Upload
independent
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
GUILHERME ROSA DE ALMEIDA
AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO: ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO DE CUIABÁ/MT.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Cornélio Vilarinho Neto|Orientador |Universidade Federal de Mato GrossoProf. Dr. Danilo Volochko | Examinador Interno |Universidade Federal de Mato GrossoProf. Dr. Alexandre Magno Alvez Diniz| Examinador Externo| Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DESEFA EM 30 DE OUTUBRO DE 2014. CUIABÁ/MT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
GUILHERME ROSA DE ALMEIDA
AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO:
ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO
DE CUIABÁ/MT.
CUIABÁ - MT
OUTUBRO DE 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
GUILHERME ROSA DE ALMEIDA
AS TERRITORIALIDADES E O COTIDIANO DA PRISÃO:
ESTUDO DE CASO DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO
DE CUIABÁ/MT.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto
de Ciência Humanas e Sociais, da Universidade
Federal de Mato Grosso – UFMT, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Geografia, na área de “Ambiente e
Desenvolvimento Regional”. Linha de Pesquisa em
“Produção do Espaço Regional”. Orientador:
Professor Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto -
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação da
UFMT.
CUIABÁ-MT
OUTUBRO DE 2014
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
R788t Almeida, Guilherme Rosa de. As Territorialidades e o Cotidiano da Prisão: Estudo de Caso do Centro de
Ressocialização de Cuiabá/MT / Guilherme Rosa de Almeida. -- 2014 201 f.: il. Color; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de
Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Cuiabá, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Penitenciária. 2. Território. 3. Cotidiano. 4. Poder. I. Título.
Fonte: STI - Secretaria de Tecnologia da Informação - UFMT. Módulo de Ficha Catalográfica/2014
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha família, pelos ensinamentos sobre o
mundo e as pessoas: minha mãe, pai, avós, irmãs, tios, tias, primos.
Aos amigos que sempre incentivaram os nossos esforços de
compreender o sistema penitenciário e continuar. Aos presos,
servidores do sistema penitenciário do CRC e aos colegas da E.E.
Nova Chance. Principalmente ao futuro do País, por uma mudança
profunda no sentido da justiça social.
AGRADECIMENTOS
A todos que colaboraram de alguma forma com este trabalho e
principalmente ao Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto. Sua
orientação permitiu que descobríssemos um novo mundo, através da
Geografia.
RESUMO
As taxas de encarceramento no Brasil são alarmantes – temos o 4º maior número de presos
em números absolutos do mundo. São 549.577 presos e apresentamos uma das maiores
superlotações do mundo. Este cenário é motivo de preocupação por parte das autoridades e da
sociedade civil organizada. Vamos aqui contribuir com a investigação e o debater sobre os
espaços prisionais, a fim de superar o afastamento da sociedade civil e o descaso do poder
público. Entendemos que só assim será possível acabarmos com os estereótipos sobre as
prisões e abrir as portas para um processo de transformação destes espaços. A nossa
investigação analisa a dinâmica da vida prisional através das práticas sociais espacializadas,
evidenciando as estratégias de sobrevivência e de organização que existem dentro da prisão,
compreendendo como se dão as disputas pelo poder no espaço: o controle, gestão e
apropriação dos espaços pelos presos, indicando como os presos são sujeitos ativos nesse
processo. O Estudo de caso é no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), unidade
prisional masculina, na cidade de Cuiabá/MT, penitenciária destinada a 470 homens, hoje
com cerca de 900 homens detidos. Este estudo da vida prisional e da análise do cotidiano no
espaço prisional, se dá através dos conceitos geográficos de território e de
territorialidades em um viés não ortodoxo. Entendemos que o conceito de território
multidimensional nos permite a compressão dos poderes paralelos ao Estado, que agem ora
em associação, ora em conflito com este e que o conceito de territorialidade nos permite
entender as dinâmicas da disputa territorial. Os autores que nortearam nossa abordagem sobre
poder, território e territorialidades são: Paul Claval, Hannah Arendt, Michel Foucault, Milton
Santos, Marcelo Lopes de Souza entre outros. Aqui não trataremos do poder apenas como
símbolo e autoridade do Estado ou de um mandatário, mas o poder contido nas relações
sociais em grupo e produtor de assimetrias. Estes conceitos envolvem a compressão de
acesso, limites, fronteiras, o controle do fluxo das pessoas, o exercício da autoridade e a
dinâmica das disputas. Os grupos que compõem o espaço prisional são complexos e
heterogêneos, possuindo tramas em suas relações que são difíceis de decifrar e entender. Entre
estes grupos notamos a produção de segregações, exclusões e privilégios no acesso a direitos.
Ressaltamos o papel da Educação neste espaço que vem alterar o ambiente e criar um novo
cotidiano, permitindo que uma certa liberdade se realize através da Escola. Destacamos o
papel que a perspectiva marxista e o método histórico-materialista possui em nossa leitura de
mundo, ensinando que a ciência deve ter na realidade material a sua base, e que o
conhecimento pode alimentar o engajamento político. Queremos colaborar com a superação
deste cenário no qual se encontram as penitenciárias brasileiras; acreditamos que para isso o
envolvimento, a militância e a pesquisa se fazem necessários. As prisões não devem ser
isoladas geográfica e socialmente se quisermos uma sociedade mais justa e solidária.
Palavras-Chaves: Penitenciária, Território, Cotidiano, Poder.
ABSTRACT
The encarcering rates in Brazil are alarming – we have the 4th greatest number of prisoners in
absolute numbers in the world. They are 549.577 prisoners and we show one of the greatest
overcrowdings in the world, with a 240.503 vancancies deficit. This scenario is reason of
preoccupation on the account of the authorities and the organized civil society. We should
investigate, debate and get to know the prisonal spaces in order to overcome lack of
planning of the public power and the engagement of the civil society on this issue, putting an
end to stereotypes on prisons and opening doors to a process of transformation of these
spaces. Our investigation aims to comprehend the dynamics of the prisonal life through
specialized social practices, highlighting the survival and organization strategies within the
prison, understading how the struggle for power in this space occurs: the control, management
and appropriation of spaces by the prisoners, pointing out how prisoners are active subjects in
this process. The case study is at the Centro de Ressocialização de Cuiabá (Cuiabá
Resocialization Center), masculine prisonal unit, a penitenciary destined to 470 men, today
bearing around 900 arrested men. When we think of prisonal life and the analysis of the
everyday life of the prisonal space, we choose the geographic concept of territory and
territorialities in a non-orthodox way. We understant that the concept of multidimensional
territory grants us the comprehension of powers parallel to the State, which act at times in
association and at others in conflict with the latter; and that the concept of territoriality allows
us to understand the dynamics of the territorial dispute. The authors that guided our
comprehension on power are Paulo Clavar, Hannah Arendt and Michel Foucault. Here, we
will not deal with power just as a symbol of the authority of the State or a mandatary, but the
power contained in the social relations as a group and a producer of assimetries, that is the
reason why the concepts of territory and territorialities are central to this work. These
concepts involve the comprehension of access, limits, boundaries, the control of the flow of
people and the exercise of authority. The groups that comprise the prisonal space are complex
and highly heterogenic, possessing schemes in the relations that are hard to decipher and
understand. Among these groups, we notice the production of segregations, exclusions and
privileges on the access to rights. Education has the power to change the prison environment
and creates a new routine, where the School holds debate and freedom. We highlight the role
that the marxist perspective and the historical-materialistic method has over our reading of the
world, teaching us that science, through research, initiates in the material life, feed
engagement and militancy. In order to be able to enact changes in the world, we need
knowlege on prisons, on prisoners and on all speeches that sustain this prisonal process. It is
important to know how to overcome and think new proposals for Brazillian penitentiaries,
compatible with our views of the world, where the isolation of prisons, their oblivion and
geographic and social distancing from society are unreasonable.
Key-words: Penitentiary, Territory, Everyday life, Power.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O trabalho como elemento essencial na teoria materialista. 30
Figura 2- Imagem do site Geopresídios. 49
Figura 3 - Gravura Pelourinho Rotativo: Exemplo de punição pública e corpórea. 51
Figura 4 - Fluxograma Geral de Penitenciária. 55
Figura 5 - O panóptico de Jeremy Bentham - Vista Interna. 56
Figura 6 - O Panóptico - visão da torre central de inspeção - Penitenciária de
Stateville, EUA.
57
Figura 7 - Modelos de referência para Arquitetura Prisional. 59
Figura 8 – Principais Modelos Arquitetura Prisional no Brasil. 60
Figura 9- Planta cadastral da cidade de São Vicente. 61
Figura 10-Desenho da Casa de Câmara e Cadeia do Icó/CE. 62
Figura 11 - Penitenciária do Rio de Janeiro, 1834. 63
Figura 12- Ilustração penitenciária imaginário popular. 67
Figura 13 - Modelo de Prisão Noruega. 69
Figura 14 - Governo holandês fecha presídios. 70
Figura 15 - Complexo judiciário de Viena- Áustria. 70
Figura 16 - Mapa da localização das unidades penitenciárias de MT. 84
Figura 17 - Organograma SEJUDH. 86
Figura 18 - Organograma oficial da Secretaria de Administração
Penitenciária/SEJDH 2010.
86
Figura 19 - Evento sobre as PPP. 91
Figura 20 - Projeto para penitenciária em Palhoça/SC. 93
Figura 21 - Imagem da APAC Santa Luzia/MG. 94
Figura 22 - Localização Unidade Prisional CRC. 102
Figura 23 - Evolução Urbana de Cuiabá. Fonte: Prefeitura de Cuiabá. 103
Figura 24 - Uso e ocupação do solo ao redor da Unidade do CRC. 104
Figura 25 - Espaço imediato ao redor da unidade prisional. 105
Figura 26 - Ilustração da tríplice que sustenta o discurso de ressocialização. 109
Figura 27 - Croqui da Estrutura Geral do CRC. 116
Figura 28 - Visitas no Corredor B. 122
Figura 29 - Visitas Corredor A e “Contêiner”. 123
Figura 30 - Imagem composta de diversas fotos. Cela da Unidade I. Ala Deus é Amor. 127
Figura 31 - Projeto “Ala Cor de Rosa” na imprensa. 131
Figura 32 - Presos na Ala M. 139
Figura 33 - Esquema da localização do agente e do correria e porteiros. 147
Figura 34 - Notícia sobre a abertura do Mercado no CRC. 151
Figura 35 - Tabela de preço dos produtos vendido no “mercado”. 154
Figura 36 - Jornal A Grade 3 º ed. Junho de 2011. Impressão IOMAT/MT. 155
Figura 37- Matéria Jornalística sobre extorsão no presídio. 160
Figura 38 - Croqui: A religião e o domínio do espaço, nos anos 2012 e 2013. 165
Figura 39 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 2. Válido até Agosto de 2014. 166
Figura 40 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 3, após ocupação da Ala A pela
Igreja.
166
Figura 41 - Croqui da Ala L. 168
Figura 42 - Texto de preso elencando dificuldades para estudar na unidade. 183
Figura 43 - Jornal da igreja Universal do Reino de Deus. 184
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Regimes prisionais e seus espaços. Baseado na Lei 7.210/84 42
Quadro 2 - Tempo de Reclusão. Baseado na Lei 7.210/84 43
Quadro 3 - Definição de termos sujeitos privados de liberdade. Baseado na Lei 7.210/84. 44
Quadro 4 - Espaços de provação de liberdade por regime de condenação. 44
Quadro 5 - Cargos e funções dentro do CRC. 87
Quadro 6 – Tabela Oficinas. 142
Quadro 7 - Relação entre presos x agentes. Fonte: Cartório do CRC 145
Quadro 8 - Agentes penitenciários de plantão. 170
Quadro 9 - Setor de Saúde: Quadro de Pessoal. 171
Quadro 10- Cenário do ensino nas prisões. 178
Quadro 11 - Resumo das ações, decretos e leis no âmbito da Educação no Sistema
Penitenciário. 179
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Custo de manutenção do sistema penitenciário de MT/2012. 66
Tabela 2 - Taxa de Homicídios. 78
Tabela 3 - Percentagem Reincidência, Países Selecionados.2013 79
Tabela 4 – Dados sobre os presos em MT. 83
Tabela 6 – Número Agentes no CRC. 86
Tabela 7 – Visitantes. 119
Tabela 8 - Atividades diárias na Ala L. 167
Tabela 9 - Saída de Presos. 170
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Países e população carcerária total. 72
Gráfico 2 - Taxa de aumento de presos em diferentes países, em 20 anos. 73
Gráfico 3 – Evolução da população carcerária brasileira x Vagas no sistema
penitenciário
75
Gráfico 4 – Evolução da percentagem de presos condenados x provisórios. 78
Gráfico 5 - Percentagem dos crimes cometidos pela tipificação penal. 79
Gráfico 6 – Encarceramento e gênero o Brasil. 80
Gráfico 7 - Número de Presos no Estado de Mato Grosso. 82
Gráfico 8 - Visitantes. 119
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Contagem - MG: 70 homens se espremem onde caberiam apenas 12. 77
Foto 2- Imagem aérea CRC 2005. 110
Foto 3- Corredor CRC - 2005. 110
Foto 4- Alas CRC – 2005. 110
Foto 5 - Banheiros dentro dos cubículos. 2005. 111
Foto 6 - Cubículos (celas) 2005. 111
Foto 7 - Familiares na porta do CRC. 117
Foto 8 - Chegada do “jumbos” à unidade. 118
Foto 9 – Protesto dos familiares dos presos 120
Foto 10 – Cobertura construída pelas presos. 121
Foto 11 - Recepção do CRC. 124
Foto 12 – Unidade I x Unidade II. 129
Foto 13 – Caminhão Limpa Fossa. 129
Foto14. Superior do “contêiner”. 131
Foto 15 - Festa Junina na Quadra da Unidade II. 131
Foto 16 – Reservatório de água na cela 139
Foto 17 - Artesanato no setor de produção. 143
Foto 18- Reciclagem no setor de produção. 144
Foto 19 - Oficina de placas de carro. 144
Foto 20 - Cadeados no CRC. 146
Foto 21 - Mercado dentro do Aníbal Bruno (Recife/PE). 150
Foto 21- Placa da Igreja Universal do Reino de Deus 157
Fotos 22 - Corredor B. 158
Foto 23 - Placa da Igreja Universal do Reino de Deus, demarcando o corredor B. 158
Foto 24 - Igreja Assembleia de Deus no corredor A. 159
Foto 25 - Curso SENAI, 2011. 182
Foto 26 - Sala de Aula. 182
Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As
prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens
imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às
crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros de
um tempo superado.
(Cora Coralina)
LISTA DE SIGLAS
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CRC Centro de Ressocialização de Cuiabá
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
FUNAC Fundação Nova Chance
LEP Lei de Execução Penal
MEC Ministério da Educação
MJ Ministério da Justiça
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SEDUC Secretaria Estadual de Educação
SEJUDH Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16 1.0 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS – METODOLÓGICOS – CONCEITUAIS . 22 1.1 Conceito de ciência. ................................................................................................... 22 1.2 Procedimentos Metodológicos. .................................................................................. 23
2.0 A GEOGRAFIA E SUAS DIMENSÕES. ............................................................. 33 2.1 Categoria de Análise: O Território e as Territorialidades. ............................................... 35
3.0 AS INSTITUIÇÕES PRISIONAIS ...................................................................... 41 3.1 Gênese dos Espaços Prisionais. ........................................................................................ 50 3.3.1 Espaço Prisional: Arquitetura e Disciplina. .................................................................. 53
3.2 As Penitenciárias no Brasil. ............................................................................................. 61 3.1.3 Contraponto: Diferentes Sociedades, Diferentes Prisões. ............................................. 67
4.0 AS PENITENCIÁRIAS NO BRASIL .................................................................. 72 4.1 Cenário dos Espaços Prisionais e a Organização da Secretária de Justiça e Direitos
Humanos - SEJUDH/MT. ...................................................................................................... 80 4.2 Perspectivas da Gestão Prisional no Brasil. ..................................................................... 88
4.2.1 O Canto da Sereia: As Parcerias Público Privadas – PPP’s. ........................................ 89 4.2.2 A APAC- Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados: Outra
Perspectiva. ............................................................................................................................ 93 4.2.3 Considerações sobre as PPP’s. ...................................................................................... 95
5.0 ANÁLISE DA ÁREA DE ESTUDO. ................................................................... 98 5.1 Localização e História do Centro de Ressocialização de Cuiabá................................... 100 5.2 Estrutura do CRC: Os setores e as territorializações. .................................................... 114 5.1 Os Grupos no Espaço Prisional: os presos, e os funcionários do sistema penitenciário.
.............................................................................................................................................. 132 5.3 A Saúde na Unidade Prisional ........................................................................................ 171
6.0 A EDUCAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO ............... 175 7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 189 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 194
16
INTRODUÇÃO
Este trabalho debate um tema urgente, as prisões no contexto brasileiro a partir de um
estudo de caso. As taxas de encarceramento no Brasil são alarmantes: possuímos o 4º maior
número de presos em números absolutos, no total de 549.5771 presos e apresentando uma das
maiores superlotações do mundo com um déficit de 240.503 vagas. Esse cenário é motivo de
preocupação por parte das autoridades e da sociedade civil organizada. Trazemos à tona a
fragilidade no tratamento do tema da violência e da criminalidade, pois apostamos no falido
sistema penitenciário como solução para esses problemas, ao invés de buscarmos a construção
de uma sociedade justa e fraterna.
Os prejuízos são incalculáveis: os dados da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)
do Sistema Carcerário de 2009 indicam gastos astronômicos com a violência no Brasil, sendo
que os problemas sociais, psicológicos, a perda de vidas são impossíveis de avaliarmos.
Temos que superar a falta de planejamento adequado do poder público e do engajamento e
conhecimento da sociedade civil sobre este problema.
Segundo dados do Anuário 2013 do Fórum Nacional de Segurança Pública2, o Brasil
possuí um contingente de cerca de 195 mil presos provisórios (não julgados), o que equivale a
35% do total de presos. Esses casos deveriam ter uma solução rápida para aqueles que
aguardam durante meses esperando uma sentença que pode inocentá-los. Tudo isso mostra
como nosso País prende muito, mas prende mal e prendemos seletivamente: de forma racista,
sexista e classista. O que é fácil observar pela escolarização, cor, sexo, idade e principalmente
renda dos presos. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski disse que
há uma “cultura do encarceramento3” entre os juízes no Brasil, o que agrava mais o já lotado
sistema prisional.
Quando tratamos do sistema penitenciário não podemos esquecer que este faz parte
de um universo maior: o da segurança pública. A prisão é a última fronteira deste sistema.
Acreditamos que a nossa pesquisa possa contribuir para compreensão da vida prisional, dos
conflitos, contradições e problemas que cercam este tema. Queremos aprofundar este debate e
entender como estão sendo desenvolvidos os processos de (res)socialização, sem esquecer que
1Dados do Infopen – Ministério da Justiça/2013. 2 http://www.forumseguranca.org.br/storage/download/anuario_2013-corrigido.pdf. Acesso 20/08/2014 3http://carosamigos.com.br/index.php/component/content/article/235-revista/edicao-204/3974-desvio-de-
objetivo. Acesso em 20/04/2014.
17
os presos e os servidores do sistema penitenciário são sujeitos ativos neste processo e são
estes essencialmente que constroem a vida no contexto prisional.
A complexidade do sistema penitenciário é imensa e podemos observar, com base nos
pesquisadores Maia, Netto, Costa e Bretas, (2009) que existe um longo processo de
isolamento das unidades prisionais no País, desde a colonização. Durante muito tempo nossa
sociedade negligenciou conhecer suas prisões, o que acarretou em diferentes realidades
materiais em cada prisão do País. Outra situação que dificulta as generalizações sobre as
prisões é o fato de que a legislação brasileira que rege a vida nas penitenciárias não é
cumprida – em muitos pontos não existe na prática. As prisões possuem suas regras, vivências
e rotina particulares, existindo um conjunto de regras, “leis”, forças, resistências, conflitos e
interesses que agem nas unidades prisionais conferindo identidade a cada uma delas.
Tratamos neste trabalho de uma unidade prisional em particular. Contudo, ressaltamos
que mesmo com um objeto de estudo único, sua complexidade nos impede de conseguirmos
atingir a compreensão de todas as práticas sociais desse universo, e muito nos escapará. Os
discursos são contraditórios dentro do espaço prisional, dificultando a sua análise e algumas
dimensões da realidade prisional são inacessíveis para aqueles que ali não estão presos.
Mesmo atuando profissionalmente naquele espaço e exercendo atividades diárias no lugar,
não conseguimos compreender e saber tudo o que acontece ali. Os presos falam que durante a
noite a prisão é outra, oculta à nossa pesquisa. Outra questão são os múltiplos acontecimentos
e ações dentro da prisão; é um espaço extremamente dinâmico e com uma lógica que merece
muita investigação. A instabilidade dentro do sistema penitenciário é uma das suas
características marcantes: muda tudo e muito rápido, dependendo da postura dos sujeitos que
ali se encontram cotidianamente: direção da unidade, dos funcionários, agentes penitenciários
e dos presos que temos ali encarcerados, os quais são uma parte de elementos produtores do
espaço imediato ali existente.
O objeto de estudo é o Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), unidade
prisional masculina na cidade de Cuiabá/MT, localizada no bairro Novo Mato Grosso, região
norte de Cuiabá/MT. Tendo capacidade para 470 homens, hoje abriga cerca de 9004 homens
detidos, número que varia diariamente. A experiência visceral do autor com o tema e com a
4O número de presos no CRC vem decaindo desde 2010. Dados da SEJUDH/MT informam que de 1.200
homens presos em 2010 chegamos a cerca de 900 em 2014. São diversas as especulações que explicam este
fenômeno, mas não existe nenhum estudo sistemático. O Estado de MT todo tem apresentado taxas de
encarceramento decrescente, contrariando o resto do País.
18
unidade é sem dúvida um item importante – professor da rede básica de ensino desde 2010 na
instituição, foi essa trajetória que nos encaminhou para a escolha da prisão como a área de
estudo deste trabalho de Dissertação no Mestrado em Geografia.
Dentro da Unidade prisional, o nosso olhar se volta para um novo mundo. Muitos dos
aspectos, normas, condutas, falas e comportamentos são diferentes e até mesmo singulares. A
dinâmica e as relações sociais, culturais e políticas que existem nos presídios devem ser
desvendadas. Precisamos compreender melhor toda uma cultura pulsante dentro das unidades
prisionais, culturas e práticas que muitas vezes são cruéis e em outros momentos são de
cooperação e superação de dificuldade. Sendo que os processos de exploração, submissão e
disputa pelo poder são latentes e despertam nossa atenção, neste processo os presos são tanto
algozes quanto vítimas e é nestes aspectos que vamos focar nosso estudo.
Estudar o espaço dessa unidade de tal forma que possamos englobar as relações
construídas no cotidiano e que dizem respeito ao tempo vivido e materializado no espaço,
buscamos entender as diferentes formas de controle e apropriação dos territórios dentro da
unidade. A prisão é um espaço de acessos, fluxos e deslocamentos controlados; o tempo para
o trabalho, a educação, os cultos religiosos e as visitas é controlado. Este controle dos espaços
e tempos nos permite conhecer as atividades que são desenvolvidas em seu interior e
sabermos como se dá o processo de apropriação do espaço nos presídios.
No espaço prisional muitos fenômenos prendem nossa atenção, mas o tema que nos
conquista é o poder e como este se manifesta no espaço, na rotina e no acesso aos direitos.
Existe uma literatura extensa sobre a questão do poder e suas manifestações. Os autores que
nortearam nossa compreensão de poder são Paul Claval, Hanna Arendt e Michel Foucault.
Aqui não trataremos do poder apenas como símbolo e autoridade do Estado ou de um
mandatário, mas o poder contido nas relações sociais e exercidos por diferentes grupos que
acabam por produzir assimetrias.
A CPI do Sistema Carcerário (2009, p. 51) traz uma declaração que nos indica como
se dá as relações assimétricas de poder em diversas prisões pelo País:
De camarões a armas, drogas, celulares, prostitutas... tudo entra nas cadeias
brasileiras se o preso tiver dinheiro para pagar. E a corrupção não envolve só os
“peixinhos”, os agentes. Inclui diretores, assistentes de secretários, policiais civis e
militares, advogados e funcionários de empresas terceirizadas. Notícias como essa,
acompanharam na mídia, frequentemente, os deputados que compõem a CPI.
O fenômeno dos privilégios dentro da prisão expõe a assimetria de poder entre os
presidiários. Este poder manifesta-se de diversas formas, entre elas no controle e apropriação
19
dos espaços dentro da prisão, que é objeto de nosso estudo e consequentemente no domínio
daqueles que vivem nestes espaços sob seu domínio. Teremos como objetivo principal deste
estudo a compreensão da produção de territorialidades pelos presidiários no CRC,
investigando ainda o cotidiano dos presos. Apresentamos o preso como sujeito de sua história,
aquele que constrói as relações sociais: disputas, conflitos, e cooperações, jamais como um
sujeito passivo que apenas recebe as ações do Estado. Muito pelo contrário, queremos deixar
claro que eles se organizam e são os principais agentes que se apropriam e transformam o
espaço prisional.
Esta Dissertação é uma síntese desse processo de investigação e reflexão que se
realizou durante o curso de Pós-Graduação em nível de Mestrado em Geografia na UFMT. O
aprendizado mais significante foi o de como a Geografia e seus conceitos de territórios,
limites, fronteiras, escalas entre outros nos auxiliam na compreensão dos processos e na
dinâmica espacial das unidades prisionais.
Ao estudar a unidade prisional em um mestrado de geografia, não poderemos abordar
aqui todo o rol e complexidade das prisões. Estaremos nos concentrando na análise espacial e
nas práticas sociais das unidades prisionais brasileiras e principalmente as localizadas no
Estado de Mato Grosso. Nos deteremos na microescala da unidade prisional, contudo
devemos reconhecer que isolar hermeticamente o presídio como objeto de estudo, sem
relacioná-lo ao contexto da nossa sociedade é agir sem pensamento crítico e coerente.
Devemos relacionar e conhecer as políticas, normas e principalmente as ações que agem sobre
o território da prisão. O contexto social que existe na sociedade brasileira é fundamental para
entendermos a prisão. Devemos ainda levar em consideração os presos, os funcionários do
sistema penitenciário e as visitas, entre outros grupos que interferem no cotidiano da prisão
para entendermos a rotina imediata. Buscaremos relacionar os processos políticos,
econômicos e sociais em outras escalas: global, regional e local para a compreensão da prisão.
Queremos esclarecer os motivos que nos levam a adotar o termo preso ao invés de
reeducando para os sujeitos privados de liberdade neste trabalho. Existe uma importância
quando escolhemos usar um termo em detrimento de outro e fazemos isso conscientemente
neste caso. Embora exista uma política social para o uso do termo reeducando, indicando um
caminho para um tratamento humanizado nas prisões — “a ressocialização” —, entendemos
que existe uma contradição no que a realidade material nos ensina e o que o discurso de
20
mudança apresenta. A lei de execução penal é clara, usa o termo preso e ainda estamos
distantes de uma política pública eficiente dentro das unidades prisionais no País.
Seria um erro interpretar esta nossa escolha como uma negativa aos avanços. Vamos
apresentar neste trabalho que existem esforços tanto de agentes do Estado quanto da
sociedade civil organizada para criarem-se melhores condições de vida dentro das unidades
prisionais. Contudo, seria um exagero dizer que as prisões estão cumprindo sua função de
ressocializar. Com as taxas de encarceramento, de reincidência e violência dentro das prisões,
não podemos afirmar que as elas cumpram seu papel social, como estabelece a lei. Usamos o
termo preso aqui, pois queremos deixar claro que temos muito o que avançar ainda. Vamos
investigar a diferença de vida que existe entre os presos, considerando os privilégios que
existem para alguns e o direito negado a outros. Nesse cenário o termo reeducando pode
mascarar ao invés de ajudar a entender.
Apresentaremos este trabalho em 6 (seis) capítulos. Começando pelas considerações
teóricas, metodológicas e conceituais, abordaremos o conhecimento científico no Capítulo 1 -
Procedimentos Teóricos – Metodológicos – Conceituais e como este colabora na
compreensão dos fenômenos e ainda deixando claro a nossa postura que indica a necessidade
de um posicionamento crítico em relação ao mundo através da teoria marxista.
No Capítulo 2 - A Geografia e suas dimensões vamos abordar a ciência geográfica
em sua amplitude e debater como essa ciência é capaz de estudar fenômenos e relações
espaciais em escalas tão variadas, sendo produtora de um conhecimento excepcional para
compreensão e interpretação da realidade. Escolhemos e defendemos a nossa categoria de
análise neste capítulo. Isso deixa claro o objetivo deste trabalho que é a perspectiva do poder e
a criação de territorialidades no espaço prisional, o que nos chama atenção e vai ser foco de
nosso estudo.
O Capítulo 3 - Instituições Prisionais tem o papel de apresentar o universo prisional
de uma maneira geral e destacar o cenário do sistema prisional brasileiro através das
legislações, dos decretos e das funções que em tese devem ser exercidas pelo sistema
penitenciário nacional: a diferença entre os regimes de condenação e os espaços no qual os
presos devem ser destinados. É na Lei de Execução Penal, na Constituição Federal e nas
pesquisas sobre o cenário nacional que buscamos nossas principais referências para este
capítulo.
21
O cenário das prisões no mundo e principalmente no Brasil é apresentado no Capítulo
4 - As Penitenciárias no Brasil. O uso de gráfico, tabelas e figuras é um recurso usado neste
capítulo a fim de sintetizarmos as principais características do sistema penitenciário nacional.
Realizamos também uma crítica ao encaminhamento que se toma na gestão penitenciária,
onde a postura neoliberal está sendo introduzida.
Realizamos o Estudo de Caso da penitenciária do Centro de Ressocialização de Cuiabá
com o Capítulo 5 – Análise da Área de Estudo. Aqui são apresentados e debatidos os
principais tópicos deste trabalho, onde centramos esforços para compreensão das disputas
pelo território e a compreensão do cotidiano na prisão: as práticas sociais espacializadas e a
dinâmica da apropriação do espaço pelos presos, buscando determinar como o poder se
manifesta no controle do espaço e na imposição de uma rotina, apresentando o resultado da
pesquisa in loco.
Das atividades desenvolvidas dentro da unidade prisional, vamos dar especial atenção
à Educação no Capítulo 6 – A Educação como Possibilidade de Transformação,
enfatizando o fato de que a Educação Pública como política de Estado vem mudando a vida
prisional, criando um novo cotidiano e apresentando-se como uma possibilidade concreta de
transformação na vida dos presos. Encerramos o trabalho com as considerações finais e as
referências bibliográficas lidas e utilizadas.
22
1.0 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS – METODOLÓGICOS – CONCEITUAIS
1.1 Conceito de ciência.
A ciência como a conhecemos hoje é o resultado de diversos fatores, entre eles a troca
de conhecimento entre os povos, mudanças sociais, políticas, econômicas e epistemológicas
que culminaram na revolução científica a partir do século XVII. Contudo, devemos ressaltar
que existem várias formas de conhecimento, algumas associadas aos dogmas religiosos, a
vida prática dos trabalhadores, ao senso comum e outras formas de conhecimento empírico
que estão presentes em todos nós. Nosso interesse aqui é pelo conhecimento dito científico e
onde este pode nos levar no intuito de conhecer. O conhecimento científico é uma longa e
penosa construção humana que não está concluída, pois é dinâmico, cria-se e recria-se
constantemente sobre determinados parâmetros e regras, permitindo a existência do
contraditório. Isso marca o conhecimento científico.
Para que possamos considerar um conhecimento científico é necessário que este seja
coerente, siga determinados pressupostos e esteja alinhado e interessado na verdade, como
afirma Costa (1999, p. 22): “O conceito nuclear da ciência é do da verdade. Nas várias
ciências procura-se algum tipo de verdade”. Devemos ressaltar ainda que além da
preocupação com a verdade, o conhecimento científico exige um posicionamento
metodológico. Este é um campo complexo, pois existem diferentes posturas metodológicas
tanto no decorrer da história humana, quanto em um mesmo campo de conhecimento,
lembrando que nas ciência humanas e sociais esta verdade jamais é absoluta, sendo o
resultado de um processo interpretativo.
Foucault, em sua obra Microfísica do Poder, aprofunda o tema da verdade científica,
questionando como se dá o processo de produção do conhecimento e suas relações com o
contexto social, político e econômico. Lembrando que o conhecimento gera poder e é gestado
por uma fonte de poder, que depende dos discursos hegemônicos em cada época e regime
social (Foucault, 2000, p.10):
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é −
não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções − a
recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles
que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade
tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros.
23
Ao aprofundar na genealogia dos discursos que produzem o conhecimento, Foucault
nos permite ler e compreender os discursos científicos contextualizando-os em sua época e em
sua linha de postura política, reconhecendo os discursos científicos que estão a favor de um
pensamento progressista, de libertação e emancipação ou de repressão, conservadorismo e
produtor das desigualdades, incentivando os intelectuais a assumirem uma postura política de
transformação da realidade, trazendo que (Foucault, 2000, p.11):
O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos
ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica
seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma
nova política da verdade. O problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o
que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção
da verdade.
Esta postura sobre o conhecimento dialoga diretamente com a 11ª Tese a Feuerbach de
Marx (In Netto, 2012, p.166): “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de
diferentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo.” A postura de ambos os autores nos é
inspiradora sobre o papel da ciência e do conhecimento como ação de compreensão,
interpretação e transformação da realidade.
1.2 Procedimentos Metodológicos.
O desenvolvimento científico foi responsável por uma série de avanços tecnológicos e
de conhecimento. Desde permitir melhores condições sanitárias, solução para diferentes
doenças, facilitou a comunicação, as viagens e o comércio. A revolução científica capitaneada
por Galileu Galilei no século XVI – XVII, ao defender a teoria heliocêntrica, alterou a visão
dos homens sobre si mesmos e sobre o cosmos. Ajudou a mudar paradigmas, abriu portas
para uma nova organização social e política, com o enfraquecimento do poder da igreja e o
surgimento de novas lideranças, a exemplo da burguesia.
A ciência que foi desenvolvida a partir de então, começa a ser formulada e
sistematizada por René Descartes em Discurso sobre o método (1637). Descartes é o
responsável por colocar a pedra angular no discurso da ciência moderna. Ele abriu espaço
para que através de sua interpretação de mundo, universo e conhecimento, Newton pudesse
elaborar teorias e modelos matemáticos elegantes. Esse paradigma científico ficou conhecido
por mecanicismo, que propõe uma série de estágios pelo qual o ser humano passaria para
24
alcançar o conhecimento: tratamento da natureza como escrava, distanciamento do objeto
estudado, criação de modelos matemáticos para explicar o mundo, o estudo fragmentado da
natureza, entre outras. Essas estratégias de conhecimento foram importantes para a
compreensão de diversos fenômenos, contudo este paradigma também é responsável pela
crise ambiental e pela geração de conhecimento que sustentou atitudes preconceituosas, entre
outros problemas.
A tradição de pesquisa nas ciências sociais já foi fortemente centrada na neutralidade e
objetividade científica (positivismo), imitando a física e a matemática, numa forte crença no
distanciamento do pesquisador, em uma relação impessoal. Na geografia podemos nos
referenciar a nomes como Friedrich Ratzel5 e Alexander von Humboldt, que produziram
conhecimento numa perspectiva positivista.
Contudo há muito tempo, a relação entre sujeito e objeto começa a ser enfatizada nas
ciências sociais e mesmo nas ciências físicas6, e, na pesquisa em si, apesar de ter como fim
básico a produção de conhecimento, passa a ser enfocada acima de tudo como uma relação
entre sujeitos. A metodologia qualitativa traz uma contribuição significativa para as ciências
sociais, pois se revela eficaz em diferentes áreas, não podendo ser diferente nos estudos sobre
o Espaço, onde nosso repertório é a vivência com nossos corpos e sentidos. A formação das
nossas práticas sociais, subjetividade e identidade está relacionada a como vivenciamos o
espaço.
Toda ciência é produzida pelo ser humano com determinada finalidade. O
conhecimento nunca é neutro, mas está comprometido com o perfil ideológico e o discurso do
pesquisador, dependendo da linha de pensamento a que ele se filia ou incorpora. Lênin (1977
apud Maximo, 2000, p. 80): “... se chama intelectualidade precisamente porque é a que reflete
e expressa de modo mais consistente, decidido e exato o desenvolvimento dos interesses de
classe e os grupos políticos em toda a sociedade.”
5A ciência produzida por Ratzel é fruto do contexto social e político de seu tempo. O Estado Alemão estava se
consolidando e precisando expandir seu mercado consumidor, a teoria do “espaço vital” desenvolvida por ele foi
fundamental para justificar os passos a serem dados pela Alemanha naquele momento. 6 Minha decisão consciente acerca de como observar, digamos, um elétron determinará, em certa medida, as
propriedades do elétron. Se formulo uma pergunta sobre a partícula, ele me dá uma resposta sobre a partícula; se
faço uma pergunta sobre a onda, ele me dá uma resposta sobre a onda. O elétron não possui propriedades
objetivas independentes da minha mente. Na física atômica, não pode mais ser mantida a nítida divisão
cartesiana entre matéria e mente, entre o observado e o observador. Nunca podemos falar da natureza sem, ao
mesmo tempo, falarmos sobre nós mesmos. (CAPRA, 2002, p.81).
25
A teoria das raças, desenvolvida a partir do século XVIII, foi responsável pelo
racismo. Uma ciência que defendia uma postura eurocêntrica e traz suas marcas desde a
origem justificou o racismo cientificamente durante anos. As consequências desses discursos
são os mais trágicos da história da humanidade. Veja a afirmação de Silva e Silva (2006,
p.346-347):
O racialismo, com os iluministas, definia raça como um grupo humano cujos
membros possuíam características físicas comuns. Tal teoria voltou-se para a crença
de que a raça não era apenas definida física, mas moralmente, bem como que as
diferenças físicas acarretavam diferenças mentais hereditárias. Assim, a distinção do
mundo em raças correspondia à divisão do mundo em culturas, e o comportamento
do indivíduo era definido pelo grupo racial ao qual ele pertencia. Além disso, um
sistema de valores universal classificaria as raças em superiores e inferiores. […]
Enquanto o racialismo é o estudo das diferentes raças humanas, o racismo é a
aplicação prática dessas teorias, que acredita em raças superiores e cria mecanismos
sociais e políticos para reprimir as raças consideradas inferiores.
Outros estudiosos com fundamentos também no racismo vão envolver a ciência
médica e a indução científica para determinar de forma positivista qual o perfil biofísico dos
criminosos. O racialismo levou ao desenvolvimento da Frenologia, que estudava as raças e as
classificava. Silva e Silva (2006, p. 346) desatacam: “Lombroso, criador da Antropologia
Criminal defendia que a criminalidade era uma questão biológica e hereditária e poderia ser
identificada pela utilização da Frenologia.” Estas pesquisas levaram ao preconceito e a
inúmeras injustiças que ainda estão presente em nossa sociedade ao observarmos o número de
homens negros presos 7ou de homicídios8 de negros no Brasil.
Na geografia, o determinismo geográfico ensinou que o meio mais hostil
proporcionaria um maior nível de desenvolvimento ao exigir um alto grau de organização
social para suportar todas as adversidades impostas pelo meio. Entra em cena o conceito de
Espaço Vital – espaço necessário a sobrevivência de uma comunidade. O determinismo é
fruto das ciências físicas e aplicável aos processos mecânicos, Ratzel e os seguidores do
determinismo geográficos transportaram essa interpretação para diferentes estudos. Esta
“ciência” permitiu a interpretação de diferentes culturas e povos com olhares preconceituosos
7 Negros e pardos somam 55,61% dos presos no Brasil. Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/20/ult5772u5338.jhtm. Acesso em 31/08/2014. 8 “Efetivamente, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui de 19.846 em 2002
para 14.928 em 2012, o que representa uma queda de 24,8%. Entre os negros, as vítimas aumentam de 29.656
para 41.127 nessas mesmas datas: crescimento de 38,7%.” Fonte: Mapa da Violência, 2014, p.131. Disponível
em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf. Acesso em
31/08/2014.
26
e de superioridade por anos e ainda influência o xenofobismo. Caldeira (2000, p.37) ensina
sobre xenofobia que:
Os procedimentos para conservar simbolicamente os nordestinos a distância são bem
conhecidos: eles são descritos como sendo menos que humanos, perigosos, sujos e
contaminantes; são habitantes de lugares impróprios, como cortiços e favelas. Assim
diz-se que a sua presença no bairro estraga todos os arredores.
Este debate sobre o papel desempenhado pela ciência na divulgação e promoção do
racismo ajuda a compreendermos a sempre comprometida visão de mundo que carrega o
cientista e a ciência que este faz. Pregar a neutralidade científica é como pregar a neutralidade
jornalística, é um discurso que exclui o ser humano e suas tendências. Nos posicionarmos e
deixarmos claras as nossas opções políticas, econômicas e sociais no mundo e defendê-las é
conveniente e apropriado a um pesquisador. Na tradição marxista é muito clara a compressão
que a ciência tem um papel transformador da sociedade. Assim como nos diz Ronaldo Mota
(2003, p. 48):
Marx alerta, no entanto, que não é possível no campo social pensar-se em leis
abstratas, imutáveis, atemporais e ahistóricas. Trata-se, segundo ele, de descobrir as
leis que, sob condições históricas específicas, são as determinantes de um fenômeno
que tem existência em condições dadas, e não uma existência que independe da
história.
Considerando que a ciência tem um papel político e ideológico, deixamos aqui
esclarecida a nossa concepção de sociedade e opção político-ideológica. Não vamos nos
esconder em uma postura positivista, onde em tese a ciência pode ser neutra. Paul Nizan
(1968 apud Maximo, 2000, p. 66), ao debater a importância dos intelectuais na sociedade e
seu engajamento ensina que:
... não existe o “homo faber”, o “homo artifex”, o “homo sapiens”, o “homo
economicus” e o “homo politicus”, “homo noumenon” e o “homo phenomenon”,
mas todos os indivíduos que nascem, levam determinada vida, têm filhos, morrem:
do trabalhador manual que ganha vinte e cinco francos por dia ao homem político
que reside na Vila Said, da moça que frequenta o curso Villiers àquela que dorme na
quadra Jeanne-d’Arc no mesmo quarto dos pais e dos irmãos, do militante
revolucionário ao inspetor de polícia judiciária. Existe, de um lado, a filosofia
idealista que enuncia as verdades sobre o homem, e, de outro lado, os registros da
distribuição da tuberculose em Paris que nos diz como se morre. [...]... eu não
encontro o “Homo noumenon”. […] Mas, o significado repugnante [...] das
estatísticas sobre o trabalho forçado, estas sim, me colocam problemas realmente
filosóficos.
A vida material nos traz questões fundamentais para serem investigadas e entendemos
que o conhecimento tem um papel na compreensão da estrutura social contraditória e injusta
que vivemos. Nossa postura é a de que o conhecimento científico e a pesquisa devem servir
para demonstrar e expor esta realidade, sendo as contradições que nos motivam a estudar os
27
espaços prisionais, apoiando-nos a Geografia. As relações sociais desiguais, fruto da
existência da luta de classes e das contradições da sociedade capitalista, podem ser vistas
dentro das unidades prisionais como: a exclusão9, marginalização, diferença de oportunidades,
condições de moradia e o tratamento a que são submetidos os presos. Observamos que essas
diferenças estão materializadas no espaço através da existência de espaços privilegiados
dentro da prisão.
Maricato (2001, p. 51) ao tratar da segregação espacial na cidade colabora com nossa
perspectiva: “É impossível esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e
autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não
tenham essas características”. Os presos e as prisões são parte desta sociedade, e no interior
das prisões o que existem são as mesmas desigualdades, hierarquias e arbitrariedades sociais
que encontramos na sociedade. As prisões são produtos desta sociedade e a seu modo
reproduzem as condições daquele e acabam dialeticamente condicionando a sociedade.
A pesquisa exige um posicionamento; não existe produção do conhecimento neutro.
Esse posicionamento é fruto da nossa concepção de mundo e de sociedade. É através das
lentes metodológicas que escolhemos e miramos o mundo que podemos estudá-lo e
interpretá-lo. Desta forma preferimos deixar claro aqui quais são o nosso entendimento de
sociedade e o papel do pesquisador.
Na geografia existe um amadurecimento no que tange a liberdade metodológica e a
consciência de que a pesquisa exige um posicionamento ideológico. Saquet, Candiotto e
Alves (2010, p.57) afirmam que:
… os elementos basilares do território são sociais e definidos historicamente. Podem
ser compreendidos de diferentes maneiras, de acordo com a opção teórico-
metodológica e política de cada pesquisador
Reconhecendo que existem diferentes pontos de vista e a importância da opção
teórica e metodológica, aqui nós buscamos em Paulo Freire a compreensão de que toda ação
que o ser humano faz tem um caráter ético, político e estético. Político porque sempre
estamos imersos em uma estrutura de poder, que limita ou permite determinadas ações e que
contém uma determinada organização social e institucional. Podemos nos posicionar em
relação a essas, reforçando ou buscando transformações. Ético, pois nossos princípios e
valores são bases de nossos atos. Estética refere-se ao modo como realizamos nossos atos,
9A exclusão deve ser aqui entendida não como exclusão da sociedade, mas numa perspectiva que entende que
em uma sociedade desigual como a nossa, os excluídos de direitos.
28
podendo criar uma relação de proximidade ou estranhamento, dependendo da forma com que
nos apresentamos aos outros e nos relacionamos com o mundo.
