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30/1/2014 vitruvius | entrevista 056.01
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Fentrevista%2F14.056%2F4894&title=vitruvius+%7C… 1/12
Colegio Santo Domingo Savio Foto Alejandro Arango [divulgação]
vitruvius | entrevista 056.01 vitruvius.com.br
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WILDEROM, Mariana. Conversa com Carlos Pardo: arquitetura educacional como
intervenção urbana. Entrevista, São Paulo, ano 14, n. 056.01, Vitruvius, out. 2013
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4894>.
Estive em Medellín em setembro de2012 para conhecer a cidade e
assistir ao XV Congreso Ibero-
americano de Urbanismo.
Contava que estas experiênciaspudessem contribuir para a pesquisa
que desenvolvo em meu mestrado, na
qual investigo como a arquiteturaeducacional paulista contemporânea
vem se apresentando como umaintervenção urbana, enfrentando as
principais problemáticas da cidade deSão Paulo, a partir da experiência dos
Centros Educacionais Unificados. A ideia era analisar essa vocação da arquiteturaeducacional paulista a partir de sua própria história, mas também lançar mão de outros
exemplos similares da atualidade, para ampliar as perspectivas de análise, o que justificava ointeresse pelo caso de Medellín.
Em minha passagem pela cidade, solicitei uma conversa com Carlos Pardo, arquiteto
responsável pelo projeto do Colégio Antônio Derka, símbolo da arquitetura educacionaltransformadora da periferia informal e urbana de Medellín.
Sua fala supera a simples contextualização dos processos que levaram ao projeto do colégio,tornando-se a porta de entrada para compreender a realidade mais abrangente das
transformações na cidade. Com isso, esta entrevista visa contribuir para superar a
estigmatização do tema, marcado pelas estilizadas fotos que contrapõem a linguagem
contemporânea e a plasticidade dos novos edifícios de Medellin enfrentando o emaranhadotecido da cidade informal (como é o caso do Parque Biblioteca España).
Ainda sobre as contribuições da entrevista a seguir, é válido destacar a importância do
diálogo e da troca de experiências para o enriquecimento da prática analítica. É ter aoportunidade de olhar nossa própria realidade através de outros olhos e referencias.
A narrativa de Carlos dissolve a polarização entre o novo e transformador objeto arquitetônico
e o insatisfatório cenário existente. Destaca a importância da arquitetura educacional, mas
reforça a compreensão de que a transformação desejada depende de uma ampliação dopoder de ação no contexto social e urbano do território e isso só se daria através da
interação de três fatores: políticas públicas renovadas, projeto arquitetônicos cuidadosos e
intervenções urbanas integradoras.
30/1/2014 vitruvius | entrevista 056.01
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Acima, da esquerda para a direita: Nicolás Vélez , Carlos Pardo,
Mauricio Zuloaga. Abaixo, da esquerda para a direita: Alejandro
Ochoa, Felipe Campuzano, Carlos Holguín, Juan Camilo Llano
[Acervo Obranegra Arquitectos]
A conversa se inicia com o propósito de discutir temas como a arquitetura do lugar a partir
de sua experiência à frente do escritório Obranegra Arquitectos, no projeto do Colégio
Antonio Derka. Vale destacar que o Colégio se situa na ladeira norte oriental de Medellin, noBairro de Santo Domingo Sávio, que chegou a ser uma das regiões mais pobres e violentas
da cidade. Este projeto foi alvo de grande reconhecimento na mídia especializada, sendo
premiado na VII Bienal Iberoamericana realizada em Medellin, em 2010.
A entrevista se deu em duas partes. Uma primeira constituída de uma conversa informal em
que apresento as questões trabalhadas em minha pesquisa. Para a discussão, sugere-se
uma ênfase maior, baseada nas problemáticas em comum entre os CEUs e o ColégioAntonio Derka: arquitetura educacional como intervenção urbana. Neste breve primeiro
momento apresento algumas fotos aéreas dos CEUs, explicando resumidamente que se
tratava de um projeto da prefeitura de São Paulo, que em apenas quatro anos de mandato
construiu 21 escolas se propondo a integrar, em um mesmo lote, equipamentos escolaresaos de cultura e esportes em regiões de expressiva ocupação irregular que apresentavam
uma carência, não só desses equipamentos, mas de investimentos que proporcionassemqualidade de vida urbana aos seus habitantes.
