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GUILHERME ROSA DE ALMEIDA AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO: ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO DE CUIABÁ/MT. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Cornélio Vilarinho Neto|Orientador |Universidade Federal de Mato Grosso Prof. Dr. Danilo Volochko | Examinador Interno |Universidade Federal de Mato Grosso Prof. Dr. Alexandre Magno Alvez Diniz| Examinador Externo| Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DESEFA EM 30 DE OUTUBRO DE 2014. CUIABÁ/MT

As Territorialidades e o Cotidiano da Prisão: Estudo de Caso do Centro de Ressocialização de Cuiabá/MT

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GUILHERME ROSA DE ALMEIDA

AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO: ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO DE CUIABÁ/MT.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Cornélio Vilarinho Neto|Orientador |Universidade Federal de Mato GrossoProf. Dr. Danilo Volochko | Examinador Interno |Universidade Federal de Mato GrossoProf. Dr. Alexandre Magno Alvez Diniz| Examinador Externo| Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

DESEFA EM 30 DE OUTUBRO DE 2014. CUIABÁ/MT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GUILHERME ROSA DE ALMEIDA

AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO:

ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO

DE CUIABÁ/MT.

CUIABÁ - MT

OUTUBRO DE 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GUILHERME ROSA DE ALMEIDA

AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO:

ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO

DE CUIABÁ/MT.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado no

Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto

de Ciência Humanas e Sociais, da Universidade

Federal de Mato Grosso – UFMT, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Mestre

em Geografia, na área de “Ambiente e

Desenvolvimento Regional”. Linha de Pesquisa em

“Produção do Espaço Regional”. Orientador:

Professor Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto -

Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação da

UFMT.

CUIABÁ-MT

OUTUBRO DE 2014

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

R788t Almeida, Guilherme Rosa de. As Territorialidades e o Cotidiano da Prisão: Estudo de Caso do Centro de

Ressocialização de Cuiabá/MT / Guilherme Rosa de Almeida. -- 2014 201 f.: il. Color; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Cuiabá, 2014.

Inclui bibliografia.

1. Penitenciária. 2. Território. 3. Cotidiano. 4. Poder. I. Título.

Fonte: STI - Secretaria de Tecnologia da Informação - UFMT. Módulo de Ficha Catalográfica/2014

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha família, pelos ensinamentos sobre o

mundo e as pessoas: minha mãe, pai, avós, irmãs, tios, tias, primos.

Aos amigos que sempre incentivaram os nossos esforços de

compreender o sistema penitenciário e continuar. Aos presos,

servidores do sistema penitenciário do CRC e aos colegas da E.E.

Nova Chance. Principalmente ao futuro do País, por uma mudança

profunda no sentido da justiça social.

AGRADECIMENTOS

A todos que colaboraram de alguma forma com este trabalho e

principalmente ao Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto. Sua

orientação permitiu que descobríssemos um novo mundo, através da

Geografia.

RESUMO

As taxas de encarceramento no Brasil são alarmantes – temos o 4º maior número de presos

em números absolutos do mundo. São 549.577 presos e apresentamos uma das maiores

superlotações do mundo. Este cenário é motivo de preocupação por parte das autoridades e da

sociedade civil organizada. Vamos aqui contribuir com a investigação e o debater sobre os

espaços prisionais, a fim de superar o afastamento da sociedade civil e o descaso do poder

público. Entendemos que só assim será possível acabarmos com os estereótipos sobre as

prisões e abrir as portas para um processo de transformação destes espaços. A nossa

investigação analisa a dinâmica da vida prisional através das práticas sociais espacializadas,

evidenciando as estratégias de sobrevivência e de organização que existem dentro da prisão,

compreendendo como se dão as disputas pelo poder no espaço: o controle, gestão e

apropriação dos espaços pelos presos, indicando como os presos são sujeitos ativos nesse

processo. O Estudo de caso é no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), unidade

prisional masculina, na cidade de Cuiabá/MT, penitenciária destinada a 470 homens, hoje

com cerca de 900 homens detidos. Este estudo da vida prisional e da análise do cotidiano no

espaço prisional, se dá através dos conceitos geográficos de território e de

territorialidades em um viés não ortodoxo. Entendemos que o conceito de território

multidimensional nos permite a compressão dos poderes paralelos ao Estado, que agem ora

em associação, ora em conflito com este e que o conceito de territorialidade nos permite

entender as dinâmicas da disputa territorial. Os autores que nortearam nossa abordagem sobre

poder, território e territorialidades são: Paul Claval, Hannah Arendt, Michel Foucault, Milton

Santos, Marcelo Lopes de Souza entre outros. Aqui não trataremos do poder apenas como

símbolo e autoridade do Estado ou de um mandatário, mas o poder contido nas relações

sociais em grupo e produtor de assimetrias. Estes conceitos envolvem a compressão de

acesso, limites, fronteiras, o controle do fluxo das pessoas, o exercício da autoridade e a

dinâmica das disputas. Os grupos que compõem o espaço prisional são complexos e

heterogêneos, possuindo tramas em suas relações que são difíceis de decifrar e entender. Entre

estes grupos notamos a produção de segregações, exclusões e privilégios no acesso a direitos.

Ressaltamos o papel da Educação neste espaço que vem alterar o ambiente e criar um novo

cotidiano, permitindo que uma certa liberdade se realize através da Escola. Destacamos o

papel que a perspectiva marxista e o método histórico-materialista possui em nossa leitura de

mundo, ensinando que a ciência deve ter na realidade material a sua base, e que o

conhecimento pode alimentar o engajamento político. Queremos colaborar com a superação

deste cenário no qual se encontram as penitenciárias brasileiras; acreditamos que para isso o

envolvimento, a militância e a pesquisa se fazem necessários. As prisões não devem ser

isoladas geográfica e socialmente se quisermos uma sociedade mais justa e solidária.

Palavras-Chaves: Penitenciária, Território, Cotidiano, Poder.

ABSTRACT

The encarcering rates in Brazil are alarming – we have the 4th greatest number of prisoners in

absolute numbers in the world. They are 549.577 prisoners and we show one of the greatest

overcrowdings in the world, with a 240.503 vancancies deficit. This scenario is reason of

preoccupation on the account of the authorities and the organized civil society. We should

investigate, debate and get to know the prisonal spaces in order to overcome lack of

planning of the public power and the engagement of the civil society on this issue, putting an

end to stereotypes on prisons and opening doors to a process of transformation of these

spaces. Our investigation aims to comprehend the dynamics of the prisonal life through

specialized social practices, highlighting the survival and organization strategies within the

prison, understading how the struggle for power in this space occurs: the control, management

and appropriation of spaces by the prisoners, pointing out how prisoners are active subjects in

this process. The case study is at the Centro de Ressocialização de Cuiabá (Cuiabá

Resocialization Center), masculine prisonal unit, a penitenciary destined to 470 men, today

bearing around 900 arrested men. When we think of prisonal life and the analysis of the

everyday life of the prisonal space, we choose the geographic concept of territory and

territorialities in a non-orthodox way. We understant that the concept of multidimensional

territory grants us the comprehension of powers parallel to the State, which act at times in

association and at others in conflict with the latter; and that the concept of territoriality allows

us to understand the dynamics of the territorial dispute. The authors that guided our

comprehension on power are Paulo Clavar, Hannah Arendt and Michel Foucault. Here, we

will not deal with power just as a symbol of the authority of the State or a mandatary, but the

power contained in the social relations as a group and a producer of assimetries, that is the

reason why the concepts of territory and territorialities are central to this work. These

concepts involve the comprehension of access, limits, boundaries, the control of the flow of

people and the exercise of authority. The groups that comprise the prisonal space are complex

and highly heterogenic, possessing schemes in the relations that are hard to decipher and

understand. Among these groups, we notice the production of segregations, exclusions and

privileges on the access to rights. Education has the power to change the prison environment

and creates a new routine, where the School holds debate and freedom. We highlight the role

that the marxist perspective and the historical-materialistic method has over our reading of the

world, teaching us that science, through research, initiates in the material life, feed

engagement and militancy. In order to be able to enact changes in the world, we need

knowlege on prisons, on prisoners and on all speeches that sustain this prisonal process. It is

important to know how to overcome and think new proposals for Brazillian penitentiaries,

compatible with our views of the world, where the isolation of prisons, their oblivion and

geographic and social distancing from society are unreasonable.

Key-words: Penitentiary, Territory, Everyday life, Power.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - O trabalho como elemento essencial na teoria materialista. 30

Figura 2- Imagem do site Geopresídios. 49

Figura 3 - Gravura Pelourinho Rotativo: Exemplo de punição pública e corpórea. 51

Figura 4 - Fluxograma Geral de Penitenciária. 55

Figura 5 - O panóptico de Jeremy Bentham - Vista Interna. 56

Figura 6 - O Panóptico - visão da torre central de inspeção - Penitenciária de

Stateville, EUA.

57

Figura 7 - Modelos de referência para Arquitetura Prisional. 59

Figura 8 – Principais Modelos Arquitetura Prisional no Brasil. 60

Figura 9- Planta cadastral da cidade de São Vicente. 61

Figura 10-Desenho da Casa de Câmara e Cadeia do Icó/CE. 62

Figura 11 - Penitenciária do Rio de Janeiro, 1834. 63

Figura 12- Ilustração penitenciária imaginário popular. 67

Figura 13 - Modelo de Prisão Noruega. 69

Figura 14 - Governo holandês fecha presídios. 70

Figura 15 - Complexo judiciário de Viena- Áustria. 70

Figura 16 - Mapa da localização das unidades penitenciárias de MT. 84

Figura 17 - Organograma SEJUDH. 86

Figura 18 - Organograma oficial da Secretaria de Administração

Penitenciária/SEJDH 2010.

86

Figura 19 - Evento sobre as PPP. 91

Figura 20 - Projeto para penitenciária em Palhoça/SC. 93

Figura 21 - Imagem da APAC Santa Luzia/MG. 94

Figura 22 - Localização Unidade Prisional CRC. 102

Figura 23 - Evolução Urbana de Cuiabá. Fonte: Prefeitura de Cuiabá. 103

Figura 24 - Uso e ocupação do solo ao redor da Unidade do CRC. 104

Figura 25 - Espaço imediato ao redor da unidade prisional. 105

Figura 26 - Ilustração da tríplice que sustenta o discurso de ressocialização. 109

Figura 27 - Croqui da Estrutura Geral do CRC. 116

Figura 28 - Visitas no Corredor B. 122

Figura 29 - Visitas Corredor A e “Contêiner”. 123

Figura 30 - Imagem composta de diversas fotos. Cela da Unidade I. Ala Deus é Amor. 127

Figura 31 - Projeto “Ala Cor de Rosa” na imprensa. 131

Figura 32 - Presos na Ala M. 139

Figura 33 - Esquema da localização do agente e do correria e porteiros. 147

Figura 34 - Notícia sobre a abertura do Mercado no CRC. 151

Figura 35 - Tabela de preço dos produtos vendido no “mercado”. 154

Figura 36 - Jornal A Grade 3 º ed. Junho de 2011. Impressão IOMAT/MT. 155

Figura 37- Matéria Jornalística sobre extorsão no presídio. 160

Figura 38 - Croqui: A religião e o domínio do espaço, nos anos 2012 e 2013. 165

Figura 39 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 2. Válido até Agosto de 2014. 166

Figura 40 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 3, após ocupação da Ala A pela

Igreja.

166

Figura 41 - Croqui da Ala L. 168

Figura 42 - Texto de preso elencando dificuldades para estudar na unidade. 183

Figura 43 - Jornal da igreja Universal do Reino de Deus. 184

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Regimes prisionais e seus espaços. Baseado na Lei 7.210/84 42

Quadro 2 - Tempo de Reclusão. Baseado na Lei 7.210/84 43

Quadro 3 - Definição de termos sujeitos privados de liberdade. Baseado na Lei 7.210/84. 44

Quadro 4 - Espaços de provação de liberdade por regime de condenação. 44

Quadro 5 - Cargos e funções dentro do CRC. 87

Quadro 6 – Tabela Oficinas. 142

Quadro 7 - Relação entre presos x agentes. Fonte: Cartório do CRC 145

Quadro 8 - Agentes penitenciários de plantão. 170

Quadro 9 - Setor de Saúde: Quadro de Pessoal. 171

Quadro 10- Cenário do ensino nas prisões. 178

Quadro 11 - Resumo das ações, decretos e leis no âmbito da Educação no Sistema

Penitenciário. 179

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Custo de manutenção do sistema penitenciário de MT/2012. 66

Tabela 2 - Taxa de Homicídios. 78

Tabela 3 - Percentagem Reincidência, Países Selecionados.2013 79

Tabela 4 – Dados sobre os presos em MT. 83

Tabela 6 – Número Agentes no CRC. 86

Tabela 7 – Visitantes. 119

Tabela 8 - Atividades diárias na Ala L. 167

Tabela 9 - Saída de Presos. 170

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Países e população carcerária total. 72

Gráfico 2 - Taxa de aumento de presos em diferentes países, em 20 anos. 73

Gráfico 3 – Evolução da população carcerária brasileira x Vagas no sistema

penitenciário

75

Gráfico 4 – Evolução da percentagem de presos condenados x provisórios. 78

Gráfico 5 - Percentagem dos crimes cometidos pela tipificação penal. 79

Gráfico 6 – Encarceramento e gênero o Brasil. 80

Gráfico 7 - Número de Presos no Estado de Mato Grosso. 82

Gráfico 8 - Visitantes. 119

LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Contagem - MG: 70 homens se espremem onde caberiam apenas 12. 77

Foto 2- Imagem aérea CRC 2005. 110

Foto 3- Corredor CRC - 2005. 110

Foto 4- Alas CRC – 2005. 110

Foto 5 - Banheiros dentro dos cubículos. 2005. 111

Foto 6 - Cubículos (celas) 2005. 111

Foto 7 - Familiares na porta do CRC. 117

Foto 8 - Chegada do “jumbos” à unidade. 118

Foto 9 – Protesto dos familiares dos presos 120

Foto 10 – Cobertura construída pelas presos. 121

Foto 11 - Recepção do CRC. 124

Foto 12 – Unidade I x Unidade II. 129

Foto 13 – Caminhão Limpa Fossa. 129

Foto14. Superior do “contêiner”. 131

Foto 15 - Festa Junina na Quadra da Unidade II. 131

Foto 16 – Reservatório de água na cela 139

Foto 17 - Artesanato no setor de produção. 143

Foto 18- Reciclagem no setor de produção. 144

Foto 19 - Oficina de placas de carro. 144

Foto 20 - Cadeados no CRC. 146

Foto 21 - Mercado dentro do Aníbal Bruno (Recife/PE). 150

Foto 21- Placa da Igreja Universal do Reino de Deus 157

Fotos 22 - Corredor B. 158

Foto 23 - Placa da Igreja Universal do Reino de Deus, demarcando o corredor B. 158

Foto 24 - Igreja Assembleia de Deus no corredor A. 159

Foto 25 - Curso SENAI, 2011. 182

Foto 26 - Sala de Aula. 182

Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As

prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens

imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às

crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros de

um tempo superado.

(Cora Coralina)

LISTA DE SIGLAS

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CRC Centro de Ressocialização de Cuiabá

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

FUNAC Fundação Nova Chance

LEP Lei de Execução Penal

MEC Ministério da Educação

MJ Ministério da Justiça

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEDUC Secretaria Estadual de Educação

SEJUDH Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16 1.0 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS – METODOLÓGICOS – CONCEITUAIS . 22 1.1 Conceito de ciência. ................................................................................................... 22 1.2 Procedimentos Metodológicos. .................................................................................. 23

2.0 A GEOGRAFIA E SUAS DIMENSÕES. ............................................................. 33 2.1 Categoria de Análise: O Território e as Territorialidades. ............................................... 35

3.0 AS INSTITUIÇÕES PRISIONAIS ...................................................................... 41 3.1 Gênese dos Espaços Prisionais. ........................................................................................ 50 3.3.1 Espaço Prisional: Arquitetura e Disciplina. .................................................................. 53

3.2 As Penitenciárias no Brasil. ............................................................................................. 61 3.1.3 Contraponto: Diferentes Sociedades, Diferentes Prisões. ............................................. 67

4.0 AS PENITENCIÁRIAS NO BRASIL .................................................................. 72 4.1 Cenário dos Espaços Prisionais e a Organização da Secretária de Justiça e Direitos

Humanos - SEJUDH/MT. ...................................................................................................... 80 4.2 Perspectivas da Gestão Prisional no Brasil. ..................................................................... 88

4.2.1 O Canto da Sereia: As Parcerias Público Privadas – PPP’s. ........................................ 89 4.2.2 A APAC- Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados: Outra

Perspectiva. ............................................................................................................................ 93 4.2.3 Considerações sobre as PPP’s. ...................................................................................... 95

5.0 ANÁLISE DA ÁREA DE ESTUDO. ................................................................... 98 5.1 Localização e História do Centro de Ressocialização de Cuiabá................................... 100 5.2 Estrutura do CRC: Os setores e as territorializações. .................................................... 114 5.1 Os Grupos no Espaço Prisional: os presos, e os funcionários do sistema penitenciário.

.............................................................................................................................................. 132 5.3 A Saúde na Unidade Prisional ........................................................................................ 171

6.0 A EDUCAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO ............... 175 7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 189 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 194

16

INTRODUÇÃO

Este trabalho debate um tema urgente, as prisões no contexto brasileiro a partir de um

estudo de caso. As taxas de encarceramento no Brasil são alarmantes: possuímos o 4º maior

número de presos em números absolutos, no total de 549.5771 presos e apresentando uma das

maiores superlotações do mundo com um déficit de 240.503 vagas. Esse cenário é motivo de

preocupação por parte das autoridades e da sociedade civil organizada. Trazemos à tona a

fragilidade no tratamento do tema da violência e da criminalidade, pois apostamos no falido

sistema penitenciário como solução para esses problemas, ao invés de buscarmos a construção

de uma sociedade justa e fraterna.

Os prejuízos são incalculáveis: os dados da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)

do Sistema Carcerário de 2009 indicam gastos astronômicos com a violência no Brasil, sendo

que os problemas sociais, psicológicos, a perda de vidas são impossíveis de avaliarmos.

Temos que superar a falta de planejamento adequado do poder público e do engajamento e

conhecimento da sociedade civil sobre este problema.

Segundo dados do Anuário 2013 do Fórum Nacional de Segurança Pública2, o Brasil

possuí um contingente de cerca de 195 mil presos provisórios (não julgados), o que equivale a

35% do total de presos. Esses casos deveriam ter uma solução rápida para aqueles que

aguardam durante meses esperando uma sentença que pode inocentá-los. Tudo isso mostra

como nosso País prende muito, mas prende mal e prendemos seletivamente: de forma racista,

sexista e classista. O que é fácil observar pela escolarização, cor, sexo, idade e principalmente

renda dos presos. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski disse que

há uma “cultura do encarceramento3” entre os juízes no Brasil, o que agrava mais o já lotado

sistema prisional.

Quando tratamos do sistema penitenciário não podemos esquecer que este faz parte

de um universo maior: o da segurança pública. A prisão é a última fronteira deste sistema.

Acreditamos que a nossa pesquisa possa contribuir para compreensão da vida prisional, dos

conflitos, contradições e problemas que cercam este tema. Queremos aprofundar este debate e

entender como estão sendo desenvolvidos os processos de (res)socialização, sem esquecer que

1Dados do Infopen – Ministério da Justiça/2013. 2 http://www.forumseguranca.org.br/storage/download/anuario_2013-corrigido.pdf. Acesso 20/08/2014 3http://carosamigos.com.br/index.php/component/content/article/235-revista/edicao-204/3974-desvio-de-

objetivo. Acesso em 20/04/2014.

17

os presos e os servidores do sistema penitenciário são sujeitos ativos neste processo e são

estes essencialmente que constroem a vida no contexto prisional.

A complexidade do sistema penitenciário é imensa e podemos observar, com base nos

pesquisadores Maia, Netto, Costa e Bretas, (2009) que existe um longo processo de

isolamento das unidades prisionais no País, desde a colonização. Durante muito tempo nossa

sociedade negligenciou conhecer suas prisões, o que acarretou em diferentes realidades

materiais em cada prisão do País. Outra situação que dificulta as generalizações sobre as

prisões é o fato de que a legislação brasileira que rege a vida nas penitenciárias não é

cumprida – em muitos pontos não existe na prática. As prisões possuem suas regras, vivências

e rotina particulares, existindo um conjunto de regras, “leis”, forças, resistências, conflitos e

interesses que agem nas unidades prisionais conferindo identidade a cada uma delas.

Tratamos neste trabalho de uma unidade prisional em particular. Contudo, ressaltamos

que mesmo com um objeto de estudo único, sua complexidade nos impede de conseguirmos

atingir a compreensão de todas as práticas sociais desse universo, e muito nos escapará. Os

discursos são contraditórios dentro do espaço prisional, dificultando a sua análise e algumas

dimensões da realidade prisional são inacessíveis para aqueles que ali não estão presos.

Mesmo atuando profissionalmente naquele espaço e exercendo atividades diárias no lugar,

não conseguimos compreender e saber tudo o que acontece ali. Os presos falam que durante a

noite a prisão é outra, oculta à nossa pesquisa. Outra questão são os múltiplos acontecimentos

e ações dentro da prisão; é um espaço extremamente dinâmico e com uma lógica que merece

muita investigação. A instabilidade dentro do sistema penitenciário é uma das suas

características marcantes: muda tudo e muito rápido, dependendo da postura dos sujeitos que

ali se encontram cotidianamente: direção da unidade, dos funcionários, agentes penitenciários

e dos presos que temos ali encarcerados, os quais são uma parte de elementos produtores do

espaço imediato ali existente.

O objeto de estudo é o Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), unidade

prisional masculina na cidade de Cuiabá/MT, localizada no bairro Novo Mato Grosso, região

norte de Cuiabá/MT. Tendo capacidade para 470 homens, hoje abriga cerca de 9004 homens

detidos, número que varia diariamente. A experiência visceral do autor com o tema e com a

4O número de presos no CRC vem decaindo desde 2010. Dados da SEJUDH/MT informam que de 1.200

homens presos em 2010 chegamos a cerca de 900 em 2014. São diversas as especulações que explicam este

fenômeno, mas não existe nenhum estudo sistemático. O Estado de MT todo tem apresentado taxas de

encarceramento decrescente, contrariando o resto do País.

18

unidade é sem dúvida um item importante – professor da rede básica de ensino desde 2010 na

instituição, foi essa trajetória que nos encaminhou para a escolha da prisão como a área de

estudo deste trabalho de Dissertação no Mestrado em Geografia.

Dentro da Unidade prisional, o nosso olhar se volta para um novo mundo. Muitos dos

aspectos, normas, condutas, falas e comportamentos são diferentes e até mesmo singulares. A

dinâmica e as relações sociais, culturais e políticas que existem nos presídios devem ser

desvendadas. Precisamos compreender melhor toda uma cultura pulsante dentro das unidades

prisionais, culturas e práticas que muitas vezes são cruéis e em outros momentos são de

cooperação e superação de dificuldade. Sendo que os processos de exploração, submissão e

disputa pelo poder são latentes e despertam nossa atenção, neste processo os presos são tanto

algozes quanto vítimas e é nestes aspectos que vamos focar nosso estudo.

Estudar o espaço dessa unidade de tal forma que possamos englobar as relações

construídas no cotidiano e que dizem respeito ao tempo vivido e materializado no espaço,

buscamos entender as diferentes formas de controle e apropriação dos territórios dentro da

unidade. A prisão é um espaço de acessos, fluxos e deslocamentos controlados; o tempo para

o trabalho, a educação, os cultos religiosos e as visitas é controlado. Este controle dos espaços

e tempos nos permite conhecer as atividades que são desenvolvidas em seu interior e

sabermos como se dá o processo de apropriação do espaço nos presídios.

No espaço prisional muitos fenômenos prendem nossa atenção, mas o tema que nos

conquista é o poder e como este se manifesta no espaço, na rotina e no acesso aos direitos.

Existe uma literatura extensa sobre a questão do poder e suas manifestações. Os autores que

nortearam nossa compreensão de poder são Paul Claval, Hanna Arendt e Michel Foucault.

Aqui não trataremos do poder apenas como símbolo e autoridade do Estado ou de um

mandatário, mas o poder contido nas relações sociais e exercidos por diferentes grupos que

acabam por produzir assimetrias.

A CPI do Sistema Carcerário (2009, p. 51) traz uma declaração que nos indica como

se dá as relações assimétricas de poder em diversas prisões pelo País:

De camarões a armas, drogas, celulares, prostitutas... tudo entra nas cadeias

brasileiras se o preso tiver dinheiro para pagar. E a corrupção não envolve só os

“peixinhos”, os agentes. Inclui diretores, assistentes de secretários, policiais civis e

militares, advogados e funcionários de empresas terceirizadas. Notícias como essa,

acompanharam na mídia, frequentemente, os deputados que compõem a CPI.

O fenômeno dos privilégios dentro da prisão expõe a assimetria de poder entre os

presidiários. Este poder manifesta-se de diversas formas, entre elas no controle e apropriação

19

dos espaços dentro da prisão, que é objeto de nosso estudo e consequentemente no domínio

daqueles que vivem nestes espaços sob seu domínio. Teremos como objetivo principal deste

estudo a compreensão da produção de territorialidades pelos presidiários no CRC,

investigando ainda o cotidiano dos presos. Apresentamos o preso como sujeito de sua história,

aquele que constrói as relações sociais: disputas, conflitos, e cooperações, jamais como um

sujeito passivo que apenas recebe as ações do Estado. Muito pelo contrário, queremos deixar

claro que eles se organizam e são os principais agentes que se apropriam e transformam o

espaço prisional.

Esta Dissertação é uma síntese desse processo de investigação e reflexão que se

realizou durante o curso de Pós-Graduação em nível de Mestrado em Geografia na UFMT. O

aprendizado mais significante foi o de como a Geografia e seus conceitos de territórios,

limites, fronteiras, escalas entre outros nos auxiliam na compreensão dos processos e na

dinâmica espacial das unidades prisionais.

Ao estudar a unidade prisional em um mestrado de geografia, não poderemos abordar

aqui todo o rol e complexidade das prisões. Estaremos nos concentrando na análise espacial e

nas práticas sociais das unidades prisionais brasileiras e principalmente as localizadas no

Estado de Mato Grosso. Nos deteremos na microescala da unidade prisional, contudo

devemos reconhecer que isolar hermeticamente o presídio como objeto de estudo, sem

relacioná-lo ao contexto da nossa sociedade é agir sem pensamento crítico e coerente.

Devemos relacionar e conhecer as políticas, normas e principalmente as ações que agem sobre

o território da prisão. O contexto social que existe na sociedade brasileira é fundamental para

entendermos a prisão. Devemos ainda levar em consideração os presos, os funcionários do

sistema penitenciário e as visitas, entre outros grupos que interferem no cotidiano da prisão

para entendermos a rotina imediata. Buscaremos relacionar os processos políticos,

econômicos e sociais em outras escalas: global, regional e local para a compreensão da prisão.

Queremos esclarecer os motivos que nos levam a adotar o termo preso ao invés de

reeducando para os sujeitos privados de liberdade neste trabalho. Existe uma importância

quando escolhemos usar um termo em detrimento de outro e fazemos isso conscientemente

neste caso. Embora exista uma política social para o uso do termo reeducando, indicando um

caminho para um tratamento humanizado nas prisões — “a ressocialização” —, entendemos

que existe uma contradição no que a realidade material nos ensina e o que o discurso de

20

mudança apresenta. A lei de execução penal é clara, usa o termo preso e ainda estamos

distantes de uma política pública eficiente dentro das unidades prisionais no País.

Seria um erro interpretar esta nossa escolha como uma negativa aos avanços. Vamos

apresentar neste trabalho que existem esforços tanto de agentes do Estado quanto da

sociedade civil organizada para criarem-se melhores condições de vida dentro das unidades

prisionais. Contudo, seria um exagero dizer que as prisões estão cumprindo sua função de

ressocializar. Com as taxas de encarceramento, de reincidência e violência dentro das prisões,

não podemos afirmar que as elas cumpram seu papel social, como estabelece a lei. Usamos o

termo preso aqui, pois queremos deixar claro que temos muito o que avançar ainda. Vamos

investigar a diferença de vida que existe entre os presos, considerando os privilégios que

existem para alguns e o direito negado a outros. Nesse cenário o termo reeducando pode

mascarar ao invés de ajudar a entender.

Apresentaremos este trabalho em 6 (seis) capítulos. Começando pelas considerações

teóricas, metodológicas e conceituais, abordaremos o conhecimento científico no Capítulo 1 -

Procedimentos Teóricos – Metodológicos – Conceituais e como este colabora na

compreensão dos fenômenos e ainda deixando claro a nossa postura que indica a necessidade

de um posicionamento crítico em relação ao mundo através da teoria marxista.

No Capítulo 2 - A Geografia e suas dimensões vamos abordar a ciência geográfica

em sua amplitude e debater como essa ciência é capaz de estudar fenômenos e relações

espaciais em escalas tão variadas, sendo produtora de um conhecimento excepcional para

compreensão e interpretação da realidade. Escolhemos e defendemos a nossa categoria de

análise neste capítulo. Isso deixa claro o objetivo deste trabalho que é a perspectiva do poder e

a criação de territorialidades no espaço prisional, o que nos chama atenção e vai ser foco de

nosso estudo.

O Capítulo 3 - Instituições Prisionais tem o papel de apresentar o universo prisional

de uma maneira geral e destacar o cenário do sistema prisional brasileiro através das

legislações, dos decretos e das funções que em tese devem ser exercidas pelo sistema

penitenciário nacional: a diferença entre os regimes de condenação e os espaços no qual os

presos devem ser destinados. É na Lei de Execução Penal, na Constituição Federal e nas

pesquisas sobre o cenário nacional que buscamos nossas principais referências para este

capítulo.

21

O cenário das prisões no mundo e principalmente no Brasil é apresentado no Capítulo

4 - As Penitenciárias no Brasil. O uso de gráfico, tabelas e figuras é um recurso usado neste

capítulo a fim de sintetizarmos as principais características do sistema penitenciário nacional.

Realizamos também uma crítica ao encaminhamento que se toma na gestão penitenciária,

onde a postura neoliberal está sendo introduzida.

Realizamos o Estudo de Caso da penitenciária do Centro de Ressocialização de Cuiabá

com o Capítulo 5 – Análise da Área de Estudo. Aqui são apresentados e debatidos os

principais tópicos deste trabalho, onde centramos esforços para compreensão das disputas

pelo território e a compreensão do cotidiano na prisão: as práticas sociais espacializadas e a

dinâmica da apropriação do espaço pelos presos, buscando determinar como o poder se

manifesta no controle do espaço e na imposição de uma rotina, apresentando o resultado da

pesquisa in loco.

Das atividades desenvolvidas dentro da unidade prisional, vamos dar especial atenção

à Educação no Capítulo 6 – A Educação como Possibilidade de Transformação,

enfatizando o fato de que a Educação Pública como política de Estado vem mudando a vida

prisional, criando um novo cotidiano e apresentando-se como uma possibilidade concreta de

transformação na vida dos presos. Encerramos o trabalho com as considerações finais e as

referências bibliográficas lidas e utilizadas.

22

1.0 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS – METODOLÓGICOS – CONCEITUAIS

1.1 Conceito de ciência.

A ciência como a conhecemos hoje é o resultado de diversos fatores, entre eles a troca

de conhecimento entre os povos, mudanças sociais, políticas, econômicas e epistemológicas

que culminaram na revolução científica a partir do século XVII. Contudo, devemos ressaltar

que existem várias formas de conhecimento, algumas associadas aos dogmas religiosos, a

vida prática dos trabalhadores, ao senso comum e outras formas de conhecimento empírico

que estão presentes em todos nós. Nosso interesse aqui é pelo conhecimento dito científico e

onde este pode nos levar no intuito de conhecer. O conhecimento científico é uma longa e

penosa construção humana que não está concluída, pois é dinâmico, cria-se e recria-se

constantemente sobre determinados parâmetros e regras, permitindo a existência do

contraditório. Isso marca o conhecimento científico.

Para que possamos considerar um conhecimento científico é necessário que este seja

coerente, siga determinados pressupostos e esteja alinhado e interessado na verdade, como

afirma Costa (1999, p. 22): “O conceito nuclear da ciência é do da verdade. Nas várias

ciências procura-se algum tipo de verdade”. Devemos ressaltar ainda que além da

preocupação com a verdade, o conhecimento científico exige um posicionamento

metodológico. Este é um campo complexo, pois existem diferentes posturas metodológicas

tanto no decorrer da história humana, quanto em um mesmo campo de conhecimento,

lembrando que nas ciência humanas e sociais esta verdade jamais é absoluta, sendo o

resultado de um processo interpretativo.

Foucault, em sua obra Microfísica do Poder, aprofunda o tema da verdade científica,

questionando como se dá o processo de produção do conhecimento e suas relações com o

contexto social, político e econômico. Lembrando que o conhecimento gera poder e é gestado

por uma fonte de poder, que depende dos discursos hegemônicos em cada época e regime

social (Foucault, 2000, p.10):

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é −

não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções − a

recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles

que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a

múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade

tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de

discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros.

23

Ao aprofundar na genealogia dos discursos que produzem o conhecimento, Foucault

nos permite ler e compreender os discursos científicos contextualizando-os em sua época e em

sua linha de postura política, reconhecendo os discursos científicos que estão a favor de um

pensamento progressista, de libertação e emancipação ou de repressão, conservadorismo e

produtor das desigualdades, incentivando os intelectuais a assumirem uma postura política de

transformação da realidade, trazendo que (Foucault, 2000, p.11):

O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos

ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica

seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma

nova política da verdade. O problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o

que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção

da verdade.

Esta postura sobre o conhecimento dialoga diretamente com a 11ª Tese a Feuerbach de

Marx (In Netto, 2012, p.166): “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de

diferentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo.” A postura de ambos os autores nos é

inspiradora sobre o papel da ciência e do conhecimento como ação de compreensão,

interpretação e transformação da realidade.

1.2 Procedimentos Metodológicos.

O desenvolvimento científico foi responsável por uma série de avanços tecnológicos e

de conhecimento. Desde permitir melhores condições sanitárias, solução para diferentes

doenças, facilitou a comunicação, as viagens e o comércio. A revolução científica capitaneada

por Galileu Galilei no século XVI – XVII, ao defender a teoria heliocêntrica, alterou a visão

dos homens sobre si mesmos e sobre o cosmos. Ajudou a mudar paradigmas, abriu portas

para uma nova organização social e política, com o enfraquecimento do poder da igreja e o

surgimento de novas lideranças, a exemplo da burguesia.

A ciência que foi desenvolvida a partir de então, começa a ser formulada e

sistematizada por René Descartes em Discurso sobre o método (1637). Descartes é o

responsável por colocar a pedra angular no discurso da ciência moderna. Ele abriu espaço

para que através de sua interpretação de mundo, universo e conhecimento, Newton pudesse

elaborar teorias e modelos matemáticos elegantes. Esse paradigma científico ficou conhecido

por mecanicismo, que propõe uma série de estágios pelo qual o ser humano passaria para

24

alcançar o conhecimento: tratamento da natureza como escrava, distanciamento do objeto

estudado, criação de modelos matemáticos para explicar o mundo, o estudo fragmentado da

natureza, entre outras. Essas estratégias de conhecimento foram importantes para a

compreensão de diversos fenômenos, contudo este paradigma também é responsável pela

crise ambiental e pela geração de conhecimento que sustentou atitudes preconceituosas, entre

outros problemas.

A tradição de pesquisa nas ciências sociais já foi fortemente centrada na neutralidade e

objetividade científica (positivismo), imitando a física e a matemática, numa forte crença no

distanciamento do pesquisador, em uma relação impessoal. Na geografia podemos nos

referenciar a nomes como Friedrich Ratzel5 e Alexander von Humboldt, que produziram

conhecimento numa perspectiva positivista.

Contudo há muito tempo, a relação entre sujeito e objeto começa a ser enfatizada nas

ciências sociais e mesmo nas ciências físicas6, e, na pesquisa em si, apesar de ter como fim

básico a produção de conhecimento, passa a ser enfocada acima de tudo como uma relação

entre sujeitos. A metodologia qualitativa traz uma contribuição significativa para as ciências

sociais, pois se revela eficaz em diferentes áreas, não podendo ser diferente nos estudos sobre

o Espaço, onde nosso repertório é a vivência com nossos corpos e sentidos. A formação das

nossas práticas sociais, subjetividade e identidade está relacionada a como vivenciamos o

espaço.

Toda ciência é produzida pelo ser humano com determinada finalidade. O

conhecimento nunca é neutro, mas está comprometido com o perfil ideológico e o discurso do

pesquisador, dependendo da linha de pensamento a que ele se filia ou incorpora. Lênin (1977

apud Maximo, 2000, p. 80): “... se chama intelectualidade precisamente porque é a que reflete

e expressa de modo mais consistente, decidido e exato o desenvolvimento dos interesses de

classe e os grupos políticos em toda a sociedade.”

5A ciência produzida por Ratzel é fruto do contexto social e político de seu tempo. O Estado Alemão estava se

consolidando e precisando expandir seu mercado consumidor, a teoria do “espaço vital” desenvolvida por ele foi

fundamental para justificar os passos a serem dados pela Alemanha naquele momento. 6 Minha decisão consciente acerca de como observar, digamos, um elétron determinará, em certa medida, as

propriedades do elétron. Se formulo uma pergunta sobre a partícula, ele me dá uma resposta sobre a partícula; se

faço uma pergunta sobre a onda, ele me dá uma resposta sobre a onda. O elétron não possui propriedades

objetivas independentes da minha mente. Na física atômica, não pode mais ser mantida a nítida divisão

cartesiana entre matéria e mente, entre o observado e o observador. Nunca podemos falar da natureza sem, ao

mesmo tempo, falarmos sobre nós mesmos. (CAPRA, 2002, p.81).

25

A teoria das raças, desenvolvida a partir do século XVIII, foi responsável pelo

racismo. Uma ciência que defendia uma postura eurocêntrica e traz suas marcas desde a

origem justificou o racismo cientificamente durante anos. As consequências desses discursos

são os mais trágicos da história da humanidade. Veja a afirmação de Silva e Silva (2006,

p.346-347):

O racialismo, com os iluministas, definia raça como um grupo humano cujos

membros possuíam características físicas comuns. Tal teoria voltou-se para a crença

de que a raça não era apenas definida física, mas moralmente, bem como que as

diferenças físicas acarretavam diferenças mentais hereditárias. Assim, a distinção do

mundo em raças correspondia à divisão do mundo em culturas, e o comportamento

do indivíduo era definido pelo grupo racial ao qual ele pertencia. Além disso, um

sistema de valores universal classificaria as raças em superiores e inferiores. […]

Enquanto o racialismo é o estudo das diferentes raças humanas, o racismo é a

aplicação prática dessas teorias, que acredita em raças superiores e cria mecanismos

sociais e políticos para reprimir as raças consideradas inferiores.

Outros estudiosos com fundamentos também no racismo vão envolver a ciência

médica e a indução científica para determinar de forma positivista qual o perfil biofísico dos

criminosos. O racialismo levou ao desenvolvimento da Frenologia, que estudava as raças e as

classificava. Silva e Silva (2006, p. 346) desatacam: “Lombroso, criador da Antropologia

Criminal defendia que a criminalidade era uma questão biológica e hereditária e poderia ser

identificada pela utilização da Frenologia.” Estas pesquisas levaram ao preconceito e a

inúmeras injustiças que ainda estão presente em nossa sociedade ao observarmos o número de

homens negros presos 7ou de homicídios8 de negros no Brasil.

Na geografia, o determinismo geográfico ensinou que o meio mais hostil

proporcionaria um maior nível de desenvolvimento ao exigir um alto grau de organização

social para suportar todas as adversidades impostas pelo meio. Entra em cena o conceito de

Espaço Vital – espaço necessário a sobrevivência de uma comunidade. O determinismo é

fruto das ciências físicas e aplicável aos processos mecânicos, Ratzel e os seguidores do

determinismo geográficos transportaram essa interpretação para diferentes estudos. Esta

“ciência” permitiu a interpretação de diferentes culturas e povos com olhares preconceituosos

7 Negros e pardos somam 55,61% dos presos no Brasil. Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/20/ult5772u5338.jhtm. Acesso em 31/08/2014. 8 “Efetivamente, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui de 19.846 em 2002

para 14.928 em 2012, o que representa uma queda de 24,8%. Entre os negros, as vítimas aumentam de 29.656

para 41.127 nessas mesmas datas: crescimento de 38,7%.” Fonte: Mapa da Violência, 2014, p.131. Disponível

em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf. Acesso em

31/08/2014.

26

e de superioridade por anos e ainda influência o xenofobismo. Caldeira (2000, p.37) ensina

sobre xenofobia que:

Os procedimentos para conservar simbolicamente os nordestinos a distância são bem

conhecidos: eles são descritos como sendo menos que humanos, perigosos, sujos e

contaminantes; são habitantes de lugares impróprios, como cortiços e favelas. Assim

diz-se que a sua presença no bairro estraga todos os arredores.

Este debate sobre o papel desempenhado pela ciência na divulgação e promoção do

racismo ajuda a compreendermos a sempre comprometida visão de mundo que carrega o

cientista e a ciência que este faz. Pregar a neutralidade científica é como pregar a neutralidade

jornalística, é um discurso que exclui o ser humano e suas tendências. Nos posicionarmos e

deixarmos claras as nossas opções políticas, econômicas e sociais no mundo e defendê-las é

conveniente e apropriado a um pesquisador. Na tradição marxista é muito clara a compressão

que a ciência tem um papel transformador da sociedade. Assim como nos diz Ronaldo Mota

(2003, p. 48):

Marx alerta, no entanto, que não é possível no campo social pensar-se em leis

abstratas, imutáveis, atemporais e ahistóricas. Trata-se, segundo ele, de descobrir as

leis que, sob condições históricas específicas, são as determinantes de um fenômeno

que tem existência em condições dadas, e não uma existência que independe da

história.

Considerando que a ciência tem um papel político e ideológico, deixamos aqui

esclarecida a nossa concepção de sociedade e opção político-ideológica. Não vamos nos

esconder em uma postura positivista, onde em tese a ciência pode ser neutra. Paul Nizan

(1968 apud Maximo, 2000, p. 66), ao debater a importância dos intelectuais na sociedade e

seu engajamento ensina que:

... não existe o “homo faber”, o “homo artifex”, o “homo sapiens”, o “homo

economicus” e o “homo politicus”, “homo noumenon” e o “homo phenomenon”,

mas todos os indivíduos que nascem, levam determinada vida, têm filhos, morrem:

do trabalhador manual que ganha vinte e cinco francos por dia ao homem político

que reside na Vila Said, da moça que frequenta o curso Villiers àquela que dorme na

quadra Jeanne-d’Arc no mesmo quarto dos pais e dos irmãos, do militante

revolucionário ao inspetor de polícia judiciária. Existe, de um lado, a filosofia

idealista que enuncia as verdades sobre o homem, e, de outro lado, os registros da

distribuição da tuberculose em Paris que nos diz como se morre. [...]... eu não

encontro o “Homo noumenon”. […] Mas, o significado repugnante [...] das

estatísticas sobre o trabalho forçado, estas sim, me colocam problemas realmente

filosóficos.

