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195 RESUMO JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA, PODER JUDICIÁRIO E COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO NO BRASIL Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 195-209, jun. 2011 Recebido em 15 de outubro de 2009. Aprovado em 17 de novembro de 2009. Eduardo Meira Zauli A partir da noção de judicialização da política, procura-se discutir alguns aspectos das relações entre os Poderes Judiciário e Legislativo no Brasil no contexto de vigência da Constituição de 1988. Tendo como foco específico a problemática do controle de constitucionalidade e judicialização dos procedimentos adotados no âmbito das comissões parlamentares de inquérito, o artigo fundamenta-se em pesquisa sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do estatuto e das limitações constitucionais do trabalho das comissões parlamentares de inquérito no Congresso Nacional. Aborda-se a questão da sepa- ração de Poderes nas democracias contemporâneas, ilustrando o quanto as inter-relações entre os três ramos do Estado afastam-se, na prática, da formulação clássica da teoria; o que permite toda uma complexa teia de controles mútuos que constituem um campo fértil para a ascendência do poder Judiciário sobre o poder Legislativo e a referida judicialização da política. PALAVRAS-CHAVE: judicialização da política; comissões parlamentares de inquérito; Brasil. I. INTRODUÇÃO: JUDICIALIZAÇÃO DA PO- LÍTICA O interesse dos cientistas políticos pelos as- pectos legais do funcionamento das instituições não é algo propriamente novo. Há muito reconhe- ce-se na magistratura um ator cujas decisões afe- tam de maneira importante a dinâmica da interação política em nossas sociedades. De maneira que as condicionantes, as características e as conseqü- ências dos processos de tomada de decisão no âmbito das instituições judiciais constituem os aspectos centrais de sua abordagem pela Ciência Política. Sumarizando os postulados básicos da literatura da Ciência Política sobre o assunto, Gibson (2006) sugere que “em suma, as decisões dos juízes são uma função do que eles preferem fazer, temperada pelo que eles pensam que deve- riam fazer, mas constrangida pelo que eles perce- bem que é viável fazer” (idem, p. 515-516; tradu- ção do autor). As variáveis independentes menci- onadas informariam o cerne de diferentes abor- dagens teóricas no campo da Ciência Política. Assim, as preferências da magistratura seriam o foco privilegiado de um modelo de análise atitudinal; o que os magistrados deveriam fazer é a preocupação do modelo legal e da teoria dos papéis; enquanto a preocupação com a viabilidade das decisões judiciais é parte central de aborda- gens estratégicas. Nos últimos anos, diante da constatação da ex- pansão dos poderes judiciais nas democracias con- temporâneas, tornou-se corrente entre os cientis- tas políticos o uso da expressão judicialização da política para referir-se à interferência de decisões judiciais e à introdução de procedimentos de na- tureza judicial em diversas arenas políticas. As- sim, Vallinder (1995) propõe que a noção de judicialização da política envolve “(1) a expansão do campo dos tribunais ou dos juízes em detri- mento dos políticos e/ou dos administradores, isto é, a transferência de poder de decisão do legisla- dor, do governo, ou da administração civil para os tribunais ou, pelo menos, (2) a propagação dos métodos da tomada de decisão judicial para fora do campo judicial propriamente dito. Em resumo, podemos dizer que a judicialização envolve essen- cialmente uma transformação na direção do pro- cesso judicial” (idem, p. 13). No mesmo tom, Tate (1995) define a judicialização da política como “1. o processo pelo qual os tribunais e juízes tendem a dominar cada vez mais a produção de políticas públicas já cria- das (ou, acredita-se amplamente, que pelo menos deveriam ser criadas) por outras agências gover-

Judicialização da política, poder judiciário e comissões parlamentares de inquérito no Brasil

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 195-209 OUT. 2011

RESUMO

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA, PODERJUDICIÁRIO E COMISSÕES PARLAMENTARES DE

INQUÉRITO NO BRASIL

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 195-209, jun. 2011Recebido em 15 de outubro de 2009.Aprovado em 17 de novembro de 2009.

Eduardo Meira Zauli

A partir da noção de judicialização da política, procura-se discutir alguns aspectos das relações entre osPoderes Judiciário e Legislativo no Brasil no contexto de vigência da Constituição de 1988. Tendo comofoco específico a problemática do controle de constitucionalidade e judicialização dos procedimentosadotados no âmbito das comissões parlamentares de inquérito, o artigo fundamenta-se em pesquisa sobre ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do estatuto e das limitações constitucionais dotrabalho das comissões parlamentares de inquérito no Congresso Nacional. Aborda-se a questão da sepa-ração de Poderes nas democracias contemporâneas, ilustrando o quanto as inter-relações entre os trêsramos do Estado afastam-se, na prática, da formulação clássica da teoria; o que permite toda uma complexateia de controles mútuos que constituem um campo fértil para a ascendência do poder Judiciário sobre opoder Legislativo e a referida judicialização da política.

PALAVRAS-CHAVE: judicialização da política; comissões parlamentares de inquérito; Brasil.

I. INTRODUÇÃO: JUDICIALIZAÇÃO DA PO-LÍTICA

O interesse dos cientistas políticos pelos as-pectos legais do funcionamento das instituiçõesnão é algo propriamente novo. Há muito reconhe-ce-se na magistratura um ator cujas decisões afe-tam de maneira importante a dinâmica da interaçãopolítica em nossas sociedades. De maneira que ascondicionantes, as características e as conseqü-ências dos processos de tomada de decisão noâmbito das instituições judiciais constituem osaspectos centrais de sua abordagem pela CiênciaPolítica. Sumarizando os postulados básicos daliteratura da Ciência Política sobre o assunto,Gibson (2006) sugere que “em suma, as decisõesdos juízes são uma função do que eles preferemfazer, temperada pelo que eles pensam que deve-riam fazer, mas constrangida pelo que eles perce-bem que é viável fazer” (idem, p. 515-516; tradu-ção do autor). As variáveis independentes menci-onadas informariam o cerne de diferentes abor-dagens teóricas no campo da Ciência Política.Assim, as preferências da magistratura seriam ofoco privilegiado de um modelo de análiseatitudinal; o que os magistrados deveriam fazer éa preocupação do modelo legal e da teoria dospapéis; enquanto a preocupação com a viabilidade

das decisões judiciais é parte central de aborda-gens estratégicas.

Nos últimos anos, diante da constatação da ex-pansão dos poderes judiciais nas democracias con-temporâneas, tornou-se corrente entre os cientis-tas políticos o uso da expressão judicialização dapolítica para referir-se à interferência de decisõesjudiciais e à introdução de procedimentos de na-tureza judicial em diversas arenas políticas. As-sim, Vallinder (1995) propõe que a noção dejudicialização da política envolve “(1) a expansãodo campo dos tribunais ou dos juízes em detri-mento dos políticos e/ou dos administradores, istoé, a transferência de poder de decisão do legisla-dor, do governo, ou da administração civil para ostribunais ou, pelo menos, (2) a propagação dosmétodos da tomada de decisão judicial para forado campo judicial propriamente dito. Em resumo,podemos dizer que a judicialização envolve essen-cialmente uma transformação na direção do pro-cesso judicial” (idem, p. 13).

No mesmo tom, Tate (1995) define ajudicialização da política como “1. o processo peloqual os tribunais e juízes tendem a dominar cadavez mais a produção de políticas públicas já cria-das (ou, acredita-se amplamente, que pelo menosdeveriam ser criadas) por outras agências gover-

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namentais, especialmente legislativos e executivos,e 2. o processo pelo qual os fóruns de negociaçãoe de tomada de decisão não judiciais tornam-sedominados por normas e procedimentos quase-judiciais (legalistas)”.