O trecho transcrito a seguir, representa a segunda parte da conversa em que Carlos Pardo
faz uma apresentação dos processos e questões que buscam explicar o porquê o colégioresultou no que é...
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WILDEROM, Mariana. Conversa comCarlos Pardo: arquitetura educacionalcomo intervenção urbana. Entrevista,
São Paulo, ano 14, n. 056.01, Vitruvius,out. 2013
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4894>.
Mariana Wilderom: Gostaria de compreender melhor o contexto em que o projeto foi
desenvolvido. Tanto em relação ao momento que Medellin vivia, às políticas públicas pordetrás da contratação e às suas próprias expectativas acerca do projeto.
Carlos Pardo: Precisamente, os tempos políticos que são iguais em todo mundo, exigem
que tudo seja feito muito rápido e, em 4 anos, muitas vezes o prefeito não tem o tempo
necessário de mostrar seu trabalho. Tem que fazê-lo muito rápido.
Em 2005 Sergio Fajardo era o prefeito da cidade. Então, ao cabo de um ano, tempo quegastou organizando o programa de seu governo, ele começou a sentir-se pressionado pormostrar projetos. Sergio Fajardo é um acadêmico, professor de matemática, que tem a
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arquitetura muitopresente em sua vidapois seu irmão e pai são
arquitetos.
Pois Sergio, ao sentir asprimeiras pressõespolíticas, tomou uma
decisão rápida com aEDU, que é a Empresade Desarrollo Urbano,
um instrumentoadministrativo muitoimportante como um
escritório responsávelpor todos os projetos deinfraestrutura.
Alejandro Echeverri foi o
cérebro de tudo isso, foi quem articulou os processos, se dando conta que os projetos nãopoderiam ser realizados de maneira isolada, independentes. Ele estudou em Barcelona, etrouxe o conceito de projeto integral, para integrar as secretarias de educação, de cultura,
fazendo um grande projeto de cidade, aonde vamos todos juntos.
Porque acredito que fazer o que vocês me mostraram, de implantar edifícios em toda acidade, isolados, isso não é fazer cidade. Na medida em que não são conectados com osistema de mobilidade, com recuperação de espaços públicos, com habitação, claro, pois o
projeto não é o edifício, mas é toda a intervenção em um setor, é um projeto urbano.
Sergio Fajardo, como não tinha tempo, escolheu 10 empresas de arquitetura por mérito –
analisaram currículo, prêmios, reconhecimentos em bienais – e a EDU então nos contratou.Eles nos reuniram e, a proposta foi que doássemos nossos honorários. Então formei uma
equipe de 5 arquitetos sendo que eu doaria meus honorários e eles pagariam os outrosquatro arquitetos. Então era uma doação dos honorários da cabeça principal. Isso é algo que
se faz uma vez na vida. Nossos colegas não gostam muito porque não seria um bom
exemplo, sendo que já não ganhamos muito. Mas se tratava também de se fazer algo paracidade. Era um momento importante em que o prefeito nos dizia: ajudem-me a transformar
esta cidade.
E não se tratava de um político puro, era uma pessoa querendo fazer as coisas de outramaneira, transparente, não negociando nada. Ele era muito claro no que queria e a educação,
para ele, era algo fundamental, era seu norte.
Então chegamos à conclusão de que não poderíamos deixar esta oportunidade passar.
Aceitamos o convite – isso era final de 2005, em dezembro. No final de janeiro de 2006
fizemos uma reunião para mostrar os primeiros desenhos, a primeira ideia.
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WILDEROM, Mariana. Conversa com Carlos Pardo: arquitetura educacional comointervenção urbana. Entrevista, São Paulo, ano 14, n. 056.01, Vitruvius, out. 2013
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<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4894>.
Mariana Wilderom: Vocês fizeram o
projeto em um mês?
Carlos Pardo: Sim! Bem, a partir da
construção do metrocable, aadministração de Fajardo se dá conta
de seu potencial, de como poderia
recuperar um bairro que durante osanos 80 e 90 foi o bairro mais violento
da cidade [o metrocable ficou pronto
em 2003]. O lugar, antes, era umafavela impossível de se chegar, era
preciso ir com alguém conhecido do
bairro junto contigo, do contrário nãoera possível ir.