A vida material nos traz questões fundamentais para serem investigadas e entendemos

que o conhecimento tem um papel na compreensão da estrutura social contraditória e injusta

que vivemos. Nossa postura é a de que o conhecimento científico e a pesquisa devem servir

para demonstrar e expor esta realidade, sendo as contradições que nos motivam a estudar os

27

espaços prisionais, apoiando-nos a Geografia. As relações sociais desiguais, fruto da

existência da luta de classes e das contradições da sociedade capitalista, podem ser vistas

dentro das unidades prisionais como: a exclusão9, marginalização, diferença de oportunidades,

condições de moradia e o tratamento a que são submetidos os presos. Observamos que essas

diferenças estão materializadas no espaço através da existência de espaços privilegiados

dentro da prisão.

Maricato (2001, p. 51) ao tratar da segregação espacial na cidade colabora com nossa

perspectiva: “É impossível esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e

autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não

tenham essas características”. Os presos e as prisões são parte desta sociedade, e no interior

das prisões o que existem são as mesmas desigualdades, hierarquias e arbitrariedades sociais

que encontramos na sociedade. As prisões são produtos desta sociedade e a seu modo

reproduzem as condições daquele e acabam dialeticamente condicionando a sociedade.

A pesquisa exige um posicionamento; não existe produção do conhecimento neutro.

Esse posicionamento é fruto da nossa concepção de mundo e de sociedade. É através das

lentes metodológicas que escolhemos e miramos o mundo que podemos estudá-lo e

interpretá-lo. Desta forma preferimos deixar claro aqui quais são o nosso entendimento de

sociedade e o papel do pesquisador.

Na geografia existe um amadurecimento no que tange a liberdade metodológica e a

consciência de que a pesquisa exige um posicionamento ideológico. Saquet, Candiotto e

Alves (2010, p.57) afirmam que:

… os elementos basilares do território são sociais e definidos historicamente. Podem

ser compreendidos de diferentes maneiras, de acordo com a opção teórico-

metodológica e política de cada pesquisador

Reconhecendo que existem diferentes pontos de vista e a importância da opção

teórica e metodológica, aqui nós buscamos em Paulo Freire a compreensão de que toda ação

que o ser humano faz tem um caráter ético, político e estético. Político porque sempre

estamos imersos em uma estrutura de poder, que limita ou permite determinadas ações e que

contém uma determinada organização social e institucional. Podemos nos posicionar em

relação a essas, reforçando ou buscando transformações. Ético, pois nossos princípios e

valores são bases de nossos atos. Estética refere-se ao modo como realizamos nossos atos,

9A exclusão deve ser aqui entendida não como exclusão da sociedade, mas numa perspectiva que entende que

em uma sociedade desigual como a nossa, os excluídos de direitos.

28

podendo criar uma relação de proximidade ou estranhamento, dependendo da forma com que

nos apresentamos aos outros e nos relacionamos com o mundo.

Esse entendimento nos imprime a responsabilidade de nos posicionamos criticamente

em relação a ciência, a produção do conhecimento e o mundo, sendo que encontramos na

Geografia crítica, calçada no materialismo-histórico-dialético, base para nossa fonte para ler e

o mundo, estando atentos ao fato de que as Ciências Humanas e Sociais tem um propósito

interpretativo, visando à compreensão da sociedade e da cultura. Estamos de acordo com o

ensinamento de Marx que exige, ao estudarmos a realidade, um posicionamento no mundo, e

conforme afirma Morais (2005, p.47):

Pode-se dizer que a Geografia Crítica é uma frente, onde obedecendo a objetivos e

princípios comuns, convivem propostas díspares. Assim, não se trata de um conjunto

monolítico, mas, ao contrário, de um agrupamento de perspectivas diferenciadas. A

unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade

social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma

arma de combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo

posicionamento social, pela concepção de ciência como momento da práxis, por

uma aceitação plena e explícita do conteúdo político do discurso geográfico. Enfim,

unitários objetivam-se através de fundamentos metodológicos diversificados. Daí,

advém uma grande diversidade metodológica, no âmbito da Geografia Crítica. Esta

apresenta um mosaico de orientações metodológicas, bastante variado:

estruturalistas, existencialistas, analíticos, marxistas (em suas várias nuances),

ecléticos etc.

A compreensão dialética do mundo encontra-se em oposição a metafísica. Enquanto a

metafísica prega um mundo estático, a dialética lê o mundo através de processos. Embora

fosse um forma de conhecimento reconhecida desde os gregos antigos e durante a Idade

Média, a dialética foi expulsa do universo acadêmico. Nesse período o conhecimento

fundava-se na teologia e no poder eclesiástico, e a Igreja não estimulava a busca por

contradições. O conhecimento dialético questiona, critica, lê processos, relaciona os diferentes

contextos, como afirma Marconi e Lakatos sobre a dialética (2003, p.101):

Por outro lado, as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras e

independentes, mas como um todo unido, coerente. Tanto a natureza quanto a

sociedade são compostas de objetos e fenômenos organicamente ligados entre si,

dependendo uns dos outros e, ao mesmo tempo, condicionando-se reciprocamente.

Esse procedimento metodológico nos permite entender a essência da estrutura e o

funcionamento da sociedade burguesa na qual vivemos. Essa sociedade burguesa e capitalista

imprime um projeto de vida para todos nós, impondo um ritmo e estilo de vida através do

controle dos meios de produção, ficando claro na afirmação de Marx (In Netto, 2012, p. 170):

O que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação recíproca

dos homens. Os homens podem escolher, livremente, esta ou aquela forma social?

29

Nada disso. A um determinado estágio de desenvolvimento das faculdades

produtivas dos homens corresponde determinada forma de comércio e de consumo.

A determinadas fases de desenvolvimento da produção, do comércio e do consumo

correspondem determinadas formas de constituição social, determinada organização

da família, das ordens ou das classes; numa palavra, uma determinada sociedade

civil. A uma determinada sociedade civil, um determinado estado político, que não é

mais que a expressão oficial da sociedade civil. [...] As suas (dos homens) relações

materiais formam a base de todas as suas relações. (grifo nosso)

Os ensinamentos de Marx são fundamentais neste ponto, levam a uma compreensão da

relação entre a sociedade e os meios de produção. Neste estágio no qual nos encontramos, a

sociedade burguesa e capitalista, observa o autor que existe então uma divisão entre os

proprietários dos meios de produção — os capitalistas — e os não-proprietários — os

operários. O que existe são duas classes sociais, e estas vivem em conflitos. Podemos através

da leitura do espaço compreendermos como se dá este processo de luta de classes. Neste

contexto vale lembrar Moraes (1979, p.13):

Yves Lacoste intitulou seu livro recente: A geografia Serve Antes de Mais Nada

para Fazer a guerra. Diríamos, alargando o significado desse enunciado, que a

geografia, através da análise dialética do arranjo do espaço, serve para desvendar

máscaras sociais, vale dizer, para desvendar as relações de classes que produzem

esse arranjo. É nossa opinião que por detrás de todo arranjo espacial estão relações

sociais, que nas condições históricas do presente são relações de classes.

O método materialista-histórico exige de nós que partamos da realidade material

encontrada. Além disso, devemos respeitar o tempo histórico dos fenômenos: é o que

pretendemos realizar neste trabalho. O tempo é uma categoria essencial de análise no que

tange a ocupação do espaço. Ao desenvolver nosso estudo abordamos a origem das

penitenciárias no mundo e no Brasil e relacionando-os aos contextos de produção material de

sua época, às transformações políticas, econômicas e sociais de seu tempo. Isso nos permite

entender os discursos que sustentam as penitenciárias e por elas são destinadas a determinada

classe social. Os discursos burgueses que fundaram as prisões no século XVII são

semelhantes aos que hoje indicam um caminho de privatizações do sistema penitenciário. O

contexto neoliberal no qual estamos inseridos busca a desregulamentação do mercado e

transforma o preso em mercadoria.

É através do trabalho que os homens transformam o meio e se transformam ao mesmo

tempo. Nesse processo criam, com uso de sua inteligência e força física, a tecnologia, a

cultura e a economia, e, neste processo, apropriam-se do espaço, transformando a “primeira

natureza” em “segunda natureza”, e esta influencia dialeticamente o trabalho humano, em

uma constante transformação, como diz Moraes (1979, p.3):

30

Tal compreensão parte do pressuposto de que ao incorporar-se o "espaço físico", que

doravante chamaremos de "primeira natureza", ao processo de gênese e

desenvolvimento de uma dada formação econômico-social, inicia-se a formação de

um espaço geográfico, uma "segunda natureza", dizia Marx tomando a expressão a

Feuerbach, que nada mais é que a própria formação econômico-social.

A figura 1 abaixo representa um esquema deste processo, indicando que as relações de

trabalho são responsável pela transformação da 1ª natureza em 2ª natureza e volta a alterar as

relações de trabalho em um círculo continuo.

Figura 1 - O trabalho como elemento essencial na teoria materialista. Fonte: ALMEIDA.G/2014

Marx cria assim uma teoria materialista histórica e dialética porque compreende a

realidade através dos processos dinâmicos, tendo o trabalho como característica ontológica do

ser humano e não aceitando uma interpretação estática da realidade. Recorrendo a esta

compressão histórica e dialética, Marx vai dizer que a relação entre a “forças produtivas” e as

“relações de produções” são essenciais para compreender a sociedade, e tem como pano de

fundo a “luta de classes”. Marx (In Netto 2012, p. 97) escreve:

O trabalho produz obras maravilhosas para os ricos, mas produz despojamento para

o operário. Produz palácios, mas cavernas para o operário. Produz beleza, mas

estropiamento para o operário. Substitui o trabalho por máquinas, mas remete uma

parte dos operários para um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz

espírito, mas produz idiotices, cretinismo para o operário.

Estabelece ainda que o papel da ciência pode ser útil aos trabalhadores, permitindo uma

emancipação e autonomia do ser humano frente ao trabalho alienante e desta forma criar as

condições para uma mudança da realidade, atuando na “práxis” ao invés de apenas filosofar o

mundo.

O tema de estudo define muitas das técnicas a serem utilizadas e também os desafios

que encontramos. Nesse caso o maior desafio é falta de dados quantitativos e qualitativos

confiáveis, pois existe um má gerencia dos dados em toda execução penal deste País. Outro

31

ponto é a insegurança dos entrevistados: a maioria das pessoas fala da corrupção no sistema

penitenciário, mas ninguém identifica quem faz ou deixa de fazer o quê. Apenas declaram que

o sistema não funciona, o que faz com que tenha sido muitas vezes difícil compreender os

conflitos e contradições nos discursos dos entrevistados.

O procedimento adotado para pesquisa combinou abordagens e estratégias diferentes e

complementares. As técnicas metodológicas envolveram: o estudo da bibliografia

especializada, entrevistas semiestruturadas e a observação participante.

A bibliografia especializada está devidamente indicada nas referências bibliográficas e

é extensa. Buscamos livros, artigos, legislações e resoluções pertinentes ao tema. Enfatizamos

que este processo foi muito importante para compreendermos o estado da arte no que tange as

investigações sobre as prisões na Geografia e em outras áreas. Destacamos as principais obras

que nos orientaram no capítulo 3.

Outra importante fase da pesquisa para colaborar no entendimento dos discursos

produzidos sobre o espaço da prisão foram as entrevistas semiestruturadas gravadas in loco.

Seguindo orientação de Saquet, Candiotto e Alves (2010, p. 58):

A realização de entrevistas gravadas, por exemplo, são fundamentais, juntamente

com a convivência com os sujeitos que estão sendo estudados e com a produção de

mapas temáticos das informações geográficas.

As entrevistas foram realizadas de forma sistemática no primeiro semestre de 2014

com um rol de diferentes sujeitos produtores do espaço prisional: presos, agentes

penitenciários, professores, gestão da unidade, assistente social, psicóloga, técnicos de saúde.

O número de entrevistados não foi nosso foco, mas a diversidade de sujeitos e suas relações

com a unidade. Entrevistamos 10 pessoas entre presos, servidores do sistema penitenciário e a

gestão da unidade.

Entendendo a necessidade da compressão temporal dos fenômenos a serem analisados,

buscamos nos ater ao banco de dados sobre o sistema penitenciário, e, quando possível,

entrevistar funcionários do sistema que estejam em serviço há pelo menos 10 anos e conversar

e entrevistar presos que conheçam o sistema de longa data. Essa escolha nos permitiu uma

compressão da dinâmica do espaço, pensarmos e debatermos possíveis mudanças na unidade.

Outra técnica utilizada foi a observação participante. Pois a vivência do pesquisador

dentro da unidade como professor permitiu o envolvimento e intimidade com os grupos que

compõem o universo prisional. Diversas conversas informais foram realizadas durante a

32

pesquisa além de parcerias, alianças e conflitos.10 O período de observação com vias à

elaboração de pesquisa se deu prioritariamente no ano de 2014. Contudo, registramos aqui as

transformações ocorridas no presídio durante o período de 2010 até 2014.

As fotos que compõem o trabalho são de diversas autorias, do autor da pesquisa ou

cedidas por funcionários do sistema penitenciário nestes 4 anos de trabalho na instituição.

Possuímos um grande banco de dados de fotografias digitais. Em geral, as fotografias que

foram disponibilizadas são aqueles que a gestão quer disponibilizar, lembrando que não

conseguimos acesso a todas os espaços da prisão neste último momento da pesquisa e nem

conseguimos realizar todas as fotografias que gostaríamos.

Os mapas aqui produzidos foram em geral de autoria do mestrando, com a colaboração

do Google Earth e softwares de manipulação de imagens. A Carta Imagem com as

coordenadas em UTM dos presídios do CRC foi gerada por um colega mestrando, o geógrafo

Rosinaldo Barbosa. Outros mapas tiveram como base o Google Earth ou a Prefeitura de

Cuiabá e foram manipulados pelo autor.

Todas estas estratégias de estudo, associadas a nossa presença constante no ambiente

de estudo como funcionário da educação inserido no espaço penitenciário, permitiram-nos

que criássemos uma compreensão do objeto de estudo a ser analisado. Ressaltamos que as

técnicas utilizadas estão subordinadas ao essencial, que é a análise crítica e estabelecermos as

relações que expliquem os fenômenos na microescala da prisão.

10Durante nossas pesquisas em Agosto de 2014, fomos advertidos pela Direção Adjunta da Unidade para

pararmos de andar pela unidade e não tirar fotografias sob nenhuma condição. Em Abril de 2014 obtivemos

junto a Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária autorização para tal finalidade, mas preferimos ir mais

devagar nas pesquisas desde a advertência.

33

2.0 A GEOGRAFIA E SUAS DIMENSÕES.

Existe na geografia uma abrangência enorme de fenômenos a serem estudados e a

nossa cultura de especialização leva muitos pesquisadores a dividirem essa ciência em duas, a

geografia física e a geografia humana. Piere George (1973 apud SÁ, 2009, p.1) foi um dos

grandes geógrafos do século XX e ensina com o enunciado abaixo a necessidade de

incluirmos sempre a dimensão humana na geografia.

...só há geografia porque há homens na terra. A geografia só interessa na medida em

que ajuda a compreender como os homens nela vivem, nela podem sobreviver,

apesar da sua curta dimensão e seus conflitos.

Dentro do corpo teórico da ciência muitos estudiosos debatem esta separação, como

Ruy Moreira, Massimo Quaini, Nelson Sodré, Antonio Vitte, entre outros. Existe um debate

profundo acerca da epistemologia e metodologia da geografia sobre qual o seu papel, seu

propósito e quais as metodologias que deve seguir. Muitos desses debates estão inseridos

dentro do contexto das ideologias que cada pesquisador segue.

Graças à abrangência da geografia é possível estudamos com precisão fenômenos que

vão desde a microescala do homem dentro da cela, objeto de nosso estudo, no suor do dia a

dia, até as relações de poder que constroem o espaço prisional pelo Estado, ou ainda

relacionarmos as prisões e as estruturas de poder internacional que as regulamentam e buscam

a sua privatização. A geografia, sem dúvida, estuda relações no espaço, fluxos e pontos como

assinala Lívia de Oliveira (2004):

Outros estudiosos dizem que não fazemos nada, porque fazemos tudo. É mesmo essa

nossa finalidade. Por que nós estudamos relações. Como relaciona o clima com a

população e a cidade; como que relaciona o relevo, as montanhas com o

desenvolvimento econômico. Nós estudamos as relações e nos aprofundamos

(Professora UNESP/Rio Claro/SP. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=YktYwin3sk0. Acesso 27/04/204

A geografia através dos conceitos de espaço, lugar, território, produção e reprodução

do espaço contribui significativamente para decifrar a formação espacial e permite

analisarmos como as penitenciárias se relacionam com a cidade e a sociedade, produzindo

seus territórios. A geografia situa-se em uma localização privilegiada para decifrar os

fenômenos sociais, pois como afirma Frémont (In Morin, 2002, p. 143):

Num mundo complexo, a geografia pode dar uma contribuição para o deciframento

das combinações e dos sistemas, abrindo-se para novas exigências sem esquecer

totalmente o passado. [...]... pode ser uma abertura para o conjunto das ciências

humanas e sociais, conservando uma relação privilegiada com as ciências humanas.

34

Os conceitos na geografia são dinâmicos e dependem dos paradigmas ao qual estão

submetidos. Existindo contudo aqueles conceitos recorrentes na geografia, esses são seus

conceitos balizadores; são conceitos que nasceram após inúmeros debates teóricos sobre as

práticas espaciais. Nos auxiliam a entender o mundo, a sociedade e o ser humano no contexto

do espaço. Esses conceitos são: o de espaço geográfico que se desdobra nos conceitos de

território, região, paisagem e lugar.

No presente trabalho nos deteremos principalmente sobre conceitos de espaço,

território e territorialidade, ambos entrelaçados e apoiando-se mutuamente. Escolhemos

analisar o espaço prisional por esta ótica, não por aleatoriedade, mas porque nesses conceitos

estão presentes a essência da ciência geográfica e, como dito anteriormente, a partir do

conceito de espaço surgem todos os outros. Teremos assim uma coerência nos estudos a partir

de um entrelaçamento entre espaço e território, buscando os autores com a mesma base

teórica e mesma linha metodológica e epistemológica como David Harvey, Milton Santos,

Ruy Moreira, Michel Foucault entre outros que mantém posicionamento crítico.

Diversos autores, ao conceituar território, o relacionam as seguintes questões: poder,

micro poder, territorialidades, micro territorialidades, temporalidades, fronteiras, limites,

zonas ao redor dos limites, acesso e controle do acesso, as dimensões culturais, políticas e

econômicas. Desta forma, o conceito de território se faz importantíssimo e muito nos ajuda a

entendermos o espaço prisional, onde as fronteiras, acessos, limites e a disputa cruel pelo

poder se faz presente, chegando a conflitos que ficam densos no ar.

Não queremos dizer com isso que outros conceitos não podem trazer dimensões

importantes da vida prisional. Sem dúvida, se nos atentarmos para o conceito de lugar, muito

teremos a escrever e estudar sobre a vida das pessoas que ali vivem, criam suas relações

sociais e subjetivas, identidades e referências. Estamos desta forma realizando um recorte

teórico e nos focando na dimensão do espaço prisional que mais nos chama a atenção que é a

realidade da disputa pelo poder e como elas são criadas e determinam o cotidiano, a

hierarquia e a territorialidade dentro da penitenciária. Portanto o espaço dentro do presídio

não é homogêneo, se constituindo de segregações, assim como na sociedade externa aos

muros, num espaço desigual, onde aqueles que possuem renda e poder têm privilégios dentro

dos presídios, principalmente quando em associação com o poder público fragilizado, sem

gestão adequada e viciado em práticas corruptas.

35

Importante também é reforçarmos a noção de que a escala que abordaremos neste

trabalho abarca um debate muito importante dentro da geografia, para realizarmos a pesquisa

e estarmos cientes dos fenômenos que vamos abordar. Aqui abordaremos duas escalas: uma

que envolve diretamente o corpo, os homens presos e outra – a prisão em que eles encontram-

se. Marcelo Lopes de Souza chama essas escalas de “Escala do Corpo” e a “Escala dos

Nanoterritórios”. O autor indica não ser comum na geografia pesquisas com a escala do corpo

humano. Contudo, com base em Smith que diz: “o primeiro sítio da identidade pessoal, a

escala do corpo, é socialmente construído” (1993 apud Lopes de Souza, 2010, p. 200), seria a

partir daí então que as outras escalas passariam a ser construídas.

2.1 Categoria de Análise: O Território e as Territorialidades.

Como abordado anteriormente as teorias são resultado de muito debate, pesquisa,

esforço dos cientistas. A definição de um conceito é um longo processo de construção. Na

ciência geográfica os estudiosos, entre eles CORRÊA (1994), definem alguns conceitos como

sendo os cinco conceitos-chave da geografia: paisagem, região, espaço, lugar e território,

sendo que o significado é um debate imenso dependendo da corrente de pensamento do

pesquisador.

Um dos pontos mais importantes no estudo da Geografia é o fato do ser humano não

ocupar o espaço de forma homogênea: ele cria e recria sobre o espaço diferentes práticas

sociais. Enquanto sociedade, os seres humanos expõem suas escolhas no uso e ocupação do

espaço, sendo as relações de poder social demarcadas no uso do espaço, limitando,

controlando acessos, permitindo privilégios ou gerando segregações. Nas palavras de Sá

(2009, p.19):

Longe do discurso vazio do fim da história, da homogeneidade cultural

antropofágica e antropocêntrica, usamos e vivemos cotidianamente o território de

forma diferenciada, não somente considerado os condicionantes ambientais, mas,

acima de tudo, revelando dissimetrias econômicas, sociais, políticas e culturais,

como grafias sintagmáticas da terra, que nos impelem a refletir sobre o sentido da

humanidade, seus direitos e deveres historicamente “traçados”. (grifo nosso)

Santos (2012, p. 79) colabora com esta perspectiva ao afirmar que: “Os atores mais

poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para o outros.” É

neste sentido que abordamos o conceito de território neste trabalho, como se dá o controle do

espaço, as disputas e os privilégios para determinados grupos no espaço prisional.

36

Na análise do cotidiano do espaço prisional, os conceitos que nos ajudam e são

adequados a nossa abordagem são o de território e territorialidade essencialmente,

principalmente quando entendido em um viés não ortodoxo. Entendemos isso pois dentro do

rol de conceitos balizadores da geografia, o de território trata com intimidade do aspecto do

poder. O poder dentro do espaço prisional é disputado palmo a palmo. Neste sentido nos

socorre Oliveira (1997 apud Gawenad, 2011, p. 49):

O espaço é uma propriedade que o território possui e desenvolve. Por isso, é anterior

ao território. O território por sua vez, é um espaço transformado pelo trabalho, é,

portanto, uma produção humana, logo espaço de luta, de luta de classes ou frações

de classes. Por causa de todas as relações que envolvem, inscreve-se no campo do

poder, sendo, pois, o lugar da luta cotidiana da sociedade pelo seu devir histórico.

O território envolve a compressão de acesso, limites, fronteiras, controle de fluxo das

pessoas e o exercício da autoridade. Estes aspectos são de uma tangibilidade palpável dentro

da unidade prisional, sendo de extrema importância no cotidiano da vida prisional. O território

define o espaço onde as pessoas “moram” dentro da unidade, como moram e qual a sua rotina.

O cotidiano do preso é condicionado ao local onde ele mora dentro da unidade.

Este estudo busca ouvir os grupos sociais que produzem o espaço prisional.

Principalmente aqueles que ali permanecem cotidianamente, presos, agentes penitenciários e

funcionários técnicos (professores, técnicos administrativos, pessoal da saúde) e outros que

são fundamentais e compõem a vida prisional como por exemplo as visitas. Contudo nosso

foco é nos presos, sendo eles o público para o qual a unidade prisional existe e através da

trama vivida e projetada no espaço por estes que vamos abordar no território, lembrando

Gawenda (2001, p. 27):

Dessa forma o território não é produzido de maneira isolada. Ele decorre das

articulações estruturais e conjunturais a que esses indivíduos ou grupos sociais estão

submetidos numa determinada época, tornando-se, portanto, intimamente ligado ao

tempo e ao modo de produção vigente. Este aspecto processual de formação do

território constitui a territorialização.

Além da tradicional diferença conceitual entre território ortodoxo baseado na visão do

Estado como sujeito que produz e controla o território e o conceito de território não ortodoxo,

podemos encontra na literatura diversas perspectivas de território. Sem dúvidas o Estado está

presente quando pensamos o território prisional, através dos seus agentes penitenciários, do

corpo técnico, da gestão da unidade, da legislação, do poder Judiciário, etc. Mas deve-se

destacar que o poder exercido pelo Estado não está só. Existem outros grupos e forças

atuando no espaço. Existe um importante arranjo político, administrativo e cultural dos presos

para compor a vida prisional.

37

Podemos encontrar em Haesbaert e Limonad (2007, p.46) uma excelente síntese sobre

o conceito de território. Este pode ser visto de diferentes formas dependendo da perspectiva

com que os diferentes autores pretendem ver o território.

— política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativa

também a todas as relações espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida,

onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se

exerce um determinado poder, na maioria das vezes — mas não exclusivamente —

relacionado ao poder político do Estado.

— cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão

simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da

apropriação/ valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.

— econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão

espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou

incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como

produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo.

Ensina Saquete (2011, p. 22) sobre os processos de territorialização,

desterritorialização e reterritorialização que são relações dinâmicas e relativas pelas quais

passa o território, quando incluímos a variável tempo. A dinâmica e o movimento devem ser

objeto de estudo ao observamos o espaço através da lente do território. Há um jogo de forças,

conflituosidades, movimentos e interações na composição das territorialidades. Como afirma

Saquet (2001, p.23):

Como as territorialidades mudam em cada relação espaço-tempo, altera-se também o

território, contendo aspectos do passado, comuns e diferentes em relação a outros

territórios, ou seja, o território substantiva-se por meio de desigualdades, diferenças,

identidades, mudanças e permanências das socioespacialidades.

Esta mudança na abordagem geográfica de território para uma perspectiva que inclui

as territorialidades é reflexo de uma mudança de paradigma na Geografia, segundo Saquet

(2011, p. 33): “A reorganização da Geografia também passa pela revisão do conceito de

espaço geográfico: de uma concepção centrada no seu caráter absoluto para o destaque e a

caracterização das reações de classe.” Uma mudança de um espaço absoluto para um espaço

relacional sem dúvida está baseada nas mudanças metodológicas, epistemológicas e

ontológicas que a geografia crítica trouxe para o debate a partir dos anos 1960 e 1970 do

século XX principalmente. Contudo, não podemos deixar de mencionar que no campo das

ciências físicas esses processos começam com Einstein, ao defender a relatividade geral

publicada em 1915, que abalou o mundo científico, colaborando para mudar os paradigmas

científicos, saindo de uma percepção em alicerces absolutistas, para uma ciência onde existe o

relativo. Gawenda, (2011, p. 26) traz uma definição de Robert Sack (1986) que indica esta

relativização do conceito de território:

38

Sack (1986) entende a territorialidade como a tentativa de um indivíduo ou grupo

social de influenciar, controlar pessoas, recursos, fenômenos e relações, delimitando

e efetivando o controle sobre uma área. A territorialidade é fruto das relações

econômicas, políticas e culturais, por isso, se apresenta de diferentes formas,

imprimindo heterogeneidade espacial, paisagística e cultural. Para ele,

territorialidade é uma expressão geográfica do exercício do poder em uma

determinada área e essa área é o território.

“O território é fundado em comportamentos humanos que envolvem a comunicação, a

cooperação e a troca, formas de socialização em dada formação territorial” Saquet (2011,

p.36). Paul Claval (1979) também ensina a importância da comunicação, das redes e nós que

se formam dentro do território para sua consolidação e maior ou menor adesão ao comando do

poder central.

Para o autor Haesbaert (2002), o território surge quando, dentre outros, um indivíduo

ou grupo de indivíduos busca atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e

relacionamentos em determinada área geográfica. Criando ainda alguns tipos especiais de

territórios: os territórios-zona, onde prevalece a lógica política; os territórios rede, onde

prevalece a lógica econômica e os aglomerados de exclusão, onde ocorre uma lógica social de

exclusão socioeconômica das pessoas. Outro autor importante para nossa compreensão sobre

o território é Marcelo Lopes de Souza (2013, p.87-88) que deixa claro como o poder está na

essência do que seja o território para geografia:

Não há influência que seja exercida ou poder explícito que se concretize sem que

seus limites espaciais, ainda que às vezes vagos, igualmente sejam menos ou mais

perceptíveis. […] Mais uma vez: o que “define” o território, em primeiríssimo lugar

é o poder. Ou, em outras palavras, o que determina o “perfil” do conceito é a

dimensão política das relações sociais, compreendendo essa dimensão no sentido de

o político. […] Isso não quer dizer que a cultura (o simbolismo, as teias de

significado, as identidades…) ou a economia (o trabalho, os processos de produção e

circulação de bens) não sejam relevantes…

A criação, apropriação e transformação de um território é um processo complexo que

envolve diversos e diferentes agentes sociais, ficando claro que o processo é relacional e que

depende do tempo como uma variável essencial para compreensão dos processos de

territorialização. Os territórios são construídos e desconstruídos ao mesmo tempo: isso é

ponto pacífico dentro das ciências sociais.

Considerando os conceitos de território já abordados, entendemos que é importante

explorar o tema da territorialidade e da temporalidade, lembrados por Saquet (2001, p.77 e p.

72) que:

No intuito de facilitar a compreensão, dividimos as temporalidades e as

territorialidades, porém, ambas ocorrem ao mesmo tempo, ou seja, são

multidimensionais, econômicas, políticas, culturais e ambientais.

39

São em síntese, elementos e processos econômicos, políticos, culturais e naturais

que consubstanciam os territórios, dessa forma, auxiliam na ampliação-reconstrução

de nossa concepção multidimensional, histórica-crítica e relacional-reticular,

especialmente a partir das noções de apropriação, intercomunicação, concentração,

centralidade e assimetria.

A territorialidade traz consigo uma significação para o espaço, estando diretamente

relacionada ao tempo e em como se constrói este significado de controle e dominação do

espaço. No espaço prisional onde a disputa pelo poder é intensa, estes conceitos nos ajudam a

ler as dinâmicas que acontecem. Sobre isso Robert Sack (apud Haesbaert, 2007, p. 6776) nos

auxilia:

A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar

e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter parte do contexto

geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de

significado…

O território e as territorialidades são importantes conceitos para compreensão da

prisão, pois ao observarmos os espaços dentro do CRC, pode-se observar com facilidade que

estes são divididos. As igrejas evangélicas, que atuam no presídio, em comunhão com a

gestão da unidade, assumem o controle do espaço prisional, impondo rotinas, regras e acessos

às assistências garantidas em lei.

O tempo e como este é vivido é uma das questões fundamentais para os presos: suas

penas são estabelecidas em anos, meses e dias. A permanência do sujeito dentro da unidade

prisional é consequência de um determinado cálculo da pena jurídica aplicada. Esse tempo

vária de caso para caso específico. O tempo e como ele é vivido é uma das questões mais

importantes dentro das unidades prisionais, pois muda muito dependendo das condições de

vida que esse preso possui na unidade prisional.

Todo esse conjunto de relações territoriais e temporais dentro da unidade prisional é

fruto de diversas forças materiais, econômicas e históricas que agem no espaço prisional. Para

nos ajudar a entender essas relações territoriais destaca-se que o território aqui é considerado

como um espaço definido por um conjunto de relações: jurídico-política (poder), culturais e

econômicas, todas se sobrepondo.

Nossa compreensão é baseada na concepção materialista-histórica da sociedade e

consequentemente do espaço por ela produzido, tanto socialmente quanto dialeticamente.

Trazendo esta abordagem das territorialidades, queremos contemplar neste trabalho uma

perspectiva sobre o conceito de território que não seja ortodoxo. Pretendemos argumentar que

outros grupos como as igrejas e as lideranças dos presos criam territorialidades, não sendo um

40

papel exclusivo do Estado. Na verdade, nosso discurso vai no sentido de deixar claro como o

Estado deixa lacunas dentro das prisões e outras entidades organizadas controlam o espaço,

produzindo suas regras, culturas, dinâmicas e hierarquias.

41

3.0 AS INSTITUIÇÕES PRISIONAIS

Consideramos importante nos atermos a algumas questões centrais ao entrarmos no

universo penitenciário, pois somos bombardeados por diversos termos, normas, regras, a

legislação penal e a cultura local. Neste ponto do trabalho, queremos debater algumas destas

normas e deixar claro alguns termos utilizados, a fim de entendermos melhor o universo

prisional. Aqui vamos apresentar algumas considerações sobre este processo de privação de

liberdade. Queremos com isso facilitar a compreensão de nossa análise e de nossos

apontamentos e críticas sobre o cotidiano da vida prisional. Ensina Sá (2009, p. 152) sobre a

relação entre direito e geografia que:

…não existe geografia sem as ações sociais do Direito, por intermédio das suas

inúmeras aplicações normativas, tanto na esfera pública quanto privada, e a “boa”

aplicação da norma, sua “relativa” aplicação, ou mesmo a não aplicação da norma

[…]

As normas de direito são indicativos imperativos do poder constituído para regular a

vida em sociedade. São estas que apresentaremos neste capítulo prioritariamente, lembrando

que existem normas de poderes paralelos convivendo no espaço prisional que serão objeto das

análises em outros capítulos.

Resumindo a postura da legislação brasileira segundo o jurista Barros Leal (1998,

p.36-40), são três as funções primordiais associadas às prisões:

Retribuição - a prisão proporciona ao infrator um castigo, além de uma resposta à

sociedade e àqueles diretamente prejudicados pela infração cometida; Intimidação -

a existência da prisão representa uma ameaça inibidora a potenciais infratores;

Ressocialização - a prisão possibilita ao infrator passar por um processo de

reeducação e ressocialização, afastando-se da delinquência por uma rotina de

trabalhos, exercícios e regras disciplinares;

Incapacitação - a reclusão de infratores garante a proteção do restante da sociedade

ao impedir que estes venham cometer novos crimes.

Deve-se destacar que destas três funções a que vem sendo mais concretizada é a da

Retribuição e Incapacitação. A Ressocialização é ainda um tema recente e na prática se

mostra mais um recurso de discurso do que de práticas efetivas. A legislação brasileira com

base na Constituição Federal (1988) e nos Direitos Humanos (ONU, 1948) prevê através da

Lei de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 várias formas possíveis para

condenação dos detentos, após serem presos e julgados: a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de

42

direitos. Podendo até ser duas destas comutativamente (Art. 5º inciso XLVI.CF/88). Sendo

vedadas pelo Art. 5º inciso XLVII penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos

termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e)

cruéis. Neste trabalho o nosso interesse são penas privativas de liberdade.

A atual Constituição Brasileira promulgada em 5 de Outubro de 1988 inclui uma longa

lista de direitos e liberdades que cada cidadão brasileiro possui. Os direitos e liberdades

fundamentais são definidos como base do Estado Democrático de Direito e a Constituição

prevê a promoção dos direitos humanos. Segundo a ONU, os direitos humanos são princípios

básicos que regem as relações entre os serem humanos. O discurso de que os direitos

humanos são importantes e devem ser respeitados entrou em cena no Brasil após a ditadura

militar, mas até o momento atual ainda não ganhou a dimensão prática necessária.

Através do devido processo judicial estabelecido pelo Código de Processo Penal

(Decreto-Lei nº 3.689/1941), o juiz estabelece as penas, com base principalmente no Código

Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940) entre outras legislações pertinentes. É bom

ressaltar que existem diversas teorias (doutrinas jurídicas) do direito que atuam para justificar

uma pena, sua dosimetria e a compreensão do juiz sobre os fatos, como toda ação humana

está construída em ideologias. O processo legal é acompanhado pelo Ministério Público e por

advogados de defesa que são partes essenciais no trâmite penal.

Existindo a condenação, o preso pode recorrer a outras instâncias, conseguir ou não

anular o processo, diminuir pena ou manter a mesma. O objeto de estudo de nosso trabalho é a

pena de privação de liberdade. Esta se subdivide em outras categorias. A pena de reclusão

(privativa de liberdade) deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto, ou aberto: essas

são as subcategorias da pena. O tempo de condenação que o juiz atribui também é

fundamental para sabermos em que espaço o sujeito deve cumprir a pena. Veja no quadro 1

abaixo o resumo sobre os tipos de regime.

Quadro 1 - Regimes prisionais e seus espaços. Baseado na Lei 7.210/84.

DIFERENÇA DE REGIMES E SEUS ESPAÇOS Regime Fechado Penitenciárias, Cadeia Pública ou Hospital Psiquiátrico e Casas de Custódia. Regime Semiaberto Colônia Agrícola, Industrial ou estabelecimento similar; Regime Aberto Casa de Albergado ou estabelecimento adequado.

Já o quadro 2 abaixo mostra como o tempo de pena influencia no tipo de regime a ser

adotado.

43

Quadro 2 - Tempo de Reclusão. Baseado na Lei 7.210/84.

TEMPO DE PENA E ESPAÇO DE RECLUSÃO Pena superior a 8 (oito) anos. Regime fechado Não reincidente, cuja pena superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8

(oito).

Regime semiaberto

Não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Regime aberto

O sistema prisional brasileiro é estruturado segundo um modelo que prevê a

progressão de regime, visto que o sujeito deve voltar gradativamente ao convívio social.

Nesse processo deve ter o acompanhamento de técnicos: de saúde, assistência social e

jurídica. Esse corpo técnico deve produzir pareceres e encaminhá-los aos juízes de execução

penal e seus advogados, servindo para auxiliar a decisão judicial, quanto a progressão ou não

de regime.

Na prática o processo de progressão de regime não existe, pois, em geral o preso sai do

regime fechado para o aberto diretamente, não seguindo as normas. Podemos constatar isso

em todas as penitenciárias de Mato Grosso. Os motivos são vários como: a falta de espaço

para acomodação, falta de uma política de acompanhamento do preso11, descaso com o

sistema prisional, superlotação das casas de albergue, etc.

A Lei de Execução Penal (nº 7.210/84) traz no seu Art. 1º: “A execução penal tem por

objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições

para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Vamos apresentar apenas

alguns de seus aspectos mais relevantes para uma compreensão básica do que traz a norma no

que tange os espaços de privação de liberdade.

Segundo a Lei de Execução Penal (LEP/7.210, 1984), no Art.82: “Os estabelecimentos

penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e

ao egresso”. Entender a classificação dos reclusos é fundamental para sabermos para a qual

espaço estes presos devem ser destinados. O espaço de privação de liberdade depende da

modalidade de condenação. Sabemos que na prática o sistema penitenciário hoje não segue

esta legislação, reunindo nos mesmos espaços presos provisórios, condenados e os com

medidas de segurança. Esclarecendo os termos, veja o quadro 3 abaixo:

11Em julho de 2014 algumas tornozeleiras eletrônicas começaram a chegar em Mato Grosso para o

acompanhamento dos presos no regime semiaberto.

44

Quadro 3 Definição de termos sujeitos privados de liberdade. Baseado na Lei 7.210/84.

DEFINIÇÃO DOS TERMOS Preso Condenado Sujeito foi condenado por decisão judicial. Preso Provisório Sujeito não foi julgado, com prisão preventiva e poderá ser absolvido em

julgamento. Medida de Segurança Quando o sujeito apresenta algum problema de saúde mental, declarada

em juízo e que o impede do convívio social. Egresso O liberado definitivamente da instituição prisional. Até um ano depois de sair do

estabelecimento. Ou aquele liberado condicional, durante o período de prova. No quadro 4 abaixo apresentamos os diferentes espaços de privação de liberdade,

segundo a condenação. Embora a legislação indique a necessidade da separação entre presos

provisórios e condenados, “O preso provisório ficará separado do condenado por sentença

transitada em julgado” (Art. 84 LEP/84). A realidade, no entanto, é bem diferente. Os presos

condenados e provisórios convivem no mesmo local. Sendo mais específico, os presos

condenados deveriam ser encaminhados para as Penitenciárias. “A penitenciária destina-se

ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.” Já os provisórios para a Cadeia

Pública. “A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios”. (Art. 84 e 102

da LEP/84.)

Quadro 4 - Espaços de provação de liberdade por regime de condenação.

OS ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE REGIME DA CONDENAÇÃO ESPAÇOS

Preso condenado em regime fechado. Penitenciária. Preso por Medida de segurança, os considerados

inimputáveis e semi-imputáveis.

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

Preso Provisório. Cadeia Pública. Preso que cumpre a pena em regime semiaberto. Colônia Agrícola, Industrial ou Similar. Preso em regime aberto. Casa do Albergado, onde o preso passa as noites e o

fim de semana, trabalhando durante a semana e durante

o período diurno.

Existe a figura da prisão preventiva quando o preso encontra-se em prisão provisória.

Em geral temos essa realidade quando o sujeito é preso pela polícia e encaminhado à

delegacia. O delegado com base na lei pode ter motivos para mantê-lo detido sob sua custódia

e um juiz deve ser prontamente avisado. A prisão provisória não precisa ser através de

mandato judicial, quando em flagrante. Caso contrário, toda prisão preventiva é com mandato

judicial. Sendo a pessoa presa, esta tem o direito de ingressar com Habeas Corpus em juízo e

buscar responder ao processo em liberdade.

No fim do processo penal e de progressão de regime, o preso recebe o seu alvará de

soltura definitivo. Segundo a lei existe a figura do Patronato (um dos órgãos de execução

penal) que deve acompanhar o sujeito e sua família por no mínimo um ano para que o mesmo

45

não retorne à prática delitiva. No Estado de Mato Grosso o primeiro Patronato foi

estabelecido no ano de 2011, com atraso de 27 anos em relação à lei e sua eficiência não foi

percebida no meio dos funcionários, agentes e professores que trabalham no sistema

penitenciário, pois esta instituição deve acompanhar os presos após a sua saída da prisão.

Contudo muitos dos presos com os quais convivemos diariamente saem da prisão e a ela

retornam sem ter qualquer contato com o Patronato.

A legislação brasileira é sem dúvida uma das mais avançadas do mundo no que tange

a questão penitenciária. A assistência prevista na Lei de Execução Penal resume-se aos

seguintes itens: a) Assistência material: alimentos, vestuário, instalações higiênicas;

produtos de higiene pessoal; b) Assistência educacional: instrução escolar e a formação

profissional como instrumento de valorização do ser humano e de reinserção social; c)

Assistência religiosa: liberdade de culto devendo ser facultada a participação nos serviços

organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa; d)

Assistência social: tem a finalidade de amparar o preso e o internado e prepará-los para o

retorno à sociedade; e) Assistência Jurídica: defensores públicos para acompanhar o

processo do preso na esfera judicial. Quando o preso é do sexo feminino existe ainda o direito

a cuidar do filho(as) durante o período de amamentação, (até 6 meses de idade). Não

abordaremos a realidades dos presídios femininos neste trabalho.

Alguns estudiosos indicam que o sistema penitenciário apresenta a característica de

apenas punir os marginalizados e excluir os sujeitos vulneráveis da sociedade por meio do

cárcere. E assim também é entendido por Zaffaroni (2004, p.76):

...o sistema penal cumpre uma função substancialmente simbólica perante os

marginalizados ou os próprios setores hegemônicos (contestadores e conformistas).

A sustentação da estrutura do poder social por meio da via punitiva é

fundamentalmente simbólica.

