue,
independentemente de voc conhecer, ou no conhecer, as causas.
Por exemplo, vamos tomar o milagre mais inquestionvel dos
ltimos tempos, que o milagre de Ftima, que eu mesmo estudei
muito superficialmente. A primeira coisa que vocs vo notar que
este milagre no composto de um fato, quer dizer, no um fato
atomstico, como por exemplo: o senhor Fulano de Tal que estava
com a doena tal e, de repente, acordou sem aquela doena. Isto
seria um fato considerado atomstico, um fato isolado. Ele pode ser
considerado em si mesmo. O que aconteceu em Ftima no foi um
acontecimento, mas uma sequncia de acontecimentos interligados e
pertencentes a muitas espcies de planos de realidades diferentes.
T certo? Primeiro o fato de que trs crianas, ao mesmo tempo,
tinham exatamente a mesma viso, at com data marcada. Quer
dizer, Nossa Senhora marcava a data em que iria aparecer, e elas iam
ali e Ela estava ali. Segundo lugar, o fato de que as trs crianas viam
e ouviam, quer dizer, uma s ouvia, alis, uma s via, as outras duas
s ouviam exatamente a mesma coisa. Quer dizer, as palavras eram
exatamente as mesmas. Em segundo lugar, esta viso trazia dentro
de si uma srie de profecias, anncios de coisas que iriam acontecer
num prazo determinado e marcadas por determinados sinais, como
por exemplo, a ecloso de uma guerra em escala mundial...
(problema tcnico!)
O que eu estava dizendo, vou tentar repetir!
que se ns queremos fazer uma investigao sria a respeito dos
fenmenos do milagres, a primeira coisa que temos que fazer
verificar se existe neles algum trao distintivo que permita catalog-
los dentro de uma classe especfica, sem ter que apelar para a
hiptese de suas causas, ou seja, a delimitao do fenmeno, em
qualquer cincia, a delimitao do fenmeno tem que ser anterior
investigao das suas causas. No isto? Se ns no sabemos o o
qu, muito menos podemos saber o porqu. Quer dizer, a causa
de um fenmeno no pode entrar na sua definio antecipadamente.
Ento, o que ns teramos que fazer, em primeiro lugar, seria uma
espcie de fenomenologia do fato miraculoso, na qual ns
encontrssemos os caracteres distintivos, e os encontrasse de uma
maneira puramente descritiva, os aspectos, quer dizer, os traos
distintivos que nos permitisse, ento, diferenci-los de outras ordens
de fatos. Se ns jamais encontrssemos esses caracteres, ento, no
seria possvel isolar um grupo de fenmenos, como fenmenos
supostamente miraculosos, e ns, ento, no teramos como
investigar as suas causas. Se os fenmenos miraculoso j so
enquadrados antecipadamente dentro da ordem de fenmenos no
miraculosos, no faz sentido voc procurar uma causa miraculosa
para eles. E, por outro lado, se voc os define j, segundo, no por
uma caracterstica deles mesmo, mas os define por uma causa,
ento, aquilo que voc estava querendo investigar, que a presena
ou ausncia de uma causa miraculosa, j est pressuposta na prpria
definio. Quer dizer, ento, esta discusso toda erro lgico encima
de erro lgico.
O que temos que fazer investigar se os fenmenos, a ordem dos
fenmenos tidos como miraculosos, possui alguns traos distintivos
que ns possamos captar descritivamente, no explicativamente. A,
isolaramos esse conjunto de fenmenos de quaisquer outros
fenmenos. Se tornariam perfeitamente distintos. Uma vez distintos,
ns poderamos, ento, a sim, investigar as suas causas.
Dentro desta abordagem, necessariamente superficial, que iremos
fazer nesta aula, eu ia sugerir que ns examinssemos um fato
especfico que reconhecido pela Igreja como fato de ordem
miraculosa, porque, claro que acontecem milhes de milagres que
no so reconhecidos pela Igreja, e que a Igreja nem fica sabendo.
Mas, para evitar maiores dificuldades metodolgicas, ns vamos
estudar somente aqueles que so aceitos pela Igreja como fatos de
ordem miraculosa. E, dentre eles, o mais notvel, evidentemente, o
milagre de Ftima. A primeira coisa que voc vai notar no milagre de
Ftima que ele no um acontecimento singular, um
acontecimento isolado, um acontecimento atomstico. Quer dizer,
uma coisa que acontece num lugar e num determinado momento,
ele uma sequncia, quase um sistema de fatos que aparece de
maneira interligada e inseparvel. Se voc tirar um elemento dali, a
histria j fica sem sentido. Esse fenmeno comea a acontecer
quando trs crianas tem uma viso da Virgem Maria, a qual, lhes
transmite, Ela marca vrios encontros com eles e volta nas datas
certas e as trs crianas vo l e recebem a mesma mensagem. E esta
mensagem contm algumas profecias, com a data aproximativa do
que vai acontecer e quais so os sinais que permitiriam identificar
esses fatos, logo antes de eles acontecerem, como dentre outros fatos
que foram ali anunciados, a guerra mundial, a guerra de 1914 que,
disse a Virgem Maria, seria anunciada pelo surgimento de uma
estranha luz no cu. O que, de fato, aconteceu pouco antes da
ecloso da guerra, houve em plena Europa ocidental um fenmeno
como se fosse o da aurora boreal, quer dizer, uma coisa que s se v
no plo. E, logo em seguida, veio a ecloso da guerra. Um outro
fenmeno foi a revoluo comunista na Rssia e, vamos dizer, um
outro ainda mais recente a apostasia geral no mundo cristo, isto ,
a debandada dos cristos, a entrada do elemento, a traio mesmo
nas altas esferas da Igreja, e isso aconteceu.
Ao mesmo tempo, houve, na data marcada por Nossa Senhora, um
acontecimento astronmico extraordinrio chamado dana do Sol,
com o Sol se movendo no cu diante de milhares de pessoas que
estavam ali observando. E, ao mesmo tempo, houve uma exploso de
curas miraculosas nas pessoas doentes que estavam ali presentes e
outras que estavam nas redondezas. O fenmeno da dana do Sol foi
visto no s por aqueles que estavam presentes no local, mas por
pessoas que estavam a muitos quilmetros de distncia e que no
sabiam que estava acontecendo aquele encontro das crianas, da
multido, com Nossa Senhora naquele momento.
E olha, este conjunto que se chama o milagre de Ftima. No
uma coisa, ou outra coisa. Certo? Qualquer elemento da, que voc
isolasse, poderia ser catalogado dentro de uma cincia em especial e
estudado pelos mtodos dela. Mas esse conjunto inacessvel
totalidade das cincias. Por qu? Porque esse conjunto aquilo que
ns chamamos de fato concreto. Na verdade, no nem um fato
concreto. uma sucesso concreta de fatos. A sucesso concreta
no sentido de que todos eles evoluem juntos, um leva a outro, outro
leva a um, um anunciado de antemo, um traz, vamos dizer, dentro
de si a semente do outro, que por sua vez o elucida retroativamente.