Então, a partir do metrocable se abreuma janela, uma possibilidade de sair
e entrar facilmente e também
despertou a consciência de seus habitantes, que se sentiram mais integrados à cidade, quepor fim estavam superando a sensação de viver na periferia.
Então tudo começou a mudar um pouco, do ponto de vista social. E é aí que a administração
de Fajardo chega com uma série de projetos. Um deles foi uma ponte que liga dois bairros:Andalucia e Francia, que eram dois bairros inimigos, literalmente, pois atiravam uns nos
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outros. Essa ponte é um símbolo de união.
Então fizeram intervenções de todo tipo: recuperação de espaços públicos de toda esta via
que vai subindo com metrocable, conectaram bairros que eram antes inimigos e não podiam
nem se ver.
Relocalizaram habitações que estavam em áreas de risco, em quebradas que caíam e
construíram novos edifícios. Mas tudo no mesmo bairro e isso tem um sentido social muitoimportante. Porque em muitas cidades retiram pessoas de um lugar colocando-as do outro
lado da cidade. Isso acaba com as raízes de uma família, com seus amigos. Então neste
caso, eles removeram as pessoas para 30, 50 metros de distância de seus lugares originais.
Então metrocable já chegava aí. Hoje esta linha conta com uma extensão que vai até o parque
Arví.
Quando começamos a construir a escola, a Biblioteca España estava quase construída, mas
seus projetos começaram quase na mesma época.
O terreno fica a uns 500 metros da estação de metrocable, mas não se pode vê-lo da
estação. Já existiam dois colégios antigos que também eram um pouco inimigos. Isso era um
problema social da comunidade. E o projeto deste colégio também visava contribuir pararecuperar o tecido social.Pois por conta da violência todos desconfiavam de todos
[mostrando o terreno original na tela].
Então existiam estes dois colégios e um pequeno lote no meio, vazio, mas com umatopografia muito acentuada. Havia dois caminhos que conectavam este bairro. A via principal
estava em cima, se entrava pelo lote por cima e a parte de baixo era acessada por esses
dois pequenos caminhos. Então nos pareceu muito importante manter estas conexões. Estefoi um ponto de partida. Nos demos conta também, quando visitamos o lote, da condição de
mirante que este terreno tinha. Era preciso tirar proveito disso.
Daí que pensamos essa arquitetura do lugar. O lugar começa a lhe dar pistas, a lhe dizer o
que deveria ser aproveitado, os caminhos. E daí que é preciso que o projeto arquitetônico
pertença unicamente a este lugar. Eu considero que a arquitetura que fizemos, pertence aeste lugar, não se pode ser feita em outro. Fizemos um passeio pelo bairro buscando
elementos arquitetônicos urbanos, entendendo um pouco como vive essa gente, como eles
constroem no bairro, por que construir assim?
A topografia tão forte obriga-os a fazerem escadas para subir, a ter ruas escalonadas, que
permitem também que as casas se relacionem muito: com suas portas abertas, ouve-se amúsica tocando na casa. Além disso a família constrói um piso e quando os filhos se casam,
constroem outro andar acima e é assim que vão aparecendo as escadas, isso é muito latino
americano.
Foi por isso que fizemos essa pesquisa dos elementos que são próprios do lugar, isso tem
um significado. Queríamos que o projeto estivesse cheio de elementos locais para que as
pessoas se apropriassem dele. Seguramente, resultaria num edifício moderno, melhorelaborado...
Mas nos interessava muito que o edifício pertencesse à comunidade, que rapidamente seapropriassem dele. Não era justo chegar com um edifício e fazer isso [faz gesto de “pouso de
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um objeto”]... que as pessoas iam dizer “isso não nos pertence, isso não é nosso, não o
entendemos, não consigo entrar, como se usa isso?”
Se você chega com uma arquitetura importada, holandesa, finlandesa ou japonesa, não vão
entender o que está se passando. Então fizemos esse passeio em que olhamos o que nosinteressava e nesse bairro, para eles, a cidade sempre está lá, eles a tem como pano de
fundo. Então aparecem esses espaços que marcam a paisagem urbana. As pessoas usam
os espaços residuais para jogar.
