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A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A NOVA DEMOCRACIA PROCESSUAL: ALGUMAS CRÍTICAS À ACTUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO SUPOSTO MEDIADOR DA GARANTIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DA EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS NO BRASIL Ronaldo Marcio de Campos Celoto

A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A NOVA DEMOCRACIA PROCESSUAL: ALGUMAS CRÍTICAS À ACTUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO SUPOSTO MEDIADOR DA GARANTIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DA EFECTIVAÇÃO

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A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A NOVA DEMOCRACIA

PROCESSUAL: ALGUMAS CRÍTICAS À ACTUAÇÃO DO JUDICIÁRIO

COMO SUPOSTO MEDIADOR DA GARANTIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS

E DA EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS NO BRASIL

Ronaldo Marcio de Campos Celoto

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A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A NOVA DEMOCRACIA

PROCESSUAL: ALGUMAS CRÍTICAS À ACTUAÇÃO DO JUDICIÁRIO

COMO SUPOSTO MEDIADOR DA GARANTIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS

E DA EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS NO BRASIL

____________________

Ronaldo Marcio de Campos Celoto

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RESUMO

A judicialização da política tem provocado inúmeras discussões entre os juristas e

cientistas políticos, no sentido de avaliar o seu impacto sobre a democracia. O

presente texto pretende avaliar o facto de que os magistrados, ao actuarem como

protagonistas com vistas à garantia de direitos fundamentais, em muitos dos casos

acabam por ferir o princípio da separação de poderes, como por exemplo, na

determinação judicial de distribuição de medicamentos objetivando a garantia do

direito á saúde, importando em valores econômicos que extrapolam os orçamentos,

tendo como único responsável o próprio Estado, em caso de descumprimento destas

funções ou de malversação dos recursos orçamentários. Em sentido inverso,

demonstra também alguns outros diferentes resultados da judicialização da política,

mormente quando se trata de questões de ordem majoritária, que envolvam, por

exemplo, a verificação de inconstitucionalidade de leis, o cumprimento de normas

aparentemente omissas, os interesses colectivos que envolvam bem-estar geral de

toda uma comunidade (educação, combate ao terrorismo, combate à corrupção,

desenvolvimento social, entre outros), de modo a construir uma intervenção

consensual que permita que a democracia prevaleça. Com isto, o presente texto

oferece críticas ao excesso de judicialização de saúde, principalmente o ocorrido no

Brasil, e, como conclusão, sugere a adoção de uma judicialização preventiva, e, não

apenas autodeterminativa, pois, se no processo democrático busca-se uma análise

consensual em favor de uma maioria, o Poder Judiciário ao promover a microjustiça

em prol de interesses individuais de demandas judiciais, estaria contribuindo para o

enfraquecimento democrático e para a sobrecarga do Estado Social.

Palavras chave: Judicialização da política; direitos fundamentais; medicamentos;

democracia processual; democracia consensual; judicialização preventiva.

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ABSTRACT

The judicialization of politics has been causing numerous discussions between the

lawyers and political scientists, in order to assess its impact on democracy. This

study aims to assess the fact that the magistrates during the act as protagonists

aiming to guarantee fundamental rights, in many cases end up hurting the principle

of separation of powers, such as the judicial determination of drug distribution

aiming to guarantee the right to health, regardless on economic values that far exceed

the budgets, and, with its only responsibility the State itself, in case of breach of

these duties or embezzlement of budget funds. Conversely, it also shows some other

results of the judicialization of politics, especially when it comes to questions of a

majority, involving, for example, to review the unconstitutionality of laws,

compliments of the rules apparently silent, collective interests involving well general

welfare of the whole community (education, combating terrorism, fighting

corruption, social development, etc.) in order to build a consensus that will allow

intervention that democracy prevails for these specific cases. Finally, the present text

offers criticisms of judicialization of health, especially what happened in Brazil, and

in conclusion, suggests the adoption of a preventive legalization, and not just self-

determinative, because if the democratic process seeks a consensual analysis in favor

of a majority of the Judiciary to promote microjustice towards individual interests of

lawsuits, would contribute to democratic weakening and to Welfare State overload.

Keywords: Judicialization of politics; fundamental rights; consensual democracy;

processual democracy; drugs; preventive judicialization.

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ÍNDICE

I. O Fenômeno da Aproximação Jurisdicional para com a Cidadania – 6

II. A Judicialização da Política e a Evolução Histórica do Processo de Independência

do Poder Judiciário: Breves Considerações. – 9

III. Judicialização da Política e Activismo Judicial: Conceitos – 10

IV. A Judicialização da Política e os Três Poderes Federativos – 13

V. Judicialização da Política e Judicialização da Saúde – 15

V.1. A Judicialização da Saúde como Fonte de Efectividade de Políticas

Públicas: Uma Forma (Anti) Democrática? – 15

V.2. A Democracia Como Procedimento Judicial - E não mais um Fenômeno

Consensual – 17

V.3. O Município na Constituição Brasileira de 1988: Sobre as Águas do

Reconhecimento Como Ente Federativo de Facto ou de Uma Mera Jogada de

Xadrez na Pretensa Desresponsabilização e Economização da União Federal

para com seus Gastos Públicos – 19

V.3.1. Autonomia ou Anomalia Municipal? – 19

V.3.2. A Idéia Distorcida de Responsabilidade Solidária dos Entes

Federativos e Sua Consagração Jurisprudencial no Brasil – Sem Levar

em Conta Aspectos Econômicos e Preventivos na Judicialização da

Política – 22

V.3.3. O Tema da Reserva do Possível Alegado pelos Municípios – 24

V.3.4. O Tema do Mínimo Existencial do Direito à Saúde Alegado

pelos Juízes – 24

V.3.5. O Aspecto Econômico e de Responsabilização dos Entes

Garantidores da Saúde (Não Vislumbrado Pelo Poder Judiciário): A

Importância da Análise Preventiva das Cortes Judiciais diante de uma

Judicialização Anti-Democrática – 28

V. 3. 6. Os Custos Judiciais Onerosos e a Des-responsabilização do

Poder Judiciário Perante os Tribunais Fiscalizadores: Quem Paga as

Contas Pela Judicialização da Política? – 30

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VI. A Judicialização e a Necessidade de Revigoramento Federativo a Partir de Sua

Menor Célula: O Município – 36

VII. Judicialização e Activismo Judicial: Pequenos Exemplos da Intervenção do

Poder Judiciario – 37

VII. 1. Activismo Judicial na Índia – 38

VII. 2. Activismo Judicial na União Europeia: Pequenas Histórias – 39

VIII. Judicialização no Brasil Sob a Óptica Processual Intervencionista – 41

IX. A Judicialização da Política sob a Óptica Contra-Majoritária: O Supremo

Tribunal Federal e as Decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 44

X. A Judicialização da Política diante do Panorama Democrático: Apontamentos

Complementares – 47

XI. Conclusão – 49

Referências Bibliográficas – 51

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A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A NOVA DEMOCRACIA

PROCESSUAL: ALGUMAS CRÍTICAS À ACTUAÇÃO DO JUDICIÁRIO

COMO SUPOSTO MEDIADOR DA GARANTIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS

E DA EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS NO BRASIL

I. O Fenômeno da Aproximação Jurisdicional para com a Cidadania

O fenômeno da aproximação do sistema jurisdicional para com a cidadania

tem ganhado corpo nos debates acerca dos limites da atividade do poder judiciário no

que tange à consagração dos direitos fundamentais previstos nas Constituições e o

seu impacto sobre a democracia.

Argumenta-se que esta aproximação põe em causa “não só a sua

funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que

violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania1”; e, com isto,

implicando em uma espécie de abandono à democracia, que também “ultrapassa a

discricionariedade de definir o nível de eficácia de norma constitucional, em sede de

direitos fundamentais ou não2”, e, que, ao promover a efectivação das políticas

públicas em favor de alguns, não promove o alcance universal, ao contrário, “viola

ao princípio da igualdade, não se podendo admitir então que o judiciário distribua

1 SANTOS, Boaventura de Sousa in A Judicialização da Política. http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/078.php, cit:

“A judicialização da política conduz à politização da justiça. (...) Esta consiste num tipo de questionamento da

justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios

que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania. A politização da justiça coloca o sistema

judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar

dramaticamente a sua fraqueza como a sua força.”. 2 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial – Parâmetros Dogmáticos, p. 265/266.

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casuisticamente bens públicos em favor de quem tem cultura e agilidade para

requerer aos órgãos judiciários, sob a pena de contribuir para a perdição dos direitos

humanos3”.

No campo das ciências sociais, a busca pela avaliação do impacto

dimensional da prática judicial dentro do processo democrático também tem

chamado atenção de outros pensadores ilustres, entre os quais, SHAPIRO & STONE

(1994), TATE & VALLINDER (1995), HABERMAS (1996), entre outros.

Em meio à crescente abordagem sobre o tema, este fenômeno passou a ser

abordado conceitualmente como “judicialização da política4”, e, tem-se centrado

como objetivo aos pesquisadores no sentido de avaliar o papel político dos juízes no

exercício da magistratura e, como dito, o impacto deste exercício no organograma

democrático dos países.

Surgem então questões centrais para se avaliar o impacto desta

fenomenologia. Em primeiro lugar, seria a judicialização da política um fenômeno

contrário à democracia? E, com base neste questionamento, estaria a democracia, em

decorrência das constantes interferências dos magistrados no campo político e

legislativo, tornando-se mais processual – em favorecimento de uma microjustiça, do

que consensual (macrojustiça)? Por último, tendo como vista a triparidade dos entes

federativos existentes no Brasil, e, sendo o Município o ente mais próximo e,

certamente, o menos favorecido economicamente, não estaria o Poder Judiciário

omitindo-se não apenas na verificação dos aspectos e percentuais de

corresponsabilização econômica da União e dos Estados, mas também, para com os

aspectos preventivos, posto que, ao não contribuir para uma solução de problemas

que envolva um pacto federativo entre União, Estados e Municípios e os próprios

juízes (no que tange ao não estabelecimento, na maioria das sentenças, do

supracitado percentual de coresponsabilização financeira para cada um destes três

entes, bem como a sua não representatividade – enquanto um dos três poderes

máximos, por exemplo, perante um estudo que permita a criação de fundos tripartite

de reserva para atendimento destas demandas e avaliações do impacto econômico

destas demandas), acabam por forçar o empreguiçamento do Estado Social?

3TORRES, Ricardo Lobo. A Judicialização da Política, p. 117 4 VALLINDER, T. “The judicialization of polítics - a world-wide phenomenon: Introciuction.” International

Political Science Review, 1994, 15, 2,: 91-9.

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Sem adentrar pordemais nos antecedentes históricos (e sim por meio de um

breve comento), procura-se cá responder a estes questionamentos. Para tanto,

primeiramente, reconhece-se os aspectos inicialmente positivos da evolução secular

do exercício de uma jurisdição estatal que veio consagrar a independência do poder

judiciário, e que, como tal, reforça a conquista da ciência jurídica e um “conceito de

luta5” contra o império dos parâmetros dogmáticos e normativos.

Em seguida, construiremos uma abordagem analítica sobre os últimos anos de

judicialização da política no Brasil – em especial para com a judicialização da saúde

e distribuição de medicamentos, buscando então emitir uma opinião apoiada não

apenas nos parâmetros constitucionais das ações jurídicas de controle de

constitucionalidade, mas sim, avaliando a actuação das Cortes Superiores no

contexto das decisões das políticas públicas sociais e as consequências desta

actuação em relação aos Municípios.

Para não ater-se apenas à judicialização da política, o direito à saúde e à

actuação das Cortes (embora formem o escopo central), tentar-se-á expor alguns

pequenos exemplos de outras formas com que a judicialização da política se

manifestou e tem se manifestado em alguns momentos, de modo a garantir questões

atinentes à educação, ao combate ao terrorismo e à corrupção, ao direito sindical,

entre outras, as quais serão vistas como manifestações positivas deste fenômeno, pois

envolvem procedimentos de macrojustiça, e, favorecem o consenso de uma maioria

beneficiada, e, não de uma minoria.

E, também, serão mencionadas algumas formas com que a judicialização da

política torna-se perigosa e coloca em risco o princípio da separação de poderes e a

sobrevivência de uma democracia consensual, pois começa a tornar-se mais

processual, distante da realidade opressiva da mídia e da sociedade, que, muitas

vezes, condicionam o judiciário a atuar de forma surreal em alguns processos, como

por exemplo, envolvendo o segredo de justiça.

Inicia-se então, esta humilde observação pela qual, e, espera-se, possa

acalantar os actuais debates e observações críticas sobre o tema.

5 CANOTILHO, J. J. Gomes. Dieito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina, 2007, p. 659-

670

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II. A Judicialização da Política e a Evolução Histórica do Processo de

Independência do Poder Judiciário: Breves Considerações.