Na experiência brasileira posterior à promul-gação da Constituição de 1988 pode-se observaro desenvolvimento de ambos os processos dejudicialização da política, sendo que em se tratan-do de investigar as relações entre o poder Judici-ário e as comissões parlamentares de inquéritodeve-se estar atento para ambas as perspectivasmencionadas anteriormente por Vallinder e Tate.Mais ainda, alguns dos fatores que respondem portal fenômeno no Brasil assemelham-se àquelascondições que, segundo Tate (1995), facilitarama expansão do poder judicial em outros sistemasdemocráticos: (i) a operação de um sistema po-lítico democrático; (ii) a existência de umordenamento institucional baseado na separação depoderes; (iii) a existência de uma carta de direitos;(iv) o uso dos tribunais por grupos de interesse;(v) o uso dos tribunais pela oposição; (vi) ainefetividade das instituições majoritárias em impe-dir o envolvimento de instituições judiciais em cer-tas disputas políticas; (vii) percepções negativasacerca das instituições majoritárias e legitimação deinstituições judiciais; (viii) algum grau de delega-ção de poderes de decisão das instituições majori-tárias em favor de instituições judiciais.

Contudo, outros fatores também contribuírampara a ocorrência de uma maior ascendência dopoder Judiciário sobre o sistema político brasilei-ro: (i) em primeiro lugar, a promulgação de umaConstituição cujo caráter principiológico eprogramático, acompanhado de uma novahermenêutica que confere normatividade aos va-lores e princípios constitucionais permitiu um pro-cesso de constitucionalização do Direito, no sen-tido da irradiação dos princípios e valores consti-tucionais por todo o sistema jurídico; abrindo es-paço para uma releitura do Direitoinfraconstitucional e das decisões dos poderesLegislativo e Executivo à luz da Constituição (BAR-ROSO, 2009), interpretada “[...] em torno deenunciados abertos, indeterminados eplurissignificativos – as fórmulas lapidares queintegram a parte dogmática das constituições”(MENDES, COELHO & BRANCO, 2008, p. 58);(ii) a ampliação do elenco de intérpretes da Cons-tituição por meio da abertura do sistema de con-trole de constitucionalidade a um leque mais am-

plo de atores legitimados para propor ações deconstitucionalidade; (iii) as novas garantias deindependência do poder Judiciário e do MinistérioPúblico1; (iv) os novos mecanismos de acessoao poder Judiciário2; (v) para além das condiçõesmencionadas, observa-se no Brasil também certodescompasso entre os valores e orientações pre-dominantes no âmbito das instituições majoritári-as, por um lado, e os valores e orientações predo-minantes no âmbito das instituições judiciais, poroutro. Assim, de uma combinação de ativismo ju-dicial e choque de valores entre aqueles dois tiposde instituição a resultante tem sido o fenômeno dajudicialização da política. “Mesmo sob uma cons-telação muito favorável de condições facilitadoras,o desenvolvimento atual da judicialização da polí-tica exige que os juízes tenham as atitudes pesso-ais e as preferências políticas ou valores apropri-ados, especialmente em relação aos valores deoutros tomadores de decisão. De outro modo, em

1 Com relação ao Ministério Público, seus membros foramequiparados à magistratura quanto às garantias da vitalici-edade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. Adi-cionalmente, suas funções foram ampliadas, fazendo que ainstituição fosse legitimada, entre outras prerrogativas, paraa promoção das ações civil pública e deinconstitucionalidade; componentes importantes do pro-cesso de ativação do poder Judiciário e de judicialização dediversos conflitos políticos (MAZZILLI, 1998; ARANTES1999; VIANNA et alii, 1999; SILVA, 2001; PAES, 2003;KERCHE, 2007; CASAGRANDE, 2008). Nesse sentidoo caso brasileiro assemelha-se à experiência italiana nasúltimas décadas. Também na Itália o pubblico ministero,em virtude de sua posição institucional, vem desempe-nhando um papel decisivo na judicialização da política.Isso faz que a situação italiana afaste-se significativamentedas experiências em curso em outras democracias, ao pon-to de ser considerada por Di Federico (1995) como umcaso peculiar. Quanto ao poder Judiciário italiano strictosensu, a adoção de um elemento característico de sistemasde common Law (um maior grau de independência internada magistratura) tem contribuído para a limitada autono-mia do poder Judiciário frente às diversas forças políticasexternas em um contexto marcado pelo aumento de suaimportância política (GUARNIERI, 1995).2 Pode-se destacar a criação e institucionalização dosjuizados especiais; o novo estatuto das Defensorias Públi-cas; a ampliação do alcance do instituto da ação popular,além das novas prerrogativas processuais do MinistérioPúblico. Tais mecanismos, dentre outras alterações do sis-tema de justiça do país, inserem-se no âmbito da adoção deuma Constituição “processual” que comporta uma série deinstrumentos jurídicos que permitem a participação doscidadãos em ações demandando a concretização dos direi-tos previstos no texto constitucional (CASAGRANDE,2008).

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condições favoráveis a judicialização só se desen-volve porque os juízes decidem que devem (1)participar na elaboração de políticas que poderi-am ser deixadas ao critério sábio ou tolo de outrasinstituições, e, pelo menos de vez em quando, (2)substituir as soluções políticas de outras institui-ções por soluções políticas próprias” (TATE, 1995,p. 33). “De juízes ativistas, por definição, pode-seesperar que aproveitem todas as oportunidades deutilizar suas decisões para disseminar os valoresque lhes são caros. Mas quando esses valores sãoconsistentes com os valores dominantes nas insti-tuições majoritárias, haverá muito menos incenti-vos para que juízes ativistas tentem judicializar umprocesso político que já esteja produzindo aquelesresultados políticos, mesmo que as condições se-jam favoráveis para fazê-lo3” (idem, p. 34).

Sintetizando as mudanças que têm permitidoalgum grau de minimização dos efeitos nocivos paraa democracia brasileira do estreitamento da esferapública decorrente da predominância do poder Exe-cutivo sobre um poder Legislativo insulado da so-ciedade civil, afirma Vianna: “Com efeito, a Cartade 1988 veio a redefinir as relações entre os TrêsPoderes, dando eficácia, entre nós, ao sistema dojudicial review, principalmente quando admitiu per-sonagens institucionais da sociedade civil na co-munidade de intérpretes com direito à participaçãono controle da constitucionalidade das leis. A partirdessa inovação, segmentos organizados da socie-dade civil passaram a gozar da faculdade de provo-car a intervenção do Supremo Tribunal Federal(STF) no sentido de argüir a inconstitucionalidadede lei ou norma da Administração. Nessa mesmadireção, constitucionalizou os institutos da açãopopular e da ação civil pública, dando-lhes maiorabrangência, recriou a figura do Ministério Públi-co, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis. Sob essa nova formataçãoinstitucional, pela via da procedimentalização daaplicação do Direito, tem sido possível criar umoutro lugar de manifestação da esfera pública, de-certo que ainda embrionário, na conexão do cida-

dão e de suas associações com o poder Judiciárioe que é capaz de atuar sobre o sistema político”(VIANNA, 2002, p. 11).

A amplitude do fenômeno é tamanha a pontode permitir que se estabeleçam paralelos entre asituação dos Estados Unidos, captada pela análisede Tocqueville da democracia na Américajacksoniana, e o cotidiano de muitos sistemas po-líticos da atualidade. “Quase não existe questãopolítica, nos Estados Unidos, que cedo ou tardenão se resolva como questão judiciária. Daí a obri-gação em que se acham os partidos, na sua polê-mica quotidiana, de tomar emprestadas à justiçaas idéias e a linguagem. [...] A linguagem jurídicase torna, assim, de certo modo, a língua vulgar; oespírito jurídico, nascido no interior das escolas edos tribunais, propaga-se pouco a pouco para forado seu recinto, infiltrando-se, por assim dizer, emtoda a sociedade e descendo até as últimas filei-ras; e o povo todo acaba por contrair uma partedos hábitos e gostos do magistrado”(TOCQUEVILLE, 1987, p. 207-208).

