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MELODY PABLOS SOUZA DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo – SP, 2009

DA PENA À PELÍCULA - AS PERSONAGENS DE CARANDIRU

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MELODY PABLOS SOUZA

DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo – SP, 2009

MELODY PABLOS SOUZA

DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª Drª Sandra Lúcia Amaral de Assis Reimão.

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo – SP, 2009

Que há num simples nome? O que chamamos

rosa, sob uma outra designação teria igual

perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de

Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que

dele é sem esse título.

William Shakespeare

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores da Metodista, pelos

ensinamentos e conselhos,

em especial à Sandra Reimão,

que me orientou nesta jornada.

Agradeço aos meus pais e ao Maicon,

pelo apoio e, principalmente,

pela paciência neste período.

LISTA DE TABELAS

§ Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS

......................................................................................................................... 24

§ Tabela 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

......................................................................................................................... 38

§ Tabela 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO ............................................. 54

§ Tabela 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR IDADE E SEXO

......................................................................................................................... 97

§ Tabela 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR SITUAÇÃO

......................................................................................................................... 98

§ Tabela 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA FORMA COMO

ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS

......................................................................................................................... 99

§ Tabela 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA RAÇA

....................................................................................................................... 100

§ Tabela 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA

ÀS DROGAS ................................................................................................ 101

§ Tabela 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR ENFERMIDADE

....................................................................................................................... 102

§ Tabela 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR CRIME

COMETIDO .............................................................................................. 103

§ Tabela 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR FUNÇÃO

DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 104

§ Tabela 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR RELAÇÃO

COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU COM A

CASA DE DETENÇÃO ............................................................................ 104

§ Tabela 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME ......................................... 110

§ Tabela 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR IDADE E

SEXO ......................................................................................................... 115

§ Tabela 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR SITUAÇÃO

.................................................................................................................... 116

§ Tabela 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA FORMA

COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS

.................................................................................................................... 116

§ Tabela 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA RAÇA

.................................................................................................................... 117

§ Tabela 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR

DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS ............................................................... 118

§ Tabela 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR

ENFERMIDADE ...................................................................................... 119

§ Tabela 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR CRIME

COMETIDO .............................................................................................. 120

§ Tabela 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR FUNÇÃO

DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 121

§ Tabela 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR RELAÇÃO

COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU A CASA

DE DETENÇÃO ....................................................................................... 122

§ Tabela 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS ................................................................ 134

§ Tabela 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS ...................................... 176

§ Tabela 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ............................................................... 181

§ Tabela 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS

CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS ................................................. 182

§ Tabela 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELA HISTÓRIA

.................................................................................................................... 183

§ Tabela 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

.................................................................................................................... 185

§ Tabela 29 – ORIGEM DE SEU PIRES ......................................................................... 187

§ Tabela 30 – ORIGEM DE DALVA .............................................................................. 190

§ Tabela 31 – ORIGEM DE ROSIRENE ......................................................................... 191

§ Tabela 32 – ORIGEM DE DINA .................................................................................. 193

§ Tabela 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO ............................................................... 194

§ Tabela 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS ......................................................... 195

§ Tabela 35 – ORIGEM DE CÉLIA ................................................................................ 196

§ Tabela 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE ................................................................. 197

§ Tabela 37 – ORIGEM DE CATARINA ....................................................................... 198

§ Tabela 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS SECUNDÁRIAS

.................................................................................................................... 199

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

§ Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL .................................. 28

§ Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA ....................................... 28

§ Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA ......................................... 29

LISTA DE SIGLAS

§ ABC ..................................... Região de Santo André, São Bernardo do Campo

e São Caetano do Sul, no estado de São Paulo

§ AIDS .................................... Acquired Immunodeficiency Syndrome (em

português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)

§ ALE ..................................... Alemanha

§ AUS ..................................... Austrália

§ CBL ..................................... Câmara Brasileira do Livro

§ DCMS ................................. Department for Culture, Media and Sport

§ DM ...................................... Doente Mental

§ DVD .................................... Digital Video Disc (em português, Disco Digital de Vídeo)

§ EUA ................................... Estados Unidos da América

§ FRA .................................... França

§ HIV ..................................... Human Imunodeficiency Virus (em português, Vírus da

Imunodeficiência Humana)

§ HQ ...................................... História em quadrinhos

§ IBGE .................................. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

§ ING .................................... Inglaterra

§ ITA ..................................... Itália

§ JAP ..................................... Japão

§ PIB...................................... Produto Interno Bruto

§ PM ..................................... Policial Militar

§ SEBRAE ............................ Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

§ SNEL ................................. Sindicato Nacional dos Editores de Livros

§ UNESCO............................ Organização das Nações Unidas para a Educação, a C iência

e a Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15

Acerca deste estudo ........................................................................................... 16

Carandiru pelos olhos da crítica ....................................................................... 18

CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA ..................................................................... 20

1. Criatividade versus Inovação ........................................................................ 21

2. As Indústrias Criativas .................................................................................. 22

3. As Indústrias Culturais .................................................................................. 23

4. Clusters Criativos .......................................................................................... 25

5. Propriedade Intelectual .................................................................................. 26

6. A Economia da Cultura e da Criatividade ..................................................... 27

7. A Indústria Editorial ...................................................................................... 31

8. A Indústria Cinematográfica ......................................................................... 34

CAPÍTULO II – ADAPTAÇÃO ................................................................................ 37

1. Acerca da Adaptação Fílmica ..................................................................... 37

2. Acerca da Adaptação Literária para o Cinema ............................................ 46

3. Acerca das Personagens .............................................................................. 48

4. Acerca das Obras Analisadas ...................................................................... 49

4.1. Estação Carandiru ............................................................................... 49

4.2. Carandiru ............................................................................................. 50

CAPÍTULO III – O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU: suas personagens ........... 51

1. Estação Carandiru : O Livro ....................................................................... 51

2. Estação Carandiru : Suas Personagens ....................................................... 53

CAPÍTULO IV – O FILME CARANDIRU: suas personagens ............................. 106

1. Carandiru: O Filme ................................................................................... 106

2. Carandiru: Suas Personagens ................................................................... 109

CAPÍTULO V – AS PERSONAGENS DE CARANDIRU: uma análise .............. 123

1. As Personagens Principais ........................................................................ 123

1.1. As Personagens Principais de Estação Carandiru ........................... 124

1.2. As Personagens Principais de Carandiru ......................................... 124

1.2.1. Deusdete ............................................................................... 125

1.2.2. Zico ...................................................................................... 126

1.2.3. Majestade ............................................................................. 127

1.2.4. Sem Chance .......................................................................... 128

1.2.5. Lady Di ................................................................................. 129

1.2.6. Nego Preto ............................................................................ 130

1.2.7. Seu Chico ............................................................................. 130

1.2.8. Ezequiel ................................................................................ 131

1.2.9. Peixeira ................................................................................. 132

1.2.10. Médico .................................................................................. 133

2. A Origem das Personagens Principais ...................................................... 137

2.1. Deusdete ........................................................................................... 137

2.2. Zico .................................................................................................. 141

2.3. Majestade ......................................................................................... 145

2.4. Sem Chance ...................................................................................... 154

2.5. Lady Di ............................................................................................. 156

2.6. Nego Preto ........................................................................................ 158

2.7. Seu Chico ......................................................................................... 165

2.8. Ezequiel ............................................................................................ 168

2.9. Peixeira ............................................................................................. 170

2.10. Médico .............................................................................................. 172

3. As Personagens Secundárias ..................................................................... 186

3.1. Núcleo Seu Pires .............................................................................. 186

3.2. Núcleo Majestade ............................................................................. 188

3.3. Núcleo Claudiomiro ......................................................................... 192

3.4. Núcleo Deusdete .............................................................................. 196

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 200

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS ....................................................... 205

RESUMO

Este estudo enfoca a transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio

Varella, para o cinema, no que tange à construção de suas personagens. Para tanto, fez-se um

levantamento das personagens e de suas características, de ambas as obras. O objetivo maior é

compreender as escolhas feitas durante este diálogo entre mídias, que originou o filme

Carandiru, de Hector Babenco, visto que houve uma grande redução no número de personagens.

Para esta análise, adotou-se a pesquisa descritiva como procedimento metodológico. Constatou-

se que a maior parte das origens das personagens cinematográficas vem de fusões de personagens

literárias. Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas e

algumas que foram eliminadas. Não se encontrou nenhuma personagem acrescentada.

Palavras-chave: Adaptação literária, cinema, transposição, personagens, Carandiru.

ABSTRACT

This study focuses the adaptation of the book Estação Carandiru, written by Drauzio

Varella, to the movies, concerning the construction of the characters. Therefore, a listing of the

characters and their characteristics was made, from both the book and the movie. The main

objective is to understand the choices made in this dialog between medias, from where the movie

Carandiru, by Hector Babenco, originated, considering that the re was a great reduction in the

number of characters. For this analysis, the methodological process adopted was the descriptive

research. It was verified that most part of the characters’ origins come from the fusion of literary

characters. But it was also found that literary characters were dismembered and some of them

were eliminated. No new character was found .

Key-words: literary adaptation, cinema, characters, Carandiru.

15

INTRODUÇÃO

As adaptações da literatura para o cinema têm apresentado uma boa quantidade de

público, como se pode ver em exemplos como as grandes produções de Harry Potter (que

arrecadou cerca de 140 milhões de dólares nos Estados Unidos 1, com o último filme da série

Harry Potter e a Ordem da Fênix e cerca de 23 milhões de reais em 10 dias de exibição no

Brasil2), O Senhor dos Anéis (A Sociedade do Anel, arrecadou 47 milhões de dólares em 2001, e

O Retorno do Rei, arrecadou 72,6 milhões de dólares em três dias, em 20033.) e As Crônicas de

Nárnia (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa arrecadou 67 milhões de dólares na estréia nos

Estados Unidos3.). A transposição de uma obra literária, em muitos casos, atrai enorme público,

tanto para as salas de cinema como para as livrarias. Em seu artigo Os Best-sellers de ficção no

Brasil – 1990/2000 (2001), Sandra Reimão verifica aspectos positivos com relação à adaptação,

demonstrando um aumento na vendagem de livros que foram adaptados para a televisão. A autora

pontua um aspecto importante destas adaptações:

No incentivo à leitura, quer pelo fato de o autor ser uma personalidade midiática quer pela adaptação da trama de uma obra de ficção, em qualquer um dos dois casos, a televisão estaria ajudando a romper o círculo de desinformação que isola o potencial leitor do universo da literatura. (REIMÃO, 2001, p.14)

Muitos vão buscar referências no livro após assistir aos filmes ou vice-versa: procuram

primeiramente o livro para, posteriormente, assistir à película. Um caso que pode servir de

exemplo é a obra literária Os Maias, de Eça de Queirós, estudado por Juliana Salum Ferreira

Silva, em seu artigo Imagens na literatura: adaptação de Os Maias para a televisão (2007). Ela

afirma que “muitos telespectadores só têm acesso a algum conteúdo literário através das versões

televisivas e outros compram a obra porque esta foi adaptada” (p. 9). Segundo seu artigo, o livro

Os Maias vendeu 12 mil exemplares em 20 dias após sua adaptação para a televisão, além de

quase causar esgotamento no estoque de todos os outros livros do autor do catálogo da editora.

1 Dado do New York Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/07/16/movies/16box.html?_r=1&oref=slogin>. Acesso em: 25 de agosto de 2007. 2 Dado do portal O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/07/24/296946794.asp>. Acesso em: 18 de agosto de 2007. 3 Dados do site UOL Cinema. Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/ultnot/2005/12/12/ult26u20413.jhtm> . Acesso em: 14 de janeiro de 2007.

16

Como se vê, a adaptação nem sempre é um desserviço para a obra original. Ela pode

contribuir para disseminar a obra primária, aumentando, assim, o rol de leitores. Nesse sentido,

podemos afirmar também que uma linguagem ao se apoderar de uma outra, como a

cinematográfica o faz da literária, acaba provocando um círculo de interesse, já que muitos, após

ter contato com uma obra, vão verificar a sua transposição, resultando em ganhos culturais e

sociais para todas as linguagens. É um processo simbiótico cultural.

A adaptação de uma obra, principalmente da linguagem literária para a cinematográfica

ou televisiva, porém, nem sempre tem uma recepção positiva de público e crítica. Neste âmbito,

se insere o filme Carandiru, de Hector Babenco, adaptação cinematográfica do livro Estação

Carandiru, de Drauzio Varella, o objeto de estudo deste trabalho, que também serve como

exemplo destas críticas negativas:

O rompimento, de filmes como Carandiru, com o projeto estético

cinemanovista é lamentado, criticado e, por vezes, mal interpretado, pela

crítica de cinema no Brasil. (GOMES, 2007, p. 12).

No entanto, o processo de transposição de uma obra para outra linguagem é um processo

complexo, que passa por formatos diferentes que determinam limitações, que necessitam ser

compreendidas para analisar uma obra adaptada.

ACERCA DESTE ESTUDO Fruto deste diálogo entre mídias que é o processo de transposição, as 206 personagens

presentes no livro Estação Carandiru transformaram-se em apenas 50 em sua versão

cinematográfica. Desta constatação, surge uma questão, que será a pergunta norteadora da

investigação neste estudo: Houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos

e/ou de ações – na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varela, para a

obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das

personagens neste diálogo entre mídias?

O objetivo principal é compreender a transposição da obra literária Estação Carandiru, de

Drauzio Varella, para a obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos

construtivos das personagens neste diálogo entre mídias, tendo como objetivo também analisar

17

comparativamente as características de construção de determinados personagens existentes tanto

no livro como na obra cinematográfica citados.

Para responder à questão levantada a partir da reflexão apresentada e visando o objetivo

deste estudo, propõe-se uma hipótese de inicial sobre esta questão, que poderá se confirmar, ou

não, ao final das análises: Na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio

Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características,

resultando em uma única personagem cinematográfica.

Toda pesquisa “é um processo de investigação” e a ciência é descritiva, já que procura

entender os fatos através da observação da configuração deles. Ela é “um modo de ordenar os

eventos; o que ela busca são leis nas quais basear as previsões isoladas” (VIÁ, 2001, p. 40).

Tendo em vista esse objetivo de investigar e observar como ocorre a transposição de uma obra

literária para uma cinematográfica, este estudo adotará como metodologia o método de pesquisa

qualitativa, que tem como característica não empregar um instrumental estatístico como base do

processo de análise do problema.

Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON, 1989, p. 39)

Será realizada uma comparação entre a obra literária Estação Carandiru, de Drauzio

Varella (Edição de 2005) e sua adaptação para a obra cinematográfica, Carandiru, de Hector

Babenco, no que diz respeito às suas personagens. A versão do filme que será analisada é a

edição dupla em DVD, lançada em 2003, distribuída em parceria pelas produtoras Globo Filmes,

HB Filmes e Columbia Tristar. E a versão do livro é a 2ª edição e 4ª reimpressão, lançada em

2005 pela editora Companhia das Letras.

Ao tentar sistematizar as observações, há de se lembrar que é quase impossível descrever

tudo que se observa. De acordo com Viá, o principal critério orientador da observação deve ser “a

relevância do fato ante a finalidade proposta para a observação” (2001, p.40). Para Rose, na

análise, “o que deixar fora é tão importante quanto o que vai se incluir, e irá afetar o restante da

análise” (2002, p. 346).

O enfoque deste estudo será a análise das personagens cinematográficas adaptadas a partir

do livro Estação Carandiru, procurando encontrar similaridades ou disparidades. Para tanto,

18

inicialmente será feito um levantamento descritivo das personagens de ambas as obras, com a

finalidade de identificar estas personagens e suas características, para, em um segundo momento,

confrontar estes dados na análise da construção e/ou fusão das personagens que compõem o filme

Carandiru. Sendo assim, a metodologia adotada para este estudo será a pesquisa descritiva. A

respeito deste tipo de pesquisa, Gil diz que “tem como objetivo primordial a descrição de

determinadas características de determinada população ou fenômeno” (1999, p. 44), ou seja, ela

visa observar, registrar, analisar, classificar, interpretar e correlacionar fatos ou fenômenos sem a

interferência do pesquisador.

CARANDIRU PELOS OLHOS DA CRÍTICA

A partir do trabalho de Regina Gomes, A Crítica de Cinema Como Objeto Histórico e

Retórico: o Caso do Filme Carandiru de Hector Babenco (2007), que analisa as críticas acerca

do filme Carandiru de Hector Babenco, pôde-se verificar um fator interessante: o filme

Carandiru recebeu muitas críticas, na sua maioria negativas, na época de seu lançamento, no

entanto, é curioso perceber que as personagens eram apresentadas de forma positiva, quando

mencionadas. Como nesta observação de Maria do Rosário Caetano, citada no referido trabalho :

[Carandiru] contém muitos dos ingredientes que costumam mobilizar

multidões: personagens densos e críveis, diálogos crus, iguais aos que a gente

ouve na rua, olhar terno, cúmplice (mas sem pieguice) sobre os

marginalizados. (Caetano, 2003). (GOMES, 2007, p. 10)

Este fato se mostra interessante por ter sido este um filme baseado no livro, Estação

Carandiru, de Drauzio Varella, e apresentar menos de 25% das personagens presentes no livro

que o inspirou. Isto não foi prejudicial aos olhos da crítica, segundo o trabalho de Gomes. É

importante, porém, notar que a apresentação das personagens deu-se de maneira diferente em

ambas as obras e este estudo pretende investigar este processo, podendo assim, contribuir para o

entendimento do papel da personagem dentro de uma obra, seja ela literária, seja

cinematográfica.

19

Assim, pretende-se com este trabalho, de certa forma, mostrar características que ajudam

a entender outros fenômenos mais amplos de adaptação de linguagem. Richardson (1989) aponta

para a importância de se estudar os diversos meios de comunicação, enquanto veículos

direcionados a diferentes grupos da população, para que se perceba as diferenças quanto ao estilo

e conteúdo da comunicação.

20

CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA

Imagem obtida na web.

[As pessoas] estão comprando e vendendo palavras, músicas, quadros; dispositivos, programas de computador, genes; direitos autorais, marcas registradas, patentes, propostas, formatos, fama, rostos, reputação, marcas, cores. Os itens à venda neste mercado barulhento são os direitos de uso (...) da propriedade intelectual.1

John Howkins

O mundo vem enfrentando uma mudança recente no panorama da economia. As

atividades artísticas e culturais, previamente não consideradas economicamente significativas,

agora, estão sendo consideradas como o futuro da economia global, através dos assets criativos2.

As idéias, que estão no centro desta nova “Economia da Cultura”, são garantidas pela

propriedade intelectual. Esta nova situação econômica faz com que seja necessário repensar a

criatividade – o que ela de fato significa e o que ela representa no mundo atual –, portanto,

também leva-se a pensar sobre o papel das Indústrias Criativas, das Indústrias Culturais, dos

clusters criativos e o que um país pode fazer para aperfeiçoar o pensamento criativo e a

habilidade de inovar de seu povo.

1 Tradução da autora. 2 O termo assets criativos usado por Steven Jay Tepper refere-se tanto aos bens e serviços que são o produto principal de uma arte expressiva quanto aos trabalhadores que produzem tais bens e serviços. O termo faz referência ao valor econômico que pode ser medido e calculado destes bens, serviços e trabalhadores criativos. Ver: TEPPER, Steven Jay. Creative Assets and the Changing Economy. Princeton University: Jornals of Arts, Management and Law, 2002.

21

1. Criatividade versus Inovação

Imagem obtida na web.

Acredito que a criatividade é essencial não só nas chamadas indústrias criativas, mas em quase todo lugar – planejamento urbano, transporte urbano, gerenciamento de hotel, e todo tipo de coisas. Isso se trata do reconhecimento do ext raordinário talento individual e de capacitá-lo a desenvolvê-lo de forma corporativa.3 – John Howkins

A primeira coisa para começar a entender como esta “nova economia” funciona é deixar

bem claro o que criatividade e inovação significam e a diferença entre elas. Enquanto ambas

podem ser vistas como a habilidade de gerar algo novo, elas têm uma diferença significativa no

conceito. De acordo com o dicionário Houaiss, criatividade se define como “inventividade,

inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico,

quer no científico, esportivo etc.” (p. 868, 2004). O termo inovação é descrito como “aquilo que é

novo, coisa nova, novidade” (p. 1622, 2004). Inovar tem por definição “introduzir novidade,

fazer algo como não era feito antes” (p. 1622, 2004). Segundo o economista John Howkins,

criatividade é ter novas idéias. Ela é individual e subjetiva, enquanto a inovação é baseada em um

grupo e é objetiva. “A criatividade pode virar inovação; a criatividade pode impulsionar a

inovação; a criatividade pode resultar em inovação. A inovação nunca causa criatividade”4

(GHELFI, 2005, p. 4) . A inovação está sujeita à aprovação de um grupo, é algo bem mais

extenso. “A inovação é um processo social. Tem muito mais a ver com desenvolver uma nova

maneira, um novo método, uma nova metodologia de fazer algo para o mercado”5 (GHELFI,

2005, p. 5). Ainda segundo Howkins, as pessoas criativas estão sempre aprendendo. “Quando

paramos de aprender, paramos de ser criativos”6 (HOWKINS, 2005, p.3).

3 Tradução da autora. 4 Tradução da autora. 5 Tradução da autora. 6 Tradução da autora.

22

2. As Indústrias Criativas

Imagem obtida na web.

As chamadas Indústrias Criativas são, de acordo com o Department for Culture, Med ia

and Sport (DCMS), do Reino Unido, aquelas que “caracterizam-se por terem origem na

criatividade, competência e talento individuais e o potencial para criarem riqueza e emprego

gerando e explorando a propriedade intelectual” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 4). Sua

base são indivíduos com habilidades artísticas e criativas, que desenvolvem serviços e produtos

comerciais, cujo valor econômico está em suas propriedades intelectuais. Em seu livro The

Creative Economy (2001), John Howkins traz uma lista das indústrias que, juntas, formam as

Indústrias Criativas. Elas são (GHELFI, 2005, p.6) :

1. Publicidade

2. Arquitetura

3. Artes

4. Artesanato

5. Design

6. Moda

7. Filmes

8. Música

9. Artes Cênicas

10. Publicações

11. Pesquisa e Desenvolvimento

12. Software

13. Brinquedos e Jogos

14. TV e Rádio

15. e Jogos Eletrônicos.

23

Na entrevista de Donna Ghelfi a John Howkins, ela cita trecho do livro de Howkins, no

qual o autor define as Indústrias Criativas:

As ‘indústrias de direitos autorais’ consistem em todas as indústrias que criam direitos autorais ou trabalhos relacionados como seu produto primário. (...) As ‘indústrias de patente’ consistem em todas as indústrias que produzem ou lidam com patentes (...) As ‘indústrias de marca registrada e design’ são ainda mais abrangentes, e sua vasta extensão e diversidade as tornam menos distintas. Juntas, estas quatro indústrias constituem as ‘indústrias criativas’ e a ‘economia criativa’. Esta definição é controversa. Enquanto todas as definições até agora coincidem com o sistema internacional, não há consenso sobre esta aqui.7

3. As Indústrias Culturais

Imagem obtida na web.

Segundo o Dossier de Economia Criativa (2008), ainda não há uma definição precisa para

as Indústrias Criativas. Nele são apresentadas quatro definições que são utilizadas ao se falar de

tais indústrias, lembrando que as interpretações variam de acordo com os critérios utilizados.

Sendo assim:

1. Segundo a UNESCO, elas correspondem às “actividades que combinam a criação, a

produção e a comercialização de conteúdos que são de natureza intangível e cultural”

(Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);

2. ou podem ser “um conjunto de actividades económicas também denominadas

indústrias de conteúdo (...) que conjugam funções mais ou menos industriais – de

concepção, de criação e de produção – com funções industriais de fabrico em grande

escala e de comercialização, utilizando suportes físicos ou de comunicação” (Agência

INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);

7 Tradução da autora.

24

3. ou ainda “indústrias fundadas na propriedade literária e artística” (Agência

INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);

4. e, por fim, em uma interpretação mais restritiva, elas se limitam ao “conceito de

indústrias de entretenimento” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6).

Mas em que aspectos as Indústrias Culturais se diferem das Indústrias Criativas? A tabela

a seguir visa responder essa questão. Apresentada no Dossier de Economia Criativa, ela foi

elaborada com base nas definições presentes no estudo KEA European Affairs, The Economy of

Culture in Europe de 2006.

Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS

Indústrias Criativas Indústrias Culturais

Abordagem Económica Económica/Estatística

Definição Indústrias que têm a sua origem

na criatividade, competência e

talento individuais e que têm o

potencial para criarem riqueza e

emprego gerando e explorando a

propriedade intelectual.

Um conjunto de actividades

económicas que aliam funções de

concepção, de criação e de produção

a funções mais industriais de

manufactura e de comercialização

em larga escala, através da utilização

de suportes materiais ou de

tecnologias da comunicação.

Critérios Criatividade como input central

no processo de produção.

Outputs caracterizados pela

propriedade intelectual (e não

apenas direitos de autor).

Outputs destinados à reprodução em

massa; Outputs caracterizados pelos

direitos de autor (e não pela

propriedade intelectual).

Alcance - Publicidade, arquitectura,

Mercado de artes e antiguidades,

artesanato, design, design de

- Publicações (livros, jornais,

revistas, música), bem como a

comercialização de livros, gravações

25

moda, cinema e vídeo, software

de lazer interactivo, música,

artes performativas, publicidade,

software e serviços de

computador, rádio e televisão.

- As actividades incluem:

criação, produção, distribuição,

difusão, promoção, actividades

educativas relacionadas e

actividades de imprensa

relacionadas.

de som e imprensa.

- Actividades audiovisuais (produção

de filmes para televisão, de filmes

institucionais ou publicitários, de

filmes teatrais, actividades técnicas

relacionadas com a televisão e o

cinema, distribuição de filmes e de

videos, de radio e de programas de

televisão para satélite).

- E actividades directamente

relacionadas (agências de

informação, multimedia e

publicidade)

4. Clusters Criativos

Imagem obtida na web.

Em economia, clusters são “concentrações geográficas de empresas de determinado setor

de atividade e organizações correlatas, de fornecedores de insumos a instituições de ensino e

clientes” (LEÃO FILHO, 2008, p.1). Estas empresas são concorrentes, mas, ao mesmo tempo

cooperam entre si.

Já os clusters criativos são locais tanto de trabalho quanto de entretenimento. São

“espaços onde se criam e consomem bens culturais”. Eles incluem “empresas sem fins lucrativos,

instituições culturais, espaços de arte e artistas individuais, mas também parques de ciência e

centros de media” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 11).

26

5. Propriedade Intelectual

Imagem obtida na web.

Os direitos à propriedade intelectual visam proteger as criações

inventivas, singulares, perspicazes e criativas da mente humana.8

Donna Ghelfi.

A moeda que vigora nesta economia é a propriedade intelectual, que tem por objetivo

proteger e assegurar legalmente os direitos autorais, sem os quais os criadores não receberiam

crédito algum – tanto ao que se refere ao retorno financeiro quanto reconhecimento autoral – por

suas idéias e/ou produtos.

Através da propriedade intelectual, transações comerciais de marcas registradas, métodos

de ensino, programas de televisão, músicas, nomes de personagens, etc. são efetuadas da mesma

forma que os produtos físicos. Sendo assim, podemos ver uma personagem da Disney, por

exemplo, estampada em produtos que a empresa não produz. Para tanto, a empresa distribuidora

do produto necessita providenciar um acordo jurídico com a empresa detentora dos direito s sobre

a personagem. Este contrato legal tanto pode se tratar de retorno financeiro ou publicitário, caso o

interesse da empresa criadora da personagem seja divulgar a marca.

A falta de um acordo firmado legalmente entre detentor dos direitos de propriedade da

obra intelectual e distribuidor e/ou reprodutor é prevista na lei, podendo ser classificada como

plágio – quando consistir na utilização da obra intelectual sem autorização do autor –,

contrafação – quando a obra de outro autor for apresentada como própria, seja total ou

parcialmente – ou plágio-contrafação – quando alguém publica uma obra como sendo de sua

autoria, mas, na verdade, se trata apenas de uma tradução de uma obra alheia.

Donna Ghelfi ressalta o aspecto legal da propriedade intelectual:

Enquanto a criatividade e a faculdade inventiva por si só são universais, os direitos exclusivos de propriedade sobre as criações intelectuais, que são inspiradas pela criatividade e pela faculdade inventiva das pessoas, se tornam o

8 Tradução da autora.

27

domínio das normas legais e padrões vinculantes com relação à propriedade sobre as criações intelectuais.9 (2005, p. 13)

Para Howkins, é essencial assegurarmos esses direitos aos autores das obras intelectuais.

“Quanto mais caminhamos em direção a uma economia baseada em idéias mais se faz necessário

garantir que as pessoas que têm essas idéias tenham uma boa vida”10 (GHELFI, 2005, p.6).

6. A Economia da Cultura e da Criatividade

Imagem obtida na web.

A ‘economia criativa’ consiste nas transações dos produtos criativos: Cada transação pode ter dois valores complementares: o valor do intangível, da propriedade intelectual e o valor do suporte físico ou plataforma (se houver). Em algumas indústrias, como as do software digital, o valor da propriedade intelectual é maior. Em outras, como a da arte, o valor do objeto físico é maior.11 – John Howkins

O termo “Economia Criativa” apareceu pela primeira vez na Austrália em 1994 12. No

entanto, a definição mais precisa do termo foi feita no livro The Creative Economy (2001), do

economista inglês John Howkins. Segundo o autor, trata-se de uma economia...

(…) onde as principais matérias-primas e os produtos finais são as idéias, (...) onde a maioria das pessoas passa a maior parte do seu tempo tendo idéias. É uma economia ou sociedade onde as pessoas se preocupam e pensam sobre sua capacidade de ter idéias; onde elas não têm uma rotina de trabalho repetitiva das 9h às 17h, o que foi o que muitas pessoas fizeram por muitos anos, seja no campo ou na fábrica. É onde as pessoas, em qualquer momento, (...) acham que podem ter uma idéia que realmente funciona, não apenas uma idéia com algum tipo de prazer esotérico, mas uma que seja a condutora de sua carreira, de seus pensamentos sobre status e seus pensamentos sobre identidade.13 (GHELFI, 2005, p. 3)

9 Tradução da autora. 10 Tradução da autora. 11 Tradução da autora. 12 Dado retirado de: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/eventos/conteudo_261701.shtml>. Acesso em: 08 de dezembro de 2008. 13 Tradução da autora.

28

A Creative Clusters Ltd.14 apresenta as seguintes estruturas para a Economia Industrial e a

Indústria Criativa, mostrando que esta última é bem mais segmentada.

Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL

Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA

Figura s 1 e 2 retiradas de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy:

An Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia;

Production = Produção; Distribution = Distribuição; Consumption = Consumo e Creative

Clusters = Clusters Criativos.

14 Ver: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa , 2007. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/eventos/conteudo_261701.shtml>. Acesso em: 08 de dezembro de 2008.

29

Howkins está de acordo com a estrutura apresentada da Indústria Criativa, no entanto,

acredita que a “idéia” e a “produção” sejam mais integradas, e a categoria “consumo”

apresentaria melhor esta idéia de integração sendo chamada de “usuário”, já que muitas vezes as

pessoas classificadas sob a categoria “consumo” são as mesmas sob a categoria “idéia”, ou seja, o

consumidor do produto final pode ser também aquele que teve a idéia que originou o produto.

Esta estrutura seria mais circular, como ilustrado na figura a seguir.

Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA

Figura 3 retirada de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy: An

Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia;

Production = Produção; Distribution = Distribuição; e User / Consumption = Usuário /

Consumo.

As indústrias que compõem a Economia Criativa representam cerca de 10% do PIB

mundial, com crescimento anual de 7%, movimentando 1,3 trilhão de dólares no mundo e

gerando 5% dos empregos15. No Brasil, este setor representa 4% do Produto Interno Bruto, que

totalizou R$ 2,4 trilhões em 2007, segundo dados do IBGE. Neste mesmo ano, a movimentação

gerada pela economia criativa foi de aproximadamente R$ 97,5 bilhões. De acordo com o

15 Dados obtidos em: GARSKE, Mara Eliza. Comunicação e o contexto arte, cultura e mercado . Monografia. Santa Cruz do Sul, RS, 2006.

30

SEBRAE, estes números tendem a crescer, uma vez que “as atividades de criação, produção,

circulação e consumo de bens culturais no planeta cresce a uma taxa anual de 6,3%, ao passo que

o restante da economia registra uma expansão de 5,7%” (SATO, 2008, p. 1).

De acordo com pesquisa de Aurilio Caiado da Fundação Sistema Estadual de Análise de

Dados, no Brasil, esta área contrata pessoas “mais instruídas, com salários melhores e com maior

nível de registro em carteira do que a média geral nacional” (ELIAS, 2007, p.1). De acordo com

dados do IBGE, os salários da Economia Criativa são 51% maiores que a média nacional. Em

São Paulo, o número de pessoas ligadas a esta área chega a 7,7% da economia local. 40% dos

trabalhadores das Indústrias Criativas têm entre 11 e 14 anos de escolaridade; a média nacional é

de 29%16.

Em 2004, época em que havia 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos no Brasil, 16

milhões de jovens brasileiros estavam fora da escola. Entre aqueles que freqüentaram a escola, 5

milhões não estudaram além da 5ª série. Pelas projeções de população, é esperado que, em 2010,

haja cerca de 50 milhões de jovens no Brasil17.

No entanto, apesar do crescimento do setor econômico cultural, os jovens ainda não são

grandes consumidores de bens culturais diversificados. Segundo dados da UNESCO de 2004,

“62% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam, 87% não freqüentam teatro, nem

museus, 60% não vão a cinemas e bibliotecas e 59% nunca ou quase nunca foram a estádios e

ginásios esportivos” (BASILE, 2004, p. 1).

Não obstante, ainda que no Brasil os jovens não sejam grandes consumidores de tais bens

culturais, no que se refere a bens tecnológicos – como mídia digital e videogame –, o Brasil se

encontra entre os países que mais consomem estes produtos. Segundo pesquisa da consultoria

Nielsen realizada em 2008, o Brasil está em oitavo lugar na categoria Consumo de Mídias

Digitais. Quanto ao consumo de videogames, ficou em nono; e em música, em primeiro. No

ranking geral, o Brasil aparece como o segundo país que mais consome entretenimento, perdendo

apenas para as Filipinas18.

16 Dados retirados da Agência Sebrae de Notícias. Disponível em: <http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=6749286&canal=36>. Acesso em: 06 de dezembro de 2007. 17 BASILE, Juliano. No Brasil, 60% dos jovens nunca vão ao cinema. Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2004. Disponível em: <http://www2.metodista.br/unesco/jbcc/jbcc_mensal/jbcc264/estado_brasil.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2004. 18 Dados disponíveis no portal Infomoney. Disponível em: <http://web.infomoney.com.br//templates/news/view.asp?codigo=1466146&path=/suasfinancas/estilo/>. Acesso em: 19 de dezembro de 2008.

31

7. A Indústria Editorial

Imagem obtida na web.

Em um país como o Brasil – onde apenas um entre cada quatro habitantes está habilitado para a prática da leitura; onde nossas crianças ocupam os últimos lugares nos estudos internacionais sobre compreensão leitora; onde o índice nacional de leitura é de menos de 2 livros lidos por habitante/ano; e onde a maior parte dos milhões de alfabetizados nas últimas décadas tornou-se analfabeta funcional – a leitura precisa e deve ser tratada como uma prioridade nacional . – Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Uma das indústrias que compõem esta economia criativa é a Indústria Editorial, onde

estão escritores, editores, produtores gráficos, designers gráficos, bibliotecas, livrarias, gráficas,

editoras e vendedores porta-a-porta, todo o processo desde a produção até a distribuição. Um

mercado certamente amplo, mas que ainda se mostra frágil e mal organizado no Brasil, como

apresentado na pesquisa realizada pelos professores Fábio Sá Earp e George Kornis em 2004.

A pesquisa, intitulada A Economia da Cadeia Produtiva do Livro, demonstra não apenas a

falta de organização do setor, mas também que a política brasileira de bibliotecas públicas é uma

das piores. O levantamento demonstrou que mais de mil cidades no Brasil não têm bibliotecas ou

uma coleção pública; isso equivale a 19% das cidades brasileiras.

Além da dificuldade de acesso enfrentada por muitos por falta de um acervo público,

outro obstáculo é encontrado nas livrarias: o preço médio do livro no Brasil é incompatível com a

renda per capita do país. Enquanto aqui o livro é vendido por cerca de 2 dólares em média, no

Japão, o preço médio é de 7 dólares. Porém, ao se considerar o valor da renda total per capita, um

brasileiro conseguiria comprar 1.500 exemplares por ano, enquanto um japonês compraria 4 mil.

Earp e Kornis também revelaram que “o faturamento das editoras brasileiras caiu 48%

entre 1995 e 2003 e a quantidade de exemplares vendidos no mercado diminuiu 50%”

(VELLOSO, 2004, p. 1). Apenas em 2003, 15% da produção total de livros no Brasil não foram

vendidas, o equivalente a 44 milhões de unidades. E o país não é um grande produtor da indústria

do livro quando se é considerado o número de habitantes que tem: enquanto o Brasil produz 340

32

milhões de livros, a França produz 410 milhões. Os números não parecem muito distantes,

entretanto, ele fica preocupante ao se pensar que a população francesa é três vezes menor que a

brasileira.

A conclusão a que os autores chegaram é de que “nosso mercado editorial é

completamente incompatível com o tamanho e a importância do país” (VELLOSO, 2004, p. 1).

Uma alternativa encontrada pelas editoras foi o mercado de bolso, que apresentou um

crescimento em 200719. Estes livros, que muitas vezes trazem obras famosas, ganharam seu

espaço devido ao preço mais acessível e por se encontrarem em pontos de vendas alternativos,

como estações de metrô e rodoviárias, através das máquinas de livro, que são similares àquelas

que vendem refrigerantes, salgadinhos e chocolates20.

Outra área dentro desta indústria que tem apresentado crescimento é o mercado porta-a-

porta. Enquanto todas as editoras do país somam juntas 22 mil funcionários, no mercado porta-a-

porta há 30 mil vendedores, apontaram Earp e Kornis em sua pesquisa. Neste mercado, ganham

destaque os livros religiosos e os infantis. O setor apresentou um crescimento impressionante em

2007, que chegou a 91,3%. “Quase 20 milhões de exemplares foram vendidos pelos vendedores

porta a porta, o que faz do segmento, o terceiro canal de vendas mais importante para as editoras,

ficando atrás apenas das livrarias e dos próprios distribuidores” (TEIXEIRA, 2008, p.1).