Tal situação não impede, porém que se inicie a experiência de evitar o máximo

possível o confinamento dos condenados, com o propósito de aperfeiçoar a pena de prisão,

quando necessária, ou de substituí-la quando aconselhável. As modalidades de penas

privativas de liberdade são: Reclusão, Detenção e Prisão simples (para as contravenções

penais), atribuída tão somente para segregar o indivíduo da sociedade, porém outrora eram

mencionadas como um mal necessário.

A falência da pena privativa de liberdade é um tema de diversos estudos no campo do

Direito e das Ciências Sociais em geral. Especialmente no que tange ao fato do sistema

46

penitenciário não atender, o que é proposto no processo de ressocialização, muitos juristas e

inclusive o CNJ (Conselho Nacional Justiça) indicam meios substitutivos penais para sanção

dos crimes menos graves, como as penas restritivas de direitos, as chamadas “penas

alternativas”. O discurso vai no sentido de evitar que o condenado sofra com o processo da

prisão por crimes considerado de “bagatela” no âmbito jurídico, tentando também oferecer ao

sujeito condenado uma chance na perspectiva de reeducá-lo.

O conceito de ressocialização e consequentemente o de reeducando merece um pouco

de nossa atenção. Em um trecho anterior o apresentamos numa visão positivista apresentada

pelo jurista Barros Leal (1998), neste trabalho usamos este termo como uma referência a

processos que humanizam o espaço prisional como atividades que retiram os presos do ócio:

trabalho e estudo e ações quem garantem um mínimo de civilidade no ambiente prisional

brasileiro.

A doutrina penal que prega que a ressocialização é hegemônica nos discursos de hoje

vem ganhando força desde meados dos anos 60 do século XX, no mundo todo. Zaffaroni, em

La filosofía del sistema penitenciario en el mundo contemporâneo, 1991, disseca as principais

teses sobre a doutrina penal do mundo contemporâneo. Segundo o autor, existem algumas

filosofias que norteiam o discurso penitenciário: a) “moral”, onde o delito e a louca são frutos

de uma existência desordenada que precisa ser colocada em ordem; b) “positivismo

criminológico”: aqui o sujeito criminoso é uma pessoa perigosa que precisa ser controlada,

filosofia esta que dialoga com um “positivismo biológico” que vê na biologia fundamentos

para a criminalidade; c) as “ressocializadoras”, que enxergam uma socialização fracassada e o

sistema deveria corrigir este erro. O autor critica esta última postura ao afirmar (1991, p.49-

51):

…la ressociazación se percebe cada día más como un absurdo; hace doscientos años

que las instituiciones totales vienen um efecto deteriorante y reproductor y, por

ende, nunca podrán ejercer uma verdadeira función preventiva. […] Ensinarle a

alguien a vivir em liberdad mediante el encierro, afirma con acerto um autor

argentino (Elbert) , es como pretender enseñar a julgar fútbol em un ascensor, o sea,

es um absurdo.

Zaffaroni vai tecendo uma análise muito rica e altamente competente do sistema

penitenciário que culmina na defesa de uma postura que julga ser possível: buscar ações que

consigam diminuir a vulnerabilidade dos presos, com educação, trabalho, acesso à justiça

entre outros. Isso ele chama de “trato humano reductor de la vulnerabilidade”. Concordamos

com o autor em todos os sentidos, inclusive podemos dizer que nestes 23 anos da publicação

47

de seu texto, uma parte das ações vem se desenvolvendo neste sentido, como o que aconteceu

no 6º Congresso das Nações Unidas. Reconhecendo a necessidade de buscar alternativas para

a pena privativa de liberdade, cujos índices de reincidência são altíssimos, foi proposta uma

urgente revisão. Essa proposta foi aprovada no 8º Congresso da ONU, realizada em 14 de

dezembro de 1990, sendo apelidada de Regras de Tóquio (OKADA,2010, p.25).

No Brasil a Lei 9.714/98 alterou o Código Penal em alguns pontos e introduziu a

prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de

semana, perdas de bens e valores, prestação pecuniária em favor da vítima, prestação

pecuniária inominada e a pena de multa como penas alternativas. O jurista Fernando Capez

(2010, p. 426) indica que com essas mudanças o legislador quis garantir:

a) diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os custos do sistema

penitenciários;

b) favorecer a ressocialização do autor do fato, evitando o deletério ambiente do

cárcere e a estigmatizacão dele decorrente;

c) reduzir a reincidência, uma vez que a pena privativa de liberdade, dentre todas, é

a que detém o maior índice de reincidência;

d) preservar os interesses da vítima.

A ideia é clara, pois traz no seu conteúdo a proposta de evitar a superlotação dos

presídios e a exposição dos sujeitos que cometeram pequenos crimes no mundo do crime.

Contudo esse instrumento ainda é pouco usado por muitos juízes e continuamos com um

cenário de muitos presos sendo condenados ao regime fechado. O tema é delicado. Juízes

alegam a falta de controle das penas alternativas. Muitos Estados não possuem

acompanhamento adequado por parte do poder executivo do cumprimento destas penas

alternativas. Já outro motivo para poucas sentenças de penas alternativas é o fato de existirem

muitos juízes conservadores.

É importante destacarmos os principais trabalhos científicos que tratam da questão

penitenciária e ressaltar a existência de poucos trabalhos encontrados no âmbito da geografia.

Apresentaremos aqui os principais trabalhos que serviram de base para nosso entendimento

do universo penitenciário, lembrando que, conforme bibliografia apresentada, o leque de

trabalhos sobre o tema é grande, contudo em sua grande maioria com foco nas áreas jurídicas,

começando a ganhar corpo os trabalhos acadêmicos sobre o tema da educação e direitos

humanos nas prisões.

O tema foi abordado de forma magistral por Foucault em Vigiar e Punir (publicado

originalmente em 1975), tornando-se o livro clássico sobre as prisões, onde o autor investiga

48

cem números de documentos, relatos, livros e diversos textos desde o período medieval,

construindo uma genealogia da prisão. O autor fornece dados e interpretações que serão

sempre importante neste tema. Outro trabalho que foi fundamental em nossa compreensão do

universo prisional foi o livro História das prisões no Brasil (publicado em 2009), publicação

que vem esclarecer muito sobre as nossas prisões e colabora de forma ímpar para

compreendermos como as prisões são organizadas, construídas e geridas. A obra foi

organizada pelos autores Clarisse Nunes Maia, Flávio de Sá Neto, Marcos Costa e Marcos

Luiz Bretas. Estas duas obras citadas formam a base para nossa compreensão do sistema

penitenciário. Com Foucault podemos compreender a essência das prisões e qual o papel que

ela exerce em nossa sociedade burguesa capitalista. Com o trabalho dos pesquisadores

brasileiros em História das Prisões no Brasil, conseguimos situar o processo de incorporação

no discurso e na prática brasileira de construções de prisões e a cópia dos projetos

internacionais, os motivos estruturais e de formação de nossa sociedade colonial escravocrata

e depois da industrialização tardia e desigual que leva ao cenário das prisões que temos hoje.

Com enfoque em Geografia encontramos três trabalhos de pós-graduação: dois de

mestrado e um de doutorado. Entre os trabalhos de dissertação está o trabalho de Raimundo

Ferreira de Arruda: Por uma Geografia do Cárcere: Territorialidades nos pavilhões do

Presídio Professor Aníbal Bruno – Recife-PE, trabalho interessante, que investiga a prisão

de forma mais parecida com a que desenvolvemos neste trabalho aqui em MT. Em busca de

entender os poderes que agem no espaço, o trabalho foi orientado pelo Professor Prof. Dr.

Alcindo de Sá. Outra dissertação é de Karina E. Fiorante, O Espaço Carcerário e a

Reestruturação das Relações Socioespaciais Cotidianas de Mulheres Infratoras na

Cidade de Ponta Grossa/PR, cujo foco é na família das presas e seus vínculos externos. O

universo das prisões femininas é absolutamente diferente do das masculinas. O doutorado de

Ana Maria Hoepers Preve, com o trabalho Mapas, prisão e fugas: cartografias intensivas

em educação, cujo foco é o aprendizado de Geografia na prisão feminina de

Florianópolis/SC. Todos estes trabalhos articulam a investigação espacial geográfica com as

prisões, sendo importantes para nossa investigação. São ainda pouco os debates e trabalhos

que realizam esta abordagem, o que os torna ainda mais interessantes. Destacamos que alguns

desses trabalhos concentraram esforços demais em detalhes da percepção dos presos e

familiares sobre o lugar, como consta o trabalho de Karina E. Fiorante, e não investigaram a

49

fundo o que consideramos mais significativo: a reprodução das desigualdades no espaço

prisional.

Alguns trabalhos de Arquitetura Penal nos foram muito úteis para entendermos os

discursos sobre as prisões materializados em projetos, discursos estes que se preocupam quase

que exclusivamente com a segurança e muito pouco com os projetos de ressocialização e a

assistência ao sujeito preso. Os projetos de arquitetura prisional refletem um descaso com

todos os seres humanos ali presentes, sejam eles presos ou funcionários do sistema

penitenciário. Destacam-se, entre eles: O Edifício Inimigo: A Arquitetura de

Estabelecimentos Penais no Brasil, dissertação de Flavio Agostini na UFMG; e Augusto

Cristiano Prata Esteca com Arquitetura penitenciária no Brasil: análise das relações entre

a arquitetura e o sistema jurídico-penal apresentando na UnB.

Temos muito o que avançar sobre o tema da arquitetura penal no Brasil. Embora

devamos reconhecer que esforços estão sendo realizado pelo Ministério da Justiça e por

pesquisadores de algumas universidades, ainda estamos longe dos países mais avanços nesse

setor. No portal <http://portal.mj.gov.br/depen> podemos observar que o Ministério da

Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), vem premiando

monografias cujo tema sejam estudos nas questões penitenciárias. Outra contribuição que

começa a ser realizada é o site http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php, organizado

pelo Conselho Nacional de Justiça, que concentra dados das inspeções dos estabelecimentos

penais, ainda muito incipientes e com metodologias duvidosas, mas é um esforço. O nome do

Projeto é Geopresídios.

Figura 2- Imagem do site Geopresídios. Fonte: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistema-carcerario-e-

execucao-penal/geopresidios-page. Acesso em 31/08/2014.

Em outros países, como na Islândia, por exemplo, foi realizado um concurso

internacional para se decidir qual projeto de unidade prisional construir. Isso traz o debate e

50

faz com que competentes arquitetos projetem espaços de qualidade. Aqui ainda estamos longe

de alcançarmos este nível de envolvimento social nas prisões.

Os trabalhos citados e as referências no site do DEPEN e do CNJ acima foram

importantes para esclarecer quais as prioridades planejadas para o espaço prisional no Brasil.

Destacamos o trabalho de Augusto C. P. Esteca (2010) que enfatiza a arquitetura prisional

através do discurso jurídico, trazendo as contradições entre este a realidade, um trabalho

fenomenal, que nos ajuda a compreender a realidade que vivenciamos dentro da unidade. Já

Flavio Agostini (2002) vai realizar uma crítica do desenho e morfologia das prisões ao

considerar que as mesmas apenas servem aos interesses de segurança, além de realizar uma

meticulosa análise dos principais projetos penitenciários do País.

As unidades penitenciárias desse País raramente foram objeto de estudo, por diversos

motivos. Contudo acreditamos que trata-se de um afastamento acadêmico da vida do povo, de

todos que tem seus direitos negados, da falta de interesse naqueles que não fazem parte da

elite. Estudar, conhecer e pesquisar as penitenciárias exigem uma aproximação com um

mundo deixado de lado, excluído, apagado e se possível para muitos, apenas destruído. Essa

aproximação leva ao conhecimento de suas mazelas, contradições e problemas, o que nos leva

a um posicionamento político sobre sua situação e possíveis transformações, e isso nunca foi

objeto de preocupação da elite política do País, tanto que as políticas públicas nesse sentido

são muito recentes. Agora abra-se um universo a ser pesquisado, debatido e principalmente

transformado.

3.1 Gênese dos Espaços Prisionais.

Não é possível pensar em conhecer o espaço ocupado pelo ser humano sem relacioná-

lo a suas funções: sociais, simbólicas e os condicionamentos de sua formação e isso não é

diferente para o espaço prisional. Por isso vamos tratar de apresentar de forma sucinta a

gênese das prisões12. As prisões como as conhecemos hoje são instituições recentes na

formação da humanidade. Foram criadas dentro de um cenário específico da revolução

burguesa do século XVIII. Antes disso existiam as penas punitivas de suplícios ou banimento.

A reclusão em uma masmorra, a prisão ou os calabouços eram apenas temporários. A visão

12Na conclusão deste trabalho apresentamos nossa crítica a existência das prisões, indicando que apenas uma

transformação radical de nossa sociedade pode levar uma convivência justa e não reprodutora das desigualdades.

51

de penitência sempre esteve presente na ideia de prisão, lugar onde através do isolamento, da

privação de liberdade e do adestramento do corpo poderia ser modelado o comportamento dos

seres humanos. As prisões foram construídas para adestrar o corpo e o comportamento,

ensinar determinas lições e transformar os homens e as mulheres, impondo-os o ritmo da

máquina, entendendo o ser humano como ser que condiciona-se. Podemos ver isso através da

afirmação de Hannah Arendt (2001, p.160) que:

[...] se a condição humana consiste no fato de que o homem é um ser condicionado,

para o qual tudo, seja dado pela natureza ou feito por ele próprio, se torna

imediatamente condição para sua existência posterior, então o homem “ajustou-se” a

um ambiente de máquinas desde o instante em que as construiu.

Na Grécia Antiga e na Roma Antiga já eram aplicadas as penas de morte, entre outras

consideradas desumanas nos dias de hoje como: açoites, castigos corporais, mutilações,

escravidão, galés, entre outras. Essas penas existiram durante milênios nos sistema jurídico no

mundo ocidental. As prisões existiam, mas eram provisórias. Ali os presos ficavam até serem

condenados a alguns desses castigos. No período da Antiguidade que vai do século VIII a.C

até o ano 476 d. C, a pena começa a deixar de ser um instrumento particular de vingança para

se tornar uma forma de preocupação e intervenção do Estado.

No período chamado de Antigo Regime (Monárquico) e durante a Idade Média

(Feudal) até o final do século XVIII, o crime era considerado uma afronta ao poder do

soberano e dessa forma a punição era uma vingança do mesmo. Os castigos eram aplicados

em praça pública, com a função de deixar uma mensagem ao público. Segundo Foucault

(2011.p.47): “O suplício judiciário deve ser compreendido também como um ritual político”,

como ilustra a figura 3 a seguir.

Figura 3 - Gravura Pelourinho Rotativo: Exemplo de punição pública e corpórea.

Fonte: ESTECA, 2010, p.16

52

A cultura do medo e os suplícios não acabaram: ainda hoje as transgressões aos

direitos humanos e os castigos físicos são comuns nas penitenciárias. Na França o pelourinho

foi suspenso em 1789, mas as penas de suplício continuaram a ser aplicadas nos subsolos das

prisões até os anos 1970. (FOUCAULT, 2011).

No século XVI aparecem na Europa prisões destinadas às mulheres, mendigos,

prostitutas e pessoas de comportamento “imoral” para os padrões da época. O objetivo dessas

prisões era a segregação dessas pessoas da sociedade por um tempo determinado. Não existia

uma condenação judicial dos presos, mas sim o entendimento de que eles têm algum tipo de

desvio moral e por isso deveriam ser afastados do convívio social. Era praticada a prisão

arbitrária.

As prisões “modernas” nascem com a transformação da sociedade do séc. XVIII. São

mudanças de paradigma que envolvem as dimensões sociais, políticas, jurídicas e científicas,

criando uma nova postura frente ao direito penal e suas consequências. Foucault (2011, p.19)

afirma que: “Desaparece, destarte, em princípio do século XIX, o grande espetáculo da

punição física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor”.

Trata-se de uma nova economia do poder, onde é mais rentável e interessante vigiar e moldar

o comportamento do que punir.

A partir do século XVIII, os suplícios pouco a pouco saíram de cena. Principalmente

após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial Inglesa. O poder político era agora

exercido à luz de novos valores como "a liberdade, a igualdade e a fraternidade”. Os ideais

burgueses haviam tomado as rédeas do poder e redefiniram as formas de atuação dos

governos. Uma nova configuração política e econômica leva a uma nova configuração

jurídica. O Brasil nessa época vivia sobre o domínio português. Aqui a prisão era nos moldes

da antiga monarquia. As mudanças começam lentamente a partir do século XIX.

O Estado moderno se formou através de diversas transformações, Foucault (2000, p.

8) afirma como as prisões são parte deste processo de controle do Estado sobre os cidadãos:

Em Vigiar e Punir o que eu quis mostrar foi como, a partir dos séculos XVII e

XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da produtividade do

poder. As monarquias da Época Clássica não só desenvolveram grandes aparelhos

de Estado − exército, polícia, administração local − mas instauraram o que se

poderia chamar uma nova "economia" do poder, isto é, procedimentos que permitem

fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo continua, ininterrupta,

adaptada e "individualizada" em todo o corpo social. Estas novas técnicas são ao

mesmo tempo muito mais eficazes e muito menos dispendiosas (menos caras

economicamente, menos aleatórias em seu resultado, menos suscetíveis de

escapatórias ou de resistências) do que as técnicas até então usadas e que

53

repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos forçadas (desde o

privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara ostentação

(intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais violenta era o

castigo "exemplar", pelo fato de ser excepcional).

O discurso político contemporâneo de como e onde devem ser construídas as

penitenciárias está baseada em uma lógica da exclusão social, que no fim das contas reproduz

o processo de segregação espacial das cidades. As prisões são destinadas a determinada

parcela da população e não a todos. Em geral as prisões são espaços para a população de

baixa renda, os excluídos e marginalizados. Nesse processo de produção do espaço prisional

pelo Estado e sua relação com a cidade pode-se observar como o modo de produção e

reprodução econômica é simbólico e se reproduz. Seja no período colonial no Brasil ou das

colônias Americanas em geral, na idade contemporânea a prisão mantém uma forte relação

simbólica com a cidade e com os discursos que o poder quer manter. (FOUCAULT, 2011)

As penitenciárias enquanto objetos arquitetônicos nascem com o panóptico de J.

Bentham (1789), mas já existiam enquanto discurso político. Estudiosos e juristas burgueses

vão fazer discursos contra os suplícios. Segundo Foucault (2011) trata-se de uma mudança na

“economia do castigo”. Não se vai mais tocar no corpo e realizar suplícios públicos, mas entra

em cena uma nova abordagem. A privação da liberdade como castigo e reforma moral do

condenado através da disciplina do corpo e docilidade para o trabalho.

3.3.1 Espaço Prisional: Arquitetura e Disciplina.

O espaço é um elemento estruturante da vida. A condição humana exige que a vida se

dê em múltiplas dimensões e uma delas é a própria existência do corpo e sua materialidade.

Não podemos negligenciar a condição espacial do ser humano e como o planejamento (ou

omissão) do espaço físico configura-se como uma das principais preocupações do ser

humano. A humanidade, ao produzir o espaço, procura enfrentar seus problemas, satisfazer as

necessidades e criar ambientes adequados e vamos além disso: ao projetarmos e construirmos

também imprimimos nossa visão de mundo, como afirma Gunter Behnisch (2008 apud

Hauterberg, 2008, p. 34). “A arquitetura mostra o modo como lidamos com nós mesmos e

com o mundo. E não é apenas isso. Ela mostra nossa visão de mundo”.

Ao analisarmos os espaços de privação de liberdade (as prisões) no Brasil, podemos

ressaltar algumas das características e princípios que os regem: são espaços segregados, sem

condições mínimas de higiene e estrutura. Não temos um espaço que contribua, mas ao

54

contrário, ele impede e atrapalha o trabalho de (res)socialização. Essa arquitetura reflete a

cultura de segregação, marcando a exclusão e escondendo o que a sociedade não quer ver.

O Arquiteto Unwin (2013, p. 38) no mesmo sentido de Behnisch (2008) declara: A arquitetura, portanto, não é mera questão pragmática, mas deve ser vista antes

como manifestação da visão de mundo de uma pessoa e, por extensão, de uma

cultura ou civilização – o modo pelo qual elas entendem o espaço.

Quando focamos no projeto dos presídios, os projetistas estão diante de um grande

desafio. São muitos os aspectos a serem pensados para que possamos desenhar. Existe um

complexo programa de necessidades 13que envolve as celas, alas, setores de saúde, visitantes,

alojamento de guarda e dos agentes, espaço para trabalho dos presos, etc. Os aspectos

econômicos, culturais e tecnologias também devem ser levados em consideração quando

pensamos no projeto arquitetônico. Neste modelo econômico vigente, o que existe em geral é

a preocupação com máximo de economia de recursos financeiros para o máximo de

capacidade de presos, além dos aspectos culturais que nos levam a pensar a prisão em geral

com foco na insegurança, pois são espaços mediados pelo conflito e tensão. Isso coloca como

prioridade nos projetos dos espaços prisionais a segurança e a economia14 financeira e não

preocupação com as pessoas que ali viverão. Apresentamos na figura abaixo um resumo do

fluxograma de um projeto arquitetônico de uma prisão.

13Simplificadamente em arquitetura, um programa de necessidades é o conjunto sistematizado de espaços

necessários para um determinado uso de uma construção. 14 No Brasil a resolução nº 09, de 18 de novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária – CNPCP sugere que o máximo de m² que devem ser construídos por presos é de 15m² para todas

as atividades: dormir, comer, educação, trabalhar, religião, contando os espaços para todos os funcionários do

sistema penitenciário. Na Áustria o presídio estudado tem 113m² por preso no Complexo judiciário de Viena-

Áustria. Fonte:http://www.hohensinn-architektur.at/bilder/PDF_en_baumgasse__.pdf. Acesso em 29/08/2014.

55

Figura 4 - Fluxograma Geral de Penitenciária. Organização: ALMEIDA, G. 2014, baseado em

AGOSTINI,2002.

O planejamento arquitetônico do espaço prisional se dá em alguns pressupostos como:

a capacidade do presídio, sua localização, acessos, edificações próximas entre outros,

pressupostos muitas vezes ingênuos e desconectados da realidade, pois a dinâmica social é

intensa. Não existe um planejamento integrado entre os projetos prisionais, o planejamento

territorial das cidades, os projetos educacionais e de oferta ao trabalho na prisão. Com o

processo de encarceramento intenso no Brasil, observa-se a superlotação das prisões. E esta

acarreta algumas consequências, entre elas a ocupação de residências ao redor das

penitenciárias, dos familiares dos presos. Esses e outros processos de forte impacto territorial

merecem estudos aprofundados.

No interior dos presídios, ao consideramos a realidade material da ocupação das

prisões, a falta de treinamento dos agentes penitenciários, a superlotação, a falta de garantia

de acesso a direito a todos os presos, temos que o plano idealizado de ocupação e gestão da

prisão é subvertido, o que gera uma autogestão dos presos em parceria com a gestão da

unidade e com total conivência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

A arquitetura prisional tem em seu princípio como expoente o Panóptico, idealizado

pelo filósofo utilitarista Jeremy Bentham em 1787. O que ele faz é apresentar um projeto de

56

concepção puramente pragmática e instrumental do espaço. Usando a tecnologia da época,

cria um projeto que atende perfeitamente aos propósitos pretendidos pela sociedade burguesa

nascente. O projeto de uma penitenciária possui em sua essência preocupações que vão muito

além da segurança e da vigilância, ao desenhar o espaço, os acessos, limites, pontos de

encontro e os caminhos. Quando criamos espaços, estamos produzindo algo que contém

pontos de vista, ideologias e intenções.

Na obra Vigiar e Punir, Foucault (2011, p.189) observa ainda que:

... o panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico: é o diagrama

de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal; seu funcionamento,

abstraindo-se de qualquer obstáculo, resistência ou desgaste, pode ser bem

representado como um puro sistema arquitetural e óptico: é na realidade uma figura

de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico.

O espaço Panóptico induz o detento a um estado consciente e permanente de

visibilidade, o que assegura o funcionamento automático do poder. Trata-se de uma estrutura

simples, uma construção em anel. No centro uma torre, onde o vigia nela situado possa ver

sem ser visto. Na periferia da mesma estão as celas, cada uma atravessando a espessura da

construção, com duas janelas, uma para fora e outra grande voltada para a torre. A luz

atravessa todo o edifício. Veja figura 5 e 6 abaixo:

Figura 5 - O panóptico de Jeremy Bentham - Vista Interna. Fonte: http://apocalink.com.br/construcoes-sinistras-

os-panopticos-de-jeremy-bentham-as-crueis-prisoes-usadas-por-fidel-castro-origem-do-big-brother/. Acesso

26/07/2014

57

Figura 6 - O Panóptico - visão da torre central de inspeção - Penitenciária de Stateville, EUA. Fonte:

FOUCAULT, 2011.

Há uma crença absoluta na arquitetura como reformador da sociedade. Nas palavras de

Bentham (1843 apud Foucault 2011, p.196):

... reformar a moral, preservar a saúde, revigorar a indústria, difundi a instrução,

aliviar os encargos públicos, estabelecer a economia como que sobre um rochedo,

desfazer, em vez de cortar, o nó górdio das leis sobre os pobres, tudo isso com uma

simples ideia arquitetural. Após esta iniciativa do panóptico, outros propostas sugiram. Pode-se resumir as

respostas arquitetônicas aos anseios dos reformadores das prisões em três tipos morfológicos

básicos: retangular ou não radial (baseada em formas antigas), circular (incluindo as

poligonais) e radiais (predominante depois de 1790).

A forma e a rotina das penitenciárias sofreram alterações e influências de algumas

características típicas do sistema judiciário e da cultura de cada país. Como exemplo podemos

citar as alteração na Austrália em 1846, que estabelece o que ficou conhecido como sistema

progressivo inglês, apresentando três etapas para o cumprimento da pena: a) período da prova,

onde existe o isolamento completo, b) período com isolamento noturno e trabalho durante o

dia, em silêncio rigoroso e c) o período da comunidade, com liberdade condicional.

Em 1835, é implantado o sistema progressivo irlandês, acrescentando mais um período

ao anterior: preparação do recluso à vida livre, em prisões intermediárias. Essa fase do

sistema foi adotada pelo código penal brasileiro. Conhecemos este espaço como albergue, no

cumprimento da pena no regime aberto.

Outra inovação foi no ano de 1934, quando surge o sistema de Montesinos na

Espanha, que criou a forma de trabalho remunerado e o sentido regenerador da pena. A Suíça

aparece um tipo de prisão semiaberta, onde os condenados eram remunerados, trabalhavam ao

ar livre em zona rural, numa grande fazenda, com vigilância reduzida (hoje conhecidas como

58

colônias agrícolas). Todas essas diferentes modalidades de tratamento do preso e da vida

cotidiana nas prisões foram influenciando o sistema penitenciário brasileiro de alguma forma

e consequentemente a sua arquitetura e administração. O sistema penal brasileiro admite a

progressão de regime e para cada um dos regimes possui um espaço diferente como

apresentado no quadro 4 a seguir.

Na figura 7 a abaixo realizamos um resumo das principais tipologias espaciais de

penitenciárias, trazendo resumidamente quais foram as inspirações para tal morfologia. Tais

inspirações ou diretrizes de projeto são baseadas na vida que os presos deveriam ter dentro da

penitenciária, indicando que em cada tipologia arquitetônica temos uma intenção de vida para

os presos. Na figura 8 apresentamos as principais tipologias aplicada ao Brasil. Podemos

concluir que as prisões são dinâmicas e mudam seu desenho e o regime de isolamento social a

que o preso está submetido conforme os interesses da classe dominante.

59

Figura 7 - Modelos de referência para Arquitetura Prisional. a e b Fonte: AGOSTINI, 2002. p. 31;d Fonte: OLIVEIRA, 2007. p.3-4; e Fonte:

Fonte:http://freepages.genealogy.rootsweb.ancestry.com/~springport/pictures53/5347.jpg.Acesso 21/04/2014;fFonte:

http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http. Acesso em: 21/04/2014.

60

Figura 8 – Principais Modelos de Arquitetura Prisional no Brasil. Org. ALMEIDA, G. 2014. Fonte: AGOSTINI, 2002. p.23 e 24.

61

3.2 As Penitenciárias no Brasil.

Podemos indicar duas fases na estrutura de espaços de privação de liberdade no Brasil.

A primeira está no período colonial, onde os presos eram conduzidos as Casas de Câmara e

Cadeia. Esses espaços abrigavam: a Câmara Municipal e a Cadeia Pública, entre outras

funções administrativas. Estas edificações localizadas na praça central da cidade,

representavam os símbolos e as relações de poder da sociedade da época: a praça, a igreja e a

casa de câmara e cadeia.

A segunda fase é quando surgem as penitenciárias no cenário internacional. O Brasil

buscando ser um País “moderno”, mesmo que escravista e monárquico (MAIA, 2009) se

alinha a essas nova forma de disciplina: a privação de liberdade como forma de punição e

regeneração de homens e mulheres. Estas estruturas são pensadas para a formação do sujeito e

sua transformação em um novo ser humano.

A localização dos espaços de privação de liberdade no período colonial, na praça

central do núcleo urbano, significava em sua forma e uso a expressão máxima das relações

simbólicas de poder que se estabeleciam na sociedade do século XVI e XVII. A figura abaixo

apresenta a localização da casa de Câmara e Cadeia na cidade de São Vicente, estando em

posição central na cidade, de frente para da Igreja Matriz, bem no núcleo do poder. Veja

figura 9 e 10 abaixo:

Figura 9 - Planta cadastral da cidade de São Vicente, 1899, Escala 1:2.000, S. Paulo, 9 de novembro de 1899.

Fonte: Marco Antonio Lança, 1998, p.112

62

Figura 10 - Desenho da Casa de Câmara e Cadeia do Icó/CE. Autor: Doutor Pedro Théberge.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Ceará. JUCÁ NETTO, C. R, p.8

Na figura 10 acima, observamos a disposição em diferentes níveis da Casa de Câmara

e Cadeia, onde as relações de poder não podem ser mais claras. Os detentores do poder e

títulos estão na parte de cima da edificação e quem é excluído e está à margem da sociedade

está embaixo. Trata-se de uma relação social materializada na edificação, lembrando que por

sua localização esses espaços eram os mais movimentados das cidades coloniais.

O contexto do surgimento das prisões no Brasil e na América Latina segue o da

expulsão dos colonizadores espanhóis e portugueses e a ascensão da burguesia. Nas palavras

de Carlos Aguirre (2009, p.36): “Ser moderno, ou ao menos oferecer a aparência de sê-lo, era

a aspiração quase universal das elites latino-americanas. E as prisões (quer dizer, as prisões

modernas) foram imaginadas como parte desse processo”.

No Brasil as penitenciárias aparecem apenas em 1834 no Rio de Janeiro com Casa de

Correção (figura 11 abaixo). A previsão inicial contava com celas individuais, espaços para

atividades laborais, esportivas, religiosas, culturais e educacionais. Esse era o programa

arquitetônico. No entanto, a penitenciária não teve o programa inteiramente concluído e a

inauguração se deu apenas com as celas individuais e coletivas e pouca estrutura de guarda.

Em termos arquitetônicos, no caso brasileiro, estamos circunscritos a duas tendências

construtivas. A primeira se caracteriza pela construção de blocos retangulares, de um ou mais

pavimentos, em torno de um pátio central descoberto. A segunda consiste na distribuição

paralela de blocos retangulares e longitudinais, também de um ou mais andares, que se

interligam por meio de um corredor único, contínuo e perpendicular aos demais, que se

desenvolve no nível térreo. As duas configurações espaciais podem contar com outros espaços

intermediários, destinados à administração. (AGOSTINI, 2002).

63

Figura 11 - Penitenciária do Rio de Janeiro, 1834. Fonte: AGOSTINI. 2002, p. 51.

.

No modelo do Poste Telegráfico ou Espinha de Peixe existe uma circulação fechada

principal e a ela interligam-se os diversos módulos separados entre si, confluindo os fluxos

para a circulação. Foi utilizado em várias penitenciárias americanas, apresentando um grande

problema, pois esse modelo permite que os focos de motins nascidos nas em uma das alas,

rapidamente, tomem as demais alas e alcancem a administração. Dessa forma, nos projetos

mais recentes a administração se tornou uma edificação separada do corpo da penitenciária, é

o caso da Penitenciária do Estado – PCE em Cuiabá/MT, a maior penitenciária do Estado.

Recentemente no Brasil, uma política para se pensar (repensar) as prisões vem sendo

implantada, ainda muito tímida e incipiente. No ano de 2011 o Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária pública o documento Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal15.

Esse é um marco no pensamento e no estabelecimento de normas para o projeto de

edificações prisionais. Não é a primeira diretriz a existir, mas essa traz indicativos de

15 Resolução nº 09, de 18 de Novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

64

humanização deste espaço como: garantia de espaços para educação, visita íntima, oficinas de

trabalho, alojamentos dignos para funcionários e detentos.

Contudo essa resolução é técnica. Não aborda a estética, o simbolismo da prisão e

consegue ser bem confusa quando trata da localização das prisões. Os órgãos competentes na

execução penitenciária fogem do debate da produção social do espaço e sobre isso não

emitem qualquer parecer ou opinião. Essa postura tecnicista acaba por permitir projetos em

uma largo espectro, trazendo a possibilidade de se reduzir os projetos à “caixotes

melhorados” (grifo nosso).

Vamos analisar o texto guia para a construção de estabelecimentos penais nos dias

atuais, no que toca a questão de localização de unidades prisionais. Trata-se da resolução nº

09, de 18 de novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária -

CNPCP. Estabelece as Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional, com base na Lei de

Execução Penal (nº 7.210/84). Esse texto serve de orientações para novas unidades prisionais

e eventuais “reformas” nas unidades federais e estaduais. O texto não trata em nenhum

momento das questões políticas e simbólicas envolvidas com essas edificações.

As diretrizes tratam com timidez da localização dessas unidades. Não entram no

complexo mérito que é uma estrutura urbana e no impacto gerado por um projeto de unidade

prisional na cidade. Solicita estudos sobre a evolução urbana do município, dados técnicos

sobre topografia e infraestrutura, algo básico para qualquer obra dentro de uma cidade. As

recomendações são pela facilidade de acesso, dos visitantes, funcionários e proximidade com

os fóruns judiciais. As Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional indicam (2011, p.49):

“Os estabelecimentos penais deverão estar localizados de modo a facilitar o acesso e a

apresentação dos apenados e processados em juízo.”

Segundo D'urso (1997, p.194):

Uma preocupação presente na sociedade moderna é quanto à localização de um

estabelecimento penitenciário. Temos visto que a sociedade trata o presídio como

trata a feira-livre, pois não admite que a feira esteja em sua porta, mas tem

consciência de sua necessidade, de estar localizada nas proximidades, como no caso

dos presídios, que precisam existir, mas não a seu lado ou defronte sua casa.

Esse é um ponto de contradição deste documento referência, pois também recomenda:

“Os complexos ou estabelecimentos penais não devem, de modo geral, ser situados em zona

central da cidade ou em bairro eminentemente residencial” Diretrizes Básicas para

Arquitetura Prisional (2011, p.33). Os fóruns judiciais são nas áreas centrais das cidades,

sendo que essas duas recomendações caminham na prática em sentidos contrários. Em geral

65

vence a segunda, onde a lógica da segurança vence, mas que na verdade trata-se mais de

afastar das vistas o indesejável.

A preocupação é prática: custos (R$). De acordo com o estudo do DEPEN (2012),

uma cadeia pública para 300 vagas, seguindo a Resolução nº. 09, de 18/11/2011 impactou em

um acréscimo de área mínima de 139,44% em relação à Resolução anterior. Existe um

considerável acréscimo de área para atividades promovidas pelo Estado. Contudo o que

observamos é ainda modesto. Apresentaremos a seguir o estudo da SEJUDH sobre os custos

do presos em MT.

O custo de manutenção mensal de cada preso no Estado é, em média, de R$ 1.700,00

(mil e setecentos reais) por mês, segundo o relatório da SEJUDH. O custo de abertura de uma

vaga no Sistema Penitenciário do Mato Grosso é, em média R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

(SEJUDH, 2011, p.23). Os dados apresentados pelo setor técnico da SEJUDH em 2011 foram

atualizados; imaginava-se que seriam maiores. Contudo existe uma redução para R$ 1.224,96

por mês no custo mensal do “reeducando”. Acreditamos que apenas em 2014 estes dados

foram tratados por técnicos e existe certa precisão; outros valores eram colocados sem

critérios. Esses dados são baseado na maior penitenciária do Estado: a PCE - Penitenciária

Central do Estado, localizada em Cuiabá, no bairro Pascoal Ramos. A seguir, a tabela 1 com

os dados:

66

Tabela 1 – Custo de manutenção do sistema penitenciário de MT/2012. Fonte: SEJUDH/MT. 2014

67

3.1.3 Contraponto: Diferentes Sociedades, Diferentes Prisões.

O imaginário popular sobre as prisões, alimentado pela mídia, muitas vezes nos

engana. Apresenta-se estruturas de muros altos, vigias nas periferias e, no centro, controle do

acesso, espaço fechado, escuro e úmido. Invoca-se uma imagem de fortaleza, fechando o

espaço prisional e num processo de confinamento dos reclusos. Embora existam diversas

prisões assim pelo mundo, inclusive o nosso objeto de estudo, vamos apresentar algumas

alternativas que existem a este modelo, seja em outros países, seja no Brasil. Veja a figura 12

abaixo. Temos que entender que este não é o único meio de se construir prisões que existem.

Figura 12- Ilustração de penitenciária no imaginário popular. Fonte: Desconhecida.

As prisões, assim como todo o rol de serviços públicos de um país, apresentam

grandes diferenças de uma para outra. Essa diferença é explicita quando observamos o nível

de desigualdade social entre elas (índice de GINI16). Entendemos que um dos aspectos que é

fundamental para compreensão dessa diferença é política de Bem-Estar Social (Well Fare

State). Nos países onde ainda existe essa política, como na Holanda e Noruega, temos prisões

com baixa taxa de reincidência e até o fechamento de prisões por falta de presos. Um trabalho

acadêmico que relacione esta contrastante realidade seria de grande valia para entendermos

com maiores detalhes este processo de encarceramento em muitos países como no Brasil e o

não encarceramento em outros.

O Estado de Bem-Estar Social foi uma solução apresentada por diversos pensadores

capitalistas como alternativa ao socialismo, indicando que o Estado deveria suprir algumas

das injustiças produzidas pelo modo capitalista de produção. Desta forma, alguns direitos

16

O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini. É

comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda, mas pode ser usada para qualquer

distribuição estatística.

68

como educação e saúde seriam inalienáveis e deveriam ser garantidos desde o nascimento.

Sobre isso Oliveira (2006 In Castro e Wojciechowski (org.) 2010, p. 50) afirma que:

...enquanto na história do Estado de Bem-Estar Social dos países ocidentais, que

hoje formam o pequeno pelotão dos desenvolvidos, o trabalho foi transformado em

custo do capital, para cujo ultrapassamento fez-se necessário um enorme aumento da

produtividade, movida esta última pelo próprio bem-estar – os países mais

igualitários, os nórdicos, são também os mais produtivos – na periferia submundial o

trabalho é objeto de políticas assistencialistas, que não são custos para o capital.

Ficam a cargo do Estado, o que pareceria transformá-lo em custo, mas com as

políticas econômicas, sobretudo fiscal, constrangidas pela financeirização das

economias submundiais, estão sujeitas aos cortes que a conjuntura econômica

impõe.

Na Noruega e na Áustria, o que se produz como arquitetura penitenciária é

absolutamente diferente do que se faz aqui. Esses países tem apresentado projetos

humanizados que estão mais próximos de hotéis de luxo. Devemos entender que o projetos

executados estão relacionados a todo um rol de ações sociais que os países escandinavos e a

Áustria seguem: políticas sociais claras, onde existe taxação de grandes fortunas, investimento

em educação e saúde pública, tudo isso com altos impostos. Na Noruega, a carga tributária

com relação ao PIB é de 42,80%; na Áustria de 42,00%17 e, no Brasil, é cerca de 37,95%.

Nossa preocupação não é uma análise sobre os sistemas penitenciários destes países,

mas desconstruir a ideia de que só existem prisões de um tipo: fétidas, escuras, mal acabadas,

fechadas, sem vida, como são em nosso País. Isso é um estereótipo que precisa ser

desconstruído. Os países têm apresentado diferentes respostas aos desafios da segurança

pública, como afirma Wacquant (2004, p.99):

Os Estados Unidos claramente optaram pela criminalização da miséria como

complemento da generalização da insegurança salarial e social. A Europa está numa

encruzilhada, confrontada com uma alternativa histórica entre, de um lado, há algum

tempo, o encerramento dos pobres e o controle policial e penal das populações

desestabilizadas pela revolução do trabalho assalariado e o enfraquecimento da

proteção social que ela requer e, de outro, e a partir de agora, a criação de novos

direitos do cidadão. (grifos do autor).

Esse processo que já debatemos mostra o processo diferente pelo qual alguns países e

povos decidiram passar. Apresentando uma proposta diferente ao neoliberalismo, esses países

realizam alta taxação de impostos e distribuem os recursos através de serviços públicos de

qualidade incluindo aí as penitenciárias. Veja as figuras 13 e 15 que ilustram outras realidade

prisionais na Noruega e Áustria, respectivamente, e a chamada jornalística, na figura 14, que

deixa claro que na Holanda tem excesso de prisões para o número de criminosos.

17Fonte: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/10-paises-com-maiores-impostos-e-menor-retorno-para-a-

populacaoAcesso: 20/05/2013

69

Figura 13 - Modelo de Prisão na Noruega. Fonte: http://www.ema.dk/ incluindo fotos a e b. Acesso em

01/03/2013.

70

Figura 14 - Governo holandês fecha presídios. Fonte: http://g1.globo.com/planeta-

bizarro/noticia/2013/06/governo-holandes-estuda-fechar-prisoes-devido-falta-de-criminosos.html. Acesso

23/04/2014.

Figura 15 – Complexo judiciário de Viena - Áustria Fonte: http://www.hohensinn-

architektur.at/bilder/PDF_en_baumgasse__.pdf. Acesso em 01/03/2013.

71

Os complexos prisionais aqui apresentados não deixam dúvidas de que existem outras

formas de pensar a política penitenciária, desde que existam condições políticas, sociais e

econômicas para tal. Na Áustria (figura 13), o complexo jurídico e penitenciário prevê a

construção de uma penitenciária junto com um centro jurídico no centro da cidade. Uma

leitura espacial simples nos leva a ver como estamos na contramão dessa proposta. Seguindo

o discurso da segurança, isolamos ao máximo as penitenciárias da vista da sociedade. Outra

questão é pensar: onde no Brasil o poder judiciário vai no mesmo endereço que a prisão? Uma

outra relação espacial está baseado em outras relações e práticas sociais que não a de exclusão

a todo custo.

Na figura 12, nos deparamos com uma reportagem que traz uma realidade que parece

ser conto de ficção científica, considerando os índices alarmantes de criminalidade com que

vivemos no Brasil: os holandeses estão fechando prisões desde 2008 por falta de presos no

País. O mesmo aconteceu na Suécia. São diversos os motivos que levam a esse cenário, como

a política de descriminalização de drogas, a distribuição de renda, serviços públicos de

qualidade, escolaridade entre outros. O importante é aprendermos que o cenário que vivemos

no Brasil não é impossível de ser revertido, mas há obstáculos políticos, sociais e econômicos

e uma concepção elitista de sociedade que persiste desde a formação de nosso País.

