MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Universidade Aberta do Brasil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Diretoria de Educação a Distância
Fortaleza, CE2011
Licenciatura em Matemática
Filosofia das Ciências e da Matemática
Francisco Régis Vieira Alves
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CréditosPresidenteDilma Vana Rousseff
Ministro da EducaçãoFernando Haddad
Presidentes da CAPESJoao Carlos Teatine Climaco
Diretor de EaD - CAPESCarlos Eduardo Bielschowsky
Reitor do IFCECláudio Ricardo Gomes de Lima
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Coordenador do Curso de Licenciatura em MatemáticaPriscila Rodrigues de Alcântara
Elaboração do conteúdoFrancisco Régis Vieira Alves
ColaboradorMarília Maia Moreira
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AuxiliarAna Paula Gomes CorreiaBernardo Matias de CarvalhoIsabella de Castro BrittoWagner Souto Fernandes
ISBN 978-85-475-0008-5
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Alves, Francisco Régis Vieira. Filosofia das Ciências e Matemática: semestre VI / Francisco Régis Vieira; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2011. 166p.: il.; 27cm.
1. FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 2. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA. 3. MATEMÁTICA I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III. Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.
CDD – 510.1
V657f
Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917)
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SUMÁRIO
AULA 2
AULA 3
AULA 4
Apresentação 6Referências 163
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Currículo 166
Filosofia das Ciências e da Matemática 7Relações entre filosofia das ciências e filosofia da
matemática e o ensino de matemática 8A natureza do conhecimento matemático 17Os precursores da filosofia 22
AULA 1
Filosofia da Matemática 34As correntes filosóficas da matemática 35O construtivismo na matemática e o construtivismo
piagetiano 49
Arquimedes e a Noção de Demonstração 57Sobre a natureza das definições matemáticas 58As influências das correntes filosóficas no
ensino atual 67As características de uma definição matemática e
o ensino de álgebra 79
As dimensões filosóficas da intuição, seupapel da atividade do matemático e alguns
paradoxos 83As dimensões filosóficas da intuição matemática 84O papel da intuição da atividade do matemático 90Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 97
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AULA 6
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e
racionais 106Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o
ensino de matemática 107As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 115As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 124
A construção dos números reais, complexos e
considerações finais 133As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 134As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 148Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de
sua história 155
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6 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
APRESENTAÇÃOCaro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências
e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo
da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da
Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica
da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista
filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento
razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas
iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a
revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de
um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos
dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é
bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a
filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar
a pedagogia do futuro docente.
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7
AULA 1 Filosofia das Ciências e da Matemática
Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos
campos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos
deter inicialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em
seguida na discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino
de Matemática. Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais
no âmbito da Filosofia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos
também, a partir desta primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes,
alguns termos particulares e específicos destas áreas de investigação.
Objetivos
• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências
• Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal
• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da Matemática
AULA 1
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8 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 1Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemáticaObjetivO
• DescreverospressupostosbásicosdaFilosofiada
Matemáticacomparando-acomFilosofiadasCiências
Na perspectiva do professor de matemática em formação, o que
podemos tomar como mais significativo a compreensão da
evoluçãodosabercientíficoouacompreensãodosabermatemático
científico? Neste sentido, é surpreendente encontrarmos pessoas no ambiente
acadêmico que se apoiam na crença segundo a qual “é possível compreender o
movimento interno impulsionador e de evolução da Matemática a partir da
compreensãodosmovimentosedaevoluçãoquemarcaramdeterminadosperíodos
históricosnumcontextomais amploegeral”, comoocontextodasCiências.De
modoinquestionável,encontramosnaliteraturaváriospensadoreseepistemólogos
(JAPIASSU,1988)quefornecemumdepoimento
queasseguraopapeldemodelodesteparadigma
paraváriasoutrasáreasdosabercientífico.
Neste sentido, para compreendermos
o pensamento filosófico, necessitamos,
em grande parte, nos apropriarmos do
pensamento epistemológico. A respeito da
epistemologia, Japiassu (1988) faz a seguinte
distinção:
a. Epistemologia,nosentidobemamplodotermo,podeserconsiderada
o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua
formação,de seudesenvolvimento,de seu funcionamentoede seus
produtosintelectuais;
s a i b a m a i s !
Epistemologia: Diz respeito ao estudo da
gênese, da estrutura, da organização/evolução
dos métodos e a validade/confiabilidade do
conhecimentocientífico.
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b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente
considerado,comavirtualidadeeosproblemasdoconjuntodesua
organização,quersejamespeculativos,quercientíficos;
c. Epistemologiaparticular,quandotratadelevaremconsideraçãoum
campoparticulardesaber,querespeculativo,quercientífico;
d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma
disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida
do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico,
mostrandosuaorganização,seufuncionamentoeaspossíveisrelações
queelamantémcomasdemaisdisciplinas.
Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a
ênfasequedaremosao longodestasaulasàEpistemologia Específica e,demodo
particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um
seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico
da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de
paradigmasepistemológicos.
Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da
Matemática,muitomenosdiversosfenômenosqueevoluemnouniversodidático,
histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia
das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo,
identificadosnoitem(2):
Figura1:Aspectosdosabermatemático(ALVES;BORGESNETO,2010,p.2)
O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que
determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/
caracterizamousignificamdeterminadasdimensõesdosabermatemático,apesar
depossuíremumaregiãodeinterfacecomum,todaviatal interfaceouregiãode
AULA 1 TÓPICO 1
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interseção é observadagraças ànecessidade e insuficiênciaquemuitas áreasdo
conhecimentocientíficoapresentam;destemodo,necessitamseapoiar,“importar”
e se ‘apropriar’dedeterminadosparadigmasemétodosprópriosdaMatemática
paraseuprópriointerior,comogarantiaderigorecientificidade.
Figura2:RelaçõesentreCiênciaseMatemática(elaboraçãoprópria)
Poroutrolado,destacamos,tambémnaFigura2,umaregiãopertencenteainda
àFilosofiadaMatemáticaquepossuivigorpróprio,queindicamospor(?),aqual
nãoéencontradae/ouidentificadaemmaisnenhumaoutraáreadoconhecimento
científico.Suaimportânciaseexplicitanamedidaemquedesenvolvermosnossas
consideraçõesacercadoensinodeMatemáticaquenãopodedesprezaradimensão
filosóficadosabermatemático.
Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo
JosédaSilva,quando,emseulivrointituladoFilosofiasdaMatemática,destaca:
Amatemáticaentrounaculturaprimeiramentecomoumatécnica,adefazer
cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se
nosprimórdiosdahistória.Dentreospovosantigos,osegípciosforambons
matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios
foramaindamelhores.Mas,aindaqueessasculturastenhamproduzidouma
matemáticareconhecívelcomotal,faltavaaelaocarátersistemático,rigoroso,
puro–istoé,nãoempírico–e,emgrandemedida,aindiferençacomrespeito
aaplicaçõespráticaseimediatasquecaracterizamoconhecimentomatemático,
talcomoentendemoshoje(SILVA,2007,p.31).
Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber
matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por
algumascivilizaçõesmaisantigasparaumsabermatemáticodecaráter“rigoroso”,
“sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de
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transição,encontradoemdeterminadasfaseshistóricasmaisproeminentes,como
asfaseshistóricasdiscutidasporSilva,sãoobjetodeestudodoqueHiltonJapiassu
chamouacimadaepistemologiaespecíficadaMatemática.
AFilosofiadaMatemáticaquepororadiscutimosseinteressaporquestões
destanatureza.Alémdisso,vamosdiscutir,ainda,outrosinteressesquepodemser
identificadosapenasnestaáreaeemmaisnenhumaoutraáreadoconhecimento
científico(Figura2).
DestacamosoutrotrechodeSilva(2007,p.34)comaintençãodeilustrar,em
nossadiscussãofilosóficainicial,asignificaçãodotermoFilosofiadaMatemática.
OgêniodeEuclides,porém,estavanomodocomoele fez isso.Apartirde
umsistemamínimoesupostamentecompletodeverdadesnão-demonstradas
e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se
que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides,
demonstravaracionalmentetodososenunciadosdeOselementos.Estavaassim
criadoométodoaxiomático-dedutivoqueviriaaservirdemodeloparatoda
amatemáticaapartirdeentão:areduçãoracional(preferivelmentelógica)de
todasasverdadesdeumateoriaeumabasemínimaecompletadeverdades
evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente
similarnamatemáticanãogrega.
Naspalavrasdoautor,observamosumdos
elementospeculiaresaopensamentomatemático
que influenciou, séculos mais tarde, várias
áreasdoconhecimentocientífico.Note-sequea
dimensãoepistêmicaésempreexigidaparaque
possamos compreender o caráter filosófico dos
saberes científicos constituídos até nossos dias.
De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao
método axiomático-dedutivo, inaugurado pela
civilização jônica. Sua função naquela época
assumiu um papel fundamental do ponto de
vista epistemológico, principalmente quando
adotamosaseguintesignificação:
Aepistemologiapode,entãoserdefinidacomoo‘estudodaconstituiçãodos
conhecimentosválidos’.O termo ‘constituição’ recobreaomesmotempoas
‘condiçõesdeacesso’,istoé,osprocessosdeaquisiçãodosconhecimentos,e
s a i b a m a i s !
OMétodoaxiomático–dedutivofoisistematizado
a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou,
alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki.
A intenção principal consiste em formalizar e
descreveroconhecimentomatemáticopormeio
deestruturasgeraiseabstratas.
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as‘condiçõespropriamenteconstitutivas,querdizer,ascondiçõesformaisou
experimentaisquedizemrespeitoàvalidadedosconhecimentos,eascondições
que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às do objeto no
processodeestruturaçãodoconhecimento.Portanto,paraPiaget,sóháciência
quando estiverem reunidos esse três elementos: (1) elaboração de fatos; (2)
formalização lógico-matemática; (3)controleexperimental (JAPIASSU,1988,
p.44).
Notamosnotrechoacimaoregistrodeumgrandepensadorrecordadopelo
epistemólogo Hilton Japiassu, trata-se do epistemólogo geneticista Jean Willian
FritzPiaget(1896-1980).DestacamosograndepesquisadorPiagetnãosóporsua
importâncianocampocientífico,mas,sobretudopelovalordeseuestudosobre
aanáliseeosprocessosdereformulaçãodecertosconceitoscientíficospormeio
deumaanáliselógica(JAPIASSU,1988,p.44).AMatemáticaparaPiagetassumiu
um papel imprescindível para a explicação e previsão de inúmeros fenômenos
observadosnoâmagodoconhecimentocientíficomoderno.
Antes, porém, de discutirmos um pouco mais a respeito do caráter
epistemológico do saber matemático e sua função no interior de Filosofia da
Matemática, sublinhamosa explicaçãodopesquisador inglêsPaulErnest (1991,
p.3):
A filosofia da Matemática é um ramo da filosofia cuja tarefa se reflete ao
tomar em consideração a natureza da Matemática. Esta é um caso especial
de epistemologia que leva em consideração o conhecimento humano em
geral.AfilosofiadaMatemáticaseorientanosentidoderesponderalgumas
questões:Qualéabasedoconhecimentomatemático?Qualéanaturezada
verdade matemática? O que caracteriza a verdade em matemática? O que é
uma afirmação e sua justificação? Por que as verdades em matemática são
necessariamenteverdades?
Ernestconfirmaapresençaenecessidadedaadoçãodeváriospressupostos
epistemológicos,corroborandocomoquemencionamosnosparágrafosanteriores,
quandomencionaque,aoadotarmoslargamenteumaabordagemepistemológica,
assumimosqueconhecimentoéqualquerárearepresentadaporumconjuntode
proposições,aliadoaumconjuntodeprocedimentoscapazesderealizarverificação
eassegurarsuaconfiabilidade(ERNEST,1991,p.4).
Nacitaçãoanterior,observamosalgunsquestionamentosintrínsecosaoque
chamamosdeFilosofiadaMatemática,queseapresentacomoumcampodistinto
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da Filosofia das Ciências. Retomando a Figura
2, lembramos que a Filosofia da Matemática é
marcadaporelementosparticularesquenãosão
encontrados nas outras áreas do conhecimento
científico humano. No início sublinhamos
uma “crença” equivocada segundo a qual
muitos ainda acreditam na possibilidade de se
compreenderoparticularpartindo-sedogeral().
Assumimosqueestepontodevistaencontrado
no locus acadêmico é completamente equivocado e interpretamos esta atitude
e posicionamento epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”.
Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim
poderemosproporcionarmelhorentendimento.
Figura3:Relaçãoentreocaráterparticulareogeraldossaberescientíficos(elaboraçãoprópria)
Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em
terminados casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte
caracterização fornecidapor Bicudo&Guarnica (2001,p. 19), aodefenderem a
supremaciadaFilosofiadaEducaçãosobreaFilosofiadaMatemática:
AFilosofiadaEducação,porprocederdemodoanalítico,críticoeabrangente,
volta-separaquestõesquetratamdecomofazereducação,deaspectosbásicos
presentesaoatodoeducadorcomoéocasodoensino,daaprendizagem,de
propostaspolítico-pedagógicas,dolocalondeaeducaçãosedáe,demaneira
sistemáticaeabrangente,asanalisa,buscandoestenderseusignificadoparao
mundoeparaoprópriohomem.
Demodosemelhante,osmesmosautoresdefinemaFilosofiadaMatemática
comoumaáreaemque:
Proceder conforme o pensar filosófico, ou seja, mediante a análise critica,
reflexiva, sistemática e universal, ao tratar de temas concernentes à região
s a i b a m a i s !
Para conhecer um pouco mais sobre a Filosofia
dasCiências,acesseosite:
http://www.lusosofia.net/textos/serra_paulo_
filosofia_e_ciencia.pdf
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deinquéritodamatemática,diferencia-sedamatemática,poisnãosedispõe
a fazermatemática, construindoo conhecimentodesta ciência,masdedica-
seaentenderoseusignificadonomundo,osentidoquefazparaohomem,
de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do
seuconhecimento,osmodosdeexpressãopelosquaisapareceematerializa-
se, cultural ehistoricamente, a realidadedos seusobjetos, a gênesedo seu
conhecimento(BICUDO;GUARNICA,2001,p.27).
Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando
pensamosque,deumpontodevistapráticoeutilitarista,seriamaisimportante
paraoprofessordematemáticaumrazoávelconhecimentoemFilosofiadaEducação
emdetrimentodaFilosofiadaMatemática.Talpatologiaintelectualpodeocorrer
tambémquandoacreditamosdemodoingênuoque,compreendendoaFilosofiada
Educação,consequentemente,oprofessorcompreenderáaFilosofiadaMatemática.
E,porfim,comvistasfinaisaoensinodematemáticapropriamentedito,qualdas
duasseapresentademaiorrelevânciaparaofuturoprofessordematemática?
Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por
profissionaisquedesconhecemorealeoconcretoefetivosignificadodaregência
numaauladeMatemática,que se refereao fatodequeamaiorpartedo tempo
despendidopeloprofessornaescolaédedicadaàaçãodedarauladeMatemática.
Assim,aretóricaqueidentificamosnadefiniçãofornecidaporBicudo&Guarnica
(2001)relativaàFilosofiadaEducação,emtermospráticos,emnadamelhoraráou
aperfeiçoaráaaçãoquemencionamos.Nessesentido,destacamosarelevânciade
umsabervinculadoedeterminadopelosabermatemáticoquepoderáproporcionar
oaperfeiçoamentodaaçãodocente,deacordocomoqueexibimosnaFigura1.
Antesdeapresentarmosnossoargumentofinal,discutiremosoutrasquestões
levantadasporBicudo&Guarnica(2001,p.27)quandoafirmamque:
Asperguntasbásicasdafilosofia–“Oqueexiste?”,“Oqueéoconhecimento?”,
“Oquevale?”-,sãotrabalhadaspelafilosofiadamatemática,focalizando-se
especificamentenosobjetosdamatemática.Desdobram-seemtermosde“Qual
a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos
matemáticosequaisoscritériosquesustentamaveracidadedasafirmações
matemáticas?”,“Osobjetoseasleismatemáticassãoinventadas(construídas)
oudescobertas?”.
Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é
relevanteparaaautocompreensãodaMatemáticaenecessárioparaadefiniçãode
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propostascurriculares,pordeterminarescolhasdeconteúdos,atitudesdeensino,
expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA,
2001,p.27).
Depoisdestasponderações,acreditamosserinsustentávelacrençadequea
formaçãoemFilosofiadaEducaçãodeveantecederqualquerformaçãoeinformação
relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da
Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre,
assumiresteposicionamentoimplicaaceitarodiagramaquepropomos(Figura3),
oumelhor,significacompreenderoparticular,paradepoiscompreenderogeral.
Váriosepistemólogosnosfornecemestalição,entreelespodemoscitarKarlPopper
eThomasKhun.
Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos
iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino
deMatemática,recordamosaindaqueaFilosofiadaMatemáticainteressa-sepor
questõesdecaráter:(i)ontológico:oqueexisteemMatemática;(ii)epistemológico:
como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado
conhecimentomatemático;(iii)axiológico:quandoumconhecimentomatemático
podeserconsideradocomoverdadeiro.Estesquestionamentospodemnosfornecer
elementosparacompreenderosprocessosnecessáriosquetornamnossascrenças
matemáticasemconhecimentomatemáticoválido.
Figura4:Relaçõesentreconhecimentoecrençamatemática
Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria
Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro
professordeMatemática.
Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente
firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática.Tal área de
inquéritoinvestigativoéassimcaracterizada:
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Porfocalizaramatemáticanocontextodaeducação,aFilosofiadaEducação
Matemáticatambémsecolocaquestõessobreoconteúdoaserensinadoea
ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia
da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do
conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA,
2001,p.30).
Estaáreadeinvestigaçãoseráretomadapornósnofinaldenossosestudos.
Assim,paraprosseguirdeacordocomoqueacreditamosseromaiscompreensível
para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões
relacionadasaosabermatemático.
Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais
relacionadoscomaFilosofiadasCiênciaseFilosofiadasMatemáticas.Nopróximo
tópicointroduziremosoutroselementosquediferenciamedistinguemaevolução
dosabermatemáticonocontextocientíficodequalqueroutrosaberacadêmico.
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Como mencionamos sem maiores detalhes na seção anterior, a
Matemática,tradicionalmente,foivistacomoparadigmaparacertos
conhecimentos,desdequefoierigidahá2500anoscomEuclides,
como bem atesta Ernest (1991, p. 4). Nos séculos subsequentes, sua influência
continuou a se mostrar promissora e frutífera
parainúmeroscamposdosaber.Defato,Ernest
(1991,p.4)recordaque:
Desde a época de Euclides até o final
do século XIX, seu paradigma foi
exploradoparaestabeleceraverdadeea
certeza.Newtonusoualgunselementos
noseuPrincipiaencontradosaindanos
ElementosdeEuclides;Spinozaemsua
estética [...]Amatemáticadesdemuito
tempo temsido tomadacomo fontede
muitossaberesdaraçahumana.
Ernestadvertequeconhecimentoéabase
na qual assentamos todas nossas afirmações.
Explicaaindaque conhecimento a prioriconsiste
emproposiçõesquesãoproduzidasunicamente
assentadas ou sustentadas pela razão, sem o
TÓPICO 2 A natureza do conhecimento matemáticoObjetivO
• Discutiranaturezadosabermatemáticoealguns
exemplosdeordemlógicaformal
v o c ê s a b i a?
Conhecimento a priori: a priori (do latim, «
partindo daquilo que vem antes »), expressão
do âmbito filosófico que designa uma etapa
para se chegar ao conhecimeto válido, que
consiste o pensamento dedutivo. Note-se que
o conhecimento proposicional não pode ser
adquirido, incorporado por meio da percepção,
introspecção, memória ou testemunho. É,
deste modo, uma anterioridade lógica e não
cronológica que é designada na noção “a
priori”.Tal conhecimento se complementa com
oconhecimentoaposteriori,quedesignaaquele
queadquirimoscomaexperiênciamundana.
AULA 1 TÓPICO 2
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recurso da observação do mundo real (ERNEST,1991,p.4).Aqui,arazãoempregada
pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos,
tipicamenteencontradosemdefinições.Emoposição,conhecimentoa posteriori ou
conhecimento empírico consisteemproposiçõesproduzidascomrespeitoaumabase
deexperimentoseobservaçõesdomundoreal.
Maisadiante,Ernest(1991,p.4)esclarece:
Oconhecimentomatemáticoéclassificadocomoconhecimentoapriori,desde
queconsistadeproposiçõesesejafundamentadoapartirdarazão.Razãoque
incluilógicadedutivaedefiniçõesquesãousadasemconjunçãodeaxiomase
postulados,comobaseparaaobtençãodeinferências.Todavia,afundaçãodo
conhecimentomatemáticoconsiste em investigar averdadenasproposições
matemáticas,consistenométododedutivo.
Vamos trazer para ilustrar nossa discussão o problema relacionado ao
princípio de indução matemática abordadopelomatemáticoGiuseppePeano(1858-
1932).Paratanto,éimportanterecordarmosoconjunto ={1,2,3,.....,....,...} ,que
échamadodeconjuntodosnúmeros naturais queestãorelacionadosdemodoíntimo
comanoçãodeconjuntoenumerável(LIMA,2004).Lima(2004,p.32)explicaque
os axiomas de Peano exibem os números naturais como “números ordinais”, isto é,
objetos que ocupam lugares determinados numa sequência ordenada. O axioma de
Peanoéenunciadodoseguintemodo:
Existe uma função injetiva ®:s . A imagem ( )s n de cada número
natural În chama-seosucessorde‘n’;
Existeumúniconúmeronatural Î1 talque ¹1 ( )s n paratodo În ;
Seumconjunto ÌX étalque Î1 X e Ì( )s X X ,istoé,se Î ® Î( )n X s n X ,
então =X .
Taiscondiçõespodemserreformuladasdoseguintemodo:
(i’)Todonúmeronaturaltemumsucessor,queaindaéumnúmeronatural;
númerosdiferentestêmsucessoresdiferentes;
(ii’)Existeumúniconúmeronatural‘1’quenãoésucessordenenhumoutro;
(iii’) Se um conjunto de números naturais contém o número ‘1’ e contém
também o sucessor de cada um dos seus elementos, então esse número contém
todososnúmerosnaturais.
Lima(2004,p.33)principiaumadiscussãofilosóficaaodeclararque:
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19
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É
apresentadaumalistadepropriedadesgozadasporeles(osaxiomas)etudo
decorredaí.Nãointeressaiqueosnúmerossão;(istoseriamaisumproblema
filosófico)oqueinteressaécomoelessecomportam.Emboraosaxiomaspor
ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano
trabalhouindependentemente.Omaisimportantenãosãoquaisosaxiomas
eleescolheuesimqualaatitudequeeleadotou,aqualveioaprevalecerna
Matemáticaatual,sobonomedemétodoaxiomático.
Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de
filosófico,todaviaadescriçãoquefizemosacima,comdestaqueparaoitem(iii),
quecaracterizaoprincípio de indução matemática,épuraFilosofiadaMatemática.
Caraça(1951,p.4)referendanossoposicionamentoquandocomentaque:
Aideiadenumeronaturalnãoéumprodutopurodopensamentohumano,
independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os
númerosnaturaisparadepoiscontarem;pelocontrário,osnúmerosnaturais
foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem
dohomemcriandodeumamaneiracompletaaideiadenúmero,paradepois
aplicaràpráticadacontagem,écômoda,masfalsa.
Note-se que, dependendo do
sistema matemático formal, o conjunto
={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} .
Defato,quandoconsideramosateoriaaritmética
dosnúmeros,oprimeiroconjuntoéassumido,e
quandoestudamososconteúdosdeAnálise Real,
oconjunto éassumidosemozero ‘0’.Lima
(2004,p.150)semanifestadoseguintemodo:
Sim e não. Incluir ou não o número 0
no conjunto dos números naturais é
umaquestãodepreferênciapessoalou,
maisobjetivamente,deconveniência.O
mesmoprofessorouautorpode,emdiferentescircunstâncias,escrever Î0
ou Ï0 .Comoassim?ConsultemosumtratadodeÁlgebra.Praticamente
em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de
Análise.Láachamosquasesempre ={1,2,3,.....,.....} .
s a i b a m a i s !
A criação de um símbolo para representar o
nada constitui um dos atos mais audazes do
pensamento,umadasmaioresaventurasdarazão.
Essacriaçãoérelativamenterecente(talvezpelos
primeiros séculos da era cristã) e foi devida às
exigências da numeração escrita. (CARAÇA,
1951,p.6).
AULA 1 TÓPICO 2
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica20
Ernest(1991)discuteoexemplodaverificaçãoquedefato + =1 1 2 ,segundo
osistemaaxiomáticodePeano.Para tanto,assumimososaxiomasquegarantem
que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética
dePeano, sabemosque + = = +0 0x x x ,para todo Îx .Temos tambémque
+ = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y . Na sequência, o fato banal simbolizado por
+ =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez
passosdeinferênciaslógicascomovemosnaFigura5.
Figura5:Passosdeinferênciaslógicas(ERNEST,1991,p.5)
Algunsdoselementosdiscutidosanteriormenteapontamparaadireçãode
consideraroconhecimentomatemáticodotadodeverdades universais,infalívele
nãoquestionável.Essencialmenteconstruídoapartirdeverdadesestabelecidasa
priori.TalperspectivaéoqueErnest (1991,p.7)chamadevisão absolutista da
matemática.Deacordocomtalvisão,oconhecimentomatemáticoforneceoúnico
mododealcançarmosaverdade.
Oautorexplicaaindaquepartedestepoderecaráterabsolutistaéfortalecido
pormeiodométododedutivoformal.Talterrenoéconstruídoapartirdalógicae
podefornecerabsolutacertezaaoconhecimento.Ernest(1991,p.7-8)salientaainda
que,noprimeiromomento,todosospressupostosbásicossãoassumidosapartirda
exploraçãodesuasprovasedemonstrações.Ademais,osaxiomasmatemáticossão
assumidoscomoverdadee,apartirdanecessidadedeconsideraçõesanteriores,as
definições formais matemáticassãoconstruídasassumindotambémvaloreslógicos
verdadeiros.
No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem
preservaraverdadeeconduzirtambémàverdade.E,verdadedeveserobtidaa
partirdeverdades,pormeiodoempregodestesmodeloslógicos.Ernest(1991,p.
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21
8) acrescenta aindaque toda afirmaçãoouproposição estabelecidanum sistema
dedutivodeverácontersuasconclusõese,umavezestabelecidoumteoremapor
meiodométododedutivo,oconhecimentoextraídodesteteoremadevesersempre
verdadeiro.
A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas
(ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto,
demodopormenorizado,naspróximasaulas.Paraconcluir,destacamosalgumas
característicasdosaber matemático,fornecidasporMorrisKline:
Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem
sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os
conceitos,osmétodoseconclusõesarespeitodequeamatemáticaconstituio
substratumdasciênciasfísicas.(KLINE,1964,p.5).
Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da
belezadoconhecimento matemático aodeclararque:
Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição,
imaginaçãoáridanacriaçãodeprovaseconclusõesoferecesatisfaçãoestética
dealtaparaocriador.Seapercepçãoeaimaginação,simetriaeproporção,a
faltadesuperfluidade,eadaptaçãoexataentremeiosefinssãocompreendidas
embelezaesãocaracterísticasdasobrasdearte,entãoamatemáticaéumaarte
comumabelezaprópria[...]Grandespensadorescedemàsmodasintelectuais
doseutempocomoasmulheresfazemamodanovestuário.Mesmoosgênios
criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido
os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No
entanto, esses “amadores” ematemáticos emgeral, não têm sepreocupado
principalmentecomautilidadedoseutrabalho.
Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste
âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas
dificilmenteseriampercebidasporumestudantequenãoapresenteumaformação
emMatemáticaalémdaescolar.Esteassuntoseráretomadopornósadiante,por
ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento
matemáticofilosóficoocidental.
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22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 3 Os precursores da filosofia
ObjetivO
• Conhecerosprincipaispensadoresqueestabeleceramo
terrenofértilparaaFilosofiadaMatemática
Nestapartediscutiremosalguns
dos principais pensadores
gregosquemaiscontribuíram
para o estabelecimento inicial de algumas
doutrinas na Matemática, com destaque para
PlatãoeAristóteles.
A primeira figura ilustre a ser lembrada
quando falamos de Filosofia da Matemática
é Platão. No que diz respeito ao período de
formaçãodePlatão,Barbosa(2009,p.27)explica:
ÉmuitoprovávelquePlatão,emtornodeseusvinte
anos, tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu
círculo,nãocomointuitodesetornarumfilósofo,mas
com o propósito de, mediante o estudo da filosofia,
aprimorar seus conhecimentos para a vida política.
Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por
completoosrumosdeseusobjetivos.
v o c ê s a b i a?
Platãoésemprelembradopelasideiaseconcepções
que influenciou os românticos da matemática.
Nasceuem428/427a.C.efoidescendentedeuma
famíliaateniensedeclassealta.
s a i b a m a i s !
Platão sustenta que há ideias eternas e
independentesdossentidos,comooum,odois,
etc., ou seja, as Formas Aritméticas e outras
comooponto,areta,plano,quesãoasFormas
Geométricas. Quando enunciamos propriedades
ourelaçõesentreessesentes,estamosdescrevendo
relaçõesentreasFormas(CURY,1994,p.42).
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23
Platão identifica, nas discussões de sua
época, a dicotomia instalada entre a retórica
e a filosofia. Neste contexto, os sofistas que
tinhamcomoobjetivoa formaçãodoespírito e
a multiplicidade de métodos determinam esta
discussão.Neste sentido,Barbosa (2009,p. 28)
declara:
Enquanto matemática e filosofia se
animammutuamentenaampliaçãodos
horizontes especulativos da realidade
circundante,asofísticavemapreencher,
no contexto do conhecimento, um
espaço outrora vazio, visto que, ao contrário das duas primeiras, não tem
comoescopoumsaber teóricooucientífico,mas tratadeumaexigênciade
ordemestritamenteprática.
Oresultadodestadiscussãofoiaprimaziadoconhecimentoenciclopédico
e intelectualizantequeherdamos aténossosdias; assim sendo, esse novo “saber
enciclopédico” (polimathia) e estruturado passou a representar um fenômeno que veio
a formular os conceitos ocidentais da educação como difusão do saber (BARBOSA,
2009, p. 28). No que se refere à contribuição específica de Platão com respeito
àFilosofiadaMatemática,Barbosa(2009,p.37)
adverte:
Quandonosreferimosaoplatonismona
esfera da filosofia da matemática, não
podemosatribuirumadoutrinaaPlatão
damesma formacomoassociamos,por
exemplo,ologicismoaFregeeRussell,
isto é, como um corpo de preceitos,
um sistema filosófico em sua acepção
moderna. E isso ocorre justamente
porque não era essa a intenção de
Platão.Eleestariamaispreocupadoem
estimularaspessoasapensar,colocando
destemodoasalmasnocaminhocerto
doconhecimentopuroedesinteressado,queoutroravislumbraramantesde
serem condenadas ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as
tribulaçõesdocorpoeaignorânciadamente.
at e n ç ã o !
Platonismo: Corrente filosófica baseada no
pensamento do seu precursor, Platão, talvez
a mais conhecida, recordada e de implicações
aindahojediscutidaporestudosacadêmicos.Sua
escola,dos séculos IV até I a.C. foi responsável
pela sistematização e aprofundamento de suas
concepções.
at e n ç ã o !
Sofistas:constituíramdegruposdemestresque
viajavam pelas cidades realizando aparições
e eventos públicos para distrair curiosos e
estudantes. Os mesmos cobravam taxas pelo
serviçofornecido.Seufocoprincipalconcentrou-
senologosounodiscurso,compreocupaçãonas
estratégiasdeargumentação.
AULA 1 TÓPICO 3
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica24
Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica
absolutistadaMatemática conhecida como logicismo.Discutiremos asprincipais
características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são
esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais
do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as
implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber
matemático.Nestecontexto,Barbosa(2009,p.37)acrescentaainda:
Umaboapartedoplatonismo,assimcomonósoconhecemoshoje,é,portanto,
umacriaçãoposterioraPlatão.Oplatonismonamodernafilosofiamatemáticaé
descritocomoumateoriaquetratadasverdadesdasproposiçõesmatemáticas,
sendo“usualmentetomadocomoumtipoderealismo,equivalenteacrença
dequeosobjetosdamatemáticataiscomoosnúmerosliteralmenteexistem
independentesdenósedenossospensamentosarespeitodeles”.
SegundoSilva(2007,p.37),paraPlatão,as entidades matemáticas constituem
um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo
entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes
matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os
objetosmatemáticossóexistemencarnadosemobjetosreais–esónossãorevelados
comoconcurso,aomenosemparte,dossentidos.Silva(2007,p.37-38)diferencia
demodoeficienteasduasperspectivasdesenvolvidasporestesdoispensadoresao
declararque:
Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro
deentidadesperfeitas, imutáveiseeternas–osconceitosmatemáticosentre
elas.ParaAristóteles,omundosensíveléarealidadefundamental,osentes
matemáticos são ‘extraídos’dosobjetos sensíveispormeiodeoperaçõesdo
pensamento,eosconceitosmatemáticossãoapenasmodosdetrataromundo
real.[...]DeumladooracionalismodePlatão,queatribuiàrazãohumanao
poderdepenetrarnosdomíniossupra-sensíveisdamatemática,eoseurealismo
ontológicotranscendente,queafirmaqueaexistênciaindependentedosentes
matemáticosnumreinoforadestemundo;deoutro,oempirismodeAristóteles,
queserecusaadarmoradaaosentesmatemáticosemqualqueroutroreinoque
nãoodestemundo, eo seu realismoontológico imanente,quegarante, ele
também,umaexistênciadosobjetosmatemáticosindependentementedeum
sujeito[...].
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25
Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de
númerosmatemáticos.Paraele,nãoexistemváriosnúmeros‘2’,esimaideiade
dois.Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade
+ =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’(SILVA,2007,p.40).
EssaidentidadenãopodeserumarelaçãoentreIdeiasnuméricas–sendoentidades
singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que
precisamentãoexistiremabundância.Platão teve assim que admitir a existência,
além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA,2007,
p.40).
Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os
conceitosdenúmeros pares enúmeros ímpares.Barbosa (2009,p.48) acrescenta
queos conceitos de par e ímpar permeiam toda a
aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar
todos os outros números. Esta dualidade pode
indicarcertaconcordânciacomopitagorismo.E
ainda, Platão teria utilizado os números dois e
trêsprecisamenteporsetrataremdosprimeiros
par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade,
em geral, não se considerava o um como número
(BARBOSA,2009,p.48).
Não podemos esquecer as preocupações
de Platão com o ensino e, com respeito a isto,
Barbosa(2009,p.49)ilustra:
Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse
diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como
instrumentodeensino,quandoprimeiramentelevaoescravoareconhecero
próprioerro,edepoisoinduzaoconhecimentocerto.Oproblemacolocado
paraoescravoéodecalcularaáreadeumquadradodelado2.Feito isso,
Sócratesquestionao jovemescravosobreoqueaconteceriacomcadalinha
deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o
escravoumnovoquadradosobreaqueleinicialmentedado,oquetemlados
commedidade2pés,prolongandoosseusladosatéqueatinjamamedida4
pés.Oescravopareceestarrecidoaonotarqueoquadradoconstruídocomas
linhasduplicadasdoquadradooriginaltemoquádruplodesuaárea.
at e n ç ã o !
A filosofia da Matemática de Aristóteles foi
desenvolvida,emparte,emoposiçãoadePlatão,
poiselecriticaaTeoriadasFormas,dizendoque
elanãoé racional.ParaAristóteles, cadaobjeto
empírico,cadaserexistente,éumaunidadeenão
existeseparadodesuaformaouessência(CURY,
1994,p.47).
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O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar
do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino
transcendentedeIdeiaseformasmatemáticas.As formas geométricas e numéricas
existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais
(SILVA,2007,p.43).
ParaAristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior
das hipóteses, uma ficção útil (SILVA,2007,p.44).Elesnãotêmexistênciaseparada
dosobjetosempíricos,sãoapenasaspectosdelas,eseporvezespensamoscomo
independentes, isto é,não temmaiores consequências.Um objeto empírico é um
objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de
seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA,2007,p.44).
Machado(1994,p.21)forneceumadistinçãointeressantequandodeclara:
EnquantoqueparaPlatão,osenunciadosmatemáticoseramverdadeirospor
serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência
objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do
matemático.Erecolocaaquestãodeosobjetosmatemáticoseosenunciados
seremverdadeirosoufalsosnãoemtermosabsolutos,masporseremmaisou
menosadequadosàrepresentaçãodomundoempírico,adequaçãoestarelativa
aalgumfimqueseobjetiva.
Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias
matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade
e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização
das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições
dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções
(MACHADO,1994,p.21).Suasconcepçõespodemserconsideradasasprecursoras
dopensamentoquemotivouosprincípiosquepassaramaregularecaracterizar
as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das
geometrias:GeometriaEuclidiana,GeometriaDiferencia,GeometriaHiperbólica,
GeometriaRiemanniana,etc).
Silva(2007,p.45)diferenciaopensamentoaristotélicodoseguintemodo:
Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos
aspectosapenas,umabolacomoumaesfera,umpardedoislivroscomodois.
Aofazerisso,abstraímosdabolaasuaformageométricaedacoleçãodelivros
suaformaaritmética.Vistoassim,Aristóteles,éumempiristaemontologia,
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27
pois, para ele, apenas os objetos dos sentidos existem realmente, com um
sentidoplenodeexistência.
Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para
os limites da abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona:
poderíamos, porém, perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar
nenhuma coleção real, e as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar
forma a nenhum objeto real (como o miriágono, o polígono de dez mil lados)?
OautoracrescentaqueasaídavislumbradaporAristótelesfoiadmitirque
entre os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no
entanto, por serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na
realidade (SILVA,2007,p.45).Defato:
Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de
unidades,apartirdequalquernúmeropequenodado,eomiriágonopodeser
construídoapartirdefigurasgeométricasreais,comocírculosesegmentos
de reta. Assim, numa compreensão mais ampla, a matemática, segundo
Aristóteles,tratanãoapenasdeformasabstratasatuais,mastambémdeformas
abstrataspossíveis(SILVA,2007,p.45).
Para concluir nossas considerações sobre Aristóteles, vale destacar as
ponderaçõesdevidasaMachado(1994,p.22)quandodestaca:
Emresumo,poderíamosdizerqueaposiçãodeAristótelesnoqueserefere
àrelaçãodaMatemáticacomarealidadepodesersituada,simultaneamente,
na origem tanto do realismo como do idealismo modernos, na medida em
que,porumlado,reabilitaomundoempíricoe,poroutrolado,otrabalhodo
matemáticodeixadeserummerocaçadordeborboletasnomundoperfeito
dasFormas,vislumbrandoapossibilidadedelemesmoserum‘fabricante’de
borboletas.
OposicionamentoassumidoporAristótelesemrelaçãoàMatemáticapode
sercompreendidotambémnaspalavrasdeSilva(2007,p.46),quandoexplica:
Comoaentendo,aabstraçãoaristotélica,aoperaçãopelaqualconsideramos
objetosecoleçõesdeobjetosempíricoscomoobjetosmatemáticos,comporta
tambémumelementodeidealização.Tratarumabolacomoumaesferaéuma
operaçãocomplexa:abstrair-sedabolaasuaformamaisoumenosesféricae,
simultaneamente,idealiza-seessaforma,istoé,desconsideram-seasdiferenças
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entreelaeaesferamatemáticaperfeita(determinadapelasuadefiniçãocomoo
lugargeométricodospontosespaciaiseqüidistantesdeumcentro).Umaesfera
matemáticaé,assim,aidealizaçãodeumaspectodabola,esóassimelaexiste.