Os números para o mercado editorial como um todo foram positivos em 2007 como

aponta outra pesquisa encomendada pelo SNEL e pela CBL: houve um crescimento nominal de

4,62% e um faturamento de 3,013 bilhões de reais. O volume de vendas também aumentou,

sendo de 6,06% a mais que em 2006.

Além da mudança no perfil do consumidor, que teve uma melhoria considerável de renda

nos últimos anos, os livros infantis e religiosos tiveram maior destaque em 2007, sobretudo no

mercado porta-a-porta: o gênero religioso apresentou um aumento de 27% no número de títulos

editados, enquanto o infantil teve 15,1% de aumento em relação a 2006.

Houve um aumento de consumo de livros pela população em geral: o mercado editorial

comprou 6,41% a mais em 2007. Ainda que o maior comprador do mercado, o governo federal,

tenha comprado menos. A pesquisa mostra que houve uma queda na compra efetuada pelo órgão

19 Ver: STRECKER, Marcos. Mercado de livro de bolso avança no país . Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u333115.shtml>. Acesso em: 02 de outubro de 2007. 20 Ver: PEGNTV. Máquinas de vender livros. Pequenas Empresas Grandes Negócios TV, 2008. Disponível em: <http://pegntv.globo.com/Pegn/0,6993,LIR315844-5027,00.html>. Acesso em: 13 de fevereiro de 2008.

33

em 2007: 0,67% a menos que no ano anterior 21. Segundo a pesquisa de Earp e Kornis, o governo

brasileiro compra cerca de 176 milhões de livros para estudantes enquanto o governo dos Estados

Unidos compra 677 milhões, cerca de 284% a mais que o nosso governo. No entanto, a

população americana (305.826.244 de habitantes) é apenas de aproximadamente 59,5% maior

que a brasileira (191.790.900). O governo americano também compra 113 milhões para

bibliotecas; o brasileiro, quase nada.

O reflexo disso pode ser visto na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2007), do

Instituto Pró-Livro, que aponta que 77 milhões de brasileiros não lêem livros, já que o país carece

de uma cultura de incentivo à leitura. “Podemos afirmar (…) que o Brasil só teve, até hoje,

políticas para o livro, jamais para a leitura. Isso explica por que nossa indústria do livro é tão

sofisticada, nosso mercado editorial tão pujante, e nosso povo tão pouco letrado” (PRADO, s/d,

s/d).

Engana-se quem acredita que este é um problema exclusivo daqueles de baixa

escolaridade, já que 8% dos entrevistados com nível superior também não são leitores. A

pesquisa também mostrou dados interessantes sobre o perfil do leitor brasileiro: quem lê mais são

as mulheres e as fases em que mais se lê livros são a infância e a adolescência. “66% dos livros

estão nas mãos de 20% da população; 8% dos brasileiros não têm nenhum livro em casa; e 4%

apenas um” (TELLES, 2008, p.1). Segundo o levantamento, 95 milhões de brasileiros leram

apenas 1 livro nos três meses anteriores à pesquisa, mas destes, apenas 71,7 milhões lêem por

prazer. Um dado interessante relevado pelo estudo é de que nem todos estes brasileiros que se

declararam leitores realmente lêem livros completos; a maioria (55%) lê apenas trechos ou

capítulos. Há ainda os 11% que pulam páginas.

Mesmo com estes dados pouco positivos para a indústria do livro, a obra literária é

preferida por 50% dos leitores, perdendo apenas das revistas (52%). Jornais aparecem com 48% e

leituras na Internet, 20%. A leitura está entre os hobbies de 35% dos brasileiros; entre aqueles

com formação superior, 79% a têm como seu passatempo preferido; já entre os com renda

superior a 10 salários mínimos, é a preferida por 78%. Embora os maiores compradores de livros

estejam na classe C (47%) 22.

21 Dados retirados do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação. Disponível em: <http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=291096>. Acesso em: 14 de outubro de 2008. 22 Dados retirados do portal AdNews. Disponível em: <http://www.adnews.com.br/midia.php?id=81311>. Acesso em: 16 de dezembro de 2008.

34

8. A Indústria Cinematográfica

Imagem obtida na web.

O cinema brasileiro encontra-se hoje diante da situação paradoxal de ter ultrapassado um século de existência sem que tenha conquistado, efetivamente, uma dimensão pública, uma presença social institucionalizada. – Ronaldo Rosas Reis

Embora os números sejam um pouco divergentes, uma coisa é certa: o mercado

cinematográfico apresentou uma queda no número de espectadores em 2006. Ano em que

também diminuiu o número de salas de cinemas no Brasil23.

Há cerca de 16,8 milhões de freqüentadores de cinema no país, além de 3 milhões de

espectadores em potencial, ou seja, que possuem condições financeiras, tempo e acesso às salas,

mas que não têm o hábito de freqüentá-las. Verifica-se aqui o mesmo problema enfrentado pela

indústria editorial brasileira: não se existe o hábito nem a cultura de consumir tais bens culturais.

Tanto não possuem o hábito que, segundo pesquisa da Datafolha, a maioria (44% dos

espectadores) prefere assistir aos filmes em DVD24.

Uma coisa, de fato, há de se notar: um país com mais de 191 milhões de habitantes ter

apenas cerca de 2 mil salas de exibições é, no mínimo, incompatível. Além disso, as salas de

cinema estão cada vez mais se concentrando nos shoppings, o que faz com que o preço médio do

ingresso aumente, dificultando o acesso de pessoas de localizações e classes variadas.

Se no Brasil não há incentivo à leitura, tampouco há ao consumo de obras

cinematográficas, que chegam ao público principalmente através da televisão aberta, já que não

existem cinematecas em número suficiente para atender a toda população brasileira. Ainda que a

23 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u67633.shtml>. Acesso em: 17 de janeiro de 2007. 24 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008.

35

Cinemateca Brasileira, hoje mantida pelo governo federal, possua o maior acervo da América

Latina, ele está concentrado apenas na cidade de São Paulo.

Frederico Barbosa revela em seu estudo (publicado em dois volumes: Economia e Política

Cultural e Política Cultural no Brasil, de 2007) que 60% dos brasileiros nunca foram ao cinema

e 70% nunca foram ao museu. A falta de oferta de bens culturais e equipamentos foi apresentada

como um dos principais motivos, fazendo com que o consumo do produto cinematográfico seja

preferencialmente feito em casa – através de DVD, da televisão, etc.

Em uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, encomendada pelo Sindicato dos

Distribuidores do Rio de Janeiro, delineou-se o perfil dos espectadores brasileiros. Para o estudo,

foi feita uma distinção entre eles, dividindo-os em três categorias: 1) habitual - que vai pelo

menos uma vez a cada 15 dias; 2) médio – que vai pelo menos uma vez a cada 3 meses; e 3)

eventual – que vai pelo menos uma vez por ano.

Entre os espectadores médios e eventuais há a preferência por assist ir aos filmes em

cópias dubladas: 57% e 69%, respectivamente. Já entre os habituais, há um empate técnico: 46%

preferem filmes dublados e 47%, legendados25.

A preferência por cópias dubladas não indica que os espectadores brasileiros prefiram os

filmes nacionais, que, obviamente, não necessitam de dublagem. Os filmes brasileiros

representam apenas 6,9% do acumulado no ano26. Segundo o instituto Datafolha, o principal

motivo para os espectadores não gostarem das produções nacionais é o tema dos filmes, citado

por 80% do entrevistados. A 32% dos espectadores desagradam o excesso de pornografia e o

linguajar, que consideram chulo e vulgar; e 20% consideram os roteiros e temas ruins e sem

conteúdo.

Ainda assim, as famílias brasileiras gastam, em média, 4% da renda com cultura. “A

cultura é algo muito presente e está entre as necessidades fundamentais”, aponta o secretário de

Políticas Culturais do Ministério, Alfredo Manevy, em entrevista à Folha Online (2007, p.1). Os

audiovisuais são os que mais consomem as finanças da família investidas no entretenimento:

41,2%, enquanto apenas 1,65% vai para a compra de livros.

25 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008. 26 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008.

36

E o mercado cinematográfico está com boas expectativas, pelo menos, no que diz respeito

à sua parceria com o mercado publicitário: “o meio participa com 0,6% do bolo publicitário no

Brasil” (DO RES, 2008, p. 1). Em 2007, o faturamento total com publicidade foi de 75 milhões de

reais e a expectativa para o fim de 2008 era de crescimento em torno de 15% e 18% por cento.

No próximo capítulo, será visto como estas duas indústrias – a editorial e a

cinematográfica – podem se fundir para trazer ao consumidor um novo produto cultural: os

filmes adaptados.

37

CAPÍTULO II - ADAPTAÇÃO

1. ACERCA DA ADAPTAÇÃO FÍLMICA

Uma obra cinematográfica é resultado de diversas fontes. Algumas vezes, pode ser um

roteiro original, em outras, entretanto, é fruto de roteiro adaptado, ou seja, que não foi escrito a

partir de idéias do próprio roteirista, mas sim baseado ou inspirado em outras obras. No entanto,

como aponta o texto Cinema brasileiro e adaptação de literatura ficcional de autores nacionais

– algumas observações, de Antonio de Andrade, Sandra Reimão e Fábio Câmara de Carvalho,

publicado no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007), de Sandra Reimão e Antonio

Andrade (orgs.), “a rigor, existem vários graus de adaptação de uma obra literária para um meio

audiovisual. As mais comuns são: a adaptação propriamente dita; o ‘basear-se em’ e o ‘inspirar-

se em’; e o vago ‘a partir de’” (2007, p. 118).

As autoras Maria Cristina Brandão de Faria e Danubia de Andrade Fernandes também

discorrem sobre esta característica das obras adaptadas:

As adaptações passaram a admitir diferentes graus numa escala que vai da adaptação mais “fiel à obra”, (quando é clara a reprodução de um original transubistanciado) a “adaptação livre” (quando o roteirista dá mais ênfase a um aspecto dramático da obra, criando uma nova estrutura para todo o conjunto) e as que se declaram “baseadas em” (a obra original funciona como ponto de partida material para a construção de uma história que terá nova estrutura); ou ainda, a “recriação” na qual se tomam algumas liberdades com relação ao texto de partida cujas exigências identificatórias com a obra original são totalmente relaxadas. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)

Além destes graus de adaptação, outro aspecto pode variar neste processo: a fonte

utilizada como base ou inspiração para a obra adaptada. Em geral, vêem-se mais obras

cinematográficas que se baseiam em uma fonte literária, no entanto, há muitas outras

possibilidades, ainda que pouco utilizadas. Mesmo as fontes literárias variam, como romances e

poesias, por exemplo. A tabela a seguir apresenta uma listagem de diferentes tipos de fontes

possíveis de servir como base ou inspiração para obras cinematográficas. A tabela também cita

um exemplo de filme para cada caso.

38

TABELA 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

OBRA FONTE PARA ADAPTAÇÃO OBRA CINEMATOGRÁFICA ADAPTADA

Classificação

(Origem ou

suporte)

Tipo

(Gênero ou

categoria)

Fonte

(Autor da obra

original)

Obra fílmica sinopse

Audiovisual Desenho

Animado

Ross

Bagdasarian

Alvin e os

esquilos

(Alvin and the

chipmunks,

2007, EUA),

Direção: Tim

Hill – 92 min -

Comédia

Três esquilos falantes, Alvin, Simon e

Theodore conhecem por acaso Dave

Seville, um compositor que tenta vencer na

carreira. Mas Dave só resolve deixá- los

ficar em sua casa quando descobre que eles

sabem cantar. Eles logo se tornam uma

sensação como cantores, porém, as coisas

se complicam quando os esquilos se

deslumbram com o estrelato e se rebelam

contra Dave.

Audiovisual Filme Lewis

Milestone

Onze homens

e um segredo

(Ocean’s

eleven, 2001,

EUA), Direção:

Steven

Soderbergh –

117 min - Ação

Apenas 24 horas após deixar a penitenciária

de Nova Jersey, Danny Ocean já está pondo

em prática seu mais novo plano: assaltar

três cassinos de Las Vegas em apenas uma

noite, em meio à realização de uma luta que

vale o título mundial dos peso-pesados.

Para tanto , Ocean reúne uma equipe de 11

especialistas a fim de ajudá-lo em seu

plano, seguindo sempre três regras básicas:

não ferir ninguém, não roubar alguém que

realmente não mereça e seguir o plano

como se não tivesse nada a perder.

39

Audiovisual Seriado Chris Carter

Arquivo X - O

filme

(The X-Files -

Fight the

Future, 98,

EUA) –

Direção: Rob

Bowman –

121min –

Ficção

Científica

Dois agentes do FBI vão até Dallas, Texas

para tentar evitar a explosão de um prédio

federal em um atentado terrorista, onde

descobrem que a explosão no qual

supostamente morreram três bombeiros e

uma criança foi causada pelo próprio

governo, para tentar abafar o caso de um

vírus alienígena, que esteve adormecido por

milhares de anos e agora volta à superfície.

Apenas um médico sabe a verdade, mas é

perseguido por agentes do governo.

Audiovisual Vídeo-game id Software

Doom – A

porta do

inferno (Doom,

2005, EUA /

República

Tcheca),

Direção:

Andrzej

Bartkowiak –

100 minutos –

Ficção

científica

Algo estranho aconteceu em uma estação

espacial localizada em Marte. A tripulação

local entrou em estado de quarentena cinco,

antes da comunicação com a Terra ser

bruscamente interrompida. Para investigar

o caso é enviada uma equipe especialmente

treinada para resolver problemas

inesperados, que exijam que seus

integrantes entrem em ação o mais rápido

possível. Só que desta vez eles não tem a

menor idéia de qual é o inimigo que

precisam enfrentar.

40

Cultura

Popular Oral Lenda -

Aconteceu na

Primavera

Fiorile, 93,

ITA/FRA/ALE,

Direção: Paolo

Taviani/Vittori

o Taviani – 122

min - Drama

Em viagem à casa de campo da família,

onde vive sozinho o idoso patriarca,

homem conta à esposa e ao casal de filhos

sobre a maldição que persegue o clã há

mais de cem anos. É uma saga que avança

no tempo e discute a ambição, a traição, o

amor e os laços familiares. A dimensão

trágica prende a atenção ao misturar

romantismo com fantasmas do passado.

História Real Autobiografia Marguerite

Duras

O Amante

(The

Lover/L’Amant,

92, FRA),

Direção Jean-

Jacques

Annaud – 111

min - Drama

Em Saigon, na década de 30, adolescente

branca de origem francesa inicia-se

sexualmente pelas mãos de milionário

chinês. Delicada mas tediosa adaptação,

onde a elevada temperatura das cenas

eróticas não basta para recriar a magia de

que fala a narração em off.

História Real Experiências -

Agonia e

Glória

(The Big Red

One, 80, EUA),

Direção:

Samuel Fuller –

113 min –

Guerra

Durante a II Guerra Mundial, sargento

durão americano comanda pelotão de

infantaria em diversas missões na Europa.

Não há propriamente uma história, mas

diversos episódios alinhavados com

perfeição. O elenco é bom, mas o roteiro

não escapa da dicotomia dentre maus e

bons.

41

História Real Fato Real -

Acusação

(The McMartin

Trail, 95,

EUA), Direção:

Mick Jackson –

127 min –

Drama

Nos Estados Unidos, donos e funcionários

de escola de educação infantil são acusados

de abusarem sexualmente de crianças.

Advogado especializado em “causas

perdidas” tenta provar que eles são

inocentes. O filme procura mostrar como

uma avaliação errada feita pela imprensa

pode desencadear terríveis conseqüências.

A certa altura, a fita dá a entender que o

caso foi “fabricado” por um repórter de TV.

História Real Memórias Louis Malle

Adeus,

Meninos

(Au Revoir les

Enfants, 87,

FRA/ALE),

Direção: Louis

Malle – 103

min - Drama

Em 44, durante a ocupação nazista na

França, num colégio católico para crianças

ricas, os meninos vivem o drama cotidiano

do racismo, da delação e da opressão. É um

bom filme sobre a II Guerra Mundial e um

belo relato sobre a amizade e o ódio entre

as pessoas. Ganhador do Leão de Ouro no

Festival de Veneza.

Jornalístico Reportagem

Revista

Vibe,

reportagem

escrita por

Ken Li

Velozes e

Furiosos (The

fast and the

furious, EUA,

2001), Direção:

Rob Cohen –

107 min –

Aventura

Domenic Toretto é o líder de uma gangue

de corridas de ruas em Los Angeles que

está sendo investigado pela polícia por

roubo de equipamentos eletrônicos. Para

investigá- lo, Brian Spindler é enviado e se

infiltra na gangue com a intenção de

descobrir se Toretto é realmente o autor dos

crimes e se há alguém mais por trás deles.

Filme baseado em reportagem de Ken Li

para a revista Vibe sobre gangues que

fazem “rachas” pelas ruas de Los Angeles.

42

Literária Conto Arthur C.

Clarke

Acidente

Espacial

(Trapped in

Space, 94,

EUA) –

Direção: Arthur

Allan

Seidelman – 89

min – Ficção

Científica

No futuro, uma espaçonave entra em pane;

como conseqüência, apenas três dos cinco

tripulantes têm ar suficiente para chegar ao

fim da viagem. Com inteligentes efeitos

especiais, pouca ação, ritmo tenso e

angustiante, o filme está mais preocupado

em discutir o comportamento ético do ser

humano do que em mostrar a parafernália

tecnológica do futuro.

Literária Fábula Haynes

A Salvo

(Safe, 95,

EUA) –

Direção: Todd

Haynes – 121

min - Drama

Rica dona-de-casa começa a ter surtos

asmáticos e descobre tratar-se de estranha

alergia aos produtos industrializados do

século XX. O diretor desenvolve sua

interessante idéia de forma lenta e

contemplativa, o que pode desagradar

espectadores.

Literária História em

Quadrinhos Akira

Akira

(idem, 88,

JAP), Direção

Katsuhiro

Otomo – 124

min – Desenho

Animado

No Japão do futuro, integrante de gangue

de motoqueiros se envolve com garoto

mutante e, aprisionado pelo governo, é

submetido a radicais experiência s

científicas que lhe causam mutação de

conseqüências desastrosas. Tecnologia de

última geração em computação gráfica

assegura um resultado surpreendente e

criativo. Ação intermitente, com doses

cavalares de violência (sangue e morte são

mostrados em câmera lenta), e brilhante

trilha sonora. Desenho de extremo impacto

visual, baseado na série homônima de

histórias em quadrinhos.

43

Literária Novela Jacques

Tournier

A Amante do

Rei

(The King’s

Whore/La

Putain du Roi,

90,

FRA/ITA/ING)

, Direção: Axel

Corti – 93 min

- Romance

Na Turim do século XVIII, princesa casada

desperta paixão no monarca local. A

história é forte e envolvente, ideal para

fisgar corações românticos. Sedução,

volúpia e hipocrisia são os temas desta bela

produção. A versão original francesa tem

130 minutos e desenvolve melhor suas

entrelinhas.

Literária Poema / Canto

Frei José de

Santa Rita

Durão

Caramuru – A

invenção do

Brasil

(Idem, 2001,

Brasil),

Direção: Guel

Arraes – 88

min - Comédia

Em 1º de janeiro de 1500, um novo mundo

é descoberto pelos europeus, graças a

grandes avanços técnicos na arte náutica e

na elaboração de mapas. É neste contexto

que vive em Portugal o jovem pintor

Diogo, que acaba sendo punido com a

deportação na caravela comandada por

Vasco de Athayde, que naufraga. Ele, por

milagre, consegue chegar ao litoral

brasileiro. Lá, conhece a bela índia

Paraguaçu com quem inicia um romance.

Literária Romance Colin

MacInnes

Absolute

Beginners

(idem, 86,

ING) –

Direção: Julien

Temple – 107

min - Musical

Fotógrafo principiante apaixona-se por

modelo que, ao fazer sucesso, abandona-o

por costureiro. Com inventividade, aborda

conflitos raciais e dá um sugestivo

panorama da música pop na Londres do

final dos anos 50.

44

Musical Música

Antônio

Carlos

Jobim e

Vinícius de

Moraes

Garota de

Ipanema

(Idem, Brasil,

1967), Direção:

Leon Hirszman

– 90 min –

Musical

Márcia é uma típica garota de Ipanema.

Depois de Pedro Paulo, tem um flerte com

o compositor Chico Buarque e uma

aventura com um fotógrafo casado, sempre

amparada pelo amigo Zeca. Incerta quanto

a seu futuro, angustiada em sua busca pela

felicidade, ela representa uma maneira de

ser da classe média. Vive só, em busca de

solução para os seus problemas.

Musical Musical da

Broadway

Jonathan

Larson

Moulin Rouge

- Amor em

Vermelho

(Moulin Rouge,

2001,

EUA/AUS),

Direção: Baz

Luhrmann –

127 min -

Musical

A história se passa em 1899 e gira em torno

de um jovem poeta, Christian, que desafia a

autoridade de seu pai ao se mudar para

Montmartre, Paris - um lugar amoral,

boêmio e onde todos são viciados em

absinto. Lá, ele é recolhido por ninguém

menos do que Toulouse-Lautrec e seus

amigos, cujas vidas são centradas em

Moulin Rouge, um mundo miserável mas

cheio de glamour. Christian se apaixona

pela maior estrela de Moulin Rouge, Satin.

Recebeu o Oscar® de melhor direção de

arte e melhor figurino.

Roteiro Roteiro Barbara

Turner

Além da

escuridão

(Out of

Darkness, 93,

EUA), Direção:

Larry Elikann –

92 min –

Drama

Mulher que sofre de esquizofrenia

paranóica tenta a recuperação com a ajuda

da família e o uso de novos medicamentos.

Drama para TV sobre doentes mentais. O

filme é sóbrio e discreto. Mostra de forma

humana as dificuldades de uma família para

enfrentar o problema e a degeneração

progressiva de uma paciente.

45

Teatral Peça Teatral John

Pielmeyer

Agnes de Deus

(Agnes of God,

85, EUA),

Direção:

Norman

Jewison – 98

min - Drama

Psicanalista tenta esclarecer o estranho caso

de uma noviça que engravida num

convento. As interpretações marcantes das

atrizes principais e a crescente tensão

mantêm o interesse do filme, mas não

consegue esconder sua origem teatral.

* As sinopses dos filmes tomam como fonte o Guia de vídeo 1997 da Editora Abril e o sítio eletrônico www.imdb.com.

Como se pode perceber, há uma enormidade de fontes que podem servir como base para a

transposição de idéias para uma obra cinematográfica. Essas transposições só enriquecem a fonte

original, por permitir uma outra forma de leitura da obra original. No entanto, há um outro ponto

importante abordado por Brandão e Andrade que geralmente causa muita discussão com relação a

estas obras adaptadas: a questão da fidelidade. Esta questão também foi abordada por Francis

Henrik Aubert, no livro As (In)Fidelidades da Tradução: servidões e autonomia do tradutor.

Para ele, o tradutor – ou adaptador – teria uma relação instável com a fidelidade:

A fidelidade na tradução caracteriza-se, pois, pela conjuminação de um certo grau de diversidade com um certo grau de identidade; ela será, não por deficiência intrínseca ou fortuita, mas por definição, por essencialidade, um compromisso (instável) entre essas duas tendências aparentemente antagônicas, atingindo a sua plenitude nesse compromisso e nessa instabilidade (AUBERT, 1994, p.77).

Qualquer processo de tradução, seja entre línguas, seja entre linguagens, tende a ter sua

fidelidade posta à prova devido a esta instabilidade. Todo processo de adaptação entre linguagens

não deixa de ser uma forma de tradução. No caso da adaptação literária para o cinema, trata-se de

transpor signos verbais para sistemas de signos não-verbais, uma forma de tradução

intersemiótica (classificação de Jakobson). No entanto, ao tentar enquadrar uma obra em uma

única idéia julgada “fiel”, estar-se-ia negando as diversas interpretações que esta possa permitir,

como defendem as autoras:

[…] fiscalizar e regular esteticamente a adaptação para o cinema ou televisão, em termos de estrita fidelidade ao texto literário, apaga, teoricamente, a conceptualização deste como entidade geradora de uma

46

infinidade de possibilidades significativas procedentes da flexibilidade e criatividade da linguagem literária nos seus usos metafóricos e topológicos. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)

A fonte literária parece ser a mais freqüentemente utilizada para adaptações

cinematográficas e foi também a usada pelo objeto de estudo deste trabalho. Portanto, visando

sua melhor compreensão, enfocar-se-á, mais à frente, as adaptações literárias para o cinema.

Entretanto, antes, deve-se ressaltar que não é intenção deste trabalho discutir o grau de adaptação

nem de fidelidade da obra adaptada Carandiru, mas procurar verificar o processo de escolhas ao

se adaptar suas personagens.

2. ACERCA DA ADAPTAÇÃO LITERÁRIA PARA O CINEMA

Assim como a literatura, a linguagem do cinema desenvolveu-se “para tornar o cinema

apto a contar estórias; outras opções teriam sido possíveis, […] mas foi a linguagem da ficção

que predominou” (BERNARDET, 1981, p. 33). E este enlace entre literatura e cinema pode ser

expresso através das tantas adaptações literárias para obras cinematográficas.

O curta-metragem Os Guaranis (1908) teria sido o primeiro filme brasileiro a ser baseado

em um romance de um autor brasileiro, embora não se tratasse de uma adaptação propriamente

dita, mas de uma filmagem de uma pantomima circense que, por sua vez, foi baseada na obra de

José de Alencar. No ano seguinte, foi produzido A Cabana do Pai Tomás, película brasileira

adaptada de um autor estrangeiro, mas foi apenas em 1914, que a primeira adaptação

cinematográfica de autor brasileiro teria sido produzida: A Viuvinha, baseada em romance de José

de Alencar (filme que logo em seguida foi destruído pelo produtor). No entanto, esta ligação do

cinema com a literatura já podia ser vista no século anterior, em outros países, como no curta Rei

João, uma adaptação do inglês William-Kennedy Laurie Dickson da obra de William

Shakespeare, datada de 18991.

No livro Manual do Roteiro (1995), que apresenta orientações práticas e consistentes para

o desenvolvimento de roteiros, Syd Field discute esta questão de adaptação para o cinema.

Segundo o autor, este processo seria o mesmo ao de escrever um roteiro original. 1 Dado do portal UOL. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/mostra/30/p_exib_filme_97.shtml>. Acesso em: 05 de abril de 2007.

47

Adaptar um livro para um roteiro significa mudar um (o livro) para o outro (o roteiro), e não superpor um ao outro. Não um romance filmado ou uma peça de teatro filmada. São duas formas diferentes. Uma maçã e uma laranja. Quando você adapta um romance, peça de teatro, artigo ou mesmo uma canção para roteiro, você está trocando uma forma pela outra. Está escrevendo um roteiro baseado em outro material . (FIELD, 1995, p. 174).

Brandão e Andrade sustentam que esta nova obra, adaptada para outro meio, também deve

ser vista como algo diferente de sua origem: “ela será totalmente outra coisa, e como tal deve ser

analisada, vista independentemente de sua origem” (2008, p. 15-16).

Alexandre Henrique, no texto A série Contos da Meia-Noite: textos literários

transmutados para a televisão, presente no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007),

em uma análise desta série televisiva que foi constituída da adaptação de vários contos de autores

brasileiros, conclui que este tipo de transposição pode alterar a percepção dos conceitos de

suporte e mensagem:

A autoria artística, ou seja, o modo peculiar de se produzir um significado, move-se do foco de atenção do suporte da mensagem para o conteúdo expresso nela. (HENRIQUE, 2007, p. 82)

Sendo assim, em uma adaptação, embora haja mudanças – seja por retiradas, seja por

acréscimos –, pode-se verificar a manutenção da essência da obra original. No caso aqui

estudado, pode-se verificar que a obra cinematográfica Carandiru manteve o conteúdo da

mensagem da obra que lhe serviu de base, o livro Estação Carandiru, ainda que apresente

mudanças na composição desta, como no interesse de estudo deste trabalho: a transcriação de

suas personagens adaptadas.

Outra conclusão do autor importante para a análise de transposições literárias para meios

audiovisuais é com relação ao tempo: segundo ele, “o tempo é um fator determinante na

produção televisiva” (2007, p.83). Também o é na produção cinematográfica, talvez com um

pouco mais de mobilidade já que não precisa se encaixar em uma grade de programação, ainda

que esteja subjugado às normas de metragens2. Esta condição a que a obra está sujeita pode

2 Segundo a ANCINE (Agência Nacional do Cinema), as normas para classificação de obras cinematográficas são as seguintes: 1. Curta metragem: duração igual ou inferior a 15 minutos; 2. Média metragem: duração superior a 15 minutos ou inferior a 70 minutos; 3. Longa metragem: duração superior a 70 minutos. Dados disponíveis em: <http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=3150&sid=808>. Acesso em: 17 de setembro de 2007.

48

determinar um caminho na adaptação que pode levar à redução de parte da história e/ou das

personagens.

3. ACERCA DAS PERSONAGENS

A personagem, descrita como um ser fictício construído à semelhança do homem por

Massaud Moisés (1974), é um elemento importante em uma obra. Segundo o autor Antônio

Cândido, ela estaria intrinsecamente interligada com o enredo, pois “o enredo existe através das

personagens; as personagens vivem o enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os

intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e os valores que o

animam”. A personagem serviria para cativar o leitor, buscando uma relação afetiva e intelectual.

Porém, pode-se notar uma variação na construção destas personagens, que podem ser

baseadas em uma ou várias pessoas reais, em outras personagens, etc. Os estudos de Cândido

(1968) nos apontam sete tipos de personagens no que se refere à classificação destas:

1) Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista

por experiência direta – seja interior, seja exterior;

2) Personagens transpostas de modelos anteriores, que o escritor reconstitui

indiretamente, - por documentação ou testemunho, sobre os quais a imaginação

trabalha;

3) Personagens construídas a partir de um modelo real, conhecido pelo escritor, que

serve de eixo, ou ponto de partida;

4) Personagens construídas em torno de um modelo, direta ou indiretamente

conhecido, mas que apenas é um pretexto básico, um estimulante para o trabalho

de caracterização, que explora ao máximo as suas virtualidades por meio da

fantasia, quando não as inventa de maneira que os traços da personagem resultante

não poderiam, logicamente, convir ao modelo;

5) Personagens construídas em torno de um modelo real dominante, que serve de

eixo, ao qual vêm juntar-se outros modelos secundários, tudo refeito e construído

pela imaginação;

49

6) Personagens elaboradas com fragmentos de vários modelos vivos, sem

predominância sensível de uns sobre outros, resultando uma personalidade nova;

7) Personagens cujas raízes desaparecem de tal modo na personalidade fictícia

resultante, que, ou não têm qualquer modelo consciente, ou os elementos

eventualmente tomados à realidade não podem ser traçados pelo autor.

Portanto, apesar desta vasta gama de possibilidades de construção de personagens, pode-

se notar que em todos os casos houve um trabalho de criação, uma vez que não se pode

reproduzir a realidade em sua totalidade. Sendo assim, “a natureza da personagem depende em

parte da concepção que preside o romance e das intenções do romancista” (CÂNDIDO, 1968,

p.74).

4. ACERCA DAS OBRAS ANALISADAS

4.1 Estação Carandiru

A obra Estação Carandiru, de Drauzio Varella, foi classificada como “livro-reportagem”,

portanto, retomando as fontes usadas para adaptação cinematográfica, trata-se de uma fonte

literária. O foco deste trabalho recairá sobre suas personagens, que, neste caso, se encaixam

literalmente na descrição de Massaud Moisés por serem personagens baseadas em pessoas reais,

as quais estiveram em contato direto com o autor-narrador. Elas servirão como base para a análise

das personagens cinematográficas, pois foram a fonte da adaptação destas. Para tanto , serão

classificadas e mais detalhadas no capítulo III.

50

4.2 Carandiru

A obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, baseada na obra anteriormente

mencionada, apresenta variados tipos de personagens – segundo a classificação de Cândido –

porém, um aspecto importante que se deve ressaltar com relação às suas personagens é que elas

representam menos de 25% do número total de personagens apresentadas no livro no qual se

baseou. Isto pode ser explicado, em parte, por esta necessidade de se adequar ao tempo

estabelecido para uma obra cinematográfica, no entanto, compreende-se que há outros fatores que

influenciam na confecção de uma obra, e é de interesse deste trabalho investigar qual ou quais

foram estes outros fatores que determinaram a construção das personagens fílmicas de

Carandiru. No entanto, deve-se esclarecer que não é intuito deste trabalho analisar o grau de

adaptação nem de fidelidade desta obra.

A riqueza do cinema não é “a <reprodução da vida>, mas o poder de extrair da vida aquilo

de que tem necessidade para fabricar a matéria-prima da sua ficção” (LEBEL, 1972, p. 109-110).

51

CAPÍTULO III - O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU:

SUAS PERSONAGENS

1. ESTAÇÃO CARANDIRU: O LIVRO

Imagem obtida na web.

O livro Estação Carandiru, escrito pelo médico cancerologista Drauzio Varella, foi

publicado em 7 de junho de 1999, pela editora Companhia das Letras. A obra, que traz o relato do

trabalho voluntário de Drauzio como médico na Casa de Detenção de São Paulo, tem 297

páginas, além de 64 páginas de fotos, dividas em duas seções de 32 páginas. A primeira seção,

que se encontra após a página 94, contém 40 imagens, todas coloridas. Destas, 1 é creditada ao

Acervo Waldemar Gonçalves; 2 a Bob Wolfenson; 30 a Drauzio Varella; 3 a João Wainer e 2 à

Rachel Guedes. A segunda seção de imagens, que vem após a página 222, conta com um total de

57 fotos, todas em preto e branco. Destas, 1 é creditada à Agência Estado (Luiz Prado); 9 a André

Brandão; 1 à Comissão Teotônio Vilela (Carlos César Grama); 16 a Drauzio Varella; 13 à Folha

Imagem (1 a Juvenal Pereira, 1 à Marlene Bergamo, 1 a Niels Andreas, 1 a Matuiti Mayezo, 1 a

Eduardo Knapp, 1 a Eder Chiodetto, 1 a Carlos Goldgrub, 1 a Luiz Carlos Murauskas, 1 a Lalo

de Almeida, 2 a Flávio Florido e 2 a Jorge Araújo) e 5 à Rachel Guedes. Todas a fotos são da

década de 1990. A capa, realizada a partir de uma fotografia sobre a qual Hélio de Almeida

trabalhou, é de André Brandão. A contracapa recebeu três comentários retirados dos jornais O

Estado de São Paulo (por José Castello), O Globo (por Arnaldo Jabor) e Folha de São Paulo (por

Fernando Bonassi). Drauzio contou com a colaboração de Silvana Jeha na pesquisa iconográfica,

52

Denise Pegorim colaborou na preparação da edição e Carmen S. da Costa, Ana Maria Barbosa e

Eliana Antonioli, na revisão.

A obra, que foi incluída na categoria “reportagem” pela Câmara Brasileira do Livro

(CBL), é um relato das experiências de Drauzio Varella naquele que foi o maior presídio da

América Latina. Durante mais de dez anos, Drauzio realizou, nesta penitenciária que era

conhecida como “Carandiru”, um trabalho de prevenção à AIDS junto aos detentos e, desta

convivência, nasceu o livro “Estação Carandiru”. No texto, é possível conhecer a história de mais

de 200 personagens entre detentos, funcionários, amigos e parentes. A narrativa apresenta as falas

das personagens com suas linguagens cotidianas, cheias de gírias e figuras de linguagem, e revela

como funciona o código interno que rege o comportamento carcerário. Segundo explica Varella

(2005, p. 9), com este livro, ele procurou “mostrar que a perda da liberdade e a restrição do

espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam”.

Em 1999, ano de lançamento de Estação Carandiru, segundo dados da CBL e do SNEL

(Sindicato Nacional do Editores de Livros), foram produzidos 43.697 livros e impressos

295.442.356 exemplares (1ª edição e reedição) no Brasil1. Destes exemplares, 289.679.546 foram

vendidos, totalizando um faturamento de R$1.817.826.339. Durante seu primeiro ano de

vendagem, o livro de Drauzio vendeu aproximadamente 120 mil exemplares2. Até 2004, foram

vendidas 450 mil cópias3. O livro permaneceu por mais de 150 semanas na lista dos best-sellers4.

De acordo com o cineasta Roberto Moreira, em entrevista cedida à Faculdade Cásper Líbero, o

livro “vendeu mais de 1 milhão de exemplares”5. No ano 2000, “Estação Carandiru” foi premiado

com o Jabuti na categoria “reportagem”.

1 Dados da SNEL. Disponível em: <http://www.snel.org.br/ui/pesquisaMercado/diagnostico.aspx>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 2 Dados da revista Época. Disponível em: <http://epoca.globo.com/especiais/2anos/cultura.htm>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 3 Dados da revista Veja, edição 1866 de 11 de agosto de 2004. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/110804/p_114.html>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 4 Dados da Revista de Cinema, edição 36. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao36/carandiru/index.shtml>. Acesso em: 18 de dezembro de 2007. 5 Entrevista realizada em 9 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.facasper.com.br/cultura/site/entrevistas.php?tabela=&id=65>. Acesso em: 18 de dezembro de 2007.

53

2. ESTAÇÃO CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS

Esta abordagem da obra Estação Carandiru enfatizará o perfil de suas personagens

principais e secundárias.

Massaud Moisés caracteriza a personagem do texto literário como “os seres fictícios

construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são

‘pessoas’ imaginárias; se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no

espaço arquitetado pela fantasia do prosador” (1974, p. 396).

No texto A personagem do romance, incluído no livro A personagem de ficção, de

Antônio Cândido, Anatol Rosenfeld, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes, lê-se

“a personagem vive o enredo e as idéias, e os torna vivos” (1968, p. 54). Dos três elementos de

uma novela: enredo, idéia e personagem, esse último se destaca. Citando: “no meio deles (os

elementos da novela) avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e

intelectual do leitor (...)” (1968, p. 54).

O mesmo texto acima citado, enfatizando a importância da personagem no texto literário

cita um texto de Gide (1968, p.54): “Tento enrolar os fios variados do enredo e a complexidade

dos meus pensamentos em torno destas pequenas bobinas vivas que são cada uma das minhas

personagens” (ob. cit., p. 26).

Deve se lembrar que, no caso do texto Estação Carandiru, a maioria das personagens é

explicitamente baseada em pessoas reais. Citando:

(...) procuro abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes, estupradores, assassinos. (...) Por razões éticas, os casos descritos nem sempre se passaram com os personagens a que foram atribuídos. (VARELLA, 2005, p. 9-10)

Esta citação salienta a oportunidade da definição acima citada de Massaud Mo isés, porém

há de ser complementada, citando Antônio Cândido (1968), devemos lembrar que “o romancista

é incapaz de reproduzir a vida, seja na singularidade dos indivíduos, seja na coletividade dos

grupos”.

