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Paulo de Góes Filho O Brasil no Microscópio: O Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e um jeito brasileiro de fazer pesquisa IUPERJ 11/11/2012 Foi por isso que escolhi como modelo de trabalho o peixe-elétrico. Se não tivesse sido o peixe o modelo que eu escolheria seria a preguiça. Não sei quando mas certamente bem no começo de meu trabalho é que surgiu esse tipo de orientação, que cada vez mais se enraíza em mim, de que nos países subdesenvolvidos devemos usar as técnicas mais avançadas em modelos

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Paulo de Góes Filho

O Brasil noMicroscópio:

O Instituto de Biofísica CarlosChagas Filho e um jeito

brasileiro de fazer pesquisa

IUPERJ11/11/2012

Foi por isso que escolhi como modelo de trabalho o peixe-elétrico. Se nãotivesse sido o peixe o modelo que eu escolheria seria a preguiça. Não seiquando mas certamente bem no começo de meu trabalho é que surgiu essetipo de orientação, que cada vez mais se enraíza em mim, de que nos paísessubdesenvolvidos devemos usar as técnicas mais avançadas em modelos

autóctones...

Carlos Chagas Filho, 1983

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As long as one follows the tradition according to which the categories or forms ofthinking are shuffled into one compartment, the objects of thinking into a secondand separate, human experience into a third and the social groups within whichstandards of orientation or of thinking develop, it is hardly possible to understandthe development of any of them. For the actual development - the observabledevelopment - comprises all these facets closely interwoven without priority of anyone of them. (Elias, 1982)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

1.INTRODUÇÃO

2 IMAGINANDO UMA COMUNIDADE

2.1- As categorias ou formas de pensamento: o ethos

2.2 - Os objetos: A produção social das disciplinas (biofísica e neurociências)

2.3 A experiência humana: carreiras e trajetórias

2.4 O grupo onde a experiência se desenvolve: o “externo” e o“interno”

2.4.1- O espaço externo: Nação e elites nacionais

2.4.2 O espaço interno: campo acadêmico e campo científico

3 -UMA INSTITUIÇÃO SINGULAR

3.1 Origens

3.2-A passagem de Manguinhos para a Faculdade de Medicina

3.3 - História das invenções

3.3.1 - A primeira “invenção”: a transformação da Física Biológica em Biofísica.

3.3.2 A segunda “invenção”: o poraquê um modelo brasileiro de investigação.

3.3.3 A terceira “invenção”: o pesquisador- docente.

3.4 As invenções tomam corpo

3.5. O singular no plural

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3.6 O plural no singular

4 - TRÊS TRAJETÓRIAS

4.1- Guilherme Guinle

4.2- Carlos Chagas Filho

4.3 Aristides Azevedo Pacheco Leão

5 UMA LINHAGEM

BIBLIOGRAFIA

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As long as one follows the tradition according to which the categories or forms ofthinking are shuffled into one compartment, the objects of thinking into a secondand separate, human experience into a third and the social groups within whichstandards of orientation or of thinking develop, it is hardly possible to understandthe development of any of them. For the actual development - the observabledevelopment - comprises all these facets closely interwoven without priority of anyone of them. (Elias, 1982)

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INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é o de descrever - a partir dahistória do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, das trajetórias de algunsde seus pesquisadores e da evolução das ciências biomédicas noBrasil - o desenvolvimento de um processo que contribuiu para queo campo científico (Bourdieu 1976) se tornasse autônomo no âmbitoda sociedade brasileira. Visa também examinar a contribuiçãodaquela instituição e de seus pesquisadores para a consolidaçãode um grupo social, progressivamente dotado de poder e prestígio,que se identifica e é identificado como a “comunidade científicanacional.”.

A opção pelo Instituto de Biofísica nasceu, em primeiro lugar, dofato de que ele é considerado uma “instituição exemplar” em nossocenário científico. O prestígio da instituição e de seuspesquisadores na comunidade acadêmica - consolidado ao longo dosúltimos cinquenta anos - pode ser avaliado tanto por critérios“objetivos”, como os altos índices de produtividade obtidos pelainstituição (Anexo I), quanto por indicadores de consagração,como a presença maciça de representantes do Instituto na AcademiaBrasileira de Ciências, na Ordem Nacional do Mérito Científico,em órgãos decisórios de agências governamentais e em associaçõescientíficas representativas dos interesses da “comunidade” (AnexoII).

Esse conjunto de indicadores expressa a representação dominantede que o Instituto é um “centro de excelência” e evidencia não sóa alta posição relativa que ocupa na hierarquia dosestabelecimentos científicos, como reflete suas relações comoutras dimensões do espaço social em que o diversificado estoquede capital de que dispõe parte de suas lideranças opera comoelemento de reforço para o prestígio da instituição.

Além disso, o grande investimento feito ao longo dos anos, nosentido de garantir um permanente intercâmbio entre o Instituto eoutros centros de projeção internacional, permitiu oreconhecimento da instituição simultaneamente no plano nacional eno plano internacional.

O prestígio e a excelência-tanto dos pesquisadores, quanto dainstituição - revelados por esses indicadores derivam, por outro

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lado, de um complexo sistema de interações que não se limita ao“mundo da ciência”. As citações em revistas cientificas, asapresentações à Academia Brasileira de Ciências, a escolha derepresentantes do Instituto para participarem em colegiados deórgãos governamentais são, na verdade, o produto de uma complexarede de relações de troca que foi sendo tecida ao longo de muitosanos. Compreender, portanto, os vínculos que se estabeleceramentre este mundo e outras dimensões da vida social requer o examedas posições, no tempo e no espaço, desse grupo de agentesinteressados. Como em qualquer dimensão da vida social osvínculos não são lineares ou biunívocos e dependem da forma pelaqual se processa a “conversão” ao campo científico dos distintostipos de capital que detém os agentes (econômico, social,simbólico, político e acadêmico) e de que maneira o capitaladquirido no campo científico vai sendo progressivamentevalorizado no mercado de bens simbólicos, na medida em que ocampo se torne autônomo (Bourdieu, 1974, p.168).

Uma evidência da amplitude da rede de relações que se estabeleceuentre o Instituto e outros grupos dominantes na sociedadebrasileira foi a possibilidade de mante-lo relativamenteprotegido das crises que afetaram profundamente, em anosrecentes, outras instituições científicas de igual prestígio,comprometendo a consolidação de algumas áreas do conhecimento e opróprio desenvolvimento da ciência brasileira nesse período.

Entre essas, as mais graves foram as que atingiram o InstitutoOswaldo Cruz e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas na décadade 70. No primeiro caso a crise assumiu contornos nitidamentepolíticos, ficando conhecida como o “massacre de Manguinhos”;quando alguns de seus mais eminentes pesquisadores foram expulsosda instituição e tiveram seus direitos políticos cassados; nosegundo caso, além dos aspectos políticos, a crise foi gerada porcondições “econômico-financeiras”, já que a instituição nãoencontrou junto às instâncias de poder político ou econômico oapoio necessário à continuidade de seu projeto o que só viria aocorrer muito mais tarde.

O Instituto de Biofísica, ao contrário das instituições citadas,pôde manter nos últimos cinquenta anos, uma incontestável posiçãode liderança na maior parte dos movimentos que contribuíram paraque o campo científico ganhasse autonomia no Brasil permitindoque a produção e reprodução do conhecimento científico e de seusagentes, no espaço da academia, obtivessem o indispensável

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reconhecimento público1. Seu principal papel foi o de mobilizarapoios, públicos e privados, vencer resistências internas eexternas ao campo onde deveria legitimar-se e, sobretudo, atravésda ação de seu fundador, o Professor Carlos Chagas Filho imporque as novas categorias ali inventadas fossem aceitas comolegitimas.

Numerosos “princípios” que aparecem hoje como naturalmenteconstitutivos das regras que regem as práticas acadêmicas noBrasil são o resultado dessas invenções, e fruto da construçãosocial, ou apropriação, de categorias que por um processo dedeslocamento ou de conversão assumiram novos significados. Entreesses, os mais expressivos são os que tornaram indissociáveis oensino e a pesquisa, unindo os campos de produção e reprodução doconhecimento; impuseram a “necessidade” de se criar uma “ciêncianacional de padrão internacional” e separaram a produçãocientífica de sua utilidade imediata, transformando a “qualidade”e a “excelência” nos únicos critérios legítimos dereconhecimento.

Através da naturalização desses princípios foi possível consagrara representação de que o “mundo da ciência” independe de suasrelações com outras dimensões da sociedade. Mas o reconhecimentode outro princípio que associa ciência, progresso, bem-estar esoberania, revelou-se um elemento indispensável para oreconhecimento do valor e distinção dos agentes interessados.Isto se dá na medida em que é somente quando o mundo da ciência éintegrado a outras dimensões da vida social, que pressupõem umtempo, um território e uma cultura, torna-se possível converterem reconhecimento e poder o capital derivado da práticacientífica, garantindo a sustentação e reprodução de suesagentes.

Ao longo do trabalho será possível perceber, as estratégiasadotadas, a partir da experiência do instituto para essa duplainstituição. De um lado é possível perceber nas trajetórias dealguns pesquisadores como foram incorporados a esse espaço outros“estilos de vida” percebidos, aos olhos do senso comum, comopertencentes a dimensões da “cultura” brasileira estranha aocampo. Tais estratégias são, especialmente, aquelas associados aocomportamento de certas frações de nossas “elites”, tomadas aquina acepção das descritas por Castro Leal (1995).

1 A Criação do Conselho Nacional de Pesquisas, em 1951, a Reforma Universitária e a instituição da Pós Graduação no Brasil, entre outros.

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Julga-se que, dificilmente, no âmbito da “comunidade científica”operariam padrões de referência, mecanismos de inclusão eexclusão, relações de compadrio, entre outros, descritos poralguns autores como resultado de uma sociedade profundamente“hierarquizada” 2. Entretanto, as relações entre o corpo depesquisadores do IBCCF e os mais diversos segmentos dessas elitessão um traço marcante do grupo que ao longo dos anos integrou oInstituto e não pode ser desprezado.

Imputar exclusivamente a esta associação o prestígio do Institutoseria um interpretação ingênua, mas é inegável que a fração dacomunidade científica ali representada, expressa, em suaspráticas, particularidades que singularizam histórica eculturalmente certas frações das elites brasileiras.

Não se trata aqui de explicar a “formação da comunidadecientífica nacional” a partir de um modelo pré-concebido dasociedade brasileira ou de uma idealização do “campo científico”.Trata-se, ao contrário, de problematizar essas relaçõesexatamente onde elas poderiam parecer menos evidentes.

O conjunto de questões que procurei examinar envolve osresultados da associação, de um lado, da disponibilidade pelospesquisadores do Instituto de um volume significativo de capitalsocial, econômico, político e simbólico, e de outro, dosinvestimentos realizados para aquisição de “prestígiocientífico”, através da reinvenção no Brasil das regras que seconsagravam internacionalmente e que, pouco a pouco, tornavam ocampo científico uma dimensão relevante da sociedade em todo omundo.

O equilíbrio resultante do uso discriminado, nos momentosapropriados, desses dois tipos distintos de capital, atravésdaquelas estratégias que se mostrassem potencialmente maiseficazes, foram fundamentais, como se verá, tanto na gênesequanto na consolidação da Instituição. Esse equilíbrio nãoresultou ”naturalmente” e “exclusivamente” da adoção por seufundador de uma “fórmula” racionalmente preconcebida nem foi aconsequência de um projeto integralmente articulado. Na verdadefoi a percepção das condições sociais que se apresentaram em cadaconjuntura específica, que orientou as decisões tomadas por

2Refiro-me, aqui aos trabalhos de Matta (1979), ao estudo de Leeds sobrecarreiras no Brasil (1978) e ao trabalho de Needel (1993) sobre o Rio deJaneiro da belle époque.

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Carlos Chagas Filho, que como um profeta weberiano, contestou atradição dominante fazendo-se representante do interesse daquelesgrupos que por seu intermédio consagraram uma nova doutrina einstituíram um novo sacerdócio. (Miceli, 1974, LVI)

Um outro conjunto de questões, que pautou a pesquisa, teve comoreferência a dimensão “nacional” dessa experiência, sobretudo namedida em que a aquisição de prestígio no campo científico éfortemente influenciada por representações que atribuem, tanto nodiscurso científico, quanto no discurso nativo sobre a ciência, aprecedência do caráter “universal” e “supranacional” doconhecimento científico sobre seu caráter local e nacional. Aarticulação entre essas duas dimensões, como se verá, no casoestudado, implicou em significativos investimentos na valorizaçãode um terceiro espaço, a interseção entre duas dimensões-nacional e internacional - à qual se recorreu sempre que foinecessário legitimar de fora para dentro, ou vice versa, asposições relativas, no campo, dos agentes interessados. Nessesentido, a valorização do intercâmbio e a importância dos postosinternacionais nas trajetórias dos pesquisadores revela como é,paradoxalmente, central o papel das fronteiras nacionais, nodiscurso sobre o “mundo sem fronteiras da ciência”.

Com base nessas observações sobre o Instituto de Biofísica esobre os estilos de vida de seus pesquisadores, é possível suporque a ciência feita ali se impôs, ao longo dos anos, como ummodelo legítimo e tornou-se o paradigma do “jeito brasileiro defazer ciência”. Foi no Instituto que tiveram origem, entre outrasinovações, a pós-graduação, a figura do pesquisador-docente e apesquisa multidisciplinar, que se tornaram por sua vez, osprincipais indicadores para sua consagração.

Meu interesse por esse “mundo da ciência” não é recente. Filho deum cientista de prestígio e funcionário do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, em Brasília,desde 1980, durante os cinco anos que lá permaneci, passei a terum contato formal e permanente com cientistas das mais variadasáreas do conhecimento. Essa forma de relacionamento era nova paramim, já que, até aquele momento, eu mantivera ou relaçõesfamiliares e sociais com esse grupo ou convivera mais diretamentenum círculo de pesquisadores da área das “ciências humanas esociais” 3.

3 Quando ingressei no CNPq meu pai era representante da “comunidadecientífica” no Conselho Técnico Científico (CTC), então órgão máximo

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Ao ingressar no CNPq, primeiro como assessor do Vice-Presidente,encarregado dos orçamentos e do planejamento dos institutosvinculados ao Conselho e, mais tarde, como chefe-adjunto daassessoria de planejamento, responsável pela elaboração doorçamento do órgão, passei a ser visto como um espécime dosegmento da burocracia estatal montada, a partir da década de 50,para “fomentar” o desenvolvimento da ciência brasileira.4 Eu, quehavia sido treinado desde a primeira infância, para responder queseria, ao crescer, Professor de Microbiologia, transformara-me,aos 30 anos, em “Técnico em Desenvolvimento Científico eTecnológico”, ou seja um funcionário público especializado em darapoio aos pesquisadores.

Investido nesse papel, passei a observar que ser funcionário daAdministração Central do Conselho gerava uma série deexpectativas sobre meu desempenho, por parte dos “membros dacomunidade”. Essas expectativas dependiam das circunstâncias emque se produzia a interação: em muitas oportunidades eu era vistocomo “o filho do Paulo de Góes”, em outras, como eficienteburocrata.

Como burocrata de uma agência federal de fomento à ciência,envolvido em atividades que afetavam sensivelmente os interessesde meus “clientes”, eu ocupava um lugar claramente definido por“obrigações contratuais”, num espaço social marcado pelodistanciamento e pela assimetria, como se estivesse vivendo numaporção gumsa do mundo da ciência. Um comportamento respeitoso, apronta atenção às demandas, o reconhecimento da minha ignorânciaquanto “às reais necessidades da comunidade científica” era o quese esperava de um técnico em desenvolvimento científico etecnológico”. “Servir à comunidade científica” parecia ser opapel a cumprir pelos funcionários do Conselho e cumpri-lo bem.Esta não parecia ser uma percepção exclusivamente minha. SegundoNunes, um antigo funcionário do Conselho:

daquela instituição. Outros funcionários do Conselho referiam-se aoutros membros da comunidade que circulavam pelo CNPq como “meus tios”.

4 Esse segmento da burocracia do estado brasileiro seria não uma“noblesse d’état”, mas uma espécie de “bourgeoisie d’état”, visto queformada por uma elite de funcionários abrigados em algumas instituições,vinculadas à Secretaria de Planejamento da Presidência da República(IPEA, IBGE, CNPq e FINEP), detinha alguns privilégios salariais, umarelativa liberdade de produção intelectual e algum prestígio político.

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“ o ethos comportamental aí existente [na comunidade científica] estabelece

que ao cientista compete o exercício da ciência e ao Estado [ através de seus

agentes ] as garantias de seu funcionamento material, e entre ambos não se

estabelecem vínculos mais precisos” (Nunes, 1994, p.540)

Entretanto, como filho de cientista me era dado perceber, talvezcom mais clareza, a complexidade desses vínculos e observar,eventualmente e a convite, a porção gumlaoi desse mundo, onde asregras não se explicitavam tão claramente. Nesse mundo derelações pessoais, de limites mais frágeis entre as posiçõeshierárquicas (“relação entre pares”) e da aparente meritocracia,as expectativas e, conseqüentemente, as obrigações eram de outraordem. Hoje parece claro que a minha presença na instituição erapercebida, em parte, como fruto de atributos adquiridos, poissupunha-se que eu dominasse alguns códigos e admitia-se que eufosse “confiável”. Analisando retrospectivamente minhaexperiência no Conselho tenho a impressão que, tanto por partedos outros funcionários, quanto dos “membros da comunidade” euera visto como um espécie de mediador ou broker, na medida em quedetinha por atribuição os códigos da comunidade e por aquisiçãoos códigos da burocracia. Percebi, então como a administração daciência se opunha de forma radical ao fazer ciência.

A partir dessa posição privilegiada de observador, passei anotar, com estranhamento, as atitudes dos pesquisadores queparticipavam regularmente das atividades do CNPq. Em primeirolugar, observei que a legitimidade das reivindicações dessesatores, frente ao Estado, tinha seu fundamento em representaçõesque naturalizavam a valorização do “saber”, tanto como fonte deautoridade, quanto como elemento de distinção desse grupo diantede outros segmentos da sociedade brasileira. A obtenção do quelhes era devido em função de um mérito intrínseco, prescindia dorecurso a qualquer outro tipo de relação (familiar, prestígiopolítico, etc.) vistas como fontes potenciais de comportamentosinadequados, senão espúrios.

Me parecia ainda mais significativo que, naquela agênciagovernamental, metaforicamente chamada “a casa do cientista”fosse constante o uso da expressão “comunidade científica” paraclassificar, da forma mais abrangente possível, o grupo de atoresque constituía sua “clientela” ou “público-alvo” prioritário.Especialistas das mais diversas áreas do conhecimento não só eram

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designados, mas se auto-representavam como pertencentes a essacategoria abrangente e inclusiva. Ser membro da comunidadecientífica não só definia a atitude de cada um de seus membros,vis-a-vis ao pessoal técnico-administrativo do Conselho, comoinformava todo um conjunto de práticas de alta eficáciaperformativa.

Desde aquela época, tanto no âmbito do Conselho quanto em outrossegmentos da sociedade, a figura de Carlos Chagas pareciaincorporar todos os atributos que definiam o tipo ideal decientista, sendo freqüente a prática de consultá-lo ou convocá-lopara representar a comunidade em ocasiões em que se desejavahomenageá-la..5 Paradoxalmente se no mundo da burocracia ele era aexpressão máxima do cientista, no mundo da ciência ele aparecerácomo o exemplo do administrador científico.

Percebi claramente que a identidade englobante - “cientista” ou“membro da comunidade” - era capaz de estabelecer oreconhecimento inter-pares, mas sobretudo, distingui-los dos“outros”. Quais seriam esses atributos? Buscar uma resposta aessa pergunta representa para mim, desde então, um especialdesafio

A primeira tentativa de examinar essas questões de uma outraótica provocou minha decisão de me reaproximar do mundo acadêmicoe ingressei no Mestrado de Antropologia da UnB, sem me afastar doCNPq. Naquela oportunidade, busquei uma reconversão parcial àcomunidade acadêmica como forma de atuar, não mais apenas comobroker, mas de participar desses dois mundos num esforço radicalde reflexividade.

Seria possível compreender melhor a “comunidade científica”enquanto “membro autorizado”, pelos rituais e títulos acadêmicos?Seria possível percorrer o caminho inverso (de burocrata acientista) e transformar meu capital de burocrata bem sucedido,investido de uma dose razoável de poder, em capital intelectual,sem perder de vista que o fato de estar atuando nos quadros daadministração federal, diretamente responsável pela políticacientífica e tecnológica, inevitavelmente teria conseqüências nomeu esforço de pesquisa?

5Essa prática é frequente. O Prof. Chagas foi o representante da comunidade na sessão comemorativa dos 30 anos do CNPq, em 1981; dos 75 anos da UFRJ, em 1995, entre outras.

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A tentação de interpretar a comunidade científica from the native’spoint of view foi muito grande. Acreditei, por um momento, que aempatia derivada da minha própria posição no campo, seriacondição suficiente para dar voz aos informantes a partir de umaperspectiva relativizada pela alteridade de observador“treinado”.

As respostas que pude obter naquele momento que relacionavam opoder da “comunidade científica” predominantemente ao grau devalorização que se atribuía então ao desenvolvimento científico etecnológico me pareciam, até bastante plausíveis, mas hojepercebo que esta era uma percepção naturalizada do própriodiscurso do grupo. Apesar disso, a tentativa de um olharantropológico sobre a “comunidade científica” e suas relações coma burocracia da ciência parecia mais reveladora dasespecificidades daquele grupo do que o recurso a uma visão maissociológica.6

Dez anos depois dessa tentativa, voltei a conviverquotidianamente, a partir de 1992, com a “comunidade científica”,agora como funcionário cedido pelo CNPq à Academia Brasileira deCiências. O espaço em que essa experiência teve lugar diferiaradicalmente daquele em que eu convivera no Conselho. Ali aoposição não se fazia entre cientistas e burocratas mas entre“tipos” distintos de cientistas7. Neste novo contexto, a figura deAristides Pacheco Leão, antigo Presidente da Academia e eminente

6Para mim, naquele momento, esse “olhar sociológico” já estaria sendo provido pelos estudos produzidos tanto pelo CNPq na sua área de estudo quanto pela FINEP, que resultaram em trabalhos como a obra de Schwartzman, além daqueles produzidos em outros núcleos de estudos sobrepolítica científica e tecnológica, financiados pelo CNPq. A tônica desses estudos era baseada, de um lado, nos estudos clássicos da sociologia da ciência, de inspiração mertoniana, e de outro marcados pela influência da busca de um novo paradigma explicativo da “crise” da Ciência. Nesse ultimo caso o papel dos “agentes interessados”, a comunidade científica, já estaria determinado, tanto pelas relações desses agentes na “divisão internacional do trabalho científico”, quantopor sua inserção numa “dimensão global” emergente, na qual a ciência brasileira teria um lugar diferenciado.

7A categoria “cientista”, para mim supostamente um conceito “experience-near” (Geertz, 1983, p.57) no início da pesquisa, foi rapidamente assumindo a feição de uma expressão tão polissêmica quanto o nisba em Sefrou.

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pesquisador do Instituto de Biofísica, aparecia, entre seus parescomo a figura idealizada do pesquisador.

Essa nova experiência despertou em mim velhas questões e novasindagações. Os acadêmicos discutiam, nos almoços diários, temasque abrangiam desde o “dever” do Estado para com odesenvolvimento cientifico à pertinência de se ampliar o númerode Seções da Academia (cinco ligadas às ciências naturais) deforma a incluir ,por exemplo, as ciências da engenharia.Abordava-se a questão da “qualidade”, dos “centros deexcelência”, da “carreira científica”. Todas as discussõesenfatizavam a relevância da ciência para a sociedade e anecessidade de torná-la cada vez mais reconhecida. Discutia-separticularmente, diferentes estilos e posturas assumidos peloscientistas na defesa dos interesses da comunidade, além de outrostemas que ao meu olhar ainda mal treinado de antropólogo,revelavam ainda de forma mais exacerbada as mesmas representaçõessobre a “Ciência” que eu observara no Conselho. Foi no decorrerdesses almoços que começaram a se revelar algumas das oposiçõesque se tornaram centrais no presente trabalho, como a que opunhaa “sobriedade” do Dr. Aristides, exemplo do rigor e da defesaintransigente da qualidade científica e a “exuberância” deChagas, formador de equipes e modelo de administrador deinstituições científicas.

Minha primeira intenção de realizar um trabalho sobre umainstituição “bem sucedida” em oposição a uma outra em que oscritérios de qualidade restritos ao campo científico não tivessemsido suficientes para torná-la imune a sucessivas crises: oCentro Brasileiro de Pesquisas Físicas, revelou-se estéril namedida em que suas histórias, posição no campo, processos dereprodução, entre muitos outros fatores, eram virtualmenteincomparáveis.

A partir do ingresso no Programa de Pós-Graduação do MuseuNacional comecei a problematizar, no decorrer dos diversoscursos, temas que tinham como objeto a “comunidade científica”.Um primeiro trabalho versou sobre a relação entre orientadores eorientandos; outro sobre carreiras científicas. Em ambosutilizei, como informantes, membros da Academia, vinculados aoCBPF e ao IBCCF. Finalmente me detive nas questões que relacionam“ciência” e “nação” e seus aparentes paradoxos, dos quais o maisevidente é a defesa de uma “ciência nacional” que não esteja

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condicionada pelos “interesses nacionais” e que assuma, portanto,um caráter universal.

Ao longo das entrevistas realizadas para aqueles trabalhos fuiprogressivamente percebendo a grande diversidade e complexidadedo Instituto de Biofísica, a riqueza da trajetória de seuspesquisadores, a multiplicidade das interseções com outrossegmentos da sociedade, a criatividade das invenções de Chagas,sua presença na autonomização do campo científico no Brasil, ouseja um conjunto de fatores que a tornavam uma instituiçãosingular.

Confirmei, também, haver uma forte relação entre os pesquisadoresdo Instituto e diversos segmentos da elite brasileira. Aexplicação mais tentadora era a de que o fato de pertencer àselites econômicas, política e sociais, no mínimo, “favorecia”,senão tornava possível o êxito na carreira científica. Tiveconsciência, como mencionei, de que essa seria uma explicaçãosimplista: os padrões de reconhecimento no campo transcendem oplano dos atributos derivados da herança de um capital socialcomo a origem familiar, prestígio político ou dinheiro. Sem umgrande esforço de aquisição de outros atributos - títulosacadêmicos, produção científica reconhecida, etc.- qualquerpossibilidade de sucesso estaria afastada.

O meu interesse foi então orientado no sentido de responder a umaquestão: Como operam em uma situação concreta, ou seja, no âmbitode uma instituição, duas dimensões, aparentemente tão“incompatíveis”, quais sejam o capital derivado da atribuiçãodaquele resultante da aquisição?

A partir desta pergunta optei por circunscrever o presentetrabalho a um fragmento desse espaço social, representativo dainterseção do mundo da ciência e da sociedade brasileira. Decidi,assim, estudar o contexto social em que se produziu a história doIBCCF e as invenções que a legitimaram. A escolha do Institutofoi fruto, também, de outros fatores, alguns ligados a minhaprópria biografia, outros relacionados à facilidade de acesso àinstituição e aos informantes. Por essa razão, no processo deconstrução de meu objeto precisei dedicar um considerável esforçode desnaturalização e de desubstancialização.Definido o objeto a ser pesquisado, o primeiro passo foi o dedelimitar o corpus da pesquisa. Para tanto utilizei como fontes asduas principais histórias da ciência no Brasil cujos capítulos,

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versando sobre as diversas disciplinas, são de autoria depesquisadores considerados autoridades nas áreas sobre as quaisescrevem. (Azevedo, 1955 e Ferri e Motoyama, 1979/80)

Além dessas obras que me serviram, de início, para montar a listade pesquisadores que participaram da criação do Instituto e forammembros de suas duas primeiras gerações, utilizei comoreferências dois outros trabalhos escritos por cientista sociais.(Schwratzman, 1979 e Mariani, 1982) Como fonte adicional deinformação levantei as referências aos pesquisadores contidas nostrês primeiros relatórios anuais do IBCCF (1950,1953 e 1959).