Esse entendimento nos imprime a responsabilidade de nos posicionamos criticamente
em relação a ciência, a produção do conhecimento e o mundo, sendo que encontramos na
Geografia crítica, calçada no materialismo-histórico-dialético, base para nossa fonte para ler e
o mundo, estando atentos ao fato de que as Ciências Humanas e Sociais tem um propósito
interpretativo, visando à compreensão da sociedade e da cultura. Estamos de acordo com o
ensinamento de Marx que exige, ao estudarmos a realidade, um posicionamento no mundo, e
conforme afirma Morais (2005, p.47):
Pode-se dizer que a Geografia Crítica é uma frente, onde obedecendo a objetivos e
princípios comuns, convivem propostas díspares. Assim, não se trata de um conjunto
monolítico, mas, ao contrário, de um agrupamento de perspectivas diferenciadas. A
unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade
social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma
arma de combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo
posicionamento social, pela concepção de ciência como momento da práxis, por
uma aceitação plena e explícita do conteúdo político do discurso geográfico. Enfim,
unitários objetivam-se através de fundamentos metodológicos diversificados. Daí,
advém uma grande diversidade metodológica, no âmbito da Geografia Crítica. Esta
apresenta um mosaico de orientações metodológicas, bastante variado:
estruturalistas, existencialistas, analíticos, marxistas (em suas várias nuances),
ecléticos etc.
A compreensão dialética do mundo encontra-se em oposição a metafísica. Enquanto a
metafísica prega um mundo estático, a dialética lê o mundo através de processos. Embora
fosse um forma de conhecimento reconhecida desde os gregos antigos e durante a Idade
Média, a dialética foi expulsa do universo acadêmico. Nesse período o conhecimento
fundava-se na teologia e no poder eclesiástico, e a Igreja não estimulava a busca por
contradições. O conhecimento dialético questiona, critica, lê processos, relaciona os diferentes
contextos, como afirma Marconi e Lakatos sobre a dialética (2003, p.101):
Por outro lado, as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras e
independentes, mas como um todo unido, coerente. Tanto a natureza quanto a
sociedade são compostas de objetos e fenômenos organicamente ligados entre si,
dependendo uns dos outros e, ao mesmo tempo, condicionando-se reciprocamente.
Esse procedimento metodológico nos permite entender a essência da estrutura e o
funcionamento da sociedade burguesa na qual vivemos. Essa sociedade burguesa e capitalista
imprime um projeto de vida para todos nós, impondo um ritmo e estilo de vida através do
controle dos meios de produção, ficando claro na afirmação de Marx (In Netto, 2012, p. 170):
O que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação recíproca
dos homens. Os homens podem escolher, livremente, esta ou aquela forma social?
29
Nada disso. A um determinado estágio de desenvolvimento das faculdades
produtivas dos homens corresponde determinada forma de comércio e de consumo.
A determinadas fases de desenvolvimento da produção, do comércio e do consumo
correspondem determinadas formas de constituição social, determinada organização
da família, das ordens ou das classes; numa palavra, uma determinada sociedade
civil. A uma determinada sociedade civil, um determinado estado político, que não é
mais que a expressão oficial da sociedade civil. [...] As suas (dos homens) relações
materiais formam a base de todas as suas relações. (grifo nosso)
Os ensinamentos de Marx são fundamentais neste ponto, levam a uma compreensão da
relação entre a sociedade e os meios de produção. Neste estágio no qual nos encontramos, a
sociedade burguesa e capitalista, observa o autor que existe então uma divisão entre os
proprietários dos meios de produção — os capitalistas — e os não-proprietários — os
operários. O que existe são duas classes sociais, e estas vivem em conflitos. Podemos através
da leitura do espaço compreendermos como se dá este processo de luta de classes. Neste
contexto vale lembrar Moraes (1979, p.13):
Yves Lacoste intitulou seu livro recente: A geografia Serve Antes de Mais Nada
para Fazer a guerra. Diríamos, alargando o significado desse enunciado, que a
geografia, através da análise dialética do arranjo do espaço, serve para desvendar
máscaras sociais, vale dizer, para desvendar as relações de classes que produzem
esse arranjo. É nossa opinião que por detrás de todo arranjo espacial estão relações
sociais, que nas condições históricas do presente são relações de classes.
O método materialista-histórico exige de nós que partamos da realidade material
encontrada. Além disso, devemos respeitar o tempo histórico dos fenômenos: é o que
pretendemos realizar neste trabalho. O tempo é uma categoria essencial de análise no que
tange a ocupação do espaço. Ao desenvolver nosso estudo abordamos a origem das
penitenciárias no mundo e no Brasil e relacionando-os aos contextos de produção material de
sua época, às transformações políticas, econômicas e sociais de seu tempo. Isso nos permite
entender os discursos que sustentam as penitenciárias e por elas são destinadas a determinada
classe social. Os discursos burgueses que fundaram as prisões no século XVII são
semelhantes aos que hoje indicam um caminho de privatizações do sistema penitenciário. O
contexto neoliberal no qual estamos inseridos busca a desregulamentação do mercado e
transforma o preso em mercadoria.
É através do trabalho que os homens transformam o meio e se transformam ao mesmo
tempo. Nesse processo criam, com uso de sua inteligência e força física, a tecnologia, a
cultura e a economia, e, neste processo, apropriam-se do espaço, transformando a “primeira
natureza” em “segunda natureza”, e esta influencia dialeticamente o trabalho humano, em
uma constante transformação, como diz Moraes (1979, p.3):
30
Tal compreensão parte do pressuposto de que ao incorporar-se o "espaço físico", que
doravante chamaremos de "primeira natureza", ao processo de gênese e
desenvolvimento de uma dada formação econômico-social, inicia-se a formação de
um espaço geográfico, uma "segunda natureza", dizia Marx tomando a expressão a
Feuerbach, que nada mais é que a própria formação econômico-social.
A figura 1 abaixo representa um esquema deste processo, indicando que as relações de
trabalho são responsável pela transformação da 1ª natureza em 2ª natureza e volta a alterar as
relações de trabalho em um círculo continuo.
Figura 1 - O trabalho como elemento essencial na teoria materialista. Fonte: ALMEIDA.G/2014
Marx cria assim uma teoria materialista histórica e dialética porque compreende a
realidade através dos processos dinâmicos, tendo o trabalho como característica ontológica do
ser humano e não aceitando uma interpretação estática da realidade. Recorrendo a esta
compressão histórica e dialética, Marx vai dizer que a relação entre a “forças produtivas” e as
“relações de produções” são essenciais para compreender a sociedade, e tem como pano de
fundo a “luta de classes”. Marx (In Netto 2012, p. 97) escreve:
O trabalho produz obras maravilhosas para os ricos, mas produz despojamento para
o operário. Produz palácios, mas cavernas para o operário. Produz beleza, mas
estropiamento para o operário. Substitui o trabalho por máquinas, mas remete uma
parte dos operários para um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz
espírito, mas produz idiotices, cretinismo para o operário.
Estabelece ainda que o papel da ciência pode ser útil aos trabalhadores, permitindo uma
emancipação e autonomia do ser humano frente ao trabalho alienante e desta forma criar as
condições para uma mudança da realidade, atuando na “práxis” ao invés de apenas filosofar o
mundo.
O tema de estudo define muitas das técnicas a serem utilizadas e também os desafios
que encontramos. Nesse caso o maior desafio é falta de dados quantitativos e qualitativos
confiáveis, pois existe um má gerencia dos dados em toda execução penal deste País. Outro
31
ponto é a insegurança dos entrevistados: a maioria das pessoas fala da corrupção no sistema
penitenciário, mas ninguém identifica quem faz ou deixa de fazer o quê. Apenas declaram que
o sistema não funciona, o que faz com que tenha sido muitas vezes difícil compreender os
conflitos e contradições nos discursos dos entrevistados.
O procedimento adotado para pesquisa combinou abordagens e estratégias diferentes e
complementares. As técnicas metodológicas envolveram: o estudo da bibliografia
especializada, entrevistas semiestruturadas e a observação participante.
A bibliografia especializada está devidamente indicada nas referências bibliográficas e
é extensa. Buscamos livros, artigos, legislações e resoluções pertinentes ao tema. Enfatizamos
que este processo foi muito importante para compreendermos o estado da arte no que tange as
investigações sobre as prisões na Geografia e em outras áreas. Destacamos as principais obras
que nos orientaram no capítulo 3.
Outra importante fase da pesquisa para colaborar no entendimento dos discursos
produzidos sobre o espaço da prisão foram as entrevistas semiestruturadas gravadas in loco.
Seguindo orientação de Saquet, Candiotto e Alves (2010, p. 58):
A realização de entrevistas gravadas, por exemplo, são fundamentais, juntamente
com a convivência com os sujeitos que estão sendo estudados e com a produção de
mapas temáticos das informações geográficas.
As entrevistas foram realizadas de forma sistemática no primeiro semestre de 2014
com um rol de diferentes sujeitos produtores do espaço prisional: presos, agentes
penitenciários, professores, gestão da unidade, assistente social, psicóloga, técnicos de saúde.
O número de entrevistados não foi nosso foco, mas a diversidade de sujeitos e suas relações
com a unidade. Entrevistamos 10 pessoas entre presos, servidores do sistema penitenciário e a
gestão da unidade.
Entendendo a necessidade da compressão temporal dos fenômenos a serem analisados,
buscamos nos ater ao banco de dados sobre o sistema penitenciário, e, quando possível,
entrevistar funcionários do sistema que estejam em serviço há pelo menos 10 anos e conversar
e entrevistar presos que conheçam o sistema de longa data. Essa escolha nos permitiu uma
compressão da dinâmica do espaço, pensarmos e debatermos possíveis mudanças na unidade.
Outra técnica utilizada foi a observação participante. Pois a vivência do pesquisador
dentro da unidade como professor permitiu o envolvimento e intimidade com os grupos que
compõem o universo prisional. Diversas conversas informais foram realizadas durante a
32
pesquisa além de parcerias, alianças e conflitos.10 O período de observação com vias à
elaboração de pesquisa se deu prioritariamente no ano de 2014. Contudo, registramos aqui as
transformações ocorridas no presídio durante o período de 2010 até 2014.
As fotos que compõem o trabalho são de diversas autorias, do autor da pesquisa ou
cedidas por funcionários do sistema penitenciário nestes 4 anos de trabalho na instituição.
Possuímos um grande banco de dados de fotografias digitais. Em geral, as fotografias que
foram disponibilizadas são aqueles que a gestão quer disponibilizar, lembrando que não
conseguimos acesso a todas os espaços da prisão neste último momento da pesquisa e nem
conseguimos realizar todas as fotografias que gostaríamos.
Os mapas aqui produzidos foram em geral de autoria do mestrando, com a colaboração
do Google Earth e softwares de manipulação de imagens. A Carta Imagem com as
coordenadas em UTM dos presídios do CRC foi gerada por um colega mestrando, o geógrafo
Rosinaldo Barbosa. Outros mapas tiveram como base o Google Earth ou a Prefeitura de
Cuiabá e foram manipulados pelo autor.
Todas estas estratégias de estudo, associadas a nossa presença constante no ambiente
de estudo como funcionário da educação inserido no espaço penitenciário, permitiram-nos
que criássemos uma compreensão do objeto de estudo a ser analisado. Ressaltamos que as
técnicas utilizadas estão subordinadas ao essencial, que é a análise crítica e estabelecermos as
relações que expliquem os fenômenos na microescala da prisão.
10Durante nossas pesquisas em Agosto de 2014, fomos advertidos pela Direção Adjunta da Unidade para
pararmos de andar pela unidade e não tirar fotografias sob nenhuma condição. Em Abril de 2014 obtivemos
junto a Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária autorização para tal finalidade, mas preferimos ir mais
devagar nas pesquisas desde a advertência.
33
2.0 A GEOGRAFIA E SUAS DIMENSÕES.
Existe na geografia uma abrangência enorme de fenômenos a serem estudados e a
nossa cultura de especialização leva muitos pesquisadores a dividirem essa ciência em duas, a
geografia física e a geografia humana. Piere George (1973 apud SÁ, 2009, p.1) foi um dos
grandes geógrafos do século XX e ensina com o enunciado abaixo a necessidade de
incluirmos sempre a dimensão humana na geografia.
...só há geografia porque há homens na terra. A geografia só interessa na medida em
que ajuda a compreender como os homens nela vivem, nela podem sobreviver,
apesar da sua curta dimensão e seus conflitos.
Dentro do corpo teórico da ciência muitos estudiosos debatem esta separação, como
Ruy Moreira, Massimo Quaini, Nelson Sodré, Antonio Vitte, entre outros. Existe um debate
profundo acerca da epistemologia e metodologia da geografia sobre qual o seu papel, seu
propósito e quais as metodologias que deve seguir. Muitos desses debates estão inseridos
dentro do contexto das ideologias que cada pesquisador segue.
Graças à abrangência da geografia é possível estudamos com precisão fenômenos que
vão desde a microescala do homem dentro da cela, objeto de nosso estudo, no suor do dia a
dia, até as relações de poder que constroem o espaço prisional pelo Estado, ou ainda
relacionarmos as prisões e as estruturas de poder internacional que as regulamentam e buscam
a sua privatização. A geografia, sem dúvida, estuda relações no espaço, fluxos e pontos como
assinala Lívia de Oliveira (2004):
Outros estudiosos dizem que não fazemos nada, porque fazemos tudo. É mesmo essa
nossa finalidade. Por que nós estudamos relações. Como relaciona o clima com a
população e a cidade; como que relaciona o relevo, as montanhas com o
desenvolvimento econômico. Nós estudamos as relações e nos aprofundamos
(Professora UNESP/Rio Claro/SP. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=YktYwin3sk0. Acesso 27/04/204
A geografia através dos conceitos de espaço, lugar, território, produção e reprodução
do espaço contribui significativamente para decifrar a formação espacial e permite
analisarmos como as penitenciárias se relacionam com a cidade e a sociedade, produzindo
seus territórios. A geografia situa-se em uma localização privilegiada para decifrar os
fenômenos sociais, pois como afirma Frémont (In Morin, 2002, p. 143):
Num mundo complexo, a geografia pode dar uma contribuição para o deciframento
das combinações e dos sistemas, abrindo-se para novas exigências sem esquecer
totalmente o passado. [...]... pode ser uma abertura para o conjunto das ciências
humanas e sociais, conservando uma relação privilegiada com as ciências humanas.
34
Os conceitos na geografia são dinâmicos e dependem dos paradigmas ao qual estão
submetidos. Existindo contudo aqueles conceitos recorrentes na geografia, esses são seus
conceitos balizadores; são conceitos que nasceram após inúmeros debates teóricos sobre as
práticas espaciais. Nos auxiliam a entender o mundo, a sociedade e o ser humano no contexto
do espaço. Esses conceitos são: o de espaço geográfico que se desdobra nos conceitos de
território, região, paisagem e lugar.
No presente trabalho nos deteremos principalmente sobre conceitos de espaço,
território e territorialidade, ambos entrelaçados e apoiando-se mutuamente. Escolhemos
analisar o espaço prisional por esta ótica, não por aleatoriedade, mas porque nesses conceitos
estão presentes a essência da ciência geográfica e, como dito anteriormente, a partir do
conceito de espaço surgem todos os outros. Teremos assim uma coerência nos estudos a partir
de um entrelaçamento entre espaço e território, buscando os autores com a mesma base
teórica e mesma linha metodológica e epistemológica como David Harvey, Milton Santos,
Ruy Moreira, Michel Foucault entre outros que mantém posicionamento crítico.
Diversos autores, ao conceituar território, o relacionam as seguintes questões: poder,
micro poder, territorialidades, micro territorialidades, temporalidades, fronteiras, limites,
zonas ao redor dos limites, acesso e controle do acesso, as dimensões culturais, políticas e
econômicas. Desta forma, o conceito de território se faz importantíssimo e muito nos ajuda a
entendermos o espaço prisional, onde as fronteiras, acessos, limites e a disputa cruel pelo
poder se faz presente, chegando a conflitos que ficam densos no ar.
Não queremos dizer com isso que outros conceitos não podem trazer dimensões
importantes da vida prisional. Sem dúvida, se nos atentarmos para o conceito de lugar, muito
teremos a escrever e estudar sobre a vida das pessoas que ali vivem, criam suas relações
sociais e subjetivas, identidades e referências. Estamos desta forma realizando um recorte
teórico e nos focando na dimensão do espaço prisional que mais nos chama a atenção que é a
realidade da disputa pelo poder e como elas são criadas e determinam o cotidiano, a
hierarquia e a territorialidade dentro da penitenciária. Portanto o espaço dentro do presídio
não é homogêneo, se constituindo de segregações, assim como na sociedade externa aos
muros, num espaço desigual, onde aqueles que possuem renda e poder têm privilégios dentro
dos presídios, principalmente quando em associação com o poder público fragilizado, sem
gestão adequada e viciado em práticas corruptas.
35
Importante também é reforçarmos a noção de que a escala que abordaremos neste
trabalho abarca um debate muito importante dentro da geografia, para realizarmos a pesquisa
e estarmos cientes dos fenômenos que vamos abordar. Aqui abordaremos duas escalas: uma
que envolve diretamente o corpo, os homens presos e outra – a prisão em que eles encontram-
se. Marcelo Lopes de Souza chama essas escalas de “Escala do Corpo” e a “Escala dos
Nanoterritórios”. O autor indica não ser comum na geografia pesquisas com a escala do corpo
humano. Contudo, com base em Smith que diz: “o primeiro sítio da identidade pessoal, a
escala do corpo, é socialmente construído” (1993 apud Lopes de Souza, 2010, p. 200), seria a
partir daí então que as outras escalas passariam a ser construídas.
2.1 Categoria de Análise: O Território e as Territorialidades.
Como abordado anteriormente as teorias são resultado de muito debate, pesquisa,
esforço dos cientistas. A definição de um conceito é um longo processo de construção. Na
ciência geográfica os estudiosos, entre eles CORRÊA (1994), definem alguns conceitos como
sendo os cinco conceitos-chave da geografia: paisagem, região, espaço, lugar e território,
sendo que o significado é um debate imenso dependendo da corrente de pensamento do
pesquisador.
Um dos pontos mais importantes no estudo da Geografia é o fato do ser humano não
ocupar o espaço de forma homogênea: ele cria e recria sobre o espaço diferentes práticas
sociais. Enquanto sociedade, os seres humanos expõem suas escolhas no uso e ocupação do
espaço, sendo as relações de poder social demarcadas no uso do espaço, limitando,
controlando acessos, permitindo privilégios ou gerando segregações. Nas palavras de Sá
(2009, p.19):
Longe do discurso vazio do fim da história, da homogeneidade cultural
antropofágica e antropocêntrica, usamos e vivemos cotidianamente o território de
forma diferenciada, não somente considerado os condicionantes ambientais, mas,
acima de tudo, revelando dissimetrias econômicas, sociais, políticas e culturais,
como grafias sintagmáticas da terra, que nos impelem a refletir sobre o sentido da
humanidade, seus direitos e deveres historicamente “traçados”. (grifo nosso)
Santos (2012, p. 79) colabora com esta perspectiva ao afirmar que: “Os atores mais
poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para o outros.” É
neste sentido que abordamos o conceito de território neste trabalho, como se dá o controle do
espaço, as disputas e os privilégios para determinados grupos no espaço prisional.
36
Na análise do cotidiano do espaço prisional, os conceitos que nos ajudam e são
adequados a nossa abordagem são o de território e territorialidade essencialmente,
principalmente quando entendido em um viés não ortodoxo. Entendemos isso pois dentro do
rol de conceitos balizadores da geografia, o de território trata com intimidade do aspecto do
poder. O poder dentro do espaço prisional é disputado palmo a palmo. Neste sentido nos
socorre Oliveira (1997 apud Gawenad, 2011, p. 49):
O espaço é uma propriedade que o território possui e desenvolve. Por isso, é anterior
ao território. O território por sua vez, é um espaço transformado pelo trabalho, é,
portanto, uma produção humana, logo espaço de luta, de luta de classes ou frações
de classes. Por causa de todas as relações que envolvem, inscreve-se no campo do
poder, sendo, pois, o lugar da luta cotidiana da sociedade pelo seu devir histórico.
O território envolve a compressão de acesso, limites, fronteiras, controle de fluxo das
pessoas e o exercício da autoridade. Estes aspectos são de uma tangibilidade palpável dentro
da unidade prisional, sendo de extrema importância no cotidiano da vida prisional. O território
define o espaço onde as pessoas “moram” dentro da unidade, como moram e qual a sua rotina.
O cotidiano do preso é condicionado ao local onde ele mora dentro da unidade.
Este estudo busca ouvir os grupos sociais que produzem o espaço prisional.
Principalmente aqueles que ali permanecem cotidianamente, presos, agentes penitenciários e
funcionários técnicos (professores, técnicos administrativos, pessoal da saúde) e outros que
são fundamentais e compõem a vida prisional como por exemplo as visitas. Contudo nosso
foco é nos presos, sendo eles o público para o qual a unidade prisional existe e através da
trama vivida e projetada no espaço por estes que vamos abordar no território, lembrando
Gawenda (2001, p. 27):
Dessa forma o território não é produzido de maneira isolada. Ele decorre das
articulações estruturais e conjunturais a que esses indivíduos ou grupos sociais estão
submetidos numa determinada época, tornando-se, portanto, intimamente ligado ao
tempo e ao modo de produção vigente. Este aspecto processual de formação do
território constitui a territorialização.
Além da tradicional diferença conceitual entre território ortodoxo baseado na visão do
Estado como sujeito que produz e controla o território e o conceito de território não ortodoxo,
podemos encontra na literatura diversas perspectivas de território. Sem dúvidas o Estado está
presente quando pensamos o território prisional, através dos seus agentes penitenciários, do
corpo técnico, da gestão da unidade, da legislação, do poder Judiciário, etc. Mas deve-se
destacar que o poder exercido pelo Estado não está só. Existem outros grupos e forças
atuando no espaço. Existe um importante arranjo político, administrativo e cultural dos presos
para compor a vida prisional.
37
Podemos encontrar em Haesbaert e Limonad (2007, p.46) uma excelente síntese sobre
o conceito de território. Este pode ser visto de diferentes formas dependendo da perspectiva
com que os diferentes autores pretendem ver o território.
— política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativa
também a todas as relações espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida,
onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se
exerce um determinado poder, na maioria das vezes — mas não exclusivamente —
relacionado ao poder político do Estado.
— cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão
simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da
apropriação/ valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.
— econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão
espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou
incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como
produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo.
Ensina Saquete (2011, p. 22) sobre os processos de territorialização,
desterritorialização e reterritorialização que são relações dinâmicas e relativas pelas quais
passa o território, quando incluímos a variável tempo. A dinâmica e o movimento devem ser
objeto de estudo ao observamos o espaço através da lente do território. Há um jogo de forças,
conflituosidades, movimentos e interações na composição das territorialidades. Como afirma
Saquet (2001, p.23):
Como as territorialidades mudam em cada relação espaço-tempo, altera-se também o
território, contendo aspectos do passado, comuns e diferentes em relação a outros
territórios, ou seja, o território substantiva-se por meio de desigualdades, diferenças,
identidades, mudanças e permanências das socioespacialidades.
Esta mudança na abordagem geográfica de território para uma perspectiva que inclui
as territorialidades é reflexo de uma mudança de paradigma na Geografia, segundo Saquet
(2011, p. 33): “A reorganização da Geografia também passa pela revisão do conceito de
espaço geográfico: de uma concepção centrada no seu caráter absoluto para o destaque e a
caracterização das reações de classe.” Uma mudança de um espaço absoluto para um espaço
relacional sem dúvida está baseada nas mudanças metodológicas, epistemológicas e
ontológicas que a geografia crítica trouxe para o debate a partir dos anos 1960 e 1970 do
século XX principalmente. Contudo, não podemos deixar de mencionar que no campo das
ciências físicas esses processos começam com Einstein, ao defender a relatividade geral
publicada em 1915, que abalou o mundo científico, colaborando para mudar os paradigmas
científicos, saindo de uma percepção em alicerces absolutistas, para uma ciência onde existe o
relativo. Gawenda, (2011, p. 26) traz uma definição de Robert Sack (1986) que indica esta
relativização do conceito de território:
38
Sack (1986) entende a territorialidade como a tentativa de um indivíduo ou grupo
social de influenciar, controlar pessoas, recursos, fenômenos e relações, delimitando
e efetivando o controle sobre uma área. A territorialidade é fruto das relações
econômicas, políticas e culturais, por isso, se apresenta de diferentes formas,
imprimindo heterogeneidade espacial, paisagística e cultural. Para ele,
territorialidade é uma expressão geográfica do exercício do poder em uma
determinada área e essa área é o território.
“O território é fundado em comportamentos humanos que envolvem a comunicação, a
cooperação e a troca, formas de socialização em dada formação territorial” Saquet (2011,
p.36). Paul Claval (1979) também ensina a importância da comunicação, das redes e nós que
se formam dentro do território para sua consolidação e maior ou menor adesão ao comando do
poder central.
Para o autor Haesbaert (2002), o território surge quando, dentre outros, um indivíduo
ou grupo de indivíduos busca atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e
relacionamentos em determinada área geográfica. Criando ainda alguns tipos especiais de
territórios: os territórios-zona, onde prevalece a lógica política; os territórios rede, onde
prevalece a lógica econômica e os aglomerados de exclusão, onde ocorre uma lógica social de
exclusão socioeconômica das pessoas. Outro autor importante para nossa compreensão sobre
o território é Marcelo Lopes de Souza (2013, p.87-88) que deixa claro como o poder está na
essência do que seja o território para geografia:
Não há influência que seja exercida ou poder explícito que se concretize sem que
seus limites espaciais, ainda que às vezes vagos, igualmente sejam menos ou mais
perceptíveis. […] Mais uma vez: o que “define” o território, em primeiríssimo lugar
é o poder. Ou, em outras palavras, o que determina o “perfil” do conceito é a
dimensão política das relações sociais, compreendendo essa dimensão no sentido de
o político. […] Isso não quer dizer que a cultura (o simbolismo, as teias de
significado, as identidades…) ou a economia (o trabalho, os processos de produção e
circulação de bens) não sejam relevantes…
A criação, apropriação e transformação de um território é um processo complexo que
envolve diversos e diferentes agentes sociais, ficando claro que o processo é relacional e que
depende do tempo como uma variável essencial para compreensão dos processos de
territorialização. Os territórios são construídos e desconstruídos ao mesmo tempo: isso é
ponto pacífico dentro das ciências sociais.
Considerando os conceitos de território já abordados, entendemos que é importante
explorar o tema da territorialidade e da temporalidade, lembrados por Saquet (2001, p.77 e p.
72) que:
No intuito de facilitar a compreensão, dividimos as temporalidades e as
territorialidades, porém, ambas ocorrem ao mesmo tempo, ou seja, são
multidimensionais, econômicas, políticas, culturais e ambientais.
39
São em síntese, elementos e processos econômicos, políticos, culturais e naturais
que consubstanciam os territórios, dessa forma, auxiliam na ampliação-reconstrução
de nossa concepção multidimensional, histórica-crítica e relacional-reticular,
especialmente a partir das noções de apropriação, intercomunicação, concentração,
centralidade e assimetria.
A territorialidade traz consigo uma significação para o espaço, estando diretamente
relacionada ao tempo e em como se constrói este significado de controle e dominação do
espaço. No espaço prisional onde a disputa pelo poder é intensa, estes conceitos nos ajudam a
ler as dinâmicas que acontecem. Sobre isso Robert Sack (apud Haesbaert, 2007, p. 6776) nos
auxilia:
A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar
e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter parte do contexto
geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de
significado…
O território e as territorialidades são importantes conceitos para compreensão da
prisão, pois ao observarmos os espaços dentro do CRC, pode-se observar com facilidade que
estes são divididos. As igrejas evangélicas, que atuam no presídio, em comunhão com a
gestão da unidade, assumem o controle do espaço prisional, impondo rotinas, regras e acessos
às assistências garantidas em lei.
O tempo e como este é vivido é uma das questões fundamentais para os presos: suas
penas são estabelecidas em anos, meses e dias. A permanência do sujeito dentro da unidade
prisional é consequência de um determinado cálculo da pena jurídica aplicada. Esse tempo
vária de caso para caso específico. O tempo e como ele é vivido é uma das questões mais
importantes dentro das unidades prisionais, pois muda muito dependendo das condições de
vida que esse preso possui na unidade prisional.
Todo esse conjunto de relações territoriais e temporais dentro da unidade prisional é
fruto de diversas forças materiais, econômicas e históricas que agem no espaço prisional. Para
nos ajudar a entender essas relações territoriais destaca-se que o território aqui é considerado
como um espaço definido por um conjunto de relações: jurídico-política (poder), culturais e
econômicas, todas se sobrepondo.
Nossa compreensão é baseada na concepção materialista-histórica da sociedade e
consequentemente do espaço por ela produzido, tanto socialmente quanto dialeticamente.
Trazendo esta abordagem das territorialidades, queremos contemplar neste trabalho uma
perspectiva sobre o conceito de território que não seja ortodoxo. Pretendemos argumentar que
outros grupos como as igrejas e as lideranças dos presos criam territorialidades, não sendo um
40
papel exclusivo do Estado. Na verdade, nosso discurso vai no sentido de deixar claro como o
Estado deixa lacunas dentro das prisões e outras entidades organizadas controlam o espaço,
produzindo suas regras, culturas, dinâmicas e hierarquias.
41
3.0 AS INSTITUIÇÕES PRISIONAIS
Consideramos importante nos atermos a algumas questões centrais ao entrarmos no
universo penitenciário, pois somos bombardeados por diversos termos, normas, regras, a
legislação penal e a cultura local. Neste ponto do trabalho, queremos debater algumas destas
normas e deixar claro alguns termos utilizados, a fim de entendermos melhor o universo
prisional. Aqui vamos apresentar algumas considerações sobre este processo de privação de
liberdade. Queremos com isso facilitar a compreensão de nossa análise e de nossos
apontamentos e críticas sobre o cotidiano da vida prisional. Ensina Sá (2009, p. 152) sobre a
relação entre direito e geografia que:
…não existe geografia sem as ações sociais do Direito, por intermédio das suas
inúmeras aplicações normativas, tanto na esfera pública quanto privada, e a “boa”
aplicação da norma, sua “relativa” aplicação, ou mesmo a não aplicação da norma
[…]
As normas de direito são indicativos imperativos do poder constituído para regular a
vida em sociedade. São estas que apresentaremos neste capítulo prioritariamente, lembrando
que existem normas de poderes paralelos convivendo no espaço prisional que serão objeto das
análises em outros capítulos.
Resumindo a postura da legislação brasileira segundo o jurista Barros Leal (1998,
p.36-40), são três as funções primordiais associadas às prisões:
Retribuição - a prisão proporciona ao infrator um castigo, além de uma resposta à
sociedade e àqueles diretamente prejudicados pela infração cometida; Intimidação -
a existência da prisão representa uma ameaça inibidora a potenciais infratores;
Ressocialização - a prisão possibilita ao infrator passar por um processo de
reeducação e ressocialização, afastando-se da delinquência por uma rotina de
trabalhos, exercícios e regras disciplinares;
Incapacitação - a reclusão de infratores garante a proteção do restante da sociedade
ao impedir que estes venham cometer novos crimes.
Deve-se destacar que destas três funções a que vem sendo mais concretizada é a da
Retribuição e Incapacitação. A Ressocialização é ainda um tema recente e na prática se
mostra mais um recurso de discurso do que de práticas efetivas. A legislação brasileira com
base na Constituição Federal (1988) e nos Direitos Humanos (ONU, 1948) prevê através da
Lei de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 várias formas possíveis para
condenação dos detentos, após serem presos e julgados: a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de
42
direitos. Podendo até ser duas destas comutativamente (Art. 5º inciso XLVI.CF/88). Sendo
vedadas pelo Art. 5º inciso XLVII penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e)
cruéis. Neste trabalho o nosso interesse são penas privativas de liberdade.
A atual Constituição Brasileira promulgada em 5 de Outubro de 1988 inclui uma longa
lista de direitos e liberdades que cada cidadão brasileiro possui. Os direitos e liberdades
fundamentais são definidos como base do Estado Democrático de Direito e a Constituição
prevê a promoção dos direitos humanos. Segundo a ONU, os direitos humanos são princípios
básicos que regem as relações entre os serem humanos. O discurso de que os direitos
humanos são importantes e devem ser respeitados entrou em cena no Brasil após a ditadura
militar, mas até o momento atual ainda não ganhou a dimensão prática necessária.
Através do devido processo judicial estabelecido pelo Código de Processo Penal
(Decreto-Lei nº 3.689/1941), o juiz estabelece as penas, com base principalmente no Código
Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940) entre outras legislações pertinentes. É bom
ressaltar que existem diversas teorias (doutrinas jurídicas) do direito que atuam para justificar
uma pena, sua dosimetria e a compreensão do juiz sobre os fatos, como toda ação humana
está construída em ideologias. O processo legal é acompanhado pelo Ministério Público e por
advogados de defesa que são partes essenciais no trâmite penal.
Existindo a condenação, o preso pode recorrer a outras instâncias, conseguir ou não
anular o processo, diminuir pena ou manter a mesma. O objeto de estudo de nosso trabalho é a
pena de privação de liberdade. Esta se subdivide em outras categorias. A pena de reclusão
(privativa de liberdade) deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto, ou aberto: essas
são as subcategorias da pena. O tempo de condenação que o juiz atribui também é
fundamental para sabermos em que espaço o sujeito deve cumprir a pena. Veja no quadro 1
abaixo o resumo sobre os tipos de regime.
Quadro 1 - Regimes prisionais e seus espaços. Baseado na Lei 7.210/84.
DIFERENÇA DE REGIMES E SEUS ESPAÇOS Regime Fechado Penitenciárias, Cadeia Pública ou Hospital Psiquiátrico e Casas de Custódia. Regime Semiaberto Colônia Agrícola, Industrial ou estabelecimento similar; Regime Aberto Casa de Albergado ou estabelecimento adequado.
Já o quadro 2 abaixo mostra como o tempo de pena influencia no tipo de regime a ser
adotado.
43
Quadro 2 - Tempo de Reclusão. Baseado na Lei 7.210/84.
TEMPO DE PENA E ESPAÇO DE RECLUSÃO Pena superior a 8 (oito) anos. Regime fechado Não reincidente, cuja pena superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8
(oito).
Regime semiaberto
Não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Regime aberto
O sistema prisional brasileiro é estruturado segundo um modelo que prevê a
progressão de regime, visto que o sujeito deve voltar gradativamente ao convívio social.
Nesse processo deve ter o acompanhamento de técnicos: de saúde, assistência social e
jurídica. Esse corpo técnico deve produzir pareceres e encaminhá-los aos juízes de execução
penal e seus advogados, servindo para auxiliar a decisão judicial, quanto a progressão ou não
de regime.
Na prática o processo de progressão de regime não existe, pois, em geral o preso sai do
regime fechado para o aberto diretamente, não seguindo as normas. Podemos constatar isso
em todas as penitenciárias de Mato Grosso. Os motivos são vários como: a falta de espaço
para acomodação, falta de uma política de acompanhamento do preso11, descaso com o
sistema prisional, superlotação das casas de albergue, etc.
A Lei de Execução Penal (nº 7.210/84) traz no seu Art. 1º: “A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Vamos apresentar apenas
alguns de seus aspectos mais relevantes para uma compreensão básica do que traz a norma no
que tange os espaços de privação de liberdade.
Segundo a Lei de Execução Penal (LEP/7.210, 1984), no Art.82: “Os estabelecimentos
penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e
ao egresso”. Entender a classificação dos reclusos é fundamental para sabermos para a qual
espaço estes presos devem ser destinados. O espaço de privação de liberdade depende da
modalidade de condenação. Sabemos que na prática o sistema penitenciário hoje não segue
esta legislação, reunindo nos mesmos espaços presos provisórios, condenados e os com
medidas de segurança. Esclarecendo os termos, veja o quadro 3 abaixo:
11Em julho de 2014 algumas tornozeleiras eletrônicas começaram a chegar em Mato Grosso para o
acompanhamento dos presos no regime semiaberto.
44
Quadro 3 Definição de termos sujeitos privados de liberdade. Baseado na Lei 7.210/84.
DEFINIÇÃO DOS TERMOS Preso Condenado Sujeito foi condenado por decisão judicial. Preso Provisório Sujeito não foi julgado, com prisão preventiva e poderá ser absolvido em
julgamento. Medida de Segurança Quando o sujeito apresenta algum problema de saúde mental, declarada
em juízo e que o impede do convívio social. Egresso O liberado definitivamente da instituição prisional. Até um ano depois de sair do
estabelecimento. Ou aquele liberado condicional, durante o período de prova. No quadro 4 abaixo apresentamos os diferentes espaços de privação de liberdade,
segundo a condenação. Embora a legislação indique a necessidade da separação entre presos
provisórios e condenados, “O preso provisório ficará separado do condenado por sentença
transitada em julgado” (Art. 84 LEP/84). A realidade, no entanto, é bem diferente. Os presos
condenados e provisórios convivem no mesmo local. Sendo mais específico, os presos
condenados deveriam ser encaminhados para as Penitenciárias. “A penitenciária destina-se
ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.” Já os provisórios para a Cadeia
Pública. “A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios”. (Art. 84 e 102
da LEP/84.)
Quadro 4 - Espaços de provação de liberdade por regime de condenação.
OS ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE REGIME DA CONDENAÇÃO ESPAÇOS
Preso condenado em regime fechado. Penitenciária. Preso por Medida de segurança, os considerados
inimputáveis e semi-imputáveis.
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
Preso Provisório. Cadeia Pública. Preso que cumpre a pena em regime semiaberto. Colônia Agrícola, Industrial ou Similar. Preso em regime aberto. Casa do Albergado, onde o preso passa as noites e o
fim de semana, trabalhando durante a semana e durante
o período diurno.
Existe a figura da prisão preventiva quando o preso encontra-se em prisão provisória.
Em geral temos essa realidade quando o sujeito é preso pela polícia e encaminhado à
delegacia. O delegado com base na lei pode ter motivos para mantê-lo detido sob sua custódia
e um juiz deve ser prontamente avisado. A prisão provisória não precisa ser através de
mandato judicial, quando em flagrante. Caso contrário, toda prisão preventiva é com mandato
judicial. Sendo a pessoa presa, esta tem o direito de ingressar com Habeas Corpus em juízo e
buscar responder ao processo em liberdade.
No fim do processo penal e de progressão de regime, o preso recebe o seu alvará de
soltura definitivo. Segundo a lei existe a figura do Patronato (um dos órgãos de execução
penal) que deve acompanhar o sujeito e sua família por no mínimo um ano para que o mesmo
45
não retorne à prática delitiva. No Estado de Mato Grosso o primeiro Patronato foi
estabelecido no ano de 2011, com atraso de 27 anos em relação à lei e sua eficiência não foi
percebida no meio dos funcionários, agentes e professores que trabalham no sistema
penitenciário, pois esta instituição deve acompanhar os presos após a sua saída da prisão.
Contudo muitos dos presos com os quais convivemos diariamente saem da prisão e a ela
retornam sem ter qualquer contato com o Patronato.
A legislação brasileira é sem dúvida uma das mais avançadas do mundo no que tange
a questão penitenciária. A assistência prevista na Lei de Execução Penal resume-se aos
seguintes itens: a) Assistência material: alimentos, vestuário, instalações higiênicas;
produtos de higiene pessoal; b) Assistência educacional: instrução escolar e a formação
profissional como instrumento de valorização do ser humano e de reinserção social; c)
Assistência religiosa: liberdade de culto devendo ser facultada a participação nos serviços
organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa; d)
Assistência social: tem a finalidade de amparar o preso e o internado e prepará-los para o
retorno à sociedade; e) Assistência Jurídica: defensores públicos para acompanhar o
processo do preso na esfera judicial. Quando o preso é do sexo feminino existe ainda o direito
a cuidar do filho(as) durante o período de amamentação, (até 6 meses de idade). Não
abordaremos a realidades dos presídios femininos neste trabalho.
Alguns estudiosos indicam que o sistema penitenciário apresenta a característica de
apenas punir os marginalizados e excluir os sujeitos vulneráveis da sociedade por meio do
cárcere. E assim também é entendido por Zaffaroni (2004, p.76):
...o sistema penal cumpre uma função substancialmente simbólica perante os
marginalizados ou os próprios setores hegemônicos (contestadores e conformistas).
A sustentação da estrutura do poder social por meio da via punitiva é
fundamentalmente simbólica.
Tal situação não impede, porém que se inicie a experiência de evitar o máximo
possível o confinamento dos condenados, com o propósito de aperfeiçoar a pena de prisão,
quando necessária, ou de substituí-la quando aconselhável. As modalidades de penas
privativas de liberdade são: Reclusão, Detenção e Prisão simples (para as contravenções
penais), atribuída tão somente para segregar o indivíduo da sociedade, porém outrora eram
mencionadas como um mal necessário.
A falência da pena privativa de liberdade é um tema de diversos estudos no campo do
Direito e das Ciências Sociais em geral. Especialmente no que tange ao fato do sistema
46
penitenciário não atender, o que é proposto no processo de ressocialização, muitos juristas e
inclusive o CNJ (Conselho Nacional Justiça) indicam meios substitutivos penais para sanção
dos crimes menos graves, como as penas restritivas de direitos, as chamadas “penas
alternativas”. O discurso vai no sentido de evitar que o condenado sofra com o processo da
prisão por crimes considerado de “bagatela” no âmbito jurídico, tentando também oferecer ao
sujeito condenado uma chance na perspectiva de reeducá-lo.
O conceito de ressocialização e consequentemente o de reeducando merece um pouco
de nossa atenção. Em um trecho anterior o apresentamos numa visão positivista apresentada
pelo jurista Barros Leal (1998), neste trabalho usamos este termo como uma referência a
processos que humanizam o espaço prisional como atividades que retiram os presos do ócio:
trabalho e estudo e ações quem garantem um mínimo de civilidade no ambiente prisional
brasileiro.
A doutrina penal que prega que a ressocialização é hegemônica nos discursos de hoje
vem ganhando força desde meados dos anos 60 do século XX, no mundo todo. Zaffaroni, em
La filosofía del sistema penitenciario en el mundo contemporâneo, 1991, disseca as principais
teses sobre a doutrina penal do mundo contemporâneo. Segundo o autor, existem algumas
filosofias que norteiam o discurso penitenciário: a) “moral”, onde o delito e a louca são frutos
de uma existência desordenada que precisa ser colocada em ordem; b) “positivismo
criminológico”: aqui o sujeito criminoso é uma pessoa perigosa que precisa ser controlada,
filosofia esta que dialoga com um “positivismo biológico” que vê na biologia fundamentos
para a criminalidade; c) as “ressocializadoras”, que enxergam uma socialização fracassada e o
sistema deveria corrigir este erro. O autor critica esta última postura ao afirmar (1991, p.49-
51):
…la ressociazación se percebe cada día más como un absurdo; hace doscientos años
que las instituiciones totales vienen um efecto deteriorante y reproductor y, por
ende, nunca podrán ejercer uma verdadeira función preventiva. […] Ensinarle a
alguien a vivir em liberdad mediante el encierro, afirma con acerto um autor
argentino (Elbert) , es como pretender enseñar a julgar fútbol em un ascensor, o sea,
es um absurdo.
Zaffaroni vai tecendo uma análise muito rica e altamente competente do sistema
penitenciário que culmina na defesa de uma postura que julga ser possível: buscar ações que
consigam diminuir a vulnerabilidade dos presos, com educação, trabalho, acesso à justiça
entre outros. Isso ele chama de “trato humano reductor de la vulnerabilidade”. Concordamos
com o autor em todos os sentidos, inclusive podemos dizer que nestes 23 anos da publicação
47
de seu texto, uma parte das ações vem se desenvolvendo neste sentido, como o que aconteceu
no 6º Congresso das Nações Unidas. Reconhecendo a necessidade de buscar alternativas para
a pena privativa de liberdade, cujos índices de reincidência são altíssimos, foi proposta uma
urgente revisão. Essa proposta foi aprovada no 8º Congresso da ONU, realizada em 14 de
dezembro de 1990, sendo apelidada de Regras de Tóquio (OKADA,2010, p.25).
No Brasil a Lei 9.714/98 alterou o Código Penal em alguns pontos e introduziu a
prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de
semana, perdas de bens e valores, prestação pecuniária em favor da vítima, prestação
pecuniária inominada e a pena de multa como penas alternativas. O jurista Fernando Capez
(2010, p. 426) indica que com essas mudanças o legislador quis garantir:
a) diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os custos do sistema
penitenciários;
b) favorecer a ressocialização do autor do fato, evitando o deletério ambiente do
cárcere e a estigmatizacão dele decorrente;
c) reduzir a reincidência, uma vez que a pena privativa de liberdade, dentre todas, é
a que detém o maior índice de reincidência;
d) preservar os interesses da vítima.
A ideia é clara, pois traz no seu conteúdo a proposta de evitar a superlotação dos
presídios e a exposição dos sujeitos que cometeram pequenos crimes no mundo do crime.
Contudo esse instrumento ainda é pouco usado por muitos juízes e continuamos com um
cenário de muitos presos sendo condenados ao regime fechado. O tema é delicado. Juízes
alegam a falta de controle das penas alternativas. Muitos Estados não possuem
acompanhamento adequado por parte do poder executivo do cumprimento destas penas
alternativas. Já outro motivo para poucas sentenças de penas alternativas é o fato de existirem
muitos juízes conservadores.