Seguindo a classificação proposta por Cândido, podemos dizer que as personagem de

Estação Carandiru se encaixam no primeiro tipo descrito por ele, ou seja, são personagens

“transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta, —

54

seja interior, seja exterior ”. Neste caso, trata-se de uma experiência direta exterior, já que o autor

esteve em contato direto com as pessoas.

A seguir, será apresentado um levantamento das personagens da obra Estação Carandiru.

A classificação é composta de cinco itens: o nome da personagem, uma definição elaborada a

partir dos dados do livro, a primeira referência feita à personagem no livro, o capítulo e o número

da página desta primeira referência.

Essa listagem apresenta a relação de todas as personagens de Estação Carandiru,

totalizando 206, sendo 190 homens e 16 mulheres. Elas podem ou não ter estado em contato com

Drauzio Varella, este não foi um critério de exclusão. A listagem segue a ordem de aparecimento

das personagens no livro.

TABELA 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO

Nome Descrição 1ª Referência Capítulo Página

Narrador

Médico que foi à Casa

de Detenção para fazer

um trabalho de

prevenção à AIDS.

“Quando eu era

pequeno, assistia

eletrizado àqueles

filmes de cadeia em

branco e preto.”

Introdução 9

Dr. Getúlio

Ex-aluno de Drauzio do

cursinho. Cuidava dos

detentos com AIDS.

“...a figura calada do

dr. Getúlio, meu ex-

aluno no cursinho...”

Introdução 9

Dr. Manoel

Schechtemn

Médico responsável

pelo sistema prisional.

“...procurei o dr.

Manoel Schechtman,

responsável pelo

departamento médico

do sistema prisional...”

Introdução 9

55

Paulo

Garfunkel6

Escreveu “O Vira Lata”

(HQ).

“...O Vira Lata, um

Carlos Zéfiro dos anos

90 escrito por Paulo

Garfunkel...”

Introdução 10

Líbero

Malavoglia6

Desenhou “O Vira

Lata” (HQ).

“...escrito por Paulo

Garfunkel e desenhado

por Líbero

Malavoglia...”

Introdução 10

Seu Jesus

Diretor de Vigilância,

ex- lutador profissional

120 quilos. Depois,

virou pastor protestante.

“Seu Jesus, diretor de

Vigilância, ex- lutador

profissional de luta

livre...”

Estação

Carandiru 14

Xavier Ajudante do

marceneiro-chefe.

“Só então escutei a voz

empostada do ajudante:

-Reeducando Xavier às

suas ordens, doutor.”

Estação

Carandiru 15

-

Funcionário do pavilhão

Oito, atarracado, de

bigode, surpreendido na

revista com um pacote

de crack amarrado à

face interna das coxas.

“...um funcionário do

pavilhão Oito,

atarracado, de bigode,

quis entrar com um

pacote de crack...”

Estação

Carandiru 15

-

Malandro desdentado,

com gingado, sandália

de dedo e T-shirt escrito

New York University.

“Em minha direção

vem um malandro

desdentado, na

ginga...”

Estação

Carandiru 16

6 Embora possam ser entendidas mais como ambientação que personagens de fato, foram consideradas como personagens na análise deste estudo.

56

Seu Jeremias

Um senhor negro

baiano, de cabelo de

carapinha branco, pai de

18 filhos com a mesma

mulher, firme de

caráter, cumprindo sete

anos desta vez,

sobrevivente de 15

rebeliões.

“O velho Jeremias, de

carapinha branca,

sobrevivente de quinze

rebeliões e pai de

dezoito filhos com a

mesma mulher...”

O casarão 19

Genival Paciente do DM (doente

mental).

“Genival, um dos

habitantes do setor, diz

que perdeu o juízo por

causa da visão de um

senhor que ele

matou...”

Os pavilhões 25

Bigode

Forte, chefe de

quadrilha de piratas de

Santos, cumpre 213

anos.

“Como diz Bigode, um

homem de caráter forte,

antigo no pavilhão...”

Os pavilhões 26

Seu Lupércio

Viciado e traficante de

maconha de 82 anos de

idade, criado num

orfanato de Poá. Foi

massagista do São

Paulo, se orgulha de

nunca haver roubado.

“Seu Lupércio, com

mais de oitenta anos e

dezenas de entradas e

saídas na Casa por

fumar e vender

maconha...”

Os pavilhões 27

Caçapa

Ladrão que cumpre 5

anos por assalto a banco

no qual ganhou US$ 20

mil.

“Caçapa, um ladrão

que cumpre cinco anos

no Seis, que ganhou 20

mil dólares num assalto

a banco...”

Os pavilhões 30

57

Rolney

Ladrão que cumpriu 12

anos e voltou por matar

o amigo-amante de sua

mulher.

“Rolney, um ladrão da

zona sul que cumpriu

doze anos no pavilhão

e foi libertado...”

Os pavilhões 33

Gersinho

Assaltante primário, de

19 anos, portador de

vírus HIV, acolhido por

ladrão antigo que o viu

nascer.

“Gersinho, portador do

vírus da AIDS,

dezenove anos,

assaltante primário

aceito no pavilhão...”

Os pavilhões 33

Majestade

Assaltante dos anos 70,

cumpre pena há 20 anos

no Nove. Presidente de

Esportes do Nove.

“Majestade, assaltante

dos anos 70 que

cumpre pena há vinte

anos sem sair do

Nove...”

Os pavilhões 35

Juscelino

Mineiro de sorriso

encantador, traficante

de maconha no sertão

de Pernambuco e trazia

a droga na mochila.

“...como explica

Juscelino, um mineiro

de sorriso encantador

que comprava maconha

no sertão de

Pernambuco...”

O barraco 36

Dr. Walter

Chegou a diretor-geral

do presídio. Começou

como carcereiro e

depois se formou

advogado.

“Na opinião do dr.

Walter, que começou

ainda menino como

carcereiro, formou-se

advogado e chegou a

diretor-geral do

presídio...”

O barraco 36

58

Valtércio

Arrombador de carros.

Num dia roubou 8

televisores no porta-

malas na frente do

Fórum.

“Valtércio, um

arrombador de carros

que, num dia de Copa,

roubou oito

televisores...”

O barraco 37

Sabiá

Ex-motorista da

prefeitura que usava o

carro oficial para

entregar cocaína.

Apaixonou-se por uma

mocinha da Repartição

e foi entregue à polícia

pela esposa traída.

“Sabiá, ex-motorista da

prefeitura que usava o

carro oficial para

entregar cocaína no

centro da cidade...”

O barraco 41

Jaquelina

Travesti lavadeira e

passadeira preso por

aplicar o golpe do

suador. Descobriram

que ele ensaboava as

roupas na água da

privada.

“...Jaquelina, uma

travesti lavadeira e

passadeira presa por

aplicar o golpe

do suador...”

O barraco 42

Sem-Chance

Ladrão escolado,

mulato franzino que

ganhou o apelido de

tanto repetir essas

palavras no final das

frases. Viciado em

crack. Tinha

tuberculose.

“...como explica o

Sem-Chance, um

mulato franzino que

ganhou o apelido de

tanto repetir essas

palavras no final das

frases:”

Sol e lua 44

59

Pequeno

Rapaz de língua presa,

de um metro e meio de

altura, que matou quatro

PMs que, segundo ele,

mataram seus pais.

“A verdadeira história

pouco depois eu ouvi

do Pequeno, um rapaz

de língua presa...”

Sol e lua 46

Waldemar

Gonçalves

Diretor do

Departamento de

Esportes, tem o hábito

de mascar cravos que

ele guarda numa latinha

de pastilhas Valda.

“...comandados pelo

diretor do

Departamento de

Esportes, o funcionário

Waldemar

Gonçalves...”

Sol e lua 47

Seu Reinaldo

Drumond

Funcionário da portaria,

negro, forte como touro.

“Seu Reinaldo

Drumond, um

funcionário da portaria,

negro...”

Sol e lua 47

Gaúcho

Zagueiro com cara de

amazonense, que tinha

chegado na periferia de

São Paulo há vinte

anos, como assentador

de azulejo. Meteu-se em

uma briga em que

perderam a vida dois

contendores. Acabou

sócio de um amigo

ladrão.

“Era o Gaúcho, um

zagueiro com cara de

amazonense, que tinha

chegado na periferia de

São Paulo há vinte

anos...”

Sol e lua 48

60

-

Uma senhora do Paraná,

de coque no cabelo e

pernas grossas de

varizes, que viajava 600

km de ônibus a cada 15

dias para visitar o filho

condenado a 120 anos,

que chacinou 6 pessoas.

“Uma senhora do

Paraná, de coque no

cabelo e pernas grossas

de varizes, viajava

seiscentos quilômetros

de ônibus a cada quinze

dias, religiosamente...”

Fim de

semana 51

Pirata

Chefe de uma quadrilha

que abordava navios na

barra de Santos,

encarregado de prender

uma corda com gancho

na murada por onde

subiam com as

metralhadoras.

“Num sábado, no

campo do Oito, conheci

a mãe do Pirata, uma

senhora ba ixa e

encorpada...”

Fim de

semana 52

Seu Mavi Diretor do pavilhão

Nove.

“Uma vez, seu Mavi,

diretor do pavilhão

Nove, perguntou a um

grupo de presos que se

queixava da comida:”

Fim de

semana 53

Xanto

Ladrão do Pari que

baleou seus dois primos

e seu tio bêbado, que

espancava sua tia-

madrinha, no peito por

não saber dar tiro nas

pernas de ninguém.

“No plano Collor, no

auge do congelamento,

Xanto, um ladrão que

ao visitar a tia-

madrinha no Pari

baleou tanto o tio

bêbado...”

Fim de

semana 53

61

Zilá

Mulata de sorriso

franco. Tinha quatro

filhas, das quais apenas

a mais velha havia sido

concebida com o pai em

liberdade, seis anos

antes.

“Uma mulata de sorriso

franco, Zilá, das

primeiras na ordem de

chegada, disse que

estava muito feliz...”

Fim de

semana 55

Fran

Vizinha de Zilá,

magrinha, tímida, que

podia ter no máximo 20

anos. Foi ao presídio

para ser apresentada a

Roberval.

“...tinha chegado a

Fran, uma vizinha do

Taboão da Serra,

magrinha, tímida, que

podia ter no máximo

vinte anos.”

Fim de

semana 55

Roberval

Um mulherengo de

bigode, sócio do marido

de Zilá no negócio de

assaltar carga.

“...você quer conhecer

o Roberval eu te levo,

mas não desejo para

ninguém o cansaço da

fila...”

Fim de

semana 55

Genésio

Nordestino cicioso que

fez mais de cem

assaltos e esbanjou todo

dinheiro nas boates da

Zona Norte.

“...Genésio, um

nordestino cicioso que

esbanjou nas boates da

zona norte o dinheiro

roubado em mais de

cem assaltos...”

Visitas

íntimas 61

62

Sheila

Travesti condenado a 3

anos e 2 meses por usar

um talão de cheque

roubado. Seios

enormes, blusa com nó

acima do umbigo,

confessava mais de mil

parceiros sexuais na

Casa de Detenção no

decorrer do ano anterior

à pesquisa.

“No trabalho com os

travestis, encontramos

o caso da Sheila,

condenada a três anos e

dois meses...”

O baque 65

Chocolate

Ladrão azarado do

Jardim Bonfiglioli que

roubou, sem saber, a

casa da namorada do tio

traficante e depois,

assaltou uma outra sem

saber que era do filho

de um delegado.

“Chocolate, um ladrão

azarado do Jardim

Bonfiglioli que roubou,

sem saber, a casa da

namorada do tio

traficante...”

O baque 65

Chico Ladeira

Ladrão de fala mansa,

marido de uma mulher

bonita da qual morria de

ciúmes, fabricava

seringas. Preso em um

assalto a um templo da

Igreja Universal.

“...Chico Ladeira, preso

por seguranças

armados de

metralhadora num

assalto a um templo da

igreja Universal...”

O baque 66

Coça-Coça

Recebeu o apelido do

amigo, que lhe flagrou

pedindo para uma

prostituta passar a unha

em suas costas.

“Acharam uma grinfa

ainda com sangue

dentro, deba ixo da

cama do Coça-Coça.”

O baque 66

63

-

Jamaicano, negro, de

rosto comprido, recém-

saído da cadeia.

“...um jamaicano negro

de rosto comprido,

recém-saído da cadeia,

que dizia ter sido preso

injustamente...”

O baque 67

-

Filho de árabe,

envelhecido

precocemente.

“...um filho de árabes

envelhecido

precocemente;”

O baque 67

-

Magrelo, de dentes

estragados, pai de dois

filhos. Assaltava

bilheterias do metrô.

“...um magrelo de

dentes estragados pai

de dois filhos, que

assaltava bilheteria de

metrô;”

O baque 67

-

Nissei da máfia, que

explorava lenocínio nas

boates da Liberdade.

“...um nissei da máfia

que explorava

lenocínio nas boates da

Liberdade, o bairro

oriental de São Paulo.”

O baque 67

Roberto

Funcionário da UNIP,

responsável pela

montagem do cinema.

Apelidado de PC pelos

detentos devido à

semelhança física com

o personagem de

Alagoas.

“O trabalho de

montagem ficava por

conta de dois

funcionários da UNIP,

o Roberto e o Luís...”

No cinema 70

Luís

Funcionário da UNIP,

responsável pela

montagem do cinema.

“O trabalho de

montagem ficava por

conta de dois

funcionários da UNIP,

o Roberto e o Luís...”

No cinema 70

64

Gerson Coordenador do

pavilhão Oito.

“...ajudados por uma

equipe de detentos

coordenada pelo

Gerson do pavilhão

Oito.”

No cinema 70

Seu Florisval

Diretor de Disciplina.

Começou como

carcereiro e chegou a

diretor.

“Durante as primeiras

palestras, seu Florisval,

o diretor de Disciplina,

postava-se no palco...”

No cinema 71

Hernani

Um senhor de cabelo

grisalho, especialista no

golpe da arara.

“Hernani, um falsário

ou “171”, como prefere

a malandragem...”

No cinema 71

Santista

Ladrão que dizia ter

aproveitado a vida.

Viciado em cocaína .

Esbanjava dinheiro

roubado com moças de

boates.

“...eu respondia às

perguntas feitas num

outro microfone com

fio comp rido levado

pelo Santista...”

No cinema 72

Santão

Assaltante e receptador,

nascido sem uma

orelha, mulato

musculoso cumprindo

18 anos por assalto a

banco, que ajudava a

montar o equipamento

de som, era um dos

mais revoltados.

“Santão, um mulato

musculoso cumprindo

dezoito anos por assalto

a banco, que ajudava a

montar o equipamento

de som...”

No cinema 74

65

Benê

Filho de alcoólatra que

odiava bêbado e baleou

dois deles numa padaria

de Parelheiros porque

importunaram uma

moça. Homem de

poucas palavras e

moral. Apitou a decisão

do campeonato interno

de futebol.

“Na semana seguinte,

antes de começar a

palestra, o Benê, um

filho de alcoólatra...”

No cinema 74

Rita Cadillac

Ex-chacrete que

encantava os homens

diante da TV, sábado à

noite.

“Para abrilhantar a

cerimônia, o Waldemar

convidou Rita

Cadillac...”

Rita Cadillac 76

Dr. Mário

Mustaro

Chefe do serviço

médico da Casa e ex-

professor de bioquímica

de Drauzio na

faculdade.

“...para acertar os

detalhes com o dr.

Mário Mustaro, o chefe

do serviço médico da

Casa...”

Atropelo na

Divinéia 80

Edelso

Primeiro enfermeiro de

Drauzio. Rapaz com

jeito de classe média,

preso por roubo de

automóvel e exercício

ilegal da medicina.

“...conheci meu

primeiro enfermeiro,

Edelso, um rapaz com

jeitão de classe média,

preso por roubo de

automóvel...”

Atropelo na

Divinéia 80

-

Um mulato, baixinho e

troncudo, de camisa

aberta, que fez um

carcereiro refém.

“Um mulato, baixinho

e troncudo, de camisa

aberta, à direita do

refém, com uma das

mãos segurou- lhe...”

Atropelo na

Divinéia 81

66

-

Branco de cabelo

desgrenhado, dentes

falhados na frente, que

fez um carcereiro

refém.

“Do lado oposto, um

branco de cabelo

desgrenhado, dentes

falhados na frente,

mantinha posição

simétrica...”

Atropelo na

Divinéia 81

-

Fortão, musculoso de

malhação, que fez um

carcereiro refém.

“O terceiro, musculoso

de malhação, puxava o

refém pela gola...”

Atropelo na

Divinéia 81

-

Preso sem camisa, com

cara de boxeador.

Enfermeiro que cuidava

de um doente.

“Neste, sob a água que

escorria em pingos

grossos, um preso sem

camisa, com cara de

boxeador...”

Bem-vindo 83

-

Paciente com ferida no

rosto que pegava toda

região frontal direita,

provocada por Herpes-

Zoster, vírus

oportunista dos casos de

AIDS.

“O paciente tinha ferida

cruenta no rosto,

extensa, que pegava

toda a região frontal

direita, avançava sobre

as pálpebras...”

Bem-vindo 83

-

Ladrão de automóveis

de Santo André, que

estava só pele e osso e

tossia e cuspia uma

secreção sanguinolenta.

“No final, entrei no

quarto de um rapaz de

Santo André, ladrão de

automóveis...”

Bem-vindo 84

67

Juliano

Um dos enfermeiros,

fortão, de bigode, que

puxava a perna

esquerda atingida numa

emboscada em que

perderam a vida um

irmão e outro parceiro.

Era especializado em

bancos e carros-fortes.

“Um dos enfermeiros,

Juliano, fortão, de

bigode, que puxava

a perna esquerda...”

Bem-vindo 84

Pedrinho

Um tipo de barba

cerrada e passado

misterioso. Tinha três

balas alojadas no tórax

e foi condenado a 22

anos.

“...Pedrinho, um tipo de

barba cerrada e passado

misterioso, com três

balas alojadas no

tórax...”

O impacto 86

-

Guarda-costas de um

traficante da Rocinha,

falava com sotaque

carioca arrastado e

usava a camiseta do

Flamengo. Tinha os

braços cobertos de

feridas que ele coçava

ininterruptamente.

“Um deles, guarda-

costas de um traficante

da Rocinha, vestido

com a camiseta do

Flamengo...”

O impacto 87

Mil e Um

Apelidado pela falta dos

quatro incisivos na

arcada superior, era

HIV positivo.

Traficante de crack.

“Uma vez, chegou um

doente chamado Mil e

Um, referência à falta

dos quatro incisivos na

arcada superior...”

Biotônico

Fontoura 91

68

Turco

Descendente de árabes,

nariz avantajado, cheio

de correntes

embaraçadas nos pêlos

do peito. Anos mais

tarde, fugiu por um

túnel cavado no

pavilhão Sete.

“Eu nem sabia que

ainda fabricavam o tal

tônico revigorante e dei

a receita ao Turco...”

Biotônico

Fontoura 93

-

Ladrão do pavilhão

Sete. Tinha lábios

rachados de febre,

conjuntiva amarela -

avermelhada e dor nos

músculos, causada pela

leptospirose. Trabalhou

no túnel feito para fuga.

“Um dia de chuva,

entrou um ladrão do

pavilhão Sete enrolado

num cobertor, feito um

beduíno do deserto,

apenas os olhos de

fora.”

Leptospirose 96

Rolha

Obeso, entalou na boca

do túnel disfarçada atrás

da imagem da santa.

“O Rolha, conforme

ficou conhecido esse

rapaz, foi transferido da

Detenção às pressas...”

Leptospirose 98

Zico Tinha fama de bandidão

na Vila Guaram.

“Uma vez, Zico, com

fama de bandidão na

Vila Guaram,

reconheceu a

fisionomia de um

recém-chegado...”

Anjos-

Demônios 101

Bolacha

Encarregado-geral,

negro de lábios grossos,

ladrão de longa carreira.

“...um negro de lábios

grossos conhecido

como Bolacha, ladrão

de longa carreira:”

Anjos-

Demônios 101

69

Kenedi Baptista

dos Santos,

conhecido como

Zé da Casa

Verde

Era ladrão desde a

adolescência. Negro,

assaltante de banco,

casado com duas

mulheres, Valda e

Maria Luísa.

“Zé da Casa Verde,

marido de duas

mulheres, na época

internado na

enfermaria, fez o

seguinte comentário...”

Anjos-

Demônios 102

Abrão

Nordestino atarracado,

ex-proprietário de

inferninho no cais de

Santos, cumprindo 25

anos pela morte de um

cliente que bateu em

uma de suas prostitutas.

“Abrão, um nordestino

atarracado, ex-

proprietário de

inferninho no cais de

Santos...”

Anjos-

Demônios 103

Seu Joãozinho

Um senhor baixinho

que guardava o portão

de acesso à Divinéia,

morreu esmagado pelo

caminhão de lixo no

portão da Divinéia, em

uma tentativa de fuga.

“Um homem que não

fazia mal para uma

mosca, como o seu

Joãozinho, morreu

esmagado pelo

caminhão de lixo...”

Os

funcionários 106

Seu Aparecido

Fidélis

Funcionário experiente,

cadeeiro da velha

guarda.

“...como disse seu

Aparecido Fidélis,

funcionário experiente,

enquanto tomávamos

um chope...”

Os

funcionários 107

Chico Bagana

Ladrão de muitas

passagens pela Casa,

gozador empedernido.

“...em voz baixa o

Chico Bagana, ladrão

de muitas passagens

pela Casa...”

Os

funcionários 111

70

Seu Reinaldo Carcereiro que trabalha

na portaria.

“...a única explicação

para não ocorrerem

fugas espetaculares,

daquelas de esvaziar

pavilhão, é a dada pelo

seu Reinaldo, da

portaria:”

Os

funcionários 111

Seu Bonilha

Ex-diretor do Cinco,

que uma vez pagou do

bolso um pacote de

cigarro que um ladrão

devia, só para evitar um

homicídio a mais em

seu pavilhão.

“Como diz seu

Bonilha, ex-diretor do

Cinco, que uma vez

pagou do bolso um

pacote de cigarro que

um ladrão devia...”

Os

funcionários 112

Luisão

Legendário ex-diretor

da Casa, atualmente

aposentado.

“Luisão, legendário ex-

diretor da Casa, jura

que era capaz de

identificar aqueles nos

quais a alcagüetagem é

qualidade inata:”

Os

funcionários 113

Coronel Guedes

Um militar dos anos 70.

Os detentos mais velhos

o consideram como o

melhor diretor de todos

os tempos.

“Curioso é que os

presos mais velhos

consideram o coronel

Guedes, um militar dos

anos 70, época da

ditadura...”

Os

funcionários 114

71

Alagoas

Detento que foi morto

por oito homens a

facadas e pauladas.

“-Chegaram oito com

faca e pau no xadrez do

tal de Alagoas. Ele me

viu e começou a gritar:

me ajuda, seu Paulo,

pelo amor de Deus!”

Os

funcionários 115

Seu Paulo

Um funcionário de

trinta e poucos anos que

faz bico como

segurança de um

prostíbulo em Diadema.

“Ele me viu e começou

a gritar: me ajuda, seu

Paulo, pelo amor de

Deus!”

Os

funcionários 115

Seu Lourival Funcionário calejado.

“Uma vez, seu

Lourival, funcionário

calejado, comentou a

respeito de um episódio

rumoroso...”

Os

funcionários 115

-

Membro da igreja

universal que apanhou

dos ladrões no pavilhão

Nove quando o

pegaram fumando

cigarro escondido.

“Uma vez, atendi na

enfermaria um membro

da Igreja Universal que

apanhou dos ladrões...”

O rebanho 118

-

Pastor do Cinco,

homem em formato de

barril, preso por vender

lotes no meio da represa

Billings e outros golpes

contra a economia

popular.

“Tarefa muitas vezes

inglória, como

esclarece um dos

pastores do quinto

andar do Cinco, um

homem em formato de

barril...”

O rebanho 118

72

-

Diácono de olhar

piedoso. Cumpre pena

por assalto, tráfico de

crack e participação em

uma chacina na favela

de Heliópolis.

“Ficam sob observação

durante três ou quatro

anos antes de serem

indicados, segundo um

diácono de olhar

piedoso...”

O rebanho 118

Valente

Um rapaz com forte

sotaque paranaense,

condenado por sete

mortes a 130 anos.

Viciado em cocaína.

“Valente, um rapaz

com forte sotaque

paranaense, condenado

por sete mortes a 130

anos, justifica a

necessidade do rigor:”

O rebanho 119

Dionísio

Ladrão, viciado em

crack, com tuberculose

incurável, que foi

abandonado pela

mulher.

“Dionísio, um ladrão

com tuberculose

incurável, abandonado

pela mulher cansada

das promessas ...”

Amarelo 122

-

Ladrão do Amarelo,

com o corpo coberto

com pequenas feridas

contagiosas. Viciado

em crack.

“Uma vez, atendi um

ladrão do Amarelo,

com o corpo coberto de

pequenas feridas

contagiosas...”

Amarelo 122

Papo Doce

Traficante do Oito, que

trazia cocaína da

Bolívia e ameaçava

matar os distribuidores

que misturassem a

droga com outros

produtos.

“Papo Doce, um

traficante do Oito

merecedor do apelido,

que trazia cocaína da

Bolívia...”

Amarelo 123

73

Mário Cachorro

Ladrão que estourava a

janela das casas com

macaco de automóvel e

numa delas encontrou

doze quilos em barras

de ouro. Era filho e

irmão das mulheres

violentadas por

Ronaldinho.

“Mário Cachorro, um

ladrão que estourava a

janela das casas com

macaco de automóvel e

numa delas encontrou

doze quilos em barras

de ouro...”

Amarelo 124

Ronaldinho

Careca como o jogador,

detido por haver

estuprado mãe e filha,

entre outros delitos

graves.

“Dias depois, chegou

na Detenção um certo

Ronaldinho,

careca como o jogador,

detido por haver

estuprado mãe e filha,

entre outros delitos

graves.”

Amarelo 124

Julinho

Um auxiliar da

enfermaria. Foi

transferido para o Nove,

quando descobriram

que ele desviava

medicamentos.

“Levei o Julinho, um

auxiliar da enfermaria

que mais tarde foi

transferido para o

pavilhão Nove...”

Amarelo 125

Paulo Xavier, o

Paulo Preto

Enfermeiro do Hospital

Sírio-Libanês que se

dispôs a auxiliar

Drauzio com os

doentes. Organizava o

atendimento com o

auxílio de Lúcio.

“Mais recentemente, no

Amarelo, passei a

contar com a ajuda do

Paulo Xavier, o Paulo

Preto...”

Amarelo 126

74

Veronique

Travesti com silicone

inflamado na parte de

trás do assento.

Apelidado de Japonesa,

referência aos olhos

puxados de cabocla

mato-grossense.

“Hoje agradeço ao

pastor por ter me

apresentado Veronique,

personagem de uma

outra história.”

Amarelo 126

Lúcio

Rapaz forte, com um

olho de cada cor, que

ajudava Paulo Preto no

atendimento do

Amarelo. Preso após

uma briga de rua.

“Paulo organizava o

atendimento com o

auxílio de um preso

chamado Lúcio, um

rapaz forte...”

Amarelo 126

Seu Manoel

Homem de barba

espessa, antigo

funcionário do

pavilhão. Tinha vinte

anos de experiência.

“Num sábado, Paulo

Preto, Lúcio, seu

Manoel, um homem de

barba espessa, antigo

funcionário do

pavilhão, e eu..”

Amarelo 127

Tristeza

Traficante interno que

preparava crack de

madrugada e que uma

vez foi pego com 300

gramas da droga.

“O processo é

trabalhoso, como se

queixa Tristeza, um

traficante interno que

passava as madrugadas

no preparo...”

Tudo na

colher 129

75

Ronaldo

Ladrão com AIDS que

fugiu do hospital

penitenciário e foi preso

fumando crack na rua.

Tem quatro filhos.

Morreu de tuberculose

na enfermaria seis

meses depois de

recapturado.

“Ronaldo, um ladrão

com AIDS que fugiu

do hospital

penitenciário e foi

preso em flagrante

fumando crack na rua

do Triunfo quarenta

horas depois...”

Tudo na

colher 130

Júlio

Bandidão cumprindo

vinte anos pela morte de

três rivais que o

emboscaram num beco

de favela.

“...porque o Júlio, um

bandidão cumprindo

vinte anos pela morte

de três rivais...”

Para derrubar

a

malandragem

134

Carlão

Viciado em crack que

vendeu o revólver por

causa da droga e foi

preso assaltando com

uma faca de cozinha.

Mais tarde, ficou livre

da droga.

“Carlão, que passou um

ano na rua e dois na

cadeia, fumando crack

sem parar e mais tarde

ficou livre da droga...”

Para derrubar

a

malandragem

134

Filó

Traficante franzino do

Oito, armador do time

do pavilhão, nascido no

Canindé, arrombador de

residências e pai de

duas meninas mantidas

por ele em escola

particular.

“Filó, um traficante

franzino do Oito,

armador do time do

pavilhão, nascido no

Canindé, ao lado do

campo da

Portuguesa...”

Para derrubar

a

malandragem

135

76

Horácio

Filho de portugueses,

abandonado pela

mulher depois de ficar

paraplégico ao bater de

moto roubada, com uma

loura na garupa, contra

a traseira de um

caminhão.

“Como explica

Horácio, um

paraplégico filho de

portugueses,

abandonado pela

mulher...”

Na piolhagem 137

Fumaça

Tipo popular, contador

de casos exagerados nos

quais sempre

desempenha o papel de

protagonista.

“Fumaça, tipo popular,

contador de casos

exagerados nos quais

inevitavelmente

desempenha o papel de

protagonista...”

Na piolhagem 137

Lenildo

Ladrão e traficante que

nunca traficou na rua,

mas o faz na cadeia

para sustentar a mãe, as

duas mulheres, três

filhos.

“Lenildo, um ladrão

que nunca traficou na

rua, mas que

na cadeia começou a

fazê-lo para sustentar

as duas mulheres,

três filhos e a mãe que

sofre de reumatismo...”

Na piolhagem 138

Sarará Negro loiro com muitas

passagens pela Casa.

“Fui desanimado pelo

Sarará, um negro loiro

com muitas passagens

pela Casa:”

Na piolhagem 139

77

Sérvulo

Ladrão de Guaianases,

encarregado da

enfermaria do Oito que

cobrava dois maços de

cigarro dos detentos

para conseguir uma

consulta.

“Sérvulo, um ladrão de

Guaianases,

encarregado da

enfermaria do Oito...”

Ócio 141

-

Venezuelano

naturalizado brasileiro,

buscava drogas na selva

amazônica e depois

matava os entregadores

por sair mais em conta

do que pagá- los.

“Um venezuelano

naturalizado brasileiro,

que ia buscar droga na

selva amazônica...”

Ócio 141

Gilson

Representante de

vendas de 30 anos, deu

carona para uma

estudante virgem de 15

anos, armado, dirigiu

para um lugar ermo e a

estuprou.

“Outra vez, Gilson, um

representante de vendas

de trinta anos, deu

carona no fusca para

uma estudante de

quinze...”

Pena Capital 144

Marcolino

Apontador de jogo do

bicho, comerciante de

dinheiro falso, estava

para ser libertado.

“Marcolino, apontador

de jogo do bicho e

comerciante de

dinheiro falso...”

Pena Capital 144

-

Craqueiro iletrado, foi o

primeiro a bater em

Gilson quando soube do

estupro.

“No dia seguinte, na

cela coletiva, um

craqueiro iletrado

pediu-lhe para escrever

uma carta...”

Pena Capital 145

78

Barriga

Ladrão preso em uma

tentativa de assalto à

uma casa ao entalar na

clarabóia do forro da

casa.

“Aí o Barriga, um

ladrão que tinha sido

preso entalado na

clarabóia do forro de

uma casa...”

Pena Capital 146

Cilinho

Ladrão do Cinco que

matou a amante e o

sócio que o traíram e

planejavam fugir com o

dinheiro do assalto.

“Cilinho, um ladrão do

Cinco que matou a

amante infiel e o sócio

traidor que planejava

fugir com ela e o

dinheiro do assalto...”

Pena Capital 146

Alfinete

Branquinho, magro

feito um cabo de

vassoura, que roubava

nos semáforos da

avenida Paulista.

Gastava com crack, até

ser preso.

“Uma vez tratei um

branquinho chamado

Alfinete, magro feito

um cabo de vassoura,

que fez carreira nos

semáforos da avenida

Paulista.”

Laranja 149

Peninha

Um rapaz esquálido,

internado em fase final

de evolução da AIDS,

que mal parava em pé.

“...tinha sido o Peninha,

um rapaz esquálido

internado em fase final

de evolução da

AIDS...”

Laranja 150

Filósofo

Moreno de óculos

consertados com

esparadrapo,

estelionatário de muitos

golpes.

“...como explica o

Filósofo, um moreno

de óculos consertados

com esparadrapo...”

Laranja 151

79

Gitano

Ladrão tatuado que

trabalhou na

enfermaria.

“Gitano, um ladrão

tatuado que trabalhou

na enfermaria, recebeu

uma carta da mulher.”

Sangue-bom 152

Bebeto

Havia chegado na

cadeia há apenas três

dias, fama de sangue-

bom.

“Bebeto estava para lá

do quinto sono quando

os três funcionários

deram essa ordem.”

Sangue-bom 152

Cidinho

Bigorna

Fornecedor de maria-

louca, perdeu a audição

e todos os dentes da

frente.

“Cidinho Bigorna, seu

fornecedor, lamentou

não poder atendê- lo,

estavam na

entressafra...”

Sangue-bom 153

Seu Chico

Um ex-marinheiro de

50 anos que matou o

cunhado. Chefe da

marcenaria, comandava

a Cozinha Geral. Foi

preso e não viu mais os

filhos, porque a mulher

disse a eles que o pai

havia morrido na

penitenciária.

Condenado a 44 anos.

“...como explica seu

Chico, um ex-

marinheiro que matou o

cunhado, foi preso e

não viu mais os

filhos...”

Sangue-bom 153

Raimundo da

Silva, mas todos

chamavam de

Loreta

Um travesti de seios e

gestos delicados.

“...um homem de seios;

e gestos delicados em

cuja ficha eu lia

Raimundo da Silva,

mas que todos

chamavam de Loreta.”

Travestis 155

80

Índia

Um travesti, de cabelos

compridos, fazia as

unhas do diretor, o

temido coronel linha-

dura.

“...uma delas, de

cabelos compridos,

conhecida como Índia,

fazia as unhas do

diretor, o temido

coronel linha-dura.”

Travestis 155

-

Ladrão desdentado que

pegou AIDS ao manter

relacionamento sexual

com outros detentos.

“Uma vez, dei o

resultado positivo do

teste de AIDS para um

ladrão desdentado....”

Travestis 156

Zacarias Um asmático em crise,

faxineiro do Oito.

“Zacarias, um asmático

em crise, faxineiro do

Oito...”

Travestis 157

Valdir Funcionário do Cinco.

“...faxineiro do Oito,

queixou-se ao seu

Valdir, funcionário do

Cinco:”

Travestis 157

Patrícia Evelin

Travesti que tinha cílios

postiços, condenado por

matar um cliente que

não quis pagá-lo e ainda

foi estúpido.

“Patrícia Evelin, de

cílios postiços, foi

condenada porque

matou um cliente que

não quis pagá- la...”

Travestis 157

Paulão

Mulato de 40 anos,

meio gordo, sorriso

agradável e barba

cerrada, que vivia pela

enfermaria.

“Paulão é um mulato

de quarenta anos, meio

gordo, de sorriso

agradável e barba

cerrada...”

Inocência 158

81

Zildenor

Um dos membros do

grupo de depredadores,

preso ao comprar um

brinquedo para os filhos

com dinheiro roubado

num assalto.

“...Zildenor, por ironia

preso numa loja de

brinquedos quando

comprava

honestamente um

trenzinho...”

Ricardão 160

Jocimar

Encarregado-geral da

Faxina do pavilhão

Cinco, recém-

transferido.

“...diretor de

Disciplina, chamou

Jocimar, encarregado-

geral da Faxina do

pavilhão:”

Quebra-

cabeça 164

Seu Luís

Diretor de Disciplina do

Cinco, homem

encorpado, de óculos,

avô de dois netos e filho

de uma senhora de

cabelos brancos como

algodão. Começou

menino ainda, como

carcereiro, e chegou a

diretor.

“...seu Luís, diretor de

Disciplina, chamou

Jocimar, encarregado-

geral da Faxina do

pavilhão:”

Quebra-

cabeça 164

82

Pirulão

Magro, alto e estrábico,

tomava conta da Copa

dos funcionários do

pavilhão com um grupo

de companheiros. Um

alcagüeta que fez

carreira num distrito do

centro, passando

informações em troca

de parte dos bens

apreendidos com os

ladrões que delatou.

“Maquiavelicamente,

seu Luís lembrou-se do

Pirulão, um alcagüeta

que fez carreira num

distrito do centro...”

Quebra-

cabeça 167

Baianinho

Ladrão de olhos

puxados, que cometeu

mais de cem assaltos e

duas mortes. Morava de

graça em uma das seis

celas com TV, de

propriedade de Jocimar.

“Baianinho, um ladrão

de olhos puxados, com

mais de cem assaltos e

duas mortes no

prontuário...”

Quebra-

cabeça 169

Roberto Carlos

Ladrão magrinho, que

tinha a imagem de

Nossa Senhora

Aparecida tatuada no

peito e era cego do olho

direito.

“Roberto Carlos, um

ladrão magrinho, com

uma Nossa Senhora

Aparecida tatuada no

peito...”

Quebra-

cabeça 169

83

Ezequiel dos

Santos

Não tinha os dentes na

frente. Traficante e

receptor. Era o mais

respeitado destilador de

maria- louca do pavilhão

Oito. A fama de sua

pinga atraía fregueses

da cadeia inteira.

“...será que o senhor

podia espiar o

Ezequíel, um

considerado meu que

está padecendo do

pulmão, lá no Oito?”

Mulher, motel

e gandaia 176

Alcindo,

conhecido como

Ayrton.

Tinha fama de melhor

piloto do ABC.

“Lembrou-se do

Alcindo, de Santo

André, que havia

cumprido pena com ele

na cadeia de Presidente

Wenceslau.”

Mulher, motel

e gandaia 179

Miguel

Assaltava com o

parceiro, Antônio

Carlos. Foi traído pela

mulher com um

policial.

“Miguel assaltava com

o parceiro, Antônio

Carlos.”

Miguel 185

Antônio Carlos

Parceiro de Miguel. Foi

ele quem contou a

Miguel que sua mulher

o traía.

“Miguel assaltava com

o parceiro, Antônio

Carlos.”

Miguel 185

Marli

Esposa de Miguel, que

o entregou ao amante

policial.