Os resultados desse trabalho estão reproduzidos nas Tabelas 1, 2e 3 do Anexo III onde classifiquei, a partir das citações, osindivíduos a pesquisar em três grandes categorias: Fundadores,Primeira Geração e Segunda Geração. Cada uma dessas categoriasfoi subdividida entre “membros” e “visitantes”. Na Tabela I foramincluídos, também, os “mentores” de Carlos Chagas Filho, além deGuilherme Guinle, patrono do Instituto.

O trabalho foi iniciado através da consulta aos arquivos daAcademia Brasileira de Ciências. Nestes identifiquei as pastasdaqueles pesquisadores que haviam trabalhado ou trabalhavam noInstituto de Biofísica e pertenciam ao quadro de membros da ABC.(Anexo II). No decorrer desse levantamento verifiquei a altaincidência de pesquisadores do Instituto de Biofísica na Seção deBiologia da Academia, onde cerca de vinte por cento dos membrostitulares e dos membros associados, a partir de 1945, haviam tidoalgum tipo de relação com Instituto. Outro dado que me despertoua atenção mostrava que, desde a criação do Instituto, em apenastrês biênios não houvera a presença de um pesquisador doInstituto na direção da ABC.

Identificado esse primeiro conjunto de informantes, busqueiconseguir sobre eles o maior volume de informações possível. Omaterial obtido ao longo de um ano de pesquisa foi bastanteheterogêneo e constitui um corpus formado por entrevistas,memoriais, apresentação de candidaturas à Academia, curricula,autobiografias, discursos, relatórios do Instituto e “histórias”do IBCCF. Parte desse material foi obtido em acervos públicos,como os da Casa de Oswaldo-Cruz e do CPDOC, parte já seencontrava na Academia e parte foi o produto de levantamentosespecíficos.

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Com relação aos pesquisadores falecidos, mencionados nas TabelasI e II, organizei dossiês sobre cada indivíduo. No caso dospesquisadores da Tabela III, todos vivos, além desse material,procurei obter depoimentos através de entrevistas formais econversas informais. Um outro conjunto de informações, igualmenterelevante, foi o derivado das genealogias que obtive para algunsdos membros das primeira e segunda gerações.

Finalmente, selecionei um grupo de pesquisadores, formado porCarlos Eduardo Guinle da Rocha Miranda e Eduardo Oswaldo-Cruz epor seus discípulos com o objetivo de avaliar as possíveismudanças nas estratégias de conversão e reprodução de outrostipos de capital, que não necessariamente aqueles derivados daatribuição.

Definido o grupo, passei a trabalhar com nove “indivíduosempíricos”, que constituem o grupo estudado. Simultaneamente,procurei obter informações capazes de situar o Instituto noespaço da Universidade e seus integrantes no contexto dasociedade brasileira dos últimos 50 anos.

Com o objetivo de sistematizar esta tarefa procurei adotar umprocedimento semelhante ao que Bourdieu (1984, p. 60) usou em seutrabalho sobre o campo universitário francês: um conjunto deindicadores que pretende recobrir os diversos tipos dedeterminantes e de “capitais” que definem o locus ocupado pelosindivíduos (construídos) no campo. A construção dessesinstrumentos tinha por objetivo a definição de um conjunto finitode propriedades que se transformam, por uma operação teórica, emvariáveis eficazes na descrição desses indivíduos (construídos).Não se trata, portanto, de assumir uma posição “positivista”, masde recorrer, conscientemente a uma estratégia analítica quepossibilita trabalhar um material basicamente heterogêneo nabusca de regularidades nas trajetórias individuais e nãonecessariamente de padrões homogêneos ou homogeneizadores deconduta. Do ponto de vista metodológico acredito que essa formade aproximação do objeto á la Bateson (Bateson, 1977,p.105) meajudou a evitar pelo menos alguns dos “riscos inevitáveis” comque se defrontam sociólogos e antropólogos ao trabalharem comethos e identidade.

Apesar dessa ressalva creio que a pluralidade de fontes deinformação é, ao mesmo tempo, um benefício e um risco. Esse fatotornou-se particularmente sensível no tratamento do materialreferente ao Prof. Carlos Chagas Filho, cuja posição central em

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todo esse processo, me levou a entrevistá-lo apenas na fase maisadiantada da pesquisa, de forma a evitar um trabalho quer deexaltação ao “sucesso” do IBCCF, que se tornasse uma merareprodução do discurso nativo, quer de “denúncia” das estratégiasadotadas.

Um cuidado especial foi dado ao tratamento das entrevistas, namedida em que surgiram alguns problemas semelhantes àqueles comque se defrontou Pollak (1990) em sua pesquisa sobre ossobreviventes dos campos de concentração já que uma partesignificativa do material é formado por recriações da história. O“mundo da ciência” é um espaço social em que predominam regrasexplícitas mas onde estão igualmente presentes, de formaimplícita, outros códigos externos ao campo. Esses últimos sópodem se tornar explícitos quando os agentes a eles recorrem para“beneficiar a ciência”. Caso contrário, devem manter-se difusos,invisíveis e indizíveis, sendo qualificados como relaçõesestranhas ao campo, já que a única via possível para o êxitoseria fruto, no discurso nativo, exclusivamente do méritointrínseco de cada agente.

Assim, várias vezes me defrontei com diferentes versões de ummesmo evento, com omissões conscientes e inconscientes e, riscomais grave, com um discurso nativo de grande proximidade o meupróprio discurso. O cuidado do meu orientador em evitar que eucorresse esse risco foi fundamental para que o trabalho chegassea bom termo.

A presença, no campo, do Instituto de Biofísica, de seu fundador,de seu patrono e de seus pesquisadores revela que o que hoje nosaparece como a “comunidade científica brasileira”, na verdade uma“comunidade Imaginada” em suas práticas, seus rituais e suastradições foi, em grande parte o resultado de um longo e complexoprocesso de luta e afirmação8.

O primeiro capítulo que intitulei Imaginando uma comunidade situaas dimensões a partir das quais são construídos os conceitos quedefinem o que seja o “mundo da ciência” como objeto de análise

8 “Comunidades imaginadas”, na acepção de Anderson (1991), as nações sãoproduto de longos processos sociais que as colocaram como categoriacentral: para a organização de comunidades políticas, para a produção deidentidades culturais, para a “formação de caráteres singulares”, para adelimitação de mercados e, particularmente, para a definição de um “Nós”incontestavelmente distinto dos “Outros”.

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antropológica. Neste capítulo abordei esse mundo através dealguns conceitos consagrados no discurso da chamada Sociologia daCiência. Entretanto, procurei assumir esse discurso enquantoconstructo, ou seja, como resultado da reflexão de um conjunto deagentes autorizados, que ao construírem a Ciência como objeto,simultaneamente instituem uma disciplina autônoma e sãoinstituídos como agentes interessados.

Através da reconstrução da lógica de “outras” práticas e de“outros” discursos, que guardam com sua própria lógica e seudiscurso uma grande proximidade, esses autores nos ajudam apensar como se inventam os objetos, se demarcam as fronteirasentre distintos campos, se reconhecem os agentes e se produz odiscurso científico.

Se para a maioria desses autores que pensaram a Ciência tratava-se de apreender um mundo fragmentado onde a natureza seapresentava como algo separado da sociedade que a inventava eambas estavam separadas do discurso que as legitimava comoobjetos, a partir de Elias (1982) e de Latour (1994) impôs-serepensar o “pensar a ciência”, como uma configuração ou como umarede que fale ao mesmo tempo e de forma integrada do complexoobjeto-discurso-natureza-sociedade, instituindo uma nova maneirade pensar sociologicamente esse mundo.

A partir desse referencial teórico, procurei identificar, numasegunda aproximação, os produtos, ou invenções, resultantes dascondições sociais em que essas redes ou configurações foramestabelecidas, no Brasil. Sendo assim, procurei examinarsimultaneamente (a) uma história, ou seja, a dimensão temporal;(b) um espaço singular, marcado por limites que definem um planointerno, por oposição a um plano externo e um grupo de agentesque se relacionam objetivando legitimar suas práticas e seusprodutos. Finalmente busquei identificar as categorias depensamento que, traduzidas num discurso de alto poderperformativo, conformaram o campo no qual se articulam essasdimensões.

No segundo capítulo, Uma instituição singular busquei mostrar,numa dimensão diacrônica, como três elementos foram decisivospara a autonomização do campo científico no Brasil: o prestígiodas ciências biomédicas, inaugurado com Oswaldo Cruz, asubstituição do mecenato privado pelo mecenato de estado, quando

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a burocracia estatal viabiliza o financiamento à pesquisa e arestauração do vínculo entre o campo acadêmico e o campocientífico, que se consolida com a instituição da pós-graduação.Através das invenções de Chagas, a biofísica, o poraquê e opesquisador-docente, consagraram-se e legitimaram-se osfundamentos da autonomia do campo: a ciência pela ciência, nummodelo nacional de padrão internacional.

Nesse capítulo procurei também mostrar a importância dos vínculosentre grupos de cientistas e frações das elites brasileiras que,desde os tempos de Manguinhos apresenta um alto grau desuperposição, o que contribui para dar especificidade ao casobrasileiro.

Aprofundando o exame desses vínculos analisei três trajetórias: ade Guilherme Guinle, a de Carlos Chagas Filho e a de AristidesAzevedo Pacheco Leão. Dadas as condições sociais em que seprocessaram essas trajetórias foi possível revelar como algumasrepresentações do discurso nativo foram sendo progressivamenteconstruídas.

No de Guilherme Guinle, é que possivelmente algumas tensões eparadoxos que até hoje pautam as relações entre a comunidadecientífica e o estado tiveram origem na “tradição” de mecenatoinaugurada por Guinle. A comunidade espera que o financiamento àpesquisa independa dos resultados a serem alcançados e que oproduto a ser obtido pela suas práticas seja o próprioconhecimento da realidade não importando sua imediata aplicação.

No segundo caso, o de Chagas, o mais importante aspecto a serobservado é o fato de que sua posição no campo, tornou-o orepresentante de um grupo de agentes interessados, veiculandocomo o profeta, novos discursos, opondo-se aos sacerdotesencastelados em Manguinhos e na Universidade. O prestígioalcançado por Chagas no plano nacional e internacional reforçou oa eficácia de seu papel contribuindo para ampliar o campo deintervenção do cientista na sociedade, integrando como uma desuas funções precípuas, a definição da política científicanacional. Nesse sentido a distinção entre pesquisadores eadministradores de ciência pode assumir valorações positivas ounegativas, dependendo de quem exerce o papel de mediador.

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Finalmente a trajetória de Pacheco Leão serviu de contraponto àtrajetória de Chagas na medida em que o contraste entre essasduas trajetórias permitiu que eu pudesse inferir no discurso dosinformantes uma tensão entre dois modos de fazer ciência: o deuma ciência mais comprometida com as condições sociais que acercam e aquela que se pauta exclusivamente pela qualidade.

Se a oposição entre esses dois modelos contribuiu, por um lado,para reforçar a autonomia do campo, por outro passou a gerartensões ainda não resolvidas. Essa tensões estão ainda hojepresentes nas decisões dos que “optam” pela pesquisa comocarreira.

Esse fato pode ser verificado no capítulo final do trabalho.Neste que intitulei, As Invenções Consagradas, busquei mostrar,através das carreiras de cinco pesquisadores como as invenções deChagas tornaram-se o jeito brasileiro de fazer ciência, sendoconsagradas tanto no discurso como na prática dos agentes. Essesdiscursos, por estarem mais próximos de nós em suas tensões,conflitos e perplexidades talvez possam nos ajudar a repensarnosso papel como candidatos a “pesquisadores-docentes” e nossoscompromissos com a nossa própria ciência.

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1 - IMAGINANDO UMA COMUNIDADE

A identificação da comunidade científica como objeto de análiseantropológica, suscita um vasto conjunto de questões tanto decaráter teórico, quanto metodológico.O primeiro dos dois termos contidos na expressão, que constituitambém uma categoria nativa, nos remete à produção social daidentidade de um conjunto de indivíduos, ou seja, denota aexistência de uma série de valores, crenças, mitos e rituaiscompartilhados por um grupo, que permitem que seus integrantes sereconheçam entre si e, simultaneamente, sejam reconhecidos comomembros de um mesmo grupo social. Nesse sentido a comunidadecientífica teria o mesmo estatuto teórico dos “cadres” deBoltanski (1982), dos músicos de Becker (1963) ou dosintelectuais de Miceli (1979) .O segundo termo da expressão, qualifica a natureza das práticas aque esse grupo se dedica. Essas práticas se realizam num espaçosocial determinado, dotado de regras próprias, conformando um“mundo”, uma matriz de crenças ou um campo, na acepção deBourdieu (1976).Fruto de um longo processo de construção social, a comunidadecientífica pode ser considerada um subgrupo da “comunidadeacadêmica ou universitária”. Entretanto, através do exame de suaorigem e de suas formas de organização e controle social, épossível identificar os traços distintivos que lhe dãoespecificidade, distinguindo-a de outros grupos como osintelectuais, a intelligentsia (que guardam com ela semelhanças no quese refere à produção) ou da própria comunidade acadêmica. Alémdisso, a comunidade científica é distinta de outros gruposcompostos por instituições que se caracterizam por estruturasaltamente hierarquizadas, como algumas organizações burocráticasdo Estado, as igrejas e as forças armadas.

Para Elias (1982), o conhecimento desse “mundo da ciência”depende da compreensão da estrutura e do funcionamento dos“scientific establishments”, em toda a sua complexidade, exigindoo estudo integrado de quatro dimensões estreitamenteinterligadas: as categorias do pensamento, os objetos a que essasorganizações se dedicam, as experiências humanas individuais e aespecificidade dos grupos nos quais os padrões de pensamentocompartilhados se desenvolvem. Da interação dessas dimensões -

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que se produz em distintos planos e espaços - é que o “mundo daciência” assume significado e o caráter de uma totalidade.Mesmo considerando o fato de que limitei meu esforço de pesquisaa uma única instituição, esgotar todas essas dimensões nareconstrução da gênese do Instituto de Biofísica seria uma tarefapor demais ambiciosa. Portanto, ao tentar compreender oselementos que conformam a comunidade científica, através doestudo do Instituto como uma organização formada por um grupo deatores interessados capazes de produzir uma “comunidadeimaginada”, optei por dar mais peso ao estudo de duas das quatrodimensões mencionadas por Elias. Não deixei, no entanto, de mepreocupar com as duas outras, na medida que são constitutivas dopróprio objeto. As dimensões enfatizadas são: as experiênciasindividuais ou carreiras e a invenção de um novo espaçoinstitucional dedicado à produção científica no Brasil, que seconcretizou através de sucessivas lutas de legitimação.A partir dessas duas dimensões, foi possível perceber, de umlado, em que medida o Instituto tornou-se uma organizaçãosingular, embora representativa das práticas e valores vigentesna sociedade brasileira e, de outro, como nele se reproduziu, nasações de seus pesquisadores, o ethos que os faz serem reconhecidose se reconhecerem como cientistas, pautando sua condutaquotidiana.Foi necessário, em primeiro lugar, analisar como se processaram,tanto nas trajetórias individuais mais representativas, quanto nahistória do Instituto, variadas formas de conversão, ao campocientífico, de outros tipos de capital, originados em diferentesesferas da vida social. Para que essa conversão fosse possível,observei ter sido fundamental, ao longo da história, a invençãoou legitimação de um conjunto de categorias, capazes de superaralgumas das contradições ou tensões que estão presentes no mundoda ciência em qualquer sociedade moderna. Particularmente,procurei analisar aquelas que foram surgindo ao longo da formaçãodo campo científico no Brasil. Tais tensões, no primeiro caso,referem-se ás aspirações de independência e individualizaçãoalmejadas pelos pesquisadores, por oposição à necessidade devalorização do trabalho coletivo; no segundo caso, procureiidentificar a natureza dos conflitos que emergiram da forteinterdependência entre instituições de pesquisa e outrasorganizações com as quais elas são forçosamente obrigadas ainteragir, como as instâncias burocráticas do Estado e aUniversidade.

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Como foi dito na Introdução, numa primeira abordagem, o Institutoapareceu como locus privilegiado para a análise da operação de umconjunto de princípios que muitas vezes são vistos, no campocientífico, como naturais e constitutivos de sua própriaespecificidade: o respeito à hierarquia, a vocação inata dopesquisador, a competência adquirida através de processosaltamente formalizados, a produção desinteressada, o compromissoexclusivo com a qualidade, os investimentos na excelência daformação e a objetividade de avaliação. Ao mesmo tempo, oInstituto de Biofísica é considerado um instituição identificadacom segmentos representativos da elite carioca, sendo seuprestígio atribuído por alguns, exclusivamente, à conversão dosdiferentes tipos de capital de que dispõe parte de seuspesquisadores, ao “mundo da ciência”. Na medida em que essa dupla interpretação era explicitada,percebi que a história do Instituto de Biofísica poderia serreveladora, tanto da configuração interna desta instituição,quanto das relações que, ao longo do tempo, se estabeleceramentre vários segmentos da sociedade brasileira e o “mundo daciência”. Observei que através de um processo marcado pordistanciamentos e aproximações entre os diversos segmentos dasociedade brasileira, foram sendo criadas as condições quecontribuíram para a autonomização de seu campo científico e parao fortalecimento de sua comunidade científica. Sendo assim,embora muitas vezes representado como um “mundo a parte” ele sesitua na verdade na interseção de diversos mundos.Para efeitos de organização do trabalho, seguindo a formulação deElias, abordei as seguintes dimensões: Os objetos: a produção social da disciplina; O grupo onde a experiência se desenvolve: o “interno” e o

“externo” A experiência humana: carreiras e trajetórias, e As categorias ou formas de pensamento: o ethos.

1.1 - OS OBJETOS: A PRODUÇÃO SOCIAL DA DISCIPLINA

Um dos fatores de maior relevância para que o Instituto deBiofísica obtivesse um papel central no desenvolvimento daciência experimental na universidade brasileira, mantendo umconstante ritmo de crescimento, foi fruto das estratégias deCarlos Chagas para instituir a Biofísica como disciplina autônomado currículo médico. Essa estratégia resultou, em primeiro lugar,

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da imposição na formação dos médicos de uma “nova” disciplina, naqual os fundamentos e processos, deveriam transcender os limitesvigentes na Física, tal como era concebida até o princípio doséculo. Em segundo lugar, a continuidade e sobrevivência da novadisciplina resultou da possibilidade em mante-la distinta daFisiologia, cujos objetos e métodos em muito se aproximamdaqueles que constituíam as áreas de interesse da cátedra e, maistarde, do Instituto.No primeiro caso, a invenção de uma física biológica e,posteriormente, da biofísica tiveram como justificativa ointeresse crescente, a nível internacional, em explicar osfenômenos vitais pelas leis da Física; no segundo caso, quando oInstituto já se consolidara como locus privilegiado para oexercício de atividades experimentais na Universidade, manteve-sea disciplina distinta da Fisiologia, na medida em que as áreas deatuação do Instituto haviam superado, em muito, os limites maisimediatamente relacionados ao ensino da medicina.Num verbete, escrito em 1977 para uma enciclopédia, Chagas (1977)afirma que a especificidade da biofísica teria ficado patenteadaatravés da ação de Helmholtz, que a caracterizou como disciplinaespecífica dentro do conjunto das ciências biológicas, tendo suaconsagração se dado numa das mais reputadas revistas científicasda época o Plflüger Archiv für die Gesamte Physiologie des Menschen und der Tierre(Arquivo Plüfger para a Fisiologia Completa do Homem e dosAnimais), de 1868. Se a sociogênese da Biofísica como disciplinaautônoma no campo é muito anterior à criação do Instituto,somente quando Chagas intui seu potencial como instrumento para odesenvolvimento da ciência experimental na Universidade é que elase implanta no Brasil. Segundo Chagas isso se deve ao fato de quedurante a primeira metade do século a biofísica evoluiulentamente e sua influência poucas vezes ultrapassou os limitesdas práticas médicas.A fundação do Instituto coincidiu com um momento particularmenteimportante no desenvolvimento da Biofísica, descrito por Bernal(1971, p.885), como sendo o da consolidação, no pós-guerra, da“infiltração” da química e da física na biologia. Esta se deu,sobretudo, pelo suprimento às novas disciplinas, a Bioquímica e aBiofísica, de todo um novo instrumental, que possibilitou aospesquisadores impor uma nova classificação das áreas doconhecimento. Incorporam-se á Biofísica as áreas de radiobiologiae de neurobiologia, tributárias, respectivamente, dodesenvolvimento de novas e potentes fontes de radiação e desofisticados equipamentos eletrônicos. A descoberta da difração

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dos raios X possibilitou, também, melhor conhecimento daestrutura das macromoléculas, fato da maior importância para aevolução das ciências biológicas.No verbete mencionado, Chagas atribui à Biofísica subdivisõesmuito próximas das que adotara para a organização do Institutoconsagrando, como própria à disciplina, uma estrutura que, comose verá, foi mais o resultado do processo interno de crescimentoda organização do que propriamente o resultado da evolução ou dalógica interna dessa área do conhecimento.9

Mesmo mais tarde, face ao surgimento de outros projetos, queimplicaram em subdivisões do Instituto, e apesar das modificaçõesque se produziram no campo, a “Biofísica“ é, até hoje, preservadacomo uma categoria inclusiva e abrangente, cuja manutenção sedeve mais ao interesse em garantir a coesão interna de um grupode pesquisadores.Reiteradas vezes, em conversas informais ou nas entrevistas,houve menção ao fato de que Biofísica “é o que o Instituto de Biofísica faz”ou de que “isso é uma invenção do Chagas”. Essa “indefiniçãoestratégica” da disciplina, aliás, fica claramente expressa emalguns documentos oficiais que pretendem definir “áreas doconhecimento”. Diz o documento “Avaliação e Perspectivas” do CNPqde 1982:

“ A Bioquímica e a Biofísica estão intimamente relacionadas entre si, no objetivo de

aplicar o enfoque e a metodologia da Química e da Física ao estudo dos fenômenos

biológicos em seus aspectos molecular, celular e orgânico. Freqüentemente torna-se

difícil e mesmo impossível, o estabelecimento de limites nítidos entre a Bioquímica e a

Biofísica, refletindo o que acontece entre a Física e a Química. Por outro lado existem

também muitas subáreas de interseção com a Fisiologia e Farmacologia, tornando-se

difícil a caracterização de muitas linhas de pesquisa como pertencentes

particularmente a uma dessas subáreas.”

“Devido a seu caráter multidisciplinar, linhas de pesquisa consideradas

predominantemente bioquímicas ou biofísicas são encontradas freqüentemente em

9 Divisões - Pode-se dividir a biofísica em vários capítulos: a) a biofísica geral, que estuda os processos celulares; b) a biofísica das radiações, que se ocupa da ação biológica da energia radiante; c) a biofísica dos sistemas, destinada a fundamentar a análise das funções dos organismos superiores; d) a biofísica instrumental, de caráter mais tecnológico, que recentemente deu origem à biônica (engenharia biológica). (Chagas, 1977, p.1383)

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departamentos de Fisiologia, Farmacologia, Parasitologia e outros. Entretanto como

essas atividades são incluídas na avaliação referente àquelas subáreas, a presente

análise limitar-se-á ao desempenho dos departamentos de Bioquímica e Biofísica das

nossas universidades, e de algumas poucas outras instituições onde se realizam

pesquisa nessa subárea.” (CNPq, 1982,p.25)

A invenção da biofísica como disciplina autônoma foi, portanto, oprimeiro passo para a delimitação, no campo universitáriobrasileiro, de um espaço onde seria possível construir umainstituição com as características do futuro Instituto, onde aprática experimental se justificasse por si mesma. A “eficácia”dessa invenção resultou de uma estratégia com duas vertentes: deuma lado, a que se processou no plano das classificações, ouseja, pelo reconhecimento de uma disciplina autônoma e, portanto,de um espaço a ser ocupado no campo científico e de outro, pelaimposição dessa nova disciplina na Faculdade de Medicina, o queresultou na legitimação das práticas experimentais no ensino e nanecessidade da criação de um novo tipo de instituição capaz deprover o treinamento necessário naquela especialidade.

1.2 - O GRUPO ONDE A EXPERIÊNCIA SE DESENVOLVE: O “EXTERNO” E O “INTERNO”

O contexto em que evoluiu a ciência experimental no Brasil, e noqual se criaram as condições para o surgimento do Instituto deBiofísica, é marcado por momentos de convergência e divergênciaentre os interesses do diversificado conjunto de agentes que sealiam no sentido de criar as condições para o desenvolvimentocientífico brasileiro. Em certos casos, impuseram-se, em primeirolugar, os interesses do Estado nacional, em suas múltiplasconfigurações, em outros surgiram demandas dos setoresnacionalistas do emergente empresariado brasileiro e, em alguns,prevaleceram as aspirações dos pesquisadores, que desde o iníciodo século, passavam a formar um grupo com interessescompartilhados. Essas alianças, no entanto, não se fizeram deforma linear, havendo momentos de maior e menor aproximação entreos representantes dos distintos grupos. A partir da década dequarenta, em várias oportunidades, o Instituto de Biofísica eCarlos Chagas Filho desempenharam um decisivo papel nesseprocesso.

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Durante os últimos 50 anos, até o momento em que o campocientífico se consolidou como um espaço socialmente significativoe autônomo as alianças assumiram diferentes feições, oraexpressando, nas práticas e nos discursos dos agentes, o caráterde um projeto comum, ora evidenciando descompassos entre osinteresses dos grupos que lutavam por ocupar novas posições nasociedade brasileira. Durante esse período, cada um dos setoresque pretendeu tornar hegemônicos seus interesses, frente àsdemandas de outros segmentos da sociedade, apropriou-se daquelesaspectos do discurso sobre a relevância da ciência, enfatizandoos aspectos que melhor pudessem atender a seus interesses.

Em determinadas conjunturas o desenvolvimento científico foivisto como condição básica para o desenvolvimento tecnológico, emoutras como pré-requisito da soberania nacional e em certasoportunidades admitido como uma prática que deveria servalorizada em si mesma, independentemente dos benefícios sociaisque pudesse vir a acarretar.

É possível admitir que, dado seu lugar no espaço social, um dospapéis fundamentais desempenhados por Chagas para a consolidaçãodo Instituto foi o de superar conflitos e tensões agindo comomediador entre diferentes mundos e conciliador de interessesdivergentes.

1.2.1- O ESPAÇO EXTERNO: NAÇÃO E ELITES NACIONAIS

A afirmativa de que as elites no Brasil, até o início do século,tinham um limitado interesse concreto e pouca compreensão dopapel da ciência como instrumento do desenvolvimento econômico,tornou-se lugar comum, embora a elas pertencessem muitos dosindivíduos que, mais tarde, seriam responsáveis pelas principaisiniciativas voltadas à implantação das primeiras instituiçõescientíficas modernas do País.

Entretanto, a primeira metade do século XX foi caracterizada poruma progressiva aproximação de alguns setores do empresariadonacional à comunidade científica, da qual o exemplo maisexpressivo, no Rio de Janeiro, é o de Guilherme Guinle. Em SãoPaulo essa aliança se fez, principalmente, através das lideranças

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políticas e empresariais que promoveram a criação da Universidadede São Paulo (1934).10

O início da década de 50, período no qual foi criado o CNPq, émarcado, por sua vez, pela afirmação de um conjunto de princípiosque vinculam explicitamente a ciência ao projeto dedesenvolvimento nacional. Esses princípios seriam, entre outros,a necessidade de garantir o prestígio do Brasil no planointernacional, a preocupação com a guerra e a segurança nacional,o desejo de dominar a utilização da energia atômica e anecessidade de garantir a produção de conhecimentos endógenosatravés do fomento à pesquisa. (Valla e Werneck da Silva, 1981)

Nesse período é fundada a Sociedade Brasileira para o Progressoda Ciência (1949) que em sua primeira fase, embora adotando umaposição “internacionalista” para a ciência, se preocupa com as“grandes questões nacionais”. Dois trechos de editoriais daRevista Ciência e Cultura são descritos no trabalho citado comoilustração desse fato. No primeiro afirma-se que “A predominância deum povo entre as civilizações dependerá do modo de se considerar ou não o cientista,como o principal artesão do progresso”. Outro afirma que “Das elites intelectuais éque advém o progresso da nação”. (Valla e Werneck da Silva, 1981, p.24)

Analisando essa postura, Ana Maria Fernandes demonstra que:

“A concepção nacionalista de ciência era a mais forte corrente de pensamento dentro

da comunidade científica brasileira representada na SBPC e expressa através da

revista Ciência e Cultura. Talvez a consciência do Brasil como uma país

subdesenvolvido e dependente, junto com o sentimento de ter chegado tão tarde à

ciência, estar em atraso em relação aos países do primeiro mundo, explique a

concepção nacionalista da ciência na SBPC. A concepção nacionalista de ciência é

definida no presente trabalho como a concepção da ciência como uma atividade

cujos fins devem estar orientados para as necessidades da ‘Nação’. O trabalho

científico era empreendido com o propósito de um dia ser transformado em

tecnologia, que seria incorporada à industria, e assim ser um fator de

desenvolvimento e progresso do país.(Fernandes, 1990, p.82)

10Além dessas iniciativas são dignas de nota a criação da Academia Brasileira de Ciências, em 1916, e os esforços no sentido de implantar uma Universidade no Distrito Federal, em 1935.