AMatemáticacomoaconhecemoshojeéoexemplomaispuroeclássicode
ciênciadedutiva, eváriasoutrasáreasdoconhecimentobuscarameadaptaram,
na medida do possível, alguns de seus pressupostos e paradigmas de rigor. De
fato,é relevante a influencia do pensamento aristotélico no desenvolvimento da ciência
em geral (SILVA,2007,p.50).AristótelesentendiaaMatemáticacomoum edifício
logicamente estruturado de verdades encadeadas em relações de conseqüência lógica a
partir de pressupostos fundamentais não demonstrados (2007,p.50).
Aristóteles contribuiu também com relação às noções metamatemáticas
(propriedadeselementaresdametodologiadasciênciasdedutivas)fundamentais,
comoasde axioma, definição, hipótese edemonstração.Aristótelescriticaomodelo
dedemonstraçõesemMatemáticaqueconhecemosporredução ao absurdo.O mesmo
considera-as não explicativas, isto é, sabe-se que algo é verdadeiro sem saber por que é
verdadeiro (SILVA,2007,p.52).Aesterespeito,Silva(2007,p.52)comenta:
Demonstraçõesporreduçãoaoabsurdo(parasedemonstrarqueumaasserção
qualquer A, supõe-se a falsidade de A e obtêm-
se como conseqüência uma falsidade qualquer ou,
equivalentementeumacontradição.Oquemostraque
A não pode ser falsa, sendo, portanto, verdadeira)
ocorrem com freqüência na matemática grega, em
particularnométododaexaustãodeArquimedes,que
envolveumaduplareduçãoaoabsurdo.Aintrodução
de métodos infinitarios na matemática do século
XVII, em especial por Cavalieri, visava em grande
medida substituir demonstrações por exaustão por
demonstraçõesdiretas,causais,respondendoassimàs
demandasaristotélicas.
Emváriosaspectospodemosdizerqueos
germesda ideiada importânciadeumaciência
dedutivaeopoderdalógicapuramenteformal
encontram-senasconcepçõesaristotélicas.Nesta
perspectiva,àmatemática formal não importa o
significado nem a veracidade das asserções, mas
v o c ê s a b i a?
Zenão de Eléia foi um filósofo pré-socrático
e foi discípulo de Parmênides. Das suas
descobertas, destacamos a dialética clássica, o
modo de argumentar que consiste em derivar
contradições das teses do opositor ao seu
discurso.Zenãoutilizouométodonadefesadas
ideiasdeParmênidesacercadaunidadedoente
e da impossibilidade do movimento, propondo
algumascontradiçõesouaporias,quedesafiaram
os seus contemporâneos e intrigam até nossos
dias.Ver sua descrição no curso de História da
Matemática.
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29
apenas as relações formais entre elas (SILVA,2007,p.51).Masistoquerdizerque
podemostomá-laapenascomoumjogo formal semnenhumaintençãocognitiva?
Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os
matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma
respostadeargumentaçãosatisfatória.
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de
Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como
pedrasangularesparaosabermatemático.Umdestesexemplosequefoiobjetode
reflexãoparaAristótelesdizrespeitoànoçãodeinfinito.
Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de
infinito atual e infinito potencial, entretanto,
no que diz respeito ao aspecto matemático
desta noção, Georg Cantor (1845-1918)
forneceu o acabamento final, acrescentando
alguns elementos descuidados por Aristóteles.
Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51)
acrescenta:
Devemo-lhes a distinção fundamental
entre o infinito atual e o infinito
potencial, ou seja, entre a noção de
uma totalidade finita em que sempre
cabe mais um indefinidamente – o
infinitopotencial– euma totalidade infinita acabada.SegundoAristóteles,
aosmatemáticosbastavaanoçãodeinfinitopotencial.Sebemqueestaideia
nãocorrespondeàrealidadedapráticamatemática,umavezqueanoçãode
infinitoatualéessencialamuitasteoriasmatemáticas,umavezqueanoçãode
infinitoatualéessencialamuitasteoriasmatemáticas,elafoi,eaindaé,aceita
pormuitosmatemáticos,quenãovêemnamatemáticadoinfinitosenãouma
fontedeabsurdosecontradições.
Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções
importantesparaaMatemática.Paraconcluirestaseção,discutiremosaindaparte
dascontribuiçõesdevidasàGottfriedWilhelmvonLeibniz(1646-1716)eImmanuel
Kant(1724-1804).Machado(1994)explicaquecercadedoismilanossepassaram
paraqueaobraaristotélica,enquantoLógica,fosseretomadaedesenvolvida.
SegundoMachado(1994,p.22),Leibnizforneceumaintensacontribuição
ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as
at e n ç ã o !
Acreditamosquearadicalmudançanaabordagem
sobreoinfinitopromovidaporCantornofinaldo
séculoXIXpodesermelhordestacadacomuma
análisesobtrêsângulos,queinterpretamoscomo
trêspontosdevistasobreoinfinito:ohistórico,o
filosóficoeomatemático.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica30
proposições.Evaialém,ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está
contido, em algum sentido, no sujeito.Machado(1994,p.22)esclareceque:
ParaLeibnizháduasclassesdeverdades:asverdadesdarazãoeasverdades
dosfatos.Asverdadesdarazãosãonecessáriasesuanegaçãonãofazsentido.
Anecessidadeseexprimeatravésdaanáliseedaconseqüentedecomposição
em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a
necessidadelógicasejatransparente.Oprincípioqueregulaaanáliseéoda
não-contradição,queenglobaodanãoidentidadeeodoterceiroexcluído.
Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os
postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é
impossível de sustentar sem incorrer em contradições(MACHADO,1994,p.23).As
verdadesdarazãoenunciamqueumacoisaénecessáriaeuniversal,nãopodendo
demodoalgumserdiferentedoqueéedecomoé.
Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É
inquestionávelqueotriângulonãopossuatrêsladosequeasomadosseusângulos
seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da
razãoéqueumcirculonãotenhatodosospontoseqüidistantesdocentro.Outra
verdade da razãoéquenãosepodecontradizeroque2+2sejadiferentede4;é
impossívelquestionarqueotodoémaiordoquesuaspartesconstituintes.
Asverdades de fato,poroutrolado,sãoasquedependemdenossaexperiência
captadanomundoemquevivemos.Defato,elassãoobtidasatravésdasensação,
dapercepçãoedamemória.Elassãoempíricasesereferemacoisasquepoderiam
serdiferentesdoquesão,maspodemosidentificarcausasquesejamassim.Quando
dizemosqueumarosaébranca,nadaimpedequeelapossaservermelhaouamarela,
masseelaébrancaéporquealgumacausaafezdestemodoeaparência.Masnão
éacidentaloucontingentequeelatenhacoreéa“cor”quepossuieenvolveuma
causanecessária.
Asverdadesdefatosãoverdadesporqueparaelasfuncionaeempregamos
o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que
percebemoseidentificamos,etudoaquiloquetemosexperiênciapossuiumacausa
determinadaeidentificáveleconhecida.Peloprincípiodarazãosuficiente–isto
é,peloconhecimentodascausas–todaaverdadedefatopodetornar-severdades
necessárias e seremconsideradasverdades da razão, aindaqueparaconhecê-las
dependamosdaexperiênciamundana.
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31
Machado(1994,p.23)explicaaindaqueasverdades dos fatossãoproposições
empíricascujanegaçãonãoencontraóbicesdopontodevistalógico.É uma verdade
da razão que minha caneta é uma caneta ou que + =2 2 23 4 5 . É uma verdade de fato
que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre
de Pisa, cairá até o solo.Machado(1994,p.23)forneceumaimportantedistinção:
Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo simbólico,
foramelementosauxiliaresocasionais,Leibnizacreditavaquearepresentação
concretadopensamentoemsímbolosadequadosera,segundosuaspróprias
palavras,o“fiodeAriadne”queconduzamente.Eodesenvolvimentoqueele
imprimeàLógicadecorredoseupropósitodecriarummétododerepresentar
opensamentoatravésdesignos,decaracterísticasrelacionadascomoquese
estápensando.
Para concluir este tópico, destacamos
a figura emblemática da Imanuel Kant. Sua
proposta inicial consiste na distinção de duas
classesdeproposições.Asproposiçõessintéticas:
asquesãoempíricas,ouassintéticas a posteriori
easquenãosãoempíricas,ousintéticas a priori.
Asproposiçõessintéticasaposterioridependem,
segundo Kant, da experiência sensível, para
sua verificação, para sua validação e aceitação.
Ou ainda de modo indireto, uma vez que são
consequências de inferências proposicionais
passíveisdealgumaverificaçãoexperimental.
Por outro lado, Machado (1994, p. 24)
explicaque:
Já as proposições sintéticas a priori
não dependem da percepção sensorial
para suavalidação,nemsãoanalíticas,
isto é, nem a sua negação conduz
a contradições. São proposições
necessárias por constituírem a base, a
condiçãodepossibilidadedaciência,da
experiênciaobjetiva.
s a i b a m a i s !
Experiência sensível: Este termo possui dupla
raizetimológica.Apalavralatinaexperientiade
onde deriva a palavra experiência, é originária
daexpressãogrega.Deriva-setambémdeumuso
específicodapalavraempírico.
s a i b a m a i s !
Validação: Este termo aqui é empregado no
sentido restrito ao âmbito da investigação em
MatemáticaPura,assim,dizrespeitoàaplicação
de paradigmas de testagem e verificação da
confiabilidade dos conteúdos matemáticos
obtidos.
AULA 1 TÓPICO 3
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica32
Para Kant, todas as proposições da
Matemática são sintéticas a priori. Machado
(1994, p. 25) explica este posicionamento ao
mencionarque:
Os objetos do mundo empírico situam-se no espaço
e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los,
investigá-los, percebê-los sensorialmente, sem uma
concepçãoinicialdoespaçoedotempo.Aestrutura
conceitual do par espaço-tempo é que determina
o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta
estruturação é, a uma só vez, sintética e a priori.
Ao descrever o tempo e o espaço, descrevemos não
impressões sensíveisdealgo situado foradenós,do
mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes,
invariantes, de tais conceitos, que existem em nós,
independentemente das impressões sensíveis e que
são a condição de possibilidade de atuar no mundo
empírico. E a matemática, enquanto se refere ao
espaço e ao tempo, é constituída de proposições
sintéticasapriorienãoanalíticas,comoanteriormente
eraconsiderada.
Paraconcluir,ressaltamosqueKantdestacouqueos
matemáticos são os indivíduos “eleitos” para desvendar os segredos do
harmônico universo platônico preexistente, de perquiridores de tal mundo
perfeito universo, ou de criadores de abstrações, de conceitos gerais para
explicaromundo,apartirdoimperfeitomaterialempírico(MACHADO,1994,
p.25).
Oprincipalmecanismodeacessoataisentesnãosedámaispormeiosdos
órgãossensoriais,esim,pormeiodarazãointrospectiva.
As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam
séculosmais tardeumaenormeatençãodematemáticos efilósofosmodernos.O
interessanteseráreservadoaumaanálisedaformacomotaisideologiasaindase
manifestamecondicionamasformasdeveiculaçãoeensinodosabermatemático.
Napróximaaula,discutiremosasimplicaçõesdestepensamentofilosóficoantigo.
s a i b a m a i s !
Para a Geometria, o espaço puro é um dos
primeiros pressupostos. A Geometria supõe o
espaço sob os seus conceitos de polígonos. Por
exemplo,alinharetaéadistânciamaiscurtaentre
doispontos(qualquerlinhareta=universalidade,
emquaisquercondições=necessidade).Embora
nãotenhaemsioprincípiodenãocontradição,
e dependa da intuição de espaço e, portanto é
sintética,essaafirmaçãoéconhecimentopuroou
aprioriporqueaintuiçãodoespaçoestáemnossa
mente.Eumavezconcebida,nãodependemais
daexperiênciasensívelcaptadapornossosórgãos
sensórios.
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33
AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O
1.PesquisarexemplosdeinfinitoatualeinfinitopotencialdentrodaMatemática.
2.Pesquisarexemplosdeverdadesdarazãoedeverdadesdosfatos.
3.Pesquisarexemplosdeconhecimentosquenãoderivamdaexperiênciaempírica.
AULA 1 TÓPICO 3
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34 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
AULA 2 Filosofia da Matemática
Nos próximos tópicos, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais
assumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das
implicações mais importantes diz respeito à identificação de distorções e
incongruências relacionadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem
à interpretação dos fenômenos relacionados a este ensino sob o viés de teorias
pedagógicas de campos de saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber
matemático. Assim, o conhecimento das correntes filosóficas da Matemática
poderá instrumentalizar o futuro professor no sentido de proporcionar uma leitura
filosófica de sua própria prática docente.
Objetivos
• Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da
teorização de Piaget e suas implicações para o ensino
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35
Nesta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da
Matemática. Alguns dos autores escolhidos e consultados ao
longodotextoasdenominamdecorrentesabsolutistas,pelofato
denãoconceberocaráterfalíveldosabermatemático.Umcomentáriointrodutório
sobre tais correntes podem ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando
esclareceque:
AsprincipaisconcepçõesarespeitodanaturezadaMatemática,desuarelação
com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos inúmeros filósofos
envolvidos,convergiramapartirdasegundametadedoséculoXIX,paratrês
grandes troncos. Estas três grandes correntes do pensamento matemático,
cadaumadasquaispretendendofundamentaraMatemática,suaprodução,
seuensino,sãooLogicismo,oFormalismoeoIntuicionismo.
Certamentequeaclassificação fornecidaporMachado (1994)édecaráter
esquemáticoepedagógico,umavezqueé impossível enquadrar de modo indiscutível
todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO,1994,p.26).Nocontexto
histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-se
desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl
FriedrichGauss(noséculoXVIII)eascontribuições,principalmenteosresultados
obtidosporGeorgCantor(noséculoXIX).
TÓPICO 1 As correntes filosóficas da matemáticaObjetivO
• Conhecerasprincipaiscorrentesabsolutistasda
Matemática
AULA 2 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica36
ATENTAR PARA ESPAÇO NO FIM DO ICONE (TENTAR MANTER SEMPRE ESSE MESMO ESPAÇAMENTO)
Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto,
estavam preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na
Teoria dos Conjuntos.Assim,comaintençãodeidentificarcritériosmaisrigorosos
econfiáveisnosentidodefundamentaraMatemática,desenvolveram-se três escolas
de filosofia, cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo
e o Formalismo (CURY,1994,p.53).
Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de
hoje, Cury faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento
comrespeitoàatividadeavaliativaemMatemática.Muitos tentamcompreender
edescreverestefenômenoespecíficopormeiodeteorias“importadas”deoutros
camposdosaber,oqueresultaemuma leitura
e significação de caráter retórico, pouco
operacionalnoquedizrespeitoàsuaaplicação
noensinoefetivodeMatemática.
Iniciamos nossa discussão com uma
reflexãodeRussell (1920,p. 18)quando alerta
que:
Matemáticae lógica,historicamente, têmsidoestudos inteiramentedistintos
[...]Masambostêmsedesenvolvidoemtemposmodernos;alógicatornou-se
maismatemáticaematemática tornou-semais lógica.Aconseqüênciaéque
agorasetornoucompletamenteimpossíveltraçarumalinhaentreosdois,na
verdadeosdoissãoumsó[..]Aprovadasuaidentidadeé,naturalmente,uma
questãodedetalhe.
No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha
divisória entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes,
como a de Bertrand Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que
introduzimos a polêmica em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns
aspectosrelacionadosaoLogicismo.ParafalardoLogicismo,énecessáriofalarde
GottlobFrege(1848-1925).
Silva(2007,p.127)acentuaquea estratégia logicista de Frege começa com uma
releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos
o lógico com o psicológico.Emsuaconcepção:
Arazãoésimples,representaçõessão“cópias”dascoisasemnossamente,elas
sãoobjetosmentais,equalquertentativadedefiniranaliticidadeemtermos
v o c ê s a b i a?
Bertrand Russell foi um matemático, filósofo,
lógicoehistoriadormatemáticoinglês.
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37AULA 2 TÓPICO 1
derepresentaçõesmentaiscorreoriscodesercontaminadapelopsicologismo.
ParaFrege,essadistinçãoentreoapriorieoposteriori,épuramentelógica
[...](SILVA,2007,p.127).
Notrechoacima,SilvaexpõeacríticadeFregeaoPsicologismoquemanifesta
preocupação com a interpretação que possamos dar às nossas representações
mentaisqueconstruímosnodecorrerdenossaexistênciafinitanomundo.
Seuposicionamento dovalordaLógica é identificadopor Silva (2007,p.
126-127)quandomenciona:
ApesardeconcordarcomKantquantoàGeometria,Fregeacreditavaquea
aritméticaéanalítica,porémemumsentidodeanaliticidadediferentedeKant.
Maisprecisamente,paraFrege,aaritméticaéredutívelàlógica,elanadamais
édoquepuralógica.Parafazerprevaleceressepontodevista,Fregeengajou-
senumalutasemquartelcontraasfilosofiasque,segundoele,comprometiam
ocaráterdaverdadearitméticaemparticularosempiristas,paraosquaisa
verdade aritmética é uma generalização da experiência, fundada em sólida
base indutiva; e os psicologistas, para os quais os números são entidades
mentais e asverdadesaritméticasdependemde leis empíricasque regulam
nossosprocessosmentais;istoé,leisdapsicologia.
Para Frege, uma proposição matemática pode apresentar duas naturezas
distintas.De fato, temosumaproposição analíticaquandoademonstraçãodesta
proposição envolve apenas leis lógicas gerais e definições formais. Se, pelo
contrário, qualquer demonstração de uma
proposição recorre ao emprego de verdades de
escopolimitado(comoosaxiomasdageometria),
ela será uma proposição sintética. Ademais,
quando a mesma proposição utiliza verdades
particulares,emboranãodemonstráveis(comoas
asserçõesqueexpressamosdadosimediatosdos
sentidos),elaseráumaproposição a posteriori.E
quandoem talproposiçãoobservamosque sua
demonstraçãosefundamentaemfatoseverdades
gerais,elaseráa priori (SILVA,2007,p.127).De
modoresumido,temosoquadrosistemáticode
classificaçãosegundoasconcepçõesdeFrege.
s a i b a m a i s !
O Empirismo é descrito e caracterizado pelo
conhecimentocientífico,asabedoriaéadquirida
por intermédio da apreensão perceptual, pela
origemdasideiasporondecaptamosepercebemos
ascoisas,demodoindependedeseusobjetivos
esignificados.Epelarelaçãodecausa-efeitopor
onde fixamos nossa mente, o que é percebido/
identificadoatribuiàpercepçãocausaseefeitos.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica38
Proposições Características Quanto à demonstração
Proposição sintética
Empregaverdadesdeescopolimitadoparaassegurarsua
validade
Quandorecorreapenasaverdadesgerais(a priori)
Proposição analítica
Suaverificaçãoenvolveorecursodeleisgeraisda
lógicaedefiniçõesformais
Quandosefundamentaemverdadesparticulares,não
demonstráveis(a posteriori)
Quadro1:Propriedadesdasproposições(SILVA,2007,p.133)
Dando continuidade ao pensamento da corrente Logicista, encontramos o
matemáticoefilósofoBertrandRussell.Silva(2007,p.134)dizque Russell não foi
tão pessimista quanto Frege sobre o destino do programa logicista.Seupensamento
podesercontempladonoseguintetrecho:
A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais
familiares,podeserlevadoaefeitoemduasdireçõesopostas.Amaiscomum
éconstrutivista,nosentidodacomplexidadegradativamentecrescente:dos
inteirosparaasfrações,osnúmerosreais,osnúmeroscomplexos,daadição
e multiplicação para a diferenciação e integração e daí para a matemática
superior.Aoutradireção,queémenosfamiliar,avança,pelaanálise,paraa
abstraçãoe a simplicidade lógica sempremaiores; emvezde indagaroque
podeserdefinidoededuzidodaquiloqueseadmitaparacomeçar,indaga-se
que mais ideias e princípios gerais podem ser encontrados, em função dos
quaisoqueforaopontodepartidapossaserdefinidooudeduzido.Éofato
deseguiressadireçãoopostaéquecaracterizaaFilosofiadaMatemática,em
contrastecomumcomamatemática(RUSSELL,1981,p.9,apudSILVA,2007,
p.135).
Note-seque,notrechoacima,apesardeextenso,háespaçoparaainspiração
adequadaparanossadiscussão.Observamosadistinçãodotermoconstrutivismo
em Matemática. Russell faz indicações concretas a respeito da necessidade de
construçãoprogressivadosconceitosmatemáticos,passoapasso.Nestesentido,
destacaopapeldaabstraçãohumanacomoacapacidadeontológicadoindivíduo
que proporciona determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do
indivíduo.
Nessesentido,Russell(1981,p.9)salientaqueosantigosgeômetrasgregos
ao passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas
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39AULA 2 TÓPICO 1
quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e
postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Poroutro
lado,umavezatingidoosaxiomasepostulados,oseuempregodedutivo,como
testemunhamos em Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A
distinção entre matemática e filosofia da matemática depende do interesse que inspire
a pesquisa e da etapa por esta atingida e não das proposições às quais a investigação
esteja afetada(RUSSELL,1981,p.9).
Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que
deveriamsertomadoscomvigilânciapelospróprioslogicistas.Emsuaspalavras,
percebemosalgumadestasressalvas:
Umaveztodaamatemáticapuraetradicionalreduzidaàteoriadosnúmeros
naturais,opassoseguintenaanáliselógica,foireduziressaprópriateoriaao
menor conjunto de premissas e termos não definidos dos quais se pudesse
serderivada.EssetrabalhofoirealizadoporPeano.Elemostrouquetodaa
teoria dos números naturais podia ser derivada de três ideias primitivas e
cincoproposiçõesprimitivas,alémdaquelasdaLógicapura.Essastrêsideias
ecincoproposiçõestornaram-se,dessemodo,porassimdizer,asgarantiasde
todaamatemáticapura.Seu“peso”lógico,casosepossausartalexpressão,é
igualaodetodaasériedeciênciasdeduzidasdateoriadosnúmerosnaturais;a
verdadedascincoproposiçõesprimitivas,desdeque,naturalmente,nadahaja
deerrôneonoaparatológicotambémenvolvido(1981,p.12).
A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na
fundamental obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da
Aritméticae,deresto,todaaMatemática,dasleisdaLógicanormativaelementar.
Muito cedo, porém, a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos
de Leibniz, bem como os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa
(MACHADO, 1994, p. 27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes
objetivospropostospeloslogicistas:
a) todas asproposiçõesmatemáticaspodemser expressasna terminologia
lógica;
b)todasasproposiçõesmatemáticasverdadeirassãoexpressõesdeverdades
lógicas.
Cury(1994,p.54)mencionaquealgunsdoslogicistasmereceramdestaque,
comoRusselleWhitehead.Curychamaatençãoparao coroamento das pesquisas
de vários matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica40
o simbolismo exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell
intituladaPrincipia Mathematicamostramque,para os seus autores, a matemática
existe em um “céu platônico”, desligada dos problemas humanos.
Cury(1994,p.54)destaca,noentantoque:
[...]atentativadeRusselleWhiteheaddemostrarqueamatemáticaclássica
podeserreduzidaàLógicanãoestavacompleta.Paraevitarosparadoxoseas
críticasquesurgiamàsuaobra,Russelltevequeedificarateoriadostipose
assumiroaxiomadoinfinito,quenãotemcaráterlógicoestrito,poiséuma
hipótesesobreomundoreal.Assim,oprogramalogicistanãoteveêxitoem
suatentativadeasseguraravisãoabsolutistadamatemática.
Nofinaldesuavida,Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara
nos seus trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de
fundamentar a matemática (CURY,1994,p.54).Machado(1994,p.27)salientaque:
ALógicaelementarcontémregrasdequantificaçãoqueprovêemamatemática
deinstrumentaleficientequandosetratadefrasesondeestejabem-estabelecida
a caracterizaçãodo indivíduo edo atributo,distinção essaque sabemosde
raízes aristotélicas. Entretanto, ela não admite, sem enfrentar dificuldades,
regras de quantificação para expressões bem-formadas onde atributos são
tratadoscomo indivíduos.Assim, frasesdotipo“todosos indivíduos i têm
oatributoA”ou“existeumindivíduoiquetemoatributoA”nãooferecem
problemas;masfrasescomo“todososatributosAtêmoatributoB”ou“existe
umatributoAquetemoatributoB”conduziriamadificuldadeslógicas.
Machado(1994)discuteoParadoxodeRussell,queconsisteemumasituação
contraditóriadescobertaporBertrandRussellem1901equeprovaqueateoria
deconjuntosdeCantoreFregeécontraditória.ConsideramosentãooconjuntoM
comodefinido“conjuntodetodososconjuntosquenãosecontêmasiprópriocomo
membro.Empregandoanotaçãomatemática,escrevemosAéelementopertencente
deMse,esomentese,AnãoéelementodeA,ouseja, : { ; A A}M A= Ï .
NosistemaconcebidoporGeorgeCantor,Méumconjuntobemdefinido.A
questãoqueseapresentadizrespeitodapossibilidadedeMconter-seasimesmo?
Ora,seasrespostaésim,nãoémembrodeM,deacordocomadefinição
estabelecidahápouco.Poroutrolado,supondoqueMnãosecontémasimesmo,
temdesermembrodeM,deacordomaisumavezcomadefiniçãodeM.Destemodo,
asafirmações“MémembrodeM”e“MnãoémembrodeM”conduzemambas
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41
ainconsistênciasecontradições.JánosistemadevidoaFrege,Mcorrespondeao
conceitoenãorecainoconceitodesuadefinição.OsistemadeFregeconduzainda
aoutrascontradições.
Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal
paradoxoéexplicadoapartirdaLógicaedaTeoriadosConjuntos.Oparadoxo
envolveumaaldeiaonde,todososdiasumbarbeirofazabarbadetodososhomens
quenãosebarbeiamasipróprioseamaisninguém.Ora,talaldeiapodeexistir?
Oraciocínionosconduzaduaspossibilidades:i)seobarbeironãosebarbeiaasi
mesmo,entãoterádefazerabarbadesimesmo;(ii)seobarbeirosebarbearasi
mesmo,deacordocomaregraestabelecida,elenãopodesebarbearasimesmo.
Aregraanteriorcaracterizaumasituaçãoindecidível.Oparadoxocostuma
ser atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de
1901 elaborou este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e
inconsistentedateoriadosconjuntosestruturadaporCantor.Nãonosdeteremos
demodoaprofundadonestasquestõesqueexigemumconhecimentoaprofundado
delógicaenoçõeseprogramação.
Machado(1994,p.27)discuteoutroparadoxo:
Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros
(indivíduos).Diremosqueumcatálogoénormal(atributo)seelenãoseincluir
entreoslivrosquecita;seeleseincluir,seráanormal.Consideremos,agora,o
conjuntodetodososcatálogosnormaiseorganizemosocatálogodetodosos
catálogosnormais(indivíduo?).Estecatálogoseránormalouanormal?Seele
fornormal,elenãoseincluirá,pordefiniçãodesteatributoe,portanto,deverá
se incluir uma vez que é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo,
consequentemente,anormal.Seele foranormal,ele se incluiráe,portanto,
seránormal,umavezquesóincluiosnormais.Eagora?.
Por oposição de superação destes e outros entraves, identificamos na
históriaosurgimentodeoutracorrentefilosóficaque,emdeterminadosaspectos,
sustentavaasuperaçãodosentraves logicistas.Assim,observamososurgimento
doformalismo,umadascorrentesquemaisrepercutiunoensinodeMatemática
(CURY,1994).
SegundoErnest(1991,p.10),o formalismo é uma visão da matemática como
um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu
maior proponente foi David Hilbert.AcorrenteformalistateveemKantprofunda
inspiração, assimcomoemLeibniz,quena sua lógica fundouo logicismo.Para
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Kant,opapelquealógicadesempenhaésemelhanteaopapelemqualqueroutro
setordoconhecimento.Podemoscaracterizarumpressupostoformalistaapartir
dasconsideraçõesdeMachado(1994,p.29)quandoobservaquetalcorrente:
Consideraque,semdúvida,emmatemática,osteoremasdecorremdeaxiomas,
deacordocomasleisdalógica.Nega,noentanto,queosaxiomasconstituem
elesmesmosprincípioslógicosouconsequências,detaisprincípios.Admite,
isto sim, que eles sejam descritivos da estrutura dos dados da percepção
sensível,emparticular,doespaçoetempo.
Seumaior ícone foiDavidHilbert (1862—1943),ummatemático alemão
quecontribuiuamatemáticacomideaisinovadorasqueseespalharamemdiversas
áreas da matemática. Nasceu na cidade de Könisberg, atualmente Kaliningrado,
ondeteveseuperíododeestudosacadêmicosnaUniversidadedeKönisberg.No
anode1895foinomeadoparaauniversidadedeGöttingen,ondelecionouatésua
aposentadoria,em1930.DavidHilbertéfrequentementeconsideradocomoumdos
maioresmatemáticosdoséculoXXX,nonívelcomparadododeHenriPoincaré.
Devemosaelealistafamosade23problemas,algunsdosmesmossemsoluçãoaté
osdiasdehoje,queHilbertapresentouem1900noCongresso Internacionalde
MatemáticosemParis.
Hilbert adotou as ideias de Kant em seu ambicioso programa prático que
caracterizouoformalismo.Grossomodo,fundamentava-sedaseguinteforma:
a. A Matemática compreende descrições de objetos e construções
concretas,extra-lógicas;
b. Tais construções e estes objetos deve ser enlaçados em teorias formais em
que a Lógica é o instrumento fundamental;
c. O trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias
formais consistentes, cada vez mais abrangentes até que se alcance a
formalização completa da Matemática.(MACHADO,1994,p.29)
Maisadiante,Machado(1994)levantaasseguintesquestões:
•Emqueconsisteumateoriaformal?
•Aqueobjetosouconstruçõessereferemàsteoriasformais?
•Oquesignificaserumateoriaformalconsistente?
•Oquesignificaformalizaçãocompleta?
Machado (1994, p. 30) responde que uma teoria formal consta de termos
primitivos, regras de formação de fórmulas a partir delas, axiomas ou postulados,
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regras de inferências e teoremas.Demodoesquemático,vemosodiagramaproposto
naFigura1,emqueoautordescreveaorganizaçãoepistemológicadeumateoria.
Figura1:TeoriaformalsegundoMachado(1994,p.30)
Machado(1994,p.30)explicaodiagramaacimaaoesclarecerque:
Ostermosprimitivosdescrevemosobjetosconcretosdequetrataateoria.As
regrasdeformaçãodefórmulasorganizamodiscursoarespeitodestesobjetos,
distinguem as fórmulas bem-formadas das que carecem de significado. Os
axiomassãoasverdadesbásicas, iniciais,quedevemseapoiarnaevidência
empírica. As regras de inferência determinam as inferências legítimas e
distinguem,dentreasfórmulasbem-formadas,asqueconstituemosteoremas,
quesãoverdadesdemonstráveisapartirdosaxiomas,emúltimaanálise.
Como se sabe, o sistema formal elaborado por Euclides para a Geometria,
durantemaisdedoismilanos,permaneceusoberanocomodescritivodaestrutura
perceptualdoespaço.Tendocomo termosprimitivosasnoçõesdeponto, retae
plano,Euclidesenunciouoscincopostuladosparaestesistemaformal:
1P :Épossíveltraçarumalinharetadequalquerpontoaqualquerponto;
2P :Qualquersegmentoderetafinitopodeserprolongadoindefinidamente
paraconstituirumalinhareta;
3P :Dadosumpontoqualquereumadistânciaqualquer,pode-setraçarum
círculodecentronaquelepontoeraioigualàdistânciadada;
4P :Todososângulosretossãoiguaisentresi;
5P :Seumaretacortarduasoutrasdemodoqueosdoisângulosinterioresde
ummesmoladotenhamsomamenorquedoisângulosretos,entãoasduasoutras
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retassecruzarão,seprolongadasindefinidamente,doladodaprimeiraretaemque
seencontramosdoisânguloscitados.
Figura2:Interpretaçãodo5ºpostuladoeuclidianoporMachado(1994,p.31)
AindacomreferênciaaotrabalhoerigidoporEuclides,destacamosotrecho
interessantedotrabalhodeMachado(1993,p.103)quandoexplicaque:
Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco
princípios de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam
utilizadosemtodasasmatérias.Estesprincípioselechamoudeaxiomas:
1A :Duascoisasiguaisaumaterceiracoisasãoiguaisentresi;
2A :Separcelasiguaisforemsomadasaquantiasiguaisosresultadosobtidos
serãoiguais;
3A :Sequantiasiguaisforemsubtraídasdequantiasiguais,osrestosobtidos
serãoiguais;
4A :Coisasquecoincidemumascomasoutrassãoiguaisentresi;
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5A :Otodoémaiordoquecadaumadaspartes.
Machado(1994,p.32)sublinhaquea ideia subjacente à fixação dos postulados
e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a
partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados.Por
outrolado,umproblemaprofundodenaturezafilosóficadizrespeitoaocaráterde
“evidência”atribuídoaosaxiomasepostulados.Nestesentido,Machado(1994,p.
32)sublinhaque:
Aanálisedaafirmaçãodo5ºpostuladoperturbouamuitosmatemáticosdesde
o início, uma vez que ele parecia menos evidente que os demais, anômalo
em algum sentido que não era explicitamente percebido. Na verdade, o 5º
postuladopareciaumteoremacomoosinúmerosdemonstradosporEuclides
enão faltaramcandidatos,ao longodosséculos,a tentaremdemonstrá-loa
partirdosoutrosquatro.
Oproblemamaiorapontadonotrechoacimadizrespeitoaocaráternãotão
evidentedo5ºpostulado.Comoconsequênciadestecaráterdeincredibilidadee
faltadeconsensodacomunidade,não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a
tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro(MACHADO,1994,p.32).Comoessa
ideiasemostrouimpraticáveletratou-sedeumatarefanãotrivial,osesforçosse
modificaramnatentativadesubstituiçãodo5ºpostuladoporoutroenunciadode
naturezamaissimplesouevidente.Todavia, tais iniciativas mostraram que existem
muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o
sistema formal (Figura1)perca qualquer de seus teoremas (MACHADO,1994,p.32).
Apartirdaí,aHistóriadaMatemáticadescreveoadventodasGeometrias
Não Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades
que contrariam nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são
exploradas.Porexemplo,podemosrecordaroproblemaquedescrevequepartindo
de um ponto da Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km
para Norte, voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor
do urso?
Àprimeiravista,podemosimaginarqueestasituaçãoproblemanãopossui
soluçãoe,portanto,ocaçadornãoretornariaaopontodepartida,comomostrao
esquemadafigura3.Noentanto,nãopodemosesquecerofatodequeaTerranão
éumasuperfícieplana,mascurva.Assim,asoluçãoestáàvista:andando10Km
segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto
inicialdepartidaseiniciarsuacaminhadanoPóloNorte.Masenquantoaourso?
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ComahistóriatodasedesenvolvenoPóloNorte,sópodeserumursopolar
eporissoumursodecorbranca.Todaadificuldadenasoluçãodesteproblema
passapelofatodepensarmosnaGeometriasobreumplano.Note-sequedesdeo
séculopassado,comoaparecimentodeGeometriaNãoEuclidiana,surgeumanova
soluçãoparaesteproblema.
Figura3:Oproblemadoursopolarenvolvendonoçõesdegeometriasnãoeuclidianas
VamospensaraindaqueocaçadorestánoPóloSuleaTerrapossuicírculos
concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de
comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção
norte desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De
fato,ocaçadoranda10kmparaadireçãoSulechegaaessecirculo;emseguida
anda10kmparaadireçãoLesteedáumavoltacompleta;aoandar10kmparaa
direçãoNorte,retornaaomesmopontodeorigem.Nestanovasoluçãoestaaindao
urso,todavia,nãoexistemursosnoPóloSul.Sebemqueosursosnãotemrelação
algumacomaMatemática,tem?
NoséculoXVIII,omatemáticoitalianoSachierifezoutrotipodetentativa:em
vezdedemonstraro5ºpostuladodeEuclides,apartirdosdemaispostuladosoude
proporumsubstitutomaisevidente,ele investigou a independência deste postulado
em relação aos outros quatro (MACHADO,1994,p.33).Seuplanoédescritopor
Machado(1994,p.33)doseguintemodo:
[...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado,
para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante.
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Naturalmente ele [Sachieri] esperava, com este novo sistema, chegar a
absurdos,acontradiçõesquerevelassemanecessidadeformaldo5ºpostulado.
Noentanto,curiosamente,Sachierinãoobteveoqueesperava,nãodeparou
comnenhumainconsistência,tendo,istosim,demonstradomuitosresultados
considerados “estranhos” e que se caracterizariam, mais tarde, como os
teoremasdeumanovaGeometria.
Na sequência, exibimos a Figura 4, na qual visualizamos alguns dos
resultados emblemáticosdaGeometria euclidianaquepodemnão ser esperados
nas Geometrias não euclidianas, como a propriedade que diz que a soma dos
ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retosconformedemonstradapor
Euclides.
Figura4:Umtriângulonasgeometriasnãoeuclidianas
Assimcomoo formalismo, o intuicionismo tem raízes emKant eBrouwer.
Nestacorrentefilosófica,a intuição resultante da introspecção resulta em evidenciar
a verdade das proposições matemáticas e não a observação direta de objetos externos
(MACHADO,1994,p.39).Emrelaçãoaointuicionismo,encontramosnaliteratura
queessaescola:
[...]partedopressupostocontrárioaodos logicistas,poisconsideraquehá
algoerradocomamatemáticaclássica.Pensavam,então,osintuicionistas,em
reconstruí-ladesdeosalicercese,paraisso,sóaceitavamapartedamatemática
construídaapartirdosnúmerosnaturais(CURY,1994,p.55).
Machado(1994,p.39)esclareceque,paraosintuicionistas,aMatemáticaé
umaatividadetotalmenteautônoma,autossuficiente.A pretensão dos logicistas de
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reduzi-la à logica ou dos formalistas de alcançar uma formalização rigorosa resulta
em mal entendidos fundamentais sobre a natureza da matemática.ParaBrouwer,os
formalistasconcebiamaMatemáticacomoconstituídadeduaspartes:umconteúdo
específico,autônomoeumalinguagemquedependia,paraoseucrédito,daLógica.
Poroutrolado,opontodevistadointuicionismo,é:
[...]odequeamatemáticaéumaconstruçãodeentidadesabstratas,apartir
da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma redução à
linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização rigorosa em um
sistemadedutivo.Admitemosintuicionistasautilidadedossistemasformais,
masosconsideramprodutosacessóriosresultantesdeumaatividadeautônoma,
construtiva. E, com certo desprezo, atribuem à linguagem matemática uma
funçãoessencialmentepedagógica(MACHADO,1994,p.40).
Paraconcluirestaseção,destacamosqueestacorrentefilosóficasofreuvários
reveses, parte deles foram assentados em fatos matemáticos que aparentemente
resultavamdecontradiçõesemrelaçãoàsinformaçõesobtidasporintermédioda
intuiçãomatemática.Emoutrasaulas,nosdeteremosumpoucomaisnacompreensão
deumahabilidadecognitivaquechamamosdeintuição,equeproporcionauma
atitudefilosóficanaMatemática.Nopróximotópico,diferenciaremosetraçaremos
algumascríticasedistorçõesaoensinodeMatemáticaqueassumeopressuposto
construtivista.
