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RELATÓRIO FINAL EDUCAÇÃO E BIOPODER NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO BRASILEIRO Profa. Dra. VALQUIRIA ELITA RENK PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

Bipoder e educação

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RELATÓRIO FINAL

EDUCAÇÃO E BIOPODER NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO BRASILEIRO

Profa. Dra. VALQUIRIA ELITA RENK

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁPRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Programa Institucional de Bolsas de IniciaçãoCientífica

CURITIBA

JULHO / 2014

RAIZA LUARA DA SILVA

PROFA. DRA. VALQUIRIA ELITA RENK

<CIÊNCIAS SOCIAIS - EEH>

ICV

EDUCAÇÃO E BIOPODER NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO BRASILEIRO

Relatório Final apresentado aoPrograma Institucional de Bolsas deIniciação Científica, Pró-Reitoriade Pesquisa e Pós-Graduação daPontifícia Universidade Católica doParaná, e órgãos de fomento, soborientação do Profa. Valquiria

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Elita Renk.

CURITIBA-JULHO 2014

SUMÁRIO

RESUMO.......................................................4

1. INTRODUÇÃO.............................................. 6

2. OBJETIVOS................................................8

3. MATERIAIS E MÉTODO.......................................9

4. RESULTADOS..............................................11

5. DISCUSSÃO...............................................15

6. CONCLUSÃo...............................................19

REFERÊNCIAS.................................................21

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RESUMO

A educação pública brasileira e paranaense nas primeiras

décadas do século XX era bastante precária: o número de

escolas não atendia a demanda, o número de analfabetos era

elevado e as condições de trabalho eram precárias. Neste

contexto, neste projeto de pesquisa, analisaram-se como as

políticas de educação do Paraná, nas primeiras décadas do

século XX, que buscavam formar o cidadão nacional, introjetar

valores morais e cívicos, conforme desejado pelo Estado.

Também se analisou a ação do Estado através das políticas e

das biopolíticas no processo de homogeneização da população e

de formação do cidadão, através da instituição escolar. As

políticas públicas de educação tinham como premissa aumentar o

número de alfabetizados, ampliar a quantidade de escolas

normais para a formação de professores e criar medidas para

homogeneizar a população através da legislação escolar. As

leis educacionais, como expressão das políticas de educação,

criavam mecanismos para normatizar e inspecionar os

estabelecimentos escolares e criavam as regras e as normas

para garantir o seu cumprimento. Entre as medidas criadas pelo

Estado para a unificação dos saberes estavam a instituição do

programa oficial de ensino, a adoção de calendário escolar

único, a adoção de livros didáticos e a unificação dos

conteúdos a serem ministrados. As fontes de pesquisa foram os

Relatórios de Governo, as Correspondências de Governo e a

legislação educacional, que são os documentos oficiais e que

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representam as ações do Estado, para com as instituições

escolares. A análise das fontes documentais possibilita

entender como era a relação do Estado com as escolas na

imposição das políticas educacionais e o papel exercido pelas

instituições escolares na formação cívica e moral imposta pela

legislação. Todas as leis que regiam a construção da

instituição escolar paranaense, no período analisado nesta

pesquisa, faziam menção à formação cívica e saudável e as

escolas ensinavam o patriotismo, a civilidade, a moral, a

tradição, a importância da família, do trabalho, da ordem e da

obediência. Após a análise vários relatórios de governo entre

1900 e 1930, conclui-se que a educação é uma forma

institucionalizada e legitimada por todos para a

homogeneização da formação do cidadão brasileiro, assegurando

a ordem e a obediência. O sentimento de pertencimento à nação,

injetado pelas políticas governamentais na educação, é

semelhante ao sentimento de ascensão social proporcionado como

retribuição ao cidadão que se dedica a educação, tida como a

figura de maior importância de uma nação. Não só pela

obediência e sentimento patriótico se reverencia o modelo de

educação tecida pelo governo, mas também como forma de

qualificação para aumentar a mão-de-obra para alcançar um país

desenvolvido materialmente e ordenadamente. Os livros

didáticos tinham conteúdos uniformes, a fim de nivelar todos

os estudantes aos mesmos estudos e assegurar que não haveria

nenhum tipo de desvio ou subversão.