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É, portanto, numa conjuntura em que a valorização e a ênfase nodesenvolvimento científico nacional começam a consolidar-se e emque convergem os interesses de uma variada gama de agentes(políticos, militares e pesquisadores) que transcorrem os anosiniciais do Instituto.

Pode ser atribuído a Carlos Chagas Filho um importante papel parao reconhecimento da importância da ciência para odesenvolvimento. Havia algum tempo que ele vinha mobilizandorecursos visando a transformar a questão do desenvolvimentocientífico em tema de interesse para a sociedade brasileira epara a comunidade universitária. A eficácia de sua ação decorreu,em grande parte, do volume de capital social de que dispunha e desua posição impar na teia de relações entre os diversos segmentosdas elites da Capital da República. Seus vínculos com váriosdesses segmentos, particularmente com o empresariado de capitalnacional e com os representantes das oligarquias provinciais, emespecial a mineira, foi fundamental para o acolhimento de suasiniciativas.O uso de seu capital social, no sentido de atribuir um novo papelà ciência no Brasil e de obter os recursos necessários àconsolidação do Instituto, se fez de duas formas complementares:de um lado Chagas acionava seus contatos pessoais, atraindodoações, mobilizava os recursos disponíveis no exterior e juntoao setor privado, prestava serviços a algumas instituições, comoo Jockey Club, de forma a garantir sua independência com relaçãoà burocracia do Estado. Por outro lado, usava a teia de relaçõesfamiliares, como as “ramificações” no Itamaraty, como instrumentode pressão junto ao governo, o que permitiu, por exemplo, naépoca da Guerra, a continuidade do contato com a ciênciainternacional de ponta através de estrangeiros refugiados, comoRené Wurmser, ou para viabilizar a transferência de recursospúblicos para a pesquisa, particularmente em Manguinhos.

Paralelamente, preocupado com a consolidação de “seu” Instituto,atraia no corpo discente da Faculdade de Medicina, colaboradorescom expressivo capital social, capazes de viabilizar seu projetode consolidação da carreira de “pesquisador-docente”. Suaestratégia, no entanto, não prescindiu de um elaborado processode seleção, entre os possíveis candidatos à carreira, daquelesdetentores de maiores trunfos (sociais, culturais e escolares),

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tal como no caso estudado por Miceli, nos quais foram feitosinvestimentos maciços em capacitação e treinamento. 11

O exame da lista de pesquisadores das primeiras gerações doInstituto, revela as ligações desse grupo com segmentos daselites com características semelhantes àqueles descritos porNeedel (1993) e Castro Leal (1995) no Rio de Janeiro, e WrightMills (1962), nos EUA. Em parte esse fato se deve ao limitadocontingente de famílias capazes de realizar investimentossignificativos na educação dos filhos, preparando-os paracarreiras de prestígio, como a Medicina, de forma a garantir suaposição entre os membros das classes dirigentes. Entretanto, essefato não deixa de ser revelador do reconhecimento por parte deChagas de que o envolvimento de membros desses grupos sociais emseu projeto seria condição, se não suficiente, necessária para aplena consolidação do Instituto e para a continuidade de suaobra.

1.2.2 O ESPAÇO INTERNO: CAMPO ACADÊMICO E CAMPO CIENTÍFICO

Simultaneamente á sua constituição como campo autônomo, distintodos demais campos que conformam o espaço social, o campocientífico estabelece, em cada sociedade, formas específicas derelacionamento com os demais. É particularmente relevante suarelação com o campo universitário, onde se realiza a reproduçãodo conhecimento e se formam seus agentes.Segundo Bourdieu, na França:

“le champ universitaire est organisé selon deux principes de hiérarchisation

antagonistes: la hiérarchie sociale selon le capital hérité et le capital économique et

politique actuellement détenu s’oppose à la hiérarchie spécifique proprement

culturelle, selon le capital d’autorité scientifique ou de notoriété intellectuelle. Cette

opposition est inscrite dans les structures mêmes du champ universitaire qui est le

lieu de l’affrontement entre deux principes de légitimation concurrents; le premier, qui

est proprement temporal et politique, et qui manifeste dans la logique du champ

universitaire la dépendance de ce champ à l’égard des principes en vigueur dans le

11 Ver Miceli (1979) particularmente a Introdução. Embora não dispondo deuma “clientela” e de um “mercado”, fato que caracteriza, por exemplo, asrelações entre os intelectuais e os segmentos da oligarquia paulista na Velha República, Chagas desperta em diversos setores o interesse pela produção científica no Rio de Janeiro, num momento em que a preocupação com uma ciência nacional ainda não se generalizara.

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champ du pouvoir, s’impose de plus en plus complètement à mesure que l’on s’élève

dans la hiérarchie proprement temporelle qui va des facultés des sciences aux

facultés de droit ou de médecine; l’autre, qui est fondé sur l’autonomie de l’ordre

scientifique et intellectuel, s’impose de plus en plus nettement quand on va du droit

ou de la médecine aux sciences”. (Bourdieu, 1984 p.70)

Este, como se verá, não é o caso do Instituto de Biofísica, ondeconvergem e não concorrerem os dois princípios de legitimaçãomencionados por Bourdieu. A história do Instituto demonstra que, quando foi criado, nãohavia uma sobreposição entre os dois “campos” (universitário ecientífico) e que seu inter-relacionamento foi o produto das“invenções” que permitiram o (re)estabelecimento de vínculosentre eles. Isso só foi possível na medida em que, entre ambos, ainterseção se fazia, em grande parte, através da mediação doscampos econômico e de poder, ou seja, na medida em que os agentesinteressados, cientistas de um lado e professores de outro, oueram membros das elites dirigentes ou com elas mantinham estreitorelacionamento. O primeiro movimento de Chagas, precedendo a criação doInstituto, se fez no sentido de restaurar os vínculos entre essasduas dimensões da vida social o da produção e o da reprodução doconhecimento acadêmico, rompidos desde a época de Oswaldo Cruz einstituir a universidade (campo acadêmico) como locus deinvestigação científica, tornando equivalentes o capital geradona academia àquele derivado da prática científica. Para tanto,foi necessário transformar as chamadas “cadeiras básicas” emespaços valorizados para a obtenção de poder e prestígio,primeiro na Faculdade de Medicina e, mais tarde, em toda aUniversidade do Brasil. Mas é somente quando as invenções deChagas se tornam plenamente vitoriosas é que passa a ser possívela conversão, em fonte de poder no espaço acadêmico, do exercíciodas práticas científicas experimentais, fato que atingirá suamáxima eficácia através da introdução da pós-graduação e daconsolidação da Reforma Universitária.É no momento em que se institucionaliza a pós-graduação noBrasil, com a participação decisiva de Chagas, que se realizaplenamente sua “profecia”, qual seja a de que o “pesquisador-docente” seria o agente capaz de garantir a continuidade daprodução e reprodução do conhecimento científico no país. Aoconsagrar as regras que tornam “equivalentes” o capital derivado

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da prática científica e o gerado no exercício da cátedra, seestendem a todas as áreas do conhecimento os benefícios davalorização da pesquisa tornando-se definitiva, ao abrigo doEstado, a existência de uma “comunidade científica nacional”,portadora das insígnias visíveis de prestígio e distinção.

1.3 A EXPERIÊNCIA HUMANA: CARREIRAS E TRAJETÓRIAS

Para muitos autores o elemento mais importante para aconsolidação da ciência experimental como prática socialamplamente disseminada na moderna sociedade industrial derivou doaprimoramento dos mecanismos de comunicação da experiência, ouseja, o avanço do conhecimento científico e tecnológico se deu nomomento em que se tornou possível a transmissão e acumulação doconhecimento científico de forma institucionalizada, a partir doséculo XVII. Nesse sentido a criação da Royal Society, em Londrese de outras academias de ciências é considerada um marco (Price,1976). Desta forma a par da natureza do conhecimento produzido etransmitido, os espaços de legitimação desse tipo particular deconhecimento foram fundamentais para sua aceitação como uma formaconsagrada de saber que, aos poucos, se tornou hegemônica.É importante ressaltar que, apesar da melhoria nos processos decomunicação e do fato de que os espaços legitimados para aprodução científica terem se consolidado progressivamente desde oséculo XVII, a carreira científica foi uma invenção do séculoXIX. Zimman afirma:

“A ciência moderna e o moderno cientista foram inventados na Alemanha do século

dezenove; nos dias e hoje, evidentemente, todas as nações do mundo se esforçam

para cultivar essas plantas exóticas. É interessante observar as variações de técnica

{de formação} que surgiram à medida que o “sistema do Ph.D.” se foi propagando de

uma cultura a outra.” (Zimman 1979, p.100)

O autor analisa como a partir do sistema alemão, baseado numarelação de patronato (orientador/orientando) a carreiracientífica foi progressivamente assumindo a feição de umaprofissão. Shils (1974, p.7), por sua vez, relaciona o apoio dopúblico à ciência nos Estados Unidos, e em outros países doOcidente, ao fato desta estar ligada à universidade no que elechamou de uma “aliança protetora”, que garantiu um fluxo contínuo

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de aspirantes à carreira e reforçou a representação da atividadecientífica como desinteressada.12

Para a compreensão das representações, que ainda hoje persistemsobre a prática científica, a discussão de Weber (1970) sobre aciência como vocação é igualmente importante13. Outro elemento quedeve ser ressaltado, particularmente no campo acadêmico é adistinção entre carreira e profissão, cujo fundamento, comodemonstra Hughes, reside na forma diferenciada em que se exercemos processos de controle social das práticas científicas ouprofissionais. (Hughes, 1971, p.360, passim). Além desses fatores, a representação da ciência como carreira,distinta de um profissão, é fortemente marcada pela idéia de quea prática científica impõe renúncias e sacrifícios.Segundo alguns depoimentos de pesquisadores do próprio Institutode Biofísica, a opção pela ciência se faz em detrimento da buscado “sucesso profissional”, como uma espécie de “renúncia prévia”às aspirações de sucesso econômico ou de manutenção de padrões deconsumo próprios à classe social a que pertencem alguns dosentrevistados.14 Ao optar por uma carreira de sacrifícios seria,portanto, “legítimo” que um cientista aspirasse outras formas dereconhecimento social como contraprestação “natural” a sua dádivade “saber”. Por essa razão a aspiração a uma “posição” no topo da “hierarquiasocial”, que deve ser marcada por um variado conjunto desímbolos, capazes de exteriorizar o reconhecimento de sua posiçãocomo membro de uma elite, justifica muitas vezes a aceitação deposições de poder e o surgimento de distinções como a que seestabelece entre “pesquisadores” e “administradores de ciência”,

12Essa mesma percepção, qual seja que a reprodução da comunidade científica depende de uma articulação entre o campo acadêmico e o campo científico foi o fundamento de uma das “invenções” de Chagas.

13 A resposta à “vocação científica” primeiro passo num longo processo deconversão pressupõe o que Bisseret (1979) chamou de “ideologia das aptidões naturais” que se constrói ao longo do século XIX, e que surge freqüentemente, durante as entrevistas sob a forma de atitudes ou comportamentos identificados e percebidos como curiosidade, capacidade de fazer perguntas, etc.

14 O que ocorre são na verdade reconversões do capital que de econômico passa a ser cultural e os movimentos são no primeiro caso de deslocamentos verticais e no outro de deslocamentos horizontais na acepção de Bourdieu (1979).

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muitas vezes vistas como posições equivalentes no “mundo daciência.”Para que o ”saber” se torne uma fonte de prestígio é fundamentalque o conhecimento científico, derivado da prática experimental,seja introjetado pelos agentes como algo intrinsecamente valiosoe que o exercício de outras atividades inerentes ao mundo daacademia seja visto como uma obrigação. Segundo Hagstrom:

“The socialization of scientists tends to produce persons who are so strongly

committed to the central values of science that they unthinkingly accept them.

Research as an activity comes to be ‘natural’ for them; they find self-evident that

persons should be excited by discoveries, intensely interested in the detailed working

of nature, and committed to the elaboration of theories that are of no use whatever in

daily life”. (Hagstrom, 1965, p.8)

Na medida em que, de um lado, se concretiza a renúncia pelosucesso profissional (provavelmente fruto da possibilidade dereinvestimento do capital “herdado”) e, de outro, se realizam ascondições de possibilidade de “exercer a vocação”, cria-se todauma tipologia extremamente sofisticada de “aptidões” e“atributos” ás quais correspondem por sua vez “estímulos” e“recompensas”.15

Às considerações acima seria importante aditar a tese de Leach deque:

"The Scientists are a category of much the same kind as "the Upper Class". They are

not people who are necessarily inter-related, but they share common values and

common cultural attributes, and in this special sense it seems to me quite fair to say

that "the scientists" are becoming a cohesive elite whose only common characteristics

is the possession of secret knowledge and an unwillingness to communicate with

others". (Leach, 1965, p.37)

A afirmativa de Leach nos coloca diante de outras duas questõescentrais que envolvem as trajetórias no “mundo da ciência”: aprimeira que diz respeito à atividade científica como um “estilode vida”, na acepção de Bourdieu e a segunda que evoca aexistência dos chamados “invisible colleges”, um tipo de grupo

15 Ver a citação de Bourdieu sobre a pesquisa de Alain Girard (Bourdieu, 1984, p.56)

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social no campo científico distinto do grupo de colaboradores, emque a interação independe das instituições. (Crane, 1972, p.34-35)

No Brasil a formação desses estilos de vida e dos “invisiblecolleges” é também reforçada por relações que transcendem oslimites dos espaços institucionais onde se desenvolve a atividadecientífica. São freqüentes, como demonstram as trajetórias dealguns pesquisadores do Instituto de Biofísica, as relações deparentesco, a formação nos mesmos estabelecimentos de ensino e avinculação a determinadas instituições públicas, constitutivas decertas disposições que são próprias das elites brasileiras. Não épor acaso que algumas percepções do que é “ser cientista” sejamcaracterizadas por uma permanente reafirmação da diferençaatravés de processos de seleção que se revestem de um caráteraltamente excludente.

Muitas entrevistas e depoimentos são expressivos da visão dosinformantes sobre as trajetórias que são idealizadas comoresultado de processos só comparáveis às conversões religiosas.Antonio Paes de Carvalho, pesquisador da segunda geração doInstituto assim descreve esse processo:

“A habilitação para o exercício da pesquisa é obviamente o requisito básico sem o

qual tudo mais está perdido. Deixadas de lado as exceções autodidáticas esparsas, a

educação para a pesquisa científica é um processo altamente seletivo, levado a efeito

em programas formais do que aqui se chamam "pós-graduação"... Usualmente, o

mestrado é um grau inicial de pouco valor e exigência, apenas uma extensão da

graduação, uma entrada mais firme do indivíduo na área de "pensar

independentemente". Mas o doutoramento exige a demonstração cabal de

independência intelectual e criatividade. Munido de seu diploma de doutorado, vai

agora o "projeto de cientista" buscar humildemente uma localização onde possa

exercer sua atividade.” ( Paes de Carvalho, 1981, p. 26).

É importante observar que o “processo de conversão” se produz apartir do reconhecimento pelos atores não apenas das normasexplícitas que dão especificidade ao campo no qual as carreirasse realizam, objetivadas, por exemplo, nos cursos de pós-graduação. Para que a conversão tenha lugar é fundamental odomínio de todo um outro conjunto de regras que não se

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explicitam. No inicio da carreira, por exemplo, o vínculoorientador/orientando aparece como extremamente importante namedida em que é através dele que se define um campo depossibilidades, tacitamente reconhecido como determinante dafutura trajetória16. Mais tarde, ocupar posições administrativas, ingressar naAcademia, obter prêmios, sustentar uma produção contínua, frutoda “dedicação exclusiva”, são os indicadores de reconhecimento eprestígio. É evidente que as possibilidades de êxito dependem deum estoque de capital que não se restringe àquele adquirido nocampo científico o que contribui implicitamente para selecionaros membros que podem permanecer como membros do grupo.Desta forma esse espaço socialmente construído, no qual seconstitui a “comunidade científica” é permeado por valores quevão se naturalizando e, incorporados, passam a se constituir emhabitus. Como diz Bourdieu, tratando da ordem científicaestabelecida:

“Essa ordem não se reduz, conforme comumente se pensa, à ciência oficial, conjunto

de recursos científicos herdados do passado que existem no estado objetivado sob

forma de instrumentos, obras, instituições, etc., e no estado incorporado sob a forma

de hábitos científicos, sistemas de esquemas gerados de percepção, de apreciação e

de ação, que são o produto de uma forma especial de ação pedagógica e que tornam

possível a escolha dos objetos a solução dos problemas e a avaliação das soluções.

Essa ordem engloba também o conjunto das instituições encarregadas de assegurar

a produção e a circulação dos bens científicos ao mesmo tempo que a reprodução e a

circulação dos produtores (ou reprodutores) e consumidores desses bens, isto é,

essencialmente o sistema de ensino, único capaz de assegurar à ciência oficial a

permanência e a consagração, inculcando sistematicamente habitus científicos ao

conjunto de destinatários legítimos da ação pedagógica, em particular a todos os

novatos do campo da produção propriamente dito.” (Bourdieu, 1994, p.137)

16 Ver Velho (1994) O conceito de campo de possibilidades, associado ao de projeto é fundamental para a compreensão do desenvolvimento das carreiras científicas. Na medida em que essas se realizam em um universoespecífico - o campo científico- as regras do campo delimitam as opções,por maior que seja o estoque de capital que aspirantes possuam em outrasdimensões da vida social (Velho, 1994, p.46).

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1.4 - AS CATEGORIAS OU FORMAS DE PENSAMENTO: O ETHOS

Concomitantemente à “invenção” da Biofísica como disciplina“básica” e portanto indispensável à formação de um tipoprofissional preexistente, o médico, foi necessário que secriassem as condições para que, no Rio de Janeiro, a pesquisaexperimental se tornasse reconhecida como uma prática socialmentevalorizada, independentemente do sucesso que pudesse obter nasolução de problemas de ordem prática. Este havia sido, atéentão, o principal fundamento do prestígio científico nasociedade brasileira, em grande parte graças à figura de OswaldoCruz. Para isso foi importante o esforço de Carlos Chagas paraque a ciência experimental se institucionalizasse no âmbito daUniversidade e fosse dotada de regras de produção e reproduçãoque a tornassem internacionalmente aceita.Sendo assim, a invenção da “ciência nacional de padrãointernacional” foi um fator básico para que a prática científicapudesse se tornar uma opção de carreira valorizada por aquelesmembros das frações da elite que se dispunham a abdicar dosucesso profissional.Essa não seria uma particularidade dos pesquisadores do Institutode Biofísica, mas um dos fundamentos do ethos da comunidadecientífica nas modernas sociedades ocidentais. Nessas, éfacilmente identificável um grupo de indivíduos que ocupando umaposição particular no espaço social, se dedicam às práticasgenericamente designadas como "científicas" e são consideradosmembros da "comunidade científica".Leach define a importância desse grupo afirmando que:

".... the word science conveys meaning only because we have created in our social

system a category of persons called scientists. Science is the cultural insignia by which

we recognize such people; science is what scientists do. If science seems entangled in

the cohesions and disjunctions of contemporary culture this is because the way we

treat scientists, the role we expect them to play; it has nothing to do with science as

such." (Leach 1965, p.31)

A presença de indivíduos ligados à produção de conhecimentos, nãoé uma exclusividade daquelas sociedades, mas a existência degrupos organizados, como as comunidades científicascontemporâneas, resultou da institucionalização do que, hoje,designamos como prática científica e da instituição do campo

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científico. No caso brasileiro, a forma de relacionamento entre ocampo científico e o campo universitário variou ao longo do tempohavendo, em certos momentos, um alto grau de sobreposição e, emoutros, uma grande autonomia, como será visto no capítulo 2.A definição proposta por Hargstrom, nos ajuda a circunscrevermelhor o que poderia ser o “ser cientista ou fazer ciência” comoprincípio de identidade social. Segundo este autor:

“The organization of science consist of an exchange of social recognition for

information. But, as in all gift-giving, the expectation of return gifts (of recognition)

cannot be publicly acknowledged as the motive for making the gift”.(Hagstrom,

1965, p.13).

Embora não seja intercambiável com os conceitos de intelligentsia,campo intelectual e campo acadêmico, entre outros, a noção decomunidade científica guarda com esses conceitos, amplamenteexplorados na literatura sociológica, relações próximas. Emprimeiro lugar, essas categorias se fundam no reconhecimento, emcada sociedade específica, de que esse é um grupo social limitadoe portador de privilégios, derivados do domínio da produção etransmissão do saber socialmente mais valorizado no Ocidente. Emsegundo lugar, esse conhecimento é usado como instrumento dedistinção desse grupo dos demais segmentos da sociedade e servede padrão de referência para o estabelecimento de mecanismos deidentificação e de comunicação entre seus membros.Conforme observou Mannheim, o surgimento da intelligentsia, foi oresultado da distinção no Ocidente, de dois tipos particulares deconhecimento: o primeiro, que se adquire no "continuum da experiênciaquotidiana" e que permite que se possam resolver problemas "comauxílio de conhecimentos que o indivíduo adquire de modo espontâneo, casual ouintuitivo, mas de qualquer forma sem um método consciente". O segundo, aqueleque se origina "da corrente esotérica de transmissão que, num certo estado decomplexidade social, se torna o veículo da educação" (Mannheim, 1974 p. 90-91).O importante a observar é que, na superação da dicotomia entre osdois processos, se opera o que Bourdieu (1980, p.88) mais tardeidentificará como a essência da formação do habitus, ou seja, aconstituição simultânea no mundo social representado -espaço dosestilos de vida - de um sistema de identidades, diferenças edisposições individuais.Embora a ciência possa ser considerada aquilo que os cientistasfazem, suas práticas assumiram um valor simbólico universal e

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hegemônico na sociedade ocidental, outorgando privilégios aosiniciados. Por outro lado, a institucionalização da atividadecientífica nessas sociedades, aproximou a ciência da educaçãoformal, instrumento privilegiado da transmissão de saberes e dereprodução do habitus.A ciência, enquanto espaço social, se tornou marco fundamentaldessas sociedades, sobretudo a partir da revolução industrial,quando se tornou autônoma, e passou a ser caracterizada pelapresença de controles extremamente rígidos, que se restringem aseus limites internos (o “in-group”). Nesse processo deautonomização, constrói-se um ethos17 muito particular que presumea existência de um “mundo” distinto das sociedades nacionais emque se inscrevem.18

Apesar disso, por mais constitutiva que seja a visão cosmopolitana produção do ethos da comunidade científica e na formação dohabitus do cientista, sua inserção numa sociedade nacionalespecífica pode provocar paradoxos e até mesmo uma “duplaalteridade” (Peirano, 1992, passim). Desde sua gênese, as duas noções, ciência e nação, percorreramtrajetórias distintas. Enquanto os princípios da nacionalidadeapelaram ao particularismo, ao interesse e à fabricação decrenças nos mitos fundadores, tidos como “laços primordiais” ou“princípios formadores” das identidades nacionais, o ethos daciência buscou no universalismo, no desinteresse e no ceticismocom relação à verdade do conhecimento estabelecido, os valoresfundamentais para a produção da identidade de cientista.

A tensão entre as identidades de cientista e cidadão se produz ese revela em múltiplas circunstâncias e a existência de discursosque distinguem uma “ciência internacional” de uma “ciêncianacional”, são objeto de permanente confronto.

Se entre os cientistas sociais, a alteridade dupla se estabelecena medida, “em que [o antropólogo] ora constitui-se como elite vis-à-vis os gruposminoritários ou oprimidos de sua própria sociedade, ora categoria social inferior frente

17Segundo Merton: “Four sets of institutional imperatives - universalism, communism, disinteresedness, organized scepticism- comprise the ethos of modern science” (Merton, 1968, p.607)

18 Ver, entre outros, Merton (1973) e Polanyi (1968). Hughes (1971), por sua vez, reconhece não só a importância das determinações internas na produção do ethos, mas o conjunto de fatores externos que relacionam o exercício de uma profissão à cultura em que se insere.

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à comunidade acadêmica internacional, desta situação resultando a combinação dedois papéis sociais que, em, outros contextos, aparentemente podem ser distintos: o docidadão e o do cientista”, (Peirano, 1992, p.99), no caso das chamadasciências naturais, a própria alteridade com relação ao objeto temque ser inventada, como marca da originalidade e da distinção noespaço da produção científica.

Como é possível verificar em vários casos, a obtenção deprestígio, entre os segmentos da comunidade científica ligados àsciências exatas e naturais é produto, primeiro, de sualegitimação diante da comunidade internacional e, apenas numsegundo momento, de reconhecimento junto à sociedade nacional.19

Segundo Bourdieu:

“O habitus primeiro produzido pela educação de classe e o habitus secundário

inculcado pela educação escolar contribuem, com pesos diferentes no caso das

ciências sociais e das ciências da natureza, para determinar uma adesão pré-reflexiva

aos pressupostos tácitos do campo” (Bourdieu, 1994, nota 36, p.45)

Até o século XIX, a noção de que a ciência é, por princípio,internacional, está repleta de curiosos exemplos, alguns delescitados por Rose & Rose (1970). Ressaltam, entretanto, osautores:

“But the sense in which the scientist was above national boundaries in this way, could

not survive the growing integration of science into the total structure of individual

societies....”. “Whilst the individual scientist might maintain his universalistic ethic, it

has increasingly become a reality for only an élite among scientists. Safe conducts

across national boundaries are not easily given to atomic physicists, or researchers on

chemical and biological warfare, and for industrial scientists the bonds of secrecy and

loyalty are tied even more narrowly to the individual company for which they work”

(Rose & Rose ,1970, p.180).)

Foi a partir da 1ª Guerra que se estabeleceu uma relação decausalidade entre o conhecimento científico e a capacitação

19Nas ciências sociais, que muitas vezes atuam como coadjuvantes privilegiados da produção dos discursos nacionalistas, as tensões parecem ser, por sua vez, de outra ordem e o caso clássico seria o da distinção entre a política e a ciência como vocação em Weber (1970).

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tecnológica e, portanto, questões como a liberdade acadêmicatornaram-se relevantes. (Weber, 1989, p.64) Exemplo significativode que a ciência passa a ser uma tema das relações internacionaisfoi o crescimento do número de associações científicasinternacionais e a criação dos primeiros instrumentos inter-governamentais de interação entre cientistas.20

O tema da ciência nacional se torna particularmente críticodurante a 2ª Guerra, quando a ciência passa a ser reconhecidacomo parte do discurso político e a atividade científica se tornaobjeto de intervenção do Estado. A partir de 1945 intensificam-seas discussões a respeito do planejamento da ciência, que tem seuápice na década de 70 quando se verifica a célebre polêmica entrePolanyi (1968) e Bernal (1971). Datam dessa mesma época asdiscussões relacionadas ao “brain-drain”, que colocam em oposição asvisões internacionalista e nacionalista. (Johnson, 1968;Patinkin, 1968)

Um outro e importante aspecto a ser lembrado no caso dorelacionamento entre ciência e nacionalidade, é o da formação dosintelectuais nacionalistas nas metrópoles, onde aqueles dedicadosàs chamadas ciências naturais adquirem o ethos científico que secontrapõe, muitas vezes, aos princípios constitutivos daslealdades nacionais (Morazé et alli, 1979). A idéia da ciêncianacional é, por outro lado, vinculada à proposta de formação deuma “massa crítica” de cientistas que possa romper a dependênciacom relação à metrópole ou vencer as barreiras da periferizaçãoou do subdesenvolvimento, através de uma tecnologia autóctone.(Dedijer, 1968; Price, 1979)

A bandeira do nacionalismo, em ciência, passa, na maioria dasvezes, por um projeto de reprodução das trajetórias, nos paísesperiféricos, dos modelos de desenvolvimento verificados nospaíses centrais. Dentro dessa perspectiva a questão dodesenvolvimento científico estaria colocada no centro daspercepções “epocalistas” acarretando todo o conjunto de situaçõespara as quais aponta Geertz.(1973).