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TÓPICO 2O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetianoObjetivO
• Conheceraspectosdo“construtivismo”matemáticoeos
fundamentosdateorizaçãodePiagetesuasimplicações
paraoensino
Nestaaulaabordaremosumapalavra recorrentementeexplorada
e aplicado em situações e domínio epistêmicos completamente
distintosdosquais efetivamente se originou.De fato, o termo
“construtivismo”seespalhoucomtantovigorquenaatualidadenãoseencontra
ninguém não se autodenomine um construtivista. O equívoco acadêmico diz
respeito ao desconhecimento de dois pressupostos filosóficos. O primeiro é o
construtivismo no seio da própria Matemática e o segundo, mais popularizado,
o construtivismo piagetiano. Para compreender-mos um pouco mais do primeiro
apontodedistingui-lodo segundo,destacamosMachado (1994,p.41)quando
comenta os principais elementos inconsistentes e que receberam críticas das
correntesabsolutistas da Matemáticadoseguintemodo:
O logicismo pretendeu fundar a matemática nas leis gerais do pensamento
semquenuncapenetrassenascaracterísticasespecíficas,nagênesedessasleis
lógicas.O formalismopregouqueos sistemas formais,queutilizavamessas
mesmasleis,constituiriamemsioobjetodamatemática,independentemente
desuas interpretações.Mas tambémnãodeugrandespassosnosentidode
investigar o mecanismo que possibilita a concordância, mais cedo ou mais
tarde, destes sistemas abstratos com o real através das interpretações. O
intuicionismo deixou em permanente penumbra a dinâmica das intuições
que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca
esclareceuomodocomosemesclavamasconcepçõesapriorisobreoespaçoe
otempoeasconstruçõesdosmatemáticos.
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De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima
Machadoapontademodoconsistenteospontosmaisdelicadosdascorrentesque
discutimosnaseçãoanterior.Ademais,Machado(1994)inserenestadiscussãoas
formulações de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna-
se imperioso compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à
Filosofia da Matemática,quesediferenciademodosubstancialdoconstrutivismo
piagetiano.
Neste sentido,Ernest (1991,p. 11)declaraqueoprograma construtivista
dizrespeitoà reconstrução do conhecimento matemático (e reformulação da prática
matemática). Seu objetivo caracterizou-se por
rejeitar argumentos não construtivistas, tais
como os argumentos de Cantor relacionados a
não enumerabilidade do conjunto dos números
reais,easleisdalógicarelacionadaaoPrincípio
do Terceiro Excluído. Os construtivistas da
Matemática mais conhecidos foram Brouwer
e Arend Heyting (1898-1980) que foi um
matemático holandês. Ademais variadas
dimensões do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST,1991,p.11).
EstacorrentefilosóficareúnematemáticosqueacreditamqueaMatemática
clássicanecessitaserreconstruídaapartirdemétodoseraciocínioadequado.Os
construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes
da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST,
1991,p.11).
Ernest (1991,p.12)explicaque,considerandoaclássicademonstraçãode
existênciamatemáticaemdemonstrações,deve-sedemodosimilardemonstrara
necessidadelógicadaexistência,e uma prova construtiva da existência pode mostrar
como construir o objeto matemático cuja existência é defendida.Poroutro lado,os
construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de
problemas clássicos de matemática (ERNEST,1991,p.12).
Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas,
a perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se
inconsistenteemrelaçãoaalgunsresultadosdaMatemáticaclássica.Comrespeito
aestatendênciaverificada,Jairo(2007,p.143)esclarece:
at e n ç ã o !
O princípio do Terceiro Excluído diz que uma
proposiçãopodeserverdadeirasenãoforfalsae
sópodeserfalsasenãoforverdadeira.
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Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente construtivos
da matemática grega, o construtivismo remonta à Antiguidade Clássica.
Mascomoumafilosofiadamatemática,emparticularumaontologiaeuma
epistemologia, ele é mais moderno; Kepler foi talvez o primeiro a dizer
explicitamentequeumafigurageométricanãoconstruídanãoexiste.Maso
pioneironaelaboraçãodeumafilosofiaconstrutivistadamatemáticafoiKant
e,deummodooudeoutro, todososfilósofosdamatemáticadeorientação
construtivistasãoseusherdeiros.
Kantnãohesitouemnegarcomomatemáticatudoaquiloquenãofosseatual
ou potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números
negativos foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são
pseudonúmeros, por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA,2007,p.143).
No entanto, foi no final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o
construtivismoganhoumaiorvigornacomunidadedematemáticos.Jairo(2007,p.
145)comentaaindaque:
Construtivistas,comoPoincaréeBrouwer,preferiamdeixarDeusea lógica
para apelarpara a intuiçãohumana.Eles acreditavamque éno interiorda
consciênciahumanaesuasvivênciasqueosnúmerosnaturaisseconstituem
esuasverdadesse fundamentam.Nãohá, segundoeles,comodefiniresses
números em termos mais elementares. Poincaré, além de ridicularizar todo
o projeto logicista, criticou, como mencionamos há pouco, as tentativas de
Dedekind de definir o conceito de número natural. São esses os herdeiros
legítimosdeKant.
Até o momento já dispomos de elementos teóricos que nos permitirão
comparar o construtivismo piagetiano com o construtivismo na Matemática.
Provavelmente o que ambos possuem de comum é a identificação de elementos
essenciaispertencentesàcogniçãohumanaqueprecisamserativadoseestimulados
de modo conveniente (MAIO, 2002) para que possamos esperar uma razoável
aprendizagem.Oconstrutivismo piagetianoapresentaváriasdistorçõesnocontexto
deensinoaprendizagem,apesardeseuspressupostosiniciaisindicaremelementos
diferenciadosdenaturezaepistemológicaefilosófica.
SeuprincipalexpoentefoiJeanPiaget(1896-1980),quesempremanifestou
profundasinspiraçõesnoconhecimentomatemático.Paraele,assoluçõesclássicas
doproblemadarelaçãodaMatemáticacomarealidadeseencerravamnodilema:ou
a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída
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a partir de construções abstratas que emergem da realidade (MACHADO,1994,p.
42).Machado(1994,p.42)explicaodilemapiagetianoressaltando:
Em outras palavras, as soluções clássicas do problema da relação da
matemática com a realidade se encerram no dilema: ou a matemática se
impõe,apriori,àrealidadeempírica,ouamatemáticaéconstruídaapartir
deconstruçõesabstratasqueemergemdestarealidade.Emoutraspalavras,as
soluçõescaracterizamouumaproeminênciadosujeitodoconhecimentoou
umaproeminênciadoobjetodoconhecimento,permanecendopresasaesta
dicotomia.
Piaget, diferentemente de muitos pontos de vista passados, propôs que a
relaçãodaMatemática coma realidadenãopossa se fundarno sujeitopensante
(apriorismo) e nem apenas no objeto pensado (empirismo), mas numa interação
intensaentre sujeitoeobjeto.Todavia,nãopodemosdestacarestaatitudecomo
original,afinal todas as soluções anteriores, poderiam, pelo menos enquanto discurso,
se pretender captando tal interação(MACHADO,1994,p.42).
Machado(1994,p.42)acrescentaque:
AoriginalidadedaposiçãodePiagetconsistenasituaçãodainteraçãosujeito-
objetono interiordosujeito.Porestavia,elege,naturalmente,aPsicologia
comoseufundamentalinstrumentoparaasexplicitaçõesdestainteração.Não
umapsicologiaqualquer,masaPsicologiaGenética[...].
A utilização da Matemática em todos os seus estudos é muito marcante.
Observamosarelevânciadessaáreadoconhecimento,apartirdasprópriaspalavras
dePiaget,quecaracterizaosobjetivosdeumapesquisaaomencionarque:
Oobjetivodestanotanãosetratadeelaborarumnovoprocedimentodecálculo
logístico,masunicamentedepesquisarseasoperaçõesdeadiçãoesubtração,
própriasdaÁlgebraedaLógica,sãosuscetíveis,umavezcolocadassobforma
deigualdade,defabricarumverdadeirogrupo.Aúnicanovidade,doponto
devistadocálculológico,édetergeneralizadoaoperaçãoinversadaadição:
a“subtraçãológica”,interpretandooqueoslogicistachamamde“negação”
(PIAGET,1937,p.99,traduçãonossa.)
Noexcertoacima,identificamosovocábuloconhecidonaMatemáticacomo
“grupo”.Maisadiantenomesmoartigo,opróprioJeanPiagetdiscutepropriedades
especificasrelacionadascomanoçãodegrupoquandomenciona:
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53
Cremos ter encontrado analogias de
estruturasdoqueconcerneacomposição,
a associatividade e inversas. Quanto
à operação idêntica, uma diferença
fundamental se opõe ao grupo lógico
com respeito aos grupos aritméticos:
cada igualdade desempenha um papel
idêntico com respeito à igualdade de
ordem inferior. Esta oposição, que se
relaciona com respeito ao bloqueio de
classesumassobreasoutrasnaausência
deinteraçãonalógicamostraquemuito
diferentepossívelentreosdoistiposde
grupos, e destacamos outras (PIAGET,
1937,p.100,traduçãonossa).
Épatente o emprego constantedePiaget
de estruturas matemáticas para a descrição/
compreensãodeváriasoperaçõescognitivasdepensamentodacriança.Parece-nos
umpontodevistabastanteequivocadotentarapresentarateoriaelaboradaporeste
pensadoraofuturoprofessordeMatemáticasemfalar/relacioná-lacomaprópria
Matemática. Neste sentido, destacamos um trecho de um artigo de Jean Piaget
relacionadocomasrelaçõesdeigualdadealgébricaestabelecidaspelacriança.
Paraconcluir,Machado(1994,p.43)destacaasprofundaspreocupaçõesde
PiagetcomaMatemáticaaodeclararque:
at e n ç ã o !
Em Matemática o conceito de Grupo é dado
como um conjunto de elementos associados
a uma operação que combina dois elementos
quaisquerparaformarumterceiroelementoPara
sequalificarumgrupo,oconjuntoeaoperação
devemsatisfazeralgumascondiçõeschamadasde
axiomasdegrupo:associatividade,identidadee
existênciadeelementos inversos.Aubiquidade
dosgruposeminúmerasáreas–dentroeforada
matemática–ostornamumprincípiocentralnas
ciências.
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Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna Psicologia,
científicaeobjetiva.Elepretendeque,emsuaorigem,asoperações lógico-
matemáticas procedam diretamente das ações mais gerais que podemos
exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas consistem em estabelecer
correspondênciascontar,reunir,associar,dissociar,ordenar,etc.Agênesedas
operaçõeslógico-matemáticasdeveserbuscada,segundoele,nesteaspectode
atividadecoordenadoradasaçõesfísicasmaiselementares.
Destemodo,aperspectivafilosóficadePiagetpodeserdescritadoseguinte
modo,noquedizrespeitoaodesenvolvimentodaMatemática:
1)osentesmatemáticosoriginam-sedacoordenaçãodasaçõesfísicasmais
geraisqueosujeitoexercesobreoobjeto;
2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto,
entretanto,conservamopoderdereuniremaoobjeto,dese reencontraremcom
arealidadeimediataemtodososníveis,dedizeremrespeitoàrealidade,pormais
altoquesejaovôoalcançado.
Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem
filosófica:
a)Como,apesardesteafastamentodarealidade,opensamentomatemático
seguefecundo?
b)Oquepossibilitaesteconstanteacordocomarealidade?Qualacondição
depossibilidadedetalcompatibilidade?
Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o
pensamento matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às
coordenadas gerais da ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud
MACHADO,1994,p.44).Assim,algunsdeseuspressupostosenvolvemaintenção
de explicar as operações de composição das ações básicas em novas ações mais
complexasqueseestabelecemesesobrepõemàsanteriores,nadependênciadeum
caráterdeoperacionalidade.
Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas
matemáticasseformamapartirdoobjetoisolado.Paraele,opensamentomatemático
emrelaçãoàrealidadefísica:
Écriaçãoeagregaaelaemlugardeabstrairalgooudeextrairsuamatéria...
antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes
proporcionamarcosantesqueaidéiadetaisexperiênciashajagerminadono
pensamento(PIAGET,1978,apud,MACHADO,1994,p.44).
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55
NaFigura5 abaixo,descrevemosas relaçõesquepodemser estabelecidas
entreosujeitodoconhecimento(indivíduo)eumobjetomatemático.Note-seque
váriospensadoresdiscutemasformas(dimensãofilosófica)emaneirasdaocorrência
deumfenômeno(dimensãocognitiva)queconhecemosporabstraçãomatemática,
que,depoisdaperspectivapiagetiana,passouasermelhorcompreendido.
Figura5:Relaçõesestabelecidasentresujeitoeobjetomatemáticodianteàrealidade
Machado(1994,p.46)exaltaopontodevistaoriginalpiagetianoquando
declaraque:
O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve como
conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu trabalho da
práticadocenteoqueconduziuadiversas tentativasde fundamentaçãode
uma didática para a matemática. Entretanto, o superdimensionamento da
componente psicológica da atividade didática, em detrimento de outros
fatores,frequentementemaisproeminentes,éumdadoquecomprometetais
tentativas, por não ser circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da
visãopiagetianadarelaçãodamatemáticacomarealidade.
Para concluir esta aula, destacamos que, no ambiente da formação de
professores,muitosefalaarespeitodoconstrutivismo piagetianoenadasecomenta
ousediscutearespeitodoconstrutivismo na Matemática.Comrelaçãoaestefatoé
necessárioestabeleceralgunspontosdevigilância.
Comrelaçãoaoprimeiroponto,evidenciamoscompreocupaçãoodiscurso
retóricoarespeitodoconstrutivismo piagetianonoambientedeformação,todavia,
comovimosemalgunsexemplos,PiagetapoioufortementesuateorianaMatemática
edesenvolveuraciocíniometafóricoseanalogiasentreasoperaçõescognitivaseas
AULA 2 TÓPICO 2
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica56
estruturasalgébricas matemáticas(MAIO,2002).Dessemodo,semdispordeuma
formaçãorazoávelemMatemática.nãosepodeesperarcompreenderPiaget.
Ademais,aspessoascostumamvalorizarafacevisíveldaMatemática,eneste
sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade
realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos
tambémomodelológico-matemáticoqueresidenestasaplicações,alias,observamos
com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em
nadaacrescentamaoconhecimentodofuturoprofessordeMatemática.
Osegundopontoquerequervigilânciaserefereànecessidadedeadquirirmos
um “olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários
exemplos de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando
vislumbradopormeiodeumaperspectivafilosófica,emboraodomíniodoconteúdo
sejaaindaumacondiçãoimprescindívelparaestavisãofilosófica.
Oterceiropontoquerequervigilânciaserelacionacomosdesdobramentos
econsequênciasdascorrentes filosóficas(formalismo, logicismo e intuicionismo)que
discutimosnas seçõesanteriores.Veremosquealgumasdelasmostraram-semais
marcantesdoqueoutraseconseguiramumespaçomaiordeinfluência,tantono
quedizrespeitoàatitudedoprofessor,quantoaoquepodeserrelacionadoàsua
práxisemsaladeaula.Algumasdestas“distorções”e“incongruências”noensino
deMatemáticasãodeterminadas,emmaioroumenorparte,poralgumasdessas
correntesfilosóficas.Nesseponto,identificamosumdiscursoacadêmico,ancorado
em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria
Matemática,todaviaempregadosdemodoinadequadoesuperficialparaexplicar/
significar/compreenderasdistorçõesnoensinodestaciência.
Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes
filosóficas absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos,
discutimoso construtivismonaMatemática eodistinguimosdoconstrutivismo
de Piaget. Com relação a um observador mais atento, as consequências destas
tendências podem ser observadas no ambiente escolar em nossos dias e não
podemserconfundidascommovimentospedagógicosinerentesàsoutrasáreasdo
conhecimento.
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57
Na aula passada, estudamos as correntes absolutistas da Matemática,
conhecidas como formalismo, logicismo e intuicionismo. Nesta aula, mostraremos
outras correntes filosóficas que, embora tenham apresentado uma origem não
necessariamente no seio da Matemática, influenciaram diretamente os matemáticos
de vários séculos passados. Duas delas serão destacadas, o nominalismo e o
essencialismo. O interessante será a compreensão da práxis do professor que
pode se enquadrar numa destas correntes filosóficas.
Objetivos
• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às definições matemáticas• Identificar as influências das correntes filosóficas no ensino atual de
Matemática• Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao
ensino
AULA 3 Arquimedes e a Noção de Demonstração
AULA 3
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58 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 1 Sobre a natureza das definições matemáticasObjetivO
• Reconhecerosaspectosfilosóficosrelacionadosàs
definiçõesmatemáticas
Nestaaulaabordaremosaspectosespecíficosrelacionadosaoensino
da Matemática. Fatores que para um observador descuidado
podem parecer naturais e de caráter neutro, todavia, recebem
aindainfluenciadascorrentesfilosóficas.
Assim, recordamos que uma das dificuldades que os alunos enfrentam
noestudodaMatemáticadiz respeitoà exigênciadasoperaçõesdepensamento
realizadas sobre objetos conceituais idealizados, as quais, em muitos casos, são
regidasporpropriedadesextraídasdasdemonstrações.Partedestescondicionantes
éindicadaporMaroger(1908,p.67)aodeclararque:
Nãoésuficienteconhecerosprimeirosprincípiosdaespeculaçãomatemática
e a natureza das demonstrações, é necessário também preocupar-se com as
noções,osobjetosdopensamentoqueformamamatériadoraciocínio.Estes
objetosmatemáticossãocriadospormeiodasdefinições.
As definições matemáticas, como Maroger explica, assumem um papel
essencialparaacompreensãodosobjetosdaMatemática.Enãosepodeperderde
vistaqueacompreensãodetaisobjetosdependedoseucarátersintático,semântico
edaspropriedadesintrínsecascondicionadaspelassuasregrasformaisexplicitadas
a priori ou a posteriori, com referência ao momento do estabelecimento de suas
respectivasdefiniçõesformaisdentrodeumateoria.
Em muitos casos, teoremas, corolários e regras caracterizarão o modo de
manipular,calcular,empregare,demodoessencial,decompreendereraciocinar
comdeterminadosobjetos.Umadefiniçãomatemáticacondicionaumadeterminada
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59AULA 3 TÓPICO 1
manipulação e/ou operação mental. De fato,
Maroger (1908, p. 67) explica que a definição
tem precisamente por objetivo assegurar uma
especificação semelhante, de fornecer uma
realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico
da palavra, a um objeto do pensamento.
Quando definimos axiomaticamente um
objeto matemático ou realizamos formalmente
a sua construção, adquirimos a possibilidade
de distinguir/diferenciar este objeto definido
dos demais. Adquirimos a possibilidade de
raciocinar e conjecturar sobre tal objeto, que
agorapassaaserumobjetodenossopensamento,
denossareflexão.Nestesentido,Buffet(2003,p.
20)recordaqueD´Alembertatribuíaimportânciaàsdefiniçõespois elas abreviam
o discurso, e a inexatitude de uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira
significação da palavra.Poroutrolado,emMatemática,nãosepodeperderdevista
queestamosnumaespéciedecamisadeforça,dentrodeumsistemateóricoformal.
Assim,seuusoconstanteatodoomomentoéexigido.
Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as
propriedadespreviamenteexistentesaoobjetodefinido.Acrescentamosqueuma
única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição:
que esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja
possível (MAROGER,1908,p.67).
Marogeradvertequeacriação/estabelecimentodeumadefinição matemática,
por um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à
liberdadedeumpoeta.Elaestacondicionadaeamarradaaosistemateóricoemque
determinadoobjeto matemáticoédefinido.Porexemplo,quandonosreferimosao
Cálculo Diferencial e Integral,estamossujeitosadeterminadasregrasparticulares
quesediferenciamdasregraspeculiaresàÁlgebrabaseadaemmodelosfinitos.
Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do
seguintemodo:Todososobjetos,todasasnoções
deespeculaçãomatemática,podemserdefinidos?
Dito de outro modo, não existem noções que
sabemos caracterizar o mais claro possível e
que,portanto,podempermanecer indefiníveis,
de forma rigorosa? Maroger acrescenta que,
depois de Pascal, não se pode mais conceber tal
idéia (1908, p. 68), uma vez que Blaise Pascal
s a i b a m a i s !
Blaise Pascal foi um matemático francês que
contribuiu para a sistematização do método
científicoeapesquisaemMatemática.
s a i b a m a i s !
Heráclito, filósofo grego que viveu há cerca de
600a.C.,afirmavaqueomundosecaracterizava
pela mudança e que tudo mudava. O rio que
observamosmudaacadainstante,poisaságuas
quecorremnuncasãoasmesmas.Paraele,aúnica
constantedomundoquehabitamoséamudança.
Estepensamentotornou-secélebrecomometáfora
damudança.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica60
(1623-1662) foi um matemático que se destacou, entre outros motivos, pela sua
preocupaçãodemasiadacomopapeldasdefiniçõesemMatemática.
Comointuitodeenriquecernossadiscussãoeextrairalgumasimplicações
relacionadasaosobjetosdaMatemática,adotamosprovisoriamenteasdistinções
assumidasporMaroger.Assim,diremosresumidamentequeexistemdoistiposde
definições matemáticas.Asaber:
Definições matemáticasquenecessitamdaspropriedadescaracterísticasdo
objetomatemáticodefinido,asquaispodemosdemonstrarsuaexistência;
Definições matemáticasqueprescindemdoobjetodefinido,semdemonstrar
suaexistência.
Maroger assinala que a diferença entre as duas caracterizações remonta
a episódios sobre a história do pensamento matemático e acrescenta ainda que
as definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto a segunda somente
caracteriza-o e são chamadas apenas por caracterizações. Resumidamente, as
definições, de fato, são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de:
definições reais, causais, por generação ou genéticas.
Veremosquenoprimeirocaso,emqueasdefiniçõesrequeremaverificação
do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo de compreensão, nas
situaçõesordináriasdoseuensino.Poroutrolado,umaspectomencionadopelo
autoréqueumadefiniçãoéamelhorpossível,quando podemos legitimá-la de uma
forma mais simples possível (MAROGER,1908,p.71).
Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma
única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER,1908,p.71).
Assim,dependendodenossosobjetivos,nocasodomatemáticoprofissionalsão
investigativos,mas, também,podemserobjetivoscomvistasaoensino, temosa
possibilidadedeescolheradefiniçãoquemelhornosapraze/ouadefiniçãoque
proporcionamelhorescondiçõesaoentendimento.
O matemático Jules-Henri Poincaré
(1854-1912) manifesta em sua obra profunda
preocupaçãocomacompreensãoeentendimento
dos iniciantes. Dentre os vários aspectos que
foram objeto de análise por parte de Poincaré
(1904), destacam-se suas preocupações
relacionadasàintuição matemática easdefinições
matemáticas. Poincaré questiona sobre o papel
das demonstrações em Matemática, interroga
se a compreensão de uma demonstração de um
teorema se limita a examinar sucessivamente cada silogismoe constatarque são
corretos.Perguntaaindaseno caso de compreendermos uma definição matemática,
se seria suficiente constatar que não se obteria uma contradição com o seu emprego
v o c ê s a b i a?
HenriPoincaréfoiconsideradopormuitoscomo
um matemático universal. Com trabalhos nas
áreasdeMatemáticaeFísicaTeórica.
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61
(POINCARÉ,1904,p.258).
Maisadianteelesublinhaque,para cada palavra, é necessário se acrescentar
uma imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem
e que a cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta
condição ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ,1904,p.259).
Poincaréquestionaaposiçãotradicionaldeseuscontemporâneosaodeclarar
queparacompreender as propriedades que geraram uma definição, é necessário apelar
à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas seriam perfeitamente rigorosos,
mas perfeitamente inúteis (POINCARÉ,1904,p.263).Entretanto,comoencontrar
umenunciadoconcisoquesatisfaçaaomesmotempoasregrasdalógicaeaonosso
desejodecompreenderolocalnovodeumanoçãodentrodaciênciamatemática,e
anecessidadedepensarpormeiodeimagens?
Poincaré destaca a importância do
raciocínio intuitivo na produção das definições
matemáticas que não podem ser meramente
arbitráriasebaseadaspuramenteemargumentos
lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das
definições matemáticas,comodemonstrouLouis
Liard, são verdadeiras construções edificadas
sobre noções mais simples (POINCARÉ,1904,p.
268).
Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions
empiriques, LouisLiard (1846-1917)desenvolveumaprofunda reflexão sobreos
elementos essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início
do seu trabalho, o referido autor explica que descrevemos as representações e
definimosasideias.Descreveré determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é
determinar a circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição
por meio de essência (LIARD,1873,p.7).
Liarddiscuteaorigemdasnoçõesgeométricasquederivamdaexperiência,
comopodemosobservarnoseguintetrecho:
Emtodafiguraexistemelementos,osquaissepodemencontrarsuaorigemna
experiência,asaber:oconteúdo,olimiteeaformadoconteúdo,aexterioridade
dafiguracomrespeitoaopensamento.Umteoremaenunciaa relaçãoentre
uma figura e uma propriedade geométrica; a definição nos faz conhecer a
essênciadeumaformadeterminada.Quandodizemosqueadefiniçãoéuma
generalização de nossa experiência, queremos dizer generalização entre as
noçõesquecompreendemafiguraesuaforma(LIARD,1873,p.31)
Talvezomatemáticomaisfamosopelacriaçãode“boas”notaçõestenhasido,
v o c ê s a b i a?
Louis Liard foi Professor da École Normal de
Paris,lecionavaFilosofiaeLetras.Foidiretordo
ensinosuperioremumministériofrancês.
AULA 3 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica62
segundoCajori(1929,p.181),G.W.Leibniz.Numdeseusmanuscritos,comentados
porCouturat(1901,p.86),FlorianCajoriesclarecequeos algarismos árabes possuem
sobre os algarismos romanos a vantagem de melhor expressar a “gênese” dos números,
e em seguida sua definição, de sorte que sejam mais cômodos, não somente pela forma
de escrevê-los, mas também pelo cálculo mental.CajorirecordaqueLeibnizmostrou
aimportânciaatribuídaaossignoseascondiçõesdesuautilidade.
AinvençãodoCálculo Infinitesimalprocededapesquisadesímbolososmais
apropriados (COUTURAT, 1901, p 87). O matemático confirma a perspectiva de
Leibnizsobreaimportânciacapitaleaproficuidadevantajosadeumsímbolobem
escolhido.Veremosagoradequemaneiraanotaçãorelacionadaaumadefiniçãopode
interferirdiretamentenaaprendizagemenoensinodoCálculoquandonosatemos
aumaanálisepormenorizadadenaturezafilosófica.Porexemplo,jácomentamos
emtextospassadosqueCauchyeD´Alembertgrafavamosímbolodelimitescomo
( )Limf x ,enquantoemnotaçãomodernaoslivrosadotamanotação lim ( )x a f x® .
Avertentefilosóficaessencialistaexaltavaadimensãoconstrutivadosobjetos
matemáticos. Aristóteles, por exemplo, se refere às definições matemáticas como
uma espécie de discurso, que deve exprimir a essência das coisas. Em sua tese,
Buffet(2003,p.29),valendo-sedaspalavrasdeAristóteles,ilustraassimseuponto
devista:Para conhecer a essência, é necessário encontrar o gênero ao qual pertence à
coisa e seu tratamento particular que diferencia esta coisa das outras.
Observandoesteúltimoexcerto,quandoanalisamosumobjetocujanatureza
é essencialmente algébrica, identificamosaspectosquenão semostramausentes
em relação a outro objeto de natureza essencialmente geométrica. Em relação a
estaúltimacategoriadeobjetos,Bonnel(1870,p.28)apontacomoumaqualidade
essencialdeumadefinição geométrica équeafigura,quedeveserdefinida,seja
possível. E acrescenta que, para demonstrar que uma construção é possível, é
suficiente explicitar o meio de executá-la.NaFigura1,destacamosalgunselementos
relacionadosaoensino.
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63
Figura1:RelaçõesidentificadasnoensinodeMatemática(elaboraçãoprópria).
Comoconsequênciadadiscussãoanterior,perspectivamosduasviaspossíveis
deseremadotadasnoensino.Naprimeiravia,oprofessordeMatemáticaapresenta
umapreocupaçãomaioremdiscutirosprincipaisaspectosepropriedades(essência)
de um objeto matemático particular, só então passará a discutir as condições
epistemológicas que propiciam assegurar a existência e unicidade do objeto. Na
segundavia,aparentementeamaiorpreocupaçãodoprofessorresideemassegurar
aexistênciadeumobjeto,mesmoquepossaounãocontarcomacompreensãodos
seusestudantes.Emseguida,oprofessorpassaapreocupar-secomaessênciado
objeto.
Nota-seque,no ensino acadêmico, identificamos,namaioriados casos, a
predominância da segunda trajetória. De fato, aparentemente, para o professor
dolocus acadêmico,émais“cômodo”oueficiente,explorar existência essência® .
Entretanto, vale recordar que os alunos deste nível de ensino possuem uma
flexibilidade cognitiva bem mais elaborada do que estudantes comuns do nível
escolar.
Lima(2004,p.44)fazumareflexãointeressantequandocomenta:
Isto explica (embora não justifique) a definição dada no dicionário mais
vendidodopaís.Emalgumassituações,ocorrememmatemáticadefiniçõesdo
tiposeguinte:umvetoréoconjuntodetodosossegmentosderetadoplano
quesãoeqüipolentesaumsegmentodado. (definiçãoporabstração).Nessa
mesmaveia,poder-se-iatentardizerque:“numerocardinaldeumconjuntoé
oconjuntodetodososconjuntosequivalentesaesseconjunto”.
Ademais, parece-nos importante lembrar que a atividade demonstrativa,
sejaelaauxiliadaporumaconstruçãogeométricaounão,seestabeleceeadquireo
caráterdevalidadedentrodeumsistema simbólico.Couturat(1901,p.88),porsua
vez,comentouqueparaLeibniztais sistemas devem ser concisos: eles são destinados
a abreviar o trabalho do espírito, condensando qualquer tipo de raciocínio.Apartir
daí,vemosautilidadeouanecessidadeemMatemática,naqualosteoremassão,
segundoaexpressãofrancesadeCouturat(1901,p.88),“abregés de pensée”.
Leibniz,citadoporCouturat(1901,p.89)forneceuumaprofundareflexão
quenãopodeseresquecidapeloprofessordeMatemáticaquandosublinhouquea
fracacapacidadedoespíritonãopodeabrangerenemserexpostoaomesmotempo
alémdoqueumpequenonúmerodeideias,nemefetuardeumaúnicavezmaisdo
queumadeduçãoimediataesimples.
Omatemáticoalemãodesenvolveuumaverdadeirateoriadadefinição,pois
osúnicosprincípiosprimeirosparaLeibnizsãoasdefinições.Umademonstração,
AULA 3 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica64
paraele,parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar,
duas outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições
(l´art de combiner les définitions)(BUFFET,2003,p.31).
Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o
papel das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como
uma consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que
o professor de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e
osaspectosnegativos,comrelaçãoaoentendimentodosestudantes,vinculadosà
naturezadeumadefinição matemática.Oudeoutraforma,existemdefiniçõesmais
adaptadasaoensinodoqueoutras?Existemdefinições matemáticas formaismais
intuitivasdoqueoutras?Noqueserefereàcaracterizaçãológicadeumadefinição,
qualamelhoremaisacessívelaoentendimentodosaprendizes?
Questionamentosdestanaturezasãoincongruentescomteoriasgeneralistas
paraoensino.Poroutrolado,quandoassumimosdesdeoinícioaimportânciado
estudodafilosofiaprópriadaMatemática,nosinstrumentalizamoscommecanismos
mais precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de
práticasdoprofessordeMatemática.Vejamosumexemplonoqualevidenciamos
dequemodoanaturezadeumadefiniçãomatemáticapodeintervirdiretamenteno
ensinodeMatemática.
Noensinoordinário,osestudantesaprendemoconceitoesãoapresentados
à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação :f A B® ,
de modo que (i) , , com x y f(x) f(y)x y A" Î ¹ ® ¹ ; (ii) ( )f A B= . A primeira é
conhecidacomoinjetividadeeasegundapropriedadedizrespeitoàsobrejetividade.
Poroutrolado,dopontodevistadalógica,temosoutraformulaçãoequivalente
aquedescrevemosem(i),declarandoque:(iii) ,x y A" Î ,se ( ) ( )f x f y x y= ® = .
Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua
contrarrecíproca.Esabemosque ( ) ~ ~ (contra-recíproca)p q direta q p® Û ® .
O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade
dafunção :f A B® émaisviávelparaoensinodoqueaoutra.?Qualdasduas
definiçõesenvolveumamelhorinterpretaçãogeométrica?
Porexemplo, seconsideramosadefinição (i),dados , , com x yx y A" Î ¹ ,
digamos x y< , poderemos determinar os elementos no plano ´ . Notamos
na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade
é conseguir condições formais de verificar que f(x) f(y)¹ . Muitos matemáticos
formalistasdesacreditavamoraciocíniomatemáticoapoiadoemfigurasedesenhos.
Poroutrolado,paraverificaracondiçãoequivalente(iii),necessitamosda
condição geométrica descrita algebricamente por ( ) ( )f x f y= . Note-se que na
Figura2doladodireito,necessitaríamosverificarquenãopodeacontecer x y< e
tambémquex y> .Nota-seque,noprimeirocaso,nossapreocupaçãometodológica
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recairásobreanecessidadedeverificar,dopontodevistalógico,que ( ) ( )f x f y<
ou ( ) ( )f x f y> .Poroutro lado,nocasode (iii),oesforçodidáticorecai sobrea
necessidadedeverificaçãoquenãopodeocorrer a condição x y< e tambéma
outrapossibilidade x y> .Destemodo,dependendodadefiniçãodeinjetividade
adotada,oprofessorenfrentarámaioresoumenoresdificuldadesmetodológicas.
Figura2:Representaçãodefunçõesinjetoras(elaboraçãoprópria).
Demodosemelhante,podemosdescreveracondição(ii) ( )f A B= por(iv)
y B" Î ,existe x AÎ talque ( )y f x= .Nestecaso,adefiniçãoformaldefunção
sobrejetoratratadeumaquestãopoucotrivialedeconteúdo indiscutivelmente
filosófica,conhecidacomoexistênciadeumobjetox AÎ ,demodoquesuaimagem
realizaovalornumérico,pormeiodaregraformalcaracterísticadafunçãogeral
f A B® . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3,
ladoesquerdo:Comoinvestigarumpossívelelementoquenuncapoderárealizara
propriedadedesejadaquedeclaraaigualdade ( )f A B= ?
Figura3:Representaçãodefunçõessobrejetoras(elaboraçãoprópria).
Antes de concluir esta seção, destacamos algumas ponderações de cunho
filosóficasdevidasaLima(2004,p.60)quandodesenvolveasseguintesdeclarações
sobreoconjuntodosnúmerosreaisintimamenteligadasànoçãodeexistência:
Umespíritomaiscrítico indagaria sobreaexistênciadosnúmerosreais,ou
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica66
seja, se realmente se conhece algum exemplo de corpo ordenado completo.
Emoutraspalavras:partindo-sedosnúmerosnaturais(digamos,apresentados
atravésdosaxiomasdePeano)seriapossível,pormeiodeextensõessucessivas
doconceitodenúmero,chegaràconstruçãodosnúmerosreais?Arespostaé
afirmativa. Istopodeser feitodevariasmaneiras.Apassagemcrucialédos
racionaisparaosreais,aqualpodeserométododecortesdeDedekindou
dassequenciasdeCauchy (devidoaCantor),paracitarapenasosdoismais
populares.
Nota-seaindaque,dependendodavertentefilosóficaassumida,determinados
argumentosindicadosporLima(2004)nãosãoaceitoscomoconfiáveis.Naseção
seguinte estabeleceremos alguns ambientes de atuação do professor nos quais
identificamososcondicionantes,osentraveseasconcepçõesherdadasapartirdas
correntes absolutistasdaMatemática.
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TÓPICO 2 As influências das correntes filosóficas no ensino atualObjetivO
• Identificarasinfluênciasdascorrentesfilosóficasno
ensinoatualdeMatemática
Comocomentamosnasaulas anteriores,pessoasquecarregamconsigo
apenasumaaprendizagemeúnicocontatocomaMatemáticaapartir
docenárioescolar,comoestudantes,dificilmenteconseguemperceber,
descrever,identificarecompreenderoscondicionantesdemarcadosaolongodosséculos
provenientes das correntes filosóficas que apresentam um caráter epistemológico de
raízesprofundasnosabermatemático.
Talfatopodeserobservadonaposturapedagógicadoensinoescolare,demodo
especial,naspráticasavaliativasquesedesenvolvememtornodosabermatemático.
Como já descrevemos na disciplina de Didática da Matemática, o maior problema
enfrentadopelamaioriados cursosdegraduaçãonoEstadodoCearádiz respeito à
situaçãoemqueofuturoprofessordeMatemáticanãoestudanagraduaçãoaquiloque
vaiensinar.Ademais,partedoqueseestudanagraduaçãocompõe-sededisciplinasque
veiculamsaberesdenaturezaepistemológicadeoutrasáreasdoconhecimento,distintas
da Matemática, portanto nem sempre são aplicáveis, adequadas e suficientes para a
explicação/prediçãodefenômenosintrínsecosdaMatemática.
De modo particular, reforçamos nossa última argumentação nos valendo das
palavrasdeSouzaeFernandes(2010,p.28):
Por isto, é necessário que, na prática avaliativa, para que esta realmente
seja desenvolvida de forma qualitativa, é necessário que o professor tenha
compreensãodasconcepçõeseprincípiosdeavaliação.Apartirdaí,aotomar
conhecimento de conceitos avaliativos, das referidas metodologias e dos
instrumentosdeavaliação,talpráticaprovavelmentesetornarámaiseficaz.
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NoquedizrespeitoàatividadeavaliativadoprofessordeMatemática,quando
lemosoexcertoacima,obteríamosumarespostapelomenosprovisóriadasseguintes
questões:Oquesignificaumaprática avaliativaemMatemáticadenaturezaqualitativa?
Queconcepçõescondicionam/determinamemodelamasrelaçõesquesão travadasem
tornodosaberescolar?Deondesãoprovenientese/ouoriginados,dopontodevista
epistemológico,osconceitos avaliativos?Aquemetodologias específicasosautoresSouza
eFernandes(2010)sereferemoumesmofazemmenção?Oquecaracterizaa“eficacidade”
deumapráticaavaliativaparaosautoresSouzaeFernandes(2010)?Emrelaçãoaque
campoouesferadepráticasfazemreferência?Econhecendo-a,comooperacionalizá-la
defato,emsaladeaula,noensinodeMatemática?
Em nossa realidade, encontramos professores recém formados, com pouca
maturidade e limitada eficiência prático-operacional, repletos de teorias desconexas,
e que são obrigados a responder estes e outros questionamentos de forma solitária,
desamparadospelauniversidade.
Diante de nossos objetivos e da limitação de espaço deste material, não nos
deteremos em cada uma destas questões, entretanto algumas delas merecem uma
maioratenção.Nestesentido,assumimosnãosermuitoprodutivoparaoprofessorde
Matemáticaadquirirtodaumaretóricaarespeitodo“processoavaliativo”seelemesmo
nãoconsegueelaboraruminstrumentodeavaliaçãoquediferencieocaráter quantitativo
equalitativodeentendimentodosaber matemático.Ademais,comrelaçãoaossaberes
eraciocíniosmobilizadosnuminstrumentodeavaliaçãodoconhecimentomatemático
doestudante,oprofessordeve identificarraciocínios intuitivoseraciocínios lógicos-
formaisempregadospelomesmo.
Outros elementos que merecem atenção dizem respeito ao ato de avaliar a
aprendizagem em relação a um conceito de Matemática ou à definição vinculada ao
referidoconceito.Emboraoaprofundamentodestasquestõestenhasidorealizadona
disciplina de Didática da Matemática, é oportuno destacar a sugestão fornecida por
SouzaeFernandes(2010,p.28)quandoaconselham:
Todavia,aavaliaçãoéumprocessoquedeveserrealizadoapartirdosresultados
obtidosdasatitudestomadaspeloeducandodiantedosaberescolar.Dianteda
atividade do aluno, o professor deve analisar não apenas o resultado como
tambémossaberesmobilizadospeloalunoparachegararespostafinal.Assim,
oprofessorpoderáperceberoníveldeconhecimentodoalunoeanalisarseele
necessitaounãodeacompanhamento,bemcomoquaisaçõespedagógicassão
necessáriasparaqueoalunocontinueoprocessodeaprendizagem.