Tem-se que as origens dos actos que posteriormente promoveriam a

independência do Poder Judiciário teriam ocorrido “por volta de 1178, quando o rei

Henrique II instituiu a Court of Common Pleas” (SAMPAIO, 2007: 5), uma espécie

de grupo de conselheiros que reuníam-se para deliberar acerca das grandes

controvérsiais judiciais decorrentes no reino, prática esta consolidada nas dinastias

seguintes: Tudors e Stuarts.

Posteriormente, durante o reinado da rainha Elizabeth II, Edward Coke

discutiu o poder do rei em promover alterações do que era conhecido como

“Common Law”, entendendo que “a questão judiciária era de competência dos

magistrados, jamais do rei”. (Ibidem, p. 6)

Nos Estados Unidos da América, a declaração da independência de 1776 já

promovia o Poder Judiciário ao status de um Poder autônomo, desvinculado

totalmente dos demais poderes. Nesse sentido, como bem salientou DIPPEL (2006,

64), “foi com a declaração de Direitos da Virgínia em 1776 que se estabeleceu um

completo catálogo de princípios essenciais do constitucionalismo moderno, dentre os

quais os primados da imparcialidade e independência dos juízes”.

Na Europa, isto veio a ocorrer no período francês revolucionário, com a

“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, e, posteriormente, com a

“Constituição da Segunda República, em 1848” (DIPPEL, 2006:65)

Em Portugal, já no período do estabelecimento da Corte Portuguesa em terras

brasileiras, o chamado “Tribunal de Relação do Rio de Janeiro” foi convertido por

Dom João VI em “Casa de Suplicação do Brasil”, e, por fim, com a proclamação

constitucional de 1822, é que se pode declarar que “o poder judiciário pertence

exclusivamente aos juízes e nem as Cortes nem o Rei poderão exercitar caso algum”

(GUERRA, 2010: 60).

O Brasil, particularmente, ocupa um histórico processo de independência do

judiciário que pode até mesmo remontar-se aos “meados de 1530”, quando “Martim

Afonso de Souza actuou na formação de vilas, nomeando juízes ordinários do povo

para julgar seus interesses” (MATHIAS DE SOUZA, 2007:8).

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Posteriormente foi criado o “Tribunal de Relações da Bahia” (DEMO,

2000:127), muito embora, como já mencionado, foi com a Casa de Suplicação, em

1808, que foi possível falar claramente em independência judicial no Brasil, sucedida

pela Proclamação da República em 1889, e, a criação do Supremo Tribunal Federal6.

Atualmente existem no Brasil, além do Supremo Tribunal Federal, o

Conselho Nacional de Justiça, os Tribunais Administrativos Superiores (Tributários,

Cíveis, Trabalhistas e Criminais) e o Conselho da Magistratura, que funcionam como

órgãos inter-relacionados e complementares na atuação do Judiciário.

Na Europa, há menções acadêmicas de autores brasileiros ao “surgimento dos

Conselhos de Justiça em Itália e França, nos séculos XVII e XIX”, que são

considerados como ‘paradigmas’ para os demais7. Referidos Conselhos foram

instaurados “como resposta à necessidade de se criar uma agenda eficaz à estrutura

do Judiciário que cresciam demasiadamente face às novas ondas de renovação do

acesso á justiça” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

São estes, pois, alguns breves apontamentos que quisemos enunciar para

demonstrar um pouco da evolução histórica do processo de independência do Poder

Judiciário com relação aos demais poderes, sem nos alongarmos em pesquisa mais

minuciosa, devido ao facto de não ser esta a temática pretendida.

III. Judicialização da Política e Activismo Judicial: Conceitos

Tate & Vallinder (1995) foram os que, dentro do campo a teoria política, a

apresentar um conceito que acabou por ser firmado no consenso científico do que

pode ser entendido como judicialização da política.

Segundo os autores este conceito abrange dois pilares: O processo pelo qual

os tribunais e juízes vêm se empenham em dominar a implementação de políticas

públicas que teriam de ser feitas (ou, acredita-se, deviam ser feitas) por outros órgãos

governamentais; e do processo pelo qual as negociações não-judiciais passam a ser

dominados regras e procedimentos quase-judiciais.8

6 Decreto nº 1, de 26/02/1891. 7 SAMPAIO, José Adércio. O Conselho Nacional de Justiça e a Independência do Judiciário. Belo Horizonte.

Del Rey, 2007, p. 177-179 8 TATE, C. Neal; VALLINDER, Törbjorn (ed.). The global expansion of the judicial power. New York, NY:

New York University Press, 1995, trad. livre do autor: “The process by which courts and judges come to make or

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Isto significa que a judicialização apresenta-se como “um novo ativismo

judicial, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o

escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos

jurisprudenciais” (CASTRO, 2009), questões estas que até então estavam atinentes

aos poderes Executivo e Legislativo.

Ou seja, o judiciário passou então a formular políticas públicas e a utilizar-se

de meios procedimentais para actuar nas demais esferas dos direitos fundamentais.

Seria uma espécie de “processo de transição entre o Poder Judiciário e os

poderes estatais”, derivado, segundo a linha de pensamento de TATE &

VALLINDER (1995), de alguns factores condicionais, sendo eles: (a) Expansão

democrática; (b) Separação de poderes; (c) Política em prol de direitos; (d) Uso dos

tribunais por grupos de interesses; (e) Uso dos tribunais por oposições políticas; (f)

Instituições políticas ineficazes para definição da vontade da maioria (majoritarian

institutions); (g) Percepção negativa das instituições de produção de políticas

públicas; e (h) Delegação de responsabilidade por parte da instituição para definição

da vontade da maioria (majoritarian institutions). (VERONESE, Alexandre. A

Judicialização da Política na América Latina. 6º Encontro da Associação Brasileira

de Ciência Política – ABCP. Universidade Estadual de Campinas, 2008, pp. 6-7)

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (2003) também oferece uma

contribuição mais sintética e que podemos entender mais acessível para a tradução

do conceito, no sentido de que “há judicialização da política sempre que os tribunais,

no desempenho normal das suas funções, afectam de modo significativo às condições

da acção política”.

ALEX STONE SWEET (2000) procura situar os tribunais perante o

fenômeno da judicialização como num estado de “resolução de conflitos legislativos

sobre constitucionalidade, mantendo e reforçando, ao mesmo tempo, a legitimidade

política da revisão constitucional para o futuro”. Para ele, a judicialização consiste na

difusão das técnicas argumentativas constitucionais para outros poderes, sendo “o

processo pelo qual os legisladores absorvem as normas de conduta da adjudicação

constitucional, a gramática e o vocabulário do Direito Constitucional (...). Em uma

increasingly dominate the making of public policies that had previously been made (or, it is widely believed,

ought to be made) by other governmental agencies; and the process by which non-judicial negotiating, and

decision-making forums come to be dominated by quasi-judicial (legalistic) rules and procedures”.

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política judicializada, o discurso legal é responsável pela mediação entre o debate

partidário e as estruturas de exercício do poder legislativo” (SWEET, 2000: 203).

RAN HIRSCHL, em apontamentos mais recentes, define o termo como

‘juristocracia’, numa espécie de transferência de poderes decisórios das instituições

representativas para o Judiciário (HIRSCHL, 2004). Criticamente, o autor ainda

afirma que “o poder judicial não cai do céu; ele é politicamente construído. (...) A

constitucionalização dos direitos e o fortalecimento do controle de

constitucionalidade das leis resultam de um pacto estratégico liderado por elites

políticas hegemônicas continuamente ameaçadas, que buscam isolar suas

preferências políticas contra mudanças em razão da política democrática, em

associação com elites econômicas e jurídicas que possuem interesses compatíveis”.

Com relação ao activismo judicial, entendo-o como meio-irmão da

judicialização da política, traduzido pelo revisionamento, através da

discricionariedade judicial, de alguns parâmetros e questionamentos, mas não uma

transferência de poderes, que, a meu ver, caracteriza a judicialização.

ALESANDRE GARRIDO SILVA9 tem, a respeito do activismo judicial e a

judicialização da política, um conceito interessante, entendendo-os diferentemente,

sendo o activismo judicial “uma atitude, decisão ou comportamento dos magistrados

no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros

poderes”. Já a judicialização da política, segundo o autor, “é mais ampla e estrutural,

cuida de metacondições jurídicas, políticas e institucionais que favoreceriam a

transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo para o Poder

Judiciário”.

LUIS ROBERTO BARROSO10

, a este respeito, afirma que “a idéia de

ativismo judicial esta associada a uma participação mais ampla e intensa do

Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior

interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.

Diante dos conceitos acerca da judicialização da política, a questão que se

coloca em cerne neste texto é a de que, se muitas vezes, esta actuação do Judiciário,

9 SILVA, Alexandre Garrido da; Vieira, José Ribas. Justiça transicional, direitos humanos e a seletividade do

ativismo judicial no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes, Rio de Janeiro, v. 1, n. 13, dez.

1996. p. 56-57. 10 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do

Estado, Rio de Janeiro, n. 13, jan/mar 2009. p. 75.

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mormente decorrente de um fenômeno em que o próprio Estado Social não consegue

satisfazer as demandas de uma maioria, e, a produção de políticas públicas torna-se,

com isto, insatisfactória, não acaba por forjar uma espécie de ‘instituição’ deste

Estado Social pelo próprio Poder Judiciário, e, a princípio, o que viria a parecer uma

complementação das funções deste Poder para com os outros demais (Executivo e

Legislativo), acaba por tornar-se um critério exclusivo de utilização de direitos

individuais por uma minoria, contra os direitos tidos como pertencentes a toda uma

maioria.

É evidente que o Poder Judiciário não deve esquivar-se a resolver um

problema a ele trazido, se instado para tanto, até mesmo porque, com o intuito de

impedir que a judicialização se converta em atitudes arbitrárias do Poder Judiciário,

observa-se sempre o princípio constitucional do contraditório, que garante uma

espécie de defesa contra estas ingerências, principalmente se cumulado com

princípio do duplo grau de jurisdição.

Mas o facto é que a judicialização pode estar a causar um “empreguiçamento”

do Estado Social, que, longe de combater a sua expansão, acabaria por aceitar

facilmente a sua inoperância diante do alcance das políticas públicas e dos direitos

em face de todos, por saber que o número de demandas individuais objectivando a

satisfação de seus direitos e das políticas públicas exclusivamente para si tem

repercutido de forma crescente em alguns países, como veremos nos capítulos

subsequentes, adentrando antes, na aplicação do conceito para com os direitos

fundamentais.

IV. A Judicialização da Política e os Três Poderes Federativos

Uma pretensa ‘usurpação’ da atribuição pertinente à função legislativa por

meio do judiciário tem chamado atenção nos últimos anos, e, motiva-nos à discussão.

É cediço que as funções atinentes a cada um dos três poderes, componentes

do Estado federativo brasileiro, são necessárias e complementares à atividade

governamental, e, à primeira vista, não deveriam interferir de forma a sobrepor um

poder (ou função) sobre o outro. JOSÉ AFONSO DA SILVA (2009: 108) tem

opinião interessante acerca destas funções, de modo a distingui-las em seus campos

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de actuação. Segundo o autor, “a função legislativa consiste na edição de regras

gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis. A

função executiva resolve os problemas concretos e individualizados, de acordo com

as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz; comporta

prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter

geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue em

função de governo, com atribuições políticas, colegislativas e de decisão, e função

administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço

público. A função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a

fim de dirimir conflitos de interesse”.

Corrobora nesse sentido, o texto proferido por BENDA11

, de que “la división

de poderes también significa que no es legítimo privar a ninguno de los poderes

públicos de las competências requeridas para o cumplimiento de sus tereas

constitucionales. Todos los poderes deben ser capaces de funcionamiento y bastarse

para satisfacer sus responsabilidades”.

Assim, em razão da representação social indireta que o Judiciário exerce, a

este órgão realmente não se pode atribuir a função legislativa, pois, as instituições

democráticas normatizadoras devem estar em constante contato com a sociedade e a

serviço da opinião da maioria do eleitorado (PIÇARRA, 1989: 233).

A própria atividade legislativa em si contradiz a própria concepção formal do

Poder Judiciário, de forma que a assunção desse papel é dada ao parlamento, que é o

órgão constitucionalmente legitimado para tanto, tendo, inclusive, sua estrutura

orgânica constituída para que o exercício de sua função política seja devidamente

confrontado com as alternativas mais representativas para a sociedade (Ibidem, p.

260).

A princípio, dentro desta óptica de entendimento, a função judiciária deverá

sempre estar despida de qualquer compromisso pactuado ou qualquer intenção

política conjuntural, evitando criar zonas de tensão e esgotamento a cada uma das

funções. Mas, como será debatido em todo o transcorrer deste texto, em especial, no

que concerne à judicialização da política do direito à saúde, isto não está a ocorrer e,

tem causado alguns prejuízos que a seguir serão elucidados com mais propriedade.