“-Que pergunta,

Marli!” Miguel 188

Dina

Esposa de Antônio

Carlos, que tinha o

cabelo oxigenado e era

muito ciumenta.

“Uma loira oxigenada

apareceu na janela. Era

Dina, mulher dele.”

Miguel 188

84

Claudiomiro

Assaltante de banco e

carro- forte, corpo forte,

com três cicatrizes.

Tinha 35 anos, deixou a

mulher grávida e o

menino pequeno.

“Claudiomiro diz que

só foi preso porque

tinha mulher e filho.”

Um abraço 191

Francineide

Irmã do meio de

Deusdete que foi

molestada por dois

homens.

“...Francineide, irmã do

meio de Deusdete, na

volta da padaria, foi

molestada por dois

marginais da vila.”

Deusdete e

Mané 198

Deusdete

É preso após assassinar

os agressores da irmã.

Morre queimado na

penitenciária.

“Os corpos eram de

Deusdete e Mané de

Baixo, criados na

mesma vizinhança,

amigos inseparáveis até

os catorze anos...”

Deusdete e

Mané 198

Mané de Baixo

Amigo de Deusdete,

inseparáveis até os 14

anos. Condenado a 8

anos e seis meses por

roubo de carga e

formação de quadrilha.

Morre esfaqueado na

penitenciária.

“Os corpos eram de

Deusdete e Mané de

Baixo, criados na

mesma vizinhança,

amigos inseparáveis até

os catorze anos...”

Deusdete e

Mané 198

Fuinha Detento viciado em

crack.

“Na noite da tragédia,

apareceu o Fuinha no

guichê da cela:”

Deusdete e

Mané 200

85

-

Altão, forte, o rapaz

tinha fama de assaltante

destemido, ligação com

bicheiros, cicatriz no

supercílio direito e era

subencarregado da

Faxina do pavilhão

Oito, o dos reincidentes.

“Na sala de consulta,

eu louco para ir

embora, entrou um

altão, forte,

devagarinho, as pernas

abertas e as mãos

amparando os

testículos.”

Amor de mãe 201

-

Ex-mecânico com

caquexia associada à

AIDS.

“Numa delas, um ex-

mecânico com

caquexia associada à

AIDS conseguiu tirar a

mão esquálida da

algema...”

Amor de mãe 202

Romário

Craqueiro com

tuberculose avançada,

que fugiu do hospital.

Viciado em crack,

voltou e morreu dois

meses depois.

“Na outra, Romário,

um craqueiro com

tuberculose avançada,

pulou o alambrado do

Hospital Central...”

Amor de mãe 202

Lula

Ladrão de longa

carreira. Assaltante de

banco responsável pelas

pequenas operações na

enfermaria. Morreu de

overdose de crack.

“...mandei chamar o

Lula, responsável pelas

pequenas operações da

enfermaria, assaltante

de banco...”

Amor de mãe 202

86

-

“Alemãozinho”,

sardento, tinha uma

água de asas abertas

tatuada nas costas.

“Fui apresentado ao

Lula no ambulatório

por causa de um

alemãozinho sardento

com uma facada na

região glútea.”

Lula 209

Ferrinho

Chefe de quadrilha,

rapaz miúdo. Enforcou-

se com um lençol na

cela em menos de um

mês.

“Baleados, ele e o

chefe da quadrilha, um

rapaz miúdo chamado

Ferrinho, chegaram no

Carandiru.”

Lula 209

Bandeco

Detento do Cinco que

fala parecendo uma

metralhadora.

“Bandeco, figura

popular do Cinco, que

fala feito metralhadora,

diz que nada é tão

gratificante:”

Lula 209

Margô Suely

Travesti que usava

sainha agarrada, bustiê

e tinha silicone nas

coxas. Teve um caso

com outro detento.

“Margô passou três

meses no distrito, numa

cela com 32 homens, e

ninguém abusou dela.”

Margô Suely 213

Zizi

Travesti mais velho, de

rosto assimétrico devido

ao deslizamento do

silicone injetado na

região malar. Cuidava

da cozinha, limpeza,

lavava e passava.

“Na parte de cima do

beliche morava a Zizi,

travesti mais velha...”

Margô Suely 214

87

Leidi Dai

Travesti que briga com

Margô Suely, que é

cinco anos mais velho.

“Na cama, vestindo as

meias de lã que eram

suas, estava deitada

Leidi Dai...”

Margô Suely 215

Zelão

Tinha feito mais de 200

assaltos e dois

assassinatos, magro, de

cabelos curtos por igual.

Cordial no trato e fama

de violento na reação.

Comandava a Cozinha

Geral. Condenado a

mais de 30 anos.

“Zelão, Flavinho e

Capote comandavam a

Cozinha Geral com

mão de ferro.”

Cozinha Geral 219

Flavinho

Marginal temido, com

três assassinatos na

ficha, baixo e magro,

com olhos negros.

Comandava a Cozinha

Geral. Condenado a

mais de 30 anos.

“Zelão, Flavinho e

Capote comandavam a

Cozinha Geral com

mão de ferro.”

Cozinha Geral 219

Capote

Marginal temido,

assaltante com ar de

revolta no rosto, não

tinha os dentes da

frente. Comandava a

Cozinha Geral.

Condenado a mais de

30 anos.

“Zelão, Flavinho e

Capote comandavam a

Cozinha Geral com

mão de ferro.”

Cozinha Geral 219

88

Seu Pires

Diretor do Pavilhão

Oito, de cabelos

grisalhos.

“Um funcionário

atendeu e trouxe o

recado em voz baixa

para o seu Pires, o

diretor do pavilhão:”

Reencontro 223

Valda

De pele branca como a

neve, é de uma família

de bem, em Santana,

que nunca aceitou seu

romance com Zé da

Casa Verde por ele ser

negro.

“Zé era casado com

duas mulheres, Valda e

Maria Luísa:”

Zé da Casa

Verde 227

Maria Luísa

Passista da Império da

Casa Verde. Um sorriso

que iluminava a quadra

inteira, parecia uma

deusa de ébano.

“Zé era casado com

duas mulheres, Valda e

Maria Luísa:”

Zé da Casa

Verde 227

Neguinho

Ladrão paraplégico com

várias passagens pela

Febem. Condenado a 48

anos, o rosto talhado

como estátua africana,

olhos pretos e olhar de

poucos amigos.

“Neguinho começou

assim:

-A minha senhora mãe

matou...”

Neguinho 231

Juciléia Irmã mais velha de

Neguinho.

“Um dia, Juciléia, a

irmã mais velha,

apaixonou-se por um

tipo à-toa.”

Neguinho 232

89

Manga

Traficante e assaltante.

Carteiro do Sete,

sergipano alto, fluente,

com um vozeirão.

Havia fugido da cidade

natal para escapar da

vingança dos irmãos de

uma moça que dizia ter

perdido a virgindade

com ele. Foi acusado da

morte de Zóio Vesgo.

“Manga, um carteiro

detido no pavilhão

Sete, gostava de

conversar comigo - e

eu com ele.”

Manga 237

Sonha

Traficante, vizinha de

Manga, com quem

negociava drogas.

“Então, entrou em cena

a tal de Sonha, uma

vizinha com quem

Manga mantinha

relacionamento

comercial:”

Manga 238

Genival

Estuprador, viciado,

freguês de Manga fora

do presídio.

“Nesse momento

delicado, Genival, um

de seus fregueses...”

Manga 238

Águas Turvas

Viciado em maconha,

esfaqueado por Manga

fora do presídio.

“Quando virou a rua da

Glória na direção da

praça João Mendes, em

sua direção veio o

Águas Turvas:”

Manga 239

Boca-Larga Comparsa de Manga.

“...com um rapaz que

atendia pelo vulgo de

Boca-Larga.”

Manga 240

90

Zóio Vesgo

Irmão de Águas Turvas,

que entrou em uma

briga com Manga.

“-O irmão do Águas

Turvas, cujo vulgo era

conhecido como Zóio

Vesgo.”

Manga 240

Batata

Comparsa de Manga,

matou Zóio Vesgo com

três tiros.

“-Passado um mês, um

truta meu, o Batata, que

roubava...”

Manga 241

Seu Lopes

Diretor de disciplina.

Começou a carreira na

portaria do Nove.

“-Seu Lopes, conheço

um certo ladrão que

entrega o dono do cano

para o senhor em troca

de um bonde...”

Veronique, a

japonesa 250

Arnaldo Trabalhava na

enfermaria.

“Cheguei no

ambulatório e o

Arnaldo não estava.”

Nego-Preto 252

Nego-Preto

Assaltante criado na

periferia, tinha muitos

irmãos. Seu pai ficou

preso por nove anos.

Preocupava-se com o

filho mais velho, que

era adolescente sem

juízo.

“No final do

ambulatório mandei

chamar o rapaz que

acabou com a briga.

Nego-Preto a seu

dispor, disse ele.”

Nego-Preto 253

Marlon Vizinho e comparsa de

Nego-Preto.

“Marlon, meu vizinho

de barraco passou na

casa do Escovão.”

Nego-Preto 253

Escovão

Comparsa de Nego-

Preto que foi morto por

ele após durante uma

partilha.

“Marlon, meu vizinho

de barraco passou na

casa do Escovão.”

Nego-Preto 253

91

Bom Cabelo

Pertencia a um grupo

fortemente armado.

Comprou os objetos

roubados por Nego-

Preto, Escovão e

Marlon.

“- Numa boca de fumo

na favela da Mimosa,

perto da Fernão Dias,

para um elemento que

atendia pelo vulgo de

Bom Cabelo.”

Nego-Preto 255

-

Rapaz novinho, filho de

Nego-Preto, tinha a pele

mais clara que a dele.

Condenado a 3 anos e 2

meses por assalto a mão

armada.

“...quando cruzei o

pátio do pavilhão, ele

conversava sério com

um rapaz novinho...”

Nego-Preto 257

Charuto

Assaltante que tinha

sorriso alvo e dentição

perfeita. Malandro no

jeito de andar, falar e

olhar. Condenado a 16

anos, nesta segunda

passagem pela prisão.

Tinha duas mulheres.

“Charuto entrou com o

dedo enterrado numa

cebola cozida.”

Olho por olho 258

Zoinho

Ladrão estrábico,

internado com sarna,

viciado em crack.

“Dois anos depois do

entrevero com o rato,

ele convenceu o

Zoinho, um ladrão

estrábico...”

Paixão

arrebatadora 260

-

Amigo de Charuto,

narigudo, felliniano.

Comprou o colchão de

Zoinho e pegou sarna.

“...com ar cerimonioso,

acompanhado de um

companheiro narigudo,

felliniano:”

Paixão

arrebatadora 260

92

Rosane

A outra mulher de

Charuto, viciada em

crack. Mãe de seu

primeiro filho.

“...o grande eu não sei,

porque ele vive com a

Rosane, minha outra

mulher, e ela é

fumadora de crack.”

Paixão

arrebatadora 261

Dona Joana Senhora traficante.

“No quarto dessa

senhora, dona Joana,

Charuto entregou a

droga...”

Paixão

arrebatadora 261

Seu Machado Traficante que morava

com dona Joana.

“...e sentou para

conversar com seu

Machado, um senhor

que morava com ela.”

Paixão

arrebatadora 261

Rosirene

Mulher de Charuto,

negra de lábios finos,

nariz empinado, bunda

de escola de samba.

“-O pequenininho eu

não quero ver, porque

ele está bem com a avó,

a mãe da Rosirene.”

Paixão

arrebatadora 261

Mato Grosso

Amigo de Charuto que

o traiu com Rosirene,

com quem tinha planos

de ir para Ponta Porã.

“Rosirene confessou

estar namorando um

amigo dele, Mato

Grosso, o dono das

pedras...”

Paixão

arrebatadora 264

93

Valdomiro,

conhecido como

seu Valdo

Mulato de 70 anos,

rosto vincado e cantos

grisalhos na carapinha.

Respeitado no presídio,

nasceu em uma ladeira

de terra do Pari, neto de

uma avó racista que

discriminava a mãe

dele, negra. Preso pela

morte do baiano.

“Seu Valdomiro é um

mulato de rosto

vincado e cantos

grisalhos na

carapinha.”

Seu

Valdomiro 270

Betina Mulher ciumenta de seu

Valdo.

“...tomava conta do

estande de tiro ao alvo

e vivia amigado com a

Betina...”

Seu

Valdomiro 271

Joca

Amigo de seu Valdo.

Experiente na sinuca e

com mulheres.

“No bar ele encontrou

o Joca, que lhe pagou

um rabo-de-galo para

acalmar...”

Seu

Valdomiro 273

Cida

Mulata de pernas

torneadas e rebolado de

parar a feira. Esposa de

um baiano ciumento,

pivô da briga entre ele e

Valdo. Depois, iniciou

romance com seu

Valdo.

“-O que você aprontou

com a Cida?”

Seu

Valdomiro 273

-

Baiano ciumento, que

brigou com seu Valdo

por causa de sua esposa,

Cida.

“...Joca aconselhava o

companheiro quando

chegou o baiano.”

Seu

Valdomiro 273

94

Salviano

Amigo de Valente, que

o convenceu a matar um

PM.

“Um de seus amigos,

Salviano, vivia com

uma mulher que havia

namorado um PM.”

O filho

prodígio 275

Pérola Byington

Rapaz franzino de

Sapopemba, cruzava as

pernas feito mulher e

com a mão

desmunhecada, roia as

unhas o tempo todo.

“A meu lado, um rapaz

franzino de

Sapopemba, conhecido

como Pérola

Byington...”

Aprendiz de

feiticeiro 279

Dr. Pedrosa Diretor-geral do

presídio.

“Pouco depois

apareceu o dr. Pedrosa,

diretor-geral do

presídio...”

Aprendiz de

feiticeiro 279

Barba

Pertencia a uma facção

da Zona Sul, que brigou

com Coelho.

“...o Barba brigou com

o Coelho na rua Dez do

segundo andar do

Pavilhão...”

O levante 281

Coelho

Pertencia a uma facção

da Zona Norte, que

brigou com Barba.

“...o Barba brigou com

o Coelho na rua Dez do

segundo andar do

Pavilhão...”

O levante 281

Baiano

Comedor

Traficante de cocaína,

sócio de uma pizzaria

no Ipiranga, que se

gabava de haver

namorado as mulheres

mais bonitas do bairro.

“A razão da desavença

não foi esclarecida

devidamente, de acordo

com o Baiano

Comedor...”

O levante 281

95

Zelito

Negro alto e forte, cego

dos dois olhos pelo gás

lacrimogêneo.

“Zelito, um negro alto e

forte que mais tarde

conheci na

enfermaria...”

O levante 282

Adelmiro

Filho de portugueses,

atarracado, cujo tio

tinha um desmanche em

sociedade com um

delegado.

“Adelmiro, um filho de

portugueses atarracado,

cujo tio tinha um

desmanche na Água

Rasa...”

O levante 283

Nardão Ladrão principiante,

viciado em cocaína.

“Gente sem experiência

de cadeia, como o

Nardão...”

O levante 283

Ôrra Meu

Faxina de pescoço

longo como os de

Modigliani e sotaque

italianado característico

do bairro da Mooca,

preso ao trazer maconha

de Pernambuco.

“...o irracionalismo da

turba teria

conseqüências

desastrosas, como

observou Ôrra Meu...”

O levante 284

Dadá

Ladrão de Carapicuíba

que sobreviveu a seis

tiros de um justiceiro

contratado pelos

comerciantes do bairro,

único desencaminhado

numa família de crentes

praticantes.

“No terceiro andar, ao

ouvir o aviso para sair

da galeria, Dadá, um

ladrão de

Carapicuíba...”

O ataque 286

96

Jacó

Faxineiro do Nove,

baixinho de fala ágil,

traficante de cocaína

que se orgulhava de

fazer negócios por

telefone.

“No segundo andar,

Jacó, um dos faxineiros

do Nove...”

O ataque 287

-

Centro-avante do

Furacão 2000, um dos

times do presídio.

“Entre eles, o centro-

avante do Furacão

2000, que momentos

antes...”

O ataque 288

Marcão

Goleiro do Burgo

Paulista, um dos times

do presídio.

“...os cinco gols

marcados contra

Marcão, goleiro do

Burgo Paulista...”

O ataque 288

Salário Mínimo

Ladrão de baixa

estatura condenado pelo

latrocínio de dois

policiais em Itapevi.

“Nesse xadrez, Salário

Mínimo, um ladrão

condenado pelo

latrocínio de dois

policiais em Itapevi...”

O ataque 288

Itaquera Detento que sobreviveu

ao massacre.

“Ergueram-se o

Itaquera e ele:” O rescaldo 290

Chico

Heliópolis

Ladrão da favela

Heliópolis que roubava

firmas, bancos e

mansões.

“Quietinho,

preocupado apenas em

preservar a vida, Chico

Heliópolis, ladrão da

favela de mesmo

nome...”

O rescaldo 292

Gaguinho

Traficante de maconha,

apontador de jogo do

bicho, que trabalhava na

copa dos funcionários.

“Gaguinho, um

apontador de jogo do

bicho e vendedor de

maconha...”

O rescaldo 292

97

Isaías

Ladrão que perdeu o

movimento do braço

esquerdo por overdose

de crack e anos depois

morreu de tuberculose

na enfermaria.

“A aversão dos

policiais pelo sangue

derramado custou a

vida de vários

desastrados, como

explicou Isaías...”

O rescaldo 292

A partir deste levantamento podem-se verificar algumas dominantes nesse elenco de

personagens. As características mais freqüentes das personagens são: a maioria absoluta de

personagens é composta por homens adultos em situação de cárcere. Também é possível

constatar o baixo índice de personagens jovens e a ausência de crianças de ambos os sexos.

TABELA 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO POR IDADE E SEXO

Sexo Idade¹ Quantidade

Homens Adultos 188 (sendo 10 travestis)

Jovens 2

Crianças -

Mulheres Adultas 14

Jovens 2

Crianças -

¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.

98

Outros dados que podem complementar o tema ou questão dizem respeito à situação das

personagens. Para tanto, elas foram classificadas em Personagens em situação de cárcere, ou

seja, que estão reclusas na Casa de Detenção de São Paulo; Personagens em liberdade, que

corresponde às personagens mencionadas nas histórias dos detentos, funcionários e outros; e Não

identificáveis, ou seja, que não se pôde constatar sua situação.

TABELA 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO POR SITUAÇÃO

Personagens em situação de cárcere 141

Personagens em liberdade 62

Não identificáveis¹ 3

¹ Personagens que se encontram dentro da penitenciária, mas que não se pôde verificar se são detentos ou

funcionários.

Estes dados confirmam o que estava indiciado já a partir da sinopse do livro e da história

do escritor: a personagem dominante na narrativa Estação Carandiru é um adulto masculino

recluso.

Uma vez tendo definidos os números que indicam a situação das personagens na história,

pode-se partir para uma classificação mais detalhada destas personage ns, visando uma melhor

análise de suas transposições. No entanto, há outras observações e classificações possíveis antes

de se enveredar para as especificidades.

A primeira classificação proposta para, ainda, todas as personagens é a que considera a

maneira como são conhecidas pelas outras personagens. Para tanto, criaram-se três categorias,

sendo: nome, apelido e não identificado. Foram considerados como nome os apelidos derivados

de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos (ex: Flavinho, Paulão.). Os nomes

femininos dos travestis foram considerados apelidos (ex: Loreta, Patrícia Evelin.). Na categoria

não identificado, foram classificados aquelas personagens cujos nomes não foram mencionados

na obra, apenas eram identificados por alguma característica (ex: travesti, ladrão, mulato.). Deve-

99

se esclarecer também que, embora algumas personagens tenham tido seu nome mencionado, se

eram conhecidas por seus apelidos, foram encaixadas na categoria apelidos, pois o objetivo desta

classificação é determinar como eram conhecidas pelas demais personagens e não como foram

identificadas na obra.

TABELA 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA

FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS

NOME 105

APELIDO 71

NÃO IDENTIFICADO 30

Pode-se perceber uma grande ocorrência de personagens que eram conhecidas por seus

apelidos (34,5%), embora a maioria (51%) ainda era conhecida por seu nome (ou apelido

derivado do nome). No entanto, um dado curioso: 14,5%7 das personagens da obra literária não

apresentavam qualquer identificação denominativa, apenas se pôde identificá-las através de

descrições físicas.

Uma outra categoria de classificação ainda analisando em um quadro geral, ou seja, sem

excluir nenhuma personagem por criação de grupos, que se faz necessária é a a partir de sua

raça. Esta classificação é essencialmente importante visto que, na obra cinematográfica, o

aspecto visual é, talvez, o maior diferencial da obra literária, sendo assim, considerando uma

personagem, a mudança de uma raça para outra pode, de alguma forma, apresentar mudança

significativa para a composição daquela personagem.

A tabela a seguir apresenta quatro formas de classificação, sendo: negros (incluindo aqui

os mulatos), brancos, outros e não verificável. As duas últimas categorias fo ram criadas devido à

própria natureza da fonte: 1) como a variedade de raças era muito pequena, não houve

necessidade de criar outras categorias; 2) não se pôde verificar a raça de algumas personagens,

pois não houve nenhuma descrição do autor.

7 Valores aproximados.

100

TABELA 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO PELA RAÇA

NEGROS 15

BRANCOS 5

OUTROS 1

NÃO VERIFICÁVEL 185

Sendo assim, temos 7,3% de negros, 2,4% de brancos, 0,5% de outras raças e 89,8%8, a

maioria, de personagens cuja raça (ou raças) não foi mencionada. Da mesma forma, como pôde-

se verificar uma considerável variedade de vezes em que a droga fazia papel principal dentro do

presídio, logo, na história do livro, também se faz necessária uma classificação de usuários de

drogas (ou viciados, como mencionado na obra algumas vezes). Deve-se lembrar que muitas

personagens faziam a ligação entre o presídio e o “mundo livre” através do tráfico de drogas,

portanto, esta listagem refere-se tanto aos usuários em situação de cárcere quanto aos usuários em

liberdade.

Ao se compor esta categoria, adotou-se os seguintes critérios: apenas as personagens que

foram explicitamente descritas como usuários foram classificadas como tal, excluindo assim

traficantes ou personagens ligadas aos usuários, mesmo quando sugeriam possível envolvimento

com as drogas. As categorias se dividem em: usuários e não usuários ou não especificados.

Dentre os usuários, adotou-se a seguinte subdivisão focando a droga de que faziam uso: crack,

maconha e outros. Pela baixa ocorrência de outras drogas diferentes das citadas, não houve

necessidade de outras subdivisões.

8 Valores aproximados.

101

TABELA 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS

CRACK 12

MACONHA 2

COCAÍNA 5

OUTROS 1

USUÁRIOS 20

NÃO ESPECIFICADO 0

NÃO USUÁRIOS OU NÃO

ESPECIFICADO 186

Embora o tráfico de droga seja um assunto freqüente na obra literária, apenas 9,7% são

apresentados como usuários de drogas, sendo destes, 5,8% de crack, 1% de maconha, 2,4% de

cocaína e 0,5%9 de outras drogas.

Além do tráfico, outro assunto freqüente na obra é o de doenças, principalmente porque o

autor, sendo médico, se envolveu com o presídio por conta de uma ação voluntária contra a

epidemia de AIDS entre os detentos. Sendo assim, outra classificação neste sentido pode ser

proposta.

No entanto, visando uma categorização mais detalhada das personagens, a partir deste

ponto, será feita uma divisão em dois grupos: personagens em situação de cárcere e personagens

em liberdade (classificação já feita anteriormente). O grupo de personagens que não apresentava

situação identificável será excluído das classificações a seguir.

Será focado, nesta primeira parte, o primeiro grupo, das personagens em situação de

cárcere. Portanto, a listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não

estavam doentes ou esta informação não foi especificada, portanto, não se pôde verificar. Dentre

os detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade, foi feita uma subdivisão em três

categorias especificando o tipo: AIDS, tuberculose e outras. Dentro desta subdivisão foram

consideradas todas as doenças apresentadas pelas personagens, podendo haver mais de uma para

9 Valores aproximados.

102

a mesma personagem, portanto, o número total de doentes pode ser menor que o número total de

doenças apresentadas.

TABELA 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO POR ENFERMIDADE

AIDS 7

TUBERCULOSE 5 DOENTES 20

OUTRAS 8

NÃO ESPECIFICADO 121

É interessante perceber que, igualmente à tabela de classificação de personagens por

dependência às drogas, embora a situação da Casa de Detenção fosse favorável a se pensar o

contrário, o número de personagens-detentos que apresentaram enfermidades foi muito baixo,

cerca de 14,1%. Embora seja um número baixo, há de se lembrar que alguns não tiveram sua

situação especificada, portanto, não foram considerados para classificação. Das subdivisões, a

AIDS apresentou maior ocorrência (5% dos presos tinham a doença), seguida da tuberculose

(3,6%). Outras doenças foram identificadas, mas nenhuma com número expressivo para uma

nova subdivisão.

Ainda considerando as personagens em situação de cárcere, temos agora uma

categorização por crimes cometidos. Para tanto, criaram-se sete subdivisões, sendo: assalto,

assassinato, tráfico de drogas, estelionato, estupro, outros e não especificado. A categoria outros

agrupou os crimes especificados, mas que não tiveram um número expressivo para que se criasse

uma outra subdivisão, enquanto a categoria não especificado agrupou todos as outras

personagens-detentas cujos crimes não foram mencionados durante a obra. Da mesma forma feita

ao categorizar personagens por enfermidade, nesta tabela foram considerados todos os crimes

cometidos mencionados, portanto o número total de personagens em situação de cárcere pode ser

menor do que o dos crimes cometidos.

103

TABELA 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO LIVRO POR CRIME COMETIDO

ASSALTO 59

ASSASSINATO 15

TRÁFICO DE DROGAS 15

ESTELIONATO 5

ESTUPRO 2

OUTROS 2

NÃO ESPECIFICADO 51

A partir deste levantamento, pode-se perceber que o crime mais comum ou mais freqüente

entre as personagens do livro é o assalto, correspondente a 39,6% do total de crimes

identificados, enquanto tráfico de drogas e assassinato , que aparecem como os próximos crimes

mais cometidos, representam apenas 10% cada um. Ainda obtiveram número expressivo os

crimes: estelionato (3,3%) e estupro (1,3%). Também representando 1,3%10 das ocorrências estão

outros crimes citados na obra e diferentes dos citados anteriormente. Dentre as 141 personagens-

dententas, 51 delas, ou seja, cerca de 34,2%, não puderam ser identificadas pelos seus crimes,

pois não foram mencionados. Como previsto, o número de crimes (149) superou o número de

personagens analisadas (141), por terem sido considerados todos os crimes mencionados de todas

as personagens.

Uma última classificação é proposta para este grupo de personagens: por função dentro

do presídio. Por personagens com função deve-se entender aqueles que possuem algum tipo de

tarefa dentro da Casa de Detenção, tais como encarregados ou subencarregados da Faxina, da

Enfermaria ou da Cozinha Geral, entre outros. Personagens que não possuíam função aparente ou

que não se pôde identificar foram classificados na categoria não especificado.

10 Valores aproximados.

104

TABELA 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO

POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO

POSSUEM FUNÇÃO 23

NÃO ESPECIFICADO 118

Esta classificação mostra que apenas cerca de 16,3% das personagens-detentos foram

descritas como possuindo alguma função dentro do presídio.

Ainda considerando as funções, há de se lembrar que algumas personagens foram

descritas como funcionários da Casa de Detenção, portanto, uma categorização será proposta para

o outro grupo onde estas personagens se encontram: personagens em liberdade. Como todas as

personagens deste grupo estão relacionadas de uma forma ou de outra às personagens em

situação de cárcere, a tabela a seguir apresentará uma classificação por relação com as

personagens em situação de cárcere e/ou a Casa de Detenção. Para tanto, criaram-se três

subdivisões: funcionários, parentes e não especificado. Na categoria funcionários, foram

consideradas aquelas personagens que foram descritas como funcionários diretos ou indiretos, ou

seja, que de alguma forma prestavam serviços ao presídio. Para a categoria parentes, além dos

parentes diretos (como pais, irmãos, filhos, etc.), foram consideradas também as amantes, devido

ao alto índice de citação destas. Todas as outras personagens que não se encaixaram na categoria

acima ou que cujas relações não foram mencionadas, foram classificadas em não especificado.

TABELA 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO

POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE

OU COM A CASA DE DETENÇÃO

FUNCIONÁRIOS 28

PARENTES (incluindo amantes) 12

NÃO ESPECIFICADO 22

105

Dentre as 62 personagens deste grupo, a maior parte (cerca de 45,1%) é de funcionários

diretos ou indiretos do presídio. O restante se divide entre parentes dos detentos e personagens

com relações não especificadas (podendo incluir amigos, comparsas ou inimigos):

aproximadamente 19,3% e 35,5%, respectivamente.

A seguir, será apresentada uma abordagem das personagens do filme Carandiru,

categorizando-as de forma semelhante, com objetivo de comparação. Mais à frente, uma análise

investigativa das personagens cinematográficas visando encontrar suas personagens literárias de

origem.

106

CAPÍTULO IV - O FILME CARANDIRU :

SUAS PERSONAGENS

1. CARANDIRU: O FILME

Imagem obtida na web.

Lançado em 2003, Carandiru, é um drama de co-produção entre Brasil e Argentina. O

longa, que é baseado na obra literária Estação Carandiru, tem aproximadamente 147 minutos 1 e

teve distribuição em parceria pelas produtoras Globo Filmes, HB Filmes e Columbia Tristar no

Brasil. Produzido e dirigido por Hector Babenco, co-produzido por Flávio R. Tambellini e

Fabiano Gullane, teve Daniel Filho como produtor associado. O roteiro foi feito em parceria entre

Vitor Navas, Fernando Bonassi e Hector Babenco. A direção de fotografia ficou de

responsabilidade de Valter Carvalho (Central do Brasil, Abril Despedaçado) e a direção de arte,

de Clóvis Bueno. André Abujamra fez a trilha sonora e Mauro Alice, a montagem. Na equipe

técnica, teve também Caio Gullane na direção de produção, Eliana Soarez na coordenação

executiva e Alessandra Casolari na coordenação de pós-produção. Elenco por Vivian Golombek,

cenografia de Vera Hamburger, figurino de Cris Camargo, maquiagem de Gabi Moraes, som

direto de Romeu Quinto e edição de som de Eliza Paley e Miriam Biderman.

Seu elenco foi composto por atores até então pouco conhecidos, mas que hoje ganharam

notoriedade, como é o caso de Wagner Moura (Zico), Ailton Graça (Majestade) e Lázaro Ramos

1 Dados retirados do DVD.

107

(Ezequiel). Para completar o quadro de atores: Luiz Carlos Vasconcelos (Médico), Milton

Gonçalves (Seu Chico), Maria Luísa Mendonça (Dalva), Aída Leiner (Rosirene), Rodrigo

Santoro (Lady Di), Gero Camilo (Sem Chance), Floriano Peixoto (Antônio Carlos), Ricardo Blat

(Claudiomiro), Vanessa Gerbelli (Célia), Leona Cavalli (Dina), Caio Blat (Deusdete), Julia Ianina

(Francineide), Sabrina Greve (Catarina), Ivan de Almeida (Nego Preto), Milhem Cortaz

(Peixeira), Dionisio Neto (Lula), Antonio Grassi (Seu Pires), Rita Cadillac (Rita Cadillac),

Enrique Diaz (Gilson), Robson Nunes (Dadá), Bukassa (Locutor), André Ceccato (Barba),

Sabotage (Fuinha). Além destes, o filme ainda teve 121 atores no elenco secundário e 8 mil

diárias de figurantes 2.

Sua versão para DVD, em edição dupla, traz um disco contendo o filme com a versão

cinematográfica, e outro apenas com material extra. No disco especial, podemos encontrar cenas

excluídas, erros de gravação, destaques da trilha sonora, filmografia do diretor, notas de

produção, bastidores com quatro vídeos sobre as gravações (Making of, Direção de arte, A

transformação de Lady Di e Ensaio e preparação do elenco), além de mais quatro vídeos

televisivos sobre a Casa de Detenção, incluindo um sobre a implosão da penitenciária em 2002.

No disco 1, ainda podemos optar por ver trailers de cinema, ouvir o comentário do diretor ou ver

o filme com legendas em português, inglês ou espanhol.

Carandiru mostra o dia-a-dia de um médico que faz um trabalho de prevenção à AIDS na

Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru. Lá, ele se vê frente a instalações

precárias, epidemias, superlotação. Ao ganhar respeito dos detentos dentro do presídio, suas

consultas se tornam momentos de descoberta das mais incríveis histórias daqueles que ali estão

reclusos: assaltantes, batedores de carteira, estelionatários, assassinos, estupradores. E, junto com

ele, desvenda-se uma organização interna, regida por um sistema de regras informais, onde o

julgamento segue às leis do crime, até que o trágico massacre de 2 de outubro de 1992, em que

111 detentos foram mortos, mude tudo.

Considerada uma superprodução para os padrões brasileiros, já que teve um orçamento de

R$ 12 milhões no total, segundo dados do Diário do Grande ABC, a película teve mais de 4,6

milhões de espectadores3. Foi o 4º filme mais visto em 2003 no Brasil4. O orçamento destinado

2 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 3 Dados do Diário do Grande ABC. Disponível em: <http://www.achanoticias.com.br/noticia.kmf?noticia=3217275>. Acesso em: 4 de março de 2008.

108

ao filme foi de R$ 10 milhões e outros R$ 2,5 milhões foram investidos no lançamento dele, que

incluiu 700 trailers e quase mil peças de publicidade financiados pela distribuidora Columbia5. A

GloboFilmes, co-produtora do longa, ficou responsável por toda a campanha televisiva, enquanto

à Sony Pictures ficou com a responsabilidade da distribuição internacional. Carandiru arrecadou

um total de R$ 9,5 milhões em dez dias de exibição e foi a maior bilheteria desde Lua de Cristal

em 19906, com mais de 4 milhões de espectadores. O filme de Hector Babenco está em 14º lugar

na lista das maiores bilheterias do Brasil7.

Carandiru recebeu o prêmio Glauber Rocha, concedido pelo 25º Festival Internacional do

Novo Cinema Latino-Americano de Havana 8. Também foi premiado em duas categorias no

Grande Prêmio Cinema Brasil de 2004: Melhor Diretor (Hector Babenco) e Melhor Roteiro

Adaptado. Foi ainda indicado em outras 12 categorias: Melhor Filme, Melhor Ator (Rodrigo

Santoro), Melhor Atriz (Maria Luísa Mendonça), Melhor Ator Coadjuvante (Sabotage), Melhor

Atriz Coadjuvante (Leona Cavalli), Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Trilha Sonora,

Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem, Melhor Som e Melhor Fotografia9. Além das

premiações brasileiras, o filme foi selecionado para a competição oficial do Festival de Cannes de

200310 e para representar o Brasil na premiação do Oscar® de melhor filme estrangeiro9.

O longa ainda deu origem à uma série televisiva chamada Carandiru – Outras Histórias,

que narrava fatos anteriores aos do filme. A série foi exibida em 2005 pela Rede Globo9.

4 Dados do portal Adoro Cinema. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 5 Dados da revista Carta Capital, edição 235 de 2003. Disponível em: <http://cartacapital.com.br/2003/04/614/>. Acesso em: 11 de março de 2008. 6 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 7 Dados do portal Cena Brasilis. Disponível em <http://judao.com.br/blogs/cenabrasilis/2008/03/13/as -maiores-bilheterias-do-nosso-cinema>. Acesso em: 16 de março de 2008. 8 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 9 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 10 Dados do portal Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2003/festivaldoriobr/sinopses -mostra_cine_brasil.shtml>. Acesso em: 28 de janeiro de 2008.

109

2. CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS

Como se pode tomar conhecimento no capítulo anterior através das palavras de Drauzio

Varella, o livro Estação Carandiru apresenta personagens explicitamente baseados em pessoas

reais, no entanto, o mesmo não ocorre em Carandiru, obra cinematográfica. O filme, como foi

uma adaptação do livro, se baseia em personagens baseados em pessoas reais, portanto está mais

distante da realidade do que o livro do qual partiu. Ambas produções se situam diferentemente

na questão transposição e/ou invenção no que tange à criação de personagens:

(…) tomando o desejo de ser fiel ao real como um dos elementos básicos na criação da personagem, podemos admitir que esta oscila entre dois pólos ideais: ou é uma transposição fiel de modelos, ou é uma invenção totalmente imaginária. (CÂNDIDO, p. 69, 1998)

Não se pode dizer que as personagens de Carandiru sejam “uma invenção totalmente

imaginária”, mesmo porque, o filme se beneficia desta forte relação do livro com a realidade.

Carandiru, o filme, está reproduzindo personagens baseadas em uma imagem do real; porém,

encontramos outro tipo de personagem no filme: uma espécie de mosaico de personagens

encontradas no livro, no qual características de múltiplas personagens se fundem em uma só.

(…) o princípio que rege o aproveitamento do real é o da modificação, seja por acréscimo, seja por deformação de pequenas sementes sugestivas. (CÂNDIDO, p. 67, 1998)

Em uma análise preliminar, pôde-se verificar a presença de personagens que foram

mantidas no filme de maneira quase idêntica a que apresentavam no livro, como é o caso de

Gilson, que manteve a sua história e suas principais características ao ser transposta à obra

cinematográfica. Também se pôde averiguar personagens do filme que são fruto da fusão de dois

personagens do livro, como se pode verificar com a personagem Claudiomiro do filme, que tem

Miguel como personagem dominante e Claudiomiro como secundário. E, por fim, há

personagens, como com Lady Di, que é um mosaico das características das personagens travestis

do livro.

Objetivando uma classificação das personagens de Carandiru, fez-se esta relação seguinte

apresentando um levantamento das personagens. Para tanto, foram criados quatro itens: nome da

personagem, descrição elaborada com base nas referências do filme – diálogos e/ou imagens –,

110

capítulo da primeira aparição física da personagem (mesmo que a personagem não dialogue ou

interaja com outras) e minutagem, ou seja, em qual momento do filme pode-se verificar a

primeira aparição da personagem, expressa em hora, minutos e segundos.

TABELA 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME

Nome Descrição Capítulo (1ª aparição) Minutagem

Moacir,

conhecido como

Nego Preto

Chefe da Cozinha Geral.

Assaltante, assassinou um de

seus comparsas após um

assalto.

2. Pequena rebelião 00:01:34

Zico

Traficante de maconha e

viciado em crack, mata

Deusdete no presídio jogando-

lhe uma panela de água

fervente. É morto a facadas por

vários presos.

2. Pequena rebelião 00:01:40

Pimenta

Detento envolvido na confusão

depois da briga entre Lula e

Peixeira.

2. Pequena rebelião 00:02:17

Barba

Matou o assassino do irmão.

Dentro do presídio, trabalha na

Cozinha Geral e como

barbeiro.