II. O ESQUEMA DA TRIPARTIÇÃO DOS PO-DERES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A moderna doutrina da separação de poderesdo Estado que encontra em Montesquieu a for-mulação que se converterá em dogma constituci-onal4 a partir do século XIX, remonta ao proces-so de afirmação do credo político liberal e suapreocupação central com a contenção dos pode-res do Estado. Com efeito, diante dos riscos ine-rentes à concentração dos poderes do Estado, atécnica da separação de poderes emerge como me-canismo institucional central para a garantia dosdireitos individuais5 e pré-condição para o exercí-cio de controles sobre o Estado.

3 “Activist judges, by definition, may be expected to takeevery opportunity to use their decision-making to expandthe policy values they hold dear. But when those values areconsistent with the values dominating majoritarianinstitutions, there will be much less incentive for activistjudges to seek to judicialize a political process that is alreadyproducing such good policy results, even though theconditions are favorable for doing so” (TATE, 1995, p. 34).

4 Segundo Madison (1973, p.130), “[...] o oráculo sempreconsultado e sempre citado nesta matéria é Montesquieu.Se ele não é autor do inestimável preceito de que falamos,pelo menos foi ele quem melhor o desenvolveu e quem orecomendou de uma maneira mais efetiva à atenção do gê-nero humano.”

5 Em meio às controvérsias suscitadas pela utilização dasexpressões separação/divisão de poderes, separação-divi-são de funções, são sugestivas as observações de Dallari(2003, p. 216) que podem ser interpretadas no sentido deque o uso daqueles termos ora decorre da preocupação coma limitação dos poderes e conseqüente proteção dos direi-tos individuais; ora da preocupação com a separação/divi-são de funções visando garantir maiores níveis de eficácia eeficiência estatais.

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Tem-se aí uma doutrina que, uma vez trans-formada em princípio constitucional, influenciaráde maneira decisiva todo o constitucionalismo mo-derno. De fato, “[...] o princípio da separação depoderes adquiriu um status de forma que virousubstância no curso do processo de construção ede aprimoramento do Estado de Direito, a pontode servir de pedra de toque para se dizer da legiti-midade dos regimes políticos, como se infere docélebre artigo XVI da Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão, de 1789, onde se declaraque não tem constituição aquela sociedade em quenão estejam assegurados os direitos dos indivídu-os, nem separados os poderes estatais” (MEN-DES, COELHO & BRANCO, 2008, p. 155; grifosno original).

O princípio da separação de poderes estatais éum dos fundamentos de uma certa noção de Esta-do de Direito recepcionada pelo texto da Constitui-ção de 1988 no Brasil. Assim como todas as cons-tituições republicanas brasileiras anteriores, a Cons-tituição de 1988 incorporou em seu arcabouço oprincípio da separação de poderes estatais, dessafeita como cláusula pétrea. “São poderes da União,independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 2009a, art.2º). “Não será objeto de deliberação a proposta deemenda tendente a abolir: [...] III – a separaçãodos Poderes” [...] (idem, art. 60, § 4, III).

Deve-se notar, entretanto, que a evolução dadoutrina da separação de poderes do Estado ter-minou por produzir um resultado significativamen-te diverso daquele proposto por Montesquieu.Diante da necessidade da criação e manutençãode um certo equilíbrio entre os três poderes, emvez de um equilíbrio natural decorrente de umarígida e excludente separação de poderes, a resul-tante foi uma complexa interação entre os órgãosintegrantes de cada um dos três poderes na qualcada um dos poderes é chamado a desempenharfunções típicas e atípicas, ocorrendo, portanto,uma interseção entre os três poderes, em vez deuma completa separação de funções excludentesentre os diferentes ramos do Estado.

De fato, com o surgimento e posteriorconstitucionalização da doutrina dos freios e con-trapesos6 introduz-se nos modernos ordenamentos

jurídicos mecanismos institucionais que configu-ram o que se convenciou chamar de transferên-cia constitucional de competências7. A propósito,é nítida a linha de continuidade entre certas pro-posições relativas ao papel do poder Judiciário emO Federalista e o teor da sentença da SupremaCorte norte-americana redigida pelo Juiz Marshallno leading case Marbury vs. Madison que, em1803, foi um marco decisivo na inflexão da dou-trina da separação de poderes.

Assim, sob o ordenamento de uma Constitui-ção limitada8, pondera Hamilton: “Se me disse-rem que o corpo legislativo é constitucionalmentejuiz dos seus poderes e que a maneira por que eleos interpretar fica tendo força de lei para os ou-tros funcionários públicos, respondo que não éessa a presunção natural, quando a Constituiçãoexpressamente o não determina; porque não épossível que a Constituição tenha querido dar aosrepresentantes do povo o direito de substituir asua própria vontade à dos seus constituintes. Muitomais razoável é a suposição de que a Constituiçãoquis colocar os tribunais judiciários entre o povoe a legislatura, principalmente para conter esta úl-tima nos limites das suas atribuições. A Constitui-ção é e deve ser considerada pelos juízes como alei fundamental; e como a interpretação das leis éa função especial dos tribunais judiciários, a elespertence determinar o sentido da Constituição, as-sim como de todos os outros atos do corpolegislativo. Se entre estas leis se encontrarem al-gumas contraditórias, deve-se preferir aquela cujaobservância é um dever mais sagrado; que é omesmo que dizer que a Constituição deve ser pre-ferida a um simples estatuto; ou a intenção do povoà dos seus agentes” (HAMILTON, 1973, p. 169).

Já o chief justice Marshall assim pronuncia-se: “Os poderes da legislatura são definidos e li-

6 Note-se que a formulação clássica da doutrina da separa-ção dos poderes não comporta a institucionalização dosfreios e contrapesos característicos dos ordenamentos jurí-

dicos contemporâneos. Enquanto na primeira o equilíbrioentre os poderes é uma resultante natural da separação dasvárias funções do Estado entre seus três ramos (Executivo,Legislativo e Judiciário), a teoria dos freios e contrapesossupõe interferências recíprocas que relativizam a noção deindependência entre os três poderes.7 Por transferência constitucional de competência enten-de-se aqueles procedimentos que, amparados pelo textoconstitucional, consistem na atribuição das funções típicasde cada um dos poderes aos outros, que as exercematipicamente.8 Madison (1973, p. 168) entende “Constituição limita-da” como uma Constituição que limita a autoridadelegislativa ordinária.

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mitados; para que esses limites não fossem malcompreendidos ou esquecidos a Constituição foiescrita. Com que propósito seriam os poderes li-mitados, e com que propósito essa limitação teriasido posta por escrito, se esses limites pudessemser ultrapassados, a qualquer momento, por aquelesque pretendiam inibir? [...] É uma proposição muitoevidente para ser contestada, a de que, ou a Cons-tituição restringe todo ato legislativo que a contra-rie, ou a legislatura pode alterar a Constituição pormeio de um ato ordinário.

Entre essas alternativas não há meio termo.Ou a Constituição é uma lei superior, suprema,imutável por meios ordinários, ou se encontra nomesmo nível dos atos legislativos ordinários, e,como os outros atos, pode ser alterada quando alegislatura assim o desejar.

Se a primeira parte da alternativa é verdadeira,então um ato legislativo contrário à Constituiçãonão é lei: se a última parte é verdadeira, então cons-tituições escritas são tentativas absurdas por par-te do povo para limitar um poder ilimitável em suaprópria natureza” (UNITED STATES OFAMERICA, 1803).

Portanto, com relação à problemática das re-lações entre o poder Judiciário, por um lado, e osdemais poderes de Estado, por outro, o aspectocentral a ressaltar é o do princípio da supremaciada Constituição que está na origem da noção derigidez constitucional e que se constitui em con-dição fundamental para o exercício, pelo poderJudiciário, de todo e qualquer controle deconstitucionalidade de atos emanados dos pode-res Executivo e Legislativo.