11 BENDA, Ernesto. El estado social de derecho, apud FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de

políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.45

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V. Judicialização da Política e Judicialização da Saúde.

Situa-se cá, entre um dos direitos notoriamente fundamentais que mais vem

chamando atenção dos juristas e pesquisadores: o Direito à Saúde, de modo a

oferecer alguns questionamentos sobre a aplicabilidade da judicialização da política

para garantir este direito, e, as consequências que, como dito, podem vir a gerar um

“empreguiçamento” do Estado Social e uma suposta afronta à democracia. Vejamos.

V.1. A Judicialização da Saúde como Fonte de Efectividade de Políticas

Públicas: Uma Forma (Anti) Democrática?

No caso específico da saúde e da distribuição de medicamentos (principal

foco, porém não único, de nossa discussão), tomemos como exemplo o Brasil, que

estabeleceu a garantia constitucional do direito à saúde, direito este que deve ser

promovido pelos três entes federativos: União, Estados e Município, conforme a

Carta Magna de 198812

.

É cediço que o Orçamento Público do Estado Federal não comporta

totalmente o custeio das intervenções assistenciais à saúde de todos. A questão é que

tal direito resta consagrado dentro do texto constitucional e, portanto, não se trata de

uma norma aparentemente programática ou de eficácia contida, e, sim, algo cujos

efeitos devem ser produzidos em benefício de todos, ou seja, assume o caráter de

eficácia imediata.

Dentro desta constatação, seria possível entender que, uma vez ocorrida a

omissão do Estado na concretização deste direito fundamental, o Judiciário estaria

imediatamente autorizado a promover decisões que obriguem o Executivo a cumprir

este papel?

O Ministro do STF brasileiro, GILMAR MENDES, tem interessante

contribuição sobre o tema. Segundo ele, o Judiciário, quando foca-se em um caso

específico, é incapaz de visualizar os efeitos sistêmicos de suas decisões13

.

12 Veja-se texto da Constituição Brasileira: Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. 13 Op. cit.: Em razão da inexistência de suportes financeiros para a satisfação de todas as necessidades sociais,

enfatiza-se que a formulação de políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais

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Analisando a opinião supracitada, seria como imaginar que, uma vez

houvesse um “Robin da Floresta” (Robin Hood), este não poderia direcionar todo o

ouro de sua ‘colheita’ diária a uma só família, mas sim, analisar globalmente, o

conteúdo de moradores da floresta, e, a possibilidade de dividir este ouro em

proporções iguais, ainda que uma só pessoa, dentre todos os habitantes, houvesse

reclamado que “o reino não está a distribuir o ouro que prometeu na campanha”.

Entendo que o Ministro não está equivocado. A generalidade do conceito de

cidadania, totalmente dependente das políticas governamentais, se filtrada em prol de

alguém que legitimamente (frise-se) pleiteou um direito prometido

constitucionalmente, pode criar um número descontrolado de jurisprudências que

ignorem as condições orçamentárias do Estado, e, até mesmo, não se incorpore à

realidade social, e, sim, à realidade individual dos que passam a utilizar as Cortes

superiores para tal.

Não se discute aqui, se a intervenção do Judiciário é ou não nobre, pois

entendo que é extremamente nobre, e, juridicamente, é possível, mas acaba por gerar

um conflito entre o que se entende como ‘mínimo possível’ e a ‘eficiência estatal’.

Explicando: há que promover o Estado, um mínimo possível de direitos

fundamentais, no caso, o direito à saúde, de modo a não ferir a integridade e a

dignidade humana, princípios basilares de toda Carta Magna. Mas, o problema é

justamente este, como já enfatizado, o excesso promove o desequilíbrio, e, a própria

eficiência e a boa administração pública, que são princípios que residem implícitos

nas Constituições dos países, tornam-se malferidas.

Com isto, o Juiz tornar-se-ia um ente político aplicador de políticas sociais,

porém, em termos de responsabilização no que tange aos Tribunais de Contas (Lei de

Responsabilidade Fiscal, Plano Plurianual, Orçamento Anual), é isento, ao passo que

o Estado é diretamente punido, caso extrapole as receitas orçamentárias, ou os

limites pré-definidos para cada uma das esferas (Saúde, Educação, Segurança, etc),

implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Estas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o

quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem

escolhas trágicas pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma

política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a

efetividade e a eficácia do serviço a ser prestada, a maximização dos resultados. Nesta linha de análise,

argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar justiça do caso concreto

(microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito

social, analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício de parte, com invariável

prejuízo para o todo.

P á g i n a | 17

vendo-se muitas vezes obrigado a realizar transferências de créditos suplementares

por meio de Decretos e outras normas, extraindo recursos de esferas também

indispensáveis (segurança, por exemplo), para utiliza-los exclusivamente na Saúde,

em decorrência das excessivas demandas judiciais.

Neste sentido, como bem já explanamos, entendemos que, se a judicialização

não leva em conta elementos econômicos e redistributivos no que tange à melhor

alocação dos recursos orçamentários (direcionando-os, ao contrário, para um único

indivíduo que pugnou o seu direito por meio dos tribunais superiores), tratar-se-á de

uma prática antidemocrática, visto que o Juiz assume a condição de aplicador dos

recursos orçamentários estatais, e, solapará a esfera da legitimidade política para tal

(que caberia ao Executivo em função de uma maioria, e, não de uma minoria), e, até

mesmo (sem nos alongarmos demais nesta observação) corroborará por achatar as

próprias funções do Parlamento.

Dentro do que aqui pudemos expor, pergunta-se: não estaria a democracia,

por meio da judicialização da política (no caso da saúde e distribuição de

medicamentos), a ser construída por meio da esfera procedimental judicial e, não

mais no princípio majoritário consensual e no debate público? Não estariam os Juízes

favorecendo as microcausas em prejuízo das macrocausas? Entendo que sim.

V.2. A Democracia Como Procedimento Judicial - E não mais um Fenômeno

Consensual

Dentro da avaliação de que a democracia está a tornar-se mais processual e

menos consensual, convém destacar, neste pequeno tomo, de dois pensamentos

distintos acerca da judicialização da política. Mas antes, entende-se por bem enfatizar

que a judicialização da política não se restringe apenas à aplicação de políticas

públicas, como aqui exemplificamos, para o direito á saúde, mormente decorrente de

intervenções cirúrgicas e fornecimento de medicamentos de alto custo.

O Juiz, enquanto ‘policy-maker’, pode actuar na determinação de

inconstitucionalidade de uma lei. Esta possibilidade inclusive tem hoje sido preferida

por inúmeros partidos de oposição, que se lançam aos tribunais superiores com

intuito de obstruir as iniciativas legais governamentais, como é o caso das ADI –

P á g i n a | 18

Ações Diretas de Inconstitucionalidade, as Ações Civis Públicas, os Mandados de

Segurança Coletivos.

Há também a intervenção do Judiciário no próprio sistema eleitoral, outra

forma de se aplicar a judicialização da política. Esta é caracterizada pela

“determinação e imposição de regras eleitorais justas; regulação financeira de

campanhas; interpretação e imposição de leis éticas que regulam a conduta pública

de oficiais são algumas das intervenções mais comuns do judiciário sobre a

organização dos pleitos legislativos e executivos” (BADINTER; BREYER, 2004).

Duas opiniões serão aqui destacadas. A primeira, crítica, em que os autores

TATE & VALLINDER enxergam este avanço do judiciário como extremamente

prejudicial à democracia. Segundo eles: “Nas democracias, primeiramente, nas suas

assembléias eleitas popularmente, a formulação de decisão (decision-making) está

baseada no princípio majoritário e no debate público, livre entre iguais” (1995: 13).

VALLINDER ainda apresenta algumas diferenças fundamentais que, segundo

ele, apesentam-se na resolução de conflitos entre os poderes legislativo e judiciário:

“a arena legislativa opera em termos de barganhas e troca de favores, enquanto o

judiciário pesa os argumentos; no legislativo predomina o princípio majoritário, e no

judiciário, a decisão dada por um juiz imparcial; um produz regras gerais e políticas

públicas, e outro estabelece casos individuais; um aloca valores em virtude de uma

solução possível politicamente, enquanto o outro se certifica dos fatos do processo e

da lei adequada na busca da “única solução correta”. Desse ângulo, o modelo

democrático do consenso, ou seja, a capacidade da sociedade de se autocompor, de

produzir valores e arregimentar vontades na formação de uma unidade, estaria em

risco diante da judicialização da vida política”.

A segunda, esboçada no pensamento de CAPPELLETTI, que é contrário ao

posicionamento supra, pois o mesmo entende que “deve-se fazer contínuo esforço

com vistas a salvaguardar, o mais realisticamente possível, a legitimação

democrática e representativa, incluindo, todas as formas de criação do direito,

inclusive jurisprudencial” (CAPPELLETTI, 1993: 96).

Dentro desta linha de raciocínio de CAPPELLETTI, “enquanto legisladores e

aparelhos burocráticos podem dificultar ou vedar o acesso dos cidadãos à política, no

poder judiciário, em razão dos procedimentos e processos jurisdicionais, ouvir as

P á g i n a | 19

partes continuaria sendo tarefa imprescindível e direito fundamental. Visto dessa

perspectiva, o poder judiciário viria a ser o mais participável de todos os processos

da atividade pública. Esses procedimentos, combinados com a desformalização do

direito e com instrumentos de controle recíprocos do sistema democrático, também

evitariam a manutenção, na esfera institucional jurídica, de juízes burocratas

distantes e isolados da sociedade. E, ao mesmo tempo em que garante o contato

constante com a comunidade, esses procedimentos salvaguardam uma condição de

independência dos juízes, à medida que não estão pressionados pela maioria.”

(Ibidem, p. 97).

Diante desta dualidade de opiniões, chama-se atenção para o facto de que as

Cortes brasileiras em muitos casos (mas não nos casos envolvendo a Judicialização

da Saúde) têm direcionado suas opiniões para o fenômeno da responsabilidade

solidária dos entes federados, principalmente após a consagração (em minha opinião,

apenas formal) do Município como ente federativo na CF/88, transformando a

federação brasileira em um tripé de competências por parte do Poder Público, mas

principalmente, responsabilizando o Município em obrigações financeiras para as

quais este não estava preparado, e, tampouco possuia (e não possui até os dias

actuais) autonomia em termos de representatividade no Poder Central.

V.3. O Município na Constituição Brasileira de 1988: Sobre as Águas do

Reconhecimento Como Ente Federativo ou Uma Mera Jogada de Xadrez Para

Desresponsabilização e Economização de Gastos Públicos do Poder Central

V.3.1. Autonomia ou Anomalia Municipal?

A concepção de uma Federação pode ser entendida como “um Estado

soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana

dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal14

”.

A Federação brasileira, assim como a belga, é abrangida por três níveis:

União, Estado e Municípios. Estes últimos surgem como a entidade mais próxima a

14 JELLINEK, Georg. Allgemeine Staatslehre. 3. ed. Berlin, 1914, p. 769.

P á g i n a | 20

atender as demandas comunitárias, actuando como braço direito entre o aparelho

estatal e os cidadãos.

No concernente às relações internacionais, a Federação brasileira, assim

entendida como União, urge como um único Estado soberano, mas, do ponto de vista

interno, o poder acaba deslocado de forma responsiva a outras unidades federativas,

embora estas se encontrem notoriamente sujeitas ao Poder central. Esta acção

conjunta, culminada por uma transferência de responsabilidades decisórias, teve sua

dimensão ampliada quando a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 29 e 30,

dotou os Municípios das capacidades de auto-organização, autogoverno,

autolegislação, autoadministração. Em outras palavras, autonomia política,

financeira, legislativa e administrativa.

Partindo desta premissa, pode-se perceber, à primeira vista, que nos

Municípios existiriam menos intermediações entre a população e o Poder Público,

para se discutir e promover as demandas políticas necessárias ao desenvolvimento

local, e, também, ao atendimento de medidas emergenciais. Ou, permissa venia a

analogia, pode-se dizer que o Município é um Areópago aberto e

organogramicamente transformado em subpastas que respondem estrategicamente,

nas diferentes áreas, à voz do povo, posto que é supostamente no Município que se

encontram as forças dos povos livres15

.

Mas, analisando aspectos de representatividade decisória no chamado Poder

Central, podemos dizer que o Município no Brasil partilha uma espécie de

federalismo cooperativo de certas responsabilidades – entre elas, o obrigatório

fornecimento (judicializado) de medicamentos, objecto deste texto – sem, entretanto,

possuir qualquer representatividade na formação da vontade jurídica nacional. A este

respeito, observou Roque Antonio Carraza, que “embora o art.1º da CF estabeleça

que a República brasileira é formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios (...), estes não integram a Federação, isto é, não fazem parte do pacto

federal. E isto por motivo muito simples: a própria CF se encarrega de desmentir o

que solenemente proclama em seu art. 1º. Vejamos. Os Municípios não influem, nem

muito menos decidem, no Estado Federal. Dito de outro modo, os Municípios não

participam da formação da vontade jurídica nacional. Realmente, não integram o

15 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: M. Fontes,

2005. p. 75-80. Livro 1.