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1. INTRODUÇÃOEste projeto foi aprovado e implementado em novembro

de 2013, em abril de 2014, houve a substituição da aluna

pesquisadora, por motivos de saúde. Desta forma, houve atraso

no início da execução do projeto e todas as etapas não puderam

ser desenvolvidas conforme esperado e previsto no cronograma.

A presente pesquisa se relaciona ao campo da Educação,

pretendendo e possibilitando entender as políticas públicas

educacionais do Brasil, através da escola, no período das

primeiras décadas do século XX. Verificando quais eram seus

objetivos na formação do cidadão brasileiro. Também analisar a

ação do Estado nas biopolíticas, de formação do cidadão e na

produção do sentimento de pertencimento nacional, através da

escola.

O processo de formação do sentimento de pertencimento à

nação, nas primeiras décadas do século XX envolveu políticos,

intelectuais, a imprensa e a população, e atribuindo à escola

a incumbência de formar o sentimento de brasilidade. Ante

isso, várias medidas foram implementadas enquanto políticas

educacionais para homogeneizar o ensino, como ministrar as

aulas em língua nacional, organização das grades de conteúdos

para as séries do ensino primário, adoção de livros didáticos,

incentivo á formação cívico-patriótica e também a construção

dos grupos escolares. (BENCOSTTA, 2005, VIDAL, 2005). Ainda,

nos anos de 1920, foram instituídas medidas de fiscalização e

controle estatal das atividades pedagógicas dos professores,

nas escolas do Paraná. Max Weber (2004) afirma que o Estado,

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enquanto instituição política reivindica para si o monopólio

legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes. O

Estado tinha o poder de fiscalizar, inspecionar as escolas e

criar leis com o intuito de formar o sentimento de

pertencimento à nação. Max Weber (1994, p. 33) afirma que o

poder significa “toda probabilidade de impor a própria vontade

numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for

o fundamento desta probabilidade” (p. 33). Michel Foucault

(1981, 1983, 2008) traz importante contribuição teórica que

permite analisar o processo de fiscalização e inspeção nas

escolas, esquadrinhando, expondo a sua organização pedagógica

e as relações de poder estabelecidas pelo Estado. Também

possibilita analisar as relações de poder e os

constrangimentos que passaram os descendentes de imigrantes

quando da nacionalização compulsória e o biopoder ou a

bioregulamentação exercida pelo Estado sobre a população.

Tornava-se urgente, sob o olhar do Estado, a

homogeneização da população através da escola. Daí a

importância dada a uma organização curricular com um programa

oficial de ensino, adoção de livros didáticos únicos, estímulo

às atividades cívicas patrióticas, publicações patrocinadas

com a intenção de ensinar professores e pais lições de moral e

higiene. As tentativas de uniformizar os livros didáticos nas

escolas públicas do Paraná iniciaram antes dos anos de 1920,

com a edição de uma lista de livros didáticos a serem adotados

pelas escolas públicas. A partir destas prescrições oficiais

as escolas públicas e particulares deveriam seguir o programa

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oficial de ensino e também adotar os livros indicados pela

Inspetoria de Ensino, objetivando formar o cidadão nacional.

Para BORDIEU (1996) tem importante contribuição quando analisa

o papel do estado na unificação da cultura e na homogeneização

das formas de comunicação.

Ante o exposto, a questão de norteadora da pesquisa é:

como os documentos oficiais revelam as políticas de

homogeneização da população, através da educação, nas

primeiras décadas do século XX, no Paraná?

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Relatório Final - PIBIC 13/14

2. OBJETIVOSAnalisar as políticas públicas educacionais do Brasil

nas primeiras décadas do século XX, identificando quais eram

seus pressupostos e objetivos na formação do cidadão

brasileiro.

Investigar a ação do Estado nas políticas públicas de

homogeneização da população, através da legislação e outros

valores de coerção e coação social.

Identificar como os saberes escolares objetivavam a

uniformização e homogeneização do conhecimento a ser

ministrado nas escolas.

Identificar como a legislação escolar foi um instrumento para

a construção do cidadão nacional.