Ento, pergunto eu: existe alguma cincia capaz de investigar as
relaes entre um fenmeno astronmico, como a dana do sol, as
curas miraculosas, as causas da primeira guerra, as causas da
revoluo russa, o fenmeno da luz que apareceu no cu, logo antes
da guerra, e a capacidade, ou no capacidade, que trs crianas tm
de ter uma viso de Nossa Senhora? Existe alguma cincia que possa
estudar isso? claro que no! Este fenmeno no acessvel aos
mtodos de nenhuma cincia. E isto que o torna miraculoso. Ns
no precisamos, vamos dizer, apelar explicao de causas
sobrenaturais. Ns no temos a menor idia do que causou tudo
isso. E no precisamos ter! O fenmeno miraculoso em si mesmo,
ou seja, ele pela sua prpria estrutura e constituio interna, ele
escapa possibilidade de ser apreendido explicativamente pelos
meios humanos de conhecimento. Ns no somos capazes, sequer,
de conceber uma cincia que conecte explicativamente todas essas
ordens de fenmenos ao mesmo tempo! Isso, simplesmente, para a
inteligncia humana, uma supercincia, que seria uma espcie de,
que misturaria ali astronomia, astrologia, histria, patologia,
fisiologia, tudo isto junto?! Para explicar o milagre de Ftima,
precisaramos de uma cincia capaz de penetrar, no nos fatos que
so prprios de cada cincia, quer dizer, em fatos selecionados
abstrativamente, de acordo com suas caractersticas essenciais, ou
seja, fatos abstrativamente selecionados, mas uma cincia capaz de
explicar o fato concreto.
Ora, ns vimos em algumas aulas atrs, que no existe cincia do
fato concreto e no pode existir. Cincia de nenhum fato concreto!
Se voc pegar um fato simples, por exemplo, um sujeito que matou o
outro na esquina: voc pode decompor esse fenmeno em vrios
aspectos, e voc ter vrias cincias que estudam estes aspectos
separativamente. Mas no tem nenhuma cincia que os junte, que
possa junt-los. Claro, voc pode juntar esses vrios conhecimentos
numa tcnica. Essa tcnica a tcnica policial! Mas, quando eu digo
juntar, estou falando juntar no sentido cientfico, isto , voc vai
encontrar um princpio explicativo comum para todos os aspectos do
fenmeno. No pode haver isso! No h princpios comuns entre um
fenmeno astronmico e as causas de uma guerra. Mesmo supondo-
se que voc acredite em astrologia, os astrlogos, que por milnios
estudam isso, so capazes de assinalar, s vezes, algumas
coincidncias entre um fato astronmico e um fato histrico
terrestre. Mas s uma coincidncia. Eles no em nenhuma
explicao disto. Agora, se voc no acredita em astrologia, ento
pirou ainda. A voc no tem nem isto. Est certo?
Ns vimos num exemplo que eu dei aqui, numa aula que ns tivemos
aqui, eu defini o fato concreto como um fato considerado na
convergncia sucessiva e simultnea de todos os acidentes
necessrios para que ele se produza. Por que, se faltar um nico
acidente, o fato no se produz. Ento, por exemplo, o sujeito matou
o outro e tinha um motivo para matar o outro. Ou ele matou para
assalt-lo, ou ele matou por algum motivo passional, por causa de
cime, ou matou por algum interesse, por alguma vingana... Tem
algum motivo. Esse motivo pode ser rastreado na histria dos dois,
e, vamos dizer, descrito psicologicamente. Mas por outro lado, o
sujeito usou um instrumento qualquer, vamos supor que ele deu um
tiro na cabea do outro. E, na hora que ele deu um tiro, o projtil
percorre um determinado trajeto e atinge a cabea do cidado com
um determinado impacto. Esse trajeto e esse impacto so
determinados por certas leis fsicas. Existe um princpio explicativo
comum entre a causa do crime e o trajeto do projtil? No, no tem!
Existe apenas, vamos dizer, a convergncia de duas linhas de causas
absolutamente independentes, ou seja, considerada cientificamente,
estas causas so independentes e, por isso mesmo, elas so
estudadas por cincias distintas. Mas na ordem do fato concreto,
elas no so independentes, porque, justamente, a convergncia
delas que determina o fato. Se acontecesse s uma delas, sem a
outra, o crime no aconteceria. Ou seja, se existe a causa do crime, e
ns a conhecemos perfeitamente, se ns investigamos o criminoso e
ele mesmo confessou, se ns sabemos perfeitamente a causa do
crime, mas o trajeto da bala outro, a bala acerta na parede e a
vtima continua viva, e ns no temos nenhum meio de conectar, na
esfera causal, uma coisa e a outra. Ou seja, considerado no campo
das cincias atualmente existentes, a causa do crime e o trajeto da
bala no so conectveis racionalmente. Eles s so conectveis
acidentalmente. Existe uma cincia da acidentalidade? Por
definio, no!
Ora, o fenmeno miraculoso, como qualquer outro fenmeno no
miraculoso, ele sempre um fato concreto. E, o fato concreto ,
justamente, composto de uma multido de acidentes, vamos dizer
assim, que no tem conexo lgica uns com os outros. Tem conexo
factual, tem conexo acidental, por assim dizer, e no h cincia das
conexes acidentais entre milhares de linhas causai independentes.
Ora, o fenmeno miraculoso se distingue do outro fenmeno,
justamente, pelo tipo de confluncia que acontece entre as vrias
linhas causais, e no pela presena de uma causa em particular. Est
compreendendo? Ento, o fenmeno miraculoso se d,
precisamente, de um modo que essas conexes acidentais j esto
mostra, por assim dizer, no prprio fato central do conjunto
miraculoso. Quer dizer, quem conectou essas vrias ordens de
fenmenos? Quem conectou a dana do sol, com a ecloso da
Primeira Guerra, com a revoluo russa, as curas miraculosas? Foi a
prpria Nossa Senhora! Ela disse que isso ia acontecer e era Ela que
estava fazendo. Ou seja, as conexes entre as linhas de causalidade,
acidentalmente, alis, as vrias linhas de acidentalidade e de
causalidade presentes, j esto elucidadas, j esto, como que se
diz?, postas mostra no prprio fenmeno. Quer dizer, o fenmeno,
de certa maneira, ele tem uma translucidez que o fenmeno comum
no possui. como se algo, da prpria estrutura da realidade, se
mostrasse ali de uma maneira simultnea que no pode aparecer,
nem nos fenmenos da vida diria, nem nos fenmenos investigados
pelas chamadas cincias.
Ou seja, o fato no qual ns no conseguimos identificar a clareza da
conexo na prpria estrutura do fato, sem considerar as causas, tem
que ser excluda da ordem miraculosa. Por exemplo, vocs vejam
esses famosos milagres do Padre Pio (de Pietrelcina). Um dos mais
famosos, foi o seguinte: durante a guerra (2 G.M) havia um
acampamento alemo numa determinada cidadezinha da Itlia,
Pietrelcina, e soldados americanos, da aviao americana, foram
mandados l para bombardear aquele lugar. S que, acontece que
junto com o acampamento tinha a cidade tambm. E quando
estavam se aproximando da cidade, o comandante da esquadrilha
americana, cujo nome me esqueo agora, mas, talvez, depois eu
possa investigar, ele viu um frade voando na frente do avio e
gesticulando como que se indicasse que as bombas deveriam ser
jogadas em um outro lugar. E, as bombas, de fato, foram cair todas
em um outro lugar e no acertaram a cidade. Esse capito ficou
muito impressionado com a coisa e anos depois ele voltou mesma
cidade, e entrou numa Igreja e a primeira pessoa ele encontrou foi,
justamente, aquele monge que estava voando. E o monge virou para
ele e pergunta assim: Ah! Era voc que estava jogando bomba na
gente?
