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Trabalho realizado no âmbito da Disciplina de TEORIA DA CONSTITUIÇÃO,para o Curso de Mestrado em TEORIA E CIÊNCIA POLÍTICA
na UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA,
LISBOADezembro de 1999
2
SUMÁRIO
I – Da introdução ao problema.
II – Do concurso de normas penais:a) da definição de concurso de normas;
b) da aparência de concurso de normas;
c) dos tipos de concurso de normas em Direito Penal:i. concurso ideal;
ii. concurso real.
d) de como estabelecer a hierarquia:i. das relações de especialidade;
ii. das relações de subsidiariedade;
iii.das relações de consunção.
e) do afastamento da figura do concurso real;
f) da aceitação da adaptabilidade ou adequação da
figura do concurso ideal.
III – Do concurso de normas constitucionais:a) da polémica da simples adopção e transferência das
categorias propostas pela dogmática penal;
b) das normas jurídicas (a distinção entre REGRAS
jurídicas e PRINCÍPIOS jurídicos);
3
c) das consequências teorético-dogmáticas da distinção
quando aplicada ao concurso de normas;
d) da análise crítica das propostas da penalística.
IV – Da solução proposta:a) da tese da separação dos tatbestande: sua análise
crítica;
b) da tese do concurso legal: sua análise crítica;
c) da tese do concurso ideal: sua análise crítica;
d) da tese da ordenação valorativa: sua análise
crítica.
V – Da plicação da solução proposta:a) do problema do princípio da motivação das decisões
judiciais;
b) da sua concretização constitucional;
c) da sua classificação como Direito Fundamental
Análogo de Direitos, Liberdades e Garantias;
d) das dúvidas sobre a sua validade suprema (o
Princípio da celeridade processual);
e) da aplicação prática das teses
apresentadas/propostas no Capítulo IV;
f) da conclusão.
VI – Das Conclusões.
4
CAPÍTULO I
Da introdução ao problema
A problemática do concurso de normas de Direitos
Fundamentais tem a sua origem na análise que é feita em sede
da matéria referente aos seus limites.
Aquela questão nasce a partir da verificação da ocorrência
de situações, em que, um mesmo acto jurídico1, um mesmo
comportamento jurídico-relevante está em situação de (em
simultâneo) mais do que uma norma lhe ser susceptivelmente
aplicável.
Esta problemática do concurso de normas mereceu por parte
dos penalistas um estudo mais aturado e profundo, o que
permitiu que alguma doutrina constitucionalista pretendesse
(recolhendo os contributos daqueloutro ramo de Direito)
resolver o problema, quando este se colocasse em sede de
normas de Direitos Fundamentais, através da aplicação das
soluções propostas e apresentadas pelos estudiosos do referido
ramo da ciência jurídica.
No entanto, como a seu tempo procuraremos demonstrar, a
solução para a problemática do concurso (ou da concorrência2)1 Positivo (por acção) ou negativo (por omissão).2 Também denominado por KARL LARENZ (Cfr. Metodologia da Ciência do Direito, p. 317) por «confluência devárias proposições jurídicas ou regulações», as quais, segundo este Autor, ocorrem quando existe uma(ampla ou parcial) coincidência de previsões de várias proposições jurídicas, «de tal modo que amesma situação de facto seja [simultaneamente] abarcada por elas» (os sublinhados são nossos).
5
na aplicação de normas em sede de Direitos Fundamentais choca
com outros problemas menos objectivos do que a mera aplicação
das normas em atenção a uma especial relação existente entre
elas, pois que, em sede de Direitos Fundamentais, a
dificuldade maior na tarefa de resolução deste problema reside
«quando os vários direitos concorrentes estão sujeitos a limites divergentes»3,
«devendo determinar qual, dentre os vários direitos concorrentes, assume relevo
decisivo»4.
Aqui, em sede do estudo que nos propusemos “levar a bom porto”,
apenas interessa o concurso de normas, excluíndo-se,
afastando-se ainda o tema e a problemática da colisão de
normas5.
Para uma melhor compreensão dos objectivos e propostas
deste nosso trabalho ainda diremos que nos não procuraremos
limitar a um mero expôr/propôr ideias-força so-bre o conceito em
análise/estudo 6 através da verificação da existência ou não de
similitude entre as duas realidades 7 em abordagem, mas
igualmente procuraremos analisar as (quanto a nós) diferentes
realidades sujeitas a estudo e apresentar, como conclusão
necessária, que face a estas 8 (que, repita-se, nos parecem
diferentes), por isso (ou por causa disso) deverão adoptar-se
3 GOMES CANOTILHO, Constituição da República Portuguesa (ANOTADA), p. 137. (os sublinhados são nossos).4 GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, pp. 655-656 (os sublinhados são nossos).5 Que ocorre quando os Direitos Fundamentais de vários titulares estão (em termos conflituais)presentes numa mesma relação, ou seja «quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titularcolide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ouacumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um “choque”, um autêntico conflito de direitos»(GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 657).6 Ou seja, a existência ou não de um problema de conflito de normas constitucionaisconsagradoras de Direitos Fundamentais e se, a este problema, é possível a aplicação daspropostas de solução apresentadas pela dogmática jurídico-penal.7 O concurso de normas em Direito Penal e o concurso de normas consagradoras de DireitosFundamentais em Direito Constitucional.8 As duas realidades acima referenciadas.
6
duas propostas dogmáticas de dimensão conceptual-funcional (também)
diferente.
Finalmente, impunha-se que, após todo este trabalho de
elaboração teorético-dogmática9 se procedesse à análise da sua
aplicação prática a um caso concreto. Deste modo, colocaremos
em confronto dois princípios constitucionais10 que envolvem a
aplicação da Justiça em fase da utilização de direito (dito)
adjectivo, confronto esse que nada mais representa (nem de
outra forma deverá ou poderá ser entendido) senão um mero
instrumento operativo de análise (ficcionalmente)
laboratorial, utilizado (apenas) com puros objectivos de
demonstração da validade prática de conceitos teóricos
abstractamente criados/apresentados.
9 Que necessariamente resultou de um estudo abstracto-teórico da problemática em análise.10
? A saber: o Princípio da motivação das decisões dos tribunais e o Princípio da celeridade processual.
7
CAPÍTULO II
Do concurso de normas penais
Um único acto ou comportamento humano pode (ao nível do
Direito Penal e não só) realizar a previsão de várias normas e
encontrar-se numa de duas situações, a saber: ou elas (normas)
preveêm apenas um tipo legal de crime11, ou tipificam vários
crimes12.
Perante esta realidade, a doutrina penalística entendeu por
bem estabelecer a diferença entre estas possibilidades
fácticas pois que, sendo (aparentemente) semelhantes, no
entanto, expressam realidades muito diferentes. Assim, no
primeiro caso, apenas haverá uma aparência de concurso pois
que o problema da duplicidade de orientações jurídicas
(dirigidas no sentido do sujeito a quem tais comandos são
direccionados) não se coloca e, portanto, verdadeiramente, o
problema está resolvido à nascença, pois que o resultado seria
sempre o mesmo13, uma vez que as consequências jurídicas seriam
11 E que, igualmente, prescrevem consequências jurídicas idênticas.12 E, então, estas, pelo contrário, propõem a aplicação de consequências jurídicas diferentesou até contraditórias.13 Quer se aplicasse uma quer outra norma, ou seja, quer o sujeito tivesse seguido/cumprido umou outro comando jurídico.
