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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Universidade Aberta do Brasil Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Diretoria de Educação a Distância Fortaleza, CE 2011 Licenciatura em Matemática Filosofia das Ciências e da Matemática Francisco Régis Vieira Alves filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 1 01/03/2016 11:28:14

Filosofia das Ciências e da Matemática - EAD

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Universidade Aberta do Brasil

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

Diretoria de Educação a Distância

Fortaleza, CE2011

Licenciatura em Matemática

Filosofia das Ciências e da Matemática

Francisco Régis Vieira Alves

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CréditosPresidenteDilma Vana Rousseff

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Presidentes da CAPESJoao Carlos Teatine Climaco

Diretor de EaD - CAPESCarlos Eduardo Bielschowsky

Reitor do IFCECláudio Ricardo Gomes de Lima

Pró-Reitor de EnsinoGilmar Lopes Ribeiro

Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora UAB/IFCECassandra Ribeiro Joye

Vice-Coordenadora UAB Régia Talina Silva Araújo

Coordenador do Curso de Tecnologia em HotelariaJosé Solon Sales e Silva

Coordenador do Curso de Licenciatura em MatemáticaPriscila Rodrigues de Alcântara

Elaboração do conteúdoFrancisco Régis Vieira Alves

ColaboradorMarília Maia Moreira

Equipe Pedagógica e Design InstrucionalAna Claúdia Uchôa AraújoAndréa Maria Rocha RodriguesCarla Anaíle Moreira de OliveiraCristiane Borges BragaEliana Alves MoreiraGina Maria Porto de Aguiar VieiraGlória Monteiro MacedoIraci Moraes SchmidlinIrene Moura SilvaIsabel Cristina Pereira da CostaJane Fontes GuedesKarine Nascimento PortelaLívia Maria de Lima SantiagoLourdes Losane Rocha de SousaLuciana Andrade Rodrigues

Maria Irene Silva de MouraMarília Maia MoreiraMaria Luiza MaiaSaskia Natália BrígidoMaria Vanda Silvino da Silva

Equipe Arte, Criação e Produção VisualÁbner Di Cavalcanti MedeirosBenghson da Silveira DantasGermano José Barros PinheiroGilvandenys Leite Sales JúniorJosé Albério Beserra José Stelio Sampaio Bastos NetoLucas de Brito ArrudaMarco Augusto M. Oliveira Júnior Navar de Medeiros Mendonça e NascimentoRoland Gabriel Nogueira MolinaSamuel da Silva Bezerra

Equipe WebBenghson da Silveira Dantas Fabrice Marc JoyeLuiz Bezerra de Andrade FIlhoLucas do Amaral SaboyaRicardo Werlang Samantha Onofre Lóssio Tibério Bezerra Soares

Revisão TextualAurea Suely ZavamNukácia Meyre Araújo de Almeida

Revisão WebAntônio Carlos Marques JúniorDébora Liberato Arruda HissaSaulo Garcia

LogísticaFrancisco Roberto Dias de AguiarVirgínia Ferreira Moreira

SecretáriosBreno Giovanni Silva AraújoFrancisca Venâncio da Silva

AuxiliarAna Paula Gomes CorreiaBernardo Matias de CarvalhoIsabella de Castro BrittoWagner Souto Fernandes

ISBN 978-85-475-0008-5

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Alves, Francisco Régis Vieira. Filosofia das Ciências e Matemática: semestre VI / Francisco Régis Vieira; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2011. 166p.: il.; 27cm.

1. FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 2. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA. 3. MATEMÁTICA I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III. Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.

CDD – 510.1

V657f

Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917)

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SUMÁRIO

AULA 2

AULA 3

AULA 4

Apresentação 6Referências 163

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 3

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 3

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 3

Currículo 166

Filosofia das Ciências e da Matemática 7Relações entre filosofia das ciências e filosofia da

matemática e o ensino de matemática 8A natureza do conhecimento matemático 17Os precursores da filosofia 22

AULA 1

Filosofia da Matemática 34As correntes filosóficas da matemática 35O construtivismo na matemática e o construtivismo

piagetiano 49

Arquimedes e a Noção de Demonstração 57Sobre a natureza das definições matemáticas 58As influências das correntes filosóficas no

ensino atual 67As características de uma definição matemática e

o ensino de álgebra 79

As dimensões filosóficas da intuição, seupapel da atividade do matemático e alguns

paradoxos 83As dimensões filosóficas da intuição matemática 84O papel da intuição da atividade do matemático 90Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 97

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AULA 6

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 3

Tópico 1

Tópico 2

Tópico 3

AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e

racionais 106Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o

ensino de matemática 107As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 115As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 124

A construção dos números reais, complexos e

considerações finais 133As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 134As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 148Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de

sua história 155

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6 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

APRESENTAÇÃOCaro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências

e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo

da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da

Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica

da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista

filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento

razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas

iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a

revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de

um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos

dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é

bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a

filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar

a pedagogia do futuro docente.

Francisco Regis Vieira Alves

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AULA 1 Filosofia das Ciências e da Matemática

Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos

campos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos

deter inicialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em

seguida na discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino

de Matemática. Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais

no âmbito da Filosofia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos

também, a partir desta primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes,

alguns termos particulares e específicos destas áreas de investigação.

Objetivos

• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências

• Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal

• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da Matemática

AULA 1

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8 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 1Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemáticaObjetivO

• DescreverospressupostosbásicosdaFilosofiada

Matemáticacomparando-acomFilosofiadasCiências

Na perspectiva do professor de matemática em formação, o que

podemos tomar como mais significativo a compreensão da

evoluçãodosabercientíficoouacompreensãodosabermatemático

científico? Neste sentido, é surpreendente encontrarmos pessoas no ambiente

acadêmico que se apoiam na crença segundo a qual “é possível compreender o

movimento interno impulsionador e de evolução da Matemática a partir da

compreensãodosmovimentosedaevoluçãoquemarcaramdeterminadosperíodos

históricosnumcontextomais amploegeral”, comoocontextodasCiências.De

modoinquestionável,encontramosnaliteraturaváriospensadoreseepistemólogos

(JAPIASSU,1988)quefornecemumdepoimento

queasseguraopapeldemodelodesteparadigma

paraváriasoutrasáreasdosabercientífico.

Neste sentido, para compreendermos

o pensamento filosófico, necessitamos,

em grande parte, nos apropriarmos do

pensamento epistemológico. A respeito da

epistemologia, Japiassu (1988) faz a seguinte

distinção:

a. Epistemologia,nosentidobemamplodotermo,podeserconsiderada

o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua

formação,de seudesenvolvimento,de seu funcionamentoede seus

produtosintelectuais;

s a i b a m a i s !

Epistemologia: Diz respeito ao estudo da

gênese, da estrutura, da organização/evolução

dos métodos e a validade/confiabilidade do

conhecimentocientífico.

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b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente

considerado,comavirtualidadeeosproblemasdoconjuntodesua

organização,quersejamespeculativos,quercientíficos;

c. Epistemologiaparticular,quandotratadelevaremconsideraçãoum

campoparticulardesaber,querespeculativo,quercientífico;

d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma

disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida

do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico,

mostrandosuaorganização,seufuncionamentoeaspossíveisrelações

queelamantémcomasdemaisdisciplinas.

Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a

ênfasequedaremosao longodestasaulasàEpistemologia Específica e,demodo

particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um

seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico

da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de

paradigmasepistemológicos.

Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da

Matemática,muitomenosdiversosfenômenosqueevoluemnouniversodidático,

histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia

das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo,

identificadosnoitem(2):

Figura1:Aspectosdosabermatemático(ALVES;BORGESNETO,2010,p.2)

O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que

determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/

caracterizamousignificamdeterminadasdimensõesdosabermatemático,apesar

depossuíremumaregiãodeinterfacecomum,todaviatal interfaceouregiãode

AULA 1 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica10

interseção é observadagraças ànecessidade e insuficiênciaquemuitas áreasdo

conhecimentocientíficoapresentam;destemodo,necessitamseapoiar,“importar”

e se ‘apropriar’dedeterminadosparadigmasemétodosprópriosdaMatemática

paraseuprópriointerior,comogarantiaderigorecientificidade.

Figura2:RelaçõesentreCiênciaseMatemática(elaboraçãoprópria)

Poroutrolado,destacamos,tambémnaFigura2,umaregiãopertencenteainda

àFilosofiadaMatemáticaquepossuivigorpróprio,queindicamospor(?),aqual

nãoéencontradae/ouidentificadaemmaisnenhumaoutraáreadoconhecimento

científico.Suaimportânciaseexplicitanamedidaemquedesenvolvermosnossas

consideraçõesacercadoensinodeMatemáticaquenãopodedesprezaradimensão

filosóficadosabermatemático.

Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo

JosédaSilva,quando,emseulivrointituladoFilosofiasdaMatemática,destaca:

Amatemáticaentrounaculturaprimeiramentecomoumatécnica,adefazer

cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se

nosprimórdiosdahistória.Dentreospovosantigos,osegípciosforambons

matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios

foramaindamelhores.Mas,aindaqueessasculturastenhamproduzidouma

matemáticareconhecívelcomotal,faltavaaelaocarátersistemático,rigoroso,

puro–istoé,nãoempírico–e,emgrandemedida,aindiferençacomrespeito

aaplicaçõespráticaseimediatasquecaracterizamoconhecimentomatemático,

talcomoentendemoshoje(SILVA,2007,p.31).

Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber

matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por

algumascivilizaçõesmaisantigasparaumsabermatemáticodecaráter“rigoroso”,

“sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de

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transição,encontradoemdeterminadasfaseshistóricasmaisproeminentes,como

asfaseshistóricasdiscutidasporSilva,sãoobjetodeestudodoqueHiltonJapiassu

chamouacimadaepistemologiaespecíficadaMatemática.

AFilosofiadaMatemáticaquepororadiscutimosseinteressaporquestões

destanatureza.Alémdisso,vamosdiscutir,ainda,outrosinteressesquepodemser

identificadosapenasnestaáreaeemmaisnenhumaoutraáreadoconhecimento

científico(Figura2).

DestacamosoutrotrechodeSilva(2007,p.34)comaintençãodeilustrar,em

nossadiscussãofilosóficainicial,asignificaçãodotermoFilosofiadaMatemática.

OgêniodeEuclides,porém,estavanomodocomoele fez isso.Apartirde

umsistemamínimoesupostamentecompletodeverdadesnão-demonstradas

e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se

que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides,

demonstravaracionalmentetodososenunciadosdeOselementos.Estavaassim

criadoométodoaxiomático-dedutivoqueviriaaservirdemodeloparatoda

amatemáticaapartirdeentão:areduçãoracional(preferivelmentelógica)de

todasasverdadesdeumateoriaeumabasemínimaecompletadeverdades

evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente

similarnamatemáticanãogrega.

Naspalavrasdoautor,observamosumdos

elementospeculiaresaopensamentomatemático

que influenciou, séculos mais tarde, várias

áreasdoconhecimentocientífico.Note-sequea

dimensãoepistêmicaésempreexigidaparaque

possamos compreender o caráter filosófico dos

saberes científicos constituídos até nossos dias.

De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao

método axiomático-dedutivo, inaugurado pela

civilização jônica. Sua função naquela época

assumiu um papel fundamental do ponto de

vista epistemológico, principalmente quando

adotamosaseguintesignificação:

Aepistemologiapode,entãoserdefinidacomoo‘estudodaconstituiçãodos

conhecimentosválidos’.O termo ‘constituição’ recobreaomesmotempoas

‘condiçõesdeacesso’,istoé,osprocessosdeaquisiçãodosconhecimentos,e

s a i b a m a i s !

OMétodoaxiomático–dedutivofoisistematizado

a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou,

alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki.

A intenção principal consiste em formalizar e

descreveroconhecimentomatemáticopormeio

deestruturasgeraiseabstratas.

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as‘condiçõespropriamenteconstitutivas,querdizer,ascondiçõesformaisou

experimentaisquedizemrespeitoàvalidadedosconhecimentos,eascondições

que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às do objeto no

processodeestruturaçãodoconhecimento.Portanto,paraPiaget,sóháciência

quando estiverem reunidos esse três elementos: (1) elaboração de fatos; (2)

formalização lógico-matemática; (3)controleexperimental (JAPIASSU,1988,

p.44).

Notamosnotrechoacimaoregistrodeumgrandepensadorrecordadopelo

epistemólogo Hilton Japiassu, trata-se do epistemólogo geneticista Jean Willian

FritzPiaget(1896-1980).DestacamosograndepesquisadorPiagetnãosóporsua

importâncianocampocientífico,mas,sobretudopelovalordeseuestudosobre

aanáliseeosprocessosdereformulaçãodecertosconceitoscientíficospormeio

deumaanáliselógica(JAPIASSU,1988,p.44).AMatemáticaparaPiagetassumiu

um papel imprescindível para a explicação e previsão de inúmeros fenômenos

observadosnoâmagodoconhecimentocientíficomoderno.

Antes, porém, de discutirmos um pouco mais a respeito do caráter

epistemológico do saber matemático e sua função no interior de Filosofia da

Matemática, sublinhamosa explicaçãodopesquisador inglêsPaulErnest (1991,

p.3):

A filosofia da Matemática é um ramo da filosofia cuja tarefa se reflete ao

tomar em consideração a natureza da Matemática. Esta é um caso especial

de epistemologia que leva em consideração o conhecimento humano em

geral.AfilosofiadaMatemáticaseorientanosentidoderesponderalgumas

questões:Qualéabasedoconhecimentomatemático?Qualéanaturezada

verdade matemática? O que caracteriza a verdade em matemática? O que é

uma afirmação e sua justificação? Por que as verdades em matemática são

necessariamenteverdades?

Ernestconfirmaapresençaenecessidadedaadoçãodeváriospressupostos

epistemológicos,corroborandocomoquemencionamosnosparágrafosanteriores,

quandomencionaque,aoadotarmoslargamenteumaabordagemepistemológica,

assumimosqueconhecimentoéqualquerárearepresentadaporumconjuntode

proposições,aliadoaumconjuntodeprocedimentoscapazesderealizarverificação

eassegurarsuaconfiabilidade(ERNEST,1991,p.4).

Nacitaçãoanterior,observamosalgunsquestionamentosintrínsecosaoque

chamamosdeFilosofiadaMatemática,queseapresentacomoumcampodistinto

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da Filosofia das Ciências. Retomando a Figura

2, lembramos que a Filosofia da Matemática é

marcadaporelementosparticularesquenãosão

encontrados nas outras áreas do conhecimento

científico humano. No início sublinhamos

uma “crença” equivocada segundo a qual

muitos ainda acreditam na possibilidade de se

compreenderoparticularpartindo-sedogeral().

Assumimosqueestepontodevistaencontrado

no locus acadêmico é completamente equivocado e interpretamos esta atitude

e posicionamento epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”.

Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim

poderemosproporcionarmelhorentendimento.

Figura3:Relaçãoentreocaráterparticulareogeraldossaberescientíficos(elaboraçãoprópria)

Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em

terminados casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte

caracterização fornecidapor Bicudo&Guarnica (2001,p. 19), aodefenderem a

supremaciadaFilosofiadaEducaçãosobreaFilosofiadaMatemática:

AFilosofiadaEducação,porprocederdemodoanalítico,críticoeabrangente,

volta-separaquestõesquetratamdecomofazereducação,deaspectosbásicos

presentesaoatodoeducadorcomoéocasodoensino,daaprendizagem,de

propostaspolítico-pedagógicas,dolocalondeaeducaçãosedáe,demaneira

sistemáticaeabrangente,asanalisa,buscandoestenderseusignificadoparao

mundoeparaoprópriohomem.

Demodosemelhante,osmesmosautoresdefinemaFilosofiadaMatemática

comoumaáreaemque:

Proceder conforme o pensar filosófico, ou seja, mediante a análise critica,

reflexiva, sistemática e universal, ao tratar de temas concernentes à região

s a i b a m a i s !

Para conhecer um pouco mais sobre a Filosofia

dasCiências,acesseosite:

http://www.lusosofia.net/textos/serra_paulo_

filosofia_e_ciencia.pdf

AULA 1 TÓPICO 1

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deinquéritodamatemática,diferencia-sedamatemática,poisnãosedispõe

a fazermatemática, construindoo conhecimentodesta ciência,masdedica-

seaentenderoseusignificadonomundo,osentidoquefazparaohomem,

de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do

seuconhecimento,osmodosdeexpressãopelosquaisapareceematerializa-

se, cultural ehistoricamente, a realidadedos seusobjetos, a gênesedo seu

conhecimento(BICUDO;GUARNICA,2001,p.27).

Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando

pensamosque,deumpontodevistapráticoeutilitarista,seriamaisimportante

paraoprofessordematemáticaumrazoávelconhecimentoemFilosofiadaEducação

emdetrimentodaFilosofiadaMatemática.Talpatologiaintelectualpodeocorrer

tambémquandoacreditamosdemodoingênuoque,compreendendoaFilosofiada

Educação,consequentemente,oprofessorcompreenderáaFilosofiadaMatemática.

E,porfim,comvistasfinaisaoensinodematemáticapropriamentedito,qualdas

duasseapresentademaiorrelevânciaparaofuturoprofessordematemática?

Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por

profissionaisquedesconhecemorealeoconcretoefetivosignificadodaregência

numaauladeMatemática,que se refereao fatodequeamaiorpartedo tempo

despendidopeloprofessornaescolaédedicadaàaçãodedarauladeMatemática.

Assim,aretóricaqueidentificamosnadefiniçãofornecidaporBicudo&Guarnica

(2001)relativaàFilosofiadaEducação,emtermospráticos,emnadamelhoraráou

aperfeiçoaráaaçãoquemencionamos.Nessesentido,destacamosarelevânciade

umsabervinculadoedeterminadopelosabermatemáticoquepoderáproporcionar

oaperfeiçoamentodaaçãodocente,deacordocomoqueexibimosnaFigura1.

Antesdeapresentarmosnossoargumentofinal,discutiremosoutrasquestões

levantadasporBicudo&Guarnica(2001,p.27)quandoafirmamque:

Asperguntasbásicasdafilosofia–“Oqueexiste?”,“Oqueéoconhecimento?”,

“Oquevale?”-,sãotrabalhadaspelafilosofiadamatemática,focalizando-se

especificamentenosobjetosdamatemática.Desdobram-seemtermosde“Qual

a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos

matemáticosequaisoscritériosquesustentamaveracidadedasafirmações

matemáticas?”,“Osobjetoseasleismatemáticassãoinventadas(construídas)

oudescobertas?”.

Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é

relevanteparaaautocompreensãodaMatemáticaenecessárioparaadefiniçãode

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propostascurriculares,pordeterminarescolhasdeconteúdos,atitudesdeensino,

expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA,

2001,p.27).

Depoisdestasponderações,acreditamosserinsustentávelacrençadequea

formaçãoemFilosofiadaEducaçãodeveantecederqualquerformaçãoeinformação

relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da

Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre,

assumiresteposicionamentoimplicaaceitarodiagramaquepropomos(Figura3),

oumelhor,significacompreenderoparticular,paradepoiscompreenderogeral.

Váriosepistemólogosnosfornecemestalição,entreelespodemoscitarKarlPopper

eThomasKhun.

Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos

iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino

deMatemática,recordamosaindaqueaFilosofiadaMatemáticainteressa-sepor

questõesdecaráter:(i)ontológico:oqueexisteemMatemática;(ii)epistemológico:

como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado

conhecimentomatemático;(iii)axiológico:quandoumconhecimentomatemático

podeserconsideradocomoverdadeiro.Estesquestionamentospodemnosfornecer

elementosparacompreenderosprocessosnecessáriosquetornamnossascrenças

matemáticasemconhecimentomatemáticoválido.

Figura4:Relaçõesentreconhecimentoecrençamatemática

Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria

Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro

professordeMatemática.

Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente

firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática.Tal área de

inquéritoinvestigativoéassimcaracterizada:

AULA 1 TÓPICO 1

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Porfocalizaramatemáticanocontextodaeducação,aFilosofiadaEducação

Matemáticatambémsecolocaquestõessobreoconteúdoaserensinadoea

ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia

da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do

conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA,

2001,p.30).

Estaáreadeinvestigaçãoseráretomadapornósnofinaldenossosestudos.

Assim,paraprosseguirdeacordocomoqueacreditamosseromaiscompreensível

para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões

relacionadasaosabermatemático.

Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais

relacionadoscomaFilosofiadasCiênciaseFilosofiadasMatemáticas.Nopróximo

tópicointroduziremosoutroselementosquediferenciamedistinguemaevolução

dosabermatemáticonocontextocientíficodequalqueroutrosaberacadêmico.

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17

Como mencionamos sem maiores detalhes na seção anterior, a

Matemática,tradicionalmente,foivistacomoparadigmaparacertos

conhecimentos,desdequefoierigidahá2500anoscomEuclides,

como bem atesta Ernest (1991, p. 4). Nos séculos subsequentes, sua influência

continuou a se mostrar promissora e frutífera

parainúmeroscamposdosaber.Defato,Ernest

(1991,p.4)recordaque:

Desde a época de Euclides até o final

do século XIX, seu paradigma foi

exploradoparaestabeleceraverdadeea

certeza.Newtonusoualgunselementos

noseuPrincipiaencontradosaindanos

ElementosdeEuclides;Spinozaemsua

estética [...]Amatemáticadesdemuito

tempo temsido tomadacomo fontede

muitossaberesdaraçahumana.

Ernestadvertequeconhecimentoéabase

na qual assentamos todas nossas afirmações.

Explicaaindaque conhecimento a prioriconsiste

emproposiçõesquesãoproduzidasunicamente

assentadas ou sustentadas pela razão, sem o

TÓPICO 2 A natureza do conhecimento matemáticoObjetivO

• Discutiranaturezadosabermatemáticoealguns

exemplosdeordemlógicaformal

v o c ê s a b i a?

Conhecimento a priori: a priori (do latim, «

partindo daquilo que vem antes »), expressão

do âmbito filosófico que designa uma etapa

para se chegar ao conhecimeto válido, que

consiste o pensamento dedutivo. Note-se que

o conhecimento proposicional não pode ser

adquirido, incorporado por meio da percepção,

introspecção, memória ou testemunho. É,

deste modo, uma anterioridade lógica e não

cronológica que é designada na noção “a

priori”.Tal conhecimento se complementa com

oconhecimentoaposteriori,quedesignaaquele

queadquirimoscomaexperiênciamundana.

AULA 1 TÓPICO 2

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recurso da observação do mundo real (ERNEST,1991,p.4).Aqui,arazãoempregada

pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos,

tipicamenteencontradosemdefinições.Emoposição,conhecimentoa posteriori ou

conhecimento empírico consisteemproposiçõesproduzidascomrespeitoaumabase

deexperimentoseobservaçõesdomundoreal.

Maisadiante,Ernest(1991,p.4)esclarece:

Oconhecimentomatemáticoéclassificadocomoconhecimentoapriori,desde

queconsistadeproposiçõesesejafundamentadoapartirdarazão.Razãoque

incluilógicadedutivaedefiniçõesquesãousadasemconjunçãodeaxiomase

postulados,comobaseparaaobtençãodeinferências.Todavia,afundaçãodo

conhecimentomatemáticoconsiste em investigar averdadenasproposições

matemáticas,consistenométododedutivo.

Vamos trazer para ilustrar nossa discussão o problema relacionado ao

princípio de indução matemática abordadopelomatemáticoGiuseppePeano(1858-

1932).Paratanto,éimportanterecordarmosoconjunto ={1,2,3,.....,....,...} ,que

échamadodeconjuntodosnúmeros naturais queestãorelacionadosdemodoíntimo

comanoçãodeconjuntoenumerável(LIMA,2004).Lima(2004,p.32)explicaque

os axiomas de Peano exibem os números naturais como “números ordinais”, isto é,

objetos que ocupam lugares determinados numa sequência ordenada. O axioma de

Peanoéenunciadodoseguintemodo:

Existe uma função injetiva ®:s . A imagem ( )s n de cada número

natural În chama-seosucessorde‘n’;

Existeumúniconúmeronatural Î1 talque ¹1 ( )s n paratodo În ;

Seumconjunto ÌX étalque Î1 X e Ì( )s X X ,istoé,se Î ® Î( )n X s n X ,

então =X .

Taiscondiçõespodemserreformuladasdoseguintemodo:

(i’)Todonúmeronaturaltemumsucessor,queaindaéumnúmeronatural;

númerosdiferentestêmsucessoresdiferentes;

(ii’)Existeumúniconúmeronatural‘1’quenãoésucessordenenhumoutro;

(iii’) Se um conjunto de números naturais contém o número ‘1’ e contém

também o sucessor de cada um dos seus elementos, então esse número contém

todososnúmerosnaturais.

Lima(2004,p.33)principiaumadiscussãofilosóficaaodeclararque:

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19

Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É

apresentadaumalistadepropriedadesgozadasporeles(osaxiomas)etudo

decorredaí.Nãointeressaiqueosnúmerossão;(istoseriamaisumproblema

filosófico)oqueinteressaécomoelessecomportam.Emboraosaxiomaspor

ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano

trabalhouindependentemente.Omaisimportantenãosãoquaisosaxiomas

eleescolheuesimqualaatitudequeeleadotou,aqualveioaprevalecerna

Matemáticaatual,sobonomedemétodoaxiomático.

Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de

filosófico,todaviaadescriçãoquefizemosacima,comdestaqueparaoitem(iii),

quecaracterizaoprincípio de indução matemática,épuraFilosofiadaMatemática.

Caraça(1951,p.4)referendanossoposicionamentoquandocomentaque:

Aideiadenumeronaturalnãoéumprodutopurodopensamentohumano,

independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os

númerosnaturaisparadepoiscontarem;pelocontrário,osnúmerosnaturais

foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem

dohomemcriandodeumamaneiracompletaaideiadenúmero,paradepois

aplicaràpráticadacontagem,écômoda,masfalsa.

Note-se que, dependendo do

sistema matemático formal, o conjunto

={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} .

Defato,quandoconsideramosateoriaaritmética

dosnúmeros,oprimeiroconjuntoéassumido,e

quandoestudamososconteúdosdeAnálise Real,

oconjunto éassumidosemozero ‘0’.Lima

(2004,p.150)semanifestadoseguintemodo:

Sim e não. Incluir ou não o número 0

no conjunto dos números naturais é

umaquestãodepreferênciapessoalou,

maisobjetivamente,deconveniência.O

mesmoprofessorouautorpode,emdiferentescircunstâncias,escrever Î0

ou Ï0 .Comoassim?ConsultemosumtratadodeÁlgebra.Praticamente

em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de

Análise.Láachamosquasesempre ={1,2,3,.....,.....} .

s a i b a m a i s !

A criação de um símbolo para representar o

nada constitui um dos atos mais audazes do

pensamento,umadasmaioresaventurasdarazão.

Essacriaçãoérelativamenterecente(talvezpelos

primeiros séculos da era cristã) e foi devida às

exigências da numeração escrita. (CARAÇA,

1951,p.6).

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Ernest(1991)discuteoexemplodaverificaçãoquedefato + =1 1 2 ,segundo

osistemaaxiomáticodePeano.Para tanto,assumimososaxiomasquegarantem

que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética

dePeano, sabemosque + = = +0 0x x x ,para todo Îx .Temos tambémque

+ = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y . Na sequência, o fato banal simbolizado por

+ =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez

passosdeinferênciaslógicascomovemosnaFigura5.

Figura5:Passosdeinferênciaslógicas(ERNEST,1991,p.5)

Algunsdoselementosdiscutidosanteriormenteapontamparaadireçãode

consideraroconhecimentomatemáticodotadodeverdades universais,infalívele

nãoquestionável.Essencialmenteconstruídoapartirdeverdadesestabelecidasa

priori.TalperspectivaéoqueErnest (1991,p.7)chamadevisão absolutista da

matemática.Deacordocomtalvisão,oconhecimentomatemáticoforneceoúnico

mododealcançarmosaverdade.

Oautorexplicaaindaquepartedestepoderecaráterabsolutistaéfortalecido

pormeiodométododedutivoformal.Talterrenoéconstruídoapartirdalógicae

podefornecerabsolutacertezaaoconhecimento.Ernest(1991,p.7-8)salientaainda

que,noprimeiromomento,todosospressupostosbásicossãoassumidosapartirda

exploraçãodesuasprovasedemonstrações.Ademais,osaxiomasmatemáticossão

assumidoscomoverdadee,apartirdanecessidadedeconsideraçõesanteriores,as

definições formais matemáticassãoconstruídasassumindotambémvaloreslógicos

verdadeiros.

No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem

preservaraverdadeeconduzirtambémàverdade.E,verdadedeveserobtidaa

partirdeverdades,pormeiodoempregodestesmodeloslógicos.Ernest(1991,p.

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8) acrescenta aindaque toda afirmaçãoouproposição estabelecidanum sistema

dedutivodeverácontersuasconclusõese,umavezestabelecidoumteoremapor

meiodométododedutivo,oconhecimentoextraídodesteteoremadevesersempre

verdadeiro.

A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas

(ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto,

demodopormenorizado,naspróximasaulas.Paraconcluir,destacamosalgumas

característicasdosaber matemático,fornecidasporMorrisKline:

Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem

sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os

conceitos,osmétodoseconclusõesarespeitodequeamatemáticaconstituio

substratumdasciênciasfísicas.(KLINE,1964,p.5).

Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da

belezadoconhecimento matemático aodeclararque:

Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição,

imaginaçãoáridanacriaçãodeprovaseconclusõesoferecesatisfaçãoestética

dealtaparaocriador.Seapercepçãoeaimaginação,simetriaeproporção,a

faltadesuperfluidade,eadaptaçãoexataentremeiosefinssãocompreendidas

embelezaesãocaracterísticasdasobrasdearte,entãoamatemáticaéumaarte

comumabelezaprópria[...]Grandespensadorescedemàsmodasintelectuais

doseutempocomoasmulheresfazemamodanovestuário.Mesmoosgênios

criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido

os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No

entanto, esses “amadores” ematemáticos emgeral, não têm sepreocupado

principalmentecomautilidadedoseutrabalho.

Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste

âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas

dificilmenteseriampercebidasporumestudantequenãoapresenteumaformação

emMatemáticaalémdaescolar.Esteassuntoseráretomadopornósadiante,por

ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento

matemáticofilosóficoocidental.

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22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 3 Os precursores da filosofia

ObjetivO

• Conhecerosprincipaispensadoresqueestabeleceramo

terrenofértilparaaFilosofiadaMatemática

Nestapartediscutiremosalguns

dos principais pensadores

gregosquemaiscontribuíram

para o estabelecimento inicial de algumas

doutrinas na Matemática, com destaque para

PlatãoeAristóteles.

A primeira figura ilustre a ser lembrada

quando falamos de Filosofia da Matemática

é Platão. No que diz respeito ao período de

formaçãodePlatão,Barbosa(2009,p.27)explica:

ÉmuitoprovávelquePlatão,emtornodeseusvinte

anos, tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu

círculo,nãocomointuitodesetornarumfilósofo,mas

com o propósito de, mediante o estudo da filosofia,

aprimorar seus conhecimentos para a vida política.

Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por

completoosrumosdeseusobjetivos.

v o c ê s a b i a?

Platãoésemprelembradopelasideiaseconcepções

que influenciou os românticos da matemática.

Nasceuem428/427a.C.efoidescendentedeuma

famíliaateniensedeclassealta.

s a i b a m a i s !

Platão sustenta que há ideias eternas e

independentesdossentidos,comooum,odois,

etc., ou seja, as Formas Aritméticas e outras

comooponto,areta,plano,quesãoasFormas

Geométricas. Quando enunciamos propriedades

ourelaçõesentreessesentes,estamosdescrevendo

relaçõesentreasFormas(CURY,1994,p.42).

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23

Platão identifica, nas discussões de sua

época, a dicotomia instalada entre a retórica

e a filosofia. Neste contexto, os sofistas que

tinhamcomoobjetivoa formaçãodoespírito e

a multiplicidade de métodos determinam esta

discussão.Neste sentido,Barbosa (2009,p. 28)

declara:

Enquanto matemática e filosofia se

animammutuamentenaampliaçãodos

horizontes especulativos da realidade

circundante,asofísticavemapreencher,

no contexto do conhecimento, um

espaço outrora vazio, visto que, ao contrário das duas primeiras, não tem

comoescopoumsaber teóricooucientífico,mas tratadeumaexigênciade

ordemestritamenteprática.

Oresultadodestadiscussãofoiaprimaziadoconhecimentoenciclopédico

e intelectualizantequeherdamos aténossosdias; assim sendo, esse novo “saber

enciclopédico” (polimathia) e estruturado passou a representar um fenômeno que veio

a formular os conceitos ocidentais da educação como difusão do saber (BARBOSA,

2009, p. 28). No que se refere à contribuição específica de Platão com respeito

àFilosofiadaMatemática,Barbosa(2009,p.37)

adverte:

Quandonosreferimosaoplatonismona

esfera da filosofia da matemática, não

podemosatribuirumadoutrinaaPlatão

damesma formacomoassociamos,por

exemplo,ologicismoaFregeeRussell,

isto é, como um corpo de preceitos,

um sistema filosófico em sua acepção

moderna. E isso ocorre justamente

porque não era essa a intenção de

Platão.Eleestariamaispreocupadoem

estimularaspessoasapensar,colocando

destemodoasalmasnocaminhocerto

doconhecimentopuroedesinteressado,queoutroravislumbraramantesde

serem condenadas ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as

tribulaçõesdocorpoeaignorânciadamente.

at e n ç ã o !

Platonismo: Corrente filosófica baseada no

pensamento do seu precursor, Platão, talvez

a mais conhecida, recordada e de implicações

aindahojediscutidaporestudosacadêmicos.Sua

escola,dos séculos IV até I a.C. foi responsável

pela sistematização e aprofundamento de suas

concepções.

at e n ç ã o !

Sofistas:constituíramdegruposdemestresque

viajavam pelas cidades realizando aparições

e eventos públicos para distrair curiosos e

estudantes. Os mesmos cobravam taxas pelo

serviçofornecido.Seufocoprincipalconcentrou-

senologosounodiscurso,compreocupaçãonas

estratégiasdeargumentação.

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Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica

absolutistadaMatemática conhecida como logicismo.Discutiremos asprincipais

características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são

esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais

do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as

implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber

matemático.Nestecontexto,Barbosa(2009,p.37)acrescentaainda:

Umaboapartedoplatonismo,assimcomonósoconhecemoshoje,é,portanto,

umacriaçãoposterioraPlatão.Oplatonismonamodernafilosofiamatemáticaé

descritocomoumateoriaquetratadasverdadesdasproposiçõesmatemáticas,

sendo“usualmentetomadocomoumtipoderealismo,equivalenteacrença

dequeosobjetosdamatemáticataiscomoosnúmerosliteralmenteexistem

independentesdenósedenossospensamentosarespeitodeles”.

SegundoSilva(2007,p.37),paraPlatão,as entidades matemáticas constituem

um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo

entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes

matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os

objetosmatemáticossóexistemencarnadosemobjetosreais–esónossãorevelados

comoconcurso,aomenosemparte,dossentidos.Silva(2007,p.37-38)diferencia

demodoeficienteasduasperspectivasdesenvolvidasporestesdoispensadoresao

declararque:

Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro

deentidadesperfeitas, imutáveiseeternas–osconceitosmatemáticosentre

elas.ParaAristóteles,omundosensíveléarealidadefundamental,osentes

matemáticos são ‘extraídos’dosobjetos sensíveispormeiodeoperaçõesdo

pensamento,eosconceitosmatemáticossãoapenasmodosdetrataromundo

real.[...]DeumladooracionalismodePlatão,queatribuiàrazãohumanao

poderdepenetrarnosdomíniossupra-sensíveisdamatemática,eoseurealismo

ontológicotranscendente,queafirmaqueaexistênciaindependentedosentes

matemáticosnumreinoforadestemundo;deoutro,oempirismodeAristóteles,

queserecusaadarmoradaaosentesmatemáticosemqualqueroutroreinoque

nãoodestemundo, eo seu realismoontológico imanente,quegarante, ele

também,umaexistênciadosobjetosmatemáticosindependentementedeum

sujeito[...].

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25

Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de

númerosmatemáticos.Paraele,nãoexistemváriosnúmeros‘2’,esimaideiade

dois.Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade

+ =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’(SILVA,2007,p.40).

EssaidentidadenãopodeserumarelaçãoentreIdeiasnuméricas–sendoentidades

singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que

precisamentãoexistiremabundância.Platão teve assim que admitir a existência,

além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA,2007,

p.40).

Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os

conceitosdenúmeros pares enúmeros ímpares.Barbosa (2009,p.48) acrescenta

queos conceitos de par e ímpar permeiam toda a

aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar

todos os outros números. Esta dualidade pode

indicarcertaconcordânciacomopitagorismo.E

ainda, Platão teria utilizado os números dois e

trêsprecisamenteporsetrataremdosprimeiros

par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade,

em geral, não se considerava o um como número

(BARBOSA,2009,p.48).

Não podemos esquecer as preocupações

de Platão com o ensino e, com respeito a isto,

Barbosa(2009,p.49)ilustra:

Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse

diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como

instrumentodeensino,quandoprimeiramentelevaoescravoareconhecero

próprioerro,edepoisoinduzaoconhecimentocerto.Oproblemacolocado

paraoescravoéodecalcularaáreadeumquadradodelado2.Feito isso,

Sócratesquestionao jovemescravosobreoqueaconteceriacomcadalinha

deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o

escravoumnovoquadradosobreaqueleinicialmentedado,oquetemlados

commedidade2pés,prolongandoosseusladosatéqueatinjamamedida4

pés.Oescravopareceestarrecidoaonotarqueoquadradoconstruídocomas

linhasduplicadasdoquadradooriginaltemoquádruplodesuaárea.

at e n ç ã o !

A filosofia da Matemática de Aristóteles foi

desenvolvida,emparte,emoposiçãoadePlatão,

poiselecriticaaTeoriadasFormas,dizendoque

elanãoé racional.ParaAristóteles, cadaobjeto

empírico,cadaserexistente,éumaunidadeenão

existeseparadodesuaformaouessência(CURY,

1994,p.47).

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O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar

do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino

transcendentedeIdeiaseformasmatemáticas.As formas geométricas e numéricas

existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais

(SILVA,2007,p.43).

ParaAristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior

das hipóteses, uma ficção útil (SILVA,2007,p.44).Elesnãotêmexistênciaseparada

dosobjetosempíricos,sãoapenasaspectosdelas,eseporvezespensamoscomo

independentes, isto é,não temmaiores consequências.Um objeto empírico é um

objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de

seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA,2007,p.44).

Machado(1994,p.21)forneceumadistinçãointeressantequandodeclara:

EnquantoqueparaPlatão,osenunciadosmatemáticoseramverdadeirospor

serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência

objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do

matemático.Erecolocaaquestãodeosobjetosmatemáticoseosenunciados

seremverdadeirosoufalsosnãoemtermosabsolutos,masporseremmaisou

menosadequadosàrepresentaçãodomundoempírico,adequaçãoestarelativa

aalgumfimqueseobjetiva.

Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias

matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade

e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização

das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições

dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções

(MACHADO,1994,p.21).Suasconcepçõespodemserconsideradasasprecursoras

dopensamentoquemotivouosprincípiosquepassaramaregularecaracterizar

as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das

geometrias:GeometriaEuclidiana,GeometriaDiferencia,GeometriaHiperbólica,

GeometriaRiemanniana,etc).

Silva(2007,p.45)diferenciaopensamentoaristotélicodoseguintemodo:

Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos

aspectosapenas,umabolacomoumaesfera,umpardedoislivroscomodois.

Aofazerisso,abstraímosdabolaasuaformageométricaedacoleçãodelivros

suaformaaritmética.Vistoassim,Aristóteles,éumempiristaemontologia,

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27

pois, para ele, apenas os objetos dos sentidos existem realmente, com um

sentidoplenodeexistência.

Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para

os limites da abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona:

poderíamos, porém, perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar

nenhuma coleção real, e as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar

forma a nenhum objeto real (como o miriágono, o polígono de dez mil lados)?