72

4.0 AS PENITENCIÁRIAS NO BRASIL

Os principais dados disponíveis para conseguirmos obter um panorama das prisões no

Brasil são dados pelo Infopen do Ministério da Justiça. Contudo é importante ressaltar que há

pouco tempo que esses dados estão sendo coletados com certo cuidado. Os dados

consolidados do Infopen/MJ são disponibilizados apenas de 2008 até dezembro de 2012, e,

somente em outubro de 2012 que na unidade em análise, o Centro de Ressocialização de

Cuiabá, um sistema informatizado começou a ser utilizado. O controle manual outrora

utilizado permitia enormes disparidades da realidade. Os gráficos 1,2 e 3 abaixo no dão um

panorama do cenário nacional frente aos outros países do mundo

Gráfico 1 - Países e população carcerária total. Fonte: ICPS - International Center for Prison Studies.182012.

18 Disponível em: http://www.prisonstudies.org/ Acesso em 27/08/2014.

73

.

Quando consideramos os gráficos acima apresentados, devemos ressaltar que a taxa

de encarceramento no Brasil é disparadamente a maior do mundo, com grande folga. Já

somos o 4º maior encarcerador do mundo em números absolutos. Através desses dados

podemos observar qual é o nosso modo de conduzir a política de segurança pública do País.

Estamos inseridos em um processo do qual faz parte diversos países, não apenas o Brasil: pela

opção da política de encarceramento. Esta opção está ligada a uma teoria econômica da

sociedade, como bem afirma Wacquant (2004, p.4):

A penalidade* neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um

"mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social que é a

própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos

os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo.

A política penitenciária no Brasil, há alguns anos, vem copiando o que se

desenvolve nos EUA. Apresentaremos aqui informações que colaboram com nossa

perspectiva, dadas por Wacquant (2004, p.60):

Ao mesmo tempo, a implantação das penitenciárias se afirmou como um poderoso

instrumento de desenvolvimento econômico e de fomento do território. As

populações das zonas rurais decadentes, em particular, não poupam esforços para

atraí-las: "Já vai longe a época em que a perspectiva de acolher uma prisão lhes

inspirava esse grito de protesto: Not in my backyard. As prisões não utilizam

produtos químicos, não fazem barulho, não expelem poluentes na atmosfera e não

despedem seus funcionários durante as recessões." 2° Muito pelo contrário, trazem

consigo empregos estáveis, comércios permanentes e entradas regulares de

impostos. A indústria da carceragem é um empreendimento próspero e de futuro

radioso, e com ela todos aqueles que artilham do grande encerramento dos pobres

nos Estados Unidos. No próximo gráfico de número 3, apresentaremos o número de presos e o número de

vagas, onde podemos notar com clareza o déficit no número de vagas disponíveis em nosso

País. Esse problema por si só é um dos grandes desafios que enfrentamos ao atingirmos tão

Gráfico 2 - Taxa de aumento de presos em diferentes países, em 20 anos. Fonte: World Prison Brief (WPB) 2010 em

Revista Veja, 24.11.2010, p. 107.

74

grande número de homens encarcerados, quase 550 mil, no sistema fechado, semiaberto e

aberto que de alguma forma lotam as penitenciárias, albergues ou colônias agrícolas. Quando

consideramos os presos domiciliares, esse número sobe para cerca de 750 mil presos, dados

divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ19, estando 145 mil presos cumprindo

pena nessa modalidade, o que nos faz termos mais presos em números absolutos que a Rússia.

Tais valores foram divulgados em junho de 2014, e estão ainda sendo incorporados pelo

estudiosos do assunto: nunca antes os presos domiciliares foram contabilizados no País.

Outro dado alarmante que o Conselho Nacional de Justiça nos disponibiliza é o

número de mandatos em aberto no País. Segundo o CNJ20 existem 395.738 mandatos em

aberto. Caso estes mandatos sejam cumpridos, ao menos em parte, vai agravar ainda mais o

superlotado sistema penitenciário. Este cenário sem dúvida é um dos motivos pelos quais os

especialistas na área estão cobrando a implantação de penas alternativas e o uso de

dispositivos eletrônicos de controle para os presos no regime semiaberto.

19http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/06/total-de-pessoas-presas-no-brasil-sobe-para-715-mil-diz-cnj.html.

Acesso em 29/06/2014 20 Disponível em http://www.cnj.jus.br/bnmp/. Acesso em 30/-8/2014.

75

Gráfico 3 – Evolução da população carcerária brasileira x Vagas no sistema penitenciário. Fonte: Infopen, 2012.

76

A superlotação das unidades prisionais é um dos maiores problemas que nós podemos

observar, seja no Brasil ou em Mato Grosso. A explosão demográfica do sistema entre os

anos de 1990 à 2012 também é nítida pelos dados apresentados. Na Foto 1 abaixo,

apresentamos uma cela típica brasileira. A política de segurança pública adotada no Brasil

prende, encarcera, mas não consegue diminuir os problemas de violência na sociedade; pelo

contrário, esta violência vem aumentando nos últimos anos.

O problema da violência na sociedade brasileira é considerado endêmico por alguns

estudiosos (Sérgio Adorno e Michel Misse entre outros). A partir dos anos 70 do século XX,

muitos estudos sobre este tema estão sendo desenvolvidos em diversas áreas: Antropologia,

Sociologia, Geografia, Urbanismo, Ciências Jurídicas entre outros, tentando entender este

processo de disparada da violência urbana.

Sampaio (2011) estuda com cuidado o termo violência urbana e seus conceitos, a fim

de não incorrer no risco de afirmar que existe uma violência que seja específica da cidade,

mas que existe violência na cidade. Vai relacionar sua pesquisa a uma dimensão mais

profunda, o da construção das cidades no modelo capitalista e como esta prática contém uma

violência e que de certa forma a propaga, Sampaio (2011 p. 52):

Queremos com essas considerações apontar para as seguintes relações de

necessidade no capitalismo: propriedade privada / expropriação / violência. A

instituição da propriedade privada dos meios de produção e da terra (que se insere

no movimento geral da produção capitalista), instituiu legalmente o domínio sobre a

posse (o que equivale ao domínio dos meios de produção, mas também da

propriedade fundiária e da riqueza social), e colocou a expropriação de uma parcela

imensa da população como resultado lógico e histórico inevitável do processo. Essa

expropriação não pode se realizar e se identificar senão pela violência, não

exatamente e somente pelos meios e métodos empregados em tal empreitada, mas

por todos os danos sociais, econômicos e políticos daí decorrentes. Expropriação

que significou a impossibilidade da apropriação da riqueza socialmente produzida,

mas também da fruição integral do tempo e do espaço da vida social.

Concordamos com a autora, que indica uma íntima relação entre o modelo de

produção capitalista e as desigualdades sociais constatadas em nossa sociedade brasileira. A

violência urbana é um fenômeno real e inegável que vem modificando e moldando a vida dos

brasileiros e contextualizarmos este fenômeno as produções do espaço urbano é coerente e

necessário, pois existem uma grande heterogeneidade com relação a existência de violência

nas cidades brasileiras.

Muito antes desta explosão demográfica no Brasil e do surgimento da latente

preocupação com a violência urbana, a ONU já declarava no texto As Regras Mínimas para o

Tratamento de Reclusos (1956), da qual o Brasil é signatário, importantes recomendações

77

para que o cumprimento da pena possa ser humanizado. Foi um dos primeiros documentos

que sugiram no cenário internacional para pensar e reestruturar as prisões. Esse documento

traz:

As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais

de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população

prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a

esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou

local. (1956, p.4).

Foto 1 - Contagem - MG: 70 homens se espremem onde caberiam apenas 12 Fonte: CPI Sistema Carcerário,

2009, p. 244.

Essas regras não são cumpridas, o que temos em geral nas unidades são: espaços

muitas vezes sem iluminação solar, sem ventilação e na escuridão; os presos parecem

homens-morcego, circulando na escuridão. Há celas que sequer têm janelas. Em algumas

celas existem seteiras minúsculas na parte superior permitindo uma ventilação mínima e

insuficiente.

A criação de locais apropriados para receber as visitas, salas de aula, oficinas,

multiplicidade de tipos de celas, pátios de banho de sol e seus acessos tem importância ímpar

na funcionalidade, na redução de custos do estabelecimento e no processo de humanização

dos espaços prisionais. Os materiais utilizados nas obras, a falta de manutenção adequada e a

falta de disciplina implicam na deteorização das edificações, que repugna tanto quem as visita

quanto quem as habita. As condições de vida numa prisão são determinantes do senso de

autoestima e da dignidade do preso. O fornecimento de instalações de qualidade, com

estruturas adequadas para descanso, higiene, alimentação, lazer, trabalho e estudo tem

profunda influência no seu sentimento de bem-estar.

78

Outra questão pouco debatida, mas fundamental, é como esse preso se vê na

sociedade, acostumado apenas com o que existe de pior e sendo visto como um ser humano

inferior. Qual a disposição de mudar de atitude? Medo da prisão que é seu habitar natural?

Com certeza não. Mantendo as prisões como estão, vamos apenas aprofundar as

desigualdades. Precisamos sem dúvidas de um processo de compreensão, análise de dados e

mudanças estruturais.

Outro quadro importante nesse cenário é o número elevado de presos provisórios

dentro das penitenciárias, sendo que o espaço adequado para esses seria a cadeia pública.

Outra questão é o tempo que esses ficam presos, alguns chegando a um ano ou mais de espera

para julgamento. Veja o gráfico 4 abaixo:

O tema do sistema penitenciário está vinculado a violência, um campo amplo e que

exige atenção. Portanto, apresentaremos alguns dados para situarmos o Brasil neste cenário.

Ao estudarmos os dados brutos percebe-se que existe uma distribuição desigual dos

homicídios espacialmente e por outros fatores como: faixa etária, gênero, cor, classe social

(renda). A tabela 2 abaixo apresenta a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes e pode-se

destacar uma elevada taxa no Brasil.

Tabela 2 - Taxa de Homicídios. Fonte: Mapa da Violência, 2012.

TAXA DE HOMÍCIOS A CADA 100 MIL HABITANTES PAÍS ANO POSIÇÃO TAXA

EL SALVADOR 2008 1º 18.0 VENEZUELA 2008 2º 15.5 TRINDADE E TOBAGO 2008 3º 14.3 BRASIL 2009 4º 13.0

Gráfico 4 – Evolução da percentagem de presos condenados x provisórios. Fonte: Infopen, 2012.

79

Tabela 3 - Percentagem de reincidência. Fonte: Informe Regional de Desenvolvimento Humano (2013-2014) do

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), p. 129

PERCENTAGEM DE REINCIDÊNCIA, PAÍSES SELECIONADOS, 2013

ARGENTINA MÉXICO PERU EL SALVADOR BRASIL CHILE

Reincidentes 38.60 % 29.70 % 15.80 % 10.40 % 47.40 % 68.70 %

Reincidentes entre mulheres 23.10 % 9.90 % 12.20 % 3.80 % 30.10% 15.80 %

Ao observarmos a tabela 3 acima sobre a reincidência em alguns países latino americanos,

devemos reconhecer que os dados são contra intuitivos. O Brasil registra menos de 50% de taxa

de reincidência oficialmente; nos parece estranho. Pois a observação empírica nos demostra uma

taxa muito maior. Contudo precisamos respeitar as pesquisas, mas notar que ainda existem

problemas graves na identificação dos presos. Um exemplo são os nomes dos presos: eles entram

nas penitenciárias várias vezes durante suas vidas e com nomes diferentes. Não existe um sistema

de verificação por parte da gestão prisional para detectar o nome verdadeiro dos presos. Não

existem ainda pesquisas e metodologias confiáveis sobre a reincidência no Brasil, pois os

mecanismos de controle da população carcerária estão sendo implantadas recentemente e parece

que nunca foram objeto de pesquisas competentes e engajadas.

Estudos divulgado pelo Instituto Avante Brasil21, que tem como base os dados do

Infopen/DEPEN, nos fornecem um panorama da situação dos presídios no Brasil.

Apresentamos alguns gráficos abaixo.

21 http://institutoavantebrasil.com.br. Acesso em 01/05/2014.

Gráfico 5 - Percentagem dos crimes cometidos pela tipificação penal. Infopen, 2012.

80

Fica evidente que os crimes contra o patrimônio são os mais cometidos e repreendidos

no Brasil, segundo gráfico 5 acima. Isso é sintoma e também indicativo de como produzimos

e reproduzimos a criminalidade, alimentando um sistema de desejo pela mercadoria. Esses

crimes não são criações do mundo contemporâneo, afinal existem previsões contra o furto e

roubo no Antigo Testamento e na lei de Talião, todas antes de Cristo.

O gráfico 6 acima merece destaque: indica o aumento no número de mulheres

encarceradas no País nos últimos 12 anos. A diferença entre gêneros continua exorbitante,

mas o avanço das mulheres no universo do crime e consequentemente no prisional é um dado

que precisa ser avaliado e implementar políticas públicas destinadas a essa situação.

4.1 Cenário dos Espaços Prisionais e a Organização da Secretária de Justiça e Direitos

Humanos - SEJUDH/MT.

Os dados consolidados e divulgados são do Infopen22– DEPEN - Ministério da Justiça.

Por experiência esses dados não são confiáveis, pela forma com que os registros dos presos

22 O Infopen é um programa de computador (software) de coleta de Dados do Sistema Penitenciário no Brasil

para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos bancos

de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias. Disponível em:

http://portal.mj.gov.br. Acesso em 27/08/2014.

Gráfico 6 – Encarceramento e gênero no Brasil. Fonte: Infopen, 2012.

81

são feitos. Pois existem discrepâncias entre o que é divulgado e o que analisamos no dia a dia

da prisão.

O presídio não possui um banco de dados atualizado sobre os sujeitos privados de

liberdade. Os dados disponíveis consolidados são ofertados pelo Ministério da Justiça via

DEPEN/MJ para o Estado de Mato Grosso. A tabela 4 a seguir é de dezembro de 2012,

portanto, os dados estão defasados e são por autodeclararão dos presos. A figura 14 mostra

um mapa com o quadro geral de onde se localizam as unidades penitenciárias do Estado de

Mato Grosso, o que nos auxilia a entender onde está concentrada a população carcerária do

Estado, sabendo que uma das políticas de controle usada pelo Estado é os “bondes”: são os

deslocamentos de presos entre as unidades penitenciárias. São cotidianas as mudanças dos

presos de unidade a fim de garantir uma segurança e também serve como punição a

determinados presos: ficar longe da família ou ir para uma prisão mais fechada e com

métodos mais cruéis.

Dados do Infopen/MJ demostram a evolução no número de preso no Estado. Como

afirmado anteriormente, estes números variam muito no dia a dia da prisão. Os números

apresentados abaixo são todos de dezembro dos respectivos anos. Estes dados estão

consolidados e disponíveis no site do Ministério da Justiça; ainda não temos os dados de

2013, mas tudo indica que teremos um continuo declínio no número de presos em 2013 e

2014.

Agora explicar este fato é algo que não podemos fazer. O Subsecretário da SEJUDH.

Coronel Clarindo Alves Castro, cogitou que poderia ser por causa dos programas de

ressocialização que estão surtindo efeito. Mas em conversas com os presos eles afirmam que

os motivos são outros: que existem mais oportunidades de emprego na rua, que estão mais

cautelosos com relação à polícia que está mais “inteligente” e ainda pelo assassinato de

muitos criminosos seja pela polícia, seja por disputas com outros criminosos.

82

Gráfico 7 – Número de Presos no Estado de Mao Grosso. .Fonte:

http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.ht

m. Acesso em 04/09/2014.

83

Tabela 4 – Dados sobre os presos em MT. Fonte: DEPEN/2012

Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos Mato Grosso - MT

Indicadores Automáticos

População Carcerária: 10.613

Número de Habitantes: 3.033.991

População Carcerária por 100.000 habitantes: 349,80

Categoria: Quantidade de Presos/Internados Masculino Feminino Total

Quantidade de Presos (Polícia e Segurança Pública) 0 0

Item: Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP) 0 0 0

Quantidade de Presos custodiados no Sistema

Penitenciário

9.930

10.613

Item: Sistema Penitenciário - Presos Provisórios 5.255 430 5.685

Item: Sistema Penitenciário - Regime Fechado 3.549 215 3.764

Item: Sistema Penitenciário - Regime Semiaberto 1.051 38 1.089

Item: Sistema Penitenciário - Regime Aberto 50 0 50

Item: Sistema Penitenciário - Medida de Segurança -

Internação 25 0 25

Item: Sistema Penitenciário - Medida de Segurança -

Tratamento ambulatorial 0 0 0

Categoria: Capacidade Masculino Feminino Total

Número de Vagas (Secretaria de Justiça)

5.456

304

5.760

Item: Sistema Penitenciário Estadual - Provisórios 0 0 0

Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime Fechado 5.236 304 5.540

Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime

Semiaberto 120 0 120

Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime Aberto 100 0 100

Item: Sistema Penitenciário Estadual - RDD 0 0 0

Item: Sistema Penitenciário Federal - Regime Fechado 0 0 0

Item: Sistema Penitenciário Federal - RDD 0 0 0

Item: Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP) 0 0 0

Categoria: Estabelecimentos Penais Masculino Feminino Total

Quantidade de Estabelecimentos Penais 63 1 64

Item: Penitenciárias 5 1 6

Item: Colônias Agrícolas, Indústrias 1 0 1

Item: Casas de Albergados 2 0 2

Item: Cadeias Públicas 53 0 53

Item: Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 23 1 0 1

Item: Patronato 1 0 1

23O que existe realmente é uma unidade de saúde mental, a qual atende sentenciados em medida de segurança

(dentro do Complexo da Penitenciária Pascoal Ramos) Tem uma unidade diferenciada para tratamento e medida

de segurança.

84

Figura 16 - Mapa da localização das unidades penitenciárias de MT. Fonte: SEJUDH/2014.

85

A hierarquia político administrativa da SEJUDH, secretaria responsável pela

administração e gestão das cadeias e penitenciários do Estado de Mato Grosso, deixa em claro

a estrutura existente para comandar o setor penitenciário. A organização da SEJUDH é dada

pelo Decreto nº 629, de 25 de agosto de 2011. Existe um discurso forte no Brasil pela

separação das secretárias de segurança pública das de justiça. A SEJUDH, desta forma, é

ainda muito recente, contudo, vem com todos os vícios da secretária da qual ela se

desmembra, a antiga Secretaria de Justiça e Segurança Pública. Nota-se que o poder dos

policiais militares de alta patente ainda está presente, pois nessa secretaria os cargos de

subsecretário e alguns de coordenação estão sob o controle dos mesmos. Além da estrutura

oficial, vamos fazer uma análise sobre quais os papéis que o gestão da unidade realmente

cumpre no espaço prisional.

A SEJUDH está responsável pelos seguintes órgãos e diretamente ligada aos

respectivos conselhos: I – Sistema Penitenciário do Estado; II – Erradicação do Trabalho

Escravo, III – Defesa dos Direitos das Pessoas; IV – Direitos do Idoso; V – Direitos da

Mulher; VI – Promoção da Igualdade Racial; VII – Defesa do Consumidor; VIII – Defesa dos

Direitos da Pessoa com Deficiência e Sistema Socioeducativo.

A SAAP – Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária é a responsável pela

organização, gestão e manutenção das unidade penitenciárias no Estado.

Nível de Direção Superior:

Gabinete do Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos

Gabinete do Secretário Adjunto de Administração Penitenciária

Nível de Execução Programática

Superintendência de Gestão de Penitenciárias

Organização da administração na unidade penitenciária do CRC, conforme Diagnóstico

Setorial e Avaliação dos Programas da SEJUDH:

Diretoria do Centro de Ressocialização de Cuiabá

Subdiretoria do Centro de Ressocialização de Cuiabá

Gerência de Apoio Administrativo e Penal do Centro de Ressocialização de Cuiabá

Gerência de Manutenção do Centro de Ressocialização de Cuiabá.

Veja o organograma da SEJUD/MT na figura 17 abaixo, e o organograma do sistema

penitenciário a seguir na figura 18.

86

Figura 18- Organograma oficial da Secretaria de Administração Penitenciária/SEJDH 2010. Fonte: Diagnóstico

Setorial e Avaliação dos Programas da SEJUDH, p. 133.

Acima apresentamos na figura 18 a estrutura oficial do governo do Estado para a

administração penitenciária. No entanto, podemos observar que existem arranjos nas unidades

prisionais, criando outros cargos de forma a adaptar-se às necessidades especificas. Na

prática, encontramos um outra configuração de administração. Veja o quadro 5 abaixo:

SEJUDH

SAAP

Secretaria Adjunta de

Administração Penitenciária

SAJU

Secretaria Adjunta de

Justiça

SADH

Secretaria Adjunta de

Direitos Humanos

SAAS

Secretaria Adjunta de

Administração Sistêmica.

Figura 17 – Organograma da SEJUDH. Fonte: www.sejudh.gov.br interpretação de Guilherme Almeida/2014.

87

Quadro 5 – Cargos e funções dentro do CRC.

CARGO FUNÇÃO LEGAL FUNÇÃO CONSTATADA Diretor Existe Executa tarefa político-administrativa, externa

à unidade. O cargo hoje só pode ser ocupado

por agente prisional, luta do sindicato. Está

sempre em visita aos órgãos executivos.

Realiza articulação com empresas,

voluntários e instituições filantrópicas para o

trabalho e ocupação dos presos. Subdiretor Existe Executa tarefas domésticas. Realiza a tarefa

de articular os conflitos entre os presos e

agentes penitenciários; realiza o contato com

a família dos presos, entre outras funções. Gerente Administrativo e

Penal

Existe Organiza a distribuição e alocação de

mantimentos da unidade; organiza o fluxo de

trabalhadores. Gerente de Manutenção Existe Agente prisional que realiza as atividades de

manutenção da unidade. Toda a mão de obra

é dos presos; o gerente administra quais são

os presos capacitados para colaborar. Estes

ganham remissão de pena. Organiza a compra

de material e as doações junto com o diretor. Coordenação de Educação Não tem previsão legal. (Em

Agosto de 2014 está em

construção)

Pedagoga que coordena os professores no

espaço prisional; orienta as práticas

educativas; assegura o direito de estudar do

preso; fiscaliza os professores e realiza

matriculas dos presos. Coordenação da Produção Não tem previsão legal. Agente prisional que coordena os processos

de seleção dos presos que trabalham na

orientação da direção e subdireção; fiscaliza o

trabalho do preso; ajuda na organização da

venda dos produtos manufaturados na

unidade; acompanha a remissão do preso. Chefe de disciplina Não tem previsão legal.

Embora nos fosse informado

que existe, não conseguimos

acesso a dados oficiais.

Agente prisional que participa da resolução

dos conflitos na unidade.

Essas funções descritas acima são estabelecidas pelos agentes penitenciários através de

um processo de aprendizagem tácito com outros colegas. Os cargos não são remunerados de

forma especial; o ganho é o mesmo do salário regular de agente. Assumem esses cargos

aqueles que se sentem melhor em trabalhar com determinado setor.

Tabela 6 – Número Agentes no CRC. Fonte: Cartório do CRC/2014.

NÚMERO DE AGENTES NA UNIDADE CRC

Agentes prisionais (total) 150 Agentes por plantão (24h de trabalho por 72h de folga) 25 Agentes no expediente (8h de trabalho/ 8h às 17 ou 12h às 19h) 30 Total de agentes no expediente + plantão durante o dia 8h às 17h 55

A tabela 6 acima apresenta um quadro do número de agentes penitenciários que estão

lotados no CRC. Pode-se observar que durante um plantão é muito pequeno 25 para o

88

contingente de presos existentes. Sem dúvidas essa superlotação é um dos grandes motivos de

conflitos dentro do sistema penitenciário.

4.2 Perspectivas da Gestão Prisional no Brasil.

Apresentamos anteriormente um panorama de alguns dados do sistema penitenciário

no mundo, no Brasil e em Mato Grosso. Agora debateremos o que está acontecendo no Brasil

enquanto medidas de novas estratégias de gestão prisional. Apresentaremos os projetos

arquitetônicos e de gestão penitenciária que estão sendo desenvolvidas no Brasil,

relacionando-os com as diferentes visões de mundo e de sociedade que ambos representam.

Os projetos que apresentaremos são contraditórios entre si, pois vão defendem paradigmas

sociais divergentes. As duas principais propostas em destaque hoje são: As Parcerias Públicos

Privadas consolidadas no presídio de Ribeirão das Neves/MG e a APAC - Associação para a

Proteção e Assistência aos Condenados em Santa Luzia/MG.

Existem outras unidades prisionais privatizadas pelo País nos Estado da Paraíba,

Paraná, Maranhão, entre outros. A forma com que se dá esse processo de privatização não é

homogênea, existe um grande espectro de modelos. Existem modelos onde nem o diretor da

unidade é indicado pelo poder público e a unidade é construída com recursos privados, e

outros modelos onde poucos serviços são privatizados. Sem dúvidas é um tema que merece

ser aprofundado em um estudo com mais detalhes para melhor compreensão.

O debate é muito acalorado, com alguns juristas afirmando inclusive que esse

procedimento é inconstitucional. O debate e apresentação dessas duas penitenciárias resume

ideologicamente as duas principais vertentes existentes hoje em nosso sistema penitenciário.

Temos uma clara divisão de interesses na questão do planejamento da segurança pública do

País. A produção do espaço pelo Estado materializa os interesses de determinada classe

social. Ao tratar da importância da política na intervenção do espaço, Santos (2000, p.107)

diz:

Quando o esquema interpretativo da sociedade, próprio à nossa província do saber,

dá conta da realidade concreta em sua totalidade, ele pode ser o fundamento da

construção de um discurso novo para a ação política dos atores sociais responsáveis

por sua prática, tais como partidos políticos, movimentos sociais, instituições etc.

Um discurso socialmente eficaz pode ser o conteúdo, a base de intervenções

"sistêmicas" na sociedade, em diferentes níveis do exercício da política, entre os

quais, o mais abrangente seria a contribuição para a elaboração de um projeto

89

nacional, comprometido com a transformação da sociedade em benefício da maioria

da população do país.

As unidades prisionais são em geral, estruturas hermeticamente fechadas para boa

parte da sociedade. Santos, ao fazer referência a uma intervenção sistêmica, ensina que para

benefício da sociedade como um todo devemos estar atentos ao todo, e não escondermos os

problemas como as prisões. Existem dois discursos em conflito sobre as prisões: um discurso

racional / instrumentalista/ globalizante que tenta suprimir as diferenças, as resistências e

identidades espaciais que existem, decretando que a privatização é a solução dos problemas

enfrentados pela sociedade e que a ineficiência do Estado é irreversível; outro discurso

materializado na experiência (APAC) que aponta que não existe uma mão única a seguir; os

processos de privatização não devem ser os únicos, mas que podemos entrar em um debate

amplo com outras soluções e propostas para os espaços prisionais. No fim desse subcapitulo

apresentamos nossa opinião sobre esse processo.

4.2.1 O Canto da Sereia: As Parcerias Público Privadas – PPP’s.

Segundo os mitos gregos, as sereias são seres que unem mulheres com peixes, a

metade superior mulher e a inferior com cauda de peixe. Elas, segundo a lenda, possuiriam

um canto sedutor que atrairia os marujos para o perigo. Esses afogavam-se em alto mar ou

chocavam-se contra as encostas e pedras perigosas. Esse canto teria o poder de hipnotizar os

marujos e em princípio parecer algo maravilhoso, vindo de lindas mulheres, mas que no fundo

torna-se um grande armadilha. Comparamos a PPP - Parcerias Público Privadas no setor de

segurança pública a essa questão. No caso das penitenciárias, as privatizações apresentam-se

como uma solução, mas enganadora como o canto da sereia.

Julita Lemgruber24 (2013) uma experiente estudiosa do assunto declara sobre as PPP’s

que:

O Estado priva alguém da liberdade, então o estado precisa administrar essa

privação da liberdade. Portanto, não é legítimo que o estado ceda à iniciativa privada

a administração da privação da liberdade de alguém. Essa é uma questão de fundo.

Está impondo um novo modelo sem qualquer discussão com a sociedade, não houve

nenhuma tentativa de amadurecer essas ideias. É um grande equívoco.

24 http://www.brasildefato.com.br/node/11852. Acesso 04/03/2013.

90

A busca pela implementação das parcerias público privadas (PPP’s) no sistema

prisional segue uma lógica do modelo político econômico atual, neoliberal, no qual as

empresas privadas buscam maiores lucros e se inserem com toda força no sistema público, nas

áreas estratégicas até mesmo para a social democracia como a saúde, a segurança pública e a

educação. A atenção se volta para uma nova forma de prestar serviços, aparentemente sendo

parcerias do Estado para solucionar o problema da gestão penitenciária. Todo o processo de

criação do cotidiano e das territorialidades internas ao espaço prisional estão, nesse projeto,

sob cuidado de empresas privadas, tornando, assim, esses serviços mais custosos aos cofres

públicos e tornando o preso uma mercadoria com preço fixo.

A implementação da parceria público privada no sistema prisional tem como um dos

possíveis desdobramentos que a empresa privada ganhe mais dinheiro do Estado quanto maior

for o número de presos. Isso implica em decretar o fim das políticas sociais que visem

diminuir o número de presos nas unidades prisionais. Pois qual é o interesse das empresas

privadas em decrescer o número de presos, se ganha pela quantidade destes?

A Resolução nº 08/2002 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário

recomenda a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização do sistema prisional.

Contudo os agentes interessados nesse processo mudam as leis estaduais ao bel prazer e

realizam acordos e parcerias com o setor privado; afinal, as resoluções não tem força de lei.

Isso vale não apenas para o setor da segurança pública, mas para todas as atividades do

Estado. Neste sentido é importante relembrar Carlos (2007, p. 87) que:

(...) o poder político do Estado se exerce através do espaço enquanto dominação

política e, neste sentido, ele se reproduz interferindo constantemente na reprodução

do espaço. É assim que se normatiza o uso do espaço, bem como se produzem

planos diretores e que se direciona e hierarquiza o investimento na cidade. Mas

também há interesses privados dos diversos setores econômicos da sociedade, que

vêem no espaço a condição de realização da reprodução econômica, pois os lugares

da cidade aparecem como lugares da infraestrutura necessária ao desenvolvimento

de cada atividade de modo a entrever uma equação favorável à realização do lucro.

Mas cada fração de capital atua segundo sua lógica (ora se contrapondo, ora se

articulando para realizar, prontamente, seu fim que é a reprodução constante). Há o

setor financeiro que trata o espaço como lugar possível de investimento, ao passo

que o setor imobiliário que reproduz, constantemente, o espaço na condição de

mercadoria consumível.

91

Figura 19 - Evento sobre as PPP. Fonte: Desconhecida

A figura 19 acima retrata um slide de um dos eventos sobre as PPP’s no sistema

prisional brasileiro. Diversos encontros com esse tema estão sendo realizados pelo Brasil,

com o intuito de construir um discurso e uma estratégia em conjunto para implantação desse

sistema. Nesta perspectiva podemos compreender que as interferências do setor privado na

produção do espaço segue uma lógica de interesses, ou seja, a lógica capitalista do modo de

produção. Existe uma busca por novos mercados, novos espaços a serem administrados pela

lógica do modelo capitalista. As prisões são instituições corruptas, onde diversas extorsões,

propinas e pagamentos superfaturados existem e potencializam as distorções do sistema

capitalista, mas o que se propõe agora é uma nova forma de interação. Chega-se às últimas

consequências de produção, gestão e controle político financeiros dos espaços prisionais pelo

mercado. No Brasil diversos eventos estão sendo realizados para debater e buscar soluções

para o tema, inclusive com participação das empresas interessadas nesse processo.

Existe um forte apelo midiático sobre a falência das prisões. No ano de 2014, o caso

do presídio de Pedrinhas no Maranhão foi manchete em todos os meios de comunicação

nacional e foram divulgados vídeos das atrocidades cometidas internamente tanto pelos

detentos quanto por funcionários. A população da capital, São Luiz/MA, ficou aterrorizada

com o poder de determinados criminosos que conseguem articular ataques mesmo atrás das

grades. Realmente o confronto ali foi aterrorizante, as facções criminosas entraram em

conflito e o Estado não possuía meios de conter as brigas e assassinatos.

92

Na mídia os presídios privatizados são considerados maravilhosos. A Revista Época25

de 09/06/2014, ao apresentar o tema da Educação em uma prisão de Joinville, deixa claro que

isso só acontece por ser privatizada, o que não é verdade. Existem processos de educação

muito bons em outras penitenciárias do País que não são privatizadas, como o sistema

adotado no Estado do Rio de Janeiro, onde foi criada uma Diretoria Especial para Educação

no Sistema Penitenciário por parte da Secretaria Estadual de Educação e existe um conjunto

grande de funcionários e estratégias relacionadas a garantir o ensino no ambiente prisional.

O medo, a insegurança, a fragilidade do sistema prisional, a corrupção ativa e passiva

dos entes públicos somada a estrutura física, a organização que as empresas especializadas

possuem e ao discurso da falência do Estado criam as condições necessárias para a

privatização das unidades prisionais no País.

O projeto que hoje está implantado em Ribeirão das Neves/MG serve de modelo para

outros Estados que pretendem seguir esse caminho. Podemos observar, na figura 20 a seguir,

os estudos preliminares do projeto arquitetônico para a unidade penitenciária na modalidade

PPP para a cidade de Palhoça/SC. Essa cidade encontra-se na região metropolitana de

Florianópolis/SC, capital do Estado. Em 2013, um caos tomou conta das ruas de Santa

Catarina nas cidades de Florianópolis, Blumenau e Joinville, principalmente. Segundo os

jornais, o clima de terror foi estabelecido por ordens dos detentos.

Por este motivo citado acima uma repressão rigorosa tomou conta dos presídios do

Estado de Santa Catarina; presos eram revistados o tempo todo, colocados em posições

vexatórias, dificultando a entrada de visitas nas penitenciárias, quebrando assim as regalias e

as estruturas hierárquicas. Tudo orquestrado pela elite política do Estado, para que a reação

fosse de descontrole da segurança pública e a lei que indica as PPP’s podiam ser aplicadas, já

que se contava a falência do Estado. O governo do Estado de Santa Catarina é do partido

Democrata – DEM, o que em nosso entendimento não é coincidência, pois esse partido é um

dos maiores defensores do neoliberalismo em nossos País.

25Revista Época nº 836/2014. Agenda Positiva. Uma penitenciária em Joinville aponta a solução para o falido

sistema carcerário. p.66

93

Figura 20 – Projeto para penitenciária em Palhoça/SC. Fonte: http://projetosproinfra.com.br/ Acesso em 10/06/2014.

4.2.2 A APAC- Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados: Outra

Perspectiva.

A prisão tem uma dimensão simbólica fortíssima e sempre foi usada como meio de

demonstração do poder e das relações de hierarquia em uma sociedade, mesmo tendo uma

parcela expressiva da sociedade que encara a pena e a prisão como vingança contra aquele

que delinque. Essa postura de ver na prisão uma vingança vem sendo superada, em outros

países e também no Brasil, por uma visão onde a prisão deve ser humanizada. Este processo é

fruto de muita militância na área e na promoção dos Direitos Humanos pela ONU e outras

agências internacionais.

A experiência da APAC coloca a atual gestão e a arquitetura prisional brasileira em

xeque e lança-nos um desafio: eliminar de vez as expectativas de criação de um espaço

disciplinador perfeito, cujas tecnologias de controle se confundam com a própria idéia de

tratamento penal, e, em seu lugar, gerar uma arquitetura que permita uma maior abertura para

novas experiências de gestão do ambiente prisional (AGOSTINI, 2002).

Esse projeto arquitetônico e de gestão teve a colaboração de várias entidades e

pessoas. O projeto é resultado da luta por mudanças de mais de 30 anos da APAC. Alguns dos

envolvidos são: APAC, Ministério da Justiça, Secretaria de Defesa Social do Estados de

Minas Gerais, Prefeitura municipal e comunidade de Santa Luzia/MG, irmãos Maristas/MG e

94

PUC-Minas. O projeto para o Centro de Reeducação de Santa Luzia/MG é a primeira

proposta arquitetônica específica para uma APAC.

A APAC tem apresentado bons resultados com relação a um dos maiores problemas

do sistema prisional: a reincidência. No Brasil entre os principais problemas está o da

reintegração do egresso no convívio social e a não reincidência desse no crime. Contudo as

taxas de reincidência estão entre 70% e 80% conforme aponta a CPI do Sistema Carcerário

(Câmara dos Deputados, 2009). Podem-se verificar a baixa eficiência das políticas adotadas

na maioria das unidades prisionais dos Estado brasileiros. Na APAC tem-se até 90% de não

reincidência. Veja o modelo geral a APAC na figura 21 abaixo.

Figura 21 – Imagem da APAC Santa Luzia/MG. Fonte: http://www.colaterais.org/files/apac-web.pdf. Acesso em

31/08/2014.

Na abordagem de Foucault, o presídio é um projeto técnico-ideológico da instância

jurídica que atende aos interesses econômicos, políticos e ideológicos da sociedade atual. A

proposta da APAC vai na contramão de uma solução importada, pois faz parte de um longo

processo de aproximação da realidade prisional por parte de seus proponentes. Neste contexto

Santos (2006, p.60) ilustra muito bem a produção do Espaço quando diz:

O estudo do espaço exige que se reconheça os agentes desta obra. O

lugar que cabe a cada um, seja como organizador da produção e dono

dos meios de produção, seja como fornecedor de trabalho.

95

Santos assim confirma a existência de luta de classes e como o espaço destinado a

cada uma destas classes são antagônicos. As prisões nesse cenário são em geral para a classe

dos fornecedores de trabalho. Desta forma temos como contrapor as duas propostas aqui

estudadas, podemos identificar os agentes que estão por traz dessas diferentes propostas e

quais suas motivações. Fica claro que as soluções privatizantes buscam camuflar os

problemas sociais, mascarar os problemas e deixá-los ainda mais distantes da sociedade

através de uma produção e gestão do espaço excludente. Na APAC temos pensadores e

intelectuais orgânicos que se dedicam a uma subversão desses valores, convidando ao

envolvendo com o problema.

Nesta perspectiva de uma nova abordagem em relação à cidade, às pessoas e aos presídios,

temos a construção de uma grande penitenciária para funcionar na modalidade APAC em

Canoas/RS. Nesse caso, o prefeito e o governador são do PT, o que em nossa leitura indica

uma outra tendência. Assim que concluída será a maior penitenciária na modalidade APAC

do País.

4.2.3 Considerações sobre as PPP’s.

A ocupação e produção do espaço depende de vários fatores, como a formação

histórica de um povo, suas relações culturais, o poder ideológico e as condições tecnológicas

em curso. A sociedade brasileira é dividida, não é nada homogênea e apresenta diferentes

propostas de gestão e convivência social no espaço. Essas diferenças podem ser vistas em

diferentes posicionamentos, às vezes contraditórios; no caso dos projetos de gestão

penitenciária não é diferente. Existem duas propostas de projetos prisionais em curso no País,

que podem ser representadas pela unidade da APAC de Santa Luzia/MG e a Unidade PPP de

Ribeirão das Neves/MG. Trazem consigo não apenas diferentes formas de intervenção no

espaço pontualmente e como também diferentes resoluções arquitetônicas. Ao tratar deste

tema, Mitchel P. Roth (2006, p.26 – tradução livre) declara que26:

26

Original: The way a society treats its prisoners can tell you much about its culture. The prison system is in many respects

an excelente prism through which to examine a particular culture. If a prison system is punitive, it might tell us that a

particular society is tired of high crime rates. Or better yet it can convey whether or not a society respects human rights.

(Mitchel P. Roth, 2006.p. 26)

96

A forma como uma sociedade trata os seus prisioneiros pode nos dizer muito sobre

sua cultura. O sistema prisional pode ser um excelente prisma para examinar uma

cultura. Se o sistema prisional é punitivo, isso provavelmente nos diz como uma

sociedade responde as altas taxas de criminalidade. Pode nos revelar se uma

sociedade respeita ou não os direitos humanos.

Essas duas propostas apresentadas encarnam perspectivas totalmente diferentes de

posturas no mundo. Na PPP de Ribeirão das Neves/MG temos a reclusão, o isolamento da

unidade penitenciária do público, o trabalho dos reclusos para servir ao setor privado, os

cuidados de segurança, criação dos projetos sociais e educacionais todos realizados pela

empresa privada. Enfim, todo o cotidiano e territorialidade interna das unidades prisionais

estão sob o controle da empresa parceira do Estado. Já na APAC de Santa Luzia/MG temos

outro entendimento de mundo, uma compreensão das complexas relações a que o ser humano

está submetidos, não o isolando das redes sociais a que faz parte como a família, religião e

comunidade; busca englobar e aproximar a sociedade do processo de (res)socialização dos

presos ou detentos.

São diferentes as formas de abordagem sobre os espaços prisionais no Brasil, que no

fundo refletem diferentes posicionamentos sobre a sociedade e como resolver esses

problemas. Debatendo os exemplos de Ribeirão da Neves/MG e da APAC-Santa Luzia/MG,

que estão presentes no mesmo Estado, temos duas alternativas para este começo de século

XXI para as prisões brasileiras. Essas alternativas carregam consigo todo um complexo que

vai desde a gestão do espaço e passa pela a arquitetura, a localização das prisões na malha

urbana e as consequentes relações sociais que se pretende criar no espaço prisional. A opção

pela aproximação com a sociedade representada pela APAC é muito mais interessante, pois é

uma perspectiva que não esconde, não mascara, não entrega na mão do agente privado os

problemas sociais, mas busca uma forma de enfrentá-lo no dia a dia.

Entendemos que as duas propostas apresentadas são dois projetos antagônicos entre si

e representam uma disputa ideológica que existe em nossos País. Estas opções nos fazem

refletir sobre o processo de exclusão, isolamento e marginalização que estes espaços possuem

em nossa sociedade e em como os grupos capitalistas pensam e se apropriam deles,

oferecendo uma solução que faz da segurança pública e da custódia da vida de pessoas um

negócio. A outra proposta (APAC) nos traz um novo olhar sobre as prisões, o que significa

posicionar-se favoravelmente a uma aproximação da sociedade com os espaços de privação

de liberdade e a partir daí construirmos uma solução.

97

Acreditamos que a APAC supera em muito a proposta de privatizações prisionais.

Primeiro por que a custódia da vida humana não deveria ser objeto de contratos comerciais: as

ações de política pública de ressocialização passam a ser comprometidas com o mercado. O

processo de privatização fragiliza o Estado, reforçando sua ineficiência e permitindo lucros

sobre a prisão de muitos miseráveis. Com o lucro certo com a prisão destes, o objetivos das

empresas será o de criar e recriar esse círculo vicioso, transformando o preso em mercadoria.

98

5.0 ANÁLISE DA ÁREA DE ESTUDO.

Vamos analisar com detalhes o objeto de estudo, o Centro de Ressocialização de

Cuiabá (CRC), onde nos deparamos com uma diversidade de elementos interessantes, todos

os quais infelizmente neste trabalho não poderemos abordar. Outros estudos merecem ser

realizados para uma aprofundamento da realidade prisional no Estado. Neste trabalho, como

ressaltado anteriormente, estaremos interessados no controle e domínio do espaço pelos

grupos que compõem a prisão. Ressaltamos desde já o poder exercido pelas Igrejas

Evangélicas na disputa pelo território e na construção de territorialidades e cotidiano da

prisão. As prisões são objetos tecnológicos que possuem uma forte carga ideológica e

simbólica socialmente, carregando estereótipos e preconceitos. Além do projeto arquitetônico

que determina o acesso, fluxos de pessoas e materiais, os usos dos espaços e os critérios de

ventilação, iluminação e estética, o espaço prisional, assim como todo espaço onde há

presença do ser humano, está repleto de tramas, nós, redes, controle, que encerram as relações

de poder, de cooperação, os conflitos e as contradições sociais.