20 Na medida em que a ciência se especializa no século XIX aumenta onúmero de sociedades internacionais, voltadas para o intercâmbio deconhecimentos. Em 1914 existiam cerca de 53 instituições. Depois daGuerra criou-se um Conselho Internacional de Pesquisas, limitado aoscientistas dos países aliados ou neutros. Essa instituição foisubstituída pelo ICSU. Na década de 70 as instituições eram cerca de300.

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A definição de Merton (1968, p.607) sobre o ethos da ciênciaparece ter tido um valor central na autonomização da “comunidadecientífica” brasileira. A ele se recorreu como estratégia dediferenciação, no caso estudado, para inventar um “modelo decientista”, comprometido com a “ciência pela ciência” ao qual seopôs o modelo do cientista-cidadão. Essa polarização,constitutiva da produção da identidade de cientista e dasrepresentações sobre a carreira dos cientistas da área biomédicano Brasil, pode parecer paradoxal. Entretanto, a dinâmica quecaracterizou a ênfase num ou noutro polo passou por sucessivasconstruções que até hoje mobilizam e organizam as maneiras deperceber o papel do cientista na sociedade brasileira.Se considerarmos, que as expectativas de reconhecimento e derecompensas de que trata Hagstrom, surgem como contrapartida aoengajamento em projetos de transformação do espaço social daciência no Brasil, é possível concluir que grande parte do êxitodo Instituto de Biofísica está relacionado ao sucesso que obteveno engajamento de seus pesquisadores em projetos que lhesgranjearam reconhecimento e recompensas, tanto no plano nacionalquanto internacional.Por outro lado, apesar do embate entre a ciência nacional e aciência internacional ter sido um tema relevante no Brasildurante quase trinta anos, a participação de Chagas na formulaçãode estratégias objetivando a superação dessa oposição foi bemsucedida no âmbito do Instituto. Essas estratégias compreenderam, como será visto no capítulo 2,desde a luta pela criação do Conselho Nacional de Pesquisas até odesenvolvimento de um agressivo programa de intercâmbio com oexterior, a partir do qual foi possível produzir no Instituto umaciência nacional de padrão internacional.

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2 -UMA INSTITUIÇÃO SINGULAR

2.1 CONDICIONANTES SOCIAIS E GÊNESE DE UMA INSTITUIÇÃO DEPESQUISA

A tentativa de descrever cronológica e factualmente a criação eevolução do Instituto de Biofísica, envolve questões que revelamnão só os “paradoxos” da história de uma instituição depesquisas, singular pelo pioneirismo no contexto do scientificestablishment brasileiro, como permite uma reflexão sobre a gênesede um conjunto de categorias presentes no campo científico que,hoje naturalizadas, informam a produção de uma identidade comum.

As interpretações do que seria a história do IBCCF, variam deacordo com as percepções dos que se preocuparam em refletir sobrea instituição: por vezes esta história é vista como odesdobramento, no tempo, do processo de evolução natural docampo, no qual uma série de invenções vitoriosas em árduosembates classificatórios, não seriam nada mais do que marcos deum percurso previsível e natural. Nesse sentido o Instituto seriauma forma mais complexa e moderna das instituições que aantecederam, capaz de realizar de forma plena a tradição da áreabiomédica, no seu papel de líder da ciência brasileira. “Sucessorlegítimo” da tradição de Manguinhos, teria cabido ao IBCCF provero espaço, os talentos e o capital necessários para as conversõesindispensáveis à reprodução continuada desta tradição, ao abrigodas vicissitudes e das crises, porque livre das injunções danecessidade de imediata aplicação de seus produtos. Isento deenvolvimento com qualquer outro compromisso, que não o da“qualidade” de suas práticas e a “excelência” de seus quadrosmanteria o Instituto uma completa alteridade com o meio no qualestá inserido.

Outras vezes, a história da instituição se confunde com atrajetória de seu fundador, o Professor Carlos Chagas Filho,principal protagonista dessa história. Centrada na figura deChagas esta seria uma história de profetas (Oswaldo Cruz, CarlosChagas, pai, os irmãos Ozorio), patronos (Guilherme Guinle eÁlvaro Alberto), acólitos (Tito Leme Lopes, Clementino FragaFilho, Paulo de Góes) e sucessores (Aristides Pacheco Leão,Antonio Paes de Carvalho, Eduardo Oswaldo Cruz, Carlos Eduardo

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Rocha Miranda), responsáveis pela ruptura com modelos superadosde ensino e pesquisa, agentes da reforma do sistemauniversitário, exemplos de modernos homens de ciência, “brokers”privilegiados entre os mundos das velhas elites decadentes e dasmodernas elites ascendentes, mediadores entre uma sociedade quese moderniza e um estado que passa a se burocratizar e,sobretudo, artífices da recriação da almejada ciência nacional depadrão internacional. (Clark, 1973, p.10-18)

A apresentação de um relatório de gestão (1987-1991) afirma, porexemplo, que:

“As origens do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho remontam a 1937, quando

seu idealizador e fundador, o Prof. Carlos Chagas Filho, assumiu a então cátedra de

Física Biológica da Faculdade Nacional de Medicina”.(IBCC, UFRJ, 1992,p. 9)

Cauteloso, o responsável pela apresentação lembra, entretanto,que o Instituto de Biofísica só seria criado em 17 de dezembro de1945, quase oito anos depois, através do decreto-lei Nº 8.393 queo estabeleceu como unidade autônoma da Universidade do Brasil.

Outro pesquisador da instituição, afirma que:

“A criação do Instituto de Biofísica decorreu do desenvolvimento do Laboratório de

Biofísica (sic.), organizado por Chagas, graças ao apoio financeiro de Guilherme

Guinle, que se tornaria, mais tarde, seu patrono”. (Almeida, 1972, p 13 ).

Associada a Carlos Chagas Filho surge a figura de GuilhermeGuinle, considerado o mecenas responsável pela viabilização doprojeto de criação de um “novo” tipo de instituição científica noBrasil: o Instituto de Cátedra, espaço privilegiado que teriainaugurado, na concepção de seu “inventor” e de seus seguidores,uma nova forma de produção e reprodução do conhecimentocientífico no Brasil.21 Esta seria caracterizada pela conquista daautonomia em relação aos interesses mais imediatos do Estado,pela adoção de padrões internacionais de excelência científica,pelo resgate do prestígio da carreira acadêmica no campocientífico e pelo estabelecimento de uma nova forma derelacionamento entre o Estado e a comunidade científica.

21O Instituto na Universidade já existia como Unidade desde a Reforma Francisco Campos de 1931. (Fávero, 1978, p.151)

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Até a fundação do IBCCF, o financiamento da pesquisa científica,por parte do governo brasileiro, estava essencialmente voltadopara a “pesquisa aplicada”22, cujo exemplo mais significativo é ocaso de Manguinhos, enquanto a “pesquisa pura” dependiafundamentalmente de recursos provenientes de fontes privadas comono caso do laboratório dos irmãos Ozorio de Almeida.(Schwartzman, 1979, p.137)

Portanto, no inicio do século XX, o engajamento em pesquisaexperimental, fora do âmbito das instituições públicas,diretamente interessadas na solução de algum problema de ordemprática, era o resultado do interesse individual, geralmenteinfluenciado por laços familiares e por uma educação européia edependia, fundamentalmente, do financiamento privado.

Esse financiamento tinha por fonte o capital econômico, social esimbólico de que dispunham os pesquisadores, ou seja, dasrelações pessoais entre os membros de uma elite bastantediversificada, da qual faziam parte, tanto os pesquisadores,quanto os financiadores. Só bem mais tarde esse “mecenatoprivado” - depois de um período em que organizaçõesinternacionais (sobretudo as grandes fundações privadasamericanas: Rockefeller e Ford) - participam ativamente doprocesso de institucionalização da ciência brasileira, ésubstituído pelo “mecenato de Estado”, quando se cria o ConselhoNacional de Pesquisas.

Embora originalmente dependente de recursos públicos edesenvolvida no âmbito de instituições ligadas à pesquisaaplicada, a representação dominante, durante toda a primeirametade deste século, era a de que a prática científica seria umaatividade distinta da atividade profissional, não cabendo aocientista dirigir, prioritariamente, seus esforços de pesquisapara a obtenção de respostas destinadas a resolver problemassociais. Ao contrario, caberia ao Estado prover os recursos

22” O que mais chama a atenção na passagem do período imperial para o período republicano éa grande mudança de ênfase da pesquisa mais acadêmica para a pesquisa mais aplicada. Comofoi visto no capitulo anterior, as instituições imperiais foram criadas dentro de uma perspectivaextremamente pragmática, tanto no que se refere às escolas superiores quanto a instituiçõescomo o Museu nacional ou o Jardim Botânico, ou mais tarde, a Escola de Minas. Com o tempo noentanto, muitas dessas instituições foram se academizando, para o que contribuiu a influênciapessoal de Pedro II e a presença de cientistas identificados com o ambiente intelectual europeu. ARepública surge com novas prioridades, novos pólos de crescimento- São Paulo principalmente- enovas preocupações - a agricultura, a saúde pública e os recursos minerais. “(Schwartzman, 1979, p. 137)

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necessários para que a atividade científica autônoma, reguladapelas práticas do campo, contribuísse para a solução dosproblemas nacionais.

Esse aparente paradoxo revela, na verdade, uma bem sucedidaestratégia para garantir a autonomia e a liberdade na tomada dedecisões sobre cada instituição, reconhecida como constitutivasdo êxito das iniciativas pioneiras, entre as quais a de OswaldoCruz, no combate à febre amarela, que se torna o exemplo a seradotado para as relações entre ciência e sociedade, num sistemade contraprestações que prescinde de um contrato explícito.

Liberdade e autonomia, legitimadas pelo poder do conhecimento,haviam garantido aos pioneiros a possibilidade de resolverproblemas: manter a ciência independente de comprometimentos econtroles externos ao campo e os cientistas no exercício da“Ciência pela Ciência”, passa a ser vista como um “direito”. AAcademia Brasileira de Ciências, criada em 1916, exemplifica bemessa afirmativa.23 A permanente luta dos cientistas paraestabelecer, com o Estado, um vínculo marcado pela“independência” são até hoje, fortemente influenciadas por essa“tradição”.24

As ciência biomédicas e as “ciências da terra” são habitualmenteconsideradas o germe da atividade científica experimental noBrasil e as mais legitimas herdeiras da tradição da chamada“ciência colonial”. (Basalla, 1965) A esta coubera construir todoum novo espaço de conhecimento, fundado no interesse pelo NovoMundo.

23Em seus estatutos, a Sociedade Brasileira de Ciências (atual Academia Brasileira de Ciências), criada em 1916 durante a Primeira Guerra estabelece como sua finalidade “concorrer para o desenvolvimento das ciências e das suas aplicações que não tiverem caráter profissional”, explicando-se que essas são as que envolverem interesses industriais e comerciais, próximos ou remotos. Esse dispositivo permanece nos estatutos até 1929.

24 A relação entre o Estado e a comunidade científica no Brasil, tem comoum dos exemplos mais curiosos o dispositivo que estabelece a natureza jurídica dos auxílios à pesquisa e das bolsas de estudo, que têm a mesmagênese de outros “benefícios” típicos do Estado Providência. O Decreto 29.433 de 4 de abril de 1951, dispunha em seu artigo 10: “O Conselho Nacional de Pesquisas promoverá o amparo aos pesquisadores mediante seguro social e a adoção de providências que julgar convenientes, visando que os mesmos se consagrem inteiramente à tarefas de pesquisa, com razoável garantia da própria subsistência e das responsabilidades sociais inerentes aos respectivos encargos de família”.

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Parte integrante da “história natural” as chamadas ciênciasbiomédicas se desenvolvem no Brasil, a partir do século XVII, namedida que encontram, aqui, a possibilidade de construir, entreoutros, um objeto singular, as “doenças tropicais”.(Foucault,1981; Góes, 1982 e Fonseca Filho, 1973) . Do interesse nessanosologia “exótica” surge, em meados do século XIX, como das maissignificativas expressões a chamada “Escola Tropicalista Baiana”.(Schwartzman, 1979; Martins, 1955 e Reis, 1980)

Para a compreensão dos enfrentamentos e lutas de legitimação dasciências biomédicas25, especialmente no campo do ensino médicobrasileiro, é fundamental conhecer um pouco da história doInstituto de Manguinhos.

Consolidada a revolução pasteuriana que se iniciara na segundametade do século XIX, no campo da biologia, com amplos reflexosna prática médica, o período que vai de 1903, data da fundação deManguinhos, a 1937, ano em que Carlos Chagas Filho cria oLaboratório de Física Biológica, foi marcado por uma intensatransformação, tanto nas práticas científicas da disciplina26

quanto no processo de institucionalização da ciência brasileira.(Benchimol, & Teixeira, 1993 ; Benchimol, 1990)

Uma das mudanças mais significativas foi a transferência do locusinstitucional da investigação científica. A figura do“Instituto”, inspirada no modelo francês do Instituto Pasteur,surge com Manguinhos até ser “reinventada” por Chagas Filho, comoinstituição universitária. Nesse sentido, a percepção do“esgotamento” do modelo concebido por Oswaldo Cruz, é um dosinsights de Chagas, que lhe possibilita uma das mais bem sucedidasinvenções dentre as que são descritas no presente trabalho.

O principal estímulo aos estudos e à prática médica no Brasil,até a fundação, em 1808, das Academias Médico-Cirúrgicas do Riode Janeiro e da Bahia, por influência direta da transferencia dacorte portuguesa para o Brasil, foi o desejo de compreender anosologia tropical e de descobrir plantas com propriedades

25 Que já se chamaram ciências biológicas, ciências biomédicas e hoje sãochamadas “ciências da vida”.

26 Bernal (1971) atribui essas transformações a três fatores: o conhecimento acumulado no século XIX sobre os organismos vivos, o desenvolvimento das técnicas experimentais derivadas dos avanços da física e da química, a criação de um mercado , na medicina, na agricultura e na industria capaz de absorver o produto das descobertas.

curativas. Ao contrário das colônias hispano-americanas, o Brasilnão chegou a ter nenhuma Universidade ou escola de medicina antesdo século XIX e de sua independência política.(Schwartzman, 1978)Apesar disso, alguns hospitais da Irmandade da Misericórdiaformavam cirurgiões práticos na colônia, numerosos brasileiroseram enviados a estudar medicina na Universidade de Coimbra.(Bruno Lobo, 1963)

A luta que se travou entre a colônia e a metrópole para aimplantação de uma Universidade no Brasil, está expressa emmuitos projetos submetidos à Corte portuguesa, entre os quais omais significativo é o do futuro “Patriarca da Independência” e“Patrono da Ciência Brasileira”, José Bonifácio de Andrada eSilva.(Bruno Lobo, 1967) As noções de “ciência” e “nação”surgem , portanto, na história brasileira, em contexto análogoaos descritos por Anderson (1991) e Geertz (1973).

Proclamada a Independência, em 1822, novos projetos foramapresentados, primeiro à Constituinte, depois à AssembléiaLegislativa do Império, destinados à transformação das duasacademias médico-cirúrgicas em Faculdades de Medicina, maiscondizentes com o status que se queria atribuir à nova nação.

A profissão já gozava de prestígio e a Sociedade de Medicina, porexemplo, fundada em 1829, por quatro médicos brasileiros e quatroestrangeiros, já desempenhava um papel importante propondo-se a,sob o auspícios do governo, tratar dos interesses médico-sociaise do ensino da medicina. A essa sociedade coube um papelimportante na transformação das Academias em Faculdades deMedicina em 1832.

Não obstante, entre 1833 e 1843, segundo Stepan (1973), de umtotal de 2.000 alunos que ingressavam na Escola de Medicina doRio de Janeiro, apenas 100 obtinham o título de médicolicenciado. Por volta de 1882, o número de alunos matriculadosera superior a 1.500, graças ao crescente prestígio associado àprofissão. Para a autora a consolidação do prestígio da medicinano país, deve-se a três fatores: a evolução do próprio ensino, dalegislação de saúde pública e a da pesquisa experimental.

Durante parte do século XIX, quando as epidemias irrompiam no Rioa Sociedade e a Faculdade de Medicina enviavam professores ealunos para as áreas afetadas a fim de estudarem as doenças e atratarem gratuitamente dos doentes. No entanto, a pesquisa nãofazia parte da prática médica estando associada, apenas, à busca

de novos medicamentos. Entretanto, quando, durante a segundametade do século passado, houve uma profunda transformação doconhecimento e da prática médicos no mundo uma nova ênfase foidada à pesquisa. 27

Os primeiros passos na direção da institucionalização da pesquisabiomédica no Brasil tiveram sua origem nos esforços da geração deintelectuais que começa a participar ativamente do processopolítico-cultural na década de 1870 (Schwartzman, 1984, p.73).Lilia Schwarz ressalta a importância dessa geração na construçãoda idéia de “nação brasileira”:

“Na verdade, os diferentes impasses encobriam em seu conjunto, tentativas de esboço

de uma nova nação que buscava se libertar de algumas amarras do Império sem ter

claro um novo projeto político. Os anos 70 constituem, neste sentido, um marco

consagrado pelos diferentes comentadores”. (Schwarz, 1993, p.27)

Descrevendo o processo de introdução de novos paradigmas nacultura brasileira comenta a autora:

“No caso brasileiro, a ‘sciencia’ que chega ao país em finais do século não é tanto

uma ciência de tipo experimental ou a sociologia de Durkheim e Weber. O que aqui se

consome são modelos evolucionistas e social darwinistas originalmente

popularizados enquanto justificativas teóricas de práticas imperialistas de

dominação”. (Idem, p.30)

Para Schwarz, o que poderíamos considerar a comunidade científicabrasileira emergente, não conformava, no final do século XIX, umgrupo homogêneo, mas sua própria heterogeneidade proporcionariauma polivalência que, tanto favoreceu o estabelecimento de umaidentidade para o grupo, quanto induziu sua participação na“construção” do “projeto de nação brasileira”. (Schwarz,1993,p.37)

Segundo Collichio (1988), Felisbello Freire, por exemplo, apontaa difusão das idéias evolucionistas como uma das causas maisrelevantes do advento republicano e admite que as Faculdades de

27Em função das epidemias de cólera, na Europa, no inverno de 1831/1832, verificou-se um grande estímulo ao desenvolvimento da bacteriologia. No Brasil, a partir de 1850 surgiu grande epidemia de febre amarela no Rio,vinda da Bahia que não deixaria a cidade até o século XX.

Medicina do Rio e da Bahia foram núcleos significativos dapolitização dos jovens:

"Sustenta esse autor que houve duas fases na história da cultura brasileira: antes e

depois de 1870. Se até 1870 a orientação científica nacional era profundamente

transviada e inspirada nos princípios da metafísica, sem a menor intervenção das

ciências naturais, com os seus métodos seguros de inquisição e análise; se até então

nossos cientistas e literatos não se dirigiam para o mundo externo, e sim para as

especulações vãs e estéreis do subjetivismo, desta data em diante inicia-se um

movimento científico, que faz substituir essa orientação retórica por uma orientação

caracterizada pelo estudo verdadeiramente científico" (Collichio, 1988, p.31)

O papel da Faculdade Nacional de Medicina, em 1875, nessemovimento, foi significativo:

" A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro começa a tornar-se um primeiro cadinho

de idéias, um alentador foco de pesquisas e estudos. Os professores Dr. Joaquim

Monteiro Caminhoá, o Dr. Moncorvo Filho e Domingos Freire ousavam protestar

contra o ensino eminentemente teórico, e os estudantes Lopes Trovão, Miranda

Azevedo e Ramiro Barcelos inflamavam a mocidade com suas idéias radicais"

(Collichio, 1988, p.48)

Os médicos e cientistas brasileiros, muitos deles formados naEuropa, estavam entre os porta-vozes da necessidade de ampliar oconhecimento sobre o país e a ciência passa a ser vista, poralguns segmentos da elite, como um elemento de consolidação doprojeto de nação.(Derby, 1883) Por sua vez, o agravamento dossurtos de doenças epidêmicas estimulara as autoridades locais aorganizarem órgãos de saúde pública, criando as condições para aemergência de novos modelos institucionais.

Um exemplo freqüentemente citado para descrever o pioneirismo dasciências biomédicas no Brasil, é o de João Batista de Lacerda eLouis Couty que será discutido mais adiante.

Em 1879, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro sofreuimportantes reformas, sob a direção do Visconde de Sabóia, fatoque teve repercussões significativas sobre o futuro êxito do

desenvolvimento das ciências biomédicas no Brasil.28 Movimentosintelectuais como o darwinismo e o positivismo, por sua vez,passaram a desempenhar, a partir do final do século XIX, umagrande influência, embora retórica, sobre o desenvolvimentocientífico brasileiro, tornando o ambiente intelectual maisreceptivo às idéias científicas.29

A história da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mostra,entretanto, que o movimento centrado na modernização do ensinonão foi capaz de gerar um amplo reconhecimento da importância daciência experimental. O próprio Couty chegou a escrever que aexistência de laboratórios, jardins botânicos e museus não eramessenciais para um trabalho científico significativo. Aponta queas principais dificuldades que a ciência enfrentava no Brasil,eram: mobilizar vocações, o inexpressivo número de cientistas e aprecária administração científica. (Stepan, 1976 e Morel, 1979)

O apoio privado à ciência, prática que se institucionalizava, nãoera, ainda, uma tradição no país, já que a ciência e a tecnologianão constituíam, até 1900, parte integrante das preocupações dasclasses dirigentes, apesar do inegável interesse do ImperadorPedro II nas inovações. A não ser quando fundada na necessidadede solução imediata de problemas práticos, a percepção daexistência de uma relação entre ciência e desenvolvimentoeconômico só surgirá a partir da 1ª Guerra.

O número total de instituições científicas (museus, jardinsbotânicos, observatórios e institutos) era pequeno e seu papellimitava-se à aplicação de conhecimentos profissionais adquiridosfora do Brasil, inexistindo, até o início do século, uma carreiracientífica naquelas instituições .

A história das ciências no Brasil, até 1900 - quando examinada apartir do processo de formação dos pesquisadores e da criação das

28 Collichio (1988) menciona criticas de Miranda de Azevedo a VicenteSabóia e a seu relatório, pelo fato do governo negar recursos para apesquisa e organização do ensino médico. Entretanto, foi na gestão deSabóia que Rocha Faria criou um Instituto de Higiene da Saúde Pública naFaculdade de Medicina, onde Oswaldo Cruz iniciou sua carreira demicrobiologista (Benchimol, 1990)

29 Benchimol afirma : “a ciência figurava como ingrediente retórico do discurso positivistaque galvanizou as camadas médias urbanas desde o último quartel do século passado, mas naprática o país tinha escassa tradição científica, e poucos eram os quadros tecnicamentehabilitados para impulsioná-la” (op.cit. p.13).

instituições científicas - indica, entretanto, que a maisimportante fonte de apoio a essas organizações era o Estado,motivado por objetivos práticos ou nacionalistas, o que resultouna criação de instituições de pesquisa aplicada, sem que tivessehavido um investimento significativo no sistema educacional.30 Amassificação da educação básica, geralmente considerada de grandeimportância para a formação das elites criollas e das comunidadescientíficas em varias das nações emergentes, sobretudo na AméricaLatina não se verificou no Brasil. Esse fato, provavelmenteexplica a limitação do recrutamento dos “cientistas” aossegmentos das elites educadas, num processo de conversão dessessegmentos a práticas mais “modernas”, numa estratégia epocalista.

No geral, o desenvolvimento científico brasileiro foi assemelhadoao observado entre outras nações que se formaram, na AméricaLatina, durante o século XIX. Os médicos geralmente eram oprimeiro e maior grupo de profissionais treinadoprofissionalmente entre aqueles membros das elites que não sededicavam ao direito e às letras. Já no inicio do século XX, amedicina como “carreira”, era valorizada positivamente como partedo projeto de consolidação da “nação”, modernizada sob inspiraçãofrancesa e liberada da tradição colonial portuguesa. (Araújo,1993)

A posse de Rodrigues Alves31 na Presidência da República, em 1902,ocorreu num momento em que, tanto a conjuntura econômica, quantoas condições políticas se mostravam muito favoráveis a uma novaforma de inserção do Brasil na economia mundial (Bello, 1964 eCarone, 1983). O rápido desenvolvimento científico32 a nívelinternacional, particularmente nos campos da bacteriologia eimunologia, foi acompanhado da crença de que a ciência poderiaajudar na solução dos obstáculos que impediam o acesso do paísaos benefícios da modernidade e do progresso. (Benchimol, 1990 eSchwarz, 1993).

30Essa hipótese baseada em Ben-David, é explorada por Stepan (1976) e retomada por Schwartzman (1984) e parece ser historicamente bem fundamentada.

31 Avô materno de Ana Guilhermina (Anah) Pereira de Melo Franco, filha deCesário Pereira, irmão de Miguel Pereira (Professor da Faculdade de Medicina) casada com Afonso Arinos de Melo Franco, irmão de Annah de Melo Franco Chagas, casada como Carlos Chagas Filho.

32 Com as especificidades descritas por Hobsbawm (1988).

A consolidação do movimento republicano, os êxitos obtidos em SãoPaulo por um conjunto de instituições científicas no final doséculo, dão às classes dirigentes uma certa confiança no statusfuturo do país. Essa nova percepção era oposta ao tradicionalpessimismo, com relação ao destino social da nação,particularmente a atribuição da origem das doenças tropicais aoclima e ao “baixo nível de desenvolvimento intelectual” imputadoà miscigenação, sob influência das teorias raciais vigentes.

A descoberta do vetor da febre amarela, em 1900, abriu uma novaera para a medicina no país, pelas implicações econômicas queviria a acarretar. Nesse momento, associa-se a perspectiva desolução de um grave problema sócio-econômico a um movimento demodernização, o que possibilita a criação da primeira instituiçãode pesquisa “moderna” no Brasil: o Instituto de Manguinhos.

A crise na saúde pública no início do século na Capital Federal eprincipal porto de escoamento da produção cafeeira, com evidentesreflexos econômicos, era crônica. A expansão da cultura cafeeirae o advento da República haviam criado as condições para que oprocesso de descentralização e federalização permitissem odeslocamento do principal eixo da economia brasileira do Rio paraSão Paulo. Ao contrário do Rio, São Paulo já dispunha, desde1892, de um razoável sistema de saúde pública, no qual despontavao Instituto Bacteriológico. Quando, em 1899, um surto de pestesurgiu em Santos, já trabalhavam ali, Adolfo Lutz e Vital BrazilEm conseqüência do claro diagnóstico da peste em Santos e dasdificuldades para a aquisição de vacinas, as autoridades doEstado requisitaram uma fazenda chamada Butantan e comissionaramVital Brasil, Adolfo Lutz e Oswaldo Cruz para organizarem umlaboratório para fabricação de soros e vacinas contra a peste.

No Rio, a administração do Distrito Federal era responsável pelosaneamento da cidade e o governo federal só podia interferir apedido das autoridades municipais. Temeroso dos efeitos da pesteno Rio o Prefeito Cesário Alvim33 a conselho do Barão PedroAffonso, diretor do Instituto Vacínico Municipal, requisitou afazenda de Manguinhos. Havia ali alguns prédios em ruínas queserviriam de laboratórios que constituiriam o InstitutoSoroterápico.

33 Avô materno de Annah de Mello Franco Chagas, casada com Carlos Chagas Filho.

Um surto de doença de gado no Rio de Janeiro, levou aadministração municipal a recorrer ao governo federal, sugerindoque este se responsabilizasse pela instalação dos laboratórios.Em maio de 1900, a proposta foi aceita e o Barão Pedro Affonsoautorizado a recrutar uma equipe e a instalar os laboratórios. Ainstituição recebeu o nome de Instituto Soroterápico deManguinhos e foi agregado ao Departamento Federal de SaúdePública, subordinado ao Ministério da Justiça e NegóciosInteriores.