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Omotivodiz respeitobasicamenteao fatodequeestesautores seapóiamem
fundamentaçõesteóricaserigidasapartirdeoutraesfera de práticas,distintadocampo
deatuaçãodoprofessordeMatemática,equesemostraminsuficientesnesteâmbito
particular. Por outro lado, em sua tese, Cury (1994) desenvolve sua argumentação
relativaaofenômenoavaliativonamedidaemqueanalisaeidentificaasinfluênciasdas
correntesfilosóficasdaMatemáticanoensino.Emrelaçãoaestefato,Cury(1994,p.69)
conclui:
Parece-nos que a visão absolutista da matemática está presente nesse
procedimentodosprofessores:eleacreditamque,efetivamente,naexistência,
emmatemática,deumaverdadeabsolutaquenãopodesersujeitaacriticas
e correções e,por extensão,deumamaneirade fazer,uma resolução certa
quedeveriaserseguidaportodos[...]Quandoosprofessoresdematemática
constroemumgabarito,jáestãoestabelecendoumaverdadeúnica,isoladapara
osalunos.Outroagravantepodesercitado:aoavaliaraprovaseparadamente
dasoutrasatividadesdesenvolvidasduranteoperíododeaprendizagem,ou
seja,doprópriotrabalhodasaladeaula,doestudoindividualoudostrabalhos
decasa,oprofessorisolaoprocessodeaprendizagemdeseuproduto.
Maisadianteacrescentauminteressantepontodevistaquandocomenta:
Na correção de cada questão, surge, em nossa opinião, novamente o laivo
absolutista,agoraemsuaversãoformalista,quandooprofessorconsideraque
asregrasformaisdeusodoconteúdosãomaisimportantesdoqueosignificado
que é atribuído a esse conteúdo. E são as regras que contam na avaliação,
umavezqueelaéfeitacombasenousodasmesmasregrasemumaprova.
Mesmoquandooprofessorsalientasuapreocupaçãocomodesenvolvimento
daquestão,essaobservaçãoserefereaoencadeamentológicodosraciocínios,
à elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, àqueles
elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo os quais
um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos membros da
comunidade(CURY,1994,p.69).
Cury(1994)fazreferênciaàsconcepções,práticasdeensino,rituaisintrojetados,
cristalizadosecondicionadospelascorrentesabsolutistasouporseusprolongamentos.
Taisconcepçõesevisõessobreoconteúdoeseuensinodificilmentepodemserexplicados
porteoriasoriundasdeoutroscamposepistêmicos,nomeadamenteasteoriasdocampo
pedagógicodasciênciashumanas.Bastaevidenciar,porexemplo,que,seumeducador
observarquequandooprofessorconsideraqueasregrasformaisdeusodoconteúdo
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sãomaisimportantesdoqueosignificadoqueéatribuídoaesseconteúdo,esseeducador
interpretarátalfenômenoapartirdacorrentepedagógicatecnicista,oquenospareceum
equívocoedesconhecimentogritante.Masseummatemáticoobservaromesmofato
interpretaráeidentificaráasinfluênciasdiretasdacorrentefilosóficaformalista,devida
aDavidHilbert.
Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas
determinaçõescurricularesnaMatemática.Nota-sequenãonosreferimosaumcurrículo
qualquer,deumaáreadoconhecimentogerale,sim,demodoespecífico,aocurrículode
Matemática.UmaobraquemerecedestaqueequefoiamplamentedivulgadanosEstados
Unidos,nofinaldadécadade60,éO fracasso da Matemática Moderna,domatemático
norte-americanoMorrisKline,umprotagonistada reformadoensinodaMatemática
queocorreuna segundametadedo séculoXX,umperíodoque incluiosprogramas
daNovaMatemática.Em1956,Professor de Matemática,revistapublicadaporKline,
responsabilizaosprofessorespelosfracassosdosalunos.Kline(1976,p.34)escreveu:Há
um problema estudantil, mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo
estado atual da aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores.
Odiscursotocouumnervo,easmudançascomeçaramaacontecer.Reproduzimosabaixo
umtrechodolivronoqualoautordescreveoestadoeascaracterísticasequivocadasdo
currículodeMatemáticadaquelaépoca.
Emboraocurrículotradicionaltenhasidoalgoafetadonosúltimosanospelo
espíritode reforma, suas característicasbásicas são facilmentedescritas.Os
primeirosseisgrausdaescolaelementarsãodedicadosàaritmética.Nosétimo
eoitavograus,osalunosaprendemumpoucodeálgebraeos fatossimples
degeometria,taiscomofórmulasparaaáreaeovolumedefigurascomuns.
O primeiro ano de escola secundária preocupa-se com álgebra elementar, o
segundocomgeometriadedutivaeo terceirocommaisálgebra (geralmente
denominada álgebra intermediária) e com trigonometria. O quarto ano de
escolasecundáriageralmenteabrangegeometriasólidaeálgebraadiantada[...]
Houve,frequentemente,váriascriticassériasqueseaplicamaocurrículo.A
primeiracriticadizrespeitoàálgebrapresentenomesmoqueforçaoalunoa
memorizaçãoemdetrimentodacompreensão(KLINE,1976,p.19).
Vale destacar que a predominância ainda nos dias de hoje do pensamento
algébrico é observada quando encontramos pessoas, com conhecimento limitado em
Matemáticaqueaconcebemcomoa“ciência dos números”.Estavisãoconstitui,dentro
dospensamentosdosensocomum,omaislimitadoeequivocadopontodevista.Maso
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quemereceserobservadoéqueocurrículocriticadoporKlinefoioresultadodepressões
degrupospolíticosdematemáticos,emdeterminadaépocahistórica,quedeterminaram
eapontaramosparadigmasmaisimportantesdosabermatemáticonaquelaépoca.
Aindanosdeteremosnesteseoutrosaspectos,principalmentenaidentificaçãodos
fatoresfilosóficos,masantesdisso,emoutrotrechoabaixo,observamosasdeterminações
docurrículosobreapráxisdoprofessor,identificadasecaracterizadasporKline(1976,
p.20)demodoeficienteaomencionarque:
Uma boa professora sem dúvida esforçar-se-ia por auxiliar os alunos a
compreender o fundamento lógico deste processo, mas, via de regra, o
currículotradicionalnãodámuitaatençãoàcompreensão.Confiaemexercícios
parafazercomqueosalunossigamfacilmenteoprocesso.Apósaprenderema
somarasfraçõesnuméricas,osalunosenfrentamasomarfraçõesondeletrasse
achamenvolvidas.Conquantoseempregueomesmoprocessoparacalcular?3 2
x a x a+
+ + os passos individuais são mais complicados. Novamente
o currículo confia em que os exercícios transmitam a lição. É solicitado ao
alunoquefaçaassomaseminúmerosexercíciosatéqueaspossarealizarcom
facilidade.
Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise
docurrículocomrelaçãoaosconceitosdeÁlgebraedeGeometriaeapontaumdos
conhecimentosquesãomenosaprofundadosnoscursosdegraduação.Talconhecimento
diz respeitoàGeometriaPlanaeEspacialherdadadeEuclides.Eomaiscuriosoem
nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular suas preferências,
eleexclamarásempestanejarqueprefereÁlgebraemvezdeGeometria.Oqueocorre
demaisirônico,paranãodizertrágico,équesefizermosamesmaperguntaparaum
professordeMatemáticarecémformado,eledirátambémqueprefereensinarÁlgebra,
emdetrimentodaGeometriadedutiva.Comrespeitoatalcenário,Kline(1976)observa:
Apósumanodeste estudode álgebra, o currículo tradicionalpassapara a
geometriaeuclidiana.Nelaamatemáticatorna-sesubitamentededutiva,isto
é,otextocomeçacomdefiniçõesdasfigurasgeométricasecomaxiomasou
asserções que presumivelmente são “obviamente verdadeiras” acerca das
figuras. Eles provam depois teoremas aplicando o raciocínio dedutivo aos
axiomas. Os teoremas seguem um ao outro numa sequência lógica; quer
dizer,asdemonstraçõesdos teoremasposterioresdependemdasconclusões
jáestabelecidasnosanteriores.Estamudançarepentinadeálgebramecânica
paraageometriadedutivacertamente transtornaamaioriadosalunos.Até
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então,emseuestudodeMatemática,nãoaprenderamoque“demonstração”
é e tem que estar senhor deste conceito além, da aprendizagem da própria
matéria(p.22).
Porfim,Klineapontaumproblemaquedependedavisãoedasconcepçõesque
oprofessordeMatemáticaconstrói,aolongodesuacarreira,sobreaMatemática.Neste
sentido,seodocentenãoconsegueidentificarecompreendera“beleza”doconhecimento
matemático,nuncaconseguirátransmitirtalsensaçãoparaseuseducandos,semfalarnos
casosemqueoprofessorlecionaMatemáticaporquenãoencontrououtramaneirade
garantirsuasubsistênciamaterialouporqueestáaesperadeumaoutraoportunidade
profissional.Comrespeitoaisto,Kline(1976,p.23)declaranotrechoabaixo:
Alémdepoucas falhasque jádescrevemos,ocurrículo tradicional sofredo
defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo: falta da
motivação.Aprópriamatemática–paraempregarmosaspalavrasdofamoso
matemáticodoséculovinte,HermannWeyl,-temaqualidadenãohumanada
luzestelar,brilhanteenítida,porém,fria.Étambémabstrata.Tratadeconceitos
mentaisemboraalguns,comoosgeométricos,possamservisualizados.Dadas
ambasasconsiderações,desuaqualidadefriaecaráterabstrato,muitopoucos
sãoosestudantesquesesentematraídosporestamatériadeensino(p.23).
No trechoacima,omatemáticoacentuaa importânciadodesenvolvimentode
mecanismos que instigam e motivam os estudantes a estudar Matemática. Antes de
discutirmos alguns pontos mais próximos de nossa discussão filosófica, destacamos
oportunamentetrechodeumpensamentodosautoresMoreiraeSilva(1995,p.7).
O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente
técnica,voltadaparaquestõesrelativasaprocedimentos,técnicasemétodos.
Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo, guiada por
questõessociológicas,epistemológicas.Emboraquestõesrelativasao“como”
do currículo continuem importantes, elas adquirem sentido dentro de uma
perspectivaqueasconsidereemsuarelaçãocomquestõesqueperguntempelo
“porquê”dasformasdeorganizaçãodoconhecimentoescolar.
Otrechoacimanosservedemodoeficienteparadiscutirlinhasdepensamento
que em nada explicam, caracterizam ou prevêem as mudanças ocorridas ao longo
dosséculosnocurrículodeMatemática.Nossaposiçãoéclaranosentidodequenão
adiantabuscarformarofuturoprofessorparaacidadania,nosentidodedesenvolver
umensinoinclusivo,prazeroso,“lúdico”,seelemesmonãoconseguefazerseusalunos
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compreenderemomotivoeajustificativapelaqualmultiplicamosaslinhaspelascolunas
deumamatriz.
Emoutraspalavras,antesdetomarconsciênciadequeocampocurricularnão
constituiapenasumatécnica,ofuturoprofessordevecompreenderqueaconstituição
docurrículo de Matemáticasemprefoioresultadodoembateedojogodepoderentre
matemáticos,numdeterminadoperíodohistóricoemqueosaber matemáticosempre
serviudeparadigmaparaaevoluçãodassociedadeseparaafundamentaçãodeoutras
áreasdosaber,enãoocontrário.
Neste sentido, Santos (2008, p. 176) recorda as ideias diferenciadas do físico
teóricoeepistemólogoThomasKhun(1922-1996),quandocomentaque:
Muitosdosopositoresdaidéiaderevoluçãoemmatemáticaargumentamque
asverdadesnessecamposãosemprepreservadas,mesmocomoaparecimento
denovasteorias.Poressemotivo,ousodoconceitoderevoluçãonestescasos
éumerro,jáqueesseconceitotrazconsigoaquiloquefoichamadoapoucode
princípiodedestituiçãodoantigoregime.
Maisadiante,Santos(2008)diferenciaocampoepistêmicodosaber matemático
deoutroscamposdosaber.Apartirdesuaspalavrasreferendamosnossasposiçõesde
críticacomrespeitoàaplicaçãode“teoriaspedagógicas”paraexplicar/caracterizaros
movimentosprópriosdeevoluçãodo sabermatemático.Santos (2008,p.177) indica
elementosquenãoencontramose/ouidentificamosnestasteoriasquandodeclara:
E de fato as verdades matemáticas são, pelo menos em algum nível de
consideração,preservadas como aparecimentode totalmentenovas teorias.
Noentanto,paraqueessasverdadessejampreservadas,eparaquecontinuem
aterumaaplicaçãoefetivadentrodamatemática,surgeànecessidadedeserem
reavaliadaseremodeladasdentrodosparâmetrosindicadospelasnovasescolas
eteoriasmatemáticas.
Santos(2008,p.177)indicaaindaolocuscientíficoondedevemosnosacomodar
paraodesenvolvimentodeumaanálisefilosóficaadequadaaoacrescentarque:
Asrevoluçõesemmatemáticaseparecemcomcertoseventosque,porvezes,
também percebemos ocorrer nas ciências naturais. A teoria da relatividade
de Einstein é, sem dúvida, um marco na história da física e da astronomia
contemporânea.DepoisdeEinstein componentes curriculares emcursosde
graduação e de pós-graduação tiveram que ser revistos, novos campos de
pesquisaforamabertos,livrosescolaressetornaramultrapassados.Emsuma,
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afísicaeaastronomiadoséculoXXemdiantenãopodemaisserconsiderada
amesmadesdeentão.
As tradições no currículo de Matemática são guiadas por questões de ordem
particulardaprópriaMatemáticaeumaepistemologiatambémparticular.Eantesde
explorardemodoequivocadoanecessidadedecompreensãodoporquêdaconstituiçãodo
conhecimentomatemáticoescolar,oprofessordevecompreenderaprópriaconstituição
doseucurrículodegraduação,aconstituiçãodocurrículoescolardeMatemática,eo
motivopeloqualestudamaisCálculoDiferencialeIntegralemdetrimentodeGeometria
Plana.
Doisequívocosprecisamserapontadosaqui.Oprimeirodizrespeitoàsensação
dequeoprofessor,aindanoscursosdegraduação,achaque“sabe”GeometriaPlana,
entretanto não sabe. De fato, encontramos vários trabalhos acadêmicos dando conta
daprecáriaatençãodosformadoresdeprofessoresnoambientedegraduação.Assim,
admite-se que o professor sabe este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática
avançada.
NestecontextodediscussãoéqueaFilosofiadaMatemáticapodefornecerum
viés de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o
professorsaber identificarosdesdobramentosecondicionantesdasantigascorrentes
filosóficasdaMatemáticaemsuasaladeaula,naprópriamaneiradeconceber,assim
comosaberexplicarosignificadodoconhecimentomatemático.
Atítulodeexemplo,Cury(1994,p.44)discuteumcondicionanteinteressanteao
afirmarque:
Vemos,aqui,germedaseleçãopelamatemática,poiselaserviráparaoseleitos.
Quandoestudadaemprofundidade,propicia-lhechegaràverdade.Oseuuso
para os cálculos cotidianos é considerado desprezível, assim como eram os
mercadoresenegociantesfrenteaosguerreiros.Estáestabelecidaaseparação
entreamatemáticapuraeaaplicada,comaevidentevalorizaçãodaprimeira.
Assim,ofuturoprofessorprecisaserformadonosentidodecompreenderestes
condicionantes,que agem e condicionam, de modo velado e com pouca nitidez, a
aprendizagemdosestudantes,escolhendoeselecionandoos“eleitos”,osquepossuem
maishabilidadecomaMatemática.Essetipodefunçãosocial,essetipode“funilsocial”,
assumidoháséculospelaMatemática,precisasercompreendidopeloprofessorenão
seráapartirde teoriasgestadasnumaesferadepráticascompletamentedistantesda
esferadepráticadoprofessorqueodocentetornarásuaaçãomaiseficaz.
Estafunçãode“seleção”éreforçadapelaherançaehegemoniadeconcepções
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absolutistasnoambientedeensino/aprendizagem,comoadescritaporSantos(2008,p.
98):
Fregeserefereaosaxiomascomoaquelasverdadesirrefutáveis,paraasquais,
contudo,nãoépossívelnenhumaprova.Trata-se,portanto,deumcontra-
sensotentarfornecerumaprovaparaumaverdadeauto-evidente,sejadevido
ànaturezadessaverdade,quenãoadmite,emprincípio,umarefutação,seja
devido ao teor extremamenteprimitivodo conteúdodoque é expressona
proposição.Osdoiscasos,muitasvezes,seidentificamnumaúnicaemesma
condição,aquelaquedeterminaseumaafirmaçãopodeounãoserconsiderada
umaxiomadopontodevistaclássico,umaverdadeimediataeinabalável.
Emoutrofragmento,Santos(2008,p.99)destacaque:
Oconhecimentolegítimoéumdadoirrefutável,vistoqueéauto-evidenteoué
obtidopormeiodeumademonstração.Umconhecimentoseidentificasempre
comumaafirmaçãoverdadeirasobrealgo.Istoé,umconhecimentoésempre
acompreensãodeumaverdade.Nãoépossível,portanto,umconhecimento
sobrealgoquenãoexista,dadoquenenhumaverdade,assimcomonenhuma
falsidade,podeserafirmadasobreoquenãoexiste.
Paraconcluirestaseção,destacaremosdemodobrevealgunspensamentosde
ImreLakatos(1922–1974),quesegraduouemMatemática,FísicaeFilosofia,eentão
iniciousuaspesquisasemFilosofiadaMatemática.TambémsededicouàFilosofiada
Ciência.ElefoiativoemFilosofiadaMatemáticaentreosanosde1950e1967,comalgum
trabalhoretomadoemtornode1973.SeumaiortrabalhoemFilosofiadaMatemáticafoi
Provas e Refutações,republicadopostumamenteem
1976.
ComrespeitoaLakatos,Jesus (2002,p.75)
comentaqueomatemáticohúngaroéconsiderado
falibilista devido à influência do falseacionismo e
dofalibilismodePopper.Wittgenstein,porsuavez,
ora é considerado o mais estrito finitista, ora um
convencionalista.Masoqueocaracterizoumesmo
foiasuasingularidadenatradiçãofilosófica.Jesus
(2002,p.78)esclareceque:
at e n ç ã o !
Falibilismoéadoutrinafilosóficasegundoaqual
nãopodemosteracertezadequalquerformade
conhecimento.
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Lakatosconsideraqueaciênciaconstituiumdosjogoslingüísticoslegítimos.A
filosofiadaciência,não.Segundoele,oprincipalcrimedosfilósofosdaciência
deantanho–edosfilósofosdamatemáticaedalógica–foitentarerigir-sea
simesmosemumnovojogodelinguagem,autônomocomrespeitoàciência.
Além disso, continua Lakatos, os filósofos tradicionais queriam estabelecer
umjogodelinguagemincorretocomregrasexplícitas–oswittgensteinianos
dizemmecânicas–queseparassemaciênciadapseudociência,ecomcritérios
explícitosdeprogressoedegeneraçãodentrodaciência.
Maisadiante,Jesus(2002,p.80-81)diferenciaoolhareaanálisegeneralistade
KarlPoppercomoolhareoposicionamentofilosóficodeLakatosquandodeclara:
PaulErnestsituaasraízesdafilosofiadamatemáticadeLakatosemHegel,em
PolyaeemPopper.Seguramenteesteúltimoforaumadasmaioresinfluências
no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão conta dessa influência:
a metodologia de Popper é chamada de lógica da descoberta científica; a
metodologia de Lakatos: lógica da descoberta matemática (LDM), o que é
umatransposiçãodireta,segundoErnest.Outroexemploéonomedomaior
trabalhodeLakatos,ProvaserefutaçõeséumjogodiretosobreConjecturase
refutaçõesdePopper.
ApartirdeLakatos,aLDMpassaaserobjetodeestudofilosóficonasciênciasda
Matemática.Demodosistemático,Jesus(2002)propõeaseguintetabelaexplicativaque
distingueopensamentogeneralistadePopper(LDC–LógicadaDescobertaCientífica)
davisãoespecíficaeparticulardeLakatos(LDM–LógicadaDescobertadaMatemática),
conformefiguras4e5.
Figura4:DiferençaentreLDCeLDM(JESUS,2002,p.81)
Figura5:ComparaçãoentreLDCeLDM(JESUS,2002,p.81)
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Mais adiante, Jesus estabelece importantes diferenças entre posicionamentos
filosóficosassumidosporPoppereLakatos.Jesus(2002,p.81)recorreàanálisedoneo
filósofoPaulErnestaosublinharque:
Além dessas semelhanças, Ernest chama a atenção para uma diferença
importante.ParaPopper,nãohaveriaconexãonecessáriaentreonovoproblema
ou nova conjectura e a conjectura original (refutada) e na sua metodologia
nadapoderiaserditosobreagênesedeconjecturasporqueestapertenceria
ao contexto da descoberta, e não à filosofia da ciência. Para Lakatos, ao
contrário,existiriaumacontinuidadeessencialentreaconjecturaprimitivae
aconjecturamelhorada.Aconexãoéqueacrítica,aanáliseeofortalecimento
daprovadaconjecturaprimitivaéoquelevariamànovaconjectura.Portanto,
oscontextosdadescobertaedajustificaçãosãomantidosjuntos,aopassoque,
paraPopper,elessãoseparados.
Eprossegueafirmandoque
EmProvaserefutações,Lakatospropõeumateoriadacriaçãodoconhecimento
emmatemáticaqueErnestconsideraquepodeserrepresentadacomosegue:
Dadoumproblemamatemático(P)eumateoriamatemáticainformal(T)um
passoinicialnagênesedenovoconhecimentoéapropostadeumaconjectura
(C).Ométododeprovaserefutaçõeséaplicadoaessaconjectura,eumaprova
informaldaconjecturaéconstruídaeentãosubmetidaàcrítica,levandoauma
refutaçãoinformal.Emrespostaaessarefutação,aconjectura,epossivelmente
tambémateoriainformaleoproblemaoriginal,sãomodificadosoutrocados
emumanovasíntese,completandoociclo(JESUS,2002,p.91).
Oposicionamentofalibilista,apartirdeLakatos,proporcionouumgrandeavanço
noquedizrespeitoàsdoutrinasabsolutistasdopassado.Jesus(2002,p.124)desenvolve
umacomparaçãointeressantequepodeiluminarnossoentendimentoaoafirmar:
Umaáreacentraldacontrovérsiaentreabsolutismoefalibilismonafilosofia
da matemática trata da distinção entre os contextos da descoberta e da
justificação.Paraosabsolutistas,ocontextodajustificaçãoeodadescoberta
dizem respeito a domínios distintos do conhecimento; por isso, devem ser
mantidosseparados.Ocontextodajustificaçãolidariacomcondiçõesobjetivas
elógicasdoconhecimento,comaatividaderacionaldaavaliaçãoedavalidação
do conhecimento constituído; portanto, lidaria com um objeto pertencente
ao domínio da epistemologia e da filosofia da matemática. O contexto da
descoberta trataria de circunstâncias contingentes da invenção humana ou
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histórica,epornãoserumprocessoracional,nãopoderiasertratadológicae
objetivamente,constituindo,portanto,umobjetopertencenteaodomínioda
psicologiaoudahistóriadamatemática.
Certamente esta discussão requer páginas e páginas para que possamos
compreenderopensamentodeImreLakatos,entretantonãopoemosdeixarderessaltar
queesteposicionamentodeLakatosadquiriuvigortantonaFilosofia da Matemática
comonaFilosofia das Ciências.Comojádiscutimosnaseçãopassada,é improvávela
compreensãodoaprendizpormeiodaseguintetrajetória geral particular® .Assim
compreendendo,aLógicadaDescobertaMatemática(LDM),porexemplo,setornará
maisacessívelaoentendimentodomovimentopropostoporPopper,denominadopelo
próprio de Lógica da Descoberta Científica (LDC), que se caracteriza pela trajetória
particular geral® .
NopróximotópicoveremosalgunsexemplosespecíficosdoensinodeÁlgebra,
querecorredemodofrequenteàsdefiniçõesmatemáticasformais.
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TÓPICO 3As características de uma definição matemática e o ensino de álgebraObjetivO
• Identificarascaracterísticasdeumadefinição
matemáticavinculando-asaoensino
Naspróximasaulasintroduziremosadiscussãodeoutrascorrentes
filosóficasqueseocuparampelainvestigaçãocientíficafilosófica
acercadanaturezadasdefiniçõesmatemáticas.Oconsensonesta
searadeperquiriçãonão épreponderante e regra entre ospensadores, todavia,
antesdediscutirmossuasvertentesdemodoindividualizado,valerecordarque
Kluth (2005,p.12) explicitaopapeldasdefiniçõesmatemáticas edos teoremas
quefuncionamcomoguiasconstrutoresdedefiniçõesnaatividadealgébricado
alunos,quandomenciona:
A apresentação das estruturas da Álgebra nos livros de Matemática dá-
se por meio de definições. Espera-se que, lendo-as e possuindo um prévio
conhecimentodeoutrasdefiniçõeseteoremas,ossignificadosdasestruturas
daÁlgebrapossamviràtona,comoumaarticulaçãoderesultadosplenosde
sentidomatemático,dosquaispossamserdeduzidasasserçõesqueconstituirão
ateorianumprocessológico-dedutivo,caracterizando-secomooestudodas
estruturas.Esse é omovimentodopensarque semostrana construçãodo
conhecimentodasestruturasdaálgebranoslivrosdeÁlgebraemgerale,em
particular,no livroquevinhasendoadotadonoprogramadadisciplinade
ÁlgebraAbstrataqueeuministrava.
Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências
e condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando
comenta:
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ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia-se, na
maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário em detrimento dos
aspectos essenciais da Matemática como uma Modulação de mundo. [...] o
conhecimento aprofundado e amplificado dos objetos da Matemática, que
englobamtécnicas,teorias,análisesereflexõessobreessaModulação,possam
auxiliar os Educadores Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até
mesmonasaçõescotidianasmaiscomuns,comoporexemplo,aodecidirqual
definiçãovai apresentar aos seus alunos. [...]Asdefiniçõespodem,ounão,
apresentarapriorisintéticoeaprioriestrutural.
Observamos no trecho uma reflexão feita pela autora, uma professora de
Matemática. Destaca-se sua preocupação com respeito ao domínio aprofundado
doconhecimentoquesetencionaexplicar/ensinar.Semtalaprofundamento,um
ensino“lúdico”eapoiadoematividades“prazerosas”,comomuitosdesavisados
defendem, torna-seumepisódiorápidoepassageiro,umavezque,nomomento
daavaliação,pormeiodecondicionantesabsolutistas,ébemmaisfácilater-seao
gabaritodasprovas.PrincipalmentenocasodaÁlgebraemquea linguagem,e,
portanto,odomínio sintático,emdetrimentododomínio semântico,épriorizada.
De fato, neste contexto, o domínio sintático encobre muitos significados
dos conceitos. No final, resta ao aluno apenas as habilidades algorítmicas que
funcionam, embora não forneçam ou construam um significado do que se
esperavaseraprendido.Porexemplo,quandosetoma 21 ........S a a= + + + ,logo
o professor de Matemática, multiplica a expressão: 2 3 ........a S a a a× = + + + .
Portanto, temos 21 ( ........) 1 1 (1 ) 1S a a a S S a S a S= + + + = + × Þ = + × Û - × = .
Ou seja, 11
Sa
=-
. Neste tipo de “malabarismo algébrico”, não nos atemos de
modorecorrenteaosignificadodoselementospertencentesàsinferênciaslógicas
empregadas,esimàprópriasimbologia.Masquandorefletimosarespeitodoque
foiobtido,vemosqueasomadeparcelasinfinita 21 ........a a+ + + éequivalente
àexecuçãodeduasoperaçõesapenas.Aprimeira,umasubtraçãodaunidadepor
“a”,emseguidaadivisãodaunidade“1”por“1-a”.Istofoimotivodedesconfiança
paramuitosmatemáticosdopassado.
ExemploscomoesteseoutrossãodiscutidosporOtte(1991)quandodescreve
oraciocínio algorítmico.Talraciocínioproporciona,namaioriadoscasos,aresolução
eaobtençãodarespostaesperadapeloprofessor,todavia,qualosignificadodos
valoresencontrados?
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Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma
instruçãooupormeiodeumconjuntoderegrasaprioriconhecidas (Figura5),
umestudanteperdidodentrodestelabirintocertamenteconseguirásaireselivrar
desta situação periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se
tornamaissábioouinteligentepelofatodeconseguirlograrêxitonasituação.
Figura6:AmetáforadoLabirintodesenvolvidaporOtte(1991,p.286).
1.Escolhaumadireçãoinicialarbitrária,chame-ade“norte”evire-separa
essadireção;
2.Váemdireçãoao“norte”emlinharetaatéencontrarumobstáculo;
3.Vireàesquerdaatéqueesseobstáculoestejaàsuadireita;
4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total
(incluindoavoltainicialdopasso3)sejaigualazero.
De modo semelhante, vemos isto ocorrer no ensino de Álgebra. Os
estudantesaprendemrotinasqueenvolvem“malabarismosalgébricos”descritos
e estabelecidos de modo arbitrário pelo professor. Tais rotinas “funcionam”,
adquiremstatusdeconduzirosestudantessempreaumresultado.Bastaentrarmos
comosdados iniciaiseobteremosumaresposta.Asprópriasregrasencerramo
caráterdeverdadeejustificamedeterminamtodaaaprendizagem.
NaHistóriadaMatemática,estescondicionamentoseobstáculosfilosóficos
sãoapontadosnumtrechodeumlivrodeCaraça(1951,p.166),quedenuncia:
DetodasassurpresasqueahistóriadasMatemáticasnosapresenta,amenor
nãoécertamenteesta–que,antesdeosnúmerosnegativosseremconsiderados
comoverdadeirosnúmeros, jáeramconhecidasepraticadasquase todasas
regrasoperatóriassobreosnúmeroscomplexos,coisaqueparecesimplesmente
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absurda,umavezque,osnúmeroscomplexosresultamderaízesquadradas
de números negativos. A razão é esta – que os matemáticos se resignavam
ao formalismo, consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes
para efetuar um calculo que fornecesse um resultado desejado; mas daí a
considerarem todosos símbolos sobrequeoperavamcomonúmeros, isto é,
umagrandedistancia,aqueladistanciaqueseparaumsimplesexpedientede
manipulação,docuidado,maisprofundo,dacompreensão.
Os elementos apontados acima podem ser registrados facilmente em sala
deaula,apartirdapráxisdoprofessordeMatemática,entretantoseriaingênuo
entendê-loscomoelementosisoladosemumaesferadepráticasespecíficasdonosso
professor.Assim,preferimosumposicionamentocríticoefilosóficonosentidode
interpretar estes e outros condicionantes como herança das visões filosóficas de
matemáticosdosséculospassados.
Na próxima aula, abordaremos outro tema polêmico e de natureza filosófica.
Assimcomonocasodasdefiniçõesmatemáticasformais,estafuturatemáticaapresenta
umcaráterdeneutralidade,todaviaveremosqueestácondicionadaàdependênciada
correntefilosóficapredominantedomomentohistóricoemqueestáinserida.
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A capacidade ontológica humana, característica de uma habilidade cognitiva que
chamamos de intuição, revelou enorme importância tanto para a pesquisa como
para a atividade do matemático, e consequentemente do professor. Nesta aula,
discutiremos alguns elementos epistemológicos e filosóficos relacionados a uma
temática que recebeu atenção e reflexão de matemáticos, filósofos, epistemólogos,
psicólogos, entre outros estudiosos interessados na capacidade do homem
produzir conhecimento.
Objetivos
• Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática
• Descrever o papel da intuição na atividade investigativa• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio intuitivo conduz a
falsas concepções
AULA 4As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos
AULA 4
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84 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 1 As dimensões filosóficas da intuição matemáticaObjetivO
• Reconhecerascaracterísticaseosaspectos
filosóficosdaintuiçãomatemática
Nas aulas passadas discutimos as filosofias absolutistas da
Matemática.Destacamostambémalgumasdesuasconsequências
noensinoatual e suas condicionantes comrespeito àpráxisdo
professor de Matemática. Nesta aula, detalharemos uma discussão relacionada
à intuição matemática. Veremos que matemáticos, epistemólogos, filósofos e
outrospensadores, sedetiveramàbuscadecompreender tal faculdadepsíquica
que intervém em todo momento na criação matemática. Mas não se pode falar
de intuição sem mencionarmos outra característica ontológica do ser humano
conhecidaporpercepção.
De fato, o interesse pela percepção que nos permite captar, entender e
interpretar o mundo que nos cerca remonta à história dos povos antigos. A
civilizaçãohelênica,demodoinsuperável,foiaquedeuamaiorcontribuição,o
quepermitiudistingui-ladeoutras civilizações.De fato, osgregos,desde cedo,
refletiramsobrearelaçãoentrehomemeobjetoesobreoselementosdarelação
estabelecidaquepermitemcompreendereinvestigarpropriedadesintrínsecasdo
objeto.
Entendemosbemesseposicionamentodosantigosgregosquandoobservamos
asafirmaçõesdeAristóteles,presentesnotextoBoutroux(1908)quandodeclarava
que:
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Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam mas,
também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente e o
necessário.Énecessário,todavia,investigarascondiçõespelasquaisoespírito
concebealgocomonecessário;emoutraspalavras,énecessárioinicialmente
encararaciênciaemsuaforma,abstraçãofeitadoseuconteúdo:éoobjetoda
lógica(BOUTROUX,1908,p.116,traduçãonossa).
Étienne Émile Marie Boutroux (1845-
1921), filósofo e historiador francês, descreveu
a preocupação de Aristóteles em conhecer e
sistematizar os dados pesquisados. Boutroux
destaca,ainda,comovemosnofinaldoexcerto
acima, que um dos elementos que podem
promover o entendimento na investigação do
espíritoéaLógica.
Um dos povos da Grécia Antiga, os
jônicos atribuíam papel de relevo às ciências
matemáticas que recorrem à Lógica para o
estabelecimento de diversos fundamentos,
apesarde,emsuaorigem,aMatemáticanãoter
obedecido a regras explícitas e fórmulas bem
formadas que explicassem sua gênese. Desse
modo, a contribuição desse povo helênico,
no sentido da sistematização e depuração das
crenças e concepções que, em alguns casos,
formamosapartirdosnossossentidos,éinigualável.Recorremosmaisumaveza
Boutroux,queextraiumensinamentoinfluenciadopelatradiçãohelênica,quando
afirmaque:
No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige as
faculdades,maisdoqueforçaamemória.Existemdoisexercíciosdafaculdade:
umélivre,éojogo;ooutroimpostoéotrabalho.Esteúltimoéobrigatóriopor
simesmoenoensinonãoésubstituídopeloprimeiro.Afaculdadedaintuição
deve ser formada antes do entendimento. Todo ensino será inicialmente
intuitivo,representativoetécnico(BOUTROUX,1908,p.394,traduçãonossa.)
No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um
ensinointuitivo,entretanto,sedesconhecemosanatureza,afonte,opropósitoeas
possibilidadesalcançadaspeloentendimentohumanoaofazerusodahabilidadeou
faculdadeintuitiva,caminharemosporumaviainfrutíferaquetornainexequível
seguiroensinamentodeBoutroux.
v o c ê s a b i a?
Os jônios, ou jônicos, representavam um povo
indo-europeueficaramconhecidospelagrande
organizaçãosocialetradiçãomilitar.Participaram
ativamente da expansão grega e colaboraram
significativamente com o desenvolvimento da
cultura na Grécia Antiga, principalmente, da
ciênciaedoracionalismo.Osjôniosforamumdos
quatropovosqueformaramopovogrego,junto
comosaqueus,eóliosedórios.
(Disponível em: <www.suapesquisa.com/grecia/
jonios.htm>)
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AintuiçãomereceuatençãodeImmanuelKant(1724-1804).Kantassegurava
que um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a
intuição; intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do
conceito, isto é, a possibilidade de uma instância(KANT,apudPARSONS,2008,p.8).
KantseinteressoudemodoespecialpelasfigurasgeométricasnaMatemática,
asquaisdenominava formas (empíricas)ouobjetos.Nasprovas, taisobjetos são
construídosintuitivamente(nosentidodequepodemserintuídos).Representações
intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os
números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do
que as formas geométricas(KANTapudPARSONS,2008,p.8).
Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o
termo em inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender
por intuição.Parsonscaracterizaomencionadotermonaacepçãodeumacondição
geraldosobjetos.OautorrecordaqueKant empregava o termo intuição (intuition)
como uma representação imediata de um objeto individual(PARSONS,2008,p.8).
Poroutrolado,quesignificadoatribuímosaotermo“imediato”(immediate)?
Conformeoautor,estetermofoifrutodeintensapolêmica.Retornandoàdiscussão
dotermo intuitabilityeopapeldaintuição,observamosqueseuconceitoocupa
umlugarnãotrivialdediscussãoentrediferentesnoçõesquemerecematençãopor
partedefilósofosematemáticos.
Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e
atacadaporoutros,comorecordaParsons (2008,p.139).Numâmbitofilosófico,
intuiçãoémencionadaemambasasrelaçõesestabelecidascomobjetoserelações
comproposições.Parsonsusaasexpressões“intuition of”e“intuition that”para
marcarasduasrelaçõespossíveisnaperspectivadealgunsfilósofos.
Paracompreenderosignificadodotermo“intuition of”e“intuition that”eo
seuempregonoâmbitofilosófico,recorremosassuasponderações:
Oqueforneceà“intuitionof”umimportantelocalnafilosofiaéprovavelmenteo
fatodequeKant´sAnschauungéintuiçãodeobjetos.Todavia,Kantcertamente
confereaoconhecimentointuitivoumaindicaçãodoqueseriaumaespéciede
“intuitionof”.EupensoserbastanteclaroqueKantpossuíatalconcepção,
porémnãoasdesignoupelotermoAnschauungouigualmenteusadocomona
fraseanschaulicheErknntnis(PARSONS,2008,p.140,traduçãonossa).
Pode-sefalar,seguindo-seestatradiçãodeinfluenciakantiana,emintuição
de objetos e intuição de verdades, embora, neste último caso, alguns dilemas e
ambiguidadesdeâmbitofilosóficoprecisemseresclarecidos.Parsons(2008,p.140)
dizquequando temos uma intuição sobre à (proposição), isto significa que seguimos
tal proposição.Porexemplo,quando um filósofo fala sobre suas ou sobre as intuições
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dos outros, isto frequentemente significa que a pessoa em questão está inclinada a
acreditar, pelo menos no início da inquirição, ou apenas como uma matéria do senso
comum.
Nessesentido,asintuiçõesnãoprecisamsersempreverdadeiras.Elaspodem
serguiasbastantefalíveisparaoalcancedaverdade.Parsonsanalisaasconcepções
eossentidosatribuídosporfigurasilustresaotermointuição.Quandomenciona
Descartes, explica que o filósofo e matemático francês diferenciava intuição de
dedução.Emsuaacepção,aconclusãodeumainferênciapoderianãoserintuição.
Na discussão das fontes de conhecimento, não apenas a intuição seria
distinguível dos resultados dos argumentos envolvendo inferências, porém
taisresultadospoderiamnãosetratardeintuição,emborapossivelmenteuma
proposiçãopossaserounãoconhecidaporintuição(PARSONS,2008,p.142).