Em uma rápida apresentação da unidade prisional, pode-se dizer que esta é dividida

em duas Unidades (I e II); e essas divididas em corredores, alas e celas. A Unidade I é a

maior, mais antiga e possui dois corredores (A e B). A Unidade II é menor; é também é um

espaço privilegiado, chamado “conteiner” por ser de material metálico. O motivo pelo qual o

chamamos de privilegiado é que as celas abrigam apenas quatro presos em cada uma, um

número muito baixo quando comparado a outras celas da prisão. Esta lotação da cela é a

correta, segundo o projeto arquitetônico, existindo ainda outras facilidades e comodidades

para os presos que estão nesta unidade. Na Unidade I a superlotação é esmagadora. Nesse

espaço em especial o poder das igrejas evangélicas é imenso.

O espaço dentro da unidade I é dividido entre as Igrejas. O corredor B é dividido entre

a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Deus é Amor e a Igreja Caminho para Todos,

sendo que a Igreja Universal ocupava o maior espaço, controlando mais alas e celas até 2012,

ano em que começa a perder espaço. O corredor A é controlado pela Igreja Assembléia de

Deus, maior igreja dentro da unidade. No território controlado por essas igrejas, são elas que

determinam o que os reclusos podem ouvir nas rádios, as roupas que podem vestir (calça ou

bermuda), como são os procedimentos de visita, as rotinas de cântico e cultos, etc. Segundo

99

um dos entrevistados, que hoje se encontra no regime semiaberto e não é evangélico, ele

relata que:

Entrevista R: A igreja forçava muito a barra a questão do jejum. Ficar sem comer

até 2 horas da tarde. Nunca concordei com isso.

Esta fala traz uma atividade cotidiana no presídio do CRC, onde a força das igrejas

evangélicas para estabelecer o que os presos podem ou não fazer é quase absoluta.

Apresentaremos neste trabalho como este controle é territorializado, apresentando a prisão e

seus diferentes espaços internos, descrevendo como cada um deles possuem grandes

particularidades e representam diferentes relações sociais e comportamentos dos homens

presos.

Ao estudarmos o ambiente prisional, vamos nos ater ao que consideramos essencial no

conjunto dos seres humanos ali presentes, pois são eles que constroem e se apropriam do

espaço social. O que vamos ressaltar é que esse conjunto de pessoas não é homogêneo,

levando à existência de diversas estratégias segregacionistas dentro deste espaço. Nesse

contexto vale lembrar Arguirre, ao tratar do tema das prisões no período colonial latino

americano (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, p. 64), que afirma:

O comportamento dos presos variava muito em função da instituição em que

estavam detidos, sua condição individual (sexo, lugar de origem, condição racial ou

étnica, status social, a duração de sua sentença) e as relações particulares que se

estabeleciam entre eles, os guardas e as autoridades. A primeira conclusão a que se

chega é que os presos sempre buscaram, freneticamente, conseguir mais autonomia e

um maior poder de negociação em torno das regras de funcionamento da prisão,

tanto no interior da comunidade de encarcerados como entre estes e os guardas e

oficiais de justiça.

O espaço é uma arena de conflito e demonstração de poder, onde as estruturas que

comandam a sociedade impõem sua lógica. Veja a afirmação de Arguirre em Maia, Netto,

Costa e Bretas (2009, p.62) quando analisam a história das prisões no Brasil e a já constatada

criação de privilégios:

Em termos da administração das prisões, a classificação e separação de presos,

segundo sua condição racial, não foi legalmente implementada, mas as divisões e

tensões raciais influíam claramente sobre as formas e a administração do castigo, a

destinação de espaço físico e a distribuição de recursos e privilégios.

O espaço prisional é complexo e multifacetado; compreende-lo em sua totalidade é um

desafio. Entendendo que o foco de nossos estudos é o espaço prisional pela ótica geográfica,

espaço esse produzido e ocupado pelos seres humanos e suas relações, Santos (2006, p.145)

declara: “(...) o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma

100

estrutura subordinada subordinante. E como as outras instâncias, o espaço, embora submetido

à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia.”

Os processos externos que acompanham a nossa sociedade burguesa e capitalista

como a segregação espacial, econômica e social são reproduzidos e produzidos dentro das

unidades prisionais, em condições e de formas específicas que este espaço impõe. Essas

instituições privam os seres humanos de liberdade com o discurso de proteção da sociedade e

ressocialização dos seres humanos, esses homens que logo estarão de volta às ruas; pois no

nosso País não existem pena de morte ou prisão perpétua. Entendermos o que esses homens

fazem dentro das unidades é fundamental, no debate sobre para que servem as prisões.

O que sustenta toda essa estrutura insustentável segundo Foucault (2011) são as

formas de relação do poder que são codificadas pelo Direito. Entendendo que não existe

neutralidade do Direito (codificação e interpretação política do poder). Ele faz uma análise de

como nascem os comportamentos e direitos da classe dominante sobre o poder de punir e das

leis. A partir do momento que o capitalismo se desenvolve, os suplícios vão se tornando a

marca do Antigo Regime na França e muda-se a configuração e formas políticas e como as

margens da ilegalidade e legalidade atuam. A análise de Foucault colabora com nossa

indicação de que a prisão não é um espaço para todos, mas para determinado segmento da

população. As prisões são instrumentos do poder que mantém a divisão de classes, que se

internaliza na sociedade como um espaço de exclusão.

5.1 Localização e História do Centro de Ressocialização de Cuiabá.

Ao determinarmos as coordenadas geográficas da unidade penitenciária do Centro de

Ressocialização de Cuiabá, não queremos apenas o endereço da prisão, mas buscamos

significados mais profundos. Estamos interessados em uma compreensão ampla do

significado e importância que o lugar que ocupa uma penitenciária possui. Existe um forte

significado simbólico associado às prisões.

Além deste significado simbólico, podemos ler no espaço urbano um processo de

segregação e hierarquização na localização das prisões. Os lugares destinadas às prisões na

malha urbana são a periferia. Quando uma prisão foi construída em bairros nobres, ou ao lado

de shoppings centers, bancos, empresas de ações ou mesmo órgãos públicos? Raras são

situações onde existem esta realidade e, quando existem, estamos diante de um processo de

101

crescimento da cidade descontrolado e inesperado27, e que em muitos casos tem a demolição

da prisão como solução e a construção de outras no interior do Estado ou em outras regiões da

cidade, sempre as afastando do centro do poder. Como é o caso do Centro de Ressocialização

de Cuiabá, situado no Bairro Novo Mato Grosso, próximo ao bairro Carumbé, em análise.

Poderíamos pensar, erroneamente, pelo que nos é transmitido pela mídia e pelo senso

comum, que as prisões são abandonadas, esquecidas e sem função social definida. Ledo

engano: as prisões são espaços planejados. No conjunto de ações do Estado e dos detentores

do poder existem razões e motivos para as prisões serem como são. Identificar essas intenções

e desvenda-las é o papel da pesquisa social. O Estado produz o espaço urbano em diversas

dimensões, possui instrumentos claros para isso; um deles é a legislação.

O Plano Diretor Municipal é uma lei municipal que tem o papel ser um guia para o

planejamento municipal com relação ao uso e ocupação do solo, sendo a base para a política

de desenvolvimento urbano. Através de índices, regras e normas para a construção na cidade

são estabelecidos o grau de urbanização, infraestrutura e índices urbanísticos para cada

localização da cidade. Este plano deve sempre ser elaborado pensando-se em diferentes

dimensões: ambiental, socioeconômica, cultural, política e de inclusão. Acontece que na

prática a terra é capital e isso nos leva a planos diretores que consequentemente distribuem os

valores que os terrenos têm em uma cidade. Os territórios, os limites, os acessos, os vizinhos,

a infraestrutura, tudo é levado em conta ao se pensar onde será construído um edifício público

ou um loteamento. Em nossa sociedade, ao ocuparmos um lugar, estamos também ocupando

um lugar na hierarquia social. Neste sentido ensina Kotanyi e Vaneigem, (1953 apud Felício,

2007, p.12): “de fato não se mora em um bairro de uma cidade, mas em algum lugar da

hierarquia”. (A figura 22 a seguir mostra a localização no mapa da cidade de Cuiabá da

penitenciária do Centro de Ressocialização de Cuiabá – CRC). Em seguida, na figura 26,

apresentamos o CRC no contexto da evolução do perímetro urbano de Cuiabá, relacionando a

cidade à unidade penitenciária em estudo. Já na figuras 23 e 24, vamos indicar como é o uso e

a ocupação do solo nas regiões de entorno ao presídio. Na figura 25, estaremos apresentando

uma montagem de fotos para caracterizar o aspecto de acesso ao presídio.

27 Em 2002 o presídio do “Carandiru” foi implodido. Em 2011 o presídio “Frei Caneca” foi demolido no Rio de

Janeiro. Ambos ocupavam espaços residenciais depois de 100 anos de construção. Fonte: http://blogs.estadao.com.br/arquivo/2011/05/13/ascensao-e-queda-do-carandiru-da-primeira-pedra-a-implosao/.

Acesso 02/09/2014.

102

Figura 22 - Localização da Unidade Prisional CRC. Fonte: Dados da Prefeitura de Cuiabá. Org. Rosinaldo Silva/2014.

103

Figura 23 - Evolução Urbana de Cuiabá. Fonte: Prefeitura de Cuiabá. Organização: ALMEIDA.G/2014.

104

Figura 24 – Uso e ocupação do solo ao redor da Unidade do CRC. Fonte: Google Earth/Abril de 2014. Modificado por ALMEIDA, G.

105

Figura 25 – Espaço imediato ao redor da unidade prisional. 1 - Ponto de ônibus; 2 - Lanchonete e restaurante; 3 - Perfil dos edifícios do Residencial São Carlos; 4 -

Visitas no portão da unidade. Fonte: 1,2 e 3 Guilherme Almeida Abril/2014. 4 - Leandro Nascimento, disponível em: http://g1.globo.com/mato-

grosso/noticia/2013/07/visita-em-presidios-de-cuiaba-e-cancelada-devido-greve-e-gera-tumulto.html. Acesso 27/04/2014.

106

Através destes mapas exploramos os arredores do CRC, evidenciando, por exemplo,

que o espaço escolhido para construção da penitenciária no ano de 1974 (quando fora

projetada) era distante do fluxo de pessoas, do comércio, logo, das regiões centrais e fora do

perímetro urbano. O discurso que justifica essas escolhas é a garantia da segurança, contudo,

através de uma observação mais atenta, conseguimos ver que o que mantém a segurança nas

unidades prisionais não é o poder estatal, mas sim um acordo entre as lideranças dos presos e

os agentes públicos. Esse acordo inclui facilidades, mordomia e privilégios. Logo a segurança

não pode ser uma questão de onde estão as prisões somente, mas de uma complexidade de

relações – entre elas a localização.

No mapa acima (figura 25), podemos observar que a unidade prisional encontra-se

hoje cercada de bairros residenciais. Na época em que foi planejada (1970-1974) e executada

(1978) não. Acompanhando a figura 26, podemos observar a evolução urbana do município

de Cuiabá, a partir do núcleo antigo, observando que existem alguns eixos de expansão da

cidade. Um desses eixos foi o da Av. Rubens de Mendonça, ou Av. do CPA, como é

conhecida. Este eixo está inserido dentro um grande projeto de expansão e modernizada da

capital mato-grossense dos anos 70 do século XX, quando foi criado o Centro Político

Administrativo do Estado (CPA). Nesse setor concentram-se as edificações do poder público

estadual, notamos que o presídio foi construído nessa direção da cidade.

A localização do Presídio do Carumbé (hoje CRC) era zona rural (ver figura 26). Já

no começo do seu funcionamento em 1978 passou a ser zona urbana. Na figura 27, notamos o

uso e ocupação do solo no entorno da prisão, sendo que bairros residenciais estão ao seu

entorno e todos são de baixa renda. Na mesma Av. do CRC – Av. Gonçalo Antunes de Barros

– concentram-se diversas edificações públicas, incluindo o Centro Socioeducativo para

menores em conflito com a lei. Muitos dos atuais moradores do CRC foram menores que

passaram pelo Centro Sócio Educativo. É comum os professores que lecionaram no Centro

Sócio Educativo reconhecerem antigos estudantes no presídio. Esses contam histórias das

suas vidas criminais no tempo que eram menores de idade. Esse triste fato evidência a

fragilidade do sistema em conter a criminalidade e propiciar novos rumos para os menores em

conflito com a lei.

Nos chama atenção a construção de uma universidade evangélica ao lado do presídio.

Não conseguimos muita informações sobre a edificação. O que sabemos é que existe uma

pressão para a mudança do CRC de lugar: uma das ideias defendidas é a de se construir um

107

novo presídio próximo da Colônia Penal Agrícola, que fica no caminho para a cidade de

Santo Antonio do Leverger e lá ser implantado um presídio industrial para onde os presos do

CRC seriam deslocados.

Reconhecemos que o presídio do CRC teve sua origem na mesma lógica excludente

de tantos outros presídios pelo Brasil na mesma época, sendo edificados em regiões distantes

da cidade. No processo de ocupação do espaço capitalista, existem regiões menos valorizadas

pelo capital. Estes são os espaços de moradia da classe proletária, que vai residir ao redor do

presídio por falta de opção, em alguns casos, e em outros até por iniciativa do Estado.

Algumas das ocupações residenciais ao redor do presídio do CRC foram incentivadas pelo

poder estatal quando buscava retirar morados do bairro Alvorada, antigo Quarta-Feira,

ficando evidente a lógica por trás da produção das moradias populares que vigora em nossa

sociedade capitalista – a da exclusão.

Nos anos 20 do século XX, ao visitar a Cadeia Pública da Capital, o então governador

do Estado de Mato Grosso Mario Corrêa da Costa (1926 apud Pinho, 2007, p.117), constata

uma situação de total abandono da mesma e declara que:

É de pena a impressão da primeira visita que fiz a esse estabelecimento. A cadeia

pública da Capital apresenta hábitos primitivos, não existindo a mais elementar

higiene. Os presos não têm cama para dormir, sendo que as poucas que ali estão

acham-se todas desmanteladas, com estrados em frangalhos, sem colchões, sem

travesseiros e sem lençóis. As prisões não têm luz, nem ar, conservando-se fétidas,

porquanto a defecção dos presos é feita dentro das próprias celas, em latas vazias de

querosene.

O Centro de Ressocialização de Cuiabá do Estado de Mato Grosso (antigo Presídio do

Carumbé) foi inaugurada no ano de 1978, tendo sido projetado na época para ser Cadeia

Pública, mas se tornou uma penitenciária. Desde sua criação, a Penitenciária sofreu várias

reformas, mas foi no ano de 2005 que transformou-se em CRC - Centro de Ressocialização de

Cuiabá (OKADA, 2010, p.44).

Esse estabelecimento penal é caracterizado como órgão público estadual, cujo ramo de

atividade é a segurança pública e não possui fins lucrativos. Possui capacidade projetada

inicial de lotação para 392 sentenciados. Com a ampliação da unidade II (“contêiner”), a

unidade passou a possuir a capacidade para 470 detentos. Hoje conta com uma população de

presos aproximadamente 90028 homens que ali cumprem penas privativas de liberdade em

regime fechado. Alguns presos são condenados e outros provisórios, caracterizando-se

28 Reforçamos que o número de presos varia muito, e que, como dito anteriormente, o número vem diminuindo

em MT.

108

somente como reeducandos do sexo masculino, em geral os presos ali são considerados de

baixa periculosidade.

O Estado de Mato Grosso possui 65 (sessenta e cinco) estabelecimentos penais entre

penitenciárias, cadeias de albergado e cadeias públicas compondo o Sistema Prisional do

Estado, subordinados à Superintendência de Gestão de Penitenciária, que, por sua vez, fica

subordinada à Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária (SAAP). Como instância de

execução penal, o Centro de Ressocialização de Cuiabá tem como principal objetivo, segundo

o discurso oficial, a ressocialização dos seus internos. Entretanto, apresenta uma realidade

comum a diversas unidades prisionais, onde existem diversos problemas e o domínio do

espaço é constantemente um e a existência de poderes paralelos ao Estado se faz presente.

A mudança de nomenclatura – de Presídio para Centro de Ressocialização – faz parte

de uma estratégia relacionada ao cenário nacional: a busca por uma nova forma de gestão das

unidades prisionais mais humanas, promulgada e divulgada por diversos autores frente à

falência do sistema penitenciário, entre eles Mario Ottoboni, um dos fundadores da APAC29.

O modelo de Centros de Ressocialização tem sua inspiração em experiência iniciada na

cidade de São José dos Campos – Estado de São Paulo – no ano de 1972, o qual,

posteriormente, se colocou como exemplo para outras experiências em âmbito nacional e

internacional. Essa mudança prevê que a ressocialização seja pautada em três pilares

fundamentais, que são: trabalho, educação e religião, entre outras estratégias como tratar o

preso pelo nome, usar o termo reeducando ao invés de “preso”, buscar impedir a agressão e

violência contra os reclusos.

A figura 29 abaixo ilustra o discurso que se ouve dentro da unidade prisional e nos

encontros sobre o tema. Presos, agentes penitenciários, gestores da unidade e demais

envolvidos repetem um discurso conservador, onde o ser humano, através do trabalho, estudo

e religião, poderá atingir uma vida digna na sociedade. A história de vida dos presos, as

condições sociais de boa parte da sociedade, a existência da luta de classes: nada disso existe

nos discursos e práticas ressocializadoras. Existe ainda um processo de exclusão baseado

neste discurso: muitos presos que não estudam e também não trabalham na prisão são

acusados de serem preguiçosos e de não colaborarem com o sistema; por isso, estão excluídos

29Fundada em 1974 no município de São José dos Campos, a APAC é uma entidade não governamental, atuando

sob a fiscalização do Ministério da Justiça e de Secretarias de Estado, que tem como objetivo implantar um novo

processo de acompanhamento e reabilitação de presos nas unidades que administra. Tem raízes nas pastorais

carcerárias e na militância pelos Direitos Humanos.

109

de trabalhar e estudar. Estes presos são preteridos nas atividades por não se enquadrarem nos

padrões estabelecidos e não estarem fazendo parte dos esquemas para garantirem esse acesso,

sendo que que não existe espaço físico para todos os presos trabalharem e estudarem na

prisão, o que colabora nesta seletividade duvidosa.

Figura 26 – Ilustração da tríplice que sustenta o discurso de ressocialização. Fonte: ALMEIDA. G /2014.

Em 2005, através do Diretor Dilton Mattos da Freitas, a gestão do CRC deu início a

esse processo para uma criação de um “centro de ressocialização” e começou realizando

algumas reformas na instituição a fim de conseguir um novo modelo de unidade prisional.

Essas reformas foram tanto na estrutura física, quanto no comportamento dos servidores e

presos. O espaço físico era insuportável, extremamente úmido, sem banheiros adequados,

conforme fotos 2,3,4,5 e 6 a seguir. Em 02 (dois) anos uma grande reforma iniciou-se na

unidade, lembrando que estes processos foram possível graças à parceria com juízes de

execução penal, lideranças religiosas, voluntariado, empresários, deputados estaduais e

principalmente os próprios presos. O juiz de execução penal, por exemplo, permitia que

multas aplicadas a empresas fossem destinadas a reforma da unidade prisional. Sem esse

processo de articulação não existiriam mudanças, o poder executivo estadual não as fariam.

Veja as fotos 2 e 3 abaixo; observa-se na foto 2 que o “contêiner” ou unidade II não existia, as

fotos 5 e 6 demostram como eram o interior das celas:

110

Foto 2- Imagem aérea do CRC 2005. Fonte: Direção do CRC/ 2010

Foto 3- Corredor CRC - 2005. Fonte: Direção CRC/

2010.

Foto 4- Alas CRC – 2005. Fonte: Direção CRC/ 2010.

111

Foto 5 - Banheiros dentro dos cubículos. 2005.

Fonte: Direção CRC/2010.

Foto 6 - Cubículos (celas) 2005. Fonte: Direção do

CRC 2010.

Algumas das mudanças nesse período na estrutura física foram: reforços nas paredes,

pisos, concretagem, fossos de areia, construção de novas alas independentes, galerias,

muralhas e guaritas com o objetivo de fornecer melhores condições de segurança e

infraestrutura para que os projetos iniciais tornassem efetivamente realidade a ressocialização

dos presos.

Em 2012, tivemos uma mudança de gestão da unidade e as mudanças continuaram a

acontecer na gestão do diretor Winkler de Freitas Teles (continua como diretor em até

Setembro de 2014). Algumas foram implementadas no fim de 2012. Mudanças significativas

na penitenciária foram implantadas nesta gestão como: reformas na estrutura física da unidade

com novas pinturas, limpeza da prisão, construção de refeitório para os agentes penitenciários

em plantão30 e manutenção das oficinas de trabalho. Contudo são mudanças que merecem

nossa análise especial no que tange ao território, pois ali estamos diante de uma ação que

mascara os problemas existentes no presídio. Não existe uma nova distribuição do poder ou

menor segregação espacial, pois essa prática continua presente no espaço prisional do CRC.

30 É importante destacar que apenas os agentes penitenciários em plantão (turno de 24h e folga de 72h) podem

usar o refeitório. Os outros agentes cozinham em outros espaços da unidade ou almoçam na rua. Existe um certo

conflito entre agentes de plantão e os de expediente (turno de 8h diárias), sendo que os agentes podem trocar de

uma modalidade a outra.

112

Entramos em contato com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH/MT

– para obtermos maiores esclarecimentos sobre quais são os procedimentos que a instituição

adota para a manutenção, reforma e projetos das unidades penitenciárias do Estado.

Recebemos a resposta que reproduziremos aqui, a CI nº 16 abaixo, esclarecendo alguns

pontos nesse tema, contudo, entendemos que existe um grave problema nestas respostas.

Primeiro, ao observar como são realizadas as manutenções na unidade, observamos na prática

que boa parte do processo é organizado localmente entre a gestão da unidade e os presos.

A gestão da unidade prisional consegue os materiais de construção a serem utilizados

como: pedra, cimento, madeira, tijolos e os presos realizam o trabalho com profissionais, pois

muitos dos presos possuem profissão como: pedreiros, pintores, eletricistas entre outros. Os

materiais de construção vêm de empresas que doam, apelo da gestão a parlamentares ou

através de decisão judicial, onde empresas que foram multadas pagam estas multam

encaminhando material de construção para o presídio. Sobre projetos de arquitetura ou

engenharia, podemos garantir que não existem para manutenção do edifício: são os presos e

alguns funcionários do sistema penitenciário que realizam todo o trabalho; não existe uma

ação coordenada e planejada por parte da secretaria responsável.

Os projetos de engenharia e arquitetura que a equipe da SEJUDH se refere a Circular

Interna CI nº 16 a seguir, são para a construção de novas unidades no interior do Estado. As

unidades já construídas não possuem qualquer tipo de acompanhamento técnico, até porque o

corpo técnico é insuficiente para esse trabalho e não existe interesse, pois já conversamos com

alguns técnicos e um deles foi categórico: para ele ir realizar seu trabalho, os presos deveriam

ser deslocados, por medida de segurança. Essa postura identifica o entendimento dos técnicos

(engenheiros e arquitetos) do setor. Eles estão alheios à vida dentro das prisões e também às

relações existentes dentro delas; trabalham no gabinete.

113

114

5.2 Estrutura do CRC: Os setores e as territorializações.

Neste capítulo detalharemos alguns pontos já abordados e nos aprofundaremos no

debate da Unidade Prisional em análise – o Centro de Ressocialização de Cuiabá. Depois de

uma aproximação do ponto de vista físico, trataremos da espaço social abordando o território

da prisão, as territorialidades produzidas no seu interior e o cotidiano. Traremos detalhes dos

grupos sociais que se apropriam deste espaço prisional e abordaremos ainda um dos temas

mais relevantes para a prisão: a Educação.

Existe um significativo avanço no sentido de garantir direitos em curso nas unidades

penitenciárias deste País e sem dúvidas o acesso à educação é um deles. Esta ação está

instituída como política pública nacional, através de diversos documentos e instrumentos,

115

contudo, ainda não conseguiu se universalizar e atender a todos os presos. Sem dúvidas é

louvável os esforços para que gradativamente ações educativas ganhem espaço: onde tais

ações existem, conseguem mudar o cotidiano da prisão.

A estrutura física do CRC é apresentada na figura 30 a seguir, através de um croqui.

Este croqui ajuda a entender como se divide a unidade espacialmente. Um eixo de leitura

espacial que começa no setor externo e estende-se até o fim da unidade guia nossa análise.

Este procedimento permite que o nosso estudo esteja baseado em uma perspectiva do

caminhar pelo presídio, onde temos que iniciar pelo acesso externo e ir gradativamente

atingindo ambientes mais íntimos. Este desenho destaca os setores, pois a vida penitenciária

depende deles. Tanto a estrutura física quanto as relações sociais espacializadas da unidade

estão divididas em setores.

Existe um anexo na estrutura do CRC onde funciona uma casa de albergados. Como

informamos no desenho, esse espaço não será objeto de nossa análise: destina-se aos presos

que estão cumprindo prisão em regime semiaberto, passando o dia fora, trabalhando e/ou

estudando e voltam à noite para dormir. A complexidade da rotina, acordos, fugas e demais

problemas que existem na casa do albergado é tamanha que consideramos um universo à parte

do CRC. Apenas indicamos aqui a sua existência deste. Pertencente ao CRC, esses espaços

são separados, pois coexistem por um muro de alvenaria separando os mesmos. São

absolutamente diferentes, como dois mundos.

a) Setor Externo:

São 04 (quatro) setores que compõe o CRC; estes setores são ao mesmo tempo

planejados e segregados internamente. Isso se deve, em parte, ao projeto que prevê a

possibilidade de se isolar motins caso estes aconteçam. Essa é a ideia defendido por este

projeto de prisão. Na figura 04 (p.51), apresentamos o Fluxograma Geral das prisões no

Brasil, onde a doutrina arquitetônica prisional ensina que o planejamento é o da segregação.

Indo além do planejamento físico, notamos que existe uma territorialidade marcada nestes

setores, pois em cada um deles temos o controle por parte de algum dos grupo existentes no

presídio. As rotina de cada um desses setores indica que não existe uma articulação entre eles.

Cada setor cuida do seu trabalho e não sabe como anda ou o que está acontecendo no resto da

unidade em detalhes, apenas superficialmente.

116

Figura 27 – Croqui da Estrutura Geral do CRC Fonte: Guilherme Almeida/2014.

Eix

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itura

esp

acia

l

117

Um dos detalhes que evidenciam a autonomia de vida que cada setor possui é a

existência em um de uma copa, ou pequeno refeitório em cada setor, o que leva a uma

segregação, pois os funcionários de cada setor se alimentem juntos e não se misturam com os

demais funcionários da unidade. Esta prática é importante e reforça o sentimento de

isolamento interno e desunião entre o membros que trabalham ali. Quando se pensa em um

espaço que crie a união, as pessoas deveriam se alimentar juntas: isso é símbolo de comunhão.

O setor externo é onde as famílias esperam para acessar o presídio e também é onde

fica o estacionamento de veículos do presídio. Não existe a menor consideração pelos

familiares dos presos; eles devem esperar sem conforto, água, sanitários ou um servidor que

os atenda com dignidade. Muitos desses familiares vêm de longe, existem muitas mulheres

que mantém relações sexuais dentro das unidades prisionais durante as visitas íntimas e não

tem onde se banhar depois. A foto 7 abaixo ilustra como é a fila para entrar na unidade nos

dias de visita. Observa-se muitas mulheres com mantimentos para os presos. O promotor de

Justiça Joelson de C. Maciel31 (In Câmara dos Deputados, 2008, p. 56) declara que:

Em relação também ao Centro de Ressocialização, que antigamente chamavam de

Carumbé, hoje tem outro nome, também houve um inquérito civil público para que

fosse mais humanizado. Principalmente, a preocupação do inquérito civil era com o

atendimento aos familiares, porque vocês viram como o sol é forte aqui em Mato

Grosso. Imaginem um familiar, como falou o Dr. Marcos, que vai a pé, ou pega 3, 5

ônibus, acorda de madrugada e tem de ficar na fila, tomando sol, para levar comida,

carregar peso — uma senhora idosa, por exemplo —, sem qualquer assistência. A

preocupação é dar assistência também ao familiar. Esse é outro termômetro. Se você

atende bem a um familiar do preso, automaticamente, ele fica tranqüilo no

cumprimento da pena. (Ortografia antes de 2012)

Foto 7 – Familiares na porta do CRC. Foto: NASCIMENTO. Leandro /2013

31Joelson de Campos Maciel – Promotor de execução penal em 2008.

118

Foto 8 – Chegada do “jumbos” à unidade. Fonte: ALMEIDA.G./2014.

Na foto 8 acima pode-se observar a entrada desses mantimentos ou “jumbos”32 dentro

da prisão. Esses jumbos sempre foram muito importantes para os presos, pois durante muito

tempo foi a forma de entrada de produtos diversificados para eles. Outro fato importante neste

processo das visitas é a notória diferenciação no tratamento às pessoas que buscam acesso a

unidade prisional. Os funcionários do sistema, professores, visitantes ilustres são todos bem

tratados e a revista é bem simples, apenas conferido se não existem celulares e armamentos,

sem muito rigor ou constrangimento. Já com a família dos sujeitos presos, a revista é muito

mais vexatória e busca-se descobrir a todo custo objetos proibidos.

Os dias de visita merecem uma consideração especial, são considerados sagrados para

muitos presos. Eles são como brisas que trazem esperança e dentro da cadeia muita coisa

muda. O comportamento, a higiene, a educação, a configuração do espaço dentro das Alas, o

acesso aos presos, as mercadorias dos presos etc. Quando o preso possui família que o visita,

este sem dúvida é o maior laço de humanidade que ele possui. Os dias de visita são como

festas para muitos. Algumas dessas visitas vêm de longe, saem de casa e pegam duas ou três

conduções para chegar até o presídio. Note-se que são em geral mulheres: mães, esposas com

os filhos e irmãs; Pais, irmãos e amigos são exceções dentro da cadeia, uma questão de gênero

bem marcada, que pode ser motivo de futuras investigações. A tabela 8 abaixo nós dá uma

perspectiva deste quantitativo.

32 São os sacolões com alimentos, produtos de higiene, presentes e outros que as visitas trazem nas visitas.

119

Tabela 7 – Visitantes. Fonte: Relatório da Direção/2011

VISITAS MÊS DE FEVEREIRO 2011

ESPECIFICAÇÕES TOTAL Mulheres 2529 Homens 225 Crianças 295

Total 3.049

Gráfico 8 - Visitantes. Fonte: Relatório da Direção/2011

Um das estratégias para se conseguir uma humanização nos presídios e também um

acordo com os presos foi o de permitir 04 (quatro) dias de visita na prisão, ressaltando

também que o número de presos a serem visitados é grande para apenas dois dias de visitas, o

que levou a gestão da unidade desde de 2005 a colocar mais dois dias de visita. Além dos fins

de semana, sábado e domingo, que são dias de visita em todos as unidades penitenciárias do

Brasil, foram instituídos as terças e quintas feiras para suprir a demanda. Um dos motivos que

justificou esta mudança foi o fato de que muitas das visitas chegavam até os portões da

unidade e simplesmente não conseguiam entrar devido as enormes filas que se formavam. Um

acordo entre direção e lideranças dos presos estabeleceu novas regras, permitindo que as

visitas não passem tanto tempo nas filas, também por outros motivos que facilitam as visitas

para os familiares como não atrapalhar no trabalho daquelas visitas que trabalham no fim de

semana, cuidando dos filhos, entre outros casos. Nos fins de semana continuam existindo um

número maior de visitas.

120

No fim de 2013, com a greve dos agentes penitenciários, o efetivo de trabalho foi

reduzido à 30%, comprometendo a visita dos presos. Familiares e visitantes atearam fogo na

rua contra a proibição das visitas. Proibir a visita na prisão é uma das estratégias dos agentes

para chamar a atenção do público para as suas causas. Sem dúvida é essa a medida que mais

atinge os presos e as visitas, causa indignação, revolta e o perigo de motins. Veja foto 9 a

seguir:

Foto 9 – Protesto dos familiares dos presos. Fonte:http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2013/07/visita-em-

presidios-de-cuiaba-e-cancelada-devido-greve-e-gera-tumulto.html. Acesso 26/04/2012.

Durante as visitas o ambiente é todo preparado, em espacial na Unidade I, onde

existem muitos presos e pouco espaço para intimidades. Uma diversidade de estratégias é

utilizada. Nesses dias, as atividades começam bem cedo. Por volta de 5h acordam e começam

a organizar a fila do banho. Outros ocupam-se da faxina pesada dos ambientes, alguns vão

preparar as tendas que são construídas nas alas para permitir uma intimidade com a visita e

também proteger do sol escaldante de Cuiabá. Hoje quase todas as alas da prisão estão com

uma varanda para o conforto dos presos e das visitas, conforme foto 10 abaixo:

121

Foto 10 – Cobertura construída pelas presos. Fonte: Direção da Unidade/2012.

A visita tem dois turnos, início às 9h da manhã e com início às 14h. As pessoas que

entrarem às 9h podem ficar até às 12h ou até às 16h. As que entrarem 12h até as 16h

impreterivelmente. Os presos se vestem com suas melhores roupas para receber as visitas, ou

mesmo para receber recepcionar a visita dos outros presos. Os presos que não possuem

visitas são encaminhados às igrejas para atividades religiosas usando roupas sociais, existindo

todo um cuidado especial e respeito com aqueles que recebem visitas íntimas. Como não

existe espaço destinado para isso, a visita íntima é realizada dentro dos cubículos (celas), onde

apenas os presos com visitas íntimas permanecem, sendo que a separação das camas é

realizada por cortinas. Outros presos ficam no pátio das Alas ou nas Igrejas.

Conforme podemos observar nas fotos apresentadas acima, (fotos 7 e 8, páginas 117 e

118) a visita é fonte de diversificados produtos. Estas sacolas coloridas com mantimentos na

foto 8 são os “jumbos”. Estes produtos são destinados em parte para comércio interno da

prisão, para consumo do preso que recebe a visita ou para atender aos presos todos da cela em

ação “comunitária” organizada pela igreja. Existe uma dinâmica de “solidariedade imposta”

em algumas alas da unidade prisional, em especial as evangélicas, onde 50% de todos os

mantimentos que chegam aos presos são obrigatoriamente dividido entre todos, entre aqueles

que receberam de suas famílias e os que não tem visitas. Essa política de forçar a distribuição

de bens é uma forma de evitar os conflitos entre os presos que possuem visitas regulares,

sendo uma ou até duas vezes na semana e os que não possuem nenhum tipo de visitas. Os

presos sem visitas são conhecidos por “forasteiros”, presos que estão aqui em Cuiabá, mas

suas famílias em outros Estados ou cidades distantes da capital e sem condições para realizar

as visitas.

122

As figuras 28 e 29 a seguir representam a divisão territorial do espaço prisional nos

dias de visita. Nesses dias de visita não existem aulas33, mas as atividades religiosas são

intensas principalmente no corredor que não tem visita. A prisão é dividida de tal forma que

existem visitas em uma parte da unidade nas terças e sábados e em outra parte nas quintas e

domingos. Onde se recebe as visitas, os outros presos e mesmo agentes penitenciários buscam

não entrar, a não ser quando estritamente necessário, conferindo o máximo de privacidade

possível.

As práticas que podem ser realizadas dentro de cada Ala nos dias de visita dependem

da religião à qual está Ala é submetida. Pois nas Alas religiosas os encontros íntimos só são

permitidos aos casados ou aqueles que possuem compromisso há mais de 6 meses com uma

mulher e só pode receber ela. Já nas Alas ímpias os presos tem muito mais liberdade para as

visitas íntimas.34 Ressaltamos ainda que existem presos privilegiados que através de contatos

com a gestão da unidade ou com agentes penitenciários conseguem visitas em dias que não

são os agendados para esta atividade. Todas as formas possíveis de privilégio existem dentro

de uma unidade penitenciária.

Figura 28 - Visitas no Corredor B. Fonte: ALMEIDA.G/ 2014.

33Até o ano de 2013 existiam aulas às terças-feiras, mas uma ordem da gestão da unidade acabou com esta

atividade em 2014. 34 Merece um estudo a relação entre os presos e suas esposas, namoras e amantes. As relações são intensas e em

grande quantidade; muitos homens começam romances estando presos.

123

Figura 29 - Visitas Corredor A e “Contêiner”. Fonte: ALMEIDA.G/2014

124

b) Setor da Guarda Externa:

Esse setor foi administrado pela Polícia Militar do Estado até o dia 27/12/2013,

quando teve sua transferência para os agentes penitenciários, que há muitos anos vem

buscando ocupar esse espaço. A ideia é que os agentes penitenciários sejam os responsáveis

por toda a custódia dos presos, dentro das unidades, realizando o transporte e fazendo a

guarda das unidades também. Esse processo é nacional: em diversos Estados da federação

este procedimento vem acontecendo há alguéns anos. Aqui em MT, desde de 2010 existe

treinamento para os agentes penitenciários utilizarem armamentos e técnicas de contenção. A

figura 11 abaixo mostra a recepção do CRC.

Foto 11 - Recepção do CRC. Fonte Relatório da Direção/2010.

Neste setor são realizadas as revistas para acesso ao presídio. Existem diversas regras

e em tese tecnologias para este procedimento. No CRC não existem raio-x 35ou detectores de

metal em funcionamento36. As revistas durante muito tempo foram manuais. Recentemente,

em junho de 2014, depois de um movimento nacional contra a revista íntima vexatória e uma

lei que já está em fase final de tramitação proibindo esta prática, o Estado de Mato Grosso e

alguns outros estados começaram a realizar as revistas apenas pelo detector de metais e

apenas em casos de suspeita são encaminhados para delegacia. Os produtos trazidos pelas

visitas são todos furados, mexidos e remexidos. Em algumas situações soubemos de

denúncias onde os mantimentos trazidos pelas famílias dos presos foram desviados para

atender aos funcionários, numa clara demonstração de força.

35 Os detectores de metais foram instalado em Julho/Agosto de 2014.

125

A entrada de produtos ilícitos é notória e possui relações complexas e muito tensas

dentro da unidade prisional. Veja o que diz Maciel (2008, p. 57) na reunião da CPI do Sistema

Carcerário sobre este tema:

Bom, então, quando eu fui para o GAECO37, eu levei para lá algumas questões sobre

investigação dos presídios, como a entrada de celular, a entrada de drogas, a

corrupção. E houve a Operação Artemis no final do ano passado, quando foi

deflagrada. E, realmente, constatamos que existe, sim, a entrada, e a entrada se dá de

diversas formas. Agora, com a implementação do detector de metais e uma revista

mais meticulosa, isso certamente vai diminuir. Mas o grande problema é que isso

custa dinheiro, gera custos e volume de tráfico, até tráfico de influência. É muito

difícil combater. Isso é um trabalho diário, extremamente extenuante e perigoso —

diga-se de passagem —, pois há muitos grupos organizados interessados nisso.

A frase do procurador deixa claro que os equipamentos tecnológicos, embora

importantes para evitar a entrada de produtos ilegais, nunca serão suficientes. É ingênuo

pensar que os presos não possuem boa parte do controle das unidades penitenciárias e

reivindicam a entrada de produtos ilegais o tempo todo. Existindo uma clara maquiagem no

processo de revista, segundo um dos agentes ouvidos, as prisões durante a revista só ocorrem

quando há denúncias. Um agente denúncia a visita ou funcionário que vai entrar com produtos

ilegais e este é preso, em geral isso acontece como retaliação. Um agente que está perdendo

dinheiro com a entrada de produtos ilegais denúncia o outro.

c) Unidade I:

É o espaço onde encontra-se a maioria dos presos, cerca de 60038. Além das Alas onde

ficam os presos nessa unidade é onde estão quase todos os setores administrativos da

penitenciária: a gestão administrativa; a revisoria responsável por registrar a entrada e saída

de todos que entram e saem da penitenciária; sala da subdireção com banheiro anexo e sala

para secretaria; sala da direção com banheiro e sala para secretaria; 1 (uma) sala de Serviço

Social; 2(duas) salas de atendimento psicológico; 1 (uma) sala para atender o cartório penal

com banheiro; sala de vídeo conferência (utilizada pela defensoria pública), 1(uma) sala para

recursos Humanos; um refeitório e uma cozinha e 2 (dois) banheiros para atender

funcionários; 1(um) alojamento para funcionários; 1(um) parlatório; 1(uma) sala de triagem

de saúde; uma biblioteca e dois corredores (A e B).

37GAECO- Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de

Mato Grosso. 38 Dados de Setembro de 2014, onde apresentamos a menor lotação em anos.

126

São nesses corredores que acontece a vida da prisão, é ali que circulam as pessoas,

mercadorias, conversas, bilhetes e todos os objetos que formam a vida prisional. O corredor A

tem 07 (sete) Alas, sendo 06 (seis) com 3 (três) cubículos e uma com 08 cubículos, uma Igreja

Assembléia de Deus, 03 (três) salas de aula e 2 (dois) banheiros para visitas. O corredor B tem

07 (sete) alas, sendo 06 (seis) com 03 (três) cubículos e 01 (um) com 08 (oito) cubículos, uma

Igreja Deus é Amor e uma Igreja Universal do Reino de Deus, 2 (duas) salas de aula, 1 (uma)

Ala (ala dos trabalhadores e albergados) “Fraca”, onde funciona a sapataria, a serigrafia39

(projeto Segunda Impressão) e artesanatos.

Apresentamos algumas fotos que colaboram na compreensão do setor. A foto 12

mostra a divisão entre a Unidade I e a Unidade II, essa divisão é de nível por uma escada. Esta

divisão física marca significados profundos na prática social, ficando evidente que os presos

na Unidade I possuem condições de vida mais difíceis e são excluídos de diversas atividades

quando comprados aqueles que estão na Unidade II. Existe uma Ala conhecida por “Fraca”

onde os presos do regime semiaberto moram, estes podem sair para trabalhar durante o dia,

mas também existem presos do sistema fechado no mesmo espaço. Também é uma ala que

conta com benefícios, pois os presos podem trabalhar, exercer atividades de artesanato,

sapataria, entre outras. A cela apresentada na figura 30 é uma das celas mais bem cuidadas da

Unidade I, pois nessa cela mora o pastor da igreja Deus é Amor. Um “cubículo” pequeno

dividido entre 07 homens “apenas”. Essa configuração sem dúvida se dá pela influência desse

que consegue manter um ambiente mais adequado para sua pessoa.

Foto 12 - Unidade II, parte superior do “contêiner”. Fonte: ALMEIDA. G./2014.

39Desativada no momento.

127

Figura 30 – Imagem composta de diversas fotos. Cela da Unidade I. Ala Deus é Amor. Fonte: ALMEIDA.

G/2014.