Claro, em uma topografia tão forte vimos que seria impossível que as crianças conseguissem
brincar nas ruas, esperando que os carros passem, Não há praças, nem parques e seexistem, são muito pequenos. Então havia uma carência de espaços públicos pela topografia
e pela falta de vontade política. Pois eles podiam fazer, mas nunca fazem. Fazer um parque,
fazer um espaço vazio não dá votos. O que dá voto é fazer um edifício grande, de 5 pisos, que
se veja de longe. Fazer espaços públicos não dá votos. Mas este prefeito sim, pensava nisso.
Não lhe importavam votos. O que ele queria era ser real e entender o que as pessoasnecessitavam.
Existem outros elementos chaves desses bairros em ladeira que são os terraços. Era o que
falávamos agora há pouco, da arquitetura que se vai fazendo de maneira progressiva, por
adição: o primeiro piso, depois se montam o segundo piso. São terraços importantes onde
se secam as roupas, onde as crianças brincam com seus triciclos. Eles usam esses espaços,
não é só a cobertura da casa. Então nos interessava aproveitar isso: o terraço como mirante.
Então, sobre esses dois colégios que já existiam. São dois edifícios velhos e me chamava
muito a atenção: a imagem do colégio era tudo, menos um colégio. Era uma prisão, com
grades, que escondiam os alunos como se fossem delinquentes. E então começamos a
pensar como faríamos tudo ao contrário, porque afinal de contas, não queríamos repetir isso.
A primeira ideia, naquela reunião do mês seguinte ao primeiro encontro, como eu os contava.
Então apareceu isso, depois de pensar muito.
Era a essência do que seria o projeto já estava aí: havia uma intenção muito clara em gerar a
cobertura, que obrigatoriamente teríamos que entrar pela parte alta do terreno. Como nos
demos conta da carência dos espaços públicos, incorporamos isso ao programa. Porque o
programa arquitetônico nos pedia um colégio científico com salas de aula, salas decomputadores, mas nunca te pedem isso. Isso [aponta para o grande terraço jardim em uma
imagem do projeto] nunca vão lhe pedir: e aí está um espaço público de quatro mil metros
quadrados. Tínhamos números muito claros. Mas este foi um aporte nosso ao programa: a
cobertura vai se tornar uma praça para que se possa utilizar as pessoas do bairro e os
estudantes. Como um espaço intermediário entre o bairro e a escola.
MW: E como foi trabalhada a relação do programa escolar com o lugar, com o existente?
CP: Então isso apareceu, desde a primeira ideia. Também aparecia a ideia de levantá-lo um
pouco do piso, deixando o terreno livre embaixo, onde poderiam ser desenvolvidas outras
atividades. Em algum momento até pensamos em colocar abaixo uma piscina, mas depois
nos demos conta de que o sistema de manutenção era muito caro. Num colégio público, aosseis meses já não teriam colocado cloro, nem cuidando e acabariam por fechá-la. Mas
depois este espaço inferior se converteu num lugar muito interessante.
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Como eu falava, este é um edifício que se integra de maneira radical ao lugar, não só do
ponto de vista topográfico. Porque dá uma sensação de prolongação desta montanha.
Parece uma nova geografia. É modificar a geografia com a arquitetura. Esta praça tambémservia para conectar, através de uma escada, o colégio existente. O outro edifício não, porque
era muito abaixo [refere-se a outra escola da região].
Esse caminho que vimos originalmente, que as pessoas usavam, a partir dele, fizemos uma
rua escalonada que conectava os níveis do edifício e nossa ideia é que a conectássemos
com o caminho existente. Mas não nos deixaram: “não há dinheiro, fazemos depois”... Mas
sabíamos que não fariam, discutimos muito, mas chegou a um ponto que não podíamos maisfazer nada. Faltavam só 20 metros, era pertinho, mas não conseguimos. A escola foi cercada
na parte interior, infelizmente. Mas ao menos é um fechamento com uma malha muito aberta,
muito transparente e em qualquer momento podem tirar. Espero que a tirem. Acaba sendo
uma referência no bairro, mas sem querer ser um ícone ou nada. É tranquilo, horizontal.