Mais adiante, o autor destaca que a explicação de Descartes de intuitio
apresentadanaRegras(Rules)forneceumaanalogiacompercepção.E é claro que
se refere a intuition that nos exemplos que Descarte fornece na Regra Terceira para
todo proposição(PARSONS,2008,p.144).JáemrelaçãoaLeibniz,Parsonsafirma
que o filósofo e matemático alemão não usa tais analogias como Descartes, em
suas explicações acerca do conhecimento claro e distinto na obra “Meditations
on Knowledge, truth and ideas” (1684).E existeumcontraste comparativo entre
intuitivo(intuitive)eoconhecimentocegoousimbólico.Nessesentido,conhecimento
de uma noção é intuitivo quando podemos considerar todos os seus componentes ao
mesmo tempo(PARSONS,2008,p.145).
Outra figura emblemática discutida por
ParsonséEdmundHusserl,paraquemanoção
deintuiçãoassumeumaposiçãodesignificância
geral. Na sua teoria, equivale aos atos ou
experiênciasintencionaisqueconstituemnossa
consciência e às relações com o objeto. Tal
relação é realizada ou cumprida se o objeto se
apresentaàintuição(ouaomenosrepresentado
na imaginação); no caso da intuição atual (actual intuition) (PARSONS, 2008, p.
145).
Poroutro lado,pode-se identificarumaestreitaconexãodospensamentos
kantianosehusserlianos,comodestacaParsons,noquedizrespeitoànoçãode
intuition thateintuition of.DeacordocomKant,intuition(quenóstemosobservado
comointuition of)emMatemáticaconfereevidênciaaoqueéimediato,como,por
exemplo,ocasodosaxiomas.Mas,evidentemente, a imediaticidade de um julgamento
origina-se da construção da intuição sobre um objeto(PARSONS,2008,p.146).
s a i b a m a i s !
Quer saber um pouco mais sobre Edmund
Husserl, acesse http://educacao.uol.com.br/
biografias/edmund-husserl.jhtm
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Parsons(2008,p.146)explicaaindaque:
Tipicamente, uma proposição envolve referências aos objetos, evidência
envolveráaintuiçãodestesobjetos,porémelesfazempartedosconstituintes
deestágiodeacontecimentosquesãointuitivamentepresentes,pelosmenos
nocasoideal(traduçãonossa).
Parsonsanalisa tambémaperspectivade
Gödel, matemático austríaco, para quem deve
existiralgosemelhanteàpercepçãonateoriados
conjuntos.Elerecordaqueemvirtudedaclareza
de determinadas proposições e declarações na
teoriadosconjuntos,pode-secontarnestecaso
comaintuition that.Certamenteque
estapossuiumestritovínculocomaintuitionofe,nestesentido,valeobservar
que a intuition thatpermanecede algummodovinculada a intuitionof.E
intuitionoféalgoquesepodeesperarquandoa intuition thatéanálogaà
percepção,desdequeumdoselementoscentraisdapercepçãosejaaprópria
presençadoobjetopercebido.Porexemplo,sabemosporpercepçãoqueminha
bicicletaéazulaovê-la.Alguémquenuncaviuminhabicicletanuncasaberá
algosobreamesmapormeiodapercepçãonumsentidomaisdireto(PARSONS,
2008,p.147).
As palavras de Parsons são promissoras no âmbito do ensino de Cálculo
DiferencialeIntegral.Defato,quandocomparamososestudantessubmetidosao
ensinotradicionaldestamatéria,queprivilegiaaformalizaçãoeoestabelecimento
daverdadedeenunciadosarespeitodaderivada parcial,comosestudantesque
são levados a conhecer o referido objeto por intermédio de crenças perceptuais
adequadas,depreendemos,apartirdadiferençaestabelecidaporParsons,queos
primeiros conhecem o objeto derivada por intermédio da intuition that e nunca
construirãonenhumacrençapormeiodapercepção.Nosegundocaso,osestudantes
contamcomaprópriapresença(nateladocomputador)doobjetoquechamamos
dederivada parcial.
Retomando nossa discussão filosófica, sublinhamos que debilidade da
intuiçãosensível,segundoBunge(1996,p.21)é a fonte de nossos juízos de percepção.
Deste modo, sempre corremos algum risco ao desenvolver raciocínios rápidos e
breves, alicerçadospor crenças perceptuais e,nestepatamar,não sepodecontar
comoalcancedaverdadematemática.
s a i b a m a i s !
Acesse http://im.ufrj.br/~risk/diversos/godel.
html.
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Defato,Bunge(1996,p.60)comentaquehojesecompreendequenemtodas
asentidades,relaçõeseoperaçõesseoriginamnaintuiçãosensívelese reconhece que
a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar
somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis.Dessemodo,comofracasso
dasintuiçõessensíveiseespaciais(ougeométricas)comoguiaparaaconstruçãoda
Matemática,observamososurgimentodeconcepçõesmatemático-filosóficasque
caracterizariamaintuição pura.
Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada
intuicionismo matemático(discutidanaaula2)secaracterizoucomo:a)uma reação
contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a
Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado
do descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da
filosofia kantiana(BUNGE,1996,p.61).
No próximo tópico discutiremos a relevância e a função da intuição na
atividadedomatemáticoprofissional.
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TÓPICO 2 O papel da intuição da atividade do matemáticoObjetivO
• Descreveropapeldaintuiçãonaatividade
investigativa
Decididamente, quando nos atemos ao fenômeno do ensino de
Matemática, questionamos até que ponto esta claro para o
entendimento do professor de Matemática, o papel e as formas
de manifestação do raciocínio intuitivo. Para compreender tal função inerente
à atividade matemática, torna-se imprescindível que entendamos o caráter de
ubiqüidadedaintuiçãomatemática,tantonocontextoescolarcomonocontexto
acadêmico. O matemático Jean Dieudonné (1906-1992) descreve uma maneira
particularnaqualaintuiçãoexerceseupapelcoercitivo,aodeclararque:
Semelhantemente a vida da maioria dos sábios, a vida do matemático é
dominada por uma curiosidade insaciável, uma vontade de resolver os
problemasestudadosqueconfirmamsuapaixãoequeconduzemàrealização
de uma abstração quase total da realidade do ambiente; as distrações ou
excentricidades matemáticas célebres não possuem outra origem. É que a
descoberta de uma demonstração não se obtém em geral sem o auxílio de
períodosde concentração intensoque se renovampossivelmentepormeses
ouanosatéqueoresultadopretendidosejaalcançado(DIEUDONNÉ,1987,p.
19,traduçãonossa.)
A intuição matemática sempre despertou o interesse de muitos filósofos.
Partedesses interessessecaracterizavapelacompreensãodotipode ligaçãoque
aintuiçãopermite,especialmente,comaverdadeou,pelomenos,comaausência
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doerro.ObservamosumareflexãoparticulardofilósofoinglêsJohnLocke(1632-
1704),sobreoconhecimentogeométricopresentenaMatemática.Stewart(1821,p.
23)destacaesteepisódioaolembrarque:
Há muito tempo Locke destacou, à respeito dos axiomas da Geometria,
estabelecidosporEuclides,queemboraaproposiçãosejainicialmenteenunciada
emtermosgerais,eposteriormentefazendorecursonaparticularidadedesuas
aplicações, como o princípio previamente examinado e admitido, todavia a
verdadenãoémenosevidentenesteúltimocasodoquenopadrãoinicial.Ele
observoumaisadiantequeemalgumasdesuasaplicaçõesqueaverdadede
cadaaxiomaépercebidapelamentee,todavia,aproposiçãogeral,distantedo
localondefoiassentadaedaverdadequeencerra,éapenasumageneralização
verbaldoque,eminstânciasparticulares,foiaceitocomoverdade(tradução
nossa).
Stewart aponta a preocupação manifesta por Locke a respeito da origem
ouafontedaverdade matemática.Averdadedestetipodesaberéoriginadanos
enunciadosmaisgeraisedistanciadosdasaplicaçõesounoscasosparticularesem
que vemos suas aplicações? Em situações mais perceptíveis e menos abstratas a
verdade matemáticaestámaispróximadonossoentendimento?
Um elemento que merece atenção diante da situação pouco complexa
observadaporLockequeéexemplificadaporMill(1869)dizrespeitoàpossibilidade
dequeenquantotalverdadenãoseestabelece,enquantoaincertezasobreoque
conhecemosdaGeometriaecomoconhecemosnãoforreduzidaazero,aintuição
desempenharáumpapelimportante.
Masépossívelreduzirazeronossasincertezascomaintençãodeatingirmos
averdadeduranteainvestigação?Qualouquaisverdadespodemosidentificarno
sabermatemático?Enacondiçãodeseatingi-la,deondepartimosecomosabersea
alcançamos?Algumasdestesquestionamentosnãoconstituemsimplestarefaspara
seresponderempoucosparágrafos,entretantodestacamososqueseaproximamda
nossatemática.Porexemplo,existeumaverdadeúnicanaMatemática?Guerrier
(2005,p.12),porexemplo,destacaque:
A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática ou
ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles distinguia
as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades necessárias (vérités
nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de um silogismo concluído a
partirdepremissasverdadeiras;easúltimassãoosobjetosdaLógica(tradução
nossa).
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica92
E enquanto buscamos e ainda
não alcançamos uma verdade necessária,
como chamava Aristóteles, raciocinamos
intuitivamente? E nesta condição, ou seja, por
meiodaintuição,obteremostalverdade?
ValelembrarqueFrege considera que não
se pode sempre confiar na intuição (GUERRIER,
2005, p. 13). Todavia, para que haja a
compreensãoeacertezadeestarmosfazendouso
da intuição, mesmo no caso em que buscamos
umaverdade necessária,comonapráticacomum
domatemático,necessitamosdefinirovocábulo
“intuiçãomatemática”.
Nestemomentonosdeparamoscomoutroentravehistóricoefilosófico.De
fato,Boutroux(1920,p.224)lembraque:
Pascal,melhordoqueDescartescaracterizouaintuição.Eomesmoescreveu
umavez:Nósconhecemosaverdade,nãosomentepelarazão,mais,sobretudo
pelo coração; e é por esta última sorte que nós conhecemos os princípios
primeiros, e é neste terreno que raciocinamos, e não existe outro ponto de
partida,outrasortedecombater...Eésobreesteconhecimentodocoraçãoe
doinstintoquearazãoseapóiaefundamentatodooseudiscurso(tradução
nossa).
MaisadianteBoutrouxadverteque:
Osintelectuaismodernos,contudo,nãobuscamelesmesmosexplicar,elesnão
pretendemcompreendercompletamenteemqueconsisteeemquecondições
podem agir por intuição. As definições que eles fornecem permanecem na
maioria das vezes negativas. As verdades matemática, dizem eles, não são
nem conseqüência de fatos experimentais e nem resultado de construções
oudeduçõeslógicas.Portanto,elessupõemummododepercepçãoquenão
se confunde, nem com a experiência dos sentidos, nem com o raciocínio.
Temosconsciênciadestemododepercepçãoporalgunsinstantesdepratica
(notrabalhodedescoberta),enosparecequeelenãoseassemelhaanenhum
conhecimentodemonstrativo(BOUTROUX,1920,p.225,traduçãonossa).
Ficam patentes nas afirmações de Boutroux duas dimensões a considerar:
a primeira relaciona o caráter afetivo/motivacional, enquanto a segundo diz
respeitoaocampo epistêmico.Sublinhamosotermoafetivo/motivacional,umavez
que,naatividadedomatemático,apesardenemsempreserclaroparaopróprio
s a i b a m a i s !
A História da Ciência evidencia o recurso ao
apelo intuitivo para a edificação posterior de
várias teorias. Na Física, Almaraz (1997, p. 11)
recordaqueEinsteinobteve,pormeiodeimagens
mentais,indíciosintuitivosqueoservirampara
elaboraraTeoriadaRelatividade.
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investigador, a busca pela estética se relaciona de modo íntimo com a ação de
descobertaeinvenção.
Burton(2004,p.66)desenvolveuuminteressanteestudoquefornececertos
indícios promissores. Ele caracterizou três características da estética: a função
generativa, a função avaliativa e a função motivacional. Com referência às três
característicasmencionadas,explica:
A função generativa foca no papel da estética na invenção e descoberta
matemática; a avaliativa tipicamente semanifestanospróprios julgamentos
de um produto matemático, tal como um teorema; a função motivacional
relaciona-se com opapelda estética namedida emque induzou inspira a
atividade matemática. Outra igualmente importante dimensão que se deve
consideraréaepistemológiabaseadanaestéticadeveapresentarumafunção
de:Dequemodooperaoufuncionaaestéticacomoummododeconhecer?
(BURTON,2004,p.66,traduçãonossa).
Notrechoacimaobservamosarelaçãoentreafunção generativadaestética
coma invençãoedescoberta.Note-seque,nessesmomentos,omatemático,sob
um ponto de vista psicológico, habita um mundo de incertezas, inseguranças e
dúvidas.Situaçãobemdiferentedaexecuçãodeumaprovamatemáticaquerequer
exatidão,generalidade,conexõeslógicaseoconhecimentodaestruturamatemática
comaqualestálidando.
Burton ressalva que, no âmbito de obtenção de um caminho para a
aquisiçãodeconhecimento,afunção generativa da estéticaadquire,naopiniãodos
matemáticosparticipantesdoseuestudo,umcaráterdeacessibilidade,interesse,
satisfação,simetria,transparênciaesurpresa.Burton(2004,p.71)relata,emseu
estudoempíricoqueenvolveuaparticipaçãodecercade80participantes,queos
matemáticos não falaram a respeito do papel da imaginação.
A estética, para a maioria dos entrevistados, era concebida como um
produtodaculturadosmatemáticos,dentrodesta,a comunidade a constitui como:
estrutura, compacidade, conexão ou qualquer outra categoria funcional para a
obtenção de conhecimento, particularmente, na relação com o produto matemático,
provas e teoremas.Poroutrolado,éimportantedistinguirocognitivodoafetivo.
E no caso destes dois modelos componentes, a estética e a intuição parecem ser
inexplicavelmente interconectadas(BURTON,2004,p.72).
Burton (2004,p.72) acrescentaaindaquea intuição fornece, para muitos,
a energia convincente que motiva e justifica o trabalho necessário na produção de
estética a qual um número de matemáticos chama de “euphoria” que acompanha a
resolução de problema.Emboraparamuitos,aindaquenemtodosdestesmatemáticos
tenhamsidoconsultadosnoseuestudo,aestéticaeaintuiçãoparecempreencher
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica94
diferentes funções psicológicas, evidenciamos
umaexaltaçãonoreconhecimentodaligaçãoda
estéticamaisconectadacomaprova.
Hadamard (1945,p.41)nos forneceuma
interessante explicação a respeito da noção de
estéticaeprovaaomencionarque:
Podesersurpreendenteverasensibilidadeemocional
evocada nas demonstrações matemáticas que,
aparentemente, interessam apenas ao intelecto. [...]
Estaéaverdadeiraestéticadosentimentoquetodos
os matemáticos conhecem, e certamente pertence à
sensibilidadeemocional(traduçãonossa).
Assim como outros pensadores, Jacques
SalomonHadamard(1865-1963)comentaopapel
doelementoafetivo,tantonadescobertacomona
invenção matemática,queomesmofazquestãodediferenciar.Hadamarddiscute
tambémoutroselementosnemsempreexplícitosnaatividadedomatemáticoque
se relacionam de algum modo com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva,
Hadamarddiscuteosmomentosemqueomatemáticotrabalhademodoconsciente
na atividade solucionadora de problemas e outros momentos em que ocorrem
determinados fenômenos mentais sem o controle intencional e um pensamento
sistemático.
Hadarmarddiscutealgunspontosdevista fornecidosporHenriPoincaré.
RecordaquePoincarésalientavaa importânciada intervençãodeumaatividade
consciente,apósumaatividademental inconsciente,nãoapenasparaoemprego
deumalinguagemconveniente,mastambémparaverificareprecisarosresultados
finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma
significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração(ROBADEY,2006,
p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p.
64) esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração
geralmente corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar.
Emtodocaso,sejanummomentodeesforçomentalconscienteouestágio
mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e
representaçõesquealicerçamumaideiaparticularproporcionamoterrenoparaa
atividadeintuitiva.Nestesentido,Souriau(1881,p.12)explica:
As imagens que concebemos a cada momento não surgem do caos, mas de
umpensamentoanterior.Antesquenossasideiassecombinemnumaordem
s a i b a m a i s !
Sauriau (1881, p. 121) diz que quando
mencionamos,porexemplo,apalavra‘triângulo’,
ouseavemosescrita,imaginamosimediatamente
afigurageométricaqueaprendemosassociaraeste
somouletras.Edemodosimilar,sepronuncioou
escrevoestapalavra,sabemosqueamesmanão
faltaráemmesugerirumaconcepçãosemelhante.
Assim, as palavras possuem a propriedade de
despertaremnossosespíritoscertasimagens,que
sãooquedenominodesignificação.
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95
presente,elaspossuíamjácertaordem,
ou nosso espírito já apresentava
determinada organização. Na medida
emqueemconcebemosumpensamento
novo, consideramos certo tipo de
inteligênciaadquirida,etalinteligência
determinará, pelo menos em parte, o
tipodepensamentoqueconceberemos
(traduçãonossa).
Hadamard discute algumasdas ideiasde
PaulSouriau,comoaquedestacamosnotrecho
acima.Aexpressão“pensardelado”teveorigem
comPaulSouriau(1852–1926),comseulivro“Théorie de L’Invention”,de1881.
Talatividadementalrequeroempregodaintuição,namedidaemqueoindivíduo
percebe a necessidade de relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de
lado’,easideiasprincipaisquebuscavacompreender.Notamosque,emtodocaso,
asideiassecombinamnadependênciadasimagensqueformamos.
Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta
compreender um raciocínio empregado por um matemático profissional,
identificamosdificuldadesconsideráveis,umavezque:
Naprocuradeseabstrairaomáximo,omatemáticoseprivadeumadeterminada
sortedeintuiçãoeprivademodosimilaroleitorquenãocompreendemaiso
porquêdasdefiniçõeseacreditaseperdernumanuvemescura(QUENNEAU,
1978,p.23).
Quenneau aponta um hábito peculiar na frente investigativa que em
muitos casos se manifesta na sala de aula do locus acadêmico. Paradoxalmente,
observamosumamudançadomodus operandidomatemático.Defato,enquanto,
em sua pesquisa, as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam
seu raciocínio, na sala de aula, figuras ou representações que fornecem ideias
particularespodiamserevitadas,emdetrimentodoalcancedasideiasmaisgerais
que explicamos teoremasquedevem serdiscutidos.Alémdisso,no âmbitode
suapesquisa,osproblemassãoatacados,emmuitoscasosdemodoindiretoede
modosistemático;entretanto,noseuensino,apresentaargumentaçõesdiretaspara
aresoluçãodefinitivadesituações-problema.
Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o
exercícioda‘incubação’dasideiasque,paraHadamard,possibilitavaacombinação
e recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do
s a i b a m a i s !
Sauriau(1881,p.128)explicaquealinguagemé
capazdesubstituiropensamento,umavezque
aspalavraspodemsubstituirasideias,aomenos
provisoriamente,everdequemodopodeserfeito
oempregodesignosnotrabalhodainvenção.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica96
alcance,demodoindividual,deumasolução.Comistotemosaoportunidadede
proporcionarqueoestudantevivenciesituaçõesdeeuforiaecontentamentoem
virtudedoalcancedeumobjetivo.
Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta
matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não
compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo
pitorescoopapeldeimaginaçãoquandoconsideraque:
Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em certos
casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto que desejamos
considerar, prevenimos os desvios de percurso [...] Imaginação pode ser
essencialnasoluçãodeproblemaspormeiodeváriasdeduções,eosresultados
precisam ser coordenados após uma completa enumeração (p. 86, tradução
nossa.)
Emsentidocontrário,nãofazemosCiênciae,demodoparticular,nãofazemos
Matemáticaquandodesenvolvemosemnossosestudantesohábitodeexploraçãode
suacapacidadeimaginativa.Resultanaeliminaçãopaulatinadoespíritoinventivo
doestudante,que,segundoaopiniãodeSouriau(1881,p.106),devesercurioso e
original.Comisto,oestudantepermaneceindiferenteàdescobertadeumaverdade
matemáticaenão fará nenhum esforço para pensar.Masparapensarenergicamente,
é necessário o estabelecimento de um objetivo e o desejo de alcançá-lo, é necessário, em
uma única palavra, ser curioso(SOURIAU,1881,p.106).
Neste tópico analisamos alguns aspectos e elementos que explicam e se
relacionam de modo íntimo com a intuição. Na sequência, discutiremos alguns
exemplosparticularesnosquaispoderemosobservardequemodonossaintuição
acarretaemconclusõeserrôneas,paradoxos,surpresasinesperadaseumaflagrante
contradiçãocomateoriamatemáticaformal.
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TÓPICO 3 Os paradoxos relacionadosà intuição matemáticaObjetivO
• Identificarparadoxosesituaçõesemqueoraciocínio
intuitivoconduzafalsasconcepções
Emvárioscontextosnosdeparamoscomfatosmatemáticosestranhos.
De fato,desdeosperíodosescolares aprendemosqueoconjunto
dosnúmerospareseoconjuntodosnúmerosimparesfazemparte
da ‘coleção’ que chamamos de números naturais, todavia, formalmente falando,
podemosafirmarqueexistemmaisnaturaisdoquepares?Ouqueexistemmais
númerosnaturaisdoqueímpares?
Outroconceitoexplicadodemodo intuitivoevagonocontextoescolar é
conhecidocomonúmerosracionaiseirracionais.Nocontextoacadêmico(LIMA,
2010),encontramosargumentaçõesdandocontaquedadoumintervalo( ),a b ,no
mesmopodemosencontrartantoumnúmeroracionalcomoumnúmeroirracional.
Ora, argumentações como esta não constituem demonstrações formais,
todavia, tais propriedades relacionam-se com algumas operações aprendidas na
academiaquepreservampropriedades intrínsecasquepodemcontrariarnossos
sentidos.
Neste sentido, um dos nossos primeiros exemplos é discutido por Caraça
(1951,p.14)quandomencionaque:
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica98
Anossaoperaçãodacontagemvaiaindafornecer-nosomodelo(masagorasóo
modelo)doqueháafazerparacompararosváriostiposdeinfinito.Vimosque
serealizaumacontagemfazendocorresponderobjetosanúmeros;‘Vejamos58
serápossívelestenderaideiadecorrespondênciaaosconjuntosinfinitos.Nada
mais fácil;pela correspondência, a cadaelementovemassociadoantropelo
pensamento;nãohámaisquesuporqueestaoperação- fazercorresponder
a - se pode repetir indefinidamente. Ora, se já aceitámos, duas vezes, a
possibidadederepetiçãoilimitadadumcertoatomentalporquenãoaadmitir
agora?Assentemos,portanto,emqueseestendeaconjuntosinfinitosanoção
decorrespondênciaevamostransportarparaeles,tantoquantopossível,as
coisas já adquiridas, em especial a noção de equivalência, tão importante,
cornovimos,nacontagemdascoleçõesfinitas-se,entreoselementosdedois
conjuntos infinitos, puder estabelecer-se uma correspondência biunívoca,
essesdoisconjuntosdizem-seequivalentes.
OtrechodeCaraçafazreferênciasavários
aspectos interessantes. Inicialmente, o autor
menciona a necessidade de realizarmos uma
contagem dos elementos de um conjunto. Nos
temposatuais,quandodispomosdeumconjunto
A que apresenta uma quantidade finita de
objetos,quepodemosdenotarpor ( )Car A <¥
( : cardinalidadeCar = ),pordefinição,diz-seque
istoocorrequandoexisteumabijeção : nf I A® ,
onde {1,2,3,....., }nI n= . Por exemplo, se
temos dois conjuntos finitos ,A B UÌ , onde
( )Card A n= e ( )Card B m= ,ese A BÌ ,então,
devemos ter que n m£ . Assim, por definição,
podemosconsiderarduasbijeções : nf I A® e
' : mf I B® ,onde {1,2,3,...., }n mI I mÌ = .
Por exemplo, quando consideramos os conjuntos dos pares e ímpares
: { 2 , k }n kà = = Î e : { 2 1, k }n kI = = + Î ,notamosqueà I=Æ .Ademais,
podemosintuirque ,Ã IÌ ,entretantopodemosrealizarumainferênciavisual
naseguintelistagem:
2 4 6 8 10 12 14 ........ 2n
1 2 3 4 5 6 7 n
s a i b a m a i s !
Paradoxo e antinomias: Em sentido amplo,
«paradoxo»significaoqueé«contrárioàopinião
recebidaecomum»,ouàopiniãoadmitidacomo
válida. Em Filosofia, paradoxo designa o que é
aparentementecontraditório,masqueapesarde
tudotemsentido.EmMatemática,fala-semuitas
vezes de paradoxo matemático ou paradoxo
lógico,ouseja,deumacontradiçãodeduzidano
seiodossistemaslógicosedasteoriasmatemáticas.
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De modo particular, relacionado com a noção de conjuntos infinitos e
outras noções, encontramos na matemática e na lógica um intenso debate que
caracterizaramparadoxos.
Uma das maneiras conhecidas de mostrar que o conjunto ´ é
enumerável,istoé,queexisteumabijeçãoentre ´ e ,(onde ={0;1;2;
…}éoconjuntodosnúmerosnaturais),éexibirumabijeçãode ´ sobre ,
inspiradanafigura:
(0;0) (0;1) (0;2) (0;3) …
(1;0) (1;1) (1;2) (1;3) …
(2;0) (2;1) (2;2) (2;3) …
(3;0) (3;1) (3;2) (3;3) …
……… …
Observando-a,podemosconjecturaraseguinteenumeraçãodoselementos
doconjunto x
:(0;0);(1;0);(0;1);(2;0);(1;1);(0;2);(3;0);(2;1);(1;2);(0;
3);…Ouseja, colocamos, sucessivamente,ospares (a;b) taisquea somaa+b
assumaosvalores0;1;2;3;…,edentrodacadagrupamentoque tenhaa+b
constante(correspondente,nafigura,aumadasdiagonaisindicadas),ordenamos
osparespelaordemnaturaldesuasegundacomponente.
Obtém-seentãoaseguintebijeção:
f: ´
→
(0;0)→0
(1;0)→1
(0;1)→2
(2;0)→3
(1;1)→4
(0;2)→5
………….
Observamosquef(x;y)éolugarqueocupa(x;y)nestaenumeração(como
estamosincluindo0emN,éprecisocomeçaracontarapartirdo0-ésimolugar).
Umaquestãointeressanteéconstruirumafórmulaparaestafunçãoeutilizaresta
fórmulaparaprovarqueférealmenteumabijeçãodescritaem :f x ® .Para
isto,seja(x;y) ´ .Observandoafigura,vê-sequese(x;y)fortalquex+y
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=s>0,entãoopar(x;y)éprecedido,pelomenos,portodosospares(u;v)tais
queu+v=0;1;2;…;s–1.
Existeumparque temsoma0,doisque têmsoma1, eassimpordiante,
até s pares que têm soma s – 1, de modo que esses pares são em número de( 1)
1 ...2
s ss
++ + = .Alémdisto,jánasuadiagonal,opar(x;y)éprecedidopory
pares.
Portanto,2( )( 1) ( ) 3
( ; )2 2
x y x y x y x yf x y y
+ + + + + += + = .
Finalmente,constata-sediretamentequeestafórmulatambéméválidase(x;
y)=(0;0).Podemosentãoafirmarquefédadapelafórmulaanalítica:
:f ´ ®
2( ) 3( ; )
2
x y x yf x y
+ + +=
Eisumexemploclássicoemquenossaintuiçãoparececontrariaromodelo
lógico a partir da constatação de que sendo a função bijetora, concluímos, por
definição,queosconjuntos x
e possuemamesmaquantidadedeelementos.
Para ilustrar e relacionar com os nossos conhecimentos sobre Cálculo, plotamos
ográficodafunção :f ´ ®
edamosênfaseaosparesordenadosdoplano
( , )x y Î ´ nosquaisafunçãooriginariamenteestádefinida.Paracadaponto
destasuperfícieassociamosumaimagempertencenteaoeixo (0,0, )z Î ´ ´ .
Figura1:Representaçãogeométricadafunção :f ´ ®
Lima (2004, p. 42) fornece um exemplo interessante quando considera a
situaçãoemqueYéabasedeumtriânguloeXumsegundosegmentoparalelo
aY,unindoosoutrosdoisladosdessetriângulo.TomaaindaopontoPovértice
opostoàbaseY.Obtém-seassimumacorrespondênciabiunívocadotipo :f X Y®
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101
associandoacadapontox XÎ ,oponto ( )f x ondeasemirretaPxintersectaabase
Y.VejanaFigura2,ladoesquerdo.
Figura2:ExemplosdeLima(2004)quecontrariamaintuição
Na Figura 2, do lado direito, discute um exemplo no qual temos o
conjunto { }X C P= - obtido retirando da circunferência o ponto ‘P’ e Y uma
retaperpendicularaodiâmetroquepassaporP.Definindo-se uma correspondência
biunívoca :f X Y® pondo, para cada x XÎ , ( ) :f x = interseção da semi-reta
PxcomaretaY(LIMA,2004,p.43).Nestecasoestabelecemosqueosconjuntos
{ }X C P= - eYpossuemomesmonumero cardinal,ouseja,podemosdefinir,no
sentidodeLima(2004),umacorrespondênciabiunívocaentreosmesmos.
EmoutrosexemploscuriososfornecidosporDomingues(1991),encontramos
afunção ( )1
xf x
x=
+definidaem : ] 1,1[f ® -
,tomadacomobijetora.Assim,
por meio da definição anterior, os conjuntos e ] 1,1[- possuem a mesma
cardinalidadedeelementos.
Figura3:Bijeçãoentrearetaeumintervalo(DOMINGUES,1991,p.247)
Poroutrolado,antesdeexibirtalfunção,Dominguesdiscuteapossibilidade
deseestabelecerumabijeçãoentreosintervalos ]0,1[ e[0,1] .Nestesentido,oautor
explica que tomando1 1
[0,1] {0,1, , ,....,...}2 3
A= È e que1 1
]0,1[ { , ,....,...}2 3
A= È ,
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onde se tomou 1 1[0,1] {0,1, , ,....,...}
2 3A= - . A função desejada definida em
: [0,1] ]0,1[f ® édefinidadoseguintemodo:
1 1 1{0,1, , , ,....,...}
2 3 4 Identidade
1 1 1{ , , ,....,...} A
2 3 4
AÈ
ß ß
È
oudemodoanalíticotemos:
1 se x=0
21 1
( ) se x=n+2 nx se x A
f x
ìïïïïïïïï=íïïïï Îïïïïî
Domingues(1991,p.247)declaraquetalfunçãoéinjetora,assimosintervalos
]0,1[ e [0,1] possuemamesmacardinalidade.Nummodelogeométricorelacionado
aoCalculoDiferencialeIntegral,omatemáticoMorrisKlein(1908-1992)discutea
noçãoderetatangenteaumacurva,nocontextodeconstruçãodaderivadadeuma
função.Questionaapartirdeumdesenho(Figura4)sepodemosacreditarquea
curvaearetacandidataàtangenteemumpontopossuemdefatoapenasumponto
deinterseção?
Figura4:DesenhosugeridoporKleinem1893emrelaçãoanoçãointuitivadederivada
Outro matemático de não menor importância (cf. Figura 5) comenta as
ilusõesdeóticaprovocadasporilustraçõesefiguras.Emsuaanálise,aatividade
intuitivadoobservadordesempenhapapel fundamental.Neste, comonos casos
passados,nossasfaculdadesintuitivas,pormeiodeconclusõesporvezesimediatas,
tácitas,podemnosconduziraequívocoseestimularodesenvolvimentodefalsas
concepçõesouraciocíniosinconsistentes,dopontodevistalógicomatemático.
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103
Figura5:GravuraanalisadaporKlein(1985),queexemplificaaperspectivalinear
Assim como Felix Klein, Morris Kline e Henri Poincaré referenciaram os
equíivocos e contradiçõesnosquaispodemos incorrerquando apoiamosnossas
conclusõespredominantementenaintuição.Nãoqueistocaracterizeumdefeito
oulimitaçãoquedeveserevitadoeeliminadonaatividadedomatemático,ouna
atividade do professor e do aluno, entretanto é preciso atenção e vigilância no
momentoemquetemosdeutilizá-las.
Mas aí intervém outra dificuldade, a
saber:quandodefatomobilizamosumraciocínio
intuitivo?Quandocompreendemosalgo,apartir
de uma relação estabelecida com um objeto
matemático,por intermédioda intuição?Quais
ascaracterísticasdaintuição?
Noensinoasrespostasparaestasquestões
possuem caráter indispensável para quem
tencionaatuarnoensino.
Caraça(1951,p.233)apontaproblemasnousodalinguagemmatemáticaeda
línguamaternaquandoanalisaoconceitodesequênciasdenúmerosreaisdenotadas
por{ }n nx Î .Nestesentido,modernamentedizemosqueumasequênciaconverge
quando n nLim x L®+¥ = . Caraça considera que podem ter o mesmo significado
as seguintes sentenças: (i) a sucessãoenumerável { }n nx Î tempor limiteL; (ii) a
at e n ç ã o !
Como já salientamos no curso de Cálculo,
grafamososímbolodelimitescom“L”maiúsculo.
AssimfaziamtambémosmatemáticosCauchye
M.Young.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica104
sucessão enumerável { }n nx Î tende para L; (iii) a sucessão enumerável { }n nx Î
convergeparaL.Note-sequeaopçãoporumaouporoutraexpressãodestacada
porCaraça (1951)dependerádeumapreferência individualdo solucionadorde
problemase,nestaescolha,a intuiçãoguiaráoraciocínio,atédemodoàsvezes
inconsciente. Na Figura 6, exibimos o comportamento de sequências numéricas
que convergem. Baseando-se apenas nas figuras, você, aluno, acredita que vale50
0!n
nLim
n®+¥
æ ö÷ç =÷ç ÷çè øouque 1
1n
nLim
n®+¥
æ ö÷ç =÷ç ÷çè ø+?
Figura6:Exemplosdesequênciasdenúmerosreaisconvergentes
Paraconcluirestaseção,salientamosmaisumavezadimensãofilosóficado
raciocínio intuitivo. Algumas características do raciocínio intuitivo deverão ser
caracterizadas, do ponto de vista psicológico. Nesta aula, tencionamos salientar
seusaspectosfilosóficoseepistemológicos.Muitosdestesaspectosnãosãosimples
desedetectarecompreender.
Poroutrolado,oquedeveficarclaroparaofuturoprofessordeMatemáticaé
que,sedesconhecemosascaracterísticas,anatureza,afunçãoeadimensãocriativa
daintuiçãonaatividadematemática,nuncaconseguiremospromovereestimular
raciocíniosdestanatureza.Afinalébemmaisfácil;edigamos“concreto”,estimular
edesenvolverumensinodeMatemáticabaseadonopensamento algorítmico (OTTE,
1991).
Apontado icebergnafrentepedagógicaéumensinobaseadoemregrase
memorização. Para os leigos, com pouca ou nenhuma formação em Matemática,
talsituaçãoseexplicadizendo:“Ah...Istoéculpadametodologiadoprofessor!”.
Oudirãoainda“Amatemáticaéaciênciadosnúmeros!”.Commaiorpreocupação,
escutamos algunsdesavisados sepronunciarem:“Vamos estimularo lúdicopara
quetudofiquemaisprazeroso!”.
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105
Concepções dessa natureza são recorrentes no ensino de Matemática,
principalmentenodiscursodepessoasquecarregamconsigoosabermatemáticorestrito
aoescolar,entretantoumavisãoeumaformaçãofilosóficadessaciênciaproporcionaráum
olharcriticodoprofessordeMatemáticanosentidodequestionareevitaraevoluçãode
concepçõesretrógradas,ideiasinócuasecrençasequivocadasepoucofundamentadas.
AULA 4 TÓPICO 3
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106 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
AULA 5A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais
Nas aulas passadas, apresentamos e discutimos o caráter filosófico dos Axiomas
de Peano. Tal discussão torna-se essencial na medida em que tencionamos
formar a visão epistemológica do futuro professor de Matemática. Nesta aula,
retomaremos este assunto com o auxílio de argumentos axiomáticos modernos
os quais Giuseppe Peano (1858-1932) não dispôs de métodos axiomáticos
modernos para a construção e verificação das inclusões Ì Ì discutidas
no contexto escolar. Concluiremos ainda nesta aula, a partir do desenvolvimento
teórico devido a Ferreira (2010), que tanto as inclusões Ì Ì como outros
fatos matemáticos admitidos de “modo intuitivo” no contexto escolar são
completamente equivocados e formalmente incorretos.
Objetivo
• Descrever a construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais
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107
Nas aulas passadas, tecemos algumas considerações acerca do
conjunto . Nesta aula discutiremos algumas propriedades
axiomáticas e teoremas interessantes que proporcionam
resultados inesperadosquandoconfrontadoscomnossa intuição.Nestesentido,
recordamosqueFerreira(2010,p.22)defineumconjuntoXinfinitoquandoexiste
umafunçãoinjetora ®:f X .Dizaindaqueumconjuntoéditofinitoquando
nãoforinfinito.Ouseja,umconjuntoéinfinitoquandocontiverumsubconjunto
Yembijeçãocom ,oquetambémseexpressadizendoqueYéequipotentea .
Acrescentaque:
Háoutrasdefiniçõesde conjuntos infinitos (portanto,de conjuntosfinitos)
obviamenteequivalentesàquedemosacima.Valeapenacomentarqueuma
dasdefinições,queédevidaaCantor,porqueelarompeucomoparadigma
milenargregodequeotodoésempremaiordoquesuasprópriaspartes.Um
conjuntodiz-seinfinitoquandoexisteumabijeçãoentreeleeumsubconjunto
própriodele(FERREIRA,2010,p.22).
ValerecordarafunçãodefinidaporPeano:
(i)Axioma:Existeumafunçãoinjetiva ®: s .Aimagem ( )s n decada
númeronatural În chama-seosucessorde‘n’;
(ii) Axioma: Existe um único número natural Î1 tal que ¹1 ( )s n para
todo În ;
TÓPICO 1Um problema antigo relacionado à equação polinomial do segundo grauObjetivO
• Apresentarsituações-problemadecivilizaçõesantigas
queenvolvemaequaçãoquadrática
AULA 5 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica108
(iii)Axioma:Seumconjunto ÌX étalque Î1 X e Ì( )s X X ,istoé,se
Î ® Î( )n X s n X ,então =X .
Muitas das propriedades do conjunto dos números naturais conhecidas
de modo intuitivo podem ser verificadas de modo axiomático e deveriam ser
conhecidaspelofuturoprofessor.Ferreira(2010,p.23)enunciaoteorema:Sejaa
função ®: s afunçãosucessor,então,tem-se:
i) ¹( )s n n paratodo În ;
ii) = -Im( ( )) {0}s n .
Demonstração:
Vamos admitir a função sucessor ®: s . Definimos o conjunto
= Î ¹: { tal que s(n) n}A n . Desejamos verificar que =A , ou seja, nenhum
númeronatural é sucessorde simesmo.Para tanto,usaremoso axioma (iii).De
fato,notamosque = Î ¹ ¹Æ: { tal que s(n) n}A n ,umavezque ¹(0) 0s ,para
= Î0 n ,pois Ï0 Im( ( ))s n e Î(0) Im( ( ))s s n .
Verificaremosagoraquese Îk A ,então Î( )s k A .Defato,se Îk A ,pela
definiçãodesteconjunto ¹( )s k k .Aplicandoafunção sucessoraambososmembros,
segue que ¹ ® ¹ \( ) ( ( )) ( )injetora
s k k s s k s k Î( )s k A . Pelo axioma (iii), chamado de
PrincípiodaIndução,concluímosque =A .
Para verificar (ii) = -Im( ( )) {0}s n , usaremos o Princípio da Indução do
seguinte modo: = È Ì{0} Im( ( )) A s n . Ademais Î0 A e vimos que se Îk A ,
então Î( )s k A .Logo =A e Ï \ = -0 Im( ( )) Im( ( )) {0}s n s n .
