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MELODY PABLOS SOUZA
DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2009
MELODY PABLOS SOUZA
DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª Drª Sandra Lúcia Amaral de Assis Reimão.
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2009
Que há num simples nome? O que chamamos
rosa, sob uma outra designação teria igual
perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de
Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que
dele é sem esse título.
William Shakespeare
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores da Metodista, pelos
ensinamentos e conselhos,
em especial à Sandra Reimão,
que me orientou nesta jornada.
Agradeço aos meus pais e ao Maicon,
pelo apoio e, principalmente,
pela paciência neste período.
LISTA DE TABELAS
§ Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS
......................................................................................................................... 24
§ Tabela 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
......................................................................................................................... 38
§ Tabela 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO ............................................. 54
§ Tabela 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR IDADE E SEXO
......................................................................................................................... 97
§ Tabela 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR SITUAÇÃO
......................................................................................................................... 98
§ Tabela 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA FORMA COMO
ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS
......................................................................................................................... 99
§ Tabela 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA RAÇA
....................................................................................................................... 100
§ Tabela 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA
ÀS DROGAS ................................................................................................ 101
§ Tabela 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR ENFERMIDADE
....................................................................................................................... 102
§ Tabela 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR CRIME
COMETIDO .............................................................................................. 103
§ Tabela 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR FUNÇÃO
DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 104
§ Tabela 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR RELAÇÃO
COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU COM A
CASA DE DETENÇÃO ............................................................................ 104
§ Tabela 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME ......................................... 110
§ Tabela 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR IDADE E
SEXO ......................................................................................................... 115
§ Tabela 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR SITUAÇÃO
.................................................................................................................... 116
§ Tabela 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA FORMA
COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS
.................................................................................................................... 116
§ Tabela 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA RAÇA
.................................................................................................................... 117
§ Tabela 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR
DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS ............................................................... 118
§ Tabela 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR
ENFERMIDADE ...................................................................................... 119
§ Tabela 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR CRIME
COMETIDO .............................................................................................. 120
§ Tabela 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR FUNÇÃO
DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 121
§ Tabela 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR RELAÇÃO
COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU A CASA
DE DETENÇÃO ....................................................................................... 122
§ Tabela 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS ................................................................ 134
§ Tabela 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS ...................................... 176
§ Tabela 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ............................................................... 181
§ Tabela 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS
CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS ................................................. 182
§ Tabela 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELA HISTÓRIA
.................................................................................................................... 183
§ Tabela 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS
.................................................................................................................... 185
§ Tabela 29 – ORIGEM DE SEU PIRES ......................................................................... 187
§ Tabela 30 – ORIGEM DE DALVA .............................................................................. 190
§ Tabela 31 – ORIGEM DE ROSIRENE ......................................................................... 191
§ Tabela 32 – ORIGEM DE DINA .................................................................................. 193
§ Tabela 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO ............................................................... 194
§ Tabela 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS ......................................................... 195
§ Tabela 35 – ORIGEM DE CÉLIA ................................................................................ 196
§ Tabela 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE ................................................................. 197
§ Tabela 37 – ORIGEM DE CATARINA ....................................................................... 198
§ Tabela 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS SECUNDÁRIAS
.................................................................................................................... 199
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
§ Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL .................................. 28
§ Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA ....................................... 28
§ Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA ......................................... 29
LISTA DE SIGLAS
§ ABC ..................................... Região de Santo André, São Bernardo do Campo
e São Caetano do Sul, no estado de São Paulo
§ AIDS .................................... Acquired Immunodeficiency Syndrome (em
português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)
§ ALE ..................................... Alemanha
§ AUS ..................................... Austrália
§ CBL ..................................... Câmara Brasileira do Livro
§ DCMS ................................. Department for Culture, Media and Sport
§ DM ...................................... Doente Mental
§ DVD .................................... Digital Video Disc (em português, Disco Digital de Vídeo)
§ EUA ................................... Estados Unidos da América
§ FRA .................................... França
§ HIV ..................................... Human Imunodeficiency Virus (em português, Vírus da
Imunodeficiência Humana)
§ HQ ...................................... História em quadrinhos
§ IBGE .................................. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
§ ING .................................... Inglaterra
§ ITA ..................................... Itália
§ JAP ..................................... Japão
§ PIB...................................... Produto Interno Bruto
§ PM ..................................... Policial Militar
§ SEBRAE ............................ Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
§ SNEL ................................. Sindicato Nacional dos Editores de Livros
§ UNESCO............................ Organização das Nações Unidas para a Educação, a C iência
e a Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15
Acerca deste estudo ........................................................................................... 16
Carandiru pelos olhos da crítica ....................................................................... 18
CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA ..................................................................... 20
1. Criatividade versus Inovação ........................................................................ 21
2. As Indústrias Criativas .................................................................................. 22
3. As Indústrias Culturais .................................................................................. 23
4. Clusters Criativos .......................................................................................... 25
5. Propriedade Intelectual .................................................................................. 26
6. A Economia da Cultura e da Criatividade ..................................................... 27
7. A Indústria Editorial ...................................................................................... 31
8. A Indústria Cinematográfica ......................................................................... 34
CAPÍTULO II – ADAPTAÇÃO ................................................................................ 37
1. Acerca da Adaptação Fílmica ..................................................................... 37
2. Acerca da Adaptação Literária para o Cinema ............................................ 46
3. Acerca das Personagens .............................................................................. 48
4. Acerca das Obras Analisadas ...................................................................... 49
4.1. Estação Carandiru ............................................................................... 49
4.2. Carandiru ............................................................................................. 50
CAPÍTULO III – O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU: suas personagens ........... 51
1. Estação Carandiru : O Livro ....................................................................... 51
2. Estação Carandiru : Suas Personagens ....................................................... 53
CAPÍTULO IV – O FILME CARANDIRU: suas personagens ............................. 106
1. Carandiru: O Filme ................................................................................... 106
2. Carandiru: Suas Personagens ................................................................... 109
CAPÍTULO V – AS PERSONAGENS DE CARANDIRU: uma análise .............. 123
1. As Personagens Principais ........................................................................ 123
1.1. As Personagens Principais de Estação Carandiru ........................... 124
1.2. As Personagens Principais de Carandiru ......................................... 124
1.2.1. Deusdete ............................................................................... 125
1.2.2. Zico ...................................................................................... 126
1.2.3. Majestade ............................................................................. 127
1.2.4. Sem Chance .......................................................................... 128
1.2.5. Lady Di ................................................................................. 129
1.2.6. Nego Preto ............................................................................ 130
1.2.7. Seu Chico ............................................................................. 130
1.2.8. Ezequiel ................................................................................ 131
1.2.9. Peixeira ................................................................................. 132
1.2.10. Médico .................................................................................. 133
2. A Origem das Personagens Principais ...................................................... 137
2.1. Deusdete ........................................................................................... 137
2.2. Zico .................................................................................................. 141
2.3. Majestade ......................................................................................... 145
2.4. Sem Chance ...................................................................................... 154
2.5. Lady Di ............................................................................................. 156
2.6. Nego Preto ........................................................................................ 158
2.7. Seu Chico ......................................................................................... 165
2.8. Ezequiel ............................................................................................ 168
2.9. Peixeira ............................................................................................. 170
2.10. Médico .............................................................................................. 172
3. As Personagens Secundárias ..................................................................... 186
3.1. Núcleo Seu Pires .............................................................................. 186
3.2. Núcleo Majestade ............................................................................. 188
3.3. Núcleo Claudiomiro ......................................................................... 192
3.4. Núcleo Deusdete .............................................................................. 196
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS ....................................................... 205
RESUMO
Este estudo enfoca a transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio
Varella, para o cinema, no que tange à construção de suas personagens. Para tanto, fez-se um
levantamento das personagens e de suas características, de ambas as obras. O objetivo maior é
compreender as escolhas feitas durante este diálogo entre mídias, que originou o filme
Carandiru, de Hector Babenco, visto que houve uma grande redução no número de personagens.
Para esta análise, adotou-se a pesquisa descritiva como procedimento metodológico. Constatou-
se que a maior parte das origens das personagens cinematográficas vem de fusões de personagens
literárias. Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas e
algumas que foram eliminadas. Não se encontrou nenhuma personagem acrescentada.
Palavras-chave: Adaptação literária, cinema, transposição, personagens, Carandiru.
ABSTRACT
This study focuses the adaptation of the book Estação Carandiru, written by Drauzio
Varella, to the movies, concerning the construction of the characters. Therefore, a listing of the
characters and their characteristics was made, from both the book and the movie. The main
objective is to understand the choices made in this dialog between medias, from where the movie
Carandiru, by Hector Babenco, originated, considering that the re was a great reduction in the
number of characters. For this analysis, the methodological process adopted was the descriptive
research. It was verified that most part of the characters’ origins come from the fusion of literary
characters. But it was also found that literary characters were dismembered and some of them
were eliminated. No new character was found .
Key-words: literary adaptation, cinema, characters, Carandiru.
15
INTRODUÇÃO
As adaptações da literatura para o cinema têm apresentado uma boa quantidade de
público, como se pode ver em exemplos como as grandes produções de Harry Potter (que
arrecadou cerca de 140 milhões de dólares nos Estados Unidos 1, com o último filme da série
Harry Potter e a Ordem da Fênix e cerca de 23 milhões de reais em 10 dias de exibição no
Brasil2), O Senhor dos Anéis (A Sociedade do Anel, arrecadou 47 milhões de dólares em 2001, e
O Retorno do Rei, arrecadou 72,6 milhões de dólares em três dias, em 20033.) e As Crônicas de
Nárnia (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa arrecadou 67 milhões de dólares na estréia nos
Estados Unidos3.). A transposição de uma obra literária, em muitos casos, atrai enorme público,
tanto para as salas de cinema como para as livrarias. Em seu artigo Os Best-sellers de ficção no
Brasil – 1990/2000 (2001), Sandra Reimão verifica aspectos positivos com relação à adaptação,
demonstrando um aumento na vendagem de livros que foram adaptados para a televisão. A autora
pontua um aspecto importante destas adaptações:
No incentivo à leitura, quer pelo fato de o autor ser uma personalidade midiática quer pela adaptação da trama de uma obra de ficção, em qualquer um dos dois casos, a televisão estaria ajudando a romper o círculo de desinformação que isola o potencial leitor do universo da literatura. (REIMÃO, 2001, p.14)
Muitos vão buscar referências no livro após assistir aos filmes ou vice-versa: procuram
primeiramente o livro para, posteriormente, assistir à película. Um caso que pode servir de
exemplo é a obra literária Os Maias, de Eça de Queirós, estudado por Juliana Salum Ferreira
Silva, em seu artigo Imagens na literatura: adaptação de Os Maias para a televisão (2007). Ela
afirma que “muitos telespectadores só têm acesso a algum conteúdo literário através das versões
televisivas e outros compram a obra porque esta foi adaptada” (p. 9). Segundo seu artigo, o livro
Os Maias vendeu 12 mil exemplares em 20 dias após sua adaptação para a televisão, além de
quase causar esgotamento no estoque de todos os outros livros do autor do catálogo da editora.
1 Dado do New York Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/07/16/movies/16box.html?_r=1&oref=slogin>. Acesso em: 25 de agosto de 2007. 2 Dado do portal O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/07/24/296946794.asp>. Acesso em: 18 de agosto de 2007. 3 Dados do site UOL Cinema. Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/ultnot/2005/12/12/ult26u20413.jhtm> . Acesso em: 14 de janeiro de 2007.
16
Como se vê, a adaptação nem sempre é um desserviço para a obra original. Ela pode
contribuir para disseminar a obra primária, aumentando, assim, o rol de leitores. Nesse sentido,
podemos afirmar também que uma linguagem ao se apoderar de uma outra, como a
cinematográfica o faz da literária, acaba provocando um círculo de interesse, já que muitos, após
ter contato com uma obra, vão verificar a sua transposição, resultando em ganhos culturais e
sociais para todas as linguagens. É um processo simbiótico cultural.
A adaptação de uma obra, principalmente da linguagem literária para a cinematográfica
ou televisiva, porém, nem sempre tem uma recepção positiva de público e crítica. Neste âmbito,
se insere o filme Carandiru, de Hector Babenco, adaptação cinematográfica do livro Estação
Carandiru, de Drauzio Varella, o objeto de estudo deste trabalho, que também serve como
exemplo destas críticas negativas:
O rompimento, de filmes como Carandiru, com o projeto estético
cinemanovista é lamentado, criticado e, por vezes, mal interpretado, pela
crítica de cinema no Brasil. (GOMES, 2007, p. 12).
No entanto, o processo de transposição de uma obra para outra linguagem é um processo
complexo, que passa por formatos diferentes que determinam limitações, que necessitam ser
compreendidas para analisar uma obra adaptada.
ACERCA DESTE ESTUDO Fruto deste diálogo entre mídias que é o processo de transposição, as 206 personagens
presentes no livro Estação Carandiru transformaram-se em apenas 50 em sua versão
cinematográfica. Desta constatação, surge uma questão, que será a pergunta norteadora da
investigação neste estudo: Houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos
e/ou de ações – na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varela, para a
obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das
personagens neste diálogo entre mídias?
O objetivo principal é compreender a transposição da obra literária Estação Carandiru, de
Drauzio Varella, para a obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos
construtivos das personagens neste diálogo entre mídias, tendo como objetivo também analisar
17
comparativamente as características de construção de determinados personagens existentes tanto
no livro como na obra cinematográfica citados.
Para responder à questão levantada a partir da reflexão apresentada e visando o objetivo
deste estudo, propõe-se uma hipótese de inicial sobre esta questão, que poderá se confirmar, ou
não, ao final das análises: Na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio
Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características,
resultando em uma única personagem cinematográfica.
Toda pesquisa “é um processo de investigação” e a ciência é descritiva, já que procura
entender os fatos através da observação da configuração deles. Ela é “um modo de ordenar os
eventos; o que ela busca são leis nas quais basear as previsões isoladas” (VIÁ, 2001, p. 40).
Tendo em vista esse objetivo de investigar e observar como ocorre a transposição de uma obra
literária para uma cinematográfica, este estudo adotará como metodologia o método de pesquisa
qualitativa, que tem como característica não empregar um instrumental estatístico como base do
processo de análise do problema.
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON, 1989, p. 39)
Será realizada uma comparação entre a obra literária Estação Carandiru, de Drauzio
Varella (Edição de 2005) e sua adaptação para a obra cinematográfica, Carandiru, de Hector
Babenco, no que diz respeito às suas personagens. A versão do filme que será analisada é a
edição dupla em DVD, lançada em 2003, distribuída em parceria pelas produtoras Globo Filmes,
HB Filmes e Columbia Tristar. E a versão do livro é a 2ª edição e 4ª reimpressão, lançada em
2005 pela editora Companhia das Letras.
Ao tentar sistematizar as observações, há de se lembrar que é quase impossível descrever
tudo que se observa. De acordo com Viá, o principal critério orientador da observação deve ser “a
relevância do fato ante a finalidade proposta para a observação” (2001, p.40). Para Rose, na
análise, “o que deixar fora é tão importante quanto o que vai se incluir, e irá afetar o restante da
análise” (2002, p. 346).
O enfoque deste estudo será a análise das personagens cinematográficas adaptadas a partir
do livro Estação Carandiru, procurando encontrar similaridades ou disparidades. Para tanto,
18
inicialmente será feito um levantamento descritivo das personagens de ambas as obras, com a
finalidade de identificar estas personagens e suas características, para, em um segundo momento,
confrontar estes dados na análise da construção e/ou fusão das personagens que compõem o filme
Carandiru. Sendo assim, a metodologia adotada para este estudo será a pesquisa descritiva. A
respeito deste tipo de pesquisa, Gil diz que “tem como objetivo primordial a descrição de
determinadas características de determinada população ou fenômeno” (1999, p. 44), ou seja, ela
visa observar, registrar, analisar, classificar, interpretar e correlacionar fatos ou fenômenos sem a
interferência do pesquisador.
CARANDIRU PELOS OLHOS DA CRÍTICA
A partir do trabalho de Regina Gomes, A Crítica de Cinema Como Objeto Histórico e
Retórico: o Caso do Filme Carandiru de Hector Babenco (2007), que analisa as críticas acerca
do filme Carandiru de Hector Babenco, pôde-se verificar um fator interessante: o filme
Carandiru recebeu muitas críticas, na sua maioria negativas, na época de seu lançamento, no
entanto, é curioso perceber que as personagens eram apresentadas de forma positiva, quando
mencionadas. Como nesta observação de Maria do Rosário Caetano, citada no referido trabalho :
[Carandiru] contém muitos dos ingredientes que costumam mobilizar
multidões: personagens densos e críveis, diálogos crus, iguais aos que a gente
ouve na rua, olhar terno, cúmplice (mas sem pieguice) sobre os
marginalizados. (Caetano, 2003). (GOMES, 2007, p. 10)
Este fato se mostra interessante por ter sido este um filme baseado no livro, Estação
Carandiru, de Drauzio Varella, e apresentar menos de 25% das personagens presentes no livro
que o inspirou. Isto não foi prejudicial aos olhos da crítica, segundo o trabalho de Gomes. É
importante, porém, notar que a apresentação das personagens deu-se de maneira diferente em
ambas as obras e este estudo pretende investigar este processo, podendo assim, contribuir para o
entendimento do papel da personagem dentro de uma obra, seja ela literária, seja
cinematográfica.
19
Assim, pretende-se com este trabalho, de certa forma, mostrar características que ajudam
a entender outros fenômenos mais amplos de adaptação de linguagem. Richardson (1989) aponta
para a importância de se estudar os diversos meios de comunicação, enquanto veículos
direcionados a diferentes grupos da população, para que se perceba as diferenças quanto ao estilo
e conteúdo da comunicação.
20
CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA
Imagem obtida na web.
[As pessoas] estão comprando e vendendo palavras, músicas, quadros; dispositivos, programas de computador, genes; direitos autorais, marcas registradas, patentes, propostas, formatos, fama, rostos, reputação, marcas, cores. Os itens à venda neste mercado barulhento são os direitos de uso (...) da propriedade intelectual.1
John Howkins
O mundo vem enfrentando uma mudança recente no panorama da economia. As
atividades artísticas e culturais, previamente não consideradas economicamente significativas,
agora, estão sendo consideradas como o futuro da economia global, através dos assets criativos2.
As idéias, que estão no centro desta nova “Economia da Cultura”, são garantidas pela
propriedade intelectual. Esta nova situação econômica faz com que seja necessário repensar a
criatividade – o que ela de fato significa e o que ela representa no mundo atual –, portanto,
também leva-se a pensar sobre o papel das Indústrias Criativas, das Indústrias Culturais, dos
clusters criativos e o que um país pode fazer para aperfeiçoar o pensamento criativo e a
habilidade de inovar de seu povo.
1 Tradução da autora. 2 O termo assets criativos usado por Steven Jay Tepper refere-se tanto aos bens e serviços que são o produto principal de uma arte expressiva quanto aos trabalhadores que produzem tais bens e serviços. O termo faz referência ao valor econômico que pode ser medido e calculado destes bens, serviços e trabalhadores criativos. Ver: TEPPER, Steven Jay. Creative Assets and the Changing Economy. Princeton University: Jornals of Arts, Management and Law, 2002.
21
1. Criatividade versus Inovação
Imagem obtida na web.
Acredito que a criatividade é essencial não só nas chamadas indústrias criativas, mas em quase todo lugar – planejamento urbano, transporte urbano, gerenciamento de hotel, e todo tipo de coisas. Isso se trata do reconhecimento do ext raordinário talento individual e de capacitá-lo a desenvolvê-lo de forma corporativa.3 – John Howkins
A primeira coisa para começar a entender como esta “nova economia” funciona é deixar
bem claro o que criatividade e inovação significam e a diferença entre elas. Enquanto ambas
podem ser vistas como a habilidade de gerar algo novo, elas têm uma diferença significativa no
conceito. De acordo com o dicionário Houaiss, criatividade se define como “inventividade,
inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico,
quer no científico, esportivo etc.” (p. 868, 2004). O termo inovação é descrito como “aquilo que é
novo, coisa nova, novidade” (p. 1622, 2004). Inovar tem por definição “introduzir novidade,
fazer algo como não era feito antes” (p. 1622, 2004). Segundo o economista John Howkins,
criatividade é ter novas idéias. Ela é individual e subjetiva, enquanto a inovação é baseada em um
grupo e é objetiva. “A criatividade pode virar inovação; a criatividade pode impulsionar a
inovação; a criatividade pode resultar em inovação. A inovação nunca causa criatividade”4
(GHELFI, 2005, p. 4) . A inovação está sujeita à aprovação de um grupo, é algo bem mais
extenso. “A inovação é um processo social. Tem muito mais a ver com desenvolver uma nova
maneira, um novo método, uma nova metodologia de fazer algo para o mercado”5 (GHELFI,
2005, p. 5). Ainda segundo Howkins, as pessoas criativas estão sempre aprendendo. “Quando
paramos de aprender, paramos de ser criativos”6 (HOWKINS, 2005, p.3).
3 Tradução da autora. 4 Tradução da autora. 5 Tradução da autora. 6 Tradução da autora.
22
2. As Indústrias Criativas
Imagem obtida na web.
As chamadas Indústrias Criativas são, de acordo com o Department for Culture, Med ia
and Sport (DCMS), do Reino Unido, aquelas que “caracterizam-se por terem origem na
criatividade, competência e talento individuais e o potencial para criarem riqueza e emprego
gerando e explorando a propriedade intelectual” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 4). Sua
base são indivíduos com habilidades artísticas e criativas, que desenvolvem serviços e produtos
comerciais, cujo valor econômico está em suas propriedades intelectuais. Em seu livro The
Creative Economy (2001), John Howkins traz uma lista das indústrias que, juntas, formam as
Indústrias Criativas. Elas são (GHELFI, 2005, p.6) :
1. Publicidade
2. Arquitetura
3. Artes
4. Artesanato
5. Design
6. Moda
7. Filmes
8. Música
9. Artes Cênicas
10. Publicações
11. Pesquisa e Desenvolvimento
12. Software
13. Brinquedos e Jogos
14. TV e Rádio
15. e Jogos Eletrônicos.
23
Na entrevista de Donna Ghelfi a John Howkins, ela cita trecho do livro de Howkins, no
qual o autor define as Indústrias Criativas:
As ‘indústrias de direitos autorais’ consistem em todas as indústrias que criam direitos autorais ou trabalhos relacionados como seu produto primário. (...) As ‘indústrias de patente’ consistem em todas as indústrias que produzem ou lidam com patentes (...) As ‘indústrias de marca registrada e design’ são ainda mais abrangentes, e sua vasta extensão e diversidade as tornam menos distintas. Juntas, estas quatro indústrias constituem as ‘indústrias criativas’ e a ‘economia criativa’. Esta definição é controversa. Enquanto todas as definições até agora coincidem com o sistema internacional, não há consenso sobre esta aqui.7
3. As Indústrias Culturais
Imagem obtida na web.
Segundo o Dossier de Economia Criativa (2008), ainda não há uma definição precisa para
as Indústrias Criativas. Nele são apresentadas quatro definições que são utilizadas ao se falar de
tais indústrias, lembrando que as interpretações variam de acordo com os critérios utilizados.
Sendo assim:
1. Segundo a UNESCO, elas correspondem às “actividades que combinam a criação, a
produção e a comercialização de conteúdos que são de natureza intangível e cultural”
(Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);
2. ou podem ser “um conjunto de actividades económicas também denominadas
indústrias de conteúdo (...) que conjugam funções mais ou menos industriais – de
concepção, de criação e de produção – com funções industriais de fabrico em grande
escala e de comercialização, utilizando suportes físicos ou de comunicação” (Agência
INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);
7 Tradução da autora.
24
3. ou ainda “indústrias fundadas na propriedade literária e artística” (Agência
INOVA/CultDigest, 2008, p. 6);
4. e, por fim, em uma interpretação mais restritiva, elas se limitam ao “conceito de
indústrias de entretenimento” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6).
Mas em que aspectos as Indústrias Culturais se diferem das Indústrias Criativas? A tabela
a seguir visa responder essa questão. Apresentada no Dossier de Economia Criativa, ela foi
elaborada com base nas definições presentes no estudo KEA European Affairs, The Economy of
Culture in Europe de 2006.
Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS
Indústrias Criativas Indústrias Culturais
Abordagem Económica Económica/Estatística
Definição Indústrias que têm a sua origem
na criatividade, competência e
talento individuais e que têm o
potencial para criarem riqueza e
emprego gerando e explorando a
propriedade intelectual.
Um conjunto de actividades
económicas que aliam funções de
concepção, de criação e de produção
a funções mais industriais de
manufactura e de comercialização
em larga escala, através da utilização
de suportes materiais ou de
tecnologias da comunicação.
Critérios Criatividade como input central
no processo de produção.
Outputs caracterizados pela
propriedade intelectual (e não
apenas direitos de autor).
Outputs destinados à reprodução em
massa; Outputs caracterizados pelos
direitos de autor (e não pela
propriedade intelectual).
Alcance - Publicidade, arquitectura,
Mercado de artes e antiguidades,
artesanato, design, design de
- Publicações (livros, jornais,
revistas, música), bem como a
comercialização de livros, gravações
25
moda, cinema e vídeo, software
de lazer interactivo, música,
artes performativas, publicidade,
software e serviços de
computador, rádio e televisão.
- As actividades incluem:
criação, produção, distribuição,
difusão, promoção, actividades
educativas relacionadas e
actividades de imprensa
relacionadas.
de som e imprensa.
- Actividades audiovisuais (produção
de filmes para televisão, de filmes
institucionais ou publicitários, de
filmes teatrais, actividades técnicas
relacionadas com a televisão e o
cinema, distribuição de filmes e de
videos, de radio e de programas de
televisão para satélite).
- E actividades directamente
relacionadas (agências de
informação, multimedia e
publicidade)
4. Clusters Criativos
Imagem obtida na web.
Em economia, clusters são “concentrações geográficas de empresas de determinado setor
de atividade e organizações correlatas, de fornecedores de insumos a instituições de ensino e
clientes” (LEÃO FILHO, 2008, p.1). Estas empresas são concorrentes, mas, ao mesmo tempo
cooperam entre si.
Já os clusters criativos são locais tanto de trabalho quanto de entretenimento. São
“espaços onde se criam e consomem bens culturais”. Eles incluem “empresas sem fins lucrativos,
instituições culturais, espaços de arte e artistas individuais, mas também parques de ciência e
centros de media” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 11).
26
5. Propriedade Intelectual
Imagem obtida na web.
Os direitos à propriedade intelectual visam proteger as criações
inventivas, singulares, perspicazes e criativas da mente humana.8
Donna Ghelfi.
A moeda que vigora nesta economia é a propriedade intelectual, que tem por objetivo
proteger e assegurar legalmente os direitos autorais, sem os quais os criadores não receberiam
crédito algum – tanto ao que se refere ao retorno financeiro quanto reconhecimento autoral – por
suas idéias e/ou produtos.
Através da propriedade intelectual, transações comerciais de marcas registradas, métodos
de ensino, programas de televisão, músicas, nomes de personagens, etc. são efetuadas da mesma
forma que os produtos físicos. Sendo assim, podemos ver uma personagem da Disney, por
exemplo, estampada em produtos que a empresa não produz. Para tanto, a empresa distribuidora
do produto necessita providenciar um acordo jurídico com a empresa detentora dos direito s sobre
a personagem. Este contrato legal tanto pode se tratar de retorno financeiro ou publicitário, caso o
interesse da empresa criadora da personagem seja divulgar a marca.
A falta de um acordo firmado legalmente entre detentor dos direitos de propriedade da
obra intelectual e distribuidor e/ou reprodutor é prevista na lei, podendo ser classificada como
plágio – quando consistir na utilização da obra intelectual sem autorização do autor –,
contrafação – quando a obra de outro autor for apresentada como própria, seja total ou
parcialmente – ou plágio-contrafação – quando alguém publica uma obra como sendo de sua
autoria, mas, na verdade, se trata apenas de uma tradução de uma obra alheia.
Donna Ghelfi ressalta o aspecto legal da propriedade intelectual:
Enquanto a criatividade e a faculdade inventiva por si só são universais, os direitos exclusivos de propriedade sobre as criações intelectuais, que são inspiradas pela criatividade e pela faculdade inventiva das pessoas, se tornam o
8 Tradução da autora.
27
domínio das normas legais e padrões vinculantes com relação à propriedade sobre as criações intelectuais.9 (2005, p. 13)
Para Howkins, é essencial assegurarmos esses direitos aos autores das obras intelectuais.
“Quanto mais caminhamos em direção a uma economia baseada em idéias mais se faz necessário
garantir que as pessoas que têm essas idéias tenham uma boa vida”10 (GHELFI, 2005, p.6).
6. A Economia da Cultura e da Criatividade
Imagem obtida na web.
A ‘economia criativa’ consiste nas transações dos produtos criativos: Cada transação pode ter dois valores complementares: o valor do intangível, da propriedade intelectual e o valor do suporte físico ou plataforma (se houver). Em algumas indústrias, como as do software digital, o valor da propriedade intelectual é maior. Em outras, como a da arte, o valor do objeto físico é maior.11 – John Howkins
O termo “Economia Criativa” apareceu pela primeira vez na Austrália em 1994 12. No
entanto, a definição mais precisa do termo foi feita no livro The Creative Economy (2001), do
economista inglês John Howkins. Segundo o autor, trata-se de uma economia...
(…) onde as principais matérias-primas e os produtos finais são as idéias, (...) onde a maioria das pessoas passa a maior parte do seu tempo tendo idéias. É uma economia ou sociedade onde as pessoas se preocupam e pensam sobre sua capacidade de ter idéias; onde elas não têm uma rotina de trabalho repetitiva das 9h às 17h, o que foi o que muitas pessoas fizeram por muitos anos, seja no campo ou na fábrica. É onde as pessoas, em qualquer momento, (...) acham que podem ter uma idéia que realmente funciona, não apenas uma idéia com algum tipo de prazer esotérico, mas uma que seja a condutora de sua carreira, de seus pensamentos sobre status e seus pensamentos sobre identidade.13 (GHELFI, 2005, p. 3)
9 Tradução da autora. 10 Tradução da autora. 11 Tradução da autora. 12 Dado retirado de: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/eventos/conteudo_261701.shtml>. Acesso em: 08 de dezembro de 2008. 13 Tradução da autora.
28
A Creative Clusters Ltd.14 apresenta as seguintes estruturas para a Economia Industrial e a
Indústria Criativa, mostrando que esta última é bem mais segmentada.
Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL
Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA
Figura s 1 e 2 retiradas de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy:
An Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia;
Production = Produção; Distribution = Distribuição; Consumption = Consumo e Creative
Clusters = Clusters Criativos.
14 Ver: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa , 2007. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/eventos/conteudo_261701.shtml>. Acesso em: 08 de dezembro de 2008.
29
Howkins está de acordo com a estrutura apresentada da Indústria Criativa, no entanto,
acredita que a “idéia” e a “produção” sejam mais integradas, e a categoria “consumo”
apresentaria melhor esta idéia de integração sendo chamada de “usuário”, já que muitas vezes as
pessoas classificadas sob a categoria “consumo” são as mesmas sob a categoria “idéia”, ou seja, o
consumidor do produto final pode ser também aquele que teve a idéia que originou o produto.
Esta estrutura seria mais circular, como ilustrado na figura a seguir.
Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA
Figura 3 retirada de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy: An
Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia;
Production = Produção; Distribution = Distribuição; e User / Consumption = Usuário /
Consumo.
As indústrias que compõem a Economia Criativa representam cerca de 10% do PIB
mundial, com crescimento anual de 7%, movimentando 1,3 trilhão de dólares no mundo e
gerando 5% dos empregos15. No Brasil, este setor representa 4% do Produto Interno Bruto, que
totalizou R$ 2,4 trilhões em 2007, segundo dados do IBGE. Neste mesmo ano, a movimentação
gerada pela economia criativa foi de aproximadamente R$ 97,5 bilhões. De acordo com o
15 Dados obtidos em: GARSKE, Mara Eliza. Comunicação e o contexto arte, cultura e mercado . Monografia. Santa Cruz do Sul, RS, 2006.
30
SEBRAE, estes números tendem a crescer, uma vez que “as atividades de criação, produção,
circulação e consumo de bens culturais no planeta cresce a uma taxa anual de 6,3%, ao passo que
o restante da economia registra uma expansão de 5,7%” (SATO, 2008, p. 1).
De acordo com pesquisa de Aurilio Caiado da Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados, no Brasil, esta área contrata pessoas “mais instruídas, com salários melhores e com maior
nível de registro em carteira do que a média geral nacional” (ELIAS, 2007, p.1). De acordo com
dados do IBGE, os salários da Economia Criativa são 51% maiores que a média nacional. Em
São Paulo, o número de pessoas ligadas a esta área chega a 7,7% da economia local. 40% dos
trabalhadores das Indústrias Criativas têm entre 11 e 14 anos de escolaridade; a média nacional é
de 29%16.
Em 2004, época em que havia 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos no Brasil, 16
milhões de jovens brasileiros estavam fora da escola. Entre aqueles que freqüentaram a escola, 5
milhões não estudaram além da 5ª série. Pelas projeções de população, é esperado que, em 2010,
haja cerca de 50 milhões de jovens no Brasil17.
No entanto, apesar do crescimento do setor econômico cultural, os jovens ainda não são
grandes consumidores de bens culturais diversificados. Segundo dados da UNESCO de 2004,
“62% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam, 87% não freqüentam teatro, nem
museus, 60% não vão a cinemas e bibliotecas e 59% nunca ou quase nunca foram a estádios e
ginásios esportivos” (BASILE, 2004, p. 1).
Não obstante, ainda que no Brasil os jovens não sejam grandes consumidores de tais bens
culturais, no que se refere a bens tecnológicos – como mídia digital e videogame –, o Brasil se
encontra entre os países que mais consomem estes produtos. Segundo pesquisa da consultoria
Nielsen realizada em 2008, o Brasil está em oitavo lugar na categoria Consumo de Mídias
Digitais. Quanto ao consumo de videogames, ficou em nono; e em música, em primeiro. No
ranking geral, o Brasil aparece como o segundo país que mais consome entretenimento, perdendo
apenas para as Filipinas18.
16 Dados retirados da Agência Sebrae de Notícias. Disponível em: <http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=6749286&canal=36>. Acesso em: 06 de dezembro de 2007. 17 BASILE, Juliano. No Brasil, 60% dos jovens nunca vão ao cinema. Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2004. Disponível em: <http://www2.metodista.br/unesco/jbcc/jbcc_mensal/jbcc264/estado_brasil.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2004. 18 Dados disponíveis no portal Infomoney. Disponível em: <http://web.infomoney.com.br//templates/news/view.asp?codigo=1466146&path=/suasfinancas/estilo/>. Acesso em: 19 de dezembro de 2008.
31
7. A Indústria Editorial
Imagem obtida na web.
Em um país como o Brasil – onde apenas um entre cada quatro habitantes está habilitado para a prática da leitura; onde nossas crianças ocupam os últimos lugares nos estudos internacionais sobre compreensão leitora; onde o índice nacional de leitura é de menos de 2 livros lidos por habitante/ano; e onde a maior parte dos milhões de alfabetizados nas últimas décadas tornou-se analfabeta funcional – a leitura precisa e deve ser tratada como uma prioridade nacional . – Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Uma das indústrias que compõem esta economia criativa é a Indústria Editorial, onde
estão escritores, editores, produtores gráficos, designers gráficos, bibliotecas, livrarias, gráficas,
editoras e vendedores porta-a-porta, todo o processo desde a produção até a distribuição. Um
mercado certamente amplo, mas que ainda se mostra frágil e mal organizado no Brasil, como
apresentado na pesquisa realizada pelos professores Fábio Sá Earp e George Kornis em 2004.
A pesquisa, intitulada A Economia da Cadeia Produtiva do Livro, demonstra não apenas a
falta de organização do setor, mas também que a política brasileira de bibliotecas públicas é uma
das piores. O levantamento demonstrou que mais de mil cidades no Brasil não têm bibliotecas ou
uma coleção pública; isso equivale a 19% das cidades brasileiras.
Além da dificuldade de acesso enfrentada por muitos por falta de um acervo público,
outro obstáculo é encontrado nas livrarias: o preço médio do livro no Brasil é incompatível com a
renda per capita do país. Enquanto aqui o livro é vendido por cerca de 2 dólares em média, no
Japão, o preço médio é de 7 dólares. Porém, ao se considerar o valor da renda total per capita, um
brasileiro conseguiria comprar 1.500 exemplares por ano, enquanto um japonês compraria 4 mil.
Earp e Kornis também revelaram que “o faturamento das editoras brasileiras caiu 48%
entre 1995 e 2003 e a quantidade de exemplares vendidos no mercado diminuiu 50%”
(VELLOSO, 2004, p. 1). Apenas em 2003, 15% da produção total de livros no Brasil não foram
vendidas, o equivalente a 44 milhões de unidades. E o país não é um grande produtor da indústria
do livro quando se é considerado o número de habitantes que tem: enquanto o Brasil produz 340
32
milhões de livros, a França produz 410 milhões. Os números não parecem muito distantes,
entretanto, ele fica preocupante ao se pensar que a população francesa é três vezes menor que a
brasileira.
A conclusão a que os autores chegaram é de que “nosso mercado editorial é
completamente incompatível com o tamanho e a importância do país” (VELLOSO, 2004, p. 1).
Uma alternativa encontrada pelas editoras foi o mercado de bolso, que apresentou um
crescimento em 200719. Estes livros, que muitas vezes trazem obras famosas, ganharam seu
espaço devido ao preço mais acessível e por se encontrarem em pontos de vendas alternativos,
como estações de metrô e rodoviárias, através das máquinas de livro, que são similares àquelas
que vendem refrigerantes, salgadinhos e chocolates20.
Outra área dentro desta indústria que tem apresentado crescimento é o mercado porta-a-
porta. Enquanto todas as editoras do país somam juntas 22 mil funcionários, no mercado porta-a-
porta há 30 mil vendedores, apontaram Earp e Kornis em sua pesquisa. Neste mercado, ganham
destaque os livros religiosos e os infantis. O setor apresentou um crescimento impressionante em
2007, que chegou a 91,3%. “Quase 20 milhões de exemplares foram vendidos pelos vendedores
porta a porta, o que faz do segmento, o terceiro canal de vendas mais importante para as editoras,
ficando atrás apenas das livrarias e dos próprios distribuidores” (TEIXEIRA, 2008, p.1).
Os números para o mercado editorial como um todo foram positivos em 2007 como
aponta outra pesquisa encomendada pelo SNEL e pela CBL: houve um crescimento nominal de
4,62% e um faturamento de 3,013 bilhões de reais. O volume de vendas também aumentou,
sendo de 6,06% a mais que em 2006.