2. Pequena rebelião 00:02:15

Peixeira Matou o pai de Lula. 2. Pequena rebelião 00:02:20

Seu Pires Diretor do presídio. 2. Pequena rebelião 00:03:48

Médico (Doutor)

Médico que fazia um trabalho

de prevenção da AIDS dentro

do presídio.

2. Pequena rebelião 00:03:50

111

Lula

Ladrão jovem e inexperiente,

que matou o amante da mulher

com 3 tiros. Faz ‘operações’ na

enfermaria.

2. Pequena rebelião 00:04:18

Deusdete

Amigo de infância de Zico que

foi preso ao matar os

molestadores da irmã.

3. Visita explanatória /

Consultório 00:10:30

Seu Chico 18 filhos, viciado em balões 3. Visita explanatória /

Consultório 00:10:55

-

Detento paraplégico, que

vendia comida, produtos de

higiene e drogas pelos

corredores.

3. Visita explanatória /

Consultório 00:11:53

Matias,

conhecido como

Sem Chance

Auxiliar da enfermaria 3. Visita explanatória /

Consultório 00:12:24

Antônio Carlos Assaltante de carro-forte,

amigo de Claudiomiro.

3. Visita explanatória /

Consultório 00:12:26

Claudiomiro

Assaltante de carro-forte que

matou dois policiais e a

mulher. Pegou tuberculose na

cadeia.

3. Visita explanatória /

Consultório 00:12:26

Alípio Tem AIDS. 3. Visita explanatória /

Consultório 00:14:00

- Travesti. 3. Visita explanatória /

Consultório 00:14:40

- Ladrão que tem AIDS. 3. Visita explanatória /

Consultório 00:14:59

Fuinha Viciado e traficante. 3. Visita explanatória /

Consultório 00:15:14

112

-

Travesti que um dia fez um

“programa” em troca de uma

banana.

3. Visita explanatória /

Consultório 00:15:32

- Detento que estava com sarna. 3. Visita explanatória /

Consultório 00:15:43

- Funcionário da Portaria que

não reconhece o médico. 4. Fim do expediente 00:18:31

Gordo

Assaltante comparsa de Nego

Preto, que o entregou a polícia.

Morto em uma tentativa de

fuga da cadeia, ao entalar no

túnel.

5. História de Nego

Preto 00:21:29

Escovão Assaltante comparsa de Nego

Preto, assassinado por ele.

5. História de Nego

Preto 00:21:30

-

Filho de Nego Preto,

presenciou a discussão do pai

com seus comparsas, que

resultou na morte de um deles.

Mais tarde, é preso e encontra

o pai no Carandiru.

5. História de Nego

Preto 00:22:01

Dona Graça Esposa de Nego Preto 5. História de Nego

Preto 00:23:53

Cadão Foge da cadeia por um túnel. 5. História de Nego

Preto 00:25:56

Sinval Mata Gordo por entalar no

túnel por onde tentava fugir.

5. História de Nego

Preto -

Dirceu,

conhecido como

Lady Di

Travesti que se ‘casa’ com

Sem Chance na cadeia, já teve

uns 2 mil parceiros.

6. Lady Di / Deusdete 00:27:34

113

Ezequiel

Viciado em crack, que vive em

dívida, ‘laranja’ da morte de

Zico.

6. Lady Di / Deusdete 00:30:08

Josué dos Santos,

conhecido como

Majestade

Assaltante que levava carros

roubados para vender no

Paraguai. Teve 3 filhos com

Dalva e 1 com Rosirene.

7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:31:25

Dalva Mulher de Majestade. Largou

o noivo por ele

7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:34:08

- Noivo de Dalva. 7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:34:08

Sr. Sidney Pai de Dalva. 7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:36:32

- Mãe de Dalva. 7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:36:32

João Atendente de bar. 7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:37:49

Rosirene Prostituta amante de

Majestade.

7. Majestade, Dalva e

Rosirene 00:38:10

Gilson

Estuprador que apanha e é

estuprado no presídio. Mais

tarde, é encontrado morto,

enforcado em uma cela.

8. Sabotage, Zico e

Deusdete 00:47:26

Francineide Irmã de Deusdete 9. História de Zico 00:51:48

Célia Esposa de Antônio Carlos 11. Claudiomiro e

Antônio Carlos 01:05:48

Dina

Esposa de Claudiomiro que o

trai com um policial e o

entrega à polícia.

11. Claudiomiro e

Antônio Carlos 01:05:52

- Detento locutor 12. Rita Cadillac 01:11:09

114

Rita Cadillac Ex-chacrete, madrinha da Casa

de Detenção 12. Rita Cadillac 01:11:24

Catarina Amiga de Francineide 12. Rita Cadillac 01:14:22

- Mãe de Deusdete 12. Rita Cadillac 01:14:22

- Irmã de Ezequiel 13. Dia de visita 01:24:23

Seu Antônio Pai de Lady Di 13. Dia de visita 01:26:15

- Mãe de Lady Di 13. Dia de visita 01:26:29

Davilson,

conhecido como

Dada

Detento do time de futebol que

recebe uma carta de sua mãe

com o salmo 91 dias antes do

massacre.

13. Dia de visita 01:27:24

- Mãe de Davilson. 13. Dia de visita 01:27:24

Coelho

Detento que briga com Barba

por uma cueca, o que teria

causado o massacre.

19. Final do

campeonato 01:55:41

Em comparação com a listagem anterior – referente ao livro –, podemos constatar uma

redução na quantidade de personagens para menos de 25%.

Em uma segunda etapa, estas personagens foram classificadas seguindo os mesmos

critérios vistos no capítulo anterior. O primeiro critério se refere à idade e ao sexo, apresentado

na próxima tabela. Para tanto, as personagens foram distribuídas em Homens e Mulheres; e em

cada uma destas categorias, subdivididas em Adultos (as), Jovens e Crianças. Para esta seleção, o

critério de determinação de idade utilizado foi de acima de 20 anos para adultos; entre 13 e 20

anos para jovens; e a té 12 anos para crianças.

Embora o número de personagens tenha sido reduzido drasticamente nesta adaptação do

livro Estação Carandiru, a personagem dominante do filme também é um homem adulto em

situação de cárcere. Mais uma vez, pode-se constatar a ausência de personagens crianças. Deve-

se lembrar que, em uma primeira análise, o número mais elevado de jovens não indica

necessariamente a criação de novas personagens, visto que, no livro, pela ausência de

115

informações, não se pôde verificar a idade de diversas personagens, enquanto no filme, esta

dificuldade é suprida pela imagem.

TABELA 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME POR IDADE E SEXO

Sexo Idade¹ Quantidade

Homens Adultos 34 (sendo 3 travestis)

Jovens 3

Crianças -

Mulheres Adultas 10

Jovens 3

Crianças -

¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.

A tabela a seguir apresenta uma classificação das personagens com relação à sua situação,

ou seja, se estão reclusas no presídio ou não. Analisando esta listagem, é possível,

preliminarmente, apontar uma diferença em relação à transposição das personagens. Enquanto

foram averiguados 68,5% de personagens em situação de cárcere no livro; foram encontrados

54% no filme. As personagens em liberdade também apontam diferença significativa, sendo

30%11 no livro e 46% no filme. Ao se analisar a película Carandiru, não se encontrou

dificuldades para verificar a situação das personagens, embora, em algum momento na trama, sua

situação apresente uma mudança, como especificado na tabela. Deve-se esclarecer que a situação

principal, ou seja, a qual a personagem se encontra no começo do filme (e também é a que dura

por mais tempo), é a que foi utilizada para a classificação a seguir.

11 Valores aproximados.

116

TABELA 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME POR SITUAÇÃO

Personagens em situação de cárcere 27¹

Personagens em liberdade 23²

¹ Sendo que 1 foge do presídio e 4 morrem antes do massacre. ² Sendo que 1 morre e um é preso no final do filme .

Partir-se-á, mais à frente, para uma classificação mais detalhadas destes dois grupos acima

descritos, nos moldes do capítulo anterior, visando já uma comparação entre os dados da obra

cinematográfica e da literária.

Todavia, algumas classificações ainda são propostas para todas as 50 personagens do

filme. Pôde-se constatar, no capítulo anterior, que a maioria das personagens da obra literária era

conhecida por seu nome, e aquelas citadas sem que recebessem uma denominação, seja por um

nome ou apelido, foram a minoria. Este padrão parece se repetir na obra cinematográfica, embora

com certo aumento das personagens não identificadas, como se pode averiguar na tabela a seguir.

Os critérios de classificação foram os mesmos, sendo: 1) nome: nomes próprios ou os apelidos

derivados de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos; 2) apelidos: qualquer apelido

que não seja derivado de nome próprio , bem como nomes femininos adotados pelos travestis ; e 3)

não identificado : nomes que não foram mencionados na obra, mas que se constatou a existência

da personagem através da imagem. As personagens que eram conhecidas pelas demais

personagens por seus apelidos, mesmo que tiveram seus nomes revelados em algum momento do

filme, foram classificados na categoria apelido.

TABELA 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA

FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS

NOME 21

APELIDO 15

NÃO IDENTIFICADO 14

117

Como visto, as personagens conhecidas pelo nome são a maioria, embora, na obra

cinematográfica, representem menos da metade (cerca de 42%), seguidas das personagens

conhecidas pelo apelido (aproximadamente 30%). As personagens cujos nomes e/ou apelidos não

puderam ser identificados somam 28%, um aumento significativo com relação aos cerca de

14,5% destes na obra literária. Outra observação importante é que apenas uma personagem-

travesti foi denominada no filme (Lady Di), classificada na categoria apelido, seguindo o mesmo

critério adotado no capítulo anterior.

Como proposto anteriormente, também as personagens foram classificadas por sua raça,

sendo nas categorias classificadas aquelas cuja aparência, comprovada através da imagem, não

deixou dúvida sobre sua raça. As personagens que não apareceram na película e/ou sua imagem

não foi clara, foram encaixadas na categoria não verificável. As outras três categorias

apresentadas na tabela a seguir são: negros, brancos e outros. Na categoria negros, os mulatos

também foram considerados para a classificação. Não se verificou a necessidade de criação de

novas categorias.

TABELA 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME PELA RAÇA

NEGROS 18

BRANCOS 31

OUTROS 0

NÃO VERIFICÁVEL 1

Esta classificação, como se pode ver, apresenta grande disparidade com relação à mesma

existente no capítulo anterior com relação ao livro. Enquanto mais de 89% das personagens não

puderam ter sua raça determinada na obra literária, no filme, apenas 2% ocuparam esta categoria.

Esta diferença era esperada pela própria característica da obra cinematográfica, que é

essencialmente visual. Entretanto, esta não é a única disparidade nesta tabela com relação à sua

118

correspondente no capítulo anterior: enquanto têm-se 7,3% de negros e 2,4% de brancos12 na

obra literária, têm-se 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. A maior parte das

personagens de raça branca presentes no filme pertence ao grupo de personagens secundárias e se

encontra na categoria personagens em liberdade, citada anteriormente.

A última classificação visando o quadro geral (todas as personagens da obra) é a por

dependência às drogas. Nesta tabela, foram classificadas na categoria usuários todas as

personagens cujo vício às drogas foi explícito na obra; aquelas cujo vício era apenas sugerido ou

que não possuíam nenhuma menção à dependência foram encaixadas em não usuários ou não

especificado. Uma subdivisão foi criada na categoria usuários, com quatro categorias

especificando o tipo de droga consumida, sendo elas: 1) crack; 2) maconha; 3) outros e 4) não

especificado. Na categoria outros, foram classificadas personagens-usuários cujas drogas a que

dependiam não se encaixaram nas categorias 1 e/ou 2. Na não especificado, personagens-usuários

cujas drogas a que dependiam não foram mencionadas, apenas houve menção ao vício. Deve-se

observar que o número total das subdivisões pode superar o número de usuários, pois foram

considerados todos os tipos de drogas usados por todos usuários.

TABELA 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS

CRACK 2

MACONHA 0

COCAÍNA 0

OUTROS 0

USUÁRIOS 4

NÃO ESPECIFICADO 2

NÃO USUÁRIOS OU

NÃO ESPECIFICADO 46

Pode-se observar que na obra cinematográfica, assim como na literária, o número de

dependentes de drogas é baixo: 9,7% no filme e 8% no filme. Outro ponto em comum é a droga a 12 Valores aproximados.

119

que mais estão dependentes: o crack, sendo 5,8% no livro e 4% no filme. Nenhum outro tipo de

droga foi mencionado no filme.

A seguir, a exemplo do capítulo anterior, serão apresentadas classificações para dois

grupos distintos divididos na tabela 15: personagens em situação de cárcere e personagens em

liberdade. Novamente, o grupo de personagens cuja situação não se pôde identificar será

excluído destas classificações que seguem.

Primeiramente, trabalhar-se-á com o grupo cujas personagens se encontram em situação

de cárcere. Nesta primeira categorização, objetiva-se verificar quantas personagens estavam

enfermas durante o filme (tanto em uma situação contínua quanto temporária). Sendo assim, a

listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não estavam doentes ou

esta informação não foi especificada. Também se optou por uma subdivisão na categoria dos

detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade: 1) AIDS, 2) tuberculose e 3) outras. Nesta

tabela, consideraram-se todas as doenças apresentadas pelas personagens, ou seja, se uma

personagem apresenta dois tipos de doenças, o número de enfermos será inferior ao número de

enfermidades.

TABELA 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME POR ENFERMIDADE

AIDS 2

TUBERCULOSE 1 DOENTES 4

OUTRAS 1

NÃO ESPECIFICADO 23

Pode-se verificar, com esta última tabela, que apenas cerca de 15% das personagens foram

diagnosticadas com alguma doença. Destas, aproximadamente 8% apresentaram a AIDS como

enfermidade, as restantes dividiram-se igualmente entre tuberculose e outras. Estes resultados

seguiram a tendência da mesma classificação para a obra literária, onde tinha-se cerca de 14,1%

de enfermos, a maioria infectados pela AIDS, seguida de tuberculose. Em ambas as obras,

120

nenhuma outra enfermidade teve destaque significativo para se fazer necessária a abertura de uma

nova categoria.

Adiante, ainda considerando para a classificação somente as personagens em situação de

cárcere, propõe-se uma categorização por crime cometido. Todos os crimes cometidos pelas

personagens-detentas foram considerados, mesmo havendo a ocorrência de mais de um crime por

personagem, sendo assim, o número total de crimes cometidos pode exceder o número de

personagens.

Para esta categoria, criaram-se sete subdivisões (as mesmas adotadas na classificação da

obra literária): 1) assalto; 2) assassinato; 3) tráfico; 4) estelionato; 5) estupro; 6) outros e 7) não

especificado.

TABELA 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS

DO FILME POR CRIME COMETIDO

ASSALTO 6

ASSASSINATO 7

TRÁFICO DE DROGAS 2

ESTELIONATO 0

ESTUPRO 1

OUTROS 0

NÃO ESPECIFICADO 14

Diferentemente do encontrado no levantamento dos dados do livro, na obra

cinematográfica, o assassinato foi o crime mais freqüentemente cometido pelas personagens

(cerca de 26%), seguido do assalto, que representou aproximadamente 22%. A maior ocorrência

nesta categoria, no entanto, é de crimes não especificados durante a película, que representam por

volta de 52%13 do total dos crimes. As categorias estelionato e outros foram abertas somente com

13 Valores aproximados.

121

o intuito de comparação, já que as tabelas seguem as mesmas categorias e subdivisões do capítulo

anterior.

A seguir, tem-se a última classificação envolvendo o grupo personagens em situação de

cárcere: por função dentro do presídio. Aqui, por função, entende-se por uma tarefa designada à

personagem, como encarregados ou subencarregados da Faxina, da Enfermaria ou da Cozinha

Geral, entre outros.

TABELA 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME

POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO

POSSUEM FUNÇÃO 4

NÃO ESPECIFICADO 23

O resultado desta classificação é correspondente ao encontrado na classificação das

personagens da obra literária, onde pouco mais de 16% foram apresentadas como tendo alguma

função dentro do presídio. Aqui, têm-se cerca de 15% nesta mesma situação. No entanto, há de se

lembrar que apenas as personagens com funções claras – mostradas ou mencionadas por elas

mesmas ou por outras personagens – foram consideradas nesta contagem.

Por fim, segue uma classificação proposta para o outro grupo de personagens: em

liberdade. As personagens deste grupo são apresentadas sempre com alguma ligação direta ou

indireta com à Casa de Detenção ou seus detentos, portanto, a seguir, será apresentada uma

classificação das personagens em liberdade por relação com as personagens em situação de

cárcere e/ou a Casa de Detenção. Foram propostas três categorias: 1) funcionários – diretos ou

indiretos, como prestadores de serviço para o presídio; 2) parentes – sendo as amantes

consideradas nesta categoria; e 3) não especificado – que possa ter relação direta ou indireta, mas

que não tenha sido especificado sua natureza ou que não se encaixe nas classificações anteriores,

como comparsas de crime, amigos, vizinhos, etc.

122

TABELA 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME

POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE

OU A CASA DE DETENÇÃO

FUNCIONÁRIOS 3

PARENTES (incluindo amantes) 14

NÃO ESPECIFICADO 6

Nesta coleta de dados, nota-se uma disparidade com os mesmos dados colhidos com

relação às personagens do livro. Enquanto lá a maior parte era de funcionários, aqui tem-se os

funcionários como a minoria. Em dados quantitativos teríamos, respectivamente no livro e no

filme: 1) funcionários, 45,1% contra 13%; 2) parentes, 19,3% contra 60,8%; e 3) não

especificado, 35,5% contra 26%14.

A partir destes levantamentos e das observações pre liminares, é possível perceber

algumas similaridades e algumas discrepância s com relação às personagens do livro Estação

Carandiru e do filme Carandiru. No capítulo seguinte, será apresentada uma análise das

personagens principais e secundárias da obra cinematográfica a fim de encontrar sua ou suas

personagens de origem na obra literária.

14 Valores aproximados.

123

Capítulo V – As personagens de Carandiru: uma análise

Imagem obtida na web.

1. As personagens principais Antes que se possa partir em busca da identificação das personagens principais – ou

protagonistas – das obras analisadas, é importante relembrar a definição de personagem proposta

por Massaud Moisés. Segundo o autor, personagens são “seres fictícios construídos à imagem e

semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são ‘pessoas’ imaginárias; se

os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço arquitetado pela

fantasia do prosador” (1974, p. 396). Aqui, no caso de Estação Carandiru, têm-se não apenas

personagens imaginários, mas personagens que foram efetivamente baseados em pessoas reais,

através de um livro-relato sobre o contexto no qual essas pessoas estavam inseridas. No entanto, é

proposta deste estudo verificar se as personagens adaptadas na obra cinematográfica Carandiru

compartilham das mesmas características – físicas e psicológicas – e das mesmas histórias que as

personagens relatadas na obra de Drauzio Varella.

Sendo personagens seres fictícios construídos à semelhança do homem, que habitam um

mundo imaginário e nele praticam ações, personagens principais são aquelas que estão no centro

destas ações. Portanto, para este estudo, será utilizada a acepção número 2 para protagonista do

dicionário Aurélio (1975, p.1148): 2. (do grego protagnistés, "o principal lutador") – pessoa que

desempenha ou ocupa o primeiro lugar num acontecimento.

Desta forma, é possível determinar quem são as personagens principais em cada obra

analisada. Os critérios número de páginas em que a personagem aparece e minutagem em que a

124

personagem aparece foram descartadas como padrão de análise para este estudo por não serem

correspondentes, uma vez que as obras não têm uma seqüência similar (uma é formada por

relatos e a outra, por uma história dramatizada).

1.1 As personagens principais de Estação Carandiru

Imagem de Drauzio Varella obtida na web.

De acordo com a acepção aceita para este trabalho, há apenas uma personagem principal

na obra literária: o narrador, neste caso, o próprio Drauzio Varella, já que o livro se trata de

experiências reais do médico. A narração em primeira pessoa, interligando-o com todas as outras

personagens, o coloca no centro das ações, por diversas vezes sendo o único elo entre

personagens, fazendo a história acontecer e as personagens aparecerem conforme suas ações se

desenvolvem. Nenhuma outra personagem tem uma dimensão tão expressiva quanto o próprio

narrador. Ainda que, de fato, algumas personagens tenham recebido um relato mais extenso de

suas ações, elas não estavam inseridas no centro da ação principal e não serviam como ponte para

introdução de outras personagens.

1.2 As personagens principais de Carandiru

Já na obra cinematográfica pode-se observar quase uma inversão: a participação do

narrador é reduzida e algumas personagens ganham destaque. As personagens não ganham vida

através do narrador, mas têm vida própria. O próprio Médico, antes mais um narrador que uma

personagem que interage com as demais, agora pouco narra e muito interage, mais ainda

apresenta as demais personagens, seja direta ou indiretamente.

125

Não apenas uma, na obra cinematográfica, têm-se 10 personagens que estão no centro das

ações, que conduzem a história, que funcionam como o elo entre as demais personagens. Elas

são:

1. Deusdete;

2. Zico;

3. Majestade;

4. Sem Chance;

5. Lady Di;

6. Nego Preto;

7. Seu Chico;

8. Ezequiel;

9. Peixeira;

10. e Médico.

Se houve quase uma inversão de papéis e estas personagens ganharam força, de onde

vieram os elementos que tornaram isso possível?

Para descobrir isso, primeiramente, é necessário entender estas personagens: suas

características e suas histórias; só então poder-se-á determinar de onde elas vieram.

1.2.1. Deusdete

Imagem de Deusdete interpretado por Caio Blat obtida na web.

Deusdete é a mais jovem das personagens. Jovem branco, de aparência franzina e cara de

menino, foi criado na periferia com a irmã Francineide e o amigo Zico, que foi adotado pela mãe

de Deusdete após a sua mãe fugir de casa. Ele sempre lutou para não fazer parte do crime, mas

seu destino muda na noite em que sua irmã chega em casa chorando, desesperada e se tranca no

126

banheiro. Deusdete a confronta e descobre que Francineide fora agredida e molestada por dois

homens. Ele resolve dar parte na polícia, mas os agressores descobrem e querem matá- lo. Ele

leva o problema até Zico, que já havia encontrado seu caminho no crime, mas não aceita que o

amigo resolva o problema. Deusdete, então, pede a Zico que lhe arranje uma arma para se

defender, acreditando que não precisará usá- la. No entanto, os agressores encontram Deusdete,

ameaçando agredi-lo com barras de ferro. Antes que possam agir, ele saca a arma e mata um

deles; o outro escapa, mas Deusdete o persegue e se esconde, esperando que o agressor se sinta

seguro e apareça. Quando o agressor acredita estar a salvo, Deusdete surge pelas costas, chama-o

e atira quando ele se vira. Preso por homicídio, é levado à Casa de Detenção de São Paulo, onde

reencontra o amigo de infância. Zico lhe dá proteção e arranja para que Deusdete fique em sua

cela. A maior parte do tempo, Deusdete passa lendo as cartas da irmã, sem interagir com os

outros detentos nem se envolver no sistema interno por eles criado. Ele sairia de lá aos 48 anos,

porém, o destino trágico encontra os amigos dentro do Carandiru: Zico, em uma alucinação

devida ao consumo de crack, pega uma panela de água fervente e a despeja em Deusdete, que

estava deitado, dormindo em sua cama, matando-o.

1.2.2 Zico

Imagem de Zico interpretado por Wagner Moura obtida na web.

Traficante e viciado, Zico comprava maconha em Pernambuco antes de ser preso. Foi

criado pela mãe de Deusdete e Francineide depois que sua mãe foi embora de casa e não voltou

mais. Zico sempre cuidou do amigo como se fosse, de fato, um irmão mais velho, inclusive

salvando-o uma vez no rio, onde Deusdete quase morreu afogado. Guardava sentimentos por

Francineide, de quem sempre perguntava, mas nunca chegou a se declarar. No Carandiru,

reencontrou o amigo de infância, a quem deu abrigo em sua cela. Traficava dentro do presídio

127

também e passou a consumir crack, que lhe dava freqüentes alucinações. Comprava as drogas de

Majestade para revender.

Ezequiel, um de seus “clientes”, estava em dívida com ele. Zico, então, resolveu pedir a

Nego Preto autorização para matá- lo. No entanto, Zico não teve coragem de fazê-lo, alegando

que só lhe restavam dois anos para sair. Isto fez com que Zico virasse motivo de chacota no

presídio.

Em uma de suas alucinações, pensando estar sendo perseguido, ameaça Deusdete com

uma faca. Em outra, pega uma panela com água fervente e a despeja em cima do amigo, enquanto

ele dormia, ocasionando em sua morte. Após este fato, uma “comitiva” é reunida para decidir o

que será feito a respeito. Em uma cilada, Zico é encurralado e encapuzado, e recebe diversas

facadas de vários detentos e, conseqüentemente, morre.

1.2.3 Majestade

Imagem de Majestade interpretado por Ailton Graça obtida na web.

Josué dos Santos, um homem negro conhecido como Majestade, roubava carros

importados e vendia-os no Paraguai. Foi sentenciado a 16 anos no Carandiru, mas conseguiu

reduzi- los para 10 anos. No presídio, virou traficante.

Com jeito de malandro, simpático e sorridente, um dia, ao esconder drogas dentro do vaso

sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo,

mordeu- lhe o crânio. Depois, foi à enfermaria, onde foi atendido por Lula.

Majestade tinha duas mulheres, as quais conheceu antes de ser preso. A primeira, Dalva,

uma jovem branca e loira, estava noiva quando o conheceu. Ela assistia à partida de futebol do

noivo, quando Majestade aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho

de cada cor. Quando o noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para

o lado, afugentando o noivo de Dalva. Ele diz a ela que o espere em casa no dia seguinte com a

128

família, pois ele lhe pedirá em casamento. Na casa de Dalva, Majestade encontra o preconceito

da família e o pai dela proíbe o casamento, porém, Majestade saca a arma novamente e os faz

refém na sala de jantar. Ele anuncia que eles vão se casar de qualquer jeito e “rouba” Dalva.

Um dia, em um bar, com Dalva, Majestade vê a mulata Rosirene (que estava consumindo

drogas) e se interessa por ela. Ele larga Dalva dançando sozinha e vai falar com Rosirene. Diz

que a levará para a praia no domingo e que pegasse seu biquíni, quando Dalva chega para ver o

que acontece. As duas discutem e Majestade vai embora com Dalva. Ele se dividia entre as duas

durante a semana: sua casa com Dalva e um quartinho que alugou perto da antiga rodoviária para

se encontrar com Rosirene, que era prostituta.

Teve três filhos com Dalva e um com Rosirene. Entretanto, a vida boa de Majestade acaba

em um dia de visita, quando não consegue evitar o encontro de suas duas mulheres. Elas, então, o

forçam a decidir com qual das duas ele quer ficar.

1.2.4 Sem Chance

Imagem de Sem Chance interpretado por Gero Camilo obtida na web.

Matias, mais conhecido pela frase com a qual termina a maioria de suas falas: “sem

chance”, é um ladrão escolado, que se destaca por sua boa argumentação e sua fala distintamente

superior à dos demais detentos. Sem Chance se torna ajudante do Médico na enfermaria,

coletando sangue dos detentos para o teste de HIV. Em uma destas coletas, Sem Chance se

mostra particularmente interessado em um paciente: é Lady Di, um travesti delicado e de

presença marcante. Os dois iniciam um romance e Sem Chance resolve fazer o exame de HIV

também. Ao receberem o resultado, apreensivos, hesitam em abrir o envelope, mas quando o

fazem, descobrem que ambos não têm o vírus e resolvem se casar. No entanto, antes de se

casarem, Sem Chance fica sabendo que ganhará sua liberdade e fica triste em ter que deixar Lady

Di sozinho no presídio. Eles decidem se casar mesmo assim e esperam até o dia de visita para

129

pedir a benção dos pais de Lady Di, que não lhes concedem, pois não aceitam a vida que o filho

vive. A “comunidade” interna de gays e travestis organiza o casamento dos dois, com direito a

música (Ave Maria, cantada por um dos detentos), vestido de noiva e alianças.

Prestes a sair do presídio, Sem Chance sonha em montar seu próprio consultório com o

que aprendeu com o Médico.

1.2.5 Lady Di

Imagem de Lady Di interpretado por Rodrigo Santoro obtida na web.

O travesti com nome de celebridade, Lady Di, entra no consultório improvisado do

Médico dentro do Carandiru para descobrir se tem o vírus do HIV, confessando haver tido por

volta de 2 mil parceiros sexuais. Ele também admite fumar maconha de vez em quando. Na

consulta, o Médico lhe informa que o silicone que ele tem nos seios não é apropriado para aquele

uso, mas Lady explica que este foi o único que seu dinheiro pôde comprar. Quem retira seu

sangue para o exame é Sem Chance, com quem Lady logo inicia um romance. Os pais de Lady

Di não aceitam a vida que o filho escolheu, insistindo que o nome dele é Dirceu. Dos dois, a mãe

é a mais flexível, tentando, inclusive, convencer o marido de que a felicidade do filho é o mais

importante. Mesmo assim, Seu Antônio continua irredutível. Lady Di vive seu conto de fadas

dentro do presídio, onde se “casa” vestido de noiva com Sem Chance.

130

1.2.6 Nego Preto

Imagem de Nego Preto interpretado por Ivan de Almeida obtida na web.

Chefe da Cozinha Geral, Nego Preto, como Moacir é conhecido, é uma espécie de juiz

das desavenças internas. Por ele, passa decisões como negociação de dívida e autorização para

matar alguém lá dentro.

Preso por assassinato, tem ainda mais uns anos para ganhar sua liberdade. Quando solto,

praticava assaltos com os comparsas Escovão e Gordo. Após um destes assaltos, a uma joalheria,

que havia ocorrido bem, “sem nenhum tiro”, houve uma desavença entre os assaltantes, que

culminaria na prisão de dois deles. Na hora da divisão das jóias, Nego Preto desconfia que

Escovão esconde uma arma na mão sob o paletó e o mata. Imediatamente, Gordo saca a arma e

aponta para Nego Preto, revelando que o plano era ele matá- lo para fazer a partilha somente com

Escovão, mas Gordo não tem coragem de atirar. Eles carregam o corpo de Escovão até o córrego

e o jogam lá.

A polícia chega até Gordo, que, com medo, acaba entregando o comparsa pelo

assassinato. Os dois são presos e levados para a Casa de Detenção de São Paulo, onde Gordo

morre a facadas ao entalar em um túnel por onde vários detentos estavam fugindo.

Tempos depois, Nego Preto é surpreendido ao ver seu filho no Carandiru, agora como um

dos detentos.

1.2.7 Seu Chico

Imagem de Seu Chico interpretado por Milton Gonçalves obtida na web.

Pouco se sabe sobre Seu Chico, um senhor negro, apaixonado por balões, que há anos

vive no Carandiru. Pai de 18 filhos, tem uma história comovente de como o crime pode

131

desestruturar uma família. Vive isolado dos demais detentos e nunca recebe visitas. Não se sabe

qual ou quais crimes cometeu, somente que está na dependência do juiz para ganhar sua

liberdade. Após haver falado com sua filha ao telefone, em uma conversa com Seu Pires, diretor

do presídio, Seu Chico pede que lhe fosse concedida uma autorização para que sua filha caçula,

que resolveu visitá- lo, pois estava esquecendo do seu rosto, pudesse ir vê - lo fora do horário de

visita para que ela não tivesse contato com os outros detentos. Entretanto, Seu Pires nega o

pedido, alegando que, se abrisse exceção para um, teria de abrir para todos. Mais tarde, vê -se que

Seu Pires resolveu ceder: Seu Chico espera no meio do pátio, embaixo de uma tenda, com um

piquenique preparado, fora do horário de visitação. Porém, a filha do velho não aparece.

Desolado, ao perceber que havia um guarda vigiando, agride um dos carcereiros e é levado à

solitária por 30 dias. Seu Chico parece se culpar pela situação familiar que se encontra, usando a

solitária como autopunição.

A filha de Seu Chico, finalmente, vai visitá-lo. Seu Pires, como prometido, deixa que os

dois se encontrem fora do horário de visitas e, inclusive, ordena que deixem-no ficar com ela

além do tempo permitido para visitação.

Seu Chico ganha sua liberdade antes do famoso massacre.

1.2.8 Ezequiel

Imagem de Ezequiel interpretado por Lázaro Ramos obtida na web.

Ezequiel, um detento viciado em crack e apaixonado por surfe, vive em dívida no presídio

por conta do vício, tendo já se desfeito de quase todos os seus bens. Sua última dívida, adquirida

com Zico, quase resulta em sua morte. Ezequiel tenta saldar sua dívida com sua prancha de surfe

e ainda pede que Zico lhe venda outra pedra de crack fiado. Zico o expulsa de sua cela,

agredindo-o. No dia de visita, Ezequiel diz a Nego Preto que quer pagar sua dívida e pede

autorização para que sua irmã tenha relações sexuais com outros detentos para conseguir

dinheiro. Com um olhar de desaprovação, Nego Preto lhe diz que faça o que achar melhor. Como

132

ele não paga a dívida, Zico pede autorização a Nego Preto para matá-lo, mas acaba desistindo.

Como punição, Nego Preto ordena que Ezequiel pegue suas coisas e se mude para o Amarelo

(setor daqueles jurados de morte). Com a morte de Zico, Ezequiel é procurado por Majestade

para que assumisse a culpa. Ezequiel não resiste à proposta de ter uma cela só para ele, com

roupa lavada e drogas para consumir, mesmo tendo apenas dois anos para ganhar a sua liberdade.

Com o crime, pegaria mais uns 20 anos, mas os argumentos de Majestade – que dois ou vinte

anos não fariam diferença para alguém com AIDS, como Ezequiel – foram mais que suficientes

para convencê- lo.

Ezequiel não chega a desfrutar dos privilégios: é morto por um policial no massacre.

1.2.9 Peixeira

Imagem de Peixeira interpretado por Milhem Cortaz obtida na web.

Assassino profissional, Peixeira é confrontado por Lula, que quer acertar as contas do

assassinato de seu pai, que ocorreu na sua frente e da sua mãe. Nego Preto chega para resolver a

desavença. O matador de aluguel, então, explica ao jovem e inexperiente ladrão que fora sua

própria mãe que encomendou o assassinato de seu pai. Lula, sofrendo e inconformado com a

verdade, desiste de matar Peixeira.

Peixeira sempre foi convicto de sua posição como um assassino frio e sem remorso pelas

vítimas, mas a reviravolta em sua vida chegaria dentro do Carandiru. Em um dia de visitas,

observa, curioso, a pequena igreja evangélica improvisada dentro do presídio, onde o pastor

prega. Envolvido na emboscada para matar Zico, em vingança pela morte de Deusdete, Peixeira é

quem deveria dar a facada final, que mataria Zico de uma vez. No entanto, ao olhar em seus

olhos, ele hesita e não consegue matá-lo. A partir daí, Peixeira começa a se sentir culpado pelas

outras mortes que tem no histórico. Ele, inclusive, sonha que Zico volta para assombrá- lo, com as

feridas das facadas em aberto e sangrando bastante, junto com Deusdete que está com o rosto

coberto pela touca de meia de seda do Zico e chora muito. Quando Zico o abraça, as facadas de

133

seu corpo passam para o corpo de Peixeira que começa a sangrar. Depois deste sonho, ele vai até

o consultório improvisado do Médico e pergunta a ele como saber se alguém está ficando

demente e quer saber se existe remédio para culpa. Desorientado e confuso, sai ao pátio, na

chuva. Avista novamente a pequena igreja evangélica, onde está havendo um culto. Ao perceber

o desespero de Peixeira, o pastor pára o culto e chama sua atenção, questionando- lhe se quer

aceitar Jesus. Peixeira, então, se ajoelha e se converte, chorando.

1.2.10 Médico

Imagem do Médico interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos obtida na web.

O Médico chega na Casa de Detenção de São Paulo para realizar um trabalho de

prevenção à AIDS, que já está em situação de pré-epidemia no presídio. Seu Pires, o diretor, o

acompanha pelas instalações, lhe mostrando o lugar. Chegam a uma ala onde está tendo uma

desavença, que logo é resolvida por seu futuro paciente estressado: Nego Preto, que lhe dá as

boas-vindas.

O Médico começa a atender em um consultório improvisado dentro do presídio e tem

Sem Chance, um dos detentos, como seu ajudante na enfermaria. Lula também faz pequenas

operações lá. Aos poucos, vai conhecendo os detentos e suas histórias, e é exposto a doenças

como tuberculose, sarna e AIDS.

Com o tempo, ganha a confiança daqueles que atende e circula livremente pelo presídio.

Uma noite, no entanto, um guarda noturno não o reconhece e ele quase teve de passar a noite lá

dentro.

É convidado para dar o chute inicial na partida da final do campeonato de futebol do

presídio, acontecimento muito importante e celebrado pelos detentos.

134

Expostas as personagens, pode-se resumir estas informações no seguinte quadro:

TABELA 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS

Personagem Características

físicas

Características

psicológicas História

Deusdete

Aparência de

aproximadamente

20 anos, branco,

magro, tem

cabelos curtos e

negros.

Recluso e tímido,

resiste em se

envolver com os

demais detentos e,

freqüentemente,

aparece lendo na cela.

Jovem da periferia, que luta

para não entrar na vida de

crimes. É preso após

assassinar os agressores da

irmã Francineide. Na prisão,

encontra o amigo de infância

Zico, que acaba assassinando-

o com uma panela de água

fervente.

Zico

Aparência de no

máximo 30 anos,

branco, tem

cabelos curtos,

geralmente

ocultos por uma

touca de meia de

seda.

Inquieto e hiperativo,

devido ao constante

consumo de crack.

Inseguro, demonstra-

se piedoso com um

devedor.

Criado pela mãe de Deusdete,

se envolveu com o crime

cedo. Viciado em crack, que

o leva a matar o amigo de

infância durante uma

alucinação. É morto a facadas

por vários presos.

135

Majestade

Aparência de 40 e

poucos anos,

negro, de cabelos

curtos e um

pouco acima do

peso.

Malandro com

gingado, orgulhoso

de seu poder e por

desfrutar do amor de

suas duas mulheres.

Carismático, sempre

conta vantagem em

suas histórias.

Conhece sua primeira mulher,

Dalva, numa partida de

futebol, onde o noivo dela

joga. Foge com ela e a pede

em casamento, mas seus pais

não aceitam por ele ser negro.

Casado com Dalva, conhece

Rosirene, uma prostituta, com

quem também constitui

família.

Sem Chance

Aparência de 30 e

poucos anos,

branco, magro,

baixinho, tem

cabelos curtos e

encaracolados.

Uma espécie de

“filósofo”, é um

detento escolado, de

boa argumentação e

sonhador.