OautoracrescentaqueasaídavislumbradaporAristótelesfoiadmitirque

entre os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no

entanto, por serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na

realidade (SILVA,2007,p.45).Defato:

Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de

unidades,apartirdequalquernúmeropequenodado,eomiriágonopodeser

construídoapartirdefigurasgeométricasreais,comocírculosesegmentos

de reta. Assim, numa compreensão mais ampla, a matemática, segundo

Aristóteles,tratanãoapenasdeformasabstratasatuais,mastambémdeformas

abstrataspossíveis(SILVA,2007,p.45).

Para concluir nossas considerações sobre Aristóteles, vale destacar as

ponderaçõesdevidasaMachado(1994,p.22)quandodestaca:

Emresumo,poderíamosdizerqueaposiçãodeAristótelesnoqueserefere

àrelaçãodaMatemáticacomarealidadepodesersituada,simultaneamente,

na origem tanto do realismo como do idealismo modernos, na medida em

que,porumlado,reabilitaomundoempíricoe,poroutrolado,otrabalhodo

matemáticodeixadeserummerocaçadordeborboletasnomundoperfeito

dasFormas,vislumbrandoapossibilidadedelemesmoserum‘fabricante’de

borboletas.

OposicionamentoassumidoporAristótelesemrelaçãoàMatemáticapode

sercompreendidotambémnaspalavrasdeSilva(2007,p.46),quandoexplica:

Comoaentendo,aabstraçãoaristotélica,aoperaçãopelaqualconsideramos

objetosecoleçõesdeobjetosempíricoscomoobjetosmatemáticos,comporta

tambémumelementodeidealização.Tratarumabolacomoumaesferaéuma

operaçãocomplexa:abstrair-sedabolaasuaformamaisoumenosesféricae,

simultaneamente,idealiza-seessaforma,istoé,desconsideram-seasdiferenças

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entreelaeaesferamatemáticaperfeita(determinadapelasuadefiniçãocomoo

lugargeométricodospontosespaciaiseqüidistantesdeumcentro).Umaesfera

matemáticaé,assim,aidealizaçãodeumaspectodabola,esóassimelaexiste.

AMatemáticacomoaconhecemoshojeéoexemplomaispuroeclássicode

ciênciadedutiva, eváriasoutrasáreasdoconhecimentobuscarameadaptaram,

na medida do possível, alguns de seus pressupostos e paradigmas de rigor. De

fato,é relevante a influencia do pensamento aristotélico no desenvolvimento da ciência

em geral (SILVA,2007,p.50).AristótelesentendiaaMatemáticacomoum edifício

logicamente estruturado de verdades encadeadas em relações de conseqüência lógica a

partir de pressupostos fundamentais não demonstrados (2007,p.50).

Aristóteles contribuiu também com relação às noções metamatemáticas

(propriedadeselementaresdametodologiadasciênciasdedutivas)fundamentais,

comoasde axioma, definição, hipótese edemonstração.Aristótelescriticaomodelo

dedemonstraçõesemMatemáticaqueconhecemosporredução ao absurdo.O mesmo

considera-as não explicativas, isto é, sabe-se que algo é verdadeiro sem saber por que é

verdadeiro (SILVA,2007,p.52).Aesterespeito,Silva(2007,p.52)comenta:

Demonstraçõesporreduçãoaoabsurdo(parasedemonstrarqueumaasserção

qualquer A, supõe-se a falsidade de A e obtêm-

se como conseqüência uma falsidade qualquer ou,

equivalentementeumacontradição.Oquemostraque

A não pode ser falsa, sendo, portanto, verdadeira)

ocorrem com freqüência na matemática grega, em

particularnométododaexaustãodeArquimedes,que

envolveumaduplareduçãoaoabsurdo.Aintrodução

de métodos infinitarios na matemática do século

XVII, em especial por Cavalieri, visava em grande

medida substituir demonstrações por exaustão por

demonstraçõesdiretas,causais,respondendoassimàs

demandasaristotélicas.

Emváriosaspectospodemosdizerqueos

germesda ideiada importânciadeumaciência

dedutivaeopoderdalógicapuramenteformal

encontram-senasconcepçõesaristotélicas.Nesta

perspectiva,àmatemática formal não importa o

significado nem a veracidade das asserções, mas

v o c ê s a b i a?

Zenão de Eléia foi um filósofo pré-socrático

e foi discípulo de Parmênides. Das suas

descobertas, destacamos a dialética clássica, o

modo de argumentar que consiste em derivar

contradições das teses do opositor ao seu

discurso.Zenãoutilizouométodonadefesadas

ideiasdeParmênidesacercadaunidadedoente

e da impossibilidade do movimento, propondo

algumascontradiçõesouaporias,quedesafiaram

os seus contemporâneos e intrigam até nossos

dias.Ver sua descrição no curso de História da

Matemática.

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29

apenas as relações formais entre elas (SILVA,2007,p.51).Masistoquerdizerque

podemostomá-laapenascomoumjogo formal semnenhumaintençãocognitiva?

Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os

matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma

respostadeargumentaçãosatisfatória.

Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de

Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como

pedrasangularesparaosabermatemático.Umdestesexemplosequefoiobjetode

reflexãoparaAristótelesdizrespeitoànoçãodeinfinito.

Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de

infinito atual e infinito potencial, entretanto,

no que diz respeito ao aspecto matemático

desta noção, Georg Cantor (1845-1918)

forneceu o acabamento final, acrescentando

alguns elementos descuidados por Aristóteles.

Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51)

acrescenta:

Devemo-lhes a distinção fundamental

entre o infinito atual e o infinito

potencial, ou seja, entre a noção de

uma totalidade finita em que sempre

cabe mais um indefinidamente – o

infinitopotencial– euma totalidade infinita acabada.SegundoAristóteles,

aosmatemáticosbastavaanoçãodeinfinitopotencial.Sebemqueestaideia

nãocorrespondeàrealidadedapráticamatemática,umavezqueanoçãode

infinitoatualéessencialamuitasteoriasmatemáticas,umavezqueanoçãode

infinitoatualéessencialamuitasteoriasmatemáticas,elafoi,eaindaé,aceita

pormuitosmatemáticos,quenãovêemnamatemáticadoinfinitosenãouma

fontedeabsurdosecontradições.

Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções

importantesparaaMatemática.Paraconcluirestaseção,discutiremosaindaparte

dascontribuiçõesdevidasàGottfriedWilhelmvonLeibniz(1646-1716)eImmanuel

Kant(1724-1804).Machado(1994)explicaquecercadedoismilanossepassaram

paraqueaobraaristotélica,enquantoLógica,fosseretomadaedesenvolvida.

SegundoMachado(1994,p.22),Leibnizforneceumaintensacontribuição

ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as

at e n ç ã o !

Acreditamosquearadicalmudançanaabordagem

sobreoinfinitopromovidaporCantornofinaldo

séculoXIXpodesermelhordestacadacomuma

análisesobtrêsângulos,queinterpretamoscomo

trêspontosdevistasobreoinfinito:ohistórico,o

filosóficoeomatemático.

AULA 1 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica30

proposições.Evaialém,ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está

contido, em algum sentido, no sujeito.Machado(1994,p.22)esclareceque:

ParaLeibnizháduasclassesdeverdades:asverdadesdarazãoeasverdades

dosfatos.Asverdadesdarazãosãonecessáriasesuanegaçãonãofazsentido.

Anecessidadeseexprimeatravésdaanáliseedaconseqüentedecomposição

em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a

necessidadelógicasejatransparente.Oprincípioqueregulaaanáliseéoda

não-contradição,queenglobaodanãoidentidadeeodoterceiroexcluído.

Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os

postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é

impossível de sustentar sem incorrer em contradições(MACHADO,1994,p.23).As

verdadesdarazãoenunciamqueumacoisaénecessáriaeuniversal,nãopodendo

demodoalgumserdiferentedoqueéedecomoé.

Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É

inquestionávelqueotriângulonãopossuatrêsladosequeasomadosseusângulos

seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da

razãoéqueumcirculonãotenhatodosospontoseqüidistantesdocentro.Outra

verdade da razãoéquenãosepodecontradizeroque2+2sejadiferentede4;é

impossívelquestionarqueotodoémaiordoquesuaspartesconstituintes.

Asverdades de fato,poroutrolado,sãoasquedependemdenossaexperiência

captadanomundoemquevivemos.Defato,elassãoobtidasatravésdasensação,

dapercepçãoedamemória.Elassãoempíricasesereferemacoisasquepoderiam

serdiferentesdoquesão,maspodemosidentificarcausasquesejamassim.Quando

dizemosqueumarosaébranca,nadaimpedequeelapossaservermelhaouamarela,

masseelaébrancaéporquealgumacausaafezdestemodoeaparência.Masnão

éacidentaloucontingentequeelatenhacoreéa“cor”quepossuieenvolveuma

causanecessária.

Asverdadesdefatosãoverdadesporqueparaelasfuncionaeempregamos

o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que

percebemoseidentificamos,etudoaquiloquetemosexperiênciapossuiumacausa

determinadaeidentificáveleconhecida.Peloprincípiodarazãosuficiente–isto

é,peloconhecimentodascausas–todaaverdadedefatopodetornar-severdades

necessárias e seremconsideradasverdades da razão, aindaqueparaconhecê-las

dependamosdaexperiênciamundana.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 30 01/03/2016 11:28:18

31

Machado(1994,p.23)explicaaindaqueasverdades dos fatossãoproposições

empíricascujanegaçãonãoencontraóbicesdopontodevistalógico.É uma verdade

da razão que minha caneta é uma caneta ou que + =2 2 23 4 5 . É uma verdade de fato

que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre

de Pisa, cairá até o solo.Machado(1994,p.23)forneceumaimportantedistinção:

Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo simbólico,

foramelementosauxiliaresocasionais,Leibnizacreditavaquearepresentação

concretadopensamentoemsímbolosadequadosera,segundosuaspróprias

palavras,o“fiodeAriadne”queconduzamente.Eodesenvolvimentoqueele

imprimeàLógicadecorredoseupropósitodecriarummétododerepresentar

opensamentoatravésdesignos,decaracterísticasrelacionadascomoquese

estápensando.

Para concluir este tópico, destacamos

a figura emblemática da Imanuel Kant. Sua

proposta inicial consiste na distinção de duas

classesdeproposições.Asproposiçõessintéticas:

asquesãoempíricas,ouassintéticas a posteriori

easquenãosãoempíricas,ousintéticas a priori.

Asproposiçõessintéticasaposterioridependem,

segundo Kant, da experiência sensível, para

sua verificação, para sua validação e aceitação.

Ou ainda de modo indireto, uma vez que são

consequências de inferências proposicionais

passíveisdealgumaverificaçãoexperimental.

Por outro lado, Machado (1994, p. 24)

explicaque:

Já as proposições sintéticas a priori

não dependem da percepção sensorial

para suavalidação,nemsãoanalíticas,

isto é, nem a sua negação conduz

a contradições. São proposições

necessárias por constituírem a base, a

condiçãodepossibilidadedaciência,da

experiênciaobjetiva.

s a i b a m a i s !

Experiência sensível: Este termo possui dupla

raizetimológica.Apalavralatinaexperientiade

onde deriva a palavra experiência, é originária

daexpressãogrega.Deriva-setambémdeumuso

específicodapalavraempírico.

s a i b a m a i s !

Validação: Este termo aqui é empregado no

sentido restrito ao âmbito da investigação em

MatemáticaPura,assim,dizrespeitoàaplicação

de paradigmas de testagem e verificação da

confiabilidade dos conteúdos matemáticos

obtidos.

AULA 1 TÓPICO 3

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 31 01/03/2016 11:28:19

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica32

Para Kant, todas as proposições da

Matemática são sintéticas a priori. Machado

(1994, p. 25) explica este posicionamento ao

mencionarque:

Os objetos do mundo empírico situam-se no espaço

e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los,

investigá-los, percebê-los sensorialmente, sem uma

concepçãoinicialdoespaçoedotempo.Aestrutura

conceitual do par espaço-tempo é que determina

o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta

estruturação é, a uma só vez, sintética e a priori.

Ao descrever o tempo e o espaço, descrevemos não

impressões sensíveisdealgo situado foradenós,do

mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes,

invariantes, de tais conceitos, que existem em nós,

independentemente das impressões sensíveis e que

são a condição de possibilidade de atuar no mundo

empírico. E a matemática, enquanto se refere ao

espaço e ao tempo, é constituída de proposições

sintéticasapriorienãoanalíticas,comoanteriormente

eraconsiderada.

Paraconcluir,ressaltamosqueKantdestacouqueos

matemáticos são os indivíduos “eleitos” para desvendar os segredos do

harmônico universo platônico preexistente, de perquiridores de tal mundo

perfeito universo, ou de criadores de abstrações, de conceitos gerais para

explicaromundo,apartirdoimperfeitomaterialempírico(MACHADO,1994,

p.25).

Oprincipalmecanismodeacessoataisentesnãosedámaispormeiosdos

órgãossensoriais,esim,pormeiodarazãointrospectiva.

As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam

séculosmais tardeumaenormeatençãodematemáticos efilósofosmodernos.O

interessanteseráreservadoaumaanálisedaformacomotaisideologiasaindase

manifestamecondicionamasformasdeveiculaçãoeensinodosabermatemático.

Napróximaaula,discutiremosasimplicaçõesdestepensamentofilosóficoantigo.

s a i b a m a i s !

Para a Geometria, o espaço puro é um dos

primeiros pressupostos. A Geometria supõe o

espaço sob os seus conceitos de polígonos. Por

exemplo,alinharetaéadistânciamaiscurtaentre

doispontos(qualquerlinhareta=universalidade,

emquaisquercondições=necessidade).Embora

nãotenhaemsioprincípiodenãocontradição,

e dependa da intuição de espaço e, portanto é

sintética,essaafirmaçãoéconhecimentopuroou

aprioriporqueaintuiçãodoespaçoestáemnossa

mente.Eumavezconcebida,nãodependemais

daexperiênciasensívelcaptadapornossosórgãos

sensórios.

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33

AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O

1.PesquisarexemplosdeinfinitoatualeinfinitopotencialdentrodaMatemática.

2.Pesquisarexemplosdeverdadesdarazãoedeverdadesdosfatos.

3.Pesquisarexemplosdeconhecimentosquenãoderivamdaexperiênciaempírica.

AULA 1 TÓPICO 3

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34 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

AULA 2 Filosofia da Matemática

Nos próximos tópicos, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais

assumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das

implicações mais importantes diz respeito à identificação de distorções e

incongruências relacionadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem

à interpretação dos fenômenos relacionados a este ensino sob o viés de teorias

pedagógicas de campos de saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber

matemático. Assim, o conhecimento das correntes filosóficas da Matemática

poderá instrumentalizar o futuro professor no sentido de proporcionar uma leitura

filosófica de sua própria prática docente.

Objetivos

• Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da

teorização de Piaget e suas implicações para o ensino

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35

Nesta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da

Matemática. Alguns dos autores escolhidos e consultados ao

longodotextoasdenominamdecorrentesabsolutistas,pelofato

denãoconceberocaráterfalíveldosabermatemático.Umcomentáriointrodutório

sobre tais correntes podem ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando

esclareceque:

AsprincipaisconcepçõesarespeitodanaturezadaMatemática,desuarelação

com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos inúmeros filósofos

envolvidos,convergiramapartirdasegundametadedoséculoXIX,paratrês

grandes troncos. Estas três grandes correntes do pensamento matemático,

cadaumadasquaispretendendofundamentaraMatemática,suaprodução,

seuensino,sãooLogicismo,oFormalismoeoIntuicionismo.

Certamentequeaclassificação fornecidaporMachado (1994)édecaráter

esquemáticoepedagógico,umavezqueé impossível enquadrar de modo indiscutível

todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO,1994,p.26).Nocontexto

histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-se

desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl

FriedrichGauss(noséculoXVIII)eascontribuições,principalmenteosresultados

obtidosporGeorgCantor(noséculoXIX).

TÓPICO 1 As correntes filosóficas da matemáticaObjetivO

• Conhecerasprincipaiscorrentesabsolutistasda

Matemática

AULA 2 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica36

ATENTAR PARA ESPAÇO NO FIM DO ICONE (TENTAR MANTER SEMPRE ESSE MESMO ESPAÇAMENTO)

Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto,

estavam preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na

Teoria dos Conjuntos.Assim,comaintençãodeidentificarcritériosmaisrigorosos

econfiáveisnosentidodefundamentaraMatemática,desenvolveram-se três escolas

de filosofia, cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo

e o Formalismo (CURY,1994,p.53).

Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de

hoje, Cury faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento

comrespeitoàatividadeavaliativaemMatemática.Muitos tentamcompreender

edescreverestefenômenoespecíficopormeiodeteorias“importadas”deoutros

camposdosaber,oqueresultaemuma leitura

e significação de caráter retórico, pouco

operacionalnoquedizrespeitoàsuaaplicação

noensinoefetivodeMatemática.

Iniciamos nossa discussão com uma

reflexãodeRussell (1920,p. 18)quando alerta

que:

Matemáticae lógica,historicamente, têmsidoestudos inteiramentedistintos

[...]Masambostêmsedesenvolvidoemtemposmodernos;alógicatornou-se

maismatemáticaematemática tornou-semais lógica.Aconseqüênciaéque

agorasetornoucompletamenteimpossíveltraçarumalinhaentreosdois,na

verdadeosdoissãoumsó[..]Aprovadasuaidentidadeé,naturalmente,uma

questãodedetalhe.

No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha

divisória entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes,

como a de Bertrand Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que

introduzimos a polêmica em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns

aspectosrelacionadosaoLogicismo.ParafalardoLogicismo,énecessáriofalarde

GottlobFrege(1848-1925).

Silva(2007,p.127)acentuaquea estratégia logicista de Frege começa com uma

releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos

o lógico com o psicológico.Emsuaconcepção:

Arazãoésimples,representaçõessão“cópias”dascoisasemnossamente,elas

sãoobjetosmentais,equalquertentativadedefiniranaliticidadeemtermos

v o c ê s a b i a?

Bertrand Russell foi um matemático, filósofo,

lógicoehistoriadormatemáticoinglês.

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37AULA 2 TÓPICO 1

derepresentaçõesmentaiscorreoriscodesercontaminadapelopsicologismo.

ParaFrege,essadistinçãoentreoapriorieoposteriori,épuramentelógica

[...](SILVA,2007,p.127).

Notrechoacima,SilvaexpõeacríticadeFregeaoPsicologismoquemanifesta

preocupação com a interpretação que possamos dar às nossas representações

mentaisqueconstruímosnodecorrerdenossaexistênciafinitanomundo.

Seuposicionamento dovalordaLógica é identificadopor Silva (2007,p.

126-127)quandomenciona:

ApesardeconcordarcomKantquantoàGeometria,Fregeacreditavaquea

aritméticaéanalítica,porémemumsentidodeanaliticidadediferentedeKant.

Maisprecisamente,paraFrege,aaritméticaéredutívelàlógica,elanadamais

édoquepuralógica.Parafazerprevaleceressepontodevista,Fregeengajou-

senumalutasemquartelcontraasfilosofiasque,segundoele,comprometiam

ocaráterdaverdadearitméticaemparticularosempiristas,paraosquaisa

verdade aritmética é uma generalização da experiência, fundada em sólida

base indutiva; e os psicologistas, para os quais os números são entidades

mentais e asverdadesaritméticasdependemde leis empíricasque regulam

nossosprocessosmentais;istoé,leisdapsicologia.

Para Frege, uma proposição matemática pode apresentar duas naturezas

distintas.De fato, temosumaproposição analíticaquandoademonstraçãodesta

proposição envolve apenas leis lógicas gerais e definições formais. Se, pelo

contrário, qualquer demonstração de uma

proposição recorre ao emprego de verdades de

escopolimitado(comoosaxiomasdageometria),

ela será uma proposição sintética. Ademais,

quando a mesma proposição utiliza verdades

particulares,emboranãodemonstráveis(comoas

asserçõesqueexpressamosdadosimediatosdos

sentidos),elaseráumaproposição a posteriori.E

quandoem talproposiçãoobservamosque sua

demonstraçãosefundamentaemfatoseverdades

gerais,elaseráa priori (SILVA,2007,p.127).De

modoresumido,temosoquadrosistemáticode

classificaçãosegundoasconcepçõesdeFrege.

s a i b a m a i s !

O Empirismo é descrito e caracterizado pelo

conhecimentocientífico,asabedoriaéadquirida

por intermédio da apreensão perceptual, pela

origemdasideiasporondecaptamosepercebemos

ascoisas,demodoindependedeseusobjetivos

esignificados.Epelarelaçãodecausa-efeitopor

onde fixamos nossa mente, o que é percebido/

identificadoatribuiàpercepçãocausaseefeitos.

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica38

Proposições Características Quanto à demonstração

Proposição sintética

Empregaverdadesdeescopolimitadoparaassegurarsua

validade

Quandorecorreapenasaverdadesgerais(a priori)

Proposição analítica

Suaverificaçãoenvolveorecursodeleisgeraisda

lógicaedefiniçõesformais

Quandosefundamentaemverdadesparticulares,não

demonstráveis(a posteriori)

Quadro1:Propriedadesdasproposições(SILVA,2007,p.133)

Dando continuidade ao pensamento da corrente Logicista, encontramos o

matemáticoefilósofoBertrandRussell.Silva(2007,p.134)dizque Russell não foi

tão pessimista quanto Frege sobre o destino do programa logicista.Seupensamento

podesercontempladonoseguintetrecho:

A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais

familiares,podeserlevadoaefeitoemduasdireçõesopostas.Amaiscomum

éconstrutivista,nosentidodacomplexidadegradativamentecrescente:dos

inteirosparaasfrações,osnúmerosreais,osnúmeroscomplexos,daadição

e multiplicação para a diferenciação e integração e daí para a matemática

superior.Aoutradireção,queémenosfamiliar,avança,pelaanálise,paraa

abstraçãoe a simplicidade lógica sempremaiores; emvezde indagaroque

podeserdefinidoededuzidodaquiloqueseadmitaparacomeçar,indaga-se

que mais ideias e princípios gerais podem ser encontrados, em função dos

quaisoqueforaopontodepartidapossaserdefinidooudeduzido.Éofato

deseguiressadireçãoopostaéquecaracterizaaFilosofiadaMatemática,em

contrastecomumcomamatemática(RUSSELL,1981,p.9,apudSILVA,2007,

p.135).

Note-seque,notrechoacima,apesardeextenso,háespaçoparaainspiração

adequadaparanossadiscussão.Observamosadistinçãodotermoconstrutivismo

em Matemática. Russell faz indicações concretas a respeito da necessidade de

construçãoprogressivadosconceitosmatemáticos,passoapasso.Nestesentido,

destacaopapeldaabstraçãohumanacomoacapacidadeontológicadoindivíduo

que proporciona determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do

indivíduo.

Nessesentido,Russell(1981,p.9)salientaqueosantigosgeômetrasgregos

ao passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas

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39AULA 2 TÓPICO 1

quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e

postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Poroutro

lado,umavezatingidoosaxiomasepostulados,oseuempregodedutivo,como

testemunhamos em Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A

distinção entre matemática e filosofia da matemática depende do interesse que inspire

a pesquisa e da etapa por esta atingida e não das proposições às quais a investigação

esteja afetada(RUSSELL,1981,p.9).

Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que

deveriamsertomadoscomvigilânciapelospróprioslogicistas.Emsuaspalavras,

percebemosalgumadestasressalvas:

Umaveztodaamatemáticapuraetradicionalreduzidaàteoriadosnúmeros

naturais,opassoseguintenaanáliselógica,foireduziressaprópriateoriaao

menor conjunto de premissas e termos não definidos dos quais se pudesse

serderivada.EssetrabalhofoirealizadoporPeano.Elemostrouquetodaa

teoria dos números naturais podia ser derivada de três ideias primitivas e

cincoproposiçõesprimitivas,alémdaquelasdaLógicapura.Essastrêsideias

ecincoproposiçõestornaram-se,dessemodo,porassimdizer,asgarantiasde

todaamatemáticapura.Seu“peso”lógico,casosepossausartalexpressão,é

igualaodetodaasériedeciênciasdeduzidasdateoriadosnúmerosnaturais;a

verdadedascincoproposiçõesprimitivas,desdeque,naturalmente,nadahaja

deerrôneonoaparatológicotambémenvolvido(1981,p.12).

A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na

fundamental obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da

Aritméticae,deresto,todaaMatemática,dasleisdaLógicanormativaelementar.

Muito cedo, porém, a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos

de Leibniz, bem como os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa

(MACHADO, 1994, p. 27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes

objetivospropostospeloslogicistas:

a) todas asproposiçõesmatemáticaspodemser expressasna terminologia

lógica;

b)todasasproposiçõesmatemáticasverdadeirassãoexpressõesdeverdades

lógicas.

Cury(1994,p.54)mencionaquealgunsdoslogicistasmereceramdestaque,

comoRusselleWhitehead.Curychamaatençãoparao coroamento das pesquisas

de vários matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica40

o simbolismo exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell

intituladaPrincipia Mathematicamostramque,para os seus autores, a matemática

existe em um “céu platônico”, desligada dos problemas humanos.

Cury(1994,p.54)destaca,noentantoque:

[...]atentativadeRusselleWhiteheaddemostrarqueamatemáticaclássica

podeserreduzidaàLógicanãoestavacompleta.Paraevitarosparadoxoseas

críticasquesurgiamàsuaobra,Russelltevequeedificarateoriadostipose

assumiroaxiomadoinfinito,quenãotemcaráterlógicoestrito,poiséuma

hipótesesobreomundoreal.Assim,oprogramalogicistanãoteveêxitoem

suatentativadeasseguraravisãoabsolutistadamatemática.

Nofinaldesuavida,Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara

nos seus trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de

fundamentar a matemática (CURY,1994,p.54).Machado(1994,p.27)salientaque:

ALógicaelementarcontémregrasdequantificaçãoqueprovêemamatemática

deinstrumentaleficientequandosetratadefrasesondeestejabem-estabelecida

a caracterizaçãodo indivíduo edo atributo,distinção essaque sabemosde

raízes aristotélicas. Entretanto, ela não admite, sem enfrentar dificuldades,

regras de quantificação para expressões bem-formadas onde atributos são

tratadoscomo indivíduos.Assim, frasesdotipo“todosos indivíduos i têm

oatributoA”ou“existeumindivíduoiquetemoatributoA”nãooferecem

problemas;masfrasescomo“todososatributosAtêmoatributoB”ou“existe

umatributoAquetemoatributoB”conduziriamadificuldadeslógicas.

Machado(1994)discuteoParadoxodeRussell,queconsisteemumasituação

contraditóriadescobertaporBertrandRussellem1901equeprovaqueateoria

deconjuntosdeCantoreFregeécontraditória.ConsideramosentãooconjuntoM

comodefinido“conjuntodetodososconjuntosquenãosecontêmasiprópriocomo

membro.Empregandoanotaçãomatemática,escrevemosAéelementopertencente

deMse,esomentese,AnãoéelementodeA,ouseja, : { ; A A}M A= Ï .

NosistemaconcebidoporGeorgeCantor,Méumconjuntobemdefinido.A

questãoqueseapresentadizrespeitodapossibilidadedeMconter-seasimesmo?

Ora,seasrespostaésim,nãoémembrodeM,deacordocomadefinição

estabelecidahápouco.Poroutrolado,supondoqueMnãosecontémasimesmo,

temdesermembrodeM,deacordomaisumavezcomadefiniçãodeM.Destemodo,

asafirmações“MémembrodeM”e“MnãoémembrodeM”conduzemambas

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41

ainconsistênciasecontradições.JánosistemadevidoaFrege,Mcorrespondeao

conceitoenãorecainoconceitodesuadefinição.OsistemadeFregeconduzainda

aoutrascontradições.

Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal

paradoxoéexplicadoapartirdaLógicaedaTeoriadosConjuntos.Oparadoxo

envolveumaaldeiaonde,todososdiasumbarbeirofazabarbadetodososhomens

quenãosebarbeiamasipróprioseamaisninguém.Ora,talaldeiapodeexistir?

Oraciocínionosconduzaduaspossibilidades:i)seobarbeironãosebarbeiaasi

mesmo,entãoterádefazerabarbadesimesmo;(ii)seobarbeirosebarbearasi

mesmo,deacordocomaregraestabelecida,elenãopodesebarbearasimesmo.

Aregraanteriorcaracterizaumasituaçãoindecidível.Oparadoxocostuma

ser atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de

1901 elaborou este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e

inconsistentedateoriadosconjuntosestruturadaporCantor.Nãonosdeteremos

demodoaprofundadonestasquestõesqueexigemumconhecimentoaprofundado

delógicaenoçõeseprogramação.

Machado(1994,p.27)discuteoutroparadoxo:

Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros

(indivíduos).Diremosqueumcatálogoénormal(atributo)seelenãoseincluir

entreoslivrosquecita;seeleseincluir,seráanormal.Consideremos,agora,o

conjuntodetodososcatálogosnormaiseorganizemosocatálogodetodosos

catálogosnormais(indivíduo?).Estecatálogoseránormalouanormal?Seele

fornormal,elenãoseincluirá,pordefiniçãodesteatributoe,portanto,deverá

se incluir uma vez que é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo,

consequentemente,anormal.Seele foranormal,ele se incluiráe,portanto,

seránormal,umavezquesóincluiosnormais.Eagora?.

Por oposição de superação destes e outros entraves, identificamos na

históriaosurgimentodeoutracorrentefilosóficaque,emdeterminadosaspectos,

sustentavaasuperaçãodosentraves logicistas.Assim,observamososurgimento

doformalismo,umadascorrentesquemaisrepercutiunoensinodeMatemática

(CURY,1994).

SegundoErnest(1991,p.10),o formalismo é uma visão da matemática como

um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu

maior proponente foi David Hilbert.AcorrenteformalistateveemKantprofunda

inspiração, assimcomoemLeibniz,quena sua lógica fundouo logicismo.Para

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Kant,opapelquealógicadesempenhaésemelhanteaopapelemqualqueroutro

setordoconhecimento.Podemoscaracterizarumpressupostoformalistaapartir

dasconsideraçõesdeMachado(1994,p.29)quandoobservaquetalcorrente:

Consideraque,semdúvida,emmatemática,osteoremasdecorremdeaxiomas,

deacordocomasleisdalógica.Nega,noentanto,queosaxiomasconstituem

elesmesmosprincípioslógicosouconsequências,detaisprincípios.Admite,

isto sim, que eles sejam descritivos da estrutura dos dados da percepção

sensível,emparticular,doespaçoetempo.

Seumaior ícone foiDavidHilbert (1862—1943),ummatemático alemão

quecontribuiuamatemáticacomideaisinovadorasqueseespalharamemdiversas

áreas da matemática. Nasceu na cidade de Könisberg, atualmente Kaliningrado,

ondeteveseuperíododeestudosacadêmicosnaUniversidadedeKönisberg.No

anode1895foinomeadoparaauniversidadedeGöttingen,ondelecionouatésua

aposentadoria,em1930.DavidHilbertéfrequentementeconsideradocomoumdos

maioresmatemáticosdoséculoXXX,nonívelcomparadododeHenriPoincaré.

Devemosaelealistafamosade23problemas,algunsdosmesmossemsoluçãoaté

osdiasdehoje,queHilbertapresentouem1900noCongresso Internacionalde

MatemáticosemParis.

Hilbert adotou as ideias de Kant em seu ambicioso programa prático que

caracterizouoformalismo.Grossomodo,fundamentava-sedaseguinteforma:

a. A Matemática compreende descrições de objetos e construções

concretas,extra-lógicas;

b. Tais construções e estes objetos deve ser enlaçados em teorias formais em

que a Lógica é o instrumento fundamental;

c. O trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias

formais consistentes, cada vez mais abrangentes até que se alcance a

formalização completa da Matemática.(MACHADO,1994,p.29)

Maisadiante,Machado(1994)levantaasseguintesquestões:

•Emqueconsisteumateoriaformal?

•Aqueobjetosouconstruçõessereferemàsteoriasformais?

•Oquesignificaserumateoriaformalconsistente?

•Oquesignificaformalizaçãocompleta?

Machado (1994, p. 30) responde que uma teoria formal consta de termos

primitivos, regras de formação de fórmulas a partir delas, axiomas ou postulados,

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regras de inferências e teoremas.Demodoesquemático,vemosodiagramaproposto

naFigura1,emqueoautordescreveaorganizaçãoepistemológicadeumateoria.

Figura1:TeoriaformalsegundoMachado(1994,p.30)

Machado(1994,p.30)explicaodiagramaacimaaoesclarecerque:

Ostermosprimitivosdescrevemosobjetosconcretosdequetrataateoria.As

regrasdeformaçãodefórmulasorganizamodiscursoarespeitodestesobjetos,

distinguem as fórmulas bem-formadas das que carecem de significado. Os

axiomassãoasverdadesbásicas, iniciais,quedevemseapoiarnaevidência

empírica. As regras de inferência determinam as inferências legítimas e

distinguem,dentreasfórmulasbem-formadas,asqueconstituemosteoremas,

quesãoverdadesdemonstráveisapartirdosaxiomas,emúltimaanálise.

Como se sabe, o sistema formal elaborado por Euclides para a Geometria,

durantemaisdedoismilanos,permaneceusoberanocomodescritivodaestrutura

perceptualdoespaço.Tendocomo termosprimitivosasnoçõesdeponto, retae

plano,Euclidesenunciouoscincopostuladosparaestesistemaformal:

1P :Épossíveltraçarumalinharetadequalquerpontoaqualquerponto;

2P :Qualquersegmentoderetafinitopodeserprolongadoindefinidamente

paraconstituirumalinhareta;

3P :Dadosumpontoqualquereumadistânciaqualquer,pode-setraçarum

círculodecentronaquelepontoeraioigualàdistânciadada;

4P :Todososângulosretossãoiguaisentresi;

5P :Seumaretacortarduasoutrasdemodoqueosdoisângulosinterioresde

ummesmoladotenhamsomamenorquedoisângulosretos,entãoasduasoutras

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retassecruzarão,seprolongadasindefinidamente,doladodaprimeiraretaemque

seencontramosdoisânguloscitados.

Figura2:Interpretaçãodo5ºpostuladoeuclidianoporMachado(1994,p.31)

AindacomreferênciaaotrabalhoerigidoporEuclides,destacamosotrecho

interessantedotrabalhodeMachado(1993,p.103)quandoexplicaque:

Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco

princípios de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam

utilizadosemtodasasmatérias.Estesprincípioselechamoudeaxiomas:

1A :Duascoisasiguaisaumaterceiracoisasãoiguaisentresi;

2A :Separcelasiguaisforemsomadasaquantiasiguaisosresultadosobtidos

serãoiguais;

3A :Sequantiasiguaisforemsubtraídasdequantiasiguais,osrestosobtidos

serãoiguais;

4A :Coisasquecoincidemumascomasoutrassãoiguaisentresi;

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45

5A :Otodoémaiordoquecadaumadaspartes.

Machado(1994,p.32)sublinhaquea ideia subjacente à fixação dos postulados

e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a

partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados.Por

outrolado,umproblemaprofundodenaturezafilosóficadizrespeitoaocaráterde

“evidência”atribuídoaosaxiomasepostulados.Nestesentido,Machado(1994,p.

32)sublinhaque:

Aanálisedaafirmaçãodo5ºpostuladoperturbouamuitosmatemáticosdesde

o início, uma vez que ele parecia menos evidente que os demais, anômalo

em algum sentido que não era explicitamente percebido. Na verdade, o 5º

postuladopareciaumteoremacomoosinúmerosdemonstradosporEuclides

enão faltaramcandidatos,ao longodosséculos,a tentaremdemonstrá-loa

partirdosoutrosquatro.

Oproblemamaiorapontadonotrechoacimadizrespeitoaocaráternãotão

evidentedo5ºpostulado.Comoconsequênciadestecaráterdeincredibilidadee

faltadeconsensodacomunidade,não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a

tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro(MACHADO,1994,p.32).Comoessa

ideiasemostrouimpraticáveletratou-sedeumatarefanãotrivial,osesforçosse

modificaramnatentativadesubstituiçãodo5ºpostuladoporoutroenunciadode

naturezamaissimplesouevidente.Todavia, tais iniciativas mostraram que existem

muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o

sistema formal (Figura1)perca qualquer de seus teoremas (MACHADO,1994,p.32).

Apartirdaí,aHistóriadaMatemáticadescreveoadventodasGeometrias

Não Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades

que contrariam nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são

exploradas.Porexemplo,podemosrecordaroproblemaquedescrevequepartindo

de um ponto da Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km

para Norte, voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor

do urso?

Àprimeiravista,podemosimaginarqueestasituaçãoproblemanãopossui

soluçãoe,portanto,ocaçadornãoretornariaaopontodepartida,comomostrao

esquemadafigura3.Noentanto,nãopodemosesquecerofatodequeaTerranão

éumasuperfícieplana,mascurva.Assim,asoluçãoestáàvista:andando10Km

segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto

inicialdepartidaseiniciarsuacaminhadanoPóloNorte.Masenquantoaourso?

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ComahistóriatodasedesenvolvenoPóloNorte,sópodeserumursopolar

eporissoumursodecorbranca.Todaadificuldadenasoluçãodesteproblema

passapelofatodepensarmosnaGeometriasobreumplano.Note-sequedesdeo

séculopassado,comoaparecimentodeGeometriaNãoEuclidiana,surgeumanova

soluçãoparaesteproblema.

Figura3:Oproblemadoursopolarenvolvendonoçõesdegeometriasnãoeuclidianas

VamospensaraindaqueocaçadorestánoPóloSuleaTerrapossuicírculos

concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de

comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção

norte desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De

fato,ocaçadoranda10kmparaadireçãoSulechegaaessecirculo;emseguida

anda10kmparaadireçãoLesteedáumavoltacompleta;aoandar10kmparaa

direçãoNorte,retornaaomesmopontodeorigem.Nestanovasoluçãoestaaindao

urso,todavia,nãoexistemursosnoPóloSul.Sebemqueosursosnãotemrelação

algumacomaMatemática,tem?

NoséculoXVIII,omatemáticoitalianoSachierifezoutrotipodetentativa:em

vezdedemonstraro5ºpostuladodeEuclides,apartirdosdemaispostuladosoude

proporumsubstitutomaisevidente,ele investigou a independência deste postulado

em relação aos outros quatro (MACHADO,1994,p.33).Seuplanoédescritopor

Machado(1994,p.33)doseguintemodo:

[...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado,

para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante.

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Naturalmente ele [Sachieri] esperava, com este novo sistema, chegar a

absurdos,acontradiçõesquerevelassemanecessidadeformaldo5ºpostulado.

Noentanto,curiosamente,Sachierinãoobteveoqueesperava,nãodeparou

comnenhumainconsistência,tendo,istosim,demonstradomuitosresultados

considerados “estranhos” e que se caracterizariam, mais tarde, como os

teoremasdeumanovaGeometria.

Na sequência, exibimos a Figura 4, na qual visualizamos alguns dos

resultados emblemáticosdaGeometria euclidianaquepodemnão ser esperados

nas Geometrias não euclidianas, como a propriedade que diz que a soma dos

ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retosconformedemonstradapor

Euclides.

Figura4:Umtriângulonasgeometriasnãoeuclidianas

Assimcomoo formalismo, o intuicionismo tem raízes emKant eBrouwer.

Nestacorrentefilosófica,a intuição resultante da introspecção resulta em evidenciar

a verdade das proposições matemáticas e não a observação direta de objetos externos

(MACHADO,1994,p.39).Emrelaçãoaointuicionismo,encontramosnaliteratura

queessaescola:

[...]partedopressupostocontrárioaodos logicistas,poisconsideraquehá

algoerradocomamatemáticaclássica.Pensavam,então,osintuicionistas,em

reconstruí-ladesdeosalicercese,paraisso,sóaceitavamapartedamatemática

construídaapartirdosnúmerosnaturais(CURY,1994,p.55).

Machado(1994,p.39)esclareceque,paraosintuicionistas,aMatemáticaé

umaatividadetotalmenteautônoma,autossuficiente.A pretensão dos logicistas de

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reduzi-la à logica ou dos formalistas de alcançar uma formalização rigorosa resulta

em mal entendidos fundamentais sobre a natureza da matemática.ParaBrouwer,os

formalistasconcebiamaMatemáticacomoconstituídadeduaspartes:umconteúdo

específico,autônomoeumalinguagemquedependia,paraoseucrédito,daLógica.