Além da mudança no perfil do consumidor, que teve uma melhoria considerável de renda
nos últimos anos, os livros infantis e religiosos tiveram maior destaque em 2007, sobretudo no
mercado porta-a-porta: o gênero religioso apresentou um aumento de 27% no número de títulos
editados, enquanto o infantil teve 15,1% de aumento em relação a 2006.
Houve um aumento de consumo de livros pela população em geral: o mercado editorial
comprou 6,41% a mais em 2007. Ainda que o maior comprador do mercado, o governo federal,
tenha comprado menos. A pesquisa mostra que houve uma queda na compra efetuada pelo órgão
19 Ver: STRECKER, Marcos. Mercado de livro de bolso avança no país . Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u333115.shtml>. Acesso em: 02 de outubro de 2007. 20 Ver: PEGNTV. Máquinas de vender livros. Pequenas Empresas Grandes Negócios TV, 2008. Disponível em: <http://pegntv.globo.com/Pegn/0,6993,LIR315844-5027,00.html>. Acesso em: 13 de fevereiro de 2008.
33
em 2007: 0,67% a menos que no ano anterior 21. Segundo a pesquisa de Earp e Kornis, o governo
brasileiro compra cerca de 176 milhões de livros para estudantes enquanto o governo dos Estados
Unidos compra 677 milhões, cerca de 284% a mais que o nosso governo. No entanto, a
população americana (305.826.244 de habitantes) é apenas de aproximadamente 59,5% maior
que a brasileira (191.790.900). O governo americano também compra 113 milhões para
bibliotecas; o brasileiro, quase nada.
O reflexo disso pode ser visto na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2007), do
Instituto Pró-Livro, que aponta que 77 milhões de brasileiros não lêem livros, já que o país carece
de uma cultura de incentivo à leitura. “Podemos afirmar (…) que o Brasil só teve, até hoje,
políticas para o livro, jamais para a leitura. Isso explica por que nossa indústria do livro é tão
sofisticada, nosso mercado editorial tão pujante, e nosso povo tão pouco letrado” (PRADO, s/d,
s/d).
Engana-se quem acredita que este é um problema exclusivo daqueles de baixa
escolaridade, já que 8% dos entrevistados com nível superior também não são leitores. A
pesquisa também mostrou dados interessantes sobre o perfil do leitor brasileiro: quem lê mais são
as mulheres e as fases em que mais se lê livros são a infância e a adolescência. “66% dos livros
estão nas mãos de 20% da população; 8% dos brasileiros não têm nenhum livro em casa; e 4%
apenas um” (TELLES, 2008, p.1). Segundo o levantamento, 95 milhões de brasileiros leram
apenas 1 livro nos três meses anteriores à pesquisa, mas destes, apenas 71,7 milhões lêem por
prazer. Um dado interessante relevado pelo estudo é de que nem todos estes brasileiros que se
declararam leitores realmente lêem livros completos; a maioria (55%) lê apenas trechos ou
capítulos. Há ainda os 11% que pulam páginas.
Mesmo com estes dados pouco positivos para a indústria do livro, a obra literária é
preferida por 50% dos leitores, perdendo apenas das revistas (52%). Jornais aparecem com 48% e
leituras na Internet, 20%. A leitura está entre os hobbies de 35% dos brasileiros; entre aqueles
com formação superior, 79% a têm como seu passatempo preferido; já entre os com renda
superior a 10 salários mínimos, é a preferida por 78%. Embora os maiores compradores de livros
estejam na classe C (47%) 22.
21 Dados retirados do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação. Disponível em: <http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=291096>. Acesso em: 14 de outubro de 2008. 22 Dados retirados do portal AdNews. Disponível em: <http://www.adnews.com.br/midia.php?id=81311>. Acesso em: 16 de dezembro de 2008.
34
8. A Indústria Cinematográfica
Imagem obtida na web.
O cinema brasileiro encontra-se hoje diante da situação paradoxal de ter ultrapassado um século de existência sem que tenha conquistado, efetivamente, uma dimensão pública, uma presença social institucionalizada. – Ronaldo Rosas Reis
Embora os números sejam um pouco divergentes, uma coisa é certa: o mercado
cinematográfico apresentou uma queda no número de espectadores em 2006. Ano em que
também diminuiu o número de salas de cinemas no Brasil23.
Há cerca de 16,8 milhões de freqüentadores de cinema no país, além de 3 milhões de
espectadores em potencial, ou seja, que possuem condições financeiras, tempo e acesso às salas,
mas que não têm o hábito de freqüentá-las. Verifica-se aqui o mesmo problema enfrentado pela
indústria editorial brasileira: não se existe o hábito nem a cultura de consumir tais bens culturais.
Tanto não possuem o hábito que, segundo pesquisa da Datafolha, a maioria (44% dos
espectadores) prefere assistir aos filmes em DVD24.
Uma coisa, de fato, há de se notar: um país com mais de 191 milhões de habitantes ter
apenas cerca de 2 mil salas de exibições é, no mínimo, incompatível. Além disso, as salas de
cinema estão cada vez mais se concentrando nos shoppings, o que faz com que o preço médio do
ingresso aumente, dificultando o acesso de pessoas de localizações e classes variadas.
Se no Brasil não há incentivo à leitura, tampouco há ao consumo de obras
cinematográficas, que chegam ao público principalmente através da televisão aberta, já que não
existem cinematecas em número suficiente para atender a toda população brasileira. Ainda que a
23 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u67633.shtml>. Acesso em: 17 de janeiro de 2007. 24 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008.
35
Cinemateca Brasileira, hoje mantida pelo governo federal, possua o maior acervo da América
Latina, ele está concentrado apenas na cidade de São Paulo.
Frederico Barbosa revela em seu estudo (publicado em dois volumes: Economia e Política
Cultural e Política Cultural no Brasil, de 2007) que 60% dos brasileiros nunca foram ao cinema
e 70% nunca foram ao museu. A falta de oferta de bens culturais e equipamentos foi apresentada
como um dos principais motivos, fazendo com que o consumo do produto cinematográfico seja
preferencialmente feito em casa – através de DVD, da televisão, etc.
Em uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, encomendada pelo Sindicato dos
Distribuidores do Rio de Janeiro, delineou-se o perfil dos espectadores brasileiros. Para o estudo,
foi feita uma distinção entre eles, dividindo-os em três categorias: 1) habitual - que vai pelo
menos uma vez a cada 15 dias; 2) médio – que vai pelo menos uma vez a cada 3 meses; e 3)
eventual – que vai pelo menos uma vez por ano.
Entre os espectadores médios e eventuais há a preferência por assist ir aos filmes em
cópias dubladas: 57% e 69%, respectivamente. Já entre os habituais, há um empate técnico: 46%
preferem filmes dublados e 47%, legendados25.
A preferência por cópias dubladas não indica que os espectadores brasileiros prefiram os
filmes nacionais, que, obviamente, não necessitam de dublagem. Os filmes brasileiros
representam apenas 6,9% do acumulado no ano26. Segundo o instituto Datafolha, o principal
motivo para os espectadores não gostarem das produções nacionais é o tema dos filmes, citado
por 80% do entrevistados. A 32% dos espectadores desagradam o excesso de pornografia e o
linguajar, que consideram chulo e vulgar; e 20% consideram os roteiros e temas ruins e sem
conteúdo.
Ainda assim, as famílias brasileiras gastam, em média, 4% da renda com cultura. “A
cultura é algo muito presente e está entre as necessidades fundamentais”, aponta o secretário de
Políticas Culturais do Ministério, Alfredo Manevy, em entrevista à Folha Online (2007, p.1). Os
audiovisuais são os que mais consomem as finanças da família investidas no entretenimento:
41,2%, enquanto apenas 1,65% vai para a compra de livros.
25 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008. 26 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u439154.shtml>. Acesso em: 29 de agosto de 2008.
36
E o mercado cinematográfico está com boas expectativas, pelo menos, no que diz respeito
à sua parceria com o mercado publicitário: “o meio participa com 0,6% do bolo publicitário no
Brasil” (DO RES, 2008, p. 1). Em 2007, o faturamento total com publicidade foi de 75 milhões de
reais e a expectativa para o fim de 2008 era de crescimento em torno de 15% e 18% por cento.
No próximo capítulo, será visto como estas duas indústrias – a editorial e a
cinematográfica – podem se fundir para trazer ao consumidor um novo produto cultural: os
filmes adaptados.
37
CAPÍTULO II - ADAPTAÇÃO
1. ACERCA DA ADAPTAÇÃO FÍLMICA
Uma obra cinematográfica é resultado de diversas fontes. Algumas vezes, pode ser um
roteiro original, em outras, entretanto, é fruto de roteiro adaptado, ou seja, que não foi escrito a
partir de idéias do próprio roteirista, mas sim baseado ou inspirado em outras obras. No entanto,
como aponta o texto Cinema brasileiro e adaptação de literatura ficcional de autores nacionais
– algumas observações, de Antonio de Andrade, Sandra Reimão e Fábio Câmara de Carvalho,
publicado no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007), de Sandra Reimão e Antonio
Andrade (orgs.), “a rigor, existem vários graus de adaptação de uma obra literária para um meio
audiovisual. As mais comuns são: a adaptação propriamente dita; o ‘basear-se em’ e o ‘inspirar-
se em’; e o vago ‘a partir de’” (2007, p. 118).
As autoras Maria Cristina Brandão de Faria e Danubia de Andrade Fernandes também
discorrem sobre esta característica das obras adaptadas:
As adaptações passaram a admitir diferentes graus numa escala que vai da adaptação mais “fiel à obra”, (quando é clara a reprodução de um original transubistanciado) a “adaptação livre” (quando o roteirista dá mais ênfase a um aspecto dramático da obra, criando uma nova estrutura para todo o conjunto) e as que se declaram “baseadas em” (a obra original funciona como ponto de partida material para a construção de uma história que terá nova estrutura); ou ainda, a “recriação” na qual se tomam algumas liberdades com relação ao texto de partida cujas exigências identificatórias com a obra original são totalmente relaxadas. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)
Além destes graus de adaptação, outro aspecto pode variar neste processo: a fonte
utilizada como base ou inspiração para a obra adaptada. Em geral, vêem-se mais obras
cinematográficas que se baseiam em uma fonte literária, no entanto, há muitas outras
possibilidades, ainda que pouco utilizadas. Mesmo as fontes literárias variam, como romances e
poesias, por exemplo. A tabela a seguir apresenta uma listagem de diferentes tipos de fontes
possíveis de servir como base ou inspiração para obras cinematográficas. A tabela também cita
um exemplo de filme para cada caso.
38
TABELA 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
OBRA FONTE PARA ADAPTAÇÃO OBRA CINEMATOGRÁFICA ADAPTADA
Classificação
(Origem ou
suporte)
Tipo
(Gênero ou
categoria)
Fonte
(Autor da obra
original)
Obra fílmica sinopse
Audiovisual Desenho
Animado
Ross
Bagdasarian
Alvin e os
esquilos
(Alvin and the
chipmunks,
2007, EUA),
Direção: Tim
Hill – 92 min -
Comédia
Três esquilos falantes, Alvin, Simon e
Theodore conhecem por acaso Dave
Seville, um compositor que tenta vencer na
carreira. Mas Dave só resolve deixá- los
ficar em sua casa quando descobre que eles
sabem cantar. Eles logo se tornam uma
sensação como cantores, porém, as coisas
se complicam quando os esquilos se
deslumbram com o estrelato e se rebelam
contra Dave.
Audiovisual Filme Lewis
Milestone
Onze homens
e um segredo
(Ocean’s
eleven, 2001,
EUA), Direção:
Steven
Soderbergh –
117 min - Ação
Apenas 24 horas após deixar a penitenciária
de Nova Jersey, Danny Ocean já está pondo
em prática seu mais novo plano: assaltar
três cassinos de Las Vegas em apenas uma
noite, em meio à realização de uma luta que
vale o título mundial dos peso-pesados.
Para tanto , Ocean reúne uma equipe de 11
especialistas a fim de ajudá-lo em seu
plano, seguindo sempre três regras básicas:
não ferir ninguém, não roubar alguém que
realmente não mereça e seguir o plano
como se não tivesse nada a perder.
39
Audiovisual Seriado Chris Carter
Arquivo X - O
filme
(The X-Files -
Fight the
Future, 98,
EUA) –
Direção: Rob
Bowman –
121min –
Ficção
Científica
Dois agentes do FBI vão até Dallas, Texas
para tentar evitar a explosão de um prédio
federal em um atentado terrorista, onde
descobrem que a explosão no qual
supostamente morreram três bombeiros e
uma criança foi causada pelo próprio
governo, para tentar abafar o caso de um
vírus alienígena, que esteve adormecido por
milhares de anos e agora volta à superfície.
Apenas um médico sabe a verdade, mas é
perseguido por agentes do governo.
Audiovisual Vídeo-game id Software
Doom – A
porta do
inferno (Doom,
2005, EUA /
República
Tcheca),
Direção:
Andrzej
Bartkowiak –
100 minutos –
Ficção
científica
Algo estranho aconteceu em uma estação
espacial localizada em Marte. A tripulação
local entrou em estado de quarentena cinco,
antes da comunicação com a Terra ser
bruscamente interrompida. Para investigar
o caso é enviada uma equipe especialmente
treinada para resolver problemas
inesperados, que exijam que seus
integrantes entrem em ação o mais rápido
possível. Só que desta vez eles não tem a
menor idéia de qual é o inimigo que
precisam enfrentar.
40
Cultura
Popular Oral Lenda -
Aconteceu na
Primavera
Fiorile, 93,
ITA/FRA/ALE,
Direção: Paolo
Taviani/Vittori
o Taviani – 122
min - Drama
Em viagem à casa de campo da família,
onde vive sozinho o idoso patriarca,
homem conta à esposa e ao casal de filhos
sobre a maldição que persegue o clã há
mais de cem anos. É uma saga que avança
no tempo e discute a ambição, a traição, o
amor e os laços familiares. A dimensão
trágica prende a atenção ao misturar
romantismo com fantasmas do passado.
História Real Autobiografia Marguerite
Duras
O Amante
(The
Lover/L’Amant,
92, FRA),
Direção Jean-
Jacques
Annaud – 111
min - Drama
Em Saigon, na década de 30, adolescente
branca de origem francesa inicia-se
sexualmente pelas mãos de milionário
chinês. Delicada mas tediosa adaptação,
onde a elevada temperatura das cenas
eróticas não basta para recriar a magia de
que fala a narração em off.
História Real Experiências -
Agonia e
Glória
(The Big Red
One, 80, EUA),
Direção:
Samuel Fuller –
113 min –
Guerra
Durante a II Guerra Mundial, sargento
durão americano comanda pelotão de
infantaria em diversas missões na Europa.
Não há propriamente uma história, mas
diversos episódios alinhavados com
perfeição. O elenco é bom, mas o roteiro
não escapa da dicotomia dentre maus e
bons.
41
História Real Fato Real -
Acusação
(The McMartin
Trail, 95,
EUA), Direção:
Mick Jackson –
127 min –
Drama
Nos Estados Unidos, donos e funcionários
de escola de educação infantil são acusados
de abusarem sexualmente de crianças.
Advogado especializado em “causas
perdidas” tenta provar que eles são
inocentes. O filme procura mostrar como
uma avaliação errada feita pela imprensa
pode desencadear terríveis conseqüências.
A certa altura, a fita dá a entender que o
caso foi “fabricado” por um repórter de TV.
História Real Memórias Louis Malle
Adeus,
Meninos
(Au Revoir les
Enfants, 87,
FRA/ALE),
Direção: Louis
Malle – 103
min - Drama
Em 44, durante a ocupação nazista na
França, num colégio católico para crianças
ricas, os meninos vivem o drama cotidiano
do racismo, da delação e da opressão. É um
bom filme sobre a II Guerra Mundial e um
belo relato sobre a amizade e o ódio entre
as pessoas. Ganhador do Leão de Ouro no
Festival de Veneza.
Jornalístico Reportagem
Revista
Vibe,
reportagem
escrita por
Ken Li
Velozes e
Furiosos (The
fast and the
furious, EUA,
2001), Direção:
Rob Cohen –
107 min –
Aventura
Domenic Toretto é o líder de uma gangue
de corridas de ruas em Los Angeles que
está sendo investigado pela polícia por
roubo de equipamentos eletrônicos. Para
investigá- lo, Brian Spindler é enviado e se
infiltra na gangue com a intenção de
descobrir se Toretto é realmente o autor dos
crimes e se há alguém mais por trás deles.
Filme baseado em reportagem de Ken Li
para a revista Vibe sobre gangues que
fazem “rachas” pelas ruas de Los Angeles.
42
Literária Conto Arthur C.
Clarke
Acidente
Espacial
(Trapped in
Space, 94,
EUA) –
Direção: Arthur
Allan
Seidelman – 89
min – Ficção
Científica
No futuro, uma espaçonave entra em pane;
como conseqüência, apenas três dos cinco
tripulantes têm ar suficiente para chegar ao
fim da viagem. Com inteligentes efeitos
especiais, pouca ação, ritmo tenso e
angustiante, o filme está mais preocupado
em discutir o comportamento ético do ser
humano do que em mostrar a parafernália
tecnológica do futuro.
Literária Fábula Haynes
A Salvo
(Safe, 95,
EUA) –
Direção: Todd
Haynes – 121
min - Drama
Rica dona-de-casa começa a ter surtos
asmáticos e descobre tratar-se de estranha
alergia aos produtos industrializados do
século XX. O diretor desenvolve sua
interessante idéia de forma lenta e
contemplativa, o que pode desagradar
espectadores.
Literária História em
Quadrinhos Akira
Akira
(idem, 88,
JAP), Direção
Katsuhiro
Otomo – 124
min – Desenho
Animado
No Japão do futuro, integrante de gangue
de motoqueiros se envolve com garoto
mutante e, aprisionado pelo governo, é
submetido a radicais experiência s
científicas que lhe causam mutação de
conseqüências desastrosas. Tecnologia de
última geração em computação gráfica
assegura um resultado surpreendente e
criativo. Ação intermitente, com doses
cavalares de violência (sangue e morte são
mostrados em câmera lenta), e brilhante
trilha sonora. Desenho de extremo impacto
visual, baseado na série homônima de
histórias em quadrinhos.
43
Literária Novela Jacques
Tournier
A Amante do
Rei
(The King’s
Whore/La
Putain du Roi,
90,
FRA/ITA/ING)
, Direção: Axel
Corti – 93 min
- Romance
Na Turim do século XVIII, princesa casada
desperta paixão no monarca local. A
história é forte e envolvente, ideal para
fisgar corações românticos. Sedução,
volúpia e hipocrisia são os temas desta bela
produção. A versão original francesa tem
130 minutos e desenvolve melhor suas
entrelinhas.
Literária Poema / Canto
Frei José de
Santa Rita
Durão
Caramuru – A
invenção do
Brasil
(Idem, 2001,
Brasil),
Direção: Guel
Arraes – 88
min - Comédia
Em 1º de janeiro de 1500, um novo mundo
é descoberto pelos europeus, graças a
grandes avanços técnicos na arte náutica e
na elaboração de mapas. É neste contexto
que vive em Portugal o jovem pintor
Diogo, que acaba sendo punido com a
deportação na caravela comandada por
Vasco de Athayde, que naufraga. Ele, por
milagre, consegue chegar ao litoral
brasileiro. Lá, conhece a bela índia
Paraguaçu com quem inicia um romance.
Literária Romance Colin
MacInnes
Absolute
Beginners
(idem, 86,
ING) –
Direção: Julien
Temple – 107
min - Musical
Fotógrafo principiante apaixona-se por
modelo que, ao fazer sucesso, abandona-o
por costureiro. Com inventividade, aborda
conflitos raciais e dá um sugestivo
panorama da música pop na Londres do
final dos anos 50.
44
Musical Música
Antônio
Carlos
Jobim e
Vinícius de
Moraes
Garota de
Ipanema
(Idem, Brasil,
1967), Direção:
Leon Hirszman
– 90 min –
Musical
Márcia é uma típica garota de Ipanema.
Depois de Pedro Paulo, tem um flerte com
o compositor Chico Buarque e uma
aventura com um fotógrafo casado, sempre
amparada pelo amigo Zeca. Incerta quanto
a seu futuro, angustiada em sua busca pela
felicidade, ela representa uma maneira de
ser da classe média. Vive só, em busca de
solução para os seus problemas.
Musical Musical da
Broadway
Jonathan
Larson
Moulin Rouge
- Amor em
Vermelho
(Moulin Rouge,
2001,
EUA/AUS),
Direção: Baz
Luhrmann –
127 min -
Musical
A história se passa em 1899 e gira em torno
de um jovem poeta, Christian, que desafia a
autoridade de seu pai ao se mudar para
Montmartre, Paris - um lugar amoral,
boêmio e onde todos são viciados em
absinto. Lá, ele é recolhido por ninguém
menos do que Toulouse-Lautrec e seus
amigos, cujas vidas são centradas em
Moulin Rouge, um mundo miserável mas
cheio de glamour. Christian se apaixona
pela maior estrela de Moulin Rouge, Satin.
Recebeu o Oscar® de melhor direção de
arte e melhor figurino.
Roteiro Roteiro Barbara
Turner
Além da
escuridão
(Out of
Darkness, 93,
EUA), Direção:
Larry Elikann –
92 min –
Drama
Mulher que sofre de esquizofrenia
paranóica tenta a recuperação com a ajuda
da família e o uso de novos medicamentos.
Drama para TV sobre doentes mentais. O
filme é sóbrio e discreto. Mostra de forma
humana as dificuldades de uma família para
enfrentar o problema e a degeneração
progressiva de uma paciente.
45
Teatral Peça Teatral John
Pielmeyer
Agnes de Deus
(Agnes of God,
85, EUA),
Direção:
Norman
Jewison – 98
min - Drama
Psicanalista tenta esclarecer o estranho caso
de uma noviça que engravida num
convento. As interpretações marcantes das
atrizes principais e a crescente tensão
mantêm o interesse do filme, mas não
consegue esconder sua origem teatral.
* As sinopses dos filmes tomam como fonte o Guia de vídeo 1997 da Editora Abril e o sítio eletrônico www.imdb.com.
Como se pode perceber, há uma enormidade de fontes que podem servir como base para a
transposição de idéias para uma obra cinematográfica. Essas transposições só enriquecem a fonte
original, por permitir uma outra forma de leitura da obra original. No entanto, há um outro ponto
importante abordado por Brandão e Andrade que geralmente causa muita discussão com relação a
estas obras adaptadas: a questão da fidelidade. Esta questão também foi abordada por Francis
Henrik Aubert, no livro As (In)Fidelidades da Tradução: servidões e autonomia do tradutor.
Para ele, o tradutor – ou adaptador – teria uma relação instável com a fidelidade:
A fidelidade na tradução caracteriza-se, pois, pela conjuminação de um certo grau de diversidade com um certo grau de identidade; ela será, não por deficiência intrínseca ou fortuita, mas por definição, por essencialidade, um compromisso (instável) entre essas duas tendências aparentemente antagônicas, atingindo a sua plenitude nesse compromisso e nessa instabilidade (AUBERT, 1994, p.77).
Qualquer processo de tradução, seja entre línguas, seja entre linguagens, tende a ter sua
fidelidade posta à prova devido a esta instabilidade. Todo processo de adaptação entre linguagens
não deixa de ser uma forma de tradução. No caso da adaptação literária para o cinema, trata-se de
transpor signos verbais para sistemas de signos não-verbais, uma forma de tradução
intersemiótica (classificação de Jakobson). No entanto, ao tentar enquadrar uma obra em uma
única idéia julgada “fiel”, estar-se-ia negando as diversas interpretações que esta possa permitir,
como defendem as autoras:
[…] fiscalizar e regular esteticamente a adaptação para o cinema ou televisão, em termos de estrita fidelidade ao texto literário, apaga, teoricamente, a conceptualização deste como entidade geradora de uma
46
infinidade de possibilidades significativas procedentes da flexibilidade e criatividade da linguagem literária nos seus usos metafóricos e topológicos. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)
A fonte literária parece ser a mais freqüentemente utilizada para adaptações
cinematográficas e foi também a usada pelo objeto de estudo deste trabalho. Portanto, visando
sua melhor compreensão, enfocar-se-á, mais à frente, as adaptações literárias para o cinema.
Entretanto, antes, deve-se ressaltar que não é intenção deste trabalho discutir o grau de adaptação
nem de fidelidade da obra adaptada Carandiru, mas procurar verificar o processo de escolhas ao
se adaptar suas personagens.
2. ACERCA DA ADAPTAÇÃO LITERÁRIA PARA O CINEMA
Assim como a literatura, a linguagem do cinema desenvolveu-se “para tornar o cinema
apto a contar estórias; outras opções teriam sido possíveis, […] mas foi a linguagem da ficção
que predominou” (BERNARDET, 1981, p. 33). E este enlace entre literatura e cinema pode ser
expresso através das tantas adaptações literárias para obras cinematográficas.
O curta-metragem Os Guaranis (1908) teria sido o primeiro filme brasileiro a ser baseado
em um romance de um autor brasileiro, embora não se tratasse de uma adaptação propriamente
dita, mas de uma filmagem de uma pantomima circense que, por sua vez, foi baseada na obra de
José de Alencar. No ano seguinte, foi produzido A Cabana do Pai Tomás, película brasileira
adaptada de um autor estrangeiro, mas foi apenas em 1914, que a primeira adaptação
cinematográfica de autor brasileiro teria sido produzida: A Viuvinha, baseada em romance de José
de Alencar (filme que logo em seguida foi destruído pelo produtor). No entanto, esta ligação do
cinema com a literatura já podia ser vista no século anterior, em outros países, como no curta Rei
João, uma adaptação do inglês William-Kennedy Laurie Dickson da obra de William
Shakespeare, datada de 18991.
No livro Manual do Roteiro (1995), que apresenta orientações práticas e consistentes para
o desenvolvimento de roteiros, Syd Field discute esta questão de adaptação para o cinema.
Segundo o autor, este processo seria o mesmo ao de escrever um roteiro original. 1 Dado do portal UOL. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/mostra/30/p_exib_filme_97.shtml>. Acesso em: 05 de abril de 2007.
47
Adaptar um livro para um roteiro significa mudar um (o livro) para o outro (o roteiro), e não superpor um ao outro. Não um romance filmado ou uma peça de teatro filmada. São duas formas diferentes. Uma maçã e uma laranja. Quando você adapta um romance, peça de teatro, artigo ou mesmo uma canção para roteiro, você está trocando uma forma pela outra. Está escrevendo um roteiro baseado em outro material . (FIELD, 1995, p. 174).
Brandão e Andrade sustentam que esta nova obra, adaptada para outro meio, também deve
ser vista como algo diferente de sua origem: “ela será totalmente outra coisa, e como tal deve ser
analisada, vista independentemente de sua origem” (2008, p. 15-16).
Alexandre Henrique, no texto A série Contos da Meia-Noite: textos literários
transmutados para a televisão, presente no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007),
em uma análise desta série televisiva que foi constituída da adaptação de vários contos de autores
brasileiros, conclui que este tipo de transposição pode alterar a percepção dos conceitos de
suporte e mensagem:
A autoria artística, ou seja, o modo peculiar de se produzir um significado, move-se do foco de atenção do suporte da mensagem para o conteúdo expresso nela. (HENRIQUE, 2007, p. 82)
Sendo assim, em uma adaptação, embora haja mudanças – seja por retiradas, seja por
acréscimos –, pode-se verificar a manutenção da essência da obra original. No caso aqui
estudado, pode-se verificar que a obra cinematográfica Carandiru manteve o conteúdo da
mensagem da obra que lhe serviu de base, o livro Estação Carandiru, ainda que apresente
mudanças na composição desta, como no interesse de estudo deste trabalho: a transcriação de
suas personagens adaptadas.
Outra conclusão do autor importante para a análise de transposições literárias para meios
audiovisuais é com relação ao tempo: segundo ele, “o tempo é um fator determinante na
produção televisiva” (2007, p.83). Também o é na produção cinematográfica, talvez com um
pouco mais de mobilidade já que não precisa se encaixar em uma grade de programação, ainda
que esteja subjugado às normas de metragens2. Esta condição a que a obra está sujeita pode
2 Segundo a ANCINE (Agência Nacional do Cinema), as normas para classificação de obras cinematográficas são as seguintes: 1. Curta metragem: duração igual ou inferior a 15 minutos; 2. Média metragem: duração superior a 15 minutos ou inferior a 70 minutos; 3. Longa metragem: duração superior a 70 minutos. Dados disponíveis em: <http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=3150&sid=808>. Acesso em: 17 de setembro de 2007.
48
determinar um caminho na adaptação que pode levar à redução de parte da história e/ou das
personagens.
3. ACERCA DAS PERSONAGENS
A personagem, descrita como um ser fictício construído à semelhança do homem por
Massaud Moisés (1974), é um elemento importante em uma obra. Segundo o autor Antônio
Cândido, ela estaria intrinsecamente interligada com o enredo, pois “o enredo existe através das
personagens; as personagens vivem o enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os
intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e os valores que o
animam”. A personagem serviria para cativar o leitor, buscando uma relação afetiva e intelectual.
Porém, pode-se notar uma variação na construção destas personagens, que podem ser
baseadas em uma ou várias pessoas reais, em outras personagens, etc. Os estudos de Cândido
(1968) nos apontam sete tipos de personagens no que se refere à classificação destas:
1) Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista
por experiência direta – seja interior, seja exterior;
2) Personagens transpostas de modelos anteriores, que o escritor reconstitui
indiretamente, - por documentação ou testemunho, sobre os quais a imaginação
trabalha;
3) Personagens construídas a partir de um modelo real, conhecido pelo escritor, que
serve de eixo, ou ponto de partida;
4) Personagens construídas em torno de um modelo, direta ou indiretamente
conhecido, mas que apenas é um pretexto básico, um estimulante para o trabalho
de caracterização, que explora ao máximo as suas virtualidades por meio da
fantasia, quando não as inventa de maneira que os traços da personagem resultante
não poderiam, logicamente, convir ao modelo;
5) Personagens construídas em torno de um modelo real dominante, que serve de
eixo, ao qual vêm juntar-se outros modelos secundários, tudo refeito e construído
pela imaginação;
49
6) Personagens elaboradas com fragmentos de vários modelos vivos, sem
predominância sensível de uns sobre outros, resultando uma personalidade nova;
7) Personagens cujas raízes desaparecem de tal modo na personalidade fictícia
resultante, que, ou não têm qualquer modelo consciente, ou os elementos
eventualmente tomados à realidade não podem ser traçados pelo autor.
Portanto, apesar desta vasta gama de possibilidades de construção de personagens, pode-
se notar que em todos os casos houve um trabalho de criação, uma vez que não se pode
reproduzir a realidade em sua totalidade. Sendo assim, “a natureza da personagem depende em
parte da concepção que preside o romance e das intenções do romancista” (CÂNDIDO, 1968,
p.74).
4. ACERCA DAS OBRAS ANALISADAS
4.1 Estação Carandiru
A obra Estação Carandiru, de Drauzio Varella, foi classificada como “livro-reportagem”,
portanto, retomando as fontes usadas para adaptação cinematográfica, trata-se de uma fonte
literária. O foco deste trabalho recairá sobre suas personagens, que, neste caso, se encaixam
literalmente na descrição de Massaud Moisés por serem personagens baseadas em pessoas reais,
as quais estiveram em contato direto com o autor-narrador. Elas servirão como base para a análise
das personagens cinematográficas, pois foram a fonte da adaptação destas. Para tanto , serão
classificadas e mais detalhadas no capítulo III.
50
4.2 Carandiru
A obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, baseada na obra anteriormente
mencionada, apresenta variados tipos de personagens – segundo a classificação de Cândido –
porém, um aspecto importante que se deve ressaltar com relação às suas personagens é que elas
representam menos de 25% do número total de personagens apresentadas no livro no qual se
baseou. Isto pode ser explicado, em parte, por esta necessidade de se adequar ao tempo
estabelecido para uma obra cinematográfica, no entanto, compreende-se que há outros fatores que
influenciam na confecção de uma obra, e é de interesse deste trabalho investigar qual ou quais
foram estes outros fatores que determinaram a construção das personagens fílmicas de
Carandiru. No entanto, deve-se esclarecer que não é intuito deste trabalho analisar o grau de
adaptação nem de fidelidade desta obra.
A riqueza do cinema não é “a <reprodução da vida>, mas o poder de extrair da vida aquilo
de que tem necessidade para fabricar a matéria-prima da sua ficção” (LEBEL, 1972, p. 109-110).
51
CAPÍTULO III - O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU:
SUAS PERSONAGENS
1. ESTAÇÃO CARANDIRU: O LIVRO
Imagem obtida na web.
O livro Estação Carandiru, escrito pelo médico cancerologista Drauzio Varella, foi
publicado em 7 de junho de 1999, pela editora Companhia das Letras. A obra, que traz o relato do
trabalho voluntário de Drauzio como médico na Casa de Detenção de São Paulo, tem 297
páginas, além de 64 páginas de fotos, dividas em duas seções de 32 páginas. A primeira seção,
que se encontra após a página 94, contém 40 imagens, todas coloridas. Destas, 1 é creditada ao
Acervo Waldemar Gonçalves; 2 a Bob Wolfenson; 30 a Drauzio Varella; 3 a João Wainer e 2 à
Rachel Guedes. A segunda seção de imagens, que vem após a página 222, conta com um total de
57 fotos, todas em preto e branco. Destas, 1 é creditada à Agência Estado (Luiz Prado); 9 a André
Brandão; 1 à Comissão Teotônio Vilela (Carlos César Grama); 16 a Drauzio Varella; 13 à Folha
Imagem (1 a Juvenal Pereira, 1 à Marlene Bergamo, 1 a Niels Andreas, 1 a Matuiti Mayezo, 1 a
Eduardo Knapp, 1 a Eder Chiodetto, 1 a Carlos Goldgrub, 1 a Luiz Carlos Murauskas, 1 a Lalo
de Almeida, 2 a Flávio Florido e 2 a Jorge Araújo) e 5 à Rachel Guedes. Todas a fotos são da
década de 1990. A capa, realizada a partir de uma fotografia sobre a qual Hélio de Almeida
trabalhou, é de André Brandão. A contracapa recebeu três comentários retirados dos jornais O
Estado de São Paulo (por José Castello), O Globo (por Arnaldo Jabor) e Folha de São Paulo (por
Fernando Bonassi). Drauzio contou com a colaboração de Silvana Jeha na pesquisa iconográfica,
52
Denise Pegorim colaborou na preparação da edição e Carmen S. da Costa, Ana Maria Barbosa e
Eliana Antonioli, na revisão.
A obra, que foi incluída na categoria “reportagem” pela Câmara Brasileira do Livro
(CBL), é um relato das experiências de Drauzio Varella naquele que foi o maior presídio da
América Latina. Durante mais de dez anos, Drauzio realizou, nesta penitenciária que era
conhecida como “Carandiru”, um trabalho de prevenção à AIDS junto aos detentos e, desta
convivência, nasceu o livro “Estação Carandiru”. No texto, é possível conhecer a história de mais
de 200 personagens entre detentos, funcionários, amigos e parentes. A narrativa apresenta as falas
das personagens com suas linguagens cotidianas, cheias de gírias e figuras de linguagem, e revela
como funciona o código interno que rege o comportamento carcerário. Segundo explica Varella
(2005, p. 9), com este livro, ele procurou “mostrar que a perda da liberdade e a restrição do
espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam”.
Em 1999, ano de lançamento de Estação Carandiru, segundo dados da CBL e do SNEL
(Sindicato Nacional do Editores de Livros), foram produzidos 43.697 livros e impressos
295.442.356 exemplares (1ª edição e reedição) no Brasil1. Destes exemplares, 289.679.546 foram
vendidos, totalizando um faturamento de R$1.817.826.339. Durante seu primeiro ano de
vendagem, o livro de Drauzio vendeu aproximadamente 120 mil exemplares2. Até 2004, foram
vendidas 450 mil cópias3. O livro permaneceu por mais de 150 semanas na lista dos best-sellers4.
De acordo com o cineasta Roberto Moreira, em entrevista cedida à Faculdade Cásper Líbero, o
livro “vendeu mais de 1 milhão de exemplares”5. No ano 2000, “Estação Carandiru” foi premiado
com o Jabuti na categoria “reportagem”.
1 Dados da SNEL. Disponível em: <http://www.snel.org.br/ui/pesquisaMercado/diagnostico.aspx>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 2 Dados da revista Época. Disponível em: <http://epoca.globo.com/especiais/2anos/cultura.htm>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 3 Dados da revista Veja, edição 1866 de 11 de agosto de 2004. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/110804/p_114.html>. Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 4 Dados da Revista de Cinema, edição 36. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao36/carandiru/index.shtml>. Acesso em: 18 de dezembro de 2007. 5 Entrevista realizada em 9 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.facasper.com.br/cultura/site/entrevistas.php?tabela=&id=65>. Acesso em: 18 de dezembro de 2007.
53
2. ESTAÇÃO CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS
Esta abordagem da obra Estação Carandiru enfatizará o perfil de suas personagens
principais e secundárias.
Massaud Moisés caracteriza a personagem do texto literário como “os seres fictícios
construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são
‘pessoas’ imaginárias; se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no
espaço arquitetado pela fantasia do prosador” (1974, p. 396).
No texto A personagem do romance, incluído no livro A personagem de ficção, de
Antônio Cândido, Anatol Rosenfeld, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes, lê-se
“a personagem vive o enredo e as idéias, e os torna vivos” (1968, p. 54). Dos três elementos de
uma novela: enredo, idéia e personagem, esse último se destaca. Citando: “no meio deles (os
elementos da novela) avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e
intelectual do leitor (...)” (1968, p. 54).
O mesmo texto acima citado, enfatizando a importância da personagem no texto literário
cita um texto de Gide (1968, p.54): “Tento enrolar os fios variados do enredo e a complexidade
dos meus pensamentos em torno destas pequenas bobinas vivas que são cada uma das minhas
personagens” (ob. cit., p. 26).
Deve se lembrar que, no caso do texto Estação Carandiru, a maioria das personagens é
explicitamente baseada em pessoas reais. Citando:
(...) procuro abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes, estupradores, assassinos. (...) Por razões éticas, os casos descritos nem sempre se passaram com os personagens a que foram atribuídos. (VARELLA, 2005, p. 9-10)
Esta citação salienta a oportunidade da definição acima citada de Massaud Mo isés, porém
há de ser complementada, citando Antônio Cândido (1968), devemos lembrar que “o romancista
é incapaz de reproduzir a vida, seja na singularidade dos indivíduos, seja na coletividade dos
grupos”.
Seguindo a classificação proposta por Cândido, podemos dizer que as personagem de
Estação Carandiru se encaixam no primeiro tipo descrito por ele, ou seja, são personagens
“transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta, —
54
seja interior, seja exterior ”. Neste caso, trata-se de uma experiência direta exterior, já que o autor
esteve em contato direto com as pessoas.