8
idênticas14. Já na abordagem do segundo exemplo 15 a questão
assume contornos de maior complexidade, porque o aqui
normativamente estatuído gera consequências jurídicas
dissonantes. Deste modo, já se torna imperioso resolver a
questão (teórica e abstracta) da aplicabilidade de uma não
única norma a (esse sim) um único facto jurídico-penalmente
relevante. E é aqui que a doutrina penalística fala em
concurso de normas, que só estará resolvido quando apenas uma
das normas em confronto seja susceptível de ser aplicada.
Mas neste momento surgiria a legítima dúvida, que seria a
de saber como se vai optar por uma das normas. Ou seja, o
problema que agora se coloca versa sobre quais serão os
critérios que deverão presidir à tarefa de sucessiva
selecção/eliminação das normas em confronto até que apenas uma
fique de pé e validamente aplicável. Assim quando «várias normas
que se podem aplicar ou são aplicáveis, e no entanto, por (ou devido a) um certo tipo
de relação em que essas normas se encontram entre si, uma delas é excluída pela
outra, ou algumas são excluídas por uma outra» 16
17 o problema do
concurso, nesta situação, resolve-se através da aplicação da
norma que venceu graças às consequências que dessas mesmas
relaçõees (que se verificam entre as normas penais) resultam,
relações essas que a doutrina que estuda este ramo de Direito
costuma distinguir em três 18, a saber:
14 Aqui o único problema está localizado na mente daquele que praticou o facto, pois que lhecaberá apenas a tarefa de optar por aque-la que lhe aprover, por a julgar mais favorável.15 As normas em oposição/concurso estabelecem tipos penais diferentes e consequências jurídicas(logicamente) diferentes.16 TERESA PIZARRO BELEZA, Direito Penal / 1º volume, p. 519 (os sublinhados são nossos).17 Sobre o tema e o problema ver a abordagem de EDUARDO CORREIA [Cfr. A teoria do Concurso em DireitoCriminal (I – Unidade e Pluralidade de Infracções; II - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juíz)], que na p. 17aponta uma outra definição (concurso ideal ou formal), e sendo que para este A. esta a situação emque «uma só acção é objecto de várias apreciações jurídico- -criminais, em que uma só actividade viola várias disposiçõesde lei (...)». Nos «(...) casos em que uma e a mesma conduta é referível a diferentes preceitos criminais", nestes casos,estamos perante o chamado "concurso ideal heterogéneo, subjectivo ou de espécies diferentes"» (os sublinhadossão nossos).18 Aqui seguiremos de perto as propostas de TERESA PIZARRO BELEZA, in op. cit., pp. 520 e ss..
9
1. relações de especialidade:
as quais acontecem quando duas normas se confrontam
ou concorrem no sentido de serem aplicadas a um caso
concreto (o qual preenche a previsão normativa de
ambas as regras), mas, porque só uma delas poderá ser
a eleita, só uma será aplicada, cedendo aquela que
possuir a característica da especialidade, ou seja
aquela que, perante a outra, fôr dotada da
característica que lhe assiste por ocupar uma posição
mais elevada no «”escalão” de especialização» (TERESA
PIZARRO BELE-ZA) existente entre as normas que
produzem efeitos jurídicos da mesma natureza, pois
que, a assim não acontecer, contradir-se-ia o
princípio “ne bis in idem”. Nestas relações de concurso
aparente entre normas penais, o crime especial contém
todos os elementos do tipo legal geral, acontecendo,
portanto, a derrogação do segundo pelo primeiro (em
razão da tal característica da “especialidade”), só
sendo este o aplicado 19;
2. relações de subsidiariedade:
nas quais o que está em causa é uma relação em que de
duas ou mais normas (potencialmente) aplicáveis, pois
que «uma delas só se aplica quando uma outra não tiver
possibilidades de ser aplicada; ou seja, ou por imposição expressa da
lei, ou porque através de um raciocínio de interpretação chegamos a
essa conclusão, uma norma só e aplicada quando a outra não o possa
19 Segundo EDUARDO CORREIA (in op. cit., pp. 127 ss.), a relação de especialidade que se estabeleceentre as normas penais, «tem como efeito, segundo é bom de ver, a exclusão da lei geral pela aplicação da leiespecial: "Lex specialis derrogat legi generali". Mas sob uma condição, restringe HONIG, da referência deambos os preceitos a uma só conduta». Mas este eminente penalista não deixa de, ele próprio, lembrarque esta exclusão da lei geral pela lei especial só ocorre «relativamente aos elementos de facto que,requerendo isoladamente a aplicação desta, concorrem ao mesmo tempo para o preenchimento daquela. Tudo, pois, sepassa sem qualquer recurso ao momento da unidade da conduta» (os sublinhados são nossos).
10
ser» 20. Agora o que aqui está em causa é a existência
de um facto que preenche dois tipos penais, mas,
havendo uma forma de agressão menos intensa, esta é
absorvida pela mais intensa (é, normalmente, o caso
das relações estabelecidas entre os crimes de perigo
e os crimes de dano 21; e,
20 TERESA PIZARRO BELEZA, in op. cit., p. 526.21 Novamente citamos EDUARDO CORREIA (in op. cit., pp. 145 ss.): «A relação de subsidiariedade pode antes detudo entender-se num sentido lato, justamente como aquela relação de hierarquia entre dois pre-ceitos dada a qual umdeles (o subsidiário) deixa de ter aplicação quando em concorrência com outros (o primário). Com tal conceito, como muitobem observou HONIG, nada ganha no entanto a dogmática criminal. O afastamento da eficácia de uma norma em virtude daaplicação de outra é, na verdade, justamente o efeito das relações de especialidade e consunção. Quando muito, pois, falandoem subsidiariedade, obtém-se apenas uma outra fórmula, um conceito superior mais vasto capaz de abranger aquelesdois princípios».
11
3. relações de consunção:
são aquelas que se estabelecem entre normas penais
concorrentes «quando de um tipo de crime faça parte, não por
definição do Código, mas de uma forma característica ou típica, a
realização de outro tipo de crime» 22. Nestes casos o tatbestand
penal contém, tipicamente (se bem que não
necessariamente), o outro tipo, gerando-se assim uma
situação em que a norma “mais grave” consome a “menos
grave” (é o caso do roubo por arrombamento, cuja punição
é aplicada em vez daquelas que pareceriam ser as mais
naturais, ou seja, introdução em casa alheia e dano).
Excepcionalmente, uma relação de consunção diversa
pode ter lugar (e, no caso, denominar-se-à “impura”),
quando o crime mais grave acompanha o menos grave,
sendo então aplicável a pena mais leve 23.
Mas esta solução só existe (só pode servir de
modo de resolução desta problemática) quando entre as
diferentes normas em confronto há lugar para a
aplicação desta proposta de resolução do problema.