Ora, este um fato muito menos complexo do o milagre de Ftima.
Mas, neste mesmo momento, ele j conecta uma infinidade de linhas
causais que so absolutamente diferentes, irredutveis qualquer
cincia possvel. Por exemplo, ns poderamos investigar, vamos
dizer, cientificamente, entre aspas, as causas da viso que o piloto
do avio teve. Mas, ns no teramos como explicar o fato de que o
objeto dessa viso existia realmente. Nem, muito menos, o fato de
que ele seria encontrado anos depois pelo mesmo sujeito que teve a
viso. E, muito menos, que este objeto da viso, que era o Padre Pio,
fosse portador da informao de que o outro o viu. Estes casos de
viso mtua foram muito comuns na vida do Padre Pio. O sujeito
que sonhava com ele e, ao mesmo tempo, ele sabia que o sujeito
tinha sonhado com ele. Houve um outro caso, tambm, de um
sujeito que batia muito na mulher e que uma noite ele viu um monge
sacudindo a cama dele. E da, depois, ele viu uma foto do Padre Pio e
disse: Ah! Foi esse aqui que estava l sacudindo a minha cama...,
e foi procurar o Padre Pio, e o Padre Pio disse: Era eu mesmo que
estava l!. Estes casos (so), vamos dizer, de viso mtua. Quer
dizer, algum visto no sonho e, naquele mesmo momento, sabe que
est sendo visto no sonho.
Ento, no existe nenhum mtodo cientfico possvel que permita
conectar essas vrias linhas de causas. Quer dizer, uma cincia
comea na hora em que voc consegue delimitar um certo campo de
conhecimentos que acessvel uma metodologia j determinada de
antemo, porque a metodologia que vai determinar os critrios de
observao e de prova que so admissveis para aquele campo em
particular, de modo que, se o objeto no est suficientemente
delimitado pelas suas caractersticas descritivamente, no possvel
comear a cincia. Quer dizer, se o campo de uma cincia est
demasiado interpenetrado por outros campos, voc no consegue
desenvolver a metodologia prpria, portanto, voc no consegue
criar as cincias. Portanto, a possibilidade da existncia de uma
cincia repousa na possibilidade de isolamento abstrativo de um
certo aspecto da realidade que, por esta cincia, s ser encarado sob
aquele aspecto especfico. Claro que, depois, voc pode tentar
articular isto com os resultados de outras cincias. Mas, com
frequncia, esta simples articulao supe o surgimento de uma
terceira cincia. Agora, uma cincia capaz de articular
simultaneamente todos os aspectos da realidade, ou seja, uma
cincia capaz de estudar o fato concreto no existe. E o fato
miraculoso se distingue do outro j na ordem mesma dos fatos
concretos, independentemente da considerao das suas causas. Eu
espero que isto esteja ficando claro. Por exemplo: o fato da moa
italiana que nasceu sem pupilas e que aos sete anos de idade foi
curada pelo Padre Pio. O Padre Pio no fez aparecer pupilas nela. Ela
continua to sem pupilas quanto antes, mas enxerga como ns. Quer
dizer, como que voc vai estudar cientificamente este fato? A
possibilidade de enxergar sem pupilas, cientificamente, nula.
Ento, voc no tem por onde comear a estudar. Voc no tem por
onde pegar o fato. Voc pode tentar decomp-lo em mil aspectos,
mas voc jamais explicar porque aquilo aconteceu naquele
momento.
Ento, vamos dizer que a expresso causa natural, causa
sobrenatural, causa sobrenatural, no faz parte da definio do
fato miraculoso. Faz parte da sua tentativa de explicao. Mas, como
eu disse voc pode explicar um fato por causas sobrenaturais, no
explica-lo, de maneira alguma, porque (o mesmo) que voc dizer
que ele aconteceu por Deus quis. Mas, se voc religioso, acabou de
dizer, tambm, que Deus causa tudo o que acontece. Ento, se Deus
causa tudo, ento no de estranhar que Ele tenha causado mais
alguma coisa. Isto a no uma explicao vlida, de maneira
alguma. Voc teria que explicar qual o diferente percurso que Deus
usou para causar este fenmeno, (ou) outro percurso que Ele usa
para causar outros fenmenos. Ento, no caso, se diz: ele usou de
meios naturais e em outro caso de meios sobrenaturais. Mas,
acontece que ns no sabemos onde comea uma dessas coisas e
onde termina a outra.
Alm disso, qualquer fato da ordem natural, pelo simples fato de que
ele tenha acontecido, ele pressupe a ordem sobrenatural, ou seja, a
ordem da possibilidade universal. A possibilidade universal no
pode ser explicada por nenhum estudo da factualidade atualmente
existente.
A possibilidade universal um pressuposto da existncia, do que
quer que seja, e tambm um pressuposto da sua abordagem
cientfica. Note bem, a cincia da lgica, ela no lida com fatos, no
lida com coisas reais. Ela lida, apenas, com a estrutura da
possibilidade.
Por outro lado, o que fazem as cincias? As cincias partem de certos
fatos, observados, e buscam para eles uma explicao ou uma
descrio, uma articulao racional. O que voc estudar
cientificamente um fato observado? voc enquadrar um fato real
dentro da ordem da possibilidade, dentro da estrutura da
possibilidade, ou seja, a existncia da estrutura da possibilidade
um pressuposto da prpria atividade cientfica. Mas a estrutura da
possibilidade independente da existncia de quaisquer fatos reais.
Vamos dizer, as leis de lgica elementar, assim como as leis da
aritmtica elementar, elas so independentes, at mesmo, da
existncia do cosmos. Quer dizer, o fato de que 1+1 d 2
independente da existncia do universo inteiro. Em quaisquer
universos existentes, 1+1 tem que dar 2, necessariamente. Ento
quer dizer que a estrutura da lgica, a estrutura da aritmtica
elementar, so a estrutura da possibilidade universal. A
possibilidade universal , exatamente, aquilo que teologicamente a
onipotncia divina. Ns sabemos que, na realidade, no cosmos
efetivamente existente, nem todas as possibilidades se realizam. Ns
dizamos que nem tudo que possvel se realiza, mas, ns tambm
sabemos que tudo aquilo que acontece, tudo aquilo que se realiza,
possvel.
Ento, o que que faz a cincia? Dar uma explicao lgica para o
fato enquadrar esse fato dentro da ordem da possibilidade, dentro
da estrutura da possibilidade. Quer dizer, os fatos, o mundo da pura
experincia, o mundo emprico, em si, ele opaco. Ele s se torna
inteligvel, racionalmente, na hora em que voc o enquadra dentro
da possibilidade. Quando voc conecta, diz que uma coisa foi
causada por outra, voc est conectando a ordem factual com a
ordem causal. O que a ordem causal? a estrutura da
possibilidade.
Ora, a estrutura da possibilidade universal independente e prvia.
A qualquer acontecimento que seja. Ela eterna, por assim dizer.
Ento isso quer dizer que se no existisse a estrutura da
possibilidade, nenhum estudo cientfico, do que quer se seja, seria
jamais possvel. Ns ficaramos, mais ou menos, como bichinhos que
recebem fatos, mas no tem a sua conexo lgica. Pode ter conexo
lgica atomstica, mas no pode ter um sistema, uma estrutura de
explicao racional, como ns temos. Esta estrutura, no outra
coisa que no a prpria ordem, a prpria ordem da possibilidade,
no considerada a totalidade, que para ns impossvel, mas
considerado dentro de certos limites que nos so acessveis.