É importante destacarmos os principais trabalhos científicos que tratam da questão
penitenciária e ressaltar a existência de poucos trabalhos encontrados no âmbito da geografia.
Apresentaremos aqui os principais trabalhos que serviram de base para nosso entendimento
do universo penitenciário, lembrando que, conforme bibliografia apresentada, o leque de
trabalhos sobre o tema é grande, contudo em sua grande maioria com foco nas áreas jurídicas,
começando a ganhar corpo os trabalhos acadêmicos sobre o tema da educação e direitos
humanos nas prisões.
O tema foi abordado de forma magistral por Foucault em Vigiar e Punir (publicado
originalmente em 1975), tornando-se o livro clássico sobre as prisões, onde o autor investiga
48
cem números de documentos, relatos, livros e diversos textos desde o período medieval,
construindo uma genealogia da prisão. O autor fornece dados e interpretações que serão
sempre importante neste tema. Outro trabalho que foi fundamental em nossa compreensão do
universo prisional foi o livro História das prisões no Brasil (publicado em 2009), publicação
que vem esclarecer muito sobre as nossas prisões e colabora de forma ímpar para
compreendermos como as prisões são organizadas, construídas e geridas. A obra foi
organizada pelos autores Clarisse Nunes Maia, Flávio de Sá Neto, Marcos Costa e Marcos
Luiz Bretas. Estas duas obras citadas formam a base para nossa compreensão do sistema
penitenciário. Com Foucault podemos compreender a essência das prisões e qual o papel que
ela exerce em nossa sociedade burguesa capitalista. Com o trabalho dos pesquisadores
brasileiros em História das Prisões no Brasil, conseguimos situar o processo de incorporação
no discurso e na prática brasileira de construções de prisões e a cópia dos projetos
internacionais, os motivos estruturais e de formação de nossa sociedade colonial escravocrata
e depois da industrialização tardia e desigual que leva ao cenário das prisões que temos hoje.
Com enfoque em Geografia encontramos três trabalhos de pós-graduação: dois de
mestrado e um de doutorado. Entre os trabalhos de dissertação está o trabalho de Raimundo
Ferreira de Arruda: Por uma Geografia do Cárcere: Territorialidades nos pavilhões do
Presídio Professor Aníbal Bruno – Recife-PE, trabalho interessante, que investiga a prisão
de forma mais parecida com a que desenvolvemos neste trabalho aqui em MT. Em busca de
entender os poderes que agem no espaço, o trabalho foi orientado pelo Professor Prof. Dr.
Alcindo de Sá. Outra dissertação é de Karina E. Fiorante, O Espaço Carcerário e a
Reestruturação das Relações Socioespaciais Cotidianas de Mulheres Infratoras na
Cidade de Ponta Grossa/PR, cujo foco é na família das presas e seus vínculos externos. O
universo das prisões femininas é absolutamente diferente do das masculinas. O doutorado de
Ana Maria Hoepers Preve, com o trabalho Mapas, prisão e fugas: cartografias intensivas
em educação, cujo foco é o aprendizado de Geografia na prisão feminina de
Florianópolis/SC. Todos estes trabalhos articulam a investigação espacial geográfica com as
prisões, sendo importantes para nossa investigação. São ainda pouco os debates e trabalhos
que realizam esta abordagem, o que os torna ainda mais interessantes. Destacamos que alguns
desses trabalhos concentraram esforços demais em detalhes da percepção dos presos e
familiares sobre o lugar, como consta o trabalho de Karina E. Fiorante, e não investigaram a
49
fundo o que consideramos mais significativo: a reprodução das desigualdades no espaço
prisional.
Alguns trabalhos de Arquitetura Penal nos foram muito úteis para entendermos os
discursos sobre as prisões materializados em projetos, discursos estes que se preocupam quase
que exclusivamente com a segurança e muito pouco com os projetos de ressocialização e a
assistência ao sujeito preso. Os projetos de arquitetura prisional refletem um descaso com
todos os seres humanos ali presentes, sejam eles presos ou funcionários do sistema
penitenciário. Destacam-se, entre eles: O Edifício Inimigo: A Arquitetura de
Estabelecimentos Penais no Brasil, dissertação de Flavio Agostini na UFMG; e Augusto
Cristiano Prata Esteca com Arquitetura penitenciária no Brasil: análise das relações entre
a arquitetura e o sistema jurídico-penal apresentando na UnB.
Temos muito o que avançar sobre o tema da arquitetura penal no Brasil. Embora
devamos reconhecer que esforços estão sendo realizado pelo Ministério da Justiça e por
pesquisadores de algumas universidades, ainda estamos longe dos países mais avanços nesse
setor. No portal <http://portal.mj.gov.br/depen> podemos observar que o Ministério da
Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), vem premiando
monografias cujo tema sejam estudos nas questões penitenciárias. Outra contribuição que
começa a ser realizada é o site http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php, organizado
pelo Conselho Nacional de Justiça, que concentra dados das inspeções dos estabelecimentos
penais, ainda muito incipientes e com metodologias duvidosas, mas é um esforço. O nome do
Projeto é Geopresídios.
Figura 2- Imagem do site Geopresídios. Fonte: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistema-carcerario-e-
execucao-penal/geopresidios-page. Acesso em 31/08/2014.
Em outros países, como na Islândia, por exemplo, foi realizado um concurso
internacional para se decidir qual projeto de unidade prisional construir. Isso traz o debate e
50
faz com que competentes arquitetos projetem espaços de qualidade. Aqui ainda estamos longe
de alcançarmos este nível de envolvimento social nas prisões.
Os trabalhos citados e as referências no site do DEPEN e do CNJ acima foram
importantes para esclarecer quais as prioridades planejadas para o espaço prisional no Brasil.
Destacamos o trabalho de Augusto C. P. Esteca (2010) que enfatiza a arquitetura prisional
através do discurso jurídico, trazendo as contradições entre este a realidade, um trabalho
fenomenal, que nos ajuda a compreender a realidade que vivenciamos dentro da unidade. Já
Flavio Agostini (2002) vai realizar uma crítica do desenho e morfologia das prisões ao
considerar que as mesmas apenas servem aos interesses de segurança, além de realizar uma
meticulosa análise dos principais projetos penitenciários do País.
As unidades penitenciárias desse País raramente foram objeto de estudo, por diversos
motivos. Contudo acreditamos que trata-se de um afastamento acadêmico da vida do povo, de
todos que tem seus direitos negados, da falta de interesse naqueles que não fazem parte da
elite. Estudar, conhecer e pesquisar as penitenciárias exigem uma aproximação com um
mundo deixado de lado, excluído, apagado e se possível para muitos, apenas destruído. Essa
aproximação leva ao conhecimento de suas mazelas, contradições e problemas, o que nos leva
a um posicionamento político sobre sua situação e possíveis transformações, e isso nunca foi
objeto de preocupação da elite política do País, tanto que as políticas públicas nesse sentido
são muito recentes. Agora abra-se um universo a ser pesquisado, debatido e principalmente
transformado.
3.1 Gênese dos Espaços Prisionais.
Não é possível pensar em conhecer o espaço ocupado pelo ser humano sem relacioná-
lo a suas funções: sociais, simbólicas e os condicionamentos de sua formação e isso não é
diferente para o espaço prisional. Por isso vamos tratar de apresentar de forma sucinta a
gênese das prisões12. As prisões como as conhecemos hoje são instituições recentes na
formação da humanidade. Foram criadas dentro de um cenário específico da revolução
burguesa do século XVIII. Antes disso existiam as penas punitivas de suplícios ou banimento.
A reclusão em uma masmorra, a prisão ou os calabouços eram apenas temporários. A visão
12Na conclusão deste trabalho apresentamos nossa crítica a existência das prisões, indicando que apenas uma
transformação radical de nossa sociedade pode levar uma convivência justa e não reprodutora das desigualdades.
51
de penitência sempre esteve presente na ideia de prisão, lugar onde através do isolamento, da
privação de liberdade e do adestramento do corpo poderia ser modelado o comportamento dos
seres humanos. As prisões foram construídas para adestrar o corpo e o comportamento,
ensinar determinas lições e transformar os homens e as mulheres, impondo-os o ritmo da
máquina, entendendo o ser humano como ser que condiciona-se. Podemos ver isso através da
afirmação de Hannah Arendt (2001, p.160) que:
[...] se a condição humana consiste no fato de que o homem é um ser condicionado,
para o qual tudo, seja dado pela natureza ou feito por ele próprio, se torna
imediatamente condição para sua existência posterior, então o homem “ajustou-se” a
um ambiente de máquinas desde o instante em que as construiu.
Na Grécia Antiga e na Roma Antiga já eram aplicadas as penas de morte, entre outras
consideradas desumanas nos dias de hoje como: açoites, castigos corporais, mutilações,
escravidão, galés, entre outras. Essas penas existiram durante milênios nos sistema jurídico no
mundo ocidental. As prisões existiam, mas eram provisórias. Ali os presos ficavam até serem
condenados a alguns desses castigos. No período da Antiguidade que vai do século VIII a.C
até o ano 476 d. C, a pena começa a deixar de ser um instrumento particular de vingança para
se tornar uma forma de preocupação e intervenção do Estado.
No período chamado de Antigo Regime (Monárquico) e durante a Idade Média
(Feudal) até o final do século XVIII, o crime era considerado uma afronta ao poder do
soberano e dessa forma a punição era uma vingança do mesmo. Os castigos eram aplicados
em praça pública, com a função de deixar uma mensagem ao público. Segundo Foucault
(2011.p.47): “O suplício judiciário deve ser compreendido também como um ritual político”,
como ilustra a figura 3 a seguir.
Figura 3 - Gravura Pelourinho Rotativo: Exemplo de punição pública e corpórea.
Fonte: ESTECA, 2010, p.16
52
A cultura do medo e os suplícios não acabaram: ainda hoje as transgressões aos
direitos humanos e os castigos físicos são comuns nas penitenciárias. Na França o pelourinho
foi suspenso em 1789, mas as penas de suplício continuaram a ser aplicadas nos subsolos das
prisões até os anos 1970. (FOUCAULT, 2011).
No século XVI aparecem na Europa prisões destinadas às mulheres, mendigos,
prostitutas e pessoas de comportamento “imoral” para os padrões da época. O objetivo dessas
prisões era a segregação dessas pessoas da sociedade por um tempo determinado. Não existia
uma condenação judicial dos presos, mas sim o entendimento de que eles têm algum tipo de
desvio moral e por isso deveriam ser afastados do convívio social. Era praticada a prisão
arbitrária.
As prisões “modernas” nascem com a transformação da sociedade do séc. XVIII. São
mudanças de paradigma que envolvem as dimensões sociais, políticas, jurídicas e científicas,
criando uma nova postura frente ao direito penal e suas consequências. Foucault (2011, p.19)
afirma que: “Desaparece, destarte, em princípio do século XIX, o grande espetáculo da
punição física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor”.
Trata-se de uma nova economia do poder, onde é mais rentável e interessante vigiar e moldar
o comportamento do que punir.
A partir do século XVIII, os suplícios pouco a pouco saíram de cena. Principalmente
após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial Inglesa. O poder político era agora
exercido à luz de novos valores como "a liberdade, a igualdade e a fraternidade”. Os ideais
burgueses haviam tomado as rédeas do poder e redefiniram as formas de atuação dos
governos. Uma nova configuração política e econômica leva a uma nova configuração
jurídica. O Brasil nessa época vivia sobre o domínio português. Aqui a prisão era nos moldes
da antiga monarquia. As mudanças começam lentamente a partir do século XIX.
O Estado moderno se formou através de diversas transformações, Foucault (2000, p.
8) afirma como as prisões são parte deste processo de controle do Estado sobre os cidadãos:
Em Vigiar e Punir o que eu quis mostrar foi como, a partir dos séculos XVII e
XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da produtividade do
poder. As monarquias da Época Clássica não só desenvolveram grandes aparelhos
de Estado − exército, polícia, administração local − mas instauraram o que se
poderia chamar uma nova "economia" do poder, isto é, procedimentos que permitem
fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo continua, ininterrupta,
adaptada e "individualizada" em todo o corpo social. Estas novas técnicas são ao
mesmo tempo muito mais eficazes e muito menos dispendiosas (menos caras
economicamente, menos aleatórias em seu resultado, menos suscetíveis de
escapatórias ou de resistências) do que as técnicas até então usadas e que
53
repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos forçadas (desde o
privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara ostentação
(intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais violenta era o
castigo "exemplar", pelo fato de ser excepcional).
O discurso político contemporâneo de como e onde devem ser construídas as
penitenciárias está baseada em uma lógica da exclusão social, que no fim das contas reproduz
o processo de segregação espacial das cidades. As prisões são destinadas a determinada
parcela da população e não a todos. Em geral as prisões são espaços para a população de
baixa renda, os excluídos e marginalizados. Nesse processo de produção do espaço prisional
pelo Estado e sua relação com a cidade pode-se observar como o modo de produção e
reprodução econômica é simbólico e se reproduz. Seja no período colonial no Brasil ou das
colônias Americanas em geral, na idade contemporânea a prisão mantém uma forte relação
simbólica com a cidade e com os discursos que o poder quer manter. (FOUCAULT, 2011)
As penitenciárias enquanto objetos arquitetônicos nascem com o panóptico de J.
Bentham (1789), mas já existiam enquanto discurso político. Estudiosos e juristas burgueses
vão fazer discursos contra os suplícios. Segundo Foucault (2011) trata-se de uma mudança na
“economia do castigo”. Não se vai mais tocar no corpo e realizar suplícios públicos, mas entra
em cena uma nova abordagem. A privação da liberdade como castigo e reforma moral do
condenado através da disciplina do corpo e docilidade para o trabalho.
3.3.1 Espaço Prisional: Arquitetura e Disciplina.
O espaço é um elemento estruturante da vida. A condição humana exige que a vida se
dê em múltiplas dimensões e uma delas é a própria existência do corpo e sua materialidade.
Não podemos negligenciar a condição espacial do ser humano e como o planejamento (ou
omissão) do espaço físico configura-se como uma das principais preocupações do ser
humano. A humanidade, ao produzir o espaço, procura enfrentar seus problemas, satisfazer as
necessidades e criar ambientes adequados e vamos além disso: ao projetarmos e construirmos
também imprimimos nossa visão de mundo, como afirma Gunter Behnisch (2008 apud
Hauterberg, 2008, p. 34). “A arquitetura mostra o modo como lidamos com nós mesmos e
com o mundo. E não é apenas isso. Ela mostra nossa visão de mundo”.
Ao analisarmos os espaços de privação de liberdade (as prisões) no Brasil, podemos
ressaltar algumas das características e princípios que os regem: são espaços segregados, sem
condições mínimas de higiene e estrutura. Não temos um espaço que contribua, mas ao
54
contrário, ele impede e atrapalha o trabalho de (res)socialização. Essa arquitetura reflete a
cultura de segregação, marcando a exclusão e escondendo o que a sociedade não quer ver.
O Arquiteto Unwin (2013, p. 38) no mesmo sentido de Behnisch (2008) declara: A arquitetura, portanto, não é mera questão pragmática, mas deve ser vista antes
como manifestação da visão de mundo de uma pessoa e, por extensão, de uma
cultura ou civilização – o modo pelo qual elas entendem o espaço.
Quando focamos no projeto dos presídios, os projetistas estão diante de um grande
desafio. São muitos os aspectos a serem pensados para que possamos desenhar. Existe um
complexo programa de necessidades 13que envolve as celas, alas, setores de saúde, visitantes,
alojamento de guarda e dos agentes, espaço para trabalho dos presos, etc. Os aspectos
econômicos, culturais e tecnologias também devem ser levados em consideração quando
pensamos no projeto arquitetônico. Neste modelo econômico vigente, o que existe em geral é
a preocupação com máximo de economia de recursos financeiros para o máximo de
capacidade de presos, além dos aspectos culturais que nos levam a pensar a prisão em geral
com foco na insegurança, pois são espaços mediados pelo conflito e tensão. Isso coloca como
prioridade nos projetos dos espaços prisionais a segurança e a economia14 financeira e não
preocupação com as pessoas que ali viverão. Apresentamos na figura abaixo um resumo do
fluxograma de um projeto arquitetônico de uma prisão.
13Simplificadamente em arquitetura, um programa de necessidades é o conjunto sistematizado de espaços
necessários para um determinado uso de uma construção. 14 No Brasil a resolução nº 09, de 18 de novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária – CNPCP sugere que o máximo de m² que devem ser construídos por presos é de 15m² para todas
as atividades: dormir, comer, educação, trabalhar, religião, contando os espaços para todos os funcionários do
sistema penitenciário. Na Áustria o presídio estudado tem 113m² por preso no Complexo judiciário de Viena-
Áustria. Fonte:http://www.hohensinn-architektur.at/bilder/PDF_en_baumgasse__.pdf. Acesso em 29/08/2014.
55
Figura 4 - Fluxograma Geral de Penitenciária. Organização: ALMEIDA, G. 2014, baseado em
AGOSTINI,2002.
O planejamento arquitetônico do espaço prisional se dá em alguns pressupostos como:
a capacidade do presídio, sua localização, acessos, edificações próximas entre outros,
pressupostos muitas vezes ingênuos e desconectados da realidade, pois a dinâmica social é
intensa. Não existe um planejamento integrado entre os projetos prisionais, o planejamento
territorial das cidades, os projetos educacionais e de oferta ao trabalho na prisão. Com o
processo de encarceramento intenso no Brasil, observa-se a superlotação das prisões. E esta
acarreta algumas consequências, entre elas a ocupação de residências ao redor das
penitenciárias, dos familiares dos presos. Esses e outros processos de forte impacto territorial
merecem estudos aprofundados.
No interior dos presídios, ao consideramos a realidade material da ocupação das
prisões, a falta de treinamento dos agentes penitenciários, a superlotação, a falta de garantia
de acesso a direito a todos os presos, temos que o plano idealizado de ocupação e gestão da
prisão é subvertido, o que gera uma autogestão dos presos em parceria com a gestão da
unidade e com total conivência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
A arquitetura prisional tem em seu princípio como expoente o Panóptico, idealizado
pelo filósofo utilitarista Jeremy Bentham em 1787. O que ele faz é apresentar um projeto de
56
concepção puramente pragmática e instrumental do espaço. Usando a tecnologia da época,
cria um projeto que atende perfeitamente aos propósitos pretendidos pela sociedade burguesa
nascente. O projeto de uma penitenciária possui em sua essência preocupações que vão muito
além da segurança e da vigilância, ao desenhar o espaço, os acessos, limites, pontos de
encontro e os caminhos. Quando criamos espaços, estamos produzindo algo que contém
pontos de vista, ideologias e intenções.
Na obra Vigiar e Punir, Foucault (2011, p.189) observa ainda que:
... o panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico: é o diagrama
de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal; seu funcionamento,
abstraindo-se de qualquer obstáculo, resistência ou desgaste, pode ser bem
representado como um puro sistema arquitetural e óptico: é na realidade uma figura
de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico.
O espaço Panóptico induz o detento a um estado consciente e permanente de
visibilidade, o que assegura o funcionamento automático do poder. Trata-se de uma estrutura
simples, uma construção em anel. No centro uma torre, onde o vigia nela situado possa ver
sem ser visto. Na periferia da mesma estão as celas, cada uma atravessando a espessura da
construção, com duas janelas, uma para fora e outra grande voltada para a torre. A luz
atravessa todo o edifício. Veja figura 5 e 6 abaixo:
Figura 5 - O panóptico de Jeremy Bentham - Vista Interna. Fonte: http://apocalink.com.br/construcoes-sinistras-
os-panopticos-de-jeremy-bentham-as-crueis-prisoes-usadas-por-fidel-castro-origem-do-big-brother/. Acesso
26/07/2014
57
Figura 6 - O Panóptico - visão da torre central de inspeção - Penitenciária de Stateville, EUA. Fonte:
FOUCAULT, 2011.
Há uma crença absoluta na arquitetura como reformador da sociedade. Nas palavras de
Bentham (1843 apud Foucault 2011, p.196):
... reformar a moral, preservar a saúde, revigorar a indústria, difundi a instrução,
aliviar os encargos públicos, estabelecer a economia como que sobre um rochedo,
desfazer, em vez de cortar, o nó górdio das leis sobre os pobres, tudo isso com uma
simples ideia arquitetural. Após esta iniciativa do panóptico, outros propostas sugiram. Pode-se resumir as
respostas arquitetônicas aos anseios dos reformadores das prisões em três tipos morfológicos
básicos: retangular ou não radial (baseada em formas antigas), circular (incluindo as
poligonais) e radiais (predominante depois de 1790).
A forma e a rotina das penitenciárias sofreram alterações e influências de algumas
características típicas do sistema judiciário e da cultura de cada país. Como exemplo podemos
citar as alteração na Austrália em 1846, que estabelece o que ficou conhecido como sistema
progressivo inglês, apresentando três etapas para o cumprimento da pena: a) período da prova,
onde existe o isolamento completo, b) período com isolamento noturno e trabalho durante o
dia, em silêncio rigoroso e c) o período da comunidade, com liberdade condicional.
Em 1835, é implantado o sistema progressivo irlandês, acrescentando mais um período
ao anterior: preparação do recluso à vida livre, em prisões intermediárias. Essa fase do
sistema foi adotada pelo código penal brasileiro. Conhecemos este espaço como albergue, no
cumprimento da pena no regime aberto.
Outra inovação foi no ano de 1934, quando surge o sistema de Montesinos na
Espanha, que criou a forma de trabalho remunerado e o sentido regenerador da pena. A Suíça
aparece um tipo de prisão semiaberta, onde os condenados eram remunerados, trabalhavam ao
ar livre em zona rural, numa grande fazenda, com vigilância reduzida (hoje conhecidas como
58
colônias agrícolas). Todas essas diferentes modalidades de tratamento do preso e da vida
cotidiana nas prisões foram influenciando o sistema penitenciário brasileiro de alguma forma
e consequentemente a sua arquitetura e administração. O sistema penal brasileiro admite a
progressão de regime e para cada um dos regimes possui um espaço diferente como
apresentado no quadro 4 a seguir.
Na figura 7 a abaixo realizamos um resumo das principais tipologias espaciais de
penitenciárias, trazendo resumidamente quais foram as inspirações para tal morfologia. Tais
inspirações ou diretrizes de projeto são baseadas na vida que os presos deveriam ter dentro da
penitenciária, indicando que em cada tipologia arquitetônica temos uma intenção de vida para
os presos. Na figura 8 apresentamos as principais tipologias aplicada ao Brasil. Podemos
concluir que as prisões são dinâmicas e mudam seu desenho e o regime de isolamento social a
que o preso está submetido conforme os interesses da classe dominante.
59
Figura 7 - Modelos de referência para Arquitetura Prisional. a e b Fonte: AGOSTINI, 2002. p. 31;d Fonte: OLIVEIRA, 2007. p.3-4; e Fonte:
Fonte:http://freepages.genealogy.rootsweb.ancestry.com/~springport/pictures53/5347.jpg.Acesso 21/04/2014;fFonte:
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http. Acesso em: 21/04/2014.
60
Figura 8 – Principais Modelos de Arquitetura Prisional no Brasil. Org. ALMEIDA, G. 2014. Fonte: AGOSTINI, 2002. p.23 e 24.
61
3.2 As Penitenciárias no Brasil.
Podemos indicar duas fases na estrutura de espaços de privação de liberdade no Brasil.
A primeira está no período colonial, onde os presos eram conduzidos as Casas de Câmara e
Cadeia. Esses espaços abrigavam: a Câmara Municipal e a Cadeia Pública, entre outras
funções administrativas. Estas edificações localizadas na praça central da cidade,
representavam os símbolos e as relações de poder da sociedade da época: a praça, a igreja e a
casa de câmara e cadeia.
A segunda fase é quando surgem as penitenciárias no cenário internacional. O Brasil
buscando ser um País “moderno”, mesmo que escravista e monárquico (MAIA, 2009) se
alinha a essas nova forma de disciplina: a privação de liberdade como forma de punição e
regeneração de homens e mulheres. Estas estruturas são pensadas para a formação do sujeito e
sua transformação em um novo ser humano.
A localização dos espaços de privação de liberdade no período colonial, na praça
central do núcleo urbano, significava em sua forma e uso a expressão máxima das relações
simbólicas de poder que se estabeleciam na sociedade do século XVI e XVII. A figura abaixo
apresenta a localização da casa de Câmara e Cadeia na cidade de São Vicente, estando em
posição central na cidade, de frente para da Igreja Matriz, bem no núcleo do poder. Veja
figura 9 e 10 abaixo:
Figura 9 - Planta cadastral da cidade de São Vicente, 1899, Escala 1:2.000, S. Paulo, 9 de novembro de 1899.
Fonte: Marco Antonio Lança, 1998, p.112
62
Figura 10 - Desenho da Casa de Câmara e Cadeia do Icó/CE. Autor: Doutor Pedro Théberge.
Fonte: Arquivo Público do Estado do Ceará. JUCÁ NETTO, C. R, p.8
Na figura 10 acima, observamos a disposição em diferentes níveis da Casa de Câmara
e Cadeia, onde as relações de poder não podem ser mais claras. Os detentores do poder e
títulos estão na parte de cima da edificação e quem é excluído e está à margem da sociedade
está embaixo. Trata-se de uma relação social materializada na edificação, lembrando que por
sua localização esses espaços eram os mais movimentados das cidades coloniais.
O contexto do surgimento das prisões no Brasil e na América Latina segue o da
expulsão dos colonizadores espanhóis e portugueses e a ascensão da burguesia. Nas palavras
de Carlos Aguirre (2009, p.36): “Ser moderno, ou ao menos oferecer a aparência de sê-lo, era
a aspiração quase universal das elites latino-americanas. E as prisões (quer dizer, as prisões
modernas) foram imaginadas como parte desse processo”.
No Brasil as penitenciárias aparecem apenas em 1834 no Rio de Janeiro com Casa de
Correção (figura 11 abaixo). A previsão inicial contava com celas individuais, espaços para
atividades laborais, esportivas, religiosas, culturais e educacionais. Esse era o programa
arquitetônico. No entanto, a penitenciária não teve o programa inteiramente concluído e a
inauguração se deu apenas com as celas individuais e coletivas e pouca estrutura de guarda.
Em termos arquitetônicos, no caso brasileiro, estamos circunscritos a duas tendências
construtivas. A primeira se caracteriza pela construção de blocos retangulares, de um ou mais
pavimentos, em torno de um pátio central descoberto. A segunda consiste na distribuição
paralela de blocos retangulares e longitudinais, também de um ou mais andares, que se
interligam por meio de um corredor único, contínuo e perpendicular aos demais, que se
desenvolve no nível térreo. As duas configurações espaciais podem contar com outros espaços
intermediários, destinados à administração. (AGOSTINI, 2002).
63
Figura 11 - Penitenciária do Rio de Janeiro, 1834. Fonte: AGOSTINI. 2002, p. 51.
.
No modelo do Poste Telegráfico ou Espinha de Peixe existe uma circulação fechada
principal e a ela interligam-se os diversos módulos separados entre si, confluindo os fluxos
para a circulação. Foi utilizado em várias penitenciárias americanas, apresentando um grande
problema, pois esse modelo permite que os focos de motins nascidos nas em uma das alas,
rapidamente, tomem as demais alas e alcancem a administração. Dessa forma, nos projetos
mais recentes a administração se tornou uma edificação separada do corpo da penitenciária, é
o caso da Penitenciária do Estado – PCE em Cuiabá/MT, a maior penitenciária do Estado.
Recentemente no Brasil, uma política para se pensar (repensar) as prisões vem sendo
implantada, ainda muito tímida e incipiente. No ano de 2011 o Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária pública o documento Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal15.
Esse é um marco no pensamento e no estabelecimento de normas para o projeto de
edificações prisionais. Não é a primeira diretriz a existir, mas essa traz indicativos de
15 Resolução nº 09, de 18 de Novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
64
humanização deste espaço como: garantia de espaços para educação, visita íntima, oficinas de
trabalho, alojamentos dignos para funcionários e detentos.
Contudo essa resolução é técnica. Não aborda a estética, o simbolismo da prisão e
consegue ser bem confusa quando trata da localização das prisões. Os órgãos competentes na
execução penitenciária fogem do debate da produção social do espaço e sobre isso não
emitem qualquer parecer ou opinião. Essa postura tecnicista acaba por permitir projetos em
uma largo espectro, trazendo a possibilidade de se reduzir os projetos à “caixotes
melhorados” (grifo nosso).
Vamos analisar o texto guia para a construção de estabelecimentos penais nos dias
atuais, no que toca a questão de localização de unidades prisionais. Trata-se da resolução nº
09, de 18 de novembro de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária -
CNPCP. Estabelece as Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional, com base na Lei de
Execução Penal (nº 7.210/84). Esse texto serve de orientações para novas unidades prisionais
e eventuais “reformas” nas unidades federais e estaduais. O texto não trata em nenhum
momento das questões políticas e simbólicas envolvidas com essas edificações.
As diretrizes tratam com timidez da localização dessas unidades. Não entram no
complexo mérito que é uma estrutura urbana e no impacto gerado por um projeto de unidade
prisional na cidade. Solicita estudos sobre a evolução urbana do município, dados técnicos
sobre topografia e infraestrutura, algo básico para qualquer obra dentro de uma cidade. As
recomendações são pela facilidade de acesso, dos visitantes, funcionários e proximidade com
os fóruns judiciais. As Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional indicam (2011, p.49):
“Os estabelecimentos penais deverão estar localizados de modo a facilitar o acesso e a
apresentação dos apenados e processados em juízo.”
Segundo D'urso (1997, p.194):
Uma preocupação presente na sociedade moderna é quanto à localização de um
estabelecimento penitenciário. Temos visto que a sociedade trata o presídio como
trata a feira-livre, pois não admite que a feira esteja em sua porta, mas tem
consciência de sua necessidade, de estar localizada nas proximidades, como no caso
dos presídios, que precisam existir, mas não a seu lado ou defronte sua casa.
Esse é um ponto de contradição deste documento referência, pois também recomenda:
“Os complexos ou estabelecimentos penais não devem, de modo geral, ser situados em zona
central da cidade ou em bairro eminentemente residencial” Diretrizes Básicas para
Arquitetura Prisional (2011, p.33). Os fóruns judiciais são nas áreas centrais das cidades,
sendo que essas duas recomendações caminham na prática em sentidos contrários. Em geral
65
vence a segunda, onde a lógica da segurança vence, mas que na verdade trata-se mais de
afastar das vistas o indesejável.
A preocupação é prática: custos (R$). De acordo com o estudo do DEPEN (2012),
uma cadeia pública para 300 vagas, seguindo a Resolução nº. 09, de 18/11/2011 impactou em
um acréscimo de área mínima de 139,44% em relação à Resolução anterior. Existe um
considerável acréscimo de área para atividades promovidas pelo Estado. Contudo o que
observamos é ainda modesto. Apresentaremos a seguir o estudo da SEJUDH sobre os custos
do presos em MT.
O custo de manutenção mensal de cada preso no Estado é, em média, de R$ 1.700,00
(mil e setecentos reais) por mês, segundo o relatório da SEJUDH. O custo de abertura de uma
vaga no Sistema Penitenciário do Mato Grosso é, em média R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
(SEJUDH, 2011, p.23). Os dados apresentados pelo setor técnico da SEJUDH em 2011 foram
atualizados; imaginava-se que seriam maiores. Contudo existe uma redução para R$ 1.224,96
por mês no custo mensal do “reeducando”. Acreditamos que apenas em 2014 estes dados
foram tratados por técnicos e existe certa precisão; outros valores eram colocados sem
critérios. Esses dados são baseado na maior penitenciária do Estado: a PCE - Penitenciária
Central do Estado, localizada em Cuiabá, no bairro Pascoal Ramos. A seguir, a tabela 1 com
os dados:
67
3.1.3 Contraponto: Diferentes Sociedades, Diferentes Prisões.
O imaginário popular sobre as prisões, alimentado pela mídia, muitas vezes nos
engana. Apresenta-se estruturas de muros altos, vigias nas periferias e, no centro, controle do
acesso, espaço fechado, escuro e úmido. Invoca-se uma imagem de fortaleza, fechando o
espaço prisional e num processo de confinamento dos reclusos. Embora existam diversas
prisões assim pelo mundo, inclusive o nosso objeto de estudo, vamos apresentar algumas
alternativas que existem a este modelo, seja em outros países, seja no Brasil. Veja a figura 12
abaixo. Temos que entender que este não é o único meio de se construir prisões que existem.
Figura 12- Ilustração de penitenciária no imaginário popular. Fonte: Desconhecida.
As prisões, assim como todo o rol de serviços públicos de um país, apresentam
grandes diferenças de uma para outra. Essa diferença é explicita quando observamos o nível
de desigualdade social entre elas (índice de GINI16). Entendemos que um dos aspectos que é
fundamental para compreensão dessa diferença é política de Bem-Estar Social (Well Fare
State). Nos países onde ainda existe essa política, como na Holanda e Noruega, temos prisões
com baixa taxa de reincidência e até o fechamento de prisões por falta de presos. Um trabalho
acadêmico que relacione esta contrastante realidade seria de grande valia para entendermos
com maiores detalhes este processo de encarceramento em muitos países como no Brasil e o
não encarceramento em outros.
O Estado de Bem-Estar Social foi uma solução apresentada por diversos pensadores
capitalistas como alternativa ao socialismo, indicando que o Estado deveria suprir algumas
das injustiças produzidas pelo modo capitalista de produção. Desta forma, alguns direitos
16
O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini. É
comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda, mas pode ser usada para qualquer
distribuição estatística.
68
como educação e saúde seriam inalienáveis e deveriam ser garantidos desde o nascimento.
Sobre isso Oliveira (2006 In Castro e Wojciechowski (org.) 2010, p. 50) afirma que:
...enquanto na história do Estado de Bem-Estar Social dos países ocidentais, que
hoje formam o pequeno pelotão dos desenvolvidos, o trabalho foi transformado em
custo do capital, para cujo ultrapassamento fez-se necessário um enorme aumento da
produtividade, movida esta última pelo próprio bem-estar – os países mais
igualitários, os nórdicos, são também os mais produtivos – na periferia submundial o
trabalho é objeto de políticas assistencialistas, que não são custos para o capital.
Ficam a cargo do Estado, o que pareceria transformá-lo em custo, mas com as
políticas econômicas, sobretudo fiscal, constrangidas pela financeirização das
economias submundiais, estão sujeitas aos cortes que a conjuntura econômica
impõe.
Na Noruega e na Áustria, o que se produz como arquitetura penitenciária é
absolutamente diferente do que se faz aqui. Esses países tem apresentado projetos
humanizados que estão mais próximos de hotéis de luxo. Devemos entender que o projetos
executados estão relacionados a todo um rol de ações sociais que os países escandinavos e a
Áustria seguem: políticas sociais claras, onde existe taxação de grandes fortunas, investimento
em educação e saúde pública, tudo isso com altos impostos. Na Noruega, a carga tributária
com relação ao PIB é de 42,80%; na Áustria de 42,00%17 e, no Brasil, é cerca de 37,95%.
Nossa preocupação não é uma análise sobre os sistemas penitenciários destes países,
mas desconstruir a ideia de que só existem prisões de um tipo: fétidas, escuras, mal acabadas,
fechadas, sem vida, como são em nosso País. Isso é um estereótipo que precisa ser
desconstruído. Os países têm apresentado diferentes respostas aos desafios da segurança
pública, como afirma Wacquant (2004, p.99):
Os Estados Unidos claramente optaram pela criminalização da miséria como
complemento da generalização da insegurança salarial e social. A Europa está numa
encruzilhada, confrontada com uma alternativa histórica entre, de um lado, há algum
tempo, o encerramento dos pobres e o controle policial e penal das populações
desestabilizadas pela revolução do trabalho assalariado e o enfraquecimento da
proteção social que ela requer e, de outro, e a partir de agora, a criação de novos
direitos do cidadão. (grifos do autor).
Esse processo que já debatemos mostra o processo diferente pelo qual alguns países e
povos decidiram passar. Apresentando uma proposta diferente ao neoliberalismo, esses países
realizam alta taxação de impostos e distribuem os recursos através de serviços públicos de
qualidade incluindo aí as penitenciárias. Veja as figuras 13 e 15 que ilustram outras realidade
prisionais na Noruega e Áustria, respectivamente, e a chamada jornalística, na figura 14, que
deixa claro que na Holanda tem excesso de prisões para o número de criminosos.
17Fonte: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/10-paises-com-maiores-impostos-e-menor-retorno-para-a-
populacaoAcesso: 20/05/2013
69
Figura 13 - Modelo de Prisão na Noruega. Fonte: http://www.ema.dk/ incluindo fotos a e b. Acesso em
01/03/2013.
70
Figura 14 - Governo holandês fecha presídios. Fonte: http://g1.globo.com/planeta-
bizarro/noticia/2013/06/governo-holandes-estuda-fechar-prisoes-devido-falta-de-criminosos.html. Acesso
23/04/2014.
Figura 15 – Complexo judiciário de Viena - Áustria Fonte: http://www.hohensinn-
architektur.at/bilder/PDF_en_baumgasse__.pdf. Acesso em 01/03/2013.
71
Os complexos prisionais aqui apresentados não deixam dúvidas de que existem outras
formas de pensar a política penitenciária, desde que existam condições políticas, sociais e
econômicas para tal. Na Áustria (figura 13), o complexo jurídico e penitenciário prevê a
construção de uma penitenciária junto com um centro jurídico no centro da cidade. Uma
leitura espacial simples nos leva a ver como estamos na contramão dessa proposta. Seguindo
o discurso da segurança, isolamos ao máximo as penitenciárias da vista da sociedade. Outra
questão é pensar: onde no Brasil o poder judiciário vai no mesmo endereço que a prisão? Uma
outra relação espacial está baseado em outras relações e práticas sociais que não a de exclusão
a todo custo.
Na figura 12, nos deparamos com uma reportagem que traz uma realidade que parece
ser conto de ficção científica, considerando os índices alarmantes de criminalidade com que
vivemos no Brasil: os holandeses estão fechando prisões desde 2008 por falta de presos no
País. O mesmo aconteceu na Suécia. São diversos os motivos que levam a esse cenário, como
a política de descriminalização de drogas, a distribuição de renda, serviços públicos de
qualidade, escolaridade entre outros. O importante é aprendermos que o cenário que vivemos
no Brasil não é impossível de ser revertido, mas há obstáculos políticos, sociais e econômicos
e uma concepção elitista de sociedade que persiste desde a formação de nosso País.
72
4.0 AS PENITENCIÁRIAS NO BRASIL
Os principais dados disponíveis para conseguirmos obter um panorama das prisões no
Brasil são dados pelo Infopen do Ministério da Justiça. Contudo é importante ressaltar que há
pouco tempo que esses dados estão sendo coletados com certo cuidado. Os dados
consolidados do Infopen/MJ são disponibilizados apenas de 2008 até dezembro de 2012, e,
somente em outubro de 2012 que na unidade em análise, o Centro de Ressocialização de
Cuiabá, um sistema informatizado começou a ser utilizado. O controle manual outrora
utilizado permitia enormes disparidades da realidade. Os gráficos 1,2 e 3 abaixo no dão um
panorama do cenário nacional frente aos outros países do mundo
Gráfico 1 - Países e população carcerária total. Fonte: ICPS - International Center for Prison Studies.182012.
18 Disponível em: http://www.prisonstudies.org/ Acesso em 27/08/2014.
73
.
Quando consideramos os gráficos acima apresentados, devemos ressaltar que a taxa
de encarceramento no Brasil é disparadamente a maior do mundo, com grande folga. Já
somos o 4º maior encarcerador do mundo em números absolutos. Através desses dados
podemos observar qual é o nosso modo de conduzir a política de segurança pública do País.
Estamos inseridos em um processo do qual faz parte diversos países, não apenas o Brasil: pela
opção da política de encarceramento. Esta opção está ligada a uma teoria econômica da
sociedade, como bem afirma Wacquant (2004, p.4):
A penalidade* neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um
"mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social que é a
própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos
os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo.
A política penitenciária no Brasil, há alguns anos, vem copiando o que se
desenvolve nos EUA. Apresentaremos aqui informações que colaboram com nossa
perspectiva, dadas por Wacquant (2004, p.60):
Ao mesmo tempo, a implantação das penitenciárias se afirmou como um poderoso
instrumento de desenvolvimento econômico e de fomento do território. As
populações das zonas rurais decadentes, em particular, não poupam esforços para
atraí-las: "Já vai longe a época em que a perspectiva de acolher uma prisão lhes
inspirava esse grito de protesto: Not in my backyard. As prisões não utilizam
produtos químicos, não fazem barulho, não expelem poluentes na atmosfera e não
despedem seus funcionários durante as recessões." 2° Muito pelo contrário, trazem
consigo empregos estáveis, comércios permanentes e entradas regulares de
impostos. A indústria da carceragem é um empreendimento próspero e de futuro
radioso, e com ela todos aqueles que artilham do grande encerramento dos pobres
nos Estados Unidos. No próximo gráfico de número 3, apresentaremos o número de presos e o número de
vagas, onde podemos notar com clareza o déficit no número de vagas disponíveis em nosso
País. Esse problema por si só é um dos grandes desafios que enfrentamos ao atingirmos tão
Gráfico 2 - Taxa de aumento de presos em diferentes países, em 20 anos. Fonte: World Prison Brief (WPB) 2010 em
Revista Veja, 24.11.2010, p. 107.
74
grande número de homens encarcerados, quase 550 mil, no sistema fechado, semiaberto e
aberto que de alguma forma lotam as penitenciárias, albergues ou colônias agrícolas. Quando
consideramos os presos domiciliares, esse número sobe para cerca de 750 mil presos, dados
divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ19, estando 145 mil presos cumprindo
pena nessa modalidade, o que nos faz termos mais presos em números absolutos que a Rússia.
Tais valores foram divulgados em junho de 2014, e estão ainda sendo incorporados pelo
estudiosos do assunto: nunca antes os presos domiciliares foram contabilizados no País.
Outro dado alarmante que o Conselho Nacional de Justiça nos disponibiliza é o
número de mandatos em aberto no País. Segundo o CNJ20 existem 395.738 mandatos em
aberto. Caso estes mandatos sejam cumpridos, ao menos em parte, vai agravar ainda mais o
superlotado sistema penitenciário. Este cenário sem dúvida é um dos motivos pelos quais os
especialistas na área estão cobrando a implantação de penas alternativas e o uso de
dispositivos eletrônicos de controle para os presos no regime semiaberto.
19http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/06/total-de-pessoas-presas-no-brasil-sobe-para-715-mil-diz-cnj.html.
Acesso em 29/06/2014 20 Disponível em http://www.cnj.jus.br/bnmp/. Acesso em 30/-8/2014.
75
Gráfico 3 – Evolução da população carcerária brasileira x Vagas no sistema penitenciário. Fonte: Infopen, 2012.
76
A superlotação das unidades prisionais é um dos maiores problemas que nós podemos
observar, seja no Brasil ou em Mato Grosso. A explosão demográfica do sistema entre os
anos de 1990 à 2012 também é nítida pelos dados apresentados. Na Foto 1 abaixo,
apresentamos uma cela típica brasileira. A política de segurança pública adotada no Brasil
prende, encarcera, mas não consegue diminuir os problemas de violência na sociedade; pelo
contrário, esta violência vem aumentando nos últimos anos.
O problema da violência na sociedade brasileira é considerado endêmico por alguns
estudiosos (Sérgio Adorno e Michel Misse entre outros). A partir dos anos 70 do século XX,
muitos estudos sobre este tema estão sendo desenvolvidos em diversas áreas: Antropologia,
Sociologia, Geografia, Urbanismo, Ciências Jurídicas entre outros, tentando entender este
processo de disparada da violência urbana.
Sampaio (2011) estuda com cuidado o termo violência urbana e seus conceitos, a fim
de não incorrer no risco de afirmar que existe uma violência que seja específica da cidade,
mas que existe violência na cidade. Vai relacionar sua pesquisa a uma dimensão mais
profunda, o da construção das cidades no modelo capitalista e como esta prática contém uma
violência e que de certa forma a propaga, Sampaio (2011 p. 52):
Queremos com essas considerações apontar para as seguintes relações de
necessidade no capitalismo: propriedade privada / expropriação / violência. A
instituição da propriedade privada dos meios de produção e da terra (que se insere
no movimento geral da produção capitalista), instituiu legalmente o domínio sobre a
posse (o que equivale ao domínio dos meios de produção, mas também da
propriedade fundiária e da riqueza social), e colocou a expropriação de uma parcela
imensa da população como resultado lógico e histórico inevitável do processo. Essa
expropriação não pode se realizar e se identificar senão pela violência, não
exatamente e somente pelos meios e métodos empregados em tal empreitada, mas
por todos os danos sociais, econômicos e políticos daí decorrentes. Expropriação
que significou a impossibilidade da apropriação da riqueza socialmente produzida,
mas também da fruição integral do tempo e do espaço da vida social.
Concordamos com a autora, que indica uma íntima relação entre o modelo de
produção capitalista e as desigualdades sociais constatadas em nossa sociedade brasileira. A
violência urbana é um fenômeno real e inegável que vem modificando e moldando a vida dos
brasileiros e contextualizarmos este fenômeno as produções do espaço urbano é coerente e
necessário, pois existem uma grande heterogeneidade com relação a existência de violência
nas cidades brasileiras.