Ora tal só acontece quando estejamos perante uma
situação de concurso aparente de normas 24. Face ao que ao
22 TERESA PIZARRO BELEZA, in op. cit., p. 532.23 Ainda EDUARDO CORREIA (in op. cit., pp. 130 ss.). Segundo este autor, as relações de consunçãoque se estabelecem entre as normas penais são «laços de dependência mais estreita», de tal forma que«uns contêm-se nos outros», sendo que alguns dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal «sãoformados pela fusão de dois ou mais valores que já vários preceitos penais protegem», enquanto que outros «resultamde se acrescentar um elemento novo ao valor ou bem jurídico doutro tipo», e, finalmente «outros ainda são entre sidiversos só porque exprimem no plano criminal a específica significação de diferentes formas ou graus de ofensa de ummesmo interesse ou valor». Ora, quando as normas penais se encontrarem numa destas situações,então estaremos perante uma situação de relação de consunção, ou seja, «uma consome a protecçãoque a outra visa. E como não pode oferecer dúvidas que a mais ampla, a lex consumens, tem em todo o caso de ser eficaz,é manifesto, sob pena de clara violção do princípio ne bis in idem, que a menos ampla, a lex consumta, não podecontinuar a aplicar-se. A consideração das relações entre bens jurídicos que enformam as normas criminais permite, assim,descobrir este outro princípio de exclusão de um de vários preceitos em benefício de outro: lex consumens derogat legiconsumtæ».24 Aparente pois que, na realidade, não existe concurso pois as normas em concurso não seencontram em idêntico nível, não estão em pé de igualdade. Quando existe essa igualdade entreas normas, cabe ao sujeito (a quem as normas em conflito estão em situação de susceptivelmentelhe serem aplicadas), dizíamos, cabe ao sujeito optar por uma delas. Nesses casos (repita-se)
12
concurso (em matérias penais) diz respeito, ainda
poderemos encontrar situações em que um único
comportamento preenche, mais do que uma vez um mesmo
tipo legal de crime. Também aqui nestes casos 25 a
solução não parece ser difícil, pois que a situação
em apreço em quase tudo se assemelha à previsão dos
casos que atrás denominamos de meras aparências de
concurso, pois que se a mesma norma é mais do que uma
vez violada, a única questão, ou melhor, o único
concurso que verdadeiramente existe é localizado ao
nível dos factos e nunca ao nível das normas. Assim, deve-se fazer a distinção entre:
– concurso
ideal:
situação em que um acto,
simultaneamente, viola várias
normas); e,– concurso
real:
situação que ocorre quando, vários
actos ou comportamentos preenchem
(simultaneamente) várias normas ou
tipos legais de crime.
estamos perante não um concurso aparente mas uma mera aparência de concurso .25 Ditos e denominados de concurso ideal.
13
CAPÍTULO III
Do concurso de normas constitucionais
A teoria do concurso das normas não se encontra
circunscrita ao campo do Direito Penal26, sendo, por isso27,
possível propôr a simples e mera adopção das soluções (por
estes apresentadas) e que, assim, seriam (re)colhidas por
parte de outros ramos do Direito que igualmente sentissem
estes mesmos problemas28.
Mas, a simples adopção e/ou transferência (por parte da
ciência jurisconstitucional) das propostas apresentadas pela
penalística não tem sido tarefa desprovida de polémica
doutrinal, pois que (como recorda GOMES CANOTILHO) existem
autores que duvidam da operacionalidade das categorias dogmáticas penais
no campo dos Direitos Fundamentais, nomeadamente por se estar perante
situações completamente diferentes29.
26 Se bem que tenha sido aí esta problemática tenha merecido maior, melhor e mais aprofundadoestudo.27 Sob o ponto de vista teórico-abstracto.28 E todos necessariamente os poderão sentir - a ciência jurídica não possuí as necessáriasobjectividade e certeza materiais para ser dotada de uma previsibilidade a toda a prova, de talmodo que conseguisse afastar qualquer possível coincidência e cruzamento na aplicabilidade denormas a uma mesma matéria ou facto (juridicamente relevante) em concreto.29 Numa falamos de crimes e de sanções que lhes são aplicáveis, enquanto que na outra o que estáem causa são situações de delimitação do âmbito de protecção de uma norma constitucionalconsagradora de Direitos Fundamentais e a respectiva disciplina de suas eventuais restrições; numaprocuramos saber qual a norma a aplicar para sancionar um comportamento, enquanto na outra oproblema já reside no saber qual a norma constitucional de Direitos Fundamentais que possuí ummaior (porque mais vasto) âmbito de aplicação e que, deste modo, melhor possa abrigar oindivíduo sob o seu «"manto protector"» (GOMES CANOTILHO), protegendo assim as suas posições
14
Mas esta distinção vai mais longe do que a mera constatação
do facto de umas serem normas penais e de outras serem normas
constitucionais consagradoras de Direitos Fundamentais.
A atentar-se na proposta de GOMES CANOTILHO30, deveremos
verificar a existência de uma mais substâncial e importante
diferença, a qual não constitui (quanto a nós) mero detalhe
teorético-doutrinal.
Assim, (segundo aquele constitucionalista) deveremos
abandonar a teoria da metodologia jurídica tradicional, e a
sua proposta de distinção entre normas e princípios adoptando
a sugestão de se passar a considerar um “super-conceito” NORMA
que seria, no seu conteúdo, composta por dois sub-conceitos:
as normas-REGRA 31; e,
as normas-PRINCÍPIOS 32.
Poderão, neste momento, levantarem-se algumas vozes
questionando a validade desta proposta de GOMES CANOTILHO, mas
não cabe (aqui e agora) o seu debate, tomando-a nós como um
válido, bom e aceitável ponto teorético-metodológico de partida33,juridicamente relevantes.30 Ver in Direito Constitucional, pp. 172 e ss..31 Que possuiriam um menor grau de abstracção, uma maior determinabilidade na sua aplicação a um caso concreto esendo dotadas de um carácter essencialmente vinculativo, "com um conteúdo meramente funcional". Aconvivência entre estes tipos de normas seria caracterizado pela antinomia excludente, ou seja,as relações que se estabelecem entre as regras baseiam-se "no tudo ou nada", isto é, em caso deconfronto entre elas ocorre uma situação de validade simultânea insustentável, a qual apenas permiteque uma delas possa valer e ser aplicável para o caso em concreto.32 Os quais nada mais seriam do que normas dotadas de um "relativamente elevado" grau deabstracção, pois que seriam compostas de ideias vagas e com um conteúdo bastante indeterminado [e,por isso, carecendo "de mediações concretizadoras" (do legislador? do juíz?)], mas desempenhando umpapel fundamental no sistema das fontes de direito pois possuem uma posição hierárquicadestacada [ou até superior [senão vidé, por exemplo, o caso dos princípios constitucionais –que são, curiosamente, aqueles que nos interessam (pois que se encontram neste trabalho comoobjecto de estudo)] necessariamente resultando da sua "proximidade" com a ideia de Direito, poisque estes (os princípios) «são “standards” juridicamente vinculantes radicados nas exigências da “justiça”»(DWORKIN) ou «na “ideia de direito”» (LARENZ). Em consequência destas suas características, osprincípios proporcionam, como conclusão lógica e necessária, a imposição de "exigências deoptimização" numa relação que será sempre harmonicamente conflitual, pois que estes permitem o pesare a ponderação dos valores e dos interesses concretamente em jogo face ao problema em análise,pesagem e valoração essas que não vão obedecer a regras de excludência pura e simples mas sim deafastamento ou adequação (com aplicação harmónica dos diferentes princípios em concurso) faceaos interesses e aos valores "prima facie" colocados pelo intérprete/aplicador do momento.33 Posição que, diga-se, perfilhamos inteiramente.
15
para daqui podermos proceder à análise das nossas modestas
sujestões.