Ferreira(2010,p.24)denota = -* {0} edizquetodoelementode * é
sucessordeumúniconúmeronatural,quesechamaseuantecessor.Apartirdisto,
definiremosdemodoaxiomáticoasoperaçõesdesoma(+)emultiplicação(× )de
númerosnaturais.
Ferreira(2010,p.24)defineaadiçãodedoisnúmerosnaturais, e nm designada
por +m n edefinidarecursivamentedoseguintemodo:ì + =ïïíï + = +ïî
( ) 0
( ) ( ) ( )
i m m
ii m s n s m n.
A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário ‘m’ com
‘0’: + =0m m (FERREIRA,2010,p.25).
Ela nos dá também a soma de ‘m’ com (0)s : + = + =(0) ( 0) ( )ii i
m s s m s m (*).
Temos, ainda,usandoaspropriedades (i) e (ii): + = + =(*)
( (0)) ( (0)) ( ( ))ii
m s s s m s s s m
(**).
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109
Temos também: + = + =(**)
( ( (0))) ( ( (0))) ( ( ( )))ii
m s s s s m s s s s s m . A formalização
desteprocesso sedápeloPrincípio da Indução enosmostraque a soma +m n
estádefinidapara todopar Î, m n . Introduziremosa familiarnotaçãoparaos
númerosnaturaisqueconhecemosdesdenossainfância.
Note-seque,quandodefinimos,asoma +m n estádefinidaparatodopar
Î, m n .Atéestemomentonãomencionamosnenhumapropriedaderelacionadaà
comutatividadedestesobjetos,ouseja, + = +m n n m .Nasequênciacomeçaremos
acaracterizaraxiomaticamenteestapropriedade.
Definição
Indicaremospor‘1’(lê-se“um”)onúmeronaturalqueésucessorde0,ou
seja, =1 (0)s . Notamos assim que = \ + = + =1 (0) 1 0 (0) 0 (0)i
s s s . Em seguida,
Ferreira(2010,p.25)enunciaaproposição
ProPosição:
Paratodonúmeronaturalm,tem-se = +( ) 1s m m e = +( ) 1s m m .Portanto
+ = +1 1m m .
Demonstração:
Como resultado desta proposição verificaremos a comutatividade da
expressão + = +1 1m m para este caso particular. De fato, a partir de (ii)
escrevemos + = + = + = \ + =1 (0) ( 0) ( ) 1 ( )definição ii i
m m s s m s m m s m . Falta verificar
que = +( ) 1s m m .
Paratanto,Ferreira(2010,p.26)empregaaseguinteestratégia:consideremos
oconjunto = Î: { ; s(m)=1+m}A m .Claramente ¹ÆA ,pois =(0) 1definição
s .Mas
vimosque = \ = +1 (0) (0) 1 0s s ,segueque Î ¹Æ0 A .Sejaentão Îm A ,assim
escrevemos(HipótesedeIndução-HP) s(m)=1+m .Vamosmostrarque Î( )s m A .
De fato, notamos que = + = +( ( )) (1 ) 1 ( )HI ii
s s m s m s m . Isto é, Î( )s m A . Pelo
axioma3dePeano,teremos = Î: { ; s(m)=1+m}= A m .Ferreira(2010,p.26)
prossegueexplicandoquecomo era de se esperar, passaremos a adotar a notação
indo-arábica (de base dez) para os elementos de ; já temos os símbolos ‘0’ e ‘
=1 (0)s ’. Definiremos: = + =(1) 1 1 2proposição
s ; = +(2) 2 1s , = +(3) 3 1s e assim por
diante.Reparamosasdificuldadesparaverificarumapropriedadesimplescomo
= + = +( ) 1 1s m m m .Daquiemdiante,apartirdessasconsideraçõesaxiomáticas,
escrevemos: ={0, (0), ( (0)), ( ( (0))),.....} {0,1,2,....}s s s s s s .
AULA 5 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica110
Aquestãoque se coloca agora é: contém outros elementos além destes?
Se a resposta for negativa, teremos concluído que os axiomas de Peano realmente
formalizam a nossa ideia intuitiva de conjunto de números naturais? (FERREIRA,
2010,p.26).Assim,poderemosenunciaroseguinteteorema.
1 :Teorema ={0,1,2,3,....}
.
Demonstração:
SejaSoconjunto =: {0,1,2,3,....}S ,desejamosestabeleceraigualdadeacima.
Ferreira(2010,p.26)esclarecequeSfoiconstruídocomoumsubconjuntode
quecontémo‘0’,ouseja, Î0 S etambémosucessordequalquerelementonele
contido.PeloprincipiodaIndução,concluímosque =S .
Ferreira (2010, p. 27) comenta ainda que ¹0 1 , mas não sabemos ainda
comparar ‘0’ com ‘1’, isto é,não formalizamos ainda a ideia intuitiva de que ‘1’
é maior do ‘0’. Isso decorrerá a partir da definição de uma relação de ordem em
, que estabeleceremos posteriormente. Para ilustrar, Ferreira (2010, p. 27):
+ = =1 1 (1) 2proposição
s , + = =2 1 (2) 3s ,eaindatemos:
+ = + = + = + = + = = =2 2 2 (1) (2 1) (2 (0)) ( (2 0)) ( (2)) (3) 4ii ii
s s s s s s s s s .
Por fim temos + = + = + = =0 2 0 (1) (0 1) (1) 2ii
s s s . Ferreira (2010, p. 27)
destacaquealgumas propriedades da adição, que admitíamos como intuitivamente
óbvias, são demonstradas no teorema seguinte com base nos axiomas de Peano e nas
definições precedentes.
2 :Teorema Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as
afirmações:
i)Propriedadeassociativadaadição: + + = + +( ) ( )m n p m n p ;
ii)Propriedadecomutativadaadição: + = +n m m n ;
iii)Leidocancelamentodaadição + = + Þ =m p n p m n .
Demonstração:
Mostraremos inicialmente (i). Para tanto, fixando os naturais
Î, m n quaisquer, aplicaremos indução sobre ‘p’. Seja agora o conjunto
= Î Ì( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p} m nA p . De imediato, inferimos
que ¹Æ( , )m nA , visto que Î ( , )0 m nA . Com efeito, basta notar que
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111
i i
m+(n+0)=m+n=(m+n)=(m+n)+0 .Mostraremosquese Î ® Î( , ) ( , )( )m n m nk A s k A .
Defato,notamosque,admitindoahipóteseindutiva Î ( , )m nk A ,escrevemos:
+ + = + + = + + = + +
m+(n+s(k))= ( ) ( ( )) (( ) ) ( ) ( )Hipótese de induçãoii ii ii
m s n k s m n k s m n k m n s k
Segue que = Î( , ) : { tal que m+(n+p)=(m+n)+p}= m nA p . Para verificar
o item(ii), inicialmentenecessitamosverificarque + = +0 0m m , " Îm .Em
seguida,fixando Îm ,define-seoconjunto = Î: { tal que n+m=m+n}mC n .
Epor induçãodeve-seconcluirque = Î: { tal que n+m=m+n}= mC n .ALei
do cancelamento fica como exercício para você, leitor. Definiremos em seguida
propriedadesrelacionadasàmultiplicaçãodenúmerosnaturais.
Definição
Amultiplicaçãodedoisnúmerosnaturais,men,édesignadapor ×m n e
definidarecursivamentedoseguintemodo:ì × =ïïíï × + = × +ïî
0 0
( 1)
m
m n m n m.
TEOREMA
Param,nepnaturaisarbitrários,valemasproposiçõesabaixo:
i) × Îm n ,istoé,amultiplicaçãodefatoéumaoperaçãoem ;
ii)existênciadoelementoneutromultiplicativo × = × =1 1n n n ;
iii)distributividade × + = × + ×( )m n p m n m p e + × = × + ×( )m n p m p n p ;
iv)associatividade × × = × ×( ) ( )m n p m n p ;
v) × = Þ =0 0 ou n=0m n m ;
vi)comutatividade × = ×m n n m .
Demonstração:
Ferreira(2010,p.30)destacaquenovamente usa-se o Princípio da Indução
para demonstrar todos os seis itens.Note-sequea importânciado item (i) éque
definimosuma‘nova’operaçãocomdoisnúmerosnaturais Î e m n ,denotada
por ×m n eprecisamosgarantirque,quandoaplicadatal‘operação’,continuamos
aindacomumnúmeronatural.Éoquequerdizeraimplicação × Îm n .
Faremosagoraoitem(ii),notandoinicialmenteque × =1n n .Defato,temos
× = × + = × + = + =1 (0 1) 0 0ii i
n n n n n n ,usandoadefiniçãodemultiplicação.Agora,
por indução, veremos que × =1 n n . De fato, já temos, por definição, × =1 0 0
e, pela hipótese indutiva, escrevemos × =1 n n . Na sequência investigamos a
AULA 5 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica112
expressão × + = × + = +1 ( 1) 1 1 1Hipótese
n n n . Segue o resultado. Para verificar (iii),
Ferreira (2010,p. 30) considera Î. m n arbitrários e, em seguida,usa indução
sobre ‘p’. Seja então , ( )m nP p a afirmação caracterizada pela propriedade que
tencionamosverificar,ouseja, × + = × + ×( )m n p m n m p .Observamosque , (0)m nP
é verdade, pois × + = ×( 0)m n m n e × + × = × + = ×0 0definição
m n m m n m n . Logo,
× + = × + ×( 0) 0m n m n m . Verificaremos por indução que, se , ( )m nP p é verdade,
entãovale +, ( 1)m nP p .Comefeito,observamosque
m n p m n p m n p m m n m pdefini o hipotese
⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + + = ⋅ + ⋅( [ ]) (( ) ) ( )1 1çã
++ ⋅ == ⋅ + ⋅ + ⋅ == ⋅ + ⋅ + = ⋅ + ⋅ +
m
m n m p m
m n m p m m n m p
1
1
1
( )
( ) ( ).
Apósdesenvolvertodasestasessaspropriedadesdopontodevistaaxiomático,
Ferreira(2010,p.31)destacaquea relação de ordem em nos permitirá comparar
os números naturais, formalizando a ideia intuitiva de que ‘0’ é menor do que ‘1’, que
é menor do que ‘2’, e assim por diante.
Definição
UmarelaçãobináriaRemumconjuntonãovazioAdiz-seumarelação de
ordem emAquandosatisfizerascondições,paraquaisquer Î, ,x y z A ,
Re1:reflexividade xRx ;
Re2:antissimetriase xRy e yRx ,então =x y ;
Re3:transitividadese xRy e yRz ,então xRz .
Um conjunto não vazio A, munido desta relação de ordem, diz-se um
conjunto ordenado.Nasequência,definiremosumarelaçãodeordemem através
daoperaçãodaadição,tornando-o,portanto,umconjunto ordenado.
Definição
Dados Î, m n ,dizemosque mRn seexistir Îp talque = +n m p .
exercício:
Mostrequeéumarelaçãodeordemem .
Definição
Para Î, m n ,se mRn ,ondeRéarelaçãodadefiniçãoanterior,dizemos
quemémenordoqueouigualanepassaremosaescreverosímbolo£ nolugar
deR;assim, £m n significará mRn .
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113
Ferreira (2010, p. 32) destaca que a expressão “m é menor ou igual a n”,
embora gramaticalmente incorreta, é de uso corrente desde o Ensino Fundamental.
Maisadiante,Ferreira(2010)estabeleceasnotações:
1)Se £m n ,mas ¹m n ,escrevemos <m n edizemosquemémenordo
quen;
2)Escrevemos ³n m comoalternativaa £m n .Leremosnémaiordoque
ouigualan;
3)Escrevemos >n m comoalternativaa <m n .Leremosnémaiordoque
m.
TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)
Paraquaisquer Î, m n ,temosumaeapenasumadasseguintesrelações:
a) <m n b) =m n c) >m n
Demonstração:
Deixamosparavocê,aluno,fazer...
Ferreira(2010,p.34)comentaque
aleitricotomiaequivaleadizerque,dados Î, m n ,tem-se,necessariamente
que £m n ou ³m n ,istoé,doisnaturaisquaisquersãosemprecomparáveis
pela relação de ordem acima definida. Por isso, uma relação de ordem que
satisfazàleidatricotomiaéchamadaderelaçãodeordemtotal.
Apartirdestarelação,enunciamososseguintesteoremas.
Demonstração:
Deixamosparavocê,aluno,fazer..
teorema
(Leidocancelamentodamultiplicação)Sejam Î, , a b c ,com ¹ 0c ,taisque
=ac bc ,então =a b .
Demonstração:
Deixamosparavocê,aluno.
AULA 5 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica114
TEOREMA
Sejam Î, a b .Então <a b se,esomentese, + £1a b .
Demonstração:
Deixamosparavocê,aluno.
Paraconcluirestaparteinicialrelativaàimportanteconstruçãoaxiomática
dosnúmerosnaturais,apresentamosumteoremaquereflete um fato intuitivo claro
desde o Ensino Fundamental: o de que todo subconjunto não vazio de números naturais
possui um menor elemento (FERREIRA,2010,p.36).
Observamosquetalpropriedadenãoéverificadanoconjuntodosnúmeros
racionais. Por exemplo, se consideramos o subconjunto dos números racionais
positivos, ele possui um menor elemento(Porquê?)(FERREIRA,2010,p.36).Jáno
conjuntodosnúmerosinteiros,sópossuemelementomínimoossubconjuntosque
sãolimitadosinferiormente.
Formalmente, dizemos que um elemento a de um conjunto ordenado A é
ummenor elementodeA,se £a x ,paratodo Îx A .Searelaçãodeordemétotal
emA, tem-seummenorelemento,quandoexiste,éúnico, tambémchamadode
elemento mínimodeA.Elesedenotapor min( )A .Demodosimilar,define-semaior
elementoouelemento máximodeumconjuntoA,denotadopor max( )A .
TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO – PBO)
Todosubconjuntonãovaziodenúmerosnaturaispossuiummenorelemento.
Demonstração:
Deixamosparavocê,aluno.
Concluímos este tópico destacando a importância, para o professor de
Matemática,decompreenderedominaraaxiomáticaformalsubjacenteàconstrução
dos números naturais e, principalmente, de saber responder o questionamento
referenteaoqueéumnúmeronatural.Prosseguimoscomaconstruçãodosnúmeros
inteiros.
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115
No tópico anterior, falamos dos números naturais. Neste
tópico prosseguimos a construção Ì . Sabemos que os
números inteiros necessitaram de um tempo maior para serem
completamente compreendidos, principalmente pelo fato de determinadas
intuiçõesequivocadas,construídasemanosiniciaisdaformaçãoescolar,precisarem
seresclarecidas.Nessesentido,destacamosque,noiniciodocapítuloreferenteà
construçãoaxiomáticadosnúmerosinteiros,Ferreira(2010,p.41)explicaque:
Em estão definidas duas operações que denominamos de adição e
multiplicação.NoEnsinoFundamental,osnúmerosinteirosnegativosesuas
propriedades são introduzidos para dar significado a certas subtrações, do
tipo: 3 5 8 13- -, , etc .Umavezintroduzidostaisnúmeros,são“definidas”
asdemaisoperaçõescomeles, como: - - - × - ¸ - - 23 ( 5),( 8) ( 3),8 ( 4),( 3) ,
etc.Asaspasdevem-seaofatodequetais“definições”sãodadasdemodo
ingênuo,nãorigoroso,numatentativadeestenderasoperaçõesaritméticase
suaspropriedadesnoconjunto paraoconjunto .Eéissomesmooque
estáacessívelaoestudantedoEnsinoFundamental(emboramaisseesperede
seuprofessordematemática,paraquemestelivrofoiescrito).
Ferreira (2010, p. 41) discute ainda que foi dessa forma empírica que os
números inteiros negativos foram descobertos e aplicados na expressão matemática
de certas situações e na resolução de problemas.Todavia,dopontodevistadorigor
matemático,apenas admitir a existência de números inteiros negativos e incorporá-
los ao conjunto não é adequado.Alémdisso,temosem asoperaçõesdeadição
TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIObjetivO
• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmerosinteiros
AULA 5 TÓPICO 2
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica116
emultiplicação.Asubtração,comoentendemosnamatemáticaelementar,nãoé,a
rigor,umaoperaçãoem ,conformediscutiremosmaisadiante,emumexercício.
Por essas razões, não seguiremos a linha adotada no Ensino Fundamental. O que
faremos é construir esses números negativos a partir da estrutura aritmética que
temos em , através das noções básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de
equivalência(FERREIRA,2010,p.42).
A estratégia de Ferreira (2010) constitui-se em definir uma relação de
equivalêncianoconjunto x .Assim,oautorconcluiráqueum número inteiro
será então definido como uma classe de equivalência dada por essa relação. O conjunto
dos números inteiros será, portanto, o conjunto dessas classes de equivalência(p.
42).
Lembramosqueumarelação de equivalência sobre um conjuntonãovazioX,
segundoAragona(2010,p.9),éumarelação(binária)entreoselementosdeX,que
podemosindicar,porexemplo,por‘~ ’,quetemastrêspropriedadesseguintes:
Re1) ~x x , " Îx X (reflexiva);
Re2)Se Îx X , Îy X e ~x y então ~y x (simétrica).
Re3)Se Îx X , Îy X , Îz X e ~x y , ~y z então ~x z (transitiva).
Mais adiante, Ferreira (2010) explica que sua estratégia será definir duas
operações aritméticas em e mostrar que contém uma cópia algébrica do
conjunto ,numsentidoqueprecisaremosnasequência.Porfim,oautordeclara
quea operação de subtração em que, restrita a elementos da cópia de em ,
trará significado às operações do tipo -3 5 eàsdemaisoperações.
TEOREMA
Arelação‘~ ’em x definidapor ( ) ( ), ~ ,a b c d quando + = +a d b c é
deequivalência.
Demonstração:
Vejamoscadaumdositensqueexigemverificarparaquedefatotenhamos
umarelaçãodeequivalência,entretanto,antesdedesenvolvermosademonstração
formal,valedestacarocomentáriodeFerreira(2010,p.43):
[...] se admitirmos por um momento a nossa noção intuitiva de números
inteiros e de subtração, notamos que + = + Û - = -a d b c a b c d ,
isto é, dois pares ordenados são equivalentes segundo a definição acima,
quandoadiferençaentresuascoordenadas,namesmaordem,coincidem.[...]
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117
ÉestaaformaqueosmatemáticosdofinaldoséculoXIXencontrarampara
iniciaraconstruçãodoconjunto semmencionarsubtração,mastrazendo
na sua essência o germe dessa operação, tendo como ponto de partida o
conjunto esuasoperações,asnoçõesdeprodutocartesianoederelaçãode
equivalência[...].
Após estas explicações filosóficas, para verificar a reflexividade,
observamos que ( ) ( ), ~ ,a b a b , pois temos sempre + = +a b b a , como
propriedade herdada desde o conjunto
. Para verificar a simetria descrita
por ( ) ( ), ~ ,a b c d , basta recorrer mais uma vez à comutatividade em , isto é,
( ) ( ) ( ) ( )Û + = + Û + = + Û
, ~ , , ~ ,Em
a b c d a d b c c b d a c d a b . Para verificar
a transitividade, podemos inferir que, se ( ) ( ), ~ ,a b c d e ( ) ( ), ~ ,c d e f , então
( ) ( ), ~ ,a b e f .Masestademonstraçãodeixamoscomotarefaparavocê,aluno.
Denotaremospor( ),a b aclasse de equivalênciadoparordenado( ),a b pela
relação ‘~ ’, isto é, ( ) ( ) ( )= Î, : {( , ) tal que x,y ~ , } a b x y x a b . Por exemplo,
podemosobservaroselementospertencentesàsseguintesclasses:
i)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=3,0 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} ;
ii)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=0,3 { 0,3 , 1,4 , 2,5 , 3,6 ,.......,....} ;
iii)( ) ( ) ( ) ( ) ( )=5,2 { 3,0 , 4,1 , 5,2 , 6,3 ,.......,....} .
Notamosque( ) ( )=3,0 5,2 queéconsequênciadeumteoremaquepodeser
facilmentedemonstrado(verexercíciosnofinaldestaaula).Apróximadefiniçãoé
crucialparanossaconstrução.
Definição
O conjunto quociente~ x ou ~
x é constituído pelas classes de
equivalências ( ),a b , sedenotapor , e seráchamadodeconjunto dos números
inteiros.Assim,estabelecemos ( ) ( )æ ö÷ç= = Î÷ç ÷çè ø
{ , tal que a,b }~
xa b x .
A partir desta definição, descreveremos o modo de operar os elementos
destenovoconjunto.Assim,poderemosfalardanoçãodeadiçãoesubtraçãoem
.Temosagora ( ) ( ), ~ ,a b x y queequivalea ( ) ( )=, ,a b x y ,expressapelofatode
que + = + « - = -( )a y b x a b x y .Vamosutilizar esta observação como ponto de
partida para buscar uma definição rigorosa de adição de inteiros(FERREIRA,2010,
p.44).
Veremos então o que deveria ser ( ) ( )+, ,a b c d . Neste sentido,
Ferreira (2010, p.44) argumenta que se ( ),a b expressa, em essência, a
“diferença” -( )a b , e ( ),c d expressa -( )c d , a matemática elementar nos dá
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica118
- + - = - + - = + - - = + - +( ) ( ) ( ) ( )associatividade
a b c d a b c d a c b d a c b d . E esta
última expressão se traduz, no nosso contexto, como a classe ( )+ +,a c b d .
Passando a limpo, obtemos a definição formal de adição de inteiros, sem mencionar
subtrações de naturais nem elementos da matemática elementar (FERREIRA,2010,
p.45).
Definição
Dados ( ) ( ), e ,a b c d emæ ö÷ç= ÷ç ÷çè ø~
x ,definiremosasomadedoiselementos
( ) ( ) ( )= + +, + , : ,
a b c d a c b d .
Ao definirmos objetos que envolvem classes de equivalências, é necessário
verificarmos que tais definições não dependem de como os representamos em
classes (FERREIRA, 2010, p. 45). Nesse sentido, Ferreira (2010, p. 45) observa
que, pela definição, teríamos ( ) ( ) ( )=3,5 + 4,1 7,6 . No entanto, temos também
( ) ( ) ( ) ( )= =2,4 3,5 e 3,0 4,1 , logo deveríamos ter ( ) ( )+2,4 3,0 também igual
a ( )7,6 . E pela definição dada, ( ) ( ) ( )+ =2,4 3,0 5,4 , felizmente, é igual a ( )7,6 .
Mostraremos agora que isso vale, em geral, isto é, a definição dada não depende dos
representantes das classes de equivalências envolvidas.Nestecaso,dizemosquea
adiçãodenúmerosinteirosestábemdefinida.
TEOREMA
Se ( ) ( )=, ', 'a b a b e ( ) ( )=, ', 'c d c d , então ( ) ( ) ( ) ( )+ = +, , ', ' ', 'a b c d a b c d ,
istoé,aadiçãodenúmerosinteiros+
estábemdefinida.
Demonstração:
Sabemos pelo teorema anterior que, se ( ) ( )=, ', 'a b a b , então
( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'a b a b a b b a . Por outro lado, temos ( ) ( )=, ', 'c d c d , então,
( ) ( )Û + = +, ~ ', ' ' 'c d c d c d d c . Logo, temos: ( ) ( ) ( )= + +, + , : ,
a b c d a c b d
e ( ) ( ) ( )= + +', ' + ', ' : ' ', ' '
a b c d a c b d . Ferreira (2010, p. 46) verifica que
os dois segundos membros coincidem. Mas isto equivale a verificar que
( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +' ' ' 'a c b d b d a c .Orestodeixaremosaseucargo,aluno.
TEOREMA
A operação de adição em é associativa, comutativa, tem ( )0,0 como
elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em . Além disso, vale a
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119
propriedadedoelementooposto(ousimétrico,ouinversoaditivo):dado( )Î, a b ,
existe um único ( )Î, c d tal que ( ) ( ) ( )+ = Î, , 0,0 a b c d . Este ( )Î, c d é o
elemento( )Î, b a .
Demonstração:
Deixamosaseucargo,aluno.
Definição
Dados( )Î, a b e( )Î, c d ,definimosoproduto( ) ( )×, ,
a b c d comosendo
ointeiro( )+ +,ac db ad bc .
TEOREMA
A multiplicação em está bem definida, isto é, se ( ) ( )=, ', 'a b a b e
( ) ( )=, ', 'c d c d ,então( ) ( ) ( ) ( )× = ×, , ', ' ', '
a b c d a b c d .
TEOREMA
Amultiplicaçãoem écomutativa,associativa,tem ( )1,0 comoelemento
neutrodamultiplicaçãoeédistributivaemrelaçãoàadição.Alémdisso,valea
propriedadedocancelamentomultiplicativo,istoé,se Î, , a b g ,com ( )¹ 0,0g ,
entãose = ® =ag bg a b .
Demonstração:
Deixamosparavocê,leitor.
Ferreira(2010,p.50)explicaquecomo em , vamos comparar os elementos
de através de uma relação de ordem. Com motivações análogas àquelas que
precederam as definições de adição e de multiplicação, temos a seguinte definição:
Definição
Dadososinteiros ( )Î, a b e ( )Î, c d ,escrevemos ( ) ( )£, ,a b c d ,quando
+ £ +a d b c . Os símbolos ³ <, e < definem-se de forma análoga à que fizemos
para a relação de ordem em (FERREIRA,2010,p.50).
Comonoscasosdaadiçãoemultiplicação,verifica-sequearelaçãodeordem
definidaporFerreira(2010)estábemdefinida.Os símbolos de desigualdade utilizados
para a relação de ordem em
são os mesmos que utilizamos para a relação de ordem
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica120
em
, mas o contexto deixará claro que ordem está sendo considerada (FERREIRA,
2010,p.50).
TEOREMA
A relação £ definida acima é uma relação de ordem em
, ou seja, é
reflexiva,antissimétricaetransitiva.Alémdisso,essarelaçãoécompatívelcomas
operaçõesem ,istoé,paraquaisquer Î, , a b g ,vale:
a) £ Þ + £ +a b a g b g ;
b)se ( )£ ¹ Þ £ e 0,0a b g ag bg ;
c) (Lei da tricotomia): apenas uma das situações seguintes ocorre:
( ) ( ) ( )= > <0,0 ou 0,0 ou 0,0a a a .
Demonstração:
Deixamosaseucargo,leitor.
Definição
Dado( )Î, a b ,dizemosque:
i) ( ),a b épositivoquando ( ) ( )>, 0,0a b ; ii) ( ),a b énãonegativoquando
( ) ( )³, 0,0a b ;iii)( ),a b énegativoquando( ) ( )<, 0,0a b ;iv)( ),a b énãopositivo
quando( ) ( )£, 0,0a b .
Ferreira (2010, p. 52) observa que ( ) ( )³ Û + ³ + \ ³, 0,0 0 0a b a b a b .
Analogamente, se ( ) ( )> Û + > + \ >, 0,0 0 0a b a b a b . Ademais, se
( ) ( )£ Û £, 0,0a b a b .Essaobservaçãoestádeacordocomaideiadequeaclasse
deequivalência ( )Î, a b representaa“diferença -a b ”.Tornaremosessaideia
precisamaisadiante,aofinaldasobservaçõesapósopróximoteorema.
Observamos ainda que se ( )Î, a b é positivo, como vimos que >a b ,
entãoexiste Î *m talque = +a b m .Estaigualdadeequivalea ( ) ( )=, ,0a b m .
Analogamente,se( )Î, a b énegativo,entãoexiste Î *m talque( ) ( )=, 0,a b m .
EssasobservaçõeslevantadasporFerreira(2010,p.52)eoprincípiodaTricotomia
nosdizemque: ( ) ( ) ( )= Î È È Î* *{ 0, tal que m } { 0,0 } { ,0 tal que m } m m sendo
umauniãodisjunta.Apartirdestaconstatação,utilizaremosasseguintesnotações:
( )- = Î* *: { 0, tal que m } m , ( )+ = Î* *{ ,0 tal que m } m , ( )+ += È* { 0,0 }
,
( )- -= È* { 0,0 }
.Note-se ainda que o conjunto dos números inteiros não negativos,
+ , está em bijeção com . Esta bijeção é bastante especial porque mostra que +
é uma “cópia algébrica” de , no sentido dado pelo teorema seguinte (FERREIRA,
2010,51).
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121
TEOREMA
Seja ®: f dada por =( ) ( ,0)f m m . Então, f é injetora e valem as
propriedades:
i) + = +( ) ( ) ( )f m n f m f n ;
ii) =( ) ( ) ( )f mn f m f n ;
iii)Se £m n então £( ) ( )f m f n .
Demonstração:
Deixamosaseucargo,aluno.
Ferreira (2010, p. 53) comenta ainda que o conjunto +=( ) f tem, pelo
teorema acima, a mesma estrutura algébrica que .Porexemplo, + =3 5 8 em ,
corresponde,via f ,a( ) ( ) ( )+ =3,0 5,0 8,0
.Domesmomodo, × =3 5 15 sepreserva,
via f ,como( ) ( ) ( )× =3,0 5,0 15,0
.Finalmente,arelação £3 5 sepreserva,via f ,
como ( ) ( )£3,0 5,0
,o que confirma nosso comentário do início desta seção de que a
ordem em é uma extensão da ordem de (FERREIRA,2010,p.53).
Assim, do ponto de vista das operações aritméticas e da ordenação, + é
indistinguível de . Embora, no nosso contexto, não seja um subconjunto de ,
sua cópia algébrica + o é(FERREIRA,2010,p.53).Nasequencia,notamosque
®: f acima chama-se uma imersão de em . Esta imersão mostra que
é infinito. Obtemos, então, sob a identificação de com + , via f , que:
= - Î È È = - - -* *{ tal que m } {0} {...,..., ,.... 2, 1,0,1,2,...., ,....} m m m como
noEnsinoFundamental.
Em seguida, Ferreira (2010. p. 54) mostra que, à semelhança de , o
conjunto ébemordenado.
Definição
Seja X um subconjunto não vazio de
. Dizemos que X é limitado
inferiormente se existe Îa , tal que £ xa , para todo Îx X . Um tal a se
chamacota inferiordeX.Analogamente,definimos subconjuntode limitado
superiormenteecota superior dele.
TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO PARA )
Seja ÌX não vazio e limitado inferiormente. Então X possui elemento
mínimo.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica122
Demonstração:
Seja uma cota inferior de X , isto é, £ Û - ³ 0x xa a , " Îx X .
Consideremos o conjunto = - Î' { | x X}X x a . Claramente, vemos que
= - Î Ì' { | x X} X x (identificadocom + )e,peloPrincípiodaBoaOrdenação
em
, o conjunto 'X possui elemento mínimo, digamos 'm . Assim, Î' 'm X e
£'m y ,paratodo Î 'y X .Afirmamosque = +'m m a éumelementomínimodo
conjunto X .
Primeiramente,Ferreira(2010,p.55)explicaque Îm X ,pois = - Î' 'm m Xa .
Emsegundolugar, £m x , " Îx X ,umavezqueissoequivalea - £ -m xa a ,
paratodo Îx X ,ouseja, £'m y , " Îy X ,queéverdadepeladefiniçãode 'm .
Logo,méoelementomínimodeX.
Emseguida,Ferreira(2010,p.55)enunciaoseguintecorolário.
corolário
Seja Îx talque < £0 1x ,então =1x .
Demonstração:
Usecomosugestãooconjunto = Î £{ | 0<y 1}A y .UseoPBOparamostrar
queesteconjuntopossuielementomínimo.Concluaque = Î £{ | 0<y 1}={1}A y .
corolário
Sejam Î, n x ,taisque < £ +1n x n ,então = +1x n .
Demonstração:
Deixaremosparavocê,aluno.
Definição
Seja Îx ,definimosovalorabsolutodes,denotandoporì ³ïï=íï-ïî
se x 0
x se x<0
xx .
Definição
Umelemento Îx diz-seinversívelseexiste Îy talque =1xy .
ProPosição:
Osúnicoselementosinversíveisem são1e-1 .
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123
Demonstração:
Seja então Î *x um elemento inversível, tal que =1xy . Segue que,
a partir da propriedade de módulo = =1 1 xy , e como ³ 0x , ³ 0y ,
temos = = \ > >1 0 e y 0xy x y x . Assim, podemos concluir que
³ ³1 e y 1x , multiplicando a última desigualdade por x . Segue que
³ Þ = × ³ × ³ × = \ ³ ³ Û = -y 1 1 y 1 1 1 1 1 1 1 ou x= 1x x x x .
exercício:
Mostrequeì -ïï=íï- £ïî
2 1 se n>0( )
2 se n 0
nf n
n éumabijeçãode ®: f .
Paraconcluirestaseção,valedestacarasconsideraçõesdeFerreira(2010,p.
57)aomencionarqueCantorrompeuoparadigmagregodeque“otodoésempre
maiordoquesuaspartespróprias”,comovimostambémnaaulaanterior.Cantor
caracterizouconjuntos infinitos que podem ser colocados em bijeção com uma parte
própria sua(FERREIRA,2010,p.58).
Nestaaulaprocedemoscomaconstruçãoaxiomáticadosnúmeros inteiros.
Na aula seguinte. abordaremos a construção dos números racionais, denotados
por
,aodiscutiras inclusões Ì Ì .Osnúmerosque,nosensocomum,
sãointerpretadoscomo“pedaçosdepizza”ou“partesdeumbolo”nocontexto
escolar,evidenciamumaacepçãosuperficialquenãopodesersuficienteparaum
futuroprofessordeMatemática.
AULA 5 TÓPICO 2
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124 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 3 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO
• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros
racionais
Parece-nos temerário para o futuro professor de Matemática saber
exemplificar os números racionais somente por meio de exemplos
concretos como “pedaços de pizza” ou “pedaços de bolo”.
Assumimos que o professor deve conhecer bem mais do que o estudante e ter
condiçõesdeinterpretarateoriaformalsubjacenteacadasituaçãodeensino.Com
relaçãoaumfatosemelhante,destacamosque,noiníciodaconstruçãodoconjunto
dosnúmerosracionais,Ferreira(2010,p.61)comentaque:
No Ensino Fundamental, aprendemos que um número racional é a “razão”
entedoisnúmerosinteiros.Assim,porexemplo,onúmero 35
éa“razão”entre
3e5.Otermo“razão”naquelecontextosignifica“divisão”.Dessaforma,35
éomesmoque 3 : 5 ,quetemomesmoresultadodadivisão 6 :10 ,oqualse
escrevecomo 0,6 .Nonossocontexto,ostermos“razão”,“divisão”emesmo
“fração”devemserdefinidoscombasenoquejátemos,istoé,oconjuntodos
númerosinteirosesuaspropriedadesalgébricas.
Ferreira (2010, p. 61) observa ainda que em estão definidas apenas as
operações de adição, de multiplicação e a subtração, que é um caso particular da
adição: -a b ,queépordefinição + -( )a b ,onde-b éosimétricodeb.Ferreira
(2010,p.61)explicaaindaque:
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125
Poderíamostentardefiniradivisãodemodoanálogoàdefiniçãodesubtração,
ou seja, -= × 1:a b a b ,onde -1b éo inversomultiplicativodeb, istoé,o
númeroquemultiplicadoporbresultanoneutromultiplicativo1(domesmo
queosimétricodebéonúmero-b ,quesomandoabresultaoneutroaditivo
0).Oproblemaéqueosúnicoselementosinversíveisde sãoo1eo-1 [...]
logonãofazsentidoadefiniçãodedivisãoacima,dentrodospropósitosde
umadefiniçãorigorosadenúmeroracional.
Ferreira (2010, p. 62) destaca ainda que, para se chegar a uma definição
adequada,novamentetrabalha-secomoconceitoderelaçãodeequivalência,do
mesmo modo que empregamos para definir um número inteiro a partir do conceito de
número natural.
Consideremosoconjunto = Î Î* *: {( , ) tal que a e b } x a b .Definimos
nelearelação( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc .Emseguidatemososeguinteteorema.
TEOREMA
Arelação( ) ( )Û =, ~ ,a b c d ad bc édeequivalência.
Demonstração:Ferreira(2010,p.62)dizqueaprovadeque~ temaspropriedadesreflexiva
esimétricaficacomoexercício.Quantoàpropriedadetransitiva,se ( ) ( ), ~ ,a b c d
e ( ) ( ), ~ ,c d e f , entãoqueremosmostrarque ( ) ( ), ~ ,a b e f , isto é, se =ad bc e
=cf de ,então =af be .Multiplicandoambososmembrosdaprimeiraigualdade
por‘f’edasegundaigualdadepor‘b’,obtemos =adf bcf e =bcf bde ,ondesegue
que =adf bde ,cancelando ¹ 0d ,obtemosoquequeríamos.É por causa deste
último detalhe da demonstração que partimos de * x e não de x (FERREIRA,
2010,p.62).
Definição
Dado Î *( , ) a b x , denotamos por a
b(que se lê “a sobre b”)
a classe de equivalência do par ( , )a b pela relação ~ acima. Assim,
= Î *{( , ) se (x,y)~(a,b)}
ax y x
b.
TEOREMA (PROPRIEDADE FUNDAMENTAL DAS FRAÇÕES)
Se ( , )a b e ( , )c d sãoelementosde * x ,então = Û =
a cad bc
b d.
Demonstração:Deixaremosaseucargo,leitor.
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica126
Temos agora um significado preciso para o símbolo de fração a
b. Trata-se de
uma classe de equivalência com respeito à relação de equivalência que acabamos de
introduzir(FERREIRA,2010,p.63).
Definição
Denotamos por , e denominamos conjunto dos números racionais,
o conjunto quociente de * x pela relação de equivalência ~ , isto é,
= = Î Î*
*( ) { tal que a e b }~
axb
como no Ensino Fundamental
(FERREIRA,2010,p.63).Apartirdeagora,podemosdefiniralgumasoperações
nesteconjunto,dotando-o,portanto,deumaestrutura algébricaqueestudaremos
posteriormente.NoEnsinoFundamental,aprendemosque Ì .É claro que do
nosso ponto de vista atual isso não faz sentido, pois os elementos de são classes
de equivalência de pares inteiros, logo de natureza diferente da dos números inteiros
(FERREIRA,2010,p.64).
Ferreira(2010,p.64)destacaaindaque:
No entanto, veremos que existe uma aplicação injetora de em que
“preserva”asoperaçõesaritméticase,dessaforma,permitequeaimagemde
em poressaaplicaçãosejaumacópiaalgébricade em
.Assim,do
pontodevistadaálgebra,poderemosconsiderar comoumsubconjuntode
.Noteaanalogiacomaimersãode em .
Definição
Sejam a
b e c
d números racionais, isto é, elementos de . Definimos as
operações chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: (*)+
+ =
a c ad bc
b d bde(**) +
=
a c ad bc
b d bd.
TEOREMA
Asoperações+
e ×
estãobemdefinidas.
Demonstração:Deixaremosparavocê,leitor.
TEOREMA
Oconjunto
,munidodasoperaçõesacima,temaspropriedadesalgébricas
de ,ondeoelementoneutroaditivoé 01
eoneutromultiplicativoé 11
.Além
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127
disso,dado ¹ Î01
a
b,existe Î
c
dtalque =
11
a c
b d,istoé,todoelementonão
nulode teminversomultiplicativo.
Demonstração:Deixaremosparavocê,leitor.
Demodosemelhanteaoquefeznoconjuntodosnúmerosinteiros,Ferreira
(2010,p.67)defineaseguinterelaçãodeordemem .
Definição
Sejam a
be c
dnúmerosracionais,com >, 0b d .Escrevemos £
a c
b d,quando
£ad bc edizemosquea
bémenordoqueouiguala c
d.
TEOREMA
Arelação£ ,introduzidaacima,estábemdefinidaeéumarelaçãodeordem
em
.
Demonstração:Deixaremosparavocê,aluno.
TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)
Dados Î, r s ,um,eapenasuma,dassituaçõesseguintesocorre:ou =r s ,
ou <r s ou <s r .