Ora, quando ns pegamos um fato tido como miraculoso e o
enquadramos dentro de uma ordem de fatos no miraculosos, e
dizemos que eles s se distinguem dos outros pela interferncia de
uma causa, isso quer dizer que uma causa diferente teria provocado,
exatamente, a mesma coisa. Ou seja, a cura do cncer. Temos aqui
duas pessoas que tem cncer e uma que curou por meios
bioqumicos e conhecidos, e outra que foi curado miraculosamente.
Num caso, o fator interveniente foi a medicina. No outro, teria sido
Deus. Ou seja, a causa natural e a causa sobrenatural provocaram,
exatamente, a mesma coisa. Quer dizer, em primeiro lugar se deveria
nos explicar como que causas, especificamente diferentes, podem
provocar, exatamente, a mesma coisa? Este tipo de estudo
absolutamente invivel. Por isso que eu digo que teramos que
comear por uma fenomenologia do fato miraculoso. O fato
miraculoso, ento, teria que ser diferenciado dos demais fatos, pela
sua prpria estrutura visvel, independentemente da considerao
das suas causas.
Ora, quando que ns encontraremos uma explicao cientfica da
causa do fenmeno miraculoso? Jamais, jamais, jamais... Isso, no
por uma limitao do nosso conhecimento, por sua prpria estrutura
e pela estrutura daquilo que ns chamamos cincia. Se no h a
cincia do fato concreto, e o fato miraculoso s se distingue dos
outros, justamente, pela sua estrutura enquanto fato concreto, isto
est eternamente fora do domnio da cincia.
Em terceiro lugar, o fato miraculoso, ele, embora no seja acessvel a
uma explicao para ns, ele traz, imediatamente, na sua prpria
presena, ele mostra a conexo entre ordens de causas, cuja conexo
ns no podemos enxergar normalmente. Ento, de certo modo, ele
tem uma inteligibilidade prpria, que os fatos no miraculosos no
tem. Por exemplo, quando no milagre de Ftima a viso que as
crianas tiveram, as curas miraculosas, a luz aparecida no cu, a
dana do Sol, a revoluo russa, a primeira guerra, tudo isto, aparece
mostrado como portador de conexes internas. Conexes internas
que, normalmente ns no vemos. Isto quer dizer que o evento
miraculoso, ele no pode ser explicado em si mesmo, mas ele, por si
mesmo, e na sua prpria estrutura material, ele lana uma luz sobre
as conexes causais que, normalmente, ns no enxergamos. Ento,
de certa maneira, ele, no podendo ser explicado, ele tem uma fora,
no digo explicativa, mas uma fora iluminativa que nos permite, em
seguida, enxergar conexes que antes ns no enxergvamos. Ento,
nesse sentido, o fato miraculoso tem a estrutura daquilo que em
outros domnios se chama smbolo. O smbolo foi definido pela
filsofa Susanne K. Langer, que uma dos melhores estudiosos em
sua rea, como matrizes de inteleces, ou seja, um smbolo algo
que voc no entende em si mesmo, mas que ajuda voc a entender
uma srie de outras coisas. Por exemplo, as narrativas Bblicas.
Muitas vezes voc no entende o que est se passando ali, mas
depois, quando voc comea a encontrar na vida real, anlogos
daqueles fatos, estes, segundo os fatos observados, se tornam
inteligveis graas fora unificante dos smbolos que os rene, que
rene os vrios fatos dentro de uma espcie condensada naquele
smbolo. E exatamente isto que o fato miraculoso faz. Voc no o
entende, mas ele lana uma luz sob inumerveis conexes causais,
que normalmente no nos so visveis. E esta uma caracterstica
prpria do fato miraculoso. claro que todo fenmeno, qualquer
fenmeno, encarado de uma certa maneira, pode ser simblico, mas
o fato tido como tido como miraculoso ele j tem uma estrutura
simblica em si mesmo e ele inseparvel deste estrutura simblica.
Esta inseparabilidade da presena do fenmeno do seu carter
simblico, este, o carter distintivo do fenmeno miraculoso. Ou
seja, em primeira instncia no o milagre que tem que ser
entendido, mas o resto que tem que ser entendido luz daquele
milagre. Todo e qualquer fato pode ser encarado simbolicamente ou
no, mas o milagre tem de ser. Ele no admite ser encarado de outra
maneira. Por qu? Porque da natureza dele mostrar fisicamente a
conexo entre ordens causais cuja conexo, normalmente, no nos
aparece. Isto exatamente o que faz o smbolo. Esto
compreendendo isto? Visto desta maneira, o fato miraculoso no
tem que ser explicado, porque ele a raiz das explicaes. Ele lana
luz sob o resto. E ele se chama milagre, miraculum exatamente por
isto: uma coisa que digna de olhada, de ser contemplada.
Ento, ao milagre se aplica aquilo que Aristteles dizia dos ritos de
mistrios, de um modo geral, ele dizia: eles, nada nos ensinam, mas
eles deixam em ns uma profunda impresso que age, por assim
dizer, no estou usando as palavras de Aristteles, agem
vitaminicamente sobre nossa inteligncia. Ele estava enunciando,
antecipadamente, o que a Susanne K. Langer diria do smbolo como
matriz intelectual. Um milagre no aquilo que para ser explicado
em si, mas para ser contemplado, diferenciado dos outros
fenmenos, evidentemente, e usado em seguida como matriz para o
entendimento de muita coisa que aconteceu em seguida, ou que
acontece simultaneamente. Isso quer dizer, o fenmeno miraculoso
tem caractersticas que nenhum outro fenmeno tem. Uma destas
caractersticas que ele no pode ser compreendido em si mesmo,
ele no pode ser abarcado em si mesmo, mas ele lana uma luz sobre
outros fatos. Esse o verdadeiro critrio do estudo dos fatos
miraculosos.
Aqui tem um monte de perguntas...
(Pergunta do aluno:) O senhor falou de uma grande apostasia que
ocorreria na Igreja e que estaria contida no terceiro segredo de
Ftima, conforme afirma um jornalista italiano em um livro
editado h uns dois anos na Itlia, cujo nome no me lembro, do
qual h uma resenha escrita no site do Orlando Fedeli. No entanto,
a Igreja nunca confirmou estas informaes...
claro no confirmou, mas a existncia da apostasia, me parece que
uma coisa evidente, um fenmeno que estatisticamente voc
comprova. As pessoas que esto debandando, abandonando a Igreja,
por tudo quanto lado. Isso aconteceu mesmo. Acho que agora
parou de acontecer. Est havendo um retorno. Mas que aconteceu,
aconteceu. E houve a traio interna. O fenmeno do Conclio
Vaticano II, simplesmente no possvel negar o escndalo do que
aconteceu no Conclio Vaticano II, vamos dizer, em que o Vaticano
negocia com o governo comunista. Por causa da presena de dois, ou
trs bispos ortodoxos, ou seja, bispos de uma Igreja no Catlica.
Por causa da presena de trs no Catlicos, a Igreja se compromete
a no falar do comunismo durante todo o Conclio Vaticano II. O
comunismo foi o fenmeno mais importante do sculo XX, e em
todas as atas do Conclio, voc procura, e no encontra a palavra
comunismo como se no tivesse acontecido. claro que isso uma
gigantesca mentira, isso uma gigantesca farsa. Se isto j no a
apostasia, no sei o que .