Poroutrolado,opontodevistadointuicionismo,é:

[...]odequeamatemáticaéumaconstruçãodeentidadesabstratas,apartir

da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma redução à

linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização rigorosa em um

sistemadedutivo.Admitemosintuicionistasautilidadedossistemasformais,

masosconsideramprodutosacessóriosresultantesdeumaatividadeautônoma,

construtiva. E, com certo desprezo, atribuem à linguagem matemática uma

funçãoessencialmentepedagógica(MACHADO,1994,p.40).

Paraconcluirestaseção,destacamosqueestacorrentefilosóficasofreuvários

reveses, parte deles foram assentados em fatos matemáticos que aparentemente

resultavamdecontradiçõesemrelaçãoàsinformaçõesobtidasporintermédioda

intuiçãomatemática.Emoutrasaulas,nosdeteremosumpoucomaisnacompreensão

deumahabilidadecognitivaquechamamosdeintuição,equeproporcionauma

atitudefilosóficanaMatemática.Nopróximotópico,diferenciaremosetraçaremos

algumascríticasedistorçõesaoensinodeMatemáticaqueassumeopressuposto

construtivista.

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49

TÓPICO 2O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetianoObjetivO

• Conheceraspectosdo“construtivismo”matemáticoeos

fundamentosdateorizaçãodePiagetesuasimplicações

paraoensino

Nestaaulaabordaremosumapalavra recorrentementeexplorada

e aplicado em situações e domínio epistêmicos completamente

distintosdosquais efetivamente se originou.De fato, o termo

“construtivismo”seespalhoucomtantovigorquenaatualidadenãoseencontra

ninguém não se autodenomine um construtivista. O equívoco acadêmico diz

respeito ao desconhecimento de dois pressupostos filosóficos. O primeiro é o

construtivismo no seio da própria Matemática e o segundo, mais popularizado,

o construtivismo piagetiano. Para compreender-mos um pouco mais do primeiro

apontodedistingui-lodo segundo,destacamosMachado (1994,p.41)quando

comenta os principais elementos inconsistentes e que receberam críticas das

correntesabsolutistas da Matemáticadoseguintemodo:

O logicismo pretendeu fundar a matemática nas leis gerais do pensamento

semquenuncapenetrassenascaracterísticasespecíficas,nagênesedessasleis

lógicas.O formalismopregouqueos sistemas formais,queutilizavamessas

mesmasleis,constituiriamemsioobjetodamatemática,independentemente

desuas interpretações.Mas tambémnãodeugrandespassosnosentidode

investigar o mecanismo que possibilita a concordância, mais cedo ou mais

tarde, destes sistemas abstratos com o real através das interpretações. O

intuicionismo deixou em permanente penumbra a dinâmica das intuições

que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca

esclareceuomodocomosemesclavamasconcepçõesapriorisobreoespaçoe

otempoeasconstruçõesdosmatemáticos.

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De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima

Machadoapontademodoconsistenteospontosmaisdelicadosdascorrentesque

discutimosnaseçãoanterior.Ademais,Machado(1994)inserenestadiscussãoas

formulações de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna-

se imperioso compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à

Filosofia da Matemática,quesediferenciademodosubstancialdoconstrutivismo

piagetiano.

Neste sentido,Ernest (1991,p. 11)declaraqueoprograma construtivista

dizrespeitoà reconstrução do conhecimento matemático (e reformulação da prática

matemática). Seu objetivo caracterizou-se por

rejeitar argumentos não construtivistas, tais

como os argumentos de Cantor relacionados a

não enumerabilidade do conjunto dos números

reais,easleisdalógicarelacionadaaoPrincípio

do Terceiro Excluído. Os construtivistas da

Matemática mais conhecidos foram Brouwer

e Arend Heyting (1898-1980) que foi um

matemático holandês. Ademais variadas

dimensões do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST,1991,p.11).

EstacorrentefilosóficareúnematemáticosqueacreditamqueaMatemática

clássicanecessitaserreconstruídaapartirdemétodoseraciocínioadequado.Os

construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes

da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST,

1991,p.11).

Ernest (1991,p.12)explicaque,considerandoaclássicademonstraçãode

existênciamatemáticaemdemonstrações,deve-sedemodosimilardemonstrara

necessidadelógicadaexistência,e uma prova construtiva da existência pode mostrar

como construir o objeto matemático cuja existência é defendida.Poroutro lado,os

construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de

problemas clássicos de matemática (ERNEST,1991,p.12).

Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas,

a perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se

inconsistenteemrelaçãoaalgunsresultadosdaMatemáticaclássica.Comrespeito

aestatendênciaverificada,Jairo(2007,p.143)esclarece:

at e n ç ã o !

O princípio do Terceiro Excluído diz que uma

proposiçãopodeserverdadeirasenãoforfalsae

sópodeserfalsasenãoforverdadeira.

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51

Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente construtivos

da matemática grega, o construtivismo remonta à Antiguidade Clássica.

Mascomoumafilosofiadamatemática,emparticularumaontologiaeuma

epistemologia, ele é mais moderno; Kepler foi talvez o primeiro a dizer

explicitamentequeumafigurageométricanãoconstruídanãoexiste.Maso

pioneironaelaboraçãodeumafilosofiaconstrutivistadamatemáticafoiKant

e,deummodooudeoutro, todososfilósofosdamatemáticadeorientação

construtivistasãoseusherdeiros.

Kantnãohesitouemnegarcomomatemáticatudoaquiloquenãofosseatual

ou potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números

negativos foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são

pseudonúmeros, por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA,2007,p.143).

No entanto, foi no final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o

construtivismoganhoumaiorvigornacomunidadedematemáticos.Jairo(2007,p.

145)comentaaindaque:

Construtivistas,comoPoincaréeBrouwer,preferiamdeixarDeusea lógica

para apelarpara a intuiçãohumana.Eles acreditavamque éno interiorda

consciênciahumanaesuasvivênciasqueosnúmerosnaturaisseconstituem

esuasverdadesse fundamentam.Nãohá, segundoeles,comodefiniresses

números em termos mais elementares. Poincaré, além de ridicularizar todo

o projeto logicista, criticou, como mencionamos há pouco, as tentativas de

Dedekind de definir o conceito de número natural. São esses os herdeiros

legítimosdeKant.

Até o momento já dispomos de elementos teóricos que nos permitirão

comparar o construtivismo piagetiano com o construtivismo na Matemática.

Provavelmente o que ambos possuem de comum é a identificação de elementos

essenciaispertencentesàcogniçãohumanaqueprecisamserativadoseestimulados

de modo conveniente (MAIO, 2002) para que possamos esperar uma razoável

aprendizagem.Oconstrutivismo piagetianoapresentaváriasdistorçõesnocontexto

deensinoaprendizagem,apesardeseuspressupostosiniciaisindicaremelementos

diferenciadosdenaturezaepistemológicaefilosófica.

SeuprincipalexpoentefoiJeanPiaget(1896-1980),quesempremanifestou

profundasinspiraçõesnoconhecimentomatemático.Paraele,assoluçõesclássicas

doproblemadarelaçãodaMatemáticacomarealidadeseencerravamnodilema:ou

a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída

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a partir de construções abstratas que emergem da realidade (MACHADO,1994,p.

42).Machado(1994,p.42)explicaodilemapiagetianoressaltando:

Em outras palavras, as soluções clássicas do problema da relação da

matemática com a realidade se encerram no dilema: ou a matemática se

impõe,apriori,àrealidadeempírica,ouamatemáticaéconstruídaapartir

deconstruçõesabstratasqueemergemdestarealidade.Emoutraspalavras,as

soluçõescaracterizamouumaproeminênciadosujeitodoconhecimentoou

umaproeminênciadoobjetodoconhecimento,permanecendopresasaesta

dicotomia.

Piaget, diferentemente de muitos pontos de vista passados, propôs que a

relaçãodaMatemática coma realidadenãopossa se fundarno sujeitopensante

(apriorismo) e nem apenas no objeto pensado (empirismo), mas numa interação

intensaentre sujeitoeobjeto.Todavia,nãopodemosdestacarestaatitudecomo

original,afinal todas as soluções anteriores, poderiam, pelo menos enquanto discurso,

se pretender captando tal interação(MACHADO,1994,p.42).

Machado(1994,p.42)acrescentaque:

AoriginalidadedaposiçãodePiagetconsistenasituaçãodainteraçãosujeito-

objetono interiordosujeito.Porestavia,elege,naturalmente,aPsicologia

comoseufundamentalinstrumentoparaasexplicitaçõesdestainteração.Não

umapsicologiaqualquer,masaPsicologiaGenética[...].

A utilização da Matemática em todos os seus estudos é muito marcante.

Observamosarelevânciadessaáreadoconhecimento,apartirdasprópriaspalavras

dePiaget,quecaracterizaosobjetivosdeumapesquisaaomencionarque:

Oobjetivodestanotanãosetratadeelaborarumnovoprocedimentodecálculo

logístico,masunicamentedepesquisarseasoperaçõesdeadiçãoesubtração,

própriasdaÁlgebraedaLógica,sãosuscetíveis,umavezcolocadassobforma

deigualdade,defabricarumverdadeirogrupo.Aúnicanovidade,doponto

devistadocálculológico,édetergeneralizadoaoperaçãoinversadaadição:

a“subtraçãológica”,interpretandooqueoslogicistachamamde“negação”

(PIAGET,1937,p.99,traduçãonossa.)

Noexcertoacima,identificamosovocábuloconhecidonaMatemáticacomo

“grupo”.Maisadiantenomesmoartigo,opróprioJeanPiagetdiscutepropriedades

especificasrelacionadascomanoçãodegrupoquandomenciona:

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53

Cremos ter encontrado analogias de

estruturasdoqueconcerneacomposição,

a associatividade e inversas. Quanto

à operação idêntica, uma diferença

fundamental se opõe ao grupo lógico

com respeito aos grupos aritméticos:

cada igualdade desempenha um papel

idêntico com respeito à igualdade de

ordem inferior. Esta oposição, que se

relaciona com respeito ao bloqueio de

classesumassobreasoutrasnaausência

deinteraçãonalógicamostraquemuito

diferentepossívelentreosdoistiposde

grupos, e destacamos outras (PIAGET,

1937,p.100,traduçãonossa).

Épatente o emprego constantedePiaget

de estruturas matemáticas para a descrição/

compreensãodeváriasoperaçõescognitivasdepensamentodacriança.Parece-nos

umpontodevistabastanteequivocadotentarapresentarateoriaelaboradaporeste

pensadoraofuturoprofessordeMatemáticasemfalar/relacioná-lacomaprópria

Matemática. Neste sentido, destacamos um trecho de um artigo de Jean Piaget

relacionadocomasrelaçõesdeigualdadealgébricaestabelecidaspelacriança.

Paraconcluir,Machado(1994,p.43)destacaasprofundaspreocupaçõesde

PiagetcomaMatemáticaaodeclararque:

at e n ç ã o !

Em Matemática o conceito de Grupo é dado

como um conjunto de elementos associados

a uma operação que combina dois elementos

quaisquerparaformarumterceiroelementoPara

sequalificarumgrupo,oconjuntoeaoperação

devemsatisfazeralgumascondiçõeschamadasde

axiomasdegrupo:associatividade,identidadee

existênciadeelementos inversos.Aubiquidade

dosgruposeminúmerasáreas–dentroeforada

matemática–ostornamumprincípiocentralnas

ciências.

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Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna Psicologia,

científicaeobjetiva.Elepretendeque,emsuaorigem,asoperações lógico-

matemáticas procedam diretamente das ações mais gerais que podemos

exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas consistem em estabelecer

correspondênciascontar,reunir,associar,dissociar,ordenar,etc.Agênesedas

operaçõeslógico-matemáticasdeveserbuscada,segundoele,nesteaspectode

atividadecoordenadoradasaçõesfísicasmaiselementares.

Destemodo,aperspectivafilosóficadePiagetpodeserdescritadoseguinte

modo,noquedizrespeitoaodesenvolvimentodaMatemática:

1)osentesmatemáticosoriginam-sedacoordenaçãodasaçõesfísicasmais

geraisqueosujeitoexercesobreoobjeto;

2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto,

entretanto,conservamopoderdereuniremaoobjeto,dese reencontraremcom

arealidadeimediataemtodososníveis,dedizeremrespeitoàrealidade,pormais

altoquesejaovôoalcançado.

Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem

filosófica:

a)Como,apesardesteafastamentodarealidade,opensamentomatemático

seguefecundo?

b)Oquepossibilitaesteconstanteacordocomarealidade?Qualacondição

depossibilidadedetalcompatibilidade?

Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o

pensamento matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às

coordenadas gerais da ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud

MACHADO,1994,p.44).Assim,algunsdeseuspressupostosenvolvemaintenção

de explicar as operações de composição das ações básicas em novas ações mais

complexasqueseestabelecemesesobrepõemàsanteriores,nadependênciadeum

caráterdeoperacionalidade.

Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas

matemáticasseformamapartirdoobjetoisolado.Paraele,opensamentomatemático

emrelaçãoàrealidadefísica:

Écriaçãoeagregaaelaemlugardeabstrairalgooudeextrairsuamatéria...

antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes

proporcionamarcosantesqueaidéiadetaisexperiênciashajagerminadono

pensamento(PIAGET,1978,apud,MACHADO,1994,p.44).

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55

NaFigura5 abaixo,descrevemosas relaçõesquepodemser estabelecidas

entreosujeitodoconhecimento(indivíduo)eumobjetomatemático.Note-seque

váriospensadoresdiscutemasformas(dimensãofilosófica)emaneirasdaocorrência

deumfenômeno(dimensãocognitiva)queconhecemosporabstraçãomatemática,

que,depoisdaperspectivapiagetiana,passouasermelhorcompreendido.

Figura5:Relaçõesestabelecidasentresujeitoeobjetomatemáticodianteàrealidade

Machado(1994,p.46)exaltaopontodevistaoriginalpiagetianoquando

declaraque:

O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve como

conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu trabalho da

práticadocenteoqueconduziuadiversas tentativasde fundamentaçãode

uma didática para a matemática. Entretanto, o superdimensionamento da

componente psicológica da atividade didática, em detrimento de outros

fatores,frequentementemaisproeminentes,éumdadoquecomprometetais

tentativas, por não ser circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da

visãopiagetianadarelaçãodamatemáticacomarealidade.

Para concluir esta aula, destacamos que, no ambiente da formação de

professores,muitosefalaarespeitodoconstrutivismo piagetianoenadasecomenta

ousediscutearespeitodoconstrutivismo na Matemática.Comrelaçãoaestefatoé

necessárioestabeleceralgunspontosdevigilância.

Comrelaçãoaoprimeiroponto,evidenciamoscompreocupaçãoodiscurso

retóricoarespeitodoconstrutivismo piagetianonoambientedeformação,todavia,

comovimosemalgunsexemplos,PiagetapoioufortementesuateorianaMatemática

edesenvolveuraciocíniometafóricoseanalogiasentreasoperaçõescognitivaseas

AULA 2 TÓPICO 2

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica56

estruturasalgébricas matemáticas(MAIO,2002).Dessemodo,semdispordeuma

formaçãorazoávelemMatemática.nãosepodeesperarcompreenderPiaget.

Ademais,aspessoascostumamvalorizarafacevisíveldaMatemática,eneste

sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade

realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos

tambémomodelológico-matemáticoqueresidenestasaplicações,alias,observamos

com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em

nadaacrescentamaoconhecimentodofuturoprofessordeMatemática.

Osegundopontoquerequervigilânciaserefereànecessidadedeadquirirmos

um “olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários

exemplos de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando

vislumbradopormeiodeumaperspectivafilosófica,emboraodomíniodoconteúdo

sejaaindaumacondiçãoimprescindívelparaestavisãofilosófica.

Oterceiropontoquerequervigilânciaserelacionacomosdesdobramentos

econsequênciasdascorrentes filosóficas(formalismo, logicismo e intuicionismo)que

discutimosnas seçõesanteriores.Veremosquealgumasdelasmostraram-semais

marcantesdoqueoutraseconseguiramumespaçomaiordeinfluência,tantono

quedizrespeitoàatitudedoprofessor,quantoaoquepodeserrelacionadoàsua

práxisemsaladeaula.Algumasdestas“distorções”e“incongruências”noensino

deMatemáticasãodeterminadas,emmaioroumenorparte,poralgumasdessas

correntesfilosóficas.Nesseponto,identificamosumdiscursoacadêmico,ancorado

em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria

Matemática,todaviaempregadosdemodoinadequadoesuperficialparaexplicar/

significar/compreenderasdistorçõesnoensinodestaciência.

Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes

filosóficas absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos,

discutimoso construtivismonaMatemática eodistinguimosdoconstrutivismo

de Piaget. Com relação a um observador mais atento, as consequências destas

tendências podem ser observadas no ambiente escolar em nossos dias e não

podemserconfundidascommovimentospedagógicosinerentesàsoutrasáreasdo

conhecimento.

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57

Na aula passada, estudamos as correntes absolutistas da Matemática,

conhecidas como formalismo, logicismo e intuicionismo. Nesta aula, mostraremos

outras correntes filosóficas que, embora tenham apresentado uma origem não

necessariamente no seio da Matemática, influenciaram diretamente os matemáticos

de vários séculos passados. Duas delas serão destacadas, o nominalismo e o

essencialismo. O interessante será a compreensão da práxis do professor que

pode se enquadrar numa destas correntes filosóficas.

Objetivos

• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às definições matemáticas• Identificar as influências das correntes filosóficas no ensino atual de

Matemática• Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao

ensino

AULA 3 Arquimedes e a Noção de Demonstração

AULA 3

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58 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 1 Sobre a natureza das definições matemáticasObjetivO

• Reconhecerosaspectosfilosóficosrelacionadosàs

definiçõesmatemáticas

Nestaaulaabordaremosaspectosespecíficosrelacionadosaoensino

da Matemática. Fatores que para um observador descuidado

podem parecer naturais e de caráter neutro, todavia, recebem

aindainfluenciadascorrentesfilosóficas.

Assim, recordamos que uma das dificuldades que os alunos enfrentam

noestudodaMatemáticadiz respeitoà exigênciadasoperaçõesdepensamento

realizadas sobre objetos conceituais idealizados, as quais, em muitos casos, são

regidasporpropriedadesextraídasdasdemonstrações.Partedestescondicionantes

éindicadaporMaroger(1908,p.67)aodeclararque:

Nãoésuficienteconhecerosprimeirosprincípiosdaespeculaçãomatemática

e a natureza das demonstrações, é necessário também preocupar-se com as

noções,osobjetosdopensamentoqueformamamatériadoraciocínio.Estes

objetosmatemáticossãocriadospormeiodasdefinições.

As definições matemáticas, como Maroger explica, assumem um papel

essencialparaacompreensãodosobjetosdaMatemática.Enãosepodeperderde

vistaqueacompreensãodetaisobjetosdependedoseucarátersintático,semântico

edaspropriedadesintrínsecascondicionadaspelassuasregrasformaisexplicitadas

a priori ou a posteriori, com referência ao momento do estabelecimento de suas

respectivasdefiniçõesformaisdentrodeumateoria.

Em muitos casos, teoremas, corolários e regras caracterizarão o modo de

manipular,calcular,empregare,demodoessencial,decompreendereraciocinar

comdeterminadosobjetos.Umadefiniçãomatemáticacondicionaumadeterminada

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59AULA 3 TÓPICO 1

manipulação e/ou operação mental. De fato,

Maroger (1908, p. 67) explica que a definição

tem precisamente por objetivo assegurar uma

especificação semelhante, de fornecer uma

realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico

da palavra, a um objeto do pensamento.

Quando definimos axiomaticamente um

objeto matemático ou realizamos formalmente

a sua construção, adquirimos a possibilidade

de distinguir/diferenciar este objeto definido

dos demais. Adquirimos a possibilidade de

raciocinar e conjecturar sobre tal objeto, que

agorapassaaserumobjetodenossopensamento,

denossareflexão.Nestesentido,Buffet(2003,p.

20)recordaqueD´Alembertatribuíaimportânciaàsdefiniçõespois elas abreviam

o discurso, e a inexatitude de uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira

significação da palavra.Poroutrolado,emMatemática,nãosepodeperderdevista

queestamosnumaespéciedecamisadeforça,dentrodeumsistemateóricoformal.

Assim,seuusoconstanteatodoomomentoéexigido.

Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as

propriedadespreviamenteexistentesaoobjetodefinido.Acrescentamosqueuma

única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição:

que esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja

possível (MAROGER,1908,p.67).

Marogeradvertequeacriação/estabelecimentodeumadefinição matemática,

por um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à

liberdadedeumpoeta.Elaestacondicionadaeamarradaaosistemateóricoemque

determinadoobjeto matemáticoédefinido.Porexemplo,quandonosreferimosao

Cálculo Diferencial e Integral,estamossujeitosadeterminadasregrasparticulares

quesediferenciamdasregraspeculiaresàÁlgebrabaseadaemmodelosfinitos.

Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do

seguintemodo:Todososobjetos,todasasnoções

deespeculaçãomatemática,podemserdefinidos?

Dito de outro modo, não existem noções que

sabemos caracterizar o mais claro possível e

que,portanto,podempermanecer indefiníveis,

de forma rigorosa? Maroger acrescenta que,

depois de Pascal, não se pode mais conceber tal

idéia (1908, p. 68), uma vez que Blaise Pascal

s a i b a m a i s !

Blaise Pascal foi um matemático francês que

contribuiu para a sistematização do método

científicoeapesquisaemMatemática.

s a i b a m a i s !

Heráclito, filósofo grego que viveu há cerca de

600a.C.,afirmavaqueomundosecaracterizava

pela mudança e que tudo mudava. O rio que

observamosmudaacadainstante,poisaságuas

quecorremnuncasãoasmesmas.Paraele,aúnica

constantedomundoquehabitamoséamudança.

Estepensamentotornou-secélebrecomometáfora

damudança.

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica60

(1623-1662) foi um matemático que se destacou, entre outros motivos, pela sua

preocupaçãodemasiadacomopapeldasdefiniçõesemMatemática.

Comointuitodeenriquecernossadiscussãoeextrairalgumasimplicações

relacionadasaosobjetosdaMatemática,adotamosprovisoriamenteasdistinções

assumidasporMaroger.Assim,diremosresumidamentequeexistemdoistiposde

definições matemáticas.Asaber:

Definições matemáticasquenecessitamdaspropriedadescaracterísticasdo

objetomatemáticodefinido,asquaispodemosdemonstrarsuaexistência;

Definições matemáticasqueprescindemdoobjetodefinido,semdemonstrar

suaexistência.

Maroger assinala que a diferença entre as duas caracterizações remonta

a episódios sobre a história do pensamento matemático e acrescenta ainda que

as definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto a segunda somente

caracteriza-o e são chamadas apenas por caracterizações. Resumidamente, as

definições, de fato, são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de:

definições reais, causais, por generação ou genéticas.

Veremosquenoprimeirocaso,emqueasdefiniçõesrequeremaverificação

do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo de compreensão, nas

situaçõesordináriasdoseuensino.Poroutrolado,umaspectomencionadopelo

autoréqueumadefiniçãoéamelhorpossível,quando podemos legitimá-la de uma

forma mais simples possível (MAROGER,1908,p.71).

Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma

única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER,1908,p.71).

Assim,dependendodenossosobjetivos,nocasodomatemáticoprofissionalsão

investigativos,mas, também,podemserobjetivoscomvistasaoensino, temosa

possibilidadedeescolheradefiniçãoquemelhornosapraze/ouadefiniçãoque

proporcionamelhorescondiçõesaoentendimento.

O matemático Jules-Henri Poincaré

(1854-1912) manifesta em sua obra profunda

preocupaçãocomacompreensãoeentendimento

dos iniciantes. Dentre os vários aspectos que

foram objeto de análise por parte de Poincaré

(1904), destacam-se suas preocupações

relacionadasàintuição matemática easdefinições

matemáticas. Poincaré questiona sobre o papel

das demonstrações em Matemática, interroga

se a compreensão de uma demonstração de um

teorema se limita a examinar sucessivamente cada silogismoe constatarque são

corretos.Perguntaaindaseno caso de compreendermos uma definição matemática,

se seria suficiente constatar que não se obteria uma contradição com o seu emprego

v o c ê s a b i a?

HenriPoincaréfoiconsideradopormuitoscomo

um matemático universal. Com trabalhos nas

áreasdeMatemáticaeFísicaTeórica.

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61

(POINCARÉ,1904,p.258).

Maisadianteelesublinhaque,para cada palavra, é necessário se acrescentar

uma imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem

e que a cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta

condição ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ,1904,p.259).

Poincaréquestionaaposiçãotradicionaldeseuscontemporâneosaodeclarar

queparacompreender as propriedades que geraram uma definição, é necessário apelar

à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas seriam perfeitamente rigorosos,

mas perfeitamente inúteis (POINCARÉ,1904,p.263).Entretanto,comoencontrar

umenunciadoconcisoquesatisfaçaaomesmotempoasregrasdalógicaeaonosso

desejodecompreenderolocalnovodeumanoçãodentrodaciênciamatemática,e

anecessidadedepensarpormeiodeimagens?

Poincaré destaca a importância do

raciocínio intuitivo na produção das definições

matemáticas que não podem ser meramente

arbitráriasebaseadaspuramenteemargumentos

lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das

definições matemáticas,comodemonstrouLouis

Liard, são verdadeiras construções edificadas

sobre noções mais simples (POINCARÉ,1904,p.

268).

Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions

empiriques, LouisLiard (1846-1917)desenvolveumaprofunda reflexão sobreos

elementos essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início

do seu trabalho, o referido autor explica que descrevemos as representações e

definimosasideias.Descreveré determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é

determinar a circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição

por meio de essência (LIARD,1873,p.7).

Liarddiscuteaorigemdasnoçõesgeométricasquederivamdaexperiência,

comopodemosobservarnoseguintetrecho:

Emtodafiguraexistemelementos,osquaissepodemencontrarsuaorigemna

experiência,asaber:oconteúdo,olimiteeaformadoconteúdo,aexterioridade

dafiguracomrespeitoaopensamento.Umteoremaenunciaa relaçãoentre

uma figura e uma propriedade geométrica; a definição nos faz conhecer a

essênciadeumaformadeterminada.Quandodizemosqueadefiniçãoéuma

generalização de nossa experiência, queremos dizer generalização entre as

noçõesquecompreendemafiguraesuaforma(LIARD,1873,p.31)

Talvezomatemáticomaisfamosopelacriaçãode“boas”notaçõestenhasido,

v o c ê s a b i a?

Louis Liard foi Professor da École Normal de

Paris,lecionavaFilosofiaeLetras.Foidiretordo

ensinosuperioremumministériofrancês.

AULA 3 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica62

segundoCajori(1929,p.181),G.W.Leibniz.Numdeseusmanuscritos,comentados

porCouturat(1901,p.86),FlorianCajoriesclarecequeos algarismos árabes possuem

sobre os algarismos romanos a vantagem de melhor expressar a “gênese” dos números,

e em seguida sua definição, de sorte que sejam mais cômodos, não somente pela forma

de escrevê-los, mas também pelo cálculo mental.CajorirecordaqueLeibnizmostrou

aimportânciaatribuídaaossignoseascondiçõesdesuautilidade.

AinvençãodoCálculo Infinitesimalprocededapesquisadesímbolososmais

apropriados (COUTURAT, 1901, p 87). O matemático confirma a perspectiva de

Leibnizsobreaimportânciacapitaleaproficuidadevantajosadeumsímbolobem

escolhido.Veremosagoradequemaneiraanotaçãorelacionadaaumadefiniçãopode

interferirdiretamentenaaprendizagemenoensinodoCálculoquandonosatemos

aumaanálisepormenorizadadenaturezafilosófica.Porexemplo,jácomentamos

emtextospassadosqueCauchyeD´Alembertgrafavamosímbolodelimitescomo

( )Limf x ,enquantoemnotaçãomodernaoslivrosadotamanotação lim ( )x a f x® .

Avertentefilosóficaessencialistaexaltavaadimensãoconstrutivadosobjetos

matemáticos. Aristóteles, por exemplo, se refere às definições matemáticas como

uma espécie de discurso, que deve exprimir a essência das coisas. Em sua tese,

Buffet(2003,p.29),valendo-sedaspalavrasdeAristóteles,ilustraassimseuponto

devista:Para conhecer a essência, é necessário encontrar o gênero ao qual pertence à

coisa e seu tratamento particular que diferencia esta coisa das outras.

Observandoesteúltimoexcerto,quandoanalisamosumobjetocujanatureza

é essencialmente algébrica, identificamosaspectosquenão semostramausentes

em relação a outro objeto de natureza essencialmente geométrica. Em relação a

estaúltimacategoriadeobjetos,Bonnel(1870,p.28)apontacomoumaqualidade

essencialdeumadefinição geométrica équeafigura,quedeveserdefinida,seja

possível. E acrescenta que, para demonstrar que uma construção é possível, é

suficiente explicitar o meio de executá-la.NaFigura1,destacamosalgunselementos

relacionadosaoensino.

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63

Figura1:RelaçõesidentificadasnoensinodeMatemática(elaboraçãoprópria).

Comoconsequênciadadiscussãoanterior,perspectivamosduasviaspossíveis

deseremadotadasnoensino.Naprimeiravia,oprofessordeMatemáticaapresenta

umapreocupaçãomaioremdiscutirosprincipaisaspectosepropriedades(essência)

de um objeto matemático particular, só então passará a discutir as condições

epistemológicas que propiciam assegurar a existência e unicidade do objeto. Na

segundavia,aparentementeamaiorpreocupaçãodoprofessorresideemassegurar

aexistênciadeumobjeto,mesmoquepossaounãocontarcomacompreensãodos

seusestudantes.Emseguida,oprofessorpassaapreocupar-secomaessênciado

objeto.

Nota-seque,no ensino acadêmico, identificamos,namaioriados casos, a

predominância da segunda trajetória. De fato, aparentemente, para o professor

dolocus acadêmico,émais“cômodo”oueficiente,explorar existência essência® .

Entretanto, vale recordar que os alunos deste nível de ensino possuem uma

flexibilidade cognitiva bem mais elaborada do que estudantes comuns do nível

escolar.

Lima(2004,p.44)fazumareflexãointeressantequandocomenta:

Isto explica (embora não justifique) a definição dada no dicionário mais

vendidodopaís.Emalgumassituações,ocorrememmatemáticadefiniçõesdo

tiposeguinte:umvetoréoconjuntodetodosossegmentosderetadoplano

quesãoeqüipolentesaumsegmentodado. (definiçãoporabstração).Nessa

mesmaveia,poder-se-iatentardizerque:“numerocardinaldeumconjuntoé

oconjuntodetodososconjuntosequivalentesaesseconjunto”.

Ademais, parece-nos importante lembrar que a atividade demonstrativa,

sejaelaauxiliadaporumaconstruçãogeométricaounão,seestabeleceeadquireo

caráterdevalidadedentrodeumsistema simbólico.Couturat(1901,p.88),porsua

vez,comentouqueparaLeibniztais sistemas devem ser concisos: eles são destinados

a abreviar o trabalho do espírito, condensando qualquer tipo de raciocínio.Apartir

daí,vemosautilidadeouanecessidadeemMatemática,naqualosteoremassão,

segundoaexpressãofrancesadeCouturat(1901,p.88),“abregés de pensée”.

Leibniz,citadoporCouturat(1901,p.89)forneceuumaprofundareflexão

quenãopodeseresquecidapeloprofessordeMatemáticaquandosublinhouquea

fracacapacidadedoespíritonãopodeabrangerenemserexpostoaomesmotempo

alémdoqueumpequenonúmerodeideias,nemefetuardeumaúnicavezmaisdo

queumadeduçãoimediataesimples.

Omatemáticoalemãodesenvolveuumaverdadeirateoriadadefinição,pois

osúnicosprincípiosprimeirosparaLeibnizsãoasdefinições.Umademonstração,

AULA 3 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica64

paraele,parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar,

duas outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições

(l´art de combiner les définitions)(BUFFET,2003,p.31).

Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o

papel das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como

uma consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que

o professor de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e

osaspectosnegativos,comrelaçãoaoentendimentodosestudantes,vinculadosà

naturezadeumadefinição matemática.Oudeoutraforma,existemdefiniçõesmais

adaptadasaoensinodoqueoutras?Existemdefinições matemáticas formaismais

intuitivasdoqueoutras?Noqueserefereàcaracterizaçãológicadeumadefinição,

qualamelhoremaisacessívelaoentendimentodosaprendizes?

Questionamentosdestanaturezasãoincongruentescomteoriasgeneralistas

paraoensino.Poroutrolado,quandoassumimosdesdeoinícioaimportânciado

estudodafilosofiaprópriadaMatemática,nosinstrumentalizamoscommecanismos

mais precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de

práticasdoprofessordeMatemática.Vejamosumexemplonoqualevidenciamos

dequemodoanaturezadeumadefiniçãomatemáticapodeintervirdiretamenteno

ensinodeMatemática.

Noensinoordinário,osestudantesaprendemoconceitoesãoapresentados

à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação :f A B® ,

de modo que (i) , , com x y f(x) f(y)x y A" Î ¹ ® ¹ ; (ii) ( )f A B= . A primeira é

conhecidacomoinjetividadeeasegundapropriedadedizrespeitoàsobrejetividade.

Poroutrolado,dopontodevistadalógica,temosoutraformulaçãoequivalente

aquedescrevemosem(i),declarandoque:(iii) ,x y A" Î ,se ( ) ( )f x f y x y= ® = .

Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua

contrarrecíproca.Esabemosque ( ) ~ ~ (contra-recíproca)p q direta q p® Û ® .

O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade

dafunção :f A B® émaisviávelparaoensinodoqueaoutra.?Qualdasduas

definiçõesenvolveumamelhorinterpretaçãogeométrica?

Porexemplo, seconsideramosadefinição (i),dados , , com x yx y A" Î ¹ ,

digamos x y< , poderemos determinar os elementos no plano ´ . Notamos

na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade

é conseguir condições formais de verificar que f(x) f(y)¹ . Muitos matemáticos

formalistasdesacreditavamoraciocíniomatemáticoapoiadoemfigurasedesenhos.

Poroutrolado,paraverificaracondiçãoequivalente(iii),necessitamosda

condição geométrica descrita algebricamente por ( ) ( )f x f y= . Note-se que na

Figura2doladodireito,necessitaríamosverificarquenãopodeacontecer x y< e

tambémquex y> .Nota-seque,noprimeirocaso,nossapreocupaçãometodológica

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recairásobreanecessidadedeverificar,dopontodevistalógico,que ( ) ( )f x f y<

ou ( ) ( )f x f y> .Poroutro lado,nocasode (iii),oesforçodidáticorecai sobrea

necessidadedeverificaçãoquenãopodeocorrer a condição x y< e tambéma

outrapossibilidade x y> .Destemodo,dependendodadefiniçãodeinjetividade

adotada,oprofessorenfrentarámaioresoumenoresdificuldadesmetodológicas.

Figura2:Representaçãodefunçõesinjetoras(elaboraçãoprópria).

Demodosemelhante,podemosdescreveracondição(ii) ( )f A B= por(iv)

y B" Î ,existe x AÎ talque ( )y f x= .Nestecaso,adefiniçãoformaldefunção

sobrejetoratratadeumaquestãopoucotrivialedeconteúdo indiscutivelmente

filosófica,conhecidacomoexistênciadeumobjetox AÎ ,demodoquesuaimagem

realizaovalornumérico,pormeiodaregraformalcaracterísticadafunçãogeral

f A B® . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3,

ladoesquerdo:Comoinvestigarumpossívelelementoquenuncapoderárealizara

propriedadedesejadaquedeclaraaigualdade ( )f A B= ?

Figura3:Representaçãodefunçõessobrejetoras(elaboraçãoprópria).

Antes de concluir esta seção, destacamos algumas ponderações de cunho

filosóficasdevidasaLima(2004,p.60)quandodesenvolveasseguintesdeclarações

sobreoconjuntodosnúmerosreaisintimamenteligadasànoçãodeexistência:

Umespíritomaiscrítico indagaria sobreaexistênciadosnúmerosreais,ou

AULA 3 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica66

seja, se realmente se conhece algum exemplo de corpo ordenado completo.

Emoutraspalavras:partindo-sedosnúmerosnaturais(digamos,apresentados

atravésdosaxiomasdePeano)seriapossível,pormeiodeextensõessucessivas

doconceitodenúmero,chegaràconstruçãodosnúmerosreais?Arespostaé

afirmativa. Istopodeser feitodevariasmaneiras.Apassagemcrucialédos

racionaisparaosreais,aqualpodeserométododecortesdeDedekindou

dassequenciasdeCauchy (devidoaCantor),paracitarapenasosdoismais

populares.

Nota-seaindaque,dependendodavertentefilosóficaassumida,determinados

argumentosindicadosporLima(2004)nãosãoaceitoscomoconfiáveis.Naseção

seguinte estabeleceremos alguns ambientes de atuação do professor nos quais

identificamososcondicionantes,osentraveseasconcepçõesherdadasapartirdas

correntes absolutistasdaMatemática.

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67

TÓPICO 2 As influências das correntes filosóficas no ensino atualObjetivO

• Identificarasinfluênciasdascorrentesfilosóficasno

ensinoatualdeMatemática

Comocomentamosnasaulas anteriores,pessoasquecarregamconsigo

apenasumaaprendizagemeúnicocontatocomaMatemáticaapartir

docenárioescolar,comoestudantes,dificilmenteconseguemperceber,

descrever,identificarecompreenderoscondicionantesdemarcadosaolongodosséculos

provenientes das correntes filosóficas que apresentam um caráter epistemológico de

raízesprofundasnosabermatemático.

Talfatopodeserobservadonaposturapedagógicadoensinoescolare,demodo

especial,naspráticasavaliativasquesedesenvolvememtornodosabermatemático.

Como já descrevemos na disciplina de Didática da Matemática, o maior problema

enfrentadopelamaioriados cursosdegraduaçãonoEstadodoCearádiz respeito à

situaçãoemqueofuturoprofessordeMatemáticanãoestudanagraduaçãoaquiloque

vaiensinar.Ademais,partedoqueseestudanagraduaçãocompõe-sededisciplinasque

veiculamsaberesdenaturezaepistemológicadeoutrasáreasdoconhecimento,distintas

da Matemática, portanto nem sempre são aplicáveis, adequadas e suficientes para a

explicação/prediçãodefenômenosintrínsecosdaMatemática.

De modo particular, reforçamos nossa última argumentação nos valendo das

palavrasdeSouzaeFernandes(2010,p.28):

Por isto, é necessário que, na prática avaliativa, para que esta realmente

seja desenvolvida de forma qualitativa, é necessário que o professor tenha

compreensãodasconcepçõeseprincípiosdeavaliação.Apartirdaí,aotomar

conhecimento de conceitos avaliativos, das referidas metodologias e dos

instrumentosdeavaliação,talpráticaprovavelmentesetornarámaiseficaz.

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NoquedizrespeitoàatividadeavaliativadoprofessordeMatemática,quando

lemosoexcertoacima,obteríamosumarespostapelomenosprovisóriadasseguintes

questões:Oquesignificaumaprática avaliativaemMatemáticadenaturezaqualitativa?

Queconcepçõescondicionam/determinamemodelamasrelaçõesquesão travadasem

tornodosaberescolar?Deondesãoprovenientese/ouoriginados,dopontodevista

epistemológico,osconceitos avaliativos?Aquemetodologias específicasosautoresSouza

eFernandes(2010)sereferemoumesmofazemmenção?Oquecaracterizaa“eficacidade”

deumapráticaavaliativaparaosautoresSouzaeFernandes(2010)?Emrelaçãoaque

campoouesferadepráticasfazemreferência?Econhecendo-a,comooperacionalizá-la

defato,emsaladeaula,noensinodeMatemática?

Em nossa realidade, encontramos professores recém formados, com pouca

maturidade e limitada eficiência prático-operacional, repletos de teorias desconexas,

e que são obrigados a responder estes e outros questionamentos de forma solitária,

desamparadospelauniversidade.