Demonstração:Escrevendo = = Î e
a cr s
b d, com >, 0b d ,vamos compararos inteiros
ad e bc .PelaLeidaTricotomiaem ,ou =ad bc ,emcujocasoocorre =r s ,ou
<ad bc ,emcujocasoocorre <r s ,ou >ad bc ,emcujocasoocorre <s r .Além
disso,avalidadedeumadasafirmaçõesexcluiavalidadedasoutras.
Emseguida,Ferreira(2010,p.68)defineafunção ®: i por =( )1n
i n ,
paratodo În .Estaéafunçãodequefalamosanteriormente,que“imerge”
em
.Assim,podemosenunciaroseguinteteorema.
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TEOREMA
Afunção ®: i ,acimadefinida,éinjetora.Alémdisso,elapreservaas
operaçõesearelaçãodeordemde em
noseguintesentido:
1. + = +( ) ( ) ( )i m n i m i n
2. × = ×( ) ( ) ( )
i m n i m i n
3.se £m n ,então £( ) ( )
i m i n .
Demonstração:No item (i) temos que se = Û = Û × = × Û =( ) ( ) 1 1
1 1
m ni m i n n m n m (1-
1). Mostremos que ®: i preserva a estrutura algébrica de
. Do seguinte
modo × + × ++ = + = = = +
×1 1
( ) ( ) ( )1 1 1 1 1
definição definição definiçãon m n m n mi n i m i m n . De modo
semelhante,verificamosasoutrascondições.
Assim,oconjunto = Î( ) { tal que n }1
ni éumacópiaalgébricade
em
,nosentidode ® Ì: ( ) i i .Essaimersãode em
tambémmostraque
é infinito, já que contém uma cópia de que é infinito e enumerável.
Antesdedemonstramosos teoremasmais importantesqueencerramesta seção,
enunciamosolema.
exercício:Sejam X um subconjunto de um universo U e Î Ì{ }
n nA U
uma família de subconjuntos de U. Mostre que( ) ( )Î Î=Ç\ \
n n n nX U A X A e ( ) ( )Î ÎÇ =È\ \ n n n nX A X A , lembrando
queÎ = Î Î În{ tal que x A , para algum n }
n nU A x U e
ÎÇ = Î Î " În{ tal que x A , n }
n nA x U .
1 :Lema Todosubconjuntoinfinitode éenumerável.
Demonstração:SejaXumsubconjuntoinfinitode e 0x seumenorelemento,queexiste
devidoaoPrincipiodaBoaOrdem.ComoXéinfinito,oconjunto = - ¹Æ0 0{ }Y X x .
Sejaagora 1x omenorelementode 0Y .Demodoindutivo,obteremospormeiodeste
raciocíniooselementos 0 1 2 3, , , ,....., nx x x x x .Emseguida,obtemosoelemento +1nx
comoomenorelementode = - ¹Æ0 1 2 3{ , , , ,......, }n nY X x x x x x ,para todo În .
Casocontrário,oconjuntoXseriafinito.Afirmamosagoraque:
= Î= = È È È =È0 1 2 3 0 0 1 0 1 2{ , , , ,......, ,.....,....} { } { , } { , , } .....n n nX x x x x x x x x x x x A
onde = 0 1 2 3{ , , , ,......, }n nA x x x x x . De fato, pelo exercício anterior, podemos
escrever que ( ) ( ) ( )Î Î Î=Ç =Ç\ \ n n n n n nX U A X A Y . Assim, se existisse mais
algum ( )ÎÎ -n nx X U A ,talque ( )ÎÎ Ç[ ]
n nx Y ,ecomotal,deveriasermaiordo
que 0x ,commesmarazão,devesermaiordoque 1x ,porestarem 1Y ,e,assim,
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129
sucessivamente. Deste modo, x deveria ser maior do que nx , para todo În
. Nesse sentido, o conjunto infinito = Ì0 1 2 3{ , , , ,......, ,.....,....}n xX x x x x x I , onde
={1,2,3,......, }xI x eseria,portanto,finito,umacontradição.
No que segue, Ferreira (2010, p. 70) aplica o Teorema Fundamental da
Aritmética.Seuenunciadointuitivo,segundoFerreira,podeserdescritopor:todo
número natural maior do que 1 pode ser expresso como produto de números primos.
Além disso, essa fatoração é única, a menor da ordem dos fatores.
2 :Lema Todonúmeroracionalpositivo a
b,( >, 0a b ),podeserescrito,de
modoúnico,comouma fração irredutível, istoé,na forma m
n,ondemensão
relativamenteprimosentresi,istoé,nãopossuemfatoresprimosemcomum.
Demonstração:Deixaremoscomotarefaparavocê,leitor.
ProPosição:
+*
éenumerável.
Demonstração:Consideremososnúmerosracionaisescritosnaformairredutível,dadapelo
lemaanterior.Seja + ®*: f dadaporæ ö÷ç = ×÷ç ÷çè ø
2 3m nmf
n.OteoremaFundamental
daAritméticaeaunicidadedarepresentaçãodefraçõesnaformairredutível,dada
pelaproposiçãoacima,mostramque f é1-1etemcomoimagemumsubconjunto
infinitode ,queé,enumerável.
TEOREMA
éenumerável.
Demonstração:Bastaescrever - += È È* *{0} .
Para concluir com algumas propriedades a mais do conjunto
, sublinhamos
que este conjunto está munido das duas operações, adição e multiplicação, estudadas
acima (FERREIRA, 2010, p. 72). Pode-se definir a partir destas operações, mais
duasasubtraçãoeadivisão,simbolizadaspor“-”e“¸ ”,respectivamente,da
seguinte forma: se Î, r s , define-se - = + -( )r s r s como em
e, se ¹ 0s ,-¸ = × 1r s r s . Ferreira (2010,p.72)destacaque, estritamente falando, a divisão
não seria em
, uma vez que seu domínio não é x e sim *
x .Porfim,Ferreira
(2010,p.73)sugereointeressanteexercício.
AULA 5 TÓPICO 3
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica130
exercício:Mostreque
nãoébemordenado,istoé,existemem
subconjuntosnão
vazios,limitadosinferiormentequenãopossuemelementomínimo.
Apesar de não ser bem ordenado como e
,
possui todas as
propriedades aritméticasde , alémdapropriedadedeque todoelementonão
nulopossuiinverso.Nalinguagemalgébrica,qualquerconjuntomunidodeduas
operações, + e × , com propriedades aritméticas análogas às de
chama-se de
corpo.Se,alémdisso,umcorpoestivermunidodeumarelaçãodeordemcompatível
comsuasoperaçõesaritméticas,eleéchamadodecorpo ordenado. Assim, é um
exemplo de corpo ordenado(FERREIRA,2010,p.73).
Na próxima aula, estudaremos a construção axiomática dos números reais.
Se,atéestemomento,oleitornãocaptoua“essência”detudooqueestásendo
estabelecido, ou melhor dizendo, não compreendeu a dimensão filosófica do
quefoidiscutido,aconselhamosumareleituradotodootrechoanterioremque
descrevemos a construçãodos racionais.Em termospráticosdoofício, achamos
comprometedorumegressodeumcursodegraduaçãoemMatemáticadesconhecer
a“natureza”enãosaberdizeroquedefatoéumnúmeronatural,uminteiroou
umnúmeroracional.Nemmuitomenoscompreenderasrazõesdesuaexistência.
Retomaremosestasquestõespreocupantesnaúltimaaula.
Eantesdeconcluirestaseção,cabereforçaralgumasargumentaçõesepontos
devistaassumidosdesdeoiníciodocurso.Oprimeirodizrespeitoàimportância,
para quem tenciona ser professor de Matemática, de conhecer, compreender e
transmitiranaturezadosobjetoscomosquais lida.Sublinhamosbemno início
do curso a situação lastimável em que encontramos pessoas que concebem a
Matemáticacomoa“ciênciasdosnúmeros”.
ParafraseandoPlatão, estaspessoaspossuem, emnosso entendimento,um
“espíritopesado”paraaMatemática,poisaMatemáticaébemmaisdoqueisso.
Defato,vimosnasaulaspassadassituaçõesemqueaexistênciadeumcertoobjeto
éaprioriadmitidae,apartirdaforçadeumateoriaaxiomáticadesenvolvidaeum
formalismoadequado,nãosechegaaoutraconclusãodiferentedarealexistência
daqueleobjeto.
AhistóriadaMatemáticaémarcadaporeventosdessanatureza.Situações
nas quais nem mesmo os matemáticos profissionais sabiam ao certo com que
lidavam,masadmitiameaceitavamsuaexistênciacomaintençãodeextrairalguma
propriedadelogicamenteaceitável.Ora,istoéFilosofiadaMatemáticapura!
DestacamosoexcertoabaixocreditadoaograndematemáticoMorrisKline.
Emsuaspalavras,observamosalgunsconselhosecuidadosnoquedizrespeitoao
formalismoexcessivonoambienteescolaraodeclararque:
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131
As origens históricas dos conceitos e processos matemáticos não têm
naturalmente necessidade de ser a abordagem pedagógica. Contudo, uma
objeção válida à criação de novos conceitos e operações através dos mais
antigoséafaltadesentidodoqueéapresentado.Porexemplo,paraintroduzir
númerosnegativos,algunstextosmodernosperguntam,“Qualonúmeroque
somadoa2dá0?Elesentãoapresentam–2comoonúmeroqueserequer.
Como o dizem alguns textos, 2 é o único inverso aditivo para 2. Mas esta
introdução de -2 não dá a compreensão que a declaração, “Antimatéria
é aquela substância que adicionada à matéria produz vácuo”, dá qualquer
compreensão da antimatéria. Ao criar matemática por meio das questões
matemáticas e estender a novos domínios, leis ou axiomas que prevalecem
nos estabelecidos anteriormente, a matemática isola-se de todos os outros
corposdoconhecimento.Elaexistepeloquerepresentaeépresumivelmente
auto-suficiente. Parece então que, por acaso, as estruturas dedutivas assim
construídasseajustam[...](KLINE,1976,p.99).
Note-se,porém,queesteformalismoeartificialismo,condenadoporKline,
não pode ser de completo desconhecimento do professor, afinal, é impossível
conceberumaabordagemintuitivaparaumconceitomatemáticosedesconhecemos
demodoconsistenteseucomportamentoenaturezadentrodateoriaformalaqual
pertence.
Espera-se,assim,doprofessordeMatemática,encerradasestasaulas,saber
declarar,defato,doquesetrataequalanaturezadeumnúmeronatural,inteiro
ou racional. Compreender que as inclusões Ì Ì tratam-se de “criações
pedagógicas”quepodemtornarmenostortuososoentendimentodospequenos,
todavia, formalmente falando, o professor sabe que isto está equivocado, como
explicaFerreira(2010).
Para finalizar, antecipando um pouco de nosso próximo assunto, que
proporcionará escrever Ì Ì Ì , destacamos que existem várias formas
de construir os números reais. Um dos métodos possíveis é caracterizado por
sequências de Cauchy de números racionais (o completamento de
), descritopor
Aragona(2010).Avantagemdestemétodo,segundooautor,é que ele nos leva de
forma rápida e natural à representação decimal dos números reais que foi a forma
em que estes números foram conhecidos durante muito tempo antes de ter sua teoria
devidamente estruturada(ARAGONA,2010,p.39).
Poroutrolado,emtermosdeeconomia,optamospelaconstruçãodocampo
doreaisdesenvolvidaporFerreira (2010).Oautorempregaanoçãodecortes de
Dedekind.Comrespeitoaocontextoescolardeintroduçãodoconjuntodosreais
,Ferreira(2010,p.78)comentaemtomdecrítica:
AULA 5 TÓPICO 3
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica132
No Ensino Fundamental, os números reais são geralmente introduzidos de
umamaneiraumtantoempíricaeseuestudonãocostumairalémdealgumas
operaçõesalgébricaselementares.Basicamente,oquediz-senessenívelsobre
osnúmerosreaiséoseguinte:admite-sequeacadapontodeumaretaestá
associado um número real. Há pontos que não correspondem a números
racionais(oqueéfácilverificarusandoadiagonaldoquadradodelado1).A
essespontossemabcissaracionalcorrespondemosnúmerosirracionais.Outra
formadeintroduzi-loséaseguinte:admite-seou,emalgunscasos,demonstra-
sequearepresentaçãodecimaldenúmerosracionaiséperiódica.Conclui-se
pordefinirnúmeroirracionalcomosendoaqueles(cujaexistênciaéadmitida)
quepossuemrepresentaçãodecimalnãoperiódica.Aoconjuntoconstituído
pelosracionaiseirracionaisdá-seonomedeconjuntodosnúmerosreais.Note
que, em ambas as abordagens, somos conduzidos a admitir a existência de
númerosnãoracionais:noprimeirocaso,paradotartodopontodaretadeuma
abcissae,nosegundocaso,paraconceberqualquerdesenvolvimentodecimal
comonúmero (nocaso,osnãoperiódicos).Emambososcasos,noentanto,
raramentesetocananaturezadestesnovosnúmeros[...].
Concluímosressaltandoquetencionamosdescrevernestaaulaaconstrução
dos conjuntos numéricos. Como comentamos no início da aula, julgamos
comprometedorumprofessortentarensinarumconceitosemmesmocompreendê-
lo,nemsaberdizerdoquetrataanaturezadesseconceito.Foicomestaintenção
que descrevemos as construções dos conjuntos anteriores. Nas aulas seguintes
iniciaremosalongaconstruçãoaxiomáticadosnúmeros reaisenúmeros complexos.
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133
Nesta última aula, discutiremos alguns aspectos formais a respeito dos números
reais e dos números complexos. Lima (2004) critica de modo veemente a forma pela
qual são introduzidos tais conceitos no ensino escolar. Além de serem introduzidos
de forma indevida e de modo equivocado, na medida em que não se conhece sua
natureza em essência, dificilmente o professor percebe tais problemas, uma vez
que nem sempre na graduação se dá a ênfase devida a esses conceitos. Com
a reflexão que propomos nesta aula, buscamos, assim, evitar esse problema no
âmbito da formação do futuro professor.
Objetivos
• Descrever a construção axiomática dos números reais• Descrever a construção axiomática dos números complexos
AULA 6 A construção dos números reais, complexos e considerações finais
AULA 6
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134 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 1 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IIIObjetivO
• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros
reais
Nestaaulaabordaremosconstruçãoaxiomáticadosnúmerosreais.
Valesempredestacaraimportânciadeofuturoprofessorconhecer
ecompreender, formalmente falando,anaturezadeumnúmero
real.Dessemodo,sublinhamosasconsideraçõesdeFerreira(2010,p.77):
O conceito de número real é um dos mais profundos da matemática
e, [...], remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta da
incomensurabilidadeentreoladoeadiagonaldeumquadrado.Aconstrução
desse conceito passou por Eudoxo (século IV a.C.), com sua teoria das
proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só foi concretizada no
séculoXIX,[...].Osmatemáticosalemães,CantoreDedekind,construíramos
númerosreaisapartirdosracionaispormétodosdiferentes,respectivamente
conhecidosporClassesdeEquivalênciasdeSequênciasdeCauchyeporCortes
deDedekind.Oúltimo,[...],inspirou-senaTeoriadasProporçõesdeEudoxo.
Antes de apresentarmos de modo axiomático a construção dessas novas
entidadesconceituais,quedesdeaescolachamamosdenúmeros reaisecomessa
denominaçãonosacostumamos,semmuitosquestionamentos,recordamosquese
contaque,notemplodeApolo,situadonailhadeDelosnaGrécia,existiaumaltar
comformageométricadeumafiguraquehojeéconhecidacomocubo.Havendo
umapesteemAtenas,umhabitantedacidade,embuscadeauxíliodivino,dirigiu-
seaDelosparaconsultá-losobreoextermíniodapeste.Adivindaderespondeu
que,sefosseconstruídoumaltarnotemplodeApolocujovolumemedisseodobro
doexistente,mantendo-seamesmaforma,apesteseriaeliminada.
Em termos matemáticos, isto equivale a fornecer um cubo de aresta ‘a’;
construirumcubodearesta‘x’,cujovolumesejaodobrodovolumeconhecido,que
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135
denotamosmodernamentepelaequação =3 32x a .Demodoparticular, tomamos
= \ =31 2a x .Esteproblemaantigonãofoiresolvido,umavezquenãoexisteem
talsoluçãopara =3 2x ,semfalarnofatodeosgregosnãodisporemaindade
umconjuntomais‘completo’doqueeste.
Este fato envolvendo um problema antigo explica que o corpo
foi
‘completado’ e obteve-se um conjunto maior, que modernamente chamamos de
corpodosreais(denotadopor ),noqualaequaçãopossuisolução.Esseproblema
foiresolvidodemodoconsistentecomaintroduçãodosnúmerosirracionaispor
Richard Dedekind (1831-1916). De fato, a partir da equação obtida no mesmo
problema,apenasnoplano,obtemos =2 2x e,apartirdoselementosdeHistória
daMatemática,verifica-sequenãoexiste Îq quesatisfaz =2 2q .
Assim, uma possibilidade é o estudo das aproximações racionais para a
equação =2 2x . Introduzimos a seguinte noção: denomina-se raiz quadrada
de 2, a menos de uma unidade, por falta, o maior número inteiro În tal
que ( )< < + 22 2 1n n . Assim, diz-se que o número +1n é denominado de raiz
quadradade‘2’amenosdeumaunidadeporexcesso.Nocasoinicial,para =1n ,
que implicaque a soluçãode =2 2x satisfaz < <1 2x .A seguir, realizamos as
aproximaçõesdecimaisdasoluçãodestaraizqueseencontraentre1e2.
Denomina-se raiz quadrada de 2 a menos de 110
por falta, ao maior
número inteiro de décimos cujo quadrado é menor do que 2. Isto equivale a
æ ö æ ö+÷ ÷ç ç< <÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
2 212
10 10n n .Reparamosagoraqueonúmero +1
10n éaraizquadradade
2,porexcessoepormenosdeumdécimo.Paraprocederaocálculodestaoutra
aproximação,toma-seointervalo [1,2] edivide-seemdezpartesiguaispormeio
dos pontos: 1; 1,1; 1,2; 1,3; 1,4; 1,5; 1,6; 1,7; 1,8; 1,9; 2. Usando a inequação
anterior,obtemos ( ) ( )< <2 21,4 2 1,5 .Destemodo,1,4éasoluçãoaproximadade
amenosde 110
porfaltae1,5porexcesso.Logo,asolução‘x’destaequação
seencontranosegmento [1,4;1,5] .
Paraaobtençãodesoluçõesaproximadasde =2 2x amenosde 1100
,por
falta epor excesso,divide-se este segmentoemdezpartes iguaisdescritaspor:
1,4;1,41;1,42;1,43;1,44;1,45;1,46;1,47;1,48;1,49;1,5.Demodosemelhanteao
casoanterior,podemosobterque ( ) ( )< <2 21,41 2 1,42 ,querepresentaasolução
daequação =2 2x ,amenosde 1100
porfaltae1,42porexcesso.Logoasolução
encontra-senointervalodeextremos [1,41;1,42] .Aideiaagoraarepetir,pormeio
doraciocínioindutivo,oprocesso,eassoluçõesserãoaproximadasamenosde:
3 4 5 6
1 1 1 1 1, , , , ,....,
10 10 10 10 10n.
AULA 6 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica136
Em seguida, construímos as classes de aproximações F, por falta, e por
excessoEdassoluçõesde =2 2x ,aotomarmos: =: {1;1,4;1,41;1,414;1,4142;....}F
e =: {2;1,5;1,42;1,415;1,4143;....}E . Mais adiante, passamos a observar que os
quadradosdosnúmerosdeFsãomenoresdoque2eosdeEsãomaiores.Ademais,
percebemosque,deummodogeral,osnúmerosdeFsãodaforma1 2 31 .... na a a a e
osdeEsãodaforma +1 2 31 ....( 1)..na a a a ,sendo ia umalgarismode0a9.Tem-se,
portanto: < < +1 2 3 1 2 31 .... 1 ....( 1)....n na a a a x a a a a .
Representaremosagorapor nx oselementosdeFe ny oselementosdeE.Dessa
forma: - = >n
1 , y para n=1,2,3,...
10n n nny x x .Demodoresumidoenunciamosa
proposição.
Proposição:NãoexisteelementomáximoemFenãoexisteelementomínimoemE.
Finalmente,pormeiodaconstruçãodasclassesEeF,comovimosacima,e
desuaspropriedades,épossíveldefinirasoluçãoquebuscamosparaaequação
=2 2x , fato que foi investigado profundamente por Dedekind. Precisamos da
seguintedefinição.
Definição:Umconjunto ÌA éditoumelementomáximo Îa A (resp.mínimo),
quando ³ " Î , x Aa x
Exemplo:Observamosqueoelemento mínimodoconjunto =A éonúmero‘0’.Por
outrolado,oconjunto = Î{ | 0<x<1}A x nãotemelementomínimo,pelofato
deque,paratodo Îx ,temos \x
0<x<1 0< <x<12
.
Definição: Dizemos que ‘a’ é uma cota superior para um conjunto A quando
³ " Î , x Aa x . Por exemplo, todo número racional Îa , tal que >1a é cota
superiorparaoconjunto = Î{ | 0<x<1}A x .Demodosemelhante,definimosacota
inferiorparaumconjunto ÌA .
Apartirdestasdefinições,dizemosque,seumconjuntonãovazio ÌA de
todasascotassuperiorespossuiumelementomínimo,échamadodesupremodeA
edenotamospor ( ).Sup A Demodoanálogo,seumconjuntonãovazio ÌA de
todasascotasinferiorespossuiumelementomáximo,échamadodeínfimodeAe
denotamospor ( )Inf A .
Vejamosentãoumadefiniçãoimportanteaseguir.
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137
Definição: Um conjunto a de números racionais diz-se um corte se satisfizer as
seguintescondições:
i)ƹ ¹a ;
ii)se Îr a e < Î (s )s r ,então Îs a ;
iii)paracada Îa a ,existe Îc a talque <a c (ema nãoexisteelementomáximo).
Demodoequivalente,podemosdefinirtambémque:
i’)ƹ ¹a ;
ii’)se Îa a ,entãoparatodo Îb talque ³b a ,deveremoster Îb a .
iii’) para cada Îa a racional, existe Îc a tal que <c a (não existe elemento
mínimo).
AideiageométricadoconjuntoacimaquechamamosdecortedeDedekind
é a de “cortar” a reta em duas semirretas. Destacamos que “cortar” significa
decompor
emdoisconjuntos e A a ,taisque = È A a e = Ç =Æ A a .E
se Î Î e ar A a ,então <r a .
Por exemplo, o conjunto { }= Î >2| x>0 e x 2xa . De fato, vemos que
Ï0 a e { }Î = Î > ¹Æ22 | x>0 e x 2xa , satisfazendo (i). Por outro lado, se
{ }Î = Î >2| x>0 e x 2a xa e ³ > \ > > ® >2 2 20 2 2b a b a b , ou seja,
Îb a que satisfaz (ii). Finalmente, se Îa a , com =p
aq
, então notamos que
> 0p
q e
æ ö÷ç ÷ = > « - >ç ÷ç ÷çè ø
2 22 2
22 ( 2 ) 2
p pp q
q q, assim, escrevemos - = ³2 22 1p q m .
Por outro lado, notamos que ×< =
× +1
n p pa
n q q, para todo În . De
fato, basta observar que × ×< < = =
× + ×0
1
n p n p pa
n q n q q. Assim, precisamos
mostrar que não existe elemento mínimo, mas tomando = 8n q , obtemos×
=× +
8:
8 1
q pc
q q, observando que
( )×
= >+
2 22
22
642
8 1
q pc
q. De fato, vemos que:
- > + « - > + «2 2 2 2 2 22
1 1( 2 ) 32 ( 2 ) 1 16
32 2p q q p q q
q
32 64 16 1 32 64 16 1
32
8 11
6
2 2 4 2 2 2 4 2
2 2
2 2
q p q q q p q q
q p
q
⋅ − − > ↔ ⋅ > + +
⋅
+( )> ↔
44
8 12
2 2
2 2
q p
q
⋅
+( )>
Vejamosalgunsexemplosconcretos.
a)Oconjunto { }= Î3
| x<5
xa éumcorte.Defato,notamosquetomando
Î e <2 35 5
,assim,valeoitem(i).Nocasodoitem(ii),considerando = Î25
r a ,
AULA 6 TÓPICO 1
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica138
notamosque,se Îs e <25
s ,então, < \ Î35
s s a .Paraverificarqueoconjunto
{ }= Î3
| x<5
xa nãoadmiteelementomáximo.
b)Oconjunto { }= Î3
| x>5
xa nãoéumcorte.Deixamoscomoexercício.
c) O conjunto { }= Î ³| x 0xa não é um corte. De fato, vemos
que Î ¹Æ0 a satisfaz (i). Ademais, se { }Î = Î ³| x 0a xa , para todo
³ ³ \ ³0 0b a b ,assim, Îb a evale(ii’).Poroutrolado,notamosquenãovale
(iii’)se = 0a ;nãopodemosobterumelemento Îc a talque < 0c .
e) O conjunto { }= Î - £8
| 3 x<5
xa não é um corte. Deixamos como
exercício.
f)Oconjunto { }= Î -| x< 1xa nãoéumcorte.
Defato,apesarde { }- Î = Î - ¹Æ2 | x< 1xa (valei),verificamosquese
Îr a e < <-1s r ,com Îs ,então <-1s .
g)Oconjunto { }= Î | x<0xa éumcorte.
De fato, observamos que - Î ¹Æ1 a (i) e que, se Îr a e < Î (s )s r ,
temos < 0r ,com = < < \ <0 0p
s r sq
(ii).Porfim,notamosque,paratodo Îr a ,
temos+
< = <0
02 2
r rr ,com Î
2r
a (iii).
h)Oconjunto { }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa éumcorte.
De fato, notamos que =- <1 0x e - = <2( 1) 1 2 , portanto,
para £ 0x , - Î ¹Æ1 a . Vamos verificar a condição (ii) tomando
{ }Î = Î £ <2| x>0 ou para x 0 e x 2r xa . Temos dois casos a considerar, se
£ 0r e Îs ,com <s r ,logo < 0s e Îs a .
Nocasoemque > 0r e <2 2r com < Î (s )s r ,temosaspossibilidades:
< <0s r ou < <0 s r . Mas se < 0s , temos que Îs a . No segundo caso, se
< < « < < < \ <2 2 20 0 2 2s r s r s , assim, s também pertence ao conjunto
{ }= Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2xa .
Na condição (iii), se { }Î = Î ³ <2| x<0 ou (x 0 e x 2r xa , podemos
ter < 0r , neste caso, tomamos =1s , com <r s e <2 2s . No outro caso,
quando > <20 e r 2r , vamos tomar - >2 h=2 0r então, temos 2+h=2r e
- <2 0<h=2 2r consideramosocasode > <20 e r 2r .Paratanto,consideramos
o elemento = +5h
rg . Segue queæ ö÷ç= + = + +÷ç ÷çè ø
2 22 2 2
5 5 25h rh h
r rg . Notamos,
todavia que < \ < ×2 2 2 2r rh h e observe que < < ® < <20 2 0 2h h h , logo
= + + < + + < + < + =2 2
2 2 2 22 4 222
5 25 5 25 5rh h h h h
r r r x hg . Consequentemente,
obtivemosumelemento > < Î20 e 2 ( ) e >xg g g a g ,queéumcorte.
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139
Proposição:
Sejaa umcorte, Îp a e Ïq a .Então, >q p .
Demonstração:Vamosnegarapropriedadedesejadaacima,ouseja,suporque £q p .Como
admitimosquea éumcorte,játemosdegraçaacondição(i).Poroutrolado,se
£q p ,onde Îp a e Îq ,então,peloitem(ii)dadefinição,deveríamosterque
Îq a ,oqueimplicaumacontradição.Assim,necessariamente,temos >q p .
Observamosque anegaçãodapropriedade fornecidapor estaproposição
pode ser útil, assim, caso tenhamos um corte a , com Îp a e se £q p ,
necessariamente,obtemosque Îq a ,queébasicamenteacondição(iii).
Proposição:
Se Îr e { }= Î | x<rxa ,entãoa éumcortee r éamenorcotasuperiordea .
Demonstração:Vejamosqueoconjunto { }= Î | x<rxa éumcorte.Defato,notamosque
{ }= Î Ì| x<r xa ,mas ¹a ,poisoconjuntodosracionaiséilimitado.Por
outrolado, { }= Î ¹Æ| x<rxa ,dado Îr ,podemossempreencontrarum
número Îx ,demodoque <x r .
Paraverificar (iii),bastaobservarque,setivermosumelementoqualquerÎs a , então sempre podemos tomar a média aritmética de dois racionais
+< <
2s r
s r ,ecomo Îr e +Î
2
s r ,vemosqueoelementocumpreacondição
+<
2s r
r ,logo +Î
2s r
a .Assim,sempreconseguimosobterumvalormaiordo
que Îs a ,demodoque +Î
2s r
a ,ouseja, Îs a nãoéelementomáximo.Ferreira
(2010,p.80)sublinhaque‘ r ’éamenorcotasuperior.Defato,supomosqueexista
outracotasuperior 'r de { }= Î | x<rxa ,menordoque‘ r ’,ouseja, <'r r .
Oscortesdotipodaproposiçãoanteriorsãodenominadoscortes racionais e
serepresentampor *r .Oscortesquenãopossuemcotasuperiormínimanãosão
racionais.
Pode-severificarquetodo corte que possui cota superior mínima é racional.
Mostraremosqueexistemcortesquenãopossuemcotasuperiormínima,logonão
sãoracionais.
Demonstração:Verificaremosoitem(i).Defato,deimediatotemosƹa ,pois - ¹Æ*
e
{ }+ -Ï = Î È2 *0 | x <2
, logo ¹a .Parao item(ii),desejamosverificar
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica140
quese { }+ -Î = Î È2 *| x <2 r xa ,e tomandoqualquer Îs ,demodoque
<s r .
Teorema
Seja { }+ -= Î È2 *| x <2 xa .Então a éumcortequenãoéracional.
Deixamosascondições(i)e(ii)paradiscutirmaisadiante.Quantoàcondição
(iii),devemosprovarque,se Îx a ,entãoexiste Îy a ,com >y x (nãoadmite
elementomáximo).Issoéóbviose £ 0x .Masvamossuporque > 0x ,com <2 2x .
Paraencontrarmosumelemento‘y’nascondiçõesacima,tomaremos +Î *h talque
( )+ <2 2x h epôr = +y x h .Vamostrabalharcomacondição( )+ × + <2 22 2x h x h
ereparamosquepoderíamosresolvertalinequação.
Poroutro lado,nãoperdemosageneralidadeadmitindoque <1h ,assim,
obteremos ( ) ( )<
+ × + < + × +2 2 2
12 2
hx h x h x h x h eestaexpressãoficamenordoque
2setomarmos:
<2-
+ × + < « × + < - « + < - « <+
22 2 2 2
2 2 2 2 (2 1) 2(2 1)
xx h x h h x h x h x x h
x.
Desdequeestaexpressão -+
22(2 1)
x
xsejapositiva,tomaremos
-<
+
22min{1, }
(2 1)x
hx
,
com +Îh e = +y x h ,eobteremos = + < \ Î2 2( ) 2 e y>xy x h y a .Éumcorte.
Notação:
Denotaremospor oconjuntodetodososcortes,ouseja, =: { | é um corte}a a .
Na sequência, veremos que se podem definir duas operações em  ,
denotadaspor“+”e“×”,eumarelaçãodeordem.
Proposição:
Sejam ÎÂ,a b . Dizemos que a é menor do que b e escrevemos <a b quando
¹Æ\b a .
Ferreira(2010,p.82)comentaosseguintesexemplos:
a)æ ö÷ç> ÷ç ÷çè ø
** 3
45
, poisæ ö÷çÎ ÷ç ÷çè ø
2 4 \ . De fato, reparamos que
æ ö÷çÎ = Î÷ç ÷çè ø
** 3 3
4 :={x | x<4} e : {x | x< }5 5
eque <2 4 ,todavia, >3
25
.
b) ( )> **1 0 ,pois Î * *11 \ 0
2.Verifique!
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141
c)( ) ( )- <* *3 0 ,pois ( )- Î - **1 0 \ 3 .Notamosque- Î = Î*1 0 { | x<0}x e
( )- Ï - = Î -*1 3 { | x< 3}x .
Definição
Se ÎÂa e > *0a ,a chama-secortepositivo.Se > *0a ,a éditocortenegativo.Se
³ *0a ,a sechamacortenãonegativoese £ *0a , a sechamacortenãopositivo.
Teorema (tricotomia)
Para ÎÂ,a b , uma e apenas umas das possibilidades ocorre, =a b ou <a b ou
>a b .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Lema:
Sejam ÎÂ,a b ,então:
i)se <a b Û Ìa b e ¹a b ;
ii) £ Û Ìa a a b .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Teorema
Arelação‘£ ’éumarelaçãodeequivalênciaem  .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Teorema
Sejam ÎÂ,a b .Se = + Î Î: { | r e s }r sg a b ,então ÎÂg .
Demonstração:Mostraremos que o conjunto acima satisfaz as três condições de corte.
Notamos que estamos admitindo que ¹Æ,a b , portanto ¹Æg . Sejam
Î - Î - e y t a b , e observamos que, por definição, > " Î , rt r a e
> " Î , su s b .Assim,obtivemos + > + " Î " Î , r e st u r s a b ,ouseja, + Ït u g ,
logo ¹g .
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Na condição (ii), notamos que, se Î e s<rr g , com Îs , mostraremos
que Îs g .Notamosque ‘r’édotipo +p q ,com Î Î e qp a b .Daí, s<p+q e
escrevemos = + 's p q ,onde <'q q ,e,portanto, Î'q b .Conclui-seque Îs g .
Paraverificaracondição(iii),precisamosmostrarqueoconjuntonãopossui
elementomáximo,ouseja,se Îr g ,existe Îs g talque >s r .Pelofatodeque
Îr g ,escrevemos = + Î Î, com p e qr p q a b ,queporsuavezsãocortes.Assim,
existe Î Î' , com p'>p e q' , com q'>qp a b ,portantotomamos = + Î's p q g ,que
émaiordoquer.
Definição
Para ÎÂ,a b , definimos +a b como sendo o corte do teorema anterior, ou seja,
+ = + Î Î: { | r e s }r sa b a b .
Teorema
Aadiçãodecortesem écomutativa,associativa,epossuielemento*0 comoneutro.
Demonstração:Com a comutatividade descrita por + = +a b b a , reparamos que, se
Î +r a b ,podemosescrever = +r p q ,epelacomutatividadedasomadenúmeros
racionais, escrevemos = + = + Î +r p q q p b a .Portanto, + Ì +a b b a , e,de
modosemelhante,verificamosque + É +a b b a .
Aassociatividadeédescritapor + + = + +( ) ( )a b g a b g .
lema:Sejam ÎÂa e +Î *
r ,entãooconjunto + × Î{ | m }s m r nãoélimitado
superiormenteem
.
Demonstração:Deixamosaseucargo,leitor.
Ferreira(2010,p.85)apresentaoseguintelema.
lema:Sejam ÎÂa e +Î *
r , então existem números racionais p e q tais que
Îp a , Ïq a ,qnãoécotasuperiormínimadea e - =q p r .
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143
Demonstração:Vamos tomar um elemento qualquer Îs a e consideremos a sequência
+ + + + +, , 2 , 3 , 4 ,......,s s r s r s r s r s nr . Notamos que essa sequência não é
limitadasuperiormente,e a é limitadosuperiormentee Îs a ,entãoexisteum
únicointeiro ³ 0m talque + Îs mr a e + + Ï( 1)s m r a .
Se + +( 1)s m r não for cota superior mínima de a , tome = +p s mr
e = + +( 1)q s m r . Se + +( 1)s m r for cota superior mínima de a , tome
= + +2r
p s mr e = + +( 1)q s m r .
Definição
Seja ÎÂa .Existeumúnico ÎÂb talque + = *0a b .Comonocasodosinteirose
racionais,talelementob denota-sepor-a esechamasimétrico(ouinversoaditivo)de
a .
Demonstração:Ferreira(2010,p.86)supõeacondiçãoemquesetem + = + = *
1 2 0a b a b .Na
sequência,escreve = + = + + = + + = + =* *2 2 2 1 2 1 1 10 ( ) ( ) 0
associatividade
b b b a b b a b b b .
Poroutrolado,a demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da
situação considerada(FERREIRA,2010,p.86).
Ferreira(2010,p.86)forneceaideiadecomoconstruiroelementosimétrico,
considerando, inicialmente, um caso particular de = *3a . É de se esperar que
o simétrico seja - *( 3) . Temos: = = Î - = Î -* *3 { | r<3}, ( 3) { | s< 3} r sa .
E ainda que - = + Î Î Î -* * * *3 + ( 3) { | 3 s ( 3) }r s r . Necessitamos verificar que
- Ì* * *3 + ( 3) 0 evice-versa.
Seja Î -* *3 + ( 3)t , então = +t r s , onde <3r e <-3s . Logo,
= + < + - =3 ( 3) 0t r s eportanto < 0t e Î *0t .Sejaagora Î *0t ,ouseja, < 0t .
Para fixar as ideias tomemos =-2t e como expressar o -2 como uma soma +r s
com <3r e <-3s ? (FERREIRA,2010,p.86).
Reparamos que, pelo lema anterior, existem Î Ï -* *3 e r' ( 3)r , com
¹ *' 3 (=cota superior mínima de 3 )r ,taisque - =' 2r r ouainda- = + -2 ( ')r r ,
como >' 3r ,então - <-' 3r ,ouseja, - Î - *' ( 3)r .Tentaremosutilizarasideias
dessecasoparticularnocasogeral(FERREIRA,2010,p.86).
Dado ÎÂa , o candidato ao caso -a é o conjunto obtido
pelos negativos dos elementos que estão fora de a , com exceção
da eventual cota superior mínima de a . Mais precisamente, seja
= Î - Ï -{ | e não é cota superior mínima de }p p pb a a . Observamos que
- = Î - Ï - -* * * ( 3) { | 3 3 e não é cota superior mínima de ( 3) }p p .
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica144
Ferreira(2010,p.86)sublinhaque,no caso geral, não temos necessariamente
cortes racionais e, então, o símbolo - *( )a pode não fazer sentido.Mostremosque
b éumcorte eque + = *0a b .Comode costume,precisamosverificar as três
condições. As condições (i) e (ii) deixaremos como atividades e verificaremos a
condição(iii).
Com esta intenção, Ferreira (2010, p. 87) toma Îr b . Queremos mostrar
quepodemosencontrar >s r em b .Como -r é cota superiorde a ,masnão
émínima, logoexiste Ît ,com - <-t r , talque -t écotasuperiorde a e,
portanto,- Ït a .Sejaentão+
=2
r ts .Temos- <- <-t s r ,demodoque-s é
cotasuperiordea .Emseguida,oautorverificaquevaleapropriedade + = *0a b .
Definição
Como nos casos de e , definimos a subtração em  por
- = + - " ÎÂ( ) , ,a b a b a b .
Teorema(compatibilidade da relação de ordem com a adição)
Sejam ÎÂ, ,a b g taisque £a b .Então + £ +a g b g .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Ferreira(2010,p.87)defineumamultiplicaçãoem ,seguindoosmesmos
passos realizados na definição da adição e de suas propriedades. Nota-se que o
tratamento da multiplicação em  seja tecnicamente um pouco mais complicada, o
mesmo autor segue o tratamento e as demonstrações para o caso da adição.Ferreira
repara,todavia,quealgunsajustessãonecessáriosparaumadefiniçãoprecisada
multiplicação.Paratanto,enunciaoteorema.