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3. MATERIAIS E MÉTODOInicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica com

autores, que sustentem a compreensão sobre o período

histórico, o processo de formação do sentimento de

pertencimento nacional e o desenvolvimento das políticas

públicas educacionais no Brasil. Foram iniciadas as leituras

de apoio teórico e o levantamento bibliográfico e das fontes

teóricas para compreender dos conceitos fundamentais deste

projeto, que são poder, Estado e biopolíticas. Neste sentido,

as obras de Michel Foucault com os livros: Microfísica do

poder (1981), Vigiar e Punir (1983), Nascimento da

Biopolítica (2004),e História da sexualidade (2001) foram de

fundamentais para entender como ocorrem as relações de poder

na sociedade. De Pierre Bourdieu lemos os seguintes livros

Razões práticas sobre a teoria da ação (1996) e O Poder

simbólico. (2001). Este autor analisa as relações entre poder,

Estado e Educação e em especial como o poder simbólico é

exercido e qual é a importância da escola neste processo. Max

Weber, no livro Economia e Sociedade (1994) permitem

compreender o conceito de poder e o poder do Estado. Estas

leituras possibilitaram o entendimento das questões teóricas

que envolvem o poder, as biopolíticas de Estado, o papel do

Estado Moderno e a violência simbólica.

Também foi estudado o contexto histórico do Brasil neste

período, que são as primeiras décadas do século XX, quando as

políticas de nacionalização estavam presentes em todos os

debates entre os intelectuais e foram implementadas pelo

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Relatório Final – PIBIC 13/14

Estado. Para entender a educação brasileira no século XX foi

lida a tese “Aprendi Português na escola”, que analisa o

processo de formação da nação brasileira nas primeiras décadas

do século e a importância da escola para consolidar este

processo. Sobre a cultura escolar foram lidos dois autores

BENCOSTTA (2005) e VIDAL, (2005). Estes autores analisam as

formas encontradas pelo Estado para homogeneizar os saberes

escolares através da legislação e as formas que as escolas

encontraram para o seu cumprimento.

Num segundo momento foi realizada uma pesquisa qualitativa

documental nos documentos oficiais como Relatórios de Governo,

a legislação educacional, as Mensagens de Governo, as

Correspondências de Governo, das primeiras décadas do século

XX, disponíveis no Arquivo Público do Paraná e na Biblioteca

Pública do Paraná. Os dados empíricos foram organizados nas

seguintes categorias: Escola/professores, estrangeiros; livros

didáticos; saúde higiene; nacionalização; escola rural; moral;

analfabetos (conforme quadro no item 4). Todos os trechos dos

documentos oficiais pesquisados fazem menção às

características de homogeneização através da educação. Esta

forma de organização permite que o pesquisador possa

visualizar a importância destes aspectos para as políticas de

educação e também atribuir significado. Os dados empíricos

estão expressos em diversas fontes, cabendo ao pesquisador

‘interrogá-los’, buscar os significados e atribuir-lhes

sentidos.

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Relatório Final – PIBIC 13/14

A terceira etapa é a da análise dos dados empíricos

conforme as categorias de análise anteriormente delimitadas e

o embasamento teórico, através da análise histórica e

sociológica das políticas de educação do Paraná. A análise

fundamentada nos autores que discutem as políticas de

educação, a organização da cultura escolar, as relações de

poder e as biopolíticas, possibilitou a compreensão e um

melhor entendimento sobre o significado do conceito de

cidadania e qual o papel do Estado na formulação das políticas

públicas educacionais no início do século XX.

Os dados empíricos pesquisados nos documentos oficiais

representam a forma do Estado instituir, gerir e controlar as

instituições de ensino. Os dados empíricos, da pesquisa

permitem visualizar a ação do Estado, e a sua relação com os

aportes teóricos possibilitam compreender como se procediam as

políticas de educação e analisados segundo as categorias de

poder, Estado e biopolíticas.

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4. RESULTADOS

A seguir estão sistematizados os resultados da pesquisa

documental. Todos os documentos analisados entre 1920 e 1937

têm suas maiores características expressas segundo critérios

descritos na primeira coluna da tabela.

Quadro 1. Indicadores das condições de ensino no Paraná 1920-

1937

Escola/professores Referências nos documentos

oficiaisFalta de escolas. Despreocupação do Estado emconstruir, prezava-se maispela eficiência das poucasescolas do que na quantidadedas mesmas.