Esse espaço acima [aponta para o volume que é o único elemento sobre a praça mirante] éa aula múltipla. Era um espaço que já constava no programa. Queriam que fosse um espaço
para os estudantes mas que servisse também à comunidade. Mas que quando a comunidade
o utilizasse, não afetasse o funcionamento do colégio. Os elementos de madeira são
estratégias mais arquitetônicas, que ajudavam também a unificar o edifício, deixando-o
menos fracionado. O edifício está localizado no sentido norte sul. Então o nascente e o
poente geram uma insolação muito forte, então usamos como elementos de filtro de luz.
As salas também estão recuadas, gerando uma varanda entre as salas e a fachada e
também há este espaço intermediário. A planta é muito simples, mas sempre tenta conectar
muito os ambientes ao exterior. Porque vimos isso no bairro. Para eles é fundamental sempre
ter esta conexão com as montanhas ou com a cidade. São pessoas muito ligadas ao exterior,
vivem nas ruas.
Então é isso, a aula múltipla – que não terminaram. O projeto previa uma série de painéis,
mas nunca há dinheiro. A praça mirante com a cidade ao fundo. A biblioteca neste projeto é
muito pequena porque há a Biblioteca España muito perto.
Isso é diferente do que você me mostrou [refere-se aos CEUs]: ao terem tratado de
concentrar todos os equipamentos da comunidade em um só lugar, fazendo com que o restodo bairro perca vitalidade, sendo só residencial. Então a gente nunca vai se encontrar, se ver
nas ruas. Esta situação: a biblioteca aqui, o colégio, o metrocable, fazem com que a gente se
dê conta, se conheça. Para mim, concentrar os edifícios me parece que não é a solução. Não
constrói cidade, sociedade. A mim, me parece, que a estratégia de concentrar todos os
edifícios estimula que se formem guetos, funcionando como ilhas independentes. O que se
propunha este projeto era conectar o bairro e a comunidade.
MW: Sim, de maneira que esta conexão não se perdesse com o fechamento de um gradil ou
portão. Algo que poderia ser feito por um diretor com uma concepção um pouco diferente,
severa. Ele poderia fechar alguns acessos ou controlar os horários pondo a perder esta ideia
maior de conexão. Isso me parece ser uma fragilidade da proposta de um Centro
Educacional Unificado.
CP: Sim, aliás este foi um pedido pessoal de Sergio Fajardo: “eu espero que este colégio
sirva para derrubar os muros”. Porque de fato, os colégios existentes eram cárceres.
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Estavam fechados por muros, nem se quer por gradis. Porque não se pode ver nada através
de muros de três metros de altura, então eram verdadeiras prisões sem qualquer relação
entre o mundo interior e exterior. Ele queria eliminar as barreiras físicas e mentais. Há umamensagem bonita nisso, porque romper a barreira mental significa dizer que a escola
pertence à comunidade e não é um edifício isolado, concebido como uma prisão.
Nós fomos muito radicais, quando ouvimos isso, entendemos que o conceito era uma escola
aberta. Para nós não deveria haver gradis, mas os colocaram depois. Segundo o prefeito, a
ideia era que fossem parques educativos. Que as pessoas pudessem usar e que as crianças
não tivessem que jogar na rua.
Mas isso acabou acontecendo de um jeito um pouco diferente e acho que isso ocorre em
toda a América latina. Diretor do colégio é quem tem a chave da escola. Pois chega no fim
de semana, quando há um feriado, o diretor fecha o colégio e viaja, deixando trancada a
quadra de futebol, que era a opção de lazer para as crianças. Só resta a elas brincar na rua.
Nós não queríamos grades, queríamos que as crianças pudessem desfrutar do colégio por 24horas todos os dias da semana. Claro que temos que ser sensatos quanto à esse tema,
porque há o problema da segurança. É um bairro muito pobre em que se pode roubar
cadeiras, portas.
MW: Para a arquitetura escolar paulista isso é muito importante, ter que criar edifícios
resistentes à roubo, depredação e ausência de manutenção
CP: Sim, mas não é preciso ser tão radical. A princípio, é possível realizar campanhas
educativas com as pessoas e, a medida que a população vai se apropriando do edifício, eles
mesmos vão cuidar.