Teorema
Para ÎÂ, ,a b g ,com ³ ³* *0 e 0a b ,
seja -= È Î Î Î ³ ³*: { | r=pq , com p , q , p 0 e q 0} rg a b .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
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145
Definição
Dado ÎÂa ,definimosovalorabsolutodea (ouomódulodea ),representado
por a ,doseguintemodoìï ³ï=íï- £ïî
*
*
se 0
se 0
a aa
a a.
Definição
Sejam ÎÂ, ,a b g ,definimos:
( )( )
ìï- > < < >ïïïï= < < > >íïïï = =ïïî
* * * *
* * * *
* *
se 0 e 0 ou 0 e 0
se 0 , 0 ou 0 e 0
0 se 0 e 0
a b a b a b
ab a b a b a b
a b
Teorema
Amultiplicaçãodecortesécomutativa,associativa,tem *1 comoelementoneutroese
ÎÂ, ,a b g ,vale:
i) + = +( )a b g ab ag
ii) × =* *0 0a
iii) = *0ab se,esomentese, = *0a ou = *0b
iv)se ³ ³ * e 0a b g ,então £ag bg
v)se ³ < * e 0a b g ,então ³ag bg
vi)se ¹ *0a em ,entãoexisteumúnico ÎÂb talque = *1ab .Talcortechama-se
deinversodea edenota-sepor -1a .
Teorema (regra dos sinais)
Sejam ÎÂ,a b ,entãovalemaspropriedades
a)( ) ( ) ( )- × = × - =- ×a b a b a b .
b) ( ) ( ) ( )- × - = ×a b a b .
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Proposição:
Seja ÎÂa ,temosque Îr a se,esomentese, <*r a .
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica146
Demonstração:Deixamoscomotarefaparavocê,leitor.
Proposição:
Sejam ÎÂ,a b e <a b ,entãoexisteumcorteracional *r talque < <*ra b .
Demonstração:Deixamosaseucargo,leitor.
Ferreira(2010,p.90)comentaqueo conjunto  munido de duas operações
é uma relação de ordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Além
disso, a aplicação ®Â:j dada por = *( )j r r é injetora e preserva a adição,
multiplicação e ordem. O autor explica aindaque obtivemos uma cópia algébrica
de um conjunto em outro, desta vez, ( )j é uma cópia de em  , sendo ( )j
precisamente o conjunto dos cortes racionais(FERREIRA,2010,p.90).
Recordamosumteoremaqueasseguraaexistênciadecortesnãoracionais.
Portanto,podemosafirmarque Â- ¹Æ( )j .Emseguida,Ferreira(2010,p.91)
apresentaaimportantedefinição.
DefiniçãoOconjuntodoscortes  será,apartirdeagora,denominadodeconjuntodosnúmeros
reaiseédenotadopor .Oscortesracionaisserãoidentificados,viaainjeção ®Â:j ,
com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado numero
irracional.
Notação:
Aidentificaçãode ( )j com
nospermiteescrever Ì
.Oconjunto -
representaoconjuntodosnúmerosirracionais.
Mais adiante, Ferreira (2010, p. 91)
sublinha, ao tempo em que prossegue sua
elaboração,queosresultadosseguintesmostram
que,apesardasemelhançaentreaspropriedades
aritméticas e de ordem entre e , há uma
importante propriedade em que
não
possuiadacompletude.
g u a r d e b e m i s s o !
ParaoprofessordeMatemática,destacamos
oseguintealertadeFerreira(2010,p.91):um
númerorealéumconjuntodenúmerosracionais.
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147
Teorema (Dedekind)SejamAeBsubconjuntosde taisque:1) = È A B 2) Ç =ÆA B 3) ¹Æ ¹Æ e BA4)se Î Î e , então <A Ba b a b .Nestas condições existeum, e apenasum,número real g talque £ £a g b ,paratodo Î Î e A Ba b .
Demonstração:Vamossuporqueexistamdoisnúmeros 1 2 e g g ,nascondiçõesdoenunciado
acima,com 1 2<g g ,nascondiçõesdoenunciadodoteorema.Consideremos 3g tal
que <1 3 2<g g g ,devidopelaproposiçãoanterior.Reparequede <3 2g g ,resulta
que Î3 Ag ,pois ³ 2b g , " ÎBb e = È A B .Demodoanálogo, 1 3<g g ,resulta
que Î3 Bg .Obtemos entãoque Î Ç =Æ3 A Bg umacontradição.Aexistência
ficaaseucargo,leitor.
Ferreira (2010, p. 93) acentua que este teorema fornece, em essência, a
diferençaentre e .Eacrescenta:no teorema anterior e o exercício anterior nos
dizem, informalmente que, em não há “lacunas”, mas que em , há. Por esta
razão, dizemos que possui a propriedade da completude ou que é completo
(FERREIRA,2010,p.93).
CorolárioNascondiçõesdoteoremaanterior,ouexisteemAumnúmeromáximo,ou,emBumnúmeromínimo.
Demonstração:Deixamosparavocê,leitor.
Concluímosestetópicodiscutindoaspropriedadesaxiomáticasquepermitem
construir formalmente os números reais. Sublinhamos sempre a importância de
compreendersuaessência,emboramuitosdosaspectosestudadosnãopertençamao
universodecompreensãodosestudantes.Partimosdopressupostoqueoprofessor
deMatemáticadeveserconhecedordeumsaberbemmaisaprofundadodoqueseu
aprendiz,inclusiveparaanalisareidentificarlacunas,deficiênciaseinconsistências
nos livros adotados no ambiente escolar. Na pior das hipóteses, saber o que é
de fato um número real e que, formalmente, a inclusão Ì
apresentada no
contextoescolarnãotemsentido.Aseguir,discutiremosaconstruçãoaxiomática
dosnúmeros complexos.
AULA 6 TÓPICO 1
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148 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica
TÓPICO 2 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IVObjetivO
• Descreveraconstruçãoaxiomáticadosnúmeros
complexos
Osnúmeros complexoschamamaatençãodosestudantesatémesmo
pelapróprianomenclaturaadotadatradicionalmente.Defato,aos
olhosdoaprendiz,comosignificareinterpretardeumobjetoque
de início jáodenominamosde“complexo”?Nestaaulaabordaremosestanoção
demodoaxiomáticonosentidodefinalizaraconstruçãodosprincipaisconjuntos
numéricosdoensinoescolar.
ObservamosqueFerreira(2010,p.113)mencionaque:
NoEnsinoMédio,osnúmeroscomplexossãointroduzidosapartirdachamada
“unidade imaginária”, i, com a propriedade de que =-2 1i . Eles são
definidosentão,comoexpressõesdaforma +a bi ,onde Î, a b ,sujeitas
às regras operacionais conhecidas dos números reais. Assim, por exemplo,
( ) ( )+ × - = - + - = + + = +23 5 7 2 21 6 36 10 21 10 29 31 29
i i i i i i i
Ouseja,manipulam-setaisexpressõescomoexpressõesalgébricasreais,soba
condiçãoextradeque =-2 1i .
Dopontodevistadorigormatemático,énecessáriojustificarcuidadosamente
aorigemdeumtalnumero‘i’.Poroutrolado,a construção rigorosa dos números
complexos a partir dos números reais é mais simples do que todas as que realizamos
até agora (FERREIRA, 2010, p. 113). No Ensino Médio, aprendemos que dois
númeroscomplexos, +a bi e +c di ,sãoiguaisapenasquando =a b e =c d ,o
quenoslembraaigualdadeentreosparesordenados( ),a b e( ),c d .É esse o ponto
de partida para a construção dos complexos(FERREIRA,2010,p.113).
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149
Assim, define-se a soma ( ) ( ) ( ) ( )+ + + = + + +
a bi c di a c b d i e
( ) ( ) ( ) ( )+ × + = - + +
a bi c di ac bd ad bc i . Em seguida Ferreira (2010, p.
114) esclarece que se admitíssemos um número complexo como sendo um par
ordenado de números reais, portanto sem mencionar o símbolo ‘i’, poderíamos
definir as operações acima do seguinte modo: ( ) ( ) ( )+ = + +, , ,a b c d a c b d e
( ) ( ) ( )× = - +, , ,a b c d ac bd ad bc .Temosformalmenteaseguintedefinição.
Definição
Consideremosoconjunto ´ = 2 eneledefinamosaadiçãoeamultiplicaçãocom
acima.Oconjunto 2 ,denotadoporessasoperações,serádenominadoconjuntodos
númeroscomplexosedenotadopor .
Teorema
As operações em têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são
comutativas, associativas e têm elemento neutro. (0,0) para a adição e (1,0) para a
multiplicação.Alémdisso,dado( )Î, a b seusimétricoexiste, ( )- ,a b ,eé( )- -,a b ,
ese ( ) ( )¹, 0,0a b ,seuinversoexiste ( )-1,a b eéæ ö- ÷ç ÷ç ÷çè ø+ +2 2 2 2
,a b
a b a b.Finalmente,a
multiplicaçãoédistributivaerelaçãoaadição.
Demonstração:Deixamoscomoexercícioparavocê,leitor.
Ferreira (2010, p. 115) explica que podemos imergir
em
e observa
inicialmente que um número complexo arbitrário ( )Î, a b pode ser escrito da
forma ( ) ( ) ( ) ( )= + ×, ,0 ,0 0,1a b a b , ou seja, utilizando-se apenas de pares ordenados
com a segunda coordenada nula, ( ),0a , e ( ),0b , e o número complexo especial ( )0,1 .
Consideremosagoraaseguintefunção ®: k dadapor ( )=( ) ,0k x x .
Definição
Afunção ®: k éinjetoraepreservaasoperaçõesdeadiçãoemultiplicação,istoé,
+ = +( ) ( ) ( )k x y k x k y e × = ×( ) ( ) ( )k x y k x k y .
Demonstração:Deixamoscomoexercícioparavocê,leitor.
Demodosimilaraoscasosestudadosanteriormente,aquitambémtemosem
umacópiaalgébricade
, ( )k ,oquenospermiteidentificar com ( )ke,portanto,considerar Ì .Admitindo essa identificação e adotando ‘i’ para o
número complexo ( )0,1 , a expressão para ( ) ( ) ( )( )= +, ,0 ,0 0,1a b a b pode ser escrita
como +a bi , como fazíamos no Ensino Médio(FERREIRA,2010,p.115).
AULA 6 TÓPICO 2
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica150
Note ainda que ( ) ( )= = -2 20,1 1,0i , o que identificamos com o real -1 .
Sobanotaçãoacima,oscomplexosdotipo +a bi ,com ¹ 0b ,chamam-senúmeros
imaginários,e,alémdisso, = 0a ,obtemososimaginários puros.Essasdenominações
têmsuaorigemnaresistênciahistóricaemseadmitiroscomplexoscomonúmeros.
Observequeotermo“imaginário”vemnosentidodecontraposiçãoa“reais”.
Observamosaindaqueaspropriedadesaritméticasde
,dadaspeloteorema
anterior,sãoasmesmasqueasde (quesãoasmesmasqueasde
).Assim,um
conjunto,munidodeduasoperaçõesquepodemoscontinuardenotandopor+ × e ,
possuindoessaspropriedadesaritméticaschama-secorpo.
Apesar de aspectos semelhantes, há grandes dessemelhanças entre os três
corpos , e ,comoacentuaFerreira(2010,p.116).Oautorrecordaaindaque
oscorpos e
,comojá tínhamosvisto,sãodotadosdeumarelação de ordem
compatívelcomassuasoperaçõesesão,portanto,amboscorpos ordenados,sendo
umcorpo ordenado completo e
um corpo ordenado não completo.
Observamosqueéimpossíveldotar
deumarelaçãodeordemcompatível
comas suasoperaçõesaritméticas. Intuitivamente,não temoscomodizer se3 é
maioroumenordoque 3i oudoque +2 i ,porexemplo.Dessaforma,
éum
corponãoordenável.Poroutrolado,Ferreira(2010,p.116)acentuaque
possui
umapropriedadealgébricaimportante.Talpropriedadeédescritanoteorema:todo
polinômio não constante com coeficientes complexos admite uma raiz em
.
DevidoaesteresultadoatribuídoaGauss,oteoremaéchamadodeTeorema
Fundamental da Álgebra. E o conjunto é dito algebricamente fechado.
BerlinghoffeGouvêa(2004,p.177)recordamumfatosemelhanteenvolvendonada
menos do que Renée Descartes (1596-1650), que, no século XVII, indicava que,
para encontrar os pontos de interseção entre uma circunferência C e uma linha
r(Figura1),encontramosumaequaçãoquadráticaetalequaçãoconduzaraízes
quadradasdegrandezasnegativasquando Ç =Æ{ }C r .Assim,paraamaiorparte,
o sentimento era a aparência de soluções “impossíveis” ou “imaginárias” que
davaumsinaldequeoproblemanãopossuíaqualquersolução.Todooproblema
advinhadadesconfiançadosmatemáticoscomrespeitoaosnúmeroscomplexos.
Figura1:Descriçãogeométricadasituaçãoenvolvendooconceitodenúmeroscomplexos(BERLINGHOFF;GOUVÊA,2004,p.123).
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151
Paraconcluiradiscussãoemtornodaconstruçãodosconjuntosnuméricos
que tradicionalmente são apresentados no contexto escolar satisfazendo a
seguintecadeia Ì Ì Ì Ì Ì ????
,Ferreira(2010,p.122)acrescentaa
interessante discussão em torno das questões que podemos elaborar em relação
à seguintepergunta:Os conjuntos numéricos param por aí? Ou seja,
pode ser
imerso propriamente em algum outro conjunto de números?
Oautordeclaraquearespostaparatalquestionamentoéafirmativaerecorda
queoconjunto
pode ser imerso no anel dos quatérnios de Hamilton.Ademais,
declara:
Entretanto,nãotemmaisaestruturaalgébricadecorpoporqueamultiplicação
deixa de ser comutativa. Os quatérnios são hoje utilizados em robótica,
computaçãográficaeemoutrasáreasdaciência.Porsuavez,osquatérnios
podemserimersosnosoctônios,noqualamultiplicaçãonãoémaisassociativa.
Osoctôniostemimportantesaplicaçõesemramosdafísicacomorelatividade
especial e teoriadascordas, alémde se relacionaremcomoutrasestruturas
matemáticascomoosgruposdeLieexcepcionais (FERREIRA,2010,p.122-
123).
Paraconcluir,sublinhamosnossosposicionamentosassumidosdesdeoinício
destecurso.Taisposicionamentosassumemumcompromissoepistemológicocoma
formaçãodoprofessordeMatemática.Dessemodo,emborademodointrodutório,
discutimosdeterminadostópicospertencentesaosfundamentosdaMatemáticae
seuinevitávelcaráterfilosófico.
Taisescolhasdeveminfluenciaroolhareoexercíciodoofíciodoprofessor,
afinal,concordamoscomThom(1992,p.24)quandoexplicaquequer desejemos
ou não, toda pedagogia matemática, mesmo aquela menos coerente, repousa sobre a
filosofia da matemática.Portanto,nãodiscutimosumapedagogiadesinteressadae
aplicávelatodasasáreasdoconhecimentocientífico.Discutimosealertamossobre
a importância de uma “pedagogia da Matemática”, que, inevitavelmente, deve
possuir seus fundamentos epistemológicos e filosóficos, os quais apresentamos,
pelomenosemparte,aqui.
Recordamosquealgumasquestõesfilosóficasnegligenciadasemcursosde
formaçãodelicenciadosdizemrespeitoàdimensãoaxiológicadosabermatemático
queabordamosnasaulasiniciais.Maisespecificamentefalando,aquestãosobrea
verdadeouafalsidadedosenunciadosmatemáticos.
Omodelostandartnolocusacadêmicodebuscadaverdadedepropriedades
dotipo: = +2 2 2a b c (TeoremadePitágoras)ou+
= 1( )
2n
n
a a nS (somadostermos)
se restringe em seguir passo a passo uma demonstração até se alcançar a tese;
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F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica152
contudo,osprópriosmodelos de inferênciaseanaturezadaargumentaçãonãosão
discutidos.
É inapropriado o professor transmitir a impressão de que as decisões em
sala de aula e as escolhas feitas em cadeias de raciocínio deste tipo são sempre
baseadasnacerteza matemática.Nestesentido,concordamoscomBrochard(1884,
p.5)quandolembraquea maior parte dos homens, nas circunstâncias da vida, se
decide baseando-se na crença e não na certeza.
Alémdisso,encontramosváriosexemplosdeteoriasnaHistóriadaMatemática
e das Ciências que apresentavam uma sustentação sólida e consistente, em
determinadosmomentoshistóricose,emoutros,tiveramsuasbasesenfraquecidas
emvirtudededeterminadasrefutaçõesequestionamentos,hajavistaosurgimento
denovospontosdevista.É justamenteocasodateoriadeIsaacNewton(1643-
1727),quefoibemestabelecidaeconfirmadanoséculoXVIIIequestionadaséculos
maistarde.
De fato,Popper (1972,p.34) lembraquea teoria de Einstein veio mostrar
que a teoria newtoniana não passa de uma hipótese ou conjectura e seu valor se
mede, sobretudo por sua falsicabilidade. Ou seja, com Einstein, evidenciamos o
levantamentodedeterminadasconjecturasque
se mostraram verdadeiras e que negaram ou
falsearam enunciados essenciais da teoria de
Newton.
Emexemploscomoeste,percebemosquea
próprianoçãodeverdadeefalsidade,anoçãodo
rigor matemático,deexistência,deconsistência e
anoçãodecompletude deumateoriamatemática
vaisemodificandonodecorrerdosséculos.
Fazpartedenossamissão,comoprofessores
formadores, evitar a falsa impressão em nossos
alunos de que o conhecimento matemático,
desde o seu nascedouro, se apresenta daquela
forma “bonitinha” como o encontramos nos
livrosdidáticos,descritosaxiomaticamentepor
umalinguagemmodernaadotadapeloprofessor
na escola.Afinal, atémesmo a linguagemouo
sistema de representação semióticaempregadona
Matemática evolui,umavezqueos símbolos e
classificaçõesemMatemáticasãohistoricamente
determinados.Elessãoarbitráriosnosentidode
quesímboloseclassificaçõesnumalinguagemsão
v o c ê s a b i a?
Shapiro(2000,p.166)explicaqueGôdeladmitiaG
umasentençanalinguagemT.SeTéconsistente,
entãoGnãoéteoremadeT.
s a i b a m a i s !
Sertafi(2008,p.125)lembraqueLeibnitzcolocou
em circulação cerca de doze novos símbolos,
que o mesmo queria testar e selecionar o mais
apropriado. Porém, todos eles dotados de uma
extraordinária imaginação simbólica e otimismo
inveterado.
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153
escolhidos.Destaformaelespodemservistosnumaperspectivafenomenológica
emquetaissímbolospossuemsignificadosparticularesederivamdeexperiência
individualdoseuuso(SERTAFI,2008,p.53).
Ocaráterarbitrárioquemencionamossemanifestadeformasutilevelada.
Um professor consciente sabe que simbologias são “enterradas” e descartadas
em razão de suas limitações, ambiguidades ou falta de operacionalização; mas,
demodoautoritário,vemosaadoção,semnenhumaexplicação,dedeterminadas
notaçõesqueobtiverammaisêxitodoqueoutras,contudonãonoslembramosde
queelasrepresentamasuperaçãodoserros,dasincompreensõeseasinseguranças
dematemáticosdopassado.
Temos aí uma face deste absolutismo
quando priorizamos o caráter sintático
da linguagem, que passou por profundas
modificações em vez do seu caráter semântico.
Paradoxalmente, o teor e a visão absolutista,
o caráter rigoroso e formal da Matemática
parecem ser mais “cômodos” no que se refere
à transposição didática do saber. Na prática,
no ambiente acadêmico, o próprio método
axiomáticodeestruturaçãoeorganizaçãodeste
saberéusadocomo“metodologiadeensino”.
Denunciamosqueograndeequívocoéaplicarummétododeconstruçãoe
constituiçãodosabermatemáticonoambientedapesquisacomouma“metodologia
de ensino”, haja vista que o primordial no
método axiomático é a abstração da abstração,
enquanto isso, no ensino escolar, deveríamos
primarpelaintuição,peloraciocínioheurístico.
Nesse sentido, recordamos as colocações
filosóficasdomatemáticoFreudenthal (2002,p.
145) quando declara que se o construtivismo
significa algo didático, devemos indicar o
que esperamos construir. Mas, infelizmente,
os indicadores de nossa realidade nos fazem
concordar com Gattegno (1960, apud, PIAGET
etal.,1960,p.159)quandoconcluiqueamaior
partedosprofessoresdematemáticaconsideraquesuatarefaconsisteemfazeros
estudantesracionarlogicamenteenãoimportaaquecusto.
Advertimos que a concepção do curso de formação deverá ser um fator
condicionante edeterminantena futura identidadeprofissional construídapelo
v o c ê s a b i a?
Ernest(1991,p.7)explicaqueavisãoabsolutista
da matemática consiste em certas verdades
imutáveis. O conhecimento matemático nesta
perspectiva se constitui a partir de verdades
absolutaseirrefutáveis.
s a i b a m a i s !
Sertafi(2008,p.125)Shapiro(2005,p.176)explica
queotermoestruturalismoéassociadoaogrupo
inolvidável chamado Bourbaki. Dentre as suas
propostas,ométodoaxiomáticopoderiafornecer
aunificaçãodosdiversosramosdaMatemáticae
apenaseletornariaaMatemáticainteligível.
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egresso de um curso de graduação. Vale a pena comparar as duas concepções
possíveisqueexibimosnasilustraçõesabaixo.
Figura2:FluxogramadocurrículodeformaçãodeprofessoresdeMatemáticaquenãoestabelececonexãoentreossaberesespecíficosepedagógicos(elaboraçãoprópria).
Reparamosque,naFigura2,descrevemosomodeloobsoletode formação
maisidentificávelemaisexploradoemvárioscursosdegraduaçãonoBrasil.Por
outrolado,naFigura3,aseguir,recordamosaconcepçãodeformaçãoassumidano
decorrerdasaulasdeFilosofiadasCiênciasedaMatemática.Deixamosparavocê,
leitor,aprerrogativadeefetuarsuasprópriasescolhas.
Figura3:FluxogramapropostoparaumaadequadaformaçãodoprofessordeMatemática(elaboraçãoprópria).
Concluímosestadestacandoaimportânciadedivisarmosadimensãofilosófica
do saber matemático. Observamos que nas ultimas aulas, em que descrevemos,
emborademodo“apressado”,emvirtudedaconcisãonecessárianestematerial,
aconstruçãoaxiomáticadosconjuntosnuméricos.Torna-seumaexigência,deste
modo, que o professor amplie sua própria visão da Matemática e transmita um
significadobemmaisamplodoqueosignificadousualerestritofornecidopelos
livrosdidáticos.Entretanto,o“livrodidático”seránossoobjetodediscussãoem
umfuturopróximo.
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155
Grugnetti & Rogers (2000, p. 53) explicam que a História da
Matemática pode atuar não apenas como um fator de ligação
entre tópicos de Matemática, como também as ligações entre a
Matemática e outras disciplinas. Os referidos autores desenvolvem uma análise
naperspectivadaHistóriadaMatemáticaediscutemcomodeterminadossaberes
podemsermediadosnoensino.
Entretanto,noâmbitodoensinodeMatemática,assumimosanecessidade
daadoçãodeumapropostametodológicaqueviabilizeaabordagemdeconteúdos
matemáticos por meio de sua história. Assim, adotaremos a “proposta teórico-
metodológica apresentadaporumgrupodeEducadoresMatemáticosdoEstado
do Ceará” (BORGES et al, 2001, p. 3) denominada Sequência Fedathi – SF que
possibilita a criação de um clima experimental que retrata o os momentos e as
dificuldadesenfrentadasporummatemáticoprofissionalembuscadaconstituição
deumsaber.Areferidasequênciadeensinoprevêosseguintesníveis:
• Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um
teorema. Neste nível, o pesquisador-professor apresenta uma situação-
problema (possivelmentenoâmbitodaHistóriadaMatemática)parao
grupodealunos,quedevempossuirmeiosdeatacarmedianteaaplicação
doconhecimentoaserensinado.
• Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis
envolvidasnoproblemarelacionadoàHistóriadaMatemática(destinado
adiscussãoedebateenvolvendooselementos:professor-alunos-saber).
TÓPICO 3 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua históriaObjetivO
• Apresentarumaaplicaçãodeumasequênciadeensino
paraconteúdosdeHistóriadaMatemática
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• Nível 3 Solução–apresentaçãoeorganizaçãodeesquemas/modelosque
visemà soluçãodoproblema.Aqui,os alunosorganizadosemgrupos,
devem apresentar soluções e estratégias, que possam conduzir aos
objetivossolicitadoseconvencercomsuasargumentaçõesoutrosgrupos.
• Nível 4 Prova–apresentaçãoeformalizaçãodomodelomatemáticoaser
ensinado.Aqui,adidáticadoprofessordeterminaráemquecondições
ocorreráaaquisiçãodeumnovosaberquedeveserconfrontadocomos
saberesmatemáticosatuais,inclusiveasmodificaçõescondicionadaspela
evoluçãoemodernizaçãodomesmo.
A adoção de uma proposta metodológica para o ensino das sequências de
Fibonacci edeLucas é justificadaapartirda evidenciadeque,na literaturada
áreadeHistóriadaMatemática,obtidapormeiodeumlevantamento bibliográfico
e análise de livros, ocorre escassez de uma discussão mais aprofundada e das
implicaçõespossíveisextraídasapartirdasrelaçõesconceituaisentreassequências
supracitadas,alémdoquadroacadêmicopreocupantedescritoporBianchi(2006)
eStamato(2003).
Encontramos também nas afirmações de Lima (2001(a)) preocupantes
conclusões a respeito da qualidade do livro didático de Matemática, de modo
particular, na abordagem de sequências numéricas. Deste modo, de acordo com
a sugestão de Lima, desenvolveremos algumas considerações que podem evitar
determinadasconcepçõesehábitosindesejadosnaaprendizagemdosestudantes.
Uma concepção facilmente identificada diz respeito a um ensino de
Matemática que não evidencia as relações conceituais. Deste modo, como
descrevemosnaFigura1,discutimosumassuntoquepossibilitaumaamplaligação
conceitualinternaàprópriaMatemática.“Talligaçãoprecisasercompreendidade
modo local eglobalporpartedoprofessor interessadoemseuensino” (ALVES;
BORGESNETO,2010,p.3).Alémdisso,aoobservarmosasconexõeseimplicações
possíveis e conhecendo a natureza da complexidade dos conceitos envolvidos,
podemospreverosmomentosdidáticosemquecadanoçãopodeserexploradae
anteverospossíveisobstáculosaoaprendizado.
Passamosassimadescreverumapropostadeaplicaçãoteóricadosconteúdos
de sequência de Fibonacci e de Lucas, segundo o modelo que nominamos de
“estendido”.
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157
Figura2:Relaçõesconceituaisexploradas(ALVES;BORGESNETO,2010,p.5).
Honsberger(1985,p.104)menciona,semfornecermuitosdetalhes,que,“não
existedificuldadeemestenderaseqüênciadeFibonaccinosentidoindefinidamente
oposto”.Defato,notamosque: - -= + \ =1 0 1 1f f f f 1 ; - - -= + \ =-0 1 2 2f f f f 1 ,...,
etc.Sucessivamentetemos:
- Î - - - - - - - - -
- - - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{f } :{......; f ;...; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f ; f }
{ ....;...... ; 21; 13 ; 8 ; 5 ; 3 ; 2 ; 1 ; 1 ; 0} (1)
Destacamos que, em nenhuma das
obras consultadas, encontramos a descrição
da sequência de Fibonacci para o conjunto dos
inteirosnegativos.Entretanto,usandoomesmo
princípio para a forma geral - -= +n n 1 n 2f f f ,
estabelecemos - - - - -= +n n 1 n 2f f f , În
.
Acrescentamosaindaqueomodelomatemático
descrito por - -= +n n 1 n 2f f f , pode ser
considerado,numa linguagematual,comouma
singelamodelagemdageraçãodecoelhos;todavia,omesmonãopodemosdizerem
relaçãoàsequência - În n{f }
.
Demodoanálogo,lembrandoque - -= + \ = - =-1 0 1 1 1 0L L L L L L 1 ,temos
aseguinteregra - - - - -= +n n 1 n 2L L L ,para În .Exibimosasequência:
- Î - - - - - - - - -
- - -n n n 8 7 6 5 4 3 2 1 0{L } :{..; L ;...; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L ; L }
{ ...;...... ; ; 18 ; 11 ; 7 ; 4 ; 3 ; 1 ; 2 } (2)
A vantagem desta formulação pode ser compreendida, por exemplo, a
partir da fórmula + -× - = -2 nn 1 n 1 nf f f ( 1) demonstrada pela primeira vez por
Giovanni Domenico Cassini (1625-1712), em 1680, como explica Koshy (2007,
apud ALVES; BORGES NETO, p. 134).Vamos agora realizar o mesmo raciocínio
s a i b a m a i s !
Conheça mais sobre a história do matemático
Giovanni Domenico Cassini acessando o site
http://www.apprendre-math.info/portugal/
historyDetail.htm?id=Cassini
AULA 6 TÓPICO 3
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para a sequência descrita por - - - - -= +n n 1 n 2f f f . A matriz adequada será dada
por -
- -
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷= =ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç-è ø è ø0 11
1 2
0 1 f fQ
1 1 f f.Demodoanálogoecomalgumesforço,concluímos
- + -
- - -
æ ö÷ç ÷=ç ÷ç ÷çè øn 1 nn
n n 1
f fQ
f f. Aplicando um argumento semelhante ao de Honsberger,
obtemos a seguinte identidade - + - - -× = - +n 2n 1 n 1 nf f ( 1) f , para În
. Assim,
tomando-se os modelos - În n{f }
e - În n{L }
, que chamaremos de “sequências
estendidas”, podemos inferir propriedades surpreendentes. Vamos exemplificar
nossaafirmaçãosugerindooseguinteproblema:Qualocomportamentogeométrico
de - În n{f }
e - În n{L }
?
faremos agora o Passo a Passo Do Processo metoDológico Da aula sobre
sequência.
Nível 1 Tomada de posição–apresentaçãodoproblemaoudeumteorema.
Destacamos que tal questionamento é pouco usual. De fato, notamos que
a noção de sequência é explorada, eminentemente, “num quadro aritmético e
algébrico”(LIMA,2001(b),p.123).Assim,apartirdalistagem(1)e(2),podemos
estimularosestudantesnaconstruçãodosseguintesgráficos.
Figura3:Apresentaçãogeométricadassequências(ALVES;BORGESNETO,2010,p.8).
Certamentequesemoauxíliocomputacional,nãoconseguimosdescrevero
gráficoacimaparavaloresmuitograndes.Assim,nonível2empregamosoaparato
tecnológico.
Nível 2 Maturação –compreensãoeidentificaçãodasvariáveisenvolvidas
noproblema.(Destinadoàdiscussãoedebateenvolvendooselementos:professor-
alunos-saber).
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159
A partir da observação da figura 4, o professor deve salientar aos seus
estudantesocaráterlimitadoeinsuficiente,nosentidodepreverocomportamento
das sequências. Inclusive, usando o software Maple 10, notamos que, de modo
semelhante aomodelo tradicional, omesmo fornece apenas osvalorespositivos
da sequência, definida para inteiros positivos. Reparamos as aproximações por
casasdecimaisdescritaspeloprogramanafigura3.Tallistagempodegeraralguma
estranheza nos estudantes, uma vez que, segundo o modelo de Fibonacci, não
poderiamexistir4,9999999956casaisdecoelhos.
Nestenível,oprofessorpoderáestimularatividadesnuméricas.Porexemplo,
apartirdafigura6, - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f paraocasodográficode - În n{f }
.
E de modo equivalente, os alunos podem debater o comportamento do gráfico
dasequência de Lucas,entretanto,respeitandoopoderdesíntesedestaaula,nos
restringiremosdaquiemdianteaocasodasequência de Fibonacci estendida - În n{f }
.
Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que
visemàsoluçãodoproblemarelacionadoaHistóriadaMatemática.
A partir das propriedades conjecturadas no nível 3, a saber - =-2n 2nf f
e - + +=(2n 1) 2n 1f f , o professor necessita instigar a turma na compreensão de que
tais propriedades são insuficientes para responder o problema inicial. Aqui,
evidenciamosumaimportantecaracterísticadaSF,quebuscaevitarumaaparência
superficialdoconhecimentomatemático.
Tal aparência superficial leva os estudantes a pensarem que para todo
problemaencontramosumarespostadefinitivaeconclusiva.Nestecaso,omestre
sabequea respostaparaoproblemaexigebemmaisdoquealgumas linhasde
argumentação e, além disso, deve conhecer a priori as possíveis propriedades
necessáriaseanteverasdificuldadesreaisàevoluçãodoconhecimentoemdiscussão
pelaturma.Nopróximonível,oprofessorconvenceráseusalunosarespeitodas
argumentaçõesqueapresentammaioreschancesdeêxito,mesmoqueparcial,para
oproblema.
Nível 4 Prova–apresentaçãoeformalizaçãodomodelomatemáticoaser
ensinado.
Admitindoquesejaverdadeque - =-2n 2nf f e - + +=(2n 1) 2n 1f f ,poderíamos
afirmar que o comportamento geométrico da sequência de Fibonacci de termos
pares estendida seráomesmocomportamentoda sequência tradicional, amenos
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deumsinal,oqueprovocaráasimetrianográfico.Enosegundocaso,poderíamos
concluirqueos termos ímpares, tantodasequência tradicional comoasequência
de Fibonacci estendida,devemseridênticos,entretantoambasproduzemrespostas
parciais para nosso problema inicial. Para verificar tais igualdades, seguimos a
sugestãodeBenjamin;Quinn(2005,p.143),quepropõemaverificaçãodaseguinte
igualdade +- = - ×n 1
n nf ( 1) f para În .
Mas assumindo por indução a igualdade +- = - ×n 1
n nf ( 1) f ,
necessitamos provar que + + +- + - - + += = - × = - ×(n 1) 1 n 2
(n 1) n 1 n 1 n 1f f ( 1) f ( 1) f . Usamos- +
- - - -= - × = - ×n 1 1 n(n 1) n 1 n 1f ( 1) f ( 1) f ,assim:
- + - - - - - - + -= + \ = - =Hipótese
n 1 n n 1 n 1 n 1 nf f f f f f
= − ⋅ − − ⋅ = − ⋅ + − ⋅ =
= − ⋅ +(−
+−
−
( ) ( ) ( ) ( )
( )
1 1 1 1
11
11
1
nn
nn
nn
nn
nn n
f f f f
f f ))= − ⋅+ +( )1 21
nnf
“Opensamentomatemáticopodeapoiarosestudantesemdiversosmodos
quandoestudamhistória”(GRUGNETTI;ROGERS,2000,p.53).Ainvestigaçãode
evidênciasprimáriaseoprocessodedecisãodequaissãoosresultadosefatores
chaveemcadaeventoproporcionaumavisãoglobaleinterconectadaaosjovens,
entretanto o professor necessita se apoiar em concepções e teorias que possam
viabilizar um ensino/aprendizagem produtivo, com o suporte da História da
Matemática.
A proposta metodológica denominada Sequência Fedathi visa um ensino
desta ciência que preserva alguns traços característicos do momento de criação
e descoberta de um matemático. Deste modo, uma das variáveis na pesquisa é
a formulação de situações-problema intrigantes que exigem bem mais do que o
exercíciodopensamento algorítmico(OTTE,1991,p.285).
Emnossocaso,evidenciamosemváriasobrasaausênciadaexploraçãode
propriedades intrigantesentreassequências de FibonacciedeLucas.Apenasem
Honsberger (1985), encontramos a breve sugestão de desenvolver propriedades
com o que nomeamos de sequência estendidade de Fibonacci. A partir dela,
desenvolvemostambémalgumaspropriedadesparaasequência estendida de Lucas.
Seguindooraciocínioencontradonoslivrosconsultados,adaptamososresultados
obtidosparaaprimeirasequêncianasegunda.
Na figura 3 exibimos nossa última relação descrita de modo significativo
por meio de uma interpretação geométrica. Respeitando os limites de síntese
deste artigo, salientamos, de modo resumido, o caso das relações com a noção
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161
de convergência de sequências. Descobrimos que o quociente +n 1
n
ff converge
(BENJAMIN;QUINN,2005,p.157).Omesmoresultadopodesercompreendido
de modo intuitivo e informal num curso de História da Matemática, quando
recorremosàtecnologia.Demodosurpreendente,nãoidentificamos,naliteratura
pesquisada,ocomportamentode +n 1
n
LL descritadoladodireitodaFigura4.
Figura4:Comportamentogeométricodoquociente(ALVES;BORGESNETO,2010,p.8).
Finalizamos este tópico salientando a dificuldade enfrentada pelos
professorescomvistasaumaefetivaexploraçãoemsaladeaula.Commencionamos
anteriormente,muitosdosconhecimentosapresentadosaoprofessoremformação
envolvemumsaberde“caráter informacional”,enãoumasobrasconsultadas
“caráter operacional”.Alertamosque,namaioriadoscasos,oprofessor,porsisó,
nãoconseguerealizarasnecessáriasligaçõesentreteoriaeprática,principalmente
oincipientenacarreira.
Desse modo, buscamos discutir e explorar nestes tópicos um caráter
operacional do saber matemático com um viés eminentemente histórico. Sua
importânciaédestacadaporDambros(2006,p.5)aorelatarque:
Dentreas justificativasapresentadaspelosdefensoresdoestudodahistória
damatemáticapeloprofessor,háumainsistentementecitada:oprofessorque
conheceahistóriadamatemáticacompreendeamatemáticacomoumaciência
emprogressoeconstrução,comoumacriaçãoconjuntadahumanidadeenão
como uma ciência pré-existente, um presente acabado de Deus, descoberta
porgênioseporissoincontestável.
Este caráter de “saber universal”, manifestado de modo peculiar na
Matemática,éhistórico.Eleperpassaeinfluenciatodaaformaçãodosformadores
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deprofessorese,porúltimo,influenciaráaformaçãodolicenciado.Muitosdestes
condicionamentospodemserentendidos,namedidaemquenosatemosàprópria
constituição,evoluçãoedeterminaçãodoscurrículosdeMatemática,desdeoBrasil
colôniaatéosdiasatuais.Nestesentido,Miorim(1995,p.192)discuteque:
Na3ªsérieaarticulaçãoentreaaritméticaeaálgebracontinuaatravésda
ampliação do estudo de funções, de sua representação gráfica e das equações e
desigualdadesalgébricas.Nageometriapercebe-seclaramenteorompimentocomo
modeloeuclidiano,quandoépropostooestudodeproposiçõesfundamentaisque
servemdebaseàgeometriadedutiva,dasnoçõesdedeslocamentoselementaresno
plano;translaçãoerotaçãodefigurase,emseguida,umasériedeestudosespecíficos
sobrefigurasrelaçõesmétricasehomotetia.Éapulverizaçãodageometriadedutiva
eucliana.
Emsuasconsiderações,notamosadenúnciaarespeitodasreformashistóricas
envolvendoocurrículodeMatemática,que,emalgunscasos,proporcionaramum
efeitonocivoàEducação.OselementosapontadospelapesquisadoraMariaÂngela
MiorimconstituemelementosdaHistóriadaEducaçãoMatemática.
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CURRÍCULOFrancisco Regis Vieira Alves
Professor Francisco Régis Vieira Alves atua há dez anos no ensino superior como professor
de Matemática. Foi professor da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde promoveu a
modificação e reorganização do currículo para o professor de Matemática em consonância
com paradigmas nacionais e internacionais, e coordenador de cursos de especialização nesta
instituição voltados ao ensino da Matemática. Atualmente é professor do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE), no qual possui atividades
direcionadas ao curso de licenciatura. No que diz respeito à sua formação acadêmica, é
licenciado e bacharel em Matemática – UFC; mestre em Matemática Pura e em Educação
(UFC); e doutor em Educação com ênfase no ensino de Matemática em nível superior. É
pesquisador do laboratório Multimeios da UFC.
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