Diante de nossos objetivos e da limitação de espaço deste material, não nos

deteremos em cada uma destas questões, entretanto algumas delas merecem uma

maioratenção.Nestesentido,assumimosnãosermuitoprodutivoparaoprofessorde

Matemáticaadquirirtodaumaretóricaarespeitodo“processoavaliativo”seelemesmo

nãoconsegueelaboraruminstrumentodeavaliaçãoquediferencieocaráter quantitativo

equalitativodeentendimentodosaber matemático.Ademais,comrelaçãoaossaberes

eraciocíniosmobilizadosnuminstrumentodeavaliaçãodoconhecimentomatemático

doestudante,oprofessordeve identificarraciocínios intuitivoseraciocínios lógicos-

formaisempregadospelomesmo.

Outros elementos que merecem atenção dizem respeito ao ato de avaliar a

aprendizagem em relação a um conceito de Matemática ou à definição vinculada ao

referidoconceito.Emboraoaprofundamentodestasquestõestenhasidorealizadona

disciplina de Didática da Matemática, é oportuno destacar a sugestão fornecida por

SouzaeFernandes(2010,p.28)quandoaconselham:

Todavia,aavaliaçãoéumprocessoquedeveserrealizadoapartirdosresultados

obtidosdasatitudestomadaspeloeducandodiantedosaberescolar.Dianteda

atividade do aluno, o professor deve analisar não apenas o resultado como

tambémossaberesmobilizadospeloalunoparachegararespostafinal.Assim,

oprofessorpoderáperceberoníveldeconhecimentodoalunoeanalisarseele

necessitaounãodeacompanhamento,bemcomoquaisaçõespedagógicassão

necessáriasparaqueoalunocontinueoprocessodeaprendizagem.

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Omotivodiz respeitobasicamenteao fatodequeestesautores seapóiamem

fundamentaçõesteóricaserigidasapartirdeoutraesfera de práticas,distintadocampo

deatuaçãodoprofessordeMatemática,equesemostraminsuficientesnesteâmbito

particular. Por outro lado, em sua tese, Cury (1994) desenvolve sua argumentação

relativaaofenômenoavaliativonamedidaemqueanalisaeidentificaasinfluênciasdas

correntesfilosóficasdaMatemáticanoensino.Emrelaçãoaestefato,Cury(1994,p.69)

conclui:

Parece-nos que a visão absolutista da matemática está presente nesse

procedimentodosprofessores:eleacreditamque,efetivamente,naexistência,

emmatemática,deumaverdadeabsolutaquenãopodesersujeitaacriticas

e correções e,por extensão,deumamaneirade fazer,uma resolução certa

quedeveriaserseguidaportodos[...]Quandoosprofessoresdematemática

constroemumgabarito,jáestãoestabelecendoumaverdadeúnica,isoladapara

osalunos.Outroagravantepodesercitado:aoavaliaraprovaseparadamente

dasoutrasatividadesdesenvolvidasduranteoperíododeaprendizagem,ou

seja,doprópriotrabalhodasaladeaula,doestudoindividualoudostrabalhos

decasa,oprofessorisolaoprocessodeaprendizagemdeseuproduto.

Maisadianteacrescentauminteressantepontodevistaquandocomenta:

Na correção de cada questão, surge, em nossa opinião, novamente o laivo

absolutista,agoraemsuaversãoformalista,quandooprofessorconsideraque

asregrasformaisdeusodoconteúdosãomaisimportantesdoqueosignificado

que é atribuído a esse conteúdo. E são as regras que contam na avaliação,

umavezqueelaéfeitacombasenousodasmesmasregrasemumaprova.

Mesmoquandooprofessorsalientasuapreocupaçãocomodesenvolvimento

daquestão,essaobservaçãoserefereaoencadeamentológicodosraciocínios,

à elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, àqueles

elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo os quais

um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos membros da

comunidade(CURY,1994,p.69).

Cury(1994)fazreferênciaàsconcepções,práticasdeensino,rituaisintrojetados,

cristalizadosecondicionadospelascorrentesabsolutistasouporseusprolongamentos.

Taisconcepçõesevisõessobreoconteúdoeseuensinodificilmentepodemserexplicados

porteoriasoriundasdeoutroscamposepistêmicos,nomeadamenteasteoriasdocampo

pedagógicodasciênciashumanas.Bastaevidenciar,porexemplo,que,seumeducador

observarquequandooprofessorconsideraqueasregrasformaisdeusodoconteúdo

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sãomaisimportantesdoqueosignificadoqueéatribuídoaesseconteúdo,esseeducador

interpretarátalfenômenoapartirdacorrentepedagógicatecnicista,oquenospareceum

equívocoedesconhecimentogritante.Masseummatemáticoobservaromesmofato

interpretaráeidentificaráasinfluênciasdiretasdacorrentefilosóficaformalista,devida

aDavidHilbert.

Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas

determinaçõescurricularesnaMatemática.Nota-sequenãonosreferimosaumcurrículo

qualquer,deumaáreadoconhecimentogerale,sim,demodoespecífico,aocurrículode

Matemática.UmaobraquemerecedestaqueequefoiamplamentedivulgadanosEstados

Unidos,nofinaldadécadade60,éO fracasso da Matemática Moderna,domatemático

norte-americanoMorrisKline,umprotagonistada reformadoensinodaMatemática

queocorreuna segundametadedo séculoXX,umperíodoque incluiosprogramas

daNovaMatemática.Em1956,Professor de Matemática,revistapublicadaporKline,

responsabilizaosprofessorespelosfracassosdosalunos.Kline(1976,p.34)escreveu:Há

um problema estudantil, mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo

estado atual da aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores.

Odiscursotocouumnervo,easmudançascomeçaramaacontecer.Reproduzimosabaixo

umtrechodolivronoqualoautordescreveoestadoeascaracterísticasequivocadasdo

currículodeMatemáticadaquelaépoca.

Emboraocurrículotradicionaltenhasidoalgoafetadonosúltimosanospelo

espíritode reforma, suas característicasbásicas são facilmentedescritas.Os

primeirosseisgrausdaescolaelementarsãodedicadosàaritmética.Nosétimo

eoitavograus,osalunosaprendemumpoucodeálgebraeos fatossimples

degeometria,taiscomofórmulasparaaáreaeovolumedefigurascomuns.

O primeiro ano de escola secundária preocupa-se com álgebra elementar, o

segundocomgeometriadedutivaeo terceirocommaisálgebra (geralmente

denominada álgebra intermediária) e com trigonometria. O quarto ano de

escolasecundáriageralmenteabrangegeometriasólidaeálgebraadiantada[...]

Houve,frequentemente,váriascriticassériasqueseaplicamaocurrículo.A

primeiracriticadizrespeitoàálgebrapresentenomesmoqueforçaoalunoa

memorizaçãoemdetrimentodacompreensão(KLINE,1976,p.19).

Vale destacar que a predominância ainda nos dias de hoje do pensamento

algébrico é observada quando encontramos pessoas, com conhecimento limitado em

Matemáticaqueaconcebemcomoa“ciência dos números”.Estavisãoconstitui,dentro

dospensamentosdosensocomum,omaislimitadoeequivocadopontodevista.Maso

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quemereceserobservadoéqueocurrículocriticadoporKlinefoioresultadodepressões

degrupospolíticosdematemáticos,emdeterminadaépocahistórica,quedeterminaram

eapontaramosparadigmasmaisimportantesdosabermatemáticonaquelaépoca.

Aindanosdeteremosnesteseoutrosaspectos,principalmentenaidentificaçãodos

fatoresfilosóficos,masantesdisso,emoutrotrechoabaixo,observamosasdeterminações

docurrículosobreapráxisdoprofessor,identificadasecaracterizadasporKline(1976,

p.20)demodoeficienteaomencionarque:

Uma boa professora sem dúvida esforçar-se-ia por auxiliar os alunos a

compreender o fundamento lógico deste processo, mas, via de regra, o

currículotradicionalnãodámuitaatençãoàcompreensão.Confiaemexercícios

parafazercomqueosalunossigamfacilmenteoprocesso.Apósaprenderema

somarasfraçõesnuméricas,osalunosenfrentamasomarfraçõesondeletrasse

achamenvolvidas.Conquantoseempregueomesmoprocessoparacalcular?3 2

x a x a+

+ + os passos individuais são mais complicados. Novamente

o currículo confia em que os exercícios transmitam a lição. É solicitado ao

alunoquefaçaassomaseminúmerosexercíciosatéqueaspossarealizarcom

facilidade.

Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise

docurrículocomrelaçãoaosconceitosdeÁlgebraedeGeometriaeapontaumdos

conhecimentosquesãomenosaprofundadosnoscursosdegraduação.Talconhecimento

diz respeitoàGeometriaPlanaeEspacialherdadadeEuclides.Eomaiscuriosoem

nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular suas preferências,

eleexclamarásempestanejarqueprefereÁlgebraemvezdeGeometria.Oqueocorre

demaisirônico,paranãodizertrágico,équesefizermosamesmaperguntaparaum

professordeMatemáticarecémformado,eledirátambémqueprefereensinarÁlgebra,

emdetrimentodaGeometriadedutiva.Comrespeitoatalcenário,Kline(1976)observa:

Apósumanodeste estudode álgebra, o currículo tradicionalpassapara a

geometriaeuclidiana.Nelaamatemáticatorna-sesubitamentededutiva,isto

é,otextocomeçacomdefiniçõesdasfigurasgeométricasecomaxiomasou

asserções que presumivelmente são “obviamente verdadeiras” acerca das

figuras. Eles provam depois teoremas aplicando o raciocínio dedutivo aos

axiomas. Os teoremas seguem um ao outro numa sequência lógica; quer

dizer,asdemonstraçõesdos teoremasposterioresdependemdasconclusões

jáestabelecidasnosanteriores.Estamudançarepentinadeálgebramecânica

paraageometriadedutivacertamente transtornaamaioriadosalunos.Até

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então,emseuestudodeMatemática,nãoaprenderamoque“demonstração”

é e tem que estar senhor deste conceito além, da aprendizagem da própria

matéria(p.22).

Porfim,Klineapontaumproblemaquedependedavisãoedasconcepçõesque

oprofessordeMatemáticaconstrói,aolongodesuacarreira,sobreaMatemática.Neste

sentido,seodocentenãoconsegueidentificarecompreendera“beleza”doconhecimento

matemático,nuncaconseguirátransmitirtalsensaçãoparaseuseducandos,semfalarnos

casosemqueoprofessorlecionaMatemáticaporquenãoencontrououtramaneirade

garantirsuasubsistênciamaterialouporqueestáaesperadeumaoutraoportunidade

profissional.Comrespeitoaisto,Kline(1976,p.23)declaranotrechoabaixo:

Alémdepoucas falhasque jádescrevemos,ocurrículo tradicional sofredo

defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo: falta da

motivação.Aprópriamatemática–paraempregarmosaspalavrasdofamoso

matemáticodoséculovinte,HermannWeyl,-temaqualidadenãohumanada

luzestelar,brilhanteenítida,porém,fria.Étambémabstrata.Tratadeconceitos

mentaisemboraalguns,comoosgeométricos,possamservisualizados.Dadas

ambasasconsiderações,desuaqualidadefriaecaráterabstrato,muitopoucos

sãoosestudantesquesesentematraídosporestamatériadeensino(p.23).

No trechoacima,omatemáticoacentuaa importânciadodesenvolvimentode

mecanismos que instigam e motivam os estudantes a estudar Matemática. Antes de

discutirmos alguns pontos mais próximos de nossa discussão filosófica, destacamos

oportunamentetrechodeumpensamentodosautoresMoreiraeSilva(1995,p.7).

O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente

técnica,voltadaparaquestõesrelativasaprocedimentos,técnicasemétodos.

Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo, guiada por

questõessociológicas,epistemológicas.Emboraquestõesrelativasao“como”

do currículo continuem importantes, elas adquirem sentido dentro de uma

perspectivaqueasconsidereemsuarelaçãocomquestõesqueperguntempelo

“porquê”dasformasdeorganizaçãodoconhecimentoescolar.

Otrechoacimanosservedemodoeficienteparadiscutirlinhasdepensamento

que em nada explicam, caracterizam ou prevêem as mudanças ocorridas ao longo

dosséculosnocurrículodeMatemática.Nossaposiçãoéclaranosentidodequenão

adiantabuscarformarofuturoprofessorparaacidadania,nosentidodedesenvolver

umensinoinclusivo,prazeroso,“lúdico”,seelemesmonãoconseguefazerseusalunos

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compreenderemomotivoeajustificativapelaqualmultiplicamosaslinhaspelascolunas

deumamatriz.

Emoutraspalavras,antesdetomarconsciênciadequeocampocurricularnão

constituiapenasumatécnica,ofuturoprofessordevecompreenderqueaconstituição

docurrículo de Matemáticasemprefoioresultadodoembateedojogodepoderentre

matemáticos,numdeterminadoperíodohistóricoemqueosaber matemáticosempre

serviudeparadigmaparaaevoluçãodassociedadeseparaafundamentaçãodeoutras

áreasdosaber,enãoocontrário.

Neste sentido, Santos (2008, p. 176) recorda as ideias diferenciadas do físico

teóricoeepistemólogoThomasKhun(1922-1996),quandocomentaque:

Muitosdosopositoresdaidéiaderevoluçãoemmatemáticaargumentamque

asverdadesnessecamposãosemprepreservadas,mesmocomoaparecimento

denovasteorias.Poressemotivo,ousodoconceitoderevoluçãonestescasos

éumerro,jáqueesseconceitotrazconsigoaquiloquefoichamadoapoucode

princípiodedestituiçãodoantigoregime.

Maisadiante,Santos(2008)diferenciaocampoepistêmicodosaber matemático

deoutroscamposdosaber.Apartirdesuaspalavrasreferendamosnossasposiçõesde

críticacomrespeitoàaplicaçãode“teoriaspedagógicas”paraexplicar/caracterizaros

movimentosprópriosdeevoluçãodo sabermatemático.Santos (2008,p.177) indica

elementosquenãoencontramose/ouidentificamosnestasteoriasquandodeclara:

E de fato as verdades matemáticas são, pelo menos em algum nível de

consideração,preservadas como aparecimentode totalmentenovas teorias.

Noentanto,paraqueessasverdadessejampreservadas,eparaquecontinuem

aterumaaplicaçãoefetivadentrodamatemática,surgeànecessidadedeserem

reavaliadaseremodeladasdentrodosparâmetrosindicadospelasnovasescolas

eteoriasmatemáticas.

Santos(2008,p.177)indicaaindaolocuscientíficoondedevemosnosacomodar

paraodesenvolvimentodeumaanálisefilosóficaadequadaaoacrescentarque:

Asrevoluçõesemmatemáticaseparecemcomcertoseventosque,porvezes,

também percebemos ocorrer nas ciências naturais. A teoria da relatividade

de Einstein é, sem dúvida, um marco na história da física e da astronomia

contemporânea.DepoisdeEinstein componentes curriculares emcursosde

graduação e de pós-graduação tiveram que ser revistos, novos campos de

pesquisaforamabertos,livrosescolaressetornaramultrapassados.Emsuma,

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afísicaeaastronomiadoséculoXXemdiantenãopodemaisserconsiderada

amesmadesdeentão.

As tradições no currículo de Matemática são guiadas por questões de ordem

particulardaprópriaMatemáticaeumaepistemologiatambémparticular.Eantesde

explorardemodoequivocadoanecessidadedecompreensãodoporquêdaconstituiçãodo

conhecimentomatemáticoescolar,oprofessordevecompreenderaprópriaconstituição

doseucurrículodegraduação,aconstituiçãodocurrículoescolardeMatemática,eo

motivopeloqualestudamaisCálculoDiferencialeIntegralemdetrimentodeGeometria

Plana.

Doisequívocosprecisamserapontadosaqui.Oprimeirodizrespeitoàsensação

dequeoprofessor,aindanoscursosdegraduação,achaque“sabe”GeometriaPlana,

entretanto não sabe. De fato, encontramos vários trabalhos acadêmicos dando conta

daprecáriaatençãodosformadoresdeprofessoresnoambientedegraduação.Assim,

admite-se que o professor sabe este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática

avançada.

NestecontextodediscussãoéqueaFilosofiadaMatemáticapodefornecerum

viés de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o

professorsaber identificarosdesdobramentosecondicionantesdasantigascorrentes

filosóficasdaMatemáticaemsuasaladeaula,naprópriamaneiradeconceber,assim

comosaberexplicarosignificadodoconhecimentomatemático.

Atítulodeexemplo,Cury(1994,p.44)discuteumcondicionanteinteressanteao

afirmarque:

Vemos,aqui,germedaseleçãopelamatemática,poiselaserviráparaoseleitos.

Quandoestudadaemprofundidade,propicia-lhechegaràverdade.Oseuuso

para os cálculos cotidianos é considerado desprezível, assim como eram os

mercadoresenegociantesfrenteaosguerreiros.Estáestabelecidaaseparação

entreamatemáticapuraeaaplicada,comaevidentevalorizaçãodaprimeira.

Assim,ofuturoprofessorprecisaserformadonosentidodecompreenderestes

condicionantes,que agem e condicionam, de modo velado e com pouca nitidez, a

aprendizagemdosestudantes,escolhendoeselecionandoos“eleitos”,osquepossuem

maishabilidadecomaMatemática.Essetipodefunçãosocial,essetipode“funilsocial”,

assumidoháséculospelaMatemática,precisasercompreendidopeloprofessorenão

seráapartirde teoriasgestadasnumaesferadepráticascompletamentedistantesda

esferadepráticadoprofessorqueodocentetornarásuaaçãomaiseficaz.

Estafunçãode“seleção”éreforçadapelaherançaehegemoniadeconcepções

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absolutistasnoambientedeensino/aprendizagem,comoadescritaporSantos(2008,p.

98):

Fregeserefereaosaxiomascomoaquelasverdadesirrefutáveis,paraasquais,

contudo,nãoépossívelnenhumaprova.Trata-se,portanto,deumcontra-

sensotentarfornecerumaprovaparaumaverdadeauto-evidente,sejadevido

ànaturezadessaverdade,quenãoadmite,emprincípio,umarefutação,seja

devido ao teor extremamenteprimitivodo conteúdodoque é expressona

proposição.Osdoiscasos,muitasvezes,seidentificamnumaúnicaemesma

condição,aquelaquedeterminaseumaafirmaçãopodeounãoserconsiderada

umaxiomadopontodevistaclássico,umaverdadeimediataeinabalável.

Emoutrofragmento,Santos(2008,p.99)destacaque:

Oconhecimentolegítimoéumdadoirrefutável,vistoqueéauto-evidenteoué

obtidopormeiodeumademonstração.Umconhecimentoseidentificasempre

comumaafirmaçãoverdadeirasobrealgo.Istoé,umconhecimentoésempre

acompreensãodeumaverdade.Nãoépossível,portanto,umconhecimento

sobrealgoquenãoexista,dadoquenenhumaverdade,assimcomonenhuma

falsidade,podeserafirmadasobreoquenãoexiste.

Paraconcluirestaseção,destacaremosdemodobrevealgunspensamentosde

ImreLakatos(1922–1974),quesegraduouemMatemática,FísicaeFilosofia,eentão

iniciousuaspesquisasemFilosofiadaMatemática.TambémsededicouàFilosofiada

Ciência.ElefoiativoemFilosofiadaMatemáticaentreosanosde1950e1967,comalgum

trabalhoretomadoemtornode1973.SeumaiortrabalhoemFilosofiadaMatemáticafoi

Provas e Refutações,republicadopostumamenteem

1976.

ComrespeitoaLakatos,Jesus (2002,p.75)

comentaqueomatemáticohúngaroéconsiderado

falibilista devido à influência do falseacionismo e

dofalibilismodePopper.Wittgenstein,porsuavez,

ora é considerado o mais estrito finitista, ora um

convencionalista.Masoqueocaracterizoumesmo

foiasuasingularidadenatradiçãofilosófica.Jesus

(2002,p.78)esclareceque:

at e n ç ã o !

Falibilismoéadoutrinafilosóficasegundoaqual

nãopodemosteracertezadequalquerformade

conhecimento.

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Lakatosconsideraqueaciênciaconstituiumdosjogoslingüísticoslegítimos.A

filosofiadaciência,não.Segundoele,oprincipalcrimedosfilósofosdaciência

deantanho–edosfilósofosdamatemáticaedalógica–foitentarerigir-sea

simesmosemumnovojogodelinguagem,autônomocomrespeitoàciência.

Além disso, continua Lakatos, os filósofos tradicionais queriam estabelecer

umjogodelinguagemincorretocomregrasexplícitas–oswittgensteinianos

dizemmecânicas–queseparassemaciênciadapseudociência,ecomcritérios

explícitosdeprogressoedegeneraçãodentrodaciência.

Maisadiante,Jesus(2002,p.80-81)diferenciaoolhareaanálisegeneralistade

KarlPoppercomoolhareoposicionamentofilosóficodeLakatosquandodeclara:

PaulErnestsituaasraízesdafilosofiadamatemáticadeLakatosemHegel,em

PolyaeemPopper.Seguramenteesteúltimoforaumadasmaioresinfluências

no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão conta dessa influência:

a metodologia de Popper é chamada de lógica da descoberta científica; a

metodologia de Lakatos: lógica da descoberta matemática (LDM), o que é

umatransposiçãodireta,segundoErnest.Outroexemploéonomedomaior

trabalhodeLakatos,ProvaserefutaçõeséumjogodiretosobreConjecturase

refutaçõesdePopper.

ApartirdeLakatos,aLDMpassaaserobjetodeestudofilosóficonasciênciasda

Matemática.Demodosistemático,Jesus(2002)propõeaseguintetabelaexplicativaque

distingueopensamentogeneralistadePopper(LDC–LógicadaDescobertaCientífica)

davisãoespecíficaeparticulardeLakatos(LDM–LógicadaDescobertadaMatemática),

conformefiguras4e5.

Figura4:DiferençaentreLDCeLDM(JESUS,2002,p.81)

Figura5:ComparaçãoentreLDCeLDM(JESUS,2002,p.81)

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Mais adiante, Jesus estabelece importantes diferenças entre posicionamentos

filosóficosassumidosporPoppereLakatos.Jesus(2002,p.81)recorreàanálisedoneo

filósofoPaulErnestaosublinharque:

Além dessas semelhanças, Ernest chama a atenção para uma diferença

importante.ParaPopper,nãohaveriaconexãonecessáriaentreonovoproblema

ou nova conjectura e a conjectura original (refutada) e na sua metodologia

nadapoderiaserditosobreagênesedeconjecturasporqueestapertenceria

ao contexto da descoberta, e não à filosofia da ciência. Para Lakatos, ao

contrário,existiriaumacontinuidadeessencialentreaconjecturaprimitivae

aconjecturamelhorada.Aconexãoéqueacrítica,aanáliseeofortalecimento

daprovadaconjecturaprimitivaéoquelevariamànovaconjectura.Portanto,

oscontextosdadescobertaedajustificaçãosãomantidosjuntos,aopassoque,

paraPopper,elessãoseparados.

Eprossegueafirmandoque

EmProvaserefutações,Lakatospropõeumateoriadacriaçãodoconhecimento

emmatemáticaqueErnestconsideraquepodeserrepresentadacomosegue:

Dadoumproblemamatemático(P)eumateoriamatemáticainformal(T)um

passoinicialnagênesedenovoconhecimentoéapropostadeumaconjectura

(C).Ométododeprovaserefutaçõeséaplicadoaessaconjectura,eumaprova

informaldaconjecturaéconstruídaeentãosubmetidaàcrítica,levandoauma

refutaçãoinformal.Emrespostaaessarefutação,aconjectura,epossivelmente

tambémateoriainformaleoproblemaoriginal,sãomodificadosoutrocados

emumanovasíntese,completandoociclo(JESUS,2002,p.91).

Oposicionamentofalibilista,apartirdeLakatos,proporcionouumgrandeavanço

noquedizrespeitoàsdoutrinasabsolutistasdopassado.Jesus(2002,p.124)desenvolve

umacomparaçãointeressantequepodeiluminarnossoentendimentoaoafirmar:

Umaáreacentraldacontrovérsiaentreabsolutismoefalibilismonafilosofia

da matemática trata da distinção entre os contextos da descoberta e da

justificação.Paraosabsolutistas,ocontextodajustificaçãoeodadescoberta

dizem respeito a domínios distintos do conhecimento; por isso, devem ser

mantidosseparados.Ocontextodajustificaçãolidariacomcondiçõesobjetivas

elógicasdoconhecimento,comaatividaderacionaldaavaliaçãoedavalidação

do conhecimento constituído; portanto, lidaria com um objeto pertencente

ao domínio da epistemologia e da filosofia da matemática. O contexto da

descoberta trataria de circunstâncias contingentes da invenção humana ou

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histórica,epornãoserumprocessoracional,nãopoderiasertratadológicae

objetivamente,constituindo,portanto,umobjetopertencenteaodomínioda

psicologiaoudahistóriadamatemática.

Certamente esta discussão requer páginas e páginas para que possamos

compreenderopensamentodeImreLakatos,entretantonãopoemosdeixarderessaltar

queesteposicionamentodeLakatosadquiriuvigortantonaFilosofia da Matemática

comonaFilosofia das Ciências.Comojádiscutimosnaseçãopassada,é improvávela

compreensãodoaprendizpormeiodaseguintetrajetória geral particular® .Assim

compreendendo,aLógicadaDescobertaMatemática(LDM),porexemplo,setornará

maisacessívelaoentendimentodomovimentopropostoporPopper,denominadopelo

próprio de Lógica da Descoberta Científica (LDC), que se caracteriza pela trajetória

particular geral® .

NopróximotópicoveremosalgunsexemplosespecíficosdoensinodeÁlgebra,

querecorredemodofrequenteàsdefiniçõesmatemáticasformais.

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79

TÓPICO 3As características de uma definição matemática e o ensino de álgebraObjetivO

• Identificarascaracterísticasdeumadefinição

matemáticavinculando-asaoensino

Naspróximasaulasintroduziremosadiscussãodeoutrascorrentes

filosóficasqueseocuparampelainvestigaçãocientíficafilosófica

acercadanaturezadasdefiniçõesmatemáticas.Oconsensonesta

searadeperquiriçãonão épreponderante e regra entre ospensadores, todavia,

antesdediscutirmossuasvertentesdemodoindividualizado,valerecordarque

Kluth (2005,p.12) explicitaopapeldasdefiniçõesmatemáticas edos teoremas

quefuncionamcomoguiasconstrutoresdedefiniçõesnaatividadealgébricado

alunos,quandomenciona:

A apresentação das estruturas da Álgebra nos livros de Matemática dá-

se por meio de definições. Espera-se que, lendo-as e possuindo um prévio

conhecimentodeoutrasdefiniçõeseteoremas,ossignificadosdasestruturas

daÁlgebrapossamviràtona,comoumaarticulaçãoderesultadosplenosde

sentidomatemático,dosquaispossamserdeduzidasasserçõesqueconstituirão

ateorianumprocessológico-dedutivo,caracterizando-secomooestudodas

estruturas.Esse é omovimentodopensarque semostrana construçãodo

conhecimentodasestruturasdaálgebranoslivrosdeÁlgebraemgerale,em

particular,no livroquevinhasendoadotadonoprogramadadisciplinade

ÁlgebraAbstrataqueeuministrava.

Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências

e condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando

comenta:

AULA 3 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica80

ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia-se, na

maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário em detrimento dos

aspectos essenciais da Matemática como uma Modulação de mundo. [...] o

conhecimento aprofundado e amplificado dos objetos da Matemática, que

englobamtécnicas,teorias,análisesereflexõessobreessaModulação,possam

auxiliar os Educadores Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até

mesmonasaçõescotidianasmaiscomuns,comoporexemplo,aodecidirqual

definiçãovai apresentar aos seus alunos. [...]Asdefiniçõespodem,ounão,

apresentarapriorisintéticoeaprioriestrutural.

Observamos no trecho uma reflexão feita pela autora, uma professora de

Matemática. Destaca-se sua preocupação com respeito ao domínio aprofundado

doconhecimentoquesetencionaexplicar/ensinar.Semtalaprofundamento,um

ensino“lúdico”eapoiadoematividades“prazerosas”,comomuitosdesavisados

defendem, torna-seumepisódiorápidoepassageiro,umavezque,nomomento

daavaliação,pormeiodecondicionantesabsolutistas,ébemmaisfácilater-seao

gabaritodasprovas.PrincipalmentenocasodaÁlgebraemquea linguagem,e,

portanto,odomínio sintático,emdetrimentododomínio semântico,épriorizada.

De fato, neste contexto, o domínio sintático encobre muitos significados

dos conceitos. No final, resta ao aluno apenas as habilidades algorítmicas que

funcionam, embora não forneçam ou construam um significado do que se

esperavaseraprendido.Porexemplo,quandosetoma 21 ........S a a= + + + ,logo

o professor de Matemática, multiplica a expressão: 2 3 ........a S a a a× = + + + .

Portanto, temos 21 ( ........) 1 1 (1 ) 1S a a a S S a S a S= + + + = + × Þ = + × Û - × = .

Ou seja, 11

Sa

=-

. Neste tipo de “malabarismo algébrico”, não nos atemos de

modorecorrenteaosignificadodoselementospertencentesàsinferênciaslógicas

empregadas,esimàprópriasimbologia.Masquandorefletimosarespeitodoque

foiobtido,vemosqueasomadeparcelasinfinita 21 ........a a+ + + éequivalente

àexecuçãodeduasoperaçõesapenas.Aprimeira,umasubtraçãodaunidadepor

“a”,emseguidaadivisãodaunidade“1”por“1-a”.Istofoimotivodedesconfiança

paramuitosmatemáticosdopassado.

ExemploscomoesteseoutrossãodiscutidosporOtte(1991)quandodescreve

oraciocínio algorítmico.Talraciocínioproporciona,namaioriadoscasos,aresolução

eaobtençãodarespostaesperadapeloprofessor,todavia,qualosignificadodos

valoresencontrados?

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81

Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma

instruçãooupormeiodeumconjuntoderegrasaprioriconhecidas (Figura5),

umestudanteperdidodentrodestelabirintocertamenteconseguirásaireselivrar

desta situação periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se

tornamaissábioouinteligentepelofatodeconseguirlograrêxitonasituação.

Figura6:AmetáforadoLabirintodesenvolvidaporOtte(1991,p.286).

1.Escolhaumadireçãoinicialarbitrária,chame-ade“norte”evire-separa

essadireção;

2.Váemdireçãoao“norte”emlinharetaatéencontrarumobstáculo;

3.Vireàesquerdaatéqueesseobstáculoestejaàsuadireita;

4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total

(incluindoavoltainicialdopasso3)sejaigualazero.

De modo semelhante, vemos isto ocorrer no ensino de Álgebra. Os

estudantesaprendemrotinasqueenvolvem“malabarismosalgébricos”descritos

e estabelecidos de modo arbitrário pelo professor. Tais rotinas “funcionam”,

adquiremstatusdeconduzirosestudantessempreaumresultado.Bastaentrarmos

comosdados iniciaiseobteremosumaresposta.Asprópriasregrasencerramo

caráterdeverdadeejustificamedeterminamtodaaaprendizagem.

NaHistóriadaMatemática,estescondicionamentoseobstáculosfilosóficos

sãoapontadosnumtrechodeumlivrodeCaraça(1951,p.166),quedenuncia:

DetodasassurpresasqueahistóriadasMatemáticasnosapresenta,amenor

nãoécertamenteesta–que,antesdeosnúmerosnegativosseremconsiderados

comoverdadeirosnúmeros, jáeramconhecidasepraticadasquase todasas

regrasoperatóriassobreosnúmeroscomplexos,coisaqueparecesimplesmente

AULA 3 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica82

absurda,umavezque,osnúmeroscomplexosresultamderaízesquadradas

de números negativos. A razão é esta – que os matemáticos se resignavam

ao formalismo, consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes

para efetuar um calculo que fornecesse um resultado desejado; mas daí a

considerarem todosos símbolos sobrequeoperavamcomonúmeros, isto é,

umagrandedistancia,aqueladistanciaqueseparaumsimplesexpedientede

manipulação,docuidado,maisprofundo,dacompreensão.

Os elementos apontados acima podem ser registrados facilmente em sala

deaula,apartirdapráxisdoprofessordeMatemática,entretantoseriaingênuo

entendê-loscomoelementosisoladosemumaesferadepráticasespecíficasdonosso

professor.Assim,preferimosumposicionamentocríticoefilosóficonosentidode

interpretar estes e outros condicionantes como herança das visões filosóficas de

matemáticosdosséculospassados.

Na próxima aula, abordaremos outro tema polêmico e de natureza filosófica.

Assimcomonocasodasdefiniçõesmatemáticasformais,estafuturatemáticaapresenta

umcaráterdeneutralidade,todaviaveremosqueestácondicionadaàdependênciada

correntefilosóficapredominantedomomentohistóricoemqueestáinserida.

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83

A capacidade ontológica humana, característica de uma habilidade cognitiva que

chamamos de intuição, revelou enorme importância tanto para a pesquisa como

para a atividade do matemático, e consequentemente do professor. Nesta aula,

discutiremos alguns elementos epistemológicos e filosóficos relacionados a uma

temática que recebeu atenção e reflexão de matemáticos, filósofos, epistemólogos,

psicólogos, entre outros estudiosos interessados na capacidade do homem

produzir conhecimento.

Objetivos

• Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática

• Descrever o papel da intuição na atividade investigativa• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio intuitivo conduz a

falsas concepções

AULA 4As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos

AULA 4

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84 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 1 As dimensões filosóficas da intuição matemáticaObjetivO

• Reconhecerascaracterísticaseosaspectos

filosóficosdaintuiçãomatemática

Nas aulas passadas discutimos as filosofias absolutistas da

Matemática.Destacamostambémalgumasdesuasconsequências

noensinoatual e suas condicionantes comrespeito àpráxisdo

professor de Matemática. Nesta aula, detalharemos uma discussão relacionada

à intuição matemática. Veremos que matemáticos, epistemólogos, filósofos e

outrospensadores, sedetiveramàbuscadecompreender tal faculdadepsíquica

que intervém em todo momento na criação matemática. Mas não se pode falar

de intuição sem mencionarmos outra característica ontológica do ser humano

conhecidaporpercepção.

De fato, o interesse pela percepção que nos permite captar, entender e

interpretar o mundo que nos cerca remonta à história dos povos antigos. A

civilizaçãohelênica,demodoinsuperável,foiaquedeuamaiorcontribuição,o

quepermitiudistingui-ladeoutras civilizações.De fato, osgregos,desde cedo,

refletiramsobrearelaçãoentrehomemeobjetoesobreoselementosdarelação

estabelecidaquepermitemcompreendereinvestigarpropriedadesintrínsecasdo

objeto.

Entendemosbemesseposicionamentodosantigosgregosquandoobservamos

asafirmaçõesdeAristóteles,presentesnotextoBoutroux(1908)quandodeclarava

que:

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85

Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam mas,

também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente e o

necessário.Énecessário,todavia,investigarascondiçõespelasquaisoespírito

concebealgocomonecessário;emoutraspalavras,énecessárioinicialmente

encararaciênciaemsuaforma,abstraçãofeitadoseuconteúdo:éoobjetoda

lógica(BOUTROUX,1908,p.116,traduçãonossa).

Étienne Émile Marie Boutroux (1845-

1921), filósofo e historiador francês, descreveu

a preocupação de Aristóteles em conhecer e

sistematizar os dados pesquisados. Boutroux

destaca,ainda,comovemosnofinaldoexcerto

acima, que um dos elementos que podem

promover o entendimento na investigação do

espíritoéaLógica.

Um dos povos da Grécia Antiga, os

jônicos atribuíam papel de relevo às ciências

matemáticas que recorrem à Lógica para o

estabelecimento de diversos fundamentos,

apesarde,emsuaorigem,aMatemáticanãoter

obedecido a regras explícitas e fórmulas bem

formadas que explicassem sua gênese. Desse

modo, a contribuição desse povo helênico,

no sentido da sistematização e depuração das

crenças e concepções que, em alguns casos,

formamosapartirdosnossossentidos,éinigualável.Recorremosmaisumaveza

Boutroux,queextraiumensinamentoinfluenciadopelatradiçãohelênica,quando

afirmaque:

No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige as

faculdades,maisdoqueforçaamemória.Existemdoisexercíciosdafaculdade:

umélivre,éojogo;ooutroimpostoéotrabalho.Esteúltimoéobrigatóriopor

simesmoenoensinonãoésubstituídopeloprimeiro.Afaculdadedaintuição

deve ser formada antes do entendimento. Todo ensino será inicialmente

intuitivo,representativoetécnico(BOUTROUX,1908,p.394,traduçãonossa.)

No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um

ensinointuitivo,entretanto,sedesconhecemosanatureza,afonte,opropósitoeas

possibilidadesalcançadaspeloentendimentohumanoaofazerusodahabilidadeou

faculdadeintuitiva,caminharemosporumaviainfrutíferaquetornainexequível

seguiroensinamentodeBoutroux.

v o c ê s a b i a?

Os jônios, ou jônicos, representavam um povo

indo-europeueficaramconhecidospelagrande

organizaçãosocialetradiçãomilitar.Participaram

ativamente da expansão grega e colaboraram

significativamente com o desenvolvimento da

cultura na Grécia Antiga, principalmente, da

ciênciaedoracionalismo.Osjôniosforamumdos

quatropovosqueformaramopovogrego,junto

comosaqueus,eóliosedórios.

(Disponível em: <www.suapesquisa.com/grecia/

jonios.htm>)

AULA 4 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica86

AintuiçãomereceuatençãodeImmanuelKant(1724-1804).Kantassegurava

que um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a

intuição; intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do

conceito, isto é, a possibilidade de uma instância(KANT,apudPARSONS,2008,p.8).

KantseinteressoudemodoespecialpelasfigurasgeométricasnaMatemática,

asquaisdenominava formas (empíricas)ouobjetos.Nasprovas, taisobjetos são

construídosintuitivamente(nosentidodequepodemserintuídos).Representações

intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os

números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do

que as formas geométricas(KANTapudPARSONS,2008,p.8).

Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o

termo em inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender

por intuição.Parsonscaracterizaomencionadotermonaacepçãodeumacondição

geraldosobjetos.OautorrecordaqueKant empregava o termo intuição (intuition)

como uma representação imediata de um objeto individual(PARSONS,2008,p.8).

Poroutrolado,quesignificadoatribuímosaotermo“imediato”(immediate)?

Conformeoautor,estetermofoifrutodeintensapolêmica.Retornandoàdiscussão

dotermo intuitabilityeopapeldaintuição,observamosqueseuconceitoocupa

umlugarnãotrivialdediscussãoentrediferentesnoçõesquemerecematençãopor

partedefilósofosematemáticos.

Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e

atacadaporoutros,comorecordaParsons (2008,p.139).Numâmbitofilosófico,

intuiçãoémencionadaemambasasrelaçõesestabelecidascomobjetoserelações

comproposições.Parsonsusaasexpressões“intuition of”e“intuition that”para

marcarasduasrelaçõespossíveisnaperspectivadealgunsfilósofos.

Paracompreenderosignificadodotermo“intuition of”e“intuition that”eo

seuempregonoâmbitofilosófico,recorremosassuasponderações:

Oqueforneceà“intuitionof”umimportantelocalnafilosofiaéprovavelmenteo

fatodequeKant´sAnschauungéintuiçãodeobjetos.Todavia,Kantcertamente

confereaoconhecimentointuitivoumaindicaçãodoqueseriaumaespéciede

“intuitionof”.EupensoserbastanteclaroqueKantpossuíatalconcepção,

porémnãoasdesignoupelotermoAnschauungouigualmenteusadocomona

fraseanschaulicheErknntnis(PARSONS,2008,p.140,traduçãonossa).

Pode-sefalar,seguindo-seestatradiçãodeinfluenciakantiana,emintuição

de objetos e intuição de verdades, embora, neste último caso, alguns dilemas e

ambiguidadesdeâmbitofilosóficoprecisemseresclarecidos.Parsons(2008,p.140)

dizquequando temos uma intuição sobre à (proposição), isto significa que seguimos

tal proposição.Porexemplo,quando um filósofo fala sobre suas ou sobre as intuições

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87

dos outros, isto frequentemente significa que a pessoa em questão está inclinada a

acreditar, pelo menos no início da inquirição, ou apenas como uma matéria do senso

comum.

Nessesentido,asintuiçõesnãoprecisamsersempreverdadeiras.Elaspodem

serguiasbastantefalíveisparaoalcancedaverdade.Parsonsanalisaasconcepções

eossentidosatribuídosporfigurasilustresaotermointuição.Quandomenciona

Descartes, explica que o filósofo e matemático francês diferenciava intuição de

dedução.Emsuaacepção,aconclusãodeumainferênciapoderianãoserintuição.