Condições de trabalho do Professor:Exigência do trabalho doprofessor, aversão à faltas e"descompromissos".Armazenamento das provasrealizadas pelos alunos paraanálise de seu progresso.Instrução de ensino elaboradado 1º ao 3º ano (plano detrabalho/ensino).

Horários das aulas: Horário das aulas: 12:00 às16:30 ou das 08:00 às 12:00,de acordo com a necessidadelocal para educação infantil.

Efetivação dos professores no interior:

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"Conseguimos que professoresnormalistas aceitassemcadeiras em povoados, colôniase vilas do interiorcompletamente desprovidas." "É desvantajoso o professorficar muitos anos no mesmopovoado pelo fato de seadaptar aos costumes locais ede se deixar levar pelainfluência das amizadesnaturais e dos vínculos que oprendem ao lugar (...)tornando-se verdadeirossertanejos."

Estrangeiros Temor da desnacionalização dainfância:"Nenhuma escola poderá serdirigida por estrangeiros,salvo os casos expressamentepermitidos em lei e excetuadasas congregações religiosasespecializadas que mantéminstitutos em todos os países,sem relação alguma comqualquer nacionalidade"

Livros didáticos Adoção de livros didáticosuniformizada, ordem e forma deensino igual para todos.Aprendizado simultâneo dematemática básica e escrita. "Os educadores em geral sequeixam da pobreza dos nossoslivros didáticos. O que existepublicado muito longe está,realmente, de satisfazer asnecessidades do ensino. (...)

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A leitura deve ser variada,tanto quanto possível. Em umamesma classe a criança develer diversos livros deleitura, um compêndio dehistoria, outro de CiênciasFísicas e Naturais, episódiosda vida comum, fatoshistóricos, lições de civismo,tudo de acordo com oadiantamento das series"

Saúde/Higiene Institucionalização da higieneescolar:"Tive a oportunidade de expor,em três palestras, tudo quantopenso em relação aos gruposescolares: sua direção eorganização; cuidadosrelativos à disciplinaescolar, conservação domobiliário e do edifício,higiene do estabelecimento,regime de trabalho, etc." "Higiene em geral: cuidadoscom as mãos e os olhos,moléstias da pele e do courocabeludo, curativos urgentes,medidas a empregar para seconseguir o desejado asseionas escolas"

Nacionalização Ensino de música para reforçara educação cívica e moral.Cantos do Hino e exigência dedisciplina. "Queremos por todos os meiosaperfeiçoar cada vez maisquanto temos feito, sem medirsacrifícios, uma vez que a

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infância patrícia só tenha alucrar com a melhoria daescola pública".

Moral/trabalho Importância da moral e dotrabalho para formar ocidadão:Sem moral não há sentimentoshumanos, não há solidariedadehumana, não há Pátria, pois édessa comunhão de idéias quefazem a felicidade coletivaque os povos se formam paraviver, falando a mesma língua,seguindo os mesmos costumes,obedecendo à mesma tradição,trabalhando o mesmo sol,formando, em suma, a mesmanação, inspirados na mesmareligião." "Consideramos a grandeinfluência que os contosexercem sobre a moral dainfância" "Lembrei ainda a conveniênciade se despertar nas crianças oamor pelo trabalho, jáapontando exemplos, jálembrando meio. A ociosidadeconduz a infância a uma vidabarulhenta, nas ruas e naspraças, onde praticamdesatinos e aprendemperversidades. Outras vezesprejudica economicamente, poisos pobres que lutam com mildificuldades para vencer, namaioria dos casos, poderiamremediar seus males se

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tivessem o hábito do trabalhoque desperta as atividades.(...) Devemos convir que avadiação é um grande mal donosso povo" "A educação física,considerada como base daeducação moral e intelectual,deve merecer os mesmoscuidados da educação moral eintelectual" "Aulas de educação física duasvezes por semana com duraçãomáxima de 20 minutos"

Escola rural/ Nas escolas isoladas cadaprofessora guiava-se como bementendia ministrava osconteúdos conforme ascondições possíveisInfância forjada pelotrabalho: "É aquela que ensina o filhodo colono, a criança que morana roça, que anda descalça eem geral maltrapilha; que logoaos 7 anos já leva o almoço aopai, quando não capina ou puxaterra para os caules emcrescimento; que monta acavalo e toca os animais dopasto para comerem o sal oureceberem cuidados"

Analfabetos Quantidade de analfabetos: 20.000.000 de analfabetos noBrasil no ano de 1920. Maiorprioridade do Estado eraerradicar o analfabetismo.