Para chefiar os laboratórios, o Barão procurou, inicialmente, umbacteriologista no Instituto Pasteur de Paris, cujo vice diretor,sugeriu o nome de Oswaldo Cruz, que ali havia estagiado de 1896até 1899. Em maio de 1900, aos 28 anos, Oswaldo Cruz foicontratado como bacteriologista-chefe numa instituição deimportância crítica, embora com o objetivo limitado e prático depreparar vacinas e soros para fornecer ao governo federal, abaixo custo (Stepan, 1973).

A insatisfação de Oswaldo Cruz em relação às funções propostaspara o Instituto, resultado de seu treinamento no InstitutoPasteur, influenciou sua percepção quanto ao papel que a novainstituição deveria desempenhar. A combinação da pesquisa, pura eaplicada, com o treinamento de alunos, a ausência de restriçõesburocráticas e as modalidades de financiamento à pesquisa, faziamo Instituto Pasteur parecer um modelo ideal para uma instituiçãosemelhante no Brasil.

A visão de Oswaldo Cruz causou dificuldades entre ele e o BarãoPedro Affonso, um médico com poucos conhecimentos das técnicasmais avançadas de soroterapia. O conflito resultou na demissão doBarão, no final de 1902, já que a saída de Oswaldo Cruz ameaçariao empreendimento. Oswaldo Cruz foi nomeado formalmente diretor deManguinhos em 1903. Ao período de crise inicial (1899/1902)seguiu-se um período de crescimento e o papel de Oswaldo Cruz naerradicação da febre amarela deu, finalmente, a legitimidadenecessária à criação de seu Instituto34. 34 Segundo Stepan(1973 p. 99) citando Ben-David o aparecimento deinstitutos de pesquisa semi-autônomos, como locus principal da atividadecientífica, é possível independentemente do grau de reconhecimentopúblico à ciência. Para Benchimol: ”A batalha foi em larga medida, vencida numteatro bem distante da capital da República. A medalha de ouro conquistada em Berlim no XIVCongresso Internacional de Higiene e Demografia, em setembro de 1907, teve aqui repercussãoenorme. A imprensa e as entidades corporativas e profissionais do Rio de janeiro prepararamrecepção apoteótica ao herói nacional que fizera a Europa se curvar ante o Brasil. O atestado de

Esse fato fez com que o futuro de Manguinhos fosse diferente dode outras instituições, apesar da história do InstitutoSoroterápico, entre 1900 e 1903, reproduzir parcialmente o“padrão clássico” de evolução das instituições de saúde pública,criadas para solucionar crises. Quando isso ocorria, reduzia-se ointeresse em sua ampliação. Portanto, a transformação doInstituto Soroterápico em um núcleo de estudos experimentais, talcomo desejava Oswaldo Cruz, não se fez de forma tranqüila.

O governo claramente não estava interessado em implantar uma“unidade de pesquisa experimental” e, em 1903, o Congresso negouo pedido de transformação do Instituto Soroterápico no tipo deinstituição almejada por Cruz. Entretanto, o apoio recebido porOswaldo Cruz do Instituto Pasteur, foi fundamental para aabertura de “um canal importante de comunicação com a comunidade científicainternacional, uma das alavancas que ele habilmente acionaria para viabilizar seuprojeto de transformar o modesto Instituto Soroterápico num produtivo centro demedicina experimental, à semelhança do instituto de Paris.” (Benchimol, 1990,p.22) Só em 1906, quando terminou o mandato de Rodrigues Alves,Oswaldo Cruz, no auge de seu prestígio político, apresentou outralei idêntica à de 1903. Desta vez o projeto foi aceito e surgiu oInstituto de Patologia Experimental de Manguinhos. A aprovação dalei, em 1907, representou uma vitória pessoal de Oswaldo Cruz eum passo importante para a consolidação da instituição e dasciências biomédicas no País.

A sobrevivência do Instituto de Manguinhos, no período de 1908 a1920, resultou de uma estratégia que combinava habilmente: (1) orecrutamento e treinamento de pesquisadores; (2) o relacionamentocom o governo e outras instituições que estivessem interessadasem seus produtos; (3) o desenvolvimento de um programa depesquisas exeqüível que atendia às necessidades brasileiras e quetinha repercussão internacional.

Já foi dito que, até o surgimento de Manguinhos, o treinamentocientífico no País era limitado às escolas de medicina eengenharia. O lento desenvolvimento do treinamento em medicinaexperimental nas Faculdades de Medicina do Rio e da Bahia,reduziu seu papel como formadoras de pesquisadores. Havia, noentanto, alguns estudantes dispostos a ingressar na carreira de

valor conferido pelo Velho Mundo aos trabalhos de Manguinhos converteu a “ciência”subitamente”, em importante ingrediente dos discursos patrióticos em que se autocelebravam aselites da capital. O rio de janeiro, que se tornara a “Paris das Américas, agora tinha seu Pasteurpara canonizar. (Benchimol & Teixeira, 1993, p.25)

pesquisa. Estabeleceu-se, assim, uma oposição entre Manguinhos,instituição de pesquisa, e a Faculdade de Medicina, instituiçãode ensino, dicotomia que Chagas Filho buscará superar.

Diz Chagas:

“A nossa faculdade se desenvolveu extraordinariamente no século passado e no

presente século no setor clínico. Nesse setor tivemos os dois Torres Homem, por

exemplo, e depois o Chico de Castro, e no princípio do século a formação de uma

excepcional escola de Patologia que foi introduzida pelo Miguel Couto35.

“Logo depois dele veio um grupo de professores de clínica de extraordinário

merecimento, que nós hoje temos a tendência a não considerar nos seu exato valor

porque eles naturalmente não usavam as técnicas que estamos habituados a usar.

Um deles foi o Miguel Pereira; Pedro de Almeida Magalhães,[...]

“Eles deram à Faculdade de Medicina, não só no Brasil, como na América Latina, uma

projeção enorme, mas as cadeiras básicas eram praticamente inexistentes. Aonde se

fazia ciência básica nessa ocasião era unicamente no Instituto Oswaldo Cruz..[ ...]

Deve-se dizer aí que havia um grande antagonismo entre Oswaldo Cruz e a Faculdade

de Medicina. Várias vezes quiseram trazer o Oswaldo para a Faculdade e ele recusou.

E a Faculdade pelos seus chefes de então, recusava terminantemente aceitar a

extraordinária supremacia médica da escola de Manguinhos”(Carlos Chagas,

CPDOC, 3a entrevista, pp. 14-15, 1976)

Depois de descrever a disputa entre Oswaldo Cruz e AfrânioPeixoto prossegue Chagas:

“Oswaldo Cruz também não facilitou as coisas;[...] perdurou sempre aquele problema:

o Instituto Oswaldo Cruz de um lado e a Faculdade de Medicina de outro, com um

grande prejuízo para nossa Faculdade, porque os únicos elementos capazes de

ensinar as ciências básicas, no Rio de Janeiro, eram membros do Instituto Oswaldo

Cruz. É bem verdade que Oswaldo Cruz exigia tempo integral, mas o fato de não

haver a possibilidade de cooperação impediu, durante muito tempo, que se

35 Casado com uma prima irmã de Íris Lobo, mãe de Carlos Chagas Filho.

desdobrasse na nossa faculdade o ensino das ciências básicas, a não ser no domínio

da Anatomia, por ser esse um domínio extremamente conexo ao domínio da cirurgia

e da medicina prática.” ”(Carlos Chagas, CPDOC, 3a entrevista, pp. 14-

15, 1976)

O candidato a pesquisador, atraído para Manguinhos, era oestudante de medicina desejoso de preparar sua tese, pré-requisito para a obtenção do título, sob a orientação deespecialistas treinados na Europa.36. Outra modalidade derecrutamento era a contratação de médicos, já engajados empesquisa experimental. Esse grupo deu solidez ao Instituto eampliou seu contato com a Europa, nele destacando-se Henrique daRocha Lima, formado na Alemanha e Carlos Chagas, pai.

A formação de Oswaldo Cruz na Faculdade Nacional de Medicina ohavia convencido de que, para a formação de pesquisadores,deveria adotar um esquema menos convencional, embora, em 1909, ocrescimento do Instituto o tenha obrigado a implantar um cursoformal de Microbiologia, baseado no do Instituto Pasteur. Aprimeira fase, de recrutamento e treinamento, foi seguida por umasegunda, na qual, além do aumento do número de estudantes, ospesquisadores do Instituto foram enviados ao exterior paratreinamento.

Além dos processos de recrutamento e treinamento, outra razãopara o “êxito” de Manguinhos é atribuída ao desenvolvimento deatividades voltadas para atender às demandas do governo. "A basepara as relações tipo cliente residia na crença de que o Instituto, como órgão degoverno, podia dar soluções práticas aos problemas de saúde pública".(Stepan,1976, p.109)

Alguns exemplos ilustram essas pesquisas orientadas para asolução de problemas: o pedido da Companhia Central de Estradasde Ferro, empresa privada, para o combate de malária em Minas,

36Os alunos da Escola de Medicina do Rio de Janeiro começaram a vir paraManguinhos numa base não oficial em 1902, ano em que a equipe secompunha de Ezequiel Dias, Antonio Cardoso Fontes e Henrique deFigueiredo Vasconcellos, todos estudantes, além de Henrique MarquesLisboa, Fernando Magalhães, Otávio Machado e Maria de Toledo. Em 1903ingressa Henrique de Beaurepaire Aragão. Entre os recrutados através denomeações para o programa de saneamento estavam: Alcides Godoy e ArthurNeiva.

chefiada por Carlos Chagas; campanha contra a febre amarela, emBelém em 1910e a viagem de Arthur Neiva e Belisário Pena.

Por essa razão, a bacteriologia ocupou papel central entre aslinhas de pesquisa desenvolvidas, entre 1903 e 1920, emManguinhos, sendo as principais áreas de interesse a peste, alepra e a tuberculose, além da febre amarela.

Outra área de importância foi a protozoologia:

" As atividades e descobertas nesta área foram, finalmente tão grandes que podemos

até falar de uma escola de Protozoologia da América do Sul. Esta "escola" foi iniciada

por Aragão e Chagas, constituindo-se no primeiro campo da ciência a atrair cientistas

estrangeiros para o Instituto tais como Prowazek e Max Hartmann”.(Stepan,

1976,p.113)

A descoberta de Carlos Chagas, em 1908, foi um outro elementofundamental na consolidação do prestígio de Manguinhos, além defator decisivo na formação de Carlos Chagas Filho.

Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, ingressou em Manguinhos em 1902com o objetivo de preparar sua tese de doutoramento. Foi aliaceito por Oswaldo Cruz e iniciou seu trabalho intitulado “Estudoshematológicos no impaludismo”, um dos mais graves problemas de saúdepública da época. Após quase dois anos de trabalho Chagas,conclui sua tese, defendida em 1903 e é, neste ano, nomeado parao Instituto. A partir de 1904, opta por trabalhar como clíniconum dos Hospitais da Diretoria Geral de Saúde Pública, localizadoem Jurujuba, Niterói, e como médico particular.

Em 1905, é convidado por Oswaldo Cruz, em função da experiênciaadquirida na tese, a dedicar-se totalmente ao Instituto já queCruz recebera de Cândido Gaffrée37 a incumbência de estudar asolução para uma grave epidemia de malária que estava afetando asobras de construção de uma usina elétrica em Itatinga. Adotandoum novo procedimento, que consistia em promover a desinfeçãodomiciliária, Chagas consegue em cerca de seis meses debelar osurto. De volta de Santos, Chagas permanece na Diretoria Geral deSaúde Pública lotado no Instituto Vacinogênico. Segundo ChagasFilho( 1993), em Manguinhos Chagas encontra as condições ideais

37 Sócio de Eduardo Guinle, pai de Guilherme, na Companhia Docas deSantos e financiador do laboratório dos irmãos Ozorio de Almeida.

de trabalho, sendo de particular importância sua colaboração comMax Hartmann, mencionada por Stepan.

Em 1907, Oswaldo Cruz atribui nova missão a Chagas, qual seja ade participar do saneamento do Vale do Xerém, onde se realizavamas obras de captação de água para o abastecimento do Rio deJaneiro.

Mas é dois anos depois que Chagas inicia o trabalho que otornaria uma das mais expressivas figuras da ciência brasileira:a descoberta da Doença de Chagas.

Segundo o testemunho de Carlos Chagas Filho:

“Em 1909, o destino deu a meu pai a oportunidade que iria consagrá-lo

definitivamente. É que perseguindo um velho anseio de Pedro II, tentava a Estrada de

Ferro Central do Brasil ligar o país do norte aos sul, unindo o Rio de Janeiro a Belém

do Pará por uma ferrovia....Encontravam-se, entretanto, em 1908, paralisados os

trabalhos em um vilarejo, Lassance, distante cerca de oitenta quilômetros de

Pirapora.....A maleita não poupava ninguém.

“Consultado Oswaldo Cruz pelo governo federal, indica ele a ida a Lassance de

Chagas, uma vez que possuía comprovada experiência no combate à malária, tanto

em Itatinga quanto no Xerém. Deixando a mulher em Juiz de Fora, [Chagas], segue

para a complementação de seu destino, pois no norte de Minas realizará a

descoberta mais importante na história científica do Brasil, única na história da

medicina.” (Chagas Filho, 1993, p.81)

Em Lassance Chagas verifica a existência de um quadro nosológico,que não encontrava explicação plausível dentro dos paradigmasvigentes. Soube, por um engenheiro, da presença de grande númerode insetos hematófagos, chamados “barbeiros” porque, alojados nasfrestas das casas de pau-a-pique saiam à noite e picavam o rostodos moradores dos casebres. Chagas tem um insight e examina o tubodigestivo desses triatomíneos distinguindo um novo tripanossomo.Na época a patologia tropical tinha grande interesse nesse tipode agentes, particularmente em função da chamada “doença do sono”que grassava nas colônias européias da África.

Chagas questiona se o tripanossomo encontrado no barbeiro poderiaser a causa do quadro nosológico observado em Lassance, caso

fossem capazes de infectar mamíferos. Decide, então, enviar aOswaldo Cruz um certo número de barbeiros pedindo a ele queinoculasse sagüis, criados em biotérios, com o material retiradodo tubo digestivo dos barbeiros, já que os macacos nativos jápoderiam estar infectados.

Dias depois Oswaldo Cruz avisa a Chagas por telegrama que um dosmacacos havia adoecido e pede que ele volte imediatamente ao Rio.

“No sangue deste sagüi encontrou o mesmo tripanossomo que vira no sangue dos

macacos de Lassance e que denominara Tripanosoma cruzi, em homenagem ao seu

mestre”. (idem, p.83)

Em 1909, de volta a Lassance, Chagas recebe a visita de umadoente.

“Examinando-lhe o sangue Chagas encontrou o Trypanosoma cruzi. Era o primeiro

caso da moléstia a que, mais tarde, seria dado o nome de doença de Chagas, e com

ela consolida-se praticamente, o ciclo da descoberta na qual foi conhecido primeiro o

vetor, em seguida o protozoário, agente causador da doença, os seus depositários

domésticos e, por fim, um caso humano - tudo por um só pesquisador. É o início de

uma epopéia científica que até hoje exige a atenção de especialistas do Brasil,

da América Latina, do mundo inteiro.”(Idem, ibidem, p.84)

A descoberta foi dada à publicação em 1909, mas o maior destaquefoi obtido por uma apresentação do próprio Oswaldo Cruz naAcademia Nacional de Medicina38. Esta formou uma comissão para ira Lassance verificar o trabalho realizado. Desta comissão faziamparte entre outros Miguel Couto, Miguel Pereira e FernandesFigueira39. A proposta para que a “nova entidade mórbida” passassea se chamar “moléstia de Chagas” parte de Miguel Couto.

38Segundo Benchimol: “todos os integrantes de Manguinhos, à revelia de suas brigas, foramcompelidos a endossar a hábil política implementada por Oswaldo Cruz com o objetivo deprojetar Chagas, sedimentar sua descoberta, dentro e fora do país e assim auferir vantagenscrescentes para o Instituto, sob a forma de prestígio, recursos e visibilidade - vantagens essaspassíveis de serem capitalizadas por cada um dos pesquisadores em proveito de suas própriasestratégias profissionais”. (Benchimol & Teixeira, 1993, p.47)39Avô de Gustavo Mendes de Oliveira Castro, pesquisador da segunda geração do Instituto, filho de Gustavo de Oliveira Castro, entomólogo contratado por Chagas pai para trabalhar em Manguinhos em 1921 e um dos mentores de Carlos Chagas Filho.

A carreira de Chagas prossegue em Manguinhos. Em 1910, Rocha Limadeixa o Brasil vagando uma chefia de serviço, que passa a serocupada por Chagas, segundo normas definidas por Oswaldo Cruz.40

Entre 1909 e 1912 Chagas recebe numerosas homenagens e honrarias,no País e do exterior. Em 1912 Chagas segue para a Amazônia emprosseguimento à missão de combate à febre amarela que OswaldoCruz iniciara na região em 1910. (Frahia, 1972). Acompanham-nonessa viagem, João Pedroso, que estivera na primeira missão, eAntonio Pacheco Leão, tio de Aristides Pacheco Leão, que terásobre esse grande influência.

Chagas volta de viagem em 1913, retomando suas atividades emManguinhos. Em 1916 participa de uma conferência latino-americanaem Buenos Aires onde sua descoberta é debatida e, em parte,contestada.

Quando volta da Argentina, onde consegue comprovar sua tese,Chagas toma conhecimento do precário estado de saúde de OswaldoCruz, a quem, segundo Chagas Filho, considerava como umverdadeiro pai.

Depois de um breve período em que, por influência de seus amigos,assumira a Prefeitura de Petrópolis em 1916, Oswaldo Cruz veio afalecer no dia 11 de fevereiro de 1917.

Com a doença de Oswaldo Cruz, Figueiredo Vasconcellos haviaassumido a direção de Manguinhos, havendo a impressão de quesucederia o fundador.41 Segundo Carlos Chagas Filho, a opção deOswaldo Cruz teria sido Rocha Lima, que partira para a Alemanha.Apesar do prestígio de Chagas, a sucessão não foi inteiramentepacífica. Sua nomeação se deu quase imediatamente após a morte deOswaldo e se explica, em parte, pelo desejo do PresidenteWencesláu Braz, mineiro, de nomear um conterrâneo para o cargo.

A morte de Oswaldo Cruz, entretanto, veio a ter um importantepapel na superação de uma série de conflitos que opunham, de umlado, os médicos e sanitaristas de Manguinhos e, de outro,

40 O processo é descrito por Chagas (1993) e Benchimol & Teixeira(1993)segundo diferentes visões.

41 Entre 1922 e 1923 trava-se um debate entre Chagas e um conjunto deopositores, entre os quais Figueiredo de Vasconcellos e Parreiras Hortae particularmente Afrânio Peixoto. A polêmica é minuciosamente descritapor Chagas Filho.( Chagas Filho, 1993, 187, passim )

aqueles que pertenciam a outras instituições. Sua imagemmitificada é apropriada como forma de superar, entre outrosdilemas, o determinismo de base climática e étnica, reservando umlugar de destaque à ciência e aos cientistas no projeto demodernização da nação. Essa questão é discutida em profundidadepor Nara Britto em sua tese em que ela demonstra que:

“Enquanto um instrumento de luta política, a mitificação de Oswaldo Cruz viabilizou a

ação coletiva em torno de um projeto inovador na época, de mudanças na saúde

pública brasileira que, entre outros objetivos, visava combater as doenças endêmicas,

como a malária e a doença de Chagas. Além disso, contribuiu para a legitimação de

Manguinhos, projetando-o de forma ímpar na história das ciências biomédicas no

Brasil.“ (Britto, 1995, p.15)

Embora nesse momento comecem a ser estabelecidas as bases para alegitimação da ciência experimental como elemento básico para aviabilização do projeto modernizador, de que são exemplo, nocampo da saúde pública, as demandas de empresários como Gaffrée,não se haviam verificado, ainda, as condições de possibilidade deautonomização do campo científico que só terá lugar anos maistarde. As dificuldades para que a aceitação da ciênciaexperimental se realizasse são em parte fruto das resistênciasderivadas da influência do positivismo nas escolas profissionaise em parte fruto do afastamento das práticas experimentais daUniversidade.

É importante notar, como mostra Chagas Filho, que a imagemvalorizada do cientista precede a valorização da própria ciência.Comparando a Europa ao Brasil, Chagas Filho afirma:

“Teve um momento em que a profissão de cientista no Brasil era altamente

valorizada. O sujeito tinha penetração, Rio e São Paulo, na sociedade. Por que razão?

Aí era o resultado da personalidade de Oswaldo Cruz. Oswaldo Cruz, representando a

Ciência era um homem de tal modo importante, que a Ciência tinha “status”, o

cientista, digamos assim... O cientista... A ciência não tinha “status” oficial nenhum,

mas o cientista tinha. Ao passo que na Inglaterra, por exemplo, na França, o status

social...não era uma sociedade muito mais compartimentalizada, havia por exemplo

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em Cambridge, havia dois que eram nobres, barões, mas nunca diziam isso...”

(Carlos Chagas, COC/PHO/IOC-VI-12- pp. 6-7)

A gestão de Chagas em Manguinhos, segundo Chagas Filho, serámarcada por dificuldades, numa primeira fase, advindas daampliação das demandas do governo, particularmente durante osurto de gripe de 1918 e, mais tarde, pelo fato de ter sidocompelido a exercer cumulativamente, com a direção de Manguinhos,a diretoria do Departamento Nacional de Saúde Pública (1919) eposteriormente a Cátedra de Medicina Tropical da Faculdade deMedicina, para a qual foi nomeado em 1926 sendo substituído naSaúde Púbica, por Clementino Fraga.

Segundo Benchimol & Teixeira (1993) a questão teria sido bem maiscomplexa e resultaria de lutas que distinguem, de um lado, asdisputas “intramuros” e de outro uma estratégia “extramuros”, emque cabia aos agentes interessados investir seus esforços em“converter para o público externo, leigo e especializado, “o fato biológico original”produzido pela coletividade de Manguinhos na “doença de Chagas” (Benchimol &Teixeira, 1993, p.45)

Durante a gestão de Chagas, Manguinhos passou por várias reformasque, pouco a pouco, vão expandindo os limites da ação dainstituição para outras áreas que não as estritamente“biomédicas”, ampliando as “fronteiras institucionais” de umforma diversa daquela adotada por Oswaldo Cruz na expansão daesfera de influência de Manguinhos. Um dos mais significativosexemplos desse movimento foi a contratação por Chagas de CarneiroFelippe, para Manguinhos e o convite que faz a Miguel Ozorio paraque passe a integrar os quadros da instituição. Ambos terão, comose verá, grande influência na trajetória de Chagas Filho.

Nesse período Chagas inicia grande atividade no planointernacional. Em 1921 vai aos Estados Unidos a convite daFundação Rockefeller; em 1923 visita a Europa para participar dascomemorações do centenário de Pasteur. Em 1925 é nomeado para oComitê de Higiene da Sociedade das Nações, embrião da OrganizaçãoMundial da Saúde, passando a ir à Europa anualmente para asreuniões.

Na volta de sua última viagem à Europa, em 1930, ao chegar ao Rioonde a Aliança Liberal fora vitoriosa na Revolução, Chagas foipreso mas imediatamente solto por terem por ele intercedidoAfrânio de Mello Franco e Oswaldo Aranha.

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Descrevendo as dificuldades que seu pai enfrentou na direção deManguinhos, Chagas Filho atribui grande importância àinexistência de um estatuto de trabalho que permitisse adedicação exclusiva, pela qual mais tarde lutará com grandeempenho.

A revolução de 30 é considerada um marco decisivo na história deManguinhos, sobretudo no que se refere à perda de sua autonomia.

“Nos anos subsequentes à Revolução, a tônica dos relatórios de Chagas até a sua

morte, em 1934, e de Cardoso Fontes (1934/41) era ainda a crise financeira que feria

a fundo a carne da instituição, com todas as suas seqüelas: insatisfação dos

funcionários, evasão de pesquisadores, deterioração e obsolescência das instalações

físicas e equipamentos, queda da qualidade na produção científica.” (Benchimol,

1990, p.69)

Para Chagas Filho o fenômeno é mais complexo e se deve àsmudanças causadas, pelo deslocamento e substituição das própriaselites, que tiveram que se rearticular, no momento da Revoluçãode 30:

“Eu acho o seguinte. até o Getúlio o Brasil era governado pelos homens do Império.

todas as grandes figuras do Brasil, 1930, você toma por exemplo, meu sogro o

Afrânio de Mello Franco, o Altino Arantes, que tinha estado com meu pai, que eram

homens de 50, de 60 anos. Porque se o Império acabou em 88, a influência das

escolas, dos colégios secundários, a existência do Pedro II, que foi o maior formador

de elites, essa continuou, não desapareceu imediatamente. Então quando vem o

Getúlio vem uma transformação. A transformação havia sido preparada pelos

tenentes, evidentemente. Havia sido preparada também pela intransigência do

Bernardes, primeiro e do Washington Luís”. (Carlos Chagas Filho,

COC/PHO/IOC-II-7- p.5,1987)

Comentando as transformações Chagas Filho ressalta que:

“...havia um respeito pelo adversário muito grande. Isto tudo era uma coisa, vamos

dizer, de educação. Pode-se dizer que é uma coisa elitista. Isso tudo acabou com o

Getúlio, porque o Getúlio trouxe consigo, a não ser o Oswaldo Aranha, que era uma

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grande figura, que eu conheci muito bem, ele trouxe consigo uma série de homens

xucros, não sabe, acostumados no pasto”... (Carlos Chagas Filho,

COC/PHO/IOC-II-7-p.6,1987)

As relações políticas de Chagas pai e de Chagas Filho são, numprimeiro momento, com os políticos mineiros da Aliança Liberal. Opróprio episódio da prisão de Chagas pai, é visto pelo filhoapenas como fruto de uma intriga. Chagas Filho, entretanto, seafasta progressivamente do governo de Vargas, rompimento que seconsolida com o Estado Novo e foi certamente influenciado porsuas relações com a família Mello Franco.

2.2 - DE MANGUINHOS À FACULDADE DE MEDICINA

As mudanças na sociedade brasileira entre 1899 e 1930 haviam sidobastante significativas, mas não haviam alterado, de maneirasubstancial, a configuração das relações políticas e econômicasdo país que continuaram dependentes do chamado modelo agro-exportador.

A participação do Estado no desenvolvimento científico serealizava, como foi visto, através da criação de algumasinstituições voltadas para a solução de problemas específicos naárea da saúde, agricultura e tecnologia. Além disto, houvera umamodesta ampliação no espaço do sistema universitário, com aexpansão no número de estabelecimentos e o surgimento de algumasescolas técnicas.

O deslocamento do principal polo do sistema produtivo nacionalpara São Paulo, em decorrência de expansão da economia cafeeira,o advento da República com o reordenamento das forças políticas,o desenvolvimento das atividades científicas fora do âmbito dosistema educacional, condicionam o êxito e eventualmente oinsucesso do desenvolvimento da ciência brasileira no período.(Schwartzman, 1979; Morel, 1979). Apesar disso, o Rio na condiçãode capital da República, continuava a abrigar um significativocontingente da elite nacional que se formara no Império, Além deatrair novos contingentes de profissionais ligados à burocraciado Estado, ao mercado de bens simbólicos e uma emergenteempresariado vinculado ao setor de serviços. Era sobretudo nacidade do Rio de Janeiro que se ofereciam oportunidadeseducacionais aos “herdeiros” das famílias decadentes do estado do

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Rio e de Minas Gerais e postos de trabalho àqueles membros dasoligarquias do Norte e do Nordeste, que viam se extinguir asoportunidades de ascensão social em seus estados de origem.

Um incipiente, embora descontínuo processo de industrialização, oalto nível de dependência do comércio exterior, as dificuldadesem introduzir no sistema educacional os novos paradigmas daciência experimental, formam o quadro que acompanha, no Brasil, operíodo que vai da 1ª Guerra ao final da década de vinte, quandoo país sofre os efeitos da Crise de 1929.