A seguir, será apresentado um levantamento das personagens da obra Estação Carandiru.
A classificação é composta de cinco itens: o nome da personagem, uma definição elaborada a
partir dos dados do livro, a primeira referência feita à personagem no livro, o capítulo e o número
da página desta primeira referência.
Essa listagem apresenta a relação de todas as personagens de Estação Carandiru,
totalizando 206, sendo 190 homens e 16 mulheres. Elas podem ou não ter estado em contato com
Drauzio Varella, este não foi um critério de exclusão. A listagem segue a ordem de aparecimento
das personagens no livro.
TABELA 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO
Nome Descrição 1ª Referência Capítulo Página
Narrador
Médico que foi à Casa
de Detenção para fazer
um trabalho de
prevenção à AIDS.
“Quando eu era
pequeno, assistia
eletrizado àqueles
filmes de cadeia em
branco e preto.”
Introdução 9
Dr. Getúlio
Ex-aluno de Drauzio do
cursinho. Cuidava dos
detentos com AIDS.
“...a figura calada do
dr. Getúlio, meu ex-
aluno no cursinho...”
Introdução 9
Dr. Manoel
Schechtemn
Médico responsável
pelo sistema prisional.
“...procurei o dr.
Manoel Schechtman,
responsável pelo
departamento médico
do sistema prisional...”
Introdução 9
55
Paulo
Garfunkel6
Escreveu “O Vira Lata”
(HQ).
“...O Vira Lata, um
Carlos Zéfiro dos anos
90 escrito por Paulo
Garfunkel...”
Introdução 10
Líbero
Malavoglia6
Desenhou “O Vira
Lata” (HQ).
“...escrito por Paulo
Garfunkel e desenhado
por Líbero
Malavoglia...”
Introdução 10
Seu Jesus
Diretor de Vigilância,
ex- lutador profissional
120 quilos. Depois,
virou pastor protestante.
“Seu Jesus, diretor de
Vigilância, ex- lutador
profissional de luta
livre...”
Estação
Carandiru 14
Xavier Ajudante do
marceneiro-chefe.
“Só então escutei a voz
empostada do ajudante:
-Reeducando Xavier às
suas ordens, doutor.”
Estação
Carandiru 15
-
Funcionário do pavilhão
Oito, atarracado, de
bigode, surpreendido na
revista com um pacote
de crack amarrado à
face interna das coxas.
“...um funcionário do
pavilhão Oito,
atarracado, de bigode,
quis entrar com um
pacote de crack...”
Estação
Carandiru 15
-
Malandro desdentado,
com gingado, sandália
de dedo e T-shirt escrito
New York University.
“Em minha direção
vem um malandro
desdentado, na
ginga...”
Estação
Carandiru 16
6 Embora possam ser entendidas mais como ambientação que personagens de fato, foram consideradas como personagens na análise deste estudo.
56
Seu Jeremias
Um senhor negro
baiano, de cabelo de
carapinha branco, pai de
18 filhos com a mesma
mulher, firme de
caráter, cumprindo sete
anos desta vez,
sobrevivente de 15
rebeliões.
“O velho Jeremias, de
carapinha branca,
sobrevivente de quinze
rebeliões e pai de
dezoito filhos com a
mesma mulher...”
O casarão 19
Genival Paciente do DM (doente
mental).
“Genival, um dos
habitantes do setor, diz
que perdeu o juízo por
causa da visão de um
senhor que ele
matou...”
Os pavilhões 25
Bigode
Forte, chefe de
quadrilha de piratas de
Santos, cumpre 213
anos.
“Como diz Bigode, um
homem de caráter forte,
antigo no pavilhão...”
Os pavilhões 26
Seu Lupércio
Viciado e traficante de
maconha de 82 anos de
idade, criado num
orfanato de Poá. Foi
massagista do São
Paulo, se orgulha de
nunca haver roubado.
“Seu Lupércio, com
mais de oitenta anos e
dezenas de entradas e
saídas na Casa por
fumar e vender
maconha...”
Os pavilhões 27
Caçapa
Ladrão que cumpre 5
anos por assalto a banco
no qual ganhou US$ 20
mil.
“Caçapa, um ladrão
que cumpre cinco anos
no Seis, que ganhou 20
mil dólares num assalto
a banco...”
Os pavilhões 30
57
Rolney
Ladrão que cumpriu 12
anos e voltou por matar
o amigo-amante de sua
mulher.
“Rolney, um ladrão da
zona sul que cumpriu
doze anos no pavilhão
e foi libertado...”
Os pavilhões 33
Gersinho
Assaltante primário, de
19 anos, portador de
vírus HIV, acolhido por
ladrão antigo que o viu
nascer.
“Gersinho, portador do
vírus da AIDS,
dezenove anos,
assaltante primário
aceito no pavilhão...”
Os pavilhões 33
Majestade
Assaltante dos anos 70,
cumpre pena há 20 anos
no Nove. Presidente de
Esportes do Nove.
“Majestade, assaltante
dos anos 70 que
cumpre pena há vinte
anos sem sair do
Nove...”
Os pavilhões 35
Juscelino
Mineiro de sorriso
encantador, traficante
de maconha no sertão
de Pernambuco e trazia
a droga na mochila.
“...como explica
Juscelino, um mineiro
de sorriso encantador
que comprava maconha
no sertão de
Pernambuco...”
O barraco 36
Dr. Walter
Chegou a diretor-geral
do presídio. Começou
como carcereiro e
depois se formou
advogado.
“Na opinião do dr.
Walter, que começou
ainda menino como
carcereiro, formou-se
advogado e chegou a
diretor-geral do
presídio...”
O barraco 36
58
Valtércio
Arrombador de carros.
Num dia roubou 8
televisores no porta-
malas na frente do
Fórum.
“Valtércio, um
arrombador de carros
que, num dia de Copa,
roubou oito
televisores...”
O barraco 37
Sabiá
Ex-motorista da
prefeitura que usava o
carro oficial para
entregar cocaína.
Apaixonou-se por uma
mocinha da Repartição
e foi entregue à polícia
pela esposa traída.
“Sabiá, ex-motorista da
prefeitura que usava o
carro oficial para
entregar cocaína no
centro da cidade...”
O barraco 41
Jaquelina
Travesti lavadeira e
passadeira preso por
aplicar o golpe do
suador. Descobriram
que ele ensaboava as
roupas na água da
privada.
“...Jaquelina, uma
travesti lavadeira e
passadeira presa por
aplicar o golpe
do suador...”
O barraco 42
Sem-Chance
Ladrão escolado,
mulato franzino que
ganhou o apelido de
tanto repetir essas
palavras no final das
frases. Viciado em
crack. Tinha
tuberculose.
“...como explica o
Sem-Chance, um
mulato franzino que
ganhou o apelido de
tanto repetir essas
palavras no final das
frases:”
Sol e lua 44
59
Pequeno
Rapaz de língua presa,
de um metro e meio de
altura, que matou quatro
PMs que, segundo ele,
mataram seus pais.
“A verdadeira história
pouco depois eu ouvi
do Pequeno, um rapaz
de língua presa...”
Sol e lua 46
Waldemar
Gonçalves
Diretor do
Departamento de
Esportes, tem o hábito
de mascar cravos que
ele guarda numa latinha
de pastilhas Valda.
“...comandados pelo
diretor do
Departamento de
Esportes, o funcionário
Waldemar
Gonçalves...”
Sol e lua 47
Seu Reinaldo
Drumond
Funcionário da portaria,
negro, forte como touro.
“Seu Reinaldo
Drumond, um
funcionário da portaria,
negro...”
Sol e lua 47
Gaúcho
Zagueiro com cara de
amazonense, que tinha
chegado na periferia de
São Paulo há vinte
anos, como assentador
de azulejo. Meteu-se em
uma briga em que
perderam a vida dois
contendores. Acabou
sócio de um amigo
ladrão.
“Era o Gaúcho, um
zagueiro com cara de
amazonense, que tinha
chegado na periferia de
São Paulo há vinte
anos...”
Sol e lua 48
60
-
Uma senhora do Paraná,
de coque no cabelo e
pernas grossas de
varizes, que viajava 600
km de ônibus a cada 15
dias para visitar o filho
condenado a 120 anos,
que chacinou 6 pessoas.
“Uma senhora do
Paraná, de coque no
cabelo e pernas grossas
de varizes, viajava
seiscentos quilômetros
de ônibus a cada quinze
dias, religiosamente...”
Fim de
semana 51
Pirata
Chefe de uma quadrilha
que abordava navios na
barra de Santos,
encarregado de prender
uma corda com gancho
na murada por onde
subiam com as
metralhadoras.
“Num sábado, no
campo do Oito, conheci
a mãe do Pirata, uma
senhora ba ixa e
encorpada...”
Fim de
semana 52
Seu Mavi Diretor do pavilhão
Nove.
“Uma vez, seu Mavi,
diretor do pavilhão
Nove, perguntou a um
grupo de presos que se
queixava da comida:”
Fim de
semana 53
Xanto
Ladrão do Pari que
baleou seus dois primos
e seu tio bêbado, que
espancava sua tia-
madrinha, no peito por
não saber dar tiro nas
pernas de ninguém.
“No plano Collor, no
auge do congelamento,
Xanto, um ladrão que
ao visitar a tia-
madrinha no Pari
baleou tanto o tio
bêbado...”
Fim de
semana 53
61
Zilá
Mulata de sorriso
franco. Tinha quatro
filhas, das quais apenas
a mais velha havia sido
concebida com o pai em
liberdade, seis anos
antes.
“Uma mulata de sorriso
franco, Zilá, das
primeiras na ordem de
chegada, disse que
estava muito feliz...”
Fim de
semana 55
Fran
Vizinha de Zilá,
magrinha, tímida, que
podia ter no máximo 20
anos. Foi ao presídio
para ser apresentada a
Roberval.
“...tinha chegado a
Fran, uma vizinha do
Taboão da Serra,
magrinha, tímida, que
podia ter no máximo
vinte anos.”
Fim de
semana 55
Roberval
Um mulherengo de
bigode, sócio do marido
de Zilá no negócio de
assaltar carga.
“...você quer conhecer
o Roberval eu te levo,
mas não desejo para
ninguém o cansaço da
fila...”
Fim de
semana 55
Genésio
Nordestino cicioso que
fez mais de cem
assaltos e esbanjou todo
dinheiro nas boates da
Zona Norte.
“...Genésio, um
nordestino cicioso que
esbanjou nas boates da
zona norte o dinheiro
roubado em mais de
cem assaltos...”
Visitas
íntimas 61
62
Sheila
Travesti condenado a 3
anos e 2 meses por usar
um talão de cheque
roubado. Seios
enormes, blusa com nó
acima do umbigo,
confessava mais de mil
parceiros sexuais na
Casa de Detenção no
decorrer do ano anterior
à pesquisa.
“No trabalho com os
travestis, encontramos
o caso da Sheila,
condenada a três anos e
dois meses...”
O baque 65
Chocolate
Ladrão azarado do
Jardim Bonfiglioli que
roubou, sem saber, a
casa da namorada do tio
traficante e depois,
assaltou uma outra sem
saber que era do filho
de um delegado.
“Chocolate, um ladrão
azarado do Jardim
Bonfiglioli que roubou,
sem saber, a casa da
namorada do tio
traficante...”
O baque 65
Chico Ladeira
Ladrão de fala mansa,
marido de uma mulher
bonita da qual morria de
ciúmes, fabricava
seringas. Preso em um
assalto a um templo da
Igreja Universal.
“...Chico Ladeira, preso
por seguranças
armados de
metralhadora num
assalto a um templo da
igreja Universal...”
O baque 66
Coça-Coça
Recebeu o apelido do
amigo, que lhe flagrou
pedindo para uma
prostituta passar a unha
em suas costas.
“Acharam uma grinfa
ainda com sangue
dentro, deba ixo da
cama do Coça-Coça.”
O baque 66
63
-
Jamaicano, negro, de
rosto comprido, recém-
saído da cadeia.
“...um jamaicano negro
de rosto comprido,
recém-saído da cadeia,
que dizia ter sido preso
injustamente...”
O baque 67
-
Filho de árabe,
envelhecido
precocemente.
“...um filho de árabes
envelhecido
precocemente;”
O baque 67
-
Magrelo, de dentes
estragados, pai de dois
filhos. Assaltava
bilheterias do metrô.
“...um magrelo de
dentes estragados pai
de dois filhos, que
assaltava bilheteria de
metrô;”
O baque 67
-
Nissei da máfia, que
explorava lenocínio nas
boates da Liberdade.
“...um nissei da máfia
que explorava
lenocínio nas boates da
Liberdade, o bairro
oriental de São Paulo.”
O baque 67
Roberto
Funcionário da UNIP,
responsável pela
montagem do cinema.
Apelidado de PC pelos
detentos devido à
semelhança física com
o personagem de
Alagoas.
“O trabalho de
montagem ficava por
conta de dois
funcionários da UNIP,
o Roberto e o Luís...”
No cinema 70
Luís
Funcionário da UNIP,
responsável pela
montagem do cinema.
“O trabalho de
montagem ficava por
conta de dois
funcionários da UNIP,
o Roberto e o Luís...”
No cinema 70
64
Gerson Coordenador do
pavilhão Oito.
“...ajudados por uma
equipe de detentos
coordenada pelo
Gerson do pavilhão
Oito.”
No cinema 70
Seu Florisval
Diretor de Disciplina.
Começou como
carcereiro e chegou a
diretor.
“Durante as primeiras
palestras, seu Florisval,
o diretor de Disciplina,
postava-se no palco...”
No cinema 71
Hernani
Um senhor de cabelo
grisalho, especialista no
golpe da arara.
“Hernani, um falsário
ou “171”, como prefere
a malandragem...”
No cinema 71
Santista
Ladrão que dizia ter
aproveitado a vida.
Viciado em cocaína .
Esbanjava dinheiro
roubado com moças de
boates.
“...eu respondia às
perguntas feitas num
outro microfone com
fio comp rido levado
pelo Santista...”
No cinema 72
Santão
Assaltante e receptador,
nascido sem uma
orelha, mulato
musculoso cumprindo
18 anos por assalto a
banco, que ajudava a
montar o equipamento
de som, era um dos
mais revoltados.
“Santão, um mulato
musculoso cumprindo
dezoito anos por assalto
a banco, que ajudava a
montar o equipamento
de som...”
No cinema 74
65
Benê
Filho de alcoólatra que
odiava bêbado e baleou
dois deles numa padaria
de Parelheiros porque
importunaram uma
moça. Homem de
poucas palavras e
moral. Apitou a decisão
do campeonato interno
de futebol.
“Na semana seguinte,
antes de começar a
palestra, o Benê, um
filho de alcoólatra...”
No cinema 74
Rita Cadillac
Ex-chacrete que
encantava os homens
diante da TV, sábado à
noite.
“Para abrilhantar a
cerimônia, o Waldemar
convidou Rita
Cadillac...”
Rita Cadillac 76
Dr. Mário
Mustaro
Chefe do serviço
médico da Casa e ex-
professor de bioquímica
de Drauzio na
faculdade.
“...para acertar os
detalhes com o dr.
Mário Mustaro, o chefe
do serviço médico da
Casa...”
Atropelo na
Divinéia 80
Edelso
Primeiro enfermeiro de
Drauzio. Rapaz com
jeito de classe média,
preso por roubo de
automóvel e exercício
ilegal da medicina.
“...conheci meu
primeiro enfermeiro,
Edelso, um rapaz com
jeitão de classe média,
preso por roubo de
automóvel...”
Atropelo na
Divinéia 80
-
Um mulato, baixinho e
troncudo, de camisa
aberta, que fez um
carcereiro refém.
“Um mulato, baixinho
e troncudo, de camisa
aberta, à direita do
refém, com uma das
mãos segurou- lhe...”
Atropelo na
Divinéia 81
66
-
Branco de cabelo
desgrenhado, dentes
falhados na frente, que
fez um carcereiro
refém.
“Do lado oposto, um
branco de cabelo
desgrenhado, dentes
falhados na frente,
mantinha posição
simétrica...”
Atropelo na
Divinéia 81
-
Fortão, musculoso de
malhação, que fez um
carcereiro refém.
“O terceiro, musculoso
de malhação, puxava o
refém pela gola...”
Atropelo na
Divinéia 81
-
Preso sem camisa, com
cara de boxeador.
Enfermeiro que cuidava
de um doente.
“Neste, sob a água que
escorria em pingos
grossos, um preso sem
camisa, com cara de
boxeador...”
Bem-vindo 83
-
Paciente com ferida no
rosto que pegava toda
região frontal direita,
provocada por Herpes-
Zoster, vírus
oportunista dos casos de
AIDS.
“O paciente tinha ferida
cruenta no rosto,
extensa, que pegava
toda a região frontal
direita, avançava sobre
as pálpebras...”
Bem-vindo 83
-
Ladrão de automóveis
de Santo André, que
estava só pele e osso e
tossia e cuspia uma
secreção sanguinolenta.
“No final, entrei no
quarto de um rapaz de
Santo André, ladrão de
automóveis...”
Bem-vindo 84
67
Juliano
Um dos enfermeiros,
fortão, de bigode, que
puxava a perna
esquerda atingida numa
emboscada em que
perderam a vida um
irmão e outro parceiro.
Era especializado em
bancos e carros-fortes.
“Um dos enfermeiros,
Juliano, fortão, de
bigode, que puxava
a perna esquerda...”
Bem-vindo 84
Pedrinho
Um tipo de barba
cerrada e passado
misterioso. Tinha três
balas alojadas no tórax
e foi condenado a 22
anos.
“...Pedrinho, um tipo de
barba cerrada e passado
misterioso, com três
balas alojadas no
tórax...”
O impacto 86
-
Guarda-costas de um
traficante da Rocinha,
falava com sotaque
carioca arrastado e
usava a camiseta do
Flamengo. Tinha os
braços cobertos de
feridas que ele coçava
ininterruptamente.
“Um deles, guarda-
costas de um traficante
da Rocinha, vestido
com a camiseta do
Flamengo...”
O impacto 87
Mil e Um
Apelidado pela falta dos
quatro incisivos na
arcada superior, era
HIV positivo.
Traficante de crack.
“Uma vez, chegou um
doente chamado Mil e
Um, referência à falta
dos quatro incisivos na
arcada superior...”
Biotônico
Fontoura 91
68
Turco
Descendente de árabes,
nariz avantajado, cheio
de correntes
embaraçadas nos pêlos
do peito. Anos mais
tarde, fugiu por um
túnel cavado no
pavilhão Sete.
“Eu nem sabia que
ainda fabricavam o tal
tônico revigorante e dei
a receita ao Turco...”
Biotônico
Fontoura 93
-
Ladrão do pavilhão
Sete. Tinha lábios
rachados de febre,
conjuntiva amarela -
avermelhada e dor nos
músculos, causada pela
leptospirose. Trabalhou
no túnel feito para fuga.
“Um dia de chuva,
entrou um ladrão do
pavilhão Sete enrolado
num cobertor, feito um
beduíno do deserto,
apenas os olhos de
fora.”
Leptospirose 96
Rolha
Obeso, entalou na boca
do túnel disfarçada atrás
da imagem da santa.
“O Rolha, conforme
ficou conhecido esse
rapaz, foi transferido da
Detenção às pressas...”
Leptospirose 98
Zico Tinha fama de bandidão
na Vila Guaram.
“Uma vez, Zico, com
fama de bandidão na
Vila Guaram,
reconheceu a
fisionomia de um
recém-chegado...”
Anjos-
Demônios 101
Bolacha
Encarregado-geral,
negro de lábios grossos,
ladrão de longa carreira.
“...um negro de lábios
grossos conhecido
como Bolacha, ladrão
de longa carreira:”
Anjos-
Demônios 101
69
Kenedi Baptista
dos Santos,
conhecido como
Zé da Casa
Verde
Era ladrão desde a
adolescência. Negro,
assaltante de banco,
casado com duas
mulheres, Valda e
Maria Luísa.
“Zé da Casa Verde,
marido de duas
mulheres, na época
internado na
enfermaria, fez o
seguinte comentário...”
Anjos-
Demônios 102
Abrão
Nordestino atarracado,
ex-proprietário de
inferninho no cais de
Santos, cumprindo 25
anos pela morte de um
cliente que bateu em
uma de suas prostitutas.
“Abrão, um nordestino
atarracado, ex-
proprietário de
inferninho no cais de
Santos...”
Anjos-
Demônios 103
Seu Joãozinho
Um senhor baixinho
que guardava o portão
de acesso à Divinéia,
morreu esmagado pelo
caminhão de lixo no
portão da Divinéia, em
uma tentativa de fuga.
“Um homem que não
fazia mal para uma
mosca, como o seu
Joãozinho, morreu
esmagado pelo
caminhão de lixo...”
Os
funcionários 106
Seu Aparecido
Fidélis
Funcionário experiente,
cadeeiro da velha
guarda.
“...como disse seu
Aparecido Fidélis,
funcionário experiente,
enquanto tomávamos
um chope...”
Os
funcionários 107
Chico Bagana
Ladrão de muitas
passagens pela Casa,
gozador empedernido.
“...em voz baixa o
Chico Bagana, ladrão
de muitas passagens
pela Casa...”
Os
funcionários 111
70
Seu Reinaldo Carcereiro que trabalha
na portaria.
“...a única explicação
para não ocorrerem
fugas espetaculares,
daquelas de esvaziar
pavilhão, é a dada pelo
seu Reinaldo, da
portaria:”
Os
funcionários 111
Seu Bonilha
Ex-diretor do Cinco,
que uma vez pagou do
bolso um pacote de
cigarro que um ladrão
devia, só para evitar um
homicídio a mais em
seu pavilhão.
“Como diz seu
Bonilha, ex-diretor do
Cinco, que uma vez
pagou do bolso um
pacote de cigarro que
um ladrão devia...”
Os
funcionários 112
Luisão
Legendário ex-diretor
da Casa, atualmente
aposentado.
“Luisão, legendário ex-
diretor da Casa, jura
que era capaz de
identificar aqueles nos
quais a alcagüetagem é
qualidade inata:”
Os
funcionários 113
Coronel Guedes
Um militar dos anos 70.
Os detentos mais velhos
o consideram como o
melhor diretor de todos
os tempos.
“Curioso é que os
presos mais velhos
consideram o coronel
Guedes, um militar dos
anos 70, época da
ditadura...”
Os
funcionários 114
71
Alagoas
Detento que foi morto
por oito homens a
facadas e pauladas.
“-Chegaram oito com
faca e pau no xadrez do
tal de Alagoas. Ele me
viu e começou a gritar:
me ajuda, seu Paulo,
pelo amor de Deus!”
Os
funcionários 115
Seu Paulo
Um funcionário de
trinta e poucos anos que
faz bico como
segurança de um
prostíbulo em Diadema.
“Ele me viu e começou
a gritar: me ajuda, seu
Paulo, pelo amor de
Deus!”
Os
funcionários 115
Seu Lourival Funcionário calejado.
“Uma vez, seu
Lourival, funcionário
calejado, comentou a
respeito de um episódio
rumoroso...”
Os
funcionários 115
-
Membro da igreja
universal que apanhou
dos ladrões no pavilhão
Nove quando o
pegaram fumando
cigarro escondido.
“Uma vez, atendi na
enfermaria um membro
da Igreja Universal que
apanhou dos ladrões...”
O rebanho 118
-
Pastor do Cinco,
homem em formato de
barril, preso por vender
lotes no meio da represa
Billings e outros golpes
contra a economia
popular.
“Tarefa muitas vezes
inglória, como
esclarece um dos
pastores do quinto
andar do Cinco, um
homem em formato de
barril...”
O rebanho 118
72
-
Diácono de olhar
piedoso. Cumpre pena
por assalto, tráfico de
crack e participação em
uma chacina na favela
de Heliópolis.
“Ficam sob observação
durante três ou quatro
anos antes de serem
indicados, segundo um
diácono de olhar
piedoso...”
O rebanho 118
Valente
Um rapaz com forte
sotaque paranaense,
condenado por sete
mortes a 130 anos.
Viciado em cocaína.
“Valente, um rapaz
com forte sotaque
paranaense, condenado
por sete mortes a 130
anos, justifica a
necessidade do rigor:”
O rebanho 119
Dionísio
Ladrão, viciado em
crack, com tuberculose
incurável, que foi
abandonado pela
mulher.
“Dionísio, um ladrão
com tuberculose
incurável, abandonado
pela mulher cansada
das promessas ...”
Amarelo 122
-
Ladrão do Amarelo,
com o corpo coberto
com pequenas feridas
contagiosas. Viciado
em crack.
“Uma vez, atendi um
ladrão do Amarelo,
com o corpo coberto de
pequenas feridas
contagiosas...”
Amarelo 122
Papo Doce
Traficante do Oito, que
trazia cocaína da
Bolívia e ameaçava
matar os distribuidores
que misturassem a
droga com outros
produtos.
“Papo Doce, um
traficante do Oito
merecedor do apelido,
que trazia cocaína da
Bolívia...”
Amarelo 123
73
Mário Cachorro
Ladrão que estourava a
janela das casas com
macaco de automóvel e
numa delas encontrou
doze quilos em barras
de ouro. Era filho e
irmão das mulheres
violentadas por
Ronaldinho.
“Mário Cachorro, um
ladrão que estourava a
janela das casas com
macaco de automóvel e
numa delas encontrou
doze quilos em barras
de ouro...”
Amarelo 124
Ronaldinho
Careca como o jogador,
detido por haver
estuprado mãe e filha,
entre outros delitos
graves.
“Dias depois, chegou
na Detenção um certo
Ronaldinho,
careca como o jogador,
detido por haver
estuprado mãe e filha,
entre outros delitos
graves.”
Amarelo 124
Julinho
Um auxiliar da
enfermaria. Foi
transferido para o Nove,
quando descobriram
que ele desviava
medicamentos.
“Levei o Julinho, um
auxiliar da enfermaria
que mais tarde foi
transferido para o
pavilhão Nove...”
Amarelo 125
Paulo Xavier, o
Paulo Preto
Enfermeiro do Hospital
Sírio-Libanês que se
dispôs a auxiliar
Drauzio com os
doentes. Organizava o
atendimento com o
auxílio de Lúcio.
“Mais recentemente, no
Amarelo, passei a
contar com a ajuda do
Paulo Xavier, o Paulo
Preto...”
Amarelo 126
74
Veronique
Travesti com silicone
inflamado na parte de
trás do assento.
Apelidado de Japonesa,
referência aos olhos
puxados de cabocla
mato-grossense.
“Hoje agradeço ao
pastor por ter me
apresentado Veronique,
personagem de uma
outra história.”
Amarelo 126
Lúcio
Rapaz forte, com um
olho de cada cor, que
ajudava Paulo Preto no
atendimento do
Amarelo. Preso após
uma briga de rua.
“Paulo organizava o
atendimento com o
auxílio de um preso
chamado Lúcio, um
rapaz forte...”
Amarelo 126
Seu Manoel
Homem de barba
espessa, antigo
funcionário do
pavilhão. Tinha vinte
anos de experiência.
“Num sábado, Paulo
Preto, Lúcio, seu
Manoel, um homem de
barba espessa, antigo
funcionário do
pavilhão, e eu..”
Amarelo 127
Tristeza
Traficante interno que
preparava crack de
madrugada e que uma
vez foi pego com 300
gramas da droga.
“O processo é
trabalhoso, como se
queixa Tristeza, um
traficante interno que
passava as madrugadas
no preparo...”
Tudo na
colher 129
75
Ronaldo
Ladrão com AIDS que
fugiu do hospital
penitenciário e foi preso
fumando crack na rua.
Tem quatro filhos.
Morreu de tuberculose
na enfermaria seis
meses depois de
recapturado.
“Ronaldo, um ladrão
com AIDS que fugiu
do hospital
penitenciário e foi
preso em flagrante
fumando crack na rua
do Triunfo quarenta
horas depois...”
Tudo na
colher 130
Júlio
Bandidão cumprindo
vinte anos pela morte de
três rivais que o
emboscaram num beco
de favela.
“...porque o Júlio, um
bandidão cumprindo
vinte anos pela morte
de três rivais...”
Para derrubar
a
malandragem
134
Carlão
Viciado em crack que
vendeu o revólver por
causa da droga e foi
preso assaltando com
uma faca de cozinha.
Mais tarde, ficou livre
da droga.
“Carlão, que passou um
ano na rua e dois na
cadeia, fumando crack
sem parar e mais tarde
ficou livre da droga...”
Para derrubar
a
malandragem
134
Filó
Traficante franzino do
Oito, armador do time
do pavilhão, nascido no
Canindé, arrombador de
residências e pai de
duas meninas mantidas
por ele em escola
particular.
“Filó, um traficante
franzino do Oito,
armador do time do
pavilhão, nascido no
Canindé, ao lado do
campo da
Portuguesa...”
Para derrubar
a
malandragem
135
76
Horácio
Filho de portugueses,
abandonado pela
mulher depois de ficar
paraplégico ao bater de
moto roubada, com uma
loura na garupa, contra
a traseira de um
caminhão.
“Como explica
Horácio, um
paraplégico filho de
portugueses,
abandonado pela
mulher...”
Na piolhagem 137
Fumaça
Tipo popular, contador
de casos exagerados nos
quais sempre
desempenha o papel de
protagonista.
“Fumaça, tipo popular,
contador de casos
exagerados nos quais
inevitavelmente
desempenha o papel de
protagonista...”
Na piolhagem 137
Lenildo
Ladrão e traficante que
nunca traficou na rua,
mas o faz na cadeia
para sustentar a mãe, as
duas mulheres, três
filhos.
“Lenildo, um ladrão
que nunca traficou na
rua, mas que
na cadeia começou a
fazê-lo para sustentar
as duas mulheres,
três filhos e a mãe que
sofre de reumatismo...”
Na piolhagem 138
Sarará Negro loiro com muitas
passagens pela Casa.
“Fui desanimado pelo
Sarará, um negro loiro
com muitas passagens
pela Casa:”
Na piolhagem 139
77
Sérvulo
Ladrão de Guaianases,
encarregado da
enfermaria do Oito que
cobrava dois maços de
cigarro dos detentos
para conseguir uma
consulta.
“Sérvulo, um ladrão de
Guaianases,
encarregado da
enfermaria do Oito...”
Ócio 141
-
Venezuelano
naturalizado brasileiro,
buscava drogas na selva
amazônica e depois
matava os entregadores
por sair mais em conta
do que pagá- los.
“Um venezuelano
naturalizado brasileiro,
que ia buscar droga na
selva amazônica...”
Ócio 141
Gilson
Representante de
vendas de 30 anos, deu
carona para uma
estudante virgem de 15
anos, armado, dirigiu
para um lugar ermo e a
estuprou.
“Outra vez, Gilson, um
representante de vendas
de trinta anos, deu
carona no fusca para
uma estudante de
quinze...”
Pena Capital 144
Marcolino
Apontador de jogo do
bicho, comerciante de
dinheiro falso, estava
para ser libertado.
“Marcolino, apontador
de jogo do bicho e
comerciante de
dinheiro falso...”
Pena Capital 144
-
Craqueiro iletrado, foi o
primeiro a bater em
Gilson quando soube do
estupro.
“No dia seguinte, na
cela coletiva, um
craqueiro iletrado
pediu-lhe para escrever
uma carta...”
Pena Capital 145
78
Barriga
Ladrão preso em uma
tentativa de assalto à
uma casa ao entalar na
clarabóia do forro da
casa.
“Aí o Barriga, um
ladrão que tinha sido
preso entalado na
clarabóia do forro de
uma casa...”
Pena Capital 146
Cilinho
Ladrão do Cinco que
matou a amante e o
sócio que o traíram e
planejavam fugir com o
dinheiro do assalto.
“Cilinho, um ladrão do
Cinco que matou a
amante infiel e o sócio
traidor que planejava
fugir com ela e o
dinheiro do assalto...”
Pena Capital 146
Alfinete
Branquinho, magro
feito um cabo de
vassoura, que roubava
nos semáforos da
avenida Paulista.
Gastava com crack, até
ser preso.
“Uma vez tratei um
branquinho chamado
Alfinete, magro feito
um cabo de vassoura,
que fez carreira nos
semáforos da avenida
Paulista.”
Laranja 149
Peninha
Um rapaz esquálido,
internado em fase final
de evolução da AIDS,
que mal parava em pé.
“...tinha sido o Peninha,
um rapaz esquálido
internado em fase final
de evolução da
AIDS...”
Laranja 150
Filósofo
Moreno de óculos
consertados com
esparadrapo,
estelionatário de muitos
golpes.
“...como explica o
Filósofo, um moreno
de óculos consertados
com esparadrapo...”
Laranja 151
79
Gitano
Ladrão tatuado que
trabalhou na
enfermaria.
“Gitano, um ladrão
tatuado que trabalhou
na enfermaria, recebeu
uma carta da mulher.”
Sangue-bom 152
Bebeto
Havia chegado na
cadeia há apenas três
dias, fama de sangue-
bom.
“Bebeto estava para lá
do quinto sono quando
os três funcionários
deram essa ordem.”
Sangue-bom 152
Cidinho
Bigorna
Fornecedor de maria-
louca, perdeu a audição
e todos os dentes da
frente.
“Cidinho Bigorna, seu
fornecedor, lamentou
não poder atendê- lo,
estavam na
entressafra...”
Sangue-bom 153
Seu Chico
Um ex-marinheiro de
50 anos que matou o
cunhado. Chefe da
marcenaria, comandava
a Cozinha Geral. Foi
preso e não viu mais os
filhos, porque a mulher
disse a eles que o pai
havia morrido na
penitenciária.
Condenado a 44 anos.
“...como explica seu
Chico, um ex-
marinheiro que matou o
cunhado, foi preso e
não viu mais os
filhos...”
Sangue-bom 153
Raimundo da
Silva, mas todos
chamavam de
Loreta
Um travesti de seios e
gestos delicados.
“...um homem de seios;
e gestos delicados em
cuja ficha eu lia
Raimundo da Silva,
mas que todos
chamavam de Loreta.”
Travestis 155
80
Índia
Um travesti, de cabelos
compridos, fazia as
unhas do diretor, o
temido coronel linha-
dura.
“...uma delas, de
cabelos compridos,
conhecida como Índia,
fazia as unhas do
diretor, o temido
coronel linha-dura.”
Travestis 155
-
Ladrão desdentado que
pegou AIDS ao manter
relacionamento sexual
com outros detentos.
“Uma vez, dei o
resultado positivo do
teste de AIDS para um
ladrão desdentado....”
Travestis 156
Zacarias Um asmático em crise,
faxineiro do Oito.
“Zacarias, um asmático
em crise, faxineiro do
Oito...”
Travestis 157
Valdir Funcionário do Cinco.
“...faxineiro do Oito,
queixou-se ao seu
Valdir, funcionário do
Cinco:”
Travestis 157
Patrícia Evelin
Travesti que tinha cílios
postiços, condenado por
matar um cliente que
não quis pagá-lo e ainda
foi estúpido.
“Patrícia Evelin, de
cílios postiços, foi
condenada porque
matou um cliente que
não quis pagá- la...”
Travestis 157
Paulão
Mulato de 40 anos,
meio gordo, sorriso
agradável e barba
cerrada, que vivia pela
enfermaria.
“Paulão é um mulato
de quarenta anos, meio
gordo, de sorriso
agradável e barba
cerrada...”
Inocência 158
81
Zildenor
Um dos membros do
grupo de depredadores,
preso ao comprar um
brinquedo para os filhos
com dinheiro roubado
num assalto.
“...Zildenor, por ironia
preso numa loja de
brinquedos quando
comprava
honestamente um
trenzinho...”
Ricardão 160
Jocimar
Encarregado-geral da
Faxina do pavilhão
Cinco, recém-
transferido.
“...diretor de
Disciplina, chamou
Jocimar, encarregado-
geral da Faxina do
pavilhão:”
Quebra-
cabeça 164
Seu Luís
Diretor de Disciplina do
Cinco, homem
encorpado, de óculos,
avô de dois netos e filho
de uma senhora de
cabelos brancos como
algodão. Começou
menino ainda, como
carcereiro, e chegou a
diretor.
“...seu Luís, diretor de
Disciplina, chamou
Jocimar, encarregado-
geral da Faxina do
pavilhão:”
Quebra-
cabeça 164
82
Pirulão
Magro, alto e estrábico,
tomava conta da Copa
dos funcionários do
pavilhão com um grupo
de companheiros. Um
alcagüeta que fez
carreira num distrito do
centro, passando
informações em troca
de parte dos bens
apreendidos com os
ladrões que delatou.
“Maquiavelicamente,
seu Luís lembrou-se do
Pirulão, um alcagüeta
que fez carreira num
distrito do centro...”
Quebra-
cabeça 167
Baianinho
Ladrão de olhos
puxados, que cometeu
mais de cem assaltos e
duas mortes. Morava de
graça em uma das seis
celas com TV, de
propriedade de Jocimar.
“Baianinho, um ladrão
de olhos puxados, com
mais de cem assaltos e
duas mortes no
prontuário...”
Quebra-
cabeça 169
Roberto Carlos
Ladrão magrinho, que
tinha a imagem de
Nossa Senhora
Aparecida tatuada no
peito e era cego do olho
direito.
“Roberto Carlos, um
ladrão magrinho, com
uma Nossa Senhora
Aparecida tatuada no
peito...”
Quebra-
cabeça 169
83
Ezequiel dos
Santos
Não tinha os dentes na
frente. Traficante e
receptor. Era o mais
respeitado destilador de
maria- louca do pavilhão
Oito. A fama de sua
pinga atraía fregueses
da cadeia inteira.
“...será que o senhor
podia espiar o
Ezequíel, um
considerado meu que
está padecendo do
pulmão, lá no Oito?”
Mulher, motel
e gandaia 176
Alcindo,
conhecido como
Ayrton.
Tinha fama de melhor
piloto do ABC.
“Lembrou-se do
Alcindo, de Santo
André, que havia
cumprido pena com ele
na cadeia de Presidente
Wenceslau.”
Mulher, motel
e gandaia 179
Miguel
Assaltava com o
parceiro, Antônio
Carlos. Foi traído pela
mulher com um
policial.
“Miguel assaltava com
o parceiro, Antônio
Carlos.”
Miguel 185
Antônio Carlos
Parceiro de Miguel. Foi
ele quem contou a
Miguel que sua mulher
o traía.
“Miguel assaltava com
o parceiro, Antônio
Carlos.”
Miguel 185
Marli
Esposa de Miguel, que
o entregou ao amante
policial.
“-Que pergunta,
Marli!” Miguel 188
Dina
Esposa de Antônio
Carlos, que tinha o
cabelo oxigenado e era
muito ciumenta.