Muito antes desta explosão demográfica no Brasil e do surgimento da latente
preocupação com a violência urbana, a ONU já declarava no texto As Regras Mínimas para o
Tratamento de Reclusos (1956), da qual o Brasil é signatário, importantes recomendações
77
para que o cumprimento da pena possa ser humanizado. Foi um dos primeiros documentos
que sugiram no cenário internacional para pensar e reestruturar as prisões. Esse documento
traz:
As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais
de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população
prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a
esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou
local. (1956, p.4).
Foto 1 - Contagem - MG: 70 homens se espremem onde caberiam apenas 12 Fonte: CPI Sistema Carcerário,
2009, p. 244.
Essas regras não são cumpridas, o que temos em geral nas unidades são: espaços
muitas vezes sem iluminação solar, sem ventilação e na escuridão; os presos parecem
homens-morcego, circulando na escuridão. Há celas que sequer têm janelas. Em algumas
celas existem seteiras minúsculas na parte superior permitindo uma ventilação mínima e
insuficiente.
A criação de locais apropriados para receber as visitas, salas de aula, oficinas,
multiplicidade de tipos de celas, pátios de banho de sol e seus acessos tem importância ímpar
na funcionalidade, na redução de custos do estabelecimento e no processo de humanização
dos espaços prisionais. Os materiais utilizados nas obras, a falta de manutenção adequada e a
falta de disciplina implicam na deteorização das edificações, que repugna tanto quem as visita
quanto quem as habita. As condições de vida numa prisão são determinantes do senso de
autoestima e da dignidade do preso. O fornecimento de instalações de qualidade, com
estruturas adequadas para descanso, higiene, alimentação, lazer, trabalho e estudo tem
profunda influência no seu sentimento de bem-estar.
78
Outra questão pouco debatida, mas fundamental, é como esse preso se vê na
sociedade, acostumado apenas com o que existe de pior e sendo visto como um ser humano
inferior. Qual a disposição de mudar de atitude? Medo da prisão que é seu habitar natural?
Com certeza não. Mantendo as prisões como estão, vamos apenas aprofundar as
desigualdades. Precisamos sem dúvidas de um processo de compreensão, análise de dados e
mudanças estruturais.
Outro quadro importante nesse cenário é o número elevado de presos provisórios
dentro das penitenciárias, sendo que o espaço adequado para esses seria a cadeia pública.
Outra questão é o tempo que esses ficam presos, alguns chegando a um ano ou mais de espera
para julgamento. Veja o gráfico 4 abaixo:
O tema do sistema penitenciário está vinculado a violência, um campo amplo e que
exige atenção. Portanto, apresentaremos alguns dados para situarmos o Brasil neste cenário.
Ao estudarmos os dados brutos percebe-se que existe uma distribuição desigual dos
homicídios espacialmente e por outros fatores como: faixa etária, gênero, cor, classe social
(renda). A tabela 2 abaixo apresenta a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes e pode-se
destacar uma elevada taxa no Brasil.
Tabela 2 - Taxa de Homicídios. Fonte: Mapa da Violência, 2012.
TAXA DE HOMÍCIOS A CADA 100 MIL HABITANTES PAÍS ANO POSIÇÃO TAXA
EL SALVADOR 2008 1º 18.0 VENEZUELA 2008 2º 15.5 TRINDADE E TOBAGO 2008 3º 14.3 BRASIL 2009 4º 13.0
Gráfico 4 – Evolução da percentagem de presos condenados x provisórios. Fonte: Infopen, 2012.
79
Tabela 3 - Percentagem de reincidência. Fonte: Informe Regional de Desenvolvimento Humano (2013-2014) do
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), p. 129
PERCENTAGEM DE REINCIDÊNCIA, PAÍSES SELECIONADOS, 2013
ARGENTINA MÉXICO PERU EL SALVADOR BRASIL CHILE
Reincidentes 38.60 % 29.70 % 15.80 % 10.40 % 47.40 % 68.70 %
Reincidentes entre mulheres 23.10 % 9.90 % 12.20 % 3.80 % 30.10% 15.80 %
Ao observarmos a tabela 3 acima sobre a reincidência em alguns países latino americanos,
devemos reconhecer que os dados são contra intuitivos. O Brasil registra menos de 50% de taxa
de reincidência oficialmente; nos parece estranho. Pois a observação empírica nos demostra uma
taxa muito maior. Contudo precisamos respeitar as pesquisas, mas notar que ainda existem
problemas graves na identificação dos presos. Um exemplo são os nomes dos presos: eles entram
nas penitenciárias várias vezes durante suas vidas e com nomes diferentes. Não existe um sistema
de verificação por parte da gestão prisional para detectar o nome verdadeiro dos presos. Não
existem ainda pesquisas e metodologias confiáveis sobre a reincidência no Brasil, pois os
mecanismos de controle da população carcerária estão sendo implantadas recentemente e parece
que nunca foram objeto de pesquisas competentes e engajadas.
Estudos divulgado pelo Instituto Avante Brasil21, que tem como base os dados do
Infopen/DEPEN, nos fornecem um panorama da situação dos presídios no Brasil.
Apresentamos alguns gráficos abaixo.
21 http://institutoavantebrasil.com.br. Acesso em 01/05/2014.
Gráfico 5 - Percentagem dos crimes cometidos pela tipificação penal. Infopen, 2012.
80
Fica evidente que os crimes contra o patrimônio são os mais cometidos e repreendidos
no Brasil, segundo gráfico 5 acima. Isso é sintoma e também indicativo de como produzimos
e reproduzimos a criminalidade, alimentando um sistema de desejo pela mercadoria. Esses
crimes não são criações do mundo contemporâneo, afinal existem previsões contra o furto e
roubo no Antigo Testamento e na lei de Talião, todas antes de Cristo.
O gráfico 6 acima merece destaque: indica o aumento no número de mulheres
encarceradas no País nos últimos 12 anos. A diferença entre gêneros continua exorbitante,
mas o avanço das mulheres no universo do crime e consequentemente no prisional é um dado
que precisa ser avaliado e implementar políticas públicas destinadas a essa situação.
4.1 Cenário dos Espaços Prisionais e a Organização da Secretária de Justiça e Direitos
Humanos - SEJUDH/MT.
Os dados consolidados e divulgados são do Infopen22– DEPEN - Ministério da Justiça.
Por experiência esses dados não são confiáveis, pela forma com que os registros dos presos
22 O Infopen é um programa de computador (software) de coleta de Dados do Sistema Penitenciário no Brasil
para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos bancos
de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias. Disponível em:
http://portal.mj.gov.br. Acesso em 27/08/2014.
Gráfico 6 – Encarceramento e gênero no Brasil. Fonte: Infopen, 2012.
81
são feitos. Pois existem discrepâncias entre o que é divulgado e o que analisamos no dia a dia
da prisão.
O presídio não possui um banco de dados atualizado sobre os sujeitos privados de
liberdade. Os dados disponíveis consolidados são ofertados pelo Ministério da Justiça via
DEPEN/MJ para o Estado de Mato Grosso. A tabela 4 a seguir é de dezembro de 2012,
portanto, os dados estão defasados e são por autodeclararão dos presos. A figura 14 mostra
um mapa com o quadro geral de onde se localizam as unidades penitenciárias do Estado de
Mato Grosso, o que nos auxilia a entender onde está concentrada a população carcerária do
Estado, sabendo que uma das políticas de controle usada pelo Estado é os “bondes”: são os
deslocamentos de presos entre as unidades penitenciárias. São cotidianas as mudanças dos
presos de unidade a fim de garantir uma segurança e também serve como punição a
determinados presos: ficar longe da família ou ir para uma prisão mais fechada e com
métodos mais cruéis.
Dados do Infopen/MJ demostram a evolução no número de preso no Estado. Como
afirmado anteriormente, estes números variam muito no dia a dia da prisão. Os números
apresentados abaixo são todos de dezembro dos respectivos anos. Estes dados estão
consolidados e disponíveis no site do Ministério da Justiça; ainda não temos os dados de
2013, mas tudo indica que teremos um continuo declínio no número de presos em 2013 e
2014.
Agora explicar este fato é algo que não podemos fazer. O Subsecretário da SEJUDH.
Coronel Clarindo Alves Castro, cogitou que poderia ser por causa dos programas de
ressocialização que estão surtindo efeito. Mas em conversas com os presos eles afirmam que
os motivos são outros: que existem mais oportunidades de emprego na rua, que estão mais
cautelosos com relação à polícia que está mais “inteligente” e ainda pelo assassinato de
muitos criminosos seja pela polícia, seja por disputas com outros criminosos.
82
Gráfico 7 – Número de Presos no Estado de Mao Grosso. .Fonte:
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.ht
m. Acesso em 04/09/2014.
83
Tabela 4 – Dados sobre os presos em MT. Fonte: DEPEN/2012
Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos Mato Grosso - MT
Indicadores Automáticos
População Carcerária: 10.613
Número de Habitantes: 3.033.991
População Carcerária por 100.000 habitantes: 349,80
Categoria: Quantidade de Presos/Internados Masculino Feminino Total
Quantidade de Presos (Polícia e Segurança Pública) 0 0
Item: Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP) 0 0 0
Quantidade de Presos custodiados no Sistema
Penitenciário
9.930
10.613
Item: Sistema Penitenciário - Presos Provisórios 5.255 430 5.685
Item: Sistema Penitenciário - Regime Fechado 3.549 215 3.764
Item: Sistema Penitenciário - Regime Semiaberto 1.051 38 1.089
Item: Sistema Penitenciário - Regime Aberto 50 0 50
Item: Sistema Penitenciário - Medida de Segurança -
Internação 25 0 25
Item: Sistema Penitenciário - Medida de Segurança -
Tratamento ambulatorial 0 0 0
Categoria: Capacidade Masculino Feminino Total
Número de Vagas (Secretaria de Justiça)
5.456
304
5.760
Item: Sistema Penitenciário Estadual - Provisórios 0 0 0
Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime Fechado 5.236 304 5.540
Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime
Semiaberto 120 0 120
Item: Sistema Penitenciário Estadual - Regime Aberto 100 0 100
Item: Sistema Penitenciário Estadual - RDD 0 0 0
Item: Sistema Penitenciário Federal - Regime Fechado 0 0 0
Item: Sistema Penitenciário Federal - RDD 0 0 0
Item: Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP) 0 0 0
Categoria: Estabelecimentos Penais Masculino Feminino Total
Quantidade de Estabelecimentos Penais 63 1 64
Item: Penitenciárias 5 1 6
Item: Colônias Agrícolas, Indústrias 1 0 1
Item: Casas de Albergados 2 0 2
Item: Cadeias Públicas 53 0 53
Item: Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 23 1 0 1
Item: Patronato 1 0 1
23O que existe realmente é uma unidade de saúde mental, a qual atende sentenciados em medida de segurança
(dentro do Complexo da Penitenciária Pascoal Ramos) Tem uma unidade diferenciada para tratamento e medida
de segurança.
85
A hierarquia político administrativa da SEJUDH, secretaria responsável pela
administração e gestão das cadeias e penitenciários do Estado de Mato Grosso, deixa em claro
a estrutura existente para comandar o setor penitenciário. A organização da SEJUDH é dada
pelo Decreto nº 629, de 25 de agosto de 2011. Existe um discurso forte no Brasil pela
separação das secretárias de segurança pública das de justiça. A SEJUDH, desta forma, é
ainda muito recente, contudo, vem com todos os vícios da secretária da qual ela se
desmembra, a antiga Secretaria de Justiça e Segurança Pública. Nota-se que o poder dos
policiais militares de alta patente ainda está presente, pois nessa secretaria os cargos de
subsecretário e alguns de coordenação estão sob o controle dos mesmos. Além da estrutura
oficial, vamos fazer uma análise sobre quais os papéis que o gestão da unidade realmente
cumpre no espaço prisional.
A SEJUDH está responsável pelos seguintes órgãos e diretamente ligada aos
respectivos conselhos: I – Sistema Penitenciário do Estado; II – Erradicação do Trabalho
Escravo, III – Defesa dos Direitos das Pessoas; IV – Direitos do Idoso; V – Direitos da
Mulher; VI – Promoção da Igualdade Racial; VII – Defesa do Consumidor; VIII – Defesa dos
Direitos da Pessoa com Deficiência e Sistema Socioeducativo.
A SAAP – Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária é a responsável pela
organização, gestão e manutenção das unidade penitenciárias no Estado.
Nível de Direção Superior:
Gabinete do Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos
Gabinete do Secretário Adjunto de Administração Penitenciária
Nível de Execução Programática
Superintendência de Gestão de Penitenciárias
Organização da administração na unidade penitenciária do CRC, conforme Diagnóstico
Setorial e Avaliação dos Programas da SEJUDH:
Diretoria do Centro de Ressocialização de Cuiabá
Subdiretoria do Centro de Ressocialização de Cuiabá
Gerência de Apoio Administrativo e Penal do Centro de Ressocialização de Cuiabá
Gerência de Manutenção do Centro de Ressocialização de Cuiabá.
Veja o organograma da SEJUD/MT na figura 17 abaixo, e o organograma do sistema
penitenciário a seguir na figura 18.
86
Figura 18- Organograma oficial da Secretaria de Administração Penitenciária/SEJDH 2010. Fonte: Diagnóstico
Setorial e Avaliação dos Programas da SEJUDH, p. 133.
Acima apresentamos na figura 18 a estrutura oficial do governo do Estado para a
administração penitenciária. No entanto, podemos observar que existem arranjos nas unidades
prisionais, criando outros cargos de forma a adaptar-se às necessidades especificas. Na
prática, encontramos um outra configuração de administração. Veja o quadro 5 abaixo:
SEJUDH
SAAP
Secretaria Adjunta de
Administração Penitenciária
SAJU
Secretaria Adjunta de
Justiça
SADH
Secretaria Adjunta de
Direitos Humanos
SAAS
Secretaria Adjunta de
Administração Sistêmica.
Figura 17 – Organograma da SEJUDH. Fonte: www.sejudh.gov.br interpretação de Guilherme Almeida/2014.
87
Quadro 5 – Cargos e funções dentro do CRC.
CARGO FUNÇÃO LEGAL FUNÇÃO CONSTATADA Diretor Existe Executa tarefa político-administrativa, externa
à unidade. O cargo hoje só pode ser ocupado
por agente prisional, luta do sindicato. Está
sempre em visita aos órgãos executivos.
Realiza articulação com empresas,
voluntários e instituições filantrópicas para o
trabalho e ocupação dos presos. Subdiretor Existe Executa tarefas domésticas. Realiza a tarefa
de articular os conflitos entre os presos e
agentes penitenciários; realiza o contato com
a família dos presos, entre outras funções. Gerente Administrativo e
Penal
Existe Organiza a distribuição e alocação de
mantimentos da unidade; organiza o fluxo de
trabalhadores. Gerente de Manutenção Existe Agente prisional que realiza as atividades de
manutenção da unidade. Toda a mão de obra
é dos presos; o gerente administra quais são
os presos capacitados para colaborar. Estes
ganham remissão de pena. Organiza a compra
de material e as doações junto com o diretor. Coordenação de Educação Não tem previsão legal. (Em
Agosto de 2014 está em
construção)
Pedagoga que coordena os professores no
espaço prisional; orienta as práticas
educativas; assegura o direito de estudar do
preso; fiscaliza os professores e realiza
matriculas dos presos. Coordenação da Produção Não tem previsão legal. Agente prisional que coordena os processos
de seleção dos presos que trabalham na
orientação da direção e subdireção; fiscaliza o
trabalho do preso; ajuda na organização da
venda dos produtos manufaturados na
unidade; acompanha a remissão do preso. Chefe de disciplina Não tem previsão legal.
Embora nos fosse informado
que existe, não conseguimos
acesso a dados oficiais.
Agente prisional que participa da resolução
dos conflitos na unidade.
Essas funções descritas acima são estabelecidas pelos agentes penitenciários através de
um processo de aprendizagem tácito com outros colegas. Os cargos não são remunerados de
forma especial; o ganho é o mesmo do salário regular de agente. Assumem esses cargos
aqueles que se sentem melhor em trabalhar com determinado setor.
Tabela 6 – Número Agentes no CRC. Fonte: Cartório do CRC/2014.
NÚMERO DE AGENTES NA UNIDADE CRC
Agentes prisionais (total) 150 Agentes por plantão (24h de trabalho por 72h de folga) 25 Agentes no expediente (8h de trabalho/ 8h às 17 ou 12h às 19h) 30 Total de agentes no expediente + plantão durante o dia 8h às 17h 55
A tabela 6 acima apresenta um quadro do número de agentes penitenciários que estão
lotados no CRC. Pode-se observar que durante um plantão é muito pequeno 25 para o
88
contingente de presos existentes. Sem dúvidas essa superlotação é um dos grandes motivos de
conflitos dentro do sistema penitenciário.
4.2 Perspectivas da Gestão Prisional no Brasil.
Apresentamos anteriormente um panorama de alguns dados do sistema penitenciário
no mundo, no Brasil e em Mato Grosso. Agora debateremos o que está acontecendo no Brasil
enquanto medidas de novas estratégias de gestão prisional. Apresentaremos os projetos
arquitetônicos e de gestão penitenciária que estão sendo desenvolvidas no Brasil,
relacionando-os com as diferentes visões de mundo e de sociedade que ambos representam.
Os projetos que apresentaremos são contraditórios entre si, pois vão defendem paradigmas
sociais divergentes. As duas principais propostas em destaque hoje são: As Parcerias Públicos
Privadas consolidadas no presídio de Ribeirão das Neves/MG e a APAC - Associação para a
Proteção e Assistência aos Condenados em Santa Luzia/MG.
Existem outras unidades prisionais privatizadas pelo País nos Estado da Paraíba,
Paraná, Maranhão, entre outros. A forma com que se dá esse processo de privatização não é
homogênea, existe um grande espectro de modelos. Existem modelos onde nem o diretor da
unidade é indicado pelo poder público e a unidade é construída com recursos privados, e
outros modelos onde poucos serviços são privatizados. Sem dúvidas é um tema que merece
ser aprofundado em um estudo com mais detalhes para melhor compreensão.
O debate é muito acalorado, com alguns juristas afirmando inclusive que esse
procedimento é inconstitucional. O debate e apresentação dessas duas penitenciárias resume
ideologicamente as duas principais vertentes existentes hoje em nosso sistema penitenciário.
Temos uma clara divisão de interesses na questão do planejamento da segurança pública do
País. A produção do espaço pelo Estado materializa os interesses de determinada classe
social. Ao tratar da importância da política na intervenção do espaço, Santos (2000, p.107)
diz:
Quando o esquema interpretativo da sociedade, próprio à nossa província do saber,
dá conta da realidade concreta em sua totalidade, ele pode ser o fundamento da
construção de um discurso novo para a ação política dos atores sociais responsáveis
por sua prática, tais como partidos políticos, movimentos sociais, instituições etc.
Um discurso socialmente eficaz pode ser o conteúdo, a base de intervenções
"sistêmicas" na sociedade, em diferentes níveis do exercício da política, entre os
quais, o mais abrangente seria a contribuição para a elaboração de um projeto
89
nacional, comprometido com a transformação da sociedade em benefício da maioria
da população do país.
As unidades prisionais são em geral, estruturas hermeticamente fechadas para boa
parte da sociedade. Santos, ao fazer referência a uma intervenção sistêmica, ensina que para
benefício da sociedade como um todo devemos estar atentos ao todo, e não escondermos os
problemas como as prisões. Existem dois discursos em conflito sobre as prisões: um discurso
racional / instrumentalista/ globalizante que tenta suprimir as diferenças, as resistências e
identidades espaciais que existem, decretando que a privatização é a solução dos problemas
enfrentados pela sociedade e que a ineficiência do Estado é irreversível; outro discurso
materializado na experiência (APAC) que aponta que não existe uma mão única a seguir; os
processos de privatização não devem ser os únicos, mas que podemos entrar em um debate
amplo com outras soluções e propostas para os espaços prisionais. No fim desse subcapitulo
apresentamos nossa opinião sobre esse processo.
4.2.1 O Canto da Sereia: As Parcerias Público Privadas – PPP’s.
Segundo os mitos gregos, as sereias são seres que unem mulheres com peixes, a
metade superior mulher e a inferior com cauda de peixe. Elas, segundo a lenda, possuiriam
um canto sedutor que atrairia os marujos para o perigo. Esses afogavam-se em alto mar ou
chocavam-se contra as encostas e pedras perigosas. Esse canto teria o poder de hipnotizar os
marujos e em princípio parecer algo maravilhoso, vindo de lindas mulheres, mas que no fundo
torna-se um grande armadilha. Comparamos a PPP - Parcerias Público Privadas no setor de
segurança pública a essa questão. No caso das penitenciárias, as privatizações apresentam-se
como uma solução, mas enganadora como o canto da sereia.
Julita Lemgruber24 (2013) uma experiente estudiosa do assunto declara sobre as PPP’s
que:
O Estado priva alguém da liberdade, então o estado precisa administrar essa
privação da liberdade. Portanto, não é legítimo que o estado ceda à iniciativa privada
a administração da privação da liberdade de alguém. Essa é uma questão de fundo.
Está impondo um novo modelo sem qualquer discussão com a sociedade, não houve
nenhuma tentativa de amadurecer essas ideias. É um grande equívoco.
24 http://www.brasildefato.com.br/node/11852. Acesso 04/03/2013.
90
A busca pela implementação das parcerias público privadas (PPP’s) no sistema
prisional segue uma lógica do modelo político econômico atual, neoliberal, no qual as
empresas privadas buscam maiores lucros e se inserem com toda força no sistema público, nas
áreas estratégicas até mesmo para a social democracia como a saúde, a segurança pública e a
educação. A atenção se volta para uma nova forma de prestar serviços, aparentemente sendo
parcerias do Estado para solucionar o problema da gestão penitenciária. Todo o processo de
criação do cotidiano e das territorialidades internas ao espaço prisional estão, nesse projeto,
sob cuidado de empresas privadas, tornando, assim, esses serviços mais custosos aos cofres
públicos e tornando o preso uma mercadoria com preço fixo.
A implementação da parceria público privada no sistema prisional tem como um dos
possíveis desdobramentos que a empresa privada ganhe mais dinheiro do Estado quanto maior
for o número de presos. Isso implica em decretar o fim das políticas sociais que visem
diminuir o número de presos nas unidades prisionais. Pois qual é o interesse das empresas
privadas em decrescer o número de presos, se ganha pela quantidade destes?
A Resolução nº 08/2002 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário
recomenda a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização do sistema prisional.
Contudo os agentes interessados nesse processo mudam as leis estaduais ao bel prazer e
realizam acordos e parcerias com o setor privado; afinal, as resoluções não tem força de lei.
Isso vale não apenas para o setor da segurança pública, mas para todas as atividades do
Estado. Neste sentido é importante relembrar Carlos (2007, p. 87) que:
(...) o poder político do Estado se exerce através do espaço enquanto dominação
política e, neste sentido, ele se reproduz interferindo constantemente na reprodução
do espaço. É assim que se normatiza o uso do espaço, bem como se produzem
planos diretores e que se direciona e hierarquiza o investimento na cidade. Mas
também há interesses privados dos diversos setores econômicos da sociedade, que
vêem no espaço a condição de realização da reprodução econômica, pois os lugares
da cidade aparecem como lugares da infraestrutura necessária ao desenvolvimento
de cada atividade de modo a entrever uma equação favorável à realização do lucro.
Mas cada fração de capital atua segundo sua lógica (ora se contrapondo, ora se
articulando para realizar, prontamente, seu fim que é a reprodução constante). Há o
setor financeiro que trata o espaço como lugar possível de investimento, ao passo
que o setor imobiliário que reproduz, constantemente, o espaço na condição de
mercadoria consumível.
91
Figura 19 - Evento sobre as PPP. Fonte: Desconhecida
A figura 19 acima retrata um slide de um dos eventos sobre as PPP’s no sistema
prisional brasileiro. Diversos encontros com esse tema estão sendo realizados pelo Brasil,
com o intuito de construir um discurso e uma estratégia em conjunto para implantação desse
sistema. Nesta perspectiva podemos compreender que as interferências do setor privado na
produção do espaço segue uma lógica de interesses, ou seja, a lógica capitalista do modo de
produção. Existe uma busca por novos mercados, novos espaços a serem administrados pela
lógica do modelo capitalista. As prisões são instituições corruptas, onde diversas extorsões,
propinas e pagamentos superfaturados existem e potencializam as distorções do sistema
capitalista, mas o que se propõe agora é uma nova forma de interação. Chega-se às últimas
consequências de produção, gestão e controle político financeiros dos espaços prisionais pelo
mercado. No Brasil diversos eventos estão sendo realizados para debater e buscar soluções
para o tema, inclusive com participação das empresas interessadas nesse processo.
Existe um forte apelo midiático sobre a falência das prisões. No ano de 2014, o caso
do presídio de Pedrinhas no Maranhão foi manchete em todos os meios de comunicação
nacional e foram divulgados vídeos das atrocidades cometidas internamente tanto pelos
detentos quanto por funcionários. A população da capital, São Luiz/MA, ficou aterrorizada
com o poder de determinados criminosos que conseguem articular ataques mesmo atrás das
grades. Realmente o confronto ali foi aterrorizante, as facções criminosas entraram em
conflito e o Estado não possuía meios de conter as brigas e assassinatos.
92
Na mídia os presídios privatizados são considerados maravilhosos. A Revista Época25
de 09/06/2014, ao apresentar o tema da Educação em uma prisão de Joinville, deixa claro que
isso só acontece por ser privatizada, o que não é verdade. Existem processos de educação
muito bons em outras penitenciárias do País que não são privatizadas, como o sistema
adotado no Estado do Rio de Janeiro, onde foi criada uma Diretoria Especial para Educação
no Sistema Penitenciário por parte da Secretaria Estadual de Educação e existe um conjunto
grande de funcionários e estratégias relacionadas a garantir o ensino no ambiente prisional.
O medo, a insegurança, a fragilidade do sistema prisional, a corrupção ativa e passiva
dos entes públicos somada a estrutura física, a organização que as empresas especializadas
possuem e ao discurso da falência do Estado criam as condições necessárias para a
privatização das unidades prisionais no País.
O projeto que hoje está implantado em Ribeirão das Neves/MG serve de modelo para
outros Estados que pretendem seguir esse caminho. Podemos observar, na figura 20 a seguir,
os estudos preliminares do projeto arquitetônico para a unidade penitenciária na modalidade
PPP para a cidade de Palhoça/SC. Essa cidade encontra-se na região metropolitana de
Florianópolis/SC, capital do Estado. Em 2013, um caos tomou conta das ruas de Santa
Catarina nas cidades de Florianópolis, Blumenau e Joinville, principalmente. Segundo os
jornais, o clima de terror foi estabelecido por ordens dos detentos.
Por este motivo citado acima uma repressão rigorosa tomou conta dos presídios do
Estado de Santa Catarina; presos eram revistados o tempo todo, colocados em posições
vexatórias, dificultando a entrada de visitas nas penitenciárias, quebrando assim as regalias e
as estruturas hierárquicas. Tudo orquestrado pela elite política do Estado, para que a reação
fosse de descontrole da segurança pública e a lei que indica as PPP’s podiam ser aplicadas, já
que se contava a falência do Estado. O governo do Estado de Santa Catarina é do partido
Democrata – DEM, o que em nosso entendimento não é coincidência, pois esse partido é um
dos maiores defensores do neoliberalismo em nossos País.
25Revista Época nº 836/2014. Agenda Positiva. Uma penitenciária em Joinville aponta a solução para o falido
sistema carcerário. p.66
93
Figura 20 – Projeto para penitenciária em Palhoça/SC. Fonte: http://projetosproinfra.com.br/ Acesso em 10/06/2014.
4.2.2 A APAC- Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados: Outra
Perspectiva.
A prisão tem uma dimensão simbólica fortíssima e sempre foi usada como meio de
demonstração do poder e das relações de hierarquia em uma sociedade, mesmo tendo uma
parcela expressiva da sociedade que encara a pena e a prisão como vingança contra aquele
que delinque. Essa postura de ver na prisão uma vingança vem sendo superada, em outros
países e também no Brasil, por uma visão onde a prisão deve ser humanizada. Este processo é
fruto de muita militância na área e na promoção dos Direitos Humanos pela ONU e outras
agências internacionais.
A experiência da APAC coloca a atual gestão e a arquitetura prisional brasileira em
xeque e lança-nos um desafio: eliminar de vez as expectativas de criação de um espaço
disciplinador perfeito, cujas tecnologias de controle se confundam com a própria idéia de
tratamento penal, e, em seu lugar, gerar uma arquitetura que permita uma maior abertura para
novas experiências de gestão do ambiente prisional (AGOSTINI, 2002).
Esse projeto arquitetônico e de gestão teve a colaboração de várias entidades e
pessoas. O projeto é resultado da luta por mudanças de mais de 30 anos da APAC. Alguns dos
envolvidos são: APAC, Ministério da Justiça, Secretaria de Defesa Social do Estados de
Minas Gerais, Prefeitura municipal e comunidade de Santa Luzia/MG, irmãos Maristas/MG e
94
PUC-Minas. O projeto para o Centro de Reeducação de Santa Luzia/MG é a primeira
proposta arquitetônica específica para uma APAC.
A APAC tem apresentado bons resultados com relação a um dos maiores problemas
do sistema prisional: a reincidência. No Brasil entre os principais problemas está o da
reintegração do egresso no convívio social e a não reincidência desse no crime. Contudo as
taxas de reincidência estão entre 70% e 80% conforme aponta a CPI do Sistema Carcerário
(Câmara dos Deputados, 2009). Podem-se verificar a baixa eficiência das políticas adotadas
na maioria das unidades prisionais dos Estado brasileiros. Na APAC tem-se até 90% de não
reincidência. Veja o modelo geral a APAC na figura 21 abaixo.
Figura 21 – Imagem da APAC Santa Luzia/MG. Fonte: http://www.colaterais.org/files/apac-web.pdf. Acesso em
31/08/2014.
Na abordagem de Foucault, o presídio é um projeto técnico-ideológico da instância
jurídica que atende aos interesses econômicos, políticos e ideológicos da sociedade atual. A
proposta da APAC vai na contramão de uma solução importada, pois faz parte de um longo
processo de aproximação da realidade prisional por parte de seus proponentes. Neste contexto
Santos (2006, p.60) ilustra muito bem a produção do Espaço quando diz:
O estudo do espaço exige que se reconheça os agentes desta obra. O
lugar que cabe a cada um, seja como organizador da produção e dono
dos meios de produção, seja como fornecedor de trabalho.
95
Santos assim confirma a existência de luta de classes e como o espaço destinado a
cada uma destas classes são antagônicos. As prisões nesse cenário são em geral para a classe
dos fornecedores de trabalho. Desta forma temos como contrapor as duas propostas aqui
estudadas, podemos identificar os agentes que estão por traz dessas diferentes propostas e
quais suas motivações. Fica claro que as soluções privatizantes buscam camuflar os
problemas sociais, mascarar os problemas e deixá-los ainda mais distantes da sociedade
através de uma produção e gestão do espaço excludente. Na APAC temos pensadores e
intelectuais orgânicos que se dedicam a uma subversão desses valores, convidando ao
envolvendo com o problema.
Nesta perspectiva de uma nova abordagem em relação à cidade, às pessoas e aos presídios,
temos a construção de uma grande penitenciária para funcionar na modalidade APAC em
Canoas/RS. Nesse caso, o prefeito e o governador são do PT, o que em nossa leitura indica
uma outra tendência. Assim que concluída será a maior penitenciária na modalidade APAC
do País.
4.2.3 Considerações sobre as PPP’s.
A ocupação e produção do espaço depende de vários fatores, como a formação
histórica de um povo, suas relações culturais, o poder ideológico e as condições tecnológicas
em curso. A sociedade brasileira é dividida, não é nada homogênea e apresenta diferentes
propostas de gestão e convivência social no espaço. Essas diferenças podem ser vistas em
diferentes posicionamentos, às vezes contraditórios; no caso dos projetos de gestão
penitenciária não é diferente. Existem duas propostas de projetos prisionais em curso no País,
que podem ser representadas pela unidade da APAC de Santa Luzia/MG e a Unidade PPP de
Ribeirão das Neves/MG. Trazem consigo não apenas diferentes formas de intervenção no
espaço pontualmente e como também diferentes resoluções arquitetônicas. Ao tratar deste
tema, Mitchel P. Roth (2006, p.26 – tradução livre) declara que26:
26
Original: The way a society treats its prisoners can tell you much about its culture. The prison system is in many respects
an excelente prism through which to examine a particular culture. If a prison system is punitive, it might tell us that a
particular society is tired of high crime rates. Or better yet it can convey whether or not a society respects human rights.
(Mitchel P. Roth, 2006.p. 26)
96
A forma como uma sociedade trata os seus prisioneiros pode nos dizer muito sobre
sua cultura. O sistema prisional pode ser um excelente prisma para examinar uma
cultura. Se o sistema prisional é punitivo, isso provavelmente nos diz como uma
sociedade responde as altas taxas de criminalidade. Pode nos revelar se uma
sociedade respeita ou não os direitos humanos.
Essas duas propostas apresentadas encarnam perspectivas totalmente diferentes de
posturas no mundo. Na PPP de Ribeirão das Neves/MG temos a reclusão, o isolamento da
unidade penitenciária do público, o trabalho dos reclusos para servir ao setor privado, os
cuidados de segurança, criação dos projetos sociais e educacionais todos realizados pela
empresa privada. Enfim, todo o cotidiano e territorialidade interna das unidades prisionais
estão sob o controle da empresa parceira do Estado. Já na APAC de Santa Luzia/MG temos
outro entendimento de mundo, uma compreensão das complexas relações a que o ser humano
está submetidos, não o isolando das redes sociais a que faz parte como a família, religião e
comunidade; busca englobar e aproximar a sociedade do processo de (res)socialização dos
presos ou detentos.
São diferentes as formas de abordagem sobre os espaços prisionais no Brasil, que no
fundo refletem diferentes posicionamentos sobre a sociedade e como resolver esses
problemas. Debatendo os exemplos de Ribeirão da Neves/MG e da APAC-Santa Luzia/MG,
que estão presentes no mesmo Estado, temos duas alternativas para este começo de século
XXI para as prisões brasileiras. Essas alternativas carregam consigo todo um complexo que
vai desde a gestão do espaço e passa pela a arquitetura, a localização das prisões na malha
urbana e as consequentes relações sociais que se pretende criar no espaço prisional. A opção
pela aproximação com a sociedade representada pela APAC é muito mais interessante, pois é
uma perspectiva que não esconde, não mascara, não entrega na mão do agente privado os
problemas sociais, mas busca uma forma de enfrentá-lo no dia a dia.
Entendemos que as duas propostas apresentadas são dois projetos antagônicos entre si
e representam uma disputa ideológica que existe em nossos País. Estas opções nos fazem
refletir sobre o processo de exclusão, isolamento e marginalização que estes espaços possuem
em nossa sociedade e em como os grupos capitalistas pensam e se apropriam deles,
oferecendo uma solução que faz da segurança pública e da custódia da vida de pessoas um
negócio. A outra proposta (APAC) nos traz um novo olhar sobre as prisões, o que significa
posicionar-se favoravelmente a uma aproximação da sociedade com os espaços de privação
de liberdade e a partir daí construirmos uma solução.
97
Acreditamos que a APAC supera em muito a proposta de privatizações prisionais.
Primeiro por que a custódia da vida humana não deveria ser objeto de contratos comerciais: as
ações de política pública de ressocialização passam a ser comprometidas com o mercado. O
processo de privatização fragiliza o Estado, reforçando sua ineficiência e permitindo lucros
sobre a prisão de muitos miseráveis. Com o lucro certo com a prisão destes, o objetivos das
empresas será o de criar e recriar esse círculo vicioso, transformando o preso em mercadoria.
98
5.0 ANÁLISE DA ÁREA DE ESTUDO.
Vamos analisar com detalhes o objeto de estudo, o Centro de Ressocialização de
Cuiabá (CRC), onde nos deparamos com uma diversidade de elementos interessantes, todos
os quais infelizmente neste trabalho não poderemos abordar. Outros estudos merecem ser
realizados para uma aprofundamento da realidade prisional no Estado. Neste trabalho, como
ressaltado anteriormente, estaremos interessados no controle e domínio do espaço pelos
grupos que compõem a prisão. Ressaltamos desde já o poder exercido pelas Igrejas
Evangélicas na disputa pelo território e na construção de territorialidades e cotidiano da
prisão. As prisões são objetos tecnológicos que possuem uma forte carga ideológica e
simbólica socialmente, carregando estereótipos e preconceitos. Além do projeto arquitetônico
que determina o acesso, fluxos de pessoas e materiais, os usos dos espaços e os critérios de
ventilação, iluminação e estética, o espaço prisional, assim como todo espaço onde há
presença do ser humano, está repleto de tramas, nós, redes, controle, que encerram as relações
de poder, de cooperação, os conflitos e as contradições sociais.
Em uma rápida apresentação da unidade prisional, pode-se dizer que esta é dividida
em duas Unidades (I e II); e essas divididas em corredores, alas e celas. A Unidade I é a
maior, mais antiga e possui dois corredores (A e B). A Unidade II é menor; é também é um
espaço privilegiado, chamado “conteiner” por ser de material metálico. O motivo pelo qual o
chamamos de privilegiado é que as celas abrigam apenas quatro presos em cada uma, um
número muito baixo quando comparado a outras celas da prisão. Esta lotação da cela é a
correta, segundo o projeto arquitetônico, existindo ainda outras facilidades e comodidades
para os presos que estão nesta unidade. Na Unidade I a superlotação é esmagadora. Nesse
espaço em especial o poder das igrejas evangélicas é imenso.
O espaço dentro da unidade I é dividido entre as Igrejas. O corredor B é dividido entre
a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Deus é Amor e a Igreja Caminho para Todos,
sendo que a Igreja Universal ocupava o maior espaço, controlando mais alas e celas até 2012,
ano em que começa a perder espaço. O corredor A é controlado pela Igreja Assembléia de
Deus, maior igreja dentro da unidade. No território controlado por essas igrejas, são elas que
determinam o que os reclusos podem ouvir nas rádios, as roupas que podem vestir (calça ou
bermuda), como são os procedimentos de visita, as rotinas de cântico e cultos, etc. Segundo
99
um dos entrevistados, que hoje se encontra no regime semiaberto e não é evangélico, ele
relata que:
Entrevista R: A igreja forçava muito a barra a questão do jejum. Ficar sem comer
até 2 horas da tarde. Nunca concordei com isso.
Esta fala traz uma atividade cotidiana no presídio do CRC, onde a força das igrejas
evangélicas para estabelecer o que os presos podem ou não fazer é quase absoluta.
Apresentaremos neste trabalho como este controle é territorializado, apresentando a prisão e
seus diferentes espaços internos, descrevendo como cada um deles possuem grandes
particularidades e representam diferentes relações sociais e comportamentos dos homens
presos.
Ao estudarmos o ambiente prisional, vamos nos ater ao que consideramos essencial no
conjunto dos seres humanos ali presentes, pois são eles que constroem e se apropriam do
espaço social. O que vamos ressaltar é que esse conjunto de pessoas não é homogêneo,
levando à existência de diversas estratégias segregacionistas dentro deste espaço. Nesse
contexto vale lembrar Arguirre, ao tratar do tema das prisões no período colonial latino
americano (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, p. 64), que afirma:
O comportamento dos presos variava muito em função da instituição em que
estavam detidos, sua condição individual (sexo, lugar de origem, condição racial ou
étnica, status social, a duração de sua sentença) e as relações particulares que se
estabeleciam entre eles, os guardas e as autoridades. A primeira conclusão a que se
chega é que os presos sempre buscaram, freneticamente, conseguir mais autonomia e
um maior poder de negociação em torno das regras de funcionamento da prisão,
tanto no interior da comunidade de encarcerados como entre estes e os guardas e
oficiais de justiça.
O espaço é uma arena de conflito e demonstração de poder, onde as estruturas que
comandam a sociedade impõem sua lógica. Veja a afirmação de Arguirre em Maia, Netto,
Costa e Bretas (2009, p.62) quando analisam a história das prisões no Brasil e a já constatada
criação de privilégios:
Em termos da administração das prisões, a classificação e separação de presos,
segundo sua condição racial, não foi legalmente implementada, mas as divisões e
tensões raciais influíam claramente sobre as formas e a administração do castigo, a
destinação de espaço físico e a distribuição de recursos e privilégios.
O espaço prisional é complexo e multifacetado; compreende-lo em sua totalidade é um
desafio. Entendendo que o foco de nossos estudos é o espaço prisional pela ótica geográfica,
espaço esse produzido e ocupado pelos seres humanos e suas relações, Santos (2006, p.145)
declara: “(...) o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma
100
estrutura subordinada subordinante. E como as outras instâncias, o espaço, embora submetido
à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia.”
Os processos externos que acompanham a nossa sociedade burguesa e capitalista
como a segregação espacial, econômica e social são reproduzidos e produzidos dentro das
unidades prisionais, em condições e de formas específicas que este espaço impõe. Essas
instituições privam os seres humanos de liberdade com o discurso de proteção da sociedade e
ressocialização dos seres humanos, esses homens que logo estarão de volta às ruas; pois no
nosso País não existem pena de morte ou prisão perpétua. Entendermos o que esses homens
fazem dentro das unidades é fundamental, no debate sobre para que servem as prisões.
O que sustenta toda essa estrutura insustentável segundo Foucault (2011) são as
formas de relação do poder que são codificadas pelo Direito. Entendendo que não existe
neutralidade do Direito (codificação e interpretação política do poder). Ele faz uma análise de
como nascem os comportamentos e direitos da classe dominante sobre o poder de punir e das
leis. A partir do momento que o capitalismo se desenvolve, os suplícios vão se tornando a
marca do Antigo Regime na França e muda-se a configuração e formas políticas e como as
margens da ilegalidade e legalidade atuam. A análise de Foucault colabora com nossa
indicação de que a prisão não é um espaço para todos, mas para determinado segmento da
população. As prisões são instrumentos do poder que mantém a divisão de classes, que se
internaliza na sociedade como um espaço de exclusão.
5.1 Localização e História do Centro de Ressocialização de Cuiabá.
Ao determinarmos as coordenadas geográficas da unidade penitenciária do Centro de
Ressocialização de Cuiabá, não queremos apenas o endereço da prisão, mas buscamos
significados mais profundos. Estamos interessados em uma compreensão ampla do
significado e importância que o lugar que ocupa uma penitenciária possui. Existe um forte
significado simbólico associado às prisões.
Além deste significado simbólico, podemos ler no espaço urbano um processo de
segregação e hierarquização na localização das prisões. Os lugares destinadas às prisões na
malha urbana são a periferia. Quando uma prisão foi construída em bairros nobres, ou ao lado
de shoppings centers, bancos, empresas de ações ou mesmo órgãos públicos? Raras são
situações onde existem esta realidade e, quando existem, estamos diante de um processo de
101
crescimento da cidade descontrolado e inesperado27, e que em muitos casos tem a demolição
da prisão como solução e a construção de outras no interior do Estado ou em outras regiões da
cidade, sempre as afastando do centro do poder. Como é o caso do Centro de Ressocialização
de Cuiabá, situado no Bairro Novo Mato Grosso, próximo ao bairro Carumbé, em análise.
Poderíamos pensar, erroneamente, pelo que nos é transmitido pela mídia e pelo senso
comum, que as prisões são abandonadas, esquecidas e sem função social definida. Ledo
engano: as prisões são espaços planejados. No conjunto de ações do Estado e dos detentores
do poder existem razões e motivos para as prisões serem como são. Identificar essas intenções
e desvenda-las é o papel da pesquisa social. O Estado produz o espaço urbano em diversas
dimensões, possui instrumentos claros para isso; um deles é a legislação.
O Plano Diretor Municipal é uma lei municipal que tem o papel ser um guia para o
planejamento municipal com relação ao uso e ocupação do solo, sendo a base para a política
de desenvolvimento urbano. Através de índices, regras e normas para a construção na cidade
são estabelecidos o grau de urbanização, infraestrutura e índices urbanísticos para cada
localização da cidade. Este plano deve sempre ser elaborado pensando-se em diferentes
dimensões: ambiental, socioeconômica, cultural, política e de inclusão. Acontece que na
prática a terra é capital e isso nos leva a planos diretores que consequentemente distribuem os
valores que os terrenos têm em uma cidade. Os territórios, os limites, os acessos, os vizinhos,
a infraestrutura, tudo é levado em conta ao se pensar onde será construído um edifício público
ou um loteamento. Em nossa sociedade, ao ocuparmos um lugar, estamos também ocupando
um lugar na hierarquia social. Neste sentido ensina Kotanyi e Vaneigem, (1953 apud Felício,
2007, p.12): “de fato não se mora em um bairro de uma cidade, mas em algum lugar da
hierarquia”. (A figura 22 a seguir mostra a localização no mapa da cidade de Cuiabá da
penitenciária do Centro de Ressocialização de Cuiabá – CRC). Em seguida, na figura 26,
apresentamos o CRC no contexto da evolução do perímetro urbano de Cuiabá, relacionando a
cidade à unidade penitenciária em estudo. Já na figuras 23 e 24, vamos indicar como é o uso e
a ocupação do solo nas regiões de entorno ao presídio. Na figura 25, estaremos apresentando
uma montagem de fotos para caracterizar o aspecto de acesso ao presídio.
27 Em 2002 o presídio do “Carandiru” foi implodido. Em 2011 o presídio “Frei Caneca” foi demolido no Rio de
Janeiro. Ambos ocupavam espaços residenciais depois de 100 anos de construção. Fonte: http://blogs.estadao.com.br/arquivo/2011/05/13/ascensao-e-queda-do-carandiru-da-primeira-pedra-a-implosao/.