MW: Sobre os números da escola: quantidade de alunos, faixa etária...
CP: Até onde sei são quase 3.200 alunos em três turnos (manhã, tarde e noite) utilizando os
três edifícios, da faixa etária dos 2 anos até os 18. Sendo que os mais novinhos não assistem
aulas no edifício novo. Acredito que as salas de aula abertas e estes espaços avarandados
convidam para uma nova concepção de aula.
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WILDEROM, Mariana. Conversa com
Carlos Pardo: arquitetura
educacional como intervenção
urbana. Entrevista, São Paulo, ano
14, n. 056.01, Vitruvius, out. 2013
30/1/2014 vitruvius | entrevista 056.01
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Colegio Santo Domingo Savio Foto Luis Adriano Ramírez
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4894>.
Mariana Wilderom: Vimos ao
longo dos caminhos percorridos
pelo metrocable a presença
expressiva de guarda corpos,
escadas, que parecem indicar uma
intervenção, uma requalificação dospasseios... é isso?
Carlos Pardo: Sim, como te disse,
fizeram não só edifícios educativos
e sim, requalificaram, criaram
espaços públicos. Alguns projetossão feitos por concurso e outros são
feitos pela EDU, que tem mais
agilidade e conta com uma equipe grande de arquitetos...
MW: Parece que em São Paulo ainda não conseguimos atingir este tipo de integração nas
intervenções, parece que fazemos escolas, habitação, saneamento, mas não conseguimosjuntar isso a outros programas.
CP: Sim, eu creio que é importante perceber que este edifício é um grão de areia dentro de
um grande projeto, dentro de um PUI (Projeto Urbano Integral). Alejandro Echeverri foi o
cérebro dos PUI, que é este grande projeto, é a mãe de tudo isso. Os PUI conseguiram
articular habitação com educação, espaço público, saúde, tudo isso... e fez com que todas as
secretarias fossem juntas trabalhar. Eu não sei como conseguiram...pois foi muito difícil. Masconseguiram e os PUI foram capazes de fazer isso e a vontade política de Sérgio Fajardo.
Agora se tornou uma fórmula. Todos os prefeitos querem fazer isso, todos vêm à Medellín ver
como se deu isso. Por sorte, depois de seu mandato assumiu um prefeito do mesmo partido
que continuou com os parques bibliotecas, espaços públicos... e com isso conseguimos oito
anos. O prefeito que governa agora não é do mesmo partido mas está trabalhando na mesma
linha e eles são muito amigos. Então já estamos contando com 12 anos seguidos aplicando omesmo programa, isso não é fácil e é importantíssimo.
MW: Echeverri é arquiteto urbanista?
CP: É arquiteto urbanista formado em Barcelona e foi peça fundamental. Nós arquitetos o
ajudamos, mas foi ele que conseguiu visualizar o macro.
MW: Às vezes me preocupa um pouco que a arquitetura paulista seja muito autorreferente.
Como é aqui? As escolas de arquitetura formam linhas de arquitetos diferentes?
CP: Aqui chamamos de “olhar para o próprio umbigo”. Bom, aqui acho que não. Creio que
aqui haja muita camaradagem. Em Bogotá eu creio que isso aconteça mais, a Universidad
de los Andes tem uma linha mais marcada... Mas aqui em Medellín são os mesmosprofessores em diferentes universidades. Aqui temos a Bolivariana (privada) e a Universidad
Nacional (pública).
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Colegio Santo Domingo Savio Foto Sergio Gómez
[Encerrando a nossa conversa, Carlos cita uma frase de Peter Zumthor]. Essa é uma frase
que me encanta... e para falar de arquitetura do lugar, temos que falar de Zumthor, Siza, Alvar
Aalto, Salmona...
“A presença de determinados edifícios têm pra mim, algo de secreto. Parecem simplesmente
estar aí. Não se depara nenhuma atenção especial à eles. No entanto, sem eles, é
praticamente impossível imaginar o lugar onde estão. Estes edifícios parecem estar
fortemente enraizados no chão. E dão a sensação de ser uma parte natural de seu entorno”
(1).