“Uma loira oxigenada
apareceu na janela. Era
Dina, mulher dele.”
Miguel 188
84
Claudiomiro
Assaltante de banco e
carro- forte, corpo forte,
com três cicatrizes.
Tinha 35 anos, deixou a
mulher grávida e o
menino pequeno.
“Claudiomiro diz que
só foi preso porque
tinha mulher e filho.”
Um abraço 191
Francineide
Irmã do meio de
Deusdete que foi
molestada por dois
homens.
“...Francineide, irmã do
meio de Deusdete, na
volta da padaria, foi
molestada por dois
marginais da vila.”
Deusdete e
Mané 198
Deusdete
É preso após assassinar
os agressores da irmã.
Morre queimado na
penitenciária.
“Os corpos eram de
Deusdete e Mané de
Baixo, criados na
mesma vizinhança,
amigos inseparáveis até
os catorze anos...”
Deusdete e
Mané 198
Mané de Baixo
Amigo de Deusdete,
inseparáveis até os 14
anos. Condenado a 8
anos e seis meses por
roubo de carga e
formação de quadrilha.
Morre esfaqueado na
penitenciária.
“Os corpos eram de
Deusdete e Mané de
Baixo, criados na
mesma vizinhança,
amigos inseparáveis até
os catorze anos...”
Deusdete e
Mané 198
Fuinha Detento viciado em
crack.
“Na noite da tragédia,
apareceu o Fuinha no
guichê da cela:”
Deusdete e
Mané 200
85
-
Altão, forte, o rapaz
tinha fama de assaltante
destemido, ligação com
bicheiros, cicatriz no
supercílio direito e era
subencarregado da
Faxina do pavilhão
Oito, o dos reincidentes.
“Na sala de consulta,
eu louco para ir
embora, entrou um
altão, forte,
devagarinho, as pernas
abertas e as mãos
amparando os
testículos.”
Amor de mãe 201
-
Ex-mecânico com
caquexia associada à
AIDS.
“Numa delas, um ex-
mecânico com
caquexia associada à
AIDS conseguiu tirar a
mão esquálida da
algema...”
Amor de mãe 202
Romário
Craqueiro com
tuberculose avançada,
que fugiu do hospital.
Viciado em crack,
voltou e morreu dois
meses depois.
“Na outra, Romário,
um craqueiro com
tuberculose avançada,
pulou o alambrado do
Hospital Central...”
Amor de mãe 202
Lula
Ladrão de longa
carreira. Assaltante de
banco responsável pelas
pequenas operações na
enfermaria. Morreu de
overdose de crack.
“...mandei chamar o
Lula, responsável pelas
pequenas operações da
enfermaria, assaltante
de banco...”
Amor de mãe 202
86
-
“Alemãozinho”,
sardento, tinha uma
água de asas abertas
tatuada nas costas.
“Fui apresentado ao
Lula no ambulatório
por causa de um
alemãozinho sardento
com uma facada na
região glútea.”
Lula 209
Ferrinho
Chefe de quadrilha,
rapaz miúdo. Enforcou-
se com um lençol na
cela em menos de um
mês.
“Baleados, ele e o
chefe da quadrilha, um
rapaz miúdo chamado
Ferrinho, chegaram no
Carandiru.”
Lula 209
Bandeco
Detento do Cinco que
fala parecendo uma
metralhadora.
“Bandeco, figura
popular do Cinco, que
fala feito metralhadora,
diz que nada é tão
gratificante:”
Lula 209
Margô Suely
Travesti que usava
sainha agarrada, bustiê
e tinha silicone nas
coxas. Teve um caso
com outro detento.
“Margô passou três
meses no distrito, numa
cela com 32 homens, e
ninguém abusou dela.”
Margô Suely 213
Zizi
Travesti mais velho, de
rosto assimétrico devido
ao deslizamento do
silicone injetado na
região malar. Cuidava
da cozinha, limpeza,
lavava e passava.
“Na parte de cima do
beliche morava a Zizi,
travesti mais velha...”
Margô Suely 214
87
Leidi Dai
Travesti que briga com
Margô Suely, que é
cinco anos mais velho.
“Na cama, vestindo as
meias de lã que eram
suas, estava deitada
Leidi Dai...”
Margô Suely 215
Zelão
Tinha feito mais de 200
assaltos e dois
assassinatos, magro, de
cabelos curtos por igual.
Cordial no trato e fama
de violento na reação.
Comandava a Cozinha
Geral. Condenado a
mais de 30 anos.
“Zelão, Flavinho e
Capote comandavam a
Cozinha Geral com
mão de ferro.”
Cozinha Geral 219
Flavinho
Marginal temido, com
três assassinatos na
ficha, baixo e magro,
com olhos negros.
Comandava a Cozinha
Geral. Condenado a
mais de 30 anos.
“Zelão, Flavinho e
Capote comandavam a
Cozinha Geral com
mão de ferro.”
Cozinha Geral 219
Capote
Marginal temido,
assaltante com ar de
revolta no rosto, não
tinha os dentes da
frente. Comandava a
Cozinha Geral.
Condenado a mais de
30 anos.
“Zelão, Flavinho e
Capote comandavam a
Cozinha Geral com
mão de ferro.”
Cozinha Geral 219
88
Seu Pires
Diretor do Pavilhão
Oito, de cabelos
grisalhos.
“Um funcionário
atendeu e trouxe o
recado em voz baixa
para o seu Pires, o
diretor do pavilhão:”
Reencontro 223
Valda
De pele branca como a
neve, é de uma família
de bem, em Santana,
que nunca aceitou seu
romance com Zé da
Casa Verde por ele ser
negro.
“Zé era casado com
duas mulheres, Valda e
Maria Luísa:”
Zé da Casa
Verde 227
Maria Luísa
Passista da Império da
Casa Verde. Um sorriso
que iluminava a quadra
inteira, parecia uma
deusa de ébano.
“Zé era casado com
duas mulheres, Valda e
Maria Luísa:”
Zé da Casa
Verde 227
Neguinho
Ladrão paraplégico com
várias passagens pela
Febem. Condenado a 48
anos, o rosto talhado
como estátua africana,
olhos pretos e olhar de
poucos amigos.
“Neguinho começou
assim:
-A minha senhora mãe
matou...”
Neguinho 231
Juciléia Irmã mais velha de
Neguinho.
“Um dia, Juciléia, a
irmã mais velha,
apaixonou-se por um
tipo à-toa.”
Neguinho 232
89
Manga
Traficante e assaltante.
Carteiro do Sete,
sergipano alto, fluente,
com um vozeirão.
Havia fugido da cidade
natal para escapar da
vingança dos irmãos de
uma moça que dizia ter
perdido a virgindade
com ele. Foi acusado da
morte de Zóio Vesgo.
“Manga, um carteiro
detido no pavilhão
Sete, gostava de
conversar comigo - e
eu com ele.”
Manga 237
Sonha
Traficante, vizinha de
Manga, com quem
negociava drogas.
“Então, entrou em cena
a tal de Sonha, uma
vizinha com quem
Manga mantinha
relacionamento
comercial:”
Manga 238
Genival
Estuprador, viciado,
freguês de Manga fora
do presídio.
“Nesse momento
delicado, Genival, um
de seus fregueses...”
Manga 238
Águas Turvas
Viciado em maconha,
esfaqueado por Manga
fora do presídio.
“Quando virou a rua da
Glória na direção da
praça João Mendes, em
sua direção veio o
Águas Turvas:”
Manga 239
Boca-Larga Comparsa de Manga.
“...com um rapaz que
atendia pelo vulgo de
Boca-Larga.”
Manga 240
90
Zóio Vesgo
Irmão de Águas Turvas,
que entrou em uma
briga com Manga.
“-O irmão do Águas
Turvas, cujo vulgo era
conhecido como Zóio
Vesgo.”
Manga 240
Batata
Comparsa de Manga,
matou Zóio Vesgo com
três tiros.
“-Passado um mês, um
truta meu, o Batata, que
roubava...”
Manga 241
Seu Lopes
Diretor de disciplina.
Começou a carreira na
portaria do Nove.
“-Seu Lopes, conheço
um certo ladrão que
entrega o dono do cano
para o senhor em troca
de um bonde...”
Veronique, a
japonesa 250
Arnaldo Trabalhava na
enfermaria.
“Cheguei no
ambulatório e o
Arnaldo não estava.”
Nego-Preto 252
Nego-Preto
Assaltante criado na
periferia, tinha muitos
irmãos. Seu pai ficou
preso por nove anos.
Preocupava-se com o
filho mais velho, que
era adolescente sem
juízo.
“No final do
ambulatório mandei
chamar o rapaz que
acabou com a briga.
Nego-Preto a seu
dispor, disse ele.”
Nego-Preto 253
Marlon Vizinho e comparsa de
Nego-Preto.
“Marlon, meu vizinho
de barraco passou na
casa do Escovão.”
Nego-Preto 253
Escovão
Comparsa de Nego-
Preto que foi morto por
ele após durante uma
partilha.
“Marlon, meu vizinho
de barraco passou na
casa do Escovão.”
Nego-Preto 253
91
Bom Cabelo
Pertencia a um grupo
fortemente armado.
Comprou os objetos
roubados por Nego-
Preto, Escovão e
Marlon.
“- Numa boca de fumo
na favela da Mimosa,
perto da Fernão Dias,
para um elemento que
atendia pelo vulgo de
Bom Cabelo.”
Nego-Preto 255
-
Rapaz novinho, filho de
Nego-Preto, tinha a pele
mais clara que a dele.
Condenado a 3 anos e 2
meses por assalto a mão
armada.
“...quando cruzei o
pátio do pavilhão, ele
conversava sério com
um rapaz novinho...”
Nego-Preto 257
Charuto
Assaltante que tinha
sorriso alvo e dentição
perfeita. Malandro no
jeito de andar, falar e
olhar. Condenado a 16
anos, nesta segunda
passagem pela prisão.
Tinha duas mulheres.
“Charuto entrou com o
dedo enterrado numa
cebola cozida.”
Olho por olho 258
Zoinho
Ladrão estrábico,
internado com sarna,
viciado em crack.
“Dois anos depois do
entrevero com o rato,
ele convenceu o
Zoinho, um ladrão
estrábico...”
Paixão
arrebatadora 260
-
Amigo de Charuto,
narigudo, felliniano.
Comprou o colchão de
Zoinho e pegou sarna.
“...com ar cerimonioso,
acompanhado de um
companheiro narigudo,
felliniano:”
Paixão
arrebatadora 260
92
Rosane
A outra mulher de
Charuto, viciada em
crack. Mãe de seu
primeiro filho.
“...o grande eu não sei,
porque ele vive com a
Rosane, minha outra
mulher, e ela é
fumadora de crack.”
Paixão
arrebatadora 261
Dona Joana Senhora traficante.
“No quarto dessa
senhora, dona Joana,
Charuto entregou a
droga...”
Paixão
arrebatadora 261
Seu Machado Traficante que morava
com dona Joana.
“...e sentou para
conversar com seu
Machado, um senhor
que morava com ela.”
Paixão
arrebatadora 261
Rosirene
Mulher de Charuto,
negra de lábios finos,
nariz empinado, bunda
de escola de samba.
“-O pequenininho eu
não quero ver, porque
ele está bem com a avó,
a mãe da Rosirene.”
Paixão
arrebatadora 261
Mato Grosso
Amigo de Charuto que
o traiu com Rosirene,
com quem tinha planos
de ir para Ponta Porã.
“Rosirene confessou
estar namorando um
amigo dele, Mato
Grosso, o dono das
pedras...”
Paixão
arrebatadora 264
93
Valdomiro,
conhecido como
seu Valdo
Mulato de 70 anos,
rosto vincado e cantos
grisalhos na carapinha.
Respeitado no presídio,
nasceu em uma ladeira
de terra do Pari, neto de
uma avó racista que
discriminava a mãe
dele, negra. Preso pela
morte do baiano.
“Seu Valdomiro é um
mulato de rosto
vincado e cantos
grisalhos na
carapinha.”
Seu
Valdomiro 270
Betina Mulher ciumenta de seu
Valdo.
“...tomava conta do
estande de tiro ao alvo
e vivia amigado com a
Betina...”
Seu
Valdomiro 271
Joca
Amigo de seu Valdo.
Experiente na sinuca e
com mulheres.
“No bar ele encontrou
o Joca, que lhe pagou
um rabo-de-galo para
acalmar...”
Seu
Valdomiro 273
Cida
Mulata de pernas
torneadas e rebolado de
parar a feira. Esposa de
um baiano ciumento,
pivô da briga entre ele e
Valdo. Depois, iniciou
romance com seu
Valdo.
“-O que você aprontou
com a Cida?”
Seu
Valdomiro 273
-
Baiano ciumento, que
brigou com seu Valdo
por causa de sua esposa,
Cida.
“...Joca aconselhava o
companheiro quando
chegou o baiano.”
Seu
Valdomiro 273
94
Salviano
Amigo de Valente, que
o convenceu a matar um
PM.
“Um de seus amigos,
Salviano, vivia com
uma mulher que havia
namorado um PM.”
O filho
prodígio 275
Pérola Byington
Rapaz franzino de
Sapopemba, cruzava as
pernas feito mulher e
com a mão
desmunhecada, roia as
unhas o tempo todo.
“A meu lado, um rapaz
franzino de
Sapopemba, conhecido
como Pérola
Byington...”
Aprendiz de
feiticeiro 279
Dr. Pedrosa Diretor-geral do
presídio.
“Pouco depois
apareceu o dr. Pedrosa,
diretor-geral do
presídio...”
Aprendiz de
feiticeiro 279
Barba
Pertencia a uma facção
da Zona Sul, que brigou
com Coelho.
“...o Barba brigou com
o Coelho na rua Dez do
segundo andar do
Pavilhão...”
O levante 281
Coelho
Pertencia a uma facção
da Zona Norte, que
brigou com Barba.
“...o Barba brigou com
o Coelho na rua Dez do
segundo andar do
Pavilhão...”
O levante 281
Baiano
Comedor
Traficante de cocaína,
sócio de uma pizzaria
no Ipiranga, que se
gabava de haver
namorado as mulheres
mais bonitas do bairro.
“A razão da desavença
não foi esclarecida
devidamente, de acordo
com o Baiano
Comedor...”
O levante 281
95
Zelito
Negro alto e forte, cego
dos dois olhos pelo gás
lacrimogêneo.
“Zelito, um negro alto e
forte que mais tarde
conheci na
enfermaria...”
O levante 282
Adelmiro
Filho de portugueses,
atarracado, cujo tio
tinha um desmanche em
sociedade com um
delegado.
“Adelmiro, um filho de
portugueses atarracado,
cujo tio tinha um
desmanche na Água
Rasa...”
O levante 283
Nardão Ladrão principiante,
viciado em cocaína.
“Gente sem experiência
de cadeia, como o
Nardão...”
O levante 283
Ôrra Meu
Faxina de pescoço
longo como os de
Modigliani e sotaque
italianado característico
do bairro da Mooca,
preso ao trazer maconha
de Pernambuco.
“...o irracionalismo da
turba teria
conseqüências
desastrosas, como
observou Ôrra Meu...”
O levante 284
Dadá
Ladrão de Carapicuíba
que sobreviveu a seis
tiros de um justiceiro
contratado pelos
comerciantes do bairro,
único desencaminhado
numa família de crentes
praticantes.
“No terceiro andar, ao
ouvir o aviso para sair
da galeria, Dadá, um
ladrão de
Carapicuíba...”
O ataque 286
96
Jacó
Faxineiro do Nove,
baixinho de fala ágil,
traficante de cocaína
que se orgulhava de
fazer negócios por
telefone.
“No segundo andar,
Jacó, um dos faxineiros
do Nove...”
O ataque 287
-
Centro-avante do
Furacão 2000, um dos
times do presídio.
“Entre eles, o centro-
avante do Furacão
2000, que momentos
antes...”
O ataque 288
Marcão
Goleiro do Burgo
Paulista, um dos times
do presídio.
“...os cinco gols
marcados contra
Marcão, goleiro do
Burgo Paulista...”
O ataque 288
Salário Mínimo
Ladrão de baixa
estatura condenado pelo
latrocínio de dois
policiais em Itapevi.
“Nesse xadrez, Salário
Mínimo, um ladrão
condenado pelo
latrocínio de dois
policiais em Itapevi...”
O ataque 288
Itaquera Detento que sobreviveu
ao massacre.
“Ergueram-se o
Itaquera e ele:” O rescaldo 290
Chico
Heliópolis
Ladrão da favela
Heliópolis que roubava
firmas, bancos e
mansões.
“Quietinho,
preocupado apenas em
preservar a vida, Chico
Heliópolis, ladrão da
favela de mesmo
nome...”
O rescaldo 292
Gaguinho
Traficante de maconha,
apontador de jogo do
bicho, que trabalhava na
copa dos funcionários.
“Gaguinho, um
apontador de jogo do
bicho e vendedor de
maconha...”
O rescaldo 292
97
Isaías
Ladrão que perdeu o
movimento do braço
esquerdo por overdose
de crack e anos depois
morreu de tuberculose
na enfermaria.
“A aversão dos
policiais pelo sangue
derramado custou a
vida de vários
desastrados, como
explicou Isaías...”
O rescaldo 292
A partir deste levantamento podem-se verificar algumas dominantes nesse elenco de
personagens. As características mais freqüentes das personagens são: a maioria absoluta de
personagens é composta por homens adultos em situação de cárcere. Também é possível
constatar o baixo índice de personagens jovens e a ausência de crianças de ambos os sexos.
TABELA 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO POR IDADE E SEXO
Sexo Idade¹ Quantidade
Homens Adultos 188 (sendo 10 travestis)
Jovens 2
Crianças -
Mulheres Adultas 14
Jovens 2
Crianças -
¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.
98
Outros dados que podem complementar o tema ou questão dizem respeito à situação das
personagens. Para tanto, elas foram classificadas em Personagens em situação de cárcere, ou
seja, que estão reclusas na Casa de Detenção de São Paulo; Personagens em liberdade, que
corresponde às personagens mencionadas nas histórias dos detentos, funcionários e outros; e Não
identificáveis, ou seja, que não se pôde constatar sua situação.
TABELA 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO POR SITUAÇÃO
Personagens em situação de cárcere 141
Personagens em liberdade 62
Não identificáveis¹ 3
¹ Personagens que se encontram dentro da penitenciária, mas que não se pôde verificar se são detentos ou
funcionários.
Estes dados confirmam o que estava indiciado já a partir da sinopse do livro e da história
do escritor: a personagem dominante na narrativa Estação Carandiru é um adulto masculino
recluso.
Uma vez tendo definidos os números que indicam a situação das personagens na história,
pode-se partir para uma classificação mais detalhada destas personage ns, visando uma melhor
análise de suas transposições. No entanto, há outras observações e classificações possíveis antes
de se enveredar para as especificidades.
A primeira classificação proposta para, ainda, todas as personagens é a que considera a
maneira como são conhecidas pelas outras personagens. Para tanto, criaram-se três categorias,
sendo: nome, apelido e não identificado. Foram considerados como nome os apelidos derivados
de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos (ex: Flavinho, Paulão.). Os nomes
femininos dos travestis foram considerados apelidos (ex: Loreta, Patrícia Evelin.). Na categoria
não identificado, foram classificados aquelas personagens cujos nomes não foram mencionados
na obra, apenas eram identificados por alguma característica (ex: travesti, ladrão, mulato.). Deve-
99
se esclarecer também que, embora algumas personagens tenham tido seu nome mencionado, se
eram conhecidas por seus apelidos, foram encaixadas na categoria apelidos, pois o objetivo desta
classificação é determinar como eram conhecidas pelas demais personagens e não como foram
identificadas na obra.
TABELA 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA
FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS
NOME 105
APELIDO 71
NÃO IDENTIFICADO 30
Pode-se perceber uma grande ocorrência de personagens que eram conhecidas por seus
apelidos (34,5%), embora a maioria (51%) ainda era conhecida por seu nome (ou apelido
derivado do nome). No entanto, um dado curioso: 14,5%7 das personagens da obra literária não
apresentavam qualquer identificação denominativa, apenas se pôde identificá-las através de
descrições físicas.
Uma outra categoria de classificação ainda analisando em um quadro geral, ou seja, sem
excluir nenhuma personagem por criação de grupos, que se faz necessária é a a partir de sua
raça. Esta classificação é essencialmente importante visto que, na obra cinematográfica, o
aspecto visual é, talvez, o maior diferencial da obra literária, sendo assim, considerando uma
personagem, a mudança de uma raça para outra pode, de alguma forma, apresentar mudança
significativa para a composição daquela personagem.
A tabela a seguir apresenta quatro formas de classificação, sendo: negros (incluindo aqui
os mulatos), brancos, outros e não verificável. As duas últimas categorias fo ram criadas devido à
própria natureza da fonte: 1) como a variedade de raças era muito pequena, não houve
necessidade de criar outras categorias; 2) não se pôde verificar a raça de algumas personagens,
pois não houve nenhuma descrição do autor.
7 Valores aproximados.
100
TABELA 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO PELA RAÇA
NEGROS 15
BRANCOS 5
OUTROS 1
NÃO VERIFICÁVEL 185
Sendo assim, temos 7,3% de negros, 2,4% de brancos, 0,5% de outras raças e 89,8%8, a
maioria, de personagens cuja raça (ou raças) não foi mencionada. Da mesma forma, como pôde-
se verificar uma considerável variedade de vezes em que a droga fazia papel principal dentro do
presídio, logo, na história do livro, também se faz necessária uma classificação de usuários de
drogas (ou viciados, como mencionado na obra algumas vezes). Deve-se lembrar que muitas
personagens faziam a ligação entre o presídio e o “mundo livre” através do tráfico de drogas,
portanto, esta listagem refere-se tanto aos usuários em situação de cárcere quanto aos usuários em
liberdade.
Ao se compor esta categoria, adotou-se os seguintes critérios: apenas as personagens que
foram explicitamente descritas como usuários foram classificadas como tal, excluindo assim
traficantes ou personagens ligadas aos usuários, mesmo quando sugeriam possível envolvimento
com as drogas. As categorias se dividem em: usuários e não usuários ou não especificados.
Dentre os usuários, adotou-se a seguinte subdivisão focando a droga de que faziam uso: crack,
maconha e outros. Pela baixa ocorrência de outras drogas diferentes das citadas, não houve
necessidade de outras subdivisões.
8 Valores aproximados.
101
TABELA 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS
CRACK 12
MACONHA 2
COCAÍNA 5
OUTROS 1
USUÁRIOS 20
NÃO ESPECIFICADO 0
NÃO USUÁRIOS OU NÃO
ESPECIFICADO 186
Embora o tráfico de droga seja um assunto freqüente na obra literária, apenas 9,7% são
apresentados como usuários de drogas, sendo destes, 5,8% de crack, 1% de maconha, 2,4% de
cocaína e 0,5%9 de outras drogas.
Além do tráfico, outro assunto freqüente na obra é o de doenças, principalmente porque o
autor, sendo médico, se envolveu com o presídio por conta de uma ação voluntária contra a
epidemia de AIDS entre os detentos. Sendo assim, outra classificação neste sentido pode ser
proposta.
No entanto, visando uma categorização mais detalhada das personagens, a partir deste
ponto, será feita uma divisão em dois grupos: personagens em situação de cárcere e personagens
em liberdade (classificação já feita anteriormente). O grupo de personagens que não apresentava
situação identificável será excluído das classificações a seguir.
Será focado, nesta primeira parte, o primeiro grupo, das personagens em situação de
cárcere. Portanto, a listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não
estavam doentes ou esta informação não foi especificada, portanto, não se pôde verificar. Dentre
os detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade, foi feita uma subdivisão em três
categorias especificando o tipo: AIDS, tuberculose e outras. Dentro desta subdivisão foram
consideradas todas as doenças apresentadas pelas personagens, podendo haver mais de uma para
9 Valores aproximados.
102
a mesma personagem, portanto, o número total de doentes pode ser menor que o número total de
doenças apresentadas.
TABELA 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO POR ENFERMIDADE
AIDS 7
TUBERCULOSE 5 DOENTES 20
OUTRAS 8
NÃO ESPECIFICADO 121
É interessante perceber que, igualmente à tabela de classificação de personagens por
dependência às drogas, embora a situação da Casa de Detenção fosse favorável a se pensar o
contrário, o número de personagens-detentos que apresentaram enfermidades foi muito baixo,
cerca de 14,1%. Embora seja um número baixo, há de se lembrar que alguns não tiveram sua
situação especificada, portanto, não foram considerados para classificação. Das subdivisões, a
AIDS apresentou maior ocorrência (5% dos presos tinham a doença), seguida da tuberculose
(3,6%). Outras doenças foram identificadas, mas nenhuma com número expressivo para uma
nova subdivisão.
Ainda considerando as personagens em situação de cárcere, temos agora uma
categorização por crimes cometidos. Para tanto, criaram-se sete subdivisões, sendo: assalto,
assassinato, tráfico de drogas, estelionato, estupro, outros e não especificado. A categoria outros
agrupou os crimes especificados, mas que não tiveram um número expressivo para que se criasse
uma outra subdivisão, enquanto a categoria não especificado agrupou todos as outras
personagens-detentas cujos crimes não foram mencionados durante a obra. Da mesma forma feita
ao categorizar personagens por enfermidade, nesta tabela foram considerados todos os crimes
cometidos mencionados, portanto o número total de personagens em situação de cárcere pode ser
menor do que o dos crimes cometidos.
103
TABELA 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO LIVRO POR CRIME COMETIDO
ASSALTO 59
ASSASSINATO 15
TRÁFICO DE DROGAS 15
ESTELIONATO 5
ESTUPRO 2
OUTROS 2
NÃO ESPECIFICADO 51
A partir deste levantamento, pode-se perceber que o crime mais comum ou mais freqüente
entre as personagens do livro é o assalto, correspondente a 39,6% do total de crimes
identificados, enquanto tráfico de drogas e assassinato , que aparecem como os próximos crimes
mais cometidos, representam apenas 10% cada um. Ainda obtiveram número expressivo os
crimes: estelionato (3,3%) e estupro (1,3%). Também representando 1,3%10 das ocorrências estão
outros crimes citados na obra e diferentes dos citados anteriormente. Dentre as 141 personagens-
dententas, 51 delas, ou seja, cerca de 34,2%, não puderam ser identificadas pelos seus crimes,
pois não foram mencionados. Como previsto, o número de crimes (149) superou o número de
personagens analisadas (141), por terem sido considerados todos os crimes mencionados de todas
as personagens.
Uma última classificação é proposta para este grupo de personagens: por função dentro
do presídio. Por personagens com função deve-se entender aqueles que possuem algum tipo de
tarefa dentro da Casa de Detenção, tais como encarregados ou subencarregados da Faxina, da
Enfermaria ou da Cozinha Geral, entre outros. Personagens que não possuíam função aparente ou
que não se pôde identificar foram classificados na categoria não especificado.
10 Valores aproximados.
104
TABELA 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO
POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO
POSSUEM FUNÇÃO 23
NÃO ESPECIFICADO 118
Esta classificação mostra que apenas cerca de 16,3% das personagens-detentos foram
descritas como possuindo alguma função dentro do presídio.
Ainda considerando as funções, há de se lembrar que algumas personagens foram
descritas como funcionários da Casa de Detenção, portanto, uma categorização será proposta para
o outro grupo onde estas personagens se encontram: personagens em liberdade. Como todas as
personagens deste grupo estão relacionadas de uma forma ou de outra às personagens em
situação de cárcere, a tabela a seguir apresentará uma classificação por relação com as
personagens em situação de cárcere e/ou a Casa de Detenção. Para tanto, criaram-se três
subdivisões: funcionários, parentes e não especificado. Na categoria funcionários, foram
consideradas aquelas personagens que foram descritas como funcionários diretos ou indiretos, ou
seja, que de alguma forma prestavam serviços ao presídio. Para a categoria parentes, além dos
parentes diretos (como pais, irmãos, filhos, etc.), foram consideradas também as amantes, devido
ao alto índice de citação destas. Todas as outras personagens que não se encaixaram na categoria
acima ou que cujas relações não foram mencionadas, foram classificadas em não especificado.
TABELA 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO
POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
OU COM A CASA DE DETENÇÃO
FUNCIONÁRIOS 28
PARENTES (incluindo amantes) 12
NÃO ESPECIFICADO 22
105
Dentre as 62 personagens deste grupo, a maior parte (cerca de 45,1%) é de funcionários
diretos ou indiretos do presídio. O restante se divide entre parentes dos detentos e personagens
com relações não especificadas (podendo incluir amigos, comparsas ou inimigos):
aproximadamente 19,3% e 35,5%, respectivamente.
A seguir, será apresentada uma abordagem das personagens do filme Carandiru,
categorizando-as de forma semelhante, com objetivo de comparação. Mais à frente, uma análise
investigativa das personagens cinematográficas visando encontrar suas personagens literárias de
origem.
106
CAPÍTULO IV - O FILME CARANDIRU :
SUAS PERSONAGENS
1. CARANDIRU: O FILME
Imagem obtida na web.
Lançado em 2003, Carandiru, é um drama de co-produção entre Brasil e Argentina. O
longa, que é baseado na obra literária Estação Carandiru, tem aproximadamente 147 minutos 1 e
teve distribuição em parceria pelas produtoras Globo Filmes, HB Filmes e Columbia Tristar no
Brasil. Produzido e dirigido por Hector Babenco, co-produzido por Flávio R. Tambellini e
Fabiano Gullane, teve Daniel Filho como produtor associado. O roteiro foi feito em parceria entre
Vitor Navas, Fernando Bonassi e Hector Babenco. A direção de fotografia ficou de
responsabilidade de Valter Carvalho (Central do Brasil, Abril Despedaçado) e a direção de arte,
de Clóvis Bueno. André Abujamra fez a trilha sonora e Mauro Alice, a montagem. Na equipe
técnica, teve também Caio Gullane na direção de produção, Eliana Soarez na coordenação
executiva e Alessandra Casolari na coordenação de pós-produção. Elenco por Vivian Golombek,
cenografia de Vera Hamburger, figurino de Cris Camargo, maquiagem de Gabi Moraes, som
direto de Romeu Quinto e edição de som de Eliza Paley e Miriam Biderman.
Seu elenco foi composto por atores até então pouco conhecidos, mas que hoje ganharam
notoriedade, como é o caso de Wagner Moura (Zico), Ailton Graça (Majestade) e Lázaro Ramos
1 Dados retirados do DVD.
107
(Ezequiel). Para completar o quadro de atores: Luiz Carlos Vasconcelos (Médico), Milton
Gonçalves (Seu Chico), Maria Luísa Mendonça (Dalva), Aída Leiner (Rosirene), Rodrigo
Santoro (Lady Di), Gero Camilo (Sem Chance), Floriano Peixoto (Antônio Carlos), Ricardo Blat
(Claudiomiro), Vanessa Gerbelli (Célia), Leona Cavalli (Dina), Caio Blat (Deusdete), Julia Ianina
(Francineide), Sabrina Greve (Catarina), Ivan de Almeida (Nego Preto), Milhem Cortaz
(Peixeira), Dionisio Neto (Lula), Antonio Grassi (Seu Pires), Rita Cadillac (Rita Cadillac),
Enrique Diaz (Gilson), Robson Nunes (Dadá), Bukassa (Locutor), André Ceccato (Barba),
Sabotage (Fuinha). Além destes, o filme ainda teve 121 atores no elenco secundário e 8 mil
diárias de figurantes 2.
Sua versão para DVD, em edição dupla, traz um disco contendo o filme com a versão
cinematográfica, e outro apenas com material extra. No disco especial, podemos encontrar cenas
excluídas, erros de gravação, destaques da trilha sonora, filmografia do diretor, notas de
produção, bastidores com quatro vídeos sobre as gravações (Making of, Direção de arte, A
transformação de Lady Di e Ensaio e preparação do elenco), além de mais quatro vídeos
televisivos sobre a Casa de Detenção, incluindo um sobre a implosão da penitenciária em 2002.
No disco 1, ainda podemos optar por ver trailers de cinema, ouvir o comentário do diretor ou ver
o filme com legendas em português, inglês ou espanhol.
Carandiru mostra o dia-a-dia de um médico que faz um trabalho de prevenção à AIDS na
Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru. Lá, ele se vê frente a instalações
precárias, epidemias, superlotação. Ao ganhar respeito dos detentos dentro do presídio, suas
consultas se tornam momentos de descoberta das mais incríveis histórias daqueles que ali estão
reclusos: assaltantes, batedores de carteira, estelionatários, assassinos, estupradores. E, junto com
ele, desvenda-se uma organização interna, regida por um sistema de regras informais, onde o
julgamento segue às leis do crime, até que o trágico massacre de 2 de outubro de 1992, em que
111 detentos foram mortos, mude tudo.
Considerada uma superprodução para os padrões brasileiros, já que teve um orçamento de
R$ 12 milhões no total, segundo dados do Diário do Grande ABC, a película teve mais de 4,6
milhões de espectadores3. Foi o 4º filme mais visto em 2003 no Brasil4. O orçamento destinado
2 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 3 Dados do Diário do Grande ABC. Disponível em: <http://www.achanoticias.com.br/noticia.kmf?noticia=3217275>. Acesso em: 4 de março de 2008.
108
ao filme foi de R$ 10 milhões e outros R$ 2,5 milhões foram investidos no lançamento dele, que
incluiu 700 trailers e quase mil peças de publicidade financiados pela distribuidora Columbia5. A
GloboFilmes, co-produtora do longa, ficou responsável por toda a campanha televisiva, enquanto
à Sony Pictures ficou com a responsabilidade da distribuição internacional. Carandiru arrecadou
um total de R$ 9,5 milhões em dez dias de exibição e foi a maior bilheteria desde Lua de Cristal
em 19906, com mais de 4 milhões de espectadores. O filme de Hector Babenco está em 14º lugar
na lista das maiores bilheterias do Brasil7.
Carandiru recebeu o prêmio Glauber Rocha, concedido pelo 25º Festival Internacional do
Novo Cinema Latino-Americano de Havana 8. Também foi premiado em duas categorias no
Grande Prêmio Cinema Brasil de 2004: Melhor Diretor (Hector Babenco) e Melhor Roteiro
Adaptado. Foi ainda indicado em outras 12 categorias: Melhor Filme, Melhor Ator (Rodrigo
Santoro), Melhor Atriz (Maria Luísa Mendonça), Melhor Ator Coadjuvante (Sabotage), Melhor
Atriz Coadjuvante (Leona Cavalli), Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Trilha Sonora,
Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem, Melhor Som e Melhor Fotografia9. Além das
premiações brasileiras, o filme foi selecionado para a competição oficial do Festival de Cannes de
200310 e para representar o Brasil na premiação do Oscar® de melhor filme estrangeiro9.
O longa ainda deu origem à uma série televisiva chamada Carandiru – Outras Histórias,
que narrava fatos anteriores aos do filme. A série foi exibida em 2005 pela Rede Globo9.
4 Dados do portal Adoro Cinema. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 5 Dados da revista Carta Capital, edição 235 de 2003. Disponível em: <http://cartacapital.com.br/2003/04/614/>. Acesso em: 11 de março de 2008. 6 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 7 Dados do portal Cena Brasilis. Disponível em <http://judao.com.br/blogs/cenabrasilis/2008/03/13/as -maiores-bilheterias-do-nosso-cinema>. Acesso em: 16 de março de 2008. 8 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 9 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/carandiru/carandiru.asp>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 10 Dados do portal Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2003/festivaldoriobr/sinopses -mostra_cine_brasil.shtml>. Acesso em: 28 de janeiro de 2008.
109
2. CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS
Como se pode tomar conhecimento no capítulo anterior através das palavras de Drauzio
Varella, o livro Estação Carandiru apresenta personagens explicitamente baseados em pessoas
reais, no entanto, o mesmo não ocorre em Carandiru, obra cinematográfica. O filme, como foi
uma adaptação do livro, se baseia em personagens baseados em pessoas reais, portanto está mais
distante da realidade do que o livro do qual partiu. Ambas produções se situam diferentemente
na questão transposição e/ou invenção no que tange à criação de personagens:
(…) tomando o desejo de ser fiel ao real como um dos elementos básicos na criação da personagem, podemos admitir que esta oscila entre dois pólos ideais: ou é uma transposição fiel de modelos, ou é uma invenção totalmente imaginária. (CÂNDIDO, p. 69, 1998)
Não se pode dizer que as personagens de Carandiru sejam “uma invenção totalmente
imaginária”, mesmo porque, o filme se beneficia desta forte relação do livro com a realidade.
Carandiru, o filme, está reproduzindo personagens baseadas em uma imagem do real; porém,
encontramos outro tipo de personagem no filme: uma espécie de mosaico de personagens
encontradas no livro, no qual características de múltiplas personagens se fundem em uma só.
(…) o princípio que rege o aproveitamento do real é o da modificação, seja por acréscimo, seja por deformação de pequenas sementes sugestivas. (CÂNDIDO, p. 67, 1998)
Em uma análise preliminar, pôde-se verificar a presença de personagens que foram
mantidas no filme de maneira quase idêntica a que apresentavam no livro, como é o caso de
Gilson, que manteve a sua história e suas principais características ao ser transposta à obra
cinematográfica. Também se pôde averiguar personagens do filme que são fruto da fusão de dois
personagens do livro, como se pode verificar com a personagem Claudiomiro do filme, que tem
Miguel como personagem dominante e Claudiomiro como secundário. E, por fim, há
personagens, como com Lady Di, que é um mosaico das características das personagens travestis
do livro.
Objetivando uma classificação das personagens de Carandiru, fez-se esta relação seguinte
apresentando um levantamento das personagens. Para tanto, foram criados quatro itens: nome da
personagem, descrição elaborada com base nas referências do filme – diálogos e/ou imagens –,
110
capítulo da primeira aparição física da personagem (mesmo que a personagem não dialogue ou
interaja com outras) e minutagem, ou seja, em qual momento do filme pode-se verificar a
primeira aparição da personagem, expressa em hora, minutos e segundos.
TABELA 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME
Nome Descrição Capítulo (1ª aparição) Minutagem
Moacir,
conhecido como
Nego Preto
Chefe da Cozinha Geral.
Assaltante, assassinou um de
seus comparsas após um
assalto.
2. Pequena rebelião 00:01:34
Zico
Traficante de maconha e
viciado em crack, mata
Deusdete no presídio jogando-
lhe uma panela de água
fervente. É morto a facadas por
vários presos.
2. Pequena rebelião 00:01:40
Pimenta
Detento envolvido na confusão
depois da briga entre Lula e
Peixeira.
2. Pequena rebelião 00:02:17
Barba
Matou o assassino do irmão.
Dentro do presídio, trabalha na
Cozinha Geral e como
barbeiro.