Ajudante do Médico na

enfermaria, que se encanta

pelo travesti Lady Di, com

quem se “casa” dentro do

presídio. Sonha em abrir o

próprio consultório médico

quando ganhar sua liberdade.

Lady Di

Aparência de 20 e

poucos anos,

branco, travesti,

alto, de cabelos

negros em estilo

chanel e de

presença

marcante.

Sonhador e delicado.

Sua carência se

demonstrava pelos

vários

relacionamentos que

teve. Realizou-se

quando encontrou o

amor.

Travesti que teve mais de 2

mil parceiros, tinha

problemas com seus pais, que

não aceitavam a vida que

escolheu. No Carandiru, se

“casa” com Sem Chance.

136

Nego Preto

Aparência de 50 e

poucos anos,

negro, de bigodes,

de cabelos curtos

e negros.

Um líder, assumindo

papel de juiz interno.

É, antes de tudo, um

pacificador,

desenvolvendo, por

conta disso, estresse.

Traído pelos comparsas, foi

preso por assassinato e se

tornou o chefe da Cozinha

Geral no Carandiru. Tudo que

ocorre lá dentro deve passar

por ele e deve ter sua

autorização.

Seu Chico

Aparência de

aproximadamente

60 anos, negro,

tem cabelos

curtos e

encaracolados,

acima do peso.

Calmo e reservado,

era um senhor triste e

solitário pela

distância da família,

que não o visitava.

Apaixonado por balões, pai

de 18 filhos, mas nenhum vai

visitá-lo. Já cumpriu parte da

sentença e está na

dependência do juiz dar sua

liberdade. Vive isolado dos

demais detentos.

Ezequiel

Aparência de 20 e

poucos anos,

negro, magro, tem

cabelos curtos

descoloridos.

Tem AIDS.

Ingênuo e submisso,

vive à mercê dos

outros detentos por

conta de seu vício em

crack.

Por conta de uma dívida,

quase acaba morto. Sem

perspectiva por conta da

doença e para ganhar

privilégios, acaba assumindo

a autoria de um assassinato

que não cometeu.

Peixeira

Aparência de 30 e

poucos anos,

forte, com corpo

malhado e

tatuado. Careca,

geralmente, usa

touca de lã.

Assassino destemido

e frio. Tem uma

reviravolta no

presídio, passando a

se sentir culpado

pelos crimes,

chegando a se

converter ao

evangelismo.

Matador de aluguel, encontra

o filho de uma de suas

vítimas que quer vingança no

presídio. Depois de não

conseguir matar um detento,

começa a se sentir culpado

pelas outras mortes. No fim,

acaba entrando em uma igreja

evangélica dentro do

Carandiru e se converte.

137

Médico

Aparência de 40 e

poucos anos,

branco, de

cabelos castanhos

e curtos, magro.

Calmo e paciente, é

preocupado com o

bem-estar dos

pacientes

independente dos

crimes que haviam

cometido.

Médico que foi ao presídio

para tratar os detentos e

tomar providências contra a

pré-epidemia de AIDS.

Ganhou a confiança dos

detentos, que lhe contavam

suas histórias e lhe pediam

conselhos.

2. A origem das personagens principais Agora que já se conhecem as personagens principais de Carandiru, suas características

físicas, psicológicas e histórias, pode-se partir em busca de suas origens na obra literária, que

podem ser uma ou múltiplas origens.

2.1. Deusdete

Como mencionado anteriormente, Deusdete é a personagem mais jovem da obra

cinematográfica. No livro, como visto, poucas personagens jovens foram encontradas (menos de

1%). As características físicas de Deusdete provavelmente têm origem na personagem literária

Gersinho, cuja idade é de 19 anos. Pela imagem, pode-se ver que a aparência de Deusdete não é

mais que isso. Esta é a única correspondência explícita entre estas duas personagens.

Gersinho, portador do vírus da AIDS, dezenove anos, assaltante primário aceito no pavilhão porque um ladrão que o viu nascer, e que talvez tenha sido namorado de sua mãe, convidou-o para morar em seu xadrez, diz que aprendeu muito com a convivência: (VARELLA, 2005, p. 33)

138

Já a história de Deusdete teve origem na personagem homônima. O Deusdete da obra

literária também tem uma irmã chamada Francineide, que foi atacada por dois molestadores.

Uma noite, Francineide, irmã do meio de Deusdete, na volta da padaria, foi molestada por dois marginais da vila. Um disse que queria chupar o sexo dela; ofendida, ela o mandou chupar a mãe, vagabundo. Apanhou, chegou em casa com o vestido rasgado e a boca inchada. Ao ver a irmã naquele estado, Deusdete correu para a Delegacia. Esperou mais de duas horas para ouvir o escrivão dizer que ficaria louco se registrasse todas as queixas de agressão da vila. (VARELLA, 2005, p. 198-199)

No filme, esta cena está dividida. Primeiramente, Francineide aparece desesperada após a

agressão, e é quando Deusdete a confronta e descobre o ocorrido:

DEUSDETE

Que é que foi? Conta aí! O que foi que aconteceu?

FRANCINEIDE

Era dois... me agarraro... levantaro meu vestido... um disse que

queria me chupá... eu mandei ele chupá a mãe...

DEUSDETE

O que eles fizero?

FRANCINEIDE

Me batero...

DEUSDETE

E daí? Que mais?!

FRANCINEIDE

Eu saí correndo, Deusdete. Saí correndo! Eu te juro! Não

aconteceu nada!

Depois, há a cena em que Deusdete vai atrás de Zico, seu amigo de infância, para que este

lhe arranje uma arma. No livro, Deusdete não recorre ao seu amigo de infância, no caso, Mané de

Baixo, mas a qualquer um na vila que lhe pudesse vender um revólver. Porém, é nesta cena no

filme que ele conta que foi à polícia e consegue a arma com a qual cometerá os homicídios:

DEUSDETE

Zico.

ZICO

Pô Deusdete, você aqui?!

139

DEUSDETE

É que eu tenho um assunto aí...

ZICO

(para os comparsas)

Dá licença.

ZICO (CONT'D)

Como é que tá a mãe?

DEUSDETE

Problema não é com ela não...

Uns caras azararo a Francineide...

ZICO

O que que fizero com ela?

DEUSDETE

Ela disse que nada. Mas eu fui na delegacia dá parte.

ZICO

Delegacia, Deusdete?! Tu acha que polícia vai resolvê isso aí?

DEUSDETE

O pior é que os cara ficaro sabendo e agora tão atrás de mim.

ZICO

Deixa comigo que eu dô um jeito neles.

DEUSDETE

Não Zico. Do teu jeito não. Eu... só preciso de uma arma... que é

pra me defendê.

O procedimento adotado pelo irmão de Francineide, no geral, foi o mesmo: denunciou a

agressão à polícia, depois, quando foi jurado de morte, arranjou uma arma para se defender. No

entanto, Deusdete é encontrado pelos agressores; ele os mata quando é abordado e ameaçado com

barras de ferro. Esta cena manteve-se igual em ambas as obras:

Uma semana após o incidente, no ônibus, um vizinho o avisou de que os agressores souberam da ida dele à delegacia e queriam pegá-lo. Deusdete pediu adiantamento na firma e saiu pela vila atrás de um revólver. Não demorou para encontrar. Apesar da arma, mudou de itinerário. Não adiantou, eles o acharam na volta da escola, sozinho, por uma rua escura. - Aonde pensa que vai o estudante dedo -duro? - Não quero briga. Deixa eu ir para casa. - Você vai para a casa da mamãe, veado, só que antes a gente vai te fazer uns carinhos, que nem nós fez para a tua irmãzinha. O primeiro que se aproximou tinha uma barra de ferro na mão. Abusado, não percebeu que Deusdete havia sacado o revólver. Tomou dois tiros e caiu

140

morto. O companheiro saiu correndo com a faca. Deusdete atirou, errou e seguiu no encalço. Três, quatro esquinas depois o fugitivo entrou num bar. Deusdete esperou agachado atrás do muro de uma casa em frente, até que o inimigo saiu, olhou ao redor desconfiado e cruzou a rua bem na direção em que ele se encontrava. Levou as três ultimas balas do tambor, para espanto do gordo de bermuda e do barbudo que jogavam sinuca no alpendre do botequim e mais tarde testemunharam contra ele, no julgamento. (VARELLA, 2005, p. 199)

No filme, há o seguinte diálogo nesta cena:

RAPAZ 1

Aonde pensa que vai o dedo duro?

DEUSDETE

Não quero briga. Deix'eu ir pra casa.

RAPAZ 2

Você vai sim, mas antes, a gente vai te fazê uns carinho, que

nem feiz na tua irmãzinha.

Ao ser preso, Deusdete é levado para a Casa de Detenção de São Paulo. Na película, vê -se

o rapaz chegando, desconfiado, procurando uma cela. Quando Zico o encontra, o acolhe em sua

cela, dando- lhe uma cama:

DEUSDETE

Pagá pra dormi?! Tô preso, meu!

PEIXEIRA

Lá fora tu mora de graça?

EZEQUIEL

Se quisé ficá, dorme aí no chão.

ZICO

Deusdete não vai pro chão não. Ele já tem onde morá.

(para Deusdete)

Pô Deusdete, bem que eu disse... Acabou fazendo o que não

devia.

Na obra literária, pouco se sabe sobre a chegada de Deusdete ao presídio. Apenas é

mencionado brevemente que o amigo de infância o acolhe.

141

Quando Deusdete chegou na Detenção foi acolhido por Mané de Baixo , proprietário de um xadrez no pavilhão Cinco, cumprindo oito anos e seis meses por roubo de carga e formação de quadrilha. (VARELLA, 2005, p. 199)

O destino trágico de sua personagem também é compartilhado pela personagem literária:

Deusdete é morto no presídio. Seu amigo de infância (Zico, no filme e Mané de Baixo, no livro)

despeja- lhe água fervente enquanto Deusdete dormia em sua cama. No livro, a ação é justificada

pela humilhação sentida por Mané de Baixo quando Deusdete não permite que ele consuma

drogas dentro da cela.

De madrugada, enquanto o companheiro de infância dormia, encheu um tacho com cinco litros de água, uma lata de óleo, um quilo de sal e acendeu o fogareiro. Quando a mistura levantou fervura, despejou-a em cima do outro. Deusdete morreu na enfermaria do Pavilhão Quatro nas primeiras horas da manhã. (VARELLA, 2005, p. 200)

Na película, entretanto, este ocorrido é justificado pelo vício de Zico, que mata o amigo

em um momento de alucinação causada pelo crack.

Neste caso, a personagem dominante é a mesma que deu origem ao nome da personagem

na película. Sendo assim, tem-se Deusdete como a personagem literária dominante e Gersinho

apenas como personagem de apoio, pois nada de sua história serviu de base para a personagem

cinematográfica. Talvez se possa considerar o fato de que Gersinho fora acolhido no presídio por

alguém que o conheceu antes de ser preso e fazia parte de seu círculo social fora do Carandiru,

assim como ocorre na história de Deusdete. Porém, esta ligação entre as personagens não fica

clara, pois tratam-se de situações e relações diferentes (Gersinho – ex-namorado da mãe;

Deusdete – amigo de infância).

2.2 Zico

Zico era traficante de maconha antes de ser preso. Comprava a droga em Pernambuco. No

livro, há duas personagens que compartilham esta história: Juscelino e Ôrra Meu.

A origem da propriedade perde-se no passado, quando os recursos da Casa começaram a minguar e a manutenção das celas ficou por conta dos próprios detentos, como explica Juscelino, um mineiro de sorriso encantador que

142

comprava maconha no sertão de Pernambuco e voltava de ônibus-leito com a droga na mochila: (VARELLA, 2005, p. 36) (…) como observou Ôrra Meu, um faxina de pescoço longo como os de Modigliani e sotaque italianado característico do bairro da Mooca, preso num caminhão de lenha que trazia maconha de Pernambuco para um armazém da Vila Matilde: (VARELLA, 2005, p. 284)

O passado de Zico com relação a seus crimes não foi muito explorado, da mesma forma

que os crimes de Juscelino e Ôrra Meu apenas foram mencionados e suas histórias não ganharam

destaque. Na obra cinematográfica, a parte mais desenvolvida da história de Zico foi seu

relacionamento com o amigo de infância, Deusdete:

ZICO (OFF)

Um dia, minha mãe não voltô mais pra casa. Fiquei só. Esperei,

esperei, até que ele e a irmã, Francineide, chegaram e me levaram

pra morá com eles. Crescemo junto.

Esta história, desde a infância até sua morte, é vivida por Mané de Baixo na obra literária.

Embora não tenha sido mencionado que Mané de Baixo tenha sido abandonado pela mãe e ido

morar com a família de Deusdete, é mencionado que passaram a infância juntos e não se

desgrudavam até seus 14 anos.

Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos, quando Mané de Baixo arranjou emprego num ferro-velho e saiu da escola. (VARELLA, 2005, p. 198)

No presídio, Zico era traficante de crack. Um dos detentos, que era seu “cliente”, havia

comprado droga fiado com ele e não o pagava. Zico resolve pedir a Nego Preto autorização para

matá- lo. Entretanto, acaba por não fazê- lo, pois não queria aumentar sua sentença. Este episódio

fez Zico virar motivo de chacota no presídio.

MAJESTADE

(para Zico)

Aí, quem num tem palavra, num pode trabalhá pra mim.

NEGO PRETO

Pede pra matá o cara e depois muda as idéia!?

143

ZICO

Ô Nego! Mais dois ano e eu tô livre... achei melhor deixá quieto

e acertá ele na rua.

Um caso muito semelhante ocorre com a sua personagem homônima no livro. Zico,

personagem literária, pede a Bolacha, que seria como um juiz interno, assim como Nego Preto,

autorização para matar um detento que havia estuprado sua irmã. Mas, assim como a personagem

cinematográfica, ele vira motivo de chacota quando resolve não matá- lo, pois estava prestes a

conseguir entrar no regime semi-aberto.

Bolacha na presença de testemunhas: - Zico, qual é a tua, meu? Está esperando o que para resolver o caso daquele pilantra? - Bolacha, sucedeu-se que subiu meu recurso para a Colônia e eu achei melhor deixar quieto por enquanto e acertar ele na rua. - Ô, Zico, agora você me desapontou! Pede para matar o cara, traz prova do estupro e depois muda as idéias. Arruma tuas coisas e atravessa para o Cinco, que o Nove ficou pequeno para você. Você não é do Crime, meu. Você é um cômico. (VARELLA, 2005, p. 102)

Além de traficar, Zico também consumia crack, o que lhe causava freqüentes alucinações.

Em uma delas, mata o amigo de infância com uma panela com água fervente enquanto ele

dormia. Após este ocorrido, o qual não havia sido autorizado pelos “juízes” internos, foi

organizada uma “comitiva” para decidir qual providência seria tomada.

FUINHA

Ó Nego, eu sei que quando eu fui visitá o Zico, o Deusdete não

dexô que a gente fumasse lá.

BAIANO

Isso num é motivo pra mata na covardia!

LULA

Me deu o maior medo, ó! Í dormi e acordá queimado?! Tá louco!

DETENTO LOCUTOR

E matô sem assuntá com nóis! Qualé?

DADÁ

Quem mandô se metê na vida do outro?

MAJESTADE

(para Dadá)

144

Eram amigo da infância. Se você tivesse um amigo aqui prá te

aconselhá, você ia fazê isso com ele?

DADÁ

Problema deles, ó!

NEGO PRETO

Tá enganado. Agora é problema nosso.

No livro, esta negociação sobre o destino de Mané de Baixo (que matou Deusdete), que

envolveu mais de quarenta pessoas, é apenas mencionada, mas não se sabe quem fez parte desta

“comitiva”.

Ao meio-dia, os companheiros revoltados reuniram-se com a Faxina do Cinco, num “debate”, como eles dizem, que envolveu mais de quarenta pessoas. (VARELLA, 2005, p. 200)

Como conseqüência, Zico é emboscado e atacado por diversos detentos, que o matam a

facadas. Isto também ocorre com Mané de Baixo, que é emboscado e, depois, é mencionado que

seu corpo, morto, estava todo esfaqueado.

Resolveram que um grupo aguardaria nas imediações da entrada do pavilhão e outro bloquearia a escada no primeiro andar. Quando Mané entrou, o grupo de baixo subiu atrás. (VARELLA, 2005, p. 200) Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos... (…) O outro, de camiseta do Baú da Felicidade, estava todo esfaqueado. (VARELLA, 2005, p. 198)

Não foi possível verificar nenhuma personagem com correspondência física semelhante a

Zico. Mané de Baixo é a personagem dominante, Zico, a secundária e Juscelino e Ôrra Meu,

personagens de apoio. Aqui, tem-se a origem do nome em uma personagem secundária, que

também teve participação significativa na composição da história da personagem

cinematográfica.

145

2.3 Majestade

Majestade era um negro com jeito de malandro, simpático e sorridente. De nome

verdadeiro Josué dos Santos, traficava no Carandiru. No livro, encontram-se duas personagens

que deram origem à imagem de Majestade: Kenedi Baptista dos Santos, conhecido como Zé da

Casa Verde, e Charuto. Zé da Casa Verde era um homem negro, com jeito de malandro; Charuto

tinha sorriso alvo e dentição perfeita, era malandro no jeito de andar, falar e olhar.

Esse tal de Charuto tinha sorriso alvo e dentição perfeita, raridade no ambiente. Malandro completo no andar, falar e olhar, assaltante incorrigível, estava condenado a dezesseis anos, nesta segunda passagem pela cadeia. (VARELLA, 2005, p.260) Seu nome era Kenedi Baptista dos Santos, porém todos o conheciam como Zé da Casa Verde. As gírias, o cantado da fala paulista, o jeito de parar com o corpo jogado para trás, a disposição permanente para gozar os companheiros, tudo nele recendia malandragem. (VARELLA, 2005, p.226)

Estas duas personagens também deram origem à história cinematográfica de Majestade,

em momentos diferentes.

Majestade, em uma ação que parecia ser- lhe comum, esconder drogas dentro do vaso

sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo,

teve de morder- lhe o crânio. Na enfermaria, Lula o atendeu e lhe costurou o dedo.

MAJESTADE

Ai caralho! Puta que pariu! Larga! Larga! Ai, ai... larga

desgraçado! Ai, ai...

(OFF)

Bati ele na parede mais de deiz veiz! O demônio num largava!

SEM CHANCE

E aí, morreu?

MAJESTADE

Ai cacete... Morreu nada! Mas eu segurei ele firme e cravei os

dente na mente do infeliz. Depois escovei a boca e já era.

146

No livro, o mesmo ocorre com a personagem Charuto, entretanto, as circunstâncias são

outras: ele levou uma mordida de rato ao desentupir um esgoto que sempre entupia no pavilhão

Dois.

Puxou a mão, no reflexo; veio junto o rato pendurado no dedo indicador, mordendo fixo. Era preto, enorme: - Pensei até que fosse um cachorrinho desses de madame. No desespero, a mão desenhou um círculo no ar e bateu o rato contra o cimento, mas a pega estava tão firme que não soltou. Infernizado com a dor que até choque dava, o rato travado no osso, Charuto levantou o braço o mais alto que pode e despencou o animal no chão; com toda força. - Só aí, com perdão da palavra, foi que o desgraçado largou. Ficou esperneando as patinhas para cima. - Morreu? - Que nada, doutor, o bicho é o demônio! Foi então que Charuto, cego de ódio, agarrou o inimigo com as duas mãos, segurou-lhe a boca para não levar outra mordida e vingou-se: - Cravei os dentes na mente do infeliz. Mordi duro, até ele parar de debater. Depois escovei os dentes, e já era. (VARELLA, 2005, p. 259)

Majestade tinha duas mulheres: uma branca e uma negra, assim como Zé da Casa Verde.

Sua primeira mulher, Dalva, era uma jovem de pele bem branca e loira. Zé era casado com Valda,

que tinha a pele branca como a neve. Ela assistia à partida de futebol do noivo, quando Majestade

aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho de cada cor. Quando o

noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para o lado, afugentando o

noivo de Dalva.

MAJESTADE (CONT'D) Tu acredita em amor à primeira vista?

DALVA Quê?!

MAJESTADE Vem comigo... vou te pedi em casamento pros teus pais.

DALVA Sai fora! Tu nunca me viu!

MAJESTADE Tá errada! DALVA

Tô errada?! Você nem me conhece! MAJESTADE

Conheço sim. Sei que tu gosta de calabreza... Sei que fica linda num vestido de florzinha... e sei que tu merece mais do que esse

perna de pau aí... DALVA

Meu noivo? MAJESTADE

Noivo?! Isso é atraso de vida.

147

MAJESTADE (CONT'D) Olha só que beleza de mistura! Vam'tê um filho de cada cor.

Te espero no carro... DALVA

Você falou sério? MAJESTADE

Como nunca na vida.

A história do romance de Zé da Casa Verde com Valda é muito semelhante à de

Majestade e Dalva, apenas mudando a circunstância do primeiro encontro dos dois. No livro, Zé

conhece sua primeira mulher em um baile, uns dias antes da partida de futebol do namorado (ou

noivo, não é especificado qual o grau do relacionamento deles) dela. No filme, este primeiro

encontro acontece na própria partida.

Zé era casado com duas mulheres, Valda e Maria Luísa: - A Valda tem pele branca como a neve. É de uma família de bem, em Santana, que nunca aceitou o nosso romance por causa da minha cor. Os dois se conheceram num baile, ela ainda virgem, dançando com um rapaz no qual Zé não sentiu firmeza. No domingo seguinte, enquanto o rival disputava uma partida na várzea, Zé aproximou-se dela, na beirada do campo: - Levanta e vem comigo, que eu vou te pedir em casamento para os teus pais. -Você nem me conhece! Ele falou dela no baile, da pele alva que contrastava com o preto da sua e dos filhos misturados que nasceriam lindos, cada um numa cor. Falou e foi esperá-la no fusca, que havia acabado de equipar com dinheiro roubado. A espera não foi longa. Ela apareceu na janela do carro: -Você falou sério? - Como nunca na vida. (VARELLA, 2005, p. 227)

Ao ver que conquistou Dalva, Majestade diz a ela que o espere em casa no dia seguinte

com a família, pois ele lhe pedirá em casamento.

MAJESTADE

Tu viu?! Tu viu, né? Se fosse amor que ele sentia, não tinha

fugido! Qualé? Deixá roubá a mulher!

MAJESTADE (CONT'D)

Amanhã, às oito, reúne tua família que eu vou te pedir em

casamento.

148

A mesma situação pode ser vista com Zé da Casa Verde, na obra literária.

Zé, persuasivo, virou-se para a amada: - Amanhã, às oito, reúne teus pais e tuas irmãs que eu venho te pedir em casamento. Esquece esse cara, se ele gostasse de você, enfrentava o perigo. (VARELLA, 2005, p. 227-228)

Ambas as personagens, ao encontrar o preconceito da família da noiva, sacam suas armas

outra vez em resposta à proibição do casamento pelo pai dela, fazendo-os de refém e “roubando”

a futura esposa. No livro:

No dia seguinte, às oito, a reação da família foi a pior possível. Apesar do fusca envenenado e de se apresentar como trabalhador, filho de uma família exemplar, proprietária de um imóvel com escritura lavrada no cartório da Casa Verde, o pai da mo ça disse que preferia a filha morta do que casada com um negro malandro daqueles. Com a persistência obstinada do Zé, os ânimos se exaltaram, o pai referindo-se à cor dele com desrespeito crescente. Quando foi chamado de negrinho insolente, Zé perdeu a paciência. Subiu na mesa, puxou o revólver, gritou que matava o primeiro que reagisse: - Tranquei todo mundo no banheiro e levei o meu amor comigo, a minha mão preta no algodão da mão dela. (VARELLA, 2005, p. 228)

No filme, há o seguinte diálogo entre Majestade e Seu Sidney, pai de Dalva:

SEU SIDNEY

Vou falá uma vez só: prefiro minha filha morta do que casada

c'um negro malandro.

MAJESTADE

Ai o senhor me ofende... O senhor mal me conhece.

SEU SIDNEY

Conheço o suficiente pra saber que não passa de um preto

vagabundo!

MAJESTADE

Olha seu Sidiney...

SEU SIDNEY

Não olho nada!

(para Dalva)

Minha filha, você não é mais menina pra cair

na conversa de preto!

MAJESTADE

Cala a boca! Todo mundo pro banheiro!

149

MAJESTADE (CONT'D)

Vai, vai logo! Vai entrando!

Dá um tchau pro teu pessoal que vai demorá pre'les botarem o

olho em ti!

SEU SIDNEY

Filha, pensa bem: cê vai fazê essa besteira?

MAJESTADE (OFF)

Casei foi ali mesmo. Levei meu amor comigo; a minha mão

preta no algodão da mão dela...

Grande parte da história de Majestade, personagem cinematográfico, tem origem na

história de Zé da Casa Verde. O nome da primeira mulher de um é o inverso silábico do nome da

mulher do outro: Dalva e Valda. Já a história deles com suas segundas mulheres é diferente,

inclusive o nome delas: Majestade casa-se com Rosirene e Zé da Casa Verde, com Maria Luísa.

Majestade conhece Rosirene, uma prostituta, em um bar, onde havia ido com Dalva. A mulata,

que estava consumindo drogas, chama a atenção de Majestade que vai falar com ela e lhe diz para

pegar o biquíni, pois a levará para a praia no domingo. Quando Dalva chega, as duas discutem e

Majestade leva Dalva embora.

MAJESTADE

(para Rosirene)

A morena não samba?

ROSIRENE

Não sou macaco pra ficar pulando à toa...

MAJESTADE

Quer um motivo pra pulá?

ROSIRENE

Acho quem quem tá a fim de pulá e você... a cerca.

MAJESTADE

Olha aí, vô deixá minha esposa e as criança em casa. Pega teu

biquíni que eu volto pra te buscá. A gente vai passá o domingo na

praia.

Dalva se aproxima.

DALVA

Essa nega aí sabe que tu tem dona?

150

MAJESTADE

Qué isso, Dalva? Tava indo no banheiro!

DALVA

(pondo a mão sobre a braguilha da calça de Majestade)

E isso aqui, tá assim por quê?

ROSIRENE

Parece que alguém não tá cuidando bem dele.

DALVA

Vê o que cê fala, sua nega fedida!

(empurrando Rosirene)

Acho bom saí de perto do meu homem ou tu vai se dá mal!

Rosirene revida. As mulheres trocam tapas e puxões de cabelo.

MAJESTADE

Pára, Dalva! Pára com isso!

Já Maria Luísa, segunda mulher de Zé da Casa Verde, que também era negra, era passista.

Embora não fique explicito onde se conheceram, é provável que tenha sido na quadra da Império

da Casa Verde, escola da qual era passista. O encontro com a primeira mulher de Zé, Valda,

aconteceu na avenida, no Carnaval.

Viveram na maior felicidade até ele conhecer Maria Luísa, passista da Império da Casa Verde: - A bateria pegando pesado e ela dançando na frente, de vestidinho curto e um sorriso que iluminava a quadra inteira. Parecia uma deusa de ébano. No carnaval, na concentração da escola, minutos antes do desfile, ele de guerreiro xangô, Maria Luísa de biquíni com lantejoula, ninguém sabe de onde, surgiram Valda e a irmã mais nova do Zé, solidária com a cunhada, e se engalfinharam com a rival. Ele outra vez perdeu a paciência e puxou o revólver: - Dei uma coronhada na cabeça de cada uma, mandei as três para casa e sambei sozinho na avenida. (VARELLA, 2005, p. 228)

Como já mencionado, a segunda mulher de Majestade era prostituta e não queria lagar a

profissão. Ele não se opunha, contanto que não fizesse programa com nenhum amigo dele. Um

dia, ao esperá- la no ponto onde se prostituía, Majestade descobre que Rosirene está saindo com

um de seus amigos, Farofa. Ao confrontá-la, fica sabendo que os dois, além de estarem saindo

juntos, estão fazendo planos para irem para Miami.

151

MAJESTADE

Tu não desiste dessa vida, né? Já não te falei que eu te banco?

ROSIRENE

Sempre ganhei meu dinheiro.

MAJESTADE

E tu sabe quem é esse cara que tu tava?

ROSIRENE

O que você está fazendo aqui? Hoje não é o dia da Branquinha?

MAJESTADE

Não desvia o assunto! Tu sabe quem é ele?

ROSIRENE

Sei! E daí?

MAJESTADE

Eu não te disse: "Se quisé se virá, se vira. Só não dá pra amigo

meu que eu te quebro o pescoço!"

ROSIRENE

Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!? Tu é um pé de chinelo. E

mais, ele ainda me disse que, quando separá da esposa, vai se muda

comigo pra Miami! Ó, qué sabê? Tô indo!

MAJESTADE

Vai para onde?

ROSIRENE

Miami meu amor! Miami!

(…)

MAJESTADE

Vê se pode doutor, dando pra amigo meu e ainda os dois

fazendo plano!

Esta mesma situação pode ser encontrada no livro, porém, com outra personagem:

Charuto. Ele era assaltante e ela, prostituta. Rosirene, personagem literária, também o traiu com

um amigo dele, fazendo planos juntos para ir para Ponta Porã.

- Estava na Estação da Luz se virando. Sabe, elas viciam e não querem sair dali. Eu não podia fazer nada. Quer dar? É com ela mesmo. A única coisa que eu falava era: só não dá para amigo meu, que eu te quebro o pescoço. (…)

152

Uma noite, trombaram na Boca do Lixo e Rosirene confessou estar namorando um amigo dele, Mato Grosso, o dono das pedras, e que os dois tinham planos de mudar para Ponta Porã. -Veja só, dando para amigo meu e ainda os dois fazendo plano! (VARELLA, 2005, p. 264)

Charuto não se dividia entre duas mulheres como Majestade. Ele havia largado a primeira

(Rosane) para ficar com Rosirene. Já Majestade levava dois casamentos ao mesmo tempo, assim

como Zé da Casa Verde. Ambos se dividiam entre as duas mulheres e tiveram filhos com elas:

Majestade teve três com Dalva e um com Rosirene; Zé da Casa Verde teve três filhos com Maria

Luísa e quatro com Valda. Entretanto, em um dia de visita, eles não conseguiram evitar o

encontro de suas duas mulheres, que os fizeram escolher com qual queriam ficar.

ROSIRENE

Me beija na boca!

MAJESTADE

Pô, meu amor, hoje não vai dá! É que a caldera estorô e o

homem qué o conserto pronto até o fim do dia.

ROSIRENE

Ô Josué, nem na rua tu nunca trabalhô. Vai me convencê que

na cadeia resolveu regenerá? Tu tá é co'aquela branquela

vagabunda!

MAJESTADE

Qué isso, meu amor!? Juro que não!

ROSIRENE

Então vamo vê!

(…)

ROSIRENE

Falei que cê tava co'a vagabunda.

DALVA

A vagabunda agora sô eu?!

MAJESTADE

(para Rosirene)

Bom... já que você veio agora num tem mais volta pra trás. Hoje,

nós três vamô tê que entrá num entendimento.

MAJESTADE (CONT'D)

Rosirene, a Dalva não é vagabunda não, viu? Trabalha na

fábrica de roupa, cria nossos filho com o maior carinho. São filho meu, pô.

153

(para Dalva)

E você também, já disse que a Rosirene não vale nada.

Também num'é verdade. Se não fosse a cara dela descolá uns

baratos e trazê aqui pra eu fazê um dinheiro, ia faltá comida no prato

de todos nóis.

DALVA

Se você gosta d'eu e dela é problema teu.

MAJESTADE

Iiii...

ROSIRENE

É. Cê vai é decidi agora com qual das duas qué ficá!

DALVA

Isso mesmo!

MAJESTADE

Pô! Assim, cês vão parti meu coração no meio.

No livro, pode-se ver Zé da Casa Verde na mesma situação vivida por Majestade na obra

cinematográfica:

Pediu licença a Valda, correu para a sala das caldeiras, ao lado, e se lambuzou de graxa. Encontrou a mulata na porta, sorridente de saudades. Beijou-a com cerimônia para não esbarrar as mãos sujas nela e explicou: - Meu amor, que bom que você veio, mas, infelizmente, não vou poder te receber porque estou trabalhando num conserto, devido que a caldeira estourou e o homem quer tudo pronto até o final que acabar a visita. - Zé, você está é com aquela vagabunda. Nem na rua tu nunca trabalhou, vai me convencer que na cadeia, dia de domingo, é que resolveu regenerar? (…) - Você vai decidir agora com qual de nós duas quer ficar – insurgiu-se Maria Luisa, com o que concordou imediatamente a Valda. Ele ficou desconsolado: - Assim vocês vão partir meu coração no meio. (VARELLA, 2005, p. 229-230)

Portanto, tem-se Zé da Casa Verde como personagem dominante de Majestade, com

quem compartilha quase sua história inteira e, inclusive, seu físico e jeito de ser e se comportar, e

Charuto como personagem secundária, que também tem significativa contribuição para a história

de Majestade e seu jeito de se comportar. A personagem literária Majestade apenas deu origem

ao nome de sua personagem homônima cinematográfica, não contribuindo de nenhuma outra

forma para sua formação.

154

2.4 Sem Chance

Matias, que ganhou o apelido de Sem Chance, pois era com essa frase que terminava

quase todas as suas falas, era um homem baixinho e franzino, com habilidades em medicina, que

se tornou enfermeiro auxiliar do Médico na obra cinematográfica. De fala distintamente escolada

e boa argumentação, filosofava pelo presídio.

Na obra literária, há também uma personagem chamada Sem-Chance (que só se difere

pelo acréscimo do hífen), que também era franzino e ganhou o apelido exatamente pelo mesmo

motivo, demonstrando a origem do nome da personagem cinematográfica.

Ainda no escuro, acendem-se as luzes dos barracos, em silêncio, para respeitar o sono alheio, como explica o Sem-Chance, um mulato franzino que ganhou o apelido de tanto repetir essas palavras no final das frases: (VARELLA, 2005, p. 44)

Ouve-se, muitas vezes, na película, a personagem dizendo a frase “sem chance”.

SEM CHANCE

Desculpa, doutor, eu sô contra pena de morte, mas sou a favor

no caso de estrupo. Pra mim é sem chance.

(…)

SEM CHANCE

Cê vê, você trabalhando na noite, dois mil home aqui dentro...

limpinha. E eu, todo certinho, ó... sem chance.

Na obra literária, também pode-se ler diversas vezes a personagem utilizando esta frase

no final de suas falas.

- Tem que ser na manha. Se acordar cedinho, todo mundo dormindo, se for urinar no boi e der descarga ou fazer qualquer zuadinha, o senhor tem que mudar de xadrez. Acordar vagabundo, é sem chance. (VARELLA, 2005, p. 44) Ainda assim, para desespero da malandragem, como admite pesarosamente o Sem-Chance: - Tem sempre um cagüeta na fita, doutor. É sem chance. (VARELLA, 2005, p. 113)

155

Sem-Chance também deu origem às características de sua personagem homônima na

película. Ambos eram escolados:

Sem-Chance, ladrão escolado, fala da esperteza do “Ricardão”, nome atribuído ao amante da mulher de quem está na cadeia: - Se na visita não tiver respeito, doutor, elas vão ficar com medo de voltar... (VARELLA, 2005, p. 62)

Agora, quanto à história de Sem Chance, apenas parte dela teve sua origem nas histórias

das personagens da obra literária. Assim como Sem Chance, que era o principal enfermeiro do

Médico no filme, Edelso era o primeiro enfermeiro de Drauzio e o que mais tinha habilidades

para lidar com a medicina.

Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro, Edelso... (VARELLA , 2005, p. 80)

De todos os presos que passaram pela enfermaria, Edelso era o que tinha mais jeito para medicina. (…) Agradável no trato, dentes preservados, roupa cuidada, destoava naquele ambiente de homens pobres e corpos marcados pela violência. (VARELLA, 2005, p. 205)

A história de Sem Chance com o travesti Lady Di, que se casam dentro do presídio, não

ocorre no livro. No entanto, uma promessa que Sem Chance faz no filme durante seu casamento

com Lady Di também é feita no livro por Edelso, em situação diferente: montar um consultório

quando ganhasse a liberdade, para praticar o que haviam aprendido na enfermaria do presídio.

SEM CHANCE

O meu brinde é ao nosso doutor, pois com a medicina que

aprendi com esse homem, vô é montá um consultório e cuidá dos

meus paciente... esperando por você, minha Lady, pra gente vivê

nossa própria família.

Na obra literária, Edelso fora transferido da enfermaria, que ficava no pavilhão Dois, pois

descobriram que ele estava em uma lista de devedores, indo para o Sete. Mas, em um encontro

com Drauzio , Edelso contou os planos que tinha para quando estivesse livre.

156

Fazia até planos para quando cantasse a liberdade: - Vou parar com esse negócio de carro, desmanche, Paraguai, que é sem futuro. Com a medicina que aprendi com o senhor, não vejo a hora de montar consultório num lugarzinho simples e viver tranqüilo cuidando dos meus pacientes. (VARELLA, 2005, p. 207-208)

Assim, as personagens do livro que deram origem a Sem Chance foram Edelso e Sem-

Chance. Edelso pode ser cons iderada a personagem dominante, pois foi a origem da história de

Sem Chance (ou, pelo menos, de toda história presente no livro pertencente a Sem Chance) e

Sem-Chance, a secundária, que deu origem à sua aparência física e seu nome.

2.5 Lady Di

Única personagem principal travesti na película, Lady Di pode ser considerado um

mosaico dos travestis presentes na obra literária.

Lady Di era um travesti delicado, que, freqüentemente, quando nervoso, era visto com as

mãos na boa, como se roesse unha. Quando sentava, cruzava a perna, como as mulheres

geralmente fazem. Tinha silicone nos seios.

Estas características podem ser vistas em duas personagens literárias, ambas travestis:

Raimundo da Silva, conhecido como Loreta, e Pérola Byington.

No início, com os travestis, meu problema era a identidade. Sentava-se frente à mesa um homem de seios; e gestos delicados em cuja ficha eu lia Raimundo da Silva, mas que todos chamavam de Loreta. (VARELLA, 2005, p. 155) A meu lado, um rapaz franzino de Sapopemba, conhecido como Pérola Byington, pernas cruzadas feito mulher e com a mão desmunhecada, roendo as unhas o tempo todo, fez o seguinte comentário: (VARELLA, 2005, p. 279)

Outro travesti com seios, chamado Sheila, deu origem a uma passagem de Lady Di no

filme. Ao se consultar com o Médico para descobrir se tinha o vírus do HIV, Lady Di confessou

haver tido por volta de 2 mil parceiros sexuais. Quando recebeu o resultado, ele descobre que não

está infectado.

157

LADY DI

Eu conheço essa missa, doutor. Nunca precisei de

transfusão de sangue e não boto nada na veia, droga pra mim é só

um baseadinho que eu fumo de vez em quando,

assim pra vê televisão e pra namorar.