Só a partir de 1930, o país vai passar por transformações, quealteram as relações de poder, com o fim da hegemonia dos setoresvinculados ao modelo agro-exportador e o fortalecimento de outrossegmentos da sociedade, que passam a ter maior importância, tantono plano político, quanto econômico. Os novos setores que vinhamsurgindo no cenário nacional a partir da 1ª Guerra, em função doinício do processo de substituição de importações e da aceleraçãodo processo de urbanização, são a burguesia industrial e asclasses médias urbanas. Na capital, no entanto, as elitestradicionais mantém seu prestigio e, entre essas, o segmentorepresentado pelos “cientistas”, ao lado de outros produtores debens simbólicos, mantém um lugar de proeminência.

No período que vai de 1930 a 1945 são levadas a efeitomodificações substanciais no sistema produtivo brasileiro, com aintensificação do processo de industrialização. Entre 1929 e1937, imediatamente após a crise, graças a uma conjunturafavorável à aceleração do processo de substituição deimportações, a produção industrial alcança um aumento da ordem de50% enquanto as exportações são reduzidas em cerca de 23% (Cohn,1969, p.299). Participam no processo, além das empresasnacionais, das quais o grupo Guinle é um dos mais importantes,empreendimentos fundados com capitais externos, que deixando suaparticipação na comercialização de produtos agrícola e na esferado capital financeiro, investem na distribuição de combustível,serviços básicos, etc. (Ianni, 1965, p. 33, passim).

No âmbito das políticas do Estado, instaura-se a partir de 1930,concomitantemente à centralização do aparelho de poder, econseqüente ênfase em considerações de caráter setorial e nãomais regional, uma preocupação com a racionalizaçãoadministrativa. (Cohn, 1969). Por outro lado, há em relação àpolítica educacional uma tentativa de reformulação do sistema deensino. Esta se inicia com o movimento em favor da "Escola Nova"

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cuja discussão tem, entre outros efeitos, a Reforma FranciscoCampos em 1931, que institui o sistema universitário como formade organização do ensino superior. (Berger, 1977, p.170, passim).Os efeitos dessa reforma são, no entender de Schwartzman (1979),bastante prejudiciais para o desenvolvimento científico, aoinibir o movimento de constituição de um sistema universitáriobaseado nas aspirações da emergente comunidade científica.

Importa relembrar, que anteriores à década de 30 já existiamalguns núcleos de organização da comunidade científica, dos quaisos mais importantes foram a Academia Brasileira de Ciências,fundada em 1916, e a Academia Brasileira de Educação, de 1924.Nessas instituições surgiram algumas das mais importantesdiscussões sobre o papel da ciência e da educação no País. Aspropostas oriundas dessas unidades não encontram, junto àsinstâncias decisórias do governo, a necessária ressonância, sejapor força da natureza dos interesses do próprio Estado, seja pelada fragilidade da das associações científicas diante da estruturapolítico-administrativa.42

Esse é o quadro em que se inicia a trajetória de Carlos ChagasFilho.

2.3 - HISTÓRIA DAS INVENÇÕES

Apesar do interesse ainda bastante limitado na a consolidação daspráticas experimentais no ensino superior no período que vai de1930 a 1945 são criados no Brasil 95 estabelecimentos de ensinosuperior o que representa a duplicação do número de instituiçõesaté então existentes no país. (Fávero, 1980, p. 111).

É também neste período que são estabelecidas duas importantesinstituições de ensino das quais participam alguns dos maisexpressivos representantes da comunidade científica brasileira: aUniversidade de São Paulo (USP), criada em 1934, e a Universidadedo Distrito Federal (UDF), criada em 1935. Essa última, extintaem 1939 pelo Estado Novo, teve parte de seus cursos absorvidospela Faculdade Nacional de Filosofia fundada juntamente com aUniversidade do Brasil em 1937.

42Data de 1931 a primeira sugestão da ABC para a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa. Em 1936, é encaminhada pelo Governo Vargas uma mensagem ao Congresso propondo a criação de um Conselho de Pesquisa Experimentais vinculado às atividades agrícolas, ambas sem sucesso. (Brunetti et all. 1981).

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As transformações na economia nacional, com o incremento nastaxas de industrialização, se fazem tanto do ponto de vistaquantitativo quanto qualitativo. Já no final dos anos 30 ou sejano início da 2ª Guerra, "o Brasil estava perto da auto-suficiência em bens deconsumo, supria uma grande proporção (mais de 80%) de bens intermediários e cercade 50% dos bens de capital" (Baer e Villela, 1979).

Dois aspectos devem ser lembrados no período: de um lado, oinício da intervenção do Estado na economia como empresário, apartir do Estado Novo; de outro, a disposição em ampliar seupoder regulamentador numa perspectiva nacionalista o que de certaforma significou agir como contrapeso do poder do capitalestrangeiro. (Evans, 1980, p.85).

Ainda nesta época há uma tentativa de criação de uma infra-estrutura de pesquisa tecnológica adequada ao sistema industrial(Biato et al. 1973). Entretanto o processo de substituição, faceà conjuntura imposta pela 2ª Guerra Mundial, começa a enfrentarobstáculo para sua continuação, pelo fato de se defrontar com a"necessidade de entrar em faixas de substituição nas quais o problema da escala e dacomplexidade tecnológica se avoluma cada vez mais" (Tavares, 1975, p.50 ).Outros fatores que contribuíram para uma conformação particulardo sistema produtivo é a vinculação da transferência detecnologia ao capital externo e o fato de que "ao fim da Guerra umagrande proporção da capacidade produtiva brasileira estava gasta e obsoleta" (Baere Villela, 1979, p.295).

É nesse cenário que vai surgir o embrião do que seria o futuroInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.

Em 1937, com a morte de Francisco Lafayette Rodrigues Pereira,Professor Catedrático de Física Biológica da Faculdade Nacionalde Medicina, é aberto o concurso para o preenchimento da vaga eCarlos Chagas Filho decide concorrer com outros cinco candidatosao posto, apesar da oposição de familiares, sobretudo de EvandroChagas, seu irmão, e de alguns colegas de Pavilhão entre os quaisse destaca seu companheiro Walter Oswaldo Cruz.

Mas é somente quando é obrigado a optar, em 1938, pelo exercícioda cátedra em detrimento de sua carreira de pesquisador emManguinhos é que as transformações necessárias à conversão docapital social derivado do nome paterno e do capital de poderpolítico adquirido com o casamento se impõem.

71

Isto se deve em grande parte ao prestígio da cátedra. SerProfessor da Faculdade de Medicina tinha, na época, um pesorelativo que transcendia os limites do campo acadêmico. Chagasreconhece que ser Professor da Faculdade tinha grande importânciapara a carreira profissional na Medicina, fato que não severificava em outras profissões, como a engenharia, por exemplo.Esse capital, entretanto, era muito mais significativo nasdisciplinas relacionadas às cadeiras de clínica do que naschamadas cadeiras básicas.

Ainda que limitado, o “poder da cátedra” numa disciplina básicaseria um elemento fundamental para que Chagas detivesse osinstrumentos necessários tornar o método científico-experimentaluma prática aceitável na Faculdade. Segundo ele, seu pai já haviacriado um precedente na cadeira de Medicina Tropical e teriaconsciência da importância da pesquisa para o ensino médico.Entretanto, pertencer a Manguinhos teria, na época de seu pai, umvalor simbólico maior, no campo científico, do que ser professorda Faculdade, graças ao prestígio que Oswaldo Cruz associara àcarreira científica.

Embora se declarando “um produto de Manguinhos” Chagas reconhecena Faculdade possibilidades maiores do que as existentes noInstituto para o desenvolvimento de sua carreira. Apoiado por umarede de conhecimentos e no capital político e social derivado desuas relações familiares, o êxito no concurso representava agarantia de um espaço institucional vitalício no campo acadêmico.

“Mas creio que esse elemento de segurança me foi dado primeiro pelo fato de que eu

tinha todo esse embasamento social, como se diz hoje de amigos, e de outro lado,

por um fato muito importante que foi a oportunidade de alcançar a cátedra com 27

anos. Evidentemente tem as suas desvantagens, porque você adquire

responsabilidades muito cedo, mas tem a vantagem que você não tem que fazer uma

carreira, tal como fazem os que querem ser professores, arranjar títulos, arranjar

isso, arranjar aquilo” (Carlos Chagas Filho, CPDOC, 2a entrevista,

p.9,1976)

2.3.1 - A PRIMEIRA “INVENÇÃO”: A TRANSFORMAÇÃO DA FÍSICABIOLÓGICA EM BIOFÍSICA.

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A história do Instituto de Biofísica está intimamente associada,como anteriormente mencionado, à “invenção” da Biofísica comodisciplina básica do curso médico. Nascido da cadeira de “FísicaBiológica” da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil em1945, o Instituto comporta hoje, 50 anos depois de sua Fundação,uma pluralidade de áreas de investigação cujo espectrotranscende, em muito, a qualquer tentativa de circunscrição desuas atividades a uma área do conhecimento ou a uma disciplina.

Para que se possa entender o êxito da imposição de um novo modeloinstitucional, no âmbito da Universidade - o InstitutoUniversitário de Pesquisas - é fundamental examinar de que forma,primeiro, se afirmou a “Biofísica” entre as disciplinas básicasda Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. 43 Estacadeira, torna-se o locus pioneiro da ciência experimental naUniversidade, herdeira, simultaneamente, da tradição deManguinhos e do insucesso da Fisiologia em se impor, na FaculdadeNacional de Medicina, como espaço privilegiado da investigaçãocientífica.44

Segundo Manoel da Frota Moreira:

“Não era fácil fazer pesquisa científica naquele tempo. Não havia Conselho de

Pesquisa, não havia FINEP, não havia CAPES, não havia nenhum órgão de apoio à

pesquisa científica, ao contrário, havia um desencorajamento da pesquisa nas

Universidades. a pesquisa no Rio de Janeiro era feita no Instituto Oswaldo Cruz, que

era uma espécie de convento, retirado da cidade, onde estavam figuras mitológicas e

que todo mundo respeitava. O Chagas tinha vindo praticamente desse grupo,

porque o pai dele, naturalmente, tinha sido um dos componentes mais

importantes do grupo e ele teve uma formação no Instituto Oswaldo Cruz. Então

43É importante registrar que esse modelo institucional vai, mais tarde, se refletir na criação de unidades congêneres na Universidade, apoiadas na crença no dogma do “binômio ensino-pesquisa” pelos “jovens catedráticos”, que produzirão, a partir do início da década de 60, a Reforma Universitária. No âmbito dessa reforma, nascida na UB, procede-se á “consagração” do sistema de pós-graduação, tal como hoje o conhecemos.

44O caso de São Paulo tem características diversas, na medida em que a ciência experimental resulta da importação direta de práticas vigentes em outros países.

73

ele trouxe muito do espírito do Instituto Oswaldo Cruz para o Instituto de

Biofísica, que ficou uma versão simplificada e mais acessível do Instituto

Oswaldo Cruz no meio universitário.”(Manoel da Frota Moreira, CPDOC,

1a entrevista, p.13 ,1977, grifos meus)

Embora a criação do Instituto em 1945 coincida com um momentoparticularmente importante no desenvolvimento da biologia, a“invenção” da Biofísica na Faculdade de Medicina é muitoanterior. O que a 2ª Guerra possibilita é, sobretudo, osuprimento às novas disciplinas, a Bioquímica e a Biofísica, denovos instrumentais e de novos paradigmas. Esses fatos permitem aChagas consolidar, seis anos após a conquista da cátedra, seuespaço na Universidade, por intermédio do reconhecimento da“nova” disciplina, uma “vitória” no plano das classificações, eatravés da criação do Instituto.

Quando em 1972, Darcy de Almeida, relembra a fundação do IBCCF eseus objetivos, o que fora o produto de intensas lutas parecia,agora, o resultado da evolução natural de um projetoperfeitamente articulado.

“O Instituto foi criado com os seguintes objetivos: (1) dar à Biologia no Brasil uma

dimensão moderna, tirando-lhe em parte o caráter ancilar com relação à Medicina;

(2) criar condições administrativas autônomas que possibilitassem a realização

de investigações experimentais, de modo até então desconhecido na

Universidade do Brasil, através da aplicação à pesquisa biológica dos métodos

de investigação da física moderna” . (Almeida, 1972, p.13 ,grifos meus)

Tentativas anteriores, na mesma direção, haviam se tornadohistórias de fracassos ou passaram a ser lembradas comotentativas “heróicas”.

Nas narrativas sobre a adoção do método experimental nas ciênciasbiológicas, reza a tradição que, desde o século XIX, esta haviasido uma aspiração no Brasil, particularmente por influência deClaude Bernard e de seus discípulos, e pela constituição daFisiologia como disciplina experimental. 45 Lembra Ribeiro do Valle

45 ”Considerada a princípio como o estudo dos fenômenos naturais de parceria com a anatomia comparada de Galeno, Leonardo da Vinci e Vesalius, hoje a Fisiologia trata das funções normais dos seres vivos, de seus sistemas, aparelhos, órgãos e tecidos, apoiando-se principalmente na

74

(1979, 152, passim) que D. Pedro II, impressionado pelasconferências de Claude Bernard, em Paris e pela visita aolaboratório de Du Bois Raymond em Berlim, projetara a instalaçãono Rio de Janeiro de um Instituto de Fisiologia. A idéia nãovingou mas teria sido a semente do Laboratório de FisiologiaExperimental instalado por Louis Couty e João Batista de Lacerdano Museu Nacional, em 1880.

A par da criação do laboratório do Museu, Lacerda tentara ocupar,sem êxito, a cadeira de Fisiologia da Faculdade de Medicinaconquistada por Nuno de Andrade. Teria prevalecido, naquelemomento, por parte da congregação e dos examinadores a opção porum estilo “professoral”, adotado por Andrade, em detrimento daspreocupações experimentais de Lacerda. De qualquer forma, a buscada cátedra revela a importância da Faculdade como espaço delegitimação das carreiras científicas, mesmo no momento em queprevaleciam, no campo, os Museus e ainda não se haviamconsolidado os Institutos.

Além de Lacerda, outras tentativas foram feitas durante o séculoXIX para implantar uma Fisiologia experimental na Faculdade,tendo sido expressivos, nesse sentido os esforços de João BatistaKossuth Vinelli e João Paulo de Carvalho.

A crise da Fisiologia, na Faculdade Nacional de Medicina, seestende por toda a primeira metade do século com váriosdesdobramentos que irão se refletir favoravelmente nas condiçõesde possibilidade para a consolidação da Biofísica. É em tornodela, e não da Fisiologia, que se organiza a “ciênciaexperimental” na Universidade.

Depois das tentativas infrutíferas de Vinelli e João Paulo deCarvalho a nomeação de Álvaro Ozorio, Professor Extraordinário deFisiologia, em 1911, com a Reforma Rivadávia, concebida porHilário de Gouveia, poderia ter significado a emergência, naFaculdade de Medicina, de um espaço alternativo e de concorrênciaa Manguinhos.(Rosa, 1980, p.54) Mas como afirma Thales Martins,futuro responsável pela Cadeira:

“A nomeação não ofereceu a Álvaro Ozorio maios para dedicar-se à pesquisa. Sem

embargo do apogeu de Manguinhos já ter demonstrado que o brasileiro, como

qualquer povo, tem capacidade para trabalho original, as escolas, apesar da

Biofísica, na Bioquímica e na Farmacodinâmica. (Valle, 1979, p.153-155)

75

Reforma, ainda amarradas ao passado, apenas formavam profissionais.”

(Martins, 1955 , p.239)

E mais adiante:

“Catedrático em 1927, nunca se ajustou Álvaro Ozorio à Escola, sempre céptico e

pouco tolerante para os estorvos e incongruências de nosso sistema universitário Mas

clamou pela transformação das normas e costumes. Sem a integração, na vida

escolar, de homem de tal estatura moral e mental, muito perdeu o desenvolvimento

da pesquisa, cuja falta, no recesso da Universidade, impede o crescimento maciço das

reservas de cientistas. O número de iniciados subiu em ritmo lento, na dependência

de vocações incoercíveis.” (idem, p.240).

No seu primeiro estágio europeu Chagas percebe não só aimportância das transformações do paradigma da Biologia, comoentra em contato com um novo tipo de organização da práticacientífica46. É, igualmente, a oportunidade de perceber anecessidade da adoção de um modelo biológico brasileiro capaz dedespertar o interesse da comunidade científica internacional,fundamental para a legitimação da disciplina no Brasil. Essapercepção se torna mais clara, na medida em que se aprofundamseus contatos com os colaboradores europeus, particularmenteAlfred Fessard e Wurmser.

A eclosão da 2ª Guerra, em 1939, precedida por um considerávelafluxo de pesquisadores europeus para a USP, refugiadosprincipalmente da Alemanha e da Itália, permitiu que ali viesse ase desenvolver uma série de trabalhos de fronteira na física.

Esse fato, contribui, de um lado para reforçar a idéia de Chagasde que a ciência sofrera um processo de grande transformação e deque a ciência experimental, fundada em métodos quantitativos,seria o único caminho para a sobrevivência das ciênciasbiológicas no Brasil, afetada pela crise que Manguinhos sofrerana década de 30. Por outro lado, Chagas acreditava na importânciada adoção dos métodos experimentais e quantitativos para aformação de médicos na era pós-pausteriana.

46A percepção da crise do paradigma é atribuída por Chagas ao pai e a José Cruz Costa (Chagas, entrevista, 1976, p.10)

76

Na USP Chagas encontra aliados, particularmente Marcelo Damy,discípulo de Gleb Wataghin e, no Rio, interage com Bernard Grossque o ajudam a transformar o laboratório de Física Biológicacriado junto à Cátedra da Faculdade Nacional de Medicina e, maistarde o Instituto de Biofísica, na “província do império dafísica” a que se refere Elias47. Ali são utilizados, pela primeiravez, na Faculdade, métodos físicos e químicos para a investigaçãodos fenômenos biológicos.

A ação de Chagas é de certa forma facilitada pela posição de suacátedra no campo acadêmico. De acordo com seu depoimento:

“..uma das grande vantagens que eu tive foi, sem dúvida, o fato que eu comecei a

instalar alguma coisa que era inteiramente nova e desconhecida na Universidade e

na Faculdade, e que não criou o menor senso de ciúme e inveja porque ninguém

sabia o que era, ninguém estava interessado naquilo. Quando verificaram, eu estava

muito longe na pista para ser paralisado.” (Carlos Chagas Filho,

CPDOC ,1976, 2a entrevista, p.9)

2.3.2 A SEGUNDA “INVENÇÃO”: O PORAQUÊ UM MODELO BRASILEIRO DEINVESTIGAÇÃO.

A opção por um modelo brasileiro de investigação constitui umadas invenções mais eficazes de Chagas na imposição de um espaçopara a ciência experimental no Pais. Era, entretanto importanteque este tivesse condições de atrair e disputar o interesse dospesquisadores da fronteira do conhecimento biomédico no Brasil e,principalmente, no exterior. Como foi dito, Chagas confirmara emsua viagem, após o concurso, que a adoção de novos métodosfísico-químicos pelas ciências biológicas representava não só amudança do paradigma tradicional das ciências biomédicas mas apossibilidade de converter sua cátedra num polo privilegiado deprodução de novos conhecimentos consolidando seu prestígio.

Competir com a ciência estrangeira era difícil mas não impossíveldesde que se utilizassem técnicas de fronteira em modelosautóctones. Experiências com curare já haviam sido realizadas por

47Em seu trabalho Elias descreve como o paradigma da física assume uma posição central entre as demais áreas do conhecimento, tornando-se o parâmetro pelo qual se orientam as demais disciplinas, sobretudo as de caráter experimental. (Elias, 1982, p, 65 passim)

77

Batista de Lacerda e a oferta de um novo produto “exótico” nomercado dos objetos de investigação científica uma oportunidade aser aproveitada. As pesquisas na França com o peixe-elétrico,constituíam de fato uma questão de fronteira, como se pode servisto na trajetória de Denise Albe Fessard.

A combinação de um duplo apelo, o de ser um “modelo brasileiro” ede ser capaz de atrair o interesse internacional explicam ointeresse de Chagas pelo Electrophorus eletricus.

“Foi por isso que escolhi como modelo de trabalho o peixe-elétrico. Se não tivesse sido

o peixe o modelo que eu escolheria seria a preguiça. Não sei quando mas certamente

bem no começo de meu trabalho é que surgiu esse tipo de orientação, que cada vez

mais se enraíza em mim, de que nos países subdesenvolvidos devemos usar as

técnicas mais avançadas em modelos autóctones...”

“Eu trabalhei com peixe-elétrico e com curare porque eram modelos brasileiros, com

os quis eu poderia lidar com facilidade. Por isso praticamente todos aqueles que se

formaram no Instituto de Biofísica, pelo menos os da primeira e segunda geração,

passaram algum tempo trabalhando com o peixe elétrico”. (Carlos Chagas,

1983, p. 58)

Na mesma entrevista diz Chagas, depois de reafirmar auniversalidade do método científico:

“Agora, os cientistas dos países em desenvolvimento devem se preocupar em

empregar esses métodos, seja para aumento do conhecimento, seja para aplicações

de ordem prática, utilizando o mais possível modelos que lhe estão disponíveis. Com

isto o cientista se volta naturalmente para o meio em que vive. Sua escolha

indica se ele está voltado ou não para os problemas do país. A ciência é uma

parte da cultura do país, de modo que nós não devemos fazer uma ciência igual

ou copiada, em todos os setores, da ciência dos Estados Unidos por exemplo.

Não porque haja falta de dinheiro mas porque a cultura brasileira é diferente da

cultura americana. (idem, p. 57 grifos meus)

A adoção do peixe elétrico como modelo constituiu a primeiralinha mestra no desenvolvimento e na complexificação das

78

atividades do Laboratório que daria origem ao Instituto e se aBiofísica podia ser vista como aquilo que o Instituto deBiofísica faz, a unidade dos investigadores, na fase inicial, emtorno de um modelo único tornou viável o estabelecimento de umaidentidade entre os interesses dos diversos agentes. Como afirmouMaury Miranda:

“Entrei para a Biofísica e pensei que ia fazer uma porção de coisas , que ia ter ajuda e

tal. Mas não aconteceu nada disso. Deram-me uma vassoura para limpar o chão,

lavar os vidros, o que é normal. E, como na Histologia, meu trabalho ficou solto no

laboratório de Biofísica. Aí eu já estava interessado em outro problema: em

transformação de energia química em energia elétrica pelas razões as mais diversa. E

como havia peixe elétrico no laboratório, todo mundo que entra no Biofísica tem uma

fase elétrica. E eu me interessei um bocado pelo peixe elétrico...” (Maury Miranda,

CPDOC, 1a entrevista, p. 8, 1977)

2.3.3 A TERCEIRA “INVENÇÃO”: O PESQUISADOR- DOCENTE.

A organização do Laboratório e a formação da equipe inicial dacadeira foi o resultado de uma bem sucedida estratégia derecrutamento, para a qual contribuiu a adoção, no serviço públicobrasileiro, de um novo dispositivo constitucional, imposto peloEstado Novo, que proibia a acumulação de cargos.48

A identificação das equipes e dos pesquisadores do Institutoconstitui um dos aspectos mais interessantes no processo dereconstrução de sua história. Há uma grande variedade de nomescitados como estando presentes, ou não, em diferentes momentos dahistória da instituição.

Nos trabalhos disponíveis sobre o Instituto, há um certo consensoquanto à identificação dos pesquisadores que participaram de suafundação. Ainda assim, é possível reconhecer no discurso nativo oestabelecimento de categorias diversas que classificam esses“fundadores” pelas formas de ingresso na equipe e por sua

48Os efeitos desse dispositivo constitucional na organização da ciência, no Brasil é descrita detalhadamente por Simon Schwartzman (Schwartzman, 1979 pp. 181-188)

79

presença na memória institucional. Muitos informantes estabelecemuma distinção entre os que “foram” do Instituto, como MouraGonçalves, e os que “passaram” pelo Instituto, como foi o caso deAlmir de Castro e Oromar Moreira. Essa distinção, é umaimportante categoria nativa, estando associada, possivelmente, aofato de linhas de pesquisa iniciadas pelos que “foram” doInstituto terem tido, ou não, continuidade na instituição,através de “linhagens”, que deram prosseguimento ao trabalho dosiniciadores.

Tanto nos documentos, quanto nos depoimentos, o grupo defundadores do Instituto teria sido constituída por duas “classes”diversas de indivíduos: “professores” e “pesquisadores”. Entre osnomes presentes na Tabela I do Anexo III, Tito Enéas Leme Lopes eLafayete Rodrigues pertenceriam à primeira classe, os demais àsegunda. Esse dado revela que só a partir da fundação doInstituto, Chagas consegue efetivamente implementar sua segundainvenção, a Universidade brasileira como locus de pesquisa e seuagente: o “pesquisador-docente”. A máxima de Chagas: “A universidade éuma instituição que pesquisa, e por isso ensina”, que mais tarde se tornaráparte do discurso nativo, ainda não está consolidada.

Um depoimento ilustra esse fato:

“Como eu disse esse grupo era constituído pelo Carlos Chagas, pelo Tito Leme Lopes,

que era essa figura extremamente atraente e extremamente popular entre os

estudantes porque era antes de tudo um boêmio e uma pessoa muito engraçada ,

com um espírito fabuloso e que tinha um grande conhecimento geral de tudo,

inclusive de literatura, de política e ao mesmo tempo, um grande professor, um

grande expositor e um grande explicador de coisas. As coisas mais difíceis de se

entender ele colocava da maneira mais fácil do mundo; isso era muito atraente,

embora ele não fosse um pesquisador no sentido rigoroso da palavra. Ele fez tese,

fez alguns trabalhos científicos, etc., mas não era um indivíduo com uma

tendência para a pesquisa científica propriamente dita; mas ele foi uma espécie

de traço de união e de ponte entre a mentalidade que havia antes e a ciência, porque

ele conciliava as duas coisas.” ( Manoel da Frota Moreira, CPDOC 1a

entrevista, p.12, 1977, grifos meus)

80

Com o objetivo de superar os impedimentos impostos pela estruturaburocrática da Universidade, Chagas cria a figura do “técnicoespecializado” 49.

A morte prematura de Evandro e a “dívida” do Governo de Vargas50

com relação à família, resultante das “injustiças” de que Chagas,pai, fora vítima51, permitiram a Chagas Filho utilizar o nomepaterno (capital social) sob a forma de capital político(prestígio junto às instâncias de poder).

“...a morte súbita de Evandro produziu uma consternação geral e me permitiu ter

entrada livre no Ministério da Educação, com o Ministro Capanema para

institucionalizar o Serviço de Endemias, criado pelo Evandro, e no DASP, com o Luís

Simões Lopes. Só para dar um exemplo, no dia em que eu precisei contratar gente

para o Instituto de Biofísica, fui ao Simões Lopes e ele me contratou imediatamente a

Hertha Meyer, o Moura Gonçalves, o Veiga Salles e o René Wurmser, criando uma

nova categoria de funcionário, o técnico especializado. Foram os quatro primeiro

contratados. Isso mostra que o nome de meu pai me serviu muito. Acho que minha

carreira não teria sido o que foi se eu não tivesse tido o nome de meu pai; teria sido

muito mais difícil.” (Chagas, 1983, p.57).

2.4 AS INVENÇÕES TOMAM CORPO

A implantação do Laboratório de Física Biológica, núcleo inicialdo Instituto, se fez pela implantação de dois “laboratórios” o deHertha Meyer denominado de Cultura dos Tecidos e o do próprioChagas voltado para a bioeletrogênese do poraquê do Amazonas(Electrophorus eletricus). 52

49Maria Clara Mariani (1982) diz que o cargo de técnico especializado, com um salário superior ao de professor assistente, foi o primeiro passopara a criação da carreira de pesquisador na Universidade.

50Considerado um dos responsáveis pela decadência de Manguinhos na décadade 30

51Entre essas injustiças citam-se, a extinção da gratificação de função aque Chagas pai teria direito como Diretor de Manguinhos e o cancelamentoda autorização de uso do carro oficial.

81

Um aspecto fundamental nessa fase de consolidação das invençõesrefere-se à questão do “intercâmbio”.53 A eclosão dos movimentosfascistas na Europa e a própria 2ª Guerra criam as condições depossibilidade para que o Laboratório receba um gruposignificativo de pesquisadores estrangeiros, o que cria uma“tradição” de intercâmbio entre o Instituto e os grandes centrosinternacionais.