2. Pequena rebelião 00:02:15
Peixeira Matou o pai de Lula. 2. Pequena rebelião 00:02:20
Seu Pires Diretor do presídio. 2. Pequena rebelião 00:03:48
Médico (Doutor)
Médico que fazia um trabalho
de prevenção da AIDS dentro
do presídio.
2. Pequena rebelião 00:03:50
111
Lula
Ladrão jovem e inexperiente,
que matou o amante da mulher
com 3 tiros. Faz ‘operações’ na
enfermaria.
2. Pequena rebelião 00:04:18
Deusdete
Amigo de infância de Zico que
foi preso ao matar os
molestadores da irmã.
3. Visita explanatória /
Consultório 00:10:30
Seu Chico 18 filhos, viciado em balões 3. Visita explanatória /
Consultório 00:10:55
-
Detento paraplégico, que
vendia comida, produtos de
higiene e drogas pelos
corredores.
3. Visita explanatória /
Consultório 00:11:53
Matias,
conhecido como
Sem Chance
Auxiliar da enfermaria 3. Visita explanatória /
Consultório 00:12:24
Antônio Carlos Assaltante de carro-forte,
amigo de Claudiomiro.
3. Visita explanatória /
Consultório 00:12:26
Claudiomiro
Assaltante de carro-forte que
matou dois policiais e a
mulher. Pegou tuberculose na
cadeia.
3. Visita explanatória /
Consultório 00:12:26
Alípio Tem AIDS. 3. Visita explanatória /
Consultório 00:14:00
- Travesti. 3. Visita explanatória /
Consultório 00:14:40
- Ladrão que tem AIDS. 3. Visita explanatória /
Consultório 00:14:59
Fuinha Viciado e traficante. 3. Visita explanatória /
Consultório 00:15:14
112
-
Travesti que um dia fez um
“programa” em troca de uma
banana.
3. Visita explanatória /
Consultório 00:15:32
- Detento que estava com sarna. 3. Visita explanatória /
Consultório 00:15:43
- Funcionário da Portaria que
não reconhece o médico. 4. Fim do expediente 00:18:31
Gordo
Assaltante comparsa de Nego
Preto, que o entregou a polícia.
Morto em uma tentativa de
fuga da cadeia, ao entalar no
túnel.
5. História de Nego
Preto 00:21:29
Escovão Assaltante comparsa de Nego
Preto, assassinado por ele.
5. História de Nego
Preto 00:21:30
-
Filho de Nego Preto,
presenciou a discussão do pai
com seus comparsas, que
resultou na morte de um deles.
Mais tarde, é preso e encontra
o pai no Carandiru.
5. História de Nego
Preto 00:22:01
Dona Graça Esposa de Nego Preto 5. História de Nego
Preto 00:23:53
Cadão Foge da cadeia por um túnel. 5. História de Nego
Preto 00:25:56
Sinval Mata Gordo por entalar no
túnel por onde tentava fugir.
5. História de Nego
Preto -
Dirceu,
conhecido como
Lady Di
Travesti que se ‘casa’ com
Sem Chance na cadeia, já teve
uns 2 mil parceiros.
6. Lady Di / Deusdete 00:27:34
113
Ezequiel
Viciado em crack, que vive em
dívida, ‘laranja’ da morte de
Zico.
6. Lady Di / Deusdete 00:30:08
Josué dos Santos,
conhecido como
Majestade
Assaltante que levava carros
roubados para vender no
Paraguai. Teve 3 filhos com
Dalva e 1 com Rosirene.
7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:31:25
Dalva Mulher de Majestade. Largou
o noivo por ele
7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:34:08
- Noivo de Dalva. 7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:34:08
Sr. Sidney Pai de Dalva. 7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:36:32
- Mãe de Dalva. 7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:36:32
João Atendente de bar. 7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:37:49
Rosirene Prostituta amante de
Majestade.
7. Majestade, Dalva e
Rosirene 00:38:10
Gilson
Estuprador que apanha e é
estuprado no presídio. Mais
tarde, é encontrado morto,
enforcado em uma cela.
8. Sabotage, Zico e
Deusdete 00:47:26
Francineide Irmã de Deusdete 9. História de Zico 00:51:48
Célia Esposa de Antônio Carlos 11. Claudiomiro e
Antônio Carlos 01:05:48
Dina
Esposa de Claudiomiro que o
trai com um policial e o
entrega à polícia.
11. Claudiomiro e
Antônio Carlos 01:05:52
- Detento locutor 12. Rita Cadillac 01:11:09
114
Rita Cadillac Ex-chacrete, madrinha da Casa
de Detenção 12. Rita Cadillac 01:11:24
Catarina Amiga de Francineide 12. Rita Cadillac 01:14:22
- Mãe de Deusdete 12. Rita Cadillac 01:14:22
- Irmã de Ezequiel 13. Dia de visita 01:24:23
Seu Antônio Pai de Lady Di 13. Dia de visita 01:26:15
- Mãe de Lady Di 13. Dia de visita 01:26:29
Davilson,
conhecido como
Dada
Detento do time de futebol que
recebe uma carta de sua mãe
com o salmo 91 dias antes do
massacre.
13. Dia de visita 01:27:24
- Mãe de Davilson. 13. Dia de visita 01:27:24
Coelho
Detento que briga com Barba
por uma cueca, o que teria
causado o massacre.
19. Final do
campeonato 01:55:41
Em comparação com a listagem anterior – referente ao livro –, podemos constatar uma
redução na quantidade de personagens para menos de 25%.
Em uma segunda etapa, estas personagens foram classificadas seguindo os mesmos
critérios vistos no capítulo anterior. O primeiro critério se refere à idade e ao sexo, apresentado
na próxima tabela. Para tanto, as personagens foram distribuídas em Homens e Mulheres; e em
cada uma destas categorias, subdivididas em Adultos (as), Jovens e Crianças. Para esta seleção, o
critério de determinação de idade utilizado foi de acima de 20 anos para adultos; entre 13 e 20
anos para jovens; e a té 12 anos para crianças.
Embora o número de personagens tenha sido reduzido drasticamente nesta adaptação do
livro Estação Carandiru, a personagem dominante do filme também é um homem adulto em
situação de cárcere. Mais uma vez, pode-se constatar a ausência de personagens crianças. Deve-
se lembrar que, em uma primeira análise, o número mais elevado de jovens não indica
necessariamente a criação de novas personagens, visto que, no livro, pela ausência de
115
informações, não se pôde verificar a idade de diversas personagens, enquanto no filme, esta
dificuldade é suprida pela imagem.
TABELA 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME POR IDADE E SEXO
Sexo Idade¹ Quantidade
Homens Adultos 34 (sendo 3 travestis)
Jovens 3
Crianças -
Mulheres Adultas 10
Jovens 3
Crianças -
¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.
A tabela a seguir apresenta uma classificação das personagens com relação à sua situação,
ou seja, se estão reclusas no presídio ou não. Analisando esta listagem, é possível,
preliminarmente, apontar uma diferença em relação à transposição das personagens. Enquanto
foram averiguados 68,5% de personagens em situação de cárcere no livro; foram encontrados
54% no filme. As personagens em liberdade também apontam diferença significativa, sendo
30%11 no livro e 46% no filme. Ao se analisar a película Carandiru, não se encontrou
dificuldades para verificar a situação das personagens, embora, em algum momento na trama, sua
situação apresente uma mudança, como especificado na tabela. Deve-se esclarecer que a situação
principal, ou seja, a qual a personagem se encontra no começo do filme (e também é a que dura
por mais tempo), é a que foi utilizada para a classificação a seguir.
11 Valores aproximados.
116
TABELA 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME POR SITUAÇÃO
Personagens em situação de cárcere 27¹
Personagens em liberdade 23²
¹ Sendo que 1 foge do presídio e 4 morrem antes do massacre. ² Sendo que 1 morre e um é preso no final do filme .
Partir-se-á, mais à frente, para uma classificação mais detalhadas destes dois grupos acima
descritos, nos moldes do capítulo anterior, visando já uma comparação entre os dados da obra
cinematográfica e da literária.
Todavia, algumas classificações ainda são propostas para todas as 50 personagens do
filme. Pôde-se constatar, no capítulo anterior, que a maioria das personagens da obra literária era
conhecida por seu nome, e aquelas citadas sem que recebessem uma denominação, seja por um
nome ou apelido, foram a minoria. Este padrão parece se repetir na obra cinematográfica, embora
com certo aumento das personagens não identificadas, como se pode averiguar na tabela a seguir.
Os critérios de classificação foram os mesmos, sendo: 1) nome: nomes próprios ou os apelidos
derivados de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos; 2) apelidos: qualquer apelido
que não seja derivado de nome próprio , bem como nomes femininos adotados pelos travestis ; e 3)
não identificado : nomes que não foram mencionados na obra, mas que se constatou a existência
da personagem através da imagem. As personagens que eram conhecidas pelas demais
personagens por seus apelidos, mesmo que tiveram seus nomes revelados em algum momento do
filme, foram classificados na categoria apelido.
TABELA 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA
FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS
NOME 21
APELIDO 15
NÃO IDENTIFICADO 14
117
Como visto, as personagens conhecidas pelo nome são a maioria, embora, na obra
cinematográfica, representem menos da metade (cerca de 42%), seguidas das personagens
conhecidas pelo apelido (aproximadamente 30%). As personagens cujos nomes e/ou apelidos não
puderam ser identificados somam 28%, um aumento significativo com relação aos cerca de
14,5% destes na obra literária. Outra observação importante é que apenas uma personagem-
travesti foi denominada no filme (Lady Di), classificada na categoria apelido, seguindo o mesmo
critério adotado no capítulo anterior.
Como proposto anteriormente, também as personagens foram classificadas por sua raça,
sendo nas categorias classificadas aquelas cuja aparência, comprovada através da imagem, não
deixou dúvida sobre sua raça. As personagens que não apareceram na película e/ou sua imagem
não foi clara, foram encaixadas na categoria não verificável. As outras três categorias
apresentadas na tabela a seguir são: negros, brancos e outros. Na categoria negros, os mulatos
também foram considerados para a classificação. Não se verificou a necessidade de criação de
novas categorias.
TABELA 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME PELA RAÇA
NEGROS 18
BRANCOS 31
OUTROS 0
NÃO VERIFICÁVEL 1
Esta classificação, como se pode ver, apresenta grande disparidade com relação à mesma
existente no capítulo anterior com relação ao livro. Enquanto mais de 89% das personagens não
puderam ter sua raça determinada na obra literária, no filme, apenas 2% ocuparam esta categoria.
Esta diferença era esperada pela própria característica da obra cinematográfica, que é
essencialmente visual. Entretanto, esta não é a única disparidade nesta tabela com relação à sua
118
correspondente no capítulo anterior: enquanto têm-se 7,3% de negros e 2,4% de brancos12 na
obra literária, têm-se 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. A maior parte das
personagens de raça branca presentes no filme pertence ao grupo de personagens secundárias e se
encontra na categoria personagens em liberdade, citada anteriormente.
A última classificação visando o quadro geral (todas as personagens da obra) é a por
dependência às drogas. Nesta tabela, foram classificadas na categoria usuários todas as
personagens cujo vício às drogas foi explícito na obra; aquelas cujo vício era apenas sugerido ou
que não possuíam nenhuma menção à dependência foram encaixadas em não usuários ou não
especificado. Uma subdivisão foi criada na categoria usuários, com quatro categorias
especificando o tipo de droga consumida, sendo elas: 1) crack; 2) maconha; 3) outros e 4) não
especificado. Na categoria outros, foram classificadas personagens-usuários cujas drogas a que
dependiam não se encaixaram nas categorias 1 e/ou 2. Na não especificado, personagens-usuários
cujas drogas a que dependiam não foram mencionadas, apenas houve menção ao vício. Deve-se
observar que o número total das subdivisões pode superar o número de usuários, pois foram
considerados todos os tipos de drogas usados por todos usuários.
TABELA 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS
CRACK 2
MACONHA 0
COCAÍNA 0
OUTROS 0
USUÁRIOS 4
NÃO ESPECIFICADO 2
NÃO USUÁRIOS OU
NÃO ESPECIFICADO 46
Pode-se observar que na obra cinematográfica, assim como na literária, o número de
dependentes de drogas é baixo: 9,7% no filme e 8% no filme. Outro ponto em comum é a droga a 12 Valores aproximados.
119
que mais estão dependentes: o crack, sendo 5,8% no livro e 4% no filme. Nenhum outro tipo de
droga foi mencionado no filme.
A seguir, a exemplo do capítulo anterior, serão apresentadas classificações para dois
grupos distintos divididos na tabela 15: personagens em situação de cárcere e personagens em
liberdade. Novamente, o grupo de personagens cuja situação não se pôde identificar será
excluído destas classificações que seguem.
Primeiramente, trabalhar-se-á com o grupo cujas personagens se encontram em situação
de cárcere. Nesta primeira categorização, objetiva-se verificar quantas personagens estavam
enfermas durante o filme (tanto em uma situação contínua quanto temporária). Sendo assim, a
listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não estavam doentes ou
esta informação não foi especificada. Também se optou por uma subdivisão na categoria dos
detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade: 1) AIDS, 2) tuberculose e 3) outras. Nesta
tabela, consideraram-se todas as doenças apresentadas pelas personagens, ou seja, se uma
personagem apresenta dois tipos de doenças, o número de enfermos será inferior ao número de
enfermidades.
TABELA 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME POR ENFERMIDADE
AIDS 2
TUBERCULOSE 1 DOENTES 4
OUTRAS 1
NÃO ESPECIFICADO 23
Pode-se verificar, com esta última tabela, que apenas cerca de 15% das personagens foram
diagnosticadas com alguma doença. Destas, aproximadamente 8% apresentaram a AIDS como
enfermidade, as restantes dividiram-se igualmente entre tuberculose e outras. Estes resultados
seguiram a tendência da mesma classificação para a obra literária, onde tinha-se cerca de 14,1%
de enfermos, a maioria infectados pela AIDS, seguida de tuberculose. Em ambas as obras,
120
nenhuma outra enfermidade teve destaque significativo para se fazer necessária a abertura de uma
nova categoria.
Adiante, ainda considerando para a classificação somente as personagens em situação de
cárcere, propõe-se uma categorização por crime cometido. Todos os crimes cometidos pelas
personagens-detentas foram considerados, mesmo havendo a ocorrência de mais de um crime por
personagem, sendo assim, o número total de crimes cometidos pode exceder o número de
personagens.
Para esta categoria, criaram-se sete subdivisões (as mesmas adotadas na classificação da
obra literária): 1) assalto; 2) assassinato; 3) tráfico; 4) estelionato; 5) estupro; 6) outros e 7) não
especificado.
TABELA 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS
DO FILME POR CRIME COMETIDO
ASSALTO 6
ASSASSINATO 7
TRÁFICO DE DROGAS 2
ESTELIONATO 0
ESTUPRO 1
OUTROS 0
NÃO ESPECIFICADO 14
Diferentemente do encontrado no levantamento dos dados do livro, na obra
cinematográfica, o assassinato foi o crime mais freqüentemente cometido pelas personagens
(cerca de 26%), seguido do assalto, que representou aproximadamente 22%. A maior ocorrência
nesta categoria, no entanto, é de crimes não especificados durante a película, que representam por
volta de 52%13 do total dos crimes. As categorias estelionato e outros foram abertas somente com
13 Valores aproximados.
121
o intuito de comparação, já que as tabelas seguem as mesmas categorias e subdivisões do capítulo
anterior.
A seguir, tem-se a última classificação envolvendo o grupo personagens em situação de
cárcere: por função dentro do presídio. Aqui, por função, entende-se por uma tarefa designada à
personagem, como encarregados ou subencarregados da Faxina, da Enfermaria ou da Cozinha
Geral, entre outros.
TABELA 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME
POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO
POSSUEM FUNÇÃO 4
NÃO ESPECIFICADO 23
O resultado desta classificação é correspondente ao encontrado na classificação das
personagens da obra literária, onde pouco mais de 16% foram apresentadas como tendo alguma
função dentro do presídio. Aqui, têm-se cerca de 15% nesta mesma situação. No entanto, há de se
lembrar que apenas as personagens com funções claras – mostradas ou mencionadas por elas
mesmas ou por outras personagens – foram consideradas nesta contagem.
Por fim, segue uma classificação proposta para o outro grupo de personagens: em
liberdade. As personagens deste grupo são apresentadas sempre com alguma ligação direta ou
indireta com à Casa de Detenção ou seus detentos, portanto, a seguir, será apresentada uma
classificação das personagens em liberdade por relação com as personagens em situação de
cárcere e/ou a Casa de Detenção. Foram propostas três categorias: 1) funcionários – diretos ou
indiretos, como prestadores de serviço para o presídio; 2) parentes – sendo as amantes
consideradas nesta categoria; e 3) não especificado – que possa ter relação direta ou indireta, mas
que não tenha sido especificado sua natureza ou que não se encaixe nas classificações anteriores,
como comparsas de crime, amigos, vizinhos, etc.
122
TABELA 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME
POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
OU A CASA DE DETENÇÃO
FUNCIONÁRIOS 3
PARENTES (incluindo amantes) 14
NÃO ESPECIFICADO 6
Nesta coleta de dados, nota-se uma disparidade com os mesmos dados colhidos com
relação às personagens do livro. Enquanto lá a maior parte era de funcionários, aqui tem-se os
funcionários como a minoria. Em dados quantitativos teríamos, respectivamente no livro e no
filme: 1) funcionários, 45,1% contra 13%; 2) parentes, 19,3% contra 60,8%; e 3) não
especificado, 35,5% contra 26%14.
A partir destes levantamentos e das observações pre liminares, é possível perceber
algumas similaridades e algumas discrepância s com relação às personagens do livro Estação
Carandiru e do filme Carandiru. No capítulo seguinte, será apresentada uma análise das
personagens principais e secundárias da obra cinematográfica a fim de encontrar sua ou suas
personagens de origem na obra literária.
14 Valores aproximados.
123
Capítulo V – As personagens de Carandiru: uma análise
Imagem obtida na web.
1. As personagens principais Antes que se possa partir em busca da identificação das personagens principais – ou
protagonistas – das obras analisadas, é importante relembrar a definição de personagem proposta
por Massaud Moisés. Segundo o autor, personagens são “seres fictícios construídos à imagem e
semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são ‘pessoas’ imaginárias; se
os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço arquitetado pela
fantasia do prosador” (1974, p. 396). Aqui, no caso de Estação Carandiru, têm-se não apenas
personagens imaginários, mas personagens que foram efetivamente baseados em pessoas reais,
através de um livro-relato sobre o contexto no qual essas pessoas estavam inseridas. No entanto, é
proposta deste estudo verificar se as personagens adaptadas na obra cinematográfica Carandiru
compartilham das mesmas características – físicas e psicológicas – e das mesmas histórias que as
personagens relatadas na obra de Drauzio Varella.
Sendo personagens seres fictícios construídos à semelhança do homem, que habitam um
mundo imaginário e nele praticam ações, personagens principais são aquelas que estão no centro
destas ações. Portanto, para este estudo, será utilizada a acepção número 2 para protagonista do
dicionário Aurélio (1975, p.1148): 2. (do grego protagnistés, "o principal lutador") – pessoa que
desempenha ou ocupa o primeiro lugar num acontecimento.
Desta forma, é possível determinar quem são as personagens principais em cada obra
analisada. Os critérios número de páginas em que a personagem aparece e minutagem em que a
124
personagem aparece foram descartadas como padrão de análise para este estudo por não serem
correspondentes, uma vez que as obras não têm uma seqüência similar (uma é formada por
relatos e a outra, por uma história dramatizada).
1.1 As personagens principais de Estação Carandiru
Imagem de Drauzio Varella obtida na web.
De acordo com a acepção aceita para este trabalho, há apenas uma personagem principal
na obra literária: o narrador, neste caso, o próprio Drauzio Varella, já que o livro se trata de
experiências reais do médico. A narração em primeira pessoa, interligando-o com todas as outras
personagens, o coloca no centro das ações, por diversas vezes sendo o único elo entre
personagens, fazendo a história acontecer e as personagens aparecerem conforme suas ações se
desenvolvem. Nenhuma outra personagem tem uma dimensão tão expressiva quanto o próprio
narrador. Ainda que, de fato, algumas personagens tenham recebido um relato mais extenso de
suas ações, elas não estavam inseridas no centro da ação principal e não serviam como ponte para
introdução de outras personagens.
1.2 As personagens principais de Carandiru
Já na obra cinematográfica pode-se observar quase uma inversão: a participação do
narrador é reduzida e algumas personagens ganham destaque. As personagens não ganham vida
através do narrador, mas têm vida própria. O próprio Médico, antes mais um narrador que uma
personagem que interage com as demais, agora pouco narra e muito interage, mais ainda
apresenta as demais personagens, seja direta ou indiretamente.
125
Não apenas uma, na obra cinematográfica, têm-se 10 personagens que estão no centro das
ações, que conduzem a história, que funcionam como o elo entre as demais personagens. Elas
são:
1. Deusdete;
2. Zico;
3. Majestade;
4. Sem Chance;
5. Lady Di;
6. Nego Preto;
7. Seu Chico;
8. Ezequiel;
9. Peixeira;
10. e Médico.
Se houve quase uma inversão de papéis e estas personagens ganharam força, de onde
vieram os elementos que tornaram isso possível?
Para descobrir isso, primeiramente, é necessário entender estas personagens: suas
características e suas histórias; só então poder-se-á determinar de onde elas vieram.
1.2.1. Deusdete
Imagem de Deusdete interpretado por Caio Blat obtida na web.
Deusdete é a mais jovem das personagens. Jovem branco, de aparência franzina e cara de
menino, foi criado na periferia com a irmã Francineide e o amigo Zico, que foi adotado pela mãe
de Deusdete após a sua mãe fugir de casa. Ele sempre lutou para não fazer parte do crime, mas
seu destino muda na noite em que sua irmã chega em casa chorando, desesperada e se tranca no
126
banheiro. Deusdete a confronta e descobre que Francineide fora agredida e molestada por dois
homens. Ele resolve dar parte na polícia, mas os agressores descobrem e querem matá- lo. Ele
leva o problema até Zico, que já havia encontrado seu caminho no crime, mas não aceita que o
amigo resolva o problema. Deusdete, então, pede a Zico que lhe arranje uma arma para se
defender, acreditando que não precisará usá- la. No entanto, os agressores encontram Deusdete,
ameaçando agredi-lo com barras de ferro. Antes que possam agir, ele saca a arma e mata um
deles; o outro escapa, mas Deusdete o persegue e se esconde, esperando que o agressor se sinta
seguro e apareça. Quando o agressor acredita estar a salvo, Deusdete surge pelas costas, chama-o
e atira quando ele se vira. Preso por homicídio, é levado à Casa de Detenção de São Paulo, onde
reencontra o amigo de infância. Zico lhe dá proteção e arranja para que Deusdete fique em sua
cela. A maior parte do tempo, Deusdete passa lendo as cartas da irmã, sem interagir com os
outros detentos nem se envolver no sistema interno por eles criado. Ele sairia de lá aos 48 anos,
porém, o destino trágico encontra os amigos dentro do Carandiru: Zico, em uma alucinação
devida ao consumo de crack, pega uma panela de água fervente e a despeja em Deusdete, que
estava deitado, dormindo em sua cama, matando-o.
1.2.2 Zico
Imagem de Zico interpretado por Wagner Moura obtida na web.
Traficante e viciado, Zico comprava maconha em Pernambuco antes de ser preso. Foi
criado pela mãe de Deusdete e Francineide depois que sua mãe foi embora de casa e não voltou
mais. Zico sempre cuidou do amigo como se fosse, de fato, um irmão mais velho, inclusive
salvando-o uma vez no rio, onde Deusdete quase morreu afogado. Guardava sentimentos por
Francineide, de quem sempre perguntava, mas nunca chegou a se declarar. No Carandiru,
reencontrou o amigo de infância, a quem deu abrigo em sua cela. Traficava dentro do presídio
127
também e passou a consumir crack, que lhe dava freqüentes alucinações. Comprava as drogas de
Majestade para revender.
Ezequiel, um de seus “clientes”, estava em dívida com ele. Zico, então, resolveu pedir a
Nego Preto autorização para matá- lo. No entanto, Zico não teve coragem de fazê-lo, alegando
que só lhe restavam dois anos para sair. Isto fez com que Zico virasse motivo de chacota no
presídio.
Em uma de suas alucinações, pensando estar sendo perseguido, ameaça Deusdete com
uma faca. Em outra, pega uma panela com água fervente e a despeja em cima do amigo, enquanto
ele dormia, ocasionando em sua morte. Após este fato, uma “comitiva” é reunida para decidir o
que será feito a respeito. Em uma cilada, Zico é encurralado e encapuzado, e recebe diversas
facadas de vários detentos e, conseqüentemente, morre.
1.2.3 Majestade
Imagem de Majestade interpretado por Ailton Graça obtida na web.
Josué dos Santos, um homem negro conhecido como Majestade, roubava carros
importados e vendia-os no Paraguai. Foi sentenciado a 16 anos no Carandiru, mas conseguiu
reduzi- los para 10 anos. No presídio, virou traficante.
Com jeito de malandro, simpático e sorridente, um dia, ao esconder drogas dentro do vaso
sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo,
mordeu- lhe o crânio. Depois, foi à enfermaria, onde foi atendido por Lula.
Majestade tinha duas mulheres, as quais conheceu antes de ser preso. A primeira, Dalva,
uma jovem branca e loira, estava noiva quando o conheceu. Ela assistia à partida de futebol do
noivo, quando Majestade aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho
de cada cor. Quando o noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para
o lado, afugentando o noivo de Dalva. Ele diz a ela que o espere em casa no dia seguinte com a
128
família, pois ele lhe pedirá em casamento. Na casa de Dalva, Majestade encontra o preconceito
da família e o pai dela proíbe o casamento, porém, Majestade saca a arma novamente e os faz
refém na sala de jantar. Ele anuncia que eles vão se casar de qualquer jeito e “rouba” Dalva.
Um dia, em um bar, com Dalva, Majestade vê a mulata Rosirene (que estava consumindo
drogas) e se interessa por ela. Ele larga Dalva dançando sozinha e vai falar com Rosirene. Diz
que a levará para a praia no domingo e que pegasse seu biquíni, quando Dalva chega para ver o
que acontece. As duas discutem e Majestade vai embora com Dalva. Ele se dividia entre as duas
durante a semana: sua casa com Dalva e um quartinho que alugou perto da antiga rodoviária para
se encontrar com Rosirene, que era prostituta.
Teve três filhos com Dalva e um com Rosirene. Entretanto, a vida boa de Majestade acaba
em um dia de visita, quando não consegue evitar o encontro de suas duas mulheres. Elas, então, o
forçam a decidir com qual das duas ele quer ficar.
1.2.4 Sem Chance
Imagem de Sem Chance interpretado por Gero Camilo obtida na web.
Matias, mais conhecido pela frase com a qual termina a maioria de suas falas: “sem
chance”, é um ladrão escolado, que se destaca por sua boa argumentação e sua fala distintamente
superior à dos demais detentos. Sem Chance se torna ajudante do Médico na enfermaria,
coletando sangue dos detentos para o teste de HIV. Em uma destas coletas, Sem Chance se
mostra particularmente interessado em um paciente: é Lady Di, um travesti delicado e de
presença marcante. Os dois iniciam um romance e Sem Chance resolve fazer o exame de HIV
também. Ao receberem o resultado, apreensivos, hesitam em abrir o envelope, mas quando o
fazem, descobrem que ambos não têm o vírus e resolvem se casar. No entanto, antes de se
casarem, Sem Chance fica sabendo que ganhará sua liberdade e fica triste em ter que deixar Lady
Di sozinho no presídio. Eles decidem se casar mesmo assim e esperam até o dia de visita para
129
pedir a benção dos pais de Lady Di, que não lhes concedem, pois não aceitam a vida que o filho
vive. A “comunidade” interna de gays e travestis organiza o casamento dos dois, com direito a
música (Ave Maria, cantada por um dos detentos), vestido de noiva e alianças.
Prestes a sair do presídio, Sem Chance sonha em montar seu próprio consultório com o
que aprendeu com o Médico.
1.2.5 Lady Di
Imagem de Lady Di interpretado por Rodrigo Santoro obtida na web.
O travesti com nome de celebridade, Lady Di, entra no consultório improvisado do
Médico dentro do Carandiru para descobrir se tem o vírus do HIV, confessando haver tido por
volta de 2 mil parceiros sexuais. Ele também admite fumar maconha de vez em quando. Na
consulta, o Médico lhe informa que o silicone que ele tem nos seios não é apropriado para aquele
uso, mas Lady explica que este foi o único que seu dinheiro pôde comprar. Quem retira seu
sangue para o exame é Sem Chance, com quem Lady logo inicia um romance. Os pais de Lady
Di não aceitam a vida que o filho escolheu, insistindo que o nome dele é Dirceu. Dos dois, a mãe
é a mais flexível, tentando, inclusive, convencer o marido de que a felicidade do filho é o mais
importante. Mesmo assim, Seu Antônio continua irredutível. Lady Di vive seu conto de fadas
dentro do presídio, onde se “casa” vestido de noiva com Sem Chance.
130
1.2.6 Nego Preto
Imagem de Nego Preto interpretado por Ivan de Almeida obtida na web.
Chefe da Cozinha Geral, Nego Preto, como Moacir é conhecido, é uma espécie de juiz
das desavenças internas. Por ele, passa decisões como negociação de dívida e autorização para
matar alguém lá dentro.
Preso por assassinato, tem ainda mais uns anos para ganhar sua liberdade. Quando solto,
praticava assaltos com os comparsas Escovão e Gordo. Após um destes assaltos, a uma joalheria,
que havia ocorrido bem, “sem nenhum tiro”, houve uma desavença entre os assaltantes, que
culminaria na prisão de dois deles. Na hora da divisão das jóias, Nego Preto desconfia que
Escovão esconde uma arma na mão sob o paletó e o mata. Imediatamente, Gordo saca a arma e
aponta para Nego Preto, revelando que o plano era ele matá- lo para fazer a partilha somente com
Escovão, mas Gordo não tem coragem de atirar. Eles carregam o corpo de Escovão até o córrego
e o jogam lá.
A polícia chega até Gordo, que, com medo, acaba entregando o comparsa pelo
assassinato. Os dois são presos e levados para a Casa de Detenção de São Paulo, onde Gordo
morre a facadas ao entalar em um túnel por onde vários detentos estavam fugindo.
Tempos depois, Nego Preto é surpreendido ao ver seu filho no Carandiru, agora como um
dos detentos.
1.2.7 Seu Chico
Imagem de Seu Chico interpretado por Milton Gonçalves obtida na web.
Pouco se sabe sobre Seu Chico, um senhor negro, apaixonado por balões, que há anos
vive no Carandiru. Pai de 18 filhos, tem uma história comovente de como o crime pode
131
desestruturar uma família. Vive isolado dos demais detentos e nunca recebe visitas. Não se sabe
qual ou quais crimes cometeu, somente que está na dependência do juiz para ganhar sua
liberdade. Após haver falado com sua filha ao telefone, em uma conversa com Seu Pires, diretor
do presídio, Seu Chico pede que lhe fosse concedida uma autorização para que sua filha caçula,
que resolveu visitá- lo, pois estava esquecendo do seu rosto, pudesse ir vê - lo fora do horário de
visita para que ela não tivesse contato com os outros detentos. Entretanto, Seu Pires nega o
pedido, alegando que, se abrisse exceção para um, teria de abrir para todos. Mais tarde, vê -se que
Seu Pires resolveu ceder: Seu Chico espera no meio do pátio, embaixo de uma tenda, com um
piquenique preparado, fora do horário de visitação. Porém, a filha do velho não aparece.
Desolado, ao perceber que havia um guarda vigiando, agride um dos carcereiros e é levado à
solitária por 30 dias. Seu Chico parece se culpar pela situação familiar que se encontra, usando a
solitária como autopunição.
A filha de Seu Chico, finalmente, vai visitá-lo. Seu Pires, como prometido, deixa que os
dois se encontrem fora do horário de visitas e, inclusive, ordena que deixem-no ficar com ela
além do tempo permitido para visitação.
Seu Chico ganha sua liberdade antes do famoso massacre.
1.2.8 Ezequiel
Imagem de Ezequiel interpretado por Lázaro Ramos obtida na web.
Ezequiel, um detento viciado em crack e apaixonado por surfe, vive em dívida no presídio
por conta do vício, tendo já se desfeito de quase todos os seus bens. Sua última dívida, adquirida
com Zico, quase resulta em sua morte. Ezequiel tenta saldar sua dívida com sua prancha de surfe
e ainda pede que Zico lhe venda outra pedra de crack fiado. Zico o expulsa de sua cela,
agredindo-o. No dia de visita, Ezequiel diz a Nego Preto que quer pagar sua dívida e pede
autorização para que sua irmã tenha relações sexuais com outros detentos para conseguir
dinheiro. Com um olhar de desaprovação, Nego Preto lhe diz que faça o que achar melhor. Como
132
ele não paga a dívida, Zico pede autorização a Nego Preto para matá-lo, mas acaba desistindo.
Como punição, Nego Preto ordena que Ezequiel pegue suas coisas e se mude para o Amarelo
(setor daqueles jurados de morte). Com a morte de Zico, Ezequiel é procurado por Majestade
para que assumisse a culpa. Ezequiel não resiste à proposta de ter uma cela só para ele, com
roupa lavada e drogas para consumir, mesmo tendo apenas dois anos para ganhar a sua liberdade.
Com o crime, pegaria mais uns 20 anos, mas os argumentos de Majestade – que dois ou vinte
anos não fariam diferença para alguém com AIDS, como Ezequiel – foram mais que suficientes
para convencê- lo.
Ezequiel não chega a desfrutar dos privilégios: é morto por um policial no massacre.
1.2.9 Peixeira
Imagem de Peixeira interpretado por Milhem Cortaz obtida na web.
Assassino profissional, Peixeira é confrontado por Lula, que quer acertar as contas do
assassinato de seu pai, que ocorreu na sua frente e da sua mãe. Nego Preto chega para resolver a
desavença. O matador de aluguel, então, explica ao jovem e inexperiente ladrão que fora sua
própria mãe que encomendou o assassinato de seu pai. Lula, sofrendo e inconformado com a
verdade, desiste de matar Peixeira.
Peixeira sempre foi convicto de sua posição como um assassino frio e sem remorso pelas
vítimas, mas a reviravolta em sua vida chegaria dentro do Carandiru. Em um dia de visitas,
observa, curioso, a pequena igreja evangélica improvisada dentro do presídio, onde o pastor
prega. Envolvido na emboscada para matar Zico, em vingança pela morte de Deusdete, Peixeira é
quem deveria dar a facada final, que mataria Zico de uma vez. No entanto, ao olhar em seus
olhos, ele hesita e não consegue matá-lo. A partir daí, Peixeira começa a se sentir culpado pelas
outras mortes que tem no histórico. Ele, inclusive, sonha que Zico volta para assombrá- lo, com as
feridas das facadas em aberto e sangrando bastante, junto com Deusdete que está com o rosto
coberto pela touca de meia de seda do Zico e chora muito. Quando Zico o abraça, as facadas de
133
seu corpo passam para o corpo de Peixeira que começa a sangrar. Depois deste sonho, ele vai até
o consultório improvisado do Médico e pergunta a ele como saber se alguém está ficando
demente e quer saber se existe remédio para culpa. Desorientado e confuso, sai ao pátio, na
chuva. Avista novamente a pequena igreja evangélica, onde está havendo um culto. Ao perceber
o desespero de Peixeira, o pastor pára o culto e chama sua atenção, questionando- lhe se quer
aceitar Jesus. Peixeira, então, se ajoelha e se converte, chorando.
1.2.10 Médico
Imagem do Médico interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos obtida na web.
O Médico chega na Casa de Detenção de São Paulo para realizar um trabalho de
prevenção à AIDS, que já está em situação de pré-epidemia no presídio. Seu Pires, o diretor, o
acompanha pelas instalações, lhe mostrando o lugar. Chegam a uma ala onde está tendo uma
desavença, que logo é resolvida por seu futuro paciente estressado: Nego Preto, que lhe dá as
boas-vindas.
O Médico começa a atender em um consultório improvisado dentro do presídio e tem
Sem Chance, um dos detentos, como seu ajudante na enfermaria. Lula também faz pequenas
operações lá. Aos poucos, vai conhecendo os detentos e suas histórias, e é exposto a doenças
como tuberculose, sarna e AIDS.
Com o tempo, ganha a confiança daqueles que atende e circula livremente pelo presídio.
Uma noite, no entanto, um guarda noturno não o reconhece e ele quase teve de passar a noite lá
dentro.
É convidado para dar o chute inicial na partida da final do campeonato de futebol do
presídio, acontecimento muito importante e celebrado pelos detentos.
134
Expostas as personagens, pode-se resumir estas informações no seguinte quadro:
TABELA 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS
Personagem Características
físicas
Características
psicológicas História
Deusdete
Aparência de
aproximadamente
20 anos, branco,
magro, tem
cabelos curtos e
negros.
Recluso e tímido,
resiste em se
envolver com os
demais detentos e,
freqüentemente,
aparece lendo na cela.
Jovem da periferia, que luta
para não entrar na vida de
crimes. É preso após
assassinar os agressores da
irmã Francineide. Na prisão,
encontra o amigo de infância
Zico, que acaba assassinando-
o com uma panela de água
fervente.
Zico
Aparência de no
máximo 30 anos,
branco, tem
cabelos curtos,
geralmente
ocultos por uma
touca de meia de
seda.
Inquieto e hiperativo,
devido ao constante
consumo de crack.
Inseguro, demonstra-
se piedoso com um
devedor.
Criado pela mãe de Deusdete,
se envolveu com o crime
cedo. Viciado em crack, que
o leva a matar o amigo de
infância durante uma
alucinação. É morto a facadas
por vários presos.
135
Majestade
Aparência de 40 e
poucos anos,
negro, de cabelos
curtos e um
pouco acima do
peso.
Malandro com
gingado, orgulhoso
de seu poder e por
desfrutar do amor de
suas duas mulheres.
Carismático, sempre
conta vantagem em
suas histórias.
Conhece sua primeira mulher,
Dalva, numa partida de
futebol, onde o noivo dela
joga. Foge com ela e a pede
em casamento, mas seus pais
não aceitam por ele ser negro.
Casado com Dalva, conhece
Rosirene, uma prostituta, com
quem também constitui
família.
Sem Chance
Aparência de 30 e
poucos anos,
branco, magro,
baixinho, tem
cabelos curtos e
encaracolados.
Uma espécie de
“filósofo”, é um
detento escolado, de
boa argumentação e
sonhador.
Ajudante do Médico na
enfermaria, que se encanta
pelo travesti Lady Di, com
quem se “casa” dentro do
presídio. Sonha em abrir o
próprio consultório médico
quando ganhar sua liberdade.