P á g i n a | 21

Congresso, já que não possuem representantes nem no Senado (Casa dos Estados),

nem na Câmara dos Deputados (Casa do Povo). Como se isso não bastasse, a

autonomia municipal não é uma cláusula pétrea. O Congresso Nacional, no exercício

de seu poder constituinte derivado, pode, querendo, aprovar emenda constitucional

que venha a diminuir ou, mesmo, eliminar a autonomia dos Municípios16

”.

Esta ausência de representatividade, também chamada de anomalia17

, não

macula a pretensiosa imagem traduzida pela União Federal, que a princípio,

dezarrazoa o pessimismo e aponta para uma possível solução de que, quanto mais

descentralizado se encontre qualquer poder Estatal, evientemente, maior será a

hipótese de participação dos cidadãos no contexto político, e, como conseqüência, o

grau de democracia poderá ser maior.

E, no caso do Brasil, esta suposta crescente participação acabou evidenciada

com o surgimento de novas formas de democracia participativa, entre as quais, o

orçamento participativo, que não será enfocado neste texto, mas que contribui para

uma elevação mítica de destaque da figura do Município entre os cidadãos e também

entre os juristas, avalizada pelos resultados em termos de democracia local oriundos

dos movimentos sociais participativos e uma espécie de célula vital comunitária

formada ao redor deles.

Mas a realidade da não representatividade na formação da vontade jurídica

nacional acabou por angariar certos prejuízos ao ente Município. O Professor

CELSO BASTOS, a este respeito, acabou por profetizar uma aparente solução – hoje

convertida em metástase jurídica – sobre a necessidade de que “a Constituinte dê

aplicação ao princípio, segundo o qual nenhum serviço pode ser prestado por

autoridade estatal de nível superior, quando tiver condições de o ser por governo de

nível inferior. Assim, o Município deverá preferir aos Estados e à União, da mesma

forma que os Estados deverão preferir a União18

”.

Este aparente acolhimento do Município do conceito de cidadania brasileira,

e, elevação das proximidades democráticas a partir da aproximação local entre

governo e população, culminou com uma armadilha hoje perigosa – e que está a ser

16 CARRAZA, Roque Antonio. Direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 98 17 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Competências administrativas dos Estados e Municípios. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro, n. 207, 1997. 18 BASTOS, Celso. Os caminhos de uma nova Constituição. Revista Seleções Jurídicas ADV/COAD, São Paulo,

p. 10, 1987

P á g i n a | 22

verificada no âmbito deste texto – quanto à responsabilização solidária do Município

para com outros entes federados para atendimento das demandas judiciais onerosas.

A chamada democracia consensual, como já avistado no tópico anterior,

acabou por reverter-se em democracia processual, para abrir caminho à

judicialização da política e determinação aos Municípios de cumprimento de ordens

atinentes à saúde dos impetrantes. Juízes de todo o Brasil, seduzidos pelas

impetrações objectivando fornecimento de medicamentos, cirurgias, internações,

entre outras demandas, sem avaliar o aspecto econômico e de responsabilização dos

entes federativos, e, principalmente, direcionados pelas evidentemente direccionadas

decisões dos tribunais superiores, voltadas a salvaguardar os cofres públicos da

União Federal e a solapar a Fazenda Pública Municipal, condenavam o ‘ente mais

próximo’ (Município) ao atendimento de todo e qualquer tratamento, por mais

oneroso que se apresentasse, no âmbito da saúde pública.

V.3.2. A Idéia Distorcida de Responsabilidade Solidária dos Entes Federativos e

Sua Consagração Jurisprudencial no Brasil – Sem Levar em Conta Aspectos

Econômicos e Preventivos na Judicialização da Política

Não é pretensão neste texto discutir que a Federação começa no Município,

tampouco é intenção descartar a importância do Município como ente Federativo, se

esta importância realmente tivesse representatividade no âmbito das decisões e das

transformações jurídicas do país, e, não apenas na assumção de obrigações

financeiras.

Sabemos que a descentralização, enquanto fenômeno político necessário para

a reorganização dos Estados mundiais passa, evidentemente, pela coordenação e

controle de políticas públicas descentralizadas, e, delibera às municipalidades a

execução e o controle destas políticas. Mas, a forma com que o Judiciário tem

condenado os Municípios via judicialização da política não se preocupa em saber se

estes mesmos Municípios estariam prontos, isto é, estariam dotados de condições

políticas, econômicas e financeiras garantidas pelo desenvolvimento local, de modo

que eles já tivessem, desde a promulgação da Constituição de 1988, evoluido a ponto

de dispensar a atuação federal e a estadual.

P á g i n a | 23

Isto porque a Constituição de 1988 classificou, deliberou e simplesmente

disse: pronto. Esperava-se que, num passe de mágica, todos os Municípios

brasileiros, como se contemplados com a ‘medalha de ente federativo’, estivessem

estruturados para promover o desenvolvimento local de forma a, em poucos anos, ter

condições financeiras, administrativas e organizacionais para suportar todas as

transferências gestuais (municipalização da educação, da saúde, entre outros) e todas

as demandas judiciais no âmbito prestacional. Mas, evidentemente e sem querer soar

redundante, é óbvio que não estavam.

É romântico por demais o conhecimento a respeito de que “na literatura de

todos os povos modernos sempre retorna a idéia de que a comunidade é formação

natural, é originária, precede o Estado e não foi por este criada. Tem, em rigor, sua

derradeira origem nas explicações de Aristóteles acerca do desenvolvimento

histórico dos Estados, que fazem com que o Estado resulte da união de muitas

povoações19

”.

A natureza comunitária e cidadã do poder municipal nunca poderá ser

subvalorizada, e, nem é nossa pretensão aduzir a tal. Mas a questão da

responsabilidade solidária dos entes federativos somente poderia ter maior albergue

mediante a constatação efectiva de que os Municípios brasileiros estariam em plenas

condições de suportar financeira e estruturalmente a judicialização da política.

E o que fazem os juízes diante deste panorama? E como avaliar as

divergências doutrinárias que se instalam, em sede de defesa Municipal e Federal?

Não tenho dúvidas em afirmar que a ideia dos juízes de que todo ente é

passível da obrigação de fornecer medicamentos, independente das atribuições

condicionadas pelo Sistema Único de Saúde, gera um desequilíbrio irracional da

divisão de competências dos entes federativos, pois sobrecarrega, evidentemente, o

ente mais fraco da tripartição federativa, e, não obstante, transforma o orçamento

público dos Municípios num oceano de incertezas de cumprimento das políticas

sociais previstas em sua lei anual.

Pergunta-se: desde quando federalismo e cooperação são sinônimos de

corresponsabilização20

?

19 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 315. 20

WANG, Daniel; PIRES, Natália; OLIVEIRA, Vanessa; TERRAZAS, Fernanda. Os Impactos da

Judicialização da Saúde no orçamento Público da Saúde, cit. p. 11: O Judiciário, ao adotar a tese da

P á g i n a | 24

V.3.3. O Tema da Reserva do Possível Alegado pelos Municípios

Todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos. Isto é

facto. Diante desta assertiva, seria preciso, diante da reserva do possível, e, diante da

escassez dos recursos comumeiramente trazida em sede de defesa pelos Municípios,

que se pudesse concluir que “levar a sério os direitos significa levar a sério a

escassez” (HOLMES; SUNSTEIN, 1999).

Neste sentido, a dimensão de contraprestação dos direitos tidos como sociais,

dimensiona o pronto atendimento a estes direitos a uma esfera programática, isto é,

que dependeriam de dotações orçamentárias e formulações de políticas públicas

municipais para se tornarem exequíveis e, evidentemente, exigíveis. Com isto, a

intervenção do judiciário obrigando o ente federativo à consecução desta política

social, acabaria por violar o princípio conhecido como ‘reserva do possível’.

A reserva do possível associa-se, em outras palavras, ao caráter aristotélico

distributivo, segundo o qual, em razão de reservas inexistentes para atender a todas

as demandas judiciais e, tendo em vista as diferenças valorativas de cada demanda,

levariam a escolhas alocativas, ou seja, escolhas pautadas pela macrojustiça.

Dentro desta óptica “o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a

concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria

condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social,

analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício da

parte, com invariável prejuízo para o todo” (AMARAL, 2001).

Mas, como confrontar a chamada ‘reserva do possível’ com a própria

dignidade da pessoa humana, ou seja, o mínimo existencial do direito à saúde?

V.3.4. O Tema do Mínimo Existencial do Direito à Saúde Alegado pelos Juízes

Diante do debate que se alavanca em torno dos direitos sociais e sua

efectivação ou não através do Poder Judiciário, estes acabam por mobilizar-se em

responsabilidade solidária dos entes da federação a compor o polo passivo de ações demandando bens e serviços

de saúde, parece estar, indiretamente, redesenhando a política de assistência farmacêutica do SUS no que tange à

distribuição de competências, desconsiderando o fato de que federalismo e cooperação não são sinônimos de

corresponsabilização, conforme já explicitado. << http://abresbrasil.org.br/trabalhos/impactos-da-judicializacao-

da-saude-no-orcamento-publico-o-caso-do-municipio-de-sao-paulo >>

P á g i n a | 25

direção as teorias da justiça, as teorias de argumentação e as teorias econômicas do

direito (CANOTILHO, J. J. Gomes. Metodologia “fuzzy” e “camaleões normativos”

na problemática actual dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: Estudos sobre

direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 98).

A idéia trazida acima navega nas águas de um desconforto jurídico, posto que

“paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais

a carga metodológica da vaguidez, indeterminação e impressionismo que a teoria da

ciência vem apelidando, em termos caricaturais, sob a designação de ‘fuzzismo’ ou

‘metodologia fuzzy’. Em toda a sua radicalidade a censura de fuzzysmo lançada aos

juristas significa basicamente que eles não sabem do que estão a falar quando

abordam os complexos problemas dos direitos econômicos, sociais e culturais”

(Ibidem, p. 100).

Dentro desta óptica linear, pareceria evidente, a princípio, concluir que todas

as demandas envolvendo judicialização da política para efectivação dos direitos

sociais envolveria todos os argumentos contrários e favoráveis dos direitos sociais21

,

para então chegar-se a um conclusivo mais ‘equilibrado’. Mas o facto é que os

juristas brasileiros têm vertido seus acctos conclusos pela essencialidade do direito à

saúde, antes mesmo de toda e qualquer avaliação distributiva.

No Brasil, um dos julgados interessantes e que favorece o entendimento em

favor da prestação positiva do Estado, como caráter de relevância pública, diz

respeito ao AgR-RE n.º 271.286-8/RS, proferido pelo Ministro Celso de Mello,

ressaltando que “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em

promessa constitucional inconseqüente”. Em outras palavras, o Ministro quis dizer: -

é dever do ente federado a prestação positiva. Ainda, no mesmo julgado, concluiu

que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte

21 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008, p. 511-512, op. cit.: “Considerando os argumentos contrários e favoráveis aos direitos

fundamentais sociais, fica claro que ambos os lados dispõem de argumentos de peso. A solução consiste em um

modelo que leve em consideração tanto os argumentos a favor quantos os argumentos contrários. Esse modelo é

a expressão da idéia-guia formal apresentada anteriormente, segundo a qual os direitos fundamentais da

Constituição alemã são posições que, do ponto de vista do direito constitucional, são tão importantes que a

decisão sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar.

(...) De acordo com essa fórmula, a questão acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivíduo

definitivamente tem é uma questão de sopesamento entre princípios. De um lado está, sobretudo, o princípio da

liberdade fática. Do outro lado estão os princípios formais da competência decisória do legislador

democraticamente legitimado e o princípio da separação de poderes, além de princípios materiais, que dizem

respeito, sobretudo à liberdade jurídica de terceiros, mas também a outros direitos fundamentais sociais e a

interesses coletivos.”

P á g i n a | 26

qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (CF,

art. 197)”.

Outra decisão interessante dos tribunais brasileiros, diz respeito à ADPF n.º

45/DF, em que o mesmo Ministro conclui, de forma pormenorizada, que, com

relação ao SUS – Sistema Único de Saúde, órgão criado pela Constituição brasileira

de 1988 e que torna o acesso gratuito à saúde um direito de todos os cidadãos,

somente se verificado o não comprometimento do funcionamento do referido órgão

para atender a determinado caso (desde que devidamente comprovado e

fundamentado), e, avaliado o binômio da disponibilidade financeira do Estado +

razoabilidade da pretensão, é que enfatizaria a garantia judicial da prestação

individual de saúde. Aduziu o Ministro: “Desnecessário acentuar-se, considerando o

encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais

e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da

pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo

afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, se ausentes qualquer destes

elementos, restará por descaracterizada a possibilidade estatal de realização prática

de tais direitos” (ADPF-MC N.º 45, Rel. Celso de Mello, DJ 4.5.2004).