E é aqui que, quanto a nós, reside a diferença entre as
propostas dos penalistas e a realidade constitucional ao nível
das normas consagradoras de Direitos Fundamentais: é que
enquanto aquelas (as normas do Direito Penal) são regras jurídicas,
estas (as normas constitucionais consagradoras de Direitos
Fundamentais) são princípios jurídicos.
Tal fundamental e capital distinção terá, obviamente,
concretizações (forçosa e necessariamente) diferentes. É por
isso que nas normas penais as situações de concurso que se
possam estabelecer entre elas terminam sempre com a exclusão 34
de uma delas.
Mas, porque as normas constitucionais consagradoras de
Direitos Fundamentais são princípios 35 a metodologia a adoptar
necessáriamente teria de ser diversa, e, assim, sempre que um
facto em concreto, quando praticado, preencha
(simultaneamente) mais do um tatbestand de uma norma
constitucional consagradora de Direitos Fundamentais, nessa
situação não são de aplicar as regras propostas pela
penalística, pois que se em ambos os casos estamos perante
normas jurídicas, aqui (no Direito Penal) estamos face a regras
34 Por opção do autor do comportamento jurídico-penalmente relevante (nos casos que denominámoscomo de mera aparência de concurso) ou por (justificada) vontade do aplicador.35 Porque as matérias que compõem e fazem parte das normas consagradoras e concretizadoras deDireitos Fundamentais versam sobre temas que tem a ver com ideias básicas e estruturantes daprópria sociedade em que elas são objecto de aplicação jurídica (quer adoptemos uma posiçãoliberal, social, institucional, democrático-funcional, ou socialista dos DireitosFundamentais), e porque em todas elas se reconhece o seu carácter de fundamentalidade sócio-estrutural, pois são elas quem directamente compõem, densificam e concretizam a posição jurídica dos cidadãosquer nas suas relações com o Estado, quer nas suas relações entre si, nomeadamente porque éaqui que «mais extensa e profundamente [se] conforma a ordem jurídica infraconstitucional (Direito Civil, DireitoCriminal, etc.). Enfim, juntamente com a Parte Económica (Parte II), é aquela que mais contribui para definir o tipoconstitucional de sociedade» (GOMES CANOTILHO e outros, in Constituição anotada ...., p. 106). E de tal formaa sua importância estruturalista se faz sentir que o legislador constituinte não as qualificoucomo normas quaisquer, elevando-as à dignidade de normas com aplicabilidade directa e imediatatanto para entidades públicas como para entidades privadas (Cfr. art. 18º, nº 1 da CRP).
16
jurídicas 36 e no campo constitucional em análise apresentam-se-nos
princípios jurídicos 37, e, por isso, os critérios a adoptar para a
resolução destes problemas tem de ser de adequação, de
ponderação e de optimização das normas jurídicas (leia-se:
princípios jurídicos) em confronto.
Mas porque existe um fundo em comum (em ambas as situações
o que está em causa é a aplicação de normas jurídicas), sempre
se poderá (pelo menos) aceitar a colocação do problema.
Devemos assim começar por, previamente, analisar as figuras
criadas pela ciência jurispenalista e (pontualmente) verificar da
sua adequação face ao campo específico do Direito
Constitucional e, em particular, no que às normas de Direitos
Fundamentais tal assunto diz respeito.
Se estivermos perante uma situação de concurso real, e tal
ocorrerá quando a envolvente da problemática possa ser
descrita como mais do que uma infracção independente (e, portanto,
mais do que uma acção) que, simultaneamente, viola mais do que
uma norma, sempre que esta situção ocorra, dizíamos, não
existirá mais do que a “aparência de concurso”, pois que aos factos
(independentes entre si) são aplicáveis várias (e separadas)
normas, sendo que, a cada facto, corresponde uma regra, não
havendo, por isso, concurso, e, portanto, o problema (da
adequação da figura proposta pelo doutrina penalista) não se
colocará.
Já (como afirma GOMES CANOTILHO) quando falamos de concurso
ideal 38, aí sim, estamos perante uma figura que possui inegável36 Que por sua natureza são antinómicamente excludentes.37 Que, ao contrário daqueles, por sua vez, são harmonicamente conflituais e por isso apenasexigem a aplicação de soluções de optimização entre os "concorrentes" [ou sejam, as normas – quesão PRINCÍPIOS – jurídicas/os], optimização essa que vai obedecer ao cumprimento dedeterminados critérios que abordaremos no capítulo seguinte.38 Também denominado por alguma doutrina como concurso legal ou aparente, e que, como vimos, seresolve apartir da aplicação de um dos três princípios apontados pela doutrina da penalística(especialidade, subsidiariedade e consunção), os quais já por nós foram sumariamente apresentados
17
interesse para o campo de Direito Constitucional, nomeadamente
para a matéria que aqui nos trouxe, ou seja, o concurso de
normas constitucionais consagradoras de Direito Fundamentais.
Verifiquemos então da sua adaptabilidade à tarefa e à
problemática em causa: assim, estaremos perante uma situação
de concurso ideal sempre que uma mesma acção, um mesmo
comportamento jurídicamente relevante, violar várias vezes várias
normas, ou seja, aqui estamos perante uma situação em que,
formalmente, a mesma e única situação é reconduzível ao tatbestand
de várias normas. Face a esta caracterização, parece ser
figura que, a todos os títulos, nos não parece descabida de
sentido em sede de concurso de normas de Direitos
Fundamentais, pois que, abstractamente, sempre se poderá
visualizar uma situação em que o mesmo acto ou comportamento
várias vezes realiza o tatbestand de uma mesma norma
constitucional consagradora de um Direito Fundamental.
O modo como se resolve esta situação, ou melhor, a proposta
para melhor se deslindar este preenchimento simultâneo de duas
normas com tatbestande parcialmente idênticos será matéria a
abordar no capítulo seguinte.
(ver supra pp. 8-11).
18
CAPÍTULO IV
Da solução proposta
Face às características apresentadas pelas propostas
teorizadas pela penalística, e reconhecendo que, de todos
problemas e respostas analisados por aquele ramo do Direito,
apenas nos interessa a figura do concurso ideal. GOMES CANOTILHO
propôs-nos soluções ou propostas teóricas de delimitação do
concurso de normas de Direitos Fundamentais apresentadas pelos
constitucionalistas, e que se concretizam nas seguintes teses:
a)da separação dos tatbestande;
b)do concurso legal;
c)do concurso ideal; e,
d)da ordenação valorativa.
Iniciaremos este nossa nova tarefa de análise das teses
pelo princípio, e, assim, deste modo, pela tese da separação dos
tatbestande.
Esta apresenta como proposta metódica a separação total dos
âmbitos normativos de aplicação dos vários direitos, mesmo que
(a dada altura) possa haver uma interpenetração fáctica entre os
elementos constitutivos dos vários tatbestande (GOMES CANOTILHO).
A proposta (que mui sinteticamente procurámos apresentar)
parece-nos incorrer (salvo melhor opinião) num (claro e rotundo)
19
vício de raciocínio, pois (simplesmente) foge ao problema,
refugindo-se por detrás de realidades que são fornecidas de
forma isolada, olvidando-se de as colocar perante um caso
concreto, que, forçosamente, iria trair os pressupostos
metodológicos desta proposta, ao expôr à evidência o carácter
e a realidade da interpenetreção de vários tatbestande de vários
direitos face a um mesmo problema 39
40.