Introduzido um novo elemento na hierarquiadas normas jurídicas, o princípio da supremaciada Constituição, diante de uma antinomia que opo-nha a Constituição a uma outra norma qualquer, amagistratura deve aplicar o critério hierárquicoresolvendo o conflito em favor da prevalência danorma constitucional hierarquicamente superior9.

III. FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVOFEDERAL NO BRASIL

Em geral, do ponto de vista funcional os parla-mentos são instituições polivalentes cujas funçõesextrapolam em muito o esquema clássico da sepa-ração entre os três poderes do Estado. Mesmo nossistemas políticos alicerçados na tripartição clássi-ca entre os ramos Executivo, Legislativo e Judiciá-rio, os parlamentos estão longe de confinarem-se àfunção estritamente legislativa, embora esta seja amais típica de suas funções, a ponto de fazer queos parlamentos sejam qualificados como poderesLegislativos (COTTA, 1992).

No caso brasileiro, o estatuto constitucionaldo poder Legislativo federal está contido no Títu-lo IV, “Da Organização dos Poderes”, Cap. I, “DoPoder Legislativo”, artigos 44 a 75 da Constitui-ção de 1988 (BRASIL, 2009a).

Quanto à sua função legislativa (típica), relati-va à edição de atos normativos primários que ins-tituem direitos e criam obrigações, o art. 44 esta-belece: “O Poder Legislativo é exercido pelo Con-gresso Nacional, que se compõe da Câmara dosDeputados e do Senado Federal” (idem); sendoque as iniciativas que informam o processolegislativo10 (emendas à Constituição; leis com-plementares; leis ordinárias; leis delegadas; medi-das provisórias; decretos legislativos; resoluções)são elencadas no art. 59.

A função de controle e/ou de fiscalização (típi-ca) encontra amparo em vários dispositivos cons-titucionais. O art. 49, por exemplo, confere aoCongresso Nacional uma competência genéricapara fiscalizar e controlar o poder Executivo, in-cluída a administração indireta. O Artigo 58, § 3,é a fonte de legitimidade constitucional para a re-alização de investigações pelas Comissões Parla-mentares de Inquérito (CPIs). Já os artigos 70 a74 tratam da prerrogativa do poder Legislativo deexercer a fiscalização contábil, financeira, orça-mentária e patrimonial da União e das entidadesda administração direta e indireta. O poder

9 Tradicionalmente, os conflitos entre normas são resolvi-dos pela aplicação de três critérios: cronológico (prevalênciada norma antinômica posterior em detrimento da anterior);hierárquico (prevalência da norma antinômica superior emdetrimento da inferior) e de especialidade (prevalência danorma antinômica especial em detrimento da geral). Nocaso de conflitos de segundo grau, entre os critérios desuperação das antinomias, o critério hierárquico prevalecesobre o cronológico; o da especialidade sobre o cronológicoe o hierárquico sobre o da especialidade.

10 O texto da Constituição de 1988 não faz distinção entreprocedimento legislativo e processo legislativo. Assim,entende-se aqui por processo legislativo, o iter legis, quecertos autores preferem qualificar como procedimentolegislativo: “[...] uma sequência juridicamente preordenadade atividades de vários sujeitos na busca de um determina-do resultado: a formação ou a rejeição da lei” (OLIVETTI,1992, p. 996).

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Legislativo dispõe de mecanismos institucionaisdistintos por meio dos quais exerce suas prerro-gativas de controle e/ou fiscalização: opera tantopor meio de comissões parlamentares (temporá-rias e permanentes)11 quanto por meio do Tribu-nal de Contas da União (TCU)12.

São funções administrativas (atípicas) do po-der Legislativo federal a elaboração de seus regi-mentos, a provisão de cargos da sua estrutura,medidas relativas à sua organização administrati-va etc. (BRASIL, 2009a, arts. 51 e 52). A funçãojulgadora (atípica) relaciona-se com a prerrogati-va de proceder ao julgamento de diversos agentespúblicos com base em dispositivos constitucio-nais (arts. 52, I e II, e 55, § 2 e 3).

IV. ESTATUTO DAS COMISSÕES PARLAMEN-TARES DE INQUÉRITO NO BRASIL

No âmbito federal, as CPIs são disciplinadastanto pelo texto constitucional quanto pelos regi-mentos das casas legislativas federais no Brasil(2009c; 2009d). Com relação à Constituição bra-sileira, tais órgãos do poder Legislativo são objetodo § 3 do seu artigo 58: “art. 58. O CongressoNacional e suas Casas terão comissões perma-nentes e temporárias, constituídas na forma e comas atribuições previstas no respectivo regimentoou no ato de que resultar sua criação.

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito,que terão poderes de investigação próprios dasautoridades judiciais, além de outros previstos nosregimentos das respectivas Casas, serão criadaspela Câmara dos Deputados e pelo Senado Fede-ral, em conjunto ou separadamente, mediante re-querimento de um terço de seus membros, para aapuração de fato determinado e por prazo certo,sendo suas conclusões, se for o caso, encami-nhadas ao Ministério Público, para que promova

a responsabilidade civil ou criminal dos infrato-res” (BRASIL, 2009a, art. 58).

As CPIs são ainda disciplinadas pelos regimen-tos da Câmara dos Deputados (câmara baixa comrepresentação proporcional do eleitorado) e doSenado Federal (câmara alta/territorial com repre-sentação dos estados subnacionais através de elei-ções majoritárias). São também objeto do Regi-mento Comum do Congresso Nacional, que reú-ne aquelas duas casas legislativas.

Em seu art. 35, o Regimento da Câmara dosDeputados (BRASIL, 2009c) define o requisitoconstitucional do fato determinado para a criaçãode CPIs; da recepção do requerimento de criaçãode CPIs pelo Presidente da Câmara e de possívelrecurso à sua decisão ao Plenário da Câmara; doperíodo de funcionamento das CPIs; da limitaçãode no máximo cinco CPIs funcionandoconcomitantemente; da composição numérica eda provisão dos meios necessários ao bom funci-onamento das CPIs.

Em seu art. 36, o Regimento da Câmara dosDeputados trata da requisição de funcionários paraa realização de trabalhos nas CPIs; da realizaçãode diligências; oitiva de indiciados e inquisição detestemunhas; da requisição de informações e do-cumentos de órgãos e entidades da administraçãopública e de serviços de quaisquer autoridades; darequisição de audiência de deputados e ministrosde Estado; da tomada de depoimentos de autori-dades públicas; da investidura de seus membrosou funcionários requisitados na realização desindicâncias ou diligências; da realização de in-vestigações e audiências públicas em todo o terri-tório nacional; dos prazos para atendimento dasprovidências e realização das diligências definidaspor CPI; da prerrogativa de, sendo diversos osfatos inter-relacionados e objetos do inquérito,pronunciar-se separadamente sobre cada um,mesmo antes de finda a investigação dos demais;da adoção das normas do Código de ProcessoPenal na condução dos trabalhos das CPIs.

No art. 37, há disposições relativas à apresen-tação, publicação e encaminhamento de relatóriocircunstanciado ao final dos trabalhos da CPI àMesa da Câmara dos Deputados; ao MinistérioPúblico ou à Advocacia-Geral da União; ao PoderExecutivo; à Comissão parlamentar permanenteafim à matéria investigada pela CPI; à ComissãoMista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscali-zação; e ao Tribunal de Contas da União.

11 Para uma análise calcada na preocupação com aefetividade das CPIs como mecanismos de controle sobre opoder Executivo, ver Figueiredo (2001) e Calcagnotto(2005). Para uma análise comparativa do funcionamentodas comissões parlamentares das câmaras baixas na Argen-tina, Brasil, Chile e Uruguai ver Rocha e Barbosa (2008).12 As competências do Tribunal de Contas da União estãoelencadas no art. 71 da Constituição da República. No exer-cício do controle externo, o Congresso Nacional disporá doauxílio deste Tribunal cujos ministros “[...] terão as mes-mas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentose vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justi-ça” (BRASIL, 2009a, art. 73, § 3).