Lady Di
Aparência de 20 e
poucos anos,
branco, travesti,
alto, de cabelos
negros em estilo
chanel e de
presença
marcante.
Sonhador e delicado.
Sua carência se
demonstrava pelos
vários
relacionamentos que
teve. Realizou-se
quando encontrou o
amor.
Travesti que teve mais de 2
mil parceiros, tinha
problemas com seus pais, que
não aceitavam a vida que
escolheu. No Carandiru, se
“casa” com Sem Chance.
136
Nego Preto
Aparência de 50 e
poucos anos,
negro, de bigodes,
de cabelos curtos
e negros.
Um líder, assumindo
papel de juiz interno.
É, antes de tudo, um
pacificador,
desenvolvendo, por
conta disso, estresse.
Traído pelos comparsas, foi
preso por assassinato e se
tornou o chefe da Cozinha
Geral no Carandiru. Tudo que
ocorre lá dentro deve passar
por ele e deve ter sua
autorização.
Seu Chico
Aparência de
aproximadamente
60 anos, negro,
tem cabelos
curtos e
encaracolados,
acima do peso.
Calmo e reservado,
era um senhor triste e
solitário pela
distância da família,
que não o visitava.
Apaixonado por balões, pai
de 18 filhos, mas nenhum vai
visitá-lo. Já cumpriu parte da
sentença e está na
dependência do juiz dar sua
liberdade. Vive isolado dos
demais detentos.
Ezequiel
Aparência de 20 e
poucos anos,
negro, magro, tem
cabelos curtos
descoloridos.
Tem AIDS.
Ingênuo e submisso,
vive à mercê dos
outros detentos por
conta de seu vício em
crack.
Por conta de uma dívida,
quase acaba morto. Sem
perspectiva por conta da
doença e para ganhar
privilégios, acaba assumindo
a autoria de um assassinato
que não cometeu.
Peixeira
Aparência de 30 e
poucos anos,
forte, com corpo
malhado e
tatuado. Careca,
geralmente, usa
touca de lã.
Assassino destemido
e frio. Tem uma
reviravolta no
presídio, passando a
se sentir culpado
pelos crimes,
chegando a se
converter ao
evangelismo.
Matador de aluguel, encontra
o filho de uma de suas
vítimas que quer vingança no
presídio. Depois de não
conseguir matar um detento,
começa a se sentir culpado
pelas outras mortes. No fim,
acaba entrando em uma igreja
evangélica dentro do
Carandiru e se converte.
137
Médico
Aparência de 40 e
poucos anos,
branco, de
cabelos castanhos
e curtos, magro.
Calmo e paciente, é
preocupado com o
bem-estar dos
pacientes
independente dos
crimes que haviam
cometido.
Médico que foi ao presídio
para tratar os detentos e
tomar providências contra a
pré-epidemia de AIDS.
Ganhou a confiança dos
detentos, que lhe contavam
suas histórias e lhe pediam
conselhos.
2. A origem das personagens principais Agora que já se conhecem as personagens principais de Carandiru, suas características
físicas, psicológicas e histórias, pode-se partir em busca de suas origens na obra literária, que
podem ser uma ou múltiplas origens.
2.1. Deusdete
Como mencionado anteriormente, Deusdete é a personagem mais jovem da obra
cinematográfica. No livro, como visto, poucas personagens jovens foram encontradas (menos de
1%). As características físicas de Deusdete provavelmente têm origem na personagem literária
Gersinho, cuja idade é de 19 anos. Pela imagem, pode-se ver que a aparência de Deusdete não é
mais que isso. Esta é a única correspondência explícita entre estas duas personagens.
Gersinho, portador do vírus da AIDS, dezenove anos, assaltante primário aceito no pavilhão porque um ladrão que o viu nascer, e que talvez tenha sido namorado de sua mãe, convidou-o para morar em seu xadrez, diz que aprendeu muito com a convivência: (VARELLA, 2005, p. 33)
138
Já a história de Deusdete teve origem na personagem homônima. O Deusdete da obra
literária também tem uma irmã chamada Francineide, que foi atacada por dois molestadores.
Uma noite, Francineide, irmã do meio de Deusdete, na volta da padaria, foi molestada por dois marginais da vila. Um disse que queria chupar o sexo dela; ofendida, ela o mandou chupar a mãe, vagabundo. Apanhou, chegou em casa com o vestido rasgado e a boca inchada. Ao ver a irmã naquele estado, Deusdete correu para a Delegacia. Esperou mais de duas horas para ouvir o escrivão dizer que ficaria louco se registrasse todas as queixas de agressão da vila. (VARELLA, 2005, p. 198-199)
No filme, esta cena está dividida. Primeiramente, Francineide aparece desesperada após a
agressão, e é quando Deusdete a confronta e descobre o ocorrido:
DEUSDETE
Que é que foi? Conta aí! O que foi que aconteceu?
FRANCINEIDE
Era dois... me agarraro... levantaro meu vestido... um disse que
queria me chupá... eu mandei ele chupá a mãe...
DEUSDETE
O que eles fizero?
FRANCINEIDE
Me batero...
DEUSDETE
E daí? Que mais?!
FRANCINEIDE
Eu saí correndo, Deusdete. Saí correndo! Eu te juro! Não
aconteceu nada!
Depois, há a cena em que Deusdete vai atrás de Zico, seu amigo de infância, para que este
lhe arranje uma arma. No livro, Deusdete não recorre ao seu amigo de infância, no caso, Mané de
Baixo, mas a qualquer um na vila que lhe pudesse vender um revólver. Porém, é nesta cena no
filme que ele conta que foi à polícia e consegue a arma com a qual cometerá os homicídios:
DEUSDETE
Zico.
ZICO
Pô Deusdete, você aqui?!
139
DEUSDETE
É que eu tenho um assunto aí...
ZICO
(para os comparsas)
Dá licença.
ZICO (CONT'D)
Como é que tá a mãe?
DEUSDETE
Problema não é com ela não...
Uns caras azararo a Francineide...
ZICO
O que que fizero com ela?
DEUSDETE
Ela disse que nada. Mas eu fui na delegacia dá parte.
ZICO
Delegacia, Deusdete?! Tu acha que polícia vai resolvê isso aí?
DEUSDETE
O pior é que os cara ficaro sabendo e agora tão atrás de mim.
ZICO
Deixa comigo que eu dô um jeito neles.
DEUSDETE
Não Zico. Do teu jeito não. Eu... só preciso de uma arma... que é
pra me defendê.
O procedimento adotado pelo irmão de Francineide, no geral, foi o mesmo: denunciou a
agressão à polícia, depois, quando foi jurado de morte, arranjou uma arma para se defender. No
entanto, Deusdete é encontrado pelos agressores; ele os mata quando é abordado e ameaçado com
barras de ferro. Esta cena manteve-se igual em ambas as obras:
Uma semana após o incidente, no ônibus, um vizinho o avisou de que os agressores souberam da ida dele à delegacia e queriam pegá-lo. Deusdete pediu adiantamento na firma e saiu pela vila atrás de um revólver. Não demorou para encontrar. Apesar da arma, mudou de itinerário. Não adiantou, eles o acharam na volta da escola, sozinho, por uma rua escura. - Aonde pensa que vai o estudante dedo -duro? - Não quero briga. Deixa eu ir para casa. - Você vai para a casa da mamãe, veado, só que antes a gente vai te fazer uns carinhos, que nem nós fez para a tua irmãzinha. O primeiro que se aproximou tinha uma barra de ferro na mão. Abusado, não percebeu que Deusdete havia sacado o revólver. Tomou dois tiros e caiu
140
morto. O companheiro saiu correndo com a faca. Deusdete atirou, errou e seguiu no encalço. Três, quatro esquinas depois o fugitivo entrou num bar. Deusdete esperou agachado atrás do muro de uma casa em frente, até que o inimigo saiu, olhou ao redor desconfiado e cruzou a rua bem na direção em que ele se encontrava. Levou as três ultimas balas do tambor, para espanto do gordo de bermuda e do barbudo que jogavam sinuca no alpendre do botequim e mais tarde testemunharam contra ele, no julgamento. (VARELLA, 2005, p. 199)
No filme, há o seguinte diálogo nesta cena:
RAPAZ 1
Aonde pensa que vai o dedo duro?
DEUSDETE
Não quero briga. Deix'eu ir pra casa.
RAPAZ 2
Você vai sim, mas antes, a gente vai te fazê uns carinho, que
nem feiz na tua irmãzinha.
Ao ser preso, Deusdete é levado para a Casa de Detenção de São Paulo. Na película, vê -se
o rapaz chegando, desconfiado, procurando uma cela. Quando Zico o encontra, o acolhe em sua
cela, dando- lhe uma cama:
DEUSDETE
Pagá pra dormi?! Tô preso, meu!
PEIXEIRA
Lá fora tu mora de graça?
EZEQUIEL
Se quisé ficá, dorme aí no chão.
ZICO
Deusdete não vai pro chão não. Ele já tem onde morá.
(para Deusdete)
Pô Deusdete, bem que eu disse... Acabou fazendo o que não
devia.
Na obra literária, pouco se sabe sobre a chegada de Deusdete ao presídio. Apenas é
mencionado brevemente que o amigo de infância o acolhe.
141
Quando Deusdete chegou na Detenção foi acolhido por Mané de Baixo , proprietário de um xadrez no pavilhão Cinco, cumprindo oito anos e seis meses por roubo de carga e formação de quadrilha. (VARELLA, 2005, p. 199)
O destino trágico de sua personagem também é compartilhado pela personagem literária:
Deusdete é morto no presídio. Seu amigo de infância (Zico, no filme e Mané de Baixo, no livro)
despeja- lhe água fervente enquanto Deusdete dormia em sua cama. No livro, a ação é justificada
pela humilhação sentida por Mané de Baixo quando Deusdete não permite que ele consuma
drogas dentro da cela.
De madrugada, enquanto o companheiro de infância dormia, encheu um tacho com cinco litros de água, uma lata de óleo, um quilo de sal e acendeu o fogareiro. Quando a mistura levantou fervura, despejou-a em cima do outro. Deusdete morreu na enfermaria do Pavilhão Quatro nas primeiras horas da manhã. (VARELLA, 2005, p. 200)
Na película, entretanto, este ocorrido é justificado pelo vício de Zico, que mata o amigo
em um momento de alucinação causada pelo crack.
Neste caso, a personagem dominante é a mesma que deu origem ao nome da personagem
na película. Sendo assim, tem-se Deusdete como a personagem literária dominante e Gersinho
apenas como personagem de apoio, pois nada de sua história serviu de base para a personagem
cinematográfica. Talvez se possa considerar o fato de que Gersinho fora acolhido no presídio por
alguém que o conheceu antes de ser preso e fazia parte de seu círculo social fora do Carandiru,
assim como ocorre na história de Deusdete. Porém, esta ligação entre as personagens não fica
clara, pois tratam-se de situações e relações diferentes (Gersinho – ex-namorado da mãe;
Deusdete – amigo de infância).
2.2 Zico
Zico era traficante de maconha antes de ser preso. Comprava a droga em Pernambuco. No
livro, há duas personagens que compartilham esta história: Juscelino e Ôrra Meu.
A origem da propriedade perde-se no passado, quando os recursos da Casa começaram a minguar e a manutenção das celas ficou por conta dos próprios detentos, como explica Juscelino, um mineiro de sorriso encantador que
142
comprava maconha no sertão de Pernambuco e voltava de ônibus-leito com a droga na mochila: (VARELLA, 2005, p. 36) (…) como observou Ôrra Meu, um faxina de pescoço longo como os de Modigliani e sotaque italianado característico do bairro da Mooca, preso num caminhão de lenha que trazia maconha de Pernambuco para um armazém da Vila Matilde: (VARELLA, 2005, p. 284)
O passado de Zico com relação a seus crimes não foi muito explorado, da mesma forma
que os crimes de Juscelino e Ôrra Meu apenas foram mencionados e suas histórias não ganharam
destaque. Na obra cinematográfica, a parte mais desenvolvida da história de Zico foi seu
relacionamento com o amigo de infância, Deusdete:
ZICO (OFF)
Um dia, minha mãe não voltô mais pra casa. Fiquei só. Esperei,
esperei, até que ele e a irmã, Francineide, chegaram e me levaram
pra morá com eles. Crescemo junto.
Esta história, desde a infância até sua morte, é vivida por Mané de Baixo na obra literária.
Embora não tenha sido mencionado que Mané de Baixo tenha sido abandonado pela mãe e ido
morar com a família de Deusdete, é mencionado que passaram a infância juntos e não se
desgrudavam até seus 14 anos.
Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos, quando Mané de Baixo arranjou emprego num ferro-velho e saiu da escola. (VARELLA, 2005, p. 198)
No presídio, Zico era traficante de crack. Um dos detentos, que era seu “cliente”, havia
comprado droga fiado com ele e não o pagava. Zico resolve pedir a Nego Preto autorização para
matá- lo. Entretanto, acaba por não fazê- lo, pois não queria aumentar sua sentença. Este episódio
fez Zico virar motivo de chacota no presídio.
MAJESTADE
(para Zico)
Aí, quem num tem palavra, num pode trabalhá pra mim.
NEGO PRETO
Pede pra matá o cara e depois muda as idéia!?
143
ZICO
Ô Nego! Mais dois ano e eu tô livre... achei melhor deixá quieto
e acertá ele na rua.
Um caso muito semelhante ocorre com a sua personagem homônima no livro. Zico,
personagem literária, pede a Bolacha, que seria como um juiz interno, assim como Nego Preto,
autorização para matar um detento que havia estuprado sua irmã. Mas, assim como a personagem
cinematográfica, ele vira motivo de chacota quando resolve não matá- lo, pois estava prestes a
conseguir entrar no regime semi-aberto.
Bolacha na presença de testemunhas: - Zico, qual é a tua, meu? Está esperando o que para resolver o caso daquele pilantra? - Bolacha, sucedeu-se que subiu meu recurso para a Colônia e eu achei melhor deixar quieto por enquanto e acertar ele na rua. - Ô, Zico, agora você me desapontou! Pede para matar o cara, traz prova do estupro e depois muda as idéias. Arruma tuas coisas e atravessa para o Cinco, que o Nove ficou pequeno para você. Você não é do Crime, meu. Você é um cômico. (VARELLA, 2005, p. 102)
Além de traficar, Zico também consumia crack, o que lhe causava freqüentes alucinações.
Em uma delas, mata o amigo de infância com uma panela com água fervente enquanto ele
dormia. Após este ocorrido, o qual não havia sido autorizado pelos “juízes” internos, foi
organizada uma “comitiva” para decidir qual providência seria tomada.
FUINHA
Ó Nego, eu sei que quando eu fui visitá o Zico, o Deusdete não
dexô que a gente fumasse lá.
BAIANO
Isso num é motivo pra mata na covardia!
LULA
Me deu o maior medo, ó! Í dormi e acordá queimado?! Tá louco!
DETENTO LOCUTOR
E matô sem assuntá com nóis! Qualé?
DADÁ
Quem mandô se metê na vida do outro?
MAJESTADE
(para Dadá)
144
Eram amigo da infância. Se você tivesse um amigo aqui prá te
aconselhá, você ia fazê isso com ele?
DADÁ
Problema deles, ó!
NEGO PRETO
Tá enganado. Agora é problema nosso.
No livro, esta negociação sobre o destino de Mané de Baixo (que matou Deusdete), que
envolveu mais de quarenta pessoas, é apenas mencionada, mas não se sabe quem fez parte desta
“comitiva”.
Ao meio-dia, os companheiros revoltados reuniram-se com a Faxina do Cinco, num “debate”, como eles dizem, que envolveu mais de quarenta pessoas. (VARELLA, 2005, p. 200)
Como conseqüência, Zico é emboscado e atacado por diversos detentos, que o matam a
facadas. Isto também ocorre com Mané de Baixo, que é emboscado e, depois, é mencionado que
seu corpo, morto, estava todo esfaqueado.
Resolveram que um grupo aguardaria nas imediações da entrada do pavilhão e outro bloquearia a escada no primeiro andar. Quando Mané entrou, o grupo de baixo subiu atrás. (VARELLA, 2005, p. 200) Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos... (…) O outro, de camiseta do Baú da Felicidade, estava todo esfaqueado. (VARELLA, 2005, p. 198)
Não foi possível verificar nenhuma personagem com correspondência física semelhante a
Zico. Mané de Baixo é a personagem dominante, Zico, a secundária e Juscelino e Ôrra Meu,
personagens de apoio. Aqui, tem-se a origem do nome em uma personagem secundária, que
também teve participação significativa na composição da história da personagem
cinematográfica.
145
2.3 Majestade
Majestade era um negro com jeito de malandro, simpático e sorridente. De nome
verdadeiro Josué dos Santos, traficava no Carandiru. No livro, encontram-se duas personagens
que deram origem à imagem de Majestade: Kenedi Baptista dos Santos, conhecido como Zé da
Casa Verde, e Charuto. Zé da Casa Verde era um homem negro, com jeito de malandro; Charuto
tinha sorriso alvo e dentição perfeita, era malandro no jeito de andar, falar e olhar.
Esse tal de Charuto tinha sorriso alvo e dentição perfeita, raridade no ambiente. Malandro completo no andar, falar e olhar, assaltante incorrigível, estava condenado a dezesseis anos, nesta segunda passagem pela cadeia. (VARELLA, 2005, p.260) Seu nome era Kenedi Baptista dos Santos, porém todos o conheciam como Zé da Casa Verde. As gírias, o cantado da fala paulista, o jeito de parar com o corpo jogado para trás, a disposição permanente para gozar os companheiros, tudo nele recendia malandragem. (VARELLA, 2005, p.226)
Estas duas personagens também deram origem à história cinematográfica de Majestade,
em momentos diferentes.
Majestade, em uma ação que parecia ser- lhe comum, esconder drogas dentro do vaso
sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo,
teve de morder- lhe o crânio. Na enfermaria, Lula o atendeu e lhe costurou o dedo.
MAJESTADE
Ai caralho! Puta que pariu! Larga! Larga! Ai, ai... larga
desgraçado! Ai, ai...
(OFF)
Bati ele na parede mais de deiz veiz! O demônio num largava!
SEM CHANCE
E aí, morreu?
MAJESTADE
Ai cacete... Morreu nada! Mas eu segurei ele firme e cravei os
dente na mente do infeliz. Depois escovei a boca e já era.
146
No livro, o mesmo ocorre com a personagem Charuto, entretanto, as circunstâncias são
outras: ele levou uma mordida de rato ao desentupir um esgoto que sempre entupia no pavilhão
Dois.
Puxou a mão, no reflexo; veio junto o rato pendurado no dedo indicador, mordendo fixo. Era preto, enorme: - Pensei até que fosse um cachorrinho desses de madame. No desespero, a mão desenhou um círculo no ar e bateu o rato contra o cimento, mas a pega estava tão firme que não soltou. Infernizado com a dor que até choque dava, o rato travado no osso, Charuto levantou o braço o mais alto que pode e despencou o animal no chão; com toda força. - Só aí, com perdão da palavra, foi que o desgraçado largou. Ficou esperneando as patinhas para cima. - Morreu? - Que nada, doutor, o bicho é o demônio! Foi então que Charuto, cego de ódio, agarrou o inimigo com as duas mãos, segurou-lhe a boca para não levar outra mordida e vingou-se: - Cravei os dentes na mente do infeliz. Mordi duro, até ele parar de debater. Depois escovei os dentes, e já era. (VARELLA, 2005, p. 259)
Majestade tinha duas mulheres: uma branca e uma negra, assim como Zé da Casa Verde.
Sua primeira mulher, Dalva, era uma jovem de pele bem branca e loira. Zé era casado com Valda,
que tinha a pele branca como a neve. Ela assistia à partida de futebol do noivo, quando Majestade
aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho de cada cor. Quando o
noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para o lado, afugentando o
noivo de Dalva.
MAJESTADE (CONT'D) Tu acredita em amor à primeira vista?
DALVA Quê?!
MAJESTADE Vem comigo... vou te pedi em casamento pros teus pais.
DALVA Sai fora! Tu nunca me viu!
MAJESTADE Tá errada! DALVA
Tô errada?! Você nem me conhece! MAJESTADE
Conheço sim. Sei que tu gosta de calabreza... Sei que fica linda num vestido de florzinha... e sei que tu merece mais do que esse
perna de pau aí... DALVA
Meu noivo? MAJESTADE
Noivo?! Isso é atraso de vida.
147
MAJESTADE (CONT'D) Olha só que beleza de mistura! Vam'tê um filho de cada cor.
Te espero no carro... DALVA
Você falou sério? MAJESTADE
Como nunca na vida.
A história do romance de Zé da Casa Verde com Valda é muito semelhante à de
Majestade e Dalva, apenas mudando a circunstância do primeiro encontro dos dois. No livro, Zé
conhece sua primeira mulher em um baile, uns dias antes da partida de futebol do namorado (ou
noivo, não é especificado qual o grau do relacionamento deles) dela. No filme, este primeiro
encontro acontece na própria partida.
Zé era casado com duas mulheres, Valda e Maria Luísa: - A Valda tem pele branca como a neve. É de uma família de bem, em Santana, que nunca aceitou o nosso romance por causa da minha cor. Os dois se conheceram num baile, ela ainda virgem, dançando com um rapaz no qual Zé não sentiu firmeza. No domingo seguinte, enquanto o rival disputava uma partida na várzea, Zé aproximou-se dela, na beirada do campo: - Levanta e vem comigo, que eu vou te pedir em casamento para os teus pais. -Você nem me conhece! Ele falou dela no baile, da pele alva que contrastava com o preto da sua e dos filhos misturados que nasceriam lindos, cada um numa cor. Falou e foi esperá-la no fusca, que havia acabado de equipar com dinheiro roubado. A espera não foi longa. Ela apareceu na janela do carro: -Você falou sério? - Como nunca na vida. (VARELLA, 2005, p. 227)
Ao ver que conquistou Dalva, Majestade diz a ela que o espere em casa no dia seguinte
com a família, pois ele lhe pedirá em casamento.
MAJESTADE
Tu viu?! Tu viu, né? Se fosse amor que ele sentia, não tinha
fugido! Qualé? Deixá roubá a mulher!
MAJESTADE (CONT'D)
Amanhã, às oito, reúne tua família que eu vou te pedir em
casamento.
148
A mesma situação pode ser vista com Zé da Casa Verde, na obra literária.
Zé, persuasivo, virou-se para a amada: - Amanhã, às oito, reúne teus pais e tuas irmãs que eu venho te pedir em casamento. Esquece esse cara, se ele gostasse de você, enfrentava o perigo. (VARELLA, 2005, p. 227-228)
Ambas as personagens, ao encontrar o preconceito da família da noiva, sacam suas armas
outra vez em resposta à proibição do casamento pelo pai dela, fazendo-os de refém e “roubando”
a futura esposa. No livro:
No dia seguinte, às oito, a reação da família foi a pior possível. Apesar do fusca envenenado e de se apresentar como trabalhador, filho de uma família exemplar, proprietária de um imóvel com escritura lavrada no cartório da Casa Verde, o pai da mo ça disse que preferia a filha morta do que casada com um negro malandro daqueles. Com a persistência obstinada do Zé, os ânimos se exaltaram, o pai referindo-se à cor dele com desrespeito crescente. Quando foi chamado de negrinho insolente, Zé perdeu a paciência. Subiu na mesa, puxou o revólver, gritou que matava o primeiro que reagisse: - Tranquei todo mundo no banheiro e levei o meu amor comigo, a minha mão preta no algodão da mão dela. (VARELLA, 2005, p. 228)
No filme, há o seguinte diálogo entre Majestade e Seu Sidney, pai de Dalva:
SEU SIDNEY
Vou falá uma vez só: prefiro minha filha morta do que casada
c'um negro malandro.
MAJESTADE
Ai o senhor me ofende... O senhor mal me conhece.
SEU SIDNEY
Conheço o suficiente pra saber que não passa de um preto
vagabundo!
MAJESTADE
Olha seu Sidiney...
SEU SIDNEY
Não olho nada!
(para Dalva)
Minha filha, você não é mais menina pra cair
na conversa de preto!
MAJESTADE
Cala a boca! Todo mundo pro banheiro!
149
MAJESTADE (CONT'D)
Vai, vai logo! Vai entrando!
Dá um tchau pro teu pessoal que vai demorá pre'les botarem o
olho em ti!
SEU SIDNEY
Filha, pensa bem: cê vai fazê essa besteira?
MAJESTADE (OFF)
Casei foi ali mesmo. Levei meu amor comigo; a minha mão
preta no algodão da mão dela...
Grande parte da história de Majestade, personagem cinematográfico, tem origem na
história de Zé da Casa Verde. O nome da primeira mulher de um é o inverso silábico do nome da
mulher do outro: Dalva e Valda. Já a história deles com suas segundas mulheres é diferente,
inclusive o nome delas: Majestade casa-se com Rosirene e Zé da Casa Verde, com Maria Luísa.
Majestade conhece Rosirene, uma prostituta, em um bar, onde havia ido com Dalva. A mulata,
que estava consumindo drogas, chama a atenção de Majestade que vai falar com ela e lhe diz para
pegar o biquíni, pois a levará para a praia no domingo. Quando Dalva chega, as duas discutem e
Majestade leva Dalva embora.
MAJESTADE
(para Rosirene)
A morena não samba?
ROSIRENE
Não sou macaco pra ficar pulando à toa...
MAJESTADE
Quer um motivo pra pulá?
ROSIRENE
Acho quem quem tá a fim de pulá e você... a cerca.
MAJESTADE
Olha aí, vô deixá minha esposa e as criança em casa. Pega teu
biquíni que eu volto pra te buscá. A gente vai passá o domingo na
praia.
Dalva se aproxima.
DALVA
Essa nega aí sabe que tu tem dona?
150
MAJESTADE
Qué isso, Dalva? Tava indo no banheiro!
DALVA
(pondo a mão sobre a braguilha da calça de Majestade)
E isso aqui, tá assim por quê?
ROSIRENE
Parece que alguém não tá cuidando bem dele.
DALVA
Vê o que cê fala, sua nega fedida!
(empurrando Rosirene)
Acho bom saí de perto do meu homem ou tu vai se dá mal!
Rosirene revida. As mulheres trocam tapas e puxões de cabelo.
MAJESTADE
Pára, Dalva! Pára com isso!
Já Maria Luísa, segunda mulher de Zé da Casa Verde, que também era negra, era passista.
Embora não fique explicito onde se conheceram, é provável que tenha sido na quadra da Império
da Casa Verde, escola da qual era passista. O encontro com a primeira mulher de Zé, Valda,
aconteceu na avenida, no Carnaval.
Viveram na maior felicidade até ele conhecer Maria Luísa, passista da Império da Casa Verde: - A bateria pegando pesado e ela dançando na frente, de vestidinho curto e um sorriso que iluminava a quadra inteira. Parecia uma deusa de ébano. No carnaval, na concentração da escola, minutos antes do desfile, ele de guerreiro xangô, Maria Luísa de biquíni com lantejoula, ninguém sabe de onde, surgiram Valda e a irmã mais nova do Zé, solidária com a cunhada, e se engalfinharam com a rival. Ele outra vez perdeu a paciência e puxou o revólver: - Dei uma coronhada na cabeça de cada uma, mandei as três para casa e sambei sozinho na avenida. (VARELLA, 2005, p. 228)
Como já mencionado, a segunda mulher de Majestade era prostituta e não queria lagar a
profissão. Ele não se opunha, contanto que não fizesse programa com nenhum amigo dele. Um
dia, ao esperá- la no ponto onde se prostituía, Majestade descobre que Rosirene está saindo com
um de seus amigos, Farofa. Ao confrontá-la, fica sabendo que os dois, além de estarem saindo
juntos, estão fazendo planos para irem para Miami.
151
MAJESTADE
Tu não desiste dessa vida, né? Já não te falei que eu te banco?
ROSIRENE
Sempre ganhei meu dinheiro.
MAJESTADE
E tu sabe quem é esse cara que tu tava?
ROSIRENE
O que você está fazendo aqui? Hoje não é o dia da Branquinha?
MAJESTADE
Não desvia o assunto! Tu sabe quem é ele?
ROSIRENE
Sei! E daí?
MAJESTADE
Eu não te disse: "Se quisé se virá, se vira. Só não dá pra amigo
meu que eu te quebro o pescoço!"
ROSIRENE
Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!? Tu é um pé de chinelo. E
mais, ele ainda me disse que, quando separá da esposa, vai se muda
comigo pra Miami! Ó, qué sabê? Tô indo!
MAJESTADE
Vai para onde?
ROSIRENE
Miami meu amor! Miami!
(…)
MAJESTADE
Vê se pode doutor, dando pra amigo meu e ainda os dois
fazendo plano!
Esta mesma situação pode ser encontrada no livro, porém, com outra personagem:
Charuto. Ele era assaltante e ela, prostituta. Rosirene, personagem literária, também o traiu com
um amigo dele, fazendo planos juntos para ir para Ponta Porã.
- Estava na Estação da Luz se virando. Sabe, elas viciam e não querem sair dali. Eu não podia fazer nada. Quer dar? É com ela mesmo. A única coisa que eu falava era: só não dá para amigo meu, que eu te quebro o pescoço. (…)
152
Uma noite, trombaram na Boca do Lixo e Rosirene confessou estar namorando um amigo dele, Mato Grosso, o dono das pedras, e que os dois tinham planos de mudar para Ponta Porã. -Veja só, dando para amigo meu e ainda os dois fazendo plano! (VARELLA, 2005, p. 264)
Charuto não se dividia entre duas mulheres como Majestade. Ele havia largado a primeira
(Rosane) para ficar com Rosirene. Já Majestade levava dois casamentos ao mesmo tempo, assim
como Zé da Casa Verde. Ambos se dividiam entre as duas mulheres e tiveram filhos com elas:
Majestade teve três com Dalva e um com Rosirene; Zé da Casa Verde teve três filhos com Maria
Luísa e quatro com Valda. Entretanto, em um dia de visita, eles não conseguiram evitar o
encontro de suas duas mulheres, que os fizeram escolher com qual queriam ficar.
ROSIRENE
Me beija na boca!
MAJESTADE
Pô, meu amor, hoje não vai dá! É que a caldera estorô e o
homem qué o conserto pronto até o fim do dia.
ROSIRENE
Ô Josué, nem na rua tu nunca trabalhô. Vai me convencê que
na cadeia resolveu regenerá? Tu tá é co'aquela branquela
vagabunda!
MAJESTADE
Qué isso, meu amor!? Juro que não!
ROSIRENE
Então vamo vê!
(…)
ROSIRENE
Falei que cê tava co'a vagabunda.
DALVA
A vagabunda agora sô eu?!
MAJESTADE
(para Rosirene)
Bom... já que você veio agora num tem mais volta pra trás. Hoje,
nós três vamô tê que entrá num entendimento.
MAJESTADE (CONT'D)
Rosirene, a Dalva não é vagabunda não, viu? Trabalha na
fábrica de roupa, cria nossos filho com o maior carinho. São filho meu, pô.
153
(para Dalva)
E você também, já disse que a Rosirene não vale nada.
Também num'é verdade. Se não fosse a cara dela descolá uns
baratos e trazê aqui pra eu fazê um dinheiro, ia faltá comida no prato
de todos nóis.
DALVA
Se você gosta d'eu e dela é problema teu.
MAJESTADE
Iiii...
ROSIRENE
É. Cê vai é decidi agora com qual das duas qué ficá!
DALVA
Isso mesmo!
MAJESTADE
Pô! Assim, cês vão parti meu coração no meio.
No livro, pode-se ver Zé da Casa Verde na mesma situação vivida por Majestade na obra
cinematográfica:
Pediu licença a Valda, correu para a sala das caldeiras, ao lado, e se lambuzou de graxa. Encontrou a mulata na porta, sorridente de saudades. Beijou-a com cerimônia para não esbarrar as mãos sujas nela e explicou: - Meu amor, que bom que você veio, mas, infelizmente, não vou poder te receber porque estou trabalhando num conserto, devido que a caldeira estourou e o homem quer tudo pronto até o final que acabar a visita. - Zé, você está é com aquela vagabunda. Nem na rua tu nunca trabalhou, vai me convencer que na cadeia, dia de domingo, é que resolveu regenerar? (…) - Você vai decidir agora com qual de nós duas quer ficar – insurgiu-se Maria Luisa, com o que concordou imediatamente a Valda. Ele ficou desconsolado: - Assim vocês vão partir meu coração no meio. (VARELLA, 2005, p. 229-230)
Portanto, tem-se Zé da Casa Verde como personagem dominante de Majestade, com
quem compartilha quase sua história inteira e, inclusive, seu físico e jeito de ser e se comportar, e
Charuto como personagem secundária, que também tem significativa contribuição para a história
de Majestade e seu jeito de se comportar. A personagem literária Majestade apenas deu origem
ao nome de sua personagem homônima cinematográfica, não contribuindo de nenhuma outra
forma para sua formação.
154
2.4 Sem Chance
Matias, que ganhou o apelido de Sem Chance, pois era com essa frase que terminava
quase todas as suas falas, era um homem baixinho e franzino, com habilidades em medicina, que
se tornou enfermeiro auxiliar do Médico na obra cinematográfica. De fala distintamente escolada
e boa argumentação, filosofava pelo presídio.
Na obra literária, há também uma personagem chamada Sem-Chance (que só se difere
pelo acréscimo do hífen), que também era franzino e ganhou o apelido exatamente pelo mesmo
motivo, demonstrando a origem do nome da personagem cinematográfica.
Ainda no escuro, acendem-se as luzes dos barracos, em silêncio, para respeitar o sono alheio, como explica o Sem-Chance, um mulato franzino que ganhou o apelido de tanto repetir essas palavras no final das frases: (VARELLA, 2005, p. 44)
Ouve-se, muitas vezes, na película, a personagem dizendo a frase “sem chance”.
SEM CHANCE
Desculpa, doutor, eu sô contra pena de morte, mas sou a favor
no caso de estrupo. Pra mim é sem chance.
(…)
SEM CHANCE
Cê vê, você trabalhando na noite, dois mil home aqui dentro...
limpinha. E eu, todo certinho, ó... sem chance.
Na obra literária, também pode-se ler diversas vezes a personagem utilizando esta frase
no final de suas falas.
- Tem que ser na manha. Se acordar cedinho, todo mundo dormindo, se for urinar no boi e der descarga ou fazer qualquer zuadinha, o senhor tem que mudar de xadrez. Acordar vagabundo, é sem chance. (VARELLA, 2005, p. 44) Ainda assim, para desespero da malandragem, como admite pesarosamente o Sem-Chance: - Tem sempre um cagüeta na fita, doutor. É sem chance. (VARELLA, 2005, p. 113)
155
Sem-Chance também deu origem às características de sua personagem homônima na
película. Ambos eram escolados:
Sem-Chance, ladrão escolado, fala da esperteza do “Ricardão”, nome atribuído ao amante da mulher de quem está na cadeia: - Se na visita não tiver respeito, doutor, elas vão ficar com medo de voltar... (VARELLA, 2005, p. 62)
Agora, quanto à história de Sem Chance, apenas parte dela teve sua origem nas histórias
das personagens da obra literária. Assim como Sem Chance, que era o principal enfermeiro do
Médico no filme, Edelso era o primeiro enfermeiro de Drauzio e o que mais tinha habilidades
para lidar com a medicina.
Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro, Edelso... (VARELLA , 2005, p. 80)
De todos os presos que passaram pela enfermaria, Edelso era o que tinha mais jeito para medicina. (…) Agradável no trato, dentes preservados, roupa cuidada, destoava naquele ambiente de homens pobres e corpos marcados pela violência. (VARELLA, 2005, p. 205)
A história de Sem Chance com o travesti Lady Di, que se casam dentro do presídio, não
ocorre no livro. No entanto, uma promessa que Sem Chance faz no filme durante seu casamento
com Lady Di também é feita no livro por Edelso, em situação diferente: montar um consultório
quando ganhasse a liberdade, para praticar o que haviam aprendido na enfermaria do presídio.
SEM CHANCE
O meu brinde é ao nosso doutor, pois com a medicina que
aprendi com esse homem, vô é montá um consultório e cuidá dos
meus paciente... esperando por você, minha Lady, pra gente vivê
nossa própria família.
Na obra literária, Edelso fora transferido da enfermaria, que ficava no pavilhão Dois, pois
descobriram que ele estava em uma lista de devedores, indo para o Sete. Mas, em um encontro
com Drauzio , Edelso contou os planos que tinha para quando estivesse livre.
156
Fazia até planos para quando cantasse a liberdade: - Vou parar com esse negócio de carro, desmanche, Paraguai, que é sem futuro. Com a medicina que aprendi com o senhor, não vejo a hora de montar consultório num lugarzinho simples e viver tranqüilo cuidando dos meus pacientes. (VARELLA, 2005, p. 207-208)
Assim, as personagens do livro que deram origem a Sem Chance foram Edelso e Sem-
Chance. Edelso pode ser cons iderada a personagem dominante, pois foi a origem da história de
Sem Chance (ou, pelo menos, de toda história presente no livro pertencente a Sem Chance) e
Sem-Chance, a secundária, que deu origem à sua aparência física e seu nome.
2.5 Lady Di
Única personagem principal travesti na película, Lady Di pode ser considerado um
mosaico dos travestis presentes na obra literária.
Lady Di era um travesti delicado, que, freqüentemente, quando nervoso, era visto com as
mãos na boa, como se roesse unha. Quando sentava, cruzava a perna, como as mulheres
geralmente fazem. Tinha silicone nos seios.
Estas características podem ser vistas em duas personagens literárias, ambas travestis:
Raimundo da Silva, conhecido como Loreta, e Pérola Byington.
No início, com os travestis, meu problema era a identidade. Sentava-se frente à mesa um homem de seios; e gestos delicados em cuja ficha eu lia Raimundo da Silva, mas que todos chamavam de Loreta. (VARELLA, 2005, p. 155) A meu lado, um rapaz franzino de Sapopemba, conhecido como Pérola Byington, pernas cruzadas feito mulher e com a mão desmunhecada, roendo as unhas o tempo todo, fez o seguinte comentário: (VARELLA, 2005, p. 279)
Outro travesti com seios, chamado Sheila, deu origem a uma passagem de Lady Di no
filme. Ao se consultar com o Médico para descobrir se tinha o vírus do HIV, Lady Di confessou
haver tido por volta de 2 mil parceiros sexuais. Quando recebeu o resultado, ele descobre que não
está infectado.
157
LADY DI
Eu conheço essa missa, doutor. Nunca precisei de
transfusão de sangue e não boto nada na veia, droga pra mim é só
um baseadinho que eu fumo de vez em quando,
assim pra vê televisão e pra namorar.
MÉDICO
E parceiros, quantos?