128

d) Unidade II:

Este espaço dentro do CRC é considerado um oásis dentro do presídio. Pode-se

considerar que no processo de segregação espacial contido na prisão, este foi o reservado para

a elite do sistema penitenciário. Sobre este tema podemos lembrar do trabalho de Rafael

Godói sobre a vida do agente penitenciário Amaro40 no artigo Gerindo o “convívio” dentro e

fora da prisão: a trajetória de vida de uma agente penitenciário em tempos de transição

(2011) durante suas funções na Penitenciária do Estado de São Paulo. Nos esclarece como

existe uma organização dos presos para decidir onde os novatos vão morar:

O três pavilhões estavam divididos hierarquicamente, segundo as condições

financeiras a respeitabilidade dos presos. Se Amaro contrariasse essa lógica de

distribuição, o preso seria encaminhado para o seguro41 por seus colegas de

pavilhão. Amaro sentia que sua função era mera formalidade e o controle interno da

prisão estava nas mãos dos presos.

O relato colaborar com nossa pesquisa, que constata a divisão interna dos presos estar

subordinada a um jogo entre as lideranças dos presos e a administração, com clara

predominância da primeira. Um dos entrevistados durante a pesquisa afirmou W: “O preso é

extorquido quando entra na unidade.” Vamos esclarecer como se dá a vida dentro desta

unidade.

A Unidade II é composta por revisoria,1 (um) alojamento dos agentes com banheiro

masculino e feminino; setor de saúde com farmácia, enfermaria, sala de medicação; 1(uma)

sala para esterilização e sala de higienização e 1(uma sala com grade na porta para repouso de

reeducandos pacientes com banheiro e 1(uma)sala para abrigar a farmácia, sala do dentista e

sala do médico com banheiro; 1 (uma) sala para assistente social; 2 (duas) para atender o

administrativo do setor; setor de educação com sala dos professores com banheiro e da

Gerência com banheiro; 1(uma ) sala para atender o administrativo do setor e 1(uma) sala para

estúdio para Banda Cazuluz42 e 1 (uma)sala para costura e uma cozinha.

O setor de produção é composto por 2 (dois) galpões, 4 (quatro) banheiros para

atender os presos e os funcionários com 1 (uma) sala para atender o administrativo do setor e

2 (duas) salas para depósito de materiais e espaço para marcenaria, fabrica de vassouras e

reciclagem de papel, 1 (um) barracão que atende como lavanderia apenas para Unidade II e

40Nome fictício. 41Ala destinada aos presos que sofriam ameaça de morte de outros preso por diversos motivos. 42Projeto de banda composta por presos, com início em 2012 e hoje está com poucas ações.

129

espaço em que funcionam várias oficinas como: artesanatos, cuias de couro, refrigeração,

serralheria.

No “contêiner”, nome dado a Ala onde ficam os detentos da Unidade II, tem 2 (dois)

corretores, A e B com 08 (oito) cubículos cada um, tendo capacidade total para 128 (cento e

vinte e oito) presos, com a capacidade adequada para 128 presos, um parlatório, uma sala de

visita com banheiros em cada corredor, aos fundos uma quadra poliesportiva pequena. A

maioria dos banheiros funciona de maneira precária por causa da falta de manutenção da rede

de esgoto, o que ocorre em toda a prisão, não apenas na Unidade II. A visita do caminhão

Limpa Fossa (ver foto 13 abaixo) é constante na penitenciária: pelo menos 3 vezes na semana

para conseguir minimizar os problemas com a instalação de esgoto. Outra estratégia adotada

pelos presos para minimizar os problemas de higiene na prisão é a criação de gatos. Esses

evitam que o ratos se proliferem.

Foto 13 – Caminhão Limpa Fossa. Foto: ALMEIDA. G. /2014.

As duas Unidades têm 04 (quatro) caixas d’água, número insuficiente devida à

superlotação da prisão, o que dificulta a já complicada vida dos presos e funcionários. Existe

um poço artesiano que não funciona por falta de uma bomba d’água! Poderia solucionar

muitos dos problemas encontrados no CRC. A foto 14 abaixo ilustra a visão superior do

“contêiner”, onde estão as celas dos presos. Este sistema de circulação superior foi construído

para permitir uma segurança máxima, pois em tese permite que os agentes penitenciários não

precisem se expor para abrir e fechar as celas, mas aqui é o setor de segurança mínima. Na

foto 15 mostramos uma festa junina realizada em 2012, organizada pelos professores. Aqui

130

podemos notar o quanto os presos que estão nesta unidade são privilegiados. Existe um

espaço para atividades diversas. A quadra esportiva e a gestão da unidade permitem a

realização de diversas atividades nela.

Na Unidade II existe um projeto desde 2012 onde os presos homossexuais são

retirados do convívio dos outros presos e alojados em uma Ala só para eles, chamada de “Ala

Cor de Rosa”. Esse projeto foi inicialmente concebido em Minas Gerais e Paraíba por volta de

2007. Aqui em Mato Grosso começou no CRC através de uma iniciativa de um psicólogo da

unidade que é homossexual e militante e do Centro de Referência LGBT da capital, que hoje

se chama Centro de Referências em Direitos Humanos, um órgão vinculado a SEJUDH.

Esse projeto visa evitar a exploração sexual dentro da prisão. Ouvimos relatos

arrepiantes dos travestis e gays que foram violentados e até mesmo leiloados. Existe todo um

esquema de prostituição e exploração sexual dentro das prisões. Durante muitos anos a prática

de subjugar o indivíduo que quer se vestir e ser tratado como mulher também foi um

problema, impedindo que usem cabelos longos, maquiagem e usassem o nome que querem.

Hoje existe um respeito muito maior a esses presos(as), contudo, ainda podemos notar que

também existe a concessão de privilégios, pois são apenas 8 vagas que não abrigam todos os

homossexuais da prisão.

Figura 31- Projeto “Ala Cor de Rosa” na imprensa. Fonte:http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/03/nao-

somos-mais-explorados-diz-preso-gay-sobre-ala-especial-em-mt.html. Acesso em 22/08/2014.

131

Essa prática que já existe em algumas prisões pelo país foi regulamentada hoje é

obrigatória, pela Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014. O presidente do Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP e o presidente do Conselho Nacional

de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT transformaram essa prática recente em política

pública.

Foto14. Superior do “contêiner”. Fonte: ALMEIDA. G. /2014.

Foto 15 - Festa Junina na Quadra da Unidade II. Fonte: ANDRÉ. Marcos /2012.

A prisão revela sua segregação de forma absolutamente latente e evidente. Os presos

na Unidade II possuem muitos privilégios, quando comparados com aqueles na Unidade I.

Uma observação rasa já constata isso quando vemos que não existe superlotação na Unidade

II, mas apenas na I, além de toda uma facilidade de acesso ao trabalho e outros direitos. A

distribuição e organização dos presos se faz menos em função da arquitetura do espaço, mas

132

moldam o espaço e mesmo a arquitetura em função das suas necessidades e apropriações em

grupo. Um dos entrevistados, preso O diz:

Aqui para nós, nois é mais privilegiado do que lá embaixo. Eu: em que sentido?

Chega melhor, aqui tem mais acesso. Lá em baixo é restrito. [...] 17h e 21h entra

água aqui em cima, lá embaixo não tem... o que acontece, tem meio hora de água. 5.1 Os Grupos no Espaço Prisional: os presos, e os funcionários do sistema penitenciário.

Os principais grupos que se apropriam do espaço prisional e o manipulam são os

mesmos que impõem o cotidiano, exercendo poder que se manifesta no espaço e na condução

do dia a dia. Certeau (1996) debate a importância de olharmos para como as pessoas criam o

cotidiano, pois as pessoas não são passivas diante das culturas, forças econômicas e das

imposições que sofrem. As pessoas criam mecanismos e estratégias de resistência e

ressignificação, como diz Certeau (1996, p.31) ainda:

O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos

pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia

pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de

viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O

cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior...

A importância do cotidiano para apropriação do espaço é imensa, sobre isso destaca

Carlos (2007, p.20), que diz:

A produção espacial realiza-se no plano do cotidiano e aparece nas formas de

apropriação, utilização e ocupação de um determinado lugar, num momento

específico e, revela-se pelo uso como produto da divisão social e técnica do trabalho

que produz uma morfologia espacial fragmentada e hierarquizada

Autores como Donald Clemmer (1940 apud Santos, 2003, p.23) criaram o conceito de

“prisionation”, afirmando que: “Todo homem confinado ao cárcere sujeita-se à prisonização”,

definindo dessa forma os modos de vida, tradições, costumes ou seja a cultura penitenciária.

O autor indica em sua obra como a prisão causa mudanças no comportamento dos reclusos.

Sobre esse tema afirma Arguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009. Vol. 1, p.63):

Igualmente a outras sociedade, os presos forjaram suas próprias “subculturas

carcerárias”. O uso de gírias e tatuagens, certas condutas associadas com a

homossexualidade, o desenvolvimento da masculinidade concentrada a condutas

criminosas e o emprego exagerado da violência para marcar diferenças eram práticas

culturais que se desenvolviam no interior da prisão, se bem que algumas delas

tiveram origem no mundo exterior. Estas manifestações de subcultura carcerária

contribuíam para forjar vínculos de cooperação e reciprocidade entre os presos, mas

também alimentavam (e, por vezes, eram reforçadas por) formas agudas de

competição e conflito. As comunidades de presos, apesar de tudo, não constituíam

conglomerados humanos homogêneos, mas grupos fragmentados e diversos.

133

O espaço prisional é sempre hierarquizado e recheado de conflitos diários. No intuito

de entendermos o processo de controle do poder sobre o território da unidade prisional em

estudo e como se dá o cotidiano da unidade, devemos olhar para os agentes sociais que estão

diretamente presentes no local e produzem o espaço geográfico. Esse grupo é formado

principalmente pelos: agentes prisionais, servidores do sistema penitenciários – assistência

social, técnicos em saúde, defensoria pública, técnicos administrativos, servidores da

educação (professores), os policiais militares (até 17/12/2013) –, as visitas, a administração da

unidade e os presos. Esses possuem um grande leque de diferenciação entre si, sendo um

conjunto complexo e altamente heterogêneo. Possuem tramas em suas relações que são

difíceis de decifrar e entender.

O despertar, o desjejum, as rezas, os cultos, leituras bíblicas, os cânticos, entre outras

ações que são desenvolvidas e controladas pelas Igrejas, permitem a existência de uma rotina

dentro da unidade. Essas atividades convivem com as atividades organizadas pelo Estado

através dos funcionários. As atividades organizadas pelo Estado são: sair da tranca pela

manhã às 07h00; alimentação: café da manhã às 07h00, almoço às 11h00 e jantar às 17h00;

contagem de presos às 16h00 e a tranca 16h00 ou 18h00 (dependendo do plantão). As

atividades de trabalho não são para todos os presos, existem aqueles que estão em espaços

privilegiados, as chamadas alas de trabalhadores. Os que trabalham acordam 06h30 e tem

contagem às 07h00, saem para trabalhar às 07h30 até às 10h40. Temos horário de almoço,

com retorno ao trabalho às 13h00 até às 16h00, o horário de estudos para aqueles engajados é

basicamente o mesmo dos que trabalham.

Contudo devemos destacar que a rotina é diferente para aqueles presos da Unidade II,

que além de estarem todos contemplados com atividade de trabalho, existe ainda um

diferencial. Muitos dos presos ali trabalham o dia todo e, no fim do dia às 17h00, quando

finalizam o trabalham, podem ir depois para a Escola noturna 43que funciona apenas aos

presos da Unidade II.

Os presos se diferenciam por diversos motivos; podemos classificar de forma

simplificada por três categorias: econômica, cultural e política. Econômica: aqui

significando uma divisão entre os presos que possuem renda e os que não possuem. Essa

renda pode vir dos trabalhos formais (através da administração da unidade) e informais (como

43A partir de Agosto de 2014, a escola noturna fechou na unidade por falta de agentes penitenciários disponíveis

neste horário.

134

lavar roupa de outros presos, jogos de cartas, etc.), sabendo que jogos de azar são proibidos

dentro da unidade prisional; dos familiares; das rendas externas dos reclusos que tem fontes

diversas e muitas vezes obscuras. Cultural: a crença religiosa, o nível educacional e a

existência de habilidades profissionais dos reclusos são os fatores que os separam

culturalmente. Aceitar uma religião ou não dentro da unidade é um fato de segregação clara,

existem espaços evangélicos e os espaços não evangélicos (chamados de ímpios). O nível

educacional e de habilidades profissionais fazem com que os reclusos sejam utilizados como

mão de obra pelo sistema penitenciário. Os espaços que os presos “trabalhadores” ocupam são

diferenciados também. O processo educacional é sem dúvida segregador, pois existem aqueles

presos que podem estudar e os que não podem, os ímpios. Essa é uma forma de controle do

espaço e da vida dos presos. Política: os reclusos que são lideranças religiosas e/ou

intelectuais na unidade tem facilidade de acesso à administração da unidade, aos serviços de

defensoria pública, ao serviço social, psicológicos e saúde; e detêm, em parceria com alguns

servidores do Estado, o monopólio das mercadorias que circulam na unidade.

Os limites e as regras a serem seguidas dentro da unidade são basicamente estipuladas

pelos presos. Determinam sobre a circulação nos dias “normais” e os dias de visita, as

condutas de higiene, as roupas que podem ser usadas, as consequências quanto à delação, a

segregação pelo tipo de crime cometido, a determinação dos locais que os “calouros” vão

ocupar nas celas, etc. Todas essas relações, entre outras, são determinadas pelos reclusos.

Existe toda uma cultura dos espaços de privação de liberdade, uma tradição representada pela

linguagem, pelo código de postura e relações de poder. Questões que se fazem presentes no

cotidiano, essas relações variam muito de uma unidade para outra e no tempo se transformam

na mesma unidade. Mas essas mudanças são principalmente de origem de fatores como a

gestão da unidade, das disputas de poder, a superlotação e se existem ou não agentes externos

como: ministério público, professores, entre outros que estejam frequentando o espaço.

A vida dentro da prisão está sempre recheada de acontecimentos, brigas, trocas, jogos,

futebol44, produção de artesanato, ensino, troca de histórias, contam vantagens, disputam

amores, constroem amizades e desafetos, como afirma Chazkel (In Maia, Netto, Costa e

Bretas. Vol.1, 2009, p.18), ao estudar as prisões no início do século XX:

A aparente fascinação do autor com a criatividade dos presos o compeliu a

documentar as intricadas ilustrações que estes faziam em cartas de jogar

improvisadas, as tatuagens e desenhos a lápis produzidos nas celas. Senna descreve

44No mês de Setembro e Outubro de 2014 um campeonato de futebol animou o presídio do CRC.

135

os instrumentos afiados que os detentos fabricavam a partir de objetos como

colheres, pregos e canetas e que usavam não apenas em brigas, mas também para a

arte. [...]

Este processo não é novidade, pois ao relatar as prisões do período colonial na

América do Latina, Carlos Aguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas. Vol.1, 2009, p.64) diz

que:

O consumo de álcool e drogas, assim com o jogos de azar, ainda que proibido pelos

regulamentos, eram frequentemente tolerados pelas autoridades, por serem

convenientes aos seus interesses. Como resultado de todas estas práticas de

socialização, a vida na prisão poderia ser ao mesmo tempo lúdica e violenta,

divertida e dolorosa.

Lembrando que por mais invisível para uns que possam ser as prisões, existe uma

dinâmica da mais alta importância que são as visitas, que conseguem manter os sujeitos

informados e muito mais que isso: são as responsáveis por manter os sujeitos em equilíbrio,

calmos, esperançosos em sair; confortam os sujeitos privados de liberdade.

Uma parcela da população passa uma parte de suas vidas nas prisões. Os sujeitos que

por ali passam estão inseridos em uma cultura e perspectiva de vida que gera uma identidade

e muitos não acreditam que pode ser diferente. Nas palavras de Marcos Bretas (in Maia et.al,

vol. 2, 2009, p.94), “O mundo das prisões está agora dividido entre os pobres-diabos que

sofrem seu destino e essas criaturas para quem a prisão é o habitat natural”. Muitos estão tão

acostumados com a prisão que a liberdade lhes é estranha. As esposas até gostam dessa

situação, pois sabem onde eles estão e sabem como encontrá-los nos dias de visita. Segundo

algumas delas, só tem sossego quando eles estão “guardados”, ou seja, presos.

A familiaridade com a prisão por parte de muitos sujeitos encarcerados é tamanha que

podemos sugerir uma analogia: Enquanto boa parte dos jovens de classe média sonham em

estudar e concluir uma faculdade, acreditando que no futuro vão exercer uma posição de

autoridade no mundo, os sujeitos presos, desde cedo, sabem que vão passar uma temporada

nas prisões, pois os amigos e familiares ali já estiveram, faz parte de um destino normal, trata-

se de expectativa de vida, uma ideologia imposta pela sociedade, que segundo Cunha (2003,

p. 5-6):

Tal como noutros países onde a guerra à droga também viera reforçar estilos

similares de combate ao crime, é agora nestas áreas estigmatizadas que se constitui o

grosso das fileiras prisionais, pelo que a geografia da reclusão se tornou

extraordinariamente previsível. [...]Por sua vez, a prisão é já uma realidade

incrustada na vida destes territórios urbanos, onde se tornou um elemento vulgar de

muitas biografias, um destino banal. Todos os residentes têm um conhecido ou um

familiar que está ou esteve preso. Membros de diferentes famílias deslocam-se agora

à prisão em conjunto, usufruindo da boleia ora de um, ora de outro vizinho que vem

136

visitar um parente - e aproveitam para visitar, da mesma feita, uma vizinha presa. Na

verdade, neste circuito a condição de preso e de visitante são quase intermutáveis,

dado o recorrente deslize de uma para outra em diferentes momentos da trajectória

de uma mesma pessoa. (Português de Portugal)

O estudo sobre o espaço deve sempre ser amplo e incluir uma perspectiva que englobe

diferentes questões como: a divisão de classes, divisão racial, desemprego, pobreza, direitos

humanos, exclusão social, a invisibilidade de sujeitos e instituições sociais, criminalização da

miséria, delinquência e punição. Pois todas estas questões tem reflexos no espaço vivido pelas

pessoas. No cárcere devemos refletir sobre esses pontos também, pois a sociedade que existe

fora é a que está presente intramuros. A prisão é um elemento do fenômeno urbano e sua

influência na vida da cidade se faz presente como um espaço de exclusão por excelência.

As mudanças espaciais são marcas de novas formas de relações sociais: econômicas,

comerciais e religiosas dentro das unidades. Devemos destacar que as mudanças são muitas

vezes promovidas pelos próprios reclusos. Em geral temos uma parceria entre a gestão da

unidade e a liderança dos presos.

Os presos:

Os presos são os principais atores que integram nossa área de estudo, apropriando do

espaço prisional e realizando os processos de segregação, conflitos e cooperação que fazem

parte de nosso trabalho. Faremos isso analisando inicialmente alguns aspectos fundamentais

da dinâmica prisional: o ingresso do preso da unidade, o trabalho do preso, religião na

unidade, a influência do comércio na dinâmica prisional, a saúde no CRC e destacaremos em

especial o processo de educação em outro capítulo.

O preso entra na unidade prisional de duas formas: através de mandato de prisão

expedido pelo Juiz de Direito ou ofício da delegacia com nota de culpa e exame de corpo e

delito ou quando em flagrante delito. Ao entrar na unidade, ele identifica-se na revisoria da

unidade – o nome com o qual ele se identifica muitas vezes é falso –, mas não existem meios

de verificação. Não existe um controle eletrônico através de leitura de digitais ou outra forma

para conferir a veracidade das informações, por não existir um sistema integrado de dados.

Em diversas oportunidades observamos presos cumprindo pena com um nome e depois ele

cumpre outra pena, com outro nome.

Após a revisoria o preso é encaminhado para uma triagem; esse período de triagem

dura um ou dois dias, onde é explicado para o preso algumas regras, é preenchida a ficha de

identificação, são tiradas fotos de face e tatuagens, e medida a altura do preso. Neste

137

momento ele encontram-se em ambientes específicos de cada corredor, conhecidos por

Fundão A ou B, dependendo do corredor. Ali já começa a extorsão do preso. Caso ele tenha

alguma condição “especial”, logo vai para um espaço privilegiado. Do contrário, vai dormir

ao lado do “boi” (vasos sanitário).

A revisoria da penitenciária insere os dados do indivíduo (incluindo foto) no sistema

informatizado, chamado de SIAPEN. Esse sistema foi implantado na unidade a partir de

outubro de 2012, desenvolvido pelo DEPEN/MJ – Departamento Penitenciário Nacional do

Ministério da Justiça e compartilhado com os Estados da Federação. Antes de 2012 todo o

controle da unidade era realizado em tabelas no Excel. Hoje as maiores penitenciárias do

Estado possuem SIAPEN, mas nem todas as cadeias públicas do interior possuem o sistema,

que agilizou muito o trabalho do cartório45 que existe dentro do presídio. Esse cartório é

especifico para as questões prisionais. O sistema atual interligando as unidades penitenciárias

do Estado permite sabermos em qualquer uma das unidades onde está o preso e sua

localização exata na unidade, informando a Ala e a cela do mesmo, desde que os dados sejam

atualizados.

Às sextas feiras existe uma dinâmica interna na prisão. É o dia escolhido para as

mudanças de celas. Esse procedimento é uma forma dos presos se (re)organizarem e

resolverem conflitos e interesses próprios, mais do que uma gerência da direção da unidade.

Os conflitos entre os presos, as insustentáveis cobranças de dízimo, as extorsões pessoais e os

esquemas diversos para melhorar de ambiente são os motivos das mudanças. São diversos os

fatores para que existam as mudanças de celas, que são comunicadas ao líderes das Alas e ao

cartório da unidade para que seja colocada no sistema e ao chefe de disciplina (agente

penitenciário). Isso é importante pois, quando o advogado(a) ou outra pessoa busca o preso na

prisão, os servidores podem localiza-lo pelo sistema. Na Penitenciária Central do Estado –

PCE, a dificuldade para encontrar os presos é enorme, chegando-se a demorar um dia para

conseguir entregar um alvará de soltura.

A dinâmica da vida prisional é de uma rotatividade intensa, pois os presos estão

sempre chegando e saindo em grande quantidade. Segundo informações do Cartório da

unidade do CRC, temos cerca de 18 a 23 entradas por dia e de 15 a 25 saídas por dia. Através

desse fluxo dos presos criam-se estratégias de “acolhimento”, as chamadas triagens. São duas

45O cartório que existe dentro da prisão não possui nenhum vínculo com cartórios externos, são cartórios penais

que cuidam da vida do preso apenas e ao sair apenas arquivam a sua situação.

138

Alas destinadas a receber os presos provisoriamente, Fundão A e Função B, cada um em um

corredor. Existe um processo de identificação do preso e de classificação e depois de um ou

dois dias o preso é destinado a uma das Ala da unidade.

A segregação espacial dentro da prisão não segue o que indica a legislação. Segundo

esta, os presos deveriam ser separados pelos crimes que cometeram, pela existência de doença

mental, os chamados casos de medida de segurança, pela reincidência ou não dos sujeitos e

não deveria existir presos provisórios em penitenciárias. Nenhum desses critérios legais são

seguidos no CRC. As regras que seguem são internas, moldadas pelos presos, agentes, gestão

da unidade e algumas vezes pelo presença do Ministério Público quando se faz presente e

fiscaliza as unidades.

Destacamos que sobre a entrada dos presos na unidade muito ainda deve-se avançar,

pois a prática da mentira dentro da prisão é imensa. Podemos perder a referência com

facilidade sobre o que é verdade ou não dentro da unidade. Isso coloca em cheque muito do

que estamos investigando aqui, as meias verdades, os bilhetes com informações maldosas, as

estratégias de evangelização falsas, os desmandos de líderes, os conflitos constantes e a falta

de informações confiáveis do sistema penitenciário nós traz um cenário de amadorismo ainda

neste campo. Arruda, ao relatar sobre os sistema penitenciário de Mato Grosso na CPI do

Sistema Carcerário, esclarece a falta de informações que acomete as prisões:

E a coisa ainda é muito primária, não há um controle. Às vezes, a unidade prisional

sabe da vida daquele preso pelo que ele conta. Não há uma pesquisa efetiva de quem

seja aquele ser. Então, se a gente vai conversar na beira da grade, realmente ele fala

que é primário, fala que é provisório, fala que é 155, e, na verdade, ele tem vários

outros delitos e, quando a gente descobre e fala: “Ó, você estava mentindo para

mim?”, ele diz: “Não, é que dessa vez eu estou preso por um 155, mas já fui preso

outras 10, 15, 20”. Enfim, é mais ou menos assim. (In Câmara dos Deputados,

2008, p.48. grifos no original).

139

Figura 32 - Presos na Ala M. Fonte: Vídeo da Coordenação de Educação/2010.

No vídeo os presos da Ala M, figura 32 acima, uma das mais superlotadas da unidade,

reclamam da falta de água. São 55 presos em uma cela e aproximadamente 110 na Ala, onde

não deveria existir mais que 20 homens. A água chega na cela todos os dias, apenas por 15

minutos. Essa é a forma de contabilidade desse recurso na prisão, pelo tempo que das

torneiras saem água. Muitos presos possuem baldes, potes, canecas, ou outras formas de

reservatório de água para conseguir armazenar água. Em algumas Alas sem dúvida temos uma

maior dificuldade para armazenar água devido à superlotação e mesmo pela distribuição

desigual da água. A quantidade de água por preso/dia é muito pequena. Veja a foto 16 abaixo:

Foto 16 – Reservatório de água na cela. Fonte: ALMEIDA. G. /2014

140

a) O Trabalho dos presos:

O trabalho dos presos divide-se em dois diferentes grupos na prisão em estudo. No

primeiro, temos o trabalho realizado no setor de produção da unidade do CRC, que em tese é

o espaço reservado para este fim na unidade; e existem diversos outros trabalhos realizados

pelos presos em todos os setores da unidade, atividades variadas como: cortar cabelo, lavar

roupas em troca de dinheiro, vender salgados, etc. O setor de produção concentra as oficinas

da unidade (marcenaria, reciclagem de papel e confecção de placas de carro). Ali existe uma

rotina de trabalho. O trabalho dos presos condenados é regido pelo Art. 31 da Lei 7.210/84:

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na

medida de suas aptidões e capacidade. Parágrafo único. Para o preso provisório, o

trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento”

(Brasil, 2008, p. 27)

O setor de produção dentro da unidade deveria se realizar em parceria com a Fundação

Nova Chance - FUNAC. No Estado de Mato Grosso existe uma Fundação regulada pela Lei

Complementar nº. 291 de 26 de dezembro de 2007, que criou a FUNAC. Com base no Art. 34

da Lei 7.210/84: “O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com

autonomia administrativa e terá por objetivo a formação profissional do condenado”. A

função é de propiciar a profissionalização aos reeducandos e egressos. Esse projeto é uma

assimilação do que já acontece há anos no Estado de São Paulo – FUNAP. A FUNAC está

subordinada à Secretária de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH.

A Fundação Nova Chance deverá auxiliar e agilizar a intermediação e contratação de

mão de obra, bem como os processos de pagamento dos reeducandos do sistema prisional

decorrentes de serviços prestados aos tomadores de serviços; procede-se através de convênios

com empresas ou por meio do desenvolvimento de projetos tanto com outros órgãos quando

com a da esfera estadual e federal. (OKADA, 2010, p. 79).

Contudo esse processo não é simples, não existindo uma confiança por parte dos

presos na FUNAC e nem uma intimidade entre esta e os agentes prisionais e direção das

unidades. Esse distanciamento não permite a criação de vínculo e confiança. O trabalho em

comum não anda. Existem projetos sendo executados dentro das unidades, mas alguns

trabalham sem comunhão com outras atividades remuneradas dos presos. Ouvimos de presos

dentro do CRC que nem querem ouvir falar de “Fundação Nova Chance”. No entendimento

desses, a Fundação apenas pega o trabalho do preso para exposição, não retorna o valor

devido e não auxilia na efetiva produção dos produtos.

141

Antes da criação da FUNAC, as unidades prisionais já possuíam o setor de produção e

este articulava o trabalhando dentro das unidades prisionais. Nesse acordo informal dos presos

com a gestão da unidade, os presos utilizam as oficinas e contribuem com um valor de 20%

de tudo o que é vendido, a fim de manutenção dos equipamentos. A venda dos produtos é

realizada através de terceiros que retiram os produtos manufaturados depois de prontos e

levam para o comércio externo na rua. Ouvimos algumas denúncias de desvio de dinheiro

desse setor, de agentes que se apropriavam do trabalho dos presos, de presos que possuíam

regalias para sair e comprar material46. Algumas investigações aconteceram em 2012, mas

não temos conhecimento do resultado. Não existe um processo de transparência dos recursos

que giram nesse setor; por exemplo, a divulgação das contas do setor que não existe, o que

gera muita especulação sobre o uso inadequado dos recursos.

Ainda segundo os presos, todos os recursos (matéria prima, ferramentas, etc.) para

conseguirem trabalhar e produzir dentro da unidade são oriundos dos esforços dos próprios

presos, agentes e terceiros que são os fornecedores de matéria-prima. Eles vão até a

penitenciária entregam a matéria prima e depois buscam o produto manufaturado. Alguns dos

produtos fabricados são cuias para terére a partir de cifres de boi, produtos de couro, quadros

e artesanatos diversos. No comércio interno o processo é semelhantes e existem fornecedores

de doces, bebidas e salgados. Esse processo todo acaba num esquema de propinas, pagas para

que o comércio seja liberado dentro das unidades prisionais.

Neste setor existem hoje cinco agentes prisionais responsáveis que trabalham

diretamente com os presos, encaminhando-os às oficinas, realizando o processo de verificação

de remissão, resolvendo conflitos, evitando sabotagens (presos e/ou agentes descontentes que

danificam os maquinários) e monitorando os presos permanentemente nas atividades.

Empresas privadas, através de parcerias com a gestão da unidade, são responsáveis por

parte das atividades nas oficinas. Uma das etapas do processo de reciclagem de papel

acontece na unidade. A empresa leva o material a ser processado, os presos separam, trituram

e ensacam. A empresa recolhe novamente o produto em caminhões. A rotina da marcenaria é

similar, mas a matéria prima é doada muitas vezes pelo IBAMA ou outras instituições de

fiscalização ambiental em geral.

46Incluindo denúncias de presos que ao sair da unidade estariam se relacionando sexualmente com agentes

penitenciárias.

142

A FUNAC, quando procurada, declarou que a relação hoje com as unidades

penitenciárias é melhor, e que durante um período enfrentou uma campanha de difamação,

onde seria declarado que a Fundação seria responsável por acabar com diversos postos de

trabalho. Hoje a FUNAC está conseguindo através do PRONATEC47 do Governo Federal

realizar alguns cursos nas unidades penitenciárias em parceria com o SENAI (Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial). Estes cursos são muitas vezes impossibilitados de se

realizar pela falta de condições físicas das unidades penitenciárias e são cursos em geral com

vagas que variam entre 20 à 80 presos, o que nos dá a dimensão de alcance destes cursos. A

FUNAC declara também ter 19 contratos de trabalho entre presos e empresas, número ínfimo

perto do número de presos. Estes dados são para todo o Estado de Mato Grosso. No CRC os

cursos estão previstos para começar em Novembro de 2014.

Entrevistados durante a pesquisa criticaram a atuação da gestão da FUNAC, inclusive

indicando que a gestão da FUNAC vive num mundo à parte do real. Entrevista W disse:

“Elas (gestoras da FUNAC) são cabos eleitorais. Elas não tem a intensão e nem

conhecimento técnico para fazer política pública na área de educação e prisões e

nem em nenhuma outra área. Elas são retrogradas. Este cargo foi um presente para

presidente da Fundação, porque ela ganhou votos para o governo.”

Todo este conflito com relação à gestão do trabalho na FUNAC e o trabalho e a

capacitação profissional do preso por arte da FUNAC faz com que exista dentro de cada

unidade prisional um esquema independente da gestão central do Estado.

O quadro 5 abaixo resume as oficinas que existem no setor de produção e os itens ali

manufaturados:

Quadro 6 – Tabela Oficinas.

OFICINAS, SEUS TRABALHOS E INFRAESTRUTURA Marcenaria Produz diversidade de itens mesas, casas de cachorro, bancos, etc. Reciclagem Tritura papel, ensaca e separa Chifres Lixa os chifres e faz cuias para terére Couro Lixar e desenhar em peças de couro, moldando-as a copos, jarras e outros objetos. Artesanato Quadros, esculturas, maquetes de casas, porta-copos, etc. Uma diversidade de itens são

produzido pelos presos.

A marcenaria e a reciclagem estão instaladas em dois barracões grandes. Há uma

oficina de placas de carro (foto 19 abaixo). A empresa privada construiu e emprega cerca de

11 presos. Existem oficinas menores de couro, chifre e artesanato (foto 17 abaixo). Todas

47O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado pelo Governo Federal, em

2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Fonte:

http://pronatec.mec.gov.br/institucional-90037/o-que-e-o-pronatec. Acesso 29/08/2014.

143

estas oficinas, segundo entrevistas com agentes prisionais, foram desenvolvidas e criadas a

partir da gestão do antigo diretor Sr. Dilton de Freitas. São inciativas da gestão da unidade

essas parcerias com entidades privadas e públicas. Não existe um acompanhamento da

Secretária responsável e muito menos de planejamento por parte desta. No total existem cerca

de 80 presos trabalhando nas oficinas e outros 20 na limpeza, “pagando comida” (servindo

alimentos aos outros), fazendo salgados para vender dentro da unidade. Todos os presos que

trabalham nesse setor moram na Unidade II.

Foto 17 - Artesanato no setor de produção. Fonte: Relatório da Direção/2010.

144

Foto 18- Reciclagem no setor de produção. Fonte: Relatório da Direção da Unidade/2010.

Foto 19 - Oficina de placas de carro. Fonte: ALMEIDA. G. / Abril de 2014.

Outra parte dos presos que estão trabalhando em atividades diversas são responsáveis

pelas seguintes tarefas: faxina de toda unidade incluindo não apenas as dependências deles,

como também a capina; a retirada do lixo para fora; toda manutenção, consertos da unidade.

Assim como a organização de documentos, aspectos burocráticos entre outros são realizados

pelo presos. Muitas destas atividades realizadas pelos presos não são importantes para sua

qualificação, apenas colaboram na manutenção da unidade penitenciária.

É importante ressaltar que sem os presos para colaborar na organização dos

documentos, muito trabalho cairia sobre o agentes – hoje o sistema travaria. O quadro 6

abaixo sintetiza a relação numérica entre presos e agentes na unidade em estudo:

145

Quadro 7– Relação entre presos x agentes. Fonte: Cartório do CRC

RELAÇÃO ENTRE O Nº DE PRESOS E AGENTES Nº de presos em média 1.000 Nº total de agentes que trabalham no CRC 150 Nº de presos/ nº de agentes 6.67 presos por agente Nº de agentes por plantão + efetivos 35 Nº de presos/ nº de agentes (plantão) 28.57 presos por agente Relação nº de presos/ nº de agentes recomendada 5

O número de agentes penitenciários e funcionários do sistema penitenciário é

insuficiente. Dessa forma os presos trabalham colaborando com o sistema. Muitos estudiosos,

incluindo o Professor Dr. Elionaldo Julião (2009), indicam que a maioria dos trabalhos

realizados pelos presos não são para aprender algum ofício. Declara o Julião48 (2009): "O

trabalho de carpintaria ou de limpeza não gera nada para o preso quando ele sair da prisão. É

preciso abrir vagas qualificadas, de trabalho formativo, assim como o ensino também precisa

ser de qualidade.” As atividades desenvolvidas garantem a remissão dos presos e o conforto

do Estado em não precisar estabelecer projetos e planos de uma educação profissionalizante

integrada ao processo de ressocialização.

Em dias de pouco efetivo no plantão chegamos a observar um preso com a chave das

alas nas mãos, trabalhando como agente penitenciário. O preso N.C. está na prisão há muitos

anos e, ainda ficará muito mais. Ele conhece bem o ritmo da cadeia e sabia obedecer a todos

os sinais e a todos os comandos. Isso não é uma atitude padrão dos agentes prisionais no

CRC, mas aconteceu e deixa claro a que nível o sistema está exposto aos acordos internos.

Em outros presídios do Brasil pode não ser comum, mas reforçando a nossa descrição do atos

podemos encontrar na CPI do Sistema Carcerário (2009, p. 119):

“Chaveiros” são presos que exercem funções do estado no presídio Aníbal Bruno

(Recife-PE), funções que são delegadas pela direção do estabelecimento. Os

“chaveiros” substituem os agentes penitenciários e controlam o espaço prisional. Em

cada pavilhão há um “chaveiro” que fica com as chaves do pavilhão, trancando e

destrancando as celas! Denunciaram outros detentos que eles cobram taxas para

liberar a entrada de alimentos, roupas e colchões[...] A CPI encontrou uma “bodega”

que havia sido alugada pelo “chaveiro” a outro detento mediante o pagamento de R$

200,00 reais por mês. O preso “locatário”, por sua vez, contratou como

“empregados” da vendinha outros três detentos, que recebiam salário mensal de R$

650 cada um, demonstrando que ter “comércio” dentro da cadeia dá lucro, e

bastante! A figura do Chaveiro só é possível porque existe uma conivência com o poder público

que permite essa situação. Qual situação? A de que os presos possuem controle total e

irrestrito da prisão. Todo e qualquer espaço que não possui controle do Estado o possui de

48Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/20/ult5772u5334.jhtm. Acesso em 04/09/2014.

146

outras fontes de poder. Os presos se reorganizam e, claro, usam para isso o que conhecem das

formas de apropriação privada do capital e das relações materiais. Por exemplo, colocando

outros presos para trabalhar, alguns presos se apropriam da mais-valia gerada. Um tremendo

absurdo, pois onde deveria existir igualdade de condições é onde observamos as maiores

desigualdades.

Foto 20 - Cadeados no CRC. Fonte: ALMEIDA. G. /2014.

A foto 20 acima é de cadeados em um dos portões internos das Alas do CRC, onde

durante o dia os presos escolhidos para serem os “correrias” ficam transitando no corredor

sem que as Alas ou celas estejam trancadas. A figura do chaveiro não existe no CRC, como

descrito na citação acima, mas observa-se que existe uma dinâmica de maior liberdade dentro

do CRC, existindo em cada Ala um preso que regula a entrada e saída de pessoas e objetos, ou

seja, são os presos que realizam boa parte do controle dos fluxos internos na prisão. Na

prática são os “porteiros”. Os agentes prisionais ficam localizados onde veem toda a

movimentação dos presos pelo corredor, mas não tem visão direta das alas. Veja a figura 33 a

seguir:

147

Figura 33- Esquema da localização do agente e do correria e porteiros. Fonte: Guilherme Almeida/2014

Ao tratar do tema do efetivo de servidores na prisão para segurança e do número de

presos (cerca de 4.200 presos em Aníbal Bruno em Recife/PE), o Diretor (CPI Sistema

Carcerário, 2009, p. 120) esclarece por que eles não fogem:

Há uma média de 5 agentes, com salário inicial de R$ 900,00, cuidando de todo o

complexo, sendo necessário o concurso da Polícia Militar para suprir a falta desses

profissionais. Perguntado pela CPI o que impedia uma fuga em massa em tais

condições, o Diretor respondeu: – Só Deus.

Os muros de todas as prisões são simbólicos: não existem condições para impedir a

fuga em massa. Pode-se impedir a fuga de poucos presos que pretendem sair de qualquer

jeito. O fato para que não exista fuga em massa é bem diverso. São várias explicações: a

distribuição de benefícios, a formação de um estilo vida que a cadeia possui, as lideranças

entre os presos, os privilégios, o dinheiro dos ganhos financeiros para alguns e mesmo o fato

de que vida de fugitivo não é nada boa. Preso tem família, quer poder viver com seus

familiares, compartilhar dias de folga, sem ter que ficar fugindo a cada som da sirene.

Carlos Arguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, p.61) escreve um texto sobre os

cárceres na América Latina, um trabalho difícil; neste estudo ele faz um esforço para

sintetizar o enorme espectro de prisões e condições diferentes na região. Mesmo havendo

diferenças, existem sem dúvidas alguns pontos em comum, principalmente históricos, como o

148

processo de modernização dos Estados Latino-Americanos após as independências da Europa.

Afirma o autor que:

Tanto nas prisões de mulheres como nas dos homens, sem dúvida, as condições de

vida dependiam de configurações específicas de poder, prestígio e status no interior

da população carcerária. Sempre houve aqueles que conseguiam condições de

detenção relativamente seguras e amenas, inclusive dentro das hediondas prisões em

que viviam.

Esses privilégios e separações estão presentes até hoje, seguindo a lógica de que boa

parte da a vida prisional é regulada por regras impostas pelos próprios detentos. Podemos

observar que existem diversos critérios para escolha dos espaços destinados a cada um dentro

das unidades prisionais: cor, idade, recursos financeiros, grau de escolaridade, religião,

aparência física, contatos e amizades, sendo esses alguns dos critérios que pudemos

identificar, mas não nos arriscamos a dizer que são os únicos. Arguirre em Maia, Netto, Costa

e Bretas, (2009, Vol. 1, p.62) afirma que:

Vale a pena enfatizar que as distinções e divisões raciais entre os presos nem sempre

foram impostas à força pelas autoridades das prisões, e sim, que eram amiúde

promovidas pelos próprios presos, que punham em práticas idéias e motivações

raciais que haviam apreendido no mundo exterior.

Na unidade, nossa área de estudo, não observamos o critério da cor e raça como um

dos principais aspectos da segregação espacial dos presos, mas outros fatores são

determinantes como os aspectos renda, grau de escolaridade, aparência física e contatos

(advogados, amigos, familiares). Os privilégios incluem diversas questões além das já

citadas, como acesso aos serviços básicos de saúde, assistência social e defensoria pública,

acesso a DVD dentro das celas, rádio, TV e outros benefícios da tecnologia.

b) O Comércio:

A economia dentro da unidade prisional é pulsante, intensa e diversificada. Existem

diferentes serviços, produtos e trocas. Com exceção de alguns produtos proibidos pelos

próprios presos, como a “pasta base”, encontra-se quase de tudo na prisão. Existe uma

regulação do comércio interno, alguns presos podem se deslocar pelos corredores (os

“correria”) e realizar as trocas, embora existam diversas regras próprias e toda uma estrutura

de como vender, comprar e pagar. Podemos afirmar que o comércio é uma das atividades que

mais identifica a prisão, pois ele está presente em quase todas as ações que compõem a vida

prisional. Analisando mais detalhadamente, o comércio é a atividade que caracteriza toda a

nossa sociedade capitalista. Claval (1979, p. 57) afirma que: “As formas de regulação mais

149

eficazes da sociedade civil são as que nascem da troca; essa dá origem, com efeito, a

processos de resoluções de conflitos.” A prisão não é diferente: os presos, agentes

penitenciários, direção da unidade, empresas, todos estão juntos neste processo.

Importante esclarecer que não existe regulamentação legal dessas práticas comerciais,

contudo são toleradas pelo Estado, ou seja, ele tapa o sol com a peneira. Existem com a

colaboração desta tolerância, pois como afirma Claval (1979, p. 57): “[...] a troca faz parte de

resolução de conflitos”. Numa sociedade mercantilizada como a nossa, estas práticas são tão

enraizadas que ao entrar na prisão os sujeitos presos buscam reproduzir o que sabem. O

comércio é controlado e monopolizado por alguns, constituindo em fonte de muitos conflitos.