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Outrascaracterísticas/Observações

Instrução a todas as camadassociais como característica dademocracia. Enquanto paísanalfabeto, o Brasil éconsiderado pobre. Estudo eeducação como forma deconseguir riqueza: "De pobresque ainda somos chegaremos aricos porque cada cidadãoalfabetizado produzirá muitomais e então só tesouros deque dispomos serão realmentenossos" "Ora, a produção depende dacapacidade do produtor e oignorante pouco ou quase nadaproduz" Escola pública primária egratuita para solucionar oproblema do Brasil analfabeto.Mudança na metodologia deensino: "As antigas lições,pesadas e monótonas, sem cunhoeducativo, vazias de interessee sem horário, foramsubstituídas por outras defeição prática, claras para ainteligência e por isso mesmoagradáveis tanto para oespírito que ensina como paraa alma que forma." (página 4)

Fonte: Organizado pela Autora, 2014, a partir dos Relatórios

de Governo do Paraná

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5. DISCUSSÃOPara começar uma discussão teórica acerca desse

estudo, serão citados dois autores importantes cujas teorias

muito se encaixam na perspectiva de dominação e coerção do

Estado, como Max Weber e Michel Foucault. Segundo Weber, o

Estado é "uma relação de homens que dominam seus iguais,

mantida pela violência legítima (isto é, considerada

legítima)", e também “é um aparato administrativo e político

que detém o monopólio da violência legítima dentro de um

determinado território, a partir da crença dos indivíduos em

sua legitimidade”. Dentro do estudo em questão, é bem possível

analisar a análise de Weber. A escola representa a ação do

Estado sobre os indivíduos. Ela é uma instituição que detém o

monopólio da força legitimada pela sociedade. Nesse sentido,

faz-se muito presente o uso do aparato ideológico do Estado,

sempre de mesmo modelo, a ser injetado nos indivíduos em

processo de aprendizagem. Essa formação se dá baseada numa

educação para ‘servir’ ao Estado, para a obediência, moral e

prevenção de reações contra essa instituição.

Considerando que as fontes documentais desta pesquisa são

os documentos de governo, em especial os Relatórios de

Governo, pode-se considerar que eram uma forma de controle que

o Estado tinha para inspecionar, registrar e fiscalizar as

escolas do Paraná. A Inspeção escolar se intensificou a partir

dos anos de 1920, ficando os registros dos inspetores

escolares como importantes fontes de pesquisa sobre a situação

das escolas, as precariedades enfrentadas pelos professores, a

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Relatório Final – PIBIC 13/14

dificuldade de ensino e aprendizagem da língua portuguesa nas

áreas de imigração, a falta de mobiliário e material didático,

a desistência dos alunos e também o grande número de

analfabetos. Cada inspetor e subinspetor de ensino fiscalizava

um certo número de escolas para realizar os exames finais,

inspecionar o funcionamento pedagógico e administrativo das

escolas e certificar-se de que a legislação escolar era

cumprida. No sentido atribuído por Foucault, era o

esquadrinhamento para exercer o poder.

Na mesma perspectiva, e com uma noção diferente de poder,

se encaixa a teoria de Foucault com seu termo “biopoder”.

Antes é preciso analisar a diferença da ideia que Foucault tem

de poder. Enquanto poder para Weber está associado à dominação

e disciplina de uns sobre outros, para Foucault e poder pode

surgir de todos os lugares e não tem uma conotação negativa. O

poder está relacionado com o saber, com o detentor do

conhecimento e a escola segue essa linha: saber, sinônimo de

poder. Nesse sentido, atrelando a teoria de Foucault com os

resultados da análise da educação no Brasil, biopoder é a

forma de regulação que o Estado tem sobre os indivíduos, sobre

seu modo de vida, sobre sua formação uniforme e igual,

permitindo-se à dominação.