Ah, olha aqui, uma pergunta interessante...
(Interveno do aluno:) Um usual argumento dos ateus acerca dos
fatos miraculosos o seguinte: os antigos entendiam ser e fato
miraculosos como meros fatos naturais divinizados, assim o Sol
seria um deus para os egpcios, apesar de ser apenas uma estrela
aps o aumento da compreenso humana pela cincia. Desta
forma, diz que acreditar em fatos miraculosos seria apenas uma
ignorncia do homem contemporneo e da nossa incapacidade de
compreender ainda o que seja este fenmeno.
Muito bem, exatamente isso que acabei de explicar. Qualquer fato
pode ser encarado simbolicamente. E, uma vez encarado
simbolicamente, voc pode dar a ele uma caracterstica divina.
Qualquer fato pode ser smbolo da divindade. Mas o fato miraculoso
exatamente aquilo que no tem como no ser simblico, porque,
ele, por si mesmo, e no por fruto da nossa ignorncia, no pode ser
objeto de explicao, somente de descrio. Esto compreendendo?
Porque, primeiro: o fato miraculoso no um fato, uma
convergncia de fatos; segundo: no h, e no pode haver cincia
que explique estas convergncias isto incompatvel com o
prprio mtodo cientfico admitido h quatrocentos anos; terceiro: o
fato miraculoso mostra conexes que no poderiam aparecer de
outro modo se existe, durante uma viso que milhares de pessoas
tem ao mesmo tempo, acontecem inmeras curas miraculosas ali e
em volta, em outras pessoas que no esto assistindo o fenmeno,
que no esto tendo a viso de Nossa Senhora, mas que de longe
vm a dana do Sol, tambm entre estas pessoas acontecem as curas,
e, ao mesmo tempo, a profecia ali anunciada se cumpre no prazo
devido, com os sinais anunciados, claro que todas estas linhas
causais imensamente diferentes, esto conectadas naquele momento
pela apario de Nossa Senhora. Isto pode ser objeto de estudo
cientfico, tal como eu estou fazendo aqui. Este o estudo cientfico
que pode ser feito disto. Raciocine um pouco! No pode haver
estudo cientfico de um fenmeno se voc no tem a descrio dele, e
a descrio o que eu estou fazendo. E, to logo voc fez a descrio
cientificamente vlida, logicamente defensvel, sensata, do
fenmeno, voc entende que ele no pode ser referido nenhuma
causa. Nem mesmo sobrenatural, porque explic-lo por causas
sobrenaturais, primeiro: no seria explic-lo. Visto de outro modo, o
fenmeno miraculoso, no que ele tenha uma causa sobrenatural,
ele sobrenatural. Ele um momento em que a dimenso da
possibilidade universal se abre e aparece parcialmente para ns. E,
por isso mesmo, na possibilidade universal, no plano da
possibilidade universal, todas essas linhas causais que,
normalmente, nos so inacessveis, todas elas esto dadas l
simultaneamente. E ns entrevemos um pouco dessas ligaes. O
fato miraculoso nos elucida, nos lana uma luz, torna inteligveis
certas ligaes que normalmente ns no veramos. Existem duas
atitudes perante isto: se voc encara o fenmeno miraculoso como
algo que deve ser contemplado e que deve, portanto, fecundar a sua
inteligncia, voc comea a entender uma srie de coisas no entorno.
Agora, se voc coloca entre voc e o fenmeno miraculoso uma
distncia, se tenta transform-lo em um objeto de estudo, voc se
priva da fora fecundante que ele est lanando sobre a sua
inteligncia. como o sujeito se emburrecer para estudar a
inteligncia, ou arrancar a prpria cabea para estudar a fisiologia
cerebral. Isto no faz sentido.
Algum pergunta...
(Pergunta do aluno:) Scrates no contestou a mitologia grega e
por isso foi condenado morte?
Scrates jamais contestou a religio Grega. Nem por um nico
instante.
Algum pergunta se vale perguntas sobre as aulas passadas. Vale.
(Pergunta do aluno:) O senhor no pensa em derivar dos seus
estudos sobre a paralaxe cognitiva as consequncias clnicas e
pedaggicas?
Certamente penso!
(Pergunta do aluno:) Existe alguma medida profiltica contra a
paralaxe, algo como a introspeco metdica proposta por Paul
Diel?
Certamente existe e este um campo maravilhoso de estudo!
(Pergunta do aluno:) O senhor poderia dar dicas de leituras sobre
a psicologia da vocao e a formao volitiva intelectual?
Em primeiro lugar o livro do Sertillanges. La Vie Intellectuelle de
A. G. Sertillanges e o outro, Le Travail Intellectuel do Jean
Guitton. Isso a tem que ler. Depois eu passo os ttulos direitinho.
Isso a tem que ler. Alis, estou publicando esta semana, no Dirio
do Comrcio, uma breve resenha do livro do Eric Voegelin
Reflexes Autobiogrficas, dizendo que este livro o complemento
natural inverso do livro do Sertillanges. O Sertillanges mostra ali os
princpios, os mtodos da vida intelectual e o Eric Voegelin, j na
velhice, contando como foi a sua formao, a formao que ele
adquiriu por vontade prpria, atravs do projeto que ele fez to logo
ele captou a ordem dos problemas que ele queria investigar pelo
resto da vida, ele foi buscando os conhecimentos necessrios para
chegar onde ele queria chegar. Ento, voc tem num lado os
princpios e mtodos e do outro voc tem um exemplo concreto de
uma vida intelectual extremamente bem sucedida. Eu sugeriria que
voc lesse este dois livros, um depois do outro, e voc vai ver que
Voegelin fez exatamente a receita do Sertillanges.
Mas, voltando aqui aos fatos naturais divinizados, qualquer fato
podendo ser encarado na ordem simblica, qualquer fato pode ser,
tambm, mitologizado. Qualquer fato, por mnimo que seja, pode ser
encarado dentro da escala do divino. Ele pode ser. Mas ele tambm
pode ser encarado fora disso. Agora, quando voc pega um fato
miraculoso e voc tenta encar-lo fora da sua escala prpria, voc o
est picotando, voc est separando aquilo que nele est junto. E,
justamente, o que ele tem de especfico que nele estas vrias linhas
causais esto juntas inseparavelmente, ou seja, voc est mutilando
o fato e trocando por outro fato da sua prpria inveno para o qual
da voc busca uma explicao. claro que este tipo de investigao
irracional na base. Esto compreendendo? Voc comea por tirar
um fenmeno da sua prpria ordem e coloc-lo numa outra ordem, e
em seguida buscar causas.
Ora, a aceitao de uma causa divina depende de voc ter toda uma
estrutura doutrinal teolgica pronta. Quando voc pega aquele fato e
o enquadra dentro de uma doutrina teolgica da voc diz que aquele
fato teve uma causa sobrenatural, etc, etc, etc... (Foi) causado por
Deus assim, assim, assim. Dependendo da religio que voc segue,
voc vai dar uma explicao mais ou menos diferente. Mas, o fato
que a possibilidade mesma de haver as explicaes teolgicas
depende da existncia de fatos miraculosos. No teologia que vai
explicar o fato miraculoso. o fato miraculoso que explica a
possibilidade da teologia, porque o fato miraculoso que abre a
viso humana para a existncia de um outro plano de realidade no
qual, as conexes que nos so invisveis, se tornam visveis. E toda a
especulao teolgica que voc faz a, no seno o efeito remoto
deste impacto iluminante que o fato miraculoso teve sobre a
inteligncia humana. Agora, note bem, quando Santo Toms de
Aquino, no fim da vida, diz que, perto das coisas que ele tinha
acabado de compreender, tudo o que ele tinha escrito antes era
apenas palha, exatamente isto que ele est querendo dizer. Vocs
esto querendo levar a srio, demais, a teologia. Nem mesmo a
teologia pode dar uma explicao acerca do fenmeno miraculoso.