Não é de hoje que o espaço prisional comporta o comércio. Marcos Paulo Pedrosa

Costa, no texto Fernando e o Mundo – O presídio de Fernando de Noronha no século

XIX (In MAIA, et al, 2009), nos traz um retrato do período que a ilha serviu de presídio. Essa

ilha serviu como prisão política nos anos da ditadura militar. Em 1964, Miguel Arraes, na

época governador de Pernambuco, foi preso e levado a Fernando de Noronha. Ali permaneceu

por determinado tempo, depois foi exilado do País e no seu retorno elegeu-se governador de

Pernambuco e transformou a ilha em espaço para o turismo e estudos científicos. Território

invadido e disputado por portugueses, franceses e holandeses, possui desde meados do século

XVII registros de presos degradados. Aqui nos aproveitaremos do que o autor nos diz sobre o

comércio na ilha-prisão.

Nesse espaço o comércio era praticado pelos vivandeiros, comerciantes que viviam na

ilha como cidadãos paisanos ou presos sentenciados. Esses, através de práticas de conluio

com a administração pública e possuindo poder econômico, conseguem realizar todo tipo de

comércio na ilha, empréstimo de dinheiro, venda de produtos alimentares, roupas, alugavam

casas, etc. “Os sentenciados tocavam seus negócios livremente, como comerciantes que eram.

Dessa forma, era o sonho de quase todos os sentenciados ter sua própria venda.” Costa (In

Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, Vol.1. p.146). Essa prática é praticamente a mesma em

muitas prisões no Brasil. Alguns documentos como a CPI do Sistema Carcerário (2009) e o

Mutirão do Conselho Nacional de Justiça trazem diversos exemplos desta prática. Veja a foto

21 a seguir:

150

Foto 21 - Mercado dentro do Aníbal Bruno (Recife/PE). Administrado pelos presos. Fonte: CNJ, 2012, p.95.

Por que o Estado em sua plenitude não se responsabiliza de fato pelo espaço prisional?

Detentor de todas as suas instâncias, como o Poder Judiciário, o Ministério Público, as

Defensorias Públicas? Não mudam esse cenário de comercialização e exploração que existe

dentro das unidades? Acredito que ninguém quer de fato tomar conta desses espaços. Essa

ação demanda muito pessoal, recursos, energia, interesse e capacidade de diálogo e

transformação. O Estado deixa uma lacuna, não realizando todas as atividades que deveriam

ser realizadas: educacionais, projetos profissionalizantes, culturais, entre outras. Os presos e

suas lideranças preenchem essa lacuna, ocupando os companheiros de cela com atividades

diversas como os cultos e o comércio. O comércio é um grande negócio dentro da prisão, pois

tudo é vendido e trocado sem impostos, com preços superfaturados. Não podemos negar que

essa prática faz parte da lógica capitalista.

O monopólio se faz presente na unidade. Dentro de determinadas alas apenas alguns

membros tem a “licença” para produzir salgados ou para vender tais produtos, o que gera

preços altíssimos. A lei da oferta e demanda também se faz presente, pois nos dias de visita

quando a oferta de refrigerante de 2 litros aumenta, o preço cai. Em dias comuns, o preço gira

por volta de R$30,00; nos dias de visita cerca de R$ 15,00 ou até mesmo R$10,00. Essa

prática mostra o superfaturamento praticado nos presídios Brasileiros.

Entre os meses de junho e julho de 2014, uma mudança nesse processo aconteceu.

Hoje a penitenciária conta com um “mercado” onde os agentes penitenciários, em parceria

com a gestão da unidade e total apoio da SEJUDH, construíram e estão gerindo uma

mercearia dentro da prisão. Essa mercearia concentra praticamente todos os produtos

151

vendidos na prisão, inclusive com o monopólio da venda de alguns produtos como

refrigerantes, bolachas, entre outros.

Isso não acabou com os “vendedores ambulantes na prisão”: apenas fez com que esses

comprem do “mercado”. A família dos presos foi também proibida de entrar com produtos

que não sejam comprados ali. Essa medida possui adeptos e adversários; muitos presos estão

favoráveis, pois a família não precisa carregar peso nos ônibus e também conseguem produtos

a preços tabelados e não tão variáveis como antes. Os agentes penitenciários e a gestão da

unidade ganharam um novo recurso que também não tem transparência e muitos agentes

penitenciários criticam esse processo, que pode ser motivo de investigações futuras.

Numa tentativa de organizar o comércio de produtos dentro da prisão, o governo do

Estado de Mato Grosso, através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) vem

instalando “mercados” ou “cantinas” nas unidades penitenciárias. A matéria abaixo, divulgada

no site do governo do Estado, apresenta esta solução como uma estratégia que vem moralizar

a situação.

Segundo a SEJUDH este tema foi debatido com o poder judiciário, o Ministério

Público e o Conselho da Comunidade. O dinheiro arrecadado com as vendas seriam

destinadas à melhoria na unidade. O volume de produtos dentro do CRC é imenso; são

distribuídos produtos duas vezes ao dia: de segunda a sexta feira, uma no período matutino e

outra no vespertino. O processo é realizado por agentes penitenciários e presos

“amarelinhos”49.

Figura 34 - Notícia sobre a abertura do Mercado no CRC. Fonte: http://www.mt.gov.br/editorias/justica-direitos-

humanos/centro-de-ressocializacao-de-cuiaba-oferece-150-produtos-em-cantina/114335. Acesso 22/08/2014.

49Os presos que trabalham na unidade vestem camisetas amarelas.

152

Em reportagem do dia 07 de agosto de 201450, o site “Mato Grosso Alerta” traz que:

Um mercado montado em uma sala para restringir a entrada de alimentos foi alvo de

reclamações dos presos e familiares. O gerenciamento é feito pelos próprios agentes.

E o dinheiro da venda dos produtos serviria para financiar melhorias na unidade.

Uma inspeção foi realizada na unidade penitenciária do Presídio do Pascoal Ramos em

Cuiabá, e os presos reclamaram deste controle das mercadorias pelos agentes, pois os mesmos

estariam proibindo as família de trazerem alimentos de casa e exigindo a compra ali no

“mercado”, controlado pelos agentes. No CRC isso é notório, pois existia até um aviso no

portão dizendo “esta é a regra”. Existe uma tabela de preços fixos que é distribuída pela

unidade e os presos e demais funcionários compram produtos lá. Alguns agentes

penitenciários indicaram que os recursos dos produtos seriam utilizados para pagar cursos

para os agentes penitenciários além de melhorias nas condições da prisão. Sem dúvida é algo

muito rentável, pois não existe pagamento de aluguel, água ou luz e os produtos são todos

vendidos com preços acima dos valores extramuros. Temos que admitir que os valores deste

mercado é muito inferior aos anteriormente praticados pelo “comércio local”. Hoje um

refrigerante de 1,5 litros está com o valor de cerca de R$5,00. A figura 39 a seguir apresenta a

tabela de preço dos produtos dentro da penitenciária.

Engana-se quem pensa que isso é para moralizar o sistema comercial interno ao

presídio, pois todas as manhãs o pão que chega para os presos ainda é vendido aos mesmos e

não entregue de graça. Funciona assim: o pão é entregue pela empresa que ganhou a licitação,

os agentes e presos (amarelinhos) distribuem pela prisão, onde os líderes de cada Ala se

apoderam dele é só entregam se o preso pagar R$ 0,50 (cinquenta centavos) por pão. Isso

mantém o líderes de Ala com seu monopólio sobre o café da manhã e agentes com monopólio

do “mercado”. O Almoço e jantar não são vendidos, mas sim entregues conforme a lei.

Devemos ressaltar que os presos deixam claro que, no CRC, os preços de outros

produtos não oferecidos pelo “mercado” (como cobertores, baldes, vassouras, etc.) são muito

mais baratos no CRC que na Penitenciária Central do Estado – PCE (chamada de Pascoal

Ramos). Eles indicam os preços no CRC de balde a R$10,00 e cobertores a R$3,00, enquanto

no PCE seria para os mesmos produtos de R$ 60,00 e R$ 20,00. Isso indica que no CRC

existe um maior facilidade de entrada de produtos e uma maior comercialização dos produtos.

50 Fonte: http://matogrossoalerta.com.br/penitenciaria-passa-por-inspecao/. Acesso 22/08/2014

153

Os presos sabem bem como é a vida em ambos os presídios, pois existe uma

mobilidade muito grande dos presos entre os presídios do Estado - as transferências de presos,

conhecidas por “bondes”. Existem diversos motivos pelos quais os presos são transferidos:

motins, saúde, lideranças indesejadas e porque eles mesmos se rebelam para tal. Em 2012 um

preso pegou uma professora de refém para conseguir um bonde. Felizmente, ela não saiu

ferida e ele conseguiu o que queria. Destacamos que este preso não era estudante na unidade e

que em geral os presos possuem um respeito para com os professores e professoras.

Toda e qualquer forma de se conseguir recursos é utilizada dentro do presídio.

Retomando as figuras 24 e 25 (p. 104 e 105), onde destacamos o espaço ao redor do CRC, ali

está situado um restaurante na frente do presídio, que vende produtos para os familiares dos

presos e que também cobra desses nos dias de visita para guardar seus pertences. Não existe

qualquer atenção aos visitantes por parte do poder público nestas questões, todos sabem das

explorações a que estes são submetidos.

As relações comerciais dentro da penitenciária são institucionalizadas. Ao

publicarmos um jornal dentro da prisão em Junho de 2011 (figura 39), os classificados a

seguir foram um dos temas a serem colocados no jornal. Todo o conteúdo do jornal fora

elaborado pelos presos, ideia da professora de letras. Colaboramos na diagramação e no

encaminhamento para que a IOMAT - Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso -

imprimisse os exemplares que foram divulgados dentro do presídio. Já na figura 35

apresentamos os valores cobramos hoje pelo “mercado” implantado pela SEJUDH.

154

Figura 35 - Tabela de preço dos produtos vendido no “mercado”. Fonte: Preso X. que trabalha no mercado.

Setembro de 2014.

155

Figura 36 - Jornal A Grade 3 º ed. Junho de 2011. Impressão IOMAT/MT.

156

c) A religião:

Quando pensamos em uma sociedade como a brasileira que se formou com muitos

traços religiosos, devemos reconhecer a importância desta. Nossas cidades foram construídas

tendo sempre um espaço especial reservado à autoridade religiosa. Murilo Marx (2003, p.7)

sobre isso afirma o seguinte:

O espaço urbano público no Brasil evoluiu lentamente do sagrado ao profano.

Através das mudanças em seu conceito, uso, âmbito e trato, é possível acompanhar a

passagem da predominância religiosa, em seus primórdios, para a secular, nos dias

atuais,...

Na prisão este processo é inverso: a cultura da barbárie e do conflito através de brigas,

motins e fugas deu espaço a construção de ambientes e trabalhos religiosos - espaços

sagrados. As instituições religiosas, em especial as evangélicas, entraram e ali convivem

conseguindo moldar-se ao lugar, adaptando-se as condições e criando uma novo cotidiano e

territorialidades, na tentativa por interesse de conseguir fiéis, tornando o profano sagrado.

Sem deixar de conviver e mesmo alimentar a cultura de extorsão e corrupção, vai sendo

consolidada dentro dos presídios.

A relação entre a fé e as prisões é incerta e, no entanto, é dinâmica e não

regulamentada. Existe a previsão legal de assistência religiosa por parte do Estado, mas na

prática essa assistência se dá de maneiras muito diversificadas e muitas vezes mal

acompanhadas. O País é oficialmente laico, devendo existir espaços ecumênicos para todas as

religiões. No entanto o que temos é o domínio de determinadas religiões. A sociedade

brasileira possui forte relação com as igrejas cristãs. O espaço colonizado no Brasil sempre

teve forte presença da Igreja Católica e as festas religiosas foram durante anos as mais

importantes das cidades, como afirma Murilo Marx (2003, p.166):

A frequência a e o significado da festa em pleno espaço aberto exigiam outros

cuidados além daqueles dispensados ao chão: a caiação das casas e muros, a

decoração de portas, janelas e balcões. À limpeza nas testadas correspondia o asseio

das fachadas; ao revestimento do leito viário com ramos e folhas, o ornato do

frontispício.

Práticas semelhante acontecem nos dias de culto na prisão, onde podemos observar

cuidados especiais. A “cadeia” tem outra rotina e cuidados nos dias “sagrados”: o banho, a

limpeza, a fala, a dinâmica da circulação – tudo muda. Os cultos são atividades simbólicas e

expressivas, como toda ação religiosa. São ouvidos cantos, testemunhos, sermões proferidos

com energia e em alto volume. Pode-se ouvir, às vezes, 200 homens louvando a Deus. Tais

atividades acontecem todos os dias. As diferentes igrejas presentes na unidade (Assembléia de

157

Deus, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus e Caminho para Todos) alternam os dias e

horários para realizarem cultos. Existem diversas atividades religiosas como ensaio de canto,

estudos bíblicos, jejuns, palestras de pastores “da rua”51, entre outros.

A Igreja Católica tem pouco espaço dentro do Centro de Ressocialização de Cuiabá.

Sua ação principal é desenvolvida pela Pastoral Carcerária, que visita a prisão uma vez por

semana e faz uma missa na Unidade II (“contêiner”). São poucos os presos que se declaram

católicos. A maioria dos católicos são os servidores públicos que atuam ali; inclusive existe

uma imagem de Nossa Senhora no setor administrativo da penitenciária. Algumas visitas na

Unidade I também ocorrem, mas são menos frequentes.

Nas fotos 21, 22, 23 e 24 apresentamos imagens das placas das Igrejas Evangélicas

que ocupam o espaço prisional. Fica claro pelas imagens que o território é controlado por

estas religiões.

Foto 21- Placa da Igreja Universal do Reino de Deus. Fonte: Relatório de Gestão da Unidade Prisional. 2012. p.

61.

51Pastores que não estão presos.

158

Fotos 2252 - Corredor B. Fonte: Relatório de Gestão da unidade prisional/ 2010.

Foto 23 - Placa da Igreja Universal do Reino de Deus, demarcando o corredor B.

Fonte: Relatório de Gestão da unidade prisional. 2012.p. 59.

52 Embora seja um conjunto de quatro fotos, vamos considerar esta imagem como apenas uma composição.

159

Foto 24 - Igreja Assembleia de Deus no corredor A. Fonte: Relatório da Direção/2010

Até meados de 2013, a unidade prisional do CRC mantinha placas de igrejas

evangélicas em suas dependências, explicitando o controle que essas exerciam no espaço

prisional. Hoje a maioria dessas placas foram retiradas, mas isso não indica que existiu uma

mudança significativa na estrutura do território, pois as mesmas igrejas continuam no controle

do espaço prisional; a retirada das placas apenas mascara a prática. Uma série de denúncias

realizadas pelos familiares de presos no final de 2012 coloca a prisão em movimento. A

interferência do Ministério Público Estadual (MPE) veio mudar a configuração de forças na

unidade. Pressionados pelo MPE, a direção da unidade e a liderança dos presos tiveram que

mudar a forma de se relacionar e de estabelecer o controle da prisão, pelo menos na aparência,

porque na essência a prática continua a mesma.

A presença do Procurador do Estado ouvindo e investigando fez com que muitas das

práticas ilegais presentes no presídio fossem reveladas. Presos e funcionários do sistema

penitenciário foram remanejados de unidade, de alas e um desmonte aconteceu

principalmente no domínio que a Igreja Universal do Reino de Deus detinha no presídio.

Outra ação tomada foi a troca da direção da unidade: um novo diretor tomou posse. As

mudanças no contexto físico são notórias: a unidade prisional foi pintada, apagando quase

todos os indícios das igrejas. Mas isso apenas na aparência, pois na essência a Igreja

Universal perdeu somente 03 Alas e a Igreja Deus é Amor agora ascendeu e controla as

mesmas Alas; contudo, essa igreja tem estratégias de ação menos chamativas.

Esses acontecimentos indicam a importância de compreendermos as forças externas e

internas que influenciam a produção do espaço prisional, destacando que pode-se gerar

160

mudanças quando agentes externos como o MPE ou o Poder Judiciário interferem, lembrando

que existe uma complexa relação para compreendermos a dinâmica do espaço prisional.

Sempre existe movimento. Ao estudarmos a realidade, devemos situarmo-nos no tempo para

permitir uma compreensão de como as coisas mudam, como afirma Saque (2009, p. 13):

“Estudar o movimento significa estudar indivíduos e grupos, momentos e/ou períodos

históricos e lugares numa relação de totalidade”.

Vivemos em uma sociedade midiática. Essa mídia possui um poder imenso. No site

Mídia News (figura 37 abaixo), encontramos uma reprodução da chamada que coloca o

processo de extorsão exercido pelas igrejas em destaque no presídio do CRC.

Figura 37 – Matéria Jornalística sobre extorsão no presídio. Fonte:

http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=3&cid=115527. Acesso 14/08/2014.

O número de denúncias e as atividades ilícitas estavam muito latentes, o que obrigou o

Estado a toma ruma atitude. Agora esta atitude não vem no sentido de fazer uma revolução,

mas mexer em questões pontuais e desmascarar algumas realidades, ocultando outras. Isso

posto, acrescentamos aqui a matéria divulgada sobre o CRC em abril de 2012 no Cenário MT:

O presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário de Mato

Grosso (Sindspen), João Batista de Souza, revelou que a atual situação do Centro de

Ressocialização de Cuiabá (CRC) envolve situações bem mais graves do que a

cobrança de dízimo e extorsão por parte de algumas igrejas evangélicas.

Souza afirmou que o caos dentro do presídio é tão grande que quem comanda

a carceragem, na verdade, são os presos.

Na semana passada, o Ministério Público Estadual (MPE) desarticulou um

sistema de extorsão promovido por membros de igrejas evangélicas – entre elas, a

Universal do Reino de Deus, do "bispo" Edir Macedo –, dentro do CRC, a antiga

Cadeia Pública do Carumbé, no bairro do mesmo nome, em Cuiabá.

O promotor de Justiça Célio Wilson de Oliveira disse, em entrevista, que o

esquema só é possível com a participação de agentes penitenciários. As

investigações continuam e o presidente do Sindspen foi convocado para prestar

esclarecimentos sobre a situação.

João Batista de Souza admitiu saber da existência do esquema e que os

agentes são praticamente obrigados a cooperar. Ele reafirmou que o presídio é

161

comandando pelos presos e que os agentes ficam impotentes diante da superlotação

das alas e da falta de um local para isolar os detentos considerados perigosos.

“Os agentes prisionais não podem fazer nada. A situação é muito mais grave

do que pode parecer: não são apenas a extorsão, cobrança de dízimo. É cada vez

mais difícil controlar toda essa situação. Na verdade, quem dá as ordens são os

presos. Vivemos sob o perigo constante e o risco de rebelião é grande”, revelou o

sindicalista.

O agente contou que a administração do CRC também está ciente da situação,

assim como a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH). Ele disse que,

para evitar uma possível rebelião ou motim, as irregularidades são aceitas pelos

responsáveis pelo sistema penitenciário, e os presos mandam e desmandam na

carceragem.

“Não é segredo esse poder dos presos dentro das unidades prisionais.

Estamos com superlotação, temos o triplo do que é permitido. Os agentes que vão

contra e reclamam acabam sendo transferidos e vão para presídios distantes, longe

das famílias. A SEJUDH fica jogando a culpa nos gestores anteriores, que não

fizeram o trabalho direito. Mas, também não o fazem na atualidade”, disse o agente.

O presidente do Sindspen disse, ainda, que são os presos que escolhem qual

agente é “autorizado” a cuidar de determinada ala. Agentes que se recusam a

obedecer aos detentos acabam sendo denunciados e transferidos.

“Para ter uma ideia do caos que vivemos, são os presos que escolhem os

agentes que vão cuidar das alas. Não é qualquer agente que pode ter contato com os

presos, sob o risco de morte. Por falta de um local para isolar os presos que fogem às

regras, temos que tolerar e fazer vistas grossas. Quem não aceita é transferido”,

disse.

Dízimo na cadeia

Na semana passada, o Ministério Público Estadual (MPE) desarticulou um

sistema de extorsão promovido por membros de igrejas evangélicas, dentro do

Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC).

A operação foi em cumprimento a mandados de busca e apreensão, expedido

pela 2ª Vara de Execução Penal da Capital.

A ação foi motivada por várias denúncias de presos e de parentes, sobre a

cobrança de dízimo.

Os denunciantes relatam que os presos que não contribuíam com as igrejas

sofriam agressões, eram punidos com transferência para outras alas e até perdiam o

direito de dormir em camas.

O promotor aponta que as denúncias pesam contra três igrejas evangélicas:

Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus e Deus é Amor.

Ele informou que foram encontrados, aproximadamente, R$ 1,5 mil, com um

representante da Igreja Universal. Por mês, a renda de cada igreja, dentro do

presídio, é de R$ 15 mil.

No material recolhido pelos investigadores estão boletos bancários com o

nome da igreja, dinheiro, além de um extrato bancário em nome de um preso e o

saldo de pouco mais de R$ 43 mil.

A operação teve a participação de 50 policiais militares do Batalhão de

Operações Especiais (Bope) e da Ronda Tática Ostensiva Móvel (Rotam), além do

Ministério Público (MP) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime

Organizado (Gaeco).

O Centro de Ressocialização de Cuiabá tem capacidade para abrigar 392

reeducandos, mas possui cerca de 1,1 mil, atualmente. (Publicado em 23/04/2012

em http://www.cenariomt.com.br/noticia/183769/sem-comando-presidio-em-cuiaba-

e-controlado-por-detentos.html Acesso 01/05/2014)

162

A matéria acima mostra com palavras claras o poder que os presos possuem dentro do

espaço prisional. Quem fala é um servidor que conhece muito bem o sistema penitenciário.

Ressaltamos um trecho da entrevista de Souza (2012):

Para ter uma ideia do caos que vivemos, são os presos que escolhem os agentes que

vão cuidar das alas. Não é qualquer agente que pode ter contato com os presos, sob o

risco de morte. Por falta de um local para isolar os presos que fogem às regras,

temos que tolerar e fazer vistas grossas. Quem não aceita é transferido.

É evidente que existe um acordo entre os presos e servidores públicos e qualquer

reorganização da prisão passa por um conflito. O Estado ainda é insipiente é fraco nestes

espaços; contudo, afirmamos que existem mudanças, principalmente depois da pressão

desencadeada em 1992. Pode-se estabelecer um antes e depois do Massacre do Carandiru53

no sistema penitenciário brasileiro e não apenas no paulista. Toda a estrutura se reconfigura: o

Estado e os presos se reorganizam, pois a dimensão que o episódio alcança no País e no

mundo é imensa. O enfrentamento com o movimento de direitos humanos é intenso, as

imagens dos corpos dilacerados corre o mundo. O livro do médico Dráuzio Varella, “Estação

Carandiru”, foi um sucesso de crítica e gerou um filme homônimo que foi sucesso de

bilheteria. A obra informa e mostra para o público uma dimensão humana dos presos,

contendo as suas relações sociais: os conflitos, romances, privilégios, poderes e medos.

Outra questão importante são os relacionamentos e a organização interna dos presídios

através do crime organizado. Sabemos que muitos dos criminosos presos continuam

comandando seus contingentes de “colaboradores” e, além disso, muitos dos territórios das

cidades são controlados por redes criminosas que possuem membros tanto na prisão quanto

no alto escalão do governo em todas as esferas.

O artigo de Grabiel S. Feltren, “Debates no “mundo do crime”, repertório da justiça

nas periferias de São Paulo”, vem relatar diversos episódios onde as regras que o crime

organizado impõe nas periferias de São Paulo são mais importantes que as do Estado,

expondo como boa parte da população destes territórios possui como referência para solução e

mediação de conflitos as regras e poderes estabelecidos pelo crime e não pelo Estado. O autor

destaca ainda que a organização dos “tribunais do crime” em vários espaços da periferia está

diretamente relacionado a uma crescente organização do crime dentro das penitenciárias

53No dia 2 de outubro de 1992, 111 presos foram executados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo durante

uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por “Carandiru”.

163

brasileiras, principalmente o PCC – Primeiro Comando da Capital de São Paulo. Diz Feltren

(2011, p. 220-221):

A chamada “pacificação” das relações internas ao crime se iniciou na passagem para

os anos 2000 e se consolidou em 2003, quando, segundo relatos recorrentes obtidos

em campo, o PCC assumiu a função de ordenar o “mundo do crime” no local. Com

diversos pontos de venda de droga obedecendo a um mesmo “padrão”, as disputas

armadas entre eles se tornariam muito menos frequentes.

A pesquisa de Feltren está em acordo com diversos depoimentos de presos do CRC

que estabelecem uma clara relação entre as regras do crime dentro e fora da prisão, nos

bairros onde moravam antes da prisão e para onde retornaram. Muitos presos são conhecidos,

parceiros ou desafetos “da rua” e ali, na prisão, eles possuem e seguem rígidas regras para que

qualquer procedimento possa ser realizado com outro preso. Existe toda uma rede de

comunicação que usa até de teleconferências pelos celulares, que busca garantir a veracidade

dos fatos, a fim de não existir” julgamentos” equivocados. No CRC, 54em 2013, um episódio

foi descrito por estudantes. Completamos a denúncia deste fato com a matéria jornalística

abaixo. Uma notícia no site de Nortão Notícias de maio de 2014 nos ilustra esta situação:

Comando Vermelho impõe respeito e manda matar dois detentos em Cuiabá”. Duas

mortes ocorridas dentro do Centro Ressocialização de Cuiabá (CRC) e um latrocínio

na cidade de Várzea Grande foram cometidos por ordem do alto escalão da facção

do Comando Vermelho Mato Grosso (CV-MT), após analisados e condenados numa

espécie de “tribunal do crime”. [...] Os homicídios de Rafael Ramos de Oliveira,

conhecido por “Rafinha”, ocorrido no dia 9 de setembro de 2013, no Centro de

Ressocialização de Cuiabá (CRC), e de Alesson Alex de Souza, no dia 30 de

setembro de 2013, também no CRC, aconteceram em decorrência de sentença

imposta pelos membros do “Conselho Final”. A morte de Rafinha teve a

participação de outro membro do CV-MT, considerado “braço direito” da facção.

Fonte:http://www.nortaonoticias.com.br/policia/102949/Comando_Vermelho_impoe_res

peito_e_manda_matar_dois_detentos_em_Cuiaba. Acesso em 25/08/2014.

A promíscua relação existente entre os dízimos cobrados pela igreja e a administração

da unidade prisional do CRC deixa claro como é fraca a presença institucional do Estado. A

governança da prisão está longe de ser um programa efetivo do poder Estatal, muito menos

nas prisões estaduais. A falta de técnicos competentes não é a única dimensão importante,

pois não se trata apenas de falta de planejamento e gestão, mas de uma cultura enraizada por

séculos que faz das prisões espaços corruptos e dos seres humanos ali presentes seres

inferiores. A presença das práticas religiosas dentro dos presídios vem em tese para garantir

um direito do preso e para colaborar com sua ressocialização.

54Em MT as principais facções criminosas são o Comando Vermelho, o Novo Cangaço e o PCC de SP possui

influencia aqui. Foi o PCC que estabeleceu algumas regras universais na prisão como a proibição da pasta base e

o fim das matanças sem um “tribunal”.

164

Na prática muda as tensões e conflitos e transforma toda a dinâmica da prisão. Mas,

não pode cumprir o papel que lhe é atribuído, pois envolve-se no mesmo processo de

mascarar a verdade e de disputar privilégios que sempre foram as práticas que orientaram as

prisões. Nas figuras 38,39 e 40 a seguir apresentaremos um croqui de como estão distribuídos

as Alas dentro da prisão entre as diferentes religiões. Destacamos uma comparação entre os

anos de 2012, 2013 e 2014, deixando clara a dinâmica ocorrida após momento de denúncias

apontadas na reportagem acima. Pode-se perceber que além da retirada de placas de igreja,

transferência de “pastores” evangélicos (que são presidiários) e um discurso um pouco menos

favorável às igrejas, nada mudou. Existiu um redistribuição do poder, onde a Igreja Universal

que foi a denunciada e que vinha praticando extorsões demasiadamente, mesmo para os

padrões da prisão, perdeu espaço para a Igreja Deus é Amor. O processo pela disputa de

territórios internos é constante e muito dinâmica.

A Igreja no corredor B que pertencia a Igreja Universal do Reino de Deus foi pintada

de branco e em tese hoje é um espaço ecumênico; contudo, na prática podemos observar que o

poder da Universal ainda se manifesta naquele local. É importante dizer que até meados de

2014, a configuração de 2013 se mantinha válida: mantemos espaços evangélicos e não

evangélicos dentro da prisão. Mas já no começo de setembro de 2014, uma Ala que era ímpia

passou a ser evangélica, com a ajuda da gestão da unidade. A Igreja Assembléia de Deus

passou a comandar a Ala A do corredor A. Entre 2010 e fins de 2012 houve uma certa

“manutenção da ordem”. Após este período que coincide com o “fim” da extorsão por parte

da Igreja Universal do Reino de Deus e de alguns agentes penitenciários, o ambiente anda

instável.

Os espaços denominados de ímpios são marginalizados, pois ali não existem oficinas e

nem acesso à escola. As Alas dos “trabalhadores” é uma disputa com as igrejas que perderam

esse “território” e ali os presos tem mais liberdade para criar seu cotidiano sem serem

doutrinados pela igreja. É um espaço privilegiado, pois os presos estudam e trabalham

ganhando remissão. Sem dúvidas é motivo de negociações dentro da prisão para o morar

nessas Alas.

165

Figura 38 – Croqui: A religião e o domínio do espaço, nos anos 2012 e 2013.Fonte: ALMEIDA.G/2014.

166

Figura 39 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 2. Válido até agosto de 2014. Fonte: ALMEIDA. G./2014.

Figura 40 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 3, após ocupação da Ala A pela Igreja. Fonte: ALMEIDA.

G./2014.

167

Esta nova configuração permite contabilizarmos que das 7 Alas em cada corredor 5 são

evangélicas hoje. Lembramos que as práticas e doutrinas evangélicas são ensinadas, mas não

existe qualquer correspondência de seus “moradores” serem realmente evangélicos.

Acompanhamos o processo de “tomada” da Ala e do corredor A. Um conflito entre a gestão a

unidade e presos desta Ala tomou uma grande dimensão, quando a gestão foi desafiada a

tomar a Ala e os presos disseram eu não iam deixar. Eram frases: “Vai tomar”, “vai tomar

não”. Houve muitas conversas, reuniões, brigas e depois, com ajuda de outros presos

“evangélicos” e o corpo da guarda, a Ala foi tomada. Confesso que estou surpreso com a

velocidade com que o controle do território está mudando no presídio. Essa instabilidade está

ficando perigosa, pois muitos dos presos nos ímpios que falavam no celular, fumavam

maconha, apostavam dinheiro no boxe55, entre outras coisas estão insatisfeitos.

Quando penetramos em uma outra escala da dinâmica prisional, no nível da Ala onde

vivem os presos, notamos que existem diversas regras a serem seguidas e estas dependem e

muito do controle da religião e de qual religião. Vamos analisar o caso da Ala L no corredor

B, que é da Igreja Universal do Reino de Deus. Nesta Ala existe um certa tolerância com

práticas ditas “mundanas” como: jogar bola, ver filmes (depois de uma censura prévia),

dormir com bermuda; estas atividades são proibidas nas Alas das outras religiões.

Apresentamos a rotina diária dos presos desta Ala abaixo:

Tabela 8 -Atividades diárias na Ala L – Fonte: Entrevista com presos. Organização. ALMEIDA.G.2014.

ATIVIDADE DIÁRIAS - ALA L HORA DURAÇÃO Despertar e escovar os dentes 6h 30 min Leitura da bíblia na cela 6h30 20 min. Louvores à palavra de Deus. Reunião no pátio 7h 1h Reunião de estudos bíblicos no pátio da Ala onde existe um

quadro negro pequeno.

9h-10h 1h

Almoço 11h30 1h Jantar 17h30 1h Oração 18h 30 min à 1h

Nos outros horários os presos podem jogar bola, assistir TV, trabalhar com artesanato,

fazer salgados para vender, ou outras atividades comerciais. Existem duas por cela (cubículos

como chamam). As TVs nunca estão nas camas dos presos, mas em espaços comuns dentro

das cela podem assistir jornal ou programações religiosas. Um “dirigente” comanda o que se

55Uma forma dos presos resolverem conflitos na Ala dos ímpios ou mesmo de se divertirem é apostando

dinheiro. O boxe é muito simples: dois homens no meio de um círculo de outros; eles se enfrentam até um

desistir ou cair. Assistimos a duas lutas de boxe.

168

pode ver. Os presos possuem regras rígidas para ir ao banheiro (“boi”). Devem avisar e ver se

existe alguém comendo dentro da cela. Na figura a seguir apresentamos algumas

características do espaço da Ala:

Figura 41 – Croqui da Ala L. Fonte: Presos entrevistados e organizado por ALMEIDA. G./2014.

2) Os Agentes Penitenciários

Os agentes penitenciários vem conquistando espaço na política pública, primeiro com

o fim do nome carcereiro, mas principalmente com o entendimento por parte do poder público

de que é necessário uma qualificação adequada para este servidor que vive uma situação-

limite todos os dias. O Ministério da Educação, através do Decreto nº 5.773/06, estabeleceu o

Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia e entre estes o Curso Superior de

Tecnologia em Serviços Penais, destinado à formação de agentes penitenciários, novo no

cenário no País. Varella (2012, p. 23) comenta que:

As histórias de heroísmo, os atos de generosidade, a corrupção, a covardia, a prática

da tortura, o desapego à própria vida em benefício de outros, as maldades e os

exemplos de dedicação ao serviço público que se seguem foram observados por mim

ou contados pelos próprios carcereiros com quem tenho convivido.

169

Os agentes são responsáveis por diversas funções dentro da unidade. A Lei Estadual n°

389/2010 estabelece a carreira e as funções dos agentes. Manter e vigiar os presos nas

unidades prisionais são as funções mais óbvias, mas são apenas algumas delas. Os agentes são

responsáveis pela escolta em hospital, velório, IML, audiências judiciais, além de revistar

celas, materiais e visitantes, dentre outras.

Na prática podemos observar que os agentes são muito diferentes, um grupo

extremamente heterogêneo. Dividem-se basicamente entre aqueles que trabalham no plantão

e no expediente, e a cada plantão impõe diferentes relações dentro do presídio. Alguns

plantões são mais fechados e outros mais abertos com relação às regras. Além das regras de

segurança existentes, o envolvimento com os processos de humanização também são

diferentes. Existem agentes penitenciários que impõem ritmo às atividades a serem

desenvolvidas pelos presos, enquanto outros não abrem as celas para nada. O número de

agentes penitenciários que estão no plantão também é uma variável que determina o ritmo das

atividades, pois, com a falta de agentes, muitas das atividades não acontecem, como por

exemplo as aulas. Foram muitos os dias que não tivemos aulas porque não existia um número

mínimo de agentes na unidade. Essa falta se deve a diversos fatores: cursos que os agentes

fazem, afastamento por doenças, transferências para outro setor ou mesmo faltam sem

justificativa, pois é uma cultura do funcionalismo público; sem a presença dos agentes

penitenciários, muitas das ações pensadas e planejadas na prisão não andam.

Na prática diária dos agentes existe uma divisão entre aqueles que seguem o plantão e

os que seguem o expediente. O plantão é formado pelos agentes que trabalham 24horas

corridas e depois tem folga de 72 horas. Esses agentes estão geralmente no corredor, na

segurança da unidade e na escolta dos presos. A revista é um ponto que merece destaque. Em

tese todas as pessoas deveriam ser revistadas. O quadro 6 (abaixo) ajuda a entender cada uma

destas funções.

Em 17 de dezembro de 2013, os policiais militares deixam a prisão. Até esta data a

segurança externa era exercida pela Polícia Militar. O acesso era de responsabilidade desses,

incluindo a revista das visitas como também funcionários. Quanto à escolta para outras

prisões, o fluxo principal dos presos é para o Fórum e para o atendimento de saúde

especializada. Todos os dias existem diversas saídas para o Fórum, sendo que a proximidade

da unidade com o Fórum é uma grande vantagem. Existe a prática por parte de alguns juízes

170

da execução penal de ir as unidades prisionais (por lei devem ir uma vez por mês), mas não

vão em geral com esta frequência.

Quadro 8 - Agentes penitenciários de plantão.

AGENTES PENITENCIÁRIOS-FUNÇÕES NO PLANTÃO Agente no corredor Vigia o corredor; acompanha os presos para os diferentes setores Agente de Segurança Responsável pelo controle de acesso, revistas Agente de Escolta Desloca o preso para o Fórum, policlínicas, hospitais, IML, velórios,

delegacias, etc.

Segundo dados do relatório da direção em fevereiro de 2011, a média de saídas para

diferentes funções é dada pelo quadro 9 abaixo:

Tabela 9 – Saída de Presos. Fonte: Relatório da Direção 2011.

SAÍDA PRESOS

ITEM QTD Saída para saúde em outra cidade - Saída para fórum 158 Saída para banco 8 Audiências em outra comarcas 45 Saída IML 16 Outras saídas 18

De acordo com a Lei Estadual Complementar nº 457, de 22 de Dezembro de 2011.

“Art. 9º (...) (...) § 1º Os Profissionais do Sistema Penitenciário serão submetidos a prévio

curso de formação/qualificação com carga horária mínima de 480 (quatrocentas e oitenta)

horas, a ser realizado pela Escola Penitenciária, após posse no cargo”.

O curso destinado aos agentes, na prática, não passa de 30 dias, com duração de 4h

diárias, acumulando 120h de curso, segundo os agentes entrevistados. Está provado que esse

curso de curta duração é absolutamente ineficiente na prática. Alguns passaram por cursos

com duração ainda menor. Os agentes penitenciários aprendem no dia a dia e através da

transmissão de conhecimentos, vícios e malícias de agente para agente tacitamente sobre o

que deve ser feito e como.

No passado a função exercida pelos agentes penitenciários era chamada de

carceragem. Hoje, embora seja ainda título de alguns livros e estudos, uma das lutas dos

agentes penitenciários foi pela mudança de nomenclatura e acabar com o nome carcereiro.

Esta ação isoladamente não muda todas as práticas de uma categoria, mas é um passo no

reconhecimento de uma nova postura por parte dos agentes penitenciários.

A Constituição Federal não traz a profissão do agente penitenciário como função da

segurança pública no País. No Art. 144 coloca como segurança pública as seguintes órgãos: I

171

- polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias

civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. Agentes lutam pela aprovação da

PEC 308, que altera os artigos 21, 32 e 144, da Constituição Federal, criando as polícias

penitenciárias federal e estaduais, o que lhes renderiam créditos institucionais e financeiros.

É importante notar que o Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado de Mato

Grosso (Sindspen) une os agentes penitenciários. Ele constrói as identidades dos mesmos e é

combativo em geral. Além disso, exerce um papel muito importante entre os agentes penitenciários

de diferentes cidades e unidades penitenciárias. Pode-se notar com facilidade que é um Sindicato

que forma a opinião dos agentes e consegue ser veículo de criação de identidade entre os agentes

penitenciários. Agora, no dia da dia, boa parte da vida prisional se dá nessa relação ora

harmoniosa, ora conflituosa entre presos e agentes.

5.3 A Saúde na Unidade Prisional

O setor de saúde é um dos principais espaços dentro da unidade prisional. Afinal, a

falta de atendimento em saúde acarreta enormes dificuldade. Não se pode imaginar como

trabalhar ou estudar estando doente. Esse setor de saúde encontra-se na Unidade II. O espaço

destinado não é adequado, não só para atendimento dos presos, como também para os

servidores que prestam serviços no CRC. Veja quadro a seguir que trata dos servidores da

saúde:

Quadro 9 - Setor de Saúde: Quadro de Pessoal. Organização: ALMEIDA.G/2014.

PESSOAL DA SAÚDE NO CRC PROFISSIONAL QTD TURNO DE TRABALHO DIFICULDADE

Médico(a)

02 Clínicos gerais

01 Ortopedista

03 Dois períodos na semana. 4h

semanais.

Muitos médicos abandonam a unidade

depois de um tempo; rotatividade dos

médicos é acentuada, um dos motivos é que

esses prestam concurso para outros locais ou

conseguem melhores propostas; faltam com

frequência; um dos médicos está de saída da

unidade; o ortopedista só atende questões

ligadas a sua especialidade.

Enfermeiras 02 30 h semanais

Psicólogos (as) 02 30 h semanais Trabalho não quantitativo; pouca eficiência

imediata; sem estrutura para dar

172

continuidade no tratamento; 172.

Técnicas em

enfermagem

08 Dois por turno Não entrevistadas.

Dentistas 03 Dois períodos na semana. 4h

semanais.

O trabalho é demorado, pois cada caso exige

atenção; existe um kit disponível para o

atendimento, mas é sempre difícil atender à

demanda.

Técnicas em

odontologia

02 Uma por turno Não entrevistadas.

Farmacêutica 01 30h semana Não entrevistada.

Assistência social 02 30h semana Não entrevistadas.

Existem graves problemas com a rotina da prisão, pois depende muito dos agentes de

plantão da unidade. Em muitos dias não se consegue atender um preso, outros dias o

funcionamento é adequado. Existe em geral apenas um agente prisional para acompanhar os

presos até a unidade de saúde. A precariedade da estrutura física é notória; contudo, também

notamos uma má vontade para que se cumpra essa atividade.

O sistema dentro da unidade é o SUS (Sistema Único de Saúde) e, segundo os técnicos

da saúde, o número de funcionários é adequado pelas normas para o setor. A unidade básica

de saúde deve ter uma equipe de saúde a cada 500 presos. Contudo o trabalho interdisciplinar

não existe, como também não existe a cultura de troca de experiências. Segundo a funcionaria

C: “Deveríamos ter um trabalho multidisciplinar mais próximo...mas como as coisas são

feitas, a forma com que as coisas andam, não conseguimos.”

Os presos criam diversas situações para serem atendidas pelo setor de saúde, querem

sair da cela de todas as formas. Muitos criam doenças ou ficam doentes mesmo para sair das

celas. Alguns são viciados em medicamentos, outros conseguem medicamentos e vendem. O

pessoal de saúde informa não saber como determinados presos conseguem medicamentos.

Confira a fala da funcionária L. “Se você for comparar com a sociedade em geral, o

preso tem muito mais acesso a saúde do que qualquer outra pessoa.” Essa afirmação é

ingênua. Quando conhecemos melhor os meandros da prisão, entendemos que o que existe

são privilégios a determinados presos. Um dos entrevistados afirmou:

A: Consigo vaga na marra. Eu: Você consegue médico mais fácil? A: Consigo,

consigo. Eu chego no agente, olha aqui meu amigo Guilherme aqui ó, precisando de

ajuda, com educação, tratando bem o agente. Aqui em cima (Unidade II –

173

“contêiner”), nós temos mais acesso. Tem aqueles que são viciados em remédio,

arruma uma doencinha para sair da cela.

Nessa afirmação acima podemos lembrar Claval (1979, p.14), quando diz:

As regras que presidem as relações não são tão neutras quanto a sua justificação

ingênua pode fazer crer: elas permitem a acumulação de vantagens por alguns. A

influência se difunde por toda parte, toma por vezes uma forma insidiosa e pode, em

geral, ser identificada com facilidade: cada um tem, então, consciência das

estratégias à sua disposição para melhorar sua posição na coletividade onde vive.