A princípio, pode-se vislumbrar uma ‘luz’ aos Municípios diante do julgado

supracitado. Mas nos últimos anos, o Sistema Único de Saúde – SUS descentralizou

os seus serviços, e, com objetivo de aumentar a qualidade e acesso doa cidadãos aos

serviços de saúde, ambos os entes tem conjugado seus esforços financeiros para

suprimir as demandas de atendimento.

Não obstante, a competência dos entes da Federação é consubstanciada no

artigo 23, II da Constituição brasileira. Isto os torna, imediatamente legitimados

passivos na responsabilidade solidária, bastando apenas que o SUS (mediante órgão

Municipal, Estadual ou Federal) apresente sua negativa assistencial.

Ademais, o artigo 195 da mesma Carta Magna prevê que o financiamento do

Sistema Único de Saúde opera-se com recursos da União, dos Estados, dos

Municípios, da Seguridade Social, do Distrito Federal, e, o artigo 198 estabelece que

é de incumbência da Lei Complementar os percentuais mínimos e critérios de rateio

entre os entes. E, a Lei 8.090/90, que estabelece as competências do SUS no Brasil,

consagra o princípio igualitário e universal em seu artigo 7°, IV, garantindo

P á g i n a | 27

“igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer

espécie”.

Por esta razão, não é difícil entender o porquê os juristas brasileiros tem cada

vez mais deliberado pela judicialização da política, no âmbito da saúde, em prol dos

entes envolvidos. Mas pessoalmente, não vislumbramos como correto, por exemplo,

uma situação em que um paciente venha socorrer-se de um medicamento importado,

de custo equivalente a cerca de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais (cerca de

18.000 euros) em um Posto de Saúde Municipal, e, por não constar o medicamento

no programa municipal de atendimento, venham os juízes ordenar – e eis aí o cerne

da questão tematizada nesta discussão – aos Municípios o cumprimento desta

obrigação, pois são eles justamente os entes mais fracos economicamente, e, que

nenhuma representatividade jurídica possuem, como já dito, no Poder Central,

restando à União a fácil tarefa de deliberar, a seu bel prazer, nas legislações

nacionais, as percentualidades e responsabilidades municipais, e, aos juízes, cumprir

o sobredito na Lei, sem aterem-se à realidade funcional, econômica e social dos

Municípios. Em muitíssimos casos, os juízes, inclusive, atem-se ao periculum in

mora do atendimento à demanda, para permitir a figuração, no polo passivo da acção

judicial, de apenas o Município. Mas, como já aqui foi fito, federalismo e cooperação

não são sinônimos de corresponsabilização.

CHRISTIAN COURTIS e VICTOR ABRAMOVICH possuem uma opinião

interessante a respeito de o Poder Judiciário não possuir competência para formular

políticas públicas, e, portanto, ao encontrar divergências a respeito de sua

aplicabilidade, devem estes órgãos reencaminhar o assunto às autoridades

competentes, para que possam ajustar a sua atividade neste sentido. Ou seja, é

preciso, antes de qualquer ordenamento judicial, que exista um pacto entre os entes

federativos e o Poder Judiciário, de modo a dialogar exaustiva e permanentemente,

ano após ano, sobre as realidades dos entes federativos, e, contribuir, juntamente com

os mesmos, para a formulação de políticas públicas eficazes, seja por meio de pactos

de direitos humanos, seja por meio de garantias e inovações constitucionais, mas o

facto é que seja possível a realização e concretização de um programa jurídico-

político de políticas públicas de saúde, não um oceano de demandas em prejuízo dos

entes federativos, e, especial, os Municípios. Chama-se atenção para este

P á g i n a | 28

pensamento, pois elucida a ideia de uma necessidade de políticas preventivas: “Por

ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la de

confrontar el diseño de políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y –

en caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los poderes pertinentes para

que ellos reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas

constitucionales o legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y los

poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponderá al Poder

Judicial reprochar esa omisión y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna

medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada como la

participación en un diálogo entre los distintos poderes del Estado para la concreción

del programa jurídico-político establecido por la constitución o por los pactos de

derechos humanos22

”.

Nesta divergência de opiniões aqui elucidadas, entendemos pela extracção

dos aspectos positivos que, dentro do universo da judicialização da política, em

especial, da saúde, e, do surgimento de uma democracia mais ‘processual’ e menos

consensual, permitam também avaliar o aspecto econômico e o de responsabilização

dos entes em questão. A seguir, procura-se oferecer alguns comentários neste

contexto.

V.3.5. O Aspecto Econômico e de Responsabilização dos Entes Garantidores da

Saúde (Não Vislumbrado Pelo Poder Judiciário): A Importância da Análise

Preventiva das Cortes Judiciais diante de uma Judicialização Anti-Democrática.

Tendo em vista as opiniões divergentes anteriormente citadas, preocupa-se

neste texto não apenas com a não consagração do debate livre e majoritário

(elemento essencial da democracia), que, muitas vezes, torna-se distante, se o

Judiciário passar a atuar em causas minoritárias. Até mesmo porque, a facilitação do

acesso aos direitos fundamentais, no caso, à Saúde, propiciada pela judicialização da

política, não deve ser avaliada dentro do contexto dos avanços processuais de

garantias à efetivação dos direitos sociais e da universalização do acesso à justiça,

22 ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta,2004, p.

251

P á g i n a | 29

pois estas são condições positivas, derivadas da falência macroeconômica do Estado

e da crise do positivismo jurídico.

A questão mais assente parece-nos ser a de que o Judiciário precisa avaliar

também e antes de tudo, o aspecto econômico e de responsabilização dos entes

envolvidos, haja vista que, não bastasse o problema do extrapolo orçamentário, o

Estado é unicamente responsabilizado pelos tribunais fiscalizadores; ao judiciário

cabe apenas determinar, por exemplo, o fornecimento de determinado medicamento

ou realização de intervenção cirúrgica.

Assim, entendemos por necessário uma análise prévia das consequências de

se fomentar decisões judiciais sobre as políticas públicas, ou seja, é necessário ao

Judiciário pensar e agir de maneira preventiva, e, não apenas autodeterminativa, pois,

se em democracia busca-se uma análise consensual em favor de uma maioria, o

Poder Judiciário extaria aí, extrapolando sua legitimidade e responsabilizando o

Executivo única e exclusivamente, pelo cumprimento das demandas. Não entendo

como agradável, tampouco é democrático, que uma esfera de Poder ordenar que

outra cumpra um papel atinente ao direito fundamental, sem avaliar os riscos

orçamentários e o direcionamento para causas judiciais exclusivas, favorecendo,

como já dito, a microjustiça.

Decisão interessante a este respeito, que avaliou a possibilidade financeira por

tratar-se de medicamentos disponíveis no mercado nacional (brasileiro), e, optou pela

sugestão alternativa de parceria do Poder Público com entidades privadas, por meio

de compensação de tributos, tendo sido objecto do Agravo de Instrumento

2007.0008.0173-7/023

:

23 Logo, avaliada perfunctoriamente a situação espelhada nestes autos, à luz dos princípios da proporcionalidade,

da reserva de consistência e da reserva do possível, correta se me afigura a concessão da liminar perseguida -

presente que se faz a relevância nos fundamentos da impetração. Com efeito, não se trata, a priori, de tratamento

experimental. Trata-se de medicamentos que existem e estão disponíveis no mercado, logo, sua utilização em

território nacional é autorizada pelos Poderes Públicos. Demais disso, não se tem notícia de outras drogas,

disponibilizadas na rede pública de saúde, capazes de gerar uma resposta eficaz à sua ministração. Doutra parte,

não se pode permitir que a reserva do possível se converta em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5

econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de

direitos sociais (FARENA, Duciran Van Marsen. A Saúde na Constituição Federal, p. 14. In: Boletim do Instituto

Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997, p. 12/14). A par disso, diante da alegação de inexistência de verbas

específicas para o fornecimento do medicamento, nada impede que o Judiciário determine, por exemplo: a) o remanejamento de verbas orçamentárias de menor importância (v.g., publicidade institucional) e b) autorização

do custeio por entidades particulares, mediante compensação fiscal dos gastos efetuados. Lembre-se, em todo

caso, na hipótese de remanejamento de verbas orçamentárias, que nenhuma responsabilidade caberá ao

administrador, por se cuidar de ordem judicial. De mais a mais, não basta ao ente estatal invocar o princípio da

reserva do possível de forma genérica; é preciso que justifique, que apresente dados concretos para cotejo entre a

prestação positiva visada pelo particular e as suas possibilidades materiais para arcá-la. Do contrário, não haverá

P á g i n a | 30

A idéia é interessante, haja vista que em países como o Brasil, grande parte

das demandas decai sobre os Municípios brasileiros, pois alguns juízes entendem,

como já dissemos, que o ‘periculum in mora’, ou seja, o risco da demora em

atendimento ao fornecimento de medicamentos ou realização de cirurgia coloca em

risco um direito máximo da Constituição Federal, qual seja o direito á vida.

O problema é que, na maioria dos casos, os juízes, para evitar este

supracitado risco, transferem a obrigação de imediato, repita-se, ao ente menos

favorecido, ou seja, o Município, que, no decorrer dos últimos anos, vem

respondendo em grande parte por estas demandas. Não há, como enfatizado, um

pacto federativo, tampouco jurídico-político entre as partes.

V. 3. 6. Os Custos Judiciais Onerosos e a Des-responsabilização do Poder

Judiciário Perante os Tribunais Fiscalizadores: Quem Paga as Contas Pela

Judicialização da Política?

Um recente estudo, elaborado por OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ e

FABÍOLA SULPINO VIEIRA (2009:235-238), enfatizou apenas duas doenças:

hepatite viral crônica C e artrite reumatoide, e, constatou, de forma impressionante,

que, “para atender aos pacientes portadores destas duas doenças, estimados em 1,9

milhões no Brasil, seriam gastos 99,5 bilhões de reais. Estes mesmos custos,

comparados pelos autores, com os demais custos dispensados pela União, pelos

Estados e pelos Municípios na esfera de Saúde, seriam superiores a todos os gastos

destes entes em conjunto, que totalizariam 85,7 bilhões de reais24

”.

Dentro desta mesma linha de raciocínio, há um registro interessante elaborado

pela Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, que demonstra em valores, os custos

para atendimento de apenas 88 pessoas por mês25

para trazer uma idéia do impacto

orçamentário que a judicialização provoca.

como se saber se existe, realmente, uma real impossibilidade de satisfação da obrigação contra si imposta

(ANDRADE, 2012)’. 24 FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabíola Sulpino. Direito à Saúde, Recursos Escassos e Equidade: os

riscos da interpretação judicial dominante. Dados, Rio de Janeiro, 52 v., pp. 223-251, 2009 25

Fonte: CODES – Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo

P á g i n a | 31

A idéia ao inserir esta tabela no presente artigo foi a de demonstrar os

impactos da judicialização da saúde no orçamento público, analisando para tal

algumas compras de medicamentos importados que são fornecidos apenas a 88

pacientes no Estado de São Paulo em virtude de decisões judiciais para tal, e, a partir

deste apontamento, imaginar os riscos que as demandas crescentes podem provocar.

Tabela I

Medicamentos Importados Fornecidos Por Determinação Judicial para apenas

88 Pacientes no Estado de São Paulo

Produto Nº PAC Preço Unit. (U$) Custo Mensal

(U$)

Aldurazyme 26 650,00 319.800,00

Fabrazyme 21 3.775,00 354.850,00

Elaprase 20 3.490,00 809.680,00

Naglazyme 14 1.519,00 349.370,00

Myozyme 7 600,00 182.400,00

TOTAL 88 2.016.100,00

Considerando a tabela acima, e, o facto de que o Estado de São Paulo tem

população superior a 41 milhões de pessoas (e no estudo foram apresentados apenas

88 pessoas, para ter um panorama pequeno e ao mesmo tempo, assustador dos

gastos), fica difícil entender as afirmações de que a judicialização da política

apresenta traços positivos de conquista e avanços do Poder Judiciário para combater

as ineficiências do Estado (apenas e tão somente).

Ora, digo isto porque, uma vez que o próprio Estado não suporta tamanhas

demandas, e, se o Judiciário extrapola sua legitimidade, interferindo na gestão de

políticas públicas, mas, sequer responsabilizando-se para tal, imagine-se se, por

exemplo, o Tribunal de Contas da União ou do Estado julga ilegais as contas

apresentadas pela União Federal, pelos Municípios ou pelos Estados, pelo facto de

terem extrapolado os limites constitucionais previstos para dispêndios com saúde.