Por qu? Porque ela, simplesmente, um efeito residual do
fenmeno miraculoso.
claro que uma filosofia, ou qualquer enfoque cientfico que se
tenha, que exclua da realidade a existncia dos fenmenos
miraculosos, est mutilando a realidade porque estes existem. E
existem numa quantidade assombrosa. Por exemplo, no livro do
James Rutz, ele d ali setenta e dois casos de ressurreio que
aconteceram recentemente. No o sujeito que estava clinicamente
morto. No, o sujeito estava morto mesmo, no sentido total da coisa
e que voltou. Estas coisas acontecem.
Me diga um exemplo de um nico mtodo cientfico que possa
estudar isto. No tem como. Isto absolutamente inacessvel, no ao
estado presente dos nossos conhecimentos, mas idia mesma de
mtodo cientfico. A no ser que voc faa um up grade nele,
exatamente no sentido que eu estou fazendo. Eu creio que esta
abordagem que eu estou dando aqui, ela uma espcie de
transmutao do mtodo cientfico de modo a permitir que ele
aborde estes fatos. A exigncia nmero um voc desistir da
explicao causal, porque nenhuma cincia pode dar a explicao
causal de um fenmeno que ela no descreveu, e se a descrio j
est mutilada ou deficiente, a explicao que voc vai ter vai ser
mutilada ou deficiente.
Ora, se os fenmenos miraculosos constituem um gnero especfico,
e este gnero marcada pela convergncia manifesta de vrias linhas
causais diferentes, que ali aparecem conectadas, para alm de toda
possibilidade de conexo acessvel ao estudo cientfico, ento o que
que o fenmeno miraculoso faz? Ele abre o campo do nosso
conhecimento para o campo da percepo de conexes causais que
ns no tnhamos percebidos antes. Nenhuma destas conexes
causais vai explicar o prprio fenmeno miraculoso, mas vai explicar
outra coisa.
O fenmeno miraculoso tem a mesma estrutura do smbolo em
geral, com a diferena de que tudo o mais pode ser encarado como
smbolo, mas pode ser encarado de outra maneira, mas o fenmeno
miraculoso no admite isto, porque ele , de certo modo, o smbolo
fisicamente presente. Aquilo que normalmente ns s percebemos
atravs de smbolos e figuras de linguajem, por exemplo quando
lemos a Bblia, etc., o fenmeno miraculoso est fisicamente
presente. A prpria realidade que nos mostra, nos evidencia a sua
estrutura simblica. E o indivduo que, perante um fenmeno deste,
se priva do benefcio fecundante que este fenmeno pode exercer
sobre a sua inteligncia, e ao contrrio, quer inverter e quer fazer
com que a inteligncia que tem no momento possa transformar este
fenmeno num objeto e abarcar explicativamente, este sujeito
demasiado burro. Isto no uma atitude metodologicamente
razovel.
Note bem, voc no pode encontrar uma explicao cientfica, por
exemplo, para uma pea de Shakespeare. O que voc pode fazer
assistir a pea e permitir que, com o seu impacto simblico, ela
fecunde a sua inteligncia e voc perceba milhes de conexes. Mas
isto uma obra de arte feita pelo ser humano.
Ora, o mtodo admissvel no estudo do milagre mais parecido com
este do que com os mtodos das cincias naturais. Como que ns
fazemos para entender cientificamente, racionalmente,
intelectualmente, uma pea de Shakespeare? Em primeiro lugar, ns
temos que deixar que ela nos diga o que ela tem a dizer, voc tem
que vivenci-la como se fosse um sonho acordado, um sonho
acordado dirigido. Em seguida, voc tem que permitir que ela,
atravs da analogia com milhares de outros fatos, fecunde a sua
inteligncia. E a voc vai entender a pea atravs do benefcio que
ela lhe fez, e no tomando-a como objeto. O objeto que est
separado da inteligncia, e no aquilo que entrou dentro da
inteligncia e a fecundou por dentro. Se voc for objetivar a pea de
Shakespeare, transform-la num objeto, pouco vai lhe sobrar nas
mos alm de uma pilha de papel impresso e voc no vai entender
absolutamente nada da pea. Com o fenmeno miraculoso,
exatamente a mesma coisa. este o mtodo que tem que ser
adotado: voc tem que observar, contemplar o fato, na sua presena
real e com toda a estrutura que ele lhe mostra. A voc pode dizer
que o conhece. Se voc quiser at investigar a causa, voc pode. Mas
voc vai ver que no necessrio, porque ele j diz por si, tudo o que
tem que dizer. A causa do fenmeno miraculoso apenas uma
questo de teologia.
Isto significa que o que estou dizendo, quer dizer, que esta
investigao metodolgica nos leva a uma srie de outras
concluses. Aquilo que no tem explicao o que ns chamamos de
mistrio. E note bem o que Aristteles disse sobre ritos de mistrios:
ns no os entendemos e eles no nos transmitem um
conhecimento, mas, de certo modo, nos iluminam por dentro e nos
tornam, aumentam o poder de nossa inteligncia. Isso significa que
o mistrio aquilo que, em si mesmo, no pode ser penetrado
explicativamente pela nossa inteligncia. Ele no pode ser abarcado
pela nossa inteligncia, porque ele a abarca e ele a fecunda.
Ora, se no existisse o mistrio, se no existisse algo que, em si
mesmo, impenetrvel pela nossa inteligncia, isso significa que as
categorias do nosso pensamento, da nossa cincia, seriam
onipotentes. Ns poderamos penetrar, intelectivamente, tudo que
existe, inclusive a infinitude. Dizendo isso, assim, pode parecer
bonito, e isso nos tornaria, aparentemente, poderosos, mas acontece
que se fosse assim, no haveria distino entre a realidade e nosso
conhecimento. Ns no poderamos saber, no teramos idia do que
a realidade objetiva. A realidade estaria identificada como o nosso
conhecimento. Isto quer dizer que, se no existe um limite extremo
da inteligncia humana, no existe a realidade. A realidade, como
presena externa, no depende da nossa inteligncia. S chega ao
nosso conhecimento porque a inteligncia tem um limite
intransponvel, no um limite definido pelas nossas possibilidades
atuais, mas um limite intrnseco. A cincia do fato concreto integral,
no pode existir, porque seria a cincia infinita, e a cincia infinita
no pode ser possuda por um ser finito. Isto no uma deficincia
provisria. Esta uma deficincia, um limite eterno. E porque
existe este limite eterno que ns somos capazes de conhecer uma
realidade objetiva. Se no existisse o mistrio colocando esta
extrema fronteira, que a nossa inteligncia no pode penetrar, e
eternamente no pode penetrar, ns no saberamos que existe
realidade objetiva e o tempo todo ns estaramos confundindo entre
a realidade e o nosso pensamento. Ns estaramos vivendo um
sonho idealstico gnstico. E , por isto mesmo, que o mistrio no
pode ser penetrado.