Já em sede de tese de concurso legal , a problemática
limitar-se-à a abordar o assunto através da sua mera
recondução «a uma questão de concorrência de leis incidentes sobre
determinados pressupostos, mas em que uma das normas reguladoras actua como
norma lex specialis , pois contém todos os pressupostos da lex generalis ,
acrescentando-lhe um elemento específico de decisiva importância para a solução
do problema da concorrência». Assim este problema seria facilmente
resolvido através da aplicação das regras da especialidade 41.
Poder-se-à (no mínimo) classificar esta proposta como uma
solução interessante, mas que, quanto a nós 42, só vem resolver
o que já estava resolvido, pois pré-existindo uma relação
“hierárquica” 43 entre as normas em causa, apenas nos resta
39 No mesmo sentido, o pensamento de GOMES CANOTILHO, «se os diversos aspectos, abstracta e isoladamenteconsiderados são abrangidos por um só e mesmo acto e este acto (ou actividade) é contemplado por uma regulação nãounitária, então não pode reduzir-se o problema apenas a uma questão de delimitação de um só tatbestand».40 É também, quanto a nós, importante aqui citar (uma vez mais) GOMES CANOTILHO, nomeadamentequando este afirma que esta tese aponta para «uma prespectiva normativista, no sentido da hermenêuticaclássica, e para uma compreensão subjectiva dos Direitos Fundamentais».41 Como já atrás apontámos, concretiza-se, acontece quando duas normas se confrontam ouconcorrem no sentido de serem aplicadas a um caso em concreto (caso esse que preenche aprevisão normativa de ambas as regras), mas, porque só uma delas poderá ser a eleita, cederáaquela que possuir a característica da especialidade, ou seja quando esta, perante aquela, fôrdotada de uma característica de posição mais elevada no «"escalão" de especialização» (TERESAPIZARRO BELEZA) existente entre normas que produzem efeitos jurídicos da mesma natureza, poisque, a assim não acontecer, contradir-se-ia o vetusto (mas sempre vero) princípio "ne bis in idem".42 E aceitando que apenas se podem estabelecer de hierarquia entre normas constitucionaisconsagradoras de Direitos Fundamentais quando o critério de valoração seja o caso em concreto.43 E não utilizamos este qualificativo de forma descabida ou inconsequente, pois que a própriaTERESA PIZARRO BELEZA, adopta a terminologia que atrás (recolhendo) apontámos, ou seja (erecordando): «posição mais elevada no "escalão" de especialização».
20
reconhecer e recolher esses dados e (digerindo-os) aplicá-los.
Difíceis, difíceis serão os casos que aqui (pela aplicação
desta tese) não são tão facilmente resolvidos, nomeadamente,
quando entre as normas em concurso não existe qualquer relação
de “superioridade/inferioridade” baseada em posição ocupada «no
“escalão” de especialização», ou, mesmo se a hierarquização se
tornasse possível e aceitável, a esta teriam de presidir um
conjunto de subjectivas opções valorativas (de base e cariz
filosófico, religioso, ético, político-ideológico, etc.), o que criaria
situações que, por não serem resolúveis pela aplicação deste
critério de solução, apenas veêm demonstrar/comprovar a sua
ineficácia e incapacidade operativa.
A outra tese (denominada de concurso ideal de Direitos
Fundamentais) vem preencher este campo que tinha ficado a
descoberto 44. E como? Através da seguinte formulação: «quando um
e o mesmo acto ou comportamento de um indivíduo reentra nos tatbestande
parcialmente idênticos de duas ou mais normas de Direitos Fundamentais e este
comportamento é restringido por um acto do poder público, então nenhuma das
normas garantidoras dos direitos deve ser sacrificada à outra, devendo ambas ser
aplicáveis» (GOMES CANOTILHO). Como diz o Povo: talvez “a emenda
tenha sido pior do que o soneto!!!”, pois que das duas uma: ou as várias
normas de Direitos Fundamentais em situação de serem
susceptivelmente aplicadas possuem um âmbito normativo de
aplicação idêntico ou igual [e então o problema
(verdadeiramente) não se coloca], ou então os seus tatbestande
(definitiva e indubitavelmente) são diferentes [e então temos
que continuar a procurar encontrar a solução para um problema
que ainda não foi (completamente) resolvido, pois que (com44 Porque (como já apontámos) não preenchido pelo tatbestand apresentado pela tese do concursolegal.
21
esta situação) continuam a existir duas normas que estão em
concurso e que possuem diferentes tatbestande].
Finalmente 45, a doutrina aponta como possível solução a
tese da ordenação valorativa , que (recolhendo posições-sugestões
das anteriores e atrás apresentadas teses) no fundo se
concretiza na seguinte ideia-força: «no caso de actualização
simultânea de várias normas consagradoras de Direitos Fundamentais colocadas em
situação de concorrência, deve fazer-se uma ponderação dos bens jurídico-
constitucionais concorrentes e obter-se uma solução de concordância ou
harmonização prática» (GOMES CANOTI-LHO). Este instrumento, ora
enunciado, deve incluír-se num mais vasto conjunto 46 de
princípios de interpretação da constituição, concretizando-se,
no fundo, na imposição de um esquema de «coordenação e combinação
dos bens jurídicos em concorrência», de forma a evitar o sacrifício
(total) de uns em relação aos outros (GOMES CANOTILHO 47),
utilizando-se, para tanto, uma «estrutura de ordenação valorante»
(GOMES CANOTILHO), em que em causa vai estar (principal e
determinantemente) a situação fáctica sujeita à análise em
concreto, e se se chegar à conclusão de que existe
concorrência de mais do que uma norma de Direitos
Fundamentais, então «devem ambas ser valoradas e optar-se por uma decisão
valorativa que tenha maior peso relativamente ao domínio existencial afectado»
45 "The last, but not the least".46 O "catálogo-tópico" dos princípios da interpretação constitucional, que inclui (além do princípioda concordância ou harmonização prática), os princípios da unidade da Constituição [«o Direitoconstitucional de-ve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas, e,sobretudo entre os princípios jurídico-políticos constitucionalmente estruturantes» (GOMES CANOTILHO)], doefeito integrador [«na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos devista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política» (GOMES CANOTILHO)], o damáxima efectividade, o da "justeza" ou da conformidade funcional e, finalmente, o da forçanormativa da Constituição (os sublinhados feitos nas citações são da nossa responsabilidade).Estes outros "princípios de interpretação constitucional" foram aqui incluídos no cumprimento da ideia deGOMES CANOTILHO, nomeadamente qundo este afirma que o princípio da concordância ou daharmonização prática «não deve divorciar-se de outros princípios de interpretação já referidos (princípio da unidade,princípio do efeito integrador)» (as citações feitas nesta nota são de GOMES CANOTILHO, in op. cit., 232 ess.).47 Op. cit., p. 234.
22
(GOMES CANOTILHO). No fundo o que se pretende é que o
intérprete-aplicador, face ao caso em concreto, analise os
bens e os princípios em confronto, assimile os objectivos das
normas (leia-se: âmbito de aplicação ou tatbestand) e averigue,
decidindo das possibilidades da sua simultânea subsunção 48, ou
caso tal não seja possível 49, então deverá pesar, ponderar os
dados (leia-se: normas e factos) que lhe foram presentes e
decidir, sem deixar de ter em atenção os limites 50 da necessidade
e da adequação das intervenções restritivas.