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O Regimento Interno do Senado Federal, emseu art. 145, disciplina o processo de criação deCPI, determinando que o requerimento de criaçãodeste tipo de comissão contenha o fato determi-nado a ser apurado, o número de seus membros,o prazo de duração e o limite das despesas a se-rem realizadas pela comissão. Nesse mesmo arti-go determina-se que cada Senador só poderá in-tegrar duas CPIs, uma como titular, outra comosuplente. O número de suplentes é fixado em nú-mero igual à metade do número dos titulares maisum.

Nos termos do art. 146, obsta-se a criação deCPI sobre matérias pertinentes à Câmara dos De-putados; às atribuições do poder Judiciário e aosestados.

O art. 148 explicita os poderes das CPIs: po-deres de investigação próprios das autoridadesjudiciais, facultada a realização de diligências; aconvocação de ministros de Estado; a tomada dedepoimento de qualquer autoridade; a inquiriçãode testemunhas, sob compromisso; a oitiva deindiciados; a requisição de informações ou docu-mentos a outros órgãos públicos; a requisição aoTribunal de Contas da União da realização de ins-peções e auditorias. Aplica-se o disposto no Códi-go de Processo Penal relativamente à intimaçãode indiciados e testemunhas, e na inquirição detestemunhas e autoridades.

O art. 150 determina, ao término dos traba-lhos da CPI, o envio de seu relatório e conclusõesà Mesa Diretora do Senado Federal para conheci-mento do Plenário.

Segundo o art. 151 a CPI encaminhará suasconclusões, se for o caso, ao Ministério Público,para que promova a responsabilidade civil ou cri-minal de possíveis infratores.

O art. 153 estabelece que nos diversos atosprocessuais, aplicar-se-ão, subsidiariamente, asdisposições do Código de Processo Penal, sendoque, nos termos do art. 152, o prazo de funciona-mento de CPI poderá ser prorrogado desde quenão seja ultrapassado o período da legislatura emque for criada (art. 76).

Já o Regimento Comum do Congresso Nacio-nal, em seu artigo 21 (BRASIL, 2009b), prescre-ve que as Comissões Parlamentares Mistas deInquérito serão criadas em sessão conjunta dasduas casas legislativas, requerendo-se a assinatu-ra de um terço dos membros da Câmara dos De-

putados mais um terço dos membros do SenadoFederal. Tais comissões terão a participação deum número igual de deputados e senadores.

V. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E OCONTROLE JUDICIAL DO FUNCIONA-MENTO E DOS ATOS DAS COMISSÕESPARLAMENTARES DE INQUÉRITO

Desde a promulgação da Constituição de 1988,o Supremo Tribunal Federal vem proferindo de-cisões que permitem diagnosticar um avanço dopoder Judiciário no sentido do estreitamento dosmecanismos de controle judicial sobre as CPIs13.

Deixando de lado importantes decisões anterio-res à vigência da Constituição de 1988 (GUIMA-RÃES, 1953)14, a competência jurisdicional origi-nária do STF para o exercício do controle judicialsobre os atos praticados em CPIs no CongressoNacional foi reafirmada em Mandado de Seguran-ça, cuja decisão contém interpretação mais amplado art. 102, I, da Constituição: “[...] a ComissãoParlamentar de Inquérito, enquanto projeção orgâ-nica do Poder Legislativo da União, nada mais ésenão a longa manus do próprio Congresso Nacio-nal ou das Casas que o compõem, sujeitando-se,em consequência, em tema de mandado de segu-rança ou de habeas corpus, ao controle jurisdicionaloriginário do Supremo Tribunal Federal [...]”(MELLO, 2000a).

Diante de uma representação em sede de man-dado de segurança contra omissão atribuída àMesa do Senado Federal, representada por seuPresidente, frustrando a instauração de inquéritoparlamentar, assim manifestou-se o STF: “o con-trole jurisdicional de abusos praticados por Co-missão Parlamentar de Inquérito não ofende oprincípio da separação de poderes” (idem).

A essência do postulado da divisão funcionaldo poder, além de derivar da necessidade de con-ter os excessos dos órgãos que compõem o apa-

13 Tais decisões envolvem, em boa medida, um tratamentosimétrico às CPIs do poder Legislativo federal, às CPIs noâmbito das Assembléias Legislativas estaduais, às CPIs naCâmara Legislativa distrital e às CPIs nas câmaras munici-pais; ainda que as prerrogativas das câmaras municipaistenham sofrido limitações adicionais decorrentes dainexistência de um poder Judiciário municipal, o que impli-ca restrição ao requerimento de quebra de sigilo por partedas CPIs municipais. Ver Barbosa (2005).14 Ver ainda Gallotti (1953).

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relho de Estado, representa o princípio conserva-dor das liberdades do cidadão e constitui o meiomais adequado para tornar efetivos e reais os di-reitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º daCarta Política, não pode constituir e nem qualifi-car-se como um inaceitável manto protetor decomportamentos abusivos e arbitrários, por partede qualquer agente do Poder Público ou de qual-quer instituição estatal.

O Poder Judiciário, quando intervém para as-segurar as franquias constitucionais e para garan-tir a integridade e a supremacia da Constituição,desempenha, de maneira plenamente legítima, asatribuições que lhe conferiu a própria Carta daRepública.

O regular exercício da função jurisdicional, porisso mesmo, desde que pautado pelo respeito àConstituição, não transgride o princípio da sepa-ração de poderes. “Desse modo, não se revela lí-cito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-cons-titucionais nas quais incida uma CPI, que o exer-cício da atividade de controle constitucional pos-sa traduzir situação de ilegítima interferência naesfera de outro Poder da República” (MELLO,2005a). “A separação de poderes – consideradasas circunstâncias históricas que justificaram a suaconcepção no plano da teoria constitucional – nãopode ser jamais invocada como princípio destina-do a frustrar a resistência jurídica a qualquer en-saio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposi-ção a qualquer tentativa de comprometer, sem justacausa, o exercício do direito de investigar, em sedede inquérito parlamentar, abusos que possam tersido cometidos pelos agentes do Estado” (MELLO,2005b).

O espectro das ações das CPIs está delimitadopelas competências constitucionais do PoderLegislativo. Assim, “podem ser objeto de investi-gação todos os assuntos que estejam na compe-tência legislativa ou fiscalizatória do Congresso.

Se os poderes da Comissão Parlamentar deInquérito são dimensionados pelos poderes daentidade matriz, os poderes desta delimitam a com-petência da comissão, ela não terá poderes maio-res do que os de sua matriz. De outro lado, opoder da Comissão Parlamentar de Inquérito écoextensivo ao da Câmara dos Deputados, doSenado Federal e do Congresso Nacional”(BROSSARD, 1994).

Com relação ao objeto ou à amplitude do cam-po de atuação das CPIs o entendimento do art.58, § 3 da Constituição pelo STF é no sentido deque a exigência de fato determinado “não impedea apuração de fatos conexos ao principal, ou ain-da, de outros fatos, inicialmente desconhecidos,que surgirem durante a investigação” (MORAES,2008, p. 419). “Tudo o que disser respeito, diretaou indiretamente, ao fato determinado que ensejoua Comissão Parlamentar de Inquérito pode ser in-vestigado” (MENDES, COELHO & BRANCO,2008, p. 860). “A Comissão Parlamentar de Inqu-érito deve apurar fato determinado” (BRASIL,2009a, art. 58, § 3). “Todavia, não está impedidade investigar fatos que se ligam, intimamente, como fato principal” (VELLOSO, 1994).