Acesso 02/09/2014.
102
Figura 22 - Localização da Unidade Prisional CRC. Fonte: Dados da Prefeitura de Cuiabá. Org. Rosinaldo Silva/2014.
103
Figura 23 - Evolução Urbana de Cuiabá. Fonte: Prefeitura de Cuiabá. Organização: ALMEIDA.G/2014.
104
Figura 24 – Uso e ocupação do solo ao redor da Unidade do CRC. Fonte: Google Earth/Abril de 2014. Modificado por ALMEIDA, G.
105
Figura 25 – Espaço imediato ao redor da unidade prisional. 1 - Ponto de ônibus; 2 - Lanchonete e restaurante; 3 - Perfil dos edifícios do Residencial São Carlos; 4 -
Visitas no portão da unidade. Fonte: 1,2 e 3 Guilherme Almeida Abril/2014. 4 - Leandro Nascimento, disponível em: http://g1.globo.com/mato-
grosso/noticia/2013/07/visita-em-presidios-de-cuiaba-e-cancelada-devido-greve-e-gera-tumulto.html. Acesso 27/04/2014.
106
Através destes mapas exploramos os arredores do CRC, evidenciando, por exemplo,
que o espaço escolhido para construção da penitenciária no ano de 1974 (quando fora
projetada) era distante do fluxo de pessoas, do comércio, logo, das regiões centrais e fora do
perímetro urbano. O discurso que justifica essas escolhas é a garantia da segurança, contudo,
através de uma observação mais atenta, conseguimos ver que o que mantém a segurança nas
unidades prisionais não é o poder estatal, mas sim um acordo entre as lideranças dos presos e
os agentes públicos. Esse acordo inclui facilidades, mordomia e privilégios. Logo a segurança
não pode ser uma questão de onde estão as prisões somente, mas de uma complexidade de
relações – entre elas a localização.
No mapa acima (figura 25), podemos observar que a unidade prisional encontra-se
hoje cercada de bairros residenciais. Na época em que foi planejada (1970-1974) e executada
(1978) não. Acompanhando a figura 26, podemos observar a evolução urbana do município
de Cuiabá, a partir do núcleo antigo, observando que existem alguns eixos de expansão da
cidade. Um desses eixos foi o da Av. Rubens de Mendonça, ou Av. do CPA, como é
conhecida. Este eixo está inserido dentro um grande projeto de expansão e modernizada da
capital mato-grossense dos anos 70 do século XX, quando foi criado o Centro Político
Administrativo do Estado (CPA). Nesse setor concentram-se as edificações do poder público
estadual, notamos que o presídio foi construído nessa direção da cidade.
A localização do Presídio do Carumbé (hoje CRC) era zona rural (ver figura 26). Já
no começo do seu funcionamento em 1978 passou a ser zona urbana. Na figura 27, notamos o
uso e ocupação do solo no entorno da prisão, sendo que bairros residenciais estão ao seu
entorno e todos são de baixa renda. Na mesma Av. do CRC – Av. Gonçalo Antunes de Barros
– concentram-se diversas edificações públicas, incluindo o Centro Socioeducativo para
menores em conflito com a lei. Muitos dos atuais moradores do CRC foram menores que
passaram pelo Centro Sócio Educativo. É comum os professores que lecionaram no Centro
Sócio Educativo reconhecerem antigos estudantes no presídio. Esses contam histórias das
suas vidas criminais no tempo que eram menores de idade. Esse triste fato evidência a
fragilidade do sistema em conter a criminalidade e propiciar novos rumos para os menores em
conflito com a lei.
Nos chama atenção a construção de uma universidade evangélica ao lado do presídio.
Não conseguimos muita informações sobre a edificação. O que sabemos é que existe uma
pressão para a mudança do CRC de lugar: uma das ideias defendidas é a de se construir um
107
novo presídio próximo da Colônia Penal Agrícola, que fica no caminho para a cidade de
Santo Antonio do Leverger e lá ser implantado um presídio industrial para onde os presos do
CRC seriam deslocados.
Reconhecemos que o presídio do CRC teve sua origem na mesma lógica excludente
de tantos outros presídios pelo Brasil na mesma época, sendo edificados em regiões distantes
da cidade. No processo de ocupação do espaço capitalista, existem regiões menos valorizadas
pelo capital. Estes são os espaços de moradia da classe proletária, que vai residir ao redor do
presídio por falta de opção, em alguns casos, e em outros até por iniciativa do Estado.
Algumas das ocupações residenciais ao redor do presídio do CRC foram incentivadas pelo
poder estatal quando buscava retirar morados do bairro Alvorada, antigo Quarta-Feira,
ficando evidente a lógica por trás da produção das moradias populares que vigora em nossa
sociedade capitalista – a da exclusão.
Nos anos 20 do século XX, ao visitar a Cadeia Pública da Capital, o então governador
do Estado de Mato Grosso Mario Corrêa da Costa (1926 apud Pinho, 2007, p.117), constata
uma situação de total abandono da mesma e declara que:
É de pena a impressão da primeira visita que fiz a esse estabelecimento. A cadeia
pública da Capital apresenta hábitos primitivos, não existindo a mais elementar
higiene. Os presos não têm cama para dormir, sendo que as poucas que ali estão
acham-se todas desmanteladas, com estrados em frangalhos, sem colchões, sem
travesseiros e sem lençóis. As prisões não têm luz, nem ar, conservando-se fétidas,
porquanto a defecção dos presos é feita dentro das próprias celas, em latas vazias de
querosene.
O Centro de Ressocialização de Cuiabá do Estado de Mato Grosso (antigo Presídio do
Carumbé) foi inaugurada no ano de 1978, tendo sido projetado na época para ser Cadeia
Pública, mas se tornou uma penitenciária. Desde sua criação, a Penitenciária sofreu várias
reformas, mas foi no ano de 2005 que transformou-se em CRC - Centro de Ressocialização de
Cuiabá (OKADA, 2010, p.44).
Esse estabelecimento penal é caracterizado como órgão público estadual, cujo ramo de
atividade é a segurança pública e não possui fins lucrativos. Possui capacidade projetada
inicial de lotação para 392 sentenciados. Com a ampliação da unidade II (“contêiner”), a
unidade passou a possuir a capacidade para 470 detentos. Hoje conta com uma população de
presos aproximadamente 90028 homens que ali cumprem penas privativas de liberdade em
regime fechado. Alguns presos são condenados e outros provisórios, caracterizando-se
28 Reforçamos que o número de presos varia muito, e que, como dito anteriormente, o número vem diminuindo
em MT.
108
somente como reeducandos do sexo masculino, em geral os presos ali são considerados de
baixa periculosidade.
O Estado de Mato Grosso possui 65 (sessenta e cinco) estabelecimentos penais entre
penitenciárias, cadeias de albergado e cadeias públicas compondo o Sistema Prisional do
Estado, subordinados à Superintendência de Gestão de Penitenciária, que, por sua vez, fica
subordinada à Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária (SAAP). Como instância de
execução penal, o Centro de Ressocialização de Cuiabá tem como principal objetivo, segundo
o discurso oficial, a ressocialização dos seus internos. Entretanto, apresenta uma realidade
comum a diversas unidades prisionais, onde existem diversos problemas e o domínio do
espaço é constantemente um e a existência de poderes paralelos ao Estado se faz presente.
A mudança de nomenclatura – de Presídio para Centro de Ressocialização – faz parte
de uma estratégia relacionada ao cenário nacional: a busca por uma nova forma de gestão das
unidades prisionais mais humanas, promulgada e divulgada por diversos autores frente à
falência do sistema penitenciário, entre eles Mario Ottoboni, um dos fundadores da APAC29.
O modelo de Centros de Ressocialização tem sua inspiração em experiência iniciada na
cidade de São José dos Campos – Estado de São Paulo – no ano de 1972, o qual,
posteriormente, se colocou como exemplo para outras experiências em âmbito nacional e
internacional. Essa mudança prevê que a ressocialização seja pautada em três pilares
fundamentais, que são: trabalho, educação e religião, entre outras estratégias como tratar o
preso pelo nome, usar o termo reeducando ao invés de “preso”, buscar impedir a agressão e
violência contra os reclusos.
A figura 29 abaixo ilustra o discurso que se ouve dentro da unidade prisional e nos
encontros sobre o tema. Presos, agentes penitenciários, gestores da unidade e demais
envolvidos repetem um discurso conservador, onde o ser humano, através do trabalho, estudo
e religião, poderá atingir uma vida digna na sociedade. A história de vida dos presos, as
condições sociais de boa parte da sociedade, a existência da luta de classes: nada disso existe
nos discursos e práticas ressocializadoras. Existe ainda um processo de exclusão baseado
neste discurso: muitos presos que não estudam e também não trabalham na prisão são
acusados de serem preguiçosos e de não colaborarem com o sistema; por isso, estão excluídos
29Fundada em 1974 no município de São José dos Campos, a APAC é uma entidade não governamental, atuando
sob a fiscalização do Ministério da Justiça e de Secretarias de Estado, que tem como objetivo implantar um novo
processo de acompanhamento e reabilitação de presos nas unidades que administra. Tem raízes nas pastorais
carcerárias e na militância pelos Direitos Humanos.
109
de trabalhar e estudar. Estes presos são preteridos nas atividades por não se enquadrarem nos
padrões estabelecidos e não estarem fazendo parte dos esquemas para garantirem esse acesso,
sendo que que não existe espaço físico para todos os presos trabalharem e estudarem na
prisão, o que colabora nesta seletividade duvidosa.
Figura 26 – Ilustração da tríplice que sustenta o discurso de ressocialização. Fonte: ALMEIDA. G /2014.
Em 2005, através do Diretor Dilton Mattos da Freitas, a gestão do CRC deu início a
esse processo para uma criação de um “centro de ressocialização” e começou realizando
algumas reformas na instituição a fim de conseguir um novo modelo de unidade prisional.
Essas reformas foram tanto na estrutura física, quanto no comportamento dos servidores e
presos. O espaço físico era insuportável, extremamente úmido, sem banheiros adequados,
conforme fotos 2,3,4,5 e 6 a seguir. Em 02 (dois) anos uma grande reforma iniciou-se na
unidade, lembrando que estes processos foram possível graças à parceria com juízes de
execução penal, lideranças religiosas, voluntariado, empresários, deputados estaduais e
principalmente os próprios presos. O juiz de execução penal, por exemplo, permitia que
multas aplicadas a empresas fossem destinadas a reforma da unidade prisional. Sem esse
processo de articulação não existiriam mudanças, o poder executivo estadual não as fariam.
Veja as fotos 2 e 3 abaixo; observa-se na foto 2 que o “contêiner” ou unidade II não existia, as
fotos 5 e 6 demostram como eram o interior das celas:
110
Foto 2- Imagem aérea do CRC 2005. Fonte: Direção do CRC/ 2010
Foto 3- Corredor CRC - 2005. Fonte: Direção CRC/
2010.
Foto 4- Alas CRC – 2005. Fonte: Direção CRC/ 2010.
111
Foto 5 - Banheiros dentro dos cubículos. 2005.
Fonte: Direção CRC/2010.
Foto 6 - Cubículos (celas) 2005. Fonte: Direção do
CRC 2010.
Algumas das mudanças nesse período na estrutura física foram: reforços nas paredes,
pisos, concretagem, fossos de areia, construção de novas alas independentes, galerias,
muralhas e guaritas com o objetivo de fornecer melhores condições de segurança e
infraestrutura para que os projetos iniciais tornassem efetivamente realidade a ressocialização
dos presos.
Em 2012, tivemos uma mudança de gestão da unidade e as mudanças continuaram a
acontecer na gestão do diretor Winkler de Freitas Teles (continua como diretor em até
Setembro de 2014). Algumas foram implementadas no fim de 2012. Mudanças significativas
na penitenciária foram implantadas nesta gestão como: reformas na estrutura física da unidade
com novas pinturas, limpeza da prisão, construção de refeitório para os agentes penitenciários
em plantão30 e manutenção das oficinas de trabalho. Contudo são mudanças que merecem
nossa análise especial no que tange ao território, pois ali estamos diante de uma ação que
mascara os problemas existentes no presídio. Não existe uma nova distribuição do poder ou
menor segregação espacial, pois essa prática continua presente no espaço prisional do CRC.
30 É importante destacar que apenas os agentes penitenciários em plantão (turno de 24h e folga de 72h) podem
usar o refeitório. Os outros agentes cozinham em outros espaços da unidade ou almoçam na rua. Existe um certo
conflito entre agentes de plantão e os de expediente (turno de 8h diárias), sendo que os agentes podem trocar de
uma modalidade a outra.
112
Entramos em contato com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH/MT
– para obtermos maiores esclarecimentos sobre quais são os procedimentos que a instituição
adota para a manutenção, reforma e projetos das unidades penitenciárias do Estado.
Recebemos a resposta que reproduziremos aqui, a CI nº 16 abaixo, esclarecendo alguns
pontos nesse tema, contudo, entendemos que existe um grave problema nestas respostas.
Primeiro, ao observar como são realizadas as manutenções na unidade, observamos na prática
que boa parte do processo é organizado localmente entre a gestão da unidade e os presos.
A gestão da unidade prisional consegue os materiais de construção a serem utilizados
como: pedra, cimento, madeira, tijolos e os presos realizam o trabalho com profissionais, pois
muitos dos presos possuem profissão como: pedreiros, pintores, eletricistas entre outros. Os
materiais de construção vêm de empresas que doam, apelo da gestão a parlamentares ou
através de decisão judicial, onde empresas que foram multadas pagam estas multam
encaminhando material de construção para o presídio. Sobre projetos de arquitetura ou
engenharia, podemos garantir que não existem para manutenção do edifício: são os presos e
alguns funcionários do sistema penitenciário que realizam todo o trabalho; não existe uma
ação coordenada e planejada por parte da secretaria responsável.
Os projetos de engenharia e arquitetura que a equipe da SEJUDH se refere a Circular
Interna CI nº 16 a seguir, são para a construção de novas unidades no interior do Estado. As
unidades já construídas não possuem qualquer tipo de acompanhamento técnico, até porque o
corpo técnico é insuficiente para esse trabalho e não existe interesse, pois já conversamos com
alguns técnicos e um deles foi categórico: para ele ir realizar seu trabalho, os presos deveriam
ser deslocados, por medida de segurança. Essa postura identifica o entendimento dos técnicos
(engenheiros e arquitetos) do setor. Eles estão alheios à vida dentro das prisões e também às
relações existentes dentro delas; trabalham no gabinete.
114
5.2 Estrutura do CRC: Os setores e as territorializações.
Neste capítulo detalharemos alguns pontos já abordados e nos aprofundaremos no
debate da Unidade Prisional em análise – o Centro de Ressocialização de Cuiabá. Depois de
uma aproximação do ponto de vista físico, trataremos da espaço social abordando o território
da prisão, as territorialidades produzidas no seu interior e o cotidiano. Traremos detalhes dos
grupos sociais que se apropriam deste espaço prisional e abordaremos ainda um dos temas
mais relevantes para a prisão: a Educação.
Existe um significativo avanço no sentido de garantir direitos em curso nas unidades
penitenciárias deste País e sem dúvidas o acesso à educação é um deles. Esta ação está
instituída como política pública nacional, através de diversos documentos e instrumentos,
115
contudo, ainda não conseguiu se universalizar e atender a todos os presos. Sem dúvidas é
louvável os esforços para que gradativamente ações educativas ganhem espaço: onde tais
ações existem, conseguem mudar o cotidiano da prisão.
A estrutura física do CRC é apresentada na figura 30 a seguir, através de um croqui.
Este croqui ajuda a entender como se divide a unidade espacialmente. Um eixo de leitura
espacial que começa no setor externo e estende-se até o fim da unidade guia nossa análise.
Este procedimento permite que o nosso estudo esteja baseado em uma perspectiva do
caminhar pelo presídio, onde temos que iniciar pelo acesso externo e ir gradativamente
atingindo ambientes mais íntimos. Este desenho destaca os setores, pois a vida penitenciária
depende deles. Tanto a estrutura física quanto as relações sociais espacializadas da unidade
estão divididas em setores.
Existe um anexo na estrutura do CRC onde funciona uma casa de albergados. Como
informamos no desenho, esse espaço não será objeto de nossa análise: destina-se aos presos
que estão cumprindo prisão em regime semiaberto, passando o dia fora, trabalhando e/ou
estudando e voltam à noite para dormir. A complexidade da rotina, acordos, fugas e demais
problemas que existem na casa do albergado é tamanha que consideramos um universo à parte
do CRC. Apenas indicamos aqui a sua existência deste. Pertencente ao CRC, esses espaços
são separados, pois coexistem por um muro de alvenaria separando os mesmos. São
absolutamente diferentes, como dois mundos.
a) Setor Externo:
São 04 (quatro) setores que compõe o CRC; estes setores são ao mesmo tempo
planejados e segregados internamente. Isso se deve, em parte, ao projeto que prevê a
possibilidade de se isolar motins caso estes aconteçam. Essa é a ideia defendido por este
projeto de prisão. Na figura 04 (p.51), apresentamos o Fluxograma Geral das prisões no
Brasil, onde a doutrina arquitetônica prisional ensina que o planejamento é o da segregação.
Indo além do planejamento físico, notamos que existe uma territorialidade marcada nestes
setores, pois em cada um deles temos o controle por parte de algum dos grupo existentes no
presídio. As rotina de cada um desses setores indica que não existe uma articulação entre eles.
Cada setor cuida do seu trabalho e não sabe como anda ou o que está acontecendo no resto da
unidade em detalhes, apenas superficialmente.
116
Figura 27 – Croqui da Estrutura Geral do CRC Fonte: Guilherme Almeida/2014.
Eix
o d
e le
itura
esp
acia
l
117
Um dos detalhes que evidenciam a autonomia de vida que cada setor possui é a
existência em um de uma copa, ou pequeno refeitório em cada setor, o que leva a uma
segregação, pois os funcionários de cada setor se alimentem juntos e não se misturam com os
demais funcionários da unidade. Esta prática é importante e reforça o sentimento de
isolamento interno e desunião entre o membros que trabalham ali. Quando se pensa em um
espaço que crie a união, as pessoas deveriam se alimentar juntas: isso é símbolo de comunhão.
O setor externo é onde as famílias esperam para acessar o presídio e também é onde
fica o estacionamento de veículos do presídio. Não existe a menor consideração pelos
familiares dos presos; eles devem esperar sem conforto, água, sanitários ou um servidor que
os atenda com dignidade. Muitos desses familiares vêm de longe, existem muitas mulheres
que mantém relações sexuais dentro das unidades prisionais durante as visitas íntimas e não
tem onde se banhar depois. A foto 7 abaixo ilustra como é a fila para entrar na unidade nos
dias de visita. Observa-se muitas mulheres com mantimentos para os presos. O promotor de
Justiça Joelson de C. Maciel31 (In Câmara dos Deputados, 2008, p. 56) declara que:
Em relação também ao Centro de Ressocialização, que antigamente chamavam de
Carumbé, hoje tem outro nome, também houve um inquérito civil público para que
fosse mais humanizado. Principalmente, a preocupação do inquérito civil era com o
atendimento aos familiares, porque vocês viram como o sol é forte aqui em Mato
Grosso. Imaginem um familiar, como falou o Dr. Marcos, que vai a pé, ou pega 3, 5
ônibus, acorda de madrugada e tem de ficar na fila, tomando sol, para levar comida,
carregar peso — uma senhora idosa, por exemplo —, sem qualquer assistência. A
preocupação é dar assistência também ao familiar. Esse é outro termômetro. Se você
atende bem a um familiar do preso, automaticamente, ele fica tranqüilo no
cumprimento da pena. (Ortografia antes de 2012)
Foto 7 – Familiares na porta do CRC. Foto: NASCIMENTO. Leandro /2013
31Joelson de Campos Maciel – Promotor de execução penal em 2008.
118
Foto 8 – Chegada do “jumbos” à unidade. Fonte: ALMEIDA.G./2014.
Na foto 8 acima pode-se observar a entrada desses mantimentos ou “jumbos”32 dentro
da prisão. Esses jumbos sempre foram muito importantes para os presos, pois durante muito
tempo foi a forma de entrada de produtos diversificados para eles. Outro fato importante neste
processo das visitas é a notória diferenciação no tratamento às pessoas que buscam acesso a
unidade prisional. Os funcionários do sistema, professores, visitantes ilustres são todos bem
tratados e a revista é bem simples, apenas conferido se não existem celulares e armamentos,
sem muito rigor ou constrangimento. Já com a família dos sujeitos presos, a revista é muito
mais vexatória e busca-se descobrir a todo custo objetos proibidos.
Os dias de visita merecem uma consideração especial, são considerados sagrados para
muitos presos. Eles são como brisas que trazem esperança e dentro da cadeia muita coisa
muda. O comportamento, a higiene, a educação, a configuração do espaço dentro das Alas, o
acesso aos presos, as mercadorias dos presos etc. Quando o preso possui família que o visita,
este sem dúvida é o maior laço de humanidade que ele possui. Os dias de visita são como
festas para muitos. Algumas dessas visitas vêm de longe, saem de casa e pegam duas ou três
conduções para chegar até o presídio. Note-se que são em geral mulheres: mães, esposas com
os filhos e irmãs; Pais, irmãos e amigos são exceções dentro da cadeia, uma questão de gênero
bem marcada, que pode ser motivo de futuras investigações. A tabela 8 abaixo nós dá uma
perspectiva deste quantitativo.
32 São os sacolões com alimentos, produtos de higiene, presentes e outros que as visitas trazem nas visitas.
119
Tabela 7 – Visitantes. Fonte: Relatório da Direção/2011
VISITAS MÊS DE FEVEREIRO 2011
ESPECIFICAÇÕES TOTAL Mulheres 2529 Homens 225 Crianças 295
Total 3.049
Gráfico 8 - Visitantes. Fonte: Relatório da Direção/2011
Um das estratégias para se conseguir uma humanização nos presídios e também um
acordo com os presos foi o de permitir 04 (quatro) dias de visita na prisão, ressaltando
também que o número de presos a serem visitados é grande para apenas dois dias de visitas, o
que levou a gestão da unidade desde de 2005 a colocar mais dois dias de visita. Além dos fins
de semana, sábado e domingo, que são dias de visita em todos as unidades penitenciárias do
Brasil, foram instituídos as terças e quintas feiras para suprir a demanda. Um dos motivos que
justificou esta mudança foi o fato de que muitas das visitas chegavam até os portões da
unidade e simplesmente não conseguiam entrar devido as enormes filas que se formavam. Um
acordo entre direção e lideranças dos presos estabeleceu novas regras, permitindo que as
visitas não passem tanto tempo nas filas, também por outros motivos que facilitam as visitas
para os familiares como não atrapalhar no trabalho daquelas visitas que trabalham no fim de
semana, cuidando dos filhos, entre outros casos. Nos fins de semana continuam existindo um
número maior de visitas.
120
No fim de 2013, com a greve dos agentes penitenciários, o efetivo de trabalho foi
reduzido à 30%, comprometendo a visita dos presos. Familiares e visitantes atearam fogo na
rua contra a proibição das visitas. Proibir a visita na prisão é uma das estratégias dos agentes
para chamar a atenção do público para as suas causas. Sem dúvida é essa a medida que mais
atinge os presos e as visitas, causa indignação, revolta e o perigo de motins. Veja foto 9 a
seguir:
Foto 9 – Protesto dos familiares dos presos. Fonte:http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2013/07/visita-em-
presidios-de-cuiaba-e-cancelada-devido-greve-e-gera-tumulto.html. Acesso 26/04/2012.
Durante as visitas o ambiente é todo preparado, em espacial na Unidade I, onde
existem muitos presos e pouco espaço para intimidades. Uma diversidade de estratégias é
utilizada. Nesses dias, as atividades começam bem cedo. Por volta de 5h acordam e começam
a organizar a fila do banho. Outros ocupam-se da faxina pesada dos ambientes, alguns vão
preparar as tendas que são construídas nas alas para permitir uma intimidade com a visita e
também proteger do sol escaldante de Cuiabá. Hoje quase todas as alas da prisão estão com
uma varanda para o conforto dos presos e das visitas, conforme foto 10 abaixo:
121
Foto 10 – Cobertura construída pelas presos. Fonte: Direção da Unidade/2012.
A visita tem dois turnos, início às 9h da manhã e com início às 14h. As pessoas que
entrarem às 9h podem ficar até às 12h ou até às 16h. As que entrarem 12h até as 16h
impreterivelmente. Os presos se vestem com suas melhores roupas para receber as visitas, ou
mesmo para receber recepcionar a visita dos outros presos. Os presos que não possuem
visitas são encaminhados às igrejas para atividades religiosas usando roupas sociais, existindo
todo um cuidado especial e respeito com aqueles que recebem visitas íntimas. Como não
existe espaço destinado para isso, a visita íntima é realizada dentro dos cubículos (celas), onde
apenas os presos com visitas íntimas permanecem, sendo que a separação das camas é
realizada por cortinas. Outros presos ficam no pátio das Alas ou nas Igrejas.
Conforme podemos observar nas fotos apresentadas acima, (fotos 7 e 8, páginas 117 e
118) a visita é fonte de diversificados produtos. Estas sacolas coloridas com mantimentos na
foto 8 são os “jumbos”. Estes produtos são destinados em parte para comércio interno da
prisão, para consumo do preso que recebe a visita ou para atender aos presos todos da cela em
ação “comunitária” organizada pela igreja. Existe uma dinâmica de “solidariedade imposta”
em algumas alas da unidade prisional, em especial as evangélicas, onde 50% de todos os
mantimentos que chegam aos presos são obrigatoriamente dividido entre todos, entre aqueles
que receberam de suas famílias e os que não tem visitas. Essa política de forçar a distribuição
de bens é uma forma de evitar os conflitos entre os presos que possuem visitas regulares,
sendo uma ou até duas vezes na semana e os que não possuem nenhum tipo de visitas. Os
presos sem visitas são conhecidos por “forasteiros”, presos que estão aqui em Cuiabá, mas
suas famílias em outros Estados ou cidades distantes da capital e sem condições para realizar
as visitas.
122
As figuras 28 e 29 a seguir representam a divisão territorial do espaço prisional nos
dias de visita. Nesses dias de visita não existem aulas33, mas as atividades religiosas são
intensas principalmente no corredor que não tem visita. A prisão é dividida de tal forma que
existem visitas em uma parte da unidade nas terças e sábados e em outra parte nas quintas e
domingos. Onde se recebe as visitas, os outros presos e mesmo agentes penitenciários buscam
não entrar, a não ser quando estritamente necessário, conferindo o máximo de privacidade
possível.
As práticas que podem ser realizadas dentro de cada Ala nos dias de visita dependem
da religião à qual está Ala é submetida. Pois nas Alas religiosas os encontros íntimos só são
permitidos aos casados ou aqueles que possuem compromisso há mais de 6 meses com uma
mulher e só pode receber ela. Já nas Alas ímpias os presos tem muito mais liberdade para as
visitas íntimas.34 Ressaltamos ainda que existem presos privilegiados que através de contatos
com a gestão da unidade ou com agentes penitenciários conseguem visitas em dias que não
são os agendados para esta atividade. Todas as formas possíveis de privilégio existem dentro
de uma unidade penitenciária.
Figura 28 - Visitas no Corredor B. Fonte: ALMEIDA.G/ 2014.
33Até o ano de 2013 existiam aulas às terças-feiras, mas uma ordem da gestão da unidade acabou com esta
atividade em 2014. 34 Merece um estudo a relação entre os presos e suas esposas, namoras e amantes. As relações são intensas e em
grande quantidade; muitos homens começam romances estando presos.
124
b) Setor da Guarda Externa:
Esse setor foi administrado pela Polícia Militar do Estado até o dia 27/12/2013,
quando teve sua transferência para os agentes penitenciários, que há muitos anos vem
buscando ocupar esse espaço. A ideia é que os agentes penitenciários sejam os responsáveis
por toda a custódia dos presos, dentro das unidades, realizando o transporte e fazendo a
guarda das unidades também. Esse processo é nacional: em diversos Estados da federação
este procedimento vem acontecendo há alguéns anos. Aqui em MT, desde de 2010 existe
treinamento para os agentes penitenciários utilizarem armamentos e técnicas de contenção. A
figura 11 abaixo mostra a recepção do CRC.
Foto 11 - Recepção do CRC. Fonte Relatório da Direção/2010.
Neste setor são realizadas as revistas para acesso ao presídio. Existem diversas regras
e em tese tecnologias para este procedimento. No CRC não existem raio-x 35ou detectores de
metal em funcionamento36. As revistas durante muito tempo foram manuais. Recentemente,
em junho de 2014, depois de um movimento nacional contra a revista íntima vexatória e uma
lei que já está em fase final de tramitação proibindo esta prática, o Estado de Mato Grosso e
alguns outros estados começaram a realizar as revistas apenas pelo detector de metais e
apenas em casos de suspeita são encaminhados para delegacia. Os produtos trazidos pelas
visitas são todos furados, mexidos e remexidos. Em algumas situações soubemos de
denúncias onde os mantimentos trazidos pelas famílias dos presos foram desviados para
atender aos funcionários, numa clara demonstração de força.
35 Os detectores de metais foram instalado em Julho/Agosto de 2014.
125
A entrada de produtos ilícitos é notória e possui relações complexas e muito tensas
dentro da unidade prisional. Veja o que diz Maciel (2008, p. 57) na reunião da CPI do Sistema
Carcerário sobre este tema:
Bom, então, quando eu fui para o GAECO37, eu levei para lá algumas questões sobre
investigação dos presídios, como a entrada de celular, a entrada de drogas, a
corrupção. E houve a Operação Artemis no final do ano passado, quando foi
deflagrada. E, realmente, constatamos que existe, sim, a entrada, e a entrada se dá de
diversas formas. Agora, com a implementação do detector de metais e uma revista
mais meticulosa, isso certamente vai diminuir. Mas o grande problema é que isso
custa dinheiro, gera custos e volume de tráfico, até tráfico de influência. É muito
difícil combater. Isso é um trabalho diário, extremamente extenuante e perigoso —
diga-se de passagem —, pois há muitos grupos organizados interessados nisso.
A frase do procurador deixa claro que os equipamentos tecnológicos, embora
importantes para evitar a entrada de produtos ilegais, nunca serão suficientes. É ingênuo
pensar que os presos não possuem boa parte do controle das unidades penitenciárias e
reivindicam a entrada de produtos ilegais o tempo todo. Existindo uma clara maquiagem no
processo de revista, segundo um dos agentes ouvidos, as prisões durante a revista só ocorrem
quando há denúncias. Um agente denúncia a visita ou funcionário que vai entrar com produtos
ilegais e este é preso, em geral isso acontece como retaliação. Um agente que está perdendo
dinheiro com a entrada de produtos ilegais denúncia o outro.
c) Unidade I:
É o espaço onde encontra-se a maioria dos presos, cerca de 60038. Além das Alas onde
ficam os presos nessa unidade é onde estão quase todos os setores administrativos da
penitenciária: a gestão administrativa; a revisoria responsável por registrar a entrada e saída
de todos que entram e saem da penitenciária; sala da subdireção com banheiro anexo e sala
para secretaria; sala da direção com banheiro e sala para secretaria; 1 (uma) sala de Serviço
Social; 2(duas) salas de atendimento psicológico; 1 (uma) sala para atender o cartório penal
com banheiro; sala de vídeo conferência (utilizada pela defensoria pública), 1(uma) sala para
recursos Humanos; um refeitório e uma cozinha e 2 (dois) banheiros para atender
funcionários; 1(um) alojamento para funcionários; 1(um) parlatório; 1(uma) sala de triagem
de saúde; uma biblioteca e dois corredores (A e B).
37GAECO- Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de
Mato Grosso. 38 Dados de Setembro de 2014, onde apresentamos a menor lotação em anos.
126
São nesses corredores que acontece a vida da prisão, é ali que circulam as pessoas,
mercadorias, conversas, bilhetes e todos os objetos que formam a vida prisional. O corredor A
tem 07 (sete) Alas, sendo 06 (seis) com 3 (três) cubículos e uma com 08 cubículos, uma Igreja
Assembléia de Deus, 03 (três) salas de aula e 2 (dois) banheiros para visitas. O corredor B tem
07 (sete) alas, sendo 06 (seis) com 03 (três) cubículos e 01 (um) com 08 (oito) cubículos, uma
Igreja Deus é Amor e uma Igreja Universal do Reino de Deus, 2 (duas) salas de aula, 1 (uma)
Ala (ala dos trabalhadores e albergados) “Fraca”, onde funciona a sapataria, a serigrafia39
(projeto Segunda Impressão) e artesanatos.
Apresentamos algumas fotos que colaboram na compreensão do setor. A foto 12
mostra a divisão entre a Unidade I e a Unidade II, essa divisão é de nível por uma escada. Esta
divisão física marca significados profundos na prática social, ficando evidente que os presos
na Unidade I possuem condições de vida mais difíceis e são excluídos de diversas atividades
quando comprados aqueles que estão na Unidade II. Existe uma Ala conhecida por “Fraca”
onde os presos do regime semiaberto moram, estes podem sair para trabalhar durante o dia,
mas também existem presos do sistema fechado no mesmo espaço. Também é uma ala que
conta com benefícios, pois os presos podem trabalhar, exercer atividades de artesanato,
sapataria, entre outras. A cela apresentada na figura 30 é uma das celas mais bem cuidadas da
Unidade I, pois nessa cela mora o pastor da igreja Deus é Amor. Um “cubículo” pequeno
dividido entre 07 homens “apenas”. Essa configuração sem dúvida se dá pela influência desse
que consegue manter um ambiente mais adequado para sua pessoa.
Foto 12 - Unidade II, parte superior do “contêiner”. Fonte: ALMEIDA. G./2014.
39Desativada no momento.
127
Figura 30 – Imagem composta de diversas fotos. Cela da Unidade I. Ala Deus é Amor. Fonte: ALMEIDA.
G/2014.
128
d) Unidade II:
Este espaço dentro do CRC é considerado um oásis dentro do presídio. Pode-se
considerar que no processo de segregação espacial contido na prisão, este foi o reservado para
a elite do sistema penitenciário. Sobre este tema podemos lembrar do trabalho de Rafael
Godói sobre a vida do agente penitenciário Amaro40 no artigo Gerindo o “convívio” dentro e
fora da prisão: a trajetória de vida de uma agente penitenciário em tempos de transição
(2011) durante suas funções na Penitenciária do Estado de São Paulo. Nos esclarece como
existe uma organização dos presos para decidir onde os novatos vão morar:
O três pavilhões estavam divididos hierarquicamente, segundo as condições
financeiras a respeitabilidade dos presos. Se Amaro contrariasse essa lógica de
distribuição, o preso seria encaminhado para o seguro41 por seus colegas de
pavilhão. Amaro sentia que sua função era mera formalidade e o controle interno da
prisão estava nas mãos dos presos.
O relato colaborar com nossa pesquisa, que constata a divisão interna dos presos estar
subordinada a um jogo entre as lideranças dos presos e a administração, com clara
predominância da primeira. Um dos entrevistados durante a pesquisa afirmou W: “O preso é
extorquido quando entra na unidade.” Vamos esclarecer como se dá a vida dentro desta
unidade.
A Unidade II é composta por revisoria,1 (um) alojamento dos agentes com banheiro
masculino e feminino; setor de saúde com farmácia, enfermaria, sala de medicação; 1(uma)
sala para esterilização e sala de higienização e 1(uma sala com grade na porta para repouso de
reeducandos pacientes com banheiro e 1(uma)sala para abrigar a farmácia, sala do dentista e
sala do médico com banheiro; 1 (uma) sala para assistente social; 2 (duas) para atender o
administrativo do setor; setor de educação com sala dos professores com banheiro e da
Gerência com banheiro; 1(uma ) sala para atender o administrativo do setor e 1(uma) sala para
estúdio para Banda Cazuluz42 e 1 (uma)sala para costura e uma cozinha.
O setor de produção é composto por 2 (dois) galpões, 4 (quatro) banheiros para
atender os presos e os funcionários com 1 (uma) sala para atender o administrativo do setor e
2 (duas) salas para depósito de materiais e espaço para marcenaria, fabrica de vassouras e
reciclagem de papel, 1 (um) barracão que atende como lavanderia apenas para Unidade II e
40Nome fictício. 41Ala destinada aos presos que sofriam ameaça de morte de outros preso por diversos motivos. 42Projeto de banda composta por presos, com início em 2012 e hoje está com poucas ações.
129
espaço em que funcionam várias oficinas como: artesanatos, cuias de couro, refrigeração,
serralheria.
No “contêiner”, nome dado a Ala onde ficam os detentos da Unidade II, tem 2 (dois)
corretores, A e B com 08 (oito) cubículos cada um, tendo capacidade total para 128 (cento e
vinte e oito) presos, com a capacidade adequada para 128 presos, um parlatório, uma sala de
visita com banheiros em cada corredor, aos fundos uma quadra poliesportiva pequena. A
maioria dos banheiros funciona de maneira precária por causa da falta de manutenção da rede
de esgoto, o que ocorre em toda a prisão, não apenas na Unidade II. A visita do caminhão
Limpa Fossa (ver foto 13 abaixo) é constante na penitenciária: pelo menos 3 vezes na semana
para conseguir minimizar os problemas com a instalação de esgoto. Outra estratégia adotada
pelos presos para minimizar os problemas de higiene na prisão é a criação de gatos. Esses
evitam que o ratos se proliferem.
Foto 13 – Caminhão Limpa Fossa. Foto: ALMEIDA. G. /2014.
As duas Unidades têm 04 (quatro) caixas d’água, número insuficiente devida à
superlotação da prisão, o que dificulta a já complicada vida dos presos e funcionários. Existe
um poço artesiano que não funciona por falta de uma bomba d’água! Poderia solucionar
muitos dos problemas encontrados no CRC. A foto 14 abaixo ilustra a visão superior do
“contêiner”, onde estão as celas dos presos. Este sistema de circulação superior foi construído
para permitir uma segurança máxima, pois em tese permite que os agentes penitenciários não
precisem se expor para abrir e fechar as celas, mas aqui é o setor de segurança mínima. Na
foto 15 mostramos uma festa junina realizada em 2012, organizada pelos professores. Aqui
130
podemos notar o quanto os presos que estão nesta unidade são privilegiados. Existe um
espaço para atividades diversas. A quadra esportiva e a gestão da unidade permitem a
realização de diversas atividades nela.
Na Unidade II existe um projeto desde 2012 onde os presos homossexuais são
retirados do convívio dos outros presos e alojados em uma Ala só para eles, chamada de “Ala
Cor de Rosa”. Esse projeto foi inicialmente concebido em Minas Gerais e Paraíba por volta de
2007. Aqui em Mato Grosso começou no CRC através de uma iniciativa de um psicólogo da
unidade que é homossexual e militante e do Centro de Referência LGBT da capital, que hoje
se chama Centro de Referências em Direitos Humanos, um órgão vinculado a SEJUDH.
Esse projeto visa evitar a exploração sexual dentro da prisão. Ouvimos relatos
arrepiantes dos travestis e gays que foram violentados e até mesmo leiloados. Existe todo um
esquema de prostituição e exploração sexual dentro das prisões. Durante muitos anos a prática
de subjugar o indivíduo que quer se vestir e ser tratado como mulher também foi um
problema, impedindo que usem cabelos longos, maquiagem e usassem o nome que querem.
Hoje existe um respeito muito maior a esses presos(as), contudo, ainda podemos notar que
também existe a concessão de privilégios, pois são apenas 8 vagas que não abrigam todos os
homossexuais da prisão.
Figura 31- Projeto “Ala Cor de Rosa” na imprensa. Fonte:http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/03/nao-
somos-mais-explorados-diz-preso-gay-sobre-ala-especial-em-mt.html. Acesso em 22/08/2014.
131
Essa prática que já existe em algumas prisões pelo país foi regulamentada hoje é
obrigatória, pela Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014. O presidente do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP e o presidente do Conselho Nacional
de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT transformaram essa prática recente em política
pública.
Foto14. Superior do “contêiner”. Fonte: ALMEIDA. G. /2014.
Foto 15 - Festa Junina na Quadra da Unidade II. Fonte: ANDRÉ. Marcos /2012.
A prisão revela sua segregação de forma absolutamente latente e evidente. Os presos
na Unidade II possuem muitos privilégios, quando comparados com aqueles na Unidade I.
Uma observação rasa já constata isso quando vemos que não existe superlotação na Unidade
II, mas apenas na I, além de toda uma facilidade de acesso ao trabalho e outros direitos. A
distribuição e organização dos presos se faz menos em função da arquitetura do espaço, mas
132
moldam o espaço e mesmo a arquitetura em função das suas necessidades e apropriações em
grupo. Um dos entrevistados, preso O diz:
Aqui para nós, nois é mais privilegiado do que lá embaixo. Eu: em que sentido?
Chega melhor, aqui tem mais acesso. Lá em baixo é restrito. [...] 17h e 21h entra
água aqui em cima, lá embaixo não tem... o que acontece, tem meio hora de água. 5.1 Os Grupos no Espaço Prisional: os presos, e os funcionários do sistema penitenciário.
Os principais grupos que se apropriam do espaço prisional e o manipulam são os
mesmos que impõem o cotidiano, exercendo poder que se manifesta no espaço e na condução
do dia a dia. Certeau (1996) debate a importância de olharmos para como as pessoas criam o
cotidiano, pois as pessoas não são passivas diante das culturas, forças econômicas e das
imposições que sofrem. As pessoas criam mecanismos e estratégias de resistência e
ressignificação, como diz Certeau (1996, p.31) ainda:
O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos
pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia
pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de
viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O
cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior...
A importância do cotidiano para apropriação do espaço é imensa, sobre isso destaca
Carlos (2007, p.20), que diz:
A produção espacial realiza-se no plano do cotidiano e aparece nas formas de
apropriação, utilização e ocupação de um determinado lugar, num momento
específico e, revela-se pelo uso como produto da divisão social e técnica do trabalho
que produz uma morfologia espacial fragmentada e hierarquizada
Autores como Donald Clemmer (1940 apud Santos, 2003, p.23) criaram o conceito de
“prisionation”, afirmando que: “Todo homem confinado ao cárcere sujeita-se à prisonização”,
definindo dessa forma os modos de vida, tradições, costumes ou seja a cultura penitenciária.
O autor indica em sua obra como a prisão causa mudanças no comportamento dos reclusos.
Sobre esse tema afirma Arguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009. Vol. 1, p.63):
Igualmente a outras sociedade, os presos forjaram suas próprias “subculturas
carcerárias”. O uso de gírias e tatuagens, certas condutas associadas com a
homossexualidade, o desenvolvimento da masculinidade concentrada a condutas
criminosas e o emprego exagerado da violência para marcar diferenças eram práticas
culturais que se desenvolviam no interior da prisão, se bem que algumas delas
tiveram origem no mundo exterior. Estas manifestações de subcultura carcerária
contribuíam para forjar vínculos de cooperação e reciprocidade entre os presos, mas
também alimentavam (e, por vezes, eram reforçadas por) formas agudas de
competição e conflito. As comunidades de presos, apesar de tudo, não constituíam
conglomerados humanos homogêneos, mas grupos fragmentados e diversos.
133
O espaço prisional é sempre hierarquizado e recheado de conflitos diários. No intuito
de entendermos o processo de controle do poder sobre o território da unidade prisional em
estudo e como se dá o cotidiano da unidade, devemos olhar para os agentes sociais que estão
diretamente presentes no local e produzem o espaço geográfico. Esse grupo é formado
principalmente pelos: agentes prisionais, servidores do sistema penitenciários – assistência
social, técnicos em saúde, defensoria pública, técnicos administrativos, servidores da
educação (professores), os policiais militares (até 17/12/2013) –, as visitas, a administração da
unidade e os presos. Esses possuem um grande leque de diferenciação entre si, sendo um
conjunto complexo e altamente heterogêneo. Possuem tramas em suas relações que são
difíceis de decifrar e entender.
O despertar, o desjejum, as rezas, os cultos, leituras bíblicas, os cânticos, entre outras
ações que são desenvolvidas e controladas pelas Igrejas, permitem a existência de uma rotina
dentro da unidade. Essas atividades convivem com as atividades organizadas pelo Estado
através dos funcionários. As atividades organizadas pelo Estado são: sair da tranca pela
manhã às 07h00; alimentação: café da manhã às 07h00, almoço às 11h00 e jantar às 17h00;
contagem de presos às 16h00 e a tranca 16h00 ou 18h00 (dependendo do plantão). As
atividades de trabalho não são para todos os presos, existem aqueles que estão em espaços
privilegiados, as chamadas alas de trabalhadores. Os que trabalham acordam 06h30 e tem
contagem às 07h00, saem para trabalhar às 07h30 até às 10h40. Temos horário de almoço,
com retorno ao trabalho às 13h00 até às 16h00, o horário de estudos para aqueles engajados é
basicamente o mesmo dos que trabalham.
Contudo devemos destacar que a rotina é diferente para aqueles presos da Unidade II,
que além de estarem todos contemplados com atividade de trabalho, existe ainda um
diferencial. Muitos dos presos ali trabalham o dia todo e, no fim do dia às 17h00, quando
finalizam o trabalham, podem ir depois para a Escola noturna 43que funciona apenas aos
presos da Unidade II.