MÉDICO

E parceiros, quantos?

LADY DI

Ah, uns 2000.

(…)

MÉDICO

É, Lady, acho mesmo que tá na hora

de você saber se tá doente.

(…)

LADY DI

Não! Positivo é justamente a maldita no sangue! Tem que dá

negativo. HIV-Negativo.

Vou abrir primeiro que o meu caso é mais pior mesmo.

LADY DI (CONT'D)

Tô limpa! Tô limpa!

O mesmo ocorre com Sheila na obra literária.

Seios enormes, blusa com no acima do umbigo, Sheila confessava na presença de testemunhas mais de mil parceiros sexuais na Casa de Detenção no decorrer do ano anterior a pesquisa. (…). Ela era HIV-negativa... (VARELLA, 2005, p. 65)

Embora nenhuma festa de casamento tenha sido mencionada na obra literária, como

ocorre na película, na qual Lady Di e Sem Chance se casam, há a menção de duas personagens

travestis que se apaixonam e têm um relacionamento amoroso com outros detentos. Elas são

Margô Suely e Leidi Dai.

Margô Suely recebeu regalias por sua exclusividade ao ladrão com quem se relacionava,

mas foi largado por ele depois de adquirir uma doença íntima.

158

Quando veio transferida para o Carandiru, conheceu um ladrão e se apaixonou. Ele foi franco com ela: - Se quiser ser minha, é o seguinte: só minha, entendeu? Te ponho num barraco, dou conforto, mas não vai tirar eu, não. Manter mulher de cadeia custa o olho da cara. Tirou eu, já era.. (VARELLA, 2005, p. 213)

O ladrão, então, o substituiu por Leidi Dai, que afirmava ter casado com o “ex-marido” de

Margô.

Chocada com a ousadia da intrusa, Margô ordenou: - Tira a minha meia já e sai da minha cama, sua vaca! - Que é isso? Casei com o teu ex-marido. Estou naonde que me pertence, bofe velha. (VARELLA, 2005, p. 215)

No entanto, não fica claro se este “casamento” é apenas uma espécie de contrato de

exclusividade. Nenhuma cerimônia é descrita no livro.

Como pôde-se perceber, não há personagem dominante de origem para Lady Di. Suas

características físicas podem ser vistas em Raimundo da Silva (Loreta) e em Sheila. Seu jeito de

ser, em Raimundo da Silva (Loreta) e Pérola Byington. E uma parte de sua história, de certa

forma, pode ter tido sua origem em Margô Suely e Leidi Dai. Já o nome da personagem teve

origem em Leidi Dai, com alteração ortográfica, passando a ser escrito como o nome da famosa

princesa britânica.

2.6 Nego Preto

No filme, Nego Preto era o chefe da Cozinha Geral, ele comandava os outros detentos que

ali trabalhavam e nenhuma decisão era tomada sem que fosse consultado.

NEGO PRETO

Ainda tá faltando a faca da minha cozinha! Quem pegô, vô dá

uma chance: ou devolve ou morre um preso por dia!

(…)

159

MÉDICO

Então o chefe da cozinha tá doente?!

NEGO PRETO

Doutor, quem tem chefe é índio.

Na obra literária, quem assumia o papel de comandante da Cozinha Geral era Seu Chico.

Embora ele trabalhasse na marcenaria, as decisões sobre a Cozinha Geral somente eram tomadas

após consultar- lhe.

A dinâmica dessas conversas secretas respeitava o ritual descrito nas consultas que a malandragem fazia ao ex-marinheiro: os encarregados da cozinha aguardavam de seu Chico a permissão para se aproximar, falavam em voz baixa, ouviam seus conselhos e retiravam-se. Estava claro que, da marcenaria, seu Chico comandava a Cozinha Geral. (VA RELLA, 2005, p. 222)

Nego Preto também é uma espécie de juiz das desavenças internas. É ele quem decide

coisas como negociação de dívida, escavação de túneis e autorização para matar alguém lá

dentro.

MÉDICO

Dorme bem?

NEGO PRETO

Difícil... a cabeça não pára. É um que qué acertá uma bronca

da rua, outro qué cobrá uma dívida, outro qué cavá um túnel... e

assim vai o dia inteiro.

MÉDICO

E o juiz aí ainda tem muita cadeia pra tirar?

NEGO PRETO

Tem mais uns anos.

(…)

NEGO PRETO

E essa dor?

MÉDICO

Olha Nego Preto, teu problema é stress, doença de executivo.

160

Na obra literária, a personagem Bolacha é uma das que tem essa função de “juiz” interno.

O estresse causado por essa responsabilidade de decidir o destino de alguém também é

compartilhado por Nego Preto e Bolacha.

Na enfermaria, atendi dois deles com sintomas visíveis de estresse, como se fossem altos executivos de multinacional ou, como prefere dizer o Bolacha, como se fossem juizes de direito: - Já acordo cheio de problema: é o cara que quer acertar uma bronca da rua, um que precisa matar o pilantra, cavar um túnel, cobrar divida, o outro que ouviu uma palavra mal colocada, e vai assim até a tranca. Precisa apaziguar tanta zica, doutor, que pareço pai de família, só acalmo de noite, depois que todos fora m para a cama. Na verdade, nas fases mais agitadas do pavilhão, nem na cama Bolacha tinha sossego: - No silêncio da noite, a mente trabalha solitária porque a decisão final é minha e dela depende a sorte de um ser humano. Sou o juiz do pavilhão. (VARELLA, 2005, p. 104)

Em uma dessas negociações sobre vida ou morte, Zico pede a Nego Preto que o autorize a

matar Ezequiel, que está em dívida com ele. Nego Preto, então, como bom juiz, tenta ponderar a

situação.

ZICO

Nego, tô com um problema prá gente debatê.

NEGO PRETO

O problema tem nome?

ZICO

Ezequiel. Diz que vai pagá, não paga e pede mais fiado. Chega

no meu barraco, sobe a vóis... Qualé?!

NEGO PRETO

E tu?

ZICO

Eu? Se não recebo, não tenho como pagar o Majestade. Nego,

quero permissão pra matá esse pilantra. Se eu deixo por isso mesmo,

perco o respeito co's companheiro.

NEGO PRETO

Calma. Vou mandá dizê ao Ezequiel que ele arrume o teu

dinheiro com a família. Se ele não pagar, aí você tá liberado.

161

Essa situação teve origem na história de Bolacha, um dos detentos que decidiam sobre o

que se podia ou não fazer no presídio. No livro, também é Zico quem pede autorização para

Bolacha.

Uma vez, Zico, com fama de bandidão na Vila Guaram, reconheceu a fisionomia de um recém-chegado no pavilhão Nove e foi conversar com o encarregado-geral, um negro de lábios grossos conhecido como Bolacha, ladrão de longa carreira: - Quero pedir licença para dar uma lição nesse pilantra. É estuprador, abusou da amiga da minha irmã, lá na vila! (VARELLA, 2005, p. 101)

As características físicas de Nego Preto, que era negro, provavelmente tiveram sua origem

em Bolacha e em sua personagem homônima, Nego-Preto (diferindo apenas pelo acréscimo do

hífen). A personagem literária também servia como um juiz interno e era respeitado pelos dema is

detentos.

Nesse momento, veio pela galeria um rapaz escuro e parou a um metro da rodinha. Sua aproximação foi precedida pelo silêncio dos outros: - Não acredito que vocês estão debatendo um problema desses na presença do médico. Onde nós estamos? A interferência dele acabou com a discussão. Um a um, os debatedores se dispersaram. No final do ambulatório mandei chamar o rapaz que acabou com a briga. Nego-Preto a seu dispor, disse ele. Pedi-lhe que interviesse para evitar violência contra o Arnaldo. Respo ndeu que eu podia ficar tranqüilo, a situação já estava resolvida. Depois disso, sempre aparecia para conversar, contava casos da cadeia e falava das preocupações com a família, principalmente com o filho mais velho, adolescente sem juízo, que não obedecia à mãe. (VARELLA, 2005, p. 252-253)

No fim do filme, pode-se ver o filho de Nego Preto aparecendo no Carandiru, agora como

detento, e encontrando seu pai. Esta seria uma conseqüência da preocupação sentida pela

personagem literária homônima.

Antes de ser preso, Nego Preto assaltava junto com seus comparsas Escovão e Gordo.

Após seu último assalto, que foi a uma joalheria em um shopping, Nego Preto seria preso devido

a uma desavença na hora da partilha dos bens.

MÉDICO

E cê entrou aqui por quê?

NEGO PRETO

Legítima defesa.

162

MÉDICO

Agora isso dá cadeia?

NEGO PRETO

No meu caso deu. Veja a minha história, doutor. Era natal,

sininho tocando, neve nas vitrine! Combinamo eu, o Escovão e o

Gordo de fazê uma joalheria num shopping. Foi um assalto bonito,

num demo um tiro. Problema foi depois...

O mesmo ocorre no livro, onde sua personagem homônima Nego-Preto é assaltante e

acaba preso após uma desavença na hora da divisão das jóias.

A prisão de Nego-Preto ocorreu após uma sucessão de acontecimentos a partir de um as salto a uma joalheria da Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo: (VARELLA, 2005, p. 253)

No momento da partilha, Escovão vai ao banheiro e, quando volta, está com uma mão

encoberta pelo paletó. Nego Preto desconfia que ele esconde uma arma na mão e o mata. Gordo,

então saca sua arma e a aponta para Nego Preto. Ele revela que havia planejado com Escovão

matá- lo para ficarem com a parte dele da partilha. Porém, Gordo não tem coragem de matá- lo. No

entanto, quando Nego Preto vai verificar a mão de Escovão, percebe que ele estava desarmado.

NEGO PRETO

Seu vacilão de merda! No meio da partilha

tu me aparece de mão coberta?!

NEGO PRETO

(CONT'D)

Ele morreu por culpa dele.

NEGO PRETO

(CONT'D)

Que porra é essa?

GORDO

Tu matô ele no afobo mesmo... mas o combinado

era eu te acertá, pra nóis ficá com a tua parte.

NEGO PRETO

Então atira...

(pausa)

163

...atira logo!

GORDO

Num consigo, porra.

NEGO PRETO

Me dá teu ferro.

(…)

NEGO PRETO

Pô doutor, traição por crocodilage é a coisa mais feia. É um

Judas que age assim, é a pessoa que guspiu na cara de Jesus!

No livro, esta passagem provavelmente teve sua origem em uma mistura de situações

vividas por duas personagens: Nego-Preto e Valente.

Como mencionado, Nego-Preto, personagem literária, era assaltante e havia feito um

roubo a uma joalheria. Quando ele foi fazer a divisão das jóias com seus comparsas, Escovão e

Marlon, percebeu que Escovão levava a mão no revólver. Acreditando que Escovão estava com a

intenção de matá-lo, rapidamente, atira nele. Marlon, então, revela que o plano era matar Nego-

Preto para dividirem as jóias entre eles dois.

No barraco, mal começou a partilha, Nego-Preto teve uma surpresa desagradável: - Nesse intuito, que eu estou de cabisbaixo, olho de esguelha e, quem diria, ó, o Escovão está com a mão no revólver do cinto! Só que estava meio desesperado, olhando para a direita e para esquerda, onde que eu se aproveitei deste pequeno descuido e sapequei ele. Questão de sobrevivência, se não sapeco, sapecado seria eu. Foram três tiros. Escovão não teve tempo para revidar; do jeito que estava, ficou. Imediatamente, Nego-Preto voltou a arma para o peito de Marlon: - Ele podia estar de piolhagem com o Escovão ou, então, tomar a liberdade de discordar da minha atitude. Nem uma, nem outra; Marlon permaneceu estático, com os olhos assustados. Então, Nego-Preto quis saber: - Por que você ficou quietinho enquanto eu dei os tiros nele? - Porque ele já tinha me ligado, que ia te matar para dividir a parte de você. A resposta deixou Nego-Preto perplexo: - Pô, você sabia que o cara ia apertar eu e ficar com todo esses baratos aí, sendo que nos três estamos igual na fita e se um vai para a cadeia os outros dois vão junto! Você podia ter evitado este acontecimento lastimável, ter dialogado com ele para ele não tomar uma atitude feia dessas. (VARELLA, 2005, p. 253-254)

164

Embora todo o resto da história sobre o assalto tenha mais relação com Nego-Preto, esta

passagem em especial sobre a divisão do que roubaram na joalheria teve origem em situação

vivida pela personagem literária Valente. A descrição do ocorrido é bem mais semelhante à

situação vivida por Valente.

Valente conta que sua sétima vítima foi assassinada em uma partilha após um assalto. Um

de seus comparsas resolveu ir ao banheiro e voltou com a mão encoberta por uma jaqueta. Neste

caso, tratava-se de dinheiro e não de jóias.

A sétima ocorreu na divisão de 30 mil dólares roubados em companhia de dois parceiros. Estavam repartindo o dinheiro quando um deles teve a má idéia de ir ao banheiro: - Fiquei esperto, porque olho de ladrão cresce mais do que devia. Quando o comparsa saiu do banheiro, trazia a jaqueta de couro no braço, cobrindo parcialmente a mão direita. Valente não hesitou: - Catei o revólver da mesa e dei três tiros nele. Desperdício, o primeiro acertou bem no meio das vistas. O outro companheiro se assustou: - Você está louco, matou o cara! - Ele ia atirar em mim. Foram até o corpo, levantaram a jaqueta e verificaram que o morto não tinha nada nas mãos, o revólver permanecia na cinta. Paciência, o amigo consolou: - Morreu por culpa dele próprio: a mesa cheia de dinheiro e ele aparece assim, por detrás, ainda com a mão encoberta! Infelizmente, ele vacilou. (VARELLA, 2005, p. 276)

No final do filme, quando a polícia invade o Carandiru, Nego Preto e seu filho estão

abraçados, em sua cela. Quando um soldado entra em sua cela, eles estão sentados na cama e

assustados. O soldado não os mata, mas arranca uma correntinha que Nego Preto tem no pescoço,

como punição pelos roubos que ele havia cometido.

SOLDADO 4

(arrancando uma correntinha de ouro de Nego Preto)

Aí ladrão, vê se é bom fazê isso com os outro...

Esta parte da história de Nego Preto tem origem na história de Chico Heliópolis, no livro:

sua correntinha de ouro é roubada por um policial dentro do presídio, durante a invasão que

culminou no massacre.

165

Quietinho, preocupado apenas em preservar a vida, Chico Heliópolis, ladrão da favela de mesmo nome, perdeu corrente de ouro e a santa protetora que ganhou da madrinha na primeira comunhão: - O PM abaixou do meu lado: vê se é bom fazer isso com os outros, seu vagabundo, e arrancou a correntinha do meu pescoço. (VARELLA, 2005, p. 292)

Portanto, pode-se notar várias origens para a história de Nego Preto. Seu Chico, Nego-

Preto, Bolacha, Chico Heliópolis e Valente contribuíram para a história da personagem

cinematográfica. As características físicas originaram de Nego-Preto e Bolacha, e as psicológicas,

somente de Bolacha. Assim, temos Nego-Preto como personagem dominante, Bolacha como

secundária e Seu Chico, Chico Heliópolis e Valente como personagens de apoio.

2.7 Seu Chico

Quase nada se sabe sobre o passado de Seu Chico. É, provavelmente, a personagem que

menos conversa com o Médico sobre sua vida, embora demonstre ser um senhor sábio. Vive

isolado dos demais detentos e usa isso como estratégia de sobrevivência dentro do presídio.

Nunca recebe visitas.

MÉDICO

Seu Chico, e o senhor tá aqui por quê?

SEU CHICO

Doutor, o senhor querer ouvir outra mentira? Aqui dentro

ninguém é culpado. O senhor ainda não percebeu isso?

MÉDICO

E ainda fica muito por aqui?

SEU CHICO

Já passei da idade de ganhá a liberdade, mas tô na mão do juiz.

Ah, doutor, não vejo a hora... A melhor coisa na cadeia é sair dela!

MÉDICO

E deixar os amigos, Seu Chico?

SEU CHICO

Amigos? Eu não quero amigo preso!

166

SEU CHICO

Eu acabo essa conversa com o senhor, fecho a porta e pronto.

Aqui dentro a gente tem que andá é sozinho.

No máximo , acompanhado de Deus.

Na obra literária, a personagem Seu Jeremias é a que deu origem a esta maneira de se

comportar de Seu Chico. Ele é conhecido no presídio por estar lá já há muitos anos, mas usa a

solidão como estratégia de sobrevivência. Seu Jeremias também não gosta de falar sobre seu

passado.

Seu Jeremias é daqueles homens que jogaram uma pá de cal sobre o passado. Nunca tive coragem de perguntar-lhe a respeito da vida no crime; ele tampouco deu tal liberdade. (VARELLA, 2005, p. 244) Para ele, solidão é estratégia de sobrevivência: - Posso morrer de doença, mas assassinado na cadeia, não. Acabo a conversa com o senhor, vou direto para o xadrez e fecho a porta. Não confio em ninguém e não tenho amigo nenhum; amigo preso, eu não quero; que é isso! Muitos me conhecem, estou aqui há tantos anos; opa, opa, vou passando. Na cadeia, tem que andar sozinho, e Deus. Isto aqui, é pisar em casca de ovo! (VARELLA, 2005, p. 245)

Seu Chico era pai de 18 filhos, mas nenhum ia visitá- lo. Até que, um dia, recebe um

telefonema de uma de suas filhas, ela diz que quer visitá- lo, pois não se lembra mais de seu rosto.

SEU PIRES

Eu não sabia que cê tinha família, velho.

SEU CHICO

Eu achava também que tinha perdido ela. Todo uma vida

preso, mesmo assim eu criei dezoito filho e nenhum deles pisô

numa delegacia. Essa menina é minha caçula. Ela disse que não

se lembra mais do meu rosto e decidiu vim me visitá.

Eu queria que o senhor autorizasse eu encontrá co'ela fora do

dia da visita . Não quero filho meu no meio da malandragem...

SEU PIRES

Assim, o senhor me complica.

E se os outros sete mil me pedem a mesma coisa?

167

Na obra literária, é sua personagem homônima que vive a situação de haver sido

abandonado pela mulher e sente falta dos filhos, mas não os quer ver ligados ao crime.

Foi abandonado pela mulher, ingrata, filha de família que não presta, responsável pela entrada dele no mundo do crime, segundo sua opinião. Cumpre quinze anos de uma pena de 44. Sofre saudades dos filhos mas se conforma, acha até bom não virem para não freqüentar o ambiente da cadeia. (VARELLA, 2005, p. 217)

No entanto, é Seu Jeremias que tem dezoito filhos na obra literária.

Seu Jeremias fugiu da seca na Bahia nos anos 40 e desembarcou na Estação da Luz, recém-casado; ela com um lencinho na cabeça, morta de frio, e ele com os pertences do casal na mala de papelão. Tiveram dezoito filhos, que lhes deram 32 netos e sete bisnetos. (VARELLA, 2005, p. 243)

Um dia, Seu Chico agride um dos carcereiros, após haver esperado a visita dos filhos, que

não apareceram. Ele, então, é levado para solitária, onde passa 30 dias. Ao sair, recebe a visita do

Médico.

SEU CHICO

Precis a não, doutor. Tantos ano preso, a mente aprende a

dominá o corpo.

Seu Jeremias, personagem literária, é quem compartilha deste episódio com Seu Chico.

Também pode-se perceber, que as características físicas de Seu Chico (negro e idoso) têm origem

em Seu Jeremias.

Seu Jeremias desentendeu-se com um funcionário e pegou trinta dias na Isolada. Fui visitá-lo com o Waldemar Gonçalves. Pelo guichê da cela escura, mal pude discernir suas feições de negro velho e a carapinha grisalha. Quando saiu, veio agradecer a visita. Estava magro e tinha os olhos tristes. Sua figura, no entanto, transmitia uma força de caráter que lembrava meu pai. - Para quem passou um mês na tranca brava, o senhor até que está bem. - Tantos anos preso, doutor, a mente aprende a dominar o corpo. (VARELLA, 2005, p. 243)

Sendo assim, pode-se encontrar as origens da personagem Seu Chico em sua personagem

homônima e em Seu Jeremias. Como personagem dominante, tem-se Seu Jeremias e, como

secundária, Seu Chico, que também deu origem ao nome da personagem cinematográfica.

168

2.8 Ezequiel

Ezequiel era apaixonado por surfe e viciado em crack. Era um jovem adulto, magro,

negro, com cabelos descoloridos.

As características físicas de Ezequiel provavelmente tiveram origem em Sarará, única

personagem negra com cabelos loiros.

Uma vez tentei reunir alguns líderes da malandragem para lhes propor a adoção de tal medida. Fui desanimado pelo Sarará, um negro loiro com muitas passagens pela Casa: - Não tem chance de dar certo, doutor. O viciado fica devendo 20 reais e entrega a televisão por esse preço. Dá muito lucro. (VARELLA, 2005, p. 139)

Por conta do vício, vive em dívida no Carandiru. Como quase nada lhe restou, tenta

comprar drogas fiado de Zico, com quem já tem dívida.

ZICO

Como é que é? Veio acertá tua dívida?

EZEQUIEL

Pô, mano, no momento, Ezequiel tá meio prejudicado. Aí ele

pensô: "pô, o Zico é chegado, vai aceitá a prancha de garantia pela

dívida". Aí, o Ezequiel pode fiar mais uma pedrinha de crack.

ZICO

Pensô errado.

(…)

Paga o que tu deve!

Com a morte de Zico, esfaqueado por vários detentos, Majestade procura Ezequiel, que

era devedor de Zico, para que ele assumisse a culpa. Majestade lhe faz uma proposta que lhe foi

irrecusável: uma cela só para ele, com roupa lavada e drogas para consumir. Ezequiel logo se

desinteressa pela liberdade que viria em dois anos, pois estava com AIDS e sem dinheiro.

MAJESTADE

Ô Ezequiel, tu não acha que aquele sem vergonha do Zico

é o culpado pela tua desgraça?

169

EZEQUIEL

Acho, mas a vida do Ezequiel sempre foi cheia de desgraça.

MAJESTADE

E não foi o Zico que fez o Ezequiel oferecê a irmã

pra pagá droga?

EZEQUIEL

Foi. Fazê o quê?

MAJESTADE

(mostrando a faca)

Parece esquecido. Tu já fez. Ezequiel furô o Zico.

Mais de trinta furo.

EZEQUIEL

Ô Majestade, só falta dois ano pro Ezequiel saí.

Se eu fizé isso, vou amarrá vinte.

MAJESTADE

Dois anos, vinte anos. Que diferença faz pro Ezequiel?

Tá com AIDS. Pelo menos, tu vai tê uma cela só pra ti,

roupa lavada e, é claro, pedra pra fumá.

No livro, Alfinete é quem assume a culpa por um assassinato cometido por seis detentos,

no qual não estava envolvido, para saldar sua dívida com um traficante. Enquanto, no filme,

Ezequiel devia para Zico, que foi assassinado, no livro, Alfinete assume a culpa por um

assassinato cometido pelo seu credor e mais outros detentos. Ele também recebeu privilégios por

isso.

No pavilhão, usuário contumaz, consumiu 60 reais além de suas posses. Um dia, o credor chamou-o no xadrez: - Alfinete, já faz uns dias que você me deve. Vai pagar quando? - Neste momento, estou justamente sem condições, devido que a minha mãe não veio na visita, porque se encontra no hospital com a minha irmã que tomou um tiro no peito, na mesma fita em que o meu cunhado foi chacinado... O outro o interrompeu: - Alfinete, é o seguinte: no final da tarde, vai aparecer um finado na rua Dez do quarto andar. Você desce para a Carceragem e se apresenta. Diz que o cara ofendeu a senhora tua mãe que está no hospital, cuidando da filha viúva. Alfinete assumiu a autoria do crime, na verdade cometido por seis detentos...

(…) - Para mim não faltava nada, que os companheiros levavam comida, baseado para fumar e até pinga para criar coragem de encarar a quentinha. (VARELLA, 2005, p. 149)

170

Ezequiel, personagem cinematográfica, teve em Sarará a origem de suas características

físicas. Sua história é compartilhada por Alfinete no livro e seu nome vem da personagem

Ezequiel dos Santos, que não contribui com nada além do nome. Portanto, tem-se Alfinete como

personagem dominante e Sarará como personagem de apoio.

2.9 Peixeira

O matador de aluguel Peixeira é, das personagens principais, provavelmente, a com

menos correspondência na obra literária. Não há personagem com mesmo nome ou nome similar

e nem semelhança física. Também não é mencionado nenhum assassino profissional.

No entanto, a parte mais comovente da história de Peixeira teve origem na personagem

literária Valente. Peixeira, um dia, começa a duvidar de sua vida como matador de aluguel e

começa a sentir remorso por suas vítimas. Em um dia de chuva, desorientado, sai ao pátio, onde

avista uma pequena igreja evangélica. Ele se aproxima, confuso, e chega à igreja no meio do

culto. O pastor percebe o recém-chegado e lhe convida a aceitar a vida religiosa para si.

Chorando, ele se ajoelha e concorda.

PASTOR

(para Peixeira)

Entra, irmão. Entra. Vem. Você sabia que o Senhor

tem um plano pra você? Essa é a tua casa.

PASTOR (CONT'D)

Você está perdido, irmão. Você não sabe,

mas foi Ele quem te trouxe aqui.

PEIXEIRA

Ele quem, pastor?

PASTOR

Jesus!

PASTOR (CONT'D)

Ele sabe que você não dorme se não faz um mal a alguém,

que você perde o sono quando não consegue fazer alguém

tropeçar. Não tem sido assim todo os dias, irmão?

171

Vamos, não tem sido assim todos os seus dias?

PEIXEIRA

Foi, pastor. Foi sim. Tem tanto sangue comigo, pastor.

PASTOR

Vamos, irmão, dobra o joelho. Vamos, d obre o joelho.

Você quer aceitar Jesus? Vamos! Você quer aceitar Jesus?

Você quer aceitar Jesus? Vamos, irmão!

Você quer aceitar Jesus? Quem aqui já aceitou Jesus?

TODA A AUDIÊNCIA

Eu!

PASTOR (CONT'D)

Aleluia, senhor! Aleluia!

TODA A AUDIÊNCIA

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

PEIXEIRA

Aleluia, senhor.

Na obra literária, Valente chega até a igreja para se abrigar da chuva e, ao ouvir o culto,

resolveu entrar. Sentiu que ouvia palavras divinas e se arrependeu de seus crimes.

Então, veio um dia de chuva. Para se abrigar, ele encostou na parede junto à igreja, no térreo do Nove e, sem querer, ouviu a pregação do pastor: - A Bíblia diz em Isaías capítulo 9, verso 6, que Jesus Cristo é o Conselheiro, é o Deus forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz. Você que vive na vida errada, Deus tem um plano para você. Venha hoje para Jesus, que amanhã pode ser tarde. Não importa se é bandido, quantos matou, Jesus Cristo faz questão de perdoar você com todos os teus pecados, te tirar das trevas e operar uma obra na sua vida. Valente chegou um pouco para dentro. Sentiu que o Espírito Santo de Deus falava pela boca do pastor: - Quem quer aceitar Jesus? Quem quer levanta a mão! As veias do pescoço do pregador saltaram e os olhos cuspiram fogo. Valente achou que a fisionomia estava desfigurada pelo Espírito Santo de Nosso Senhor. Sentiu um punhal frio penetrar-lhe a carne. Levantou o braço: - Dobra o joelho, irmão! Valente obedeceu e caiu no choro: -Arrependi dos crimes, da raparigagem e das maldades. Chorei feito nenê no colo da mãe. Quando levantou, estava desanuviado. Sentiu o perdão do Senhor pousar em sua fronte. (VARELLA, 2005, p. 277-278)

A única origem da personagem Peixeira é Valente, embora as características físicas e

psicológicas e nem toda a história de Valente tenha dado origem a Peixeira, nenhuma outra

172

personagem teve algo em comum que pudesse ser identificado como sua origem. Também não

houve origem para seu nome na obra literária.

2.10 Médico

O Médico, que não tem nome e é identificado simplesmente como Médico na obra

cinematográfica, chega à Casa de Detenção de São Paulo para tratar os detentos e alertá-los sobre

o perigo da AIDS. O Médico, chamado de doutor pelos detentos e pelos funcionários, atende em

um consultório improvisado, onde colhe sangue para os testes de HIV com a ajuda de dois

detentos. Sem Chance é seu enfermeiro e Lula faz pequenas operações.

Ao chegar ao presídio, Seu Pires, o diretor, lhe mostra o local e expõe a situação do

presídio, enquanto o Médico lhe explica qual trabalho planeja fazer.

MÉDICO Seu Pires, esse pessoal faz o quê o dia todo aqui?

SEU PIRES Esses aí ficam zanzando o dia inteiro.

Acham que estão ocupados, mas não vão a lugar nenhum. Doutor, são sete mil homens na cadeia.

Só aqui neste pavilhão são 1800. MÉDICO

Seu Pires, se eles entenderem como é que se pega AIDS pra mim já é um adianto. Eles pegam a doença é aqui dentro, depois

transam com a mulher, namorada... daí a epidemia não pára mais. SEU PIRES

Quem vai ouvir seus conselhos, doutor, é o malandro de verdade. Aquele que quer sair inteiro daqui, pra assaltar de

novo lá fora. Essa é a vida dele. MÉDICO

Que seja. Mas agora eles estão é vivendo n o foco da doença, Seu Pires. Estão presos aqui.

SEU PIRES Presos? São os donos da cadeia, doutor. Isso aqui só não

explode por que eles não querem.

Na obra literária, o narrador é quem vai até o presídio conhecido como Carandiru para

tratar e alertar os detentos sobre a AIDS, que se encontrava em fase de pré-epidemia na Casa.

173

Uma manhã de inverno, subi até o quinto andar do pavilhão Quatro para acertar os detalhes com o dr. Mário Mustaro, o chefe do serviço médico da Casa, por coincidência meu ex-professor de bioquímica na faculdade. Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro... (VARELLA, 2005, p.80)

Em um determinado momento, no filme, o Médico se encontra em uma situação delicada:

o porteiro noturno não o reconhece e ele fica apreensivo com a possibilidade de ter de passar a

noite dentro do Carandiru.

PORTEIRO NOTURNO

Quem é você? MÉDICO

Sou o médico, tava na enfermaria coletando sangue, pode perguntar aí...

PORTEIRO NOTURNO Epa! Querer dizer pra quem eu tenho que perguntar.

Eu vou ligar lá no plantão. Espera aí. Se ninguém te conhecer, cê fica aí, hein, malandro.

(…)

PORTEIRO NOTURNO

Não me leva a mal, doutor. A cara deles é fugir e a minha é não deixar.

Esta mesma situação é vivida pelo narrador na obra literária. Em ambas as obras, o mal-

entendido é desfeito e ele é liberado para sair do presídio.

Saí do pavilhão, cruzei a Divinéia e bati no portão que leva à portaria. Através da janelinha, o porteiro da noite me mediu de alto a baixo. - Quem é você? - Sou médico, estava atendendo no Quatro. Encarou-me outra vez, demoradamente, depois abaixou o olhar na direção da minha calça: - É o seguinte: eu vou falar com o plantão, e se ninguém te conhecer, você fica. - Sou médico, pode perguntar para o funcionário que me abriu a gaiola do Quatro. - Não é você que vai me dizer para quem eu devo perguntar. Espera aí. Desconfiado, olhou fixo nos meus olhos e saiu sem pressa na direção da Ratoeira. (…) No final dei sorte, o porteiro voltou com um funcionário que me conhecia e se desculpou: - Não leva a mal, doutor, são 7 mil aí dentro. A minha cara é desconfiar! (VARELLA, 2005, p. 88-89)

174

No final do filme, após o massacre, o Médico relata sua experiência com os detentos,

vistos, por ele, simplesmente como seres humanos que precisam de atendimento médico. Ele

deixa claro que seu papel ali não era julgar.

MÉDICO (OFF) No final dos anos 80, um trabalho de prevenção à AIDS entre a

população carcerária me levou à Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru.

MÉDICO (OFF)

Ali dentro, ouvi estórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e, na convivência, penetrei alguns mistérios da vida

no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico.

Curiosamente, este mesmo relato é feito pelo narrador (Drauzio Varella) no começo do

livro, na Introdução, e em um capítulo da primeira parte da obra literária (o livro foi dividido em

três partes, separadas pelas fotos). Porém, pode-se perceber que a informação passada é a mesma,

apesar de feita em momento diferente.

Duas semanas depois, procurei o dr. Manoel Schechtman, responsável pelo departamento médico do sistema prisional, e me ofereci para fazer um trabalho voluntário de prevenção à AIDS. (…) O trabalho começou em 1989 e dura até hoje. (…) fizemos pesquisas epidemiológicas sobre a prevalência do HIV, organizamos palestras, gravamos vídeos, editamos a revista em quadrinhos O Vira Lata (…), e atendi doentes. Com os anos, ganhei confiança e pude andar com liberdade pela cadeia. Ouvi histórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e muitas outras coisas. Na convivência, penetrei alguns mistérios da vida no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico. (VARELLA, 2005, p. 9-10)

A última fala do filme, que também é do Médico, faz menção à sua sensação ao ouvir o

barulho do portão de entrada, que lhe trazia lembranças dos filmes de prisão.

MÉDICO (OFF) Ainda hoje, quando o portão de ferro bate às minhas costas,

sinto um aperto na garganta, igual ao daquelas matinês no Cine Rialto, onde eu assistia eletrizado os

filmes de cadeia em branco e preto.

175

A forma como a obra cinematográfica é terminada é igual a como a obra literária começa:

o Médico/Narrador remetendo-se aos filmes de cadeia da infância. Tem-se uma inversão total: a

última informação do filme tem origem na primeira informação do livro.

Quando eu era pequeno, assistia eletrizado àqueles filmes de cadeia em branco e preto. Os prisioneiros vestiam uniforme e planejavam fugas de tirar o fôlego na cadeira do cinema. Em 1989, vinte anos depois de formado médico cancerologista, fui gravar um vídeo sobre AIDS na enfermaria da Penitenciária do Estado, construção projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo nos anos 20, no complexo do Carandiru, em São Paulo. Quando entrei e a porta pesada bateu atrás de mim, senti um aperto na garganta igual ao das matinês do cine Rialto, no Brás. (VARELLA, 2005, p.9)

Como no livro Drauzio Varella se coloca no papel de narrador, ao invés de uma

personagem fictícia, uma vez que se trata de um relato de sua experiência e não de uma obra de

ficção, pode-se encontrar a origem do Médico, personagem cinematográfica, no próp rio Drauzio ,

ao relatar sua vivência na Casa de Detenção de São Paulo. Portanto, tem-se o Narrador (Drauzio

Varella) como personagem dominante e única de origem do Médico.

176

Por fim, pode-se sintetizar estes dados da seguinte maneira:

TABELA 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

Personagem Características

físicas

Características

psicológicas História

Personagens

de origem

Deusdete

Aparência de

aproximadamente

20 anos, branco,

magro, tem

cabelos curtos e

negros.

Recluso e tímido,

resiste em se

envolver com os

demais detentos e,

freqüentemente,

aparece lendo na

cela.

Jovem da periferia,

que luta para não

entrar na vida de

crimes. É preso

após assassinar os

agressores da irmã

Francineide. Na

prisão, encontra o

amigo de infância

Zico, que acaba

assassinando-o

com uma panela de

água fervente.

Deusdete,

Gersinho.

Zico

Aparência de no

máximo 30 anos,

branco, tem

cabelos curtos,

geralmente

ocultos por uma

touca de meia de

seda.

Inquieto e

hiperativo, devido

ao constante

consumo de crack.

Inseguro,

demonstra-se

piedoso com um

devedor.

Criado pela mãe de

Deusdete, se

envolveu com o

crime cedo.

Viciado em crack,

que o leva a matar

o amigo de infância

durante uma

alucinação. É

morto a facadas por

vários presos.

Zico, Mané

de Baixo,

Juscelino,

Ôrra Meu.

177

Majestade

Aparência de 40

e poucos anos,

negro, de cabelos

curtos e um

pouco acima do

peso.

Malandro com

gingado,

orgulhoso de seu

poder e por

desfrutar do amor

de suas duas

mulheres.

Carismático,

sempre conta

vantagem em suas

histórias.

Conhece sua

primeira mulher,

Dalva, numa

partida de futebol,

onde o noivo dela

joga. Foge com ela

e a pede em

casamento, mas

seus pais não

aceitam por ele ser

negro. Casado com

Dalva, conhece

Rosirene, uma

prostituta, com

quem também

constitui família.

Majestade,

Kenedi

Baptista dos

Santos,

conhecido

como Zé da

Casa Verde,

Charuto.

Sem Chance

Aparência de 30

e poucos anos,

branco, magro,

baixinho, tem

cabelos curtos e

encaracolados.

Uma espécie de

“filósofo”, é um

detento escolado,

de boa

argumentação e

sonhador.

Ajudante do

Médico na

enfermaria, que se

encanta pelo

travesti Lady Di,

com quem se

“casa” dentro do

presídio. Sonha em

abrir o próprio

consultório médico

quando ganhar sua

liberdade.

Sem-Chance,

Edelso.

178

Lady Di

Aparência de 20

e poucos anos,

branco, travesti,

alto, de cabelos

negros em estilo

chanel e de

presença

marcante.

Sonhador e

delicado. Sua

carência se

demonstrava pelos

vários

relacionamentos

que teve.

Realizou-se

quando encontrou

o amor.

Travesti que teve

mais de 2 mil

parceiros, tinha

problemas com

seus pais, que não

aceitavam a vida

que escolheu. No

Carandiru, se

“casa” com Sem

Chance.

Sheila, Leidi

Dai,

Raimundo

da Silva,

conhecido

como Loreta,

Pérola

Byington,

Margô Suely.

Nego Preto

Aparência de 50

e poucos anos,

negro, de

bigodes, de

cabelos curtos e

negros.

Um líder,

assumindo papel

de juiz interno. É,

antes de tudo, um

pacificador,

desenvolvendo,

por conta disso,

estresse.

Traído pelos

comparsas, foi

preso por

assassinato e se

tornou o chefe da

Cozinha Geral no

Carandiru. Tudo

que ocorre lá

dentro deve passar

por ele e deve ter

sua autorização.

Nego-Preto,

Bolacha, Seu

Chico, Chico

Heliópolis,

Valente.

179

Seu Chico

Aparência de

aproximadamente

60 anos, negro,

tem cabelos

curtos e

encaracolados,

acima do peso.

Calmo e

reservado, era um

senhor triste e

solitário pela

distância da

família, que não o

visitava.

Apaixonado por

balões, é pai de 18

filhos, mas nenhum

vai visitá- lo. Já

cumpriu parte da

sentença e está na

dependência do

juiz dar sua

liberdade. Vive

isolado dos demais

detentos.