A questão torna-se mais complexa (e, simultaneamente,
mais interessante e, porque não, mais apaixonante) quando passam a
estar em concurso duas ou mais normas de Direitos Fundamentais
que consagram limites divergentes e que, da sua aplicação ao
caso em concreto, geram consequências diferentes (quando não
contraditórias ou antagónicas). Aqui, trata-se de apurar «qual
dos limites das normas concorrentes mas com limites divergentes, deve ter
prevalência para se apurar da censurabilidade ou não censurabilidade desse acto
restritivo» (GOMES CANOTILHO).
O proposto pela doutrina concretiza-se através da
apresentação de dois critérios de resolução do problema, a
saber:
a) critério da finalidade da intervenção restritiva;
e,
b) critério da prevalência do Direito Fundamental
mais forte.
48 Sem que com tal se perca a eficácia pretendida para ambas pelo legislador [ou seja, que seconsiga estabelecer a concordância entre as normas e/ou os bens em concurso, no caso concreto(princípio da concordância prática)].49 Hipótese mais provável.50 Que o art. 18º, nº 3 coloca (e a doutrina unanimemente defende) a toda a actividade derestrição de um Direito, Liberdade ou Garantia, ou seja, a proporcionalidade na restrição quese faça ao seu âmbito de aplicação.
23
Estes, no fundo, nada mais são do que a adopção de
critérios de razoabilidade e de bom-senso operativo, pois que, só
através de uma análise do caso em concreto se poderá
determinar qual das limitações é a mais lógica (ou, melhor
dizendo, a mais adequada face aos fins pretendidos com a
consagração das normas e das suas limitações, sem, obviamente,
se perder de vista o caso em concreto), e se daí nada de concreto
se poder obter, então nada mais restará ao
intérprete/aplicador senão o procurar estabelecer uma
hierarquia entre as normas em confronto 51, valendo aquela que
concretizar um Direito Fundamental “mais forte” .
Parece-nos evidente que só poderia ser deste tipo a
solução a propôr para o concurso de normas constitucionais
consagradoras de Direitos Fundamentais, pois que jamais se
poderia sugerir que esta passasse pela exclusão de uma delas,
apenas tendo em atenção uma qualquer (hipotética) relação
existente entre elas, que consagrasse uma qualquer (igualmente
hipotética) hierarquia baseada em conceitos formais e que se
encontrasse desligada do caso em concreto que havia suscitado
a situação de concurso, uma vez que, sendo estas normas do
tipo princípios jurídicos, as suas relações conflituais ao nível da
sua aplicação (como atrás já nos referimos) resolvem-se não
utilizando critérios de pura excludência (não está apenas em
causa uma questão de valor), mas sim procurando harmonizá-los,
cumprindo aquilo a que GOMES CANOTILHO denominou como «exigências
de optimização» (o que está em equação é não só um problema de
51 Procurando, no fundo (e como já atrás apontámos), concretizar o critério-característica daespecialidade, ou seja, quando uma norma, perante outra, fôr dotada de uma posição mais elevadano «"escalão" de especialização» (TERESA PIZARRO BELEZA) existente entre normas que produzemefeitos jurídicos da mesma natureza, pois que, a assim não acontecer, contradizer-se-ía oprincípio "ne bis in idem".
24
validade, mas também de peso), admitindo, portanto, que estas
relações sejam harmonicamente conflituais.
25
CAPÍTULO V
Da aplicação da solução proposta
Tentámos já por algumas vezes 52, demonstrar
53 a justeza
das críticas e propostas apresentadas por PESSOA VAZ,
nomeadamente daquelas que vão no sentido de chamar à atenção
da doutrina, da jurisprudência e 54 do legislador
55 para o (no
mínimo) qualificável como “sui generis” problema do nosso anacrónico
sistema processual civil.
O tema não é propriamente um desconhecido assunto que à
pouco tempo tenha sido retirado de uma cartola mágica para aborrecer
uns e preocupar outros com a natural e reconhecida
incomodidade que o mesmo tem gerado em alguns meios académicos
e até político-partidários portugueses.
No fundo ele gira à volta da problemática da
concretização constitucional do princípio da motivação das
decisões judiciais 56 que, no entanto, não é cumprido por forma
52 Cfr. o nosso Da Motivação – questões de (in)constitucionalidade.53 Como se tal necessário fosse.54 "The last, but not the least".55 Quer constituinte, quer ordinário.56 O que aconteceu com a aprovação da proposta de reformulação da inicial versão do art. 208ºda C.R.P., que ocorreu na primeira alteração ao actual texto constitucional português, ouseja, em 1982. Aí inseriu-se na lei fundamental o princípio da motivação das sentenças,
26
a satisfazer os interesses e os direitos dos seus
destinatários primeiros, ou sejam, as partes que estão em
juízo.
E não tem sido cumprido porquê?
Porque na legislação processual civil 57 existem, pelo
menos duas normas (os Arts. 653º, nº 2 e o 712º, nº 3), que se
contradizem na limitação ao princípio em causa. Afirmámos
então que a segunda daquelas normas cederia passagem perante a
primeira, pois que, estaria viciada de inconstitucionalidade,
uma vez que violava o princípio consagrado no art. 208º,
nomeadamente porque, exercendo uma autorização constitucional
de limitação de um 58 Direito Fundamental análogo de Direitos,
Liberdades e Garantias teria ido para além do «necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» 59 e
não evitando mesmo «diminuir a extensão e o alcance do
conteúdo essencial» 60 do preceito constitucional
61, ao ponto de
autorizar que o julgador omita as causas, as razões geradoras
da sua convicção, como se, como diria BENTHAM 62, “the good
decisions weren't those for which good reasons could be given”,
transformando (com esta estranha e pouco democrática 63
apresentando no respectivo artigo (o 208º, nº 1) a seguinte formulação: «As decisões dos tribunais sãofundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei».57 Que deveria, no máximo, dar concretização às limitações autorizadas pelo legisladorconstituinte – mas não até ao ponto de atingir o desiderato do esvaziamento do conteúdo útil e eficazdo princípio.58 Como assim o classificamos e o defendemos.59 Cfr. art. 18º, nº 2 da C.R.P..60 O “conteúdo essencial” do preceito constitucional «consistiria num núcleo fundamental, determinável emabstracto, próprio de cada direito e que seria, por isso, intocável. Referir-se-ia a um espaço de maior intensidade valorativa(o “coração” do direito) que não poderia ser afectado sob pena de o direito deixar de realmente de existir» (VIEIRADE ANDRADE, in Os Direitos Fundamentais ..., p. 233).61 Cfr. Art. 18º, nº 3 da C.R.P..62 “Rationale of Judicial Evidence”, in The Works of J. Bentham, Bowring Editors., New York., 1962, VI, p.356, citado por MICHELE TARUFFO, in Note sulla garanzia costituzionale della motivazione, p. 3). E esteeminente Professor italiano vai mais longe, ao ponto de afirmar que «apare chiaro che le dicisione“legale” è solo quella per cui possano essere espresse motivazioni che ne dimostrino la legalitá» (in op. cit., p. 4).63 Pois que o princípio da motivação das decisões é uma «fondamentale garanzia politica, contro l'esercizioarbitrario del potere da parte dei giudici» (Ibiden).