Bom, para terminar aqui, eu vou ler para vocs um resuminho que
fiz disto, com algumas mensagens que mandei para o Eric Voegelin
Forum. Como as mensagens so muito curtinhas, eu no pude
resumir a coisa direito, mas para vocs que ouviram esta aula,
espero que fique mais claro. Depois mando estes textos, a parte que
esta em ingls, depois eu traduzo e mando para o Edson para ele
distribuir para vocs.
A definio de um milagre como fato devido a causas
sobrenaturais, definio adotada igualmente por aqueles que
aceitam, ou no, a existncia destes fatos e causas, padece de um
vcio fundamental: ela pressupe: ou que conhecemos
absolutamente os limites da ordem natural o que falso; ou que
podemos tomar como limites da natureza os limites da cincia
presentemente conhecida, o que resulta em tirar de uma premissa
declaradamente convencional concluses aplicveis, sem mais,
ordem dos fatos. Esta definio absolutamente inaceitvel, em
segundo lugar, porque impossvel sondar as causas de um fato se
no sabemos o que este fato , isto , se no temos dele uma
definio prvia. E definir um fato, to somente pelas suas causas,
sem outros caracteres que o distinga, independentemente de uma
explicao causal, pressupor, com patente absurdidade, que
podemos conhecer as causas de algo que nem sabemos o que . Esta
dificuldade s no se torna patente para os debatedores de
milagres, porque, do fato tido como miraculoso, selecionam s os
aspectos que permitam classific-lo entre fatos similares, da causa
no miraculosa, e em seguida, passam a discutir se este fato, em
particular, se diferencia daqueles que acabam de ser declarados
seus iguais. Por exemplo, as curas miraculosas so enfocadas como
um subconjunto do conjunto curas, cujos elementos so
identificados mediante critrios mdicos usuais, em seguida
procede-se por excluso eliminado-se os procedimentos mdicos e
os mecanismos conhecidos de autorremisso e quando essa
eliminao se completa, o que se obtm a apenas a concluso de
que, os fatores ausentes, estavam ausentes. Os adeptos do milagre
proclamaro, ento, que a cura teve causas sobrenaturais. Seus
adversrios, que teve causas naturais desconhecidas. Esta
discusso tautolgica, na sua base mesma, e no posso me
impedir de achar extravagante o fato de que tanto se dediquem
uma atividade que s os podem levar a confirmar, sempre, as suas
opinies anteriores, quaisquer que elas sejam. Se o fato miraculoso
definido, antecipadamente, como pertencentes por seus
caracteres intrnsecos classe dos fatos no miraculosos, s se
distinguindo deles pelas causas sobrenaturais, evidente que estas
no podero ser confirmadas ou impugnadas jamais, de vez que
foram, a priori, excludas do campo de investigao, exceto, na
melhor das hipteses, como resduos, totalmente inconclusivos, de
uma sequncia de excluses que, uma vez admitida a possibilidade
terica de explicaes naturais futuras, ter, forosamente, de
prosseguir ad infinitum. Afirmo, taxativamente, que cada
fenmeno, at hoje apontado pela Igreja Catlica como miraculoso,
tem caracteres intrnsecos que permitem distingui-lo como uma
classe em separado, independentemente da admisso, ou at da
cogitao de causas sobrenaturais, ou de quaisquer outras. Mais
ainda, nem haveria razo para investigar a possibilidade de
causas naturais, se os fatos miraculosos no fossem um gnero
parte, distinguvel empiricamente e inconfundvel com outros
gneros. Antes de investigar as causas dos fatos miraculosos
preciso discernir a sua natureza, isto , aquilo com que faz com que
sejam o que so, aquilo que lhes d a sua unidade e permite
reconhec-los, antes e fora de qualquer investigao das suas
causas. , precisamente, essa unidade que se rompe logo de incio,
quando se cai naqueles erros de metodologia que acabo de
assinalar.
Agora, aqui trs mensagens que foram enviadas ao Eric Voegelin
Forum, que foram mandadas em ingls, mas vou traduzir o melhor
que posso aqui:
Smbolos religiosos so realidades fsicas, dados de experincia,
vistos como apontando para mistrios. Mistrios so significados
que transcendem o reino da experincia humana. Coisas que no
existem ou fatos que no aconteceram, no podem ser smbolos,
propriamente ditos, apenas recursos literrios inventados para
comunicar a experincia humana. Ns podemos experimentar e
experienciar um smbolo, mas no o seu significado, o qual s pode
ser apreendido por aquela funo que Plato chama tmesis (Livro
das Leis, 728e), isto , a comparao entre um dado atualmente
apreendido e a sua qualidade especfica, cuja perfeio somente
apreendida virtualmente, como que numa assntota uma curva
que se aproxima de uma reta, mas nunca chega e no atualmente.
Se no existisse mistrio, a totalidade do ser estaria sujeita s leis
do pensamento humano e no haveria meio de distinguir entre o
pensamento e a realidade. Os mistrios so a nica garantia da
existncia da realidade objetiva e isto , precisamente, a razo pela
qual eles no podem ser contidos dentro dos limites, nem da
realidade, nem do pensamento. Se eles pudessem, o universo como
um todo e a infinitude mesma, seriam engolfados em um sonho
gnstico. Mistrios no podem ser objetivamente explicados porque
se no houvessem mistrios, no haveria nenhum conhecimento
objetivo e nenhuma explicao do que quer que fosse.
Segunda nota:
A filosofia existe dentro da realidade, mas a realidade existia
muito tempo antes da filosofia. Se a filosofia esclarecimento
analtico da realidade, da mais alta importncia filosfica
distinguir, por exemplo, se a ressurreio de Cristo realidade ou
filosofia. Se ela uma realidade, ela a mais importante realidade
de todas. Se ela filosofia, ela pode ser boa ou m filosofia e, mais
ainda, ela pode ser muitas filosofias tantas quantas os filsofos
que pensem a respeito.
Terceira nota:
A doutrina, ou doutrinas, da ressurreio surgiu pouco a pouco
em resposta s vicissitudes histricas, enquanto o fato da
ressurreio aconteceu, ou no aconteceu, antes que houvesse
qualquer doutrina a respeito. Se no podemos investigar a
ressurreio em si mesma, se podemos fazer to somente pela
intermediao de doutrinas, somos compelidos a aceitar ou a negar
o fato conforme a doutrina que ns subscrevemos. Isto ,
exatamente, o que Eric Voegelin diria que ns no devemos fazer.
Como a ressurreio um exemplo individual do gnero milagre,
isto , fatos que requerem causas sobrenaturais ou transcendentes,
acredito que o estudo amplo dos milagres enquanto fatos ou
pseudo-fatos deveria ser realizado antes de qualquer possvel
entendimento das muitas doutrinas a respeito. Termos como
fundamentalismoou crena nada tem a ver com esta questo. A
fpode ajudar voc nesta investigao, mas no pode fornecer
uma resposta questo. Ela ajuda voc do mesmo modo que, se
voc, radicalmente, no acredita que uma mulher o ama, voc
jamais ser capaz de perceber o amor dela como um fato atual,
apenas por perceber os seus signos externos, que voc sempre pode
explicar de outra maneira. Muitas fantasias ideolgicas nasceram
de algum impedimento interno a apreender o amor, seja humano
ou divino. A f pode prevenir estas dificuldades que nascem desta
fonte, mas nunca devemos esquecer que a f, no sentido de
acreditar numa doutrina, um sentido secundrio, superposto ao
sentido original, que era a experincia real de confiar numa
pessoa, uma pessoa muito especial. Ora, se voc tivesse esta
experincia, no lhe seria exigido que voc acreditasse numa
doutrina para acreditar em Cristo, mas se voc no tem esta
experincia, ento voc s tem duas maneiras de lidar com a
presente questo: ou voc acredita, ou descr, da doutrina; ou voc
tenta investigar os milagres como dados experienciais, falsos ou
verdadeiros - precisamente o que estou fazendo.