Os presos se diferenciam por diversos motivos; podemos classificar de forma
simplificada por três categorias: econômica, cultural e política. Econômica: aqui
significando uma divisão entre os presos que possuem renda e os que não possuem. Essa
renda pode vir dos trabalhos formais (através da administração da unidade) e informais (como
43A partir de Agosto de 2014, a escola noturna fechou na unidade por falta de agentes penitenciários disponíveis
neste horário.
134
lavar roupa de outros presos, jogos de cartas, etc.), sabendo que jogos de azar são proibidos
dentro da unidade prisional; dos familiares; das rendas externas dos reclusos que tem fontes
diversas e muitas vezes obscuras. Cultural: a crença religiosa, o nível educacional e a
existência de habilidades profissionais dos reclusos são os fatores que os separam
culturalmente. Aceitar uma religião ou não dentro da unidade é um fato de segregação clara,
existem espaços evangélicos e os espaços não evangélicos (chamados de ímpios). O nível
educacional e de habilidades profissionais fazem com que os reclusos sejam utilizados como
mão de obra pelo sistema penitenciário. Os espaços que os presos “trabalhadores” ocupam são
diferenciados também. O processo educacional é sem dúvida segregador, pois existem aqueles
presos que podem estudar e os que não podem, os ímpios. Essa é uma forma de controle do
espaço e da vida dos presos. Política: os reclusos que são lideranças religiosas e/ou
intelectuais na unidade tem facilidade de acesso à administração da unidade, aos serviços de
defensoria pública, ao serviço social, psicológicos e saúde; e detêm, em parceria com alguns
servidores do Estado, o monopólio das mercadorias que circulam na unidade.
Os limites e as regras a serem seguidas dentro da unidade são basicamente estipuladas
pelos presos. Determinam sobre a circulação nos dias “normais” e os dias de visita, as
condutas de higiene, as roupas que podem ser usadas, as consequências quanto à delação, a
segregação pelo tipo de crime cometido, a determinação dos locais que os “calouros” vão
ocupar nas celas, etc. Todas essas relações, entre outras, são determinadas pelos reclusos.
Existe toda uma cultura dos espaços de privação de liberdade, uma tradição representada pela
linguagem, pelo código de postura e relações de poder. Questões que se fazem presentes no
cotidiano, essas relações variam muito de uma unidade para outra e no tempo se transformam
na mesma unidade. Mas essas mudanças são principalmente de origem de fatores como a
gestão da unidade, das disputas de poder, a superlotação e se existem ou não agentes externos
como: ministério público, professores, entre outros que estejam frequentando o espaço.
A vida dentro da prisão está sempre recheada de acontecimentos, brigas, trocas, jogos,
futebol44, produção de artesanato, ensino, troca de histórias, contam vantagens, disputam
amores, constroem amizades e desafetos, como afirma Chazkel (In Maia, Netto, Costa e
Bretas. Vol.1, 2009, p.18), ao estudar as prisões no início do século XX:
A aparente fascinação do autor com a criatividade dos presos o compeliu a
documentar as intricadas ilustrações que estes faziam em cartas de jogar
improvisadas, as tatuagens e desenhos a lápis produzidos nas celas. Senna descreve
44No mês de Setembro e Outubro de 2014 um campeonato de futebol animou o presídio do CRC.
135
os instrumentos afiados que os detentos fabricavam a partir de objetos como
colheres, pregos e canetas e que usavam não apenas em brigas, mas também para a
arte. [...]
Este processo não é novidade, pois ao relatar as prisões do período colonial na
América do Latina, Carlos Aguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas. Vol.1, 2009, p.64) diz
que:
O consumo de álcool e drogas, assim com o jogos de azar, ainda que proibido pelos
regulamentos, eram frequentemente tolerados pelas autoridades, por serem
convenientes aos seus interesses. Como resultado de todas estas práticas de
socialização, a vida na prisão poderia ser ao mesmo tempo lúdica e violenta,
divertida e dolorosa.
Lembrando que por mais invisível para uns que possam ser as prisões, existe uma
dinâmica da mais alta importância que são as visitas, que conseguem manter os sujeitos
informados e muito mais que isso: são as responsáveis por manter os sujeitos em equilíbrio,
calmos, esperançosos em sair; confortam os sujeitos privados de liberdade.
Uma parcela da população passa uma parte de suas vidas nas prisões. Os sujeitos que
por ali passam estão inseridos em uma cultura e perspectiva de vida que gera uma identidade
e muitos não acreditam que pode ser diferente. Nas palavras de Marcos Bretas (in Maia et.al,
vol. 2, 2009, p.94), “O mundo das prisões está agora dividido entre os pobres-diabos que
sofrem seu destino e essas criaturas para quem a prisão é o habitat natural”. Muitos estão tão
acostumados com a prisão que a liberdade lhes é estranha. As esposas até gostam dessa
situação, pois sabem onde eles estão e sabem como encontrá-los nos dias de visita. Segundo
algumas delas, só tem sossego quando eles estão “guardados”, ou seja, presos.
A familiaridade com a prisão por parte de muitos sujeitos encarcerados é tamanha que
podemos sugerir uma analogia: Enquanto boa parte dos jovens de classe média sonham em
estudar e concluir uma faculdade, acreditando que no futuro vão exercer uma posição de
autoridade no mundo, os sujeitos presos, desde cedo, sabem que vão passar uma temporada
nas prisões, pois os amigos e familiares ali já estiveram, faz parte de um destino normal, trata-
se de expectativa de vida, uma ideologia imposta pela sociedade, que segundo Cunha (2003,
p. 5-6):
Tal como noutros países onde a guerra à droga também viera reforçar estilos
similares de combate ao crime, é agora nestas áreas estigmatizadas que se constitui o
grosso das fileiras prisionais, pelo que a geografia da reclusão se tornou
extraordinariamente previsível. [...]Por sua vez, a prisão é já uma realidade
incrustada na vida destes territórios urbanos, onde se tornou um elemento vulgar de
muitas biografias, um destino banal. Todos os residentes têm um conhecido ou um
familiar que está ou esteve preso. Membros de diferentes famílias deslocam-se agora
à prisão em conjunto, usufruindo da boleia ora de um, ora de outro vizinho que vem
136
visitar um parente - e aproveitam para visitar, da mesma feita, uma vizinha presa. Na
verdade, neste circuito a condição de preso e de visitante são quase intermutáveis,
dado o recorrente deslize de uma para outra em diferentes momentos da trajectória
de uma mesma pessoa. (Português de Portugal)
O estudo sobre o espaço deve sempre ser amplo e incluir uma perspectiva que englobe
diferentes questões como: a divisão de classes, divisão racial, desemprego, pobreza, direitos
humanos, exclusão social, a invisibilidade de sujeitos e instituições sociais, criminalização da
miséria, delinquência e punição. Pois todas estas questões tem reflexos no espaço vivido pelas
pessoas. No cárcere devemos refletir sobre esses pontos também, pois a sociedade que existe
fora é a que está presente intramuros. A prisão é um elemento do fenômeno urbano e sua
influência na vida da cidade se faz presente como um espaço de exclusão por excelência.
As mudanças espaciais são marcas de novas formas de relações sociais: econômicas,
comerciais e religiosas dentro das unidades. Devemos destacar que as mudanças são muitas
vezes promovidas pelos próprios reclusos. Em geral temos uma parceria entre a gestão da
unidade e a liderança dos presos.
Os presos:
Os presos são os principais atores que integram nossa área de estudo, apropriando do
espaço prisional e realizando os processos de segregação, conflitos e cooperação que fazem
parte de nosso trabalho. Faremos isso analisando inicialmente alguns aspectos fundamentais
da dinâmica prisional: o ingresso do preso da unidade, o trabalho do preso, religião na
unidade, a influência do comércio na dinâmica prisional, a saúde no CRC e destacaremos em
especial o processo de educação em outro capítulo.
O preso entra na unidade prisional de duas formas: através de mandato de prisão
expedido pelo Juiz de Direito ou ofício da delegacia com nota de culpa e exame de corpo e
delito ou quando em flagrante delito. Ao entrar na unidade, ele identifica-se na revisoria da
unidade – o nome com o qual ele se identifica muitas vezes é falso –, mas não existem meios
de verificação. Não existe um controle eletrônico através de leitura de digitais ou outra forma
para conferir a veracidade das informações, por não existir um sistema integrado de dados.
Em diversas oportunidades observamos presos cumprindo pena com um nome e depois ele
cumpre outra pena, com outro nome.
Após a revisoria o preso é encaminhado para uma triagem; esse período de triagem
dura um ou dois dias, onde é explicado para o preso algumas regras, é preenchida a ficha de
identificação, são tiradas fotos de face e tatuagens, e medida a altura do preso. Neste
137
momento ele encontram-se em ambientes específicos de cada corredor, conhecidos por
Fundão A ou B, dependendo do corredor. Ali já começa a extorsão do preso. Caso ele tenha
alguma condição “especial”, logo vai para um espaço privilegiado. Do contrário, vai dormir
ao lado do “boi” (vasos sanitário).
A revisoria da penitenciária insere os dados do indivíduo (incluindo foto) no sistema
informatizado, chamado de SIAPEN. Esse sistema foi implantado na unidade a partir de
outubro de 2012, desenvolvido pelo DEPEN/MJ – Departamento Penitenciário Nacional do
Ministério da Justiça e compartilhado com os Estados da Federação. Antes de 2012 todo o
controle da unidade era realizado em tabelas no Excel. Hoje as maiores penitenciárias do
Estado possuem SIAPEN, mas nem todas as cadeias públicas do interior possuem o sistema,
que agilizou muito o trabalho do cartório45 que existe dentro do presídio. Esse cartório é
especifico para as questões prisionais. O sistema atual interligando as unidades penitenciárias
do Estado permite sabermos em qualquer uma das unidades onde está o preso e sua
localização exata na unidade, informando a Ala e a cela do mesmo, desde que os dados sejam
atualizados.
Às sextas feiras existe uma dinâmica interna na prisão. É o dia escolhido para as
mudanças de celas. Esse procedimento é uma forma dos presos se (re)organizarem e
resolverem conflitos e interesses próprios, mais do que uma gerência da direção da unidade.
Os conflitos entre os presos, as insustentáveis cobranças de dízimo, as extorsões pessoais e os
esquemas diversos para melhorar de ambiente são os motivos das mudanças. São diversos os
fatores para que existam as mudanças de celas, que são comunicadas ao líderes das Alas e ao
cartório da unidade para que seja colocada no sistema e ao chefe de disciplina (agente
penitenciário). Isso é importante pois, quando o advogado(a) ou outra pessoa busca o preso na
prisão, os servidores podem localiza-lo pelo sistema. Na Penitenciária Central do Estado –
PCE, a dificuldade para encontrar os presos é enorme, chegando-se a demorar um dia para
conseguir entregar um alvará de soltura.
A dinâmica da vida prisional é de uma rotatividade intensa, pois os presos estão
sempre chegando e saindo em grande quantidade. Segundo informações do Cartório da
unidade do CRC, temos cerca de 18 a 23 entradas por dia e de 15 a 25 saídas por dia. Através
desse fluxo dos presos criam-se estratégias de “acolhimento”, as chamadas triagens. São duas
45O cartório que existe dentro da prisão não possui nenhum vínculo com cartórios externos, são cartórios penais
que cuidam da vida do preso apenas e ao sair apenas arquivam a sua situação.
138
Alas destinadas a receber os presos provisoriamente, Fundão A e Função B, cada um em um
corredor. Existe um processo de identificação do preso e de classificação e depois de um ou
dois dias o preso é destinado a uma das Ala da unidade.
A segregação espacial dentro da prisão não segue o que indica a legislação. Segundo
esta, os presos deveriam ser separados pelos crimes que cometeram, pela existência de doença
mental, os chamados casos de medida de segurança, pela reincidência ou não dos sujeitos e
não deveria existir presos provisórios em penitenciárias. Nenhum desses critérios legais são
seguidos no CRC. As regras que seguem são internas, moldadas pelos presos, agentes, gestão
da unidade e algumas vezes pelo presença do Ministério Público quando se faz presente e
fiscaliza as unidades.
Destacamos que sobre a entrada dos presos na unidade muito ainda deve-se avançar,
pois a prática da mentira dentro da prisão é imensa. Podemos perder a referência com
facilidade sobre o que é verdade ou não dentro da unidade. Isso coloca em cheque muito do
que estamos investigando aqui, as meias verdades, os bilhetes com informações maldosas, as
estratégias de evangelização falsas, os desmandos de líderes, os conflitos constantes e a falta
de informações confiáveis do sistema penitenciário nós traz um cenário de amadorismo ainda
neste campo. Arruda, ao relatar sobre os sistema penitenciário de Mato Grosso na CPI do
Sistema Carcerário, esclarece a falta de informações que acomete as prisões:
E a coisa ainda é muito primária, não há um controle. Às vezes, a unidade prisional
sabe da vida daquele preso pelo que ele conta. Não há uma pesquisa efetiva de quem
seja aquele ser. Então, se a gente vai conversar na beira da grade, realmente ele fala
que é primário, fala que é provisório, fala que é 155, e, na verdade, ele tem vários
outros delitos e, quando a gente descobre e fala: “Ó, você estava mentindo para
mim?”, ele diz: “Não, é que dessa vez eu estou preso por um 155, mas já fui preso
outras 10, 15, 20”. Enfim, é mais ou menos assim. (In Câmara dos Deputados,
2008, p.48. grifos no original).
139
Figura 32 - Presos na Ala M. Fonte: Vídeo da Coordenação de Educação/2010.
No vídeo os presos da Ala M, figura 32 acima, uma das mais superlotadas da unidade,
reclamam da falta de água. São 55 presos em uma cela e aproximadamente 110 na Ala, onde
não deveria existir mais que 20 homens. A água chega na cela todos os dias, apenas por 15
minutos. Essa é a forma de contabilidade desse recurso na prisão, pelo tempo que das
torneiras saem água. Muitos presos possuem baldes, potes, canecas, ou outras formas de
reservatório de água para conseguir armazenar água. Em algumas Alas sem dúvida temos uma
maior dificuldade para armazenar água devido à superlotação e mesmo pela distribuição
desigual da água. A quantidade de água por preso/dia é muito pequena. Veja a foto 16 abaixo:
Foto 16 – Reservatório de água na cela. Fonte: ALMEIDA. G. /2014
140
a) O Trabalho dos presos:
O trabalho dos presos divide-se em dois diferentes grupos na prisão em estudo. No
primeiro, temos o trabalho realizado no setor de produção da unidade do CRC, que em tese é
o espaço reservado para este fim na unidade; e existem diversos outros trabalhos realizados
pelos presos em todos os setores da unidade, atividades variadas como: cortar cabelo, lavar
roupas em troca de dinheiro, vender salgados, etc. O setor de produção concentra as oficinas
da unidade (marcenaria, reciclagem de papel e confecção de placas de carro). Ali existe uma
rotina de trabalho. O trabalho dos presos condenados é regido pelo Art. 31 da Lei 7.210/84:
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na
medida de suas aptidões e capacidade. Parágrafo único. Para o preso provisório, o
trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento”
(Brasil, 2008, p. 27)
O setor de produção dentro da unidade deveria se realizar em parceria com a Fundação
Nova Chance - FUNAC. No Estado de Mato Grosso existe uma Fundação regulada pela Lei
Complementar nº. 291 de 26 de dezembro de 2007, que criou a FUNAC. Com base no Art. 34
da Lei 7.210/84: “O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com
autonomia administrativa e terá por objetivo a formação profissional do condenado”. A
função é de propiciar a profissionalização aos reeducandos e egressos. Esse projeto é uma
assimilação do que já acontece há anos no Estado de São Paulo – FUNAP. A FUNAC está
subordinada à Secretária de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH.
A Fundação Nova Chance deverá auxiliar e agilizar a intermediação e contratação de
mão de obra, bem como os processos de pagamento dos reeducandos do sistema prisional
decorrentes de serviços prestados aos tomadores de serviços; procede-se através de convênios
com empresas ou por meio do desenvolvimento de projetos tanto com outros órgãos quando
com a da esfera estadual e federal. (OKADA, 2010, p. 79).
Contudo esse processo não é simples, não existindo uma confiança por parte dos
presos na FUNAC e nem uma intimidade entre esta e os agentes prisionais e direção das
unidades. Esse distanciamento não permite a criação de vínculo e confiança. O trabalho em
comum não anda. Existem projetos sendo executados dentro das unidades, mas alguns
trabalham sem comunhão com outras atividades remuneradas dos presos. Ouvimos de presos
dentro do CRC que nem querem ouvir falar de “Fundação Nova Chance”. No entendimento
desses, a Fundação apenas pega o trabalho do preso para exposição, não retorna o valor
devido e não auxilia na efetiva produção dos produtos.
141
Antes da criação da FUNAC, as unidades prisionais já possuíam o setor de produção e
este articulava o trabalhando dentro das unidades prisionais. Nesse acordo informal dos presos
com a gestão da unidade, os presos utilizam as oficinas e contribuem com um valor de 20%
de tudo o que é vendido, a fim de manutenção dos equipamentos. A venda dos produtos é
realizada através de terceiros que retiram os produtos manufaturados depois de prontos e
levam para o comércio externo na rua. Ouvimos algumas denúncias de desvio de dinheiro
desse setor, de agentes que se apropriavam do trabalho dos presos, de presos que possuíam
regalias para sair e comprar material46. Algumas investigações aconteceram em 2012, mas
não temos conhecimento do resultado. Não existe um processo de transparência dos recursos
que giram nesse setor; por exemplo, a divulgação das contas do setor que não existe, o que
gera muita especulação sobre o uso inadequado dos recursos.
Ainda segundo os presos, todos os recursos (matéria prima, ferramentas, etc.) para
conseguirem trabalhar e produzir dentro da unidade são oriundos dos esforços dos próprios
presos, agentes e terceiros que são os fornecedores de matéria-prima. Eles vão até a
penitenciária entregam a matéria prima e depois buscam o produto manufaturado. Alguns dos
produtos fabricados são cuias para terére a partir de cifres de boi, produtos de couro, quadros
e artesanatos diversos. No comércio interno o processo é semelhantes e existem fornecedores
de doces, bebidas e salgados. Esse processo todo acaba num esquema de propinas, pagas para
que o comércio seja liberado dentro das unidades prisionais.
Neste setor existem hoje cinco agentes prisionais responsáveis que trabalham
diretamente com os presos, encaminhando-os às oficinas, realizando o processo de verificação
de remissão, resolvendo conflitos, evitando sabotagens (presos e/ou agentes descontentes que
danificam os maquinários) e monitorando os presos permanentemente nas atividades.
Empresas privadas, através de parcerias com a gestão da unidade, são responsáveis por
parte das atividades nas oficinas. Uma das etapas do processo de reciclagem de papel
acontece na unidade. A empresa leva o material a ser processado, os presos separam, trituram
e ensacam. A empresa recolhe novamente o produto em caminhões. A rotina da marcenaria é
similar, mas a matéria prima é doada muitas vezes pelo IBAMA ou outras instituições de
fiscalização ambiental em geral.
46Incluindo denúncias de presos que ao sair da unidade estariam se relacionando sexualmente com agentes
penitenciárias.
142
A FUNAC, quando procurada, declarou que a relação hoje com as unidades
penitenciárias é melhor, e que durante um período enfrentou uma campanha de difamação,
onde seria declarado que a Fundação seria responsável por acabar com diversos postos de
trabalho. Hoje a FUNAC está conseguindo através do PRONATEC47 do Governo Federal
realizar alguns cursos nas unidades penitenciárias em parceria com o SENAI (Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial). Estes cursos são muitas vezes impossibilitados de se
realizar pela falta de condições físicas das unidades penitenciárias e são cursos em geral com
vagas que variam entre 20 à 80 presos, o que nos dá a dimensão de alcance destes cursos. A
FUNAC declara também ter 19 contratos de trabalho entre presos e empresas, número ínfimo
perto do número de presos. Estes dados são para todo o Estado de Mato Grosso. No CRC os
cursos estão previstos para começar em Novembro de 2014.
Entrevistados durante a pesquisa criticaram a atuação da gestão da FUNAC, inclusive
indicando que a gestão da FUNAC vive num mundo à parte do real. Entrevista W disse:
“Elas (gestoras da FUNAC) são cabos eleitorais. Elas não tem a intensão e nem
conhecimento técnico para fazer política pública na área de educação e prisões e
nem em nenhuma outra área. Elas são retrogradas. Este cargo foi um presente para
presidente da Fundação, porque ela ganhou votos para o governo.”
Todo este conflito com relação à gestão do trabalho na FUNAC e o trabalho e a
capacitação profissional do preso por arte da FUNAC faz com que exista dentro de cada
unidade prisional um esquema independente da gestão central do Estado.
O quadro 5 abaixo resume as oficinas que existem no setor de produção e os itens ali
manufaturados:
Quadro 6 – Tabela Oficinas.
OFICINAS, SEUS TRABALHOS E INFRAESTRUTURA Marcenaria Produz diversidade de itens mesas, casas de cachorro, bancos, etc. Reciclagem Tritura papel, ensaca e separa Chifres Lixa os chifres e faz cuias para terére Couro Lixar e desenhar em peças de couro, moldando-as a copos, jarras e outros objetos. Artesanato Quadros, esculturas, maquetes de casas, porta-copos, etc. Uma diversidade de itens são
produzido pelos presos.
A marcenaria e a reciclagem estão instaladas em dois barracões grandes. Há uma
oficina de placas de carro (foto 19 abaixo). A empresa privada construiu e emprega cerca de
11 presos. Existem oficinas menores de couro, chifre e artesanato (foto 17 abaixo). Todas
47O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado pelo Governo Federal, em
2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Fonte:
http://pronatec.mec.gov.br/institucional-90037/o-que-e-o-pronatec. Acesso 29/08/2014.
143
estas oficinas, segundo entrevistas com agentes prisionais, foram desenvolvidas e criadas a
partir da gestão do antigo diretor Sr. Dilton de Freitas. São inciativas da gestão da unidade
essas parcerias com entidades privadas e públicas. Não existe um acompanhamento da
Secretária responsável e muito menos de planejamento por parte desta. No total existem cerca
de 80 presos trabalhando nas oficinas e outros 20 na limpeza, “pagando comida” (servindo
alimentos aos outros), fazendo salgados para vender dentro da unidade. Todos os presos que
trabalham nesse setor moram na Unidade II.
Foto 17 - Artesanato no setor de produção. Fonte: Relatório da Direção/2010.
144
Foto 18- Reciclagem no setor de produção. Fonte: Relatório da Direção da Unidade/2010.
Foto 19 - Oficina de placas de carro. Fonte: ALMEIDA. G. / Abril de 2014.
Outra parte dos presos que estão trabalhando em atividades diversas são responsáveis
pelas seguintes tarefas: faxina de toda unidade incluindo não apenas as dependências deles,
como também a capina; a retirada do lixo para fora; toda manutenção, consertos da unidade.
Assim como a organização de documentos, aspectos burocráticos entre outros são realizados
pelo presos. Muitas destas atividades realizadas pelos presos não são importantes para sua
qualificação, apenas colaboram na manutenção da unidade penitenciária.
É importante ressaltar que sem os presos para colaborar na organização dos
documentos, muito trabalho cairia sobre o agentes – hoje o sistema travaria. O quadro 6
abaixo sintetiza a relação numérica entre presos e agentes na unidade em estudo:
145
Quadro 7– Relação entre presos x agentes. Fonte: Cartório do CRC
RELAÇÃO ENTRE O Nº DE PRESOS E AGENTES Nº de presos em média 1.000 Nº total de agentes que trabalham no CRC 150 Nº de presos/ nº de agentes 6.67 presos por agente Nº de agentes por plantão + efetivos 35 Nº de presos/ nº de agentes (plantão) 28.57 presos por agente Relação nº de presos/ nº de agentes recomendada 5
O número de agentes penitenciários e funcionários do sistema penitenciário é
insuficiente. Dessa forma os presos trabalham colaborando com o sistema. Muitos estudiosos,
incluindo o Professor Dr. Elionaldo Julião (2009), indicam que a maioria dos trabalhos
realizados pelos presos não são para aprender algum ofício. Declara o Julião48 (2009): "O
trabalho de carpintaria ou de limpeza não gera nada para o preso quando ele sair da prisão. É
preciso abrir vagas qualificadas, de trabalho formativo, assim como o ensino também precisa
ser de qualidade.” As atividades desenvolvidas garantem a remissão dos presos e o conforto
do Estado em não precisar estabelecer projetos e planos de uma educação profissionalizante
integrada ao processo de ressocialização.
Em dias de pouco efetivo no plantão chegamos a observar um preso com a chave das
alas nas mãos, trabalhando como agente penitenciário. O preso N.C. está na prisão há muitos
anos e, ainda ficará muito mais. Ele conhece bem o ritmo da cadeia e sabia obedecer a todos
os sinais e a todos os comandos. Isso não é uma atitude padrão dos agentes prisionais no
CRC, mas aconteceu e deixa claro a que nível o sistema está exposto aos acordos internos.
Em outros presídios do Brasil pode não ser comum, mas reforçando a nossa descrição do atos
podemos encontrar na CPI do Sistema Carcerário (2009, p. 119):
“Chaveiros” são presos que exercem funções do estado no presídio Aníbal Bruno
(Recife-PE), funções que são delegadas pela direção do estabelecimento. Os
“chaveiros” substituem os agentes penitenciários e controlam o espaço prisional. Em
cada pavilhão há um “chaveiro” que fica com as chaves do pavilhão, trancando e
destrancando as celas! Denunciaram outros detentos que eles cobram taxas para
liberar a entrada de alimentos, roupas e colchões[...] A CPI encontrou uma “bodega”
que havia sido alugada pelo “chaveiro” a outro detento mediante o pagamento de R$
200,00 reais por mês. O preso “locatário”, por sua vez, contratou como
“empregados” da vendinha outros três detentos, que recebiam salário mensal de R$
650 cada um, demonstrando que ter “comércio” dentro da cadeia dá lucro, e
bastante! A figura do Chaveiro só é possível porque existe uma conivência com o poder público
que permite essa situação. Qual situação? A de que os presos possuem controle total e
irrestrito da prisão. Todo e qualquer espaço que não possui controle do Estado o possui de
48Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/20/ult5772u5334.jhtm. Acesso em 04/09/2014.
146
outras fontes de poder. Os presos se reorganizam e, claro, usam para isso o que conhecem das
formas de apropriação privada do capital e das relações materiais. Por exemplo, colocando
outros presos para trabalhar, alguns presos se apropriam da mais-valia gerada. Um tremendo
absurdo, pois onde deveria existir igualdade de condições é onde observamos as maiores
desigualdades.
Foto 20 - Cadeados no CRC. Fonte: ALMEIDA. G. /2014.
A foto 20 acima é de cadeados em um dos portões internos das Alas do CRC, onde
durante o dia os presos escolhidos para serem os “correrias” ficam transitando no corredor
sem que as Alas ou celas estejam trancadas. A figura do chaveiro não existe no CRC, como
descrito na citação acima, mas observa-se que existe uma dinâmica de maior liberdade dentro
do CRC, existindo em cada Ala um preso que regula a entrada e saída de pessoas e objetos, ou
seja, são os presos que realizam boa parte do controle dos fluxos internos na prisão. Na
prática são os “porteiros”. Os agentes prisionais ficam localizados onde veem toda a
movimentação dos presos pelo corredor, mas não tem visão direta das alas. Veja a figura 33 a
seguir:
147
Figura 33- Esquema da localização do agente e do correria e porteiros. Fonte: Guilherme Almeida/2014
Ao tratar do tema do efetivo de servidores na prisão para segurança e do número de
presos (cerca de 4.200 presos em Aníbal Bruno em Recife/PE), o Diretor (CPI Sistema
Carcerário, 2009, p. 120) esclarece por que eles não fogem:
Há uma média de 5 agentes, com salário inicial de R$ 900,00, cuidando de todo o
complexo, sendo necessário o concurso da Polícia Militar para suprir a falta desses
profissionais. Perguntado pela CPI o que impedia uma fuga em massa em tais
condições, o Diretor respondeu: – Só Deus.
Os muros de todas as prisões são simbólicos: não existem condições para impedir a
fuga em massa. Pode-se impedir a fuga de poucos presos que pretendem sair de qualquer
jeito. O fato para que não exista fuga em massa é bem diverso. São várias explicações: a
distribuição de benefícios, a formação de um estilo vida que a cadeia possui, as lideranças
entre os presos, os privilégios, o dinheiro dos ganhos financeiros para alguns e mesmo o fato
de que vida de fugitivo não é nada boa. Preso tem família, quer poder viver com seus
familiares, compartilhar dias de folga, sem ter que ficar fugindo a cada som da sirene.
Carlos Arguirre (In Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, p.61) escreve um texto sobre os
cárceres na América Latina, um trabalho difícil; neste estudo ele faz um esforço para
sintetizar o enorme espectro de prisões e condições diferentes na região. Mesmo havendo
diferenças, existem sem dúvidas alguns pontos em comum, principalmente históricos, como o
148
processo de modernização dos Estados Latino-Americanos após as independências da Europa.
Afirma o autor que:
Tanto nas prisões de mulheres como nas dos homens, sem dúvida, as condições de
vida dependiam de configurações específicas de poder, prestígio e status no interior
da população carcerária. Sempre houve aqueles que conseguiam condições de
detenção relativamente seguras e amenas, inclusive dentro das hediondas prisões em
que viviam.
Esses privilégios e separações estão presentes até hoje, seguindo a lógica de que boa
parte da a vida prisional é regulada por regras impostas pelos próprios detentos. Podemos
observar que existem diversos critérios para escolha dos espaços destinados a cada um dentro
das unidades prisionais: cor, idade, recursos financeiros, grau de escolaridade, religião,
aparência física, contatos e amizades, sendo esses alguns dos critérios que pudemos
identificar, mas não nos arriscamos a dizer que são os únicos. Arguirre em Maia, Netto, Costa
e Bretas, (2009, Vol. 1, p.62) afirma que:
Vale a pena enfatizar que as distinções e divisões raciais entre os presos nem sempre
foram impostas à força pelas autoridades das prisões, e sim, que eram amiúde
promovidas pelos próprios presos, que punham em práticas idéias e motivações
raciais que haviam apreendido no mundo exterior.
Na unidade, nossa área de estudo, não observamos o critério da cor e raça como um
dos principais aspectos da segregação espacial dos presos, mas outros fatores são
determinantes como os aspectos renda, grau de escolaridade, aparência física e contatos
(advogados, amigos, familiares). Os privilégios incluem diversas questões além das já
citadas, como acesso aos serviços básicos de saúde, assistência social e defensoria pública,
acesso a DVD dentro das celas, rádio, TV e outros benefícios da tecnologia.
b) O Comércio:
A economia dentro da unidade prisional é pulsante, intensa e diversificada. Existem
diferentes serviços, produtos e trocas. Com exceção de alguns produtos proibidos pelos
próprios presos, como a “pasta base”, encontra-se quase de tudo na prisão. Existe uma
regulação do comércio interno, alguns presos podem se deslocar pelos corredores (os
“correria”) e realizar as trocas, embora existam diversas regras próprias e toda uma estrutura
de como vender, comprar e pagar. Podemos afirmar que o comércio é uma das atividades que
mais identifica a prisão, pois ele está presente em quase todas as ações que compõem a vida
prisional. Analisando mais detalhadamente, o comércio é a atividade que caracteriza toda a
nossa sociedade capitalista. Claval (1979, p. 57) afirma que: “As formas de regulação mais
149
eficazes da sociedade civil são as que nascem da troca; essa dá origem, com efeito, a
processos de resoluções de conflitos.” A prisão não é diferente: os presos, agentes
penitenciários, direção da unidade, empresas, todos estão juntos neste processo.
Importante esclarecer que não existe regulamentação legal dessas práticas comerciais,
contudo são toleradas pelo Estado, ou seja, ele tapa o sol com a peneira. Existem com a
colaboração desta tolerância, pois como afirma Claval (1979, p. 57): “[...] a troca faz parte de
resolução de conflitos”. Numa sociedade mercantilizada como a nossa, estas práticas são tão
enraizadas que ao entrar na prisão os sujeitos presos buscam reproduzir o que sabem. O
comércio é controlado e monopolizado por alguns, constituindo em fonte de muitos conflitos.
Não é de hoje que o espaço prisional comporta o comércio. Marcos Paulo Pedrosa
Costa, no texto Fernando e o Mundo – O presídio de Fernando de Noronha no século
XIX (In MAIA, et al, 2009), nos traz um retrato do período que a ilha serviu de presídio. Essa
ilha serviu como prisão política nos anos da ditadura militar. Em 1964, Miguel Arraes, na
época governador de Pernambuco, foi preso e levado a Fernando de Noronha. Ali permaneceu
por determinado tempo, depois foi exilado do País e no seu retorno elegeu-se governador de
Pernambuco e transformou a ilha em espaço para o turismo e estudos científicos. Território
invadido e disputado por portugueses, franceses e holandeses, possui desde meados do século
XVII registros de presos degradados. Aqui nos aproveitaremos do que o autor nos diz sobre o
comércio na ilha-prisão.
Nesse espaço o comércio era praticado pelos vivandeiros, comerciantes que viviam na
ilha como cidadãos paisanos ou presos sentenciados. Esses, através de práticas de conluio
com a administração pública e possuindo poder econômico, conseguem realizar todo tipo de
comércio na ilha, empréstimo de dinheiro, venda de produtos alimentares, roupas, alugavam
casas, etc. “Os sentenciados tocavam seus negócios livremente, como comerciantes que eram.
Dessa forma, era o sonho de quase todos os sentenciados ter sua própria venda.” Costa (In
Maia, Netto, Costa e Bretas, 2009, Vol.1. p.146). Essa prática é praticamente a mesma em
muitas prisões no Brasil. Alguns documentos como a CPI do Sistema Carcerário (2009) e o
Mutirão do Conselho Nacional de Justiça trazem diversos exemplos desta prática. Veja a foto
21 a seguir:
150
Foto 21 - Mercado dentro do Aníbal Bruno (Recife/PE). Administrado pelos presos. Fonte: CNJ, 2012, p.95.
Por que o Estado em sua plenitude não se responsabiliza de fato pelo espaço prisional?
Detentor de todas as suas instâncias, como o Poder Judiciário, o Ministério Público, as
Defensorias Públicas? Não mudam esse cenário de comercialização e exploração que existe
dentro das unidades? Acredito que ninguém quer de fato tomar conta desses espaços. Essa
ação demanda muito pessoal, recursos, energia, interesse e capacidade de diálogo e
transformação. O Estado deixa uma lacuna, não realizando todas as atividades que deveriam
ser realizadas: educacionais, projetos profissionalizantes, culturais, entre outras. Os presos e
suas lideranças preenchem essa lacuna, ocupando os companheiros de cela com atividades
diversas como os cultos e o comércio. O comércio é um grande negócio dentro da prisão, pois
tudo é vendido e trocado sem impostos, com preços superfaturados. Não podemos negar que
essa prática faz parte da lógica capitalista.
O monopólio se faz presente na unidade. Dentro de determinadas alas apenas alguns
membros tem a “licença” para produzir salgados ou para vender tais produtos, o que gera
preços altíssimos. A lei da oferta e demanda também se faz presente, pois nos dias de visita
quando a oferta de refrigerante de 2 litros aumenta, o preço cai. Em dias comuns, o preço gira
por volta de R$30,00; nos dias de visita cerca de R$ 15,00 ou até mesmo R$10,00. Essa
prática mostra o superfaturamento praticado nos presídios Brasileiros.
Entre os meses de junho e julho de 2014, uma mudança nesse processo aconteceu.
Hoje a penitenciária conta com um “mercado” onde os agentes penitenciários, em parceria
com a gestão da unidade e total apoio da SEJUDH, construíram e estão gerindo uma
mercearia dentro da prisão. Essa mercearia concentra praticamente todos os produtos
151
vendidos na prisão, inclusive com o monopólio da venda de alguns produtos como
refrigerantes, bolachas, entre outros.
Isso não acabou com os “vendedores ambulantes na prisão”: apenas fez com que esses
comprem do “mercado”. A família dos presos foi também proibida de entrar com produtos
que não sejam comprados ali. Essa medida possui adeptos e adversários; muitos presos estão
favoráveis, pois a família não precisa carregar peso nos ônibus e também conseguem produtos
a preços tabelados e não tão variáveis como antes. Os agentes penitenciários e a gestão da
unidade ganharam um novo recurso que também não tem transparência e muitos agentes
penitenciários criticam esse processo, que pode ser motivo de investigações futuras.
Numa tentativa de organizar o comércio de produtos dentro da prisão, o governo do
Estado de Mato Grosso, através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) vem
instalando “mercados” ou “cantinas” nas unidades penitenciárias. A matéria abaixo, divulgada
no site do governo do Estado, apresenta esta solução como uma estratégia que vem moralizar
a situação.
Segundo a SEJUDH este tema foi debatido com o poder judiciário, o Ministério
Público e o Conselho da Comunidade. O dinheiro arrecadado com as vendas seriam
destinadas à melhoria na unidade. O volume de produtos dentro do CRC é imenso; são
distribuídos produtos duas vezes ao dia: de segunda a sexta feira, uma no período matutino e
outra no vespertino. O processo é realizado por agentes penitenciários e presos
“amarelinhos”49.
Figura 34 - Notícia sobre a abertura do Mercado no CRC. Fonte: http://www.mt.gov.br/editorias/justica-direitos-
humanos/centro-de-ressocializacao-de-cuiaba-oferece-150-produtos-em-cantina/114335. Acesso 22/08/2014.
49Os presos que trabalham na unidade vestem camisetas amarelas.
152
Em reportagem do dia 07 de agosto de 201450, o site “Mato Grosso Alerta” traz que:
Um mercado montado em uma sala para restringir a entrada de alimentos foi alvo de
reclamações dos presos e familiares. O gerenciamento é feito pelos próprios agentes.
E o dinheiro da venda dos produtos serviria para financiar melhorias na unidade.
Uma inspeção foi realizada na unidade penitenciária do Presídio do Pascoal Ramos em
Cuiabá, e os presos reclamaram deste controle das mercadorias pelos agentes, pois os mesmos
estariam proibindo as família de trazerem alimentos de casa e exigindo a compra ali no
“mercado”, controlado pelos agentes. No CRC isso é notório, pois existia até um aviso no
portão dizendo “esta é a regra”. Existe uma tabela de preços fixos que é distribuída pela
unidade e os presos e demais funcionários compram produtos lá. Alguns agentes
penitenciários indicaram que os recursos dos produtos seriam utilizados para pagar cursos
para os agentes penitenciários além de melhorias nas condições da prisão. Sem dúvida é algo
muito rentável, pois não existe pagamento de aluguel, água ou luz e os produtos são todos
vendidos com preços acima dos valores extramuros. Temos que admitir que os valores deste
mercado é muito inferior aos anteriormente praticados pelo “comércio local”. Hoje um
refrigerante de 1,5 litros está com o valor de cerca de R$5,00. A figura 39 a seguir apresenta a
tabela de preço dos produtos dentro da penitenciária.
Engana-se quem pensa que isso é para moralizar o sistema comercial interno ao
presídio, pois todas as manhãs o pão que chega para os presos ainda é vendido aos mesmos e
não entregue de graça. Funciona assim: o pão é entregue pela empresa que ganhou a licitação,
os agentes e presos (amarelinhos) distribuem pela prisão, onde os líderes de cada Ala se
apoderam dele é só entregam se o preso pagar R$ 0,50 (cinquenta centavos) por pão. Isso
mantém o líderes de Ala com seu monopólio sobre o café da manhã e agentes com monopólio
do “mercado”. O Almoço e jantar não são vendidos, mas sim entregues conforme a lei.
Devemos ressaltar que os presos deixam claro que, no CRC, os preços de outros
produtos não oferecidos pelo “mercado” (como cobertores, baldes, vassouras, etc.) são muito
mais baratos no CRC que na Penitenciária Central do Estado – PCE (chamada de Pascoal
Ramos). Eles indicam os preços no CRC de balde a R$10,00 e cobertores a R$3,00, enquanto
no PCE seria para os mesmos produtos de R$ 60,00 e R$ 20,00. Isso indica que no CRC
existe um maior facilidade de entrada de produtos e uma maior comercialização dos produtos.
50 Fonte: http://matogrossoalerta.com.br/penitenciaria-passa-por-inspecao/. Acesso 22/08/2014
153
Os presos sabem bem como é a vida em ambos os presídios, pois existe uma
mobilidade muito grande dos presos entre os presídios do Estado - as transferências de presos,
conhecidas por “bondes”. Existem diversos motivos pelos quais os presos são transferidos:
motins, saúde, lideranças indesejadas e porque eles mesmos se rebelam para tal. Em 2012 um
preso pegou uma professora de refém para conseguir um bonde. Felizmente, ela não saiu
ferida e ele conseguiu o que queria. Destacamos que este preso não era estudante na unidade e
que em geral os presos possuem um respeito para com os professores e professoras.
Toda e qualquer forma de se conseguir recursos é utilizada dentro do presídio.
Retomando as figuras 24 e 25 (p. 104 e 105), onde destacamos o espaço ao redor do CRC, ali
está situado um restaurante na frente do presídio, que vende produtos para os familiares dos
presos e que também cobra desses nos dias de visita para guardar seus pertences. Não existe
qualquer atenção aos visitantes por parte do poder público nestas questões, todos sabem das
explorações a que estes são submetidos.
As relações comerciais dentro da penitenciária são institucionalizadas. Ao
publicarmos um jornal dentro da prisão em Junho de 2011 (figura 39), os classificados a
seguir foram um dos temas a serem colocados no jornal. Todo o conteúdo do jornal fora
elaborado pelos presos, ideia da professora de letras. Colaboramos na diagramação e no
encaminhamento para que a IOMAT - Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso -
imprimisse os exemplares que foram divulgados dentro do presídio. Já na figura 35
apresentamos os valores cobramos hoje pelo “mercado” implantado pela SEJUDH.
154
Figura 35 - Tabela de preço dos produtos vendido no “mercado”. Fonte: Preso X. que trabalha no mercado.
Setembro de 2014.
156
c) A religião:
Quando pensamos em uma sociedade como a brasileira que se formou com muitos
traços religiosos, devemos reconhecer a importância desta. Nossas cidades foram construídas
tendo sempre um espaço especial reservado à autoridade religiosa. Murilo Marx (2003, p.7)
sobre isso afirma o seguinte:
O espaço urbano público no Brasil evoluiu lentamente do sagrado ao profano.
Através das mudanças em seu conceito, uso, âmbito e trato, é possível acompanhar a
passagem da predominância religiosa, em seus primórdios, para a secular, nos dias
atuais,...
Na prisão este processo é inverso: a cultura da barbárie e do conflito através de brigas,
motins e fugas deu espaço a construção de ambientes e trabalhos religiosos - espaços
sagrados. As instituições religiosas, em especial as evangélicas, entraram e ali convivem
conseguindo moldar-se ao lugar, adaptando-se as condições e criando uma novo cotidiano e
territorialidades, na tentativa por interesse de conseguir fiéis, tornando o profano sagrado.
Sem deixar de conviver e mesmo alimentar a cultura de extorsão e corrupção, vai sendo
consolidada dentro dos presídios.
A relação entre a fé e as prisões é incerta e, no entanto, é dinâmica e não
regulamentada. Existe a previsão legal de assistência religiosa por parte do Estado, mas na
prática essa assistência se dá de maneiras muito diversificadas e muitas vezes mal
acompanhadas. O País é oficialmente laico, devendo existir espaços ecumênicos para todas as
religiões. No entanto o que temos é o domínio de determinadas religiões. A sociedade
brasileira possui forte relação com as igrejas cristãs. O espaço colonizado no Brasil sempre
teve forte presença da Igreja Católica e as festas religiosas foram durante anos as mais
importantes das cidades, como afirma Murilo Marx (2003, p.166):
A frequência a e o significado da festa em pleno espaço aberto exigiam outros
cuidados além daqueles dispensados ao chão: a caiação das casas e muros, a
decoração de portas, janelas e balcões. À limpeza nas testadas correspondia o asseio
das fachadas; ao revestimento do leito viário com ramos e folhas, o ornato do
frontispício.
Práticas semelhante acontecem nos dias de culto na prisão, onde podemos observar
cuidados especiais. A “cadeia” tem outra rotina e cuidados nos dias “sagrados”: o banho, a
limpeza, a fala, a dinâmica da circulação – tudo muda. Os cultos são atividades simbólicas e
expressivas, como toda ação religiosa. São ouvidos cantos, testemunhos, sermões proferidos
com energia e em alto volume. Pode-se ouvir, às vezes, 200 homens louvando a Deus. Tais
atividades acontecem todos os dias. As diferentes igrejas presentes na unidade (Assembléia de
157
Deus, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus e Caminho para Todos) alternam os dias e
horários para realizarem cultos. Existem diversas atividades religiosas como ensaio de canto,
estudos bíblicos, jejuns, palestras de pastores “da rua”51, entre outros.
A Igreja Católica tem pouco espaço dentro do Centro de Ressocialização de Cuiabá.
Sua ação principal é desenvolvida pela Pastoral Carcerária, que visita a prisão uma vez por
semana e faz uma missa na Unidade II (“contêiner”). São poucos os presos que se declaram
católicos. A maioria dos católicos são os servidores públicos que atuam ali; inclusive existe
uma imagem de Nossa Senhora no setor administrativo da penitenciária. Algumas visitas na
Unidade I também ocorrem, mas são menos frequentes.
Nas fotos 21, 22, 23 e 24 apresentamos imagens das placas das Igrejas Evangélicas
que ocupam o espaço prisional. Fica claro pelas imagens que o território é controlado por
estas religiões.