O edifício parece então uma extensão da geografia, não é um edifício que chega e aterrissa.
Claro que se deve entender um pouco como vive esta gente, porque constroem assim, o que
lhes interessa. Vocês vão se dar conta da vitalidade que têm da rua.
nota
1A frase original e parte do seu contexto é reproduzido a seguir: “To me, the presence of
certain buildings has something secret about it. They seem simply to be there.We do not pay
any special attention to them. And yet it is virtually impossible to imagine the place where they
stand without them. Those buildings appear to be anchored firmly in the ground. They make the
impression of being a self-evident part of their surroundings and they seem to be saying: “I am
as you see me and I belong here”. ZUMTHOR, Peter. Thinking architecture.Basel/Boston/Berlim, Birkhauser, 1999, p. 17-18.
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WILDEROM, Mariana. Conversa com Carlos Pardo: arquitetura educacional como
intervenção urbana. Entrevista, São Paulo, ano 14, n. 056.01, Vitruvius, out. 2013
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4894>.
Carlos Pardo
(1964) é um dos
sócios
fundadores do
ObranegraArquitectos, que
junto com
Mauricio
Zuloaga Latorre
(1963), mantém
o escritório dearquitetura em
Medellín, Colombia desde 1990. Em o arquiteto Nicolás Vélez Jaramillo (1969) passa a
integrar a equipe.Todos formados pela Universidad Pontificia Bolivariana de Medellín.
Em seus projetos existe um interesse permanente em desenvolver uma arquitetura
contemporânea sensível com o contexto e com o meio ambiente, mobilizando os sentidos e a
razão.
Vários de seus projetos tem obtido reconhecimento em Bienais Nacionais e Internacionais,
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sendo publicados em revistas especializadas como: Mark (Holanda), Architectural Review
(Inglaterra), Arquitectura Viva (España) Summa (Argentina), Trama (Ecuador) Escala
(Colombia), entre outras.
Também têm participado de exposições coletivas: Arquitectura en Colombia y el sentido del
lugar em várias cidades Europeias, Moscou, Shangai, Pequim, Peru 2005, Narrativa Visual
De dos ciudades na RIBA, Londres 2010, Gwangju Biennale na Coreia 2011, Medellin
Urbanismo Social em Paris 2011, Arquitectura Colombiana: transformación social a través de
la arquitectura en Medellín em Londres 2011.
Em 2008 obtiveram menção na categoria Projeto Arquitetônico na XXI Bienal Colombiana de
Arquitectura com o edifício Guayacán de Aviñón torre 2.
Em 2010 ganharam o Premio Nacional de Arquitectura com o Colegio em Santo Domingo
Savio, depois de terem recebido o Primeiro Premio da categoria Projeto Arquitetônico na
XXII Bienal Colombiana de Arquitectura. Na VII Bienal Iberoamericana de Arquitectura, este
projeto foi selecionado como um dos 35 melhores projetos iberoamericanos.
En 2011 obtiveram o Prêmio Lápiz de Acero na categoria Desenho Arquitetônico com o
Colegio em Santo Domingo Savio.
Mariana Wilderom
Mariana Wilderom é arquiteta e urbanista formada pela FAUUSP. Atualmente cursa omestrado pela mesma instituição, dentro da área de História e Fundamentos da Arquitetura e
Urbanismo. É orientada pela Prof. Dra. Mônica Junqueira de Camargo, integrando também
seus grupos de pesquisa (“Núcleo de Referência da Cultura Arquitetônica Paulista” e
“Arquitetura e Cidade Moderna e Contemporânea Brasileira”).
Entrevista
A entrevista foi realizada em 14 de setembro de 2012 no escritório de Obranegra Arquitectos.
dados sobre o projeto
projeto
Colegio Santo Domingo Sávio
Carrera 28, n. 107-295
Barrio Santo Domingo Sávio, Medellín, Colombia
escritório
Obranegra Arquitectos
arquitetos autores
Carlos Pardo Botero
Mauricio Zuluaga Latorre
Nicolás Vélez Jaramillo
arquiteto coordenador
Arq. Juan Camilo Llano C.
arquitetos colaboradores
Alejandro Ochoa