Durante a primeira fase procurou-se estabelecer um conjunto delaboratórios que permitisse a pesquisa multidisciplinar, criando-se os setores de eletrofisiologia, de Chagas, bioquímica eenzimologia, de Moura Gonçalves, e de citologia e cultura detecidos de Herta Meyer.

Nesse período é particularmente significativa a presença, junto àcátedra, do grupo oriundo da “escola” de Baeta Vianna, emespecial de José Moura Gonçalves. Embora originário do Rio, MouraGonçalves iniciara sua carreira em Belo Horizonte obtendo aprimeira de suas “livre-docências” em 1939. Seu ingresso noInstituto se dá em dois momentos, primeiro como pesquisadorconvidado, mais tarde como Primeiro Assistente, em 1940. Embora oingresso de Moura Gonçalves na cadeira de Física Biológica não sede através de laços familiares, quando o entrevistei juntamentecom sua mulher Laura Gouveia Vieira Gonçalves, as menções àsrelações de parentesco são freqüentes e expontâneas.

“Mas eu sou, em última análise, até contraparente da Annah de Melo Franco porque a

minha avó é prima dos Melo Franco, prima em primeiro grau do Melo Franco (José

Moura Gonçalves e Laura Gouveia Vieira Moura Gonçalves,

Entrevista, 1995)

Numa entrevista mais formal, publicada em 1989, Moura Gonçalvesdescreve sua trajetória no Instituto:

52 Simon Schwartzman faz menção à associação a Bernhard Gross nesse período.

53 A criação do Instituto de Pesquisas em Ciências Biomédicas do México resultou de um processo semelhante. Em 1941 a Universidade Nacional do México criou um laboratório, o Laboratório de Investigaciones Biomédicas, com o objetivo de abrigar um grupo de cientistas espanhóis refugiados, discípulos do prêmio Nobel Ramón y Cajal, e que transformou-se em 1949 no Instituto com três departamentos: neuroanatomia, citologiae fisiologia, áreas correlatas às do IBCCF.

82

“Quando comecei a trabalhar, pude sentir o impacto da bioquímica, o quanto essa

área de conhecimento, o quanto essa área representava em termos de novas

fronteiras do conhecimento”

“A atmosfera de trabalho criada por Chagas e o intercâmbio com vários cientistas

cristalizaram a idéia de aplicar-me á química de proteínas e enzimas..”.(Moura

Gonçalves, 1989, p. 67 )

Ainda na mesma entrevista, Moura Gonçalves menciona a grandeinfluência que exerceram, em sua carreira, a presença do casalWurmser na Biofísica e os vários estágios no exterior. O seupioneirismo na bioquímica é por ele descrito na mesma entrevista:

“Quando voltei ao Brasil, em 1948, comecei a organizar a seção de físico-química de

proteínas do Instituto de Biofísica a pedido do Carlos Chagas. Ele tinha grande

interesse em implementar eletroforese no Instituto, daí eu ter começado a montar o

laboratório e a trabalhar na análise eletroforética livre do venenos de cobra. Mas não

comprei o aparelho de Tisélius prontinho [...] No começo não tínhamos nada. As

primeiras cromatografias de papel foram feitas com latas de querosene. Não

existiam as cubas de vidro bonitinhas como há hoje. Nesse período trabalhei com

Aída Hasson-Voloch, que era minha assistente e Laura Gouveia Vieira54, com quem

sou casado.” (Moura Gonçalves, 1989, p.68)

Moura Gonçalves dispunha dos atributos necessários apersonificar, de forma acabada, a figura do pesquisador-docenteidealizada por Chagas, mas não estavam ainda suficientementeconsolidadas na Faculdade de Medicina as condições necessáriaspara a presença, no mesmo espaço institucional, de duaslideranças concorrentes.

Mais do que isso o “concurso” para a cátedra era, ainda, a únicaforma de obtenção de plena autonomia, embora, como nos casosanteriormente mencionados, houvesse a possibilidade de que este

54 A relação de Laura Gouveia Vieira com as elites do Rio de Janeiro é análoga á de Annah de Mello Franco Chagas. Filha de João Pedro Carvalho Vieira e de Lucília Carvalho Vieira é neta de Hilário de Gouveia e bisneta de Joaquim Nabuco.

83

se constituísse “ num jogo de cartas marcadas”. 55 Esse fato semantém, no plano do “indizível” á semelhança das lembranças dosinformantes de Pollak e só é reconhecido quando o “sercatedrático” deixa de ser uma forma de consagração. Para MouraGonçalves, em 1984, sua saída do Instituto de Biofísicacorresponde a vencer um desafio:

“Estava trabalhando no Instituto de Biofísica quando recebi um telefonema do

Zeferino Vaz Isso foi em 1952. Ele que estava no Ministério da Educação e Cultura,

me pediu que o procurasse imediatamente, pois havia sido indicado professor de

bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.[...]. Fiquei muito

entusiasmado com a idéia, embora não possa negar, tenha sofrido com essa

mudança, principalmente porque ela significou um interregno na minha carreira

científica. Lá foi preciso começar do nada.” (Idem p. 68)

Em 1995 sua interpretação é diversa e se relaciona ao concurso deprofessor catedrático de Bioquímica56:

JMG ....E depois, quando houve aquele concurso de Bioquímica, né? .... Eu, cheguei a

me inscrever mas o Chagas nem deu bola. O candidato do Chagas era o... como é que

se chama? Do Instituto Oswaldo Cruz, era o [Gilberto Villela] como é que se

chamava o bioquímico de lá, meu Deus do céu...

”...Pena que não passou. Ele perdeu pro Lacaz. Eu não entrei, porque eu me afastei do

concurso porque eu achei que aquilo era carta marcada. Então, eu queria ir embora

para Ribeirão Preto, então, aí eu desisti mesmo. Então...”

Laura - Mas era tudo marcado. Tudo , o tempo todo.... (José Moura

Gonçalves e Laura Gouveia Vieira Moura Gonçalves, Entrevista,

1995)

Embora outros profissionais tenham se incorporado ao Instituto,oriundos tanto de Manguinhos, como do Serviço de GrandesEndemias, as atividades de ensino voltadas para os estudantes de

55Diz Chagas em um de seus depoimentos: “Como professor catedrático você é dono doterreno. hoje menos, naquela ocasião você era dono de um terreno”. (Carlos Chagas, COC/PHO/IOC-VI-12- pp. 9)

56Na época denominada Química Biológica.

84

medicina possibilitaram que o futuro quadro de profissionais doInstituto fosse recrutado, principalmente, na Faculdade.

Rapidamente o Laboratório assume uma posição de proeminência nocenário científico nacional, graças à adoção e disseminação denovas técnicas.

Nessa época foi fundamental o apoio tanto da Fundação Rockfellerquanto o de Guilherme Guinle, que se dispôs a transferir a ChagasFilho o apoio financeiro que até então dera a Evandro.

O depoimento de Antonio Paes de Carvalho sobre esse períododescreve com clareza o êxito das invenções de Chagas:

“Nos anos da guerra, Chagas alistou importante grupo de jovens cientistas brasileiros

e valeu-se da visita de Wurmser, que aqui passou mais de um ano, para estabelecer

definitivamente o seu núcleo de pesquisa. A estratégia foi a de selecionar

intelectos, não áreas ou problemas de pesquisa. Deu nesses anos e daí para

frente, guarida a virtualmente todos os homens de valor que o procuraram em busca

de condições de trabalho científico, sem preocupar-se muito com a definição de

física biológica, que nos seus olhos (e para desespero das cátedras vizinhas) foi

se tornando mais e mais abrangente. Logo vemos formado um grupo

multidisciplinar centrado inicialmente por Chagas na problemática dos tecidos

excitáveis: nervos, músculos e, naturalmente o poraquê com seu extraordinário órgão

elétrico. Chagas estuda-lhe a descarga, introduzindo no Brasil a oscilografia catódica.

É o primeiro a mostrar a importância do sentido da corrente na eficácia de estímulos

elétricos no órgão, gerando ora respostas diretas dos eletrócitos, ora indiretas,

através dos terminais nervosos. Essa última modalidade podia ser bloqueada pelos

curares e mostrava facilitação por repetição do estímulo. O grupo de Chagas

consegue nessa época destrinchar também o segredo da fina sincronização do

disparo de milhares de eletócitos sob comando nervoso.” (Paes de Carvalho,

1983, p.93, grifos meus)

Se com relação à lista dos fundadores, há uma certa concordância,na composição da primeira geração, amplia-se a divergência sobreos que “teriam sido” do Instituto e os que “teriam passado” peloInstituto.

85

Uma outra importante distinção se faz relacionando os que “têm amarca” do Instituto daqueles que não a tem. A menção a essa marcadistintiva surge nos depoimentos de Darcy Fontoura de Almeida eEduardo Oswaldo Cruz, estando associada ao maior ou menor desejode participação e envolvimento nas atividades do Instituto e aexistência de um certo “esprit de corps”.

O depoimento de Maury Miranda, reforçado pela percepção de Darcyde Almeida descreve como se adquiria essa “marca”:

“Naquela época a proposição do Chagas era honrosa. Tão honrosa que nunca se

pensou em receber um tostão por isso. Não havia essa intenção mercenária que

atualmente existe, de que se houve falar. O atrativo era puro e simplesmente

acadêmico. E como as pessoas que tinham ido para o Instituto, de uma forma ou de

outra , atendiam aos mesmos interesses relativos à ciência, formou-se imediatamente

uma camaradagem muito agradável dentro do Instituto de Biofísica”

“O negócio era muito agradável. [...]. Esse ambiente sadio e de colaboração que

existia na época no Instituto de Biofísica hoje não existe. cada um foi tratando de

seus interesses e se diferenciando, um para uma coisa e o outro para outra. Mas

havia uma disputa entre nós altamente sadia em relação a com quem trabalhar.

Julgávamos, por exemplo que o Moura e o Couceiro tinham capacidade de

formar pessoas; e respeitávamos o Aristides Pacheco Leão, como até hoje o

respeito como cientista. E havia uma disputa de quem podia trabalhar com

quem.......Esse era o ambiente que vigorava no Instituto: todo mundo ajudando todo

mundo. Entre nós todos tem uma coisa muito importante: o Chagas foi uma pessoa

marcante nas nossas vidas.” (Maury Miranda, CPDOC, 1a entrevista, p. 8-

11, 1977)

No depoimento de Maury Miranda, como no de outros pesquisadores,opõe-se a figura de Chagas à de Aristides Pacheco Leão e a maiorou menor proximidade aos dois pesquisadores, estabelece umadistinção. 57 A linhagem dos neurofisologistas, mais claramenteassociada às elites cariocas, é vista por aqueles que a ela nãopertencem como “destituída” da marca, ou como uma espécie de

57À qual se associa no inicio as figuras de Moura Gonçalves e Couceiro.

86

corpo estranho ao Instituto. Reproduz-se aqui, de certa forma, aseparação das estratégias “extramuros” das disputas “intramuros”,às quais se referem Benchimol e Teixeira (1993) no caso deManguinhos, embora essas disputas não tenham resultado emrupturas no plano concreto, como ocorreu no Instituto OswaldoCruz.

Larissa Lomnitz descrevendo o desenvolvimento do Instituto dePesquisas em Ciência Biomédicas, fundado no México comcaracterísticas bastante semelhantes, na origem, ao IBCCF,observa o mesmo tipo de fenômeno. Segundo ela as carreirasnaquela instituição se produzem da seguinte forma: “On being acceptedas assistant in a research group , the future scientist submitted voluntarily to theunwritten standards and rules of the group, including normally a strong affection andloyalty towards his tutor. This personal relationship was retrospectively felt as vital andinfluential throughout the scientist’s subsequent career. Thus distinct scientific lineagesmaybe identified among the institute staff and there are second and third- generation“descendants” of influential tutors. This was not just a matter of personal attachment butalso of technique and line of research. Beginning with a charismatic tutor, such methodsand scientific interests tended to be transmitted from one generation of students to thenext. As a result the Institute harbors distinct schools of scientific thought which mayinteract and coalesce towards the formation of what is known as a scientific tradition”(Lomnitz, 1977, p.538)

2.5. O SINGULAR NO PLURAL

A criação do Instituto coincide com um momento particularmenteimportante no desenvolvimento das ciências no mundo comodecorrência do esforço de guerra.

A partir de 1945, a expansão e a transformação do ensino superiorno Brasil, no sentido de um sistema de educação profissional, aevidência na sociedade brasileira das dificuldades para asuperação dos obstáculos impostos ao processo de substituição deimportações e a consciência, nos meios acadêmicos, da importânciada ciência e da tecnologia, trazem a baila a questão dodesenvolvimento científico e tecnológico.

Surgem novas iniciativas da comunidade científica no sentido dese organizar e, sem dúvida, a mais importante é a fundação, em1948, da SBPC. (Schwartzman, 1979; Morel, 1979). Na ausência deuma política explícita do Estado voltada para o desenvolvimentocientífico e tecnológico, coube à própria comunidade científicainfluir no sentido de que sua importância fosse reconhecida.

87

Nesse processo, como foi visto, a participação e a liderança deChagas foram decisivas.

Uma participação mais efetiva do Estado em decisões relativas aodesenvolvimento científico e tecnológico se explica, de um lado,pela importância que começa a ser atribuída pela sociedade aodesenvolvimento da ciência e, por outro, pela necessidade sentidapelo governo de implementar medidas estratégicas, relacionadas aquestão de segurança nacional, sobretudo ligadas à utilização deenergia atômica.

Esse é o período em que se incorpora à equipe do Instituto deBiofísica, Aristides Pacheco Leão, vindo de Harvard, eresponsável por uma descoberta extremamente significativa nocampo das neurociências: a depressão alastrante (The spreadingdepression of Leão), fenômeno que leva seu nome (Leão wave). Atrajetória de Pacheco Leão58, diferente da de Chagas, reforça ocontraponto e a distinção entre dois “modelos” de cientista: oque se dedica às atividades de docência e de administração daciência e o que se dedica precipuamente às atividadeslaboratoriais, distinção que terá grande influência na percepçãodo que é “ser cientista”, nas sucessivas gerações do Instituto59.

Essa distinção revela um padrão de carreira científica que tem umparalelo no México, como aponta Lomnitz:

58A carreira de Pacheco Leão é objeto de um segmento da dissertação mas vale mencionar que, recentemente, Carlos Eduardo Rocha Miranda, ao organizar uma palestra sobre a participação dos professores da UFRJ na Academia Brasileira de Ciências, grupou esses professores em duas categorias. Na primeira, “homem, que alia aos dotes de cientista, os de professor, administrador e homem público” , classificou Chagas, em uma segunda categoria“cientistas que abriram novos horizontes para a ciência mundial”, classificou Pacheco Leão.

59O próprio Aristides reconhece essa distinção e num necrológio sobre Gilberto Villela “ In considering the scientific work of Gilberto Villela, it is immediatly comes to one’s memory the two extreme types of men of science that the German chemist WilhelmOswald characterized, and called romantics and classics, in his book ‘Grösse Männer”, with which I assume, most of this audience is familiar. This, because Gilberto Villela very strikingly belongs in the classic type.”

“I may remind you that among the traits of the classic are a retired life and rather unmarked influence upon the generality of his contemporaries. It is the romantics who revolutionize a science, tha classics as a rule do not attain unto this result; notwthstanding that their works often have a consequence a profound change, they are rather of the nature of foundation works.” (Leão, 1978, grifos meus)

88

“The road of advancement for a scientist requires that he increasingly involve himself

in administration. Scientist face the paradox of having to do less and less research in

order to attain greater rewards. There are therefore few material incentives for a

scientist to stretch his scientific powers to the utmost. Administering is more

rewarding than discovering. These values are built into a hierarchical social

pattern”. (Lomnitz, 1977, p. grifo meu)

A par dessa distinção começam a surgir no campo duas formasdistintas de ingresso na carreira científica: a que se faz poropção e a que se faz por um processo de “conversão”, no qual afigura de Chagas surge como mediador, sobretudo para os jovensoriundos das elites, cujo ingresso na carreira médica era um“caminho natural”.

Um depoimento esclarecedor é o de Manoel da Frota Moreira,durante um longo período Vice-Diretor do Instituto de Biofísicae, posteriormente, Diretor Cientifico do CNPq.60

Sobre seu próprio processo de recrutamento diz Frota Moreira:

“O grande sucesso do curso de Biofísica daquela época era o Chagas, que era o

professor titular, muito moço, muito entusiasmado e falando sobre coisas

absolutamente novas para nós que eram a importância da pesquisa científica e a

importância de que toda a pessoa que ensinasse, pesquisasse ao mesmo tempo, coisa

que era muito combatida na época, na escola de medicina inclusive, porque o

argumento principal era que a pesquisa deveria ser feita nos institutos e as

universidades eram lugares feitos para a transmissão do conhecimento, aulas,

etc. e, de certo modo, a pesquisa prejudicava o ensino.” [...]E o estudo da Biofísica, foi

certamente a primeira tentativa para que o indivíduo que ensinasse, pesquisasse ao

mesmo tempo, isso debaixo de uma grande oposição.

60 Em um dos depoimentos, encontrei uma referência chamando-o de “economista” e acredito que essa forma de designar Frota-Moreira reforçaa percepção de que o discurso nativo reforça a distinção entre as figuras do cientista e do administrador de ciências, com reflexos nas formas de valorizar a carreira no Brasil e, provavelmente, na América Latina, como no caso descrito por Lomnitz.

89

Eu, que tinha esse pensamento um tanto ou quanto escondido de me dedicar à

psiquiatria, que nessa época era uma coisa pouco confiável, tendo feito uma boa

prova (coisa puramente aleatória) de Biofísica, fui convidado pelo Carlos Chagas para

trabalhar no laboratório de Biofísica. Lá encontrei esse grupo, que era constituído por

ele, pelo Tito Lopes, pelo Almir de Castro, que também era da mesma turma que o

Carlos Chagas e pelo Lafayete Rodrigues Pereira, que era filho do ex-professor de

Biofísica. Esse grupo sob o ponto de vista humano, era um grupo extremamente

atraente. E eu, que estava ali numa fase de decisão, encontrei aquele grupo com

quem me identifiquei espiritualmente, não porque eu quisesse fazer Biofísica, mas

porque eu me senti muito bem dentro daquele grupo; então eu entrei para ele e não

saí mais.” (Manoel da Frota Moreira, CPDOC, 1a entrevista , pp.

10,11 e 12, 1977, grifos meus)

Contrapondo o depoimento de Frota Moreira ao depoimento de MauryMiranda, algumas observações podem ser feitas. No caso de MauryMiranda, nascido em Minas e estudante secundário em São Paulo, oingresso na carreira médica é contingente e se faz peloreconhecimento da “qualidade” oferecida pela formação básica naFaculdade de Medicina, em comparação à oferecida na Faculdade deFilosofia.61

“Vim para o Rio fazer o vestibular na faculdade de Medicina. Fui aprovado e comecei

a freqüentar a Escola. Antes porém, eu ficara em dúvida se fazia Medicina ou, na

época, Faculdade de Filosofia, pois não existia Instituto de Biologia.” (Maury

Miranda, CPDOC, 1a entrevista p. 4 1977)

Em outro trecho de seu depoimento diz Maury Miranda:

“Eu me senti muito honrado em ser convidado pelo Chagas para trabalhar na

Biofísica. A razão do convite não sei, acho que foi porque eu assistia as aulas dele,

pois ele não me conhecia.”

"A definição de Biofísica dada pelo Chagas, eu achava espetacular: “Biofísica

não se define. É aquilo que o sujeito gosta de fazer”. Acho uma filosofia

61Esse mesmo dilema ocorre para Rocha Miranda e Roberto Lent ( ver capítulo 4)

90

espetacular. Então , aqui na Biofísica tem gente que faz Anatomia, outro faz...

cada um faz o que quer.....Isso atrai muito os jovens. Não é preciso fazer Anatomia

no departamento de Morfologia; pode fazer na Biofísica também. Felizmente essa

filosofia do Chagas ainda persiste no Instituto. Acho que isso foi de uma importância

muito grande para o que é hoje o Instituto. Então cada um fazia o que queria.

(Maury Miranda, CPDOC, 1a entrevista p. 14 1977)

Para que sua iniciativa tivesse pleno êxito, Chagas conta com oapoio do Reitor da Universidade do Brasil, Pedro Calmon.

O desenvolvimento das atividades de pesquisa no Institutoprossegue com as mesmas características definidas anteriormente ebasicamente nas mesmas linhas, inspiradas na aplicação, em outroscampos, das técnicas desenvolvidas com o objetivo de investigar opeixe-elétrico.

Quando foi criado o CNPq, em 1951, o Instituto já contava com 4unidades administrativas: Físico-Química-Biológica,Bioeletricidade, Biofísica Celular e Radiologia Médica queabrigavam 11 laboratórios: cultura de tecidos, histologia, RaioX, eletrônica, eletroforese, bioquímica, gás, bacteriologia,eletrofisiologia, medidas radioativas e medidas óticas.

O programa de intercâmbio se intensifica na medida em que, nopós-guerra, o País apresenta condições de trabalho extremamentefavoráveis, quando essas são comparadas àquelas vigentes nadécada de quarenta, na Europa.

Também em 1951, a partir da vista dos professores Lacassagne eLetarjet, do Instituto de Radium, de Paris cria-se o laboratóriode Radiobiologia que se dedicou a estudar os fenômenos derestauração celular após a radiação. Esse fato demonstra que oInstituto encontrava-se na fronteira das investigaçõescientíficas do período, quando o domínio da energia nuclearcolocava em evidência o papel da ciência como instrumento deafirmação da “soberania nacional”, um dos elementos inspiradores,como foi visto, da criação do CNPq.

Uma outra linha de pesquisas que terá grande importância no IBCCFé a ligada a Neurobiologia, que nasce das sucessivas visitas daProfª. Denise Albe Fessard, do Instituto Marey de Paris. Essalinha de pesquisa, é objeto de análise no capítulo 4.

91

Entre 1952 e 1957 instalaram-se duas novas e importantes unidadesno Instituto: Microscopia Eletrônica e Ultra Centrifugação, alémde um Laboratório de Radioisótopos.

Segundo Almeida:

“Do laboratório de Radioisótopos surgiram dois tipos de atividade. A primeira

decorreu do alarme produzido pela poluição radioativa ocasionada pelas explosões

nucleares experimentais e do apelo feito pelo Comitê das Nações Unidas para Estudo

dos Efeitos das Radiações Atômicas a todos os seus estados- membros, para que se

realizassem estudos sobre o assunto. Com o apoio da Comissão Nacional de Energia

Nuclear, o Instituto de Biofísica iniciou, em colaboração com a Pontifícia Universidade

Católica (Departamento de Física) e da Universidade do Paraná (Departamento de

Genética) o estudo sistemático da contaminação do ambiente em Guarapari, mais

tarde estendido à região de Araxá” (Almeida, 1972, p.16)

A segunda linha do laboratório foi a de aplicação dos isótopos àMedicina.

Os novos projetos abriram a possibilidade de absorção da segundageração de pesquisadores, que estava sendo recrutada por Chagasdesde os primeiros anos da faculdade. Os processos derecrutamento dessa segunda geração tem um dupla interpretação:para alguns informantes o recrutamento se fazia por critériosestritamente objetivos (“imaginação”, “persistência” e“combatividade”) baseados na observação do desempenho dos alunosnos primeiros anos da Faculdade de Medicina. Para outros - e essaé uma percepção do “senso comum” - o ingresso no Institutopressupunha a existência de vínculos familiares com a elite, fatoque em parte explicaria o “sucesso” da Instituição.

Em 1955 se organiza o Laboratório de Eletrofisiologia Cardíaca,graças à visita do Prof. B. Hoffman, da New York StateUniversity. Esse Laboratório que iniciará uma “linhagem”, sob achefia de Antonio Paes de Carvalho dentro do Instituto deBiofísica conta com o apoio financeiro de Azevedo Antunes.

Com relação a esse episódio, expressivo do relacionamento deChagas com os segmentos da burguesia nacional ele presta oseguinte depoimento:’

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“Um dia eu estava jantando na antiga Embaixada da Áustria e tinha na frente um

camarada muito simpático, que eu não conhecia. Falou-se em pesquisa científica e

eu, sem saber de quem se tratava, queixei-me muito da falta de auxílio de nossos

capitalistas à pesquisa científica. Naquela época não havia agências financiadoras,

não havia a FINEP, que parece que ajuda as pessoas..... Para resumir tratava-se do

Antunes da ICOMI, que se pôs à disposição para um projeto que eu lhe oferecesse.

Ofereci-lhe um projeto para a criação de uma Unidade para estudos básicos da

atividade cardíaca; seria a biofísica e a fisiologia da atividade cardíaca. Então ele

forneceu o dinheiro e a unidade foi formada...(Carlos Chagas, CPDOC, 2a

entrevista, p.41, 1976).

A pluralidade de fontes de financiamento, externo e interno, e adiversificação das linhas de pesquisa, ao lado da ampliação dosprocessos de intercâmbio e de uma estratégia agressiva deformação de pessoal caracterizam o período que vai até 1966.

Em 1962, com o apoio do CNPq e da CAPES, tem inicio o processo deimplantação da pós-graduação que começa com os cursos de Física,Química e Biologia.

Em 1964 Chagas é escolhido diretor da Faculdade de Medicina.Criam-se três departamentos: Administrativo, Científico eDidático, ocupados respectivamente por Eduardo Penna-Franca,Darcy de Almeida e Antonio Paes de Carvalho.

Em 1966, Chagas é nomeado Embaixador do Brasil junto à UNESCO ese estabelece, na visão de alguns informantes “um vazioinstitucional”. Manoel da Frota Moreira, Vice-Diretor dainstituição ocupa interinamente a direção.

2.6 O PLURAL NO SINGULAR

O afastamento de Chagas é descrito por Antonio Paes de Carvalho,em depoimento escrito em 1993, em que são reveladas não apenas asrepresentações sobre Chagas e Aristides Pacheco Leão, mas asdisputas internas que se instauraram no Instituto :

“Naturalmente, na expectativa de uma Cátedra vazia (ainda que temporariamente)

surgiu uma disputa interna pelo poder. Postulavam substituir Chagas o próprio Luiz

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Carlos Lobo62 com seu impulso reformador do ensino médico e seus respeitáveis

dotes e realização de pesquisas em Medicina Nuclear; e o Hiss Martins Ferreira (o

nosso caro Dr. Hiss) já Professor Catedrático em Niterói, respeitadíssimo em

Eletrofisiologia e Físico-Química Biológica e que se havia convertido ao estudo da

“depressão alastrante”. Antes de sair Chagas definiu essa “herança”. Deixou Hiss

como “Regente da Cátedra de Biofísica”. Mas entregou a direção do Instituto ao nosso

mais antigo e meritório pesquisador. Aristides Pacheco Leão. E fez mais: sabendo

que a administração quotidiana do ensino e da pesquisa não era o forte do Dr.

Aristides, deixou-lhe uma estrutura que nada tinha a ver com o antigo Instituto .

Apareceram os Departamentos (inicialmente, Neurobiologia, Radiobiologia, Biofísica

Molecular e a nova Circulação e Biomecânica). Chagas também estruturou da Direção

superior criando duas Subdiretorias Adjuntas, ocupadas respectivamente pelo

Eduardo Penna Franca (Administração e Finanças) e por mim [Antonio Paes de

Carvalho] (Ensino para Graduados e Divulgação Científica). Essa estrutura

permaneceu inalterada até a volta de Chagas da França e a subsequente mudança

para o Fundão em 1972, que se fez quando Chagas havia sido elevado a primeiro

Decano do novo Centro de Ciências da Saúde.(Paes de Carvalho, 1993, p.

16 , grifos meus).

Nas entrevistas que realizei as possíveis disputas foramfreqüentemente minimizadas e as escolhas atribuídas a um consensoderivado do “esprit de corps” que dominava o Instituto.