Quanto à duração dos trabalhos das CPIs, emface da indefinição do texto do art. 58, § 3º daConstituição, definiu o STF que o término da res-pectiva sessão legislativa constitui-se no limitemáximo para a prorrogação das atividades das CPIs(PERTENCE, 1994)15. E isso não obstante o Re-gimento Interno da Câmara dos Deputados fixaro prazo máximo de duração dos trabalhos das CPIsem 120 dias, prorrogáveis por até 60 dias, medi-ante deliberação do Plenário. “A duração do inqu-érito parlamentar — com o poder coercitivo so-bre particulares, inerente à sua atividade instrutóriae a exposição da honra e da imagem das pessoas adesconfianças e conjecturas injuriosas — é umdos pontos de tensão dialética entre a CPI e osdireitos individuais, cuja solução, pela limitaçãotemporal do funcionamento do órgão, antes se deveentender matéria apropriada à lei do que aos regi-mentos: donde a recepção do art. 5º, § 2, da Lei n.1 579/52, que situa, no termo final de legislaturaem que constituída, o limite intransponível de du-ração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazoinicialmente fixado, se há de restringir a atividadede qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito.A disciplina da mesma matéria pelo regimento in-terno diz apenas com as conveniências de admi-nistração parlamentar, das quais cada câmara é ojuiz exclusivo, e da qual, por isso – desde querespeitado o limite máximo fixado em lei, o fim dalegislatura em curso –, não decorrem direitos paraterceiros, nem a legitimação para questionar emjuízo sobre a interpretação que lhe dê a Casa doCongresso Nacional” (idem).

15 No mesmo sentido, cf. Pertence (2001) e Velloso (1996).

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Com base na previsão constitucional de reque-rimento de um terço dos membros da Câmara dosDeputados e/ou do Senado Federal para a criaçãode CPIs (BRASIL, 2009a, art. 58, § 3), o Supre-mo Tribunal Federal entende tal instituto comoum direito das minorias parlamentares. Satisfeitoaquele número mínimo de requerentes, há que seproceder à criação e instalação da respectiva CPI,direito subjetivo público das minorias parlamenta-res (MELLO, 2007). “O Parlamento recebeu doscidadãos, não só o poder de representação políti-ca e a competência para legislar, mas, também, omandato para fiscalizar os órgãos e agentes doEstado, respeitados, nesse processo de fiscaliza-ção, os limites materiais e as exigências formaisestabelecidas pela Constituição Federal. O direitode investigar – que a Constituição da Repúblicaatribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que ocompõem (art. 58, § 3) – tem, no inquérito parla-mentar, o instrumento mais expressivo deconcretização desse relevantíssimo encargo cons-titucional, que traduz atribuição inerente à própriaessência da instituição parlamentar. A instauraçãodo inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âm-bito das Casas legislativas, está vinculada, unica-mente, à satisfação de três (03) exigências defini-das, de modo taxativo, no texto da Carta Política[...]. Atendidas tais exigências (CR, art. 58, § 3),cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotaros procedimentos subseqüentes e necessários àefetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qual-quer apreciação de mérito sobre o objeto da inves-tigação parlamentar (...)” (MELLO, 2005b, s.p.).

O legislador constituinte atribuiu às CPIs noâmbito do Congresso Nacional “[...] poderes deinvestigação próprios das autoridades judiciais[...]” (BRASIL, 2009a, art. 58, § 3). Contudo, ajurisprudência do STF orienta-se no sentido danegação, às CPIs, dos poderes gerais de cautelatitularizados pela magistratura.

Dentre os poderes de instrução asseguradosàs CPIs, está o de intimação de testemunhas eindiciados; podendo recorrer à condução coerci-tiva, caso necessário. Além de apresentar-se, édever do convocado não “fazer afirmação falsa,ou negar ou calar a verdade como testemunha,perito, tradutor ou intérprete, perante a ComissãoParlamentar de Inquérito” (BRASIL, 1952).

Admite-se, contudo, na jurisprudência do STF,o privilégio do interrogando permanecer em silên-cio para não se autoincriminar. Ademais, o direito

de permanecer em silêncio é reconhecido pelo STFno caso de depoentes que estejam ao alcance dodever de sigilo profissional16.

Ainda com relação aos poderes instrutórios,as CPIs dispõem, dentre outras, da prerrogativade quebra dos sigilos bancário, fiscal e de dadosde seus investigados, além da determinação darealização de buscas e apreensões. Tais poderes,contudo, encontram limite em cláusula de reservajurisdicional contida no texto constitucional17. As-sim, diferentemente do que ocorre com outrasinformações sigilosas, a interceptação e conse-qüente quebra do sigilo de comunicação telefôni-ca estão submetidas à reserva de jurisdição, de-pendendo de ordem judicial. O mesmo ocorre coma busca e apreensão em domicílio de pessoainvestigada por CPI (MENDES, COELHO &BRANCO, 2008).

As CPIs estão impedidas também de decretarprisão, salvo nos casos de flagrância, decorrentede reserva jurisdicional, em situações não excep-cionais, de decretar a privação da liberdade indivi-dual18.

16 Tal jurisprudência encontra amparo no art. 5º, LXIII daConstituição Federal: “o preso será informado de seus di-reitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lheassegurada a assistência da família e de advogado” (BRA-SIL, 2009); e na Convenção Americana Sobre DireitosHumanos, também conhecida como Pacto de San José daCosta Rica, de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992: “Arti-go 8º. Garantias judiciais. [...] 2. Toda pessoa acusada deum delito tem direito a que se presuma sua inocência, en-quanto não for legalmente comprovada sua culpa. Duranteo processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, àsseguintes garantias mínimas: [...] g) direito de não ser obri-gada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada[...]” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICA-NOS, 1969).17 “Art. 5º – XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo,ninguém nela podendo penetrar sem consentimento domorador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, oupara prestar socorro, ou, durante o dia, por determinaçãojudicial; [...] XII – é inviolável o sigilo da correspondênciae das comunicações telegráficas, de dados e das comunica-ções telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins deinvestigação criminal ou instrução processual penal” (BRA-SIL, 2009a).18 “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou porordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária com-petente, salvo nos casos de transgressão militar ou crimepropriamente militar, definidos em lei” (BRASIL, 2009a,art. 5º, LXI).

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Destaque-se também o impedimento de ado-ção de medidas cautelares, como a hipoteca judi-ciária, a indisponibilidade de bens, o arresto, oseqüestro, a proibição de ausentar-se do país etc.Segundo a interpretação predominante no STFacerca do alcance dos poderes de autoridade judi-cial conferidos às CPIs pela Constituição, taismedidas não são consideradas como instrutórias,âmbito ao qual se restringem seus poderes, poranalogia com os poderes instrutórios de que dis-põem os magistrados durante a instrução proces-sual penal, e sim como medidas de provimentocautelar de eventual sentença futura, competên-cia reservada aos membros do poder Judiciário(PERTENCE, 2000)19.

Outra limitação importante à ação dos mem-bros das CPIs, também objeto de decisão do STF,é aquela que impede a proibição ou restrição à as-sistência jurídica aos convocados a comparecer,como testemunhas ou investigados, perante a CPI.Tendo o texto constitucional fixado em seu TítuloIV (“Da Organização dos Poderes”), Capítulo IV(“Das Funções Essenciais à Justiça”), o caráteressencial do exercício da advocacia para uma ade-quada prestação jurisdicional estatal20, entende oSTF: “A Comissão Parlamentar de Inquérito, comoqualquer outro órgão do Estado, não pode, sobpena de grave transgressão à Constituição e àsleis da República, impedir, dificultar ou frustrar oexercício, pelo Advogado, das prerrogativas deordem profissional que lhe foram outorgadas pelaLei n. 8 906/94. O desrespeito às prerrogativas –que asseguram, ao Advogado, o exercício livre eindependente de sua atividade profissional – cons-titui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Ad-vocacia, pois representa, na perspectiva de nossosistema normativo, um ato de inadmissível afron-ta ao próprio texto constitucional e ao regime dasliberdades públicas nele consagrado.