27
limitação) a sentença numa quase «”lista de existências” de uma
despensa alimentar que se pretende vender e onde falta referir o prazo de validade
dos diferentes produtos que pretendemos “impingir” a alguém (como se aquele
que vê preteridos os seus presumíveis direitos mais não fosse do que um qualquer
desinteressado ou incauto comprador, insusceptível de tutela social e jurídica
realmente justa e eficaz”» 64, ou seja, no fundo, teria ido para além
dos limites proporcionalmente consideráveis como razoáveis.
Mas aquando da (necessária) discussão que ocorreu após a
apresentação por nós feita do nosso “Da Motivação – ...”, surgiu-
nos uma dúvida: será que não se deverá ter em atenção que,
simultaneamente, face a este mesmo problema, jogam mais do que
apenas um único princípio? 65. Também se poderá verificar a
presença (ou, no mínimo, a influência), neste contexto, do
princípio da celeridade processual, uma das necessárias decorrências
do grande princípio que é o da Justiça 66. Assim, a limitação que
é colocada pelo nº 1, do art. 712º nada mais seria do que a
formalização de uma preocupação que tem a sua origem no
exagerado volume de trabalho (acomulado) que, espalhado e
inerte, permanece dentro de cada gabinete judicial .
Deste modo, é óbvia a situação de confluência, concorrência
ou concurso de princípios, ou melhor ainda, de normas consagradoras
de princípios, pois que se o princípio da motivação das decisões
judiciais se encontra, expressa e concretamente consagrado no
art. 208º, nº 1 da CRP, o princípio da Justiça (de onde
No mesmo sentido cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 55/85, de 25 de Março.64 Cfr. Da Motivação ..., p. 1, nota 4.65 Como muito bem, na altura, recordou o meu Mui Bom Amigo Senhor Juíz Desembargador Dr. SantosCarvalho.66 Cfr. por todos de PESSOA VAZ, O tríplice ideal da Justiça…. É que se a tomada da decisão se dá comatraso, ou se os seus efeitos práticos se não verificam em tempo suficientemente útil paraproporcionarem uma satisfação dos interesses ou das pretensões ao menos bastante próxima do“the second best”, difícil será conseguirmos (porque, verdadeiramente, não o podemos) qualificá-lacomo justa.
A Justiça não pode ser lenta sob pena de ser injusta.
28
directamente provêm o princípio da celeridade processual)
decorre imediatamente da adopção/consagração do modelo de
Estado de Direito Democrático 67.
Igualmente á óbvia a necessidade de se sair desta ubíqua
situação, pois que, se adoptarmos a menos restritiva previsão
(a do art. 653º, nº 2 do Código do Processo Civil), sempre
poderemos justificar o afastamento (por insconstitucionalidade) do
art. 712º, nº 3, em virtude da sua natural e forçosa
consequência: o esvaziamento do conteúdo do princípio
(constitucional) da motivação das decisões judiciais, o qual,
por esse motivo, passará a ocupar, no caso concreto, uma
posição de destaque face ao princípio da celeridade
processual, que, assim, perante aquele, cederia passagem; pelo
contrário, se optarmos por aceitar a formulação mais
amplamente restritiva do princípio inscrito no nº 1, do art.
208º da C.R.P., então ganhará a proposta que entende ser mais
importante atingirmos um formal (mas certo e objectivo)
resultado 68, do que incessantemente buscarmos alcançar o
inalcançável (ou o dificilmente alcançável): a Justiça material.
Assim, e adoptando (ou procurando adoptar) as propostas
de solução para a problemática em estudo, iniciaremos tal
desiderato através da aplicação do primeiro dos critérios
atrás apresentados, ou seja, o critério da finalidade da
intervenção restritiva.
Segundo este critério, dever-se-à optar pela norma que
consagrar uma restrição mais de acordo com os objectivos e o
67 Cfr. art. 2º da C.R.P..68 Pois que, como afirmam ROGÉRIO SOARES e GOMES CANOTILHO, este modelo de Estado (bem como omodelo Socialista) consagra(m) um conjunto de princípios que se não compadecem com resultadosde Justiça formal, sendo inaceitável que se possa con-ceber a concretização desta ideia ouprincípio de Estado em divórcio deliberado face aos fins deste e da realização da Justiça materiale social.
29
âmbito de actuação do princípio constitucional 69 a limitar. Mas
face a este exemplo/problema a resposta (parece-nos) não
poderá partir da simples aplicação deste critério, pois que os
princípios a proteger 70 são de ordem e nível diferente em vista
do grande princípio 71 do qual são instrumento e concretização
funcional.
Parece então ser de afastar 72 a aplicação deste critério
pois que não seria possível resolver o problema sem que o
“princípio maior” que (com ambos os “princípios menores”) se pretende
proteger ficasse 73 “coxo”, pois que aquele só poderá validamente
ser concretizado com o justo equilibrio nas relações que se
estabeleçam entre estes seus dois instrumentos de concretização
funcional, pois que com a concretização da celeridade processual
mais eficaz será a prestação dos serviços da Justiça, mas se
as decisões que por esses serviços são tomadas não fornecerem
um elemento material que permita que os verdadeiros titulares
do poder político (e, portanto, do poder judicial) a
possibilidade de controlarem a actividade dos (funcionais) da
Justiça, então ter-se-à irremediavelmente aberto as portas e o
caminho ao arbítrio judiciário 74, que, no fundo, se concretiza
numa só acção: a simples e pura denegação da Justiça.
69 Resultado que apesar de tudo é abstractamente aceitável (desde que nos desnudemos deconsiderandos de ordem ética e deixemos de procurar atingir uma situação que nos permitaafirmar que evoluímos em relação ao Passado, mas que, no Presente, ainda nos falta muito paraalcancemos o ponto que ocuparemos Futuro).70 Os Princípios da celeridade processual e da motivação das sentenças.71 O Princípio da Justiça ou da “justa aplicação da Justiça“.72 Afastamento que não é a concretização de uma tese absoluta, pois que a decisão de aplicaçãoou de desaplicação de um dos dois critérios propostos para a resolução do problema do concursode normas constitucionais de Direitos Fundamentais (tal decisão, dizíamos) apenas depende daanálise que se face do e ao caso concreto e em concreto.73 Com um pedido de desculpas pela expressão.74 Pois que como dizia YHERING: «as formas são irmãs gémeas da Justiça e inimigas juradas do arbítrio».Sintomática a frase, uma vez que, de imediato, nos permite aperceber da necessidade (leia-se:imperiosidade) da aplicação do Princípio da Motivação das Deci-sões Judiciais.
30
Já se optarmos por aplicar o segundo 75 dos critérios
propostos 76 a solução para o nosso problema
77 parece estar
encontrada: surge evidente que o princípio da motivação das
sentenças é aquele que mais próximo parece estar do
cumprimento do “grande Direito Fundamental” que é o Princípio da Justiça,
pois que o último e principal objectivo da fundamentação das
sentenças consiste em obrigar a uma justificação das decisões
judiciais perante os verdadeiros titulares do Poder Judicial (leia-
se: o Povo – que não é, como os Juízes, mero detentor) e, deste
modo, concretizar o Princípio da Justiça (permitindo, assim, o
conhecimento da “ratio decidendi” da sentença 78, possibilitando,
igual e efectivamente, a existência de uma segunda instância
de julgamento em matéria de facto) e, desse modo, aproximar a
prática do conteúdo teórico do Princípio do Estado de Direito
Democrático 79, assegurando, de igual modo, o respeito pelo
Princípio da Legalidade 80 e pelos da Independência dos Juízes e da
Imparcialidade das suas Decisões 81.75 E último.76 O da prevalência do Direito Fundamental mais forte.77 O “jogo” entre os dois Princípios (do “grande Princípio”), ou seja, o Princípio da Celeridade Processuale o Princípio da Motivação das Decisões Judiciais.78 «Ciò evoca immediatamente l'idea del controllo esterno sui motivi per cui la decisione è stata resa: non al solo giudice chedecide spetta in modo esclusivo e insindicabile la scelta della decisione giusta; al contrario, egli deve dimonstrareoggettivamente la giustizia della decisione, e nel momento in cui procedere a svolgere questa dimonstrazione settomette sesteso e la propria decisione al controlo di altri sul fundamento di tale decisione. (...) la motivazione della sentenza èpubblica (...), ossiale garanzia del controllo democratico diffuso da parte del popolo sull'esercizio del poteregiurisdizionale». (MICHELE TARUFFO, in op. cit., pp. 3–4).