Eis aqui um exemplo de estudo dos fenmenos dos milagres. Este
estudo importante, tambm, para o caso da mente revolucionria,
da paralaxe cognitiva, porque ns vamos, com base nisso, ns
podemos distinguir o que que so as profecias, as pseudo-
profecias, e isto importantssimo para a elucidao da mente
revolucionria.
Vamos ver aqui algumas perguntas...
(Pergunta do aluno:) O ser humano limitado e no consegue
apreender todos os fenmenos naturais possveis. Por que o fato
miraculoso no pode ser entendido por um ctico como um fato
natural desconhecido? Por exemplo, o fato de o Sol nascer todo dia
pode ser entendido...
Entendi! Olha, esta pergunta mostra que voc no entendeu,
exatamente, a minha explicao. Eu estou lhe dizendo que,
raciocinar a partir do exemplo de Ftima, o prprio conceito de
natural e no natural no tem cabimento nesta discusso. Por
exemplo, qual a conexo entre a dana do Sol, curas miraculosas,
anncios da guerra e da revoluo e a ecloso da guerra e da
revoluo no prazo devido? possvel estudar, cientificamente, esta
conexo? Resposta: no! Isto no depende do estado atual dos
nossos conhecimentos. No possvel conceber uma cincia que
conecte estas coisas pelos mtodos cientficos admitidos. O mtodo
cientfico no extensvel a este tipo de conexes. Se voc pergunta,
ento, se o fato miraculoso no pode ser encarado como um fato
natural de causas desconhecidas, eu digo: pode, mas isso no
problema. Voc dizer que o fato miraculoso tem causas
sobrenaturais ou que ele tem causas naturais desconhecidas no
dizer nada. Em ambos os casos essas afirmaes so ocas. Elas no
fazem sentido. Por que, o que ns estamos fazendo aqui, descrever
o que o fenmeno, o fato miraculoso. Agora, o que quer dizer
causas naturais desconhecidas? Quer dizer que a natureza,
definida dentro dos limites que voc a conhece agora, ela traz em si a
explicao de todas estas conexes? isto que voc est dizendo?
Esta frase, filosoficamente, no faz sentido. Voc est dizendo que
aquilo que se conhece agora, contm a explicao daquilo que voc
no conhece ainda? O que voc quer dizer com isto? Isto um flatus
vocis. No quer dizer nada. Segundo, voc est incorrendo no
mesmo erro do sujeito que diz que o fato tem explicao
sobrenatural. Voc est dando explicao causal de um fenmeno
cuja descrio voc no tem. a mesma coisa. Como que vamos
fazer uma investigao causal se no sabemos o que o fenmeno.
Mas to logo descrevemos o fenmeno, tal como ele se apresenta,
isto , usando o mtodo fenomenolgico, ns entendemos que ele
transcende a possibilidade de explicao, seja explicao natural ou
sobrenatural, porque a voc est entrando apenas, de novo, no
flatus vocis. Se dizer que uma coisa sobrenatural , dizer que ela
transcende a natureza e quer dizer que voc conhece os limites da
natureza. Se dizer que tem uma explicao natural, dizer que se
est dentro da natureza e quer dizer que voc conhece os limites da
natureza. Mas ns no conhecemos isto, absolutamente! Isto no
quer dizer nada. Vamos esquecer o natural e o sobrenatural, e vamos
nos ater experincia tal como ela se apresenta, porque boa cincia
se faz assim. No com conceitos grandes como natureza ou
sobrenatureza. No, com a descrio da estrutura do fato, tal
como ela se apresenta. Exatamente o que acabei de dizer.
(Pergunta do aluno:) Poderamos caracterizar os fatos no
miraculosos, como a manifestao do Logos divino, ou de leis
naturais, da ordem divina que rege o universo, dos fatos
miraculosos so manifestaes de Deus Pai na viso Crist?
Eu creio que sim. Teologicamente, no estaria errado. Mas, eu no
sou bom neste negcio de teologia. E, exatamente, estou tentando
evitar aqui a abordagem cientfica, entre aspas, e o a abordagem
teolgica. Eu estou fazendo uma anlise filosfica, que , de fato, a
previdncia preliminar nestes casos. Voc, primeiro, vamos ter que
encontrar as distines que lhe permitam dizer do que voc est
falando. Ns no estamos investigando os porqus, as causas
ltimas. Ns estamos dizendo do que estamos falando. E qualquer
fato miraculoso, admitidos como tal somente aqueles aceitos pela
Igreja Catlica como fatos miraculosos, voc v que em todos eles
voc tem uma convergncia no prprio fato, no nas suas causas,
no nas suas causas remotas. No a causa inicial dele, no! O fato
consiste na convergncia de linhas causais, cuja conexo ns no
conhecemos e no podem ser conhecidas. Por isto mesmo, a nica
maneira certa de definir o fato miraculoso, com um mistrio. Em
seguida, eu irei sair desta abordagem epistemolgica e passei para
uma abordagem ontolgica, dizendo que o mistrio o limite da
realidade e que, se no existisse esse limite da realidade, ns no
seramos capazes de distinguir entre o nosso pensamento e realidade
objetiva, a noo da realidade objetiva no existiria. No tem
sentido, em seguida, voc retroagir sobre isto e voltar discusso de
causas naturais ou sobrenaturais.
Eu entendo toda a dificuldade desta aula e desta abordagem - ela
difcil para mim, tambm. Eu tratei deste assunto brevemente no fim
do livro O crime da Madre Agnes, que est a no A dialtica
Simblica. Esta foi a primeira tentativa. Recentemente eu estive
lendo algumas coisas sobre o Padre Pio de Pietrelcina, e isso me
impeliu, mais ainda, a fazer este tipo de anlise. Esta anlise no visa
explicar nada, ela visa, simplesmente, dizer do que ns estamos
falando, de que o Padre Pio est falando. simplesmente entender
aquilo que acontece, tal como acontece, sem a pretenso de reduzir
causas, nem naturais, nem sobrenaturais. A questo, propriamente
religiosa, no tem nada a ver com isto. Mas isto aqui pode ser til
para a sua vida religiosa, se voc quiser. Pode ajudar.
Muito bem, acho que com isso j encerramos a nossa exposio de
hoje. Se houver mais alguma pergunta, eu espero aqui.
Note bem que, embora tenha comeado isto, e se v pela data da
publicao do livro O crime da Madre Agnes, embora tenha
comeado a investigar a muito tempo, ela no foi uma coisa
contnua. Eu no estudo este assunto quando eu quero, eu estudo
quando eu posso, quer dizer, quando aparecem dados que, para
mim, me elucidam as coisas. E, este estudo, s vezes, ele fora a sua
inteligncia at um ponto em que voc perde o fio da meada. A voc
tem que sentar e esperar at que a vida, Deus mesmo, lhe mostre
outros aspectos.
Ento, eu creio que com isso podemos encerrar a investigao,
encerrar esta exposio.
Muito obrigado todos, e at a prxima.
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