[...] assiste ao Advogado a prerrogativa – quelhe é dada por força e autoridade da lei – de velarpela intangibilidade dos direitos daquele que o cons-tituiu como patrono de sua defesa técnica, com-petindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desem-

penho do munus de que se acha incumbido esseprofissional do Direito, o exercício dos meios le-gais vocacionados à plena realização de seu legíti-mo mandato profissional. O Advogado – ao cum-prir o dever de prestar assistência técnica àqueleque o constituiu, dispensando-lhe orientação jurí-dica perante qualquer órgão do Estado – conver-te, a sua atividade profissional, quando exercidacom independência e sem indevidas restrições, emprática inestimável de liberdade. Qualquer que sejao espaço institucional de sua atuação, ao Advoga-do incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar oarbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico evelar pela integridade das garantias jurídicas –legais ou constitucionais – outorgadas àquele quelhe confiou a proteção de sua liberdade e de seusdireitos, dentre os quais avultam, por suainquestionável importância, a prerrogativa contraa auto-incriminação e o direito de não ser tratado,pelas autoridades públicas, como se culpado fos-se, observando-se, desse modo, diretriz consa-grada na jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-deral” (MELLO, 2000b)

VI. CONCLUSÕES: HERMENÊUTICA CONS-TITUCIONAL, DIREITOS E GARANTIASFUNDAMENTAIS E PROCEDIMENTALI-ZAÇÃO DO DIREITO

Na medida em que se entende a Constituiçãocomo um estatuto que consagra determinadasopções políticas tomadas pelo Soberano, a tarefade interpretar o texto constitucional reveste-seinexoravelmente de um caráter político. Portanto,o Supremo Tribunal Federal desempenha um pa-pel eminentemente político no exercício da juris-dição constitucional. “O caráter político da juris-dição é tanto mais forte quanto mais amplo for opoder discricionário que a legislação, generalizantepor sua própria natureza, lhe deve necessariamenteceder. A opinião de que somente a legislação seriapolítica – mas não a ‘verdadeira’ jurisdição – é tãoerrônea quanto aquela segundo a qual apenas alegislação seria criação produtiva do Direito, e ajurisdição, porém, mera aplicação reprodutiva. Tra-ta-se, em essência, de duas variantes de um mes-mo erro. Na media em que o legislador autoriza ojuiz a avaliar, dentro de certos limites, interessescontrastantes entre si, e decidir conflitos em fa-vor de um ou outro, está lhe conferindo um poderde criação do Direito, e portanto, um poder quedá à função judiciária o mesmo caráter ‘político’que possui – ainda que em maior medida – a legis-

19 No mesmo sentido: Jobim (1999) e Gallotti (1999).20 “O advogado é indispensável à administração da justi-ça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exer-cício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 2009a, art.133).

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lação. Entre o caráter político da legislação e o dajurisdição há apenas uma diferença quantitativa,não qualitativa” (KELSEN, 2003, p. 251).

Tendo como pressuposto a doutrina da separa-ção de poderes, as transferências constitucionaisde competências e os mecanismos de freios e con-trapesos inseridos em nosso ordenamento jurídi-co, o controle judicial do funcionamento e dos atosdas CPIs no Brasil sob a vigência da Constituiçãode 1988 tem sido exercitado a partir de uma novahermenêutica constitucional pós-positivista assen-tada no reconhecimento da normatividade dos prin-cípios constitucionais. “Procurando apontar os tra-ços mais significativos desse novoconstitucionalismo, concordam os estudiosos emcaracterizá-lo pelas notas indicadas a seguir, ex-pressivas o bastante para que o consideremos subs-tancialmente distinto de todas as experiências cons-titucionais precedentes: a) mais Constituição do queleis; b) mais princípios do que regras; c) mais pon-deração do que subsunção; e d) mais concretizaçãodo que interpretação” (MENDES, COELHO &BRANCO, 2008, p. 126-127).

Com efeito, a partir da recepção pelo textoconstitucional de certos direitos e garantias fun-damentais21 associados ao princípio da dignidadeda pessoa humana22, todos os poderes públicosvinculam-se ao conteúdo daqueles direitos e ga-rantias. Com relação especificamente ao poderLegislativo: “Não há dúvida, portanto, de que osatos normativos do Poder Legislativo sujeitam-seaos direitos fundamentais, mas também outrosatos desse Poder, com eficácia externa – atos decomissões parlamentares de inquérito, por exem-plo -, não escapam à sujeição aos direitos funda-mentais. Registre-se, a propósito, a jurisprudên-

cia com que o Supremo Tribunal Federal, em sedede habeas corpus ou de mandado de segurança,vem delimitando as deliberações de CPIs, em fa-vor de postulados dos direitos fundamentais”(idem, p. 246).

Reafirmado pela Constituição de 1988, o prin-cípio da jurisdição una e dada a consagração datutela que assegura proteção judicial contra lesãoou ameaça a direito23, o Supremo Tribunal Fede-ral tem sido acionado, especialmente em sede dehabeas corpus24 e de mandado de segurança, ten-do em vista o controle judicial das CPIs. “No re-gime político que consagra o Estado Democráti-co de Direito, os atos emanados de qualquer Co-missão Parlamentar de Inquérito, quando pratica-dos com desrespeito à Lei Fundamental, subme-tem-se ao controle jurisdicional (CR, art. 5º,XXXV). As Comissões Parlamentares de Inqué-rito não têm mais poderes do que aqueles que lhessão outorgados pela Constituição e pelas leis daRepública. É essencial reconhecer que os pode-res das Comissões Parlamentares de Inquérito -precisamente porque não são absolutos - sofremas restrições impostas pela Constituição da Repú-blica e encontram limite nos direitos fundamen-tais do cidadão, que só podem ser afetados nashipóteses e na forma que a Carta Política estabe-lecer” (MELLO, 2000a).

Desde a promulgação da Constituição de 1988,o papel do poder Judiciário como árbitro dos con-flitos de interesses envolvendo os direitos e ga-rantias fundamentais constitucionais vem sendopotencializado pelos vários fatores anteriormentemencionados. Longe de conformar-se ao papelde bouche de la loi, o exercício da prerrogativade controle de constitucionalidade pelo poder Ju-diciário tem sido um elemento novo na dinâmicadas relações assimétricas e desarmônicas entre ostrês poderes no Brasil. Corrobora-se assim uma21 Diferentemente do que ocorre com os chamados direi-

tos humanos, por direitos fundamentais entende-se aque-les direitos tidos como inerentes à condição da dignidade dapessoa humana e que foram recepcionados peloordenamento jurídico de um Estado. Por direitos funda-mentais entende-se, aqui, tanto os direitos quanto as garan-tias fundamentais. Para aqueles que procuram diferenciaressas duas categorias de normas, os direitos são disposi-ções declaratórias, enquanto as garantias são assecuratórias(MENDES, COELHO & BRANCO, 200; MORAES,2008).22 O princípio da dignidade da pessoa humana, comoprincípio fundamental da República Federativa do Brasil,encontra-se enunciado no Título I, art. 1º da Constituiçãode 1988 (BRASIL, 2009a).

23 O chamado princípio da jurisdição una assumiu a se-guinte forma: “a lei não excluirá da apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a direito (idem, art. 5º, XXXV).

24 A propósito do surgimento da problemática do recursoao poder Judiciário diante de decisões políticas que afetemdireitos individuais sob o amparo do texto constitucional eda evolução da doutrina do habeas corpus (HC) no âmbitodo ordenamento jurídico do Estado brasileiro, veja-se acélebre “Oração de Rui Barbosa perante o STF em 1892”(BARBOSA, 1892). Com relação ao contexto das decisõesdo STF em sede de habeas corpus por ocasião da impetraçãodos HC 300 (1892), 1063 e 1073 (1898), ver Costa (2006).

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situação que fez que os cientistas políticos propu-sessem que as instituições judiciárias fossem vis-tas como um subsistema do sistema político glo-bal: “[...] partilhando com este a característica deprocessarem uma série de inputs externos consti-tuídos por estímulos, pressões, exigências soci-ais e políticas e de, através de mecanismos deconversão, produzirem outputs (as decisões) por-tadoras elas próprias de um impacto social e polí-tico nos restantes subsistemas.