Seu Chico,

Seu Jeremias.

Ezequiel

Aparência de 20

e poucos anos,

negro, magro,

tem cabelos

curtos

descoloridos.

Tem AIDS.

Ingênuo e

submisso, vive à

mercê dos outros

detentos por conta

de seu vício de

crack.

Por conta de uma

dívida, quase acaba

morto. Sem

perspectiva por

conta da doença e

para ganhar

privilégios, acaba

assumindo a

autoria de um

assassinato que não

cometeu.

Ezequiel dos

Santos,

Alfinete,

Sarará.

180

Peixeira

Aparência de 30

e poucos anos,

forte, com corpo

malhado e

tatuado. Careca,

geralmente, usa

touca de lã.

Assassino

destemido e frio.

Tem uma

reviravolta no

presídio, passando

a se sentir culpado

pelos crimes,

chegando a se

converter ao

evangelismo.

Matador de

aluguel, encontra o

filho de uma de

suas vítimas que

quer vingança no

presídio. Depois de

não conseguir

matar um detento,

começa a se sentir

culpado pelas

outras mortes. No

fim, acaba entrando

em uma igreja

evangélica dentro

do Carandiru e se

converte.

Valente

Médico

Aparência de 40

e poucos anos,

branco, de

cabelos castanhos

e curtos, magro.

Calmo e paciente,

é preocupado com

o bem-estar dos

pacientes

independente dos

crimes que

haviam cometido.

Médico que foi ao

presídio para tratar

os detentos e tomar

providências contra

a pré-epidemia de

AIDS. Ganhou a

confiança dos

detentos, que lhe

contavam suas

histórias e lhe

pediam conselhos.

Narrador

(Drauzio

Varella)

181

Esta tabela pode ser subdividida em quatro partes, de acordo com os seguintes critérios:

1. Origem das personagens pelas características físicas;

TABELA 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS

Personagem Características físicas Personagem de origem

Deusdete Aparência de aproximadamente 20 anos,

branco, magro, tem cabelos curtos e negros. Gersinho

Zico

Aparência de no máximo 30 anos, branco,

tem cabelos curtos, geralmente ocultos por

uma touca de meia de seda.

-

Majestade Aparência de 40 e poucos anos, negro, de

cabelos curtos e um pouco acima do peso.

Charuto e Kenedi

Baptista dos Santos,

conhecido como Zé da

Casa Verde.

Sem Chance

Aparência de 30 e poucos anos, branco,

magro, baixinho, tem cabelos curtos e

encaracolados.

Sem-Chance

Lady Di

Aparência de 20 e poucos anos, branco,

travesti, alto, de cabelos negros em estilo

chanel e de presença marcante.

Sheila e Raimundo da

Silva, conhecido como

Loreta.

Nego Preto Aparência de 50 e poucos anos, negro, de

bigodes, de cabelos curtos e negros. Negro-Preto e Bolacha.

Seu Chico

Aparência de aproximadamente 60 anos,

negro, tem cabelos curtos e encaracolados,

acima do peso.

Seu Jeremias

Ezequiel

Aparência de 20 e poucos anos, negro,

magro, tem cabelos curtos descoloridos.

Tem AIDS.

Sarará

182

Peixeira

Aparência de 30 e poucos anos, forte, com

corpo malhado e tatuado. Careca,

geralmente, usa touca de lã.

-

Médico Aparência de 40 e poucos anos, branco, de

cabelos castanhos e curtos, magro. -

2. Origem das personagens pelas características psicológicas;

TABELA 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS

CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS

Personagem Características psicológicas Personagens de origem

Deusdete

Recluso e tímido, resiste em se envolver

com os demais detentos e, freqüentemente,

aparece lendo na cela.

-

Zico

Inquieto e hiperativo, devido ao constante

consumo de crack. Inseguro, demonstra-se

piedoso com um devedor.

Mané de Baixo

Majestade

Malandro com gingado, orgulhoso de seu

poder e por desfrutar do amor de suas duas

mulheres. Carismático, sempre conta

vantagem em suas histórias.

Kenedi Baptista dos

Santos, conhecido como

Zé da Casa Verde e

Charuto

Sem Chance Uma espécie de “filósofo”, é um detento

escolado, de boa argumentação e sonhador. -

Lady Di

Sonhador e delicado. Sua carência se

demonstrava pelos vários relacionamentos

que teve. Realizou-se quando encontrou o

amor.

Pérola Byington e

Raimundo da Silva,

conhecido como Loreta.

183

Nego Preto

Um líder, assumindo papel de juiz interno.

É, antes de tudo, um pacificador,

desenvolvendo, por conta disso, estresse.

Bolacha

Seu Chico

Calmo e reservado, era um senhor triste e

solitário pela distância da família, que não o

visitava.

Seu Jeremias

Ezequiel

Ingênuo e submisso, vive à mercê dos

outros detentos por conta de seu vício de

crack.

Alfinete

Peixeira

Assassino destemido e frio. Tem uma

reviravolta no presídio, passando a se sentir

culpado pelos crimes, chegando a se

converter ao evangelismo.

Valente

Médico

Calmo e paciente, é preocupado com o bem-

estar dos pacientes independente dos crimes

que haviam cometido.

Narrador

3. Origem das personagens por suas histórias.

TABELA 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

PELA HISTÓRIA

Personagem História Personagens de origem

Deusdete

Jovem da periferia, que luta para não entrar

na vida de crimes. É preso após assassinar

os agressores da irmã Francineide. Na

prisão, encontra o amigo de infância Zico,

que acaba assassinando-o com uma panela

de água fervente.

Deusdete

184

Zico

Criado pela mãe de Deusdete, se envolveu

com o crime cedo. Viciado em crack, que o

leva a matar o amigo de infância durante

uma alucinação. É morto a facadas por

vários presos.

Zico, Mané de Baixo,

Juscelino e Ôrra Meu.

Majestade

Conhece sua primeira mulher, Dalva, numa

partida de futebol, onde o noivo dela joga.

Foge com ela e a pede em casamento, mas

seus pais não aceitam por ele ser negro.

Casado com Dalva, conhece Rosirene, uma

prostituta, com quem também constitui

família.

Kenedi Baptista dos

Santos, conhecido como

Zé da Casa Verde e

Charuto.

Sem Chance

Ajudante do Médico na enfermaria, que se

encanta pelo travesti Lady Di, com quem se

“casa” dentro do presídio. Sonha em abrir o

próprio consultório médico quando ganhar

sua liberdade.

Sem-Chance e Edelso.

Lady Di

Travesti que teve mais de 2 mil parceiros,

tinha problemas com seus pais, que não

aceitavam a vida que escolheu. No

Carandiru, se “casa” com Sem Chance.

Leidi Dai, Sheila e

Margô Suely.

Nego Preto

Traído pelos comparsas, foi preso por

assassinato e se tornou o chefe da Cozinha

Geral no Carandiru. Tudo que ocorre lá

dentro deve passar por ele e deve ter sua

autorização.

Nego-Preto, Seu Chico,

Bolacha, Valente e Chico

Heliópolis.

Seu Chico

Apaixonado por balões, é pai de 18 filhos,

mas nenhum vai visitá-lo. Já cumpriu parte

da sentença e está na dependência do juiz

dar sua liberdade. Vive isolado dos demais

detentos.

Seu Chico e Seu

Jeremias.

185

Ezequiel

Por conta de uma dívida, quase acaba

morto. Sem perspectiva por conta da doença

e para ganhar privilégios, acaba assumindo

a autoria de um assassinato que não

cometeu.

Alfinete

Peixeira

Matador de aluguel, encontra o filho de uma

de suas vítimas que quer vingança no

presídio. Depois de não conseguir matar um

detento, começa a se sentir culpado pelas

outras mortes. No fim, acaba entrando em

uma igreja evangélica dentro do Carandiru e

se converte.

Valente

Médico

Médico que foi ao presídio para tratar os

detentos e tomar providências contra a pré-

epidemia de AIDS. Ganhou a confiança dos

detentos, que lhe contavam suas histórias e

lhe pediam conselhos.

Narrador

4. Origem dos nomes das personagens.

TABELA 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS

PERSONAGENS PRINCIPAIS

Personagem Personagens de origem

Deusdete Deusdete

Zico Zico

Majestade Majestade

Sem Chance Sem-Chance

Lady Di Leidi Dai

Nego Preto Nego-Preto

186

Seu Chico Seu Chico

Ezequiel Ezequiel dos Santos

Peixeira -

Médico -

3. As personagens secundárias Mais do que personagens de apoio ou preenchimento da história e das ações, há certas

personagens no enredo de Carandiru que dão sustentação e são de grande importância para as

personagens principais, sem que ocupem lugar central nas ações.

3.1 NÚCLEO SEU PIRES

Seu Pires

Imagem de Seu Pires interpretado por Antonio Grassi obtida na web.

Um homem calmo, assim era Seu Pires, o diretor da Casa de Detenção. Negociava com os

detentos, como quando Seu Chico quis ver a filha fora do horário de visitas. Consciente de que

teria que ser maleável para comandar um presídio com mais de 7 mil homens, deixa claro que

está disposto a ajudar aqueles que respeitam a disciplina.

O bom relacionamento do diretor com os detentos pode ser visto em vários momentos:

Seu Pires sentado na barbearia do presídio enquanto o detento Barba faz a sua barba; ao

acompanhar Seu Chico à solitária, nota-se um olhar entristecido do diretor, que comenta ao velho

que ele mesmo havia procurado aquela situação ao agredir um guarda; seu bom coração é

revelado ao atender o pedido de Seu Chico, dando- lhe, inclusive, mais tempo que o permitido

187

com sua filha. Durante a rebelião, é Seu Pires quem negocia com os detentos, que pedem que ele

os salve, para que não haja invasão.

TABELA 29 – ORIGEM DE SEU PIRES

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Dr. Walter

Chegou a diretor-

geral do presídio.

Começou como

carcereiro e

depois se formou

advogado.

SEU PIRES

Presos? São os donos da

cadeia, doutor. Isso aqui só

não explode por que eles não

querem.

Na opinião do dr. Walter, que

começou ainda menino como

carcereiro, formou-se advogado e

chegou a diretor-geral do

presídio, para resolver o

problema seria preciso transferir

todos os detentos, fechar a cadeia

e começar de novo: (VARELLA,

2005, p. 36)

Dr. Pedrosa

Diretor-geral do

presídio, que

caminhava

sozinho pelo

presídio.

(andando sozinho com o

Médico pelo presídio)

MÉDICO

Seu Pires, esse povo não toma

sol nunca? Isso aqui é um

mofo!

SEU PIRES

Alguém aí quer tomar um sol?

Dar uma volta no pátio?

Respirar um ar puro?

Pouco depois apareceu o dr.

Pedrosa, diretor-geral do

presídio que, na época, andava

sozinho pela cadeia inteira,

prática que posteriormente cairia

em desuso:

- Tudo bem, doutor? Na saída,

passa na minha sala para

tomar um café. (VARELLA,

2005, p. 279)

188

Seu Pires

Diretor do

Pavilhão Oito, de

cabelos grisalhos.

SEU CHICO

Eu queria que o senhor

autorizasse eu encontrá co'ela

fora do dia da visita . Não

quero filho meu no meio da

malandragem...

SEU PIRES

Assim, o senhor me complica.

E se os outros sete mil me

pedem a mesma coisa?

Dias depois seu Chico o procurou

em tom grave:

- Seu Pires, quero pedir um favor

que faço questão de jamais

esquecer.

(…)

- Queria que o senhor me

autorizasse a encontrar com eles

lá fora, no coreto da Divinéia.

Não quero meus filhos dentro de

uma cadeia.

- Assim o senhor me complica.

Imagina se os outros 7 mil me

pedem a mesma coisa.

(VARELLA, 2005 p. 224)

3.2 NÚCLEO MAJESTADE

Dalva Rosirene

Imagens de Dalva interpretada por Maria Luísa Mendonça e de Rosirene

interpretada por Aída Leiner obtidas na web.

Dalva, uma mulher loira, de pele bem branca, estava noiva quando conheceu Majestade

em uma partida de futebol, na qual seu noivo jogava. Majestade a aborda, perguntando se ela

acredita em amor à primeira vista e diz que se casará com ela. Dalva argumenta que ele nem a

conhece, Majestade, então, começa a descrevê- la. Quando o noivo dela chega para ver o que está

acontecendo, Majestade manda-o embora, mas ele tenta arrastar Dalva junto. Vendo que não se

livrará dele facilmente, Majestade saca a arma e atira para o lado, o noivo sai correndo. Assim,

189

Majestade convence Dalva de que seu noivo não a ama de verdade e lhe diz para reunir a família

no dia seguinte, pois a pedirá em casamento.

No dia seguinte, na casa de Dalva, Majestade é confrontado pelo pai da noiva, que, por

preconceito, não permite que eles se casem. Diante desta situação, percebendo que não receberá

apoio para o casamento, ele saca a arma e ordena a todos que se juntem na sala de jantar; ele

anuncia que se casará com Dalva de qualquer jeito. Os dois fogem.

Um dia, já casados, Majestade e Dalva vão a um bar, onde dançam ao som do samba ao

vivo. Lá, Majestade avista Rosirene, uma negra esbelta, por quem se encanta. Ele deixa Dalva

dançando sozinha e vai conversar com Rosirene, que está consumindo drogas. Ele lhe diz para

pegar o biquíni, pois vai levá- la à praia no domingo. Dalva chega para saber o que ocorre e

começa a discutir com Rosirene, xingando-a. Majestade a leva embora.

Ele conta ao Médico que dividia a semana entre as duas. Alugou um quartinho perto da

antiga rodoviária para se encontrar com Rosirene, que era prostituta e não queria largar a

profissão.

Um dia, Majestade vê Rosirene saindo de um carro. Ela havia feito um programa com

Farofa, amigo de Majestade. Furioso, ele a confronta, alegando que poderia sair com quem

quisesse, menos com amigos dele. Ela revela que os dois estão fazendo planos para ir para

Miami. Com raiva, Majestade sai correndo atrás dela com uma tocha na mão.

Mesmo após ser preso, Majestade continua com a vida dupla, até que, em um dia de

visitas, as duas mulheres dele aparecem. Ele tenta, mas não consegue evitar o encontro das duas,

que dizem a ele que deve decidir com qual das duas quer ficar.

Majestade tem três filhos com Dalva e um com Rosirene.

190

TABELA 30 – ORIGEM DE DALVA

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Rosane

A outra mulher

de Charuto,

viciada em

crack. Mãe de

seu primeiro

filho.

MAJESTADE

(indicando uma das alianças)

Essa daqui é da Dalva, minha

princesa!

Agora, o grande eu não sei,

porque ele vive com a

Rosane, minha outra

mulher... (VARELLA, 2005,

p. 261)

Valda

De pele branca

como a neve, é

de uma família

de bem, em

Santana, que

nunca aceitou

seu romance

com Zé da

Casa Verde por

ele ser negro.

MAJESTADE

Vem comigo... vou te pedi em

casamento pros teus pais.

DALVA

Sai fora! Tu nunca me viu!

MAJESTADE

Tá errada!

DALVA

Tô errada?! Você nem me conhece!

MAJESTADE

Conheço sim. Sei que tu gosta de

calabreza... Sei que fica linda num

vestido de florzinha...

(…)

MAJESTADE (CONT'D)

Olha só que beleza de mistura!

Vam'tê um filho de cada cor.

Te espero no carro...

DALVA

Você falou sério?

MAJESTADE

Como nunca na vida.

(…) Zé aproximou-se dela,

na beirada do campo:

- Levanta e vem comigo, que

eu vou te pedir em

casamento para os teus pais.

-Você nem me conhece!

Ele falou dela no baile, da

pele alva que contrastava

com o preto da sua e dos

filhos misturados que

nasceriam lindos, cada um

numa cor. (…)

Ela apareceu na janela do

carro:

-Você falou sério?

- Como nunca na vida.

(VARELLA, 2005, p. 227)

191

TABELA 31 – ORIGEM DE ROSIRENE

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Rosirene

Mulher de

Charuto,

negra de

lábios finos,

nariz

empinado,

bunda de

escola de

samba.

MAJESTADE

Tu sabe quem é ele?

ROSIRENE

Sei! E daí?

MAJESTADE

Eu não te disse: "Se quisé se virá,

se vira. Só não dá pra amigo meu

que eu te quebro o pescoço!"

ROSIRENE

Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!?

Tu é um pé de chinelo. E mais, ele

ainda me disse que, quando separá

da esposa, vai se muda comigo pra

Miami! Ó, qué sabê? Tô indo!

(…)

MAJESTADE

Vê se pode doutor, dando pra

amigo meu e ainda os dois fazendo

plano!

Uma noite, trombaram na Boca

do Lixo e Rosirene confessou

estar namorando um amigo dele,

Mato Grosso, o dono das pedras,

e que os dois tinham planos de

mudar para Ponta Porã.

-Veja só, dando para amigo meu

e ainda os dois fazendo plano!

(VARELLA, 2005, p. 264)

Maria Luisa

Passista da

Império da

Casa Verde.

Um sorriso

que

iluminava a

quadra

inteira,

parecia uma

deusa de

ébano.

MAJESTADE

Pô, meu amor, hoje não vai dá! É

que a caldera estorô e o homem qué

o conserto pronto até o fim do dia.

ROSIRENE

Ô Josué, nem na rua tu nunca

trabalhô. Vai me convencê que

na cadeia resolveu regenerá? Tu tá

é co'aquela branquela vagabunda!

- Meu amor, que bom que você

veio, mas, infelizmente, não vou

poder te receber porque estou

trabalhando num conserto,

devido que a caldeira estourou e

o homem quer tudo pronto até o

final que acabar a visita.

- Zé, você está é com aquela

vagabunda. Nem na rua tu nunca

trabalhou, vai me convencer que

na cadeia, dia de domingo, é que

resolveu regenerar?

(VARELLA, 2005, p. 229)

192

3.3 NÚCLEO CLAUDIOMIRO

Dina Claudiomiro Antônio Carlos Célia

Imagens de Dina interpretada por Leona Cavalli, de Claudiomiro interpretado por Ricardo Blat, de Antônio Carlos

interpretado por Floriano Peixoto e de Célia interpretada por Vanessa Gerbelli obtidas na web.

Antônio Carlos e Claudiomiro eram amigos antes de serem presos. Juntos, assaltavam

carros- fortes com uma quadrilha. A amizade terminou quando Antônio Carlos tentou alertar

Claudiomiro sobre a traição de sua esposa, Dina. Antônio Carlos a tinha visto aos beijos com o

amante, um policial. Dina argumentou que Antônio Carlos sempre fo ra apaixonado por ela e só

estava dizendo isso para separá- los. Ela convence o marido e sua amiga Célia também, que é

esposa de Antônio Carlos. No entanto, Célia volta atrás e apóia o marido. Depois desta

desavença, Dina pede a Claudiomiro que deixe a vida de crime para que o filho deles possa ter

uma vida normal. Ao ir ao banco para retirar suas economias, Claudiomiro é abordado por dois

policiais à paisana, mas consegue matá- los com uma arma que tinha no cofre. Ele então percebe

que se tratava de uma cilada que a esposa armara com o amante. Ao voltar para o carro,

Claudiomiro mata a esposa na frente do filho, que ainda era pequeno. Ele é preso, e Antônio

Carlos e Célia adotam seu filho.

Antônio Carlos resolveu continuar assaltando carros- fortes, mas, no primeiro assalto sem

Claudiomiro, fo i preso. No presídio, reencontra o antigo comparsa, que estava em fase terminal

de tuberculose. Dispostos a esquecerem o passado, Antônio Carlos cuida do amigo enfermo.

Quase sem fôlego, Claudiomiro pergunta ao Médico se criança pequena lembra de tudo. Quando

o Médico responde que não, ele dá seu último suspiro, nos braços do amigo.

193

TABELA 32 – ORIGEM DE DINA

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Marli

Esposa de

Miguel, que o

entregou ao

amante policial.

DINA

Ô Célia, o Antonio Carlos é

viado?

CÉLIA

Que pergunta, Dina!

DINA

Desculpa, mas ele inventô pro

Miro que eu tô saindo com um

polícia.

ANTONIO CARLOS

Inventô o caralho! Te vi

enganchada no cara; vi você

mordê a orelha dele, pôrra!

DINA

Tá vendo? Qué destruí meu

casamento.

Conversaram em pé, na sala:

- Dina, o Antônio Carlos é

veado?

- Que pergunta, Marli!

- Desculpa, mas ele veio para o

Miguel com uma história que

eu saio com um polícia, que

nunca existiu. Veio com tudo,

para destruir meu casamento.

(VARELLA, 2005, p. 188)

194

TABELA 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Claudiomiro

Assaltante de

banco e carro-

forte, corpo forte,

com três

cicatrizes. Tinha

35 anos, deixou a

mulher grávida e

o menino

pequeno.

ANTONIO CARLOS

(para Claudiomiro)

Toma o remédio, mano.

(…)

MÉDICO (CONT'D)

E lá fora, ele fazia o quê?

ANTONIO CARLOS

A gente fazia assalto de carro-

forte. Planejavamo tudo só nóis

dois. Cinco, seis meses pegando

informação, fazendo amizade até

com a família dos segurança.

Claudiomiro diz que a

informação precisa é

fundamental: a que horas passa

o carro-forte, quantos mil no

cofre do banco, o número de

guardas, todos os detalhes.

Para isso, valia-se dos próprios

vigilantes das emp resas de

segurança, com cautela:

(VARELLA, 2005, p. 192)

Miguel

Assaltava com o

parceiro, Antônio

Carlos. Foi traído

pela mulher com

um policial.

CLAUDIOMIRO

Te dei conforto, carinho e

amizade e você paga desse jeito.

Sem vergonha...

DINA

Do que cê tá falando?!

CLAUDIOMIRO

Tô sabendo do polícia que tu

encontra, enquanto o trôxa aqui

arrisca a pele pra recheá o teu

guarda-roupa. Pega tua mala e

some! Nem teu filho, tu vai tê

direito de vê!

- Você é puta, sem-vergonha.

Larguei da mãe dos meus

filhos, te dei conforto, carinho

e amizade e você pagou com a

moeda da traição. Estou

sabendo do polícia que você

encontra no motel atrás do

posto de gasolina na Raposo

Tavares, faz mais de um ano,

enquanto o trouxa aqui

arrisca a pele para rechear teu

guarda-roupa. (VARELLA,

2005, p. 186)

195

TABELA 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Claudiomiro

Assaltante de

banco e carro-

forte, corpo

forte, com três

cicatrizes.

Tinha 35 anos,

deixou a mulher

grávida e o

menino

pequeno.

ANTONIO CARLOS

A gente fazia assalto de

carro-forte. Planejavamo

tudo só nóis dois. Cinco,

seis meses pegando

informação, fazendo

amizade até com a família

dos segurança.

MÉDICO

E isso dá dinheiro?

ANTONIO CARLOS

Dá muito, doutor, mas o

dinheiro só vale metade.

- Ganha dinheiro nesse negócio de

banco e carro-forte?

- Ganha, mas o dinheiro só vale a

metade, às vezes até menos.

A esta frase enigmática seguiu-se

uma conversa sobre a profissão

dele:

- Precisa muita disciplina, doutor.

Deu oito da noite, eu me recolho.

Não fico em bar, boate, porque a

polícia pode me pegar de bobeira

numa batida qualquer. (VARELLA,

2005, p. 192)

Antônio

Carlos

Parceiro de

Miguel. Foi ele

quem contou a

Miguel que sua

mulher o traía.

ANTONIO CARLOS

Mentirosa! Mente diabólica.

Se não fosse o respeito pelo

Miro, arrebentava a tua cara

agora!

Claudiomiro, você não

acreditou nessa pilantra,

acreditou? Quantas fita a

gente armou junto?!

Antônio Carlos chamou-a de

mentirosa, disse que não fosse o

respeito pelo amigo arrebentava a

cara dela. Xingou-a de mente

diabólica. (…) Antônio Carlos

virou-se para o amigo:

- Miguel, você não acreditou nessa

pilantra, acreditou? A gente tem

quatro anos de parceria e nunca

partiu de mim qualquer

crocodilagem. (VARELLA, 2005,

p. 187)

196

TABELA 35 – ORIGEM DE CÉLIA

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Dina

Esposa de

Antônio Carlos,

que tinha o

cabelo oxigenado

e era muito

ciumenta.

CÉLIA

Sem vergonha! Nunca me

enganô; sempre sube que

você tinha uma coisa por ela.

Nem mulher de amigo você

respeita mais, cachorro!

Quando Antônio Carlos entrou em

casa, Dina cravou-lhe as unhas no

rosto:

- Ordinário, sem-vergonha,

sempre falei que você tinha

um quê por ela. Mas você dizia

que eu era louca. Nem mulher de

amigo você respeita mais,

cachorro? (VARELLA, 2005, p.

188)

3.4 NÚCLEO DEUSDETE

Francineide Catarina

Imagem de Francineide interpretado por Júlia Ianina capturada do DVD.

Imagem de Catarina interpretada por Sabrina Greve obtida na web.

Deusdete, jovem criado na periferia, cresceu ao lado da irmã Francineide e do amigo

Zico, cuja mãe fugiu de casa. Zico cuidava dele como um irmão mais velho faria, e ele, por sua

vez, cuidava de Francineide.

Uma noite, Francineide chega em casa chorando, com olhar de assustada, e se tranca no

banheiro. Deusdete vai acudir a irmã e descobre que ela fora agredida por dois homens, que

197

levantaram a sua saia. Ele denuncia os agressores da irmã à polícia, mas eles descobrem e querem

matá- lo. Ele, então, vai atrás de Zico, que guarda sentimentos por Francineide, para que lhe

arranje uma arma para se defender, embora não tivesse intenção de usá-la. Uma noite, os

agressores de Francineide o encontram e o ameaçam com barras de ferro, mas Deusdete saca a

arma e mata um deles; o outro foge. Deusdete o persegue e consegue matá- lo também.

No presídio, Deusdete sempre recebe cartas da irmã. Sua mãe e Francineide também o

visitam com freqüência. Em uma destas visitas, Francineide leva uma amiga para apresentar a

Deusdete: é Catarina, jovem também criada na periferia, que acredita que ganhará status ao

namorar um presidiário e ficará mais protegida onde mora. Ela não se importa quando Deusdete a

lembra que só sairá do Carandiru com 48 anos, e diz que voltará a visitá- lo.

TABELA 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Francineide

Irmã do meio de

Deusdete que foi

molestada por

dois homens na

vila onde morava

com o irmão.

DEUSDETE (CONT'D)

Que é que foi? Conta aí! O que foi

que aconteceu?

FRANCINEIDE

Era dois... me agarraro... levantaro

meu vestido... um disse que queria

me chupá... eu mandei ele chupá a

mãe...

DEUSDETE

O que eles fizero?

FRANCINEIDE

Me batero...

DEUSDETE

E daí? Que mais?

FRANCINEIDE

Eu saí correndo, Deusdete. Saí

correndo! Eu te juro! Não

aconteceu nada!

Uma noite, Francineide, irmã

do meio de Deusdete, na

volta da padaria, foi

molestada por dois marginais

da vila. Um disse que queria

chupar o sexo dela; ofendida,

ela o mandou chupar a mãe ,

vagabundo. Apanhou,

chegou em casa com o

vestido rasgado e a boca

inchada. (VARELLA, 2005,

p. 198)

198

TABELA 37 – ORIGEM DE CATARINA

Personagem

literária de

origem

Descrição Passagem no filme Passagem no livro

Fran

Vizinha de

Zilá, magrinha,

tímida, que

podia ter no

máximo 20

anos. Foi ao

presídio para

ser apresentada

a Roberval.

CATARINA

Tá vendo, Franci, é um homem assim

que eu quero. Diz aí: cê acha que o

Deusdete vai gostá de mim?

FRANCINEIDE

Ah, isso é com vocês.

MÃE DE DEUSDETE

Fica mais fácil pra ele se tiver um

amor esperando aqui fora.

DONA GRAÇA

A senhora tá certa. Mas só com

muito amor no coração uma

mulher suporta essa vida.

CATARINA

(para Francineide)

O que ele disse quando tu conto

que eu vinha?

FRANCINEIDE

Que se você quisesse vim, que visse.

Ao lado, Fran, o rosto na

penumbra projetada pelo

poste de luz, concordava

com a cabeça, mas pretendia

passar a noite ali decidida a

conhecer o tal de Roberval,

um mulherengo de bigode,

sócio do marido de Zilá no

negócio de assaltar carga.

(VARELLA, 2005 p. 55)

Como pôde-se perceber na análise das personagens principais, nem sempre a personagem

que deu origem ao nome é a mesma que deu origem às outras características vistas no filme. O

mesmo ocorreu com as personagens secundárias: algumas personagens literárias apenas

“emprestaram” o nome a elas. Com intuito de comparação, a seguir, serão apresentadas as

origens dos nomes das personagens secundárias cinematográficas.

199

TABELA 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS

PERSONAGENS SECUNDÁRIAS

Personagem Personagens de origem

Seu Pires Seu Pires

Dalva* -

Rosirene Rosirene

Dina Dina

Claudiomiro Claudiomiro

Antônio Carlos Antônio Carlos

Célia -

Francineide Francineide

Catarina -

* Embora Dalva seja uma inversão silábica do nome de uma de suas personagens de origem, Valda, esta informação não foi levada em consideração para esta classificação, pois a relação entre os nomes não é explícita.

200

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi de interesse deste estudo verificar as semelhanças entre as personagens literárias de

Estação Carandiru e as personagens cinematográficas de Carandiru. Para tanto, teve como

principal objetivo buscar as origens das personagens do filme – físicas, psicológicas e de suas

correspondentes histórias – na obra em que foi baseada: o livro.

Com o intuito de encontrar qual ou quais foram as personagens literárias de origem das

personagens cinematográficas, primeiramente, foi necessário fazer um levantamento de todas elas

no livro e no filme. Chegou-se aos seguintes dados: 206 personagens literárias e 50

cinematográficas, uma redução para menos de 25% na transposição da obra literária para o

cinema. A partir daí, levantou-se a seguinte questão a respeito desta diminuição no quadro de

personagens: houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos e/ou de ações

– na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para a obra

cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das

personagens neste diálogo entre mídias?

O primeiro aspecto a se notar é a questão levantada no capítulo II com relação ao grau de

adaptação de uma obra. Logo nos créditos iniciais – e também na capa do DVD –, há a seguinte

informação: “Baseado no livro Estação Carandiru de Drauzio Varella”. A partir deste dado,

pode-se esperar uma obra que não se propõe a ser uma reprodutora literal de sua fonte. Pode-se

esperar variações significativas, mas a obra original deve ser claramente reconhecida nesta nova,

e não apenas fazer referência a ela.

Como percebido, houve uma grande variação na fonte das personagens – ora fundidas, ora

desmembradas –, entretanto, as situações apresentadas no livro e as características das

personagens literárias estavam, em sua maioria, presentes na obra cinematográfica.

A hipótese proposta para este estudo foi comprovada após a coleta de dados. A seguinte

hipótese havia sido sugerida: na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio

Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características,

resultando em uma única personagem cinematográfica. Ela é verdadeira, pois pôde-se notar,

como dito, uma fusão de personagens que apresentavam características semelhantes, como é o

caso de Seu Chico, que teve origem na fusão de Seu Chico e Seu Jeremias (ambos eram id osos) e

201

Lady Di, que teve origem na fusão de cinco personagens (todos eram travestis). Entretanto, esta

não foi a única forma de origem das personagens cinematográficas.

De fato, pôde-se perceber que a maior parte das origens das personagens cinematográficas

vem de fusões de personagens literárias (ex: Majestade é uma fusão entre Zé da Casa Verde e

Charuto). Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas,

dando origem a mais de uma personagem (como é o caso de Valente, que deu or igem a Peixeira e

a Nego Preto; e Seu Chico, que deu origem a Seu Chico e a Nego Preto, por exemplo). Houve

personagens que foram eliminadas totalmente, não dando origem a nenhuma outra no filme.

Entretanto, das personagens analisadas, não foi encontrada nenhuma que foi acrescentada, ou

seja, que tenha sido totalmente inventada para o roteiro cinematográfico.

Foi visto que as personagens representavam um grupo, um conjunto de personagens que

possuíam as mesmas características físicas, psicológicas ou estavam inseridas no mesmo grupo

social. Há histórias que se repetem na obra literária: há personagens que compartilham dos

mesmos problemas, situações e/ou dramas familiares. Estas histórias foram representadas no

filme a partir de uma personagem, que poderia ser chamada de personagem-grupo. Assim, foram

averiguados os seguintes casos de personagens-grupo: Seu Chico, que representa os detentos

idosos e aqueles que foram abandonados pela família por conta de seus crimes; Ezequiel, que

representa aqueles que perderam tudo para o vício; Zico, que representa aqueles que matam

aqueles que amam por causa das drogas; Deusdete, que representa aqueles que são levados a

cometer crimes para se defender e defender a honra da própria família; Majestade, que representa

aqueles que cometem adultério e levam vida dupla; Nego Preto, que representa aqueles que são

traídos pelos amigos; Peixeira, que representa aqueles que se arrependem de seus crimes e

encontram conforto na religião; Sem Chance, que representa aqueles que, depois de presos,

descobrem algum talento e percebem que podem fazer algo de bom; Lady Di, que representa

aqueles que acreditam no amor; Seu Pires, que representa todos os funcionários do Carandiru que

realmente entendiam como a Casa funcionava; Claudiomiro, que representa aqueles que foram

traídos pelas mulheres; Antônio Carlos, que representa aqueles que colocam a amizade acima de

tudo; Dina, que representa aquelas que traem os maridos e agem apenas em benefício próprio;

Célia, que representa aquelas que compreendem e apóiam o marido apesar de seus crimes;

Rosirene, que representa aquelas que levam drogas para os maridos na cadeia; Dalva, que

representa aquelas que são vítimas do preconceito da própria família; Francineide, que representa

202

aquelas criadas na periferia que se tornam vítimas do crime; Catarina, que representa a

ingenuidade daquelas que acreditam na segurança de namorar um detento; e o Médico, que

representa aqueles que querem melhorar a vida dos detentos e são deparados com uma situação

pior do que imaginam.

Para que fosse possível chegar a uma resposta para a questão colocada, antes, foi

necessário categorizar estas personagens para se obter um resultado mais amplo e ter uma idéia

do quadro geral de alterações, para, em seguida, partir em busca de dados mais detalhados.

Dez categorias foram consideradas para a análise tanto do filme quanto do livro: 1) idade,

2) sexo, 3) situação, 4) forma como eram conhecidas pelas demais personagens, 5) raça, 6)

dependência às drogas, 7) enfermidade, 8) crime cometido, 9) função dentro do presídio, 10)

relação com as personagens em situação de cárcere. Houve uma subdivisão destas categorias,

sendo consideradas todas as personagens para a classificação apenas das categorias 1, 2, 3, 4, 5 e

6. Para as categorias 7, 8 e 9 apenas as personagens em situação de cárcere foram consideradas.

As demais personagens foram consideradas apenas para a última tabela.

Encontrou-se uma diminuição percentual no número de personagens em situação de

cárcere e, conseqüentemente, um aumento daqueles em liberdade no filme com relação ao livro.

Também diminuiu a quantidade percentual de personagens conhecidas pelo nome, mas estas

ainda continuaram a ser a maioria. A maior diferença, no entanto, foi quanto às personagens

cujos nomes e/ou apelidos não puderam ser identificados, que passaram de 14,5% na obra

literária, para 28% na cinematográfica. É interessante notar a quantidade de apelidos e suas

origens (Sem-Chance, pela frase que sempre repetia; Mil e Um, pela falta dos dentes incisivos na

arcada superior ; Coça-Coça, por pedir para uma prostituta passar as unhas em suas costas; etc.).

Há uma fonte rica aqui para um possível estudo sobre apelidos.

Não foram encontradas diferenças significativas quanto à quantidade de homens,

mulheres e crianças, nem de jovens e adultos, embora proporcionalmente haja mais homens

adultos no livro com relação às demais personagens. Tampouco houve grande disparidade entre

as obras quanto à quantidade de dependentes de drogas, à droga mais consumida (crack), à

quantidade de enfermos e à doença mais recorrente (AIDS). A categoria de personagens em

situação de cárcere que possuem função também apresentou resultados bem similares em ambas

as obras.

203

Todavia, a maior disparidade está na raça das personagens: 7,3% de negros e 2,4% de

brancos na obra literária, e 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. Isto pode ser

explicado pelo fato de a obra cinematográfica ser essencialmente visual. No livro, são necessárias

descrições da aparência física das personagens, e, neste caso, há poucas com relação ao número

total de personagens. Há de se notar que a quantidade percentual de brancos é bem maior no

filme. Também pôde-se verificar que o tipo de crime mais cometido foi diferente em ambas as

obras: assalto (39,6%) no livro e assassinato (cerca de 26%) no filme. Houve também um

aumento significativo de crimes não identificados, passando de 34,2% no livro para 52% no

filme.

Outra grande diferença notada é com relação às personagens em liberdade. A maioria era

de funcionários na obra literária, no entanto, na obra cinematográfica, foi verificado que a

maioria era de parentes. Isto pode ser explicado provavelmente por se tratar de um filme

classificado sob o gênero drama. Se a intenção fosse manter o estilo e proposta do livro, que foi

classificado como livro-reportagem, ter-se- ia um documentário e não um drama.

Embora tenha havido cenas que muito lembravam um documentário (ao final do filme,

alguns detentos sobreviventes ao massacre dão depoimentos para a câmera), a maior parte do

filme é composta por dramas familiares. A única cena documental encontrada no filme é a da

implosão da Casa de Detenção de São Paulo.

A Casa de Detenção de São Paulo, que era o maior presídio da América Latina e ficou

conhecido pelo nome de Carandiru, inaugurado na década de 1920, só foi desativado em

setembro de 2002. Três de seus pavilhões foram implodidos em dezembro de 2002. A

penitenciária feminina foi mantida.

Como se pôde perceber, os principais núcleos se mantiveram presentes na obra

cinematográfica, reunidos e representados por uma única personagem, uma decisão benéfica para

ambas as obras, pois houve a manutenção dos principais temas abordados na obra literária,

fazendo com que esta adaptação se tornasse não apenas mais uma maneira de contar aquelas

histórias em um suporte diferente, mas também um meio que possibilita a chegada destas

histórias a outros públicos. É a combinação entre cultura e economia; a combinação entre duas

indústrias para trazer um novo produto, que possui não apenas um valor cultural, como também

um valor econômico significativo.

204

Pode-se, então, perceber a importância da economia criativa e de suas indústrias criativas,

que, além do valor econômico agregado dos bens que produz, ainda traz benefícios culturais,

principalmente quando as indústrias criativas, através de um processo simbiótico, se juntam para

trazer em um único produto riqueza cultural.

205

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