O Estado assegura as normas para o funcionamento da

instituição escolar, de forma a manter todos aqueles que

passam por esse processo dentro das normas de obediência e

veneração à pátria. Considerando que a escola é uma forma de

divulgação de informação de muito alcance e muito grande, essa

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grande mobilização e controle do Estado se fazem necessário

para manter um sistema de dominação que começa desde a

infância. Tais idéias têm estreita relação com o pensamento de

Foucault, embora elas nos tragam outra perspectiva, a de que

não somente a instituição escolar, mas sobremaneira os

indivíduos inseridos nesse universo são instrumentos

disciplinadores do ser humano com o objetivo de controlar e

analisar suas ações para atingir finalidades específicas:Importa estabelecer as presenças e as ausências, saberonde e como encontrar os indivíduos, instaurar ascomunicações úteis, interromper as outras, poder a cadainstante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo,sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos.Procedimento, portanto, para conhecer, dominar eutilizar. A disciplina organiza o espaço analítico.(FOUCAULT, 1987, p. 169)

Ante a escassez de escolas e a fragilidade do controle do

Estado, os professores que se dirigiam ao campo ou a regiões

isoladas para lecionar, nem sempre cumpriam a legislação

educacional. Como haviam poucos profissionais qualificados,

nem sempre quem exercia a função de magistério era um

profissional com formação, alguns tinham as habilidades

básicas para suprir a necessidade de alfabetizar, que era a

grande preocupação do governo do Paraná.

Sendo assim, é justificável, nesse sentido, o modelo de

escola que atendia aos preceitos do Estado para formar o

cidadão nacional, uniformizado pelos saber e pelas prescrições

legais, desde o começo do século XX, período em que esse

estudo analisou. Os dados empíricos da pesquisa evidenciam a

percepção do Estado sobre a organização escolar do Paraná,

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Relatório Final – PIBIC 13/14

mas, também revelam as poucas ações para efetivar uma política

que acabasse com o analfabetismo da população, que construísse

escolas públicas para atender a demanda necessária para acabar

com o analfabetismo. Nota-se, desde então, a intenção do

Governo em incutir, através da educação, a semente do

sentimento nacional nos estrangeiros que aqui residiam. Com o

propósito também de incuti-lo, em seus descendentes que já

àquela época começavam a perpetuar tradições e linguagens de

seus ancestrais e não as nacionais.

Sendo assim, ao Estado que pretende ser uno, formando um

cidadão nacional patriota e disponível para trabalhar e lutar

por sua pátria, cabe engendrar o processo de nacionalização

que, se não acatado voluntariamente, deverá ser realizado

compulsoriamente, como o foi no Brasil.

Aos cidadãos brasileiros, sejam eles brasileiros natos ou

imigrantes coube a aceitação e cumprimento das regras, como

afirma Bourdieu:Quando os dominados nas relações de forças simbólicasentram na luta em estado isolado, como é o caso nasinterações da vida cotidiana, não têm outra escolha anão ser a da aceitação (resignada ou provocante,submissa ou revoltada) da definição dominante da suaidentidade ou da busca da assimilação a qual supõe umtrabalho que faça desaparecer todos os sinais destinadosa lembrar o estigma (no estilo de vida, no vestuário, napronúncia, etc.). (BOURDIEU, 2001, p. 124)

O papel da escola no processo de nacionalização me remete

à Durkheim (2010), que afirma que é pela educação que se

transmite a cultura. E foi possivelmente graças às

contribuições do pensamento positivista que imputa à educação,

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Relatório Final – PIBIC 13/14

responsabilidade primordial da família e da escola, a

transmissão da cultura, que coube à escola um papel tão

fundamental na disseminação da cultura brasileira e

fiscalização e controle acerca da assimilação da nossa cultura

pelas imigrantes. Para Durkheim:Cada sociedade forma certo ideal do homem, do que eledeve ser tanto do ponto de vista intelectual quantofísico e moral; que esse ideal é, em certa medida, omesmo para todos os cidadãos; que a partir de certoponto ele se diferencia segundo os meios particularesque toda sociedade compreende em seu seio. É esse ideal,a um tempo único e diverso, o centro da educação.(DURKHEIM, 2010, p. 35)

E esse ideal de homem brasileiro, branco, forte e

saudável, apto ao trabalho, com valores morais e com

sentimento de pertencimento nacional foi forjado pelo Estado,

através de mecanismos de coerção e coação. As escolas tiveram

o papel de moldar o cidadão pretendido pelo estado, que

exercia seu poder de fiscalizar e punir, para garantir o

cumprimento da legislação. Portanto, a infância foi moldada e

as lições sobre patriotismo e moral foram incutidas com

perspicácia na mentalidade das crianças, através das políticas

e do poder exercido.