«Ciò comporte che la modalitá di esercizio del potere giurisdizionale non possano essere misteriose ed oculte – comeaccade quando il dictum giudizionale non è motivato – ma debbano essere manifeste e sottoposte al controllo della societáentro la quale il giudice á chiamato ad operare». (MICHELE TARUFFO, in op. cit., pp. 7-8).79 «Si intuiste facilmente che la garanzia costituzionale della motivazione della sentenza implica una profundatransformazione im senso democratico del rapporto tra il popolo e l'amministrazione delle giustizia, e del ruolo del giudicenello Stato moderno». (MICHELE TARUFFO, in op. cit., p. 7).80 «In sotanza, attraverso la garanzie della motivazione prende corpo la possibilitá di un controllo sociale democratico ediffuso sull'amministrazione della giustizia e sul modo in cui il giudice, di qualunque tipo e grado, esercita il potere che la leggegli attribuisce» (MICHELE TARUFFO, in op. cit., p. 8).81
? «(...) di nessuna sentenza si può che abbia applicato correttamente la legge se non è possibile sapere como hainterpretato la legge nel siingolo caso deciso: è evidente, infatti, che una legalitá incontrollabile equivale ad una non-legalitá. Alcontrario, il dovere di motivare la decisione constringe il giudice ad attenersi strettamente al principio di legalitá, poichè egli sadi dover dimonstrare con argumentazione validi che la sua decisione realizza tale principio; più in generale, poi, puòconsiderarsi “secondo la legge” solo la decisione la cui legalitá sia dimostrata e generalmente controllabile. In sintesi:ogno decisione non motivata non garantisce il ris-petto del principio di legalitá, mentre solo la decisione motivata può
31
Deste modo (e quanto a nós) evidente se torna que devemos
afirmar que o Princípio da Celeridade Processual 82, no entanto cede
frente ao “esplendor” do Princípio da Motivação das Sentenças , pois que
este, neste caso em concreto, se verificou ser o mais
importante (leia-se: ser o Direito Fundamental mais forte).
Assim, e concluindo, qualquer dos critérios é (em sede de
análise abstracta) susceptível de aplicação 83, mas para
solucionarmos a questão em apreço, ter-se-à de
(imperiosamente) analisar o caso em concreto , os seus aspectos
particulares e próprios 84 e só depois se deverá decidir.
garantire il rispetto di tale principio» (MICHELE TARUFFO, in op. cit., pp. 8-9).82 Apesar de não deixar de, por isso, continuar a dever ser classificado como um importanteinstrumento de concretização funcional do “Princípio maior”: a Justiça.
«Considerazioni analoghe valgono anche per il principio dell'indipendenza del giudice e dell'imparzialitá delle suedecisioni. L'indenpendenza e l'imparzialitá non possono essere solo affermate al livello di principi generali ed astratti, se non acosto di provocarne la completa vanificazione. Il giudice è indipendente e imparziale solo se dimonstra de essero nella singoladecisione che pronuncia, motivandola in modo che essa risulti fondata su un accertamento oggettivo dei fatti della causa e suun'interpretazione valida ed imparziale della norma di diritto». (MICHELE TARUFFO, in op. cit. , p. 9).83 Poder-se-ão encontrar enormes e recôndidas virtualidades em cada um deles.84 Temporais e espaciais.
32
CAPÍTULO VI
Das conclusões
Não sendo nem uma solução única nem óptima (e muito menos
absoluta), a proposta de resolução da problemática do concurso
de normas constitucionais de Direito Fundamentais baseou-se,
essencialmente, nas ideias de GOMES CANOTILHO.
Defeito profissional-doutrinal ou não, pareceu-nos ser um
respeitável, aceitável e sólido ponto de partida. Assim, a
resolução do problema do concurso de normas constitucionais
consagradoras de Direitos Fundamentais não pode passar pela
mera, simples e “cega” adopção das propostas produzidas pela
dogmática jurídico-penal, uma vez que as realidades, os dados
(leia-se: os tipos de normas) sobre as quais cada uma das
versões deste problema assenta são radicalmente diferentes:
enquanto que o concurso em sede de Direito Penal é composto por normas do tipo
REGRAS JURÍDICAS, ao invés, no campo que analisámos (o Direito
Constitucional), o modelo predominante (para não afirmarmos único)
é o dos PRINCÍPIOS JURÍDICOS . Esta distinção necessariamente ter-se-ia
de reflectir ao nível da solução do nosso problema uma vez que
para as primeiras a regra é a impossibilidade de simultânea
33
convivência espácio-temporal (e daí a sua mútua tentativa de
exclusão da norma contrária – ou melhor, contraditória),
enquanto que as segundas, mesmo quando em contradição,
possibilitam (pela sua estrutura e objectivos) uma simultânea
aplicação desde que se retirem os elementos que nelas estão em
desacordo/contradição, ou que caia, numa delas [a que
consagre, em face do caso concreto, um maior âmbito limitativo
para os direitos do sujeito em causa, ou aquela que (mais uma
vez), face ao caso concreto, deva ser considerado “o Direito
Fundamental de valor mais fraco”].
No entanto, ainda está por demonstrar se sempre que
estamos perante um concurso de duas normas de Direitos
Fundamentais se se poderá estabelecer relações de hierarquia,
ao ponto de se afirmar que este Direito Fundamental é mais
forte do que aquele.
Fica no ar a nossa dúvida de se saber como seria
resolvido o concurso entre normas que consagrem Direitos
Fundamentais de raíz colectiva e outras que consagrem Direitos
Fundamentais de pendor ou objectivos exclusivamente
individuais-subjectivos. É que aí o problema, quiçá, seria de
intrincada solução, pois a opção por uma ou por outra norma
deixaria de ser feita apartir de critérios estritamente
objectivos, dependendo, deste modo, da consideração que o
intérprete/aplicador fizesse sobre quais eram os interesses
mais importantes (ou mais fortes): se os da colectividade (ou os
do Estado - produto da actividade racional-criadora-voluntarística do
indivíduo), ou os dos indivíduos (sujeitos “sofredores” da
actuação do Estado).
34
Mas tal significaria abrir aqui um novo espaço para
reflexão e especulação.
Sobre o que nos propusemos abordar nada mais podemos e
devemos dizer, excepto desejar ,
“Que a nossa Fortuna seja semelhante à Justiça da nossa Causa.”
William Shakespeare
35
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– O tríplice ideal da Justiça – CÉLERE, ECONÓMICA E SEGURA AO
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