[...] Uma tal concepção dos tribunais teve duasconseqüências muito importantes. Por um lado,colocou os juízes no centro do campo analítico.Os seus comportamentos, as decisões por elesproferidas e as motivações delas constantes, pas-saram a ser uma variável dependente cuja aplica-ção se procurou nas correlações com variáveisindependentes, fossem elas a origem de classe, aformação profissional, a idade ou sobretudo a ide-ologia política e social dos juízes. A segunda con-seqüência consistiu em desmentir por completo aidéia convencional da administração da justiçacomo uma função neutra protagonizada por umjuiz apostado apenas em fazer justiça acima eeqüidistante dos interesses das partes” (SANTOS,1995, p. 172-173).

Ainda que o tema do papel do poder Judiciárionas democracias contemporâneas seja algo emi-nentemente controverso entre os cientistas políti-cos (DREWRY, 1996), no caso específico docontrole de constitucionalidade das CPIs o teordas decisões proferidas pelo STF, em vez de cons-tituir um elemento prejudicial ao bom funciona-mento do sistema democrático por suas supostasrestrições ao poder do Soberano na ordem políti-ca nacional, pode ser tomado como indicador deque o poder Judiciário vem afirmando-se comouma nova arena para a defesa de direitos no âmbi-to da democracia brasileira. Nesse sentido, as li-nhas da interpretação constitucional trilhadas peloSTF na defesa dos direitos e garantias fundamen-tais encontrariam legitimação em suas conseqü-ências em termos da proteção das liberdades indi-viduais, componente fundamental de uma noçãode democracia que alcança o reconhecimento e asalvaguarda da titularidade, pelos cidadãos, de umasérie de direitos individuais25.

Assim, a judicialização da política no Brasilenvolve um processo de procedimentalização26 doDireito que, ao permitir a participação dos cida-dãos na produção do Direito contribui para que asdecisões judiciais assimilem um caráter deliberativoque lhes proporciona níveis mais elevados de le-gitimidade procedimental. O que se passa com opoder Judiciário é uma mudança institucional queproduz uma maior abertura desse poder à socie-dade e contribui para o aprofundamento da di-mensão participativa da democracia brasileira.

Ora, no que diz respeito mais diretamente aoSupremo Tribunal Federal, desde a promulgaçãoda Constituição de 1988, uma das inovaçõesparticipativas presentes na democracia brasileirafoi a abertura do processo de interpretação cons-titucional pela via da ampliação da comunidade deintérpretes da Constituição por meio da legitimaçãode vários atores para a proposição de ações decaráter constitucional no STF27.

Essa mesma abertura do STF aos influxosexternos provenientes da sociedade manifesta-sepor ocasião das diversas decisões proferidas no

25 Para uma síntese de diferentes argumentos relativos àlegitimação democrática da interpretação constitucional soba óptica de um cientista político, ver Shane (2006).

26 O tema da procedimentalização do Direito é parte inte-grante da preocupação mais ampla com a formulação deuma teoria procedimental da democracia. Nesse registro, afonte da legitimidade democrática do direito é a sua produ-ção a partir de condições que atendam ao cânone democrá-tico deliberativo. A propósito de uma abordagem do agircomunicativo com especial ênfase no direito nas socieda-des democráticas, ver Habermas (2003).27 “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade ea ação declaratória de constitucionalidade: I. O Presidenteda República; II. A Mesa do Senado Federal; III. A Mesa daCâmara dos Deputados; IV. A Mesa de AssembléiaLegislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V.O Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI. OProcurador-Geral da República; VII. O Conselho Federalda Ordem dos Advogados do Brasil; VIII. Partido políticocom representação no Congresso Nacional; IX. Confedera-ção sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 1º OProcurador-Geral da República deverá ser previamenteouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos osprocessos de competência do Supremo Tribunal Federal. §2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medi-da para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciên-cia ao Poder competente para a adoção das providênciasnecessárias e, em se tratando de órgão administrativo, parafazê-lo em trinta dias. § 3º Quando o Supremo TribunalFederal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de normalegal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”(BRASIL, 2009a, art. 103).

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âmbito daquele tribunal tendo como objeto as CPIs.Tanto o habeas corpus quanto o mandado de se-gurança configuram-se como direitos de prote-ção previstos pelo texto constitucional no Títulodos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º,LXVIII, LIX e LXX). Assim como ocorre porocasião da proposição de uma ação direta deinconstitucionalidade, o que os legitimados a pro-porem ações de habeas corpus e mandado de se-gurança perante o STF demandam daquela Corteé uma declaração da inconstitucionalidade de even-tuais atos praticados por membros de CPIs.

Enfim, o significado de tal abertura do Supre-mo perante a sociedade e de suas decisões relaci-onadas ao funcionamento das CPIs remete à no-ção de soberania complexa e suas repercussõessobre o exercício da cidadania nas sociedadesdemocráticas contemporâneas. “[...] essa com-plexidade se faria presente pelo fenômeno emer-gente da pluralidade das formas expressivas da

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Diante de lesão ou ameaça de lesão de um di-reito que lhe é assegurado pelo texto constitucio-nal, o cidadão que representa contra membro deCPI perante o Supremo Tribunal Federal partici-pa de um processo de procedimentalização daaplicação do Direito que, para além das institui-ções representativas de cunho eleitoral, permite-lhe fazer-se representado em âmbito judicial emdefesa de seus direitos e contribui para alegitimação democrática da jurisdição constituci-onal.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 291-296 OUT. 2011

JUDICIALIZATION OF POLITICS, JUDICIARY POWER AND PARLIAMENTARYINVESTIGATION COMMISSIONS IN BRAZIL

Eduardo Meira Zauli

Through the notion of the judicialization of politics, we discuss particular aspects of the relationshipbetween the Judiciary and the Legislature in Brazil within the context of the 1988 Constitution. Takingthe issue of control of constitutionality and the judicialization of procedures adopted within the ambit ofparliamentary investigation commissions as our specific focus, this article is based on research on thejurisprudence of the Federal Appellate Court regarding the status and constitutional limitations ofparliamentary investigation commissions within the National Congress. We look at the issue of theseparation of powers in contemporary democracies, demonstrating just how distant the interrelationsof the three branches of the State are, in practice, from the classical theoretical formulation; thisallows for a complex web of mutual controls that make for fertile terrain for the primacy of JudiciaryPower over Legislative Power and the above-mentioned judicialization of politics.

KEYWORDS: judicialization of politics; parliamentary research commissions; Brazil.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 299-305 OUT. 2011

LA JUDICIARISATION DE LA POLITIQUE, LE POUVOIR JUDICIAIRE ET LESCOMMISSIONS PARLEMENTAIRES D’ENQUÊTE AU BRÉSIL

Eduardo Meira Zauli

A partir de l’idée de judiciarisation de la politique, on cherche à discuter quelques aspects desrelations entre les pouvoirs Judiciaire et Législatif au Brésil, dans le contexte de validité de laConstitution de 1988. En soulignant spécifiquement le problème du contrôle de la constitutionnalitéet judiciarisation des procédures adoptées dans le domaine des commissions parlementaires d’enquête,l’article s’appuie sur la recherche sur la jurisprudence du Suprême Tribunal Fédéral (STF), autourdu statut et des limitations constitutionnelles du travail des commissions parlementaires d’enquêtedans le Congrès National. On aborde la question de la séparation des pouvoirs dans les démocratiescontemporaines, en illustrant à quel point les interrelations entre les trois secteurs de l’Etat s’éloignent,en pratique, de la formulation classique de la théorie ; ce qui permet tout un réseau complexe de

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 299-305 OUT. 2011

contrôles mutuels, qui constituent un domaine fertile pour l’ascension du Pouvoir Judiciaire sur lePouvoir Législatif, et la judiciarisation évoquée de la politique.

MOTS-CLÉS: la judiciarisation de la politique ; les commissions parlementaires d’enquête ; le Brésil.

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