As dificuldades encontradas na execução deste projeto de

pesquisa foram o período tardio de sua aprovação e a troca de

aluno, o que fez com que praticamente se recomeçasse a

pesquisa documental a partir de abril de 2014.

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Relatório Final – PIBIC 13/14

6. CONCLUSÃO

A pesquisa nos documentos oficiais disponíveis no

Arquivo Público do Paraná e na Biblioteca Pública do Paraná

possibilitou um grande relato sobre a organização da escola no

Paraná. A educação, não só na época a que remete os

documentos, – 1900 - 1930 – mas também nos dias de hoje é uma

forma de homogeneizar, ou seja, de massificar a população. O

analfabetismo, no começo do século XX era a maior preocupação

do governo que ainda estava no processo de construção de

escolas, cujas condições ainda eram precárias e não atendiam

adequadamente a toda a população. Na época, o número de

analfabetos no Brasil chegava a 20 milhões, que representavam

mais da metade da população. Toda a energia do Estado, nessa

época, consistia na tentativa de erradicar o analfabetismo,

pelo menos estava no texto das leis, mas, na prática poucas

ações foram executadas para isso.

Uma das dificuldades que as fontes de pesquisa

demonstraram foi a falta de professores com formação

pedagógica, ou seja, o curso de professor normalista, mas, que

atendiam naquele momento as condições que eram exigidas para

ser um professor primário. Esses profissionais nem sempre

tinham condições de materiais e mesmo mobiliário adequado para

ministrar as aulas, mas, certamente tinham que seguir as

exigências legais e principalmente alfabetizar, ensinar ler e

escrever e as funções básicas de matemática. Nesse contexto de

massificação, e de homogeneização do ensino, algumas medidas

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se tornam necessárias, como o livro didático. Esse material

era escrito de forma a reproduzir a tradição e os hábitos

patrióticos, como a canção do Hino Nacional (até hoje presente

na contracapa de livros didáticos de escolas públicas), e de

unificar os conteúdos para todos os estudantes, nivelando-os

ao mesmo patamar de conhecimento.

Os documentos pesquisados também revelam que a infância

era a esperança do futuro e a escola era chamada a exercer o

papel de difusora do progresso. O estudo e a educação no

Brasil, somado a erradicação do analfabetismo seria o que

traria o progresso e a riqueza, segundo documento oficial: "De

pobres que ainda somos chegaremos a ricos porque cada cidadão

alfabetizado produzirá muito mais e então so tesouros de que

dispomos serão realmente nossos" (Relatório de Governo, 1920,

p.4). Houve ainda uma transição da metodologia de ensino, em

1921 começaram a ser inclusas na escola, as disciplinas para

praticar os conhecimentos adquiridos, visando a formação de

mão-de-obra para contribuir com o progresso da nação.

Conclui-se com esse estudo que o Estado tem pleno poder

sobre os meios educacionais e através dele promove a dominação

em massa e a garantia de uma população patriota e obediente.

As políticas do estado sobre a população, as biopolíticas, são

exercidas pelo estado, para atingir determinados fins, com os

mecanismos de poder que lhe são atribuídos. Qualquer subversão

à ordem, dentro e fora da escola sofre medidas repressivas

para manter-se sob controle. Nesse sentido, faz-se presente

também a característica da educação brasileira como

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Relatório Final – PIBIC 13/14

capacitadora para o mercado de trabalho, aumentando a mão de

obra, ligada à expansão estrutural e ao progresso do país.

Os objetivos propostos pela pesquisa foram atingidos

através da pesquisa documental nos documentos oficiais e

através da análise teórica dos autores das Ciências Sociais.

Investigou-se e analisou-se a ação do estado através das

políticas de homogeneização da população, usando o seu poder

de coação e coerção, para formar o cidadão nacional.

Considera-se que o problema de pesquisa foi respondido com a

pesquisa empírica e análise teórica..

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REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. Razões práticas sobre a teoria da ação. Campinas:Ed. Papirus, 1996.

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