P á g i n a | 32

Os gráficos que a seguir26

serão apresentados oriundam-se da Jornada

Nacional de Economia da Saúde em Brasília (2012), e demonstram a ocorrência de

uma maior responsabilização dos Municípios para com demandas judiciais.

GRÁFICO I27

Infelizmente, as Cortes Judiciais acabam por valer-se do já criticado ideal de

corresponsabilização e do facto de que os Municípios seriam os entes mais próximos

para garantir o atendimento dos pacientes, e, por isto, o risco à saúde diminuiria, ao

invés de ter-se de aguardar um desfecho processual por parte das Cortes Superiores

em face à União Federal ou aos Estados, o que discordo plenamente, pois as decisões

ocorrem em sede de liminar, e, portanto, tem de 24 horas a, no máximo, 72 horas

para serem aplicadas, e, há um sistema eletrônico de gestão de recursos disponível

entre os três entes federativos no Brasil, que facilita a aquisição destes

medicamentos.

Repita-se, ainda que efusivamente: - federalismo e cooperação não são

sinônimos de corresponsabilização.

26

WANG, Daniel; PIRES, Natália; OLIVEIRA, Vanessa; TERRAZAS, Fernanda. Os Impactos da

Judicialização da Saúde no orçamento Público da Saúde. << http://abresbrasil.org.br/trabalhos/impactos-da-

judicializacao-da-saude-no-orcamento-publico-o-caso-do-municipio-de-sao-paulo >> 27 Percentual de demandas de Judicialização da Política envolvendo 1276 Muniípios nos períodos de 1993 a

2009.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1993 1995 2000 2001 2004 2005 2005 2007 2009

P á g i n a | 33

GRÁFICO II28

GRÁFICO III29

28 Número de processos judiciais de distribuição de medicamentos respondidos por cada período. 29 Valor Gasto em Reais Pelos Municípios.

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

2007 2008 Até Junho de 2009

0,00

10.000.000,00

20.000.000,00

30.000.000,00

40.000.000,00

50.000.000,00

60.000.000,00

70.000.000,00

80.000.000,00

2007 2008 Até Junho de 2009

P á g i n a | 34

GRÁFICO IV30

Como se pode verificar nos gráficos supracitados, e, tendo em vista a

competência comum dos três entes da Federação (Constituição Brasileira no artigo

23, II), os Municípios vêm sofrendo demandas severamente prejudiciais.

Pergunta-se: - quem paga a conta desta intervenção do Judiciário? Em

princípio, apenas e tão somente o Poder Executivo, e, principalmente, o Poder

Executivo Municipal. E, como já enfatizamos severas vezes, é o Executivo o único

responsabilizado pelos tribunais fiscalizadores, na prestação de contas obrigatória

integrante da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não obstante, a judicialização da saúde tem obrigado os Municípios a

deslocar seus recursos oriundos de outras áreas, para custear demandas judiciais, sob

a pena de multas vultosas e representações contra a o ente federativo, na pessoa de

seu governante/Chefe de Executivo.

A tabela abaixo31

demonstra exactamente estes gastos efectivados por meio

da judicialização da saúde no Município de São Paulo no ano de 2011, representando

mais de 10%, por exemplo, do montante utilizado para compra de materiais

30 Evolução dos gastos com medicamentos no Brasil, por meio de demandas judiciais. 31

WANG, Daniel; PIRES, Natália; OLIVEIRA, Vanessa; TERRAZAS, Fernanda. Os Impactos da

Judicialização da Saúde no orçamento Público da Saúde, p. 11. << http://abresbrasil.org.br/trabalhos/impactos-

da-judicializacao-da-saude-no-orcamento-publico-o-caso-do-municipio-de-sao-paulo >>

0,00

500.000.000,00

1.000.000.000,00

1.500.000.000,00

2.000.000.000,00

2.500.000.000,00

3.000.000.000,00

2002 2003 2004 2005 2006

Gastos com Medicamentos

P á g i n a | 35

hospitalares e odontológicos, que também, são indispensáveis ao bom funcionamento

dos sistemas de saúde no Município, e, devido às demandas judiciais crescentes,

acabam por sofrer cortes e deslocamentos de seus recursos, em prol do fornecimento

de medicamentos.

Tabela II

Total gasto com a judicialização para o ano de 2011 em São Paulo

Medicamentos comprados sem licitação - 2011 R$ 1.581.064,32

Medicamentos comprados com licitação – Atas

judiciais

R$ 7.132.180,08

Medicamentos comprados com licitação – Outras

Atas

R$ 92.977,58

Total gasto com judicialização em 2011 R$ 8.806.221,98

Se o Poder Judiciário não é responsabilizado pelos Tribunais Fiscalizadores,

e, os entes federativos são fiscalizados e obrigados a gerir de forma gritante os seus

recursos, transferindo de uma dotação para outra, valores antes destinados a

programas essenciais de saúde (enfraquecendo, com isto, a sua função de Estado

Social), em virtude de verem-se obrigados a atender as novas demandas de

judicialização que surgem, é evidente que não está havendo democracia consensual,

tampouco em favor de uma maioria, e, sim, está-se construindo uma ‘democracia’

processual, que confere ao Judiciário uma função praticamente prioritária de ‘gestão’

dos outros poderes, e, não apenas de fiscalização.

Se esta intervenção, para muitos, é benigna, pois representa a evolução do

sistema de magistrados para impedir os abusos e a inoperância do Estado, o facto é

que ela não ocorre de forma planeada, tampouco preventiva, tampouco estruturada

redistributivamente.

P á g i n a | 36

Ao contrário, os magistrados hoje se tornam, como já dissemos, os ‘Robins

da Floresta’, com a diferença de que estão a obrigar o estado a distribuir ouro a quem

o reclama, e, não pagam a conta ou sofrem qualquer responsabilização, quando o

Estado se esfalece.

VI. A Judicialização e a Necessidade de Revigoramento Federativo a Partir de

Sua Menor Célula: O Município

A descentralização política deu vida ao Município como ente federativo,

conforme já explanamos. Muito embora não possua representatividade central, o

Município, ainda que normativamente, tem resguardada a sua autonomia. Mas, na

prática, esta separação de poderes apenas maqueia uma transferência de

responsabilidades e obrigações financeiras para o ‘primo pobre’ de todas as unidades

federativas.

Com a judicialização da política não é diferente. Os gráficos apontados neste

texto demonstram esta ocorrência e o inflacionamento dos cofres públicos

municipais, sem que exista responsabilização de outros entes, tampouco, dos

próprios juízes, ao utilizarem critérios desmensurados para proferir suas sentenças.

Pode haver casos isolados de judicialização da política no campo da saúde,

onde houve verificação e estabelecimento de divisão de percentuais de

responsabilização entre os entes federados, mas é uma maioria. Mas, porque a ideia

do pacto federativo jurídico-político (inserindo o judiciário na esfera de

responsabilizações e averiguações, não apenas de relator de sentenças) parece-nos

tão utópica? Isto porque congressos, reuniões, encontros municipais ocorrem

costumeiramente para debater o tema, mas ainda sobrevive um distanciamento do

Judiciário para com o tema.

O Município é, sorrateiramente, uma entidade de nível inferior, e, é cediço

que, tendo recursos para prestar serviços, pode e deve fazê-lo. Mas, como poderá ter

recursos suficientes diante do crescimento descontrolado da judicialização da

política, sem um ajuste de programas e políticas assistenciais que deve,

imprescindivelmente, contar com a colaboração das três esferas, e, aval do

Judiciário?

P á g i n a | 37

As rendas lastreadas em arrecadações próprias são transformadas pelos

Municípios em programas de governo, dentro da linha orçamentária. Há,

actualmente, fundos de reserva criados pelos entes federativos e propostas de pactos

conjuntos (o que entendo ainda ser prejudicial aos Municípios) que começam a ser

discutidas e evidenciadas, mas que ainda são insuficientes diante de uma ingerência

dos magistrados em querer, permissa venia, fazer contas para determinar a co-

responsabilização de cada um dos entes federativos, mesmo diante do facto de eles

conhecerem a incapacidade e o despreparo dos Municípios para tal. Como já dito, o

periculum in mora torna-se escudo espartano diante de uma batalha diária e

absolutamente corrosiva para os cofres municipais.

É preciso criar primeiramente um mecanismo hábil para promover a

representação dos Municípios no Congresso Nacional, de modo que estes possam ser

valorizados como centros sócio-políticos-econômicos. Com esta valorização e,

somente por meio dela, é que as iniciativas locais podem ajustar-se à realidade das

demandas judiciais e, fazer crescer as parcerias na busca de soluções adequadas à

sobrevivência e à gerência dos cofres municipais.

O Município antecede, tanto quanto as famílias ou as tribos, o Estado32

.

Como célula menor, sua vitalização deve prescindir a sua coresponsabilização. Mas,

não foi isto que ocorreu na Constituição de 1988; e, espera-se, é isto que deve ocorrer

nos próximos anos e/ou décadas. A reforma política que ora se encena no Brasil,

parece estar a semear alguns frutos neste sentido, mas, serão colhidos a passos mais

lentos em relação ao descampamento das decisões judiciais que sobrecarregam os

Municípios de forma ululante.

VII. Judicialização e Activismo Judicial: Pequenos Exemplos da Intervenção do

Poder Judiciário

Algumas pequenas intervenções decorrentes de judicialização e activismo

judicial também merecem ser enunciadas neste texto. Para tanto, tomaremos

32 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Malheiros, p. 315, Op. cit: “Na literatura de

todos os povos modernos sempre retorna a idéia de que a comunidade é formação natural, é originária, precede o

Estado e não foi por este criada. Tem, em rigor, sua derradeira origem nas explicações de Aristóteles acerca do

desenvolvimento histórico dos Estados, que fazem o Estado resultar da união de muitas Povoações”.

P á g i n a | 38

emprestados alguns julgados ocorridos em países da Europa e Ásia, para ilustrar os

aspectos positivos e negativos da judicialização da política em casos concretos.

VII. 1. Activismo Judicial na Índia

A Índia possui um sistema federal, sendo formada por uma União entre

Estados, sendo hoje considerada a democracia mais populosa do mundo. Seu

parlamento é bicameral, e, o governo é o que pode ser chamado de ‘quase

federalista’. O Poder Judiciário indiano é similar ao brasileiro, abrangido por

Tribunais de Primeira Instância, Tribunais Superiores e a Suprema Corte, esta última,

sendo independente e com papel decisivo nos casos relacionados aos direitos

fundamentais, e, na interpretação da Constituição.

Ideologicamente, um dos actos praticados por esta Corte é o de “alimentar o

povo faminto e vestir as multidões despidas e dar a cada indiano todas as

oportunidades para que possa desenvolver-se de acordo com sua capacidade”.

(BALAKRISHNAN, 2008, p. 10).

Alguns exemplos céleres do activismo judicial na Índia trouxeram profundas

transformações sociais na efectivação dos direitos individuais. Em 1980, por

exemplo, ocorreu o caso Hussainara Khatoon vs. o Estado de Bihar, em que detentos

nos presídios pleitearam o direito à vida e à liberdade, tendo em vista que já haviam

extrapolado os prazos de cumprimentos das penas que lhe foram impostas, tendo a

Suprema Corte, reconhecido aos mesmos estes direitos e discutido inclusive, em seu

favor, montantes indenizatórios, ante a ausência legislativa para tal.

Em outro caso, agora Vishaka v. Estado de Rajasthan (1997), a Suprema

Corte interviu em casos de assédio sexual a mulheres no ambiente de trabalho e, ante

a ausência de normas nesse sentido, decidiu por instituir elementos indenizatórios a

não apenas o caso em questão, mas a todos os casos posteriores que tratassem da

matéria.

Por último, em mais uma notável decisão, a Suprema Corte interviu em casos

de prisão ilegal e tratamentos desumanos, e, concluiu que “dentro ou fora da prisão,

uma pessoa não pode ser privada de sua liberdade garantida pelo Direito, pela Justiça

P á g i n a | 39

e pela equidade. A armadura da liberdade fundamental também o contempla, apesar

de fisicamente encontrar-se preso33

”.

Em suma, ainda que necessite suprimir alguns formalismos processuais, a

Suprema Corte indiana pugna pelos direitos fundamentais que, se afrontados, são

invocados por meio de activismo judicial.

VII. 2. Activismo Judicial na União Europeia: Breves Histórias

Na Alemanha, os juízes estão, por determinação legal, activamente

envolvidos na investigação dos factos ocorridos. Desta forma, toda e qualquer acção

do Estado é susceptível à revisão judicial. Uma vez proferida uma queixa sobre

violação, por exemplo, de direitos humanos, a Corte intervém na legislação, nos

actos da administração pública e também nas decisões judiciais, como um todo.