Na discussão das fontes de conhecimento, não apenas a intuição seria

distinguível dos resultados dos argumentos envolvendo inferências, porém

taisresultadospoderiamnãosetratardeintuição,emborapossivelmenteuma

proposiçãopossaserounãoconhecidaporintuição(PARSONS,2008,p.142).

Mais adiante, o autor destaca que a explicação de Descartes de intuitio

apresentadanaRegras(Rules)forneceumaanalogiacompercepção.E é claro que

se refere a intuition that nos exemplos que Descarte fornece na Regra Terceira para

todo proposição(PARSONS,2008,p.144).JáemrelaçãoaLeibniz,Parsonsafirma

que o filósofo e matemático alemão não usa tais analogias como Descartes, em

suas explicações acerca do conhecimento claro e distinto na obra “Meditations

on Knowledge, truth and ideas” (1684).E existeumcontraste comparativo entre

intuitivo(intuitive)eoconhecimentocegoousimbólico.Nessesentido,conhecimento

de uma noção é intuitivo quando podemos considerar todos os seus componentes ao

mesmo tempo(PARSONS,2008,p.145).

Outra figura emblemática discutida por

ParsonséEdmundHusserl,paraquemanoção

deintuiçãoassumeumaposiçãodesignificância

geral. Na sua teoria, equivale aos atos ou

experiênciasintencionaisqueconstituemnossa

consciência e às relações com o objeto. Tal

relação é realizada ou cumprida se o objeto se

apresentaàintuição(ouaomenosrepresentado

na imaginação); no caso da intuição atual (actual intuition) (PARSONS, 2008, p.

145).

Poroutro lado,pode-se identificarumaestreitaconexãodospensamentos

kantianosehusserlianos,comodestacaParsons,noquedizrespeitoànoçãode

intuition thateintuition of.DeacordocomKant,intuition(quenóstemosobservado

comointuition of)emMatemáticaconfereevidênciaaoqueéimediato,como,por

exemplo,ocasodosaxiomas.Mas,evidentemente, a imediaticidade de um julgamento

origina-se da construção da intuição sobre um objeto(PARSONS,2008,p.146).

s a i b a m a i s !

Quer saber um pouco mais sobre Edmund

Husserl, acesse http://educacao.uol.com.br/

biografias/edmund-husserl.jhtm

AULA 4 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica88

Parsons(2008,p.146)explicaaindaque:

Tipicamente, uma proposição envolve referências aos objetos, evidência

envolveráaintuiçãodestesobjetos,porémelesfazempartedosconstituintes

deestágiodeacontecimentosquesãointuitivamentepresentes,pelosmenos

nocasoideal(traduçãonossa).

Parsonsanalisa tambémaperspectivade

Gödel, matemático austríaco, para quem deve

existiralgosemelhanteàpercepçãonateoriados

conjuntos.Elerecordaqueemvirtudedaclareza

de determinadas proposições e declarações na

teoriadosconjuntos,pode-secontarnestecaso

comaintuition that.Certamenteque

estapossuiumestritovínculocomaintuitionofe,nestesentido,valeobservar

que a intuition thatpermanecede algummodovinculada a intuitionof.E

intuitionoféalgoquesepodeesperarquandoa intuition thatéanálogaà

percepção,desdequeumdoselementoscentraisdapercepçãosejaaprópria

presençadoobjetopercebido.Porexemplo,sabemosporpercepçãoqueminha

bicicletaéazulaovê-la.Alguémquenuncaviuminhabicicletanuncasaberá

algosobreamesmapormeiodapercepçãonumsentidomaisdireto(PARSONS,

2008,p.147).

As palavras de Parsons são promissoras no âmbito do ensino de Cálculo

DiferencialeIntegral.Defato,quandocomparamososestudantessubmetidosao

ensinotradicionaldestamatéria,queprivilegiaaformalizaçãoeoestabelecimento

daverdadedeenunciadosarespeitodaderivada parcial,comosestudantesque

são levados a conhecer o referido objeto por intermédio de crenças perceptuais

adequadas,depreendemos,apartirdadiferençaestabelecidaporParsons,queos

primeiros conhecem o objeto derivada por intermédio da intuition that e nunca

construirãonenhumacrençapormeiodapercepção.Nosegundocaso,osestudantes

contamcomaprópriapresença(nateladocomputador)doobjetoquechamamos

dederivada parcial.

Retomando nossa discussão filosófica, sublinhamos que debilidade da

intuiçãosensível,segundoBunge(1996,p.21)é a fonte de nossos juízos de percepção.

Deste modo, sempre corremos algum risco ao desenvolver raciocínios rápidos e

breves, alicerçadospor crenças perceptuais e,nestepatamar,não sepodecontar

comoalcancedaverdadematemática.

s a i b a m a i s !

Acesse http://im.ufrj.br/~risk/diversos/godel.

html.

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89

Defato,Bunge(1996,p.60)comentaquehojesecompreendequenemtodas

asentidades,relaçõeseoperaçõesseoriginamnaintuiçãosensívelese reconhece que

a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar

somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis.Dessemodo,comofracasso

dasintuiçõessensíveiseespaciais(ougeométricas)comoguiaparaaconstruçãoda

Matemática,observamososurgimentodeconcepçõesmatemático-filosóficasque

caracterizariamaintuição pura.

Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada

intuicionismo matemático(discutidanaaula2)secaracterizoucomo:a)uma reação

contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a

Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado

do descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da

filosofia kantiana(BUNGE,1996,p.61).

No próximo tópico discutiremos a relevância e a função da intuição na

atividadedomatemáticoprofissional.

AULA 4 TÓPICO 1

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90 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 2 O papel da intuição da atividade do matemáticoObjetivO

• Descreveropapeldaintuiçãonaatividade

investigativa

Decididamente, quando nos atemos ao fenômeno do ensino de

Matemática, questionamos até que ponto esta claro para o

entendimento do professor de Matemática, o papel e as formas

de manifestação do raciocínio intuitivo. Para compreender tal função inerente

à atividade matemática, torna-se imprescindível que entendamos o caráter de

ubiqüidadedaintuiçãomatemática,tantonocontextoescolarcomonocontexto

acadêmico. O matemático Jean Dieudonné (1906-1992) descreve uma maneira

particularnaqualaintuiçãoexerceseupapelcoercitivo,aodeclararque:

Semelhantemente a vida da maioria dos sábios, a vida do matemático é

dominada por uma curiosidade insaciável, uma vontade de resolver os

problemasestudadosqueconfirmamsuapaixãoequeconduzemàrealização

de uma abstração quase total da realidade do ambiente; as distrações ou

excentricidades matemáticas célebres não possuem outra origem. É que a

descoberta de uma demonstração não se obtém em geral sem o auxílio de

períodosde concentração intensoque se renovampossivelmentepormeses

ouanosatéqueoresultadopretendidosejaalcançado(DIEUDONNÉ,1987,p.

19,traduçãonossa.)

A intuição matemática sempre despertou o interesse de muitos filósofos.

Partedesses interessessecaracterizavapelacompreensãodotipode ligaçãoque

aintuiçãopermite,especialmente,comaverdadeou,pelomenos,comaausência

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91AULA 4 TÓPICO 2

doerro.ObservamosumareflexãoparticulardofilósofoinglêsJohnLocke(1632-

1704),sobreoconhecimentogeométricopresentenaMatemática.Stewart(1821,p.

23)destacaesteepisódioaolembrarque:

Há muito tempo Locke destacou, à respeito dos axiomas da Geometria,

estabelecidosporEuclides,queemboraaproposiçãosejainicialmenteenunciada

emtermosgerais,eposteriormentefazendorecursonaparticularidadedesuas

aplicações, como o princípio previamente examinado e admitido, todavia a

verdadenãoémenosevidentenesteúltimocasodoquenopadrãoinicial.Ele

observoumaisadiantequeemalgumasdesuasaplicaçõesqueaverdadede

cadaaxiomaépercebidapelamentee,todavia,aproposiçãogeral,distantedo

localondefoiassentadaedaverdadequeencerra,éapenasumageneralização

verbaldoque,eminstânciasparticulares,foiaceitocomoverdade(tradução

nossa).

Stewart aponta a preocupação manifesta por Locke a respeito da origem

ouafontedaverdade matemática.Averdadedestetipodesaberéoriginadanos

enunciadosmaisgeraisedistanciadosdasaplicaçõesounoscasosparticularesem

que vemos suas aplicações? Em situações mais perceptíveis e menos abstratas a

verdade matemáticaestámaispróximadonossoentendimento?

Um elemento que merece atenção diante da situação pouco complexa

observadaporLockequeéexemplificadaporMill(1869)dizrespeitoàpossibilidade

dequeenquantotalverdadenãoseestabelece,enquantoaincertezasobreoque

conhecemosdaGeometriaecomoconhecemosnãoforreduzidaazero,aintuição

desempenharáumpapelimportante.

Masépossívelreduzirazeronossasincertezascomaintençãodeatingirmos

averdadeduranteainvestigação?Qualouquaisverdadespodemosidentificarno

sabermatemático?Enacondiçãodeseatingi-la,deondepartimosecomosabersea

alcançamos?Algumasdestesquestionamentosnãoconstituemsimplestarefaspara

seresponderempoucosparágrafos,entretantodestacamososqueseaproximamda

nossatemática.Porexemplo,existeumaverdadeúnicanaMatemática?Guerrier

(2005,p.12),porexemplo,destacaque:

A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática ou

ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles distinguia

as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades necessárias (vérités

nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de um silogismo concluído a

partirdepremissasverdadeiras;easúltimassãoosobjetosdaLógica(tradução

nossa).

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica92

E enquanto buscamos e ainda

não alcançamos uma verdade necessária,

como chamava Aristóteles, raciocinamos

intuitivamente? E nesta condição, ou seja, por

meiodaintuição,obteremostalverdade?

ValelembrarqueFrege considera que não

se pode sempre confiar na intuição (GUERRIER,

2005, p. 13). Todavia, para que haja a

compreensãoeacertezadeestarmosfazendouso

da intuição, mesmo no caso em que buscamos

umaverdade necessária,comonapráticacomum

domatemático,necessitamosdefinirovocábulo

“intuiçãomatemática”.

Nestemomentonosdeparamoscomoutroentravehistóricoefilosófico.De

fato,Boutroux(1920,p.224)lembraque:

Pascal,melhordoqueDescartescaracterizouaintuição.Eomesmoescreveu

umavez:Nósconhecemosaverdade,nãosomentepelarazão,mais,sobretudo

pelo coração; e é por esta última sorte que nós conhecemos os princípios

primeiros, e é neste terreno que raciocinamos, e não existe outro ponto de

partida,outrasortedecombater...Eésobreesteconhecimentodocoraçãoe

doinstintoquearazãoseapóiaefundamentatodooseudiscurso(tradução

nossa).

MaisadianteBoutrouxadverteque:

Osintelectuaismodernos,contudo,nãobuscamelesmesmosexplicar,elesnão

pretendemcompreendercompletamenteemqueconsisteeemquecondições

podem agir por intuição. As definições que eles fornecem permanecem na

maioria das vezes negativas. As verdades matemática, dizem eles, não são

nem conseqüência de fatos experimentais e nem resultado de construções

oudeduçõeslógicas.Portanto,elessupõemummododepercepçãoquenão

se confunde, nem com a experiência dos sentidos, nem com o raciocínio.

Temosconsciênciadestemododepercepçãoporalgunsinstantesdepratica

(notrabalhodedescoberta),enosparecequeelenãoseassemelhaanenhum

conhecimentodemonstrativo(BOUTROUX,1920,p.225,traduçãonossa).

Ficam patentes nas afirmações de Boutroux duas dimensões a considerar:

a primeira relaciona o caráter afetivo/motivacional, enquanto a segundo diz

respeitoaocampo epistêmico.Sublinhamosotermoafetivo/motivacional,umavez

que,naatividadedomatemático,apesardenemsempreserclaroparaopróprio

s a i b a m a i s !

A História da Ciência evidencia o recurso ao

apelo intuitivo para a edificação posterior de

várias teorias. Na Física, Almaraz (1997, p. 11)

recordaqueEinsteinobteve,pormeiodeimagens

mentais,indíciosintuitivosqueoservirampara

elaboraraTeoriadaRelatividade.

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93

investigador, a busca pela estética se relaciona de modo íntimo com a ação de

descobertaeinvenção.

Burton(2004,p.66)desenvolveuuminteressanteestudoquefornececertos

indícios promissores. Ele caracterizou três características da estética: a função

generativa, a função avaliativa e a função motivacional. Com referência às três

característicasmencionadas,explica:

A função generativa foca no papel da estética na invenção e descoberta

matemática; a avaliativa tipicamente semanifestanospróprios julgamentos

de um produto matemático, tal como um teorema; a função motivacional

relaciona-se com opapelda estética namedida emque induzou inspira a

atividade matemática. Outra igualmente importante dimensão que se deve

consideraréaepistemológiabaseadanaestéticadeveapresentarumafunção

de:Dequemodooperaoufuncionaaestéticacomoummododeconhecer?

(BURTON,2004,p.66,traduçãonossa).

Notrechoacimaobservamosarelaçãoentreafunção generativadaestética

coma invençãoedescoberta.Note-seque,nessesmomentos,omatemático,sob

um ponto de vista psicológico, habita um mundo de incertezas, inseguranças e

dúvidas.Situaçãobemdiferentedaexecuçãodeumaprovamatemáticaquerequer

exatidão,generalidade,conexõeslógicaseoconhecimentodaestruturamatemática

comaqualestálidando.

Burton ressalva que, no âmbito de obtenção de um caminho para a

aquisiçãodeconhecimento,afunção generativa da estéticaadquire,naopiniãodos

matemáticosparticipantesdoseuestudo,umcaráterdeacessibilidade,interesse,

satisfação,simetria,transparênciaesurpresa.Burton(2004,p.71)relata,emseu

estudoempíricoqueenvolveuaparticipaçãodecercade80participantes,queos

matemáticos não falaram a respeito do papel da imaginação.

A estética, para a maioria dos entrevistados, era concebida como um

produtodaculturadosmatemáticos,dentrodesta,a comunidade a constitui como:

estrutura, compacidade, conexão ou qualquer outra categoria funcional para a

obtenção de conhecimento, particularmente, na relação com o produto matemático,

provas e teoremas.Poroutrolado,éimportantedistinguirocognitivodoafetivo.

E no caso destes dois modelos componentes, a estética e a intuição parecem ser

inexplicavelmente interconectadas(BURTON,2004,p.72).

Burton (2004,p.72) acrescentaaindaquea intuição fornece, para muitos,

a energia convincente que motiva e justifica o trabalho necessário na produção de

estética a qual um número de matemáticos chama de “euphoria” que acompanha a

resolução de problema.Emboraparamuitos,aindaquenemtodosdestesmatemáticos

tenhamsidoconsultadosnoseuestudo,aestéticaeaintuiçãoparecempreencher

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica94

diferentes funções psicológicas, evidenciamos

umaexaltaçãonoreconhecimentodaligaçãoda

estéticamaisconectadacomaprova.

Hadamard (1945,p.41)nos forneceuma

interessante explicação a respeito da noção de

estéticaeprovaaomencionarque:

Podesersurpreendenteverasensibilidadeemocional

evocada nas demonstrações matemáticas que,

aparentemente, interessam apenas ao intelecto. [...]

Estaéaverdadeiraestéticadosentimentoquetodos

os matemáticos conhecem, e certamente pertence à

sensibilidadeemocional(traduçãonossa).

Assim como outros pensadores, Jacques

SalomonHadamard(1865-1963)comentaopapel

doelementoafetivo,tantonadescobertacomona

invenção matemática,queomesmofazquestãodediferenciar.Hadamarddiscute

tambémoutroselementosnemsempreexplícitosnaatividadedomatemáticoque

se relacionam de algum modo com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva,

Hadamarddiscuteosmomentosemqueomatemáticotrabalhademodoconsciente

na atividade solucionadora de problemas e outros momentos em que ocorrem

determinados fenômenos mentais sem o controle intencional e um pensamento

sistemático.

Hadarmarddiscutealgunspontosdevista fornecidosporHenriPoincaré.

RecordaquePoincarésalientavaa importânciada intervençãodeumaatividade

consciente,apósumaatividademental inconsciente,nãoapenasparaoemprego

deumalinguagemconveniente,mastambémparaverificareprecisarosresultados

finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma

significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração(ROBADEY,2006,

p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p.

64) esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração

geralmente corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar.

Emtodocaso,sejanummomentodeesforçomentalconscienteouestágio

mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e

representaçõesquealicerçamumaideiaparticularproporcionamoterrenoparaa

atividadeintuitiva.Nestesentido,Souriau(1881,p.12)explica:

As imagens que concebemos a cada momento não surgem do caos, mas de

umpensamentoanterior.Antesquenossasideiassecombinemnumaordem

s a i b a m a i s !

Sauriau (1881, p. 121) diz que quando

mencionamos,porexemplo,apalavra‘triângulo’,

ouseavemosescrita,imaginamosimediatamente

afigurageométricaqueaprendemosassociaraeste

somouletras.Edemodosimilar,sepronuncioou

escrevoestapalavra,sabemosqueamesmanão

faltaráemmesugerirumaconcepçãosemelhante.

Assim, as palavras possuem a propriedade de

despertaremnossosespíritoscertasimagens,que

sãooquedenominodesignificação.

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95

presente,elaspossuíamjácertaordem,

ou nosso espírito já apresentava

determinada organização. Na medida

emqueemconcebemosumpensamento

novo, consideramos certo tipo de

inteligênciaadquirida,etalinteligência

determinará, pelo menos em parte, o

tipodepensamentoqueconceberemos

(traduçãonossa).

Hadamard discute algumasdas ideiasde

PaulSouriau,comoaquedestacamosnotrecho

acima.Aexpressão“pensardelado”teveorigem

comPaulSouriau(1852–1926),comseulivro“Théorie de L’Invention”,de1881.

Talatividadementalrequeroempregodaintuição,namedidaemqueoindivíduo

percebe a necessidade de relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de

lado’,easideiasprincipaisquebuscavacompreender.Notamosque,emtodocaso,

asideiassecombinamnadependênciadasimagensqueformamos.

Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta

compreender um raciocínio empregado por um matemático profissional,

identificamosdificuldadesconsideráveis,umavezque:

Naprocuradeseabstrairaomáximo,omatemáticoseprivadeumadeterminada

sortedeintuiçãoeprivademodosimilaroleitorquenãocompreendemaiso

porquêdasdefiniçõeseacreditaseperdernumanuvemescura(QUENNEAU,

1978,p.23).

Quenneau aponta um hábito peculiar na frente investigativa que em

muitos casos se manifesta na sala de aula do locus acadêmico. Paradoxalmente,

observamosumamudançadomodus operandidomatemático.Defato,enquanto,

em sua pesquisa, as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam

seu raciocínio, na sala de aula, figuras ou representações que fornecem ideias

particularespodiamserevitadas,emdetrimentodoalcancedasideiasmaisgerais

que explicamos teoremasquedevem serdiscutidos.Alémdisso,no âmbitode

suapesquisa,osproblemassãoatacados,emmuitoscasosdemodoindiretoede

modosistemático;entretanto,noseuensino,apresentaargumentaçõesdiretaspara

aresoluçãodefinitivadesituações-problema.

Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o

exercícioda‘incubação’dasideiasque,paraHadamard,possibilitavaacombinação

e recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do

s a i b a m a i s !

Sauriau(1881,p.128)explicaquealinguagemé

capazdesubstituiropensamento,umavezque

aspalavraspodemsubstituirasideias,aomenos

provisoriamente,everdequemodopodeserfeito

oempregodesignosnotrabalhodainvenção.

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alcance,demodoindividual,deumasolução.Comistotemosaoportunidadede

proporcionarqueoestudantevivenciesituaçõesdeeuforiaecontentamentoem

virtudedoalcancedeumobjetivo.

Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta

matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não

compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo

pitorescoopapeldeimaginaçãoquandoconsideraque:

Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em certos

casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto que desejamos

considerar, prevenimos os desvios de percurso [...] Imaginação pode ser

essencialnasoluçãodeproblemaspormeiodeváriasdeduções,eosresultados

precisam ser coordenados após uma completa enumeração (p. 86, tradução

nossa.)

Emsentidocontrário,nãofazemosCiênciae,demodoparticular,nãofazemos

Matemáticaquandodesenvolvemosemnossosestudantesohábitodeexploraçãode

suacapacidadeimaginativa.Resultanaeliminaçãopaulatinadoespíritoinventivo

doestudante,que,segundoaopiniãodeSouriau(1881,p.106),devesercurioso e

original.Comisto,oestudantepermaneceindiferenteàdescobertadeumaverdade

matemáticaenão fará nenhum esforço para pensar.Masparapensarenergicamente,

é necessário o estabelecimento de um objetivo e o desejo de alcançá-lo, é necessário, em

uma única palavra, ser curioso(SOURIAU,1881,p.106).

Neste tópico analisamos alguns aspectos e elementos que explicam e se

relacionam de modo íntimo com a intuição. Na sequência, discutiremos alguns

exemplosparticularesnosquaispoderemosobservardequemodonossaintuição

acarretaemconclusõeserrôneas,paradoxos,surpresasinesperadaseumaflagrante

contradiçãocomateoriamatemáticaformal.

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TÓPICO 3 Os paradoxos relacionadosà intuição matemáticaObjetivO

• Identificarparadoxosesituaçõesemqueoraciocínio

intuitivoconduzafalsasconcepções

Emvárioscontextosnosdeparamoscomfatosmatemáticosestranhos.

De fato,desdeosperíodosescolares aprendemosqueoconjunto

dosnúmerospareseoconjuntodosnúmerosimparesfazemparte

da ‘coleção’ que chamamos de números naturais, todavia, formalmente falando,

podemosafirmarqueexistemmaisnaturaisdoquepares?Ouqueexistemmais

númerosnaturaisdoqueímpares?

Outroconceitoexplicadodemodo intuitivoevagonocontextoescolar é

conhecidocomonúmerosracionaiseirracionais.Nocontextoacadêmico(LIMA,

2010),encontramosargumentaçõesdandocontaquedadoumintervalo( ),a b ,no

mesmopodemosencontrartantoumnúmeroracionalcomoumnúmeroirracional.

Ora, argumentações como esta não constituem demonstrações formais,

todavia, tais propriedades relacionam-se com algumas operações aprendidas na

academiaquepreservampropriedades intrínsecasquepodemcontrariarnossos

sentidos.

Neste sentido, um dos nossos primeiros exemplos é discutido por Caraça

(1951,p.14)quandomencionaque:

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Anossaoperaçãodacontagemvaiaindafornecer-nosomodelo(masagorasóo

modelo)doqueháafazerparacompararosváriostiposdeinfinito.Vimosque

serealizaumacontagemfazendocorresponderobjetosanúmeros;‘Vejamos58

serápossívelestenderaideiadecorrespondênciaaosconjuntosinfinitos.Nada

mais fácil;pela correspondência, a cadaelementovemassociadoantropelo

pensamento;nãohámaisquesuporqueestaoperação- fazercorresponder

a - se pode repetir indefinidamente. Ora, se já aceitámos, duas vezes, a

possibidadederepetiçãoilimitadadumcertoatomentalporquenãoaadmitir

agora?Assentemos,portanto,emqueseestendeaconjuntosinfinitosanoção

decorrespondênciaevamostransportarparaeles,tantoquantopossível,as

coisas já adquiridas, em especial a noção de equivalência, tão importante,

cornovimos,nacontagemdascoleçõesfinitas-se,entreoselementosdedois

conjuntos infinitos, puder estabelecer-se uma correspondência biunívoca,

essesdoisconjuntosdizem-seequivalentes.

OtrechodeCaraçafazreferênciasavários

aspectos interessantes. Inicialmente, o autor

menciona a necessidade de realizarmos uma

contagem dos elementos de um conjunto. Nos

temposatuais,quandodispomosdeumconjunto

A que apresenta uma quantidade finita de

objetos,quepodemosdenotarpor ( )Car A <¥

( : cardinalidadeCar = ),pordefinição,diz-seque

istoocorrequandoexisteumabijeção : nf I A® ,

onde {1,2,3,....., }nI n= . Por exemplo, se

temos dois conjuntos finitos ,A B UÌ , onde

( )Card A n= e ( )Card B m= ,ese A BÌ ,então,

devemos ter que n m£ . Assim, por definição,

podemosconsiderarduasbijeções : nf I A® e

' : mf I B® ,onde {1,2,3,...., }n mI I mÌ = .

Por exemplo, quando consideramos os conjuntos dos pares e ímpares

: { 2 , k }n kà = = Î e : { 2 1, k }n kI = = + Î ,notamosqueà I=Æ .Ademais,

podemosintuirque ,Ã IÌ ,entretantopodemosrealizarumainferênciavisual

naseguintelistagem:

2 4 6 8 10 12 14 ........ 2n

1 2 3 4 5 6 7 n

s a i b a m a i s !

Paradoxo e antinomias: Em sentido amplo,

«paradoxo»significaoqueé«contrárioàopinião

recebidaecomum»,ouàopiniãoadmitidacomo

válida. Em Filosofia, paradoxo designa o que é

aparentementecontraditório,masqueapesarde

tudotemsentido.EmMatemática,fala-semuitas

vezes de paradoxo matemático ou paradoxo

lógico,ouseja,deumacontradiçãodeduzidano

seiodossistemaslógicosedasteoriasmatemáticas.

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99

De modo particular, relacionado com a noção de conjuntos infinitos e

outras noções, encontramos na matemática e na lógica um intenso debate que

caracterizaramparadoxos.

Uma das maneiras conhecidas de mostrar que o conjunto ´ é

enumerável,istoé,queexisteumabijeçãoentre ´ e ,(onde ={0;1;2;

…}éoconjuntodosnúmerosnaturais),éexibirumabijeçãode ´ sobre ,

inspiradanafigura:

(0;0) (0;1) (0;2) (0;3) …

(1;0) (1;1) (1;2) (1;3) …

(2;0) (2;1) (2;2) (2;3) …

(3;0) (3;1) (3;2) (3;3) …

……… …

Observando-a,podemosconjecturaraseguinteenumeraçãodoselementos

doconjunto x

:(0;0);(1;0);(0;1);(2;0);(1;1);(0;2);(3;0);(2;1);(1;2);(0;

3);…Ouseja, colocamos, sucessivamente,ospares (a;b) taisquea somaa+b

assumaosvalores0;1;2;3;…,edentrodacadagrupamentoque tenhaa+b

constante(correspondente,nafigura,aumadasdiagonaisindicadas),ordenamos

osparespelaordemnaturaldesuasegundacomponente.

Obtém-seentãoaseguintebijeção:

f: ´

(0;0)→0

(1;0)→1

(0;1)→2

(2;0)→3

(1;1)→4

(0;2)→5

………….

Observamosquef(x;y)éolugarqueocupa(x;y)nestaenumeração(como

estamosincluindo0emN,éprecisocomeçaracontarapartirdo0-ésimolugar).

Umaquestãointeressanteéconstruirumafórmulaparaestafunçãoeutilizaresta

fórmulaparaprovarqueférealmenteumabijeçãodescritaem :f x ® .Para

isto,seja(x;y) ´ .Observandoafigura,vê-sequese(x;y)fortalquex+y

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=s>0,entãoopar(x;y)éprecedido,pelomenos,portodosospares(u;v)tais

queu+v=0;1;2;…;s–1.

Existeumparque temsoma0,doisque têmsoma1, eassimpordiante,

até s pares que têm soma s – 1, de modo que esses pares são em número de( 1)

1 ...2

s ss

++ + = .Alémdisto,jánasuadiagonal,opar(x;y)éprecedidopory

pares.

Portanto,2( )( 1) ( ) 3

( ; )2 2

x y x y x y x yf x y y

+ + + + + += + = .

Finalmente,constata-sediretamentequeestafórmulatambéméválidase(x;

y)=(0;0).Podemosentãoafirmarquefédadapelafórmulaanalítica:

:f ´ ®

2( ) 3( ; )

2

x y x yf x y

+ + +=

Eisumexemploclássicoemquenossaintuiçãoparececontrariaromodelo

lógico a partir da constatação de que sendo a função bijetora, concluímos, por

definição,queosconjuntos x

e possuemamesmaquantidadedeelementos.

Para ilustrar e relacionar com os nossos conhecimentos sobre Cálculo, plotamos

ográficodafunção :f ´ ®

edamosênfaseaosparesordenadosdoplano

( , )x y Î ´ nosquaisafunçãooriginariamenteestádefinida.Paracadaponto

destasuperfícieassociamosumaimagempertencenteaoeixo (0,0, )z Î ´ ´ .

Figura1:Representaçãogeométricadafunção :f ´ ®

Lima (2004, p. 42) fornece um exemplo interessante quando considera a

situaçãoemqueYéabasedeumtriânguloeXumsegundosegmentoparalelo

aY,unindoosoutrosdoisladosdessetriângulo.TomaaindaopontoPovértice

opostoàbaseY.Obtém-seassimumacorrespondênciabiunívocadotipo :f X Y®

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101

associandoacadapontox XÎ ,oponto ( )f x ondeasemirretaPxintersectaabase

Y.VejanaFigura2,ladoesquerdo.

Figura2:ExemplosdeLima(2004)quecontrariamaintuição

Na Figura 2, do lado direito, discute um exemplo no qual temos o

conjunto { }X C P= - obtido retirando da circunferência o ponto ‘P’ e Y uma

retaperpendicularaodiâmetroquepassaporP.Definindo-se uma correspondência

biunívoca :f X Y® pondo, para cada x XÎ , ( ) :f x = interseção da semi-reta

PxcomaretaY(LIMA,2004,p.43).Nestecasoestabelecemosqueosconjuntos

{ }X C P= - eYpossuemomesmonumero cardinal,ouseja,podemosdefinir,no

sentidodeLima(2004),umacorrespondênciabiunívocaentreosmesmos.

EmoutrosexemploscuriososfornecidosporDomingues(1991),encontramos

afunção ( )1

xf x

x=

+definidaem : ] 1,1[f ® -

,tomadacomobijetora.Assim,

por meio da definição anterior, os conjuntos e ] 1,1[- possuem a mesma

cardinalidadedeelementos.

Figura3:Bijeçãoentrearetaeumintervalo(DOMINGUES,1991,p.247)

Poroutrolado,antesdeexibirtalfunção,Dominguesdiscuteapossibilidade

deseestabelecerumabijeçãoentreosintervalos ]0,1[ e[0,1] .Nestesentido,oautor

explica que tomando1 1

[0,1] {0,1, , ,....,...}2 3

A= È e que1 1

]0,1[ { , ,....,...}2 3

A= È ,

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onde se tomou 1 1[0,1] {0,1, , ,....,...}

2 3A= - . A função desejada definida em

: [0,1] ]0,1[f ® édefinidadoseguintemodo:

1 1 1{0,1, , , ,....,...}

2 3 4 Identidade

1 1 1{ , , ,....,...} A

2 3 4

ß ß

È

oudemodoanalíticotemos:

1 se x=0

21 1

( ) se x=n+2 nx se x A

f x

ìïïïïïïïï=íïïïï Îïïïïî

Domingues(1991,p.247)declaraquetalfunçãoéinjetora,assimosintervalos

]0,1[ e [0,1] possuemamesmacardinalidade.Nummodelogeométricorelacionado

aoCalculoDiferencialeIntegral,omatemáticoMorrisKlein(1908-1992)discutea

noçãoderetatangenteaumacurva,nocontextodeconstruçãodaderivadadeuma

função.Questionaapartirdeumdesenho(Figura4)sepodemosacreditarquea

curvaearetacandidataàtangenteemumpontopossuemdefatoapenasumponto

deinterseção?

Figura4:DesenhosugeridoporKleinem1893emrelaçãoanoçãointuitivadederivada

Outro matemático de não menor importância (cf. Figura 5) comenta as

ilusõesdeóticaprovocadasporilustraçõesefiguras.Emsuaanálise,aatividade

intuitivadoobservadordesempenhapapel fundamental.Neste, comonos casos

passados,nossasfaculdadesintuitivas,pormeiodeconclusõesporvezesimediatas,

tácitas,podemnosconduziraequívocoseestimularodesenvolvimentodefalsas

concepçõesouraciocíniosinconsistentes,dopontodevistalógicomatemático.

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103

Figura5:GravuraanalisadaporKlein(1985),queexemplificaaperspectivalinear

Assim como Felix Klein, Morris Kline e Henri Poincaré referenciaram os

equíivocos e contradiçõesnosquaispodemos incorrerquando apoiamosnossas

conclusõespredominantementenaintuição.Nãoqueistocaracterizeumdefeito

oulimitaçãoquedeveserevitadoeeliminadonaatividadedomatemático,ouna

atividade do professor e do aluno, entretanto é preciso atenção e vigilância no

momentoemquetemosdeutilizá-las.

Mas aí intervém outra dificuldade, a

saber:quandodefatomobilizamosumraciocínio

intuitivo?Quandocompreendemosalgo,apartir

de uma relação estabelecida com um objeto

matemático,por intermédioda intuição?Quais

ascaracterísticasdaintuição?

Noensinoasrespostasparaestasquestões

possuem caráter indispensável para quem

tencionaatuarnoensino.

Caraça(1951,p.233)apontaproblemasnousodalinguagemmatemáticaeda

línguamaternaquandoanalisaoconceitodesequênciasdenúmerosreaisdenotadas

por{ }n nx Î .Nestesentido,modernamentedizemosqueumasequênciaconverge

quando n nLim x L®+¥ = . Caraça considera que podem ter o mesmo significado

as seguintes sentenças: (i) a sucessãoenumerável { }n nx Î tempor limiteL; (ii) a

at e n ç ã o !

Como já salientamos no curso de Cálculo,

grafamososímbolodelimitescom“L”maiúsculo.

AssimfaziamtambémosmatemáticosCauchye

M.Young.

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sucessão enumerável { }n nx Î tende para L; (iii) a sucessão enumerável { }n nx Î

convergeparaL.Note-sequeaopçãoporumaouporoutraexpressãodestacada

porCaraça (1951)dependerádeumapreferência individualdo solucionadorde

problemase,nestaescolha,a intuiçãoguiaráoraciocínio,atédemodoàsvezes

inconsciente. Na Figura 6, exibimos o comportamento de sequências numéricas

que convergem. Baseando-se apenas nas figuras, você, aluno, acredita que vale50

0!n

nLim

n®+¥

æ ö÷ç =÷ç ÷çè øouque 1

1n

nLim

n®+¥

æ ö÷ç =÷ç ÷çè ø+?

Figura6:Exemplosdesequênciasdenúmerosreaisconvergentes

Paraconcluirestaseção,salientamosmaisumavezadimensãofilosóficado

raciocínio intuitivo. Algumas características do raciocínio intuitivo deverão ser

caracterizadas, do ponto de vista psicológico. Nesta aula, tencionamos salientar

seusaspectosfilosóficoseepistemológicos.Muitosdestesaspectosnãosãosimples

desedetectarecompreender.

Poroutrolado,oquedeveficarclaroparaofuturoprofessordeMatemáticaé

que,sedesconhecemosascaracterísticas,anatureza,afunçãoeadimensãocriativa

daintuiçãonaatividadematemática,nuncaconseguiremospromovereestimular

raciocíniosdestanatureza.Afinalébemmaisfácil;edigamos“concreto”,estimular

edesenvolverumensinodeMatemáticabaseadonopensamento algorítmico (OTTE,

1991).

Apontado icebergnafrentepedagógicaéumensinobaseadoemregrase

memorização. Para os leigos, com pouca ou nenhuma formação em Matemática,

talsituaçãoseexplicadizendo:“Ah...Istoéculpadametodologiadoprofessor!”.

Oudirãoainda“Amatemáticaéaciênciadosnúmeros!”.Commaiorpreocupação,

escutamos algunsdesavisados sepronunciarem:“Vamos estimularo lúdicopara

quetudofiquemaisprazeroso!”.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 104 01/03/2016 11:28:30

105

Concepções dessa natureza são recorrentes no ensino de Matemática,

principalmentenodiscursodepessoasquecarregamconsigoosabermatemáticorestrito

aoescolar,entretantoumavisãoeumaformaçãofilosóficadessaciênciaproporcionaráum

olharcriticodoprofessordeMatemáticanosentidodequestionareevitaraevoluçãode

concepçõesretrógradas,ideiasinócuasecrençasequivocadasepoucofundamentadas.

AULA 4 TÓPICO 3

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 105 01/03/2016 11:28:30

106 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

AULA 5A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais

Nas aulas passadas, apresentamos e discutimos o caráter filosófico dos Axiomas

de Peano. Tal discussão torna-se essencial na medida em que tencionamos

formar a visão epistemológica do futuro professor de Matemática. Nesta aula,

retomaremos este assunto com o auxílio de argumentos axiomáticos modernos

os quais Giuseppe Peano (1858-1932) não dispôs de métodos axiomáticos

modernos para a construção e verificação das inclusões Ì Ì discutidas

no contexto escolar. Concluiremos ainda nesta aula, a partir do desenvolvimento

teórico devido a Ferreira (2010), que tanto as inclusões Ì Ì como outros

fatos matemáticos admitidos de “modo intuitivo” no contexto escolar são

completamente equivocados e formalmente incorretos.

Objetivo

• Descrever a construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 106 01/03/2016 11:28:30

107

Nas aulas passadas, tecemos algumas considerações acerca do

conjunto . Nesta aula discutiremos algumas propriedades

axiomáticas e teoremas interessantes que proporcionam

resultados inesperadosquandoconfrontadoscomnossa intuição.Nestesentido,

recordamosqueFerreira(2010,p.22)defineumconjuntoXinfinitoquandoexiste

umafunçãoinjetora ®:f X .Dizaindaqueumconjuntoéditofinitoquando

nãoforinfinito.Ouseja,umconjuntoéinfinitoquandocontiverumsubconjunto

Yembijeçãocom ,oquetambémseexpressadizendoqueYéequipotentea .

Acrescentaque:

Háoutrasdefiniçõesde conjuntos infinitos (portanto,de conjuntosfinitos)

obviamenteequivalentesàquedemosacima.Valeapenacomentarqueuma

dasdefinições,queédevidaaCantor,porqueelarompeucomoparadigma

milenargregodequeotodoésempremaiordoquesuasprópriaspartes.Um

conjuntodiz-seinfinitoquandoexisteumabijeçãoentreeleeumsubconjunto

própriodele(FERREIRA,2010,p.22).

ValerecordarafunçãodefinidaporPeano:

(i)Axioma:Existeumafunçãoinjetiva ®: s .Aimagem ( )s n decada

númeronatural În chama-seosucessorde‘n’;

(ii) Axioma: Existe um único número natural Î1 tal que ¹1 ( )s n para

todo În ;

TÓPICO 1Um problema antigo relacionado à equação polinomial do segundo grauObjetivO

• Apresentarsituações-problemadecivilizaçõesantigas

queenvolvemaequaçãoquadrática

AULA 5 TÓPICO 1

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 107 01/03/2016 11:28:30

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica108

(iii)Axioma:Seumconjunto ÌX étalque Î1 X e Ì( )s X X ,istoé,se

Î ® Î( )n X s n X ,então =X .

Muitas das propriedades do conjunto dos números naturais conhecidas

de modo intuitivo podem ser verificadas de modo axiomático e deveriam ser

conhecidaspelofuturoprofessor.Ferreira(2010,p.23)enunciaoteorema:Sejaa

função ®: s afunçãosucessor,então,tem-se:

i) ¹( )s n n paratodo În ;

ii) = -Im( ( )) {0}s n .

Demonstração:

Vamos admitir a função sucessor ®: s . Definimos o conjunto

= Î ¹: { tal que s(n) n}A n . Desejamos verificar que =A , ou seja, nenhum

númeronatural é sucessorde simesmo.Para tanto,usaremoso axioma (iii).De

fato,notamosque = Î ¹ ¹Æ: { tal que s(n) n}A n ,umavezque ¹(0) 0s ,para

= Î0 n ,pois Ï0 Im( ( ))s n e Î(0) Im( ( ))s s n .

Verificaremosagoraquese Îk A ,então Î( )s k A .Defato,se Îk A ,pela

definiçãodesteconjunto ¹( )s k k .Aplicandoafunção sucessoraambososmembros,

segue que ¹ ® ¹ \( ) ( ( )) ( )injetora

s k k s s k s k Î( )s k A . Pelo axioma (iii), chamado de

PrincípiodaIndução,concluímosque =A .