Além desta afirmação do preso, temos também a nossa experiência de 4 anos para

afirmar que não existe um critério sério para se conseguir vagas no setor de saúde56. Os

agentes penitenciários responsáveis pelo deslocamento dos presos ao setor de saúde têm

liberdade para escolher quem levar e quando levar. Os técnicos do setor de saúde informaram

nunca terem realizado atendimentos na Unidade I; desta forma, não estão presentes onde estão

a maioria dos presos. Não existe nenhum tipo de triagem entre os presos para saber quais

estão com problemas de saúde. Não existe um critério isométrico para o atendimento dos

presos: existe uma assimetria nas oportunidades, o que ressalta os privilégios e cria um

distanciamento de parte dos funcionários do setor de saúde das realidades dos presos.

Segundo informações fornecidas pelo setor da saúde, não faltam medicamentos

básicos que são destinados à unidade. Em outros tempos já faltaram, mas o projeto RENAME

(Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) do governo federal vem atendendo à

demanda. Remédios de média e alta complexidade devem ser encaminhados para outros

setores, procedimento burocrático e muitas vezes demorado, sempre desigual, lento demais

para uns e não para outros.

O atendimento médico, assim como todos os outros atendimentos na prisão, depende

do encaminhamento dos agentes penitenciários. Conforme já observado no cotidiano e

confirmado nas entrevistas com os presos, existe uma assimetria e uma clara preferência para

determinados grupos de presos conseguirem acesso à assistência à saúde, assim como aos

outros direitos. Em um ambiente altamente controlado e segregador como esse, acontece

muitas vezes do atendimento médico se tornar moeda de troca, seja através de corrupção ativa

(influência ou dinheiro) entre presos e funcionários do sistema, seja através das Igrejas. Um

dos papéis centrais que as Igrejas Evangélicas exercem dentro do sistema penitenciário são as

assistências que o Estado não atende. É através das Igrejas que muitos presos conseguem

acesos a medicamentos simples e complexos.

56O Setor da Saúde encontra-se na parte elevada da topografia do presídio.

174

Essa prática de se selecionar quem tem acesso à saúde ou não dentro do ambiente

prisional não é diferente de outros processos de negação à direitos dentro da prisão. Em

essencial o que acontece é uma seleção daqueles que vão ter melhores condições de vida e

aqueles que terão muita dificuldade, repetindo os processos de exclusão, ou melhor, inclusão

deficiente que existem na sociedade capitalista.

175

6.0 A EDUCAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO

Sobre este tema nos deteremos um pouco mais. Vamos apresentar resumidamente as

políticas públicas de Educação para os espaços de privação de liberdade e a importância desta

ação. Entendemos que a educação é uma das mais importantes ações que estão sendo

desenvolvidas nas unidades penitenciárias deste País. Pode-se dizer que a permeabilidade

social que esta ação traz é como uma brisa que ventila as celas úmidas. Através dos servidores

da educação e de sua relação com os estudantes presos, nasce um espaço para o debate,

conhecimento: funciona como símbolo de esperança na prisão. Os problemas e desafios para a

realização destas atividades são grandes e significativos, o que nos faz pensar que a educação

no sistema penitenciário pode ser vista como um processo de resistência em muitos casos.

Desde 2010 leciono57 as disciplinas de Matemática e Física como professor na Escola

Estadual “Nova Chance”58 em Cuiabá/MT, no Centro de Ressocialização de Cuiabá e na

Penitenciária Central do Estado. Nesse tempo estive vinculado à atividade letiva até dezembro

de 2012 na unidade penitenciária Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), antes chamado

de “Presídio do Carumbé”, nome do bairro no qual o estabelecimento está inserido. Entre

Fevereiro e Julho de 2013, lecionei na Penitenciária Central do Estado, antes chamada de

“Presídio do Pascoal Ramos”, o mesmo nome do bairro onde a instituição se situa. Depois de

licença para o mestrado, volto ao CRC em julho de 2014. Esse convívio com a instituição

prisional sem dúvida é fonte primária de conhecimento sobre as atividades que existem no

espaço prisional. Porém devemos ressaltar que foi através do debate com o Prof. Dr. Cornélio

Vilarinho Neto, nosso professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, que a

compreensão sobre as práticas espaciais ressaltaram-se, como também casou com a existência

da denominação “espaço prisional” e o alcance da geografia enquanto ciência que ajuda a

compreender esse lugar onde atuamos como professores.

A modalidade de educação que se instala nas prisões é a EJA – Educação de Jovens e

Adultos, que tem por diretriz relacionar a educação básica ao cotidiano do educando. O Art.

37 da LDB59/96 diz o seguinte:

57Sou licenciado em Física pela UFSC, leciono matemática e física na EE. Nova Chance. 58A Escola encontra-se em mudança de nome para Nelson Mandela em homenagem ao líder sul-africano e como

forma de distanciamento da Fundação Nova Chance da SEJUDH. 59LDB – Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

176

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não

tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e

médio na idade própria.

§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos

adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular

oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características

do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante

cursos e exames.

Portanto cabe ao Estado e à sociedade civil apostar na educação enquanto estratégia de

desenvolvimento do indivíduo, capacitando-o para o exercício da cidadania e isso se consegue

com um projeto político e pedagógico que venha a instruí-lo de conhecimentos básicos e que

permita uma formação escolar que avance tanto na capacitação para o trabalho quanto para

uma crítica da sociedade na qual estamos inseridos.

A educação básica é de responsabilidade da SEDUC/MT 60– Secretária Estadual de

Educação do Estado de Mato Grosso. Como estratégia para garantia deste direito, criou em

2008 a Escola Estadual Nova Chance61 através do Decreto nº 1.543 de 28 de agosto de 2008.

Ressalta-se que a educação em prisão acontecia antes de 2008, no Estado de MT, através de

diferentes escolas e suas salas anexas nas prisões. Essa Escola está inserida hoje em 35

penitenciárias e cadeias públicas do Estado de Mato Grosso, incluindo a penitenciária

feminina Ana Maria do Couto em Cuiabá. Até meados de 2010 não existia Conselho

Deliberativo da Comunidade Escolar (CDCE), o que inviabilizava a compra de materiais por

parte de gestão da escola. Não tínhamos cadernos, lápis ou qualquer outro material por parte

do poder executivo para realizar as aulas, o que gerava uma autogestão por parte dos

professores, que pediam doações nas livrarias e papelarias, usavam material descartado para

os estudantes escreverem, entre outras estratégias. A situação mudou, a partir de 2011, mas

existe ainda dificuldade de logística para entrega desses materiais e também da merenda

escolar. Hoje a situação é muito mais confortável, incluindo-se a compra de quadros brancos e

ventiladores para as salas de aula.

O debate sobre a Educação nas prisões existe há muito tempo no Brasil. Pode-se

destacar que no fim do século XIX algumas experiências já existiam. Ao tratar do tema sobre

60Pelos dados obtidos, as experiências em educação prisional foram descontínuas até os anos 2000. No Rio de

Janeiro, desde 1967, quando Secretário de Educação, o Sr. Darcy Ribeiro implementou ações educativas

regularmente nas Unidades Prisionais. Fonte:

http://www.observatoriodaeducacao.org.br/ebulicao/ebul19/fai_verde_imp_02.html. Acesso em 04/09/2014.

61 Segundo dados da Secretaria da Escola, em Julho de 2014 a Escola atende: 35 unidades penitenciárias do

Estado (existem 65), estando presente em 32 municípios, contando com 97 professores e 2012 estudantes. A

Gestão da unidade encontra-se em Cuiabá.

177

a educação dos presos na Casa de detenção do Recife, Maia (in Maia, Neto, Costa e Bretas,

2009. Vol. 2, p.126) diz que:

Desde 1870, pelo menos, existia um professor que ensinava a instrução primária aos

presidiários, mas as aulas não eram obrigatórias, e poucos presos se sentiam

motivados a assistir a elas, uma vez que os ofícios com que poderiam porventura se

ocupar quem saísse dali não exigiria a capacidade de saber ler e escrever. Além

disso, como ocorre até hoje, “fazer contas” muitos analfabetos aprendem no dia a

dia. Em 1886, haviam sido matriculados na aula apenas vinte detentos. Por outro

lado, os que tinham interessem particular sofriam com falta de materiais escolares e

com as constantes idas para responder ao júri no interior da província. O resultado

era o baixo rendimento escolar. Um projeto da Câmara dos Deputados pretendia

regularizar a escola primária para os detentos, o que provavelmente tornaria

obrigatória a sua frequência, mas terminou não sendo aprovado, por acharem

suficiente o que existia.

Esse processo de educação nos espaços prisionais sempre foi descontinuo e muito

cheio de falhas. Contudo é através do documento internacional “Regras Mínimas para o

tratamento de prisioneiros”, aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU, de

1957, que este processo de institucionaliza como política pública, prevendo o acesso à

educação de pessoas encarceradas. No Brasil, a Resolução nº 14 de 11 de novembro de 1994

do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCN) estabeleceu a adaptação

e aplicação no Brasil das Regras Mínimas para o tratamento de prisioneiros.

A Declaração de Hamburgo e o Plano de Ação para o Futuro aprovados na 5ª

Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confitea), em 1997, no item

47 do tema 08 do Plano de Ação explicita a urgência de reconhecer a educação de jovens e

adultos:

(...) o direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem: a) proporcionando a

todos os presos informações sobre os diferentes níveis de ensino e formação, e

permitindo-lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas prisões

programas de educação geral com a participação dos presos, a fim de responder as

suas necessidades e aspirações em matéria de aprendizagem; c) facilitando que

organizações não governamentais, professores e outros responsáveis por atividades

educativas trabalhem nas prisões, possibilitando assim o acesso das pessoas

encarceradas aos estabelecimentos docentes e fomentando iniciativas para conectar

os cursos oferecidos na prisão aos realizados fora dela.

O Plano Nacional de Educação de 2001 estabelecia que até 2011, o Brasil deveria

implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendem adolescentes e

jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio,

assim como de educação profissional. Esta meta não se realizou, mas devemos ressaltar que

existiram avanços significativos nesse período, principalmente a partir da criação da

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC)

178

que, em 2004, impulsionou a EJA no País todo e sem dúvida foi responsável pela articulação

necessária para expandir a educação nas prisões.

Esse projeto tem sequência através de um acordo em nível federal. Em 2005, o

ministros da Educação Fernando Haddad e o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, assinaram

um protocolo no qual se comprometeram em educar e ressocializar, através da Educação,

toda a população carcerária, homens e mulheres, oferecendo todo o ensino básico, mediante a

modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos (EJA), enquanto estiverem

submetidas às suas penas. Esse protocolo vem na direção apontada por diversos organismos

internacionais que veem a educação como caminho de (res)sociabilização. Essa postura

indica que a gestão integrada da educação bancária, educação para o trabalho possibilita

mudanças na vida pessoal, familiar e social dos reeducandos em todos os processos de

(res)sociabilização.

A lei federal de Execução penal (7.210/1984) prevê a educação no sistema prisional. O

artigo 17 estabelece que a assistência educacional compreenda a instrução escolar e a

formação profissional do preso e do interno, incluindo que o ensino fundamental é obrigatório

e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. Ainda indica que o ensino profissional

será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico e que as mulheres terão

educação profissional adequada a sua condição, podendo existir convênios com entidades

públicas ou particulares que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. A lei prevê

ainda a exigência da implantação de uma biblioteca por unidade prisional para uso de todas as

categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. Com dados no

DEPEN/MJ, o quadro 10 (abaixo) mostra uma ideia do cenário das prisões no Brasil.

Quadro 10 - Cenário do ensino nas prisões. Fonte: DEPEN Outubro de 2012.

ITEM QUANTIFICAÇÃO Prisões (penitenciárias e cadeias públicas) 1.410 no País todo Sem espaço para educação (sala de aulas) 565 ou 40% do total Detentos (2013) 533.027

Estudando 54.000 ou 10.13% do total de presos estudando Sem o ensino básico completo (até o ensino médio) 88% Sem completar o ensino fundamental 45,1% Cursos técnicos 2.600

Não encontramos nenhum estudo acadêmico que nos traga em detalhes como foi o

processo de educação nas prisões em MT. A SEDUC não possui um levantamento detalhado

desse processo. Consultamos o Plano Estadual em prisões. Consta que em 2000 houve um

179

projeto de parceria entre o Serviço Social da Indústria – SESI e o Governo do Estado com a

presença da SEJUSP (Secretaria de Justiça e Segurança Pública, extinta em 2011) nas

unidades prisionais envolvidas: Casa do Albergado da Morada do Ouro, no Centro de

Ressocialização de Cuiabá (antigo Presídio do Carumbé) em Cuiabá/MT e na Unidade

Prisional Regional “Major Eldo Sá Correa” em Rondonópolis/MT.

O quadro 11 abaixo resume as ações, decretos e resoluções que foram criadas para

efetivar a Educação nos espaços de privação de liberdade, lembrando que existe um processo

ainda mais complexo para que essa política possa se efetivar com toda a força. Um dos

grandes problemas que destaca-se desde já é a necessidade de que exista um trabalho conjunto

entre secretarias estaduais e ministérios envolvidos no processo. Sem a presença efetiva da

Secretaria de Educação dentro dos espaços prisionais e sem a devida atenção para a rotina e

os espaços que a educação requer por parte da Secretaria de Justiça, jamais vamos conseguir

efetivar esse trabalho. A colaboração e o trabalho em conjunto entre secretarias é essencial

para a garantia desse direito. Devemos nos lembrar que em geral isso é muito difícil, pois

temos tradições, normas e vícios dentro das secretarias que impedem o trabalho conjunto.

Estamos em processo de aprender a realizar trabalhos interministeriais e intersecretárias.

Quadro 11 – Resumo das ações, decretos e leis no âmbito da Educação no Sistema Penitenciário. Organização:

ALMEIDA.G/2014.

PROJETO, RESOLUÇÕES E LEIS DESCRIÇÃO DA AÇÃO “Projeto Aprendizagem por Imagem”,

depois “Projeto Aprendimagem”, 2003.

Implantado na Unidade Penitenciaria Feminina em Cuiabá/MT.

a) Programa Brasil Alfabetizado 2006

b) Seminário Nacional sobre

Educação nas Prisões, 2006.

a) as resoluções que incluíram a população prisional dentre o

público de atendimento diferenciado das ações de alfabetização;

(b) a parceria com a UNESCO e o Governo do Japão para a

realização de cinco seminários regionais e do primeiro, que

culminaram na elaboração de uma proposta de Diretrizes

Nacionais para a Oferta de Educação no Sistema Penitenciário; Seminário “Educando para a Liberdade”,

2007.

Seminário “Educando para a Liberdade” reúne especialistas pelo

Brasil e da América Latina. Promovido pelo escritório da

UNESCO no Brasil. Resolução nº 3 de15 de junho de 2010 Dispõe sobre as diretrizes operacionais da oferta da Educação de

Jovens e Adultos fixando aspectos de duração dos cursos; idade

mínima para ingresso na EJA; idade mínima para exames de

certificação e a oferta de EJA na modalidade de Educação a

distância.

Resolução nº 2 de 19 de maio de 2010 Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e

adultos em situação de privação de liberdade nos

estabelecimentos penais. Decreto nº 7.626 de 24 de novembro de

2011. Plano Estratégico de Educação

Prisional no âmbito do Sistema Prisional.

Governo Federal.

Ampliar e qualificar a oferta de educação nos estabelecimentos

penais. Mediante a apresentação de Plano de Ação elaborado

pelos estados e Distrito Federal, a União se compromete a prestar

apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento das ações

mediante aprovação dos órgãos federais.

180

Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Altera a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução

Penal), para dispor sobre a remissão de parte do tempo de

execução da pena por estudo ou por trabalho. PROJETO, RESOLUÇÕES E LEIS DESCRIÇÃO DA AÇÃO

A Resolução Normativa nº 005/2011-

CEE/62MT

Fixa normas para a oferta da Educação Básica na modalidade

Educação de Jovens e Adultos no Sistema Estadual de Ensino,

que reforça as orientações da oferta no que concerne à idade,

oferta, organização curricular e aos cursos, exames de

certificação.

Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e

Emprego (Pronatec). Pode vir a ser um bom exemplo de

educação profissional, inclusive dentro das prisões. Contudo

ainda são poucas as unidades prisionais que conseguem ofertar

esta modalidade, devido À estrutura física das unidades. A Resolução Normativa 002/2012 de

13/03/2012 do CEE/MT.

Estabelece as normas para a oferta no Sistema Estadual de

Ensino da Educação para pessoas privadas de liberdade nos

estabelecimentos penais. Atribui as responsabilidades sobre a

educação nos diferentes órgãos estaduais de forma articulada,

reafirmando no âmbito do Estado de Mato Grosso. Plano Estadual de Educação em Prisões do

Estado de Mato Grosso – SEDUC e

SEJUDH, 2012.

Estabelece os princípios e diretrizes para Educação no sistema

penitenciário. Seguindo orientação.

Assinado o Termo de Cooperação entre

SEDUC e SEJUDH para realização das

atividades de educação, 2014.

Este termo traz em seu corpo as responsabilidades de cada

Secretaria no que tange a oferta de Educação no espaço prisional.

Todo este processo de construção de normas faz parte de uma luta constante para se

efetivar a Educação dentro das unidades prisionais. Não podemos negar que existe um grande

avanço desde o ano 2000; contudo, devemos ressaltar que existem diversas resistências e

problemas para se efetivar desde os mais “simples”, como a óbvia falta de espaço físico nas

unidades prisionais para a educação de todos os presos, como questões complexas que

envolvem a cultura de repressão na prisão e o fato de que nem todos que pertencem tanto ao

setor público quanto o setor privado querem ver esse direito efetivado. Dentro da prisão

observamos grupos de agentes penitenciários que dificultam a realização das atividades de

educação, por diversos motivos. Por exemplo: temos no CRC grupos impedidos, ou que pelo

menos sofrem muita resistência para estudarem, como os “ímpios” – termo bíblico para os

sem fé. Esta prática deixa claro que setores religiosos da prisão, em acordo com a gestão da

unidade, impedem que os direitos cheguem ao alcance de todos. Outras dificuldades

encontradas pelos professores no ambiente prisional são: falta de agentes penitenciários para

encaminhar os presos a sala de aula, pois os professores não podem e nem devem realizar esta

ação; o cancelamento de aula por diversos motivos como revistas nas Alas; falta de água entre

62CEE: Conselho Estadual de Educação.

181

outros e a imensa rotatividade de estudantes dentro do ambiente prisional. Os presos

provisórios saem e entram da penitenciária em grande quantidade, logo, as turmas estão

sempre em continua transformação.

Temos muito o que avançar no debate e construção para um currículo e metodologias

a serem empregados na prisão, tanto que reconhecemos uma contradição na educação

oferecida pelo Estado na medida em que não conseguimos incorporar os conteúdos e ao

debate pedagógico questões importantes para uma educação popular como: luta de classes,

desigualdades, história dos povos, marginalização, vulnerabilidade social etc. Acabamos

ainda educando em uma perspectiva burguesa e conteudista. Esse é sem dúvidas um excelente

tema para pesquisarmos, contudo, nos deparamos com uma realidade onde o acesso à

educação é castrado dentro do presídio. Determinados grupos de presos possuem acesso e

outros não aos direitos assegurados em lei como a educação, o trabalho, a assistência à saúde,

jurídica ou religiosa. É sobre essa contradição na vida cotidiana da prisão que vamos debater,

quando a educação se torna um privilégio.

Segundo a coordenadora de Educação, no CRC os presos que estão nas Alas sem placa

religiosa, os denominados “ímpios”, estão estudando, o que começou em 2014. Mas em

conversas com professores e presos fica claro que são poucos os presos desse setor que estão

realmente estudando. Alguns conseguiram até mandato judicial para estudar. Existe o

comportamento de muitos agentes penitenciários não liberarem esses presos para estudar,

tratando a educação como privilégio.

A foto 25 abaixo mostra uma turma de presos que participou de uma parceria com o

SENAI e fez curso de pintura em 2011. O curso foi oferecido apenas para os presos da

unidade II (“contêiner”), mais uma vez deixando claro a segregação existente dentro da

prisão. Isso mostra que existem parcerias estratégicas com o Sistema S de ensino para

capacitação. Agora isso sempre depende de muita mobilização e interesse da gestão do

presídio para organizar tanto os agentes penitenciários, os presos e o espaço para os cursos. A

foto 26 mostra uma sala de na unidade I.

182

Foto 25 - Curso SENAI, 2011. Fonte: Não identificada.

Foto 26 - Sala de Aula. Fonte: Relatório da Direção, 2011.

Ao lermos uma carta de um dos presos da unidade I (figura 44), pode-se observar

alguns dos problemas que esses enfrentam para frequentar as atividades escolares:

183

Figura 42 - Texto de preso elencando dificuldades para estudar na unidade. Fonte: SORAES, 2012. p. 160.

A carta resume muito bem algumas práticas estabelecidas dentro da prisão, que

dificultam o acesso do preso às aulas. São vários os motivos como os elencados acima, mas

existem outros. Ainda não existe dentro da prisão uma estrutura que permita que as aulas

sejam uma rotina para todos.

O processo de educação não formal está presente na unidade, principalmente através

da Igreja. O jornal da Igreja Universal é uma das formas de circulação de ideias e discursos.

Às 19h na rádio da Universal ouve-se o programa “Hora do presidiário”, onde a família do

184

preso manda mensagens para os detentos e ouve-se também cultos e louvores para os presos.

Através do rádio, os presos ouvem palavras de conforto e de doutrinação para o caminho a ser

seguido. Além desse programa ainda existe um jornal em formato de tabloide que circula no

presídio. Veja a afirmação de Soares na figura 44 (2012, p. 190):

O tabloide Folha Universal é um jornal que circula semanalmente na Unidade

Penitenciária, mas existem leitores e não-leitores do tabloide. A imagem abaixo

retrata um pouco dos discursos que circulam nos corredores do presídio, muito

usados para envolver os detentos em uma cultura religiosa.

Figura 43 - Jornal da igreja Universal do Reino de Deus. Fonte: SOARES, 2012, p.190.

Este discurso sustenta as práticas religiosas dentro da unidade prisional e sua forma de

agir. Existe um entendimento quase generalizado de que sem a religião dentro da unidade,

tudo estará perdido. Ouvimos professores(as) dizendo que diminuir as Alas religiosas seria o

fim da educação, que são melhores essas práticas corruptas de cobrança de dízimos do que o

fim das mesmas. Contudo essa prática sustenta um clima de terror para muitos presos e

impede que possamos realizar um trabalho integral dentro da prisão. A solução não é fácil.

Nosso País é laico; por isso, deve-se respeitar o direito à religião com um espaço ecumênico

dentro do presídio, onde livremente as pessoas se manifestem, se assim o desejarem, mas

jamais serem reféns de um sistema que pune quem não é “religioso”. Por isso somos contra a

existência de Alas religiosas. Onde o controle é efetuado pelas organizações religiosas deve

ser feito pelo Estado laico, mas garantindo o direito ao exercício da religião que o preso

escolher, inclusive declarar-se ateu.

Acontece que boa parte da prática religiosa não está dentro da unidade prisional para

trabalhar em cooperação com o Estado e com outras entidades da sociedade civil. Mas é uma

185

máscara, um cenário criado para organizar os presos, impondo a disciplina e extorquindo dos

mesmos recursos financeiros com essas práticas através da cobrança do dízimo. O poder da

igreja na verdade existe por causa do vácuo que o Estado deixa sem projetos sociais

importantes, sem administração e políticas públicas consistentes.

A falta de atenção e ação do poder público nos espaços sobre a sua responsabilidade

não é um privilégio das prisões, mas uma questão estrutural da sociedade capitalista. A

administração pública e privada convivem em um acordo tácito que permite a acumulação

privada de lucro sobre os bens públicos. Esse processo envolve todos os espaços da cidade,

como afirma Rodrigues (In Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi, p.159):

Entendemos que esses municípios abrem mão de suas funções de garantir o bem-

estar e a segurança para todos, de sua atribuição de ordenar o pleno desenvolvimento

urbano e de atentar para a função social da cidade e da propriedade. [...] Garantem,

por outro lado, que a incorporação imobiliária obtenha maiores rendas, lucros e juros

com a propriedade privada da terra, do espaço coletivo e da mercadoria segurança.

Ainda neste sentido Corrêa (1994 apud Konrad, 2010, p.32) diz que:

A atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar

condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condição que

viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas

frações.

Esse processo de ocupação das prisões pelas igrejas é um processo com avanços e

retrocessos e é visto com bons olhos pela sociedade e pelo Estado, pois ajudam a controlar a

barbárie promovendo a exceção do Estado de sua responsabilidade, como também alimenta os

conflitos contínuos e diários dentro da unidade prisional. Segundo um dos agentes prisionais

entrevistados, antes de 2000 ou 2003 o número de conflitos, brigas e pequenas revoltas dentro

da unidade contra a administração era muito grande. Hoje os conflitos são resolvidos quase

exclusivamente pelos pastores e dirigentes. Essa prática deixa claro a omissão do Estado

como bem afirma Claval (1979, p.39):

As contradições e as oposições são os ingredientes necessários à vida social, mas se

adquirem demasiada intensidade, as relações se envenenam e a coletividade corre o

risco de mergulhar no caos. A existência em comum depende de um mínimo de

ordem e entendimento – o sistema deve ser estruturado.

Reconhecemos que a Educação é um ação fundamental para mudar o ambiente

prisional, pois o momento em que os presos saem da cela para a aula é uma oportunidade para

que eles possam encontrar uma janela. Através desta janela sabem o que acontece fora das

prisões, servindo como uma oportunidade de aprendizado, para pensar uma vida diferente ao

sair da prisão. Os motivos que os levam à sala de aula na prisão são diversos como: remissão

186

da pena, passar o tempo fora da cela, poder conversar e debater temas diversos, aprender algo,

estudar e acreditar em mudar – pode-se observar todos os motivos juntos ou separados. A

frase abaixo de uma presa resume muito bem o significado da Escola dentro da prisão, como

consta no relato de Flora (201363):

— Aqui fora, a escola é vista como um lugar de disciplina. No presídio, é de resgate

da liberdade — comenta Flora, que conhece bem o preconceito da sociedade contra

o presidiário. — Uma vez ouvi de um agente: “Meu filho lá fora sem escola e a

senhora aqui, dando aula para vagabundo” Assim como Flora, outros presos e presas desse País veem como uma oportunidade a

existência da educação dentro dos presídios. Na fala de Flora, observamos também outro

aspecto já comentado, o de que muitos servidores do sistema penitenciário entendem a

educação no espaço prisional como privilégio e não um direito. O entrevistado W. fala sobre

isso quando afirma:

Eu briguei muito no sindicato, eu sugeri, mas não colocaram no plano de carreira do

agente penitenciário a função de educador. Foi uma briga. “Não, nossa função não é

de educador.” Mas é sim, está nos tratados internacionais. Ele entrou na unidade, ele

precisa ouvir os seus direitos e deveres, isso é uma educação não-formal.

Não existe ainda na lei um dispositivo que gere a carreira dos agentes penitenciários,

um cargo para esta função, ou mesmo a exigência que as unidades mantenham um agente se

deslocando e soltando os presos para as salas de aula, ou seja, o planejamento integrado entre

as diferentes secretarias precisa ser efetivado. O planejamento em comum não é tarefa simples

e vem sendo negligenciado há anos. No cenário político atual, cada secretaria de Estado é

quase um feudo onde um partido político da base aliada a gerencia como quer, indicando

livremente os postos de alto escalão. O desafio do planejamento integrado entre secretaria vai

muito além da educação em prisões, mas atinge diversas áreas.

Algumas ações em conjunto vêm sendo desenvolvidas no Estado para superarmos

essas dificuldades, partindo principalmente da SEDUC. Vamos apresentar um quadro dessas

ações. As estratégias têm sido construídas tanto do ponto de vista administrativo quanto

pedagógico. Consideramos que a iniciativa mais significativa após a criação da Escola seja a

criação do Plano Estadual de Educação em Prisões, específico para essa modalidade de

ensino. Outros estado da federação também têm realizado o Plano para Educação em Prisões,

uma orientação do MEC.

63http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/apenas-um-em-cada-10-detentos-estuda-no-brasil-8709849

Acesso 10/06/2014

187

Importante evento marcou a assinatura de uma Carta Compromisso entre as duas

Secretárias envolvidas – o “Encontro de Implementação do Plano Estadual de Educação

nas Prisões”, promovido pela SEDUC em junho de 2013. Esse procedimento visa deixar

claro quais são os papéis e responsabilidades de cada uma das Secretarias, buscando processo

coordenado para que a Educação e suas atividades ganhem espaço dentro das unidades. Indo

além do debate sobre o espaço físico, é importante que ganhe prioridade uma rotina adequada

à educação dentro das unidades prisionais. O Plano Estadual de Educação em Prisões

encontra-se em estágio de aprovação na Assembléia Legislativa do Estado.

Para além das normas e legislações pertinentes é importante ressaltar que concordamos

com Freire (2000, apud Souza, 2010, p. 154) quando afirma que:

A natureza da prática educativa, a sua necessária diretividade, os objetivos que se

perseguem na prática não permitem que ela seja neutra, mas política sempre. É a

isso que chamo de política da educação, isto é, a qualidade que tem a educação de

ser política. A questão que se coloca é saber que política é essa, a favor de quê e de

quem, contra quê e contra quem se realiza. É por isso que podemos afirmar, sem

medo de errar, que, se a política educacional de um partido progressista e sua prática

educativa forem iguais às de um partido conservador, um dos dois está radicalmente

errado.

Essa postura crítica sobre a educação é importantíssima, pois a prática pedagógica é

sempre voltada para uma transformação ou manutenção do mundo. A postura política

manifesta-se no cotidiano, na prática pedagógica, e nesse universo prisional nos deparamos

com uma complexidade, cheia de regras e injustiças. Dentro das unidades penitenciárias

existe um conjunto de práticas sociais importantes de serem reconhecidas pelos educadores

para atentar-se a quais realidades estão submetido os estudantes, como afirmam Silva e

Moreira (2010, p.5) que:

A chamada cultura prisional, leia-se o modelo de administração penitenciária, é

sustentada por um tripé cujos pilares são: 1) a elevada tolerância em relação a todas

as formas de violência que se torna o principal fator de mediação das relações entre

instituição/agentes, agentes/presos e presos/presos; 2) a elevada tolerância em

relação à corrupção, não só no sentido pecuniário, mas também em relação aos

valores, hábitos e costumes, que caracterizam o universo prisional como uma

contracultura e 3) a compra e venda de privilégios como técnica de empoderamento

de presos e agentes, sem nenhuma correspondência no mundo real.

A continuidade das ações educativas, seu processo e desenvolvimento dependem

muito da colaboração e união dos educadores e dos gestores do espaço prisional. Cabe a

ambos reconhecer a necessidade de posicionamento no mundo, entendendo que o processo de

educação nesses espaços é muitas vezes de resistência e disputa. Essa população presa foi

sempre comandada e viveu muitas vezes sob ordens de outro. Superar tal paradigma de vida

188

para ganhar um onde a autonomia e a expectativa de realizar um outro destino com suas vidas

é algo desafiador. Desta forma, as aulas não podem ser transformadas apenas em propagação

do conteúdo, mas deve-se aproveitar o tempo para debater as relações sociais, promover a

autorreflexão como ser humano, incentivar as expectativas de vida após a prisão e permitir

que estudantes possuam acesso ao conhecimento cultural, intelectual e social produzido pela

humanidade e dele se aproprie.

O espaço prisional é um espaço fechado, com muros altos, portões trancados e com

pouca permeabilidade com o mundo externo, mas isso não o isola completamente; apenas o

esconde de uma parte da sociedade. A Educação dentro do sistema penitenciário deve romper

com essa perspectiva de privilégios e conseguir agir a fim de garantir acesso a todos os

presos, processo que só é possível através de uma participação da sociedade civil e de um

planejamento e engajamento dos gestores públicos, criando um ambiente que seja

transponível e de portas abertas à cultura popular, erudita e à diversidade.

189

7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É no debate público e democrático que pode-se compreender melhor as instituições

prisionais e repensá-las seriamente. Através da pesquisa e da práxis queremos colaborar com

esse processo. Temos que superar o desserviço que a comunicação de massa faz pelo País ao

moldar o pensamento e a opinião pública numa perspectiva altamente conservadora. Trata a

segurança pública em programas de TV64 altamente tendenciosos que reforçam a segregação,

a marginalização, os estereótipos, e propagam o encarceramento como solução para violência.

Essa forma de fazer jornalismo deveria ser combatida: propomos que exista uma outra, que

mostre como funciona as prisões, como a sociedade capitalista produz a pobreza e debata a

luta de classes. Isso sim poderia contribuir para o crescimento do País.

Nossa investigação vai no sentido de entender a dinâmica da vida prisional através das

práticas sociais e sua projeção no espaço prisional. Buscamos evidenciar algumas das

estratégias de sobrevivência e de organização que existem no sistema penitenciário,

compreendendo-as dentro de uma perspectiva de relações espaciais-sociais, construídas ao

longo do tempo. Acreditamos que somente o engajamento e a militância são capazes de

prover mudanças no mundo; para isso precisamos de conhecimentos sobre as prisões, sobre os

presos e todos os discursos que sustentam esse processo prisional. É importante saber superar

e pensar novas propostas para as penitenciárias brasileiras, compatíveis com nossa leitura de

mundo, onde o isolamento das prisões, o seu esquecimento e distanciamento geográfico e

social da sociedade são incabíveis.

Entendemos que existem muitas dificuldades no atual cenário para a realização de

projetos sociais, educacionais e culturais dentro das unidades prisionais, e o não-

conhecimento de sua estrutura, dinâmica e funcionamento colabora para deixar as ações mais

difíceis. Estamos falando do contexto real, dos conflitos, corrupções, medos, violências,

comércio e contrabando que estão instalados nos presídios brasileiros. O discurso da

ressocialização dos presos pelo poder estatal é contrário às práticas de camaradagem,

lealdade, valores defendidos entre os reclusos e funcionários do sistema. Um microcosmo

64Em Mato Grosso o programa “Cadeia Neles” da Rede Record de televisão faz esse papel. Esses programas

começaram na TV brasileira através do repórter Gil Gomes no início dos anos 1990.

190

prisional que existe há séculos é muito mais forte que o discurso e as ações até hoje

empregadas.

Concordamos com o defensor público Marcos Rondon Silva (2008, p.24) quando

relata na CPI do sistema carcerário:

Primeiro lugar, eu gostaria de dizer que é a nossa convicção de que não há Messias

nem messianismo em execução penal. Não há uma instituição que dará jeito sozinha

nisso, porque é de conhecimento notório que essa é uma situação que vem rolando

há décadas, há séculos neste País. E todas as instituições devem fazer um mea culpa

nessa questão do sistema prisional. E algumas instituições que estão aí bem antes

devem fazer um mea maxima culpa. São convicções que estão presentes nas nossas

mentes e corações.

Portanto uma aproximação desses espaços com a sociedade através de diversas

estratégias como: grupos de pesquisa, voluntários, trabalhos artísticos entre outros é

necessário que aconteça urgentemente. Precisamos urgentemente provocar o debate sobre os

sistema penitenciário em todos os níveis de governo, de ensino e de organização da sociedade

civil. Conhecer e reconhecer esses espaços como lugares próximos que nos afetam, só assim,

nos permite pensar em sua transformação pois vamos nos responsabilizarmos pelo que se

passa no interior desse sistema.

O espaço prisional tem sua origem, modelos e formas que refletem uma postura

ideológica, baseada no nosso paradigma de sociedade e suportado por uma penalogia e um

direito penal que nunca é isento de valores como também de uma ideologia que a sustenta,

lembrando que o espaço prisional é preferencialmente destinado a uma determinada parcela

da população – a classe social proletáriada. O desenho espacial é importante para

entendermos o cotidiano, as territorialidades, dês-territorialidades e temporalidades na prisão.

Capeli (1990 apud Nesbitt, 2010, p. 71- grifo nosso) afirma que: “Uma vez que a arquitetura

aspira a ser compreendia e usada pela sociedade, não pode ser autônoma e ao mesmo tempo

manter sua relevância. A arquitetura, nesse sentido, jamais pode ser isenta de valores.” Existe

sempre um programa a ser seguido, uma intenção ao projetar.

Como espaço por excelência de exclusão social, os presídios conseguem reproduzir no

seu interior as centralidades (para os que se incluem) e recriar novas marginalidades,

excluindo ao máximo para os excluídos. As diversas realidades das unidades prisionais

precisam ser (re)conhecidas pela sociedade para podermos (re)pensar as nossas posturas

frente esses processos e deixarmos o senso comum e os preconceitos de lado. Fazem-se

necessários enfrentarmos o problema e não isolá-lo dentro de altos murros.

191

Tal como todas as instituições sociais, as prisões não podem encontrar alternativas

sérias nesse contexto social, político e econômico. Não pode haver uma transformação

essencial nas prisões sem uma alteração na concepção e estrutura de funcionamento da

sociedade. Podemos evitar barbáries (futebol de cabeça, mortes desenfreadas, brigas

sangrentas, etc.) dentro dos presídios, mas concedendo a determinada entidade o poder de

estar ali controlando o espaço na prisão e ao mesmo tempo estar fazendo outras ilegalidades

como a cobrança de dízimos.

A maioria dos crimes estão relacionados ao patrimônio – isso não é uma coincidência,

mas uma marca da nossa sociedade que segrega social, econômica e culturalmente as pessoas.

Temos uma barreia, um limite intocável neste contexto atual que é o de pensar em mudarmos

e diminuirmos o consumo, o que envolve uma mudança de paradigma e de postura política no

mundo. Por isso entendemos que não seja possível mudar as prisões em sua essência nesse

contexto que vivemos, onde os valores de ter são superiores aos de ser. Marx (In Netto, 2012,

p. 114) afirma que:

“A propriedade privada fez-nos tão estúpidos e unilaterais que um objeto só é nosso

se o tivermos, portanto, se existir para nós como capital, ou se for imediatamente

possuído, comido, bebido, trazido no corpo, habitado por nós, etc, em resumo

usado. [...] Para o lugar de todos os sentidos físicos e espirituais entrou portanto a

simples alienação de todos esses sentidos, o sentido do ter.” (grifo no original).

Sem uma mudança na estrutura e no funcionamento da sociedade, a prisão continuará

com algumas mudanças em sua aparência física, outras no comportamento dos agentes e

funcionários do sistema penitenciário. São transformações importantes para dar fim à extrema

violência, mas não são mudanças essenciais. A aparência é alterada cotidianamente, sem que

exista uma revisão geral desta nossa sociedade. Quando e como os presídios vão assumir a

sua função social? Acreditamos que apenas com uma transformação geral da sociedade, do

paradigma burguês e capitalista chegando ao fim, algo que hoje não está em pauta em nenhum

lugar do mundo.

Nos socorremos mais uma vez em Foucault, para entendermos que existem alguma

relações muito sutis entre as prisões e a estrutura da sociedade capitalista, indicando que a

possibilidade de mudanças concretas dentro das prisões é improvável dentro deste contexto.

Afinal o que realmente as prisões significam neste contexto que vivemos - a sociedade

burguesa capitalista? Não é demais lembrar Foucault (2011, p.84):

Ou para dizer de outra maneira: a economia das ilegalidades se reestruturou com o

desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da

ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois,

192

de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens –

transferências violenta das propriedades; de outro a burguesia, então se reservará a

ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas

próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por

um jogo que se desenrola nas margens da legislação.

Abrimos espaço para que existam esses dois círculos da justiça, um para determinada

classe social e outro para outra. Esta questão é tão enraizada em nossa sociedade que a prisão

é um espaço de exclusão por excelência. As pessoas reproduzem esta exclusão, medem o grau

de renda e influência que cada um possui e criam suas estruturas hierárquicas baseadas neste

processo. Reproduzem todas as injustiças, segregações, marginalizações e não-acessos a

direitos que existem na sociedade capitalista dentro da unidade prisional. O mesmo sentido

Zaffaroni (1991, p. 61) diz que:

Sabiendo que las personas no son criminalizadas por la magnutide de los ilícitos que

cometen sino por sus características personales que las hacen vulnerables al ejercicio

de poder de los sistemas penales, que siempre es estrituralmente selectivo [...]. Dentro da unidade prisional, os sujeitos que possuem determinados privilégios

desviam a lei e os regulamentos em proveito próprio e isso com a devida conveniência dos

servidores públicos.

Ensina ainda Foucault (2011, p. 258) sobre as prisões:

Vamos admitir que a lei destine a definir infrações, que o aparelho penal tenha como

função reduzi-las e que seja o instrumento dessa repressão; temos então que passar

um atestado de fracasso. [...] Mas talvez devamos inverter o problema e nos

perguntar para que serve o fracasso da prisão. [...] Em resumo, a penalidade não

“reprimiria” pura e simplesmente as ilegalidades; ela as “diferencia”, faria sua

economia geral. E se podemos falar de uma justiça não é só porque a própria lei ou a

maneira de aplicá-la servem aos interesses de uma classe, é porque toda a gestão

diferencial das ilegalidades por intermédio da penalidade faz parte desses

mecanismos.

A interpretação de Foucault nos ajuda a entender que o que realmente são as prisões:

instituições de manutenção do poder. Ao contrário do que se argumenta, estas instituições não

são falidas, mas servem muito bem aos detentores do poder, cumprindo o seu papel de marcar

e diferenciar aqueles que devem se adequar ao tempo da máquina, ao trabalho, ao ritmo e

servir enquanto outros vivem.

Mesmo não sendo possível uma transformação radical das prisões, consideramos que

algumas ações devem ser encaminhadas para que possamos alcançar um nível de

desenvolvimento e civilização dentro das unidades penitenciárias do País. Essas ações passam

por questões administrativas e projetos que envolvem o engajamento da sociedade civil.

Elencamos aqui as principais estratégias que julgamos necessárias: a) conhecer e se envolver

com a questão penitenciária, transformando-a em um tema debatido e compreendido pela

193

sociedade; b) a sociedade civil deve entrar nas prisões imediatamente por meio de projetos de

pesquisa, extensão e planos sociais diversos; c) as ong’s e centros de defesa de direitos

humanos devem realizar projetos dentro das unidades prisionais; d) políticas públicas

consistentes devem ser cobradas das autoridades que incluam educação e o trabalho

qualificado nas prisões como prioridade; e) mudança na arquitetura prisional que permita

novas formas de vida e de relações sociais; f) treinamento, capacitação e criação de carreira

para os agentes penitenciários e demais servidores técnicos do sistema penitenciário com a

devida valorização social e salarial; g) a administração penitenciária deve ser capacitada e

com fiscalização ostensiva pela sociedade civil através do conselho da comunidade65; h)

acompanhamento de perto da vida prisional por parte do poder judiciário, ministério público e

do legislativo; i) buscar diminuir a reincidência e mesmo a existência de prisões através de

uma mudança nas políticas sociais e educacionais em âmbito nacional; j) e por fim e

principalmente uma mudança cultural do consumo e nas relações mercantilizadas.

Acreditamos que está é uma das mais importantes razões para a criminalidade.

Devemos refletir se todos estas ações são possíveis de serem realizadas, e

consideramos que são difíceis, mas não impossíveis. Temos ainda que avançar muito no

debate e principalmente no envolvimento com as questões sociais neste País. Acreditamos que

a única possibilidade para mudanças é buscarmos uma transformação social através de uma

política que assegure qualidade no ambiente de trabalho para servidores do sistema

penitenciário e acesso aos direitos para os presos, com engajamento da sociedade e a criação

de um País onde exista o Bem Estar Social.

65Conselho da Comunidade é previsto em lei como instância de controle comunitário da Execução Penal e

deveria existir em todas as cidades que possuem uma cadeia pública ou penitenciária, mas issonão existe na

prática.

194

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