As decisões da Corte acabam por não interferir na esfera do Executivo ou do

Legislativo, mas sim, para garantir que a Constituição tenha um caráter valorativo

evolutivo e eficiente, e, diante da omissão, por ventura, do Poder Legislativo, vale-se

do activismo judicial para garantia de tal.

A União Europeia, além da Alemanha, possui esta característica de

intervenção necessária em casos de omissão legislativa. Uma opinião interessante

sobre a actuação dos tribunais superiores, no caso, da Alemanha, Inglaterra e Itália, é

trazida por MARCOS FARO DE CASTRO. Para ele, “na Alemanha, de modo

semelhante, a atuação do Poder Judiciário revelou-se de extrema importância para a

determinação da dinâmica do processo político e de seus resultados em diversas

áreas substantivas, que vão desde a política externa (Ostpolitik.) até a política

universitária e a política de relações industriais (id.). A interação político-judicial foi

tão relevante nesses casos que Stone a caracteriza como parte de um processo de

"construção coordenada" de políticas públicas na França, entre 1981 e 1985, e na

Alemanha, entre 1969 e 1976. Na Inglaterra, a proibição administrativa, estabelecida

pelo governo de Margaret Thatcher, de formação de sindicatos no serviço público,

bem como a política de fechamento de escolas do sistema público de ensino

secundário, sem consulta prévia aos pais de alunos, sofreram a intervenção dos

33 SAHA, Arpita. Judicial Activism in India: a necessary evil. 2008.

<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1156979>

P á g i n a | 40

tribunais (Sterett, 1994). Na Itália, a politização da magistratura judicial através de

reformas na estrutura da carreira e dos órgão de representação profissional desde o

final da década de 1960 (Guarnieri, 1991), determinou um aumento de intervenções

judiciais em setores como as relações industriais, a defesa de ‘interesses difusos’ e a

repressão ao terrorismo (e mais recentemente à corrupção)34

”.

Na França, o Conselho Constitucional Francês, que aparentemente não

possuía como função essencial a proteção dos direitos fundamentais proclamados no

Preâmbulo, mas sim a constrição do parlamento, depois de 1971, abandonando a

jurisprudência que havia produzido, elevou o controle de constitucionalidade à

proteção dos direitos fundamentais ao primeiro plano de suas funções, voltado

exclusivamente ao interesse dos cidadãos. (BON, 2001: 177)

Nota-se aí, que a judicialização da política preocupou-se em atender o caráter

majoritário, seja no combate à corrupção, no desenvolvimento industrial, no direito

de associativismo sindical, no direito à educação, no combate ao terrorismo, ou seja,

questões que ordenam a macrojustiça e a redistribuição, e, não o individualismo ou a

microjustiça. Neste caso, a judicialização é e sempre será como já cá foi dito, um

fenômeno positivo.

Ora, em sua trajetória secular, a democracia sempre se associou às noções de

cidadania e de participação de um povo. As decisões supracitadas mostram esta

predominância.

O Professor BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (2003), em contribuição

sobre o tema, destaca o problema causado pela judicialização da política em

Portugal, no que tange à violação do segredo de justiça e à prisão preventiva, que

segundo ele, “num contexto de politização da justiça, o problema do segredo de

justiça é o problema da violação do segredo de justiça. O que se está a passar neste

domínio é uma vergonha nacional. Não deixa de ser paradoxal que, num momento

político-judicial que se apresenta como de luta contra a tradicional impunidade dos

poderosos, quem quer que tenha poder para violar o segredo de justiça o possa fazer

impunemente. O segredo de justiça protege tanto os interesses da investigação

criminal como o bom nome e a privacidade dos arguidos. Sobretudo no domínio da

criminalidade complexa, o segredo de justiça é uma condição de eficácia da

34 CASTRO, Marcos Faro de. O STF e a Judicialização da Política. http://pt.scribd.com/doc/61824280

P á g i n a | 41

investigação e, por isso, o respeito pelos direitos dos arguidos não está na atenuação

do segredo. Está na aceleração do inquérito criminal por parte do Ministério Público

e, portanto, na dotação das condições para que tal seja possível. A vulnerabilidade do

segredo de justiça numa situação de stress institucional reside no facto de os que

estão interessados em destruir o bom nome dos arguidos têm a cumplicidade dos que

pretendem descredibilizar à investigação”.

A visão do renomado catedrático consiste no facto de que os juízes estão a se

tornar cúmplices da ação dos meios de comunicação e dos interesses oposicionistas,

de modo a contribuir e forma negativa para a violação de um dos requisitos

processuais que deveria assegurar a individualidade e a integridade de qualquer

acusado, até o desfecho do processo, mas que não ocorre, por meio da própria

judicialização da política causada pelo Judiciário. Eis aí, mais um fator negativo

desta fenomenologia.

Qual a justificativa para se desintegrar um direito fundamental de alguém que

está a ser investigado? Contribui esta ‘abertura de portas’ à mídia e à comunidade

para a garantia de democracia? Evidente que não! Ao contrário, maqueia

antecipadamente de forma negativa a identidade das pessoas envolvidas no processo,

associando-se posteriormente ao clamor popular e às intervenções da mídia, de modo

a causar a sensação de que um desfecho processual só será positivo se houver uma

expressa condenação dos envolvidos. Não há aí uma relação de consenso, e, sim,

uma violação aos direitos humanos.

VIII. Judicialização no Brasil Sob a Óptica Processual Intervencionista.

A malversação dos recursos públicos, a ineficácia legal, a omissão legal, os

problemas de ordem política, entre outros factores tipicamente comuns à sociedade,

acabam por levar o Judiciário ao activismo diante de toda e qualquer situação que

envolva direitos fundamentais.

Há resultados funcionais relevantes trazidos neste texto, que servem como

espelho à contribuição do activismo para uma solução outrora de competência

exclusiva do legislador.

P á g i n a | 42

Mas este mesmo activismo coloca o Judiciário em uma situação muitas vezes

de superioridade, caracterizada por uma actividade solipsista e discricionária do

Magistrado. É muito comum, nos livros de Direito Processual, falar-se em livre

arbítrio e discricionariedade no exercício da jurisdição quando, atualmente, com as

conquistas históricas de direitos fundamentais incorporadas ao processo, como

instrumentalizador e legitimador da Jurisdição, a atividade jurisdicional não é mais

um comportamento pessoal e idiossincrásico do juiz, mas uma estrutura

procedimentalizadora de atos jurídicos seqüenciais a que se obriga o órgão

jurisdicional pelo controle que lhe impõe a norma processual, legitimando-o ao

processo. Portanto, não há para o órgão jurisdicional qualquer folga de conduta

subjetiva ou flexibilidade de vontade, pelo arbítrio ou discricionariedade, no

exercício da função jurisdicional, porque, a existirem tais hipóteses, quebrar-seia a

garantia da simétrica paridade dos sujeitos do processo (LEAL, Rosemiro, 2008, p.

41).

Poder-se-a dizer que o exercício da cidadania, no caso da efectivação de

assistência à saúde, por exemplo, se concretiza pela existência da demanda

processual e que basta ao Juiz, ao verificar a violação ao direito fundamental

explicitado, determinar o cumprimento prestacional da saúde. Mas o magistrado “é

apenas mais um dos interlocutores, aquele que, por função, mediará, através das

regras construídas por uma legislação processualizada, as pretensões das partes, tudo

de forma a visar, sempre, o esclarecimento e pacificação pela razão. A função

jurisdicional, portanto, é a que responde pelo dever de garantir a vigência da

instituição do Processo” (LEAL, Rosemiro, 2005, p.42). Quando ele extrapola, no

caso da judicialização da saúde, a função jurisdicional, e, não mensura nem

estabelece responsabilidade solidárias, e, tampouco permite a repartição percentual

das competências em consonância à legislação, crucificando unitariamente o

Município, acaba por desprestigiar a própria tripartição federativa, que, como cá já

dissemos, existe apenas em hipótese factual.

Ainda no âmbito da discussão, retoma-se aqui a opinião de Cappelleti de que

a judicialização é “uma condição de independências dos juízes, visto que não estão

pressionados pela maioria”, para fazer-lhe uma crítica. Trata-se de uma afirmação

absolutamente equívoca, visto que em muitos casos o apelo popular e a pressão da

P á g i n a | 43

mídia contribuem, espontaneamente, para a judicialização da política e muitas vezes,

de forma equivocada e desobedecendo a ritos processuais, como é o caso ocorrido

(entre inúmeras outras) da decisão do caso ‘José Dirceu’ no Brasil, cuja motivação

do Tribunal Superior pela mídia fê-lo constituir (à época) vícios decorrentes em todo

o processo de cassação (conforme relatório do Ministro CARLOS BRITTO35

, que

posteriormente, concluiu ter ocorrido desrespeito por parte do STF ao devido

processo legal). Entre os quais: “I) aprovação pelo Conselho de Ética de parecer

normativo que deu pela “impossibilidade de retirada, pelo representante, da

respectiva representação e de encerramento do processo instaurado”, pois o

demandante entendia que essa aprovação feria normas regimentais e constitucionais

(§ 2º do art. 55: limitava a autonomia dos partidos políticos para formular

representações, ou delas desistir); II) a prorrogação do prazo para conclusão do

processo de cassação, que, para o impetrante, seria peremptório (de 90 dias,

consoante o disposto na Resolução 25/2001) e ainda que lícita sua prorrogação,

careceria de fundamentação quanto à sua necessidade; III) defeito de forma no

processo de cassação, a saber, inversão da oitiva das testemunhas (as arroladas pela

defesa foram ouvidas antes da testemunha da acusação, a Srª Kátia Rabelo, ouvida no

dia 22.09.05), o que ofendia garantias constitucionais do contraditório e da ampla

defesa; IV) uso de provas obtidas por meio ilícitos (informações bancárias sigilosas

citadas na inquirição de testemunhas”.

Outra decisão que também ganhou o cunho da pressão popular, embora

pudesse ser contestada constitucionalmente embasada nos princípios da isonomia, foi

a da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 2.649/DF, Rel. Min. CARMEN

LÚCIA, que julgou improcedente um pedido de declaração de inconstitucionalidade

da Lei 8999/94, que concedia passe livre aos portadores de deficiência nos

transportes coletivos.

A autora da ação, como bem destaca Luis Roberto Barroso em seus estudos,

“sustentou que a Lei afrontava os princípios da isonomia e da livre iniciativa, bem

como o direito de propriedade”.

O apelo popular chamou a atenção das emissoras televisivas e a atuação do

STF para este caso ganhou condões nacionais de um ‘reality-show’. A solução

35 MS-MC nº 25647/8 DF

P á g i n a | 44

caseira encontrada, para a qual concordo plenamente, foi a de invocar o princípio da

“solidariedade”, inserido na CF/88, em seu artigo 3º, e, ainda, que por muito mais

que a então autora aduzisse que “esta isenção provocaria um desequilíbrio na

equação econômico-financeira do contrato”, esta, segundo a Ministra, “poderia ser

sanada por ocasião da negociação da tarifa com o Poder Concedente”. In casu,

tivemos uma decisão motivada pela pressão popular, mas que encontrou uma solução

interessante e com resquícios de equilíbrio econômico dentro da judicialização da

política.

Outras decisões podem ser rapidamente citadas, entre as quais, as que

envolveram a Lei de Biossegurança (ADI n.3.510), a reforma partidária (ADI n.

1.351 e n. 1.354), à verticalização das candidaturas para as eleições de 2006 (ADI n.

3.685) e a batalha judicial acerca das contribuições previdenciárias dos inativos (ADI

n. 3.105)36

, situações as quais a capacidade de intervenção, no caso, do Supremo

Tribunal Federal, foi potencializada em virtude do controle concentrado de

constitucionalidade.

A título de informação complementar, as estatísticas dos julgamentos de

Ações Diretas de Inconstitucionalidade, nos anos de 1998 a 2008, totalizaram 978

demandas, das quais apenas 16,57% foram julgadas improcedentes.

IX. A Judicialização da Política sob a Óptica Contra-Majoritária: O Supremo

Tribunal Federal e as Decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade

Conhecido como guardão da Constituição, o Supremo tribunal Federal no

Brasil é o órgão responsável pelo controle dos abusos da maioria parlamentar na

edição de Leis que acabam por proteger minorias.

Actuando como uma espécie de terceira casa legislativa, as minorias

parlamentares objectivavam a promulgação de Leis voltadas a interesses particulares,

mas tiveram na actuação dos partidos políticos nas Ações Directas de

Inconstitucionalidade a represália capaz de estimular a incorporação, por parte do

STF, de elementos capazes de invadir e até mesmo controlar o cerne decisório então

36 VERISSIMO, Marcos Paulo. A constituição de 1988, vinte anos depois: suprema corte e ativismo judicial “à

brasileira”. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, jul/dez 2008. p. 412-413.