Para verificar (ii) = -Im( ( )) {0}s n , usaremos o Princípio da Indução do

seguinte modo: = È Ì{0} Im( ( )) A s n . Ademais Î0 A e vimos que se Îk A ,

então Î( )s k A .Logo =A e Ï \ = -0 Im( ( )) Im( ( )) {0}s n s n .

Ferreira(2010,p.24)denota = -* {0} edizquetodoelementode * é

sucessordeumúniconúmeronatural,quesechamaseuantecessor.Apartirdisto,

definiremosdemodoaxiomáticoasoperaçõesdesoma(+)emultiplicação(× )de

númerosnaturais.

Ferreira(2010,p.24)defineaadiçãodedoisnúmerosnaturais, e nm designada

por +m n edefinidarecursivamentedoseguintemodo:ì + =ïïíï + = +ïî

( ) 0

( ) ( ) ( )

i m m

ii m s n s m n.

A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário ‘m’ com

‘0’: + =0m m (FERREIRA,2010,p.25).

Ela nos dá também a soma de ‘m’ com (0)s : + = + =(0) ( 0) ( )ii i

m s s m s m (*).

Temos, ainda,usandoaspropriedades (i) e (ii): + = + =(*)

( (0)) ( (0)) ( ( ))ii

m s s s m s s s m

(**).

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 108 01/03/2016 11:28:32

109

Temos também: + = + =(**)

( ( (0))) ( ( (0))) ( ( ( )))ii

m s s s s m s s s s s m . A formalização

desteprocesso sedápeloPrincípio da Indução enosmostraque a soma +m n

estádefinidapara todopar Î, m n . Introduziremosa familiarnotaçãoparaos

númerosnaturaisqueconhecemosdesdenossainfância.

Note-seque,quandodefinimos,asoma +m n estádefinidaparatodopar

Î, m n .Atéestemomentonãomencionamosnenhumapropriedaderelacionadaà

comutatividadedestesobjetos,ouseja, + = +m n n m .Nasequênciacomeçaremos

acaracterizaraxiomaticamenteestapropriedade.

Definição

Indicaremospor‘1’(lê-se“um”)onúmeronaturalqueésucessorde0,ou

seja, =1 (0)s . Notamos assim que = \ + = + =1 (0) 1 0 (0) 0 (0)i

s s s . Em seguida,

Ferreira(2010,p.25)enunciaaproposição

ProPosição:

Paratodonúmeronaturalm,tem-se = +( ) 1s m m e = +( ) 1s m m .Portanto

+ = +1 1m m .

Demonstração:

Como resultado desta proposição verificaremos a comutatividade da

expressão + = +1 1m m para este caso particular. De fato, a partir de (ii)

escrevemos + = + = + = \ + =1 (0) ( 0) ( ) 1 ( )definição ii i

m m s s m s m m s m . Falta verificar

que = +( ) 1s m m .

Paratanto,Ferreira(2010,p.26)empregaaseguinteestratégia:consideremos

oconjunto = Î: { ; s(m)=1+m}A m .Claramente ¹ÆA ,pois =(0) 1definição

s .Mas

vimosque = \ = +1 (0) (0) 1 0s s ,segueque Î ¹Æ0 A .Sejaentão Îm A ,assim

escrevemos(HipótesedeIndução-HP) s(m)=1+m .Vamosmostrarque Î( )s m A .

De fato, notamos que = + = +( ( )) (1 ) 1 ( )HI ii

s s m s m s m . Isto é, Î( )s m A . Pelo

axioma3dePeano,teremos = Î: { ; s(m)=1+m}= A m .Ferreira(2010,p.26)

prossegueexplicandoquecomo era de se esperar, passaremos a adotar a notação

indo-arábica (de base dez) para os elementos de ; já temos os símbolos ‘0’ e ‘

=1 (0)s ’. Definiremos: = + =(1) 1 1 2proposição

s ; = +(2) 2 1s , = +(3) 3 1s e assim por

diante.Reparamosasdificuldadesparaverificarumapropriedadesimplescomo

= + = +( ) 1 1s m m m .Daquiemdiante,apartirdessasconsideraçõesaxiomáticas,

escrevemos: ={0, (0), ( (0)), ( ( (0))),.....} {0,1,2,....}s s s s s s .

AULA 5 TÓPICO 1

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 109 01/03/2016 11:28:33

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica110

Aquestãoque se coloca agora é: contém outros elementos além destes?

Se a resposta for negativa, teremos concluído que os axiomas de Peano realmente

formalizam a nossa ideia intuitiva de conjunto de números naturais? (FERREIRA,

2010,p.26).Assim,poderemosenunciaroseguinteteorema.

1 :Teorema ={0,1,2,3,....}

.

Demonstração:

SejaSoconjunto =: {0,1,2,3,....}S ,desejamosestabeleceraigualdadeacima.

Ferreira(2010,p.26)esclarecequeSfoiconstruídocomoumsubconjuntode

quecontémo‘0’,ouseja, Î0 S etambémosucessordequalquerelementonele

contido.PeloprincipiodaIndução,concluímosque =S .

Ferreira (2010, p. 27) comenta ainda que ¹0 1 , mas não sabemos ainda

comparar ‘0’ com ‘1’, isto é,não formalizamos ainda a ideia intuitiva de que ‘1’

é maior do ‘0’. Isso decorrerá a partir da definição de uma relação de ordem em

, que estabeleceremos posteriormente. Para ilustrar, Ferreira (2010, p. 27):

+ = =1 1 (1) 2proposição

s , + = =2 1 (2) 3s ,eaindatemos:

+ = + = + = + = + = = =2 2 2 (1) (2 1) (2 (0)) ( (2 0)) ( (2)) (3) 4ii ii

s s s s s s s s s .

Por fim temos + = + = + = =0 2 0 (1) (0 1) (1) 2ii

s s s . Ferreira (2010, p. 27)

destacaquealgumas propriedades da adição, que admitíamos como intuitivamente

óbvias, são demonstradas no teorema seguinte com base nos axiomas de Peano e nas

definições precedentes.

2 :Teorema Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as

afirmações:

i)Propriedadeassociativadaadição: + + = + +( ) ( )m n p m n p ;

ii)Propriedadecomutativadaadição: + = +n m m n ;

iii)Leidocancelamentodaadição + = + Þ =m p n p m n .

Demonstração:

Mostraremos inicialmente (i). Para tanto, fixando os naturais

Î, m n quaisquer, aplicaremos indução sobre ‘p’. Seja agora o conjunto

= Î Ì( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p} m nA p . De imediato, inferimos

que ¹Æ( , )m nA , visto que Î ( , )0 m nA . Com efeito, basta notar que

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 110 01/03/2016 11:28:34

111

i i

m+(n+0)=m+n=(m+n)=(m+n)+0 .Mostraremosquese Î ® Î( , ) ( , )( )m n m nk A s k A .

Defato,notamosque,admitindoahipóteseindutiva Î ( , )m nk A ,escrevemos:

+ + = + + = + + = + +

m+(n+s(k))= ( ) ( ( )) (( ) ) ( ) ( )Hipótese de induçãoii ii ii

m s n k s m n k s m n k m n s k

Segue que = Î( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p}= m nA p . Para verificar

o item(ii), inicialmentenecessitamosverificarque + = +0 0m m , " Îm .Em

seguida,fixando Îm ,define-seoconjunto = Î: { tal que n+m=m+n}mC n .

Epor induçãodeve-seconcluirque = Î: { tal que n+m=m+n}= mC n .ALei

do cancelamento fica como exercício para você, leitor. Definiremos em seguida

propriedadesrelacionadasàmultiplicaçãodenúmerosnaturais.

Definição

Amultiplicaçãodedoisnúmerosnaturais,men,édesignadapor ×m n e

definidarecursivamentedoseguintemodo:ì × =ïïíï × + = × +ïî

0 0

( 1)

m

m n m n m.

TEOREMA

Param,nepnaturaisarbitrários,valemasproposiçõesabaixo:

i) × Îm n ,istoé,amultiplicaçãodefatoéumaoperaçãoem ;

ii)existênciadoelementoneutromultiplicativo × = × =1 1n n n ;

iii)distributividade × + = × + ×( )m n p m n m p e + × = × + ×( )m n p m p n p ;

iv)associatividade × × = × ×( ) ( )m n p m n p ;

v) × = Þ =0 0 ou n=0m n m ;

vi)comutatividade × = ×m n n m .

Demonstração:

Ferreira(2010,p.30)destacaquenovamente usa-se o Princípio da Indução

para demonstrar todos os seis itens.Note-sequea importânciado item (i) éque

definimosuma‘nova’operaçãocomdoisnúmerosnaturais Î e m n ,denotada

por ×m n eprecisamosgarantirque,quandoaplicadatal‘operação’,continuamos

aindacomumnúmeronatural.Éoquequerdizeraimplicação × Îm n .

Faremosagoraoitem(ii),notandoinicialmenteque × =1n n .Defato,temos

× = × + = × + = + =1 (0 1) 0 0ii i

n n n n n n ,usandoadefiniçãodemultiplicação.Agora,

por indução, veremos que × =1 n n . De fato, já temos, por definição, × =1 0 0

e, pela hipótese indutiva, escrevemos × =1 n n . Na sequência investigamos a

AULA 5 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica112

expressão × + = × + = +1 ( 1) 1 1 1Hipótese

n n n . Segue o resultado. Para verificar (iii),

Ferreira (2010,p. 30) considera Î. m n arbitrários e, em seguida,usa indução

sobre ‘p’. Seja então , ( )m nP p a afirmação caracterizada pela propriedade que

tencionamosverificar,ouseja, × + = × + ×( )m n p m n m p .Observamosque , (0)m nP

é verdade, pois × + = ×( 0)m n m n e × + × = × + = ×0 0definição

m n m m n m n . Logo,

× + = × + ×( 0) 0m n m n m . Verificaremos por indução que, se , ( )m nP p é verdade,

entãovale +, ( 1)m nP p .Comefeito,observamosque

m n p m n p m n p m m n m pdefini o hipotese

⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + ⋅( [ ]) (( ) ) ( )1 1çã

++ ⋅ == ⋅ + ⋅ + ⋅ == ⋅ + ⋅ + = ⋅ + ⋅ +

m

m n m p m

m n m p m m n m p

1

1

1

( )

( ) ( ).

Apósdesenvolvertodasestasessaspropriedadesdopontodevistaaxiomático,

Ferreira(2010,p.31)destacaquea relação de ordem em nos permitirá comparar

os números naturais, formalizando a ideia intuitiva de que ‘0’ é menor do que ‘1’, que

é menor do que ‘2’, e assim por diante.

Definição

UmarelaçãobináriaRemumconjuntonãovazioAdiz-seumarelação de

ordem emAquandosatisfizerascondições,paraquaisquer Î, ,x y z A ,

Re1:reflexividade xRx ;

Re2:antissimetriase xRy e yRx ,então =x y ;

Re3:transitividadese xRy e yRz ,então xRz .

Um conjunto não vazio A, munido desta relação de ordem, diz-se um

conjunto ordenado.Nasequência,definiremosumarelaçãodeordemem através

daoperaçãodaadição,tornando-o,portanto,umconjunto ordenado.

Definição

Dados Î, m n ,dizemosque mRn seexistir Îp talque = +n m p .

exercício:

Mostrequeéumarelaçãodeordemem .

Definição

Para Î, m n ,se mRn ,ondeRéarelaçãodadefiniçãoanterior,dizemos

quemémenordoqueouigualanepassaremosaescreverosímbolo£ nolugar

deR;assim, £m n significará mRn .

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 112 01/03/2016 11:28:36

113

Ferreira (2010, p. 32) destaca que a expressão “m é menor ou igual a n”,

embora gramaticalmente incorreta, é de uso corrente desde o Ensino Fundamental.

Maisadiante,Ferreira(2010)estabeleceasnotações:

1)Se £m n ,mas ¹m n ,escrevemos <m n edizemosquemémenordo

quen;

2)Escrevemos ³n m comoalternativaa £m n .Leremosnémaiordoque

ouigualan;

3)Escrevemos >n m comoalternativaa <m n .Leremosnémaiordoque

m.

TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)

Paraquaisquer Î, m n ,temosumaeapenasumadasseguintesrelações:

a) <m n b) =m n c) >m n

Demonstração:

Deixamosparavocê,aluno,fazer...

Ferreira(2010,p.34)comentaque

aleitricotomiaequivaleadizerque,dados Î, m n ,tem-se,necessariamente

que £m n ou ³m n ,istoé,doisnaturaisquaisquersãosemprecomparáveis

pela relação de ordem acima definida. Por isso, uma relação de ordem que

satisfazàleidatricotomiaéchamadaderelaçãodeordemtotal.

Apartirdestarelação,enunciamososseguintesteoremas.

Demonstração:

Deixamosparavocê,aluno,fazer..

teorema

(Leidocancelamentodamultiplicação)Sejam Î, , a b c ,com ¹ 0c ,taisque

=ac bc ,então =a b .

Demonstração:

Deixamosparavocê,aluno.

AULA 5 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica114

TEOREMA

Sejam Î, a b .Então <a b se,esomentese, + £1a b .

Demonstração:

Deixamosparavocê,aluno.

Paraconcluirestaparteinicialrelativaàimportanteconstruçãoaxiomática

dosnúmerosnaturais,apresentamosumteoremaquereflete um fato intuitivo claro

desde o Ensino Fundamental: o de que todo subconjunto não vazio de números naturais

possui um menor elemento (FERREIRA,2010,p.36).

Observamosquetalpropriedadenãoéverificadanoconjuntodosnúmeros

racionais. Por exemplo, se consideramos o subconjunto dos números racionais

positivos, ele possui um menor elemento(Porquê?)(FERREIRA,2010,p.36).Jáno

conjuntodosnúmerosinteiros,sópossuemelementomínimoossubconjuntosque

sãolimitadosinferiormente.

Formalmente, dizemos que um elemento a de um conjunto ordenado A é

ummenor elementodeA,se £a x ,paratodo Îx A .Searelaçãodeordemétotal

emA, tem-seummenorelemento,quandoexiste,éúnico, tambémchamadode

elemento mínimodeA.Elesedenotapor min( )A .Demodosimilar,define-semaior

elementoouelemento máximodeumconjuntoA,denotadopor max( )A .

TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO – PBO)

Todosubconjuntonãovaziodenúmerosnaturaispossuiummenorelemento.

Demonstração:

Deixamosparavocê,aluno.

Concluímos este tópico destacando a importância, para o professor de

Matemática,decompreenderedominaraaxiomáticaformalsubjacenteàconstrução

dos números naturais e, principalmente, de saber responder o questionamento

referenteaoqueéumnúmeronatural.Prosseguimoscomaconstruçãodosnúmeros

inteiros.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 114 01/03/2016 11:28:38

115

No tópico anterior, falamos dos números naturais. Neste

tópico prosseguimos a construção Ì . Sabemos que os

números inteiros necessitaram de um tempo maior para serem

completamente compreendidos, principalmente pelo fato de determinadas

intuiçõesequivocadas,construídasemanosiniciaisdaformaçãoescolar,precisarem

seresclarecidas.Nessesentido,destacamosque,noiniciodocapítuloreferenteà

construçãoaxiomáticadosnúmerosinteiros,Ferreira(2010,p.41)explicaque:

Em estão definidas duas operações que denominamos de adição e

multiplicação.NoEnsinoFundamental,osnúmerosinteirosnegativosesuas

propriedades são introduzidos para dar significado a certas subtrações, do

tipo: 3 5 8 13- -, , etc .Umavezintroduzidostaisnúmeros,são“definidas”

asdemaisoperaçõescomeles, como: - - - × - ¸ - - 23 ( 5),( 8) ( 3),8 ( 4),( 3) ,

etc.Asaspasdevem-seaofatodequetais“definições”sãodadasdemodo

ingênuo,nãorigoroso,numatentativadeestenderasoperaçõesaritméticase

suaspropriedadesnoconjunto paraoconjunto .Eéissomesmooque

estáacessívelaoestudantedoEnsinoFundamental(emboramaisseesperede

seuprofessordematemática,paraquemestelivrofoiescrito).

Ferreira (2010, p. 41) discute ainda que foi dessa forma empírica que os

números inteiros negativos foram descobertos e aplicados na expressão matemática

de certas situações e na resolução de problemas.Todavia,dopontodevistadorigor

matemático,apenas admitir a existência de números inteiros negativos e incorporá-

los ao conjunto não é adequado.Alémdisso,temosem asoperaçõesdeadição

TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIObjetivO

• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmerosinteiros

AULA 5 TÓPICO 2

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 115 01/03/2016 11:28:38

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica116

emultiplicação.Asubtração,comoentendemosnamatemáticaelementar,nãoé,a

rigor,umaoperaçãoem ,conformediscutiremosmaisadiante,emumexercício.

Por essas razões, não seguiremos a linha adotada no Ensino Fundamental. O que

faremos é construir esses números negativos a partir da estrutura aritmética que

temos em , através das noções básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de

equivalência(FERREIRA,2010,p.42).

A estratégia de Ferreira (2010) constitui-se em definir uma relação de

equivalêncianoconjunto x .Assim,oautorconcluiráqueum número inteiro

será então definido como uma classe de equivalência dada por essa relação. O conjunto

dos números inteiros será, portanto, o conjunto dessas classes de equivalência(p.

42).

Lembramosqueumarelação de equivalência sobre um conjuntonãovazioX,

segundoAragona(2010,p.9),éumarelação(binária)entreoselementosdeX,que

podemosindicar,porexemplo,por‘~ ’,quetemastrêspropriedadesseguintes:

Re1) ~x x , " Îx X (reflexiva);

Re2)Se Îx X , Îy X e ~x y então ~y x (simétrica).

Re3)Se Îx X , Îy X , Îz X e ~x y , ~y z então ~x z (transitiva).

Mais adiante, Ferreira (2010) explica que sua estratégia será definir duas

operações aritméticas em e mostrar que contém uma cópia algébrica do

conjunto ,numsentidoqueprecisaremosnasequência.Porfim,oautordeclara

quea operação de subtração em que, restrita a elementos da cópia de em ,

trará significado às operações do tipo -3 5 eàsdemaisoperações.

TEOREMA

Arelação‘~ ’em x definidapor ( ) ( ), ~ ,a b c d quando + = +a d b c é

deequivalência.

Demonstração:

Vejamoscadaumdositensqueexigemverificarparaquedefatotenhamos

umarelaçãodeequivalência,entretanto,antesdedesenvolvermosademonstração

formal,valedestacarocomentáriodeFerreira(2010,p.43):

[...] se admitirmos por um momento a nossa noção intuitiva de números

inteiros e de subtração, notamos que + = + Û - = -a d b c a b c d ,

isto é, dois pares ordenados são equivalentes segundo a definição acima,

quandoadiferençaentresuascoordenadas,namesmaordem,coincidem.[...]

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 116 01/03/2016 11:28:39

117

ÉestaaformaqueosmatemáticosdofinaldoséculoXIXencontrarampara

iniciaraconstruçãodoconjunto semmencionarsubtração,mastrazendo

na sua essência o germe dessa operação, tendo como ponto de partida o

conjunto esuasoperações,asnoçõesdeprodutocartesianoederelaçãode

equivalência[...].

Após estas explicações filosóficas, para verificar a reflexividade,

observamos que ( ) ( ), ~ ,a b a b , pois temos sempre + = +a b b a , como

propriedade herdada desde o conjunto

. Para verificar a simetria descrita

por ( ) ( ), ~ ,a b c d , basta recorrer mais uma vez à comutatividade em , isto é,

( ) ( ) ( ) ( )Û + = + Û + = + Û

, ~ , , ~ ,Em

a b c d a d b c c b d a c d a b . Para verificar

a transitividade, podemos inferir que, se ( ) ( ), ~ ,a b c d e ( ) ( ), ~ ,c d e f , então

( ) ( ), ~ ,a b e f .Masestademonstraçãodeixamoscomotarefaparavocê,aluno.

Denotaremospor( ),a b aclasse de equivalênciadoparordenado( ),a b pela

relação ‘~ ’, isto é, ( ) ( ) ( )= Î, : {( , ) tal que x,y ~ , } a b x y x a b . Por exemplo,

podemosobservaroselementospertencentesàsseguintesclasses:

i)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=3,0 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} ;

ii)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=0,3 { 0,3 , 1,4 , 2,5 , 3,6 ,.......,....} ;

iii)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=5,2 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} .

Notamosque( ) ( )=3,0 5,2 queéconsequênciadeumteoremaquepodeser

facilmentedemonstrado(verexercíciosnofinaldestaaula).Apróximadefiniçãoé

crucialparanossaconstrução.

Definição

O conjunto quociente~ x ou ~

x é constituído pelas classes de

equivalências ( ),a b , sedenotapor , e seráchamadodeconjunto dos números

inteiros.Assim,estabelecemos ( ) ( )æ ö÷ç= = Î÷ç ÷çè ø

{ , tal que a,b }~

xa b x .

A partir desta definição, descreveremos o modo de operar os elementos

destenovoconjunto.Assim,poderemosfalardanoçãodeadiçãoesubtraçãoem

.Temosagora ( ) ( ), ~ ,a b x y queequivalea ( ) ( )=, ,a b x y ,expressapelofatode

que + = + « - = -( )a y b x a b x y .Vamosutilizar esta observação como ponto de

partida para buscar uma definição rigorosa de adição de inteiros(FERREIRA,2010,

p.44).

Veremos então o que deveria ser ( ) ( )+, ,a b c d . Neste sentido,

Ferreira (2010, p.44) argumenta que se ( ),a b expressa, em essência, a

“diferença” -( )a b , e ( ),c d expressa -( )c d , a matemática elementar nos dá

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica118

- + - = - + - = + - - = + - +( ) ( ) ( ) ( )associatividade

a b c d a b c d a c b d a c b d . E esta

última expressão se traduz, no nosso contexto, como a classe ( )+ +,a c b d .

Passando a limpo, obtemos a definição formal de adição de inteiros, sem mencionar

subtrações de naturais nem elementos da matemática elementar (FERREIRA,2010,

p.45).

Definição

Dados ( ) ( ), e ,a b c d emæ ö÷ç= ÷ç ÷çè ø~

x ,definiremosasomadedoiselementos

( ) ( ) ( )= + +, + , : ,

a b c d a c b d .

Ao definirmos objetos que envolvem classes de equivalências, é necessário

verificarmos que tais definições não dependem de como os representamos em

classes (FERREIRA, 2010, p. 45). Nesse sentido, Ferreira (2010, p. 45) observa

que, pela definição, teríamos ( ) ( ) ( )=3,5 + 4,1 7,6 . No entanto, temos também

( ) ( ) ( ) ( )= =2,4 3,5 e 3,0 4,1 , logo deveríamos ter ( ) ( )+2,4 3,0 também igual

a ( )7,6 . E pela definição dada, ( ) ( ) ( )+ =2,4 3,0 5,4 , felizmente, é igual a ( )7,6 .

Mostraremos agora que isso vale, em geral, isto é, a definição dada não depende dos

representantes das classes de equivalências envolvidas.Nestecaso,dizemosquea

adiçãodenúmerosinteirosestábemdefinida.

TEOREMA

Se ( ) ( )=, ', 'a b a b e ( ) ( )=, ', 'c d c d , então ( ) ( ) ( ) ( )+ = +, , ', ' ', 'a b c d a b c d ,

istoé,aadiçãodenúmerosinteiros+

estábemdefinida.

Demonstração:

Sabemos pelo teorema anterior que, se ( ) ( )=, ', 'a b a b , então

( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'a b a b a b b a . Por outro lado, temos ( ) ( )=, ', 'c d c d , então,

( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'c d c d c d d c . Logo, temos: ( ) ( ) ( )= + +, + , : ,

a b c d a c b d

e ( ) ( ) ( )= + +', ' + ', ' : ' ', ' '

a b c d a c b d . Ferreira (2010, p. 46) verifica que

os dois segundos membros coincidem. Mas isto equivale a verificar que

( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +' ' ' 'a c b d b d a c .Orestodeixaremosaseucargo,aluno.

TEOREMA

A operação de adição em é associativa, comutativa, tem ( )0,0 como

elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em . Além disso, vale a

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 118 01/03/2016 11:28:42

119

propriedadedoelementooposto(ousimétrico,ouinversoaditivo):dado( )Î, a b ,

existe um único ( )Î, c d tal que ( ) ( ) ( )+ = Î, , 0,0 a b c d . Este ( )Î, c d é o

elemento( )Î, b a .

Demonstração:

Deixamosaseucargo,aluno.

Definição

Dados( )Î, a b e( )Î, c d ,definimosoproduto( ) ( )×, ,

a b c d comosendo

ointeiro( )+ +,ac db ad bc .

TEOREMA

A multiplicação em está bem definida, isto é, se ( ) ( )=, ', 'a b a b e

( ) ( )=, ', 'c d c d ,então( ) ( ) ( ) ( )× = ×, , ', ' ', '

a b c d a b c d .

TEOREMA

Amultiplicaçãoem écomutativa,associativa,tem ( )1,0 comoelemento

neutrodamultiplicaçãoeédistributivaemrelaçãoàadição.Alémdisso,valea

propriedadedocancelamentomultiplicativo,istoé,se Î, , a b g ,com ( )¹ 0,0g ,

entãose = ® =ag bg a b .

Demonstração:

Deixamosparavocê,leitor.

Ferreira(2010,p.50)explicaquecomo em , vamos comparar os elementos

de através de uma relação de ordem. Com motivações análogas àquelas que

precederam as definições de adição e de multiplicação, temos a seguinte definição:

Definição

Dadososinteiros ( )Î, a b e ( )Î, c d ,escrevemos ( ) ( )£, ,a b c d ,quando

+ £ +a d b c . Os símbolos ³ <, e < definem-se de forma análoga à que fizemos

para a relação de ordem em (FERREIRA,2010,p.50).

Comonoscasosdaadiçãoemultiplicação,verifica-sequearelaçãodeordem

definidaporFerreira(2010)estábemdefinida.Os símbolos de desigualdade utilizados

para a relação de ordem em

são os mesmos que utilizamos para a relação de ordem

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica120

em

, mas o contexto deixará claro que ordem está sendo considerada (FERREIRA,

2010,p.50).

TEOREMA

A relação £ definida acima é uma relação de ordem em

, ou seja, é

reflexiva,antissimétricaetransitiva.Alémdisso,essarelaçãoécompatívelcomas

operaçõesem ,istoé,paraquaisquer Î, , a b g ,vale:

a) £ Þ + £ +a b a g b g ;

b)se ( )£ ¹ Þ £ e 0,0a b g ag bg ;

c) (Lei da tricotomia): apenas uma das situações seguintes ocorre:

( ) ( ) ( )= > <0,0 ou 0,0 ou 0,0a a a .

Demonstração:

Deixamosaseucargo,leitor.

Definição

Dado( )Î, a b ,dizemosque:

i) ( ),a b épositivoquando ( ) ( )>, 0,0a b ; ii) ( ),a b énãonegativoquando

( ) ( )³, 0,0a b ;iii)( ),a b énegativoquando( ) ( )<, 0,0a b ;iv)( ),a b énãopositivo

quando( ) ( )£, 0,0a b .

Ferreira (2010, p. 52) observa que ( ) ( )³ Û + ³ + \ ³, 0,0 0 0a b a b a b .

Analogamente, se ( ) ( )> Û + > + \ >, 0,0 0 0a b a b a b . Ademais, se

( ) ( )£ Û £, 0,0a b a b .Essaobservaçãoestádeacordocomaideiadequeaclasse

deequivalência ( )Î, a b representaa“diferença -a b ”.Tornaremosessaideia

precisamaisadiante,aofinaldasobservaçõesapósopróximoteorema.

Observamos ainda que se ( )Î, a b é positivo, como vimos que >a b ,

entãoexiste Î *m talque = +a b m .Estaigualdadeequivalea ( ) ( )=, ,0a b m .

Analogamente,se( )Î, a b énegativo,entãoexiste Î *m talque( ) ( )=, 0,a b m .

EssasobservaçõeslevantadasporFerreira(2010,p.52)eoprincípiodaTricotomia

nosdizemque: ( ) ( ) ( )= Î È È Î* *{ 0, tal que m } { 0,0 } { ,0 tal que m } m m sendo

umauniãodisjunta.Apartirdestaconstatação,utilizaremosasseguintesnotações:

( )- = Î* *: { 0, tal que m } m , ( )+ = Î* *{ ,0 tal que m } m , ( )+ += È* { 0,0 }

,

( )- -= È* { 0,0 }

.Note-se ainda que o conjunto dos números inteiros não negativos,

+ , está em bijeção com . Esta bijeção é bastante especial porque mostra que +

é uma “cópia algébrica” de , no sentido dado pelo teorema seguinte (FERREIRA,

2010,51).

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121

TEOREMA

Seja ®: f dada por =( ) ( ,0)f m m . Então, f é injetora e valem as

propriedades:

i) + = +( ) ( ) ( )f m n f m f n ;

ii) =( ) ( ) ( )f mn f m f n ;

iii)Se £m n então £( ) ( )f m f n .

Demonstração:

Deixamosaseucargo,aluno.

Ferreira (2010, p. 53) comenta ainda que o conjunto +=( ) f tem, pelo

teorema acima, a mesma estrutura algébrica que .Porexemplo, + =3 5 8 em ,

corresponde,via f ,a( ) ( ) ( )+ =3,0 5,0 8,0

.Domesmomodo, × =3 5 15 sepreserva,

via f ,como( ) ( ) ( )× =3,0 5,0 15,0

.Finalmente,arelação £3 5 sepreserva,via f ,

como ( ) ( )£3,0 5,0

,o que confirma nosso comentário do início desta seção de que a

ordem em é uma extensão da ordem de (FERREIRA,2010,p.53).

Assim, do ponto de vista das operações aritméticas e da ordenação, + é

indistinguível de . Embora, no nosso contexto, não seja um subconjunto de ,

sua cópia algébrica + o é(FERREIRA,2010,p.53).Nasequencia,notamosque

®: f acima chama-se uma imersão de em . Esta imersão mostra que

é infinito. Obtemos, então, sob a identificação de com + , via f , que:

= - Î È È = - - -* *{ tal que m } {0} {...,..., ,.... 2, 1,0,1,2,...., ,....} m m m como

noEnsinoFundamental.

Em seguida, Ferreira (2010. p. 54) mostra que, à semelhança de , o

conjunto ébemordenado.

Definição

Seja X um subconjunto não vazio de

. Dizemos que X é limitado

inferiormente se existe Îa , tal que £ xa , para todo Îx X . Um tal a se

chamacota inferiordeX.Analogamente,definimos subconjuntode limitado

superiormenteecota superior dele.

TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO PARA )

Seja ÌX não vazio e limitado inferiormente. Então X possui elemento

mínimo.

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica122

Demonstração:

Seja uma cota inferior de X , isto é, £ Û - ³ 0x xa a , " Îx X .

Consideremos o conjunto = - Î' { | x X}X x a . Claramente, vemos que

= - Î Ì' { | x X} X x (identificadocom + )e,peloPrincípiodaBoaOrdenação

em

, o conjunto 'X possui elemento mínimo, digamos 'm . Assim, Î' 'm X e

£'m y ,paratodo Î 'y X .Afirmamosque = +'m m a éumelementomínimodo

conjunto X .

Primeiramente,Ferreira(2010,p.55)explicaque Îm X ,pois = - Î' 'm m Xa .

Emsegundolugar, £m x , " Îx X ,umavezqueissoequivalea - £ -m xa a ,

paratodo Îx X ,ouseja, £'m y , " Îy X ,queéverdadepeladefiniçãode 'm .

Logo,méoelementomínimodeX.

Emseguida,Ferreira(2010,p.55)enunciaoseguintecorolário.

corolário

Seja Îx talque < £0 1x ,então =1x .

Demonstração:

Usecomosugestãooconjunto = Î £{ | 0<y 1}A y .UseoPBOparamostrar

queesteconjuntopossuielementomínimo.Concluaque = Î £{ | 0<y 1}={1}A y .

corolário

Sejam Î, n x ,taisque < £ +1n x n ,então = +1x n .

Demonstração:

Deixaremosparavocê,aluno.

Definição

Seja Îx ,definimosovalorabsolutodes,denotandoporì ³ïï=íï-ïî

se x 0

x se x<0

xx .

Definição

Umelemento Îx diz-seinversívelseexiste Îy talque =1xy .

ProPosição:

Osúnicoselementosinversíveisem são1e-1 .

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123

Demonstração:

Seja então Î *x um elemento inversível, tal que =1xy . Segue que,

a partir da propriedade de módulo = =1 1 xy , e como ³ 0x , ³ 0y ,

temos = = \ > >1 0 e y 0xy x y x . Assim, podemos concluir que

³ ³1 e y 1x , multiplicando a última desigualdade por x . Segue que

³ Þ = × ³ × ³ × = \ ³ ³ Û = -y 1 1 y 1 1 1 1 1 1 1 ou x= 1x x x x .

exercício:

Mostrequeì -ïï=íï- £ïî

2 1 se n>0( )

2 se n 0

nf n

n éumabijeçãode ®: f .

Paraconcluirestaseção,valedestacarasconsideraçõesdeFerreira(2010,p.

57)aomencionarqueCantorrompeuoparadigmagregodeque“otodoésempre

maiordoquesuaspartespróprias”,comovimostambémnaaulaanterior.Cantor

caracterizouconjuntos infinitos que podem ser colocados em bijeção com uma parte

própria sua(FERREIRA,2010,p.58).

Nestaaulaprocedemoscomaconstruçãoaxiomáticadosnúmeros inteiros.

Na aula seguinte. abordaremos a construção dos números racionais, denotados

por

,aodiscutiras inclusões Ì Ì .Osnúmerosque,nosensocomum,

sãointerpretadoscomo“pedaçosdepizza”ou“partesdeumbolo”nocontexto

escolar,evidenciamumaacepçãosuperficialquenãopodesersuficienteparaum

futuroprofessordeMatemática.

AULA 5 TÓPICO 2

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124 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 3 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO

• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros

racionais

Parece-nos temerário para o futuro professor de Matemática saber

exemplificar os números racionais somente por meio de exemplos

concretos como “pedaços de pizza” ou “pedaços de bolo”.

Assumimos que o professor deve conhecer bem mais do que o estudante e ter

condiçõesdeinterpretarateoriaformalsubjacenteacadasituaçãodeensino.Com

relaçãoaumfatosemelhante,destacamosque,noiníciodaconstruçãodoconjunto

dosnúmerosracionais,Ferreira(2010,p.61)comentaque:

No Ensino Fundamental, aprendemos que um número racional é a “razão”

entedoisnúmerosinteiros.Assim,porexemplo,onúmero 35

éa“razão”entre

3e5.Otermo“razão”naquelecontextosignifica“divisão”.Dessaforma,35

éomesmoque 3 : 5 ,quetemomesmoresultadodadivisão 6 :10 ,oqualse

escrevecomo 0,6 .Nonossocontexto,ostermos“razão”,“divisão”emesmo

“fração”devemserdefinidoscombasenoquejátemos,istoé,oconjuntodos

númerosinteirosesuaspropriedadesalgébricas.

Ferreira (2010, p. 61) observa ainda que em estão definidas apenas as

operações de adição, de multiplicação e a subtração, que é um caso particular da

adição: -a b ,queépordefinição + -( )a b ,onde-b éosimétricodeb.Ferreira

(2010,p.61)explicaaindaque:

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125

Poderíamostentardefiniradivisãodemodoanálogoàdefiniçãodesubtração,

ou seja, -= × 1:a b a b ,onde -1b éo inversomultiplicativodeb, istoé,o

númeroquemultiplicadoporbresultanoneutromultiplicativo1(domesmo

queosimétricodebéonúmero-b ,quesomandoabresultaoneutroaditivo

0).Oproblemaéqueosúnicoselementosinversíveisde sãoo1eo-1 [...]

logonãofazsentidoadefiniçãodedivisãoacima,dentrodospropósitosde

umadefiniçãorigorosadenúmeroracional.

Ferreira (2010, p. 62) destaca ainda que, para se chegar a uma definição

adequada,novamentetrabalha-secomoconceitoderelaçãodeequivalência,do

mesmo modo que empregamos para definir um número inteiro a partir do conceito de

número natural.

Consideremosoconjunto = Î Î* *: {( , ) tal que a e b } x a b .Definimos

nelearelação( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc .Emseguidatemososeguinteteorema.

TEOREMA

Arelação( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc édeequivalência.

Demonstração:Ferreira(2010,p.62)dizqueaprovadeque~ temaspropriedadesreflexiva

esimétricaficacomoexercício.Quantoàpropriedadetransitiva,se ( ) ( ), ~ ,a b c d

e ( ) ( ), ~ ,c d e f , entãoqueremosmostrarque ( ) ( ), ~ ,a b e f , isto é, se =ad bc e

=cf de ,então =af be .Multiplicandoambososmembrosdaprimeiraigualdade

por‘f’edasegundaigualdadepor‘b’,obtemos =adf bcf e =bcf bde ,ondesegue

que =adf bde ,cancelando ¹ 0d ,obtemosoquequeríamos.É por causa deste

último detalhe da demonstração que partimos de * x e não de x (FERREIRA,

2010,p.62).

Definição

Dado Î *( , ) a b x , denotamos por a

b(que se lê “a sobre b”)

a classe de equivalência do par ( , )a b pela relação ~ acima. Assim,

= Î *{( , ) se (x,y)~(a,b)}

ax y x

b.

TEOREMA (PROPRIEDADE FUNDAMENTAL DAS FRAÇÕES)

Se ( , )a b e ( , )c d sãoelementosde * x ,então = Û =

a cad bc

b d.

Demonstração:Deixaremosaseucargo,leitor.

AULA 5 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica126

Temos agora um significado preciso para o símbolo de fração a

b. Trata-se de

uma classe de equivalência com respeito à relação de equivalência que acabamos de

introduzir(FERREIRA,2010,p.63).

Definição

Denotamos por , e denominamos conjunto dos números racionais,

o conjunto quociente de * x pela relação de equivalência ~ , isto é,

= = Î Î*

*( ) { tal que a e b }~

axb

como no Ensino Fundamental

(FERREIRA,2010,p.63).Apartirdeagora,podemosdefiniralgumasoperações

nesteconjunto,dotando-o,portanto,deumaestrutura algébricaqueestudaremos

posteriormente.NoEnsinoFundamental,aprendemosque Ì .É claro que do

nosso ponto de vista atual isso não faz sentido, pois os elementos de são classes

de equivalência de pares inteiros, logo de natureza diferente da dos números inteiros

(FERREIRA,2010,p.64).

Ferreira(2010,p.64)destacaaindaque:

No entanto, veremos que existe uma aplicação injetora de em que

“preserva”asoperaçõesaritméticase,dessaforma,permitequeaimagemde

em poressaaplicaçãosejaumacópiaalgébricade em

.Assim,do

pontodevistadaálgebra,poderemosconsiderar comoumsubconjuntode

.Noteaanalogiacomaimersãode em .

Definição

Sejam a

b e c

d números racionais, isto é, elementos de . Definimos as

operações chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: (*)+

+ =

a c ad bc

b d bde(**) +

=

a c ad bc

b d bd.

TEOREMA

Asoperações+

e ×

estãobemdefinidas.

Demonstração:Deixaremosparavocê,leitor.

TEOREMA

Oconjunto

,munidodasoperaçõesacima,temaspropriedadesalgébricas

de ,ondeoelementoneutroaditivoé 01

eoneutromultiplicativoé 11

.Além

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127

disso,dado ¹ Î01

a

b,existe Î

c

dtalque =

11

a c

b d,istoé,todoelementonão

nulode teminversomultiplicativo.

Demonstração:Deixaremosparavocê,leitor.

Demodosemelhanteaoquefeznoconjuntodosnúmerosinteiros,Ferreira

(2010,p.67)defineaseguinterelaçãodeordemem .

Definição

Sejam a

be c

dnúmerosracionais,com >, 0b d .Escrevemos £

a c

b d,quando

£ad bc edizemosquea

bémenordoqueouiguala c

d.

TEOREMA

Arelação£ ,introduzidaacima,estábemdefinidaeéumarelaçãodeordem

em

.

Demonstração:Deixaremosparavocê,aluno.

TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)

Dados Î, r s ,um,eapenasuma,dassituaçõesseguintesocorre:ou =r s ,

ou <r s ou <s r .

Demonstração:Escrevendo = = Î e

a cr s

b d, com >, 0b d ,vamos compararos inteiros

ad e bc .PelaLeidaTricotomiaem ,ou =ad bc ,emcujocasoocorre =r s ,ou

<ad bc ,emcujocasoocorre <r s ,ou >ad bc ,emcujocasoocorre <s r .Além

disso,avalidadedeumadasafirmaçõesexcluiavalidadedasoutras.

Emseguida,Ferreira(2010,p.68)defineafunção ®: i por =( )1n

i n ,

paratodo În .Estaéafunçãodequefalamosanteriormente,que“imerge”

em

.Assim,podemosenunciaroseguinteteorema.

AULA 5 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica128

TEOREMA

Afunção ®: i ,acimadefinida,éinjetora.Alémdisso,elapreservaas

operaçõesearelaçãodeordemde em

noseguintesentido:

1. + = +( ) ( ) ( )i m n i m i n

2. × = ×( ) ( ) ( )

i m n i m i n

3.se £m n ,então £( ) ( )

i m i n .

Demonstração:No item (i) temos que se = Û = Û × = × Û =( ) ( ) 1 1

1 1

m ni m i n n m n m (1-

1). Mostremos que ®: i preserva a estrutura algébrica de

. Do seguinte

modo × + × ++ = + = = = +

×1 1

( ) ( ) ( )1 1 1 1 1

definição definição definiçãon m n m n mi n i m i m n . De modo

semelhante,verificamosasoutrascondições.

Assim,oconjunto = Î( ) { tal que n }1

ni éumacópiaalgébricade

em

,nosentidode ® Ì: ( ) i i .Essaimersãode em

tambémmostraque

é infinito, já que contém uma cópia de que é infinito e enumerável.

Antesdedemonstramosos teoremasmais importantesqueencerramesta seção,

enunciamosolema.

exercício:Sejam X um subconjunto de um universo U e Î Ì{ }

n nA U

uma família de subconjuntos de U. Mostre que( ) ( )Î Î=Ç\ \

n n n nX U A X A e ( ) ( )Î ÎÇ =È\ \ n n n nX A X A , lembrando

queÎ = Î Î În{ tal que x A , para algum n }

n nU A x U e

ÎÇ = Î Î " În{ tal que x A , n }

n nA x U .

1 :Lema Todosubconjuntoinfinitode éenumerável.

Demonstração:SejaXumsubconjuntoinfinitode e 0x seumenorelemento,queexiste

devidoaoPrincipiodaBoaOrdem.ComoXéinfinito,oconjunto = - ¹Æ0 0{ }Y X x .

Sejaagora 1x omenorelementode 0Y .Demodoindutivo,obteremospormeiodeste

raciocíniooselementos 0 1 2 3, , , ,....., nx x x x x .Emseguida,obtemosoelemento +1nx

comoomenorelementode = - ¹Æ0 1 2 3{ , , , ,......, }n nY X x x x x x ,para todo În .

Casocontrário,oconjuntoXseriafinito.Afirmamosagoraque:

= Î= = È È È =È0 1 2 3 0 0 1 0 1 2{ , , , ,......, ,.....,....} { } { , } { , , } .....n n nX x x x x x x x x x x x A

onde = 0 1 2 3{ , , , ,......, }n nA x x x x x . De fato, pelo exercício anterior, podemos

escrever que ( ) ( ) ( )Î Î Î=Ç =Ç\ \ n n n n n nX U A X A Y . Assim, se existisse mais

algum ( )ÎÎ -n nx X U A ,talque ( )ÎÎ Ç[ ]

n nx Y ,ecomotal,deveriasermaiordo

que 0x ,commesmarazão,devesermaiordoque 1x ,porestarem 1Y ,e,assim,

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 128 01/03/2016 11:28:54

129

sucessivamente. Deste modo, x deveria ser maior do que nx , para todo În

. Nesse sentido, o conjunto infinito = Ì0 1 2 3{ , , , ,......, ,.....,....}n xX x x x x x I , onde

={1,2,3,......, }xI x eseria,portanto,finito,umacontradição.

No que segue, Ferreira (2010, p. 70) aplica o Teorema Fundamental da

Aritmética.Seuenunciadointuitivo,segundoFerreira,podeserdescritopor:todo

número natural maior do que 1 pode ser expresso como produto de números primos.

Além disso, essa fatoração é única, a menor da ordem dos fatores.

2 :Lema Todonúmeroracionalpositivo a

b,( >, 0a b ),podeserescrito,de

modoúnico,comouma fração irredutível, istoé,na forma m

n,ondemensão

relativamenteprimosentresi,istoé,nãopossuemfatoresprimosemcomum.

Demonstração:Deixaremoscomotarefaparavocê,leitor.

ProPosição:

+*

éenumerável.

Demonstração:Consideremososnúmerosracionaisescritosnaformairredutível,dadapelo

lemaanterior.Seja + ®*: f dadaporæ ö÷ç = ×÷ç ÷çè ø

2 3m nmf

n.OteoremaFundamental

daAritméticaeaunicidadedarepresentaçãodefraçõesnaformairredutível,dada

pelaproposiçãoacima,mostramque f é1-1etemcomoimagemumsubconjunto

infinitode ,queé,enumerável.

TEOREMA

éenumerável.

Demonstração:Bastaescrever - += È È* *{0} .

Para concluir com algumas propriedades a mais do conjunto

, sublinhamos

que este conjunto está munido das duas operações, adição e multiplicação, estudadas

acima (FERREIRA, 2010, p. 72). Pode-se definir a partir destas operações, mais

duasasubtraçãoeadivisão,simbolizadaspor“-”e“¸ ”,respectivamente,da

seguinte forma: se Î, r s , define-se - = + -( )r s r s como em

e, se ¹ 0s ,-¸ = × 1r s r s . Ferreira (2010,p.72)destacaque, estritamente falando, a divisão

não seria em

, uma vez que seu domínio não é x e sim *

x .Porfim,Ferreira

(2010,p.73)sugereointeressanteexercício.

AULA 5 TÓPICO 3

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 129 01/03/2016 11:28:55

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica130

exercício:Mostreque

nãoébemordenado,istoé,existemem

subconjuntosnão

vazios,limitadosinferiormentequenãopossuemelementomínimo.

Apesar de não ser bem ordenado como e

,

possui todas as

propriedades aritméticasde , alémdapropriedadedeque todoelementonão

nulopossuiinverso.Nalinguagemalgébrica,qualquerconjuntomunidodeduas

operações, + e × , com propriedades aritméticas análogas às de

chama-se de

corpo.Se,alémdisso,umcorpoestivermunidodeumarelaçãodeordemcompatível

comsuasoperaçõesaritméticas,eleéchamadodecorpo ordenado. Assim, é um

exemplo de corpo ordenado(FERREIRA,2010,p.73).

Na próxima aula, estudaremos a construção axiomática dos números reais.

Se,atéestemomento,oleitornãocaptoua“essência”detudooqueestásendo

estabelecido, ou melhor dizendo, não compreendeu a dimensão filosófica do

quefoidiscutido,aconselhamosumareleituradotodootrechoanterioremque

descrevemos a construçãodos racionais.Em termospráticosdoofício, achamos

comprometedorumegressodeumcursodegraduaçãoemMatemáticadesconhecer

a“natureza”enãosaberdizeroquedefatoéumnúmeronatural,uminteiroou

umnúmeroracional.Nemmuitomenoscompreenderasrazõesdesuaexistência.

Retomaremosestasquestõespreocupantesnaúltimaaula.

Eantesdeconcluirestaseção,cabereforçaralgumasargumentaçõesepontos

devistaassumidosdesdeoiníciodocurso.Oprimeirodizrespeitoàimportância,

para quem tenciona ser professor de Matemática, de conhecer, compreender e

transmitiranaturezadosobjetoscomosquais lida.Sublinhamosbemno início

do curso a situação lastimável em que encontramos pessoas que concebem a

Matemáticacomoa“ciênciasdosnúmeros”.

ParafraseandoPlatão, estaspessoaspossuem, emnosso entendimento,um

“espíritopesado”paraaMatemática,poisaMatemáticaébemmaisdoqueisso.

Defato,vimosnasaulaspassadassituaçõesemqueaexistênciadeumcertoobjeto

éaprioriadmitidae,apartirdaforçadeumateoriaaxiomáticadesenvolvidaeum

formalismoadequado,nãosechegaaoutraconclusãodiferentedarealexistência

daqueleobjeto.

AhistóriadaMatemáticaémarcadaporeventosdessanatureza.Situações

nas quais nem mesmo os matemáticos profissionais sabiam ao certo com que

lidavam,masadmitiameaceitavamsuaexistênciacomaintençãodeextrairalguma

propriedadelogicamenteaceitável.Ora,istoéFilosofiadaMatemáticapura!

DestacamosoexcertoabaixocreditadoaograndematemáticoMorrisKline.

Emsuaspalavras,observamosalgunsconselhosecuidadosnoquedizrespeitoao

formalismoexcessivonoambienteescolaraodeclararque:

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 130 01/03/2016 11:28:55

131

As origens históricas dos conceitos e processos matemáticos não têm

naturalmente necessidade de ser a abordagem pedagógica. Contudo, uma

objeção válida à criação de novos conceitos e operações através dos mais

antigoséafaltadesentidodoqueéapresentado.Porexemplo,paraintroduzir

númerosnegativos,algunstextosmodernosperguntam,“Qualonúmeroque

somadoa2dá0?Elesentãoapresentam–2comoonúmeroqueserequer.

Como o dizem alguns textos, 2 é o único inverso aditivo para 2. Mas esta

introdução de -2 não dá a compreensão que a declaração, “Antimatéria

é aquela substância que adicionada à matéria produz vácuo”, dá qualquer

compreensão da antimatéria. Ao criar matemática por meio das questões

matemáticas e estender a novos domínios, leis ou axiomas que prevalecem

nos estabelecidos anteriormente, a matemática isola-se de todos os outros

corposdoconhecimento.Elaexistepeloquerepresentaeépresumivelmente

auto-suficiente. Parece então que, por acaso, as estruturas dedutivas assim

construídasseajustam[...](KLINE,1976,p.99).

Note-se,porém,queesteformalismoeartificialismo,condenadoporKline,

não pode ser de completo desconhecimento do professor, afinal, é impossível

conceberumaabordagemintuitivaparaumconceitomatemáticosedesconhecemos

demodoconsistenteseucomportamentoenaturezadentrodateoriaformalaqual

pertence.

Espera-se,assim,doprofessordeMatemática,encerradasestasaulas,saber

declarar,defato,doquesetrataequalanaturezadeumnúmeronatural,inteiro

ou racional. Compreender que as inclusões Ì Ì tratam-se de “criações

pedagógicas”quepodemtornarmenostortuososoentendimentodospequenos,

todavia, formalmente falando, o professor sabe que isto está equivocado, como

explicaFerreira(2010).

Para finalizar, antecipando um pouco de nosso próximo assunto, que

proporcionará escrever Ì Ì Ì , destacamos que existem várias formas

de construir os números reais. Um dos métodos possíveis é caracterizado por

sequências de Cauchy de números racionais (o completamento de

), descritopor

Aragona(2010).Avantagemdestemétodo,segundooautor,é que ele nos leva de

forma rápida e natural à representação decimal dos números reais que foi a forma

em que estes números foram conhecidos durante muito tempo antes de ter sua teoria

devidamente estruturada(ARAGONA,2010,p.39).

Poroutrolado,emtermosdeeconomia,optamospelaconstruçãodocampo

doreaisdesenvolvidaporFerreira (2010).Oautorempregaanoçãodecortes de

Dedekind.Comrespeitoaocontextoescolardeintroduçãodoconjuntodosreais

,Ferreira(2010,p.78)comentaemtomdecrítica:

AULA 5 TÓPICO 3

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 131 01/03/2016 11:28:56

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica132

No Ensino Fundamental, os números reais são geralmente introduzidos de

umamaneiraumtantoempíricaeseuestudonãocostumairalémdealgumas

operaçõesalgébricaselementares.Basicamente,oquediz-senessenívelsobre

osnúmerosreaiséoseguinte:admite-sequeacadapontodeumaretaestá

associado um número real. Há pontos que não correspondem a números

racionais(oqueéfácilverificarusandoadiagonaldoquadradodelado1).A

essespontossemabcissaracionalcorrespondemosnúmerosirracionais.Outra

formadeintroduzi-loséaseguinte:admite-seou,emalgunscasos,demonstra-

sequearepresentaçãodecimaldenúmerosracionaiséperiódica.Conclui-se

pordefinirnúmeroirracionalcomosendoaqueles(cujaexistênciaéadmitida)

quepossuemrepresentaçãodecimalnãoperiódica.Aoconjuntoconstituído

pelosracionaiseirracionaisdá-seonomedeconjuntodosnúmerosreais.Note

que, em ambas as abordagens, somos conduzidos a admitir a existência de

númerosnãoracionais:noprimeirocaso,paradotartodopontodaretadeuma

abcissae,nosegundocaso,paraconceberqualquerdesenvolvimentodecimal

comonúmero (nocaso,osnãoperiódicos).Emambososcasos,noentanto,

raramentesetocananaturezadestesnovosnúmeros[...].

Concluímosressaltandoquetencionamosdescrevernestaaulaaconstrução

dos conjuntos numéricos. Como comentamos no início da aula, julgamos

comprometedorumprofessortentarensinarumconceitosemmesmocompreendê-

lo,nemsaberdizerdoquetrataanaturezadesseconceito.Foicomestaintenção

que descrevemos as construções dos conjuntos anteriores. Nas aulas seguintes

iniciaremosalongaconstruçãoaxiomáticadosnúmeros reaisenúmeros complexos.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 132 01/03/2016 11:28:56

133

Nesta última aula, discutiremos alguns aspectos formais a respeito dos números

reais e dos números complexos. Lima (2004) critica de modo veemente a forma pela

qual são introduzidos tais conceitos no ensino escolar. Além de serem introduzidos

de forma indevida e de modo equivocado, na medida em que não se conhece sua

natureza em essência, dificilmente o professor percebe tais problemas, uma vez

que nem sempre na graduação se dá a ênfase devida a esses conceitos. Com

a reflexão que propomos nesta aula, buscamos, assim, evitar esse problema no

âmbito da formação do futuro professor.

Objetivos

• Descrever a construção axiomática dos números reais• Descrever a construção axiomática dos números complexos

AULA 6 A construção dos números reais, complexos e considerações finais

AULA 6

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 133 01/03/2016 11:28:56

134 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 1 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO

• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros

reais

Nestaaulaabordaremosconstruçãoaxiomáticadosnúmerosreais.

Valesempredestacaraimportânciadeofuturoprofessorconhecer

ecompreender, formalmente falando,anaturezadeumnúmero

real.Dessemodo,sublinhamosasconsideraçõesdeFerreira(2010,p.77):

O conceito de número real é um dos mais profundos da matemática

e, [...], remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta da

incomensurabilidadeentreoladoeadiagonaldeumquadrado.Aconstrução

desse conceito passou por Eudoxo (século IV a.C.), com sua teoria das

proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só foi concretizada no

séculoXIX,[...].Osmatemáticosalemães,CantoreDedekind,construíramos

númerosreaisapartirdosracionaispormétodosdiferentes,respectivamente

conhecidosporClassesdeEquivalênciasdeSequênciasdeCauchyeporCortes

deDedekind.Oúltimo,[...],inspirou-senaTeoriadasProporçõesdeEudoxo.

Antes de apresentarmos de modo axiomático a construção dessas novas

entidadesconceituais,quedesdeaescolachamamosdenúmeros reaisecomessa

denominaçãonosacostumamos,semmuitosquestionamentos,recordamosquese

contaque,notemplodeApolo,situadonailhadeDelosnaGrécia,existiaumaltar

comformageométricadeumafiguraquehojeéconhecidacomocubo.Havendo

umapesteemAtenas,umhabitantedacidade,embuscadeauxíliodivino,dirigiu-

seaDelosparaconsultá-losobreoextermíniodapeste.Adivindaderespondeu

que,sefosseconstruídoumaltarnotemplodeApolocujovolumemedisseodobro

doexistente,mantendo-seamesmaforma,apesteseriaeliminada.

Em termos matemáticos, isto equivale a fornecer um cubo de aresta ‘a’;

construirumcubodearesta‘x’,cujovolumesejaodobrodovolumeconhecido,que

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 134 01/03/2016 11:28:56

135

denotamosmodernamentepelaequação =3 32x a .Demodoparticular, tomamos

= \ =31 2a x .Esteproblemaantigonãofoiresolvido,umavezquenãoexisteem

talsoluçãopara =3 2x ,semfalarnofatodeosgregosnãodisporemaindade

umconjuntomais‘completo’doqueeste.

Este fato envolvendo um problema antigo explica que o corpo

foi

‘completado’ e obteve-se um conjunto maior, que modernamente chamamos de

corpodosreais(denotadopor ),noqualaequaçãopossuisolução.Esseproblema

foiresolvidodemodoconsistentecomaintroduçãodosnúmerosirracionaispor

Richard Dedekind (1831-1916). De fato, a partir da equação obtida no mesmo

problema,apenasnoplano,obtemos =2 2x e,apartirdoselementosdeHistória

daMatemática,verifica-sequenãoexiste Îq quesatisfaz =2 2q .

Assim, uma possibilidade é o estudo das aproximações racionais para a

equação =2 2x . Introduzimos a seguinte noção: denomina-se raiz quadrada

de 2, a menos de uma unidade, por falta, o maior número inteiro În tal

que ( )< < + 22 2 1n n . Assim, diz-se que o número +1n é denominado de raiz

quadradade‘2’amenosdeumaunidadeporexcesso.Nocasoinicial,para =1n ,

que implicaque a soluçãode =2 2x satisfaz < <1 2x .A seguir, realizamos as

aproximaçõesdecimaisdasoluçãodestaraizqueseencontraentre1e2.

Denomina-se raiz quadrada de 2 a menos de 110

por falta, ao maior

número inteiro de décimos cujo quadrado é menor do que 2. Isto equivale a

æ ö æ ö+÷ ÷ç ç< <÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø

2 212

10 10n n .Reparamosagoraqueonúmero +1

10n éaraizquadradade

2,porexcessoepormenosdeumdécimo.Paraprocederaocálculodestaoutra

aproximação,toma-seointervalo [1,2] edivide-seemdezpartesiguaispormeio

dos pontos: 1; 1,1; 1,2; 1,3; 1,4; 1,5; 1,6; 1,7; 1,8; 1,9; 2. Usando a inequação

anterior,obtemos ( ) ( )< <2 21,4 2 1,5 .Destemodo,1,4éasoluçãoaproximadade

amenosde 110

porfaltae1,5porexcesso.Logo,asolução‘x’destaequação

seencontranosegmento [1,4;1,5] .

Paraaobtençãodesoluçõesaproximadasde =2 2x amenosde 1100

,por

falta epor excesso,divide-se este segmentoemdezpartes iguaisdescritaspor:

1,4;1,41;1,42;1,43;1,44;1,45;1,46;1,47;1,48;1,49;1,5.Demodosemelhanteao

casoanterior,podemosobterque ( ) ( )< <2 21,41 2 1,42 ,querepresentaasolução

daequação =2 2x ,amenosde 1100

porfaltae1,42porexcesso.Logoasolução

encontra-senointervalodeextremos [1,41;1,42] .Aideiaagoraarepetir,pormeio

doraciocínioindutivo,oprocesso,eassoluçõesserãoaproximadasamenosde:

3 4 5 6

1 1 1 1 1, , , , ,....,

10 10 10 10 10n.

AULA 6 TÓPICO 1

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 135 01/03/2016 11:28:57

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica136

Em seguida, construímos as classes de aproximações F, por falta, e por

excessoEdassoluçõesde =2 2x ,aotomarmos: =: {1;1,4;1,41;1,414;1,4142;....}F

e =: {2;1,5;1,42;1,415;1,4143;....}E . Mais adiante, passamos a observar que os

quadradosdosnúmerosdeFsãomenoresdoque2eosdeEsãomaiores.Ademais,

percebemosque,deummodogeral,osnúmerosdeFsãodaforma1 2 31 .... na a a a e

osdeEsãodaforma +1 2 31 ....( 1)..na a a a ,sendo ia umalgarismode0a9.Tem-se,

portanto: < < +1 2 3 1 2 31 .... 1 ....( 1)....n na a a a x a a a a .

Representaremosagorapor nx oselementosdeFe ny oselementosdeE.Dessa

forma: - = >n

1 , y para n=1,2,3,...

10n n nny x x .Demodoresumidoenunciamosa

proposição.

Proposição:NãoexisteelementomáximoemFenãoexisteelementomínimoemE.

Finalmente,pormeiodaconstruçãodasclassesEeF,comovimosacima,e

desuaspropriedades,épossíveldefinirasoluçãoquebuscamosparaaequação

=2 2x , fato que foi investigado profundamente por Dedekind. Precisamos da

seguintedefinição.

Definição:Umconjunto ÌA éditoumelementomáximo Îa A (resp.mínimo),

quando ³ " Î , x Aa x

Exemplo:Observamosqueoelemento mínimodoconjunto =A éonúmero‘0’.Por

outrolado,oconjunto = Î{ | 0<x<1}A x nãotemelementomínimo,pelofato

deque,paratodo Îx ,temos \x

0<x<1 0< <x<12

.

Definição: Dizemos que ‘a’ é uma cota superior para um conjunto A quando

³ " Î , x Aa x . Por exemplo, todo número racional Îa , tal que >1a é cota

superiorparaoconjunto = Î{ | 0<x<1}A x .Demodosemelhante,definimosacota

inferiorparaumconjunto ÌA .

Apartirdestasdefinições,dizemosque,seumconjuntonãovazio ÌA de

todasascotassuperiorespossuiumelementomínimo,échamadodesupremodeA

edenotamospor ( ).Sup A Demodoanálogo,seumconjuntonãovazio ÌA de

todasascotasinferiorespossuiumelementomáximo,échamadodeínfimodeAe

denotamospor ( )Inf A .

Vejamosentãoumadefiniçãoimportanteaseguir.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 136 01/03/2016 11:28:58

137

Definição: Um conjunto a de números racionais diz-se um corte se satisfizer as

seguintescondições:

i)ƹ ¹a ;

ii)se Îr a e < Î (s )s r ,então Îs a ;

iii)paracada Îa a ,existe Îc a talque <a c (ema nãoexisteelementomáximo).

Demodoequivalente,podemosdefinirtambémque:

i’)ƹ ¹a ;

ii’)se Îa a ,entãoparatodo Îb talque ³b a ,deveremoster Îb a .

iii’) para cada Îa a racional, existe Îc a tal que <c a (não existe elemento

mínimo).

AideiageométricadoconjuntoacimaquechamamosdecortedeDedekind

é a de “cortar” a reta em duas semirretas. Destacamos que “cortar” significa

decompor

emdoisconjuntos e A a ,taisque = È A a e = Ç =Æ A a .E

se Î Î e ar A a ,então <r a .

Por exemplo, o conjunto { }= Î >2| x>0 e x 2xa . De fato, vemos que

Ï0 a e { }Î = Î > ¹Æ22 | x>0 e x 2xa , satisfazendo (i). Por outro lado, se

{ }Î = Î >2| x>0 e x 2a xa e ³ > \ > > ® >2 2 20 2 2b a b a b , ou seja,

Îb a que satisfaz (ii). Finalmente, se Îa a , com =p

aq

, então notamos que

> 0p

q e

æ ö÷ç ÷ = > « - >ç ÷ç ÷çè ø

2 22 2

22 ( 2 ) 2

p pp q

q q, assim, escrevemos - = ³2 22 1p q m .

Por outro lado, notamos que ×< =

× +1

n p pa

n q q, para todo În . De

fato, basta observar que × ×< < = =

× + ×0

1

n p n p pa

n q n q q. Assim, precisamos

mostrar que não existe elemento mínimo, mas tomando = 8n q , obtemos×

=× +

8:

8 1

q pc

q q, observando que

( )×

= >+

2 22

22

642

8 1

q pc

q. De fato, vemos que:

- > + « - > + «2 2 2 2 2 22

1 1( 2 ) 32 ( 2 ) 1 16

32 2p q q p q q

q

32 64 16 1 32 64 16 1

32

8 11

6

2 2 4 2 2 2 4 2

2 2

2 2

q p q q q p q q

q p

q

⋅ − − > ↔ ⋅ > + +

+( )> ↔

44

8 12

2 2

2 2

q p

q

+( )>

Vejamosalgunsexemplosconcretos.

a)Oconjunto { }= Î3

| x<5

xa éumcorte.Defato,notamosquetomando

Î e <2 35 5

,assim,valeoitem(i).Nocasodoitem(ii),considerando = Î25

r a ,

AULA 6 TÓPICO 1

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 137 01/03/2016 11:29:00

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica138

notamosque,se Îs e <25

s ,então, < \ Î35

s s a .Paraverificarqueoconjunto

{ }= Î3

| x<5

xa nãoadmiteelementomáximo.

b)Oconjunto { }= Î3

| x>5

xa nãoéumcorte.Deixamoscomoexercício.

c) O conjunto { }= Î ³| x 0xa não é um corte. De fato, vemos

que Î ¹Æ0 a satisfaz (i). Ademais, se { }Î = Î ³| x 0a xa , para todo

³ ³ \ ³0 0b a b ,assim, Îb a evale(ii’).Poroutrolado,notamosquenãovale

(iii’)se = 0a ;nãopodemosobterumelemento Îc a talque < 0c .

e) O conjunto { }= Î - £8

| 3 x<5

xa não é um corte. Deixamos como

exercício.

f)Oconjunto { }= Î -| x< 1xa nãoéumcorte.

Defato,apesarde { }- Î = Î - ¹Æ2 | x< 1xa (valei),verificamosquese

Îr a e < <-1s r ,com Îs ,então <-1s .

g)Oconjunto { }= Î | x<0xa éumcorte.

De fato, observamos que - Î ¹Æ1 a (i) e que, se Îr a e < Î (s )s r ,

temos < 0r ,com = < < \ <0 0p

s r sq

(ii).Porfim,notamosque,paratodo Îr a ,

temos+

< = <0

02 2

r rr ,com Î

2r

a (iii).

h)Oconjunto { }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa éumcorte.

De fato, notamos que =- <1 0x e - = <2( 1) 1 2 , portanto,

para £ 0x , - Î ¹Æ1 a . Vamos verificar a condição (ii) tomando

{ }Î = Î £ <2| x>0 ou para x 0 e x 2r xa . Temos dois casos a considerar, se

£ 0r e Îs ,com <s r ,logo < 0s e Îs a .

Nocasoemque > 0r e <2 2r com < Î (s )s r ,temosaspossibilidades:

< <0s r ou < <0 s r . Mas se < 0s , temos que Îs a . No segundo caso, se

< < « < < < \ <2 2 20 0 2 2s r s r s , assim, s também pertence ao conjunto

{ }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa .

Na condição (iii), se { }Î = Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2r xa , podemos

ter < 0r , neste caso, tomamos =1s , com <r s e <2 2s . No outro caso,

quando > <20 e r 2r , vamos tomar - >2 h=2 0r então, temos 2+h=2r e

- <2 0<h=2 2r consideramosocasode > <20 e r 2r .Paratanto,consideramos

o elemento = +5h

rg . Segue queæ ö÷ç= + = + +÷ç ÷çè ø

2 22 2 2

5 5 25h rh h

r rg . Notamos,

todavia que < \ < ×2 2 2 2r rh h e observe que < < ® < <20 2 0 2h h h , logo

= + + < + + < + < + =2 2

2 2 2 22 4 222

5 25 5 25 5rh h h h h

r r r x hg . Consequentemente,

obtivemosumelemento > < Î20 e 2 ( ) e >xg g g a g ,queéumcorte.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 138 01/03/2016 11:29:03

139

Proposição:

Sejaa umcorte, Îp a e Ïq a .Então, >q p .

Demonstração:Vamosnegarapropriedadedesejadaacima,ouseja,suporque £q p .Como

admitimosquea éumcorte,játemosdegraçaacondição(i).Poroutrolado,se

£q p ,onde Îp a e Îq ,então,peloitem(ii)dadefinição,deveríamosterque

Îq a ,oqueimplicaumacontradição.Assim,necessariamente,temos >q p .

Observamosque anegaçãodapropriedade fornecidapor estaproposição

pode ser útil, assim, caso tenhamos um corte a , com Îp a e se £q p ,

necessariamente,obtemosque Îq a ,queébasicamenteacondição(iii).

Proposição:

Se Îr e { }= Î | x<rxa ,entãoa éumcortee r éamenorcotasuperiordea .

Demonstração:Vejamosqueoconjunto { }= Î | x<rxa éumcorte.Defato,notamosque

{ }= Î Ì| x<r xa ,mas ¹a ,poisoconjuntodosracionaiséilimitado.Por

outrolado, { }= Î ¹Æ| x<rxa ,dado Îr ,podemossempreencontrarum

número Îx ,demodoque <x r .

Paraverificar (iii),bastaobservarque,setivermosumelementoqualquerÎs a , então sempre podemos tomar a média aritmética de dois racionais

+< <

2s r

s r ,ecomo Îr e +Î

2

s r ,vemosqueoelementocumpreacondição

+<

2s r

r ,logo +Î

2s r

a .Assim,sempreconseguimosobterumvalormaiordo

que Îs a ,demodoque +Î

2s r

a ,ouseja, Îs a nãoéelementomáximo.Ferreira

(2010,p.80)sublinhaque‘ r ’éamenorcotasuperior.Defato,supomosqueexista

outracotasuperior 'r de { }= Î | x<rxa ,menordoque‘ r ’,ouseja, <'r r .

Oscortesdotipodaproposiçãoanteriorsãodenominadoscortes racionais e

serepresentampor *r .Oscortesquenãopossuemcotasuperiormínimanãosão

racionais.

Pode-severificarquetodo corte que possui cota superior mínima é racional.

Mostraremosqueexistemcortesquenãopossuemcotasuperiormínima,logonão

sãoracionais.

Demonstração:Verificaremosoitem(i).Defato,deimediatotemosƹa ,pois - ¹Æ*

e

{ }+ -Ï = Î È2 *0 | x <2

, logo ¹a .Parao item(ii),desejamosverificar

AULA 6 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica140

quese { }+ -Î = Î È2 *| x <2 r xa ,e tomandoqualquer Îs ,demodoque

<s r .

Teorema

Seja { }+ -= Î È2 *| x <2 xa .Então a éumcortequenãoéracional.

Deixamosascondições(i)e(ii)paradiscutirmaisadiante.Quantoàcondição

(iii),devemosprovarque,se Îx a ,entãoexiste Îy a ,com >y x (nãoadmite

elementomáximo).Issoéóbviose £ 0x .Masvamossuporque > 0x ,com <2 2x .

Paraencontrarmosumelemento‘y’nascondiçõesacima,tomaremos +Î *h talque

( )+ <2 2x h epôr = +y x h .Vamostrabalharcomacondição( )+ × + <2 22 2x h x h

ereparamosquepoderíamosresolvertalinequação.

Poroutro lado,nãoperdemosageneralidadeadmitindoque <1h ,assim,

obteremos ( ) ( )<

+ × + < + × +2 2 2

12 2

hx h x h x h x h eestaexpressãoficamenordoque

2setomarmos:

<2-

+ × + < « × + < - « + < - « <+

22 2 2 2

2 2 2 2 (2 1) 2(2 1)

xx h x h h x h x h x x h

x.

Desdequeestaexpressão -+

22(2 1)

x

xsejapositiva,tomaremos

-<

+

22min{1, }

(2 1)x

hx

,

com +Îh e = +y x h ,eobteremos = + < \ Î2 2( ) 2 e y>xy x h y a .Éumcorte.

Notação:

Denotaremospor oconjuntodetodososcortes,ouseja, =: { | é um corte}a a .

Na sequência, veremos que se podem definir duas operações em  ,

denotadaspor“+”e“×”,eumarelaçãodeordem.

Proposição:

Sejam ÎÂ,a b . Dizemos que a é menor do que b e escrevemos <a b quando

¹Æ\b a .

Ferreira(2010,p.82)comentaosseguintesexemplos:

a)æ ö÷ç> ÷ç ÷çè ø

** 3

45

, poisæ ö÷çÎ ÷ç ÷çè ø

2 4 \ . De fato, reparamos que

æ ö÷çÎ = Î÷ç ÷çè ø

** 3 3

4 :={x | x<4} e : {x | x< }5 5

eque <2 4 ,todavia, >3

25

.

b) ( )> **1 0 ,pois Î * *11 \ 0

2.Verifique!

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141

c)( ) ( )- <* *3 0 ,pois ( )- Î - **1 0 \ 3 .Notamosque- Î = Î*1 0 { | x<0}x e

( )- Ï - = Î -*1 3 { | x< 3}x .

Definição

Se ÎÂa e > *0a ,a chama-secortepositivo.Se > *0a ,a éditocortenegativo.Se

³ *0a ,a sechamacortenãonegativoese £ *0a , a sechamacortenãopositivo.

Teorema (tricotomia)

Para ÎÂ,a b , uma e apenas umas das possibilidades ocorre, =a b ou <a b ou

>a b .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Lema:

Sejam ÎÂ,a b ,então:

i)se <a b Û Ìa b e ¹a b ;

ii) £ Û Ìa a a b .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Teorema

Arelação‘£ ’éumarelaçãodeequivalênciaem  .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Teorema

Sejam ÎÂ,a b .Se = + Î Î: { | r e s }r sg a b ,então ÎÂg .

Demonstração:Mostraremos que o conjunto acima satisfaz as três condições de corte.

Notamos que estamos admitindo que ¹Æ,a b , portanto ¹Æg . Sejam

Î - Î - e y t a b , e observamos que, por definição, > " Î , rt r a e

> " Î , su s b .Assim,obtivemos + > + " Î " Î , r e st u r s a b ,ouseja, + Ït u g ,

logo ¹g .

AULA 6 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica142

Na condição (ii), notamos que, se Î e s<rr g , com Îs , mostraremos

que Îs g .Notamosque ‘r’édotipo +p q ,com Î Î e qp a b .Daí, s<p+q e

escrevemos = + 's p q ,onde <'q q ,e,portanto, Î'q b .Conclui-seque Îs g .

Paraverificaracondição(iii),precisamosmostrarqueoconjuntonãopossui

elementomáximo,ouseja,se Îr g ,existe Îs g talque >s r .Pelofatodeque

Îr g ,escrevemos = + Î Î, com p e qr p q a b ,queporsuavezsãocortes.Assim,

existe Î Î' , com p'>p e q' , com q'>qp a b ,portantotomamos = + Î's p q g ,que

émaiordoquer.

Definição

Para ÎÂ,a b , definimos +a b como sendo o corte do teorema anterior, ou seja,

+ = + Î Î: { | r e s }r sa b a b .

Teorema

Aadiçãodecortesem écomutativa,associativa,epossuielemento*0 comoneutro.

Demonstração:Com a comutatividade descrita por + = +a b b a , reparamos que, se

Î +r a b ,podemosescrever = +r p q ,epelacomutatividadedasomadenúmeros

racionais, escrevemos = + = + Î +r p q q p b a .Portanto, + Ì +a b b a , e,de

modosemelhante,verificamosque + É +a b b a .

Aassociatividadeédescritapor + + = + +( ) ( )a b g a b g .

lema:Sejam ÎÂa e +Î *

r ,entãooconjunto + × Î{ | m }s m r nãoélimitado

superiormenteem

.

Demonstração:Deixamosaseucargo,leitor.

Ferreira(2010,p.85)apresentaoseguintelema.

lema:Sejam ÎÂa e +Î *

r , então existem números racionais p e q tais que

Îp a , Ïq a ,qnãoécotasuperiormínimadea e - =q p r .

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 142 01/03/2016 11:29:09

143

Demonstração:Vamos tomar um elemento qualquer Îs a e consideremos a sequência

+ + + + +, , 2 , 3 , 4 ,......,s s r s r s r s r s nr . Notamos que essa sequência não é

limitadasuperiormente,e a é limitadosuperiormentee Îs a ,entãoexisteum

únicointeiro ³ 0m talque + Îs mr a e + + Ï( 1)s m r a .

Se + +( 1)s m r não for cota superior mínima de a , tome = +p s mr

e = + +( 1)q s m r . Se + +( 1)s m r for cota superior mínima de a , tome

= + +2r

p s mr e = + +( 1)q s m r .

Definição

Seja ÎÂa .Existeumúnico ÎÂb talque + = *0a b .Comonocasodosinteirose

racionais,talelementob denota-sepor-a esechamasimétrico(ouinversoaditivo)de

a .

Demonstração:Ferreira(2010,p.86)supõeacondiçãoemquesetem + = + = *

1 2 0a b a b .Na

sequência,escreve = + = + + = + + = + =* *2 2 2 1 2 1 1 10 ( ) ( ) 0

associatividade

b b b a b b a b b b .

Poroutrolado,a demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da

situação considerada(FERREIRA,2010,p.86).

Ferreira(2010,p.86)forneceaideiadecomoconstruiroelementosimétrico,

considerando, inicialmente, um caso particular de = *3a . É de se esperar que

o simétrico seja - *( 3) . Temos: = = Î - = Î -* *3 { | r<3}, ( 3) { | s< 3} r sa .

E ainda que - = + Î Î Î -* * * *3 + ( 3) { | 3 s ( 3) }r s r . Necessitamos verificar que

- Ì* * *3 + ( 3) 0 evice-versa.

Seja Î -* *3 + ( 3)t , então = +t r s , onde <3r e <-3s . Logo,

= + < + - =3 ( 3) 0t r s eportanto < 0t e Î *0t .Sejaagora Î *0t ,ouseja, < 0t .

Para fixar as ideias tomemos =-2t e como expressar o -2 como uma soma +r s

com <3r e <-3s ? (FERREIRA,2010,p.86).

Reparamos que, pelo lema anterior, existem Î Ï -* *3 e r' ( 3)r , com

¹ *' 3 (=cota superior mínima de 3 )r ,taisque - =' 2r r ouainda- = + -2 ( ')r r ,

como >' 3r ,então - <-' 3r ,ouseja, - Î - *' ( 3)r .Tentaremosutilizarasideias

dessecasoparticularnocasogeral(FERREIRA,2010,p.86).

Dado ÎÂa , o candidato ao caso -a é o conjunto obtido

pelos negativos dos elementos que estão fora de a , com exceção

da eventual cota superior mínima de a . Mais precisamente, seja

= Î - Ï -{ | e não é cota superior mínima de }p p pb a a . Observamos que

- = Î - Ï - -* * * ( 3) { | 3 3 e não é cota superior mínima de ( 3) }p p .

AULA 6 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica144

Ferreira(2010,p.86)sublinhaque,no caso geral, não temos necessariamente

cortes racionais e, então, o símbolo - *( )a pode não fazer sentido.Mostremosque

b éumcorte eque + = *0a b .Comode costume,precisamosverificar as três

condições. As condições (i) e (ii) deixaremos como atividades e verificaremos a

condição(iii).

Com esta intenção, Ferreira (2010, p. 87) toma Îr b . Queremos mostrar

quepodemosencontrar >s r em b .Como -r é cota superiorde a ,masnão

émínima, logoexiste Ît ,com - <-t r , talque -t écotasuperiorde a e,

portanto,- Ït a .Sejaentão+

=2

r ts .Temos- <- <-t s r ,demodoque-s é

cotasuperiordea .Emseguida,oautorverificaquevaleapropriedade + = *0a b .

Definição

Como nos casos de e , definimos a subtração em  por

- = + - " ÎÂ( ) , ,a b a b a b .

Teorema(compatibilidade da relação de ordem com a adição)

Sejam ÎÂ, ,a b g taisque £a b .Então + £ +a g b g .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Ferreira(2010,p.87)defineumamultiplicaçãoem ,seguindoosmesmos

passos realizados na definição da adição e de suas propriedades. Nota-se que o

tratamento da multiplicação em  seja tecnicamente um pouco mais complicada, o

mesmo autor segue o tratamento e as demonstrações para o caso da adição.Ferreira

repara,todavia,quealgunsajustessãonecessáriosparaumadefiniçãoprecisada

multiplicação.Paratanto,enunciaoteorema.