Foto 21- Placa da Igreja Universal do Reino de Deus. Fonte: Relatório de Gestão da Unidade Prisional. 2012. p.
61.
51Pastores que não estão presos.
158
Fotos 2252 - Corredor B. Fonte: Relatório de Gestão da unidade prisional/ 2010.
Foto 23 - Placa da Igreja Universal do Reino de Deus, demarcando o corredor B.
Fonte: Relatório de Gestão da unidade prisional. 2012.p. 59.
52 Embora seja um conjunto de quatro fotos, vamos considerar esta imagem como apenas uma composição.
159
Foto 24 - Igreja Assembleia de Deus no corredor A. Fonte: Relatório da Direção/2010
Até meados de 2013, a unidade prisional do CRC mantinha placas de igrejas
evangélicas em suas dependências, explicitando o controle que essas exerciam no espaço
prisional. Hoje a maioria dessas placas foram retiradas, mas isso não indica que existiu uma
mudança significativa na estrutura do território, pois as mesmas igrejas continuam no controle
do espaço prisional; a retirada das placas apenas mascara a prática. Uma série de denúncias
realizadas pelos familiares de presos no final de 2012 coloca a prisão em movimento. A
interferência do Ministério Público Estadual (MPE) veio mudar a configuração de forças na
unidade. Pressionados pelo MPE, a direção da unidade e a liderança dos presos tiveram que
mudar a forma de se relacionar e de estabelecer o controle da prisão, pelo menos na aparência,
porque na essência a prática continua a mesma.
A presença do Procurador do Estado ouvindo e investigando fez com que muitas das
práticas ilegais presentes no presídio fossem reveladas. Presos e funcionários do sistema
penitenciário foram remanejados de unidade, de alas e um desmonte aconteceu
principalmente no domínio que a Igreja Universal do Reino de Deus detinha no presídio.
Outra ação tomada foi a troca da direção da unidade: um novo diretor tomou posse. As
mudanças no contexto físico são notórias: a unidade prisional foi pintada, apagando quase
todos os indícios das igrejas. Mas isso apenas na aparência, pois na essência a Igreja
Universal perdeu somente 03 Alas e a Igreja Deus é Amor agora ascendeu e controla as
mesmas Alas; contudo, essa igreja tem estratégias de ação menos chamativas.
Esses acontecimentos indicam a importância de compreendermos as forças externas e
internas que influenciam a produção do espaço prisional, destacando que pode-se gerar
160
mudanças quando agentes externos como o MPE ou o Poder Judiciário interferem, lembrando
que existe uma complexa relação para compreendermos a dinâmica do espaço prisional.
Sempre existe movimento. Ao estudarmos a realidade, devemos situarmo-nos no tempo para
permitir uma compreensão de como as coisas mudam, como afirma Saque (2009, p. 13):
“Estudar o movimento significa estudar indivíduos e grupos, momentos e/ou períodos
históricos e lugares numa relação de totalidade”.
Vivemos em uma sociedade midiática. Essa mídia possui um poder imenso. No site
Mídia News (figura 37 abaixo), encontramos uma reprodução da chamada que coloca o
processo de extorsão exercido pelas igrejas em destaque no presídio do CRC.
Figura 37 – Matéria Jornalística sobre extorsão no presídio. Fonte:
http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=3&cid=115527. Acesso 14/08/2014.
O número de denúncias e as atividades ilícitas estavam muito latentes, o que obrigou o
Estado a toma ruma atitude. Agora esta atitude não vem no sentido de fazer uma revolução,
mas mexer em questões pontuais e desmascarar algumas realidades, ocultando outras. Isso
posto, acrescentamos aqui a matéria divulgada sobre o CRC em abril de 2012 no Cenário MT:
O presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário de Mato
Grosso (Sindspen), João Batista de Souza, revelou que a atual situação do Centro de
Ressocialização de Cuiabá (CRC) envolve situações bem mais graves do que a
cobrança de dízimo e extorsão por parte de algumas igrejas evangélicas.
Souza afirmou que o caos dentro do presídio é tão grande que quem comanda
a carceragem, na verdade, são os presos.
Na semana passada, o Ministério Público Estadual (MPE) desarticulou um
sistema de extorsão promovido por membros de igrejas evangélicas – entre elas, a
Universal do Reino de Deus, do "bispo" Edir Macedo –, dentro do CRC, a antiga
Cadeia Pública do Carumbé, no bairro do mesmo nome, em Cuiabá.
O promotor de Justiça Célio Wilson de Oliveira disse, em entrevista, que o
esquema só é possível com a participação de agentes penitenciários. As
investigações continuam e o presidente do Sindspen foi convocado para prestar
esclarecimentos sobre a situação.
João Batista de Souza admitiu saber da existência do esquema e que os
agentes são praticamente obrigados a cooperar. Ele reafirmou que o presídio é
161
comandando pelos presos e que os agentes ficam impotentes diante da superlotação
das alas e da falta de um local para isolar os detentos considerados perigosos.
“Os agentes prisionais não podem fazer nada. A situação é muito mais grave
do que pode parecer: não são apenas a extorsão, cobrança de dízimo. É cada vez
mais difícil controlar toda essa situação. Na verdade, quem dá as ordens são os
presos. Vivemos sob o perigo constante e o risco de rebelião é grande”, revelou o
sindicalista.
O agente contou que a administração do CRC também está ciente da situação,
assim como a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH). Ele disse que,
para evitar uma possível rebelião ou motim, as irregularidades são aceitas pelos
responsáveis pelo sistema penitenciário, e os presos mandam e desmandam na
carceragem.
“Não é segredo esse poder dos presos dentro das unidades prisionais.
Estamos com superlotação, temos o triplo do que é permitido. Os agentes que vão
contra e reclamam acabam sendo transferidos e vão para presídios distantes, longe
das famílias. A SEJUDH fica jogando a culpa nos gestores anteriores, que não
fizeram o trabalho direito. Mas, também não o fazem na atualidade”, disse o agente.
O presidente do Sindspen disse, ainda, que são os presos que escolhem qual
agente é “autorizado” a cuidar de determinada ala. Agentes que se recusam a
obedecer aos detentos acabam sendo denunciados e transferidos.
“Para ter uma ideia do caos que vivemos, são os presos que escolhem os
agentes que vão cuidar das alas. Não é qualquer agente que pode ter contato com os
presos, sob o risco de morte. Por falta de um local para isolar os presos que fogem às
regras, temos que tolerar e fazer vistas grossas. Quem não aceita é transferido”,
disse.
Dízimo na cadeia
Na semana passada, o Ministério Público Estadual (MPE) desarticulou um
sistema de extorsão promovido por membros de igrejas evangélicas, dentro do
Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC).
A operação foi em cumprimento a mandados de busca e apreensão, expedido
pela 2ª Vara de Execução Penal da Capital.
A ação foi motivada por várias denúncias de presos e de parentes, sobre a
cobrança de dízimo.
Os denunciantes relatam que os presos que não contribuíam com as igrejas
sofriam agressões, eram punidos com transferência para outras alas e até perdiam o
direito de dormir em camas.
O promotor aponta que as denúncias pesam contra três igrejas evangélicas:
Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus e Deus é Amor.
Ele informou que foram encontrados, aproximadamente, R$ 1,5 mil, com um
representante da Igreja Universal. Por mês, a renda de cada igreja, dentro do
presídio, é de R$ 15 mil.
No material recolhido pelos investigadores estão boletos bancários com o
nome da igreja, dinheiro, além de um extrato bancário em nome de um preso e o
saldo de pouco mais de R$ 43 mil.
A operação teve a participação de 50 policiais militares do Batalhão de
Operações Especiais (Bope) e da Ronda Tática Ostensiva Móvel (Rotam), além do
Ministério Público (MP) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado (Gaeco).
O Centro de Ressocialização de Cuiabá tem capacidade para abrigar 392
reeducandos, mas possui cerca de 1,1 mil, atualmente. (Publicado em 23/04/2012
em http://www.cenariomt.com.br/noticia/183769/sem-comando-presidio-em-cuiaba-
e-controlado-por-detentos.html Acesso 01/05/2014)
162
A matéria acima mostra com palavras claras o poder que os presos possuem dentro do
espaço prisional. Quem fala é um servidor que conhece muito bem o sistema penitenciário.
Ressaltamos um trecho da entrevista de Souza (2012):
Para ter uma ideia do caos que vivemos, são os presos que escolhem os agentes que
vão cuidar das alas. Não é qualquer agente que pode ter contato com os presos, sob o
risco de morte. Por falta de um local para isolar os presos que fogem às regras,
temos que tolerar e fazer vistas grossas. Quem não aceita é transferido.
É evidente que existe um acordo entre os presos e servidores públicos e qualquer
reorganização da prisão passa por um conflito. O Estado ainda é insipiente é fraco nestes
espaços; contudo, afirmamos que existem mudanças, principalmente depois da pressão
desencadeada em 1992. Pode-se estabelecer um antes e depois do Massacre do Carandiru53
no sistema penitenciário brasileiro e não apenas no paulista. Toda a estrutura se reconfigura: o
Estado e os presos se reorganizam, pois a dimensão que o episódio alcança no País e no
mundo é imensa. O enfrentamento com o movimento de direitos humanos é intenso, as
imagens dos corpos dilacerados corre o mundo. O livro do médico Dráuzio Varella, “Estação
Carandiru”, foi um sucesso de crítica e gerou um filme homônimo que foi sucesso de
bilheteria. A obra informa e mostra para o público uma dimensão humana dos presos,
contendo as suas relações sociais: os conflitos, romances, privilégios, poderes e medos.
Outra questão importante são os relacionamentos e a organização interna dos presídios
através do crime organizado. Sabemos que muitos dos criminosos presos continuam
comandando seus contingentes de “colaboradores” e, além disso, muitos dos territórios das
cidades são controlados por redes criminosas que possuem membros tanto na prisão quanto
no alto escalão do governo em todas as esferas.
O artigo de Grabiel S. Feltren, “Debates no “mundo do crime”, repertório da justiça
nas periferias de São Paulo”, vem relatar diversos episódios onde as regras que o crime
organizado impõe nas periferias de São Paulo são mais importantes que as do Estado,
expondo como boa parte da população destes territórios possui como referência para solução e
mediação de conflitos as regras e poderes estabelecidos pelo crime e não pelo Estado. O autor
destaca ainda que a organização dos “tribunais do crime” em vários espaços da periferia está
diretamente relacionado a uma crescente organização do crime dentro das penitenciárias
53No dia 2 de outubro de 1992, 111 presos foram executados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo durante
uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por “Carandiru”.
163
brasileiras, principalmente o PCC – Primeiro Comando da Capital de São Paulo. Diz Feltren
(2011, p. 220-221):
A chamada “pacificação” das relações internas ao crime se iniciou na passagem para
os anos 2000 e se consolidou em 2003, quando, segundo relatos recorrentes obtidos
em campo, o PCC assumiu a função de ordenar o “mundo do crime” no local. Com
diversos pontos de venda de droga obedecendo a um mesmo “padrão”, as disputas
armadas entre eles se tornariam muito menos frequentes.
A pesquisa de Feltren está em acordo com diversos depoimentos de presos do CRC
que estabelecem uma clara relação entre as regras do crime dentro e fora da prisão, nos
bairros onde moravam antes da prisão e para onde retornaram. Muitos presos são conhecidos,
parceiros ou desafetos “da rua” e ali, na prisão, eles possuem e seguem rígidas regras para que
qualquer procedimento possa ser realizado com outro preso. Existe toda uma rede de
comunicação que usa até de teleconferências pelos celulares, que busca garantir a veracidade
dos fatos, a fim de não existir” julgamentos” equivocados. No CRC, 54em 2013, um episódio
foi descrito por estudantes. Completamos a denúncia deste fato com a matéria jornalística
abaixo. Uma notícia no site de Nortão Notícias de maio de 2014 nos ilustra esta situação:
Comando Vermelho impõe respeito e manda matar dois detentos em Cuiabá”. Duas
mortes ocorridas dentro do Centro Ressocialização de Cuiabá (CRC) e um latrocínio
na cidade de Várzea Grande foram cometidos por ordem do alto escalão da facção
do Comando Vermelho Mato Grosso (CV-MT), após analisados e condenados numa
espécie de “tribunal do crime”. [...] Os homicídios de Rafael Ramos de Oliveira,
conhecido por “Rafinha”, ocorrido no dia 9 de setembro de 2013, no Centro de
Ressocialização de Cuiabá (CRC), e de Alesson Alex de Souza, no dia 30 de
setembro de 2013, também no CRC, aconteceram em decorrência de sentença
imposta pelos membros do “Conselho Final”. A morte de Rafinha teve a
participação de outro membro do CV-MT, considerado “braço direito” da facção.
Fonte:http://www.nortaonoticias.com.br/policia/102949/Comando_Vermelho_impoe_res
peito_e_manda_matar_dois_detentos_em_Cuiaba. Acesso em 25/08/2014.
A promíscua relação existente entre os dízimos cobrados pela igreja e a administração
da unidade prisional do CRC deixa claro como é fraca a presença institucional do Estado. A
governança da prisão está longe de ser um programa efetivo do poder Estatal, muito menos
nas prisões estaduais. A falta de técnicos competentes não é a única dimensão importante,
pois não se trata apenas de falta de planejamento e gestão, mas de uma cultura enraizada por
séculos que faz das prisões espaços corruptos e dos seres humanos ali presentes seres
inferiores. A presença das práticas religiosas dentro dos presídios vem em tese para garantir
um direito do preso e para colaborar com sua ressocialização.
54Em MT as principais facções criminosas são o Comando Vermelho, o Novo Cangaço e o PCC de SP possui
influencia aqui. Foi o PCC que estabeleceu algumas regras universais na prisão como a proibição da pasta base e
o fim das matanças sem um “tribunal”.
164
Na prática muda as tensões e conflitos e transforma toda a dinâmica da prisão. Mas,
não pode cumprir o papel que lhe é atribuído, pois envolve-se no mesmo processo de
mascarar a verdade e de disputar privilégios que sempre foram as práticas que orientaram as
prisões. Nas figuras 38,39 e 40 a seguir apresentaremos um croqui de como estão distribuídos
as Alas dentro da prisão entre as diferentes religiões. Destacamos uma comparação entre os
anos de 2012, 2013 e 2014, deixando clara a dinâmica ocorrida após momento de denúncias
apontadas na reportagem acima. Pode-se perceber que além da retirada de placas de igreja,
transferência de “pastores” evangélicos (que são presidiários) e um discurso um pouco menos
favorável às igrejas, nada mudou. Existiu um redistribuição do poder, onde a Igreja Universal
que foi a denunciada e que vinha praticando extorsões demasiadamente, mesmo para os
padrões da prisão, perdeu espaço para a Igreja Deus é Amor. O processo pela disputa de
territórios internos é constante e muito dinâmica.
A Igreja no corredor B que pertencia a Igreja Universal do Reino de Deus foi pintada
de branco e em tese hoje é um espaço ecumênico; contudo, na prática podemos observar que o
poder da Universal ainda se manifesta naquele local. É importante dizer que até meados de
2014, a configuração de 2013 se mantinha válida: mantemos espaços evangélicos e não
evangélicos dentro da prisão. Mas já no começo de setembro de 2014, uma Ala que era ímpia
passou a ser evangélica, com a ajuda da gestão da unidade. A Igreja Assembléia de Deus
passou a comandar a Ala A do corredor A. Entre 2010 e fins de 2012 houve uma certa
“manutenção da ordem”. Após este período que coincide com o “fim” da extorsão por parte
da Igreja Universal do Reino de Deus e de alguns agentes penitenciários, o ambiente anda
instável.
Os espaços denominados de ímpios são marginalizados, pois ali não existem oficinas e
nem acesso à escola. As Alas dos “trabalhadores” é uma disputa com as igrejas que perderam
esse “território” e ali os presos tem mais liberdade para criar seu cotidiano sem serem
doutrinados pela igreja. É um espaço privilegiado, pois os presos estudam e trabalham
ganhando remissão. Sem dúvidas é motivo de negociações dentro da prisão para o morar
nessas Alas.
165
Figura 38 – Croqui: A religião e o domínio do espaço, nos anos 2012 e 2013.Fonte: ALMEIDA.G/2014.
166
Figura 39 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 2. Válido até agosto de 2014. Fonte: ALMEIDA. G./2014.
Figura 40 - Croqui: A religião e o domínio do espaço 3, após ocupação da Ala A pela Igreja. Fonte: ALMEIDA.
G./2014.
167
Esta nova configuração permite contabilizarmos que das 7 Alas em cada corredor 5 são
evangélicas hoje. Lembramos que as práticas e doutrinas evangélicas são ensinadas, mas não
existe qualquer correspondência de seus “moradores” serem realmente evangélicos.
Acompanhamos o processo de “tomada” da Ala e do corredor A. Um conflito entre a gestão a
unidade e presos desta Ala tomou uma grande dimensão, quando a gestão foi desafiada a
tomar a Ala e os presos disseram eu não iam deixar. Eram frases: “Vai tomar”, “vai tomar
não”. Houve muitas conversas, reuniões, brigas e depois, com ajuda de outros presos
“evangélicos” e o corpo da guarda, a Ala foi tomada. Confesso que estou surpreso com a
velocidade com que o controle do território está mudando no presídio. Essa instabilidade está
ficando perigosa, pois muitos dos presos nos ímpios que falavam no celular, fumavam
maconha, apostavam dinheiro no boxe55, entre outras coisas estão insatisfeitos.
Quando penetramos em uma outra escala da dinâmica prisional, no nível da Ala onde
vivem os presos, notamos que existem diversas regras a serem seguidas e estas dependem e
muito do controle da religião e de qual religião. Vamos analisar o caso da Ala L no corredor
B, que é da Igreja Universal do Reino de Deus. Nesta Ala existe um certa tolerância com
práticas ditas “mundanas” como: jogar bola, ver filmes (depois de uma censura prévia),
dormir com bermuda; estas atividades são proibidas nas Alas das outras religiões.
Apresentamos a rotina diária dos presos desta Ala abaixo:
Tabela 8 -Atividades diárias na Ala L – Fonte: Entrevista com presos. Organização. ALMEIDA.G.2014.
ATIVIDADE DIÁRIAS - ALA L HORA DURAÇÃO Despertar e escovar os dentes 6h 30 min Leitura da bíblia na cela 6h30 20 min. Louvores à palavra de Deus. Reunião no pátio 7h 1h Reunião de estudos bíblicos no pátio da Ala onde existe um
quadro negro pequeno.
9h-10h 1h
Almoço 11h30 1h Jantar 17h30 1h Oração 18h 30 min à 1h
Nos outros horários os presos podem jogar bola, assistir TV, trabalhar com artesanato,
fazer salgados para vender, ou outras atividades comerciais. Existem duas por cela (cubículos
como chamam). As TVs nunca estão nas camas dos presos, mas em espaços comuns dentro
das cela podem assistir jornal ou programações religiosas. Um “dirigente” comanda o que se
55Uma forma dos presos resolverem conflitos na Ala dos ímpios ou mesmo de se divertirem é apostando
dinheiro. O boxe é muito simples: dois homens no meio de um círculo de outros; eles se enfrentam até um
desistir ou cair. Assistimos a duas lutas de boxe.
168
pode ver. Os presos possuem regras rígidas para ir ao banheiro (“boi”). Devem avisar e ver se
existe alguém comendo dentro da cela. Na figura a seguir apresentamos algumas
características do espaço da Ala:
Figura 41 – Croqui da Ala L. Fonte: Presos entrevistados e organizado por ALMEIDA. G./2014.
2) Os Agentes Penitenciários
Os agentes penitenciários vem conquistando espaço na política pública, primeiro com
o fim do nome carcereiro, mas principalmente com o entendimento por parte do poder público
de que é necessário uma qualificação adequada para este servidor que vive uma situação-
limite todos os dias. O Ministério da Educação, através do Decreto nº 5.773/06, estabeleceu o
Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia e entre estes o Curso Superior de
Tecnologia em Serviços Penais, destinado à formação de agentes penitenciários, novo no
cenário no País. Varella (2012, p. 23) comenta que:
As histórias de heroísmo, os atos de generosidade, a corrupção, a covardia, a prática
da tortura, o desapego à própria vida em benefício de outros, as maldades e os
exemplos de dedicação ao serviço público que se seguem foram observados por mim
ou contados pelos próprios carcereiros com quem tenho convivido.
169
Os agentes são responsáveis por diversas funções dentro da unidade. A Lei Estadual n°
389/2010 estabelece a carreira e as funções dos agentes. Manter e vigiar os presos nas
unidades prisionais são as funções mais óbvias, mas são apenas algumas delas. Os agentes são
responsáveis pela escolta em hospital, velório, IML, audiências judiciais, além de revistar
celas, materiais e visitantes, dentre outras.
Na prática podemos observar que os agentes são muito diferentes, um grupo
extremamente heterogêneo. Dividem-se basicamente entre aqueles que trabalham no plantão
e no expediente, e a cada plantão impõe diferentes relações dentro do presídio. Alguns
plantões são mais fechados e outros mais abertos com relação às regras. Além das regras de
segurança existentes, o envolvimento com os processos de humanização também são
diferentes. Existem agentes penitenciários que impõem ritmo às atividades a serem
desenvolvidas pelos presos, enquanto outros não abrem as celas para nada. O número de
agentes penitenciários que estão no plantão também é uma variável que determina o ritmo das
atividades, pois, com a falta de agentes, muitas das atividades não acontecem, como por
exemplo as aulas. Foram muitos os dias que não tivemos aulas porque não existia um número
mínimo de agentes na unidade. Essa falta se deve a diversos fatores: cursos que os agentes
fazem, afastamento por doenças, transferências para outro setor ou mesmo faltam sem
justificativa, pois é uma cultura do funcionalismo público; sem a presença dos agentes
penitenciários, muitas das ações pensadas e planejadas na prisão não andam.
Na prática diária dos agentes existe uma divisão entre aqueles que seguem o plantão e
os que seguem o expediente. O plantão é formado pelos agentes que trabalham 24horas
corridas e depois tem folga de 72 horas. Esses agentes estão geralmente no corredor, na
segurança da unidade e na escolta dos presos. A revista é um ponto que merece destaque. Em
tese todas as pessoas deveriam ser revistadas. O quadro 6 (abaixo) ajuda a entender cada uma
destas funções.
Em 17 de dezembro de 2013, os policiais militares deixam a prisão. Até esta data a
segurança externa era exercida pela Polícia Militar. O acesso era de responsabilidade desses,
incluindo a revista das visitas como também funcionários. Quanto à escolta para outras
prisões, o fluxo principal dos presos é para o Fórum e para o atendimento de saúde
especializada. Todos os dias existem diversas saídas para o Fórum, sendo que a proximidade
da unidade com o Fórum é uma grande vantagem. Existe a prática por parte de alguns juízes
170
da execução penal de ir as unidades prisionais (por lei devem ir uma vez por mês), mas não
vão em geral com esta frequência.
Quadro 8 - Agentes penitenciários de plantão.
AGENTES PENITENCIÁRIOS-FUNÇÕES NO PLANTÃO Agente no corredor Vigia o corredor; acompanha os presos para os diferentes setores Agente de Segurança Responsável pelo controle de acesso, revistas Agente de Escolta Desloca o preso para o Fórum, policlínicas, hospitais, IML, velórios,
delegacias, etc.
Segundo dados do relatório da direção em fevereiro de 2011, a média de saídas para
diferentes funções é dada pelo quadro 9 abaixo:
Tabela 9 – Saída de Presos. Fonte: Relatório da Direção 2011.
SAÍDA PRESOS
ITEM QTD Saída para saúde em outra cidade - Saída para fórum 158 Saída para banco 8 Audiências em outra comarcas 45 Saída IML 16 Outras saídas 18
De acordo com a Lei Estadual Complementar nº 457, de 22 de Dezembro de 2011.
“Art. 9º (...) (...) § 1º Os Profissionais do Sistema Penitenciário serão submetidos a prévio
curso de formação/qualificação com carga horária mínima de 480 (quatrocentas e oitenta)
horas, a ser realizado pela Escola Penitenciária, após posse no cargo”.
O curso destinado aos agentes, na prática, não passa de 30 dias, com duração de 4h
diárias, acumulando 120h de curso, segundo os agentes entrevistados. Está provado que esse
curso de curta duração é absolutamente ineficiente na prática. Alguns passaram por cursos
com duração ainda menor. Os agentes penitenciários aprendem no dia a dia e através da
transmissão de conhecimentos, vícios e malícias de agente para agente tacitamente sobre o
que deve ser feito e como.
No passado a função exercida pelos agentes penitenciários era chamada de
carceragem. Hoje, embora seja ainda título de alguns livros e estudos, uma das lutas dos
agentes penitenciários foi pela mudança de nomenclatura e acabar com o nome carcereiro.
Esta ação isoladamente não muda todas as práticas de uma categoria, mas é um passo no
reconhecimento de uma nova postura por parte dos agentes penitenciários.
A Constituição Federal não traz a profissão do agente penitenciário como função da
segurança pública no País. No Art. 144 coloca como segurança pública as seguintes órgãos: I
171
- polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias
civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. Agentes lutam pela aprovação da
PEC 308, que altera os artigos 21, 32 e 144, da Constituição Federal, criando as polícias
penitenciárias federal e estaduais, o que lhes renderiam créditos institucionais e financeiros.
É importante notar que o Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado de Mato
Grosso (Sindspen) une os agentes penitenciários. Ele constrói as identidades dos mesmos e é
combativo em geral. Além disso, exerce um papel muito importante entre os agentes penitenciários
de diferentes cidades e unidades penitenciárias. Pode-se notar com facilidade que é um Sindicato
que forma a opinião dos agentes e consegue ser veículo de criação de identidade entre os agentes
penitenciários. Agora, no dia da dia, boa parte da vida prisional se dá nessa relação ora
harmoniosa, ora conflituosa entre presos e agentes.
5.3 A Saúde na Unidade Prisional
O setor de saúde é um dos principais espaços dentro da unidade prisional. Afinal, a
falta de atendimento em saúde acarreta enormes dificuldade. Não se pode imaginar como
trabalhar ou estudar estando doente. Esse setor de saúde encontra-se na Unidade II. O espaço
destinado não é adequado, não só para atendimento dos presos, como também para os
servidores que prestam serviços no CRC. Veja quadro a seguir que trata dos servidores da
saúde:
Quadro 9 - Setor de Saúde: Quadro de Pessoal. Organização: ALMEIDA.G/2014.
PESSOAL DA SAÚDE NO CRC PROFISSIONAL QTD TURNO DE TRABALHO DIFICULDADE
Médico(a)
02 Clínicos gerais
01 Ortopedista
03 Dois períodos na semana. 4h
semanais.
Muitos médicos abandonam a unidade
depois de um tempo; rotatividade dos
médicos é acentuada, um dos motivos é que
esses prestam concurso para outros locais ou
conseguem melhores propostas; faltam com
frequência; um dos médicos está de saída da
unidade; o ortopedista só atende questões
ligadas a sua especialidade.
Enfermeiras 02 30 h semanais
Psicólogos (as) 02 30 h semanais Trabalho não quantitativo; pouca eficiência
imediata; sem estrutura para dar
172
continuidade no tratamento; 172.
Técnicas em
enfermagem
08 Dois por turno Não entrevistadas.
Dentistas 03 Dois períodos na semana. 4h
semanais.
O trabalho é demorado, pois cada caso exige
atenção; existe um kit disponível para o
atendimento, mas é sempre difícil atender à
demanda.
Técnicas em
odontologia
02 Uma por turno Não entrevistadas.
Farmacêutica 01 30h semana Não entrevistada.
Assistência social 02 30h semana Não entrevistadas.
Existem graves problemas com a rotina da prisão, pois depende muito dos agentes de
plantão da unidade. Em muitos dias não se consegue atender um preso, outros dias o
funcionamento é adequado. Existe em geral apenas um agente prisional para acompanhar os
presos até a unidade de saúde. A precariedade da estrutura física é notória; contudo, também
notamos uma má vontade para que se cumpra essa atividade.
O sistema dentro da unidade é o SUS (Sistema Único de Saúde) e, segundo os técnicos
da saúde, o número de funcionários é adequado pelas normas para o setor. A unidade básica
de saúde deve ter uma equipe de saúde a cada 500 presos. Contudo o trabalho interdisciplinar
não existe, como também não existe a cultura de troca de experiências. Segundo a funcionaria
C: “Deveríamos ter um trabalho multidisciplinar mais próximo...mas como as coisas são
feitas, a forma com que as coisas andam, não conseguimos.”
Os presos criam diversas situações para serem atendidas pelo setor de saúde, querem
sair da cela de todas as formas. Muitos criam doenças ou ficam doentes mesmo para sair das
celas. Alguns são viciados em medicamentos, outros conseguem medicamentos e vendem. O
pessoal de saúde informa não saber como determinados presos conseguem medicamentos.
Confira a fala da funcionária L. “Se você for comparar com a sociedade em geral, o
preso tem muito mais acesso a saúde do que qualquer outra pessoa.” Essa afirmação é
ingênua. Quando conhecemos melhor os meandros da prisão, entendemos que o que existe
são privilégios a determinados presos. Um dos entrevistados afirmou:
A: Consigo vaga na marra. Eu: Você consegue médico mais fácil? A: Consigo,
consigo. Eu chego no agente, olha aqui meu amigo Guilherme aqui ó, precisando de
ajuda, com educação, tratando bem o agente. Aqui em cima (Unidade II –
173
“contêiner”), nós temos mais acesso. Tem aqueles que são viciados em remédio,
arruma uma doencinha para sair da cela.
Nessa afirmação acima podemos lembrar Claval (1979, p.14), quando diz:
As regras que presidem as relações não são tão neutras quanto a sua justificação
ingênua pode fazer crer: elas permitem a acumulação de vantagens por alguns. A
influência se difunde por toda parte, toma por vezes uma forma insidiosa e pode, em
geral, ser identificada com facilidade: cada um tem, então, consciência das
estratégias à sua disposição para melhorar sua posição na coletividade onde vive.
Além desta afirmação do preso, temos também a nossa experiência de 4 anos para
afirmar que não existe um critério sério para se conseguir vagas no setor de saúde56. Os
agentes penitenciários responsáveis pelo deslocamento dos presos ao setor de saúde têm
liberdade para escolher quem levar e quando levar. Os técnicos do setor de saúde informaram
nunca terem realizado atendimentos na Unidade I; desta forma, não estão presentes onde estão
a maioria dos presos. Não existe nenhum tipo de triagem entre os presos para saber quais
estão com problemas de saúde. Não existe um critério isométrico para o atendimento dos
presos: existe uma assimetria nas oportunidades, o que ressalta os privilégios e cria um
distanciamento de parte dos funcionários do setor de saúde das realidades dos presos.
Segundo informações fornecidas pelo setor da saúde, não faltam medicamentos
básicos que são destinados à unidade. Em outros tempos já faltaram, mas o projeto RENAME
(Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) do governo federal vem atendendo à
demanda. Remédios de média e alta complexidade devem ser encaminhados para outros
setores, procedimento burocrático e muitas vezes demorado, sempre desigual, lento demais
para uns e não para outros.
O atendimento médico, assim como todos os outros atendimentos na prisão, depende
do encaminhamento dos agentes penitenciários. Conforme já observado no cotidiano e
confirmado nas entrevistas com os presos, existe uma assimetria e uma clara preferência para
determinados grupos de presos conseguirem acesso à assistência à saúde, assim como aos
outros direitos. Em um ambiente altamente controlado e segregador como esse, acontece
muitas vezes do atendimento médico se tornar moeda de troca, seja através de corrupção ativa
(influência ou dinheiro) entre presos e funcionários do sistema, seja através das Igrejas. Um
dos papéis centrais que as Igrejas Evangélicas exercem dentro do sistema penitenciário são as
assistências que o Estado não atende. É através das Igrejas que muitos presos conseguem
acesos a medicamentos simples e complexos.
56O Setor da Saúde encontra-se na parte elevada da topografia do presídio.
174
Essa prática de se selecionar quem tem acesso à saúde ou não dentro do ambiente
prisional não é diferente de outros processos de negação à direitos dentro da prisão. Em
essencial o que acontece é uma seleção daqueles que vão ter melhores condições de vida e
aqueles que terão muita dificuldade, repetindo os processos de exclusão, ou melhor, inclusão
deficiente que existem na sociedade capitalista.
175
6.0 A EDUCAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO
Sobre este tema nos deteremos um pouco mais. Vamos apresentar resumidamente as
políticas públicas de Educação para os espaços de privação de liberdade e a importância desta
ação. Entendemos que a educação é uma das mais importantes ações que estão sendo
desenvolvidas nas unidades penitenciárias deste País. Pode-se dizer que a permeabilidade
social que esta ação traz é como uma brisa que ventila as celas úmidas. Através dos servidores
da educação e de sua relação com os estudantes presos, nasce um espaço para o debate,
conhecimento: funciona como símbolo de esperança na prisão. Os problemas e desafios para a
realização destas atividades são grandes e significativos, o que nos faz pensar que a educação
no sistema penitenciário pode ser vista como um processo de resistência em muitos casos.
Desde 2010 leciono57 as disciplinas de Matemática e Física como professor na Escola
Estadual “Nova Chance”58 em Cuiabá/MT, no Centro de Ressocialização de Cuiabá e na
Penitenciária Central do Estado. Nesse tempo estive vinculado à atividade letiva até dezembro
de 2012 na unidade penitenciária Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), antes chamado
de “Presídio do Carumbé”, nome do bairro no qual o estabelecimento está inserido. Entre
Fevereiro e Julho de 2013, lecionei na Penitenciária Central do Estado, antes chamada de
“Presídio do Pascoal Ramos”, o mesmo nome do bairro onde a instituição se situa. Depois de
licença para o mestrado, volto ao CRC em julho de 2014. Esse convívio com a instituição
prisional sem dúvida é fonte primária de conhecimento sobre as atividades que existem no
espaço prisional. Porém devemos ressaltar que foi através do debate com o Prof. Dr. Cornélio
Vilarinho Neto, nosso professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, que a
compreensão sobre as práticas espaciais ressaltaram-se, como também casou com a existência
da denominação “espaço prisional” e o alcance da geografia enquanto ciência que ajuda a
compreender esse lugar onde atuamos como professores.
A modalidade de educação que se instala nas prisões é a EJA – Educação de Jovens e
Adultos, que tem por diretriz relacionar a educação básica ao cotidiano do educando. O Art.
37 da LDB59/96 diz o seguinte:
57Sou licenciado em Física pela UFSC, leciono matemática e física na EE. Nova Chance. 58A Escola encontra-se em mudança de nome para Nelson Mandela em homenagem ao líder sul-africano e como
forma de distanciamento da Fundação Nova Chance da SEJUDH. 59LDB – Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
176
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e
médio na idade própria.
§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos
adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante
cursos e exames.
Portanto cabe ao Estado e à sociedade civil apostar na educação enquanto estratégia de
desenvolvimento do indivíduo, capacitando-o para o exercício da cidadania e isso se consegue
com um projeto político e pedagógico que venha a instruí-lo de conhecimentos básicos e que
permita uma formação escolar que avance tanto na capacitação para o trabalho quanto para
uma crítica da sociedade na qual estamos inseridos.
A educação básica é de responsabilidade da SEDUC/MT 60– Secretária Estadual de
Educação do Estado de Mato Grosso. Como estratégia para garantia deste direito, criou em
2008 a Escola Estadual Nova Chance61 através do Decreto nº 1.543 de 28 de agosto de 2008.
Ressalta-se que a educação em prisão acontecia antes de 2008, no Estado de MT, através de
diferentes escolas e suas salas anexas nas prisões. Essa Escola está inserida hoje em 35
penitenciárias e cadeias públicas do Estado de Mato Grosso, incluindo a penitenciária
feminina Ana Maria do Couto em Cuiabá. Até meados de 2010 não existia Conselho
Deliberativo da Comunidade Escolar (CDCE), o que inviabilizava a compra de materiais por
parte de gestão da escola. Não tínhamos cadernos, lápis ou qualquer outro material por parte
do poder executivo para realizar as aulas, o que gerava uma autogestão por parte dos
professores, que pediam doações nas livrarias e papelarias, usavam material descartado para
os estudantes escreverem, entre outras estratégias. A situação mudou, a partir de 2011, mas
existe ainda dificuldade de logística para entrega desses materiais e também da merenda
escolar. Hoje a situação é muito mais confortável, incluindo-se a compra de quadros brancos e
ventiladores para as salas de aula.
O debate sobre a Educação nas prisões existe há muito tempo no Brasil. Pode-se
destacar que no fim do século XIX algumas experiências já existiam. Ao tratar do tema sobre
60Pelos dados obtidos, as experiências em educação prisional foram descontínuas até os anos 2000. No Rio de
Janeiro, desde 1967, quando Secretário de Educação, o Sr. Darcy Ribeiro implementou ações educativas
regularmente nas Unidades Prisionais. Fonte:
http://www.observatoriodaeducacao.org.br/ebulicao/ebul19/fai_verde_imp_02.html. Acesso em 04/09/2014.
61 Segundo dados da Secretaria da Escola, em Julho de 2014 a Escola atende: 35 unidades penitenciárias do
Estado (existem 65), estando presente em 32 municípios, contando com 97 professores e 2012 estudantes. A
Gestão da unidade encontra-se em Cuiabá.
177
a educação dos presos na Casa de detenção do Recife, Maia (in Maia, Neto, Costa e Bretas,
2009. Vol. 2, p.126) diz que:
Desde 1870, pelo menos, existia um professor que ensinava a instrução primária aos
presidiários, mas as aulas não eram obrigatórias, e poucos presos se sentiam
motivados a assistir a elas, uma vez que os ofícios com que poderiam porventura se
ocupar quem saísse dali não exigiria a capacidade de saber ler e escrever. Além
disso, como ocorre até hoje, “fazer contas” muitos analfabetos aprendem no dia a
dia. Em 1886, haviam sido matriculados na aula apenas vinte detentos. Por outro
lado, os que tinham interessem particular sofriam com falta de materiais escolares e
com as constantes idas para responder ao júri no interior da província. O resultado
era o baixo rendimento escolar. Um projeto da Câmara dos Deputados pretendia
regularizar a escola primária para os detentos, o que provavelmente tornaria
obrigatória a sua frequência, mas terminou não sendo aprovado, por acharem
suficiente o que existia.
Esse processo de educação nos espaços prisionais sempre foi descontinuo e muito
cheio de falhas. Contudo é através do documento internacional “Regras Mínimas para o
tratamento de prisioneiros”, aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU, de
1957, que este processo de institucionaliza como política pública, prevendo o acesso à
educação de pessoas encarceradas. No Brasil, a Resolução nº 14 de 11 de novembro de 1994
do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCN) estabeleceu a adaptação
e aplicação no Brasil das Regras Mínimas para o tratamento de prisioneiros.
A Declaração de Hamburgo e o Plano de Ação para o Futuro aprovados na 5ª
Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confitea), em 1997, no item
47 do tema 08 do Plano de Ação explicita a urgência de reconhecer a educação de jovens e
adultos:
(...) o direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem: a) proporcionando a
todos os presos informações sobre os diferentes níveis de ensino e formação, e
permitindo-lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas prisões
programas de educação geral com a participação dos presos, a fim de responder as
suas necessidades e aspirações em matéria de aprendizagem; c) facilitando que
organizações não governamentais, professores e outros responsáveis por atividades
educativas trabalhem nas prisões, possibilitando assim o acesso das pessoas
encarceradas aos estabelecimentos docentes e fomentando iniciativas para conectar
os cursos oferecidos na prisão aos realizados fora dela.
O Plano Nacional de Educação de 2001 estabelecia que até 2011, o Brasil deveria
implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendem adolescentes e
jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio,
assim como de educação profissional. Esta meta não se realizou, mas devemos ressaltar que
existiram avanços significativos nesse período, principalmente a partir da criação da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC)
178
que, em 2004, impulsionou a EJA no País todo e sem dúvida foi responsável pela articulação
necessária para expandir a educação nas prisões.
Esse projeto tem sequência através de um acordo em nível federal. Em 2005, o
ministros da Educação Fernando Haddad e o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, assinaram
um protocolo no qual se comprometeram em educar e ressocializar, através da Educação,
toda a população carcerária, homens e mulheres, oferecendo todo o ensino básico, mediante a
modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos (EJA), enquanto estiverem
submetidas às suas penas. Esse protocolo vem na direção apontada por diversos organismos
internacionais que veem a educação como caminho de (res)sociabilização. Essa postura
indica que a gestão integrada da educação bancária, educação para o trabalho possibilita
mudanças na vida pessoal, familiar e social dos reeducandos em todos os processos de
(res)sociabilização.
A lei federal de Execução penal (7.210/1984) prevê a educação no sistema prisional. O
artigo 17 estabelece que a assistência educacional compreenda a instrução escolar e a
formação profissional do preso e do interno, incluindo que o ensino fundamental é obrigatório
e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. Ainda indica que o ensino profissional
será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico e que as mulheres terão
educação profissional adequada a sua condição, podendo existir convênios com entidades
públicas ou particulares que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. A lei prevê
ainda a exigência da implantação de uma biblioteca por unidade prisional para uso de todas as
categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. Com dados no
DEPEN/MJ, o quadro 10 (abaixo) mostra uma ideia do cenário das prisões no Brasil.
Quadro 10 - Cenário do ensino nas prisões. Fonte: DEPEN Outubro de 2012.
ITEM QUANTIFICAÇÃO Prisões (penitenciárias e cadeias públicas) 1.410 no País todo Sem espaço para educação (sala de aulas) 565 ou 40% do total Detentos (2013) 533.027
Estudando 54.000 ou 10.13% do total de presos estudando Sem o ensino básico completo (até o ensino médio) 88% Sem completar o ensino fundamental 45,1% Cursos técnicos 2.600
Não encontramos nenhum estudo acadêmico que nos traga em detalhes como foi o
processo de educação nas prisões em MT. A SEDUC não possui um levantamento detalhado
desse processo. Consultamos o Plano Estadual em prisões. Consta que em 2000 houve um
179
projeto de parceria entre o Serviço Social da Indústria – SESI e o Governo do Estado com a
presença da SEJUSP (Secretaria de Justiça e Segurança Pública, extinta em 2011) nas
unidades prisionais envolvidas: Casa do Albergado da Morada do Ouro, no Centro de
Ressocialização de Cuiabá (antigo Presídio do Carumbé) em Cuiabá/MT e na Unidade
Prisional Regional “Major Eldo Sá Correa” em Rondonópolis/MT.
O quadro 11 abaixo resume as ações, decretos e resoluções que foram criadas para
efetivar a Educação nos espaços de privação de liberdade, lembrando que existe um processo
ainda mais complexo para que essa política possa se efetivar com toda a força. Um dos
grandes problemas que destaca-se desde já é a necessidade de que exista um trabalho conjunto
entre secretarias estaduais e ministérios envolvidos no processo. Sem a presença efetiva da
Secretaria de Educação dentro dos espaços prisionais e sem a devida atenção para a rotina e
os espaços que a educação requer por parte da Secretaria de Justiça, jamais vamos conseguir
efetivar esse trabalho. A colaboração e o trabalho em conjunto entre secretarias é essencial
para a garantia desse direito. Devemos nos lembrar que em geral isso é muito difícil, pois
temos tradições, normas e vícios dentro das secretarias que impedem o trabalho conjunto.
Estamos em processo de aprender a realizar trabalhos interministeriais e intersecretárias.
Quadro 11 – Resumo das ações, decretos e leis no âmbito da Educação no Sistema Penitenciário. Organização:
ALMEIDA.G/2014.
PROJETO, RESOLUÇÕES E LEIS DESCRIÇÃO DA AÇÃO “Projeto Aprendizagem por Imagem”,
depois “Projeto Aprendimagem”, 2003.
Implantado na Unidade Penitenciaria Feminina em Cuiabá/MT.
a) Programa Brasil Alfabetizado 2006
b) Seminário Nacional sobre
Educação nas Prisões, 2006.
a) as resoluções que incluíram a população prisional dentre o
público de atendimento diferenciado das ações de alfabetização;
(b) a parceria com a UNESCO e o Governo do Japão para a
realização de cinco seminários regionais e do primeiro, que
culminaram na elaboração de uma proposta de Diretrizes
Nacionais para a Oferta de Educação no Sistema Penitenciário; Seminário “Educando para a Liberdade”,
2007.
Seminário “Educando para a Liberdade” reúne especialistas pelo
Brasil e da América Latina. Promovido pelo escritório da
UNESCO no Brasil. Resolução nº 3 de15 de junho de 2010 Dispõe sobre as diretrizes operacionais da oferta da Educação de
Jovens e Adultos fixando aspectos de duração dos cursos; idade
mínima para ingresso na EJA; idade mínima para exames de
certificação e a oferta de EJA na modalidade de Educação a
distância.
Resolução nº 2 de 19 de maio de 2010 Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e
adultos em situação de privação de liberdade nos
estabelecimentos penais. Decreto nº 7.626 de 24 de novembro de
2011. Plano Estratégico de Educação
Prisional no âmbito do Sistema Prisional.
Governo Federal.
Ampliar e qualificar a oferta de educação nos estabelecimentos
penais. Mediante a apresentação de Plano de Ação elaborado
pelos estados e Distrito Federal, a União se compromete a prestar
apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento das ações
mediante aprovação dos órgãos federais.