P á g i n a | 45

cabível aos poderes Executivo e Legislativo, não apenas nas políticas públicas e nos

direitos sociais – aqui enfatizados como temática central por meio da judicialização

da saúde para atendimento a um direito fundamental, mas sim, a exemplo das

supracitadas ADI n. 1.351, 1.354 e 3.685, na seara dos conflitos políticos e

partidários.

Algumas decisões merecem enfoque, seja pela intervenção directa do STF

como reformulador, seja pela sua negação superficial em contrariar o constituinte

reformador, entre as quais podemos convencionar:

– ADI n. 839-1 (1993) – A alegada inconstitucionalidade proposta pelo

Partido Democrático Trabalhista baseava-se no facto de que a então promulgada Lei

n. 8624/92 assegurava uma “exclusividade aos partidos políticos do direito a

programas gratuitos na rádio e na televisão. Além disso, a divisão do tempo

destinado a cada opção não poderia segundo o autor ser igualitária, mas proporcional

à adesão dos partidos a cada uma das frentes” (SILVA: 2007). O voto vencedor do

Ministro PAULO BROSSARD, foi favorável à causa defendida pelo PDT,

entendendo o mesmo que: “até para o funcionamento normal da votação

plebiscitária, não se poderia adotar um sistema que supusesse a exclusividade dos

partidos, por que eles não teriam condições reais para conduzir o debate, porque

chegaria um partido, num dia, com um representante seu, defendendo uma tese e

outro no dia seguinte. Creio que o legislador muito realista e sábio ao procurar um

expediente, uma fórmula transitória, evidentemente, que exista até o dia vinte e um

de abril, e que conduza e oriente o debate, a discussão, o esclarecimento, a

propaganda. Isso quer dizer que os partidos ficam em férias nesse período? Eu acho

que não, até por motivo de interesse. Se uma frente tem elementos partidários, ou um

partido organizado que está disposto a dar a sua colaboração para defender a tese que

ela esposa, seria pouco inteligente, e até contrário aos interesses mais tangíveis, que

recusasse essa participação”.

– ADI n. 1805-2 (1998) – Ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, Partido

Democrático Trabalhista, Partido Comunista do Brasil e Partido Liberal, insurgiu-se

em face à Emenda Constitucional n. 16/97, que alterou o texto do artigo 14,

parágrafo 5º, autorizando a reeleição dos titulares ao cargo de Chefe do Executivo, e,

os artigos 75 e 76 da Lei 9.504/97 e as resoluções subsequentes do Tribunal Superior

P á g i n a | 46

Eleitoral37

. A propositura era, entre outros aspectos, de que os candidatos

concorrentes à reeleição deveriam renunciar aos seus mandatos em até seis meses

antes da realização do pleito eleitoral.

O voto dos Ministros vencedores seguiu a orientação de que “se o Presidente

e governadores continuam administrando a República e os Estados, durante a

campanha, porque não obrigados a se afastar do cargo, certo é que as medidas de

segurança próprias da investidura – incluídas residência e transporte oficial – não é

possível entender que lhes foram subtraídas durante o período da campanha38

”.

Em sede de liminar, o pedido também foi indeferido, entendendo o Ministro

NÉRI DA SILVEIRA que não caberia a Corte Superior introduzir exigência que o

constituinte reformador não tencionou em fazê-la. Se assim o fosse, segundo o

Ministro, o STF estaria a actuar na condição de legislador negativo39

.

– ADI n. 1465 (2005) – Ajuizada pelo Partido da Frente Liberal objectivando

a impugnação do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, que tornava sem efeito as filiações

partidárias quando verificada a vinculação de um candidato a dois partidos políticos.

A ideia defendida pelo partido de que o candidato duplamente filiado ficaria

condicionado a desfiliação dupla, sendo, portanto, inelegível. Em resposta, o

Supremo Tribunal Federal indeferiu o pedido de forma unânime, tendo na época se

pronunciado o Ministro JOAQUIM BARBOSA no sentido de que: “a autonomia

partidária não se estende a ponto de atingir a autonomia de outro partido, cabendo à

lei regular as relações entre dois ou mais deles. A nulidade que impõe o art. 22 da Lei

9.096/1995 é conseqüência da vedação da dupla filiação e, por conseqüência, do

princípio da fidelidade partidária. Filiação partidária é pressuposto de elegibilidade,

não cabendo afirmar que a lei impugnada cria nova forma de inelegibilidade”.

37

Resoluções TSE n. 19.952, 19.954 e 19.955. 38

Cf. voto do Ministro Néri da Silveira, p. 2372. 39

Cf. Cit. p. 2368: “Se o constituinte derivado deveria ter incluído a cláusula da exigência de

afastamento definitivo do titular, seis meses antes do pleito, tal como a matéria foi efetivamente

discutida no Congresso Nacional, ou não, resultou isso de decisão política que não pode ser, aqui,

confrontada, a ponto de alterar-se o conteúdo do preceito constitucional, por via exegese da norma do

art. 14, § 5º, em vigor da Lei Magna, a fim de, nele introduzir exigência que o constituinte reformador

não quis fazê-la. Se é difícil admitir, como sustentam os autores, que para concorrer ao mesmo cargo

não há necessidade de renúncia, fazendo-se esta necessária quando o titular pretenda disputar cargo

diverso (Constituição art.14, §§ 5º e 6º), certo é que não cabe corrigir tal disposição em juízo de

controle de constitucionalidade, onde a Corte desempenha função de legislador negativo e não de

legislador positivo, para exigir, restringindo direitos, o que não foi estabelecido como condição pelo

legislador constituinte, o qual optou, é exato, pela dispensa de cláusula do afastamento”.

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Note-se que a questão enfocada nas três decisões cá enunciadas passeia pela

possibilidade de o STF, enquanto Corte superior, se entender por necessário actuar

como reformulador, o fará como já dito, incorporando elementos capazes de invadir

e até mesmo controlar o cerne decisório então cabível aos poderes Executivo e

Legislativo, de modo que, em determinados casos, a sua intervenção é sim, positiva.

X. A Judicialização da Política diante do Panorama Democrático:

Apontamentos Complementares.

Por último, com relação à atuação das Cortes Superiores, poder-se-á

perguntar: - onde estaria a legitimidade de um Tribunal Superior, por exemplo, para

invalidar uma decisão do Presidente da República, sufragado este por milhões de

votos, ou até mesmo de um Congresso Parlamentar, eleito por vontade popular, em

um caso fictício de impedimento, por exemplo, do exercício de mandato aos

muçulmanos, e, não aos católicos?

A justificativa foi muito bem defendida por LUIS ROBERTO BARROSO

(2010: 11), no sentido de que “o Estado constitucional democrático, como o nome

sugere, é produto de duas idéias que se acoplaram, mas não se confundem.

Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O

Estado de direito como expressão da razão. Já democracia signfica soberania

popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia

e constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da

maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes. Por essa razão, a

Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as

regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da

maioria e a alternância no poder. Mas a democracia não se resume ao princípio

majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o

primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em

maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores

e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem

mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu

papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais,

P á g i n a | 48

funcionando como um forum de princípios – não de política – e de razão pública –

não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas ou concepções religiosas”.

Não se discorda desta arguição, e, já se discorreu sobre os pontos positivos da

judicialização da política dentro deste texto. Mas, como bem também ressalvou o

autor no mesmo trabalho supracitado, corroborando com o posicionamento aqui

também defendido, há limites econômicos, de legitimidade e até mesmo de

competência, para que o Judiciário atue, de modo que o mesmo jamais poderá

suprimir qualquer política, tampouco o governo de uma maioria, tampouco o papel

do Legislativo40

.

Pensar o Direito hoje, de forma política, é entender que “a sua criação é um

produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas Leis” (Ibidem,

p. 13).

Mas interpreta-lo de forma política, pode colocar em risco a democracia. Se

interpretar a inconstitucionalidade de uma lei ou vier a sanar uma suposta omissão

normativa, o Judiciário estará, sim, agindo em favor da democracia.

Ainda no que tange ao agir em favor da democracia e quando isto ocorre,

tomemos como exemplo o facto de que “o banqueiro que doou para o partido do

governo não pode ter um regime jurídico diferente do que não doou. A liberdade de

expressão de quem pensa de acordo com a maioria não pode ser protegida de modo

mais intenso do que a de quem esteja com a minoria. O Ministro do Tribunal

Superior, nomeado pelo Presidente Y, não pode ter a atitude a priori de nada decidir

contra o interesse de quem o investiu no cargo41

”. Ou seja, há um dever de motivação

implícito no Poder Judiciário, para fazer zelar a igualdade, a liberdade, o bem-estar.

E, eles não podem distanciar-se disto. Até aí, estará cumprindo seu dever para com a

democracia.

40

Ibidem, p. 12, cit. : “Impõe-se, todavia, uma observação final. A importância da Constituição – e do Judiciário

como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do

Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada

pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que

caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do

Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em

relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem

presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas

preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas

decisões, com base na Constituição”. 41 Scott M. Noveck, Is judicial review compatible with democracy?, Cardozo Public Law, Policy & Ethics 6:401,

2008, p. 420.

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Mas, repita-se: há dois mundos distintos. O mundo do dever funcional do

Poder Judiciário em garantir a igualdade, a liberdade, o bem-estar, a sanção de uma

omissão legislativa, ou, a verificação de inconstitucionalidade de uma norma; e, o

‘não dever’ (impulsionado por uma actuação política) de decretar afazeres ao Estado

no que tange à efectivação de políticas públicas para casos individuais, colocando em

risco, como já cá perseguido, todo um organograma funcional, econômico, bem

como, a própria sobrevivência do Estado Social, que se verá entupido de demandas

as quais, muitas vezes, não poderá cumprir, e, se as fizer, correrá o risco de ser

punido pela famosa manobra do “tira um pouco daqui” e “coloca ali”, sacrificando

programas específicos de saúde em prol do atendimento de demandas

medicamentais. E, como todo antibiótico poderoso, o uso do Poder Judiciário deve

ser “mensurado e controlado, sob o risco de, em dose excessiva, morrer-se da cura”

(Ibidem, p. 19).

XI. Conclusão

A judicialização da política não é um fenômeno antidemocrático quando o

judiciário pode valer-se da premissa de invocar sua atuação com o propósito de

verificar a inconstitucionalidade de uma lei, a omissão de uma norma vigente, e, até

mesmo quando se atira mais ao longe para assegurar direitos coletivos em prol de

uma maioria, direitos que garantam, por exemplo, a liberdade, a igualdade, a

religiosidade, o bem-estar. Mas, somente para estes casos.

Porém, no que tange ao direito à saúde, muito embora se trate de um direito

fundamental, o extrapolamento dos julgados e a ordenação, do Judiciário, ao

cumprimento econômico do Executivo destes direitos em prol de um único indivíduo

postulador de demanda (que é uma forma de Judicialização da Política), colocará em

risco, como já perseguido neste texto, todo um organograma funcional, econômico,

bem como, a própria sobrevivência do Estado Social, que acabará entupido de

demandas as quais, muitas vezes, não poderá cumprir.

É perigoso aceitar que “o Poder Judiciário, para não violar a deliberação

pública de uma comunidade política que atua autonomamente orientada pelos valores

que compartilha, deva actuar como regente republicano da cidadania ou abdique de

P á g i n a | 50

garantir direitos constitucionalmente assegurados. Dar uma resposta positiva a essa

pergunta significa, na verdade, autorizar os tribunais, especialmente as cortes

supremas, a atuar como profetas ou deuses do direito, consolidando aquilo que já é

designado como ‘teologia constitucional’ e imunizando a atividade jurisprudencial

perante a crítica a qual originariamente deveria estar sujeita (...), pois quando a

justiça ascende, ela própria, à condição de mais alta instância moral da sociedade,

passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social42

”.

Ao afrontar o princípio da própria reserva de poderes para distribuir

medicamentos em casos isolados, o Judiciário quebra o elo consensual da

democracia e do equilíbrio redistributivo majoritário pretendido pelo Estado em prol

da coletividade. Não bastasse o peso econômico contagioso à sobrevivência estatal,

fere também a sua própria legitimidade política, viola ao princípio da igualdade,

desestabiliza o condão democrático, e, pode, se continuar a distribuir casuisticamente

bens públicos em favor de quem tem cultura e agilidade para requerer aos órgãos

judiciários, contribuir para a perdição dos direitos humanos.

A legitimidade decisória é e será sempre construída a partir da abertura de um

espaço discursivo a todos os envolvidos, dentro de uma estrutura procedimental

constitucionalizada, livre da arbitrariedade, discricionariedade, de valores morais e

pessoais, respeitando as bases do Estado Democrático de Direito.

42 CITTADINO, Gisele. Poder judiciário, ativismo judicial e democracia. Revista da Faculdade de Direito de

Campos, Campos dos Goitacazes, ano II, n. 2 e ano III, n. 3, 2001-2002. p. 141.

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