Teorema

Para ÎÂ, ,a b g ,com ³ ³* *0 e 0a b ,

seja -= È Î Î Î ³ ³*: { | r=pq , com p , q , p 0 e q 0} rg a b .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

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145

Definição

Dado ÎÂa ,definimosovalorabsolutodea (ouomódulodea ),representado

por a ,doseguintemodoìï ³ï=íï- £ïî

*

*

se 0

se 0

a aa

a a.

Definição

Sejam ÎÂ, ,a b g ,definimos:

( )( )

ìï- > < < >ïïïï= < < > >íïïï = =ïïî

* * * *

* * * *

* *

se 0 e 0 ou 0 e 0

se 0 , 0 ou 0 e 0

0 se 0 e 0

a b a b a b

ab a b a b a b

a b

Teorema

Amultiplicaçãodecortesécomutativa,associativa,tem *1 comoelementoneutroese

ÎÂ, ,a b g ,vale:

i) + = +( )a b g ab ag

ii) × =* *0 0a

iii) = *0ab se,esomentese, = *0a ou = *0b

iv)se ³ ³ * e 0a b g ,então £ag bg

v)se ³ < * e 0a b g ,então ³ag bg

vi)se ¹ *0a em ,entãoexisteumúnico ÎÂb talque = *1ab .Talcortechama-se

deinversodea edenota-sepor -1a .

Teorema (regra dos sinais)

Sejam ÎÂ,a b ,entãovalemaspropriedades

a)( ) ( ) ( )- × = × - =- ×a b a b a b .

b) ( ) ( ) ( )- × - = ×a b a b .

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Proposição:

Seja ÎÂa ,temosque Îr a se,esomentese, <*r a .

AULA 6 TÓPICO 1

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica146

Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.

Proposição:

Sejam ÎÂ,a b e <a b ,entãoexisteumcorteracional *r talque < <*ra b .

Demonstração:Deixamosaseucargo,leitor.

Ferreira(2010,p.90)comentaqueo conjunto  munido de duas operações

é uma relação de ordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Além

disso, a aplicação ®Â:j dada por = *( )j r r é injetora e preserva a adição,

multiplicação e ordem. O autor explica aindaque obtivemos uma cópia algébrica

de um conjunto em outro, desta vez, ( )j é uma cópia de em  , sendo ( )j

precisamente o conjunto dos cortes racionais(FERREIRA,2010,p.90).

Recordamosumteoremaqueasseguraaexistênciadecortesnãoracionais.

Portanto,podemosafirmarque Â- ¹Æ( )j .Emseguida,Ferreira(2010,p.91)

apresentaaimportantedefinição.

DefiniçãoOconjuntodoscortes  será,apartirdeagora,denominadodeconjuntodosnúmeros

reaiseédenotadopor .Oscortesracionaisserãoidentificados,viaainjeção ®Â:j ,

com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado numero

irracional.

Notação:

Aidentificaçãode ( )j com

nospermiteescrever Ì

.Oconjunto -

representaoconjuntodosnúmerosirracionais.

Mais adiante, Ferreira (2010, p. 91)

sublinha, ao tempo em que prossegue sua

elaboração,queosresultadosseguintesmostram

que,apesardasemelhançaentreaspropriedades

aritméticas e de ordem entre e , há uma

importante propriedade em que

não

possuiadacompletude.

g u a r d e b e m i s s o !

ParaoprofessordeMatemática,destacamos

oseguintealertadeFerreira(2010,p.91):um

númerorealéumconjuntodenúmerosracionais.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 146 01/03/2016 11:29:15

147

Teorema (Dedekind)SejamAeBsubconjuntosde taisque:1) = È A B 2) Ç =ÆA B 3) ¹Æ ¹Æ e BA4)se Î Î e , então <A Ba b a b .Nestas condições existeum, e apenasum,número real g talque £ £a g b ,paratodo Î Î e A Ba b .

Demonstração:Vamossuporqueexistamdoisnúmeros 1 2 e g g ,nascondiçõesdoenunciado

acima,com 1 2<g g ,nascondiçõesdoenunciadodoteorema.Consideremos 3g tal

que <1 3 2<g g g ,devidopelaproposiçãoanterior.Reparequede <3 2g g ,resulta

que Î3 Ag ,pois ³ 2b g , " ÎBb e = È A B .Demodoanálogo, 1 3<g g ,resulta

que Î3 Bg .Obtemos entãoque Î Ç =Æ3 A Bg umacontradição.Aexistência

ficaaseucargo,leitor.

Ferreira (2010, p. 93) acentua que este teorema fornece, em essência, a

diferençaentre e .Eacrescenta:no teorema anterior e o exercício anterior nos

dizem, informalmente que, em não há “lacunas”, mas que em , há. Por esta

razão, dizemos que possui a propriedade da completude ou que é completo

(FERREIRA,2010,p.93).

CorolárioNascondiçõesdoteoremaanterior,ouexisteemAumnúmeromáximo,ou,emBumnúmeromínimo.

Demonstração:Deixamosparavocê,leitor.

Concluímosestetópicodiscutindoaspropriedadesaxiomáticasquepermitem

construir formalmente os números reais. Sublinhamos sempre a importância de

compreendersuaessência,emboramuitosdosaspectosestudadosnãopertençamao

universodecompreensãodosestudantes.Partimosdopressupostoqueoprofessor

deMatemáticadeveserconhecedordeumsaberbemmaisaprofundadodoqueseu

aprendiz,inclusiveparaanalisareidentificarlacunas,deficiênciaseinconsistências

nos livros adotados no ambiente escolar. Na pior das hipóteses, saber o que é

de fato um número real e que, formalmente, a inclusão Ì

apresentada no

contextoescolarnãotemsentido.Aseguir,discutiremosaconstruçãoaxiomática

dosnúmeros complexos.

AULA 6 TÓPICO 1

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 147 01/03/2016 11:29:16

148 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica

TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IVObjetivO

• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros

complexos

Osnúmeros complexoschamamaatençãodosestudantesatémesmo

pelapróprianomenclaturaadotadatradicionalmente.Defato,aos

olhosdoaprendiz,comosignificareinterpretardeumobjetoque

de início jáodenominamosde“complexo”?Nestaaulaabordaremosestanoção

demodoaxiomáticonosentidodefinalizaraconstruçãodosprincipaisconjuntos

numéricosdoensinoescolar.

ObservamosqueFerreira(2010,p.113)mencionaque:

NoEnsinoMédio,osnúmeroscomplexossãointroduzidosapartirdachamada

“unidade imaginária”, i, com a propriedade de que =-2 1i . Eles são

definidosentão,comoexpressõesdaforma +a bi ,onde Î, a b ,sujeitas

às regras operacionais conhecidas dos números reais. Assim, por exemplo,

( ) ( )+ × - = - + - = + + = +23 5 7 2 21 6 36 10 21 10 29 31 29

i i i i i i i

Ouseja,manipulam-setaisexpressõescomoexpressõesalgébricasreais,soba

condiçãoextradeque =-2 1i .

Dopontodevistadorigormatemático,énecessáriojustificarcuidadosamente

aorigemdeumtalnumero‘i’.Poroutrolado,a construção rigorosa dos números

complexos a partir dos números reais é mais simples do que todas as que realizamos

até agora (FERREIRA, 2010, p. 113). No Ensino Médio, aprendemos que dois

númeroscomplexos, +a bi e +c di ,sãoiguaisapenasquando =a b e =c d ,o

quenoslembraaigualdadeentreosparesordenados( ),a b e( ),c d .É esse o ponto

de partida para a construção dos complexos(FERREIRA,2010,p.113).

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 148 01/03/2016 11:29:17

149

Assim, define-se a soma ( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +

a bi c di a c b d i e

( ) ( ) ( ) ( )+ × + = - + +

a bi c di ac bd ad bc i . Em seguida Ferreira (2010, p.

114) esclarece que se admitíssemos um número complexo como sendo um par

ordenado de números reais, portanto sem mencionar o símbolo ‘i’, poderíamos

definir as operações acima do seguinte modo: ( ) ( ) ( )+ = + +, , ,a b c d a c b d e

( ) ( ) ( )× = - +, , ,a b c d ac bd ad bc .Temosformalmenteaseguintedefinição.

Definição

Consideremosoconjunto ´ = 2 eneledefinamosaadiçãoeamultiplicaçãocom

acima.Oconjunto 2 ,denotadoporessasoperações,serádenominadoconjuntodos

númeroscomplexosedenotadopor .

Teorema

As operações em têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são

comutativas, associativas e têm elemento neutro. (0,0) para a adição e (1,0) para a

multiplicação.Alémdisso,dado( )Î, a b seusimétricoexiste, ( )- ,a b ,eé( )- -,a b ,

ese ( ) ( )¹, 0,0a b ,seuinversoexiste ( )-1,a b eéæ ö- ÷ç ÷ç ÷çè ø+ +2 2 2 2

,a b

a b a b.Finalmente,a

multiplicaçãoédistributivaerelaçãoaadição.

Demonstração:Deixamoscomoexercícioparavocê,leitor.

Ferreira (2010, p. 115) explica que podemos imergir

em

e observa

inicialmente que um número complexo arbitrário ( )Î, a b pode ser escrito da

forma ( ) ( ) ( ) ( )= + ×, ,0 ,0 0,1a b a b , ou seja, utilizando-se apenas de pares ordenados

com a segunda coordenada nula, ( ),0a , e ( ),0b , e o número complexo especial ( )0,1 .

Consideremosagoraaseguintefunção ®: k dadapor ( )=( ) ,0k x x .

Definição

Afunção ®: k éinjetoraepreservaasoperaçõesdeadiçãoemultiplicação,istoé,

+ = +( ) ( ) ( )k x y k x k y e × = ×( ) ( ) ( )k x y k x k y .

Demonstração:Deixamoscomoexercícioparavocê,leitor.

Demodosimilaraoscasosestudadosanteriormente,aquitambémtemosem

umacópiaalgébricade

, ( )k ,oquenospermiteidentificar com ( )ke,portanto,considerar Ì .Admitindo essa identificação e adotando ‘i’ para o

número complexo ( )0,1 , a expressão para ( ) ( ) ( )( )= +, ,0 ,0 0,1a b a b pode ser escrita

como +a bi , como fazíamos no Ensino Médio(FERREIRA,2010,p.115).

AULA 6 TÓPICO 2

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica150

Note ainda que ( ) ( )= = -2 20,1 1,0i , o que identificamos com o real -1 .

Sobanotaçãoacima,oscomplexosdotipo +a bi ,com ¹ 0b ,chamam-senúmeros

imaginários,e,alémdisso, = 0a ,obtemososimaginários puros.Essasdenominações

têmsuaorigemnaresistênciahistóricaemseadmitiroscomplexoscomonúmeros.

Observequeotermo“imaginário”vemnosentidodecontraposiçãoa“reais”.

Observamosaindaqueaspropriedadesaritméticasde

,dadaspeloteorema

anterior,sãoasmesmasqueasde (quesãoasmesmasqueasde

).Assim,um

conjunto,munidodeduasoperaçõesquepodemoscontinuardenotandopor+ × e ,

possuindoessaspropriedadesaritméticaschama-secorpo.

Apesar de aspectos semelhantes, há grandes dessemelhanças entre os três

corpos , e ,comoacentuaFerreira(2010,p.116).Oautorrecordaaindaque

oscorpos e

,comojá tínhamosvisto,sãodotadosdeumarelação de ordem

compatívelcomassuasoperaçõesesão,portanto,amboscorpos ordenados,sendo

umcorpo ordenado completo e

um corpo ordenado não completo.

Observamosqueéimpossíveldotar

deumarelaçãodeordemcompatível

comas suasoperaçõesaritméticas. Intuitivamente,não temoscomodizer se3 é

maioroumenordoque 3i oudoque +2 i ,porexemplo.Dessaforma,

éum

corponãoordenável.Poroutrolado,Ferreira(2010,p.116)acentuaque

possui

umapropriedadealgébricaimportante.Talpropriedadeédescritanoteorema:todo

polinômio não constante com coeficientes complexos admite uma raiz em

.

DevidoaesteresultadoatribuídoaGauss,oteoremaéchamadodeTeorema

Fundamental da Álgebra. E o conjunto é dito algebricamente fechado.

BerlinghoffeGouvêa(2004,p.177)recordamumfatosemelhanteenvolvendonada

menos do que Renée Descartes (1596-1650), que, no século XVII, indicava que,

para encontrar os pontos de interseção entre uma circunferência C e uma linha

r(Figura1),encontramosumaequaçãoquadráticaetalequaçãoconduzaraízes

quadradasdegrandezasnegativasquando Ç =Æ{ }C r .Assim,paraamaiorparte,

o sentimento era a aparência de soluções “impossíveis” ou “imaginárias” que

davaumsinaldequeoproblemanãopossuíaqualquersolução.Todooproblema

advinhadadesconfiançadosmatemáticoscomrespeitoaosnúmeroscomplexos.

Figura1:Descriçãogeométricadasituaçãoenvolvendooconceitodenúmeroscomplexos(BERLINGHOFF;GOUVÊA,2004,p.123).

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151

Paraconcluiradiscussãoemtornodaconstruçãodosconjuntosnuméricos

que tradicionalmente são apresentados no contexto escolar satisfazendo a

seguintecadeia Ì Ì Ì Ì Ì ????

,Ferreira(2010,p.122)acrescentaa

interessante discussão em torno das questões que podemos elaborar em relação

à seguintepergunta:Os conjuntos numéricos param por aí? Ou seja,

pode ser

imerso propriamente em algum outro conjunto de números?

Oautordeclaraquearespostaparatalquestionamentoéafirmativaerecorda

queoconjunto

pode ser imerso no anel dos quatérnios de Hamilton.Ademais,

declara:

Entretanto,nãotemmaisaestruturaalgébricadecorpoporqueamultiplicação

deixa de ser comutativa. Os quatérnios são hoje utilizados em robótica,

computaçãográficaeemoutrasáreasdaciência.Porsuavez,osquatérnios

podemserimersosnosoctônios,noqualamultiplicaçãonãoémaisassociativa.

Osoctôniostemimportantesaplicaçõesemramosdafísicacomorelatividade

especial e teoriadascordas, alémde se relacionaremcomoutrasestruturas

matemáticascomoosgruposdeLieexcepcionais (FERREIRA,2010,p.122-

123).

Paraconcluir,sublinhamosnossosposicionamentosassumidosdesdeoinício

destecurso.Taisposicionamentosassumemumcompromissoepistemológicocoma

formaçãodoprofessordeMatemática.Dessemodo,emborademodointrodutório,

discutimosdeterminadostópicospertencentesaosfundamentosdaMatemáticae

seuinevitávelcaráterfilosófico.

Taisescolhasdeveminfluenciaroolhareoexercíciodoofíciodoprofessor,

afinal,concordamoscomThom(1992,p.24)quandoexplicaquequer desejemos

ou não, toda pedagogia matemática, mesmo aquela menos coerente, repousa sobre a

filosofia da matemática.Portanto,nãodiscutimosumapedagogiadesinteressadae

aplicávelatodasasáreasdoconhecimentocientífico.Discutimosealertamossobre

a importância de uma “pedagogia da Matemática”, que, inevitavelmente, deve

possuir seus fundamentos epistemológicos e filosóficos, os quais apresentamos,

pelomenosemparte,aqui.

Recordamosquealgumasquestõesfilosóficasnegligenciadasemcursosde

formaçãodelicenciadosdizemrespeitoàdimensãoaxiológicadosabermatemático

queabordamosnasaulasiniciais.Maisespecificamentefalando,aquestãosobrea

verdadeouafalsidadedosenunciadosmatemáticos.

Omodelostandartnolocusacadêmicodebuscadaverdadedepropriedades

dotipo: = +2 2 2a b c (TeoremadePitágoras)ou+

= 1( )

2n

n

a a nS (somadostermos)

se restringe em seguir passo a passo uma demonstração até se alcançar a tese;

AULA 6 TÓPICO 2

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 151 01/03/2016 11:29:19

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica152

contudo,osprópriosmodelos de inferênciaseanaturezadaargumentaçãonãosão

discutidos.

É inapropriado o professor transmitir a impressão de que as decisões em

sala de aula e as escolhas feitas em cadeias de raciocínio deste tipo são sempre

baseadasnacerteza matemática.Nestesentido,concordamoscomBrochard(1884,

p.5)quandolembraquea maior parte dos homens, nas circunstâncias da vida, se

decide baseando-se na crença e não na certeza.

Alémdisso,encontramosváriosexemplosdeteoriasnaHistóriadaMatemática

e das Ciências que apresentavam uma sustentação sólida e consistente, em

determinadosmomentoshistóricose,emoutros,tiveramsuasbasesenfraquecidas

emvirtudededeterminadasrefutaçõesequestionamentos,hajavistaosurgimento

denovospontosdevista.É justamenteocasodateoriadeIsaacNewton(1643-

1727),quefoibemestabelecidaeconfirmadanoséculoXVIIIequestionadaséculos

maistarde.

De fato,Popper (1972,p.34) lembraquea teoria de Einstein veio mostrar

que a teoria newtoniana não passa de uma hipótese ou conjectura e seu valor se

mede, sobretudo por sua falsicabilidade. Ou seja, com Einstein, evidenciamos o

levantamentodedeterminadasconjecturasque

se mostraram verdadeiras e que negaram ou

falsearam enunciados essenciais da teoria de

Newton.

Emexemploscomoeste,percebemosquea

próprianoçãodeverdadeefalsidade,anoçãodo

rigor matemático,deexistência,deconsistência e

anoçãodecompletude deumateoriamatemática

vaisemodificandonodecorrerdosséculos.

Fazpartedenossamissão,comoprofessores

formadores, evitar a falsa impressão em nossos

alunos de que o conhecimento matemático,

desde o seu nascedouro, se apresenta daquela

forma “bonitinha” como o encontramos nos

livrosdidáticos,descritosaxiomaticamentepor

umalinguagemmodernaadotadapeloprofessor

na escola.Afinal, atémesmo a linguagemouo

sistema de representação semióticaempregadona

Matemática evolui,umavezqueos símbolos e

classificaçõesemMatemáticasãohistoricamente

determinados.Elessãoarbitráriosnosentidode

quesímboloseclassificaçõesnumalinguagemsão

v o c ê s a b i a?

Shapiro(2000,p.166)explicaqueGôdeladmitiaG

umasentençanalinguagemT.SeTéconsistente,

entãoGnãoéteoremadeT.

s a i b a m a i s !

Sertafi(2008,p.125)lembraqueLeibnitzcolocou

em circulação cerca de doze novos símbolos,

que o mesmo queria testar e selecionar o mais

apropriado. Porém, todos eles dotados de uma

extraordinária imaginação simbólica e otimismo

inveterado.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 152 01/03/2016 11:29:20

153

escolhidos.Destaformaelespodemservistosnumaperspectivafenomenológica

emquetaissímbolospossuemsignificadosparticularesederivamdeexperiência

individualdoseuuso(SERTAFI,2008,p.53).

Ocaráterarbitrárioquemencionamossemanifestadeformasutilevelada.

Um professor consciente sabe que simbologias são “enterradas” e descartadas

em razão de suas limitações, ambiguidades ou falta de operacionalização; mas,

demodoautoritário,vemosaadoção,semnenhumaexplicação,dedeterminadas

notaçõesqueobtiverammaisêxitodoqueoutras,contudonãonoslembramosde

queelasrepresentamasuperaçãodoserros,dasincompreensõeseasinseguranças

dematemáticosdopassado.

Temos aí uma face deste absolutismo

quando priorizamos o caráter sintático

da linguagem, que passou por profundas

modificações em vez do seu caráter semântico.

Paradoxalmente, o teor e a visão absolutista,

o caráter rigoroso e formal da Matemática

parecem ser mais “cômodos” no que se refere

à transposição didática do saber. Na prática,

no ambiente acadêmico, o próprio método

axiomáticodeestruturaçãoeorganizaçãodeste

saberéusadocomo“metodologiadeensino”.

Denunciamosqueograndeequívocoéaplicarummétododeconstruçãoe

constituiçãodosabermatemáticonoambientedapesquisacomouma“metodologia

de ensino”, haja vista que o primordial no

método axiomático é a abstração da abstração,

enquanto isso, no ensino escolar, deveríamos

primarpelaintuição,peloraciocínioheurístico.

Nesse sentido, recordamos as colocações

filosóficasdomatemáticoFreudenthal (2002,p.

145) quando declara que se o construtivismo

significa algo didático, devemos indicar o

que esperamos construir. Mas, infelizmente,

os indicadores de nossa realidade nos fazem

concordar com Gattegno (1960, apud, PIAGET

etal.,1960,p.159)quandoconcluiqueamaior

partedosprofessoresdematemáticaconsideraquesuatarefaconsisteemfazeros

estudantesracionarlogicamenteenãoimportaaquecusto.

Advertimos que a concepção do curso de formação deverá ser um fator

condicionante edeterminantena futura identidadeprofissional construídapelo

v o c ê s a b i a?

Ernest(1991,p.7)explicaqueavisãoabsolutista

da matemática consiste em certas verdades

imutáveis. O conhecimento matemático nesta

perspectiva se constitui a partir de verdades

absolutaseirrefutáveis.

s a i b a m a i s !

Sertafi(2008,p.125)Shapiro(2005,p.176)explica

queotermoestruturalismoéassociadoaogrupo

inolvidável chamado Bourbaki. Dentre as suas

propostas,ométodoaxiomáticopoderiafornecer

aunificaçãodosdiversosramosdaMatemáticae

apenaseletornariaaMatemáticainteligível.

AULA 6 TÓPICO 2

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica154

egresso de um curso de graduação. Vale a pena comparar as duas concepções

possíveisqueexibimosnasilustraçõesabaixo.

Figura2:FluxogramadocurrículodeformaçãodeprofessoresdeMatemáticaquenãoestabelececonexãoentreossaberesespecíficosepedagógicos(elaboraçãoprópria).

Reparamosque,naFigura2,descrevemosomodeloobsoletode formação

maisidentificávelemaisexploradoemvárioscursosdegraduaçãonoBrasil.Por

outrolado,naFigura3,aseguir,recordamosaconcepçãodeformaçãoassumidano

decorrerdasaulasdeFilosofiadasCiênciasedaMatemática.Deixamosparavocê,

leitor,aprerrogativadeefetuarsuasprópriasescolhas.

Figura3:FluxogramapropostoparaumaadequadaformaçãodoprofessordeMatemática(elaboraçãoprópria).

Concluímosestadestacandoaimportânciadedivisarmosadimensãofilosófica

do saber matemático. Observamos que nas ultimas aulas, em que descrevemos,

emborademodo“apressado”,emvirtudedaconcisãonecessárianestematerial,

aconstruçãoaxiomáticadosconjuntosnuméricos.Torna-seumaexigência,deste

modo, que o professor amplie sua própria visão da Matemática e transmita um

significadobemmaisamplodoqueosignificadousualerestritofornecidopelos

livrosdidáticos.Entretanto,o“livrodidático”seránossoobjetodediscussãoem

umfuturopróximo.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 154 01/03/2016 11:29:20

155

Grugnetti & Rogers (2000, p. 53) explicam que a História da

Matemática pode atuar não apenas como um fator de ligação

entre tópicos de Matemática, como também as ligações entre a

Matemática e outras disciplinas. Os referidos autores desenvolvem uma análise

naperspectivadaHistóriadaMatemáticaediscutemcomodeterminadossaberes

podemsermediadosnoensino.

Entretanto,noâmbitodoensinodeMatemática,assumimosanecessidade

daadoçãodeumapropostametodológicaqueviabilizeaabordagemdeconteúdos

matemáticos por meio de sua história. Assim, adotaremos a “proposta teórico-

metodológica apresentadaporumgrupodeEducadoresMatemáticosdoEstado

do Ceará” (BORGES et al, 2001, p. 3) denominada Sequência Fedathi – SF que

possibilita a criação de um clima experimental que retrata o os momentos e as

dificuldadesenfrentadasporummatemáticoprofissionalembuscadaconstituição

deumsaber.Areferidasequênciadeensinoprevêosseguintesníveis:

• Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um

teorema. Neste nível, o pesquisador-professor apresenta uma situação-

problema (possivelmentenoâmbitodaHistóriadaMatemática)parao

grupodealunos,quedevempossuirmeiosdeatacarmedianteaaplicação

doconhecimentoaserensinado.

• Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis

envolvidasnoproblemarelacionadoàHistóriadaMatemática(destinado

adiscussãoedebateenvolvendooselementos:professor-alunos-saber).

TÓPICO 3 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua históriaObjetivO

• Apresentarumaaplicaçãodeumasequênciadeensino

paraconteúdosdeHistóriadaMatemática

AULA 6 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica156

• Nível 3 Solução–apresentaçãoeorganizaçãodeesquemas/modelosque

visemà soluçãodoproblema.Aqui,os alunosorganizadosemgrupos,

devem apresentar soluções e estratégias, que possam conduzir aos

objetivossolicitadoseconvencercomsuasargumentaçõesoutrosgrupos.

• Nível 4 Prova–apresentaçãoeformalizaçãodomodelomatemáticoaser

ensinado.Aqui,adidáticadoprofessordeterminaráemquecondições

ocorreráaaquisiçãodeumnovosaberquedeveserconfrontadocomos

saberesmatemáticosatuais,inclusiveasmodificaçõescondicionadaspela

evoluçãoemodernizaçãodomesmo.

A adoção de uma proposta metodológica para o ensino das sequências de

Fibonacci edeLucas é justificadaapartirda evidenciadeque,na literaturada

áreadeHistóriadaMatemática,obtidapormeiodeumlevantamento bibliográfico

e análise de livros, ocorre escassez de uma discussão mais aprofundada e das

implicaçõespossíveisextraídasapartirdasrelaçõesconceituaisentreassequências

supracitadas,alémdoquadroacadêmicopreocupantedescritoporBianchi(2006)

eStamato(2003).

Encontramos também nas afirmações de Lima (2001(a)) preocupantes

conclusões a respeito da qualidade do livro didático de Matemática, de modo

particular, na abordagem de sequências numéricas. Deste modo, de acordo com

a sugestão de Lima, desenvolveremos algumas considerações que podem evitar

determinadasconcepçõesehábitosindesejadosnaaprendizagemdosestudantes.

Uma concepção facilmente identificada diz respeito a um ensino de

Matemática que não evidencia as relações conceituais. Deste modo, como

descrevemosnaFigura1,discutimosumassuntoquepossibilitaumaamplaligação

conceitualinternaàprópriaMatemática.“Talligaçãoprecisasercompreendidade

modo local eglobalporpartedoprofessor interessadoemseuensino” (ALVES;

BORGESNETO,2010,p.3).Alémdisso,aoobservarmosasconexõeseimplicações

possíveis e conhecendo a natureza da complexidade dos conceitos envolvidos,

podemospreverosmomentosdidáticosemquecadanoçãopodeserexploradae

anteverospossíveisobstáculosaoaprendizado.

Passamosassimadescreverumapropostadeaplicaçãoteóricadosconteúdos

de sequência de Fibonacci e de Lucas, segundo o modelo que nominamos de

“estendido”.

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 156 01/03/2016 11:29:20

157

Figura2:Relaçõesconceituaisexploradas(ALVES;BORGESNETO,2010,p.5).

Honsberger(1985,p.104)menciona,semfornecermuitosdetalhes,que,“não

existedificuldadeemestenderaseqüênciadeFibonaccinosentidoindefinidamente

oposto”.Defato,notamosque: - -= + \ =1 0 1 1f f f f 1 ; - - -= + \ =-0 1 2 2f f f f 1 ,...,

etc.Sucessivamentetemos:

- Î - - - - - - - - -

- - - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{f } :{......; f ;...; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f }

{ ....;...... ; 21; 13 ; 8 ; 5 ; 3 ; 2 ; 1 ; 1 ; 0} (1)

Destacamos que, em nenhuma das

obras consultadas, encontramos a descrição

da sequência de Fibonacci para o conjunto dos

inteirosnegativos.Entretanto,usandoomesmo

princípio para a forma geral - -= +n n 1 n 2f f f ,

estabelecemos - - - - -= +n n 1 n 2f f f , În

.

Acrescentamosaindaqueomodelomatemático

descrito por - -= +n n 1 n 2f f f , pode ser

considerado,numa linguagematual,comouma

singelamodelagemdageraçãodecoelhos;todavia,omesmonãopodemosdizerem

relaçãoàsequência - În n{f }

.

Demodoanálogo,lembrandoque - -= + \ = - =-1 0 1 1 1 0L L L L L L 1 ,temos

aseguinteregra - - - - -= +n n 1 n 2L L L ,para În .Exibimosasequência:

- Î - - - - - - - - -

- - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{L } :{..; L ;...; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L }

{ ...;...... ; ; 18 ; 11 ; 7 ; 4 ; 3 ; 1 ; 2 } (2)

A vantagem desta formulação pode ser compreendida, por exemplo, a

partir da fórmula + -× - = -2 nn 1 n 1 nf f f ( 1) demonstrada pela primeira vez por

Giovanni Domenico Cassini (1625-1712), em 1680, como explica Koshy (2007,

apud ALVES; BORGES NETO, p. 134).Vamos agora realizar o mesmo raciocínio

s a i b a m a i s !

Conheça mais sobre a história do matemático

Giovanni Domenico Cassini acessando o site

http://www.apprendre-math.info/portugal/

historyDetail.htm?id=Cassini

AULA 6 TÓPICO 3

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 157 01/03/2016 11:29:21

F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica158

para a sequência descrita por - - - - -= +n n 1 n 2f f f . A matriz adequada será dada

por -

- -

æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷= =ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç-è ø è ø0 11

1 2

0 1 f fQ

1 1 f f.Demodoanálogoecomalgumesforço,concluímos

- + -

- - -

æ ö÷ç ÷=ç ÷ç ÷çè øn 1 nn

n n 1

f fQ

f f. Aplicando um argumento semelhante ao de Honsberger,

obtemos a seguinte identidade - + - - -× = - +n 2n 1 n 1 nf f ( 1) f , para În

. Assim,

tomando-se os modelos - În n{f }

e - În n{L }

, que chamaremos de “sequências

estendidas”, podemos inferir propriedades surpreendentes. Vamos exemplificar

nossaafirmaçãosugerindooseguinteproblema:Qualocomportamentogeométrico

de - În n{f }

e - În n{L }

?

faremos agora o Passo a Passo Do Processo metoDológico Da aula sobre

sequência.

Nível 1 Tomada de posição–apresentaçãodoproblemaoudeumteorema.

Destacamos que tal questionamento é pouco usual. De fato, notamos que

a noção de sequência é explorada, eminentemente, “num quadro aritmético e

algébrico”(LIMA,2001(b),p.123).Assim,apartirdalistagem(1)e(2),podemos

estimularosestudantesnaconstruçãodosseguintesgráficos.

Figura3:Apresentaçãogeométricadassequências(ALVES;BORGESNETO,2010,p.8).

Certamentequesemoauxíliocomputacional,nãoconseguimosdescrevero

gráficoacimaparavaloresmuitograndes.Assim,nonível2empregamosoaparato

tecnológico.

Nível 2 Maturação –compreensãoeidentificaçãodasvariáveisenvolvidas

noproblema.(Destinadoàdiscussãoedebateenvolvendooselementos:professor-

alunos-saber).

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159

A partir da observação da figura 4, o professor deve salientar aos seus

estudantesocaráterlimitadoeinsuficiente,nosentidodepreverocomportamento

das sequências. Inclusive, usando o software Maple 10, notamos que, de modo

semelhante aomodelo tradicional, omesmo fornece apenas osvalorespositivos

da sequência, definida para inteiros positivos. Reparamos as aproximações por

casasdecimaisdescritaspeloprogramanafigura3.Tallistagempodegeraralguma

estranheza nos estudantes, uma vez que, segundo o modelo de Fibonacci, não

poderiamexistir4,9999999956casaisdecoelhos.

Nestenível,oprofessorpoderáestimularatividadesnuméricas.Porexemplo,

apartirdafigura6, - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f paraocasodográficode - În n{f }

.

E de modo equivalente, os alunos podem debater o comportamento do gráfico

dasequência de Lucas,entretanto,respeitandoopoderdesíntesedestaaula,nos

restringiremosdaquiemdianteaocasodasequência de Fibonacci estendida - În n{f }

.

Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que

visemàsoluçãodoproblemarelacionadoaHistóriadaMatemática.

A partir das propriedades conjecturadas no nível 3, a saber - =-2n 2nf f

e - + +=(2n 1) 2n 1f f , o professor necessita instigar a turma na compreensão de que

tais propriedades são insuficientes para responder o problema inicial. Aqui,

evidenciamosumaimportantecaracterísticadaSF,quebuscaevitarumaaparência

superficialdoconhecimentomatemático.

Tal aparência superficial leva os estudantes a pensarem que para todo

problemaencontramosumarespostadefinitivaeconclusiva.Nestecaso,omestre

sabequea respostaparaoproblemaexigebemmaisdoquealgumas linhasde

argumentação e, além disso, deve conhecer a priori as possíveis propriedades

necessáriaseanteverasdificuldadesreaisàevoluçãodoconhecimentoemdiscussão

pelaturma.Nopróximonível,oprofessorconvenceráseusalunosarespeitodas

argumentaçõesqueapresentammaioreschancesdeêxito,mesmoqueparcial,para

oproblema.

Nível 4 Prova–apresentaçãoeformalizaçãodomodelomatemáticoaser

ensinado.

Admitindoquesejaverdadeque - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f ,poderíamos

afirmar que o comportamento geométrico da sequência de Fibonacci de termos

pares estendida seráomesmocomportamentoda sequência tradicional, amenos

AULA 6 TÓPICO 3

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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica160

deumsinal,oqueprovocaráasimetrianográfico.Enosegundocaso,poderíamos

concluirqueos termos ímpares, tantodasequência tradicional comoasequência

de Fibonacci estendida,devemseridênticos,entretantoambasproduzemrespostas

parciais para nosso problema inicial. Para verificar tais igualdades, seguimos a

sugestãodeBenjamin;Quinn(2005,p.143),quepropõemaverificaçãodaseguinte

igualdade +- = - ×n 1

n nf ( 1) f para În .

Mas assumindo por indução a igualdade +- = - ×n 1

n nf ( 1) f ,

necessitamos provar que + + +- + - - + += = - × = - ×(n 1) 1 n 2

(n 1) n 1 n 1 n 1f f ( 1) f ( 1) f . Usamos- +

- - - -= - × = - ×n 1 1 n(n 1) n 1 n 1f ( 1) f ( 1) f ,assim:

- + - - - - - - + -= + \ = - =Hipótese

n 1 n n 1 n 1 n 1 nf f f f f f

= − ⋅ − − ⋅ = − ⋅ + − ⋅ =

= − ⋅ +(−

+−

( ) ( ) ( ) ( )

( )

1 1 1 1

11

11

1

nn

nn

nn

nn

nn n

f f f f

f f ))= − ⋅+ +( )1 21

nnf

“Opensamentomatemáticopodeapoiarosestudantesemdiversosmodos

quandoestudamhistória”(GRUGNETTI;ROGERS,2000,p.53).Ainvestigaçãode

evidênciasprimáriaseoprocessodedecisãodequaissãoosresultadosefatores

chaveemcadaeventoproporcionaumavisãoglobaleinterconectadaaosjovens,

entretanto o professor necessita se apoiar em concepções e teorias que possam

viabilizar um ensino/aprendizagem produtivo, com o suporte da História da

Matemática.

A proposta metodológica denominada Sequência Fedathi visa um ensino

desta ciência que preserva alguns traços característicos do momento de criação

e descoberta de um matemático. Deste modo, uma das variáveis na pesquisa é

a formulação de situações-problema intrigantes que exigem bem mais do que o

exercíciodopensamento algorítmico(OTTE,1991,p.285).

Emnossocaso,evidenciamosemváriasobrasaausênciadaexploraçãode

propriedades intrigantesentreassequências de FibonacciedeLucas.Apenasem

Honsberger (1985), encontramos a breve sugestão de desenvolver propriedades

com o que nomeamos de sequência estendidade de Fibonacci. A partir dela,

desenvolvemostambémalgumaspropriedadesparaasequência estendida de Lucas.

Seguindooraciocínioencontradonoslivrosconsultados,adaptamososresultados

obtidosparaaprimeirasequêncianasegunda.

Na figura 3 exibimos nossa última relação descrita de modo significativo

por meio de uma interpretação geométrica. Respeitando os limites de síntese

deste artigo, salientamos, de modo resumido, o caso das relações com a noção

filosofia_das_ciencias_e_da_matematica.indd 160 01/03/2016 11:29:22

161

de convergência de sequências. Descobrimos que o quociente +n 1

n

ff converge

(BENJAMIN;QUINN,2005,p.157).Omesmoresultadopodesercompreendido

de modo intuitivo e informal num curso de História da Matemática, quando

recorremosàtecnologia.Demodosurpreendente,nãoidentificamos,naliteratura

pesquisada,ocomportamentode +n 1

n

LL descritadoladodireitodaFigura4.

Figura4:Comportamentogeométricodoquociente(ALVES;BORGESNETO,2010,p.8).

Finalizamos este tópico salientando a dificuldade enfrentada pelos

professorescomvistasaumaefetivaexploraçãoemsaladeaula.Commencionamos

anteriormente,muitosdosconhecimentosapresentadosaoprofessoremformação

envolvemumsaberde“caráter informacional”,enãoumasobrasconsultadas

“caráter operacional”.Alertamosque,namaioriadoscasos,oprofessor,porsisó,

nãoconseguerealizarasnecessáriasligaçõesentreteoriaeprática,principalmente

oincipientenacarreira.

Desse modo, buscamos discutir e explorar nestes tópicos um caráter

operacional do saber matemático com um viés eminentemente histórico. Sua

importânciaédestacadaporDambros(2006,p.5)aorelatarque:

Dentreas justificativasapresentadaspelosdefensoresdoestudodahistória

damatemáticapeloprofessor,háumainsistentementecitada:oprofessorque

conheceahistóriadamatemáticacompreendeamatemáticacomoumaciência

emprogressoeconstrução,comoumacriaçãoconjuntadahumanidadeenão

como uma ciência pré-existente, um presente acabado de Deus, descoberta

porgênioseporissoincontestável.

Este caráter de “saber universal”, manifestado de modo peculiar na

Matemática,éhistórico.Eleperpassaeinfluenciatodaaformaçãodosformadores

AULA 6 TÓPICO 3

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deprofessorese,porúltimo,influenciaráaformaçãodolicenciado.Muitosdestes

condicionamentospodemserentendidos,namedidaemquenosatemosàprópria

constituição,evoluçãoedeterminaçãodoscurrículosdeMatemática,desdeoBrasil

colôniaatéosdiasatuais.Nestesentido,Miorim(1995,p.192)discuteque:

Na3ªsérieaarticulaçãoentreaaritméticaeaálgebracontinuaatravésda

ampliação do estudo de funções, de sua representação gráfica e das equações e

desigualdadesalgébricas.Nageometriapercebe-seclaramenteorompimentocomo

modeloeuclidiano,quandoépropostooestudodeproposiçõesfundamentaisque

servemdebaseàgeometriadedutiva,dasnoçõesdedeslocamentoselementaresno

plano;translaçãoerotaçãodefigurase,emseguida,umasériedeestudosespecíficos

sobrefigurasrelaçõesmétricasehomotetia.Éapulverizaçãodageometriadedutiva

eucliana.

Emsuasconsiderações,notamosadenúnciaarespeitodasreformashistóricas

envolvendoocurrículodeMatemática,que,emalgunscasos,proporcionaramum

efeitonocivoàEducação.OselementosapontadospelapesquisadoraMariaÂngela

MiorimconstituemelementosdaHistóriadaEducaçãoMatemática.

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CURRÍCULOFrancisco Regis Vieira Alves

Professor Francisco Régis Vieira Alves atua há dez anos no ensino superior como professor

de Matemática. Foi professor da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde promoveu a

modificação e reorganização do currículo para o professor de Matemática em consonância

com paradigmas nacionais e internacionais, e coordenador de cursos de especialização nesta

instituição voltados ao ensino da Matemática. Atualmente é professor do Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE), no qual possui atividades

direcionadas ao curso de licenciatura. No que diz respeito à sua formação acadêmica, é

licenciado e bacharel em Matemática – UFC; mestre em Matemática Pura e em Educação

(UFC); e doutor em Educação com ênfase no ensino de Matemática em nível superior. É

pesquisador do laboratório Multimeios da UFC.

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