LADY DI
Ah, uns 2000.
(…)
MÉDICO
É, Lady, acho mesmo que tá na hora
de você saber se tá doente.
(…)
LADY DI
Não! Positivo é justamente a maldita no sangue! Tem que dá
negativo. HIV-Negativo.
Vou abrir primeiro que o meu caso é mais pior mesmo.
LADY DI (CONT'D)
Tô limpa! Tô limpa!
O mesmo ocorre com Sheila na obra literária.
Seios enormes, blusa com no acima do umbigo, Sheila confessava na presença de testemunhas mais de mil parceiros sexuais na Casa de Detenção no decorrer do ano anterior a pesquisa. (…). Ela era HIV-negativa... (VARELLA, 2005, p. 65)
Embora nenhuma festa de casamento tenha sido mencionada na obra literária, como
ocorre na película, na qual Lady Di e Sem Chance se casam, há a menção de duas personagens
travestis que se apaixonam e têm um relacionamento amoroso com outros detentos. Elas são
Margô Suely e Leidi Dai.
Margô Suely recebeu regalias por sua exclusividade ao ladrão com quem se relacionava,
mas foi largado por ele depois de adquirir uma doença íntima.
158
Quando veio transferida para o Carandiru, conheceu um ladrão e se apaixonou. Ele foi franco com ela: - Se quiser ser minha, é o seguinte: só minha, entendeu? Te ponho num barraco, dou conforto, mas não vai tirar eu, não. Manter mulher de cadeia custa o olho da cara. Tirou eu, já era.. (VARELLA, 2005, p. 213)
O ladrão, então, o substituiu por Leidi Dai, que afirmava ter casado com o “ex-marido” de
Margô.
Chocada com a ousadia da intrusa, Margô ordenou: - Tira a minha meia já e sai da minha cama, sua vaca! - Que é isso? Casei com o teu ex-marido. Estou naonde que me pertence, bofe velha. (VARELLA, 2005, p. 215)
No entanto, não fica claro se este “casamento” é apenas uma espécie de contrato de
exclusividade. Nenhuma cerimônia é descrita no livro.
Como pôde-se perceber, não há personagem dominante de origem para Lady Di. Suas
características físicas podem ser vistas em Raimundo da Silva (Loreta) e em Sheila. Seu jeito de
ser, em Raimundo da Silva (Loreta) e Pérola Byington. E uma parte de sua história, de certa
forma, pode ter tido sua origem em Margô Suely e Leidi Dai. Já o nome da personagem teve
origem em Leidi Dai, com alteração ortográfica, passando a ser escrito como o nome da famosa
princesa britânica.
2.6 Nego Preto
No filme, Nego Preto era o chefe da Cozinha Geral, ele comandava os outros detentos que
ali trabalhavam e nenhuma decisão era tomada sem que fosse consultado.
NEGO PRETO
Ainda tá faltando a faca da minha cozinha! Quem pegô, vô dá
uma chance: ou devolve ou morre um preso por dia!
(…)
159
MÉDICO
Então o chefe da cozinha tá doente?!
NEGO PRETO
Doutor, quem tem chefe é índio.
Na obra literária, quem assumia o papel de comandante da Cozinha Geral era Seu Chico.
Embora ele trabalhasse na marcenaria, as decisões sobre a Cozinha Geral somente eram tomadas
após consultar- lhe.
A dinâmica dessas conversas secretas respeitava o ritual descrito nas consultas que a malandragem fazia ao ex-marinheiro: os encarregados da cozinha aguardavam de seu Chico a permissão para se aproximar, falavam em voz baixa, ouviam seus conselhos e retiravam-se. Estava claro que, da marcenaria, seu Chico comandava a Cozinha Geral. (VA RELLA, 2005, p. 222)
Nego Preto também é uma espécie de juiz das desavenças internas. É ele quem decide
coisas como negociação de dívida, escavação de túneis e autorização para matar alguém lá
dentro.
MÉDICO
Dorme bem?
NEGO PRETO
Difícil... a cabeça não pára. É um que qué acertá uma bronca
da rua, outro qué cobrá uma dívida, outro qué cavá um túnel... e
assim vai o dia inteiro.
MÉDICO
E o juiz aí ainda tem muita cadeia pra tirar?
NEGO PRETO
Tem mais uns anos.
(…)
NEGO PRETO
E essa dor?
MÉDICO
Olha Nego Preto, teu problema é stress, doença de executivo.
160
Na obra literária, a personagem Bolacha é uma das que tem essa função de “juiz” interno.
O estresse causado por essa responsabilidade de decidir o destino de alguém também é
compartilhado por Nego Preto e Bolacha.
Na enfermaria, atendi dois deles com sintomas visíveis de estresse, como se fossem altos executivos de multinacional ou, como prefere dizer o Bolacha, como se fossem juizes de direito: - Já acordo cheio de problema: é o cara que quer acertar uma bronca da rua, um que precisa matar o pilantra, cavar um túnel, cobrar divida, o outro que ouviu uma palavra mal colocada, e vai assim até a tranca. Precisa apaziguar tanta zica, doutor, que pareço pai de família, só acalmo de noite, depois que todos fora m para a cama. Na verdade, nas fases mais agitadas do pavilhão, nem na cama Bolacha tinha sossego: - No silêncio da noite, a mente trabalha solitária porque a decisão final é minha e dela depende a sorte de um ser humano. Sou o juiz do pavilhão. (VARELLA, 2005, p. 104)
Em uma dessas negociações sobre vida ou morte, Zico pede a Nego Preto que o autorize a
matar Ezequiel, que está em dívida com ele. Nego Preto, então, como bom juiz, tenta ponderar a
situação.
ZICO
Nego, tô com um problema prá gente debatê.
NEGO PRETO
O problema tem nome?
ZICO
Ezequiel. Diz que vai pagá, não paga e pede mais fiado. Chega
no meu barraco, sobe a vóis... Qualé?!
NEGO PRETO
E tu?
ZICO
Eu? Se não recebo, não tenho como pagar o Majestade. Nego,
quero permissão pra matá esse pilantra. Se eu deixo por isso mesmo,
perco o respeito co's companheiro.
NEGO PRETO
Calma. Vou mandá dizê ao Ezequiel que ele arrume o teu
dinheiro com a família. Se ele não pagar, aí você tá liberado.
161
Essa situação teve origem na história de Bolacha, um dos detentos que decidiam sobre o
que se podia ou não fazer no presídio. No livro, também é Zico quem pede autorização para
Bolacha.
Uma vez, Zico, com fama de bandidão na Vila Guaram, reconheceu a fisionomia de um recém-chegado no pavilhão Nove e foi conversar com o encarregado-geral, um negro de lábios grossos conhecido como Bolacha, ladrão de longa carreira: - Quero pedir licença para dar uma lição nesse pilantra. É estuprador, abusou da amiga da minha irmã, lá na vila! (VARELLA, 2005, p. 101)
As características físicas de Nego Preto, que era negro, provavelmente tiveram sua origem
em Bolacha e em sua personagem homônima, Nego-Preto (diferindo apenas pelo acréscimo do
hífen). A personagem literária também servia como um juiz interno e era respeitado pelos dema is
detentos.
Nesse momento, veio pela galeria um rapaz escuro e parou a um metro da rodinha. Sua aproximação foi precedida pelo silêncio dos outros: - Não acredito que vocês estão debatendo um problema desses na presença do médico. Onde nós estamos? A interferência dele acabou com a discussão. Um a um, os debatedores se dispersaram. No final do ambulatório mandei chamar o rapaz que acabou com a briga. Nego-Preto a seu dispor, disse ele. Pedi-lhe que interviesse para evitar violência contra o Arnaldo. Respo ndeu que eu podia ficar tranqüilo, a situação já estava resolvida. Depois disso, sempre aparecia para conversar, contava casos da cadeia e falava das preocupações com a família, principalmente com o filho mais velho, adolescente sem juízo, que não obedecia à mãe. (VARELLA, 2005, p. 252-253)
No fim do filme, pode-se ver o filho de Nego Preto aparecendo no Carandiru, agora como
detento, e encontrando seu pai. Esta seria uma conseqüência da preocupação sentida pela
personagem literária homônima.
Antes de ser preso, Nego Preto assaltava junto com seus comparsas Escovão e Gordo.
Após seu último assalto, que foi a uma joalheria em um shopping, Nego Preto seria preso devido
a uma desavença na hora da partilha dos bens.
MÉDICO
E cê entrou aqui por quê?
NEGO PRETO
Legítima defesa.
162
MÉDICO
Agora isso dá cadeia?
NEGO PRETO
No meu caso deu. Veja a minha história, doutor. Era natal,
sininho tocando, neve nas vitrine! Combinamo eu, o Escovão e o
Gordo de fazê uma joalheria num shopping. Foi um assalto bonito,
num demo um tiro. Problema foi depois...
O mesmo ocorre no livro, onde sua personagem homônima Nego-Preto é assaltante e
acaba preso após uma desavença na hora da divisão das jóias.
A prisão de Nego-Preto ocorreu após uma sucessão de acontecimentos a partir de um as salto a uma joalheria da Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo: (VARELLA, 2005, p. 253)
No momento da partilha, Escovão vai ao banheiro e, quando volta, está com uma mão
encoberta pelo paletó. Nego Preto desconfia que ele esconde uma arma na mão e o mata. Gordo,
então saca sua arma e a aponta para Nego Preto. Ele revela que havia planejado com Escovão
matá- lo para ficarem com a parte dele da partilha. Porém, Gordo não tem coragem de matá- lo. No
entanto, quando Nego Preto vai verificar a mão de Escovão, percebe que ele estava desarmado.
NEGO PRETO
Seu vacilão de merda! No meio da partilha
tu me aparece de mão coberta?!
NEGO PRETO
(CONT'D)
Ele morreu por culpa dele.
NEGO PRETO
(CONT'D)
Que porra é essa?
GORDO
Tu matô ele no afobo mesmo... mas o combinado
era eu te acertá, pra nóis ficá com a tua parte.
NEGO PRETO
Então atira...
(pausa)
163
...atira logo!
GORDO
Num consigo, porra.
NEGO PRETO
Me dá teu ferro.
(…)
NEGO PRETO
Pô doutor, traição por crocodilage é a coisa mais feia. É um
Judas que age assim, é a pessoa que guspiu na cara de Jesus!
No livro, esta passagem provavelmente teve sua origem em uma mistura de situações
vividas por duas personagens: Nego-Preto e Valente.
Como mencionado, Nego-Preto, personagem literária, era assaltante e havia feito um
roubo a uma joalheria. Quando ele foi fazer a divisão das jóias com seus comparsas, Escovão e
Marlon, percebeu que Escovão levava a mão no revólver. Acreditando que Escovão estava com a
intenção de matá-lo, rapidamente, atira nele. Marlon, então, revela que o plano era matar Nego-
Preto para dividirem as jóias entre eles dois.
No barraco, mal começou a partilha, Nego-Preto teve uma surpresa desagradável: - Nesse intuito, que eu estou de cabisbaixo, olho de esguelha e, quem diria, ó, o Escovão está com a mão no revólver do cinto! Só que estava meio desesperado, olhando para a direita e para esquerda, onde que eu se aproveitei deste pequeno descuido e sapequei ele. Questão de sobrevivência, se não sapeco, sapecado seria eu. Foram três tiros. Escovão não teve tempo para revidar; do jeito que estava, ficou. Imediatamente, Nego-Preto voltou a arma para o peito de Marlon: - Ele podia estar de piolhagem com o Escovão ou, então, tomar a liberdade de discordar da minha atitude. Nem uma, nem outra; Marlon permaneceu estático, com os olhos assustados. Então, Nego-Preto quis saber: - Por que você ficou quietinho enquanto eu dei os tiros nele? - Porque ele já tinha me ligado, que ia te matar para dividir a parte de você. A resposta deixou Nego-Preto perplexo: - Pô, você sabia que o cara ia apertar eu e ficar com todo esses baratos aí, sendo que nos três estamos igual na fita e se um vai para a cadeia os outros dois vão junto! Você podia ter evitado este acontecimento lastimável, ter dialogado com ele para ele não tomar uma atitude feia dessas. (VARELLA, 2005, p. 253-254)
164
Embora todo o resto da história sobre o assalto tenha mais relação com Nego-Preto, esta
passagem em especial sobre a divisão do que roubaram na joalheria teve origem em situação
vivida pela personagem literária Valente. A descrição do ocorrido é bem mais semelhante à
situação vivida por Valente.
Valente conta que sua sétima vítima foi assassinada em uma partilha após um assalto. Um
de seus comparsas resolveu ir ao banheiro e voltou com a mão encoberta por uma jaqueta. Neste
caso, tratava-se de dinheiro e não de jóias.
A sétima ocorreu na divisão de 30 mil dólares roubados em companhia de dois parceiros. Estavam repartindo o dinheiro quando um deles teve a má idéia de ir ao banheiro: - Fiquei esperto, porque olho de ladrão cresce mais do que devia. Quando o comparsa saiu do banheiro, trazia a jaqueta de couro no braço, cobrindo parcialmente a mão direita. Valente não hesitou: - Catei o revólver da mesa e dei três tiros nele. Desperdício, o primeiro acertou bem no meio das vistas. O outro companheiro se assustou: - Você está louco, matou o cara! - Ele ia atirar em mim. Foram até o corpo, levantaram a jaqueta e verificaram que o morto não tinha nada nas mãos, o revólver permanecia na cinta. Paciência, o amigo consolou: - Morreu por culpa dele próprio: a mesa cheia de dinheiro e ele aparece assim, por detrás, ainda com a mão encoberta! Infelizmente, ele vacilou. (VARELLA, 2005, p. 276)
No final do filme, quando a polícia invade o Carandiru, Nego Preto e seu filho estão
abraçados, em sua cela. Quando um soldado entra em sua cela, eles estão sentados na cama e
assustados. O soldado não os mata, mas arranca uma correntinha que Nego Preto tem no pescoço,
como punição pelos roubos que ele havia cometido.
SOLDADO 4
(arrancando uma correntinha de ouro de Nego Preto)
Aí ladrão, vê se é bom fazê isso com os outro...
Esta parte da história de Nego Preto tem origem na história de Chico Heliópolis, no livro:
sua correntinha de ouro é roubada por um policial dentro do presídio, durante a invasão que
culminou no massacre.
165
Quietinho, preocupado apenas em preservar a vida, Chico Heliópolis, ladrão da favela de mesmo nome, perdeu corrente de ouro e a santa protetora que ganhou da madrinha na primeira comunhão: - O PM abaixou do meu lado: vê se é bom fazer isso com os outros, seu vagabundo, e arrancou a correntinha do meu pescoço. (VARELLA, 2005, p. 292)
Portanto, pode-se notar várias origens para a história de Nego Preto. Seu Chico, Nego-
Preto, Bolacha, Chico Heliópolis e Valente contribuíram para a história da personagem
cinematográfica. As características físicas originaram de Nego-Preto e Bolacha, e as psicológicas,
somente de Bolacha. Assim, temos Nego-Preto como personagem dominante, Bolacha como
secundária e Seu Chico, Chico Heliópolis e Valente como personagens de apoio.
2.7 Seu Chico
Quase nada se sabe sobre o passado de Seu Chico. É, provavelmente, a personagem que
menos conversa com o Médico sobre sua vida, embora demonstre ser um senhor sábio. Vive
isolado dos demais detentos e usa isso como estratégia de sobrevivência dentro do presídio.
Nunca recebe visitas.
MÉDICO
Seu Chico, e o senhor tá aqui por quê?
SEU CHICO
Doutor, o senhor querer ouvir outra mentira? Aqui dentro
ninguém é culpado. O senhor ainda não percebeu isso?
MÉDICO
E ainda fica muito por aqui?
SEU CHICO
Já passei da idade de ganhá a liberdade, mas tô na mão do juiz.
Ah, doutor, não vejo a hora... A melhor coisa na cadeia é sair dela!
MÉDICO
E deixar os amigos, Seu Chico?
SEU CHICO
Amigos? Eu não quero amigo preso!
166
SEU CHICO
Eu acabo essa conversa com o senhor, fecho a porta e pronto.
Aqui dentro a gente tem que andá é sozinho.
No máximo , acompanhado de Deus.
Na obra literária, a personagem Seu Jeremias é a que deu origem a esta maneira de se
comportar de Seu Chico. Ele é conhecido no presídio por estar lá já há muitos anos, mas usa a
solidão como estratégia de sobrevivência. Seu Jeremias também não gosta de falar sobre seu
passado.
Seu Jeremias é daqueles homens que jogaram uma pá de cal sobre o passado. Nunca tive coragem de perguntar-lhe a respeito da vida no crime; ele tampouco deu tal liberdade. (VARELLA, 2005, p. 244) Para ele, solidão é estratégia de sobrevivência: - Posso morrer de doença, mas assassinado na cadeia, não. Acabo a conversa com o senhor, vou direto para o xadrez e fecho a porta. Não confio em ninguém e não tenho amigo nenhum; amigo preso, eu não quero; que é isso! Muitos me conhecem, estou aqui há tantos anos; opa, opa, vou passando. Na cadeia, tem que andar sozinho, e Deus. Isto aqui, é pisar em casca de ovo! (VARELLA, 2005, p. 245)
Seu Chico era pai de 18 filhos, mas nenhum ia visitá- lo. Até que, um dia, recebe um
telefonema de uma de suas filhas, ela diz que quer visitá- lo, pois não se lembra mais de seu rosto.
SEU PIRES
Eu não sabia que cê tinha família, velho.
SEU CHICO
Eu achava também que tinha perdido ela. Todo uma vida
preso, mesmo assim eu criei dezoito filho e nenhum deles pisô
numa delegacia. Essa menina é minha caçula. Ela disse que não
se lembra mais do meu rosto e decidiu vim me visitá.
Eu queria que o senhor autorizasse eu encontrá co'ela fora do
dia da visita . Não quero filho meu no meio da malandragem...
SEU PIRES
Assim, o senhor me complica.
E se os outros sete mil me pedem a mesma coisa?
167
Na obra literária, é sua personagem homônima que vive a situação de haver sido
abandonado pela mulher e sente falta dos filhos, mas não os quer ver ligados ao crime.
Foi abandonado pela mulher, ingrata, filha de família que não presta, responsável pela entrada dele no mundo do crime, segundo sua opinião. Cumpre quinze anos de uma pena de 44. Sofre saudades dos filhos mas se conforma, acha até bom não virem para não freqüentar o ambiente da cadeia. (VARELLA, 2005, p. 217)
No entanto, é Seu Jeremias que tem dezoito filhos na obra literária.
Seu Jeremias fugiu da seca na Bahia nos anos 40 e desembarcou na Estação da Luz, recém-casado; ela com um lencinho na cabeça, morta de frio, e ele com os pertences do casal na mala de papelão. Tiveram dezoito filhos, que lhes deram 32 netos e sete bisnetos. (VARELLA, 2005, p. 243)
Um dia, Seu Chico agride um dos carcereiros, após haver esperado a visita dos filhos, que
não apareceram. Ele, então, é levado para solitária, onde passa 30 dias. Ao sair, recebe a visita do
Médico.
SEU CHICO
Precis a não, doutor. Tantos ano preso, a mente aprende a
dominá o corpo.
Seu Jeremias, personagem literária, é quem compartilha deste episódio com Seu Chico.
Também pode-se perceber, que as características físicas de Seu Chico (negro e idoso) têm origem
em Seu Jeremias.
Seu Jeremias desentendeu-se com um funcionário e pegou trinta dias na Isolada. Fui visitá-lo com o Waldemar Gonçalves. Pelo guichê da cela escura, mal pude discernir suas feições de negro velho e a carapinha grisalha. Quando saiu, veio agradecer a visita. Estava magro e tinha os olhos tristes. Sua figura, no entanto, transmitia uma força de caráter que lembrava meu pai. - Para quem passou um mês na tranca brava, o senhor até que está bem. - Tantos anos preso, doutor, a mente aprende a dominar o corpo. (VARELLA, 2005, p. 243)
Sendo assim, pode-se encontrar as origens da personagem Seu Chico em sua personagem
homônima e em Seu Jeremias. Como personagem dominante, tem-se Seu Jeremias e, como
secundária, Seu Chico, que também deu origem ao nome da personagem cinematográfica.
168
2.8 Ezequiel
Ezequiel era apaixonado por surfe e viciado em crack. Era um jovem adulto, magro,
negro, com cabelos descoloridos.
As características físicas de Ezequiel provavelmente tiveram origem em Sarará, única
personagem negra com cabelos loiros.
Uma vez tentei reunir alguns líderes da malandragem para lhes propor a adoção de tal medida. Fui desanimado pelo Sarará, um negro loiro com muitas passagens pela Casa: - Não tem chance de dar certo, doutor. O viciado fica devendo 20 reais e entrega a televisão por esse preço. Dá muito lucro. (VARELLA, 2005, p. 139)
Por conta do vício, vive em dívida no Carandiru. Como quase nada lhe restou, tenta
comprar drogas fiado de Zico, com quem já tem dívida.
ZICO
Como é que é? Veio acertá tua dívida?
EZEQUIEL
Pô, mano, no momento, Ezequiel tá meio prejudicado. Aí ele
pensô: "pô, o Zico é chegado, vai aceitá a prancha de garantia pela
dívida". Aí, o Ezequiel pode fiar mais uma pedrinha de crack.
ZICO
Pensô errado.
(…)
Paga o que tu deve!
Com a morte de Zico, esfaqueado por vários detentos, Majestade procura Ezequiel, que
era devedor de Zico, para que ele assumisse a culpa. Majestade lhe faz uma proposta que lhe foi
irrecusável: uma cela só para ele, com roupa lavada e drogas para consumir. Ezequiel logo se
desinteressa pela liberdade que viria em dois anos, pois estava com AIDS e sem dinheiro.
MAJESTADE
Ô Ezequiel, tu não acha que aquele sem vergonha do Zico
é o culpado pela tua desgraça?
169
EZEQUIEL
Acho, mas a vida do Ezequiel sempre foi cheia de desgraça.
MAJESTADE
E não foi o Zico que fez o Ezequiel oferecê a irmã
pra pagá droga?
EZEQUIEL
Foi. Fazê o quê?
MAJESTADE
(mostrando a faca)
Parece esquecido. Tu já fez. Ezequiel furô o Zico.
Mais de trinta furo.
EZEQUIEL
Ô Majestade, só falta dois ano pro Ezequiel saí.
Se eu fizé isso, vou amarrá vinte.
MAJESTADE
Dois anos, vinte anos. Que diferença faz pro Ezequiel?
Tá com AIDS. Pelo menos, tu vai tê uma cela só pra ti,
roupa lavada e, é claro, pedra pra fumá.
No livro, Alfinete é quem assume a culpa por um assassinato cometido por seis detentos,
no qual não estava envolvido, para saldar sua dívida com um traficante. Enquanto, no filme,
Ezequiel devia para Zico, que foi assassinado, no livro, Alfinete assume a culpa por um
assassinato cometido pelo seu credor e mais outros detentos. Ele também recebeu privilégios por
isso.
No pavilhão, usuário contumaz, consumiu 60 reais além de suas posses. Um dia, o credor chamou-o no xadrez: - Alfinete, já faz uns dias que você me deve. Vai pagar quando? - Neste momento, estou justamente sem condições, devido que a minha mãe não veio na visita, porque se encontra no hospital com a minha irmã que tomou um tiro no peito, na mesma fita em que o meu cunhado foi chacinado... O outro o interrompeu: - Alfinete, é o seguinte: no final da tarde, vai aparecer um finado na rua Dez do quarto andar. Você desce para a Carceragem e se apresenta. Diz que o cara ofendeu a senhora tua mãe que está no hospital, cuidando da filha viúva. Alfinete assumiu a autoria do crime, na verdade cometido por seis detentos...
(…) - Para mim não faltava nada, que os companheiros levavam comida, baseado para fumar e até pinga para criar coragem de encarar a quentinha. (VARELLA, 2005, p. 149)
170
Ezequiel, personagem cinematográfica, teve em Sarará a origem de suas características
físicas. Sua história é compartilhada por Alfinete no livro e seu nome vem da personagem
Ezequiel dos Santos, que não contribui com nada além do nome. Portanto, tem-se Alfinete como
personagem dominante e Sarará como personagem de apoio.
2.9 Peixeira
O matador de aluguel Peixeira é, das personagens principais, provavelmente, a com
menos correspondência na obra literária. Não há personagem com mesmo nome ou nome similar
e nem semelhança física. Também não é mencionado nenhum assassino profissional.
No entanto, a parte mais comovente da história de Peixeira teve origem na personagem
literária Valente. Peixeira, um dia, começa a duvidar de sua vida como matador de aluguel e
começa a sentir remorso por suas vítimas. Em um dia de chuva, desorientado, sai ao pátio, onde
avista uma pequena igreja evangélica. Ele se aproxima, confuso, e chega à igreja no meio do
culto. O pastor percebe o recém-chegado e lhe convida a aceitar a vida religiosa para si.
Chorando, ele se ajoelha e concorda.
PASTOR
(para Peixeira)
Entra, irmão. Entra. Vem. Você sabia que o Senhor
tem um plano pra você? Essa é a tua casa.
PASTOR (CONT'D)
Você está perdido, irmão. Você não sabe,
mas foi Ele quem te trouxe aqui.
PEIXEIRA
Ele quem, pastor?
PASTOR
Jesus!
PASTOR (CONT'D)
Ele sabe que você não dorme se não faz um mal a alguém,
que você perde o sono quando não consegue fazer alguém
tropeçar. Não tem sido assim todo os dias, irmão?
171
Vamos, não tem sido assim todos os seus dias?
PEIXEIRA
Foi, pastor. Foi sim. Tem tanto sangue comigo, pastor.
PASTOR
Vamos, irmão, dobra o joelho. Vamos, d obre o joelho.
Você quer aceitar Jesus? Vamos! Você quer aceitar Jesus?
Você quer aceitar Jesus? Vamos, irmão!
Você quer aceitar Jesus? Quem aqui já aceitou Jesus?
TODA A AUDIÊNCIA
Eu!
PASTOR (CONT'D)
Aleluia, senhor! Aleluia!
TODA A AUDIÊNCIA
Aleluia! Aleluia! Aleluia!
PEIXEIRA
Aleluia, senhor.
Na obra literária, Valente chega até a igreja para se abrigar da chuva e, ao ouvir o culto,
resolveu entrar. Sentiu que ouvia palavras divinas e se arrependeu de seus crimes.
Então, veio um dia de chuva. Para se abrigar, ele encostou na parede junto à igreja, no térreo do Nove e, sem querer, ouviu a pregação do pastor: - A Bíblia diz em Isaías capítulo 9, verso 6, que Jesus Cristo é o Conselheiro, é o Deus forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz. Você que vive na vida errada, Deus tem um plano para você. Venha hoje para Jesus, que amanhã pode ser tarde. Não importa se é bandido, quantos matou, Jesus Cristo faz questão de perdoar você com todos os teus pecados, te tirar das trevas e operar uma obra na sua vida. Valente chegou um pouco para dentro. Sentiu que o Espírito Santo de Deus falava pela boca do pastor: - Quem quer aceitar Jesus? Quem quer levanta a mão! As veias do pescoço do pregador saltaram e os olhos cuspiram fogo. Valente achou que a fisionomia estava desfigurada pelo Espírito Santo de Nosso Senhor. Sentiu um punhal frio penetrar-lhe a carne. Levantou o braço: - Dobra o joelho, irmão! Valente obedeceu e caiu no choro: -Arrependi dos crimes, da raparigagem e das maldades. Chorei feito nenê no colo da mãe. Quando levantou, estava desanuviado. Sentiu o perdão do Senhor pousar em sua fronte. (VARELLA, 2005, p. 277-278)
A única origem da personagem Peixeira é Valente, embora as características físicas e
psicológicas e nem toda a história de Valente tenha dado origem a Peixeira, nenhuma outra
172
personagem teve algo em comum que pudesse ser identificado como sua origem. Também não
houve origem para seu nome na obra literária.
2.10 Médico
O Médico, que não tem nome e é identificado simplesmente como Médico na obra
cinematográfica, chega à Casa de Detenção de São Paulo para tratar os detentos e alertá-los sobre
o perigo da AIDS. O Médico, chamado de doutor pelos detentos e pelos funcionários, atende em
um consultório improvisado, onde colhe sangue para os testes de HIV com a ajuda de dois
detentos. Sem Chance é seu enfermeiro e Lula faz pequenas operações.
Ao chegar ao presídio, Seu Pires, o diretor, lhe mostra o local e expõe a situação do
presídio, enquanto o Médico lhe explica qual trabalho planeja fazer.
MÉDICO Seu Pires, esse pessoal faz o quê o dia todo aqui?
SEU PIRES Esses aí ficam zanzando o dia inteiro.
Acham que estão ocupados, mas não vão a lugar nenhum. Doutor, são sete mil homens na cadeia.
Só aqui neste pavilhão são 1800. MÉDICO
Seu Pires, se eles entenderem como é que se pega AIDS pra mim já é um adianto. Eles pegam a doença é aqui dentro, depois
transam com a mulher, namorada... daí a epidemia não pára mais. SEU PIRES
Quem vai ouvir seus conselhos, doutor, é o malandro de verdade. Aquele que quer sair inteiro daqui, pra assaltar de
novo lá fora. Essa é a vida dele. MÉDICO
Que seja. Mas agora eles estão é vivendo n o foco da doença, Seu Pires. Estão presos aqui.
SEU PIRES Presos? São os donos da cadeia, doutor. Isso aqui só não
explode por que eles não querem.
Na obra literária, o narrador é quem vai até o presídio conhecido como Carandiru para
tratar e alertar os detentos sobre a AIDS, que se encontrava em fase de pré-epidemia na Casa.
173
Uma manhã de inverno, subi até o quinto andar do pavilhão Quatro para acertar os detalhes com o dr. Mário Mustaro, o chefe do serviço médico da Casa, por coincidência meu ex-professor de bioquímica na faculdade. Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro... (VARELLA, 2005, p.80)
Em um determinado momento, no filme, o Médico se encontra em uma situação delicada:
o porteiro noturno não o reconhece e ele fica apreensivo com a possibilidade de ter de passar a
noite dentro do Carandiru.
PORTEIRO NOTURNO
Quem é você? MÉDICO
Sou o médico, tava na enfermaria coletando sangue, pode perguntar aí...
PORTEIRO NOTURNO Epa! Querer dizer pra quem eu tenho que perguntar.
Eu vou ligar lá no plantão. Espera aí. Se ninguém te conhecer, cê fica aí, hein, malandro.
(…)
PORTEIRO NOTURNO
Não me leva a mal, doutor. A cara deles é fugir e a minha é não deixar.
Esta mesma situação é vivida pelo narrador na obra literária. Em ambas as obras, o mal-
entendido é desfeito e ele é liberado para sair do presídio.
Saí do pavilhão, cruzei a Divinéia e bati no portão que leva à portaria. Através da janelinha, o porteiro da noite me mediu de alto a baixo. - Quem é você? - Sou médico, estava atendendo no Quatro. Encarou-me outra vez, demoradamente, depois abaixou o olhar na direção da minha calça: - É o seguinte: eu vou falar com o plantão, e se ninguém te conhecer, você fica. - Sou médico, pode perguntar para o funcionário que me abriu a gaiola do Quatro. - Não é você que vai me dizer para quem eu devo perguntar. Espera aí. Desconfiado, olhou fixo nos meus olhos e saiu sem pressa na direção da Ratoeira. (…) No final dei sorte, o porteiro voltou com um funcionário que me conhecia e se desculpou: - Não leva a mal, doutor, são 7 mil aí dentro. A minha cara é desconfiar! (VARELLA, 2005, p. 88-89)
174
No final do filme, após o massacre, o Médico relata sua experiência com os detentos,
vistos, por ele, simplesmente como seres humanos que precisam de atendimento médico. Ele
deixa claro que seu papel ali não era julgar.
MÉDICO (OFF) No final dos anos 80, um trabalho de prevenção à AIDS entre a
população carcerária me levou à Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru.
MÉDICO (OFF)
Ali dentro, ouvi estórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e, na convivência, penetrei alguns mistérios da vida
no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico.
Curiosamente, este mesmo relato é feito pelo narrador (Drauzio Varella) no começo do
livro, na Introdução, e em um capítulo da primeira parte da obra literária (o livro foi dividido em
três partes, separadas pelas fotos). Porém, pode-se perceber que a informação passada é a mesma,
apesar de feita em momento diferente.
Duas semanas depois, procurei o dr. Manoel Schechtman, responsável pelo departamento médico do sistema prisional, e me ofereci para fazer um trabalho voluntário de prevenção à AIDS. (…) O trabalho começou em 1989 e dura até hoje. (…) fizemos pesquisas epidemiológicas sobre a prevalência do HIV, organizamos palestras, gravamos vídeos, editamos a revista em quadrinhos O Vira Lata (…), e atendi doentes. Com os anos, ganhei confiança e pude andar com liberdade pela cadeia. Ouvi histórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e muitas outras coisas. Na convivência, penetrei alguns mistérios da vida no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico. (VARELLA, 2005, p. 9-10)
A última fala do filme, que também é do Médico, faz menção à sua sensação ao ouvir o
barulho do portão de entrada, que lhe trazia lembranças dos filmes de prisão.
MÉDICO (OFF) Ainda hoje, quando o portão de ferro bate às minhas costas,
sinto um aperto na garganta, igual ao daquelas matinês no Cine Rialto, onde eu assistia eletrizado os
filmes de cadeia em branco e preto.
175
A forma como a obra cinematográfica é terminada é igual a como a obra literária começa:
o Médico/Narrador remetendo-se aos filmes de cadeia da infância. Tem-se uma inversão total: a
última informação do filme tem origem na primeira informação do livro.
Quando eu era pequeno, assistia eletrizado àqueles filmes de cadeia em branco e preto. Os prisioneiros vestiam uniforme e planejavam fugas de tirar o fôlego na cadeira do cinema. Em 1989, vinte anos depois de formado médico cancerologista, fui gravar um vídeo sobre AIDS na enfermaria da Penitenciária do Estado, construção projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo nos anos 20, no complexo do Carandiru, em São Paulo. Quando entrei e a porta pesada bateu atrás de mim, senti um aperto na garganta igual ao das matinês do cine Rialto, no Brás. (VARELLA, 2005, p.9)
Como no livro Drauzio Varella se coloca no papel de narrador, ao invés de uma
personagem fictícia, uma vez que se trata de um relato de sua experiência e não de uma obra de
ficção, pode-se encontrar a origem do Médico, personagem cinematográfica, no próp rio Drauzio ,
ao relatar sua vivência na Casa de Detenção de São Paulo. Portanto, tem-se o Narrador (Drauzio
Varella) como personagem dominante e única de origem do Médico.
176
Por fim, pode-se sintetizar estes dados da seguinte maneira:
TABELA 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS
Personagem Características
físicas
Características
psicológicas História
Personagens
de origem
Deusdete
Aparência de
aproximadamente
20 anos, branco,
magro, tem
cabelos curtos e
negros.
Recluso e tímido,
resiste em se
envolver com os
demais detentos e,
freqüentemente,
aparece lendo na
cela.
Jovem da periferia,
que luta para não
entrar na vida de
crimes. É preso
após assassinar os
agressores da irmã
Francineide. Na
prisão, encontra o
amigo de infância
Zico, que acaba
assassinando-o
com uma panela de
água fervente.
Deusdete,
Gersinho.
Zico
Aparência de no
máximo 30 anos,
branco, tem
cabelos curtos,
geralmente
ocultos por uma
touca de meia de
seda.
Inquieto e
hiperativo, devido
ao constante
consumo de crack.
Inseguro,
demonstra-se
piedoso com um
devedor.
Criado pela mãe de
Deusdete, se
envolveu com o
crime cedo.
Viciado em crack,
que o leva a matar
o amigo de infância
durante uma
alucinação. É
morto a facadas por
vários presos.
Zico, Mané
de Baixo,
Juscelino,
Ôrra Meu.
177
Majestade
Aparência de 40
e poucos anos,
negro, de cabelos
curtos e um
pouco acima do
peso.
Malandro com
gingado,
orgulhoso de seu
poder e por
desfrutar do amor
de suas duas
mulheres.
Carismático,
sempre conta
vantagem em suas
histórias.
Conhece sua
primeira mulher,
Dalva, numa
partida de futebol,
onde o noivo dela
joga. Foge com ela
e a pede em
casamento, mas
seus pais não
aceitam por ele ser
negro. Casado com
Dalva, conhece
Rosirene, uma
prostituta, com
quem também
constitui família.
Majestade,
Kenedi
Baptista dos
Santos,
conhecido
como Zé da
Casa Verde,
Charuto.
Sem Chance
Aparência de 30
e poucos anos,
branco, magro,
baixinho, tem
cabelos curtos e
encaracolados.
Uma espécie de
“filósofo”, é um
detento escolado,
de boa
argumentação e
sonhador.
Ajudante do
Médico na
enfermaria, que se
encanta pelo
travesti Lady Di,
com quem se
“casa” dentro do
presídio. Sonha em
abrir o próprio
consultório médico
quando ganhar sua
liberdade.
Sem-Chance,
Edelso.
178
Lady Di
Aparência de 20
e poucos anos,
branco, travesti,
alto, de cabelos
negros em estilo
chanel e de
presença
marcante.
Sonhador e
delicado. Sua
carência se
demonstrava pelos
vários
relacionamentos
que teve.
Realizou-se
quando encontrou
o amor.
Travesti que teve
mais de 2 mil
parceiros, tinha
problemas com
seus pais, que não
aceitavam a vida
que escolheu. No
Carandiru, se
“casa” com Sem
Chance.
Sheila, Leidi
Dai,
Raimundo
da Silva,
conhecido
como Loreta,
Pérola
Byington,
Margô Suely.
Nego Preto
Aparência de 50
e poucos anos,
negro, de
bigodes, de
cabelos curtos e
negros.
Um líder,
assumindo papel
de juiz interno. É,
antes de tudo, um
pacificador,
desenvolvendo,
por conta disso,
estresse.
Traído pelos
comparsas, foi
preso por
assassinato e se
tornou o chefe da
Cozinha Geral no
Carandiru. Tudo
que ocorre lá
dentro deve passar
por ele e deve ter
sua autorização.
Nego-Preto,
Bolacha, Seu
Chico, Chico
Heliópolis,
Valente.
179
Seu Chico
Aparência de
aproximadamente
60 anos, negro,
tem cabelos
curtos e
encaracolados,
acima do peso.
Calmo e
reservado, era um
senhor triste e
solitário pela
distância da
família, que não o
visitava.
Apaixonado por
balões, é pai de 18
filhos, mas nenhum
vai visitá- lo. Já
cumpriu parte da
sentença e está na
dependência do
juiz dar sua
liberdade. Vive
isolado dos demais
detentos.