180
Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Altera a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução
Penal), para dispor sobre a remissão de parte do tempo de
execução da pena por estudo ou por trabalho. PROJETO, RESOLUÇÕES E LEIS DESCRIÇÃO DA AÇÃO
A Resolução Normativa nº 005/2011-
CEE/62MT
Fixa normas para a oferta da Educação Básica na modalidade
Educação de Jovens e Adultos no Sistema Estadual de Ensino,
que reforça as orientações da oferta no que concerne à idade,
oferta, organização curricular e aos cursos, exames de
certificação.
Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (Pronatec). Pode vir a ser um bom exemplo de
educação profissional, inclusive dentro das prisões. Contudo
ainda são poucas as unidades prisionais que conseguem ofertar
esta modalidade, devido À estrutura física das unidades. A Resolução Normativa 002/2012 de
13/03/2012 do CEE/MT.
Estabelece as normas para a oferta no Sistema Estadual de
Ensino da Educação para pessoas privadas de liberdade nos
estabelecimentos penais. Atribui as responsabilidades sobre a
educação nos diferentes órgãos estaduais de forma articulada,
reafirmando no âmbito do Estado de Mato Grosso. Plano Estadual de Educação em Prisões do
Estado de Mato Grosso – SEDUC e
SEJUDH, 2012.
Estabelece os princípios e diretrizes para Educação no sistema
penitenciário. Seguindo orientação.
Assinado o Termo de Cooperação entre
SEDUC e SEJUDH para realização das
atividades de educação, 2014.
Este termo traz em seu corpo as responsabilidades de cada
Secretaria no que tange a oferta de Educação no espaço prisional.
Todo este processo de construção de normas faz parte de uma luta constante para se
efetivar a Educação dentro das unidades prisionais. Não podemos negar que existe um grande
avanço desde o ano 2000; contudo, devemos ressaltar que existem diversas resistências e
problemas para se efetivar desde os mais “simples”, como a óbvia falta de espaço físico nas
unidades prisionais para a educação de todos os presos, como questões complexas que
envolvem a cultura de repressão na prisão e o fato de que nem todos que pertencem tanto ao
setor público quanto o setor privado querem ver esse direito efetivado. Dentro da prisão
observamos grupos de agentes penitenciários que dificultam a realização das atividades de
educação, por diversos motivos. Por exemplo: temos no CRC grupos impedidos, ou que pelo
menos sofrem muita resistência para estudarem, como os “ímpios” – termo bíblico para os
sem fé. Esta prática deixa claro que setores religiosos da prisão, em acordo com a gestão da
unidade, impedem que os direitos cheguem ao alcance de todos. Outras dificuldades
encontradas pelos professores no ambiente prisional são: falta de agentes penitenciários para
encaminhar os presos a sala de aula, pois os professores não podem e nem devem realizar esta
ação; o cancelamento de aula por diversos motivos como revistas nas Alas; falta de água entre
62CEE: Conselho Estadual de Educação.
181
outros e a imensa rotatividade de estudantes dentro do ambiente prisional. Os presos
provisórios saem e entram da penitenciária em grande quantidade, logo, as turmas estão
sempre em continua transformação.
Temos muito o que avançar no debate e construção para um currículo e metodologias
a serem empregados na prisão, tanto que reconhecemos uma contradição na educação
oferecida pelo Estado na medida em que não conseguimos incorporar os conteúdos e ao
debate pedagógico questões importantes para uma educação popular como: luta de classes,
desigualdades, história dos povos, marginalização, vulnerabilidade social etc. Acabamos
ainda educando em uma perspectiva burguesa e conteudista. Esse é sem dúvidas um excelente
tema para pesquisarmos, contudo, nos deparamos com uma realidade onde o acesso à
educação é castrado dentro do presídio. Determinados grupos de presos possuem acesso e
outros não aos direitos assegurados em lei como a educação, o trabalho, a assistência à saúde,
jurídica ou religiosa. É sobre essa contradição na vida cotidiana da prisão que vamos debater,
quando a educação se torna um privilégio.
Segundo a coordenadora de Educação, no CRC os presos que estão nas Alas sem placa
religiosa, os denominados “ímpios”, estão estudando, o que começou em 2014. Mas em
conversas com professores e presos fica claro que são poucos os presos desse setor que estão
realmente estudando. Alguns conseguiram até mandato judicial para estudar. Existe o
comportamento de muitos agentes penitenciários não liberarem esses presos para estudar,
tratando a educação como privilégio.
A foto 25 abaixo mostra uma turma de presos que participou de uma parceria com o
SENAI e fez curso de pintura em 2011. O curso foi oferecido apenas para os presos da
unidade II (“contêiner”), mais uma vez deixando claro a segregação existente dentro da
prisão. Isso mostra que existem parcerias estratégicas com o Sistema S de ensino para
capacitação. Agora isso sempre depende de muita mobilização e interesse da gestão do
presídio para organizar tanto os agentes penitenciários, os presos e o espaço para os cursos. A
foto 26 mostra uma sala de na unidade I.
182
Foto 25 - Curso SENAI, 2011. Fonte: Não identificada.
Foto 26 - Sala de Aula. Fonte: Relatório da Direção, 2011.
Ao lermos uma carta de um dos presos da unidade I (figura 44), pode-se observar
alguns dos problemas que esses enfrentam para frequentar as atividades escolares:
183
Figura 42 - Texto de preso elencando dificuldades para estudar na unidade. Fonte: SORAES, 2012. p. 160.
A carta resume muito bem algumas práticas estabelecidas dentro da prisão, que
dificultam o acesso do preso às aulas. São vários os motivos como os elencados acima, mas
existem outros. Ainda não existe dentro da prisão uma estrutura que permita que as aulas
sejam uma rotina para todos.
O processo de educação não formal está presente na unidade, principalmente através
da Igreja. O jornal da Igreja Universal é uma das formas de circulação de ideias e discursos.
Às 19h na rádio da Universal ouve-se o programa “Hora do presidiário”, onde a família do
184
preso manda mensagens para os detentos e ouve-se também cultos e louvores para os presos.
Através do rádio, os presos ouvem palavras de conforto e de doutrinação para o caminho a ser
seguido. Além desse programa ainda existe um jornal em formato de tabloide que circula no
presídio. Veja a afirmação de Soares na figura 44 (2012, p. 190):
O tabloide Folha Universal é um jornal que circula semanalmente na Unidade
Penitenciária, mas existem leitores e não-leitores do tabloide. A imagem abaixo
retrata um pouco dos discursos que circulam nos corredores do presídio, muito
usados para envolver os detentos em uma cultura religiosa.
Figura 43 - Jornal da igreja Universal do Reino de Deus. Fonte: SOARES, 2012, p.190.
Este discurso sustenta as práticas religiosas dentro da unidade prisional e sua forma de
agir. Existe um entendimento quase generalizado de que sem a religião dentro da unidade,
tudo estará perdido. Ouvimos professores(as) dizendo que diminuir as Alas religiosas seria o
fim da educação, que são melhores essas práticas corruptas de cobrança de dízimos do que o
fim das mesmas. Contudo essa prática sustenta um clima de terror para muitos presos e
impede que possamos realizar um trabalho integral dentro da prisão. A solução não é fácil.
Nosso País é laico; por isso, deve-se respeitar o direito à religião com um espaço ecumênico
dentro do presídio, onde livremente as pessoas se manifestem, se assim o desejarem, mas
jamais serem reféns de um sistema que pune quem não é “religioso”. Por isso somos contra a
existência de Alas religiosas. Onde o controle é efetuado pelas organizações religiosas deve
ser feito pelo Estado laico, mas garantindo o direito ao exercício da religião que o preso
escolher, inclusive declarar-se ateu.
Acontece que boa parte da prática religiosa não está dentro da unidade prisional para
trabalhar em cooperação com o Estado e com outras entidades da sociedade civil. Mas é uma
185
máscara, um cenário criado para organizar os presos, impondo a disciplina e extorquindo dos
mesmos recursos financeiros com essas práticas através da cobrança do dízimo. O poder da
igreja na verdade existe por causa do vácuo que o Estado deixa sem projetos sociais
importantes, sem administração e políticas públicas consistentes.
A falta de atenção e ação do poder público nos espaços sobre a sua responsabilidade
não é um privilégio das prisões, mas uma questão estrutural da sociedade capitalista. A
administração pública e privada convivem em um acordo tácito que permite a acumulação
privada de lucro sobre os bens públicos. Esse processo envolve todos os espaços da cidade,
como afirma Rodrigues (In Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi, p.159):
Entendemos que esses municípios abrem mão de suas funções de garantir o bem-
estar e a segurança para todos, de sua atribuição de ordenar o pleno desenvolvimento
urbano e de atentar para a função social da cidade e da propriedade. [...] Garantem,
por outro lado, que a incorporação imobiliária obtenha maiores rendas, lucros e juros
com a propriedade privada da terra, do espaço coletivo e da mercadoria segurança.
Ainda neste sentido Corrêa (1994 apud Konrad, 2010, p.32) diz que:
A atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar
condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condição que
viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas
frações.
Esse processo de ocupação das prisões pelas igrejas é um processo com avanços e
retrocessos e é visto com bons olhos pela sociedade e pelo Estado, pois ajudam a controlar a
barbárie promovendo a exceção do Estado de sua responsabilidade, como também alimenta os
conflitos contínuos e diários dentro da unidade prisional. Segundo um dos agentes prisionais
entrevistados, antes de 2000 ou 2003 o número de conflitos, brigas e pequenas revoltas dentro
da unidade contra a administração era muito grande. Hoje os conflitos são resolvidos quase
exclusivamente pelos pastores e dirigentes. Essa prática deixa claro a omissão do Estado
como bem afirma Claval (1979, p.39):
As contradições e as oposições são os ingredientes necessários à vida social, mas se
adquirem demasiada intensidade, as relações se envenenam e a coletividade corre o
risco de mergulhar no caos. A existência em comum depende de um mínimo de
ordem e entendimento – o sistema deve ser estruturado.
Reconhecemos que a Educação é um ação fundamental para mudar o ambiente
prisional, pois o momento em que os presos saem da cela para a aula é uma oportunidade para
que eles possam encontrar uma janela. Através desta janela sabem o que acontece fora das
prisões, servindo como uma oportunidade de aprendizado, para pensar uma vida diferente ao
sair da prisão. Os motivos que os levam à sala de aula na prisão são diversos como: remissão
186
da pena, passar o tempo fora da cela, poder conversar e debater temas diversos, aprender algo,
estudar e acreditar em mudar – pode-se observar todos os motivos juntos ou separados. A
frase abaixo de uma presa resume muito bem o significado da Escola dentro da prisão, como
consta no relato de Flora (201363):
— Aqui fora, a escola é vista como um lugar de disciplina. No presídio, é de resgate
da liberdade — comenta Flora, que conhece bem o preconceito da sociedade contra
o presidiário. — Uma vez ouvi de um agente: “Meu filho lá fora sem escola e a
senhora aqui, dando aula para vagabundo” Assim como Flora, outros presos e presas desse País veem como uma oportunidade a
existência da educação dentro dos presídios. Na fala de Flora, observamos também outro
aspecto já comentado, o de que muitos servidores do sistema penitenciário entendem a
educação no espaço prisional como privilégio e não um direito. O entrevistado W. fala sobre
isso quando afirma:
Eu briguei muito no sindicato, eu sugeri, mas não colocaram no plano de carreira do
agente penitenciário a função de educador. Foi uma briga. “Não, nossa função não é
de educador.” Mas é sim, está nos tratados internacionais. Ele entrou na unidade, ele
precisa ouvir os seus direitos e deveres, isso é uma educação não-formal.
Não existe ainda na lei um dispositivo que gere a carreira dos agentes penitenciários,
um cargo para esta função, ou mesmo a exigência que as unidades mantenham um agente se
deslocando e soltando os presos para as salas de aula, ou seja, o planejamento integrado entre
as diferentes secretarias precisa ser efetivado. O planejamento em comum não é tarefa simples
e vem sendo negligenciado há anos. No cenário político atual, cada secretaria de Estado é
quase um feudo onde um partido político da base aliada a gerencia como quer, indicando
livremente os postos de alto escalão. O desafio do planejamento integrado entre secretaria vai
muito além da educação em prisões, mas atinge diversas áreas.
Algumas ações em conjunto vêm sendo desenvolvidas no Estado para superarmos
essas dificuldades, partindo principalmente da SEDUC. Vamos apresentar um quadro dessas
ações. As estratégias têm sido construídas tanto do ponto de vista administrativo quanto
pedagógico. Consideramos que a iniciativa mais significativa após a criação da Escola seja a
criação do Plano Estadual de Educação em Prisões, específico para essa modalidade de
ensino. Outros estado da federação também têm realizado o Plano para Educação em Prisões,
uma orientação do MEC.
63http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/apenas-um-em-cada-10-detentos-estuda-no-brasil-8709849
Acesso 10/06/2014
187
Importante evento marcou a assinatura de uma Carta Compromisso entre as duas
Secretárias envolvidas – o “Encontro de Implementação do Plano Estadual de Educação
nas Prisões”, promovido pela SEDUC em junho de 2013. Esse procedimento visa deixar
claro quais são os papéis e responsabilidades de cada uma das Secretarias, buscando processo
coordenado para que a Educação e suas atividades ganhem espaço dentro das unidades. Indo
além do debate sobre o espaço físico, é importante que ganhe prioridade uma rotina adequada
à educação dentro das unidades prisionais. O Plano Estadual de Educação em Prisões
encontra-se em estágio de aprovação na Assembléia Legislativa do Estado.
Para além das normas e legislações pertinentes é importante ressaltar que concordamos
com Freire (2000, apud Souza, 2010, p. 154) quando afirma que:
A natureza da prática educativa, a sua necessária diretividade, os objetivos que se
perseguem na prática não permitem que ela seja neutra, mas política sempre. É a
isso que chamo de política da educação, isto é, a qualidade que tem a educação de
ser política. A questão que se coloca é saber que política é essa, a favor de quê e de
quem, contra quê e contra quem se realiza. É por isso que podemos afirmar, sem
medo de errar, que, se a política educacional de um partido progressista e sua prática
educativa forem iguais às de um partido conservador, um dos dois está radicalmente
errado.
Essa postura crítica sobre a educação é importantíssima, pois a prática pedagógica é
sempre voltada para uma transformação ou manutenção do mundo. A postura política
manifesta-se no cotidiano, na prática pedagógica, e nesse universo prisional nos deparamos
com uma complexidade, cheia de regras e injustiças. Dentro das unidades penitenciárias
existe um conjunto de práticas sociais importantes de serem reconhecidas pelos educadores
para atentar-se a quais realidades estão submetido os estudantes, como afirmam Silva e
Moreira (2010, p.5) que:
A chamada cultura prisional, leia-se o modelo de administração penitenciária, é
sustentada por um tripé cujos pilares são: 1) a elevada tolerância em relação a todas
as formas de violência que se torna o principal fator de mediação das relações entre
instituição/agentes, agentes/presos e presos/presos; 2) a elevada tolerância em
relação à corrupção, não só no sentido pecuniário, mas também em relação aos
valores, hábitos e costumes, que caracterizam o universo prisional como uma
contracultura e 3) a compra e venda de privilégios como técnica de empoderamento
de presos e agentes, sem nenhuma correspondência no mundo real.
A continuidade das ações educativas, seu processo e desenvolvimento dependem
muito da colaboração e união dos educadores e dos gestores do espaço prisional. Cabe a
ambos reconhecer a necessidade de posicionamento no mundo, entendendo que o processo de
educação nesses espaços é muitas vezes de resistência e disputa. Essa população presa foi
sempre comandada e viveu muitas vezes sob ordens de outro. Superar tal paradigma de vida
188
para ganhar um onde a autonomia e a expectativa de realizar um outro destino com suas vidas
é algo desafiador. Desta forma, as aulas não podem ser transformadas apenas em propagação
do conteúdo, mas deve-se aproveitar o tempo para debater as relações sociais, promover a
autorreflexão como ser humano, incentivar as expectativas de vida após a prisão e permitir
que estudantes possuam acesso ao conhecimento cultural, intelectual e social produzido pela
humanidade e dele se aproprie.
O espaço prisional é um espaço fechado, com muros altos, portões trancados e com
pouca permeabilidade com o mundo externo, mas isso não o isola completamente; apenas o
esconde de uma parte da sociedade. A Educação dentro do sistema penitenciário deve romper
com essa perspectiva de privilégios e conseguir agir a fim de garantir acesso a todos os
presos, processo que só é possível através de uma participação da sociedade civil e de um
planejamento e engajamento dos gestores públicos, criando um ambiente que seja
transponível e de portas abertas à cultura popular, erudita e à diversidade.
189
7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É no debate público e democrático que pode-se compreender melhor as instituições
prisionais e repensá-las seriamente. Através da pesquisa e da práxis queremos colaborar com
esse processo. Temos que superar o desserviço que a comunicação de massa faz pelo País ao
moldar o pensamento e a opinião pública numa perspectiva altamente conservadora. Trata a
segurança pública em programas de TV64 altamente tendenciosos que reforçam a segregação,
a marginalização, os estereótipos, e propagam o encarceramento como solução para violência.
Essa forma de fazer jornalismo deveria ser combatida: propomos que exista uma outra, que
mostre como funciona as prisões, como a sociedade capitalista produz a pobreza e debata a
luta de classes. Isso sim poderia contribuir para o crescimento do País.
Nossa investigação vai no sentido de entender a dinâmica da vida prisional através das
práticas sociais e sua projeção no espaço prisional. Buscamos evidenciar algumas das
estratégias de sobrevivência e de organização que existem no sistema penitenciário,
compreendendo-as dentro de uma perspectiva de relações espaciais-sociais, construídas ao
longo do tempo. Acreditamos que somente o engajamento e a militância são capazes de
prover mudanças no mundo; para isso precisamos de conhecimentos sobre as prisões, sobre os
presos e todos os discursos que sustentam esse processo prisional. É importante saber superar
e pensar novas propostas para as penitenciárias brasileiras, compatíveis com nossa leitura de
mundo, onde o isolamento das prisões, o seu esquecimento e distanciamento geográfico e
social da sociedade são incabíveis.
Entendemos que existem muitas dificuldades no atual cenário para a realização de
projetos sociais, educacionais e culturais dentro das unidades prisionais, e o não-
conhecimento de sua estrutura, dinâmica e funcionamento colabora para deixar as ações mais
difíceis. Estamos falando do contexto real, dos conflitos, corrupções, medos, violências,
comércio e contrabando que estão instalados nos presídios brasileiros. O discurso da
ressocialização dos presos pelo poder estatal é contrário às práticas de camaradagem,
lealdade, valores defendidos entre os reclusos e funcionários do sistema. Um microcosmo
64Em Mato Grosso o programa “Cadeia Neles” da Rede Record de televisão faz esse papel. Esses programas
começaram na TV brasileira através do repórter Gil Gomes no início dos anos 1990.
190
prisional que existe há séculos é muito mais forte que o discurso e as ações até hoje
empregadas.
Concordamos com o defensor público Marcos Rondon Silva (2008, p.24) quando
relata na CPI do sistema carcerário:
Primeiro lugar, eu gostaria de dizer que é a nossa convicção de que não há Messias
nem messianismo em execução penal. Não há uma instituição que dará jeito sozinha
nisso, porque é de conhecimento notório que essa é uma situação que vem rolando
há décadas, há séculos neste País. E todas as instituições devem fazer um mea culpa
nessa questão do sistema prisional. E algumas instituições que estão aí bem antes
devem fazer um mea maxima culpa. São convicções que estão presentes nas nossas
mentes e corações.
Portanto uma aproximação desses espaços com a sociedade através de diversas
estratégias como: grupos de pesquisa, voluntários, trabalhos artísticos entre outros é
necessário que aconteça urgentemente. Precisamos urgentemente provocar o debate sobre os
sistema penitenciário em todos os níveis de governo, de ensino e de organização da sociedade
civil. Conhecer e reconhecer esses espaços como lugares próximos que nos afetam, só assim,
nos permite pensar em sua transformação pois vamos nos responsabilizarmos pelo que se
passa no interior desse sistema.
O espaço prisional tem sua origem, modelos e formas que refletem uma postura
ideológica, baseada no nosso paradigma de sociedade e suportado por uma penalogia e um
direito penal que nunca é isento de valores como também de uma ideologia que a sustenta,
lembrando que o espaço prisional é preferencialmente destinado a uma determinada parcela
da população – a classe social proletáriada. O desenho espacial é importante para
entendermos o cotidiano, as territorialidades, dês-territorialidades e temporalidades na prisão.
Capeli (1990 apud Nesbitt, 2010, p. 71- grifo nosso) afirma que: “Uma vez que a arquitetura
aspira a ser compreendia e usada pela sociedade, não pode ser autônoma e ao mesmo tempo
manter sua relevância. A arquitetura, nesse sentido, jamais pode ser isenta de valores.” Existe
sempre um programa a ser seguido, uma intenção ao projetar.
Como espaço por excelência de exclusão social, os presídios conseguem reproduzir no
seu interior as centralidades (para os que se incluem) e recriar novas marginalidades,
excluindo ao máximo para os excluídos. As diversas realidades das unidades prisionais
precisam ser (re)conhecidas pela sociedade para podermos (re)pensar as nossas posturas
frente esses processos e deixarmos o senso comum e os preconceitos de lado. Fazem-se
necessários enfrentarmos o problema e não isolá-lo dentro de altos murros.
191
Tal como todas as instituições sociais, as prisões não podem encontrar alternativas
sérias nesse contexto social, político e econômico. Não pode haver uma transformação
essencial nas prisões sem uma alteração na concepção e estrutura de funcionamento da
sociedade. Podemos evitar barbáries (futebol de cabeça, mortes desenfreadas, brigas
sangrentas, etc.) dentro dos presídios, mas concedendo a determinada entidade o poder de
estar ali controlando o espaço na prisão e ao mesmo tempo estar fazendo outras ilegalidades
como a cobrança de dízimos.
A maioria dos crimes estão relacionados ao patrimônio – isso não é uma coincidência,
mas uma marca da nossa sociedade que segrega social, econômica e culturalmente as pessoas.
Temos uma barreia, um limite intocável neste contexto atual que é o de pensar em mudarmos
e diminuirmos o consumo, o que envolve uma mudança de paradigma e de postura política no
mundo. Por isso entendemos que não seja possível mudar as prisões em sua essência nesse
contexto que vivemos, onde os valores de ter são superiores aos de ser. Marx (In Netto, 2012,
p. 114) afirma que:
“A propriedade privada fez-nos tão estúpidos e unilaterais que um objeto só é nosso
se o tivermos, portanto, se existir para nós como capital, ou se for imediatamente
possuído, comido, bebido, trazido no corpo, habitado por nós, etc, em resumo
usado. [...] Para o lugar de todos os sentidos físicos e espirituais entrou portanto a
simples alienação de todos esses sentidos, o sentido do ter.” (grifo no original).
Sem uma mudança na estrutura e no funcionamento da sociedade, a prisão continuará
com algumas mudanças em sua aparência física, outras no comportamento dos agentes e
funcionários do sistema penitenciário. São transformações importantes para dar fim à extrema
violência, mas não são mudanças essenciais. A aparência é alterada cotidianamente, sem que
exista uma revisão geral desta nossa sociedade. Quando e como os presídios vão assumir a
sua função social? Acreditamos que apenas com uma transformação geral da sociedade, do
paradigma burguês e capitalista chegando ao fim, algo que hoje não está em pauta em nenhum
lugar do mundo.
Nos socorremos mais uma vez em Foucault, para entendermos que existem alguma
relações muito sutis entre as prisões e a estrutura da sociedade capitalista, indicando que a
possibilidade de mudanças concretas dentro das prisões é improvável dentro deste contexto.
Afinal o que realmente as prisões significam neste contexto que vivemos - a sociedade
burguesa capitalista? Não é demais lembrar Foucault (2011, p.84):
Ou para dizer de outra maneira: a economia das ilegalidades se reestruturou com o
desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da
ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois,
192
de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens –
transferências violenta das propriedades; de outro a burguesia, então se reservará a
ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas
próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por
um jogo que se desenrola nas margens da legislação.
Abrimos espaço para que existam esses dois círculos da justiça, um para determinada
classe social e outro para outra. Esta questão é tão enraizada em nossa sociedade que a prisão
é um espaço de exclusão por excelência. As pessoas reproduzem esta exclusão, medem o grau
de renda e influência que cada um possui e criam suas estruturas hierárquicas baseadas neste
processo. Reproduzem todas as injustiças, segregações, marginalizações e não-acessos a
direitos que existem na sociedade capitalista dentro da unidade prisional. O mesmo sentido
Zaffaroni (1991, p. 61) diz que:
Sabiendo que las personas no son criminalizadas por la magnutide de los ilícitos que
cometen sino por sus características personales que las hacen vulnerables al ejercicio
de poder de los sistemas penales, que siempre es estrituralmente selectivo [...]. Dentro da unidade prisional, os sujeitos que possuem determinados privilégios
desviam a lei e os regulamentos em proveito próprio e isso com a devida conveniência dos
servidores públicos.
Ensina ainda Foucault (2011, p. 258) sobre as prisões:
Vamos admitir que a lei destine a definir infrações, que o aparelho penal tenha como
função reduzi-las e que seja o instrumento dessa repressão; temos então que passar
um atestado de fracasso. [...] Mas talvez devamos inverter o problema e nos
perguntar para que serve o fracasso da prisão. [...] Em resumo, a penalidade não
“reprimiria” pura e simplesmente as ilegalidades; ela as “diferencia”, faria sua
economia geral. E se podemos falar de uma justiça não é só porque a própria lei ou a
maneira de aplicá-la servem aos interesses de uma classe, é porque toda a gestão
diferencial das ilegalidades por intermédio da penalidade faz parte desses
mecanismos.
A interpretação de Foucault nos ajuda a entender que o que realmente são as prisões:
instituições de manutenção do poder. Ao contrário do que se argumenta, estas instituições não
são falidas, mas servem muito bem aos detentores do poder, cumprindo o seu papel de marcar
e diferenciar aqueles que devem se adequar ao tempo da máquina, ao trabalho, ao ritmo e
servir enquanto outros vivem.
Mesmo não sendo possível uma transformação radical das prisões, consideramos que
algumas ações devem ser encaminhadas para que possamos alcançar um nível de
desenvolvimento e civilização dentro das unidades penitenciárias do País. Essas ações passam
por questões administrativas e projetos que envolvem o engajamento da sociedade civil.
Elencamos aqui as principais estratégias que julgamos necessárias: a) conhecer e se envolver
com a questão penitenciária, transformando-a em um tema debatido e compreendido pela
193
sociedade; b) a sociedade civil deve entrar nas prisões imediatamente por meio de projetos de
pesquisa, extensão e planos sociais diversos; c) as ong’s e centros de defesa de direitos
humanos devem realizar projetos dentro das unidades prisionais; d) políticas públicas
consistentes devem ser cobradas das autoridades que incluam educação e o trabalho
qualificado nas prisões como prioridade; e) mudança na arquitetura prisional que permita
novas formas de vida e de relações sociais; f) treinamento, capacitação e criação de carreira
para os agentes penitenciários e demais servidores técnicos do sistema penitenciário com a
devida valorização social e salarial; g) a administração penitenciária deve ser capacitada e
com fiscalização ostensiva pela sociedade civil através do conselho da comunidade65; h)
acompanhamento de perto da vida prisional por parte do poder judiciário, ministério público e
do legislativo; i) buscar diminuir a reincidência e mesmo a existência de prisões através de
uma mudança nas políticas sociais e educacionais em âmbito nacional; j) e por fim e
principalmente uma mudança cultural do consumo e nas relações mercantilizadas.
Acreditamos que está é uma das mais importantes razões para a criminalidade.
Devemos refletir se todos estas ações são possíveis de serem realizadas, e
consideramos que são difíceis, mas não impossíveis. Temos ainda que avançar muito no
debate e principalmente no envolvimento com as questões sociais neste País. Acreditamos que
a única possibilidade para mudanças é buscarmos uma transformação social através de uma
política que assegure qualidade no ambiente de trabalho para servidores do sistema
penitenciário e acesso aos direitos para os presos, com engajamento da sociedade e a criação
de um País onde exista o Bem Estar Social.
65Conselho da Comunidade é previsto em lei como instância de controle comunitário da Execução Penal e
deveria existir em todas as cidades que possuem uma cadeia pública ou penitenciária, mas issonão existe na
prática.
194
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINI, Flávio Mourão. O Edifício Inimigo: A Arquitetura de Estabelecimentos
Penais no Brasil. 2002, 154p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). Escola de Arquitetura
da UFMG, 2002. Disponível em: http://mabarquitetura.files.wordpress.com/2013/09/agostini-
flavio-o-edificio-inimigo.pdf. Acesso em 31/08/2014.
ARENDT, Hannah A Condição Humana. 11ª edição. Forense Universitária: Curitiba,
2011.352p.
ARRUDA, Raimundo Ferreira de. Por uma geografia do cárcere: territorialidades nos
pavilhões do Presídio Professor Aníbal Bruno em Recife – PE, 2006. 112p. Dissertação
(Mestrado em Geografia). Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 2006. Disponível em: http://www.ufpe.br/posgeografia/images/documentos/raimundo_arruda.pdf. Acesso em
31/08/2014.
BENEVOLO, Leonardo. Introdução à Arquitetura. 1ºed. Editora Mestre Jou. São
Paulo,1972. 273p.
BERNARDINO, Ana de Cássia Moraes Abdalla. A cidade murada do século XXI. 2006,
97p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Ciências Humanas e Sociais.
Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2006. Disponível em:
http://cpd1.ufmt.br/posgeo/dissertacoes/turma-2004/A-CIDADE-MURADA-DO-SECULO-
XXI.pdf. Acesso em 31/08/2014.
BRASIL, Câmara dos Deputados. CPI Sistema Carcerário. Centro de Documentação e
Informação. Edições Câmara. Brasília, 2009.
BRASIL, Câmara dos Deputados. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984: institui a Lei de
Execução Penal. Brasília: Coordenação de Publicações, 2008. Disponível em:
bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/.../c_execucao_penal_1ed.pdf? Acesso 20/04/2014.
BRITO, Cristovão. A PETROBRAS e a gestão do território no Recôncavo Baiano
[online]. Salvador: EDUFBA, 2008. 236p.
CABANES, R; GEORGES, I.; RIZEK, C.; TELLES, V.S. Saídas de emergência:
ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011.480 p.
CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Cidade de muros, crime, segregação e cidadania em
São Paulo. São Paulo: EDUSP, 2000.399p.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1.
652p.
195
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente. 25.
ed. São Paulo: Cultrix, 1982. 447 p.
CARLOS Ana F. A. Da “organização” à “produção” do espaço no movimento do
pensamento geográfico. SPOSITO, Maria E. B.; SOUZA, Marcelo L.; CARLOS, Ana F. A.
(Orgs.) A produção do espaço urbano. São Paulo: Contexto, 2011. p. 41-73.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007. 74p.
CASTRO, Erika de. Inclusão, colaboração e governança urbana: perspectiva brasileira.
Belo Horizonte: PUC-Minas, 2010. 364p.
CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.352p.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano – Artes de Fazer. 3ªed.Vozes. Petrópolis, 1999.
176p. CLAVAL, Paul. Espaço e Poder, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1979. 258p.
CONGRESSO NACIONAL. CPI Sistema Carcerário. Centro de Documentação e
Informação. Edições Câmara Federal. Brasília, 2009. 615p. Disponível em:
file:///C:/Users/GUILHERME/Downloads/cpi_sistema_carcerario.pdf. Acesso em
31/08/2014.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Mutirão Carcerário – Raio x do Sistema
Penitenciário Brasileiro, 2012. 192 p. Disponível em
http://www.rcdh.ufes.br/sites/default/files/livro_mutirao_carcerario.pdf. Acesso em
31/08/2014.
COSTA, Newton C.A. O conhecimento científico, São Paulo: Discurso Editorial, 1997.
300p.
CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Evolução do Perímetro Urbano de Cuiabá –
1938 a 2007. Ano 2007. IPDU - Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano.
Cuiabá: 2007.74 p.
CUNHA, Manuela Ivone P. Pereira da. A prisão e as suas novas redundâncias.
Universidade Católica Portuguesa. Faculdade de Direito. Minho, 2004.
DELMANTO Celso. Código Penal Comentado. 5ª edição, Editora Renovar. Rio de
Janeiro,2000. 1704p.
DREIFUSS, René. Política, Poder, Estado e força: uma leitura de Weber. Petrópolis: Vozes.
1993.103p.
196
D'URSO, Luíz Flávio BORGES.1997. Linhas Mestras para Construção, Arquitetura e
Localização de Estabelecimentos Prisionais. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n.
19, ago./Nov. pp. 183-210.
ESTECA, Augusto Cristiano Prata. Arquitetura penitenciária no Brasil: análise das
relações entre a arquitetura e o sistema jurídico-penal. 2010, 214f. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. UnB, 2010.
FELÍCIO, Erahsto (org.). Internacional Situacionista. Deriva psicogeografia e urbanismo
unitário. Porto Alegre: Deriva, 2007.
FELTRAN, Gabriel de Santis. Debates no “mundo do crime”, repertório da justiça nas
periferias de São Paulo. In: CABANES, R; GEORGES, I.; RIZEK, C. TELLES, V.S.
Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo:
Boitempo, 2011, p.215-236.480p.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 30ºed.Vozes. Petrópolis/RJ.
2011. 291p.
__________________. Microfísica do poder. 15ª. Rio de Janeiro: Ed. Graal. 2000.
FRANKES, Marcio Batista Siqueira e VILARINHO NETTO, Cornélio Silvano. O Capital
Imobiliário e a Cidade – Uma Análise do Espaço Urbano de Cuiabá como resultado da
Preparação para a Copa do Mundo de 2014. ACTA Geográfica, Boa Vista, v.6, n.13,
set./dez. de 2012. pp.137-154
GAWENDA, Romilda Laurindo Oliveira. Análise regional do Norte Araguaia mato-
grossense: das políticas de desenvolvimento à construção de territorialidades. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade
Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2011, 276p. Cuiabá,2011.
GODÓI, Rafael. Gerindo o “convívio” dentro e fora da prisão: a trajetória de vida de
uma agente penitenciário em tempos de transição. In: CABANES, R; GEORGES, I.;
RIZEK, C.; TELLES, V.S. Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de
São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011, p.169-188.480p.
GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Plano Estadual de Educação nas Prisões.
Cuiabá, 2012. 102p. (Em processo de aprovação) Disponível em:
http://www.sejudh.mt.gov.br/UserFiles/File/SAAP/Plano%20enviado%20ao%20MJ%20para
%20analise.pdf. Acesso em 30/06/2014.
GUIMARÃES, André Augusto. Ontologia e crítica: o método em Marx. Revista
Econômica. vol. I nº II. dez.99 pp.131/142
197
HAESBAERT, Rogério e LIMONAD, Ester. O território em tempos de globalização.
Revista Eletrônica de Ciências Sociais Aplicadas e outras coisas. espaço, tempo e crítica.
Niterói, vol. 1, n° 2. Ago./2007. Disponível em: http: //www.uff.br/etc. Acesso 01/05/2014
HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. São Paulo: Anais
do X Encontro de geógrafos da América Latina, Universidade de São Paulo, p. 6775.
JUCÁ NETTO, C. R. Os Relatórios de 1858 a 1861 da Comissão de Obras da Casa de
Câmara e Cadeia do Icó, na Província do Ceará. In: Seminário Latino-Americano.
Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte, 2008. p. 1-18
JULIÃO, Elionaldo Fernandes. A ressocialização do estudo e do trabalho no sistema
penitenciário brasileiro. 2009. 440 f. Tese. Doutorado (Ciências Sociais). Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
KONRAD, Ana Paula. A relação entre a dinâmica do agronegócio em Alto Garça e as
Transformações no Urbano. 2010. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de
Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2010.
LEAL, César Barros. Prisão, crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. 256p.
MAIA, Clarissa Nunes. NETTO, Flávio de Sá. COSTA, Marcos. BRETAS, Marcos Luiz.
(orgs). História das Prisões no Brasil. 1ªed. Rio de Janeiro: Rocco. 2009. v. 1. 314p.
_________________. Org. História das Prisões no Brasil.1ªed. Rio de Janeiro: Rocco.
2009.v. 2.317p.
MARCONI, Marina de Andrade e LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia
científica. São Paulo: Atlas. 5ª. ed. 2003. 310p.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis:
Vozes, 2001. 204p.
MARTINS, José de Souza. Desfigurações: a vida cotidiana no imaginário onírico da
metrópole. São Paulo, Hucitec, 1996. 124p.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. In: NETTO, José Paulo. O
Leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 183-216. 504p.
MARX, Karl. A Filosofia da Miséria- uma carta a P.V. Annenkov. In: NETTO, José
Paulo. O Leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 169-216. 504p.
MARX, Karl. Manuscrito econômicos filosóficos. In: NETTO, José Paulo. O Leitor de
Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 91-122. 504p.
MARX, Karl. Teses Sobre Feuerbach. In: NETTO, José Paulo. O Leitor de Marx. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 161-166. 504p.
198
MARX, Murilo. Nosso chão: do sagrado ao profano. 2ª. ed. São Paulo: Edusp, 2003. 224p.
MAXIMO, Antonio Carlos. Os intelectuais e a educação das massas. Campinas. Autores
Associados, 2000. 120p.
MIRANDA, Zelma Beatriz Paz. Incentivo fiscal e desenvolvimento regional no Estado de
Mato Grosso: análise do programa de incentivo a cultura do algodão – Proalmat no
período de 1997 à 2007. 2011, 131p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de
Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2012
MORAIS, Antonio. C.R. Geografia: Pequena História Crítica. Annablume, 20ª.ed. São
Paulo, 2005. 130p.
MOREIRA, R. A Geografia serve para desvendar máscaras sociais. MOREIRA, Ruy (org).
Geografia: teoria e crítica. O saber posto em questão. Petrópolis: Vozes, 1982. 125p.
MOREIRA, Ruy. A geografia serve para desvendar máscaras sociais (ou para repensar a
geografia). Território Livre, São Paulo, n. 1, 1979.
MOREIRA, Ruy. O pensamento geográfico: as matrizes clássicas originárias. vol. 1.
Contexto. São Paulo, 2008. 191p.
FRÉMONT, Armand. O Planeta Solitário. 2002 In MORIN, E. A religação dos saberes: o
desafio do século XXI. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 140-144. 583p.
MORIN, E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 2 ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002. 583p.
MOTA, Ronaldo et al. Método Científico & Fronteiros do Conhecimento. Editora Santa
Maria: CESMA, 2003. 156p.
NESBITT, Kate (org.) Uma nova agenda para a arquitetura – antologia teórica 1965-
1995. São Paulo: Cosac Naify. 2ª edição. 2ª reimpressão. 2010. 664p.
NETTO, João Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo. Expressão
Popular. 1 º ed. 2011. 64p.
NETTO, José Paulo. O Leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 504p.
OKADA, Keylla Pereira. “Re” Socialização: Entre a Promessa e a Prática. 2010, 107p.
Monografia. (Bacharelado em Direito). Faculdade de Direito. Universidade de Cuiabá.
Cuiabá, 2010.
OLIVEIRA, Fernanda Amaral de. Os modelos penitenciários no século XIX. Anais do 1 º
Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e modernidade.
Mariana, 2007. Disponível em
199
http://www.seminariodehistoria.ufop.br/seminariodehistoria2007/t/Microsoft%20Word%20-
%20Fernanda.pdf. Acesso em 21/04/2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas para o Tratamento do
Recluso.1957. Disponível em http://direitoshumanos.gddc.pt/3_6/IIIPAG3_6_12.htm. Acesso
em 20 jun. 2014.
PEREIRA, S. P.; COSTA, B. P.; SOUZA, E. B. C (Orgs.) Teorias e práticas territoriais:
análises espaço-temporais. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 215p.
PINHO, Rachel Tegon de Pinho. Cidade e Loucura. Cuiabá-MT: Ed. Entrelinhas e
EdUFMT, 2007. 143p.
PIRES, Sandra de A. Os Centros de Ressocialização e o processo de trabalho do
Assistente Social. Revista Emancipação. Vol. 7, n 1, 2007. Disponível em:
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/86. Acesso 27 de
ago. 2014
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS (PNUD). Relatório
Regional de Desenvolvimento Humano 2013-2014. Segurança Cidadã com Rosto
Humano: Diagnóstico e Propostas para a América Latina. 2014. Disponível em:
http://www.latinamerica.undp.org/content/dam/rblac/docs/Research%20and%20Publications/I
DH/UNDP-RBLAC-ResumoExecPt-2014.pdf. Acesso em 27/08/2014.
RAUTERBERG, Hanno. Entrevista com Arquitetos. Rio de Janeiro: Editora Viana &
Mosley, 2008.168p.
FAUSTINO, Eliana R e PIRES, Sandra de Abreu. Os centros de ressocialização e o
processo de trabalho do assistente social. Ponta Grossa: REVISTA EMANCIPAÇÃO. v. 7,
nº 1, 2007. Disponível em:
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/86. Acesos em
31/08/2014. (REVISTA ON LINE)
ROCHA, José Carlos. Diálogo entre as Categorias da Geografia: Espaço, Território, e
Paisagem. Uberlândia: Caminhos de Geografia, v.9. n. 27, 2008. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15724. Acesso em
31/08/2014. (REVISTA ON LINE)
ROTH, Mitchel P. Prisons and prison systems: a global encyclopedia. Westport:
Greenwood Press. USA, 2006. 392p.
SÁ, Alcindo José de. Geografia do Direito: as normas como formas sócio-espaciais.
Recife-PE. Editora UFPE, 2009. 160p.
SAMPAIO, Renata Alves. Da noção de violência urbana à compreensão da violência do
processo de urbanização: apontamentos para uma inversão analítica a partir da
200
Geografia Urbana. 2011, 148p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2011.
SANTOS, Edna Teresinha dos. O Fenômeno da Prisionização: (Uma experiência no
Complexo Médico-Penal do Paraná). Monografia (Especialização em “Modalidades de
Tratamento Penal e Gestão Prisional). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003. 56p.
SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Edusp 6º edição. 2006. 143p.
SANTOS, Milton. O Papel Ativo da Geografia: um manifesto. In: Revista Território, Rio
de Janeiro, ano V, nº 9, p. 103-109, jul/dez, 2000.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência
universal. 22ª ed. São Paulo: Record, 2012. 176p.
SAQUET, Marco Aurélio; SOUZA, Edson Belo Clemente. (Org.) Leituras do conceito de
território e de processos espaciais. São Paulo: Expressão Popular, 2009. 144 p.
SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma Geografia das Territorialidades e Temporalidades:
uma concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento
territorial. São Paulo: Outras Expressões, 2011.132p.
SECRETARIA DE ESTADO JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS. Governo do Estado de
Mato Grosso. Diagnóstico Setorial e Avaliação dos Programas da SEJUDH. Insumos para
Plano Plurianual 2012-2015. Disponível em:
http://www.sejudh.mt.gov.br/UserFiles/File/SEJUDH/DIAGNOSTICO%20SOCIAL%20-
%20SEJUDH%20OFICIAL.pdf. Acesso em 27/04/2014.
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos.
Contexto. São Paulo, 2006. 440p.
SILVA, Roberto da e MOREIRA, Fábio Aparecido. Educação em Prisões: apontamentos
para um Projeto Político Pedagógico. Congresso Internacional Pedagogia Social. July,
2012. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/pdf/cips/n4v2/26.pdf. Acesso em: 18
jul. 2014
SOARES, Rowayne Ramos. Educação de Jovens e Adultos no contexto do Centro de
Ressocialização de Cuiabá-MT: Práticas de leitura, escrita e letramento. Dissertação de
mestrado. Pós-Graduação em Educação/UFMT. Cuiabá, 2012.196 f.
SOUZA, Ana Inês (org.). 2ª ed. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular,
2010. 344p.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. 1ª
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. 319p.
201
SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do Desenvolvimento Urbano. Bertrand Brasil, Rio de
Janeiro, 2005.
SOUZA, Marcelo Lopes. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão
urbana. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil Ltda, 2008. 288p.
SPOSITO, Maria Encarnação B. Por uma arquitetura engajada. GeoTextos, vol. 5, n. 2,
dez 2009. M. Sposito 13-21.
SUN, Érika Wen Yih. Pena, Prisão, Penitência. 2008, 231p. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília.
Brasília, 2008.
TEIXEIRA, Rubenilson e TRIGUEIRO, Edja. A Praça, A Igreja e a Casa de Câmara e
Cadeia. Símbolos, Usos e Relações de Poder. Revista de Humanidades. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. 2005.
http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_st3/rubenilson_st3.pdf. Acesso
20 de Outubro de 2012.
UNWIN, Simon. Vinte Edifícios que Todo Arquiteto Deve Compreender.1ª edição
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. 227p.
VARELLA, Dráuzio. Carcereiros .1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 232 p.
VASCONCELOS, Pedro de Almeida, CORRÊA Roberto Lobato e PINTAUDI Silvana Maria
(Orgs.). A cidade contemporânea. Segregação espacial. São Paulo: Editor Contexto, 2013.
207p.
VAZ, Oscar de Vianna. A pedra e a lei. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de
Minas Ferais. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura, 2005.
VILARINHO NETO, C. S. A metropolização regional, formação e consolidação da rede
urbana do estado de Mato Grosso. Cuiabá: EdUFMT, 2009.140p.
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 174p.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil.
Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.Disponivel em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf. Acesso em 27/08/2014.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro: parte geral. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.766p.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La filosofía del sistema penitenciario en el mundo
contemporáneo. In: BELOFF, Mary Anne et al. (orgs.). Cuadernos de la cárcel. Buenos
Aires, No Hay Derecho, 1991. pp. 36-62.