Seu Chico,
Seu Jeremias.
Ezequiel
Aparência de 20
e poucos anos,
negro, magro,
tem cabelos
curtos
descoloridos.
Tem AIDS.
Ingênuo e
submisso, vive à
mercê dos outros
detentos por conta
de seu vício de
crack.
Por conta de uma
dívida, quase acaba
morto. Sem
perspectiva por
conta da doença e
para ganhar
privilégios, acaba
assumindo a
autoria de um
assassinato que não
cometeu.
Ezequiel dos
Santos,
Alfinete,
Sarará.
180
Peixeira
Aparência de 30
e poucos anos,
forte, com corpo
malhado e
tatuado. Careca,
geralmente, usa
touca de lã.
Assassino
destemido e frio.
Tem uma
reviravolta no
presídio, passando
a se sentir culpado
pelos crimes,
chegando a se
converter ao
evangelismo.
Matador de
aluguel, encontra o
filho de uma de
suas vítimas que
quer vingança no
presídio. Depois de
não conseguir
matar um detento,
começa a se sentir
culpado pelas
outras mortes. No
fim, acaba entrando
em uma igreja
evangélica dentro
do Carandiru e se
converte.
Valente
Médico
Aparência de 40
e poucos anos,
branco, de
cabelos castanhos
e curtos, magro.
Calmo e paciente,
é preocupado com
o bem-estar dos
pacientes
independente dos
crimes que
haviam cometido.
Médico que foi ao
presídio para tratar
os detentos e tomar
providências contra
a pré-epidemia de
AIDS. Ganhou a
confiança dos
detentos, que lhe
contavam suas
histórias e lhe
pediam conselhos.
Narrador
(Drauzio
Varella)
181
Esta tabela pode ser subdividida em quatro partes, de acordo com os seguintes critérios:
1. Origem das personagens pelas características físicas;
TABELA 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS
Personagem Características físicas Personagem de origem
Deusdete Aparência de aproximadamente 20 anos,
branco, magro, tem cabelos curtos e negros. Gersinho
Zico
Aparência de no máximo 30 anos, branco,
tem cabelos curtos, geralmente ocultos por
uma touca de meia de seda.
-
Majestade Aparência de 40 e poucos anos, negro, de
cabelos curtos e um pouco acima do peso.
Charuto e Kenedi
Baptista dos Santos,
conhecido como Zé da
Casa Verde.
Sem Chance
Aparência de 30 e poucos anos, branco,
magro, baixinho, tem cabelos curtos e
encaracolados.
Sem-Chance
Lady Di
Aparência de 20 e poucos anos, branco,
travesti, alto, de cabelos negros em estilo
chanel e de presença marcante.
Sheila e Raimundo da
Silva, conhecido como
Loreta.
Nego Preto Aparência de 50 e poucos anos, negro, de
bigodes, de cabelos curtos e negros. Negro-Preto e Bolacha.
Seu Chico
Aparência de aproximadamente 60 anos,
negro, tem cabelos curtos e encaracolados,
acima do peso.
Seu Jeremias
Ezequiel
Aparência de 20 e poucos anos, negro,
magro, tem cabelos curtos descoloridos.
Tem AIDS.
Sarará
182
Peixeira
Aparência de 30 e poucos anos, forte, com
corpo malhado e tatuado. Careca,
geralmente, usa touca de lã.
-
Médico Aparência de 40 e poucos anos, branco, de
cabelos castanhos e curtos, magro. -
2. Origem das personagens pelas características psicológicas;
TABELA 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS
CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS
Personagem Características psicológicas Personagens de origem
Deusdete
Recluso e tímido, resiste em se envolver
com os demais detentos e, freqüentemente,
aparece lendo na cela.
-
Zico
Inquieto e hiperativo, devido ao constante
consumo de crack. Inseguro, demonstra-se
piedoso com um devedor.
Mané de Baixo
Majestade
Malandro com gingado, orgulhoso de seu
poder e por desfrutar do amor de suas duas
mulheres. Carismático, sempre conta
vantagem em suas histórias.
Kenedi Baptista dos
Santos, conhecido como
Zé da Casa Verde e
Charuto
Sem Chance Uma espécie de “filósofo”, é um detento
escolado, de boa argumentação e sonhador. -
Lady Di
Sonhador e delicado. Sua carência se
demonstrava pelos vários relacionamentos
que teve. Realizou-se quando encontrou o
amor.
Pérola Byington e
Raimundo da Silva,
conhecido como Loreta.
183
Nego Preto
Um líder, assumindo papel de juiz interno.
É, antes de tudo, um pacificador,
desenvolvendo, por conta disso, estresse.
Bolacha
Seu Chico
Calmo e reservado, era um senhor triste e
solitário pela distância da família, que não o
visitava.
Seu Jeremias
Ezequiel
Ingênuo e submisso, vive à mercê dos
outros detentos por conta de seu vício de
crack.
Alfinete
Peixeira
Assassino destemido e frio. Tem uma
reviravolta no presídio, passando a se sentir
culpado pelos crimes, chegando a se
converter ao evangelismo.
Valente
Médico
Calmo e paciente, é preocupado com o bem-
estar dos pacientes independente dos crimes
que haviam cometido.
Narrador
3. Origem das personagens por suas histórias.
TABELA 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS
PELA HISTÓRIA
Personagem História Personagens de origem
Deusdete
Jovem da periferia, que luta para não entrar
na vida de crimes. É preso após assassinar
os agressores da irmã Francineide. Na
prisão, encontra o amigo de infância Zico,
que acaba assassinando-o com uma panela
de água fervente.
Deusdete
184
Zico
Criado pela mãe de Deusdete, se envolveu
com o crime cedo. Viciado em crack, que o
leva a matar o amigo de infância durante
uma alucinação. É morto a facadas por
vários presos.
Zico, Mané de Baixo,
Juscelino e Ôrra Meu.
Majestade
Conhece sua primeira mulher, Dalva, numa
partida de futebol, onde o noivo dela joga.
Foge com ela e a pede em casamento, mas
seus pais não aceitam por ele ser negro.
Casado com Dalva, conhece Rosirene, uma
prostituta, com quem também constitui
família.
Kenedi Baptista dos
Santos, conhecido como
Zé da Casa Verde e
Charuto.
Sem Chance
Ajudante do Médico na enfermaria, que se
encanta pelo travesti Lady Di, com quem se
“casa” dentro do presídio. Sonha em abrir o
próprio consultório médico quando ganhar
sua liberdade.
Sem-Chance e Edelso.
Lady Di
Travesti que teve mais de 2 mil parceiros,
tinha problemas com seus pais, que não
aceitavam a vida que escolheu. No
Carandiru, se “casa” com Sem Chance.
Leidi Dai, Sheila e
Margô Suely.
Nego Preto
Traído pelos comparsas, foi preso por
assassinato e se tornou o chefe da Cozinha
Geral no Carandiru. Tudo que ocorre lá
dentro deve passar por ele e deve ter sua
autorização.
Nego-Preto, Seu Chico,
Bolacha, Valente e Chico
Heliópolis.
Seu Chico
Apaixonado por balões, é pai de 18 filhos,
mas nenhum vai visitá-lo. Já cumpriu parte
da sentença e está na dependência do juiz
dar sua liberdade. Vive isolado dos demais
detentos.
Seu Chico e Seu
Jeremias.
185
Ezequiel
Por conta de uma dívida, quase acaba
morto. Sem perspectiva por conta da doença
e para ganhar privilégios, acaba assumindo
a autoria de um assassinato que não
cometeu.
Alfinete
Peixeira
Matador de aluguel, encontra o filho de uma
de suas vítimas que quer vingança no
presídio. Depois de não conseguir matar um
detento, começa a se sentir culpado pelas
outras mortes. No fim, acaba entrando em
uma igreja evangélica dentro do Carandiru e
se converte.
Valente
Médico
Médico que foi ao presídio para tratar os
detentos e tomar providências contra a pré-
epidemia de AIDS. Ganhou a confiança dos
detentos, que lhe contavam suas histórias e
lhe pediam conselhos.
Narrador
4. Origem dos nomes das personagens.
TABELA 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS
PERSONAGENS PRINCIPAIS
Personagem Personagens de origem
Deusdete Deusdete
Zico Zico
Majestade Majestade
Sem Chance Sem-Chance
Lady Di Leidi Dai
Nego Preto Nego-Preto
186
Seu Chico Seu Chico
Ezequiel Ezequiel dos Santos
Peixeira -
Médico -
3. As personagens secundárias Mais do que personagens de apoio ou preenchimento da história e das ações, há certas
personagens no enredo de Carandiru que dão sustentação e são de grande importância para as
personagens principais, sem que ocupem lugar central nas ações.
3.1 NÚCLEO SEU PIRES
Seu Pires
Imagem de Seu Pires interpretado por Antonio Grassi obtida na web.
Um homem calmo, assim era Seu Pires, o diretor da Casa de Detenção. Negociava com os
detentos, como quando Seu Chico quis ver a filha fora do horário de visitas. Consciente de que
teria que ser maleável para comandar um presídio com mais de 7 mil homens, deixa claro que
está disposto a ajudar aqueles que respeitam a disciplina.
O bom relacionamento do diretor com os detentos pode ser visto em vários momentos:
Seu Pires sentado na barbearia do presídio enquanto o detento Barba faz a sua barba; ao
acompanhar Seu Chico à solitária, nota-se um olhar entristecido do diretor, que comenta ao velho
que ele mesmo havia procurado aquela situação ao agredir um guarda; seu bom coração é
revelado ao atender o pedido de Seu Chico, dando- lhe, inclusive, mais tempo que o permitido
187
com sua filha. Durante a rebelião, é Seu Pires quem negocia com os detentos, que pedem que ele
os salve, para que não haja invasão.
TABELA 29 – ORIGEM DE SEU PIRES
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Dr. Walter
Chegou a diretor-
geral do presídio.
Começou como
carcereiro e
depois se formou
advogado.
SEU PIRES
Presos? São os donos da
cadeia, doutor. Isso aqui só
não explode por que eles não
querem.
Na opinião do dr. Walter, que
começou ainda menino como
carcereiro, formou-se advogado e
chegou a diretor-geral do
presídio, para resolver o
problema seria preciso transferir
todos os detentos, fechar a cadeia
e começar de novo: (VARELLA,
2005, p. 36)
Dr. Pedrosa
Diretor-geral do
presídio, que
caminhava
sozinho pelo
presídio.
(andando sozinho com o
Médico pelo presídio)
MÉDICO
Seu Pires, esse povo não toma
sol nunca? Isso aqui é um
mofo!
SEU PIRES
Alguém aí quer tomar um sol?
Dar uma volta no pátio?
Respirar um ar puro?
Pouco depois apareceu o dr.
Pedrosa, diretor-geral do
presídio que, na época, andava
sozinho pela cadeia inteira,
prática que posteriormente cairia
em desuso:
- Tudo bem, doutor? Na saída,
passa na minha sala para
tomar um café. (VARELLA,
2005, p. 279)
188
Seu Pires
Diretor do
Pavilhão Oito, de
cabelos grisalhos.
SEU CHICO
Eu queria que o senhor
autorizasse eu encontrá co'ela
fora do dia da visita . Não
quero filho meu no meio da
malandragem...
SEU PIRES
Assim, o senhor me complica.
E se os outros sete mil me
pedem a mesma coisa?
Dias depois seu Chico o procurou
em tom grave:
- Seu Pires, quero pedir um favor
que faço questão de jamais
esquecer.
(…)
- Queria que o senhor me
autorizasse a encontrar com eles
lá fora, no coreto da Divinéia.
Não quero meus filhos dentro de
uma cadeia.
- Assim o senhor me complica.
Imagina se os outros 7 mil me
pedem a mesma coisa.
(VARELLA, 2005 p. 224)
3.2 NÚCLEO MAJESTADE
Dalva Rosirene
Imagens de Dalva interpretada por Maria Luísa Mendonça e de Rosirene
interpretada por Aída Leiner obtidas na web.
Dalva, uma mulher loira, de pele bem branca, estava noiva quando conheceu Majestade
em uma partida de futebol, na qual seu noivo jogava. Majestade a aborda, perguntando se ela
acredita em amor à primeira vista e diz que se casará com ela. Dalva argumenta que ele nem a
conhece, Majestade, então, começa a descrevê- la. Quando o noivo dela chega para ver o que está
acontecendo, Majestade manda-o embora, mas ele tenta arrastar Dalva junto. Vendo que não se
livrará dele facilmente, Majestade saca a arma e atira para o lado, o noivo sai correndo. Assim,
189
Majestade convence Dalva de que seu noivo não a ama de verdade e lhe diz para reunir a família
no dia seguinte, pois a pedirá em casamento.
No dia seguinte, na casa de Dalva, Majestade é confrontado pelo pai da noiva, que, por
preconceito, não permite que eles se casem. Diante desta situação, percebendo que não receberá
apoio para o casamento, ele saca a arma e ordena a todos que se juntem na sala de jantar; ele
anuncia que se casará com Dalva de qualquer jeito. Os dois fogem.
Um dia, já casados, Majestade e Dalva vão a um bar, onde dançam ao som do samba ao
vivo. Lá, Majestade avista Rosirene, uma negra esbelta, por quem se encanta. Ele deixa Dalva
dançando sozinha e vai conversar com Rosirene, que está consumindo drogas. Ele lhe diz para
pegar o biquíni, pois vai levá- la à praia no domingo. Dalva chega para saber o que ocorre e
começa a discutir com Rosirene, xingando-a. Majestade a leva embora.
Ele conta ao Médico que dividia a semana entre as duas. Alugou um quartinho perto da
antiga rodoviária para se encontrar com Rosirene, que era prostituta e não queria largar a
profissão.
Um dia, Majestade vê Rosirene saindo de um carro. Ela havia feito um programa com
Farofa, amigo de Majestade. Furioso, ele a confronta, alegando que poderia sair com quem
quisesse, menos com amigos dele. Ela revela que os dois estão fazendo planos para ir para
Miami. Com raiva, Majestade sai correndo atrás dela com uma tocha na mão.
Mesmo após ser preso, Majestade continua com a vida dupla, até que, em um dia de
visitas, as duas mulheres dele aparecem. Ele tenta, mas não consegue evitar o encontro das duas,
que dizem a ele que deve decidir com qual das duas quer ficar.
Majestade tem três filhos com Dalva e um com Rosirene.
190
TABELA 30 – ORIGEM DE DALVA
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Rosane
A outra mulher
de Charuto,
viciada em
crack. Mãe de
seu primeiro
filho.
MAJESTADE
(indicando uma das alianças)
Essa daqui é da Dalva, minha
princesa!
Agora, o grande eu não sei,
porque ele vive com a
Rosane, minha outra
mulher... (VARELLA, 2005,
p. 261)
Valda
De pele branca
como a neve, é
de uma família
de bem, em
Santana, que
nunca aceitou
seu romance
com Zé da
Casa Verde por
ele ser negro.
MAJESTADE
Vem comigo... vou te pedi em
casamento pros teus pais.
DALVA
Sai fora! Tu nunca me viu!
MAJESTADE
Tá errada!
DALVA
Tô errada?! Você nem me conhece!
MAJESTADE
Conheço sim. Sei que tu gosta de
calabreza... Sei que fica linda num
vestido de florzinha...
(…)
MAJESTADE (CONT'D)
Olha só que beleza de mistura!
Vam'tê um filho de cada cor.
Te espero no carro...
DALVA
Você falou sério?
MAJESTADE
Como nunca na vida.
(…) Zé aproximou-se dela,
na beirada do campo:
- Levanta e vem comigo, que
eu vou te pedir em
casamento para os teus pais.
-Você nem me conhece!
Ele falou dela no baile, da
pele alva que contrastava
com o preto da sua e dos
filhos misturados que
nasceriam lindos, cada um
numa cor. (…)
Ela apareceu na janela do
carro:
-Você falou sério?
- Como nunca na vida.
(VARELLA, 2005, p. 227)
191
TABELA 31 – ORIGEM DE ROSIRENE
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Rosirene
Mulher de
Charuto,
negra de
lábios finos,
nariz
empinado,
bunda de
escola de
samba.
MAJESTADE
Tu sabe quem é ele?
ROSIRENE
Sei! E daí?
MAJESTADE
Eu não te disse: "Se quisé se virá,
se vira. Só não dá pra amigo meu
que eu te quebro o pescoço!"
ROSIRENE
Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!?
Tu é um pé de chinelo. E mais, ele
ainda me disse que, quando separá
da esposa, vai se muda comigo pra
Miami! Ó, qué sabê? Tô indo!
(…)
MAJESTADE
Vê se pode doutor, dando pra
amigo meu e ainda os dois fazendo
plano!
Uma noite, trombaram na Boca
do Lixo e Rosirene confessou
estar namorando um amigo dele,
Mato Grosso, o dono das pedras,
e que os dois tinham planos de
mudar para Ponta Porã.
-Veja só, dando para amigo meu
e ainda os dois fazendo plano!
(VARELLA, 2005, p. 264)
Maria Luisa
Passista da
Império da
Casa Verde.
Um sorriso
que
iluminava a
quadra
inteira,
parecia uma
deusa de
ébano.
MAJESTADE
Pô, meu amor, hoje não vai dá! É
que a caldera estorô e o homem qué
o conserto pronto até o fim do dia.
ROSIRENE
Ô Josué, nem na rua tu nunca
trabalhô. Vai me convencê que
na cadeia resolveu regenerá? Tu tá
é co'aquela branquela vagabunda!
- Meu amor, que bom que você
veio, mas, infelizmente, não vou
poder te receber porque estou
trabalhando num conserto,
devido que a caldeira estourou e
o homem quer tudo pronto até o
final que acabar a visita.
- Zé, você está é com aquela
vagabunda. Nem na rua tu nunca
trabalhou, vai me convencer que
na cadeia, dia de domingo, é que
resolveu regenerar?
(VARELLA, 2005, p. 229)
192
3.3 NÚCLEO CLAUDIOMIRO
Dina Claudiomiro Antônio Carlos Célia
Imagens de Dina interpretada por Leona Cavalli, de Claudiomiro interpretado por Ricardo Blat, de Antônio Carlos
interpretado por Floriano Peixoto e de Célia interpretada por Vanessa Gerbelli obtidas na web.
Antônio Carlos e Claudiomiro eram amigos antes de serem presos. Juntos, assaltavam
carros- fortes com uma quadrilha. A amizade terminou quando Antônio Carlos tentou alertar
Claudiomiro sobre a traição de sua esposa, Dina. Antônio Carlos a tinha visto aos beijos com o
amante, um policial. Dina argumentou que Antônio Carlos sempre fo ra apaixonado por ela e só
estava dizendo isso para separá- los. Ela convence o marido e sua amiga Célia também, que é
esposa de Antônio Carlos. No entanto, Célia volta atrás e apóia o marido. Depois desta
desavença, Dina pede a Claudiomiro que deixe a vida de crime para que o filho deles possa ter
uma vida normal. Ao ir ao banco para retirar suas economias, Claudiomiro é abordado por dois
policiais à paisana, mas consegue matá- los com uma arma que tinha no cofre. Ele então percebe
que se tratava de uma cilada que a esposa armara com o amante. Ao voltar para o carro,
Claudiomiro mata a esposa na frente do filho, que ainda era pequeno. Ele é preso, e Antônio
Carlos e Célia adotam seu filho.
Antônio Carlos resolveu continuar assaltando carros- fortes, mas, no primeiro assalto sem
Claudiomiro, fo i preso. No presídio, reencontra o antigo comparsa, que estava em fase terminal
de tuberculose. Dispostos a esquecerem o passado, Antônio Carlos cuida do amigo enfermo.
Quase sem fôlego, Claudiomiro pergunta ao Médico se criança pequena lembra de tudo. Quando
o Médico responde que não, ele dá seu último suspiro, nos braços do amigo.
193
TABELA 32 – ORIGEM DE DINA
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Marli
Esposa de
Miguel, que o
entregou ao
amante policial.
DINA
Ô Célia, o Antonio Carlos é
viado?
CÉLIA
Que pergunta, Dina!
DINA
Desculpa, mas ele inventô pro
Miro que eu tô saindo com um
polícia.
ANTONIO CARLOS
Inventô o caralho! Te vi
enganchada no cara; vi você
mordê a orelha dele, pôrra!
DINA
Tá vendo? Qué destruí meu
casamento.
Conversaram em pé, na sala:
- Dina, o Antônio Carlos é
veado?
- Que pergunta, Marli!
- Desculpa, mas ele veio para o
Miguel com uma história que
eu saio com um polícia, que
nunca existiu. Veio com tudo,
para destruir meu casamento.
(VARELLA, 2005, p. 188)
194
TABELA 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Claudiomiro
Assaltante de
banco e carro-
forte, corpo forte,
com três
cicatrizes. Tinha
35 anos, deixou a
mulher grávida e
o menino
pequeno.
ANTONIO CARLOS
(para Claudiomiro)
Toma o remédio, mano.
(…)
MÉDICO (CONT'D)
E lá fora, ele fazia o quê?
ANTONIO CARLOS
A gente fazia assalto de carro-
forte. Planejavamo tudo só nóis
dois. Cinco, seis meses pegando
informação, fazendo amizade até
com a família dos segurança.
Claudiomiro diz que a
informação precisa é
fundamental: a que horas passa
o carro-forte, quantos mil no
cofre do banco, o número de
guardas, todos os detalhes.
Para isso, valia-se dos próprios
vigilantes das emp resas de
segurança, com cautela:
(VARELLA, 2005, p. 192)
Miguel
Assaltava com o
parceiro, Antônio
Carlos. Foi traído
pela mulher com
um policial.
CLAUDIOMIRO
Te dei conforto, carinho e
amizade e você paga desse jeito.
Sem vergonha...
DINA
Do que cê tá falando?!
CLAUDIOMIRO
Tô sabendo do polícia que tu
encontra, enquanto o trôxa aqui
arrisca a pele pra recheá o teu
guarda-roupa. Pega tua mala e
some! Nem teu filho, tu vai tê
direito de vê!
- Você é puta, sem-vergonha.
Larguei da mãe dos meus
filhos, te dei conforto, carinho
e amizade e você pagou com a
moeda da traição. Estou
sabendo do polícia que você
encontra no motel atrás do
posto de gasolina na Raposo
Tavares, faz mais de um ano,
enquanto o trouxa aqui
arrisca a pele para rechear teu
guarda-roupa. (VARELLA,
2005, p. 186)
195
TABELA 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Claudiomiro
Assaltante de
banco e carro-
forte, corpo
forte, com três
cicatrizes.
Tinha 35 anos,
deixou a mulher
grávida e o
menino
pequeno.
ANTONIO CARLOS
A gente fazia assalto de
carro-forte. Planejavamo
tudo só nóis dois. Cinco,
seis meses pegando
informação, fazendo
amizade até com a família
dos segurança.
MÉDICO
E isso dá dinheiro?
ANTONIO CARLOS
Dá muito, doutor, mas o
dinheiro só vale metade.
- Ganha dinheiro nesse negócio de
banco e carro-forte?
- Ganha, mas o dinheiro só vale a
metade, às vezes até menos.
A esta frase enigmática seguiu-se
uma conversa sobre a profissão
dele:
- Precisa muita disciplina, doutor.
Deu oito da noite, eu me recolho.
Não fico em bar, boate, porque a
polícia pode me pegar de bobeira
numa batida qualquer. (VARELLA,
2005, p. 192)
Antônio
Carlos
Parceiro de
Miguel. Foi ele
quem contou a
Miguel que sua
mulher o traía.
ANTONIO CARLOS
Mentirosa! Mente diabólica.
Se não fosse o respeito pelo
Miro, arrebentava a tua cara
agora!
Claudiomiro, você não
acreditou nessa pilantra,
acreditou? Quantas fita a
gente armou junto?!
Antônio Carlos chamou-a de
mentirosa, disse que não fosse o
respeito pelo amigo arrebentava a
cara dela. Xingou-a de mente
diabólica. (…) Antônio Carlos
virou-se para o amigo:
- Miguel, você não acreditou nessa
pilantra, acreditou? A gente tem
quatro anos de parceria e nunca
partiu de mim qualquer
crocodilagem. (VARELLA, 2005,
p. 187)
196
TABELA 35 – ORIGEM DE CÉLIA
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Dina
Esposa de
Antônio Carlos,
que tinha o
cabelo oxigenado
e era muito
ciumenta.
CÉLIA
Sem vergonha! Nunca me
enganô; sempre sube que
você tinha uma coisa por ela.
Nem mulher de amigo você
respeita mais, cachorro!
Quando Antônio Carlos entrou em
casa, Dina cravou-lhe as unhas no
rosto:
- Ordinário, sem-vergonha,
sempre falei que você tinha
um quê por ela. Mas você dizia
que eu era louca. Nem mulher de
amigo você respeita mais,
cachorro? (VARELLA, 2005, p.
188)
3.4 NÚCLEO DEUSDETE
Francineide Catarina
Imagem de Francineide interpretado por Júlia Ianina capturada do DVD.
Imagem de Catarina interpretada por Sabrina Greve obtida na web.
Deusdete, jovem criado na periferia, cresceu ao lado da irmã Francineide e do amigo
Zico, cuja mãe fugiu de casa. Zico cuidava dele como um irmão mais velho faria, e ele, por sua
vez, cuidava de Francineide.
Uma noite, Francineide chega em casa chorando, com olhar de assustada, e se tranca no
banheiro. Deusdete vai acudir a irmã e descobre que ela fora agredida por dois homens, que
197
levantaram a sua saia. Ele denuncia os agressores da irmã à polícia, mas eles descobrem e querem
matá- lo. Ele, então, vai atrás de Zico, que guarda sentimentos por Francineide, para que lhe
arranje uma arma para se defender, embora não tivesse intenção de usá-la. Uma noite, os
agressores de Francineide o encontram e o ameaçam com barras de ferro, mas Deusdete saca a
arma e mata um deles; o outro foge. Deusdete o persegue e consegue matá- lo também.
No presídio, Deusdete sempre recebe cartas da irmã. Sua mãe e Francineide também o
visitam com freqüência. Em uma destas visitas, Francineide leva uma amiga para apresentar a
Deusdete: é Catarina, jovem também criada na periferia, que acredita que ganhará status ao
namorar um presidiário e ficará mais protegida onde mora. Ela não se importa quando Deusdete a
lembra que só sairá do Carandiru com 48 anos, e diz que voltará a visitá- lo.
TABELA 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Francineide
Irmã do meio de
Deusdete que foi
molestada por
dois homens na
vila onde morava
com o irmão.
DEUSDETE (CONT'D)
Que é que foi? Conta aí! O que foi
que aconteceu?
FRANCINEIDE
Era dois... me agarraro... levantaro
meu vestido... um disse que queria
me chupá... eu mandei ele chupá a
mãe...
DEUSDETE
O que eles fizero?
FRANCINEIDE
Me batero...
DEUSDETE
E daí? Que mais?
FRANCINEIDE
Eu saí correndo, Deusdete. Saí
correndo! Eu te juro! Não
aconteceu nada!
Uma noite, Francineide, irmã
do meio de Deusdete, na
volta da padaria, foi
molestada por dois marginais
da vila. Um disse que queria
chupar o sexo dela; ofendida,
ela o mandou chupar a mãe ,
vagabundo. Apanhou,
chegou em casa com o
vestido rasgado e a boca
inchada. (VARELLA, 2005,
p. 198)
198
TABELA 37 – ORIGEM DE CATARINA
Personagem
literária de
origem
Descrição Passagem no filme Passagem no livro
Fran
Vizinha de
Zilá, magrinha,
tímida, que
podia ter no
máximo 20
anos. Foi ao
presídio para
ser apresentada
a Roberval.
CATARINA
Tá vendo, Franci, é um homem assim
que eu quero. Diz aí: cê acha que o
Deusdete vai gostá de mim?
FRANCINEIDE
Ah, isso é com vocês.
MÃE DE DEUSDETE
Fica mais fácil pra ele se tiver um
amor esperando aqui fora.
DONA GRAÇA
A senhora tá certa. Mas só com
muito amor no coração uma
mulher suporta essa vida.
CATARINA
(para Francineide)
O que ele disse quando tu conto
que eu vinha?
FRANCINEIDE
Que se você quisesse vim, que visse.
Ao lado, Fran, o rosto na
penumbra projetada pelo
poste de luz, concordava
com a cabeça, mas pretendia
passar a noite ali decidida a
conhecer o tal de Roberval,
um mulherengo de bigode,
sócio do marido de Zilá no
negócio de assaltar carga.
(VARELLA, 2005 p. 55)
Como pôde-se perceber na análise das personagens principais, nem sempre a personagem
que deu origem ao nome é a mesma que deu origem às outras características vistas no filme. O
mesmo ocorreu com as personagens secundárias: algumas personagens literárias apenas
“emprestaram” o nome a elas. Com intuito de comparação, a seguir, serão apresentadas as
origens dos nomes das personagens secundárias cinematográficas.
199
TABELA 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS
PERSONAGENS SECUNDÁRIAS
Personagem Personagens de origem
Seu Pires Seu Pires
Dalva* -
Rosirene Rosirene
Dina Dina
Claudiomiro Claudiomiro
Antônio Carlos Antônio Carlos
Célia -
Francineide Francineide
Catarina -
* Embora Dalva seja uma inversão silábica do nome de uma de suas personagens de origem, Valda, esta informação não foi levada em consideração para esta classificação, pois a relação entre os nomes não é explícita.
200
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi de interesse deste estudo verificar as semelhanças entre as personagens literárias de
Estação Carandiru e as personagens cinematográficas de Carandiru. Para tanto, teve como
principal objetivo buscar as origens das personagens do filme – físicas, psicológicas e de suas
correspondentes histórias – na obra em que foi baseada: o livro.
Com o intuito de encontrar qual ou quais foram as personagens literárias de origem das
personagens cinematográficas, primeiramente, foi necessário fazer um levantamento de todas elas
no livro e no filme. Chegou-se aos seguintes dados: 206 personagens literárias e 50
cinematográficas, uma redução para menos de 25% na transposição da obra literária para o
cinema. A partir daí, levantou-se a seguinte questão a respeito desta diminuição no quadro de
personagens: houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos e/ou de ações
– na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para a obra
cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das
personagens neste diálogo entre mídias?
O primeiro aspecto a se notar é a questão levantada no capítulo II com relação ao grau de
adaptação de uma obra. Logo nos créditos iniciais – e também na capa do DVD –, há a seguinte
informação: “Baseado no livro Estação Carandiru de Drauzio Varella”. A partir deste dado,
pode-se esperar uma obra que não se propõe a ser uma reprodutora literal de sua fonte. Pode-se
esperar variações significativas, mas a obra original deve ser claramente reconhecida nesta nova,
e não apenas fazer referência a ela.
Como percebido, houve uma grande variação na fonte das personagens – ora fundidas, ora
desmembradas –, entretanto, as situações apresentadas no livro e as características das
personagens literárias estavam, em sua maioria, presentes na obra cinematográfica.
A hipótese proposta para este estudo foi comprovada após a coleta de dados. A seguinte
hipótese havia sido sugerida: na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio
Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características,
resultando em uma única personagem cinematográfica. Ela é verdadeira, pois pôde-se notar,
como dito, uma fusão de personagens que apresentavam características semelhantes, como é o
caso de Seu Chico, que teve origem na fusão de Seu Chico e Seu Jeremias (ambos eram id osos) e
201
Lady Di, que teve origem na fusão de cinco personagens (todos eram travestis). Entretanto, esta
não foi a única forma de origem das personagens cinematográficas.
De fato, pôde-se perceber que a maior parte das origens das personagens cinematográficas
vem de fusões de personagens literárias (ex: Majestade é uma fusão entre Zé da Casa Verde e
Charuto). Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas,
dando origem a mais de uma personagem (como é o caso de Valente, que deu or igem a Peixeira e
a Nego Preto; e Seu Chico, que deu origem a Seu Chico e a Nego Preto, por exemplo). Houve
personagens que foram eliminadas totalmente, não dando origem a nenhuma outra no filme.
Entretanto, das personagens analisadas, não foi encontrada nenhuma que foi acrescentada, ou
seja, que tenha sido totalmente inventada para o roteiro cinematográfico.
Foi visto que as personagens representavam um grupo, um conjunto de personagens que
possuíam as mesmas características físicas, psicológicas ou estavam inseridas no mesmo grupo
social. Há histórias que se repetem na obra literária: há personagens que compartilham dos
mesmos problemas, situações e/ou dramas familiares. Estas histórias foram representadas no
filme a partir de uma personagem, que poderia ser chamada de personagem-grupo. Assim, foram
averiguados os seguintes casos de personagens-grupo: Seu Chico, que representa os detentos
idosos e aqueles que foram abandonados pela família por conta de seus crimes; Ezequiel, que
representa aqueles que perderam tudo para o vício; Zico, que representa aqueles que matam
aqueles que amam por causa das drogas; Deusdete, que representa aqueles que são levados a
cometer crimes para se defender e defender a honra da própria família; Majestade, que representa
aqueles que cometem adultério e levam vida dupla; Nego Preto, que representa aqueles que são
traídos pelos amigos; Peixeira, que representa aqueles que se arrependem de seus crimes e
encontram conforto na religião; Sem Chance, que representa aqueles que, depois de presos,
descobrem algum talento e percebem que podem fazer algo de bom; Lady Di, que representa
aqueles que acreditam no amor; Seu Pires, que representa todos os funcionários do Carandiru que
realmente entendiam como a Casa funcionava; Claudiomiro, que representa aqueles que foram
traídos pelas mulheres; Antônio Carlos, que representa aqueles que colocam a amizade acima de
tudo; Dina, que representa aquelas que traem os maridos e agem apenas em benefício próprio;
Célia, que representa aquelas que compreendem e apóiam o marido apesar de seus crimes;
Rosirene, que representa aquelas que levam drogas para os maridos na cadeia; Dalva, que
representa aquelas que são vítimas do preconceito da própria família; Francineide, que representa
202
aquelas criadas na periferia que se tornam vítimas do crime; Catarina, que representa a
ingenuidade daquelas que acreditam na segurança de namorar um detento; e o Médico, que
representa aqueles que querem melhorar a vida dos detentos e são deparados com uma situação
pior do que imaginam.
Para que fosse possível chegar a uma resposta para a questão colocada, antes, foi
necessário categorizar estas personagens para se obter um resultado mais amplo e ter uma idéia
do quadro geral de alterações, para, em seguida, partir em busca de dados mais detalhados.
Dez categorias foram consideradas para a análise tanto do filme quanto do livro: 1) idade,
2) sexo, 3) situação, 4) forma como eram conhecidas pelas demais personagens, 5) raça, 6)
dependência às drogas, 7) enfermidade, 8) crime cometido, 9) função dentro do presídio, 10)
relação com as personagens em situação de cárcere. Houve uma subdivisão destas categorias,
sendo consideradas todas as personagens para a classificação apenas das categorias 1, 2, 3, 4, 5 e
6. Para as categorias 7, 8 e 9 apenas as personagens em situação de cárcere foram consideradas.
As demais personagens foram consideradas apenas para a última tabela.
Encontrou-se uma diminuição percentual no número de personagens em situação de
cárcere e, conseqüentemente, um aumento daqueles em liberdade no filme com relação ao livro.
Também diminuiu a quantidade percentual de personagens conhecidas pelo nome, mas estas
ainda continuaram a ser a maioria. A maior diferença, no entanto, foi quanto às personagens
cujos nomes e/ou apelidos não puderam ser identificados, que passaram de 14,5% na obra
literária, para 28% na cinematográfica. É interessante notar a quantidade de apelidos e suas
origens (Sem-Chance, pela frase que sempre repetia; Mil e Um, pela falta dos dentes incisivos na
arcada superior ; Coça-Coça, por pedir para uma prostituta passar as unhas em suas costas; etc.).
Há uma fonte rica aqui para um possível estudo sobre apelidos.
Não foram encontradas diferenças significativas quanto à quantidade de homens,
mulheres e crianças, nem de jovens e adultos, embora proporcionalmente haja mais homens
adultos no livro com relação às demais personagens. Tampouco houve grande disparidade entre
as obras quanto à quantidade de dependentes de drogas, à droga mais consumida (crack), à
quantidade de enfermos e à doença mais recorrente (AIDS). A categoria de personagens em
situação de cárcere que possuem função também apresentou resultados bem similares em ambas
as obras.
203
Todavia, a maior disparidade está na raça das personagens: 7,3% de negros e 2,4% de
brancos na obra literária, e 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. Isto pode ser
explicado pelo fato de a obra cinematográfica ser essencialmente visual. No livro, são necessárias
descrições da aparência física das personagens, e, neste caso, há poucas com relação ao número
total de personagens. Há de se notar que a quantidade percentual de brancos é bem maior no
filme. Também pôde-se verificar que o tipo de crime mais cometido foi diferente em ambas as
obras: assalto (39,6%) no livro e assassinato (cerca de 26%) no filme. Houve também um
aumento significativo de crimes não identificados, passando de 34,2% no livro para 52% no
filme.
Outra grande diferença notada é com relação às personagens em liberdade. A maioria era
de funcionários na obra literária, no entanto, na obra cinematográfica, foi verificado que a
maioria era de parentes. Isto pode ser explicado provavelmente por se tratar de um filme
classificado sob o gênero drama. Se a intenção fosse manter o estilo e proposta do livro, que foi
classificado como livro-reportagem, ter-se- ia um documentário e não um drama.
Embora tenha havido cenas que muito lembravam um documentário (ao final do filme,
alguns detentos sobreviventes ao massacre dão depoimentos para a câmera), a maior parte do
filme é composta por dramas familiares. A única cena documental encontrada no filme é a da
implosão da Casa de Detenção de São Paulo.
A Casa de Detenção de São Paulo, que era o maior presídio da América Latina e ficou
conhecido pelo nome de Carandiru, inaugurado na década de 1920, só foi desativado em
setembro de 2002. Três de seus pavilhões foram implodidos em dezembro de 2002. A
penitenciária feminina foi mantida.
Como se pôde perceber, os principais núcleos se mantiveram presentes na obra
cinematográfica, reunidos e representados por uma única personagem, uma decisão benéfica para
ambas as obras, pois houve a manutenção dos principais temas abordados na obra literária,
fazendo com que esta adaptação se tornasse não apenas mais uma maneira de contar aquelas
histórias em um suporte diferente, mas também um meio que possibilita a chegada destas
histórias a outros públicos. É a combinação entre cultura e economia; a combinação entre duas
indústrias para trazer um novo produto, que possui não apenas um valor cultural, como também
um valor econômico significativo.
204
Pode-se, então, perceber a importância da economia criativa e de suas indústrias criativas,
que, além do valor econômico agregado dos bens que produz, ainda traz benefícios culturais,
principalmente quando as indústrias criativas, através de um processo simbiótico, se juntam para
trazer em um único produto riqueza cultural.
205
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