A estrutura do Instituto depois da chegada de Chagas da França,em 1970, e antes de sua nomeação para o decanato é descrita porAlmeida: “Os órgãos executivos do Instituto de Biofísica compreendem uma diretoriae três setores de Coordenação, a saber: (1) de Administração e Finanças; (2) de Ensino;(3) Científica”. (Almeida, 1972,p.23)

Mas ao nomear, na mesma publicação os responsáveis pelas atividades do Instituto o

faz da seguinte forma: “De acordo com o organograma, é a seguinte a

composição do setor executivo do Instituto de Biofísica:

Diretor Prof. Carlos Chagas Filho

62 Sobrinho de Chagas.

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Coordenador de Administração eFinanças

Prof. Eduardo Penna-Franca

Coordenador Científico Prof. Darcy Fontoura de Almeida

Coordenador de Ensino deGraduação

Prof. Gilberto Mendes de OliveiraCastro

Coordenador de Ensino paraGraduados

Prof. Roberto Alcântara Gomes

Observa-se, portanto, que possivelmente passaram a conviver naInstituição uma estrutura de fato e uma estrutura de direito: oorganograma. Esse pode ter sido o resultado de um processo cujasimplicações são descritas por Paes de Carvalho e que merecem serreproduzidas:

“A partir de 1966, o Dr. Hiss ensinou a Biofísica, com o seu brilho costumeiro, nos

moldes clássicos de alta qualidade de conteúdo que sempre professou. Ao mesmo

tempo, o grupo de “Jovens Fisiologistas”63 da Biofísica (Rocha Miranda e Oswaldo-

Cruz, alcunhados de “Eduardo Brothers”; Pedro Solberg64 e Doris Roshental, herdeiros

do Laboratório do Luiz Carlos; e o meu grupo de Eletrofisiologia Cardíaca, ao qual já

se apensara Leopoldo de Meis, havia começado já a colaborar com a Cátedra de

Fisiologia do Prof. Thales Martins, que a seguir aposentou-se. Com isso apresentei à

Faculdade de Medicina minha vontade de reger aquela Cátedra, visto que já então

63A categoria Fisiologista é recuperada por Paes de Carvalho por oposiçãoà categoria Biofísico.

64 Primo em segundo grau de C. E. Rocha-Miranda.

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era Livre Docente de Cátedra afim65. O Diretor José Lemes Lopes66 topou a parada e

com isso assumi a enorme carga de ensino de Fisiologia, associada às minhas tarefas

na pós-graduação67 (que logo reparti com Gilberto Oliveira Castro e depois com o

saudoso Roberto Alcântara Gomes) e na pesquisa. (Paes de Carvalho, 1993,

p. 17 ).

A absorção da Fisiologia pelo Instituto de Biofísica não se fezde maneira tranqüila. Paes de Carvalho em seu texto e EduardoOswaldo-Cruz, em seu depoimento, revelam que, ao passo que naCátedra de Biofísica, sobretudo a partir da década de 40, com afundação do Instituto, passara-se a valorizar a pesquisaexperimental, na Cátedra de Fisiologia, Thales Martins não logrouromper o “padrão clássico da Cátedra”, embora seu “méritocientífico pessoal” seja reconhecido, sobretudo a partir de suascontribuições durante sua estada em São Paulo, na Escola Paulistade Medicina.

Paes de Carvalho afirma a existência de resistências por parte de“remanescentes” da Cátedra de Thales Martins, ressalvando dasresistências Isar Oswaldo Cruz68, responsável pela monitoria.

65 A designação da Fisiologia como “cátedra afim” da Biofísica, e dos “Eduardo Brothers” como “jovens fisiologistas” sugerem que a luta classificatória, derivada da existência de limites muito tênues entre a Fisiologia e a Biofísica, permite que esses sejam redesenhados na medidaem que se travam as disputas de poder e prestígio no campo. O próprio Thales Martins, no capítulo a Biologia no Brasil na obra de Fernando de Azevedo de 1954, descreve assim o Instituto de Biofísica: “primeiro grande centro de pesquisas com a aparência de campo cultural” e “única das cadeiras básicas que têm esse privilégio... Dispondo de largo quadro de auxiliares, grande liberdade de escolher os que apareçam verbas mantenedoras suficientes, vai incubando um organismo de pujante vitalidade.” findando por afirmar que “O autor desse capítulo, catedrático de Fisiologia, base das bases da Medicina, ainda que nada tenha a dizer, não pode simplesmente deixar em branco o que se refere à cadeira. Assumindo-a no ano passado, 1953, pelo desejo de lá fundar centro de pesquisas, espera levar a termo o propósito, apesar dos tremendos óbices que muito bem conhece. ( Martins, 1955, grifos meus)

66Irmão de Tito Enéas Leme Lopes, um dos fundadores do Instituto.

67 Esse fato se dá em 1968, momento em que se processa a Reforma Universitária.

68Neta de Oswaldo Cruz, filha de Walter Oswaldo-Cruz e prima de Eduardo Oswaldo Cruz.

96

A figura de Isar Oswaldo Cruz foi central na constituição das”linhagens” sendo que o próprio Paes de Carvalho diz que:

“Muito contribuiu para isso [reformulação do ensino da Fisiologia

Médica] a monitoria, maternalmente organizada pela grande formadora de

recursos humanos para o ensino que foi Isar. Por ali passaram todas as lideranças

atuais dos Departamentos de Neurobiologia, Circulação e Biomecânica e

Bioquímica/CCS. (Paes de Carvalho, 1993, p.17).

Continuando seu depoimento Paes de Carvalho afirma que no momentoem que “conquistou” (sic.) a Fisiologia, pode realizar umacréscimo de 50% da área física, permitindo a relocalização eexpansão dos Departamentos de Neuro (sob a responsabilidade deEduardo Oswaldo-Cruz) e Circulação e Biomecânica (sob aresponsabilidade do próprio Paes de Carvalho).

Além do impacto que tivera a saída de Chagas para a UNESCO, Paesde Carvalho afirma que esta:

“.. deixou um vácuo de poder não só na Biofísica como no âmbito mais político da

alta administração da Universidade. Com o rápido avanço da Reforma

Universitária no Conselho Federal de Educação e no Conselho Universitário da

UFRJ, o Instituto perdeu rapidamente a sua representação autônoma no

Conselho Universitário; e a disciplina Biofísica foi nacionalmente abolida do

Currículo Médico! Só um esforço invulgar de Hiss Martins Ferreira e Aristides

Leão, secundados à distância pelo próprio Carlos Chagas, conseguiram demover

o Conselho Federal de Educação e restaurar a Biofísica como disciplina

obrigatória do currículo médico. Mas não foi possível manter o Instituto como

Unidade Universitária Plena, como conseguiram alguns poucos Institutos de Cátedra

com Chefes “fortes” : a Microbiologia de Paulo de Góes; e a Nutrição de Clementino

Fraga. Quis-se inicialmente extinguir o Instituto de Biofísica, junto com a absorção da

disciplina por um Departamento de Ciências Fisiológicas, conforme ocorreu em

outras instituições. Isto acabou não acontecendo porque o Instituto já era o

responsável pela própria Fisiologia! Esse fato aliado a uma composição política

transatlântica com o Dr. Chagas, permitiu que figurasse no estatuto da Universidade,

97

por expresso desígnio da Lei, uma categoria adicional de estrutura: os órgãos

Suplementares. Curiosamente, tal diminuição aparente acabou favorecendo a

Biofísica, já que, como órgão suplementar, ganhou uma nova flexibilidade

operacional e organizacional que nenhuma unidade teve. . (Paes de Carvalho,

1993, p. 18, grifo meu)

A década de 70, que se inicia com a volta de Chagas da UNESCO, écaracterizada, também por um processo de adaptação aos novospadrões de financiamento á pesquisa que se iniciam e com oestabelecimento de uma nova “concorrência”. Após sucessivascrises, a Universidade de Brasília recebera substancial apoio dogoverno autoritário para tornar-se um “centro de excelência”,através da criação de mecanismos institucionais que permitem opagamento de salários extremamente atraentes aos seuspesquisadores. Tal fato provocou a transferência para Brasília dealguns pesquisadores entre os quais Gilberto de Freitas e EduardoOswaldo Cruz, este em caráter transitório.

A solução encontrada, segundo Mariani (1982), foi a de apresentarao FUNTEC Fundo de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico doBNDES um projeto de apoio institucional, o que permitiu oreaparelhamento do Instituto e a melhoria das condições detrabalho dos pesquisadores.

Segundo Mariani esse foi o resultado de um trabalho conjunto daequipe. Quando da realização de seu estudo Mariani descreve assima estrutura da instituição:

“ a nova estrutura do Instituto, mais formal, determinada pelo seu crescimento e

pelas novas instalações na Universidade Federal do Rio de Janeiro, não quebrou o

clima extremamente pessoal que o caracteriza desde a sua fundação. Talvez a

chave desse clima seja a organização em torno dos laboratórios, o que permite o

relacionamento intenso de grupos pequenos de pesquisadores. Os laboratórios com

interesses afins são, por sua vez organizados em departamentos.” (Mariani,

1982, p. 206, grifos meus)

O trabalho realizado em 1976, informa que o Instituto deBiofísica contava então com 25 laboratórios, 3 unidades queprestavam serviços a outros departamentos e 4 departamentos(Radiobiologia, Neurobiologia, Biofísica Molecular e Circulação e

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Biomecânica. O Instituto tinha um Diretor, escolhido em uma listatríplice pelo reitor da UFRJ e 3 coordenadores: administração efinanças, ensino (graduação e pós-graduação) e científico,indicado pelos chefes de laboratório, compondo um chamado“colegiado interno, sem existência legal. A existência dessecolegiado é, segundo Mariani, mencionada como prova do clima deharmonia, que prevaleceria no Instituto. Segundo a autora:

“O cargo de diretor seria mais simbólico do que real, e as decisões seriam sempre

tomadas pelo grupo. A busca de consenso é enfatizada mesmo que para isso as

coisas tenham que andar um pouco mais devagar.” (idem p.207, p.)

De acordo com M.C. Mariani a existência de um ambienteestimulante de trabalho, ligado á identidade do institutoestaria, na época de sua pesquisa, ligado ao “clima” em que setrabalha do que propriamente à sua produção e de que uma dasgrandes preocupações da equipe é a de manter esse “clima”.

Ainda segundo a autora:

“Como exemplo é citado o problema do consenso no concurso para professor titular

realizado em 77. Havendo apenas uma vaga, decidiram escolher Antonio Paes de

Carvalho, que se apresentaria sozinho, para afastar um tipo de competição que

consideram negativa e inevitável numa disputa institucionalizada por um cargo para

o qual vários estão igualmente qualificados.” (idem, ibidem, p.207 )

O Instituto abrigava, em 1992, aproximadamente 80 pesquisadores,dos quais cerca de 60 dedicados à pós-graduação. Naquele mesmoano, o número de alunos nos cursos de mestrado e doutoradosituava-se em torno de 240. Além desses, cerca de 115 alunos degraduação desenvolviam atividades de pesquisa no Instituto comobolsistas de iniciação científica. O Instituto dividia-se em 1992em cinco setores com 42 laboratórios, estando organizado do pontode vista das atividades científicas em oito programas: BiofísicaCelular, Imunologia, Biofísica Médica, Imunologia, Biofísica dosCanais Iônicos, Biofísica Ambiental e Radiobiologia, BiofísicaMolecular e Virologia Molecular.

Como foi visto no decorrer do capítulo, o que definiu, ao longodo tempo a singularidade do Instituto de Biofísica foi aemergência de um conjunto de condições sociais que permitiram queum conjunto de invenções articulassem um objeto (o poraquê) e um

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discurso (a biofísica) que relacionando natureza e sociedadecumpriram o papel de circunscrever um espaço no qual foi possívela invenção de um novo modelo institucional e de um agente atéentão ausentes do campo científico no Brasil.

Assim, em um pais no qual as questões sanitárias estiveram por umlongo período no centro das preocupações das classes dirigentesembora a pesquisa em uma “área do conhecimento” já reconhecida,as ciências biomédicas, apresentasse vantagens comparativas, osmodelos vigentes estavam em vias de esgotamento. Com acentralização das decisões no governo central, a partir da décadade 30, as instituições voltadas para a pesquisa experimentalpassaram a depender cada vez mais da demanda e dos recursos doEstado e, lentamente, viram cerceadas suas possibilidades deexpansão e a liberdade na escolha de suas linhas de investigação.

A possibilidade de que fossem introduzidos, no campo, novosparadigmas que permitissem uma nova definição das relaçõesnatureza-sociedade e desta forma a identificação de uma área doconhecimento que associando a Biologia à Física e à Química, foifundamental para que se abrisse uma nova frente de investigações,prontamente explorada por Chagas.

Por sua vez, a adoção desse novo paradigma pôde serconsubstanciada num “objeto” que erigido em modelo autóctone, oporaquê, permitiu não só a legitimação da ciência experimental naUniversidade, livre da necessidade de solucionar problemas, comogarantiu a participação do Instituto numa área de fronteira,atraindo o interesse da comunidade internacional.

A essa configuração correspondeu igualmente a necessidade decriar um novo espaço, o Instituto Universitário de Pesquisa, oumais propriamente o Instituto de Cátedra com todas aspossibilidades de prestígio a ele associadas. Além dessasinvenções, instituem-se mecanismos de recrutamento que convertemos potenciais candidatos a novos postos na elite à carreiracientífica. Cria-se, assim, um novo mercado capaz de atrair“herdeiros” dos antigos segmentos das elites tradicionais e dasnovas elites emergentes, através da reinserção do campocientífico ao campo acadêmico e do surgimento no cenário de umanova figura: o “pesquisador docente”.

Duas carreiras aparecem como paradigmáticas nesse processo, a deCarlos Chagas Filho e a de Aristides Pacheco Leão, que embora seorientando por formas diferenciadas de adesão ao campo cobrem

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todo o espectro de possibilidades de desenvolvimento de umacarreira científica no Brasil. Juntamente com a trajetória deGuilherme Guinle, as carreiras desses dois pesquisadores são oobjeto do capítulo que se segue.

3 - TRÊS TRAJETÓRIAS

O objetivo dos dois capítulos anteriores foi o de mapear, atravésda descrição da evolução das ciências biomédicas no Brasil e dodesenvolvimento do Instituto de Biofísica, a constituição de umdos espaços mais expressivos entre os que constituem o campocientífico no Brasil. Essa tarefa foi baseada tanto nareconstrução da história do Instituto, quanto na identificaçãodaqueles atores sociais que, atuando nessa dimensão, contribuíramde forma decisiva para sua autonomização como um mundo distintode outras esferas da sociedade brasileira.69

Conhecida a gênese desse espaço e a história de uma de suasinstituições mais representativas, é importante retraçar astrajetórias de alguns desses agentes com o intuito de avaliar ascondições sociais em que se processaram as articulações entre ocampo científico e outras dimensões que conformam o espaço socialdas elites do Rio de Janeiro, um dos objetivos do presentetrabalho.70

A partir da análise de duas dessas trajetórias foi possível,também, identificar alguns dos elementos que, ao longo do tempo,passaram a ser representados como atributos “naturais” ouelementos constitutivos do habitus dos pesquisadores do Institutode Biofísica, ou, no discurso nativo, “a marca” da instituição.

A escolha da primeira trajetória a ser analisada recaiu sobre ofundador do Instituto, Carlos Chagas Filho, seguida da opção poruma outra que escondesse, mais do que revelasse, as interseçõesentre o campo científico e outras dimensões do espaço social, na

69 A descrição das trajetórias de vários desses atores compõe o Apendice à dissertação.

70 Para Bourdieu (1986, p.71) trajetória é um conceito distinto de “história de vida”, sendo “une série des positions successivement occupées par un même agent (ou un même groupe) dans un espace lui-meme en devenir et soumis à d’incessantestransformations.”

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medida em que privilegiasse, como eixo de análise, aquelascaracterísticas mais valorizadas no campo científico.

Nesse sentido, tanto a trajetória de Aristides Pacheco Leãoquanto a de José de Moura Gonçalves, ambos pesquisadores quegranjearam o reconhecimento de seus pares pela qualidade eineditismo de sua produção, poderiam ter sido utilizadas de modoequivalente. Além disso, suas histórias podem ser consideradasrepresentativas dos deslocamentos, no espaço social brasileiro,de membros de segmentos da elite brasileira que, afetadas pelastransformações em sua situação de classe, buscavam em carreirasde prestígio, no caso a medicina, a possibilidade de garantir suapresença entre as novas classes dirigentes ou a manutenção deseus estilos de vida.

Filhos de comerciantes, descendentes de famílias tradicionais noRio e em Minas Gerais tanto Moura Gonçalves quanto Pacheco Leãoforam levados pela orfandade paterna a buscar entre outrosmembros de suas famílias de origem os recursos para aconcretização suas estratégias de conversão do capital socialherdado em capital científico amplamente reconhecido.

Optei por Aristides Pacheco Leão pelo fato de ter permanecido noInstituto durante toda sua vida, pelo fato de ter sido Presidenteda Academia Brasileira de Ciências e, principalmente por ser, narepresentação dos pesquisadores do IBCCF, um modelo depesquisador que se opõe, freqüentemente, à representações sobre afigura de Carlos Chagas, estabelecendo um contraste revelador dapresença no campo de modelos idealizados de cientista.

Além disso, com o objetivo de descrever a interseção do campocientífico com outras dimensões da vida brasileira, através datrajetória de Carlos Chagas, a fim de avaliar os processos deconversão dos distintos tipos capital de que ele dispunha, foinecessário escolher uma outra esfera do espaço social onde essasconversões se evidenciassem de forma inequívoca.

Nesse sentido, a dimensão do poder político pareceu, emprincípio, a mais abrangente, em função dos vínculos de Chagascom a família Mello Franco responsável, em muitas oportunidadespelas colocações (placements) e deslocamentos (deplacements) que seproduziram em sua trajetória. (Bourdieu, 1986, p.71)

Entretanto, foi ao examinar a história de Guilherme Guinle, opatrono do Instituto, que a pesquisa revelou as conexões mais

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ricas, embora essas relações fossem, em grande parte, fruto desua presença nos espaços sociais da elite carioca do princípio doséculo, no qual transitavam, igualmente, os mais expressivosrepresentantes de nossa comunidade científica.

A descrição da trajetória de Guilherme Guinle precedendo às deCarlos Chagas e de Aristides Leão no presente trabalho tem, poroutro lado, o objetivo de demostrar a complexidade das relaçõesentre o mundo da ciência e outras esferas da vida social. No casode Guilherme Guinle, esta se expressa pela variedade de formas emque essas relações se processaram, ora movidas por interesseseconômicos ou políticos, ora por razões que transmudadas num tipode capital simbólico de alto valor no mundo da ciência tornaram-no patrono do Instituto e Grande Benemérito da CiênciaBrasileira, titulo que lhe foi outorgado, em 1982, por ocasião deseu centenário, pelo CNPq.

Na qualidade de agente virtualmente “ausente” do campocientífico, ou um “não-membro da comunidade”, Guinle assumiu umpapel central na história das ciências biomédicas brasileirascriando uma tradição de mecenato.

Entre todas as suas ações prevaleceram aquelas que, movidas peloaltruísmo no entender dos beneficiários, contribuíram para que seimpusesse, no Brasil, um padrão de apoio à pesquisa marcado pelo“desinteresse”, “apoio à qualidade” e “independência”. A extensãode sua influência pode ser constatada, durante o longo período emque foi o principal responsável pelo apoio à “pesquisa pura noBrasil”, tornando-o o que Paulo de Góes chamou de um “Conselho dePesquisas Particular”.

As formas de apoio adotadas por Guinle, propiciaram o surgimentode um modelo de relacionamento entre financiadores e executores,que permaneceu dominante mesmo quando seu papel passou a sercumprido pelo Estado brasileiro. Assim, prevaleceu ao longo dosanos, face aos interesses convergentes e ao grau de complexidadeda comunidade científica, um verdadeiro “mecenato” do Estado, queparece influenciar, até hoje, as expectativas da comunidadecientífica com relação ao financiamento à pesquisa, fruto do queBourdieu (1979) possivelmente consideraria uma hysteresis do habitusdos pesquisadores.

Algumas figuras como a do auxílio individual, da bolsa depesquisa, entre outras, tiveram sua origem inspirada nas doaçõesde Guinle.

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3.1 - GUILHERME GUINLE

Guilherme Guinle nasceu no Rio de Janeiro, capital do Império, nodia 27 de janeiro de 1882, terceiro filho de Eduardo PalassinGuinle, empresário brasileiro de ascendência francesa e deGuilhermina Coitinho Guinle, ambos nascidos no Rio Grande do Sul.Em 1892, Eduardo Guinle e seu sócio Candido Gaffrée, que haviaminiciado seus negócios no Rio em 1871, como proprietários da casade fazendas “Aux Tuileries” e sócios da firma Gaffrée & Guinle, obtêm,em 1888, a concessão de exploração do porto de Santos, fundando,em 1892, a Companhia Docas de Santos, primeira sociedade decapital aberto do Brasil.

Nesse momento, Gaffrée & Guinle já constituíam uma importanteempresa construtora de estradas e ferrovias, primeiro noNordeste e, mais tarde, nos Estados do Rio e São Paulo, e afamília já amealhara considerável fortuna.

Os estudos primários e de humanidades Guilherme cursou no ColégioKopke, freqüentado pelos filhos da elite carioca. No colégio tevecomo colegas Manuel Amoroso Costa, um dos fundadores da AcademiaBrasileira de Ciências, seu companheiro de turma na EscolaPolitécnica, e os irmãos Ozorio de Almeida.

Concluída a formação secundária, Guilherme ingressou na EscolaNaval, enquanto seu irmão Eduardo, avô de Carlos Eduardo Guinleda Rocha Miranda, cursava a Escola Politécnica, onde iria formar-se em Engenharia Civil em 1899.

Na Escola Naval Guilherme foi igualmente colega de um dosprimeiros membros da Academia de Ciências, Domingos Fernandes daCosta, astrônomo do Observatório Nacional. Em 1900 por influênciada família, Guilherme desliga-se da Escola Naval transferindo-separa a Escola Politécnica onde formou-se em engenharia civil em1905, tendo como paraninfo Henrique Morize, primeiro presidenteda Academia.

Em 1906, Guilherme parte para um estágio em diversas companhiasdos Estados Unidos, entre as quais a General Electric, aquirepresentada pela empresa Guinle & Cia, que fundada por Eduardo,em 1903, absorvera as atividades de Gaffrée & Guinle no ramo dahidreletricidade.

O interesse de Gaffrée e Guinle pela hidreletricidade, provocousua solicitação para a exploração, primeiro da bacia do RioJurubatuba, em 1901, que se mostrou inviável e mais tarde do Rio

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Itatinga, em 1902, cujo vale foi saneado por Carlos Chagas em1905.

Para a execução de seus projetos hidrelétricos dividiram-se astarefas entre os dois jovens irmãos Guinle: Eduardo Guinle Filhoficou encarregado do Distrito Federal e do Estado do Rio eresponsável pela construção da usina Alberto Torres, da qualparticipou, entre outros engenheiros, Roberto Marinho de Azevedo,um dos fundadores da Academia. Guilherme foi aos 25 anos para aBahia (1907) onde adquiriu uma série de concessões de serviçosurbanos.

Segundo Barros, biógrafo de Guilherme Guinle:

“Guinle & Cia. e depois a Companhia Brasileira de Energia Elétrica representavam o

nascente capitalismo industrial indígena e mobilizavam, ao lado de recursos

próprios, modestos empréstimos bancários internos e externos e, com uma pequena

equipe de engenheiros patrícios, ambicionavam reservar aos brasileiros a exploração

dos serviços de utilidade pública, estreitamente ligados ao desenvolvimento e à

segurança nacionais” (Barros, 1982, p.28)

A estratégia dos Guinle foi no entanto, impactada por uma forteconcorrência do capital internacional, particularmente da Lightque rapidamente adquiriu as concessões desses serviços no Rio.

Em 1912, ano do falecimento de seu pai, Guilherme Guinle volta aoRio de Janeiro, onde assume funções de direção na CompanhiaBrasileira de Energia Elétrica (CBEE), quando participa da defesados interesses da Companhia diante das pressões da Light nosentido de monopolizar os serviços concedidos, tanto no Rioquanto em São Paulo.

Em 1914, Guilherme substitui Eduardo na direção da CompanhiaDocas de Santos, onde permanece por quarenta e seis anos, seiscomo Diretor e Presidente Interino (1914/1920) e quarenta comoPresidente.

Com a doença de Candido Gaffrée, que exercera a presidência por33 anos, Guilherme é indicado por ele, em 1919, para substitui-lointerinamente na presidência da Companhia e quando esse vem afalecer no final do mesmo ano, Guilherme indica para substitui-loGabriel Ozorio de Almeida, pai de Alvaro e Miguel. que trabalhavana Companhia desde 1907. Ozorio de Almeida declina do convite

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sugerindo a indicação de Guilherme que foi aceito pelos demaisdiretores.

Em 1923, por iniciativa do banqueiro Alberto Teixeira Boavista,funda-se, tendo Guilherme Guinle como principal acionista, afirma Boavista Cia. Ltda. como uma casa bancária de tipo inglêsdestinada a operações de vulto. Com a venda, em 1927, do controleacionário da CBEE para a American Light & Power, os irmãos Guinleempregam parte dos recursos na constituição do Banco BoavistaS.A, cujo intuito era o de financiar o desenvolvimento daindustria e do comércio no Brasil.

Guilherme assume a presidência do Banco em 1930, permanecendo àfrente deste estabelecimento até sua morte. O Banco ao contráriode outros estabelecimentos bancários brasileiros, adota como

i There are several versions of the system. Gumchying Gumtsa chiefs are the ritual models of chiefdom and the base for this kind of organization is the Red-Earth country. Their authority derives from theirmonopoly of priests and bardic reciters of genealogical myths, through which ritual specialists they control access to the spirits who make human occupancy of the land possible. They claim the right to various services and dues from their subjects, notably a hind quarter of all animals (wild and domestic) that are killed in the tract, and so are called "thigh-eating chiefs." Gumlao communities reject on principle the hereditary privileges of chiefs. In particular, they believe that all aristocrats of the community are equal, that is, all householders who can get someone to sponsor the essential Merit Feasts and sacrifices. It is a mistake to call this a "democratic" system, since its principle is wider access by aristocrats to chieflike privileges (though they reject the thigh-eating dues) ; a Gumlao man is called magam, which signifies an aristocrat though not a chief ( duwa ) by strict succession. Gumlao is based on the idea that a noninheriting son who can find wealth and a placeto set himself up may try to get an important Gumchying Gumtsa chief to sponsor him in a feat that willraise him to standing as a full chief; but first he must temporarily renounce all claims to standing ( gumyu, which literally means "to step down from privilege") while he awaits the sponsoring rites. Whenlocal and historical circumstances conspire to make wealth more generally accessible, there are aristocrats who will not bother with sponsorship at all, since sponsorship becomes expensive and has tobe postponed proportionally to the demand for it. They simply assume the ritual attributes, although not the thigh-eating privileges, of chiefdom. This seems to be the root of the Gumlao movement. Not surprisingly, as conditions ease there will be gumlao magam who again seek sponsorship as full chiefs, at which point Gumlao tracts turn again into Gumchying Gumtsa domains. The oscillation is fueled by a perennial ideological debate about the allowable sources of ritual privilege, as well as by the combined effects of the principle of lineage segmentation and the tendencies toward disaffection brought about through primogeniture. When a Kachin chief in close contact with Shan becomes more like aShan prince ( sawbwa, or tsao-fa ), often because he has taken over lowland Shan territories or because he desires political recognition on the part of other sawbwas, he will try to assert even greater power over his "subjects" and may even abandon Kachin priestly services and the closely connected reliance onupland farming. Such a chief is called "Gumsa duwa," a Gumsa chief. In tending toward becoming Shan andasserting a sharp distinction between "rulers" and "subjects" incompatible with the claims and intricacies of the Kachin marriage-alliance system (a Shan prince, of course, simply takes and gives wives as tribute) , and in giving up the ritual basis of his authority, he will tend to lose the allegiance of the Kachin manpower on which his real power depends. The alternative is the compromise status of Gumrawng Gumsa (pretentious chiefs), who claim exclusive right over a village and maintain enough upland swiddens to satisfy the Kachin priests who must serve them, but remain unconnected with the hierarchy of Kachin authority deriving from the rules of strict succession and sponsorship, have noauthority outside the village, and are not recognized outside the village as thigh-eating chiefs. Traditional Kachin chiefs, not being absolute rulers, rarely acted apart from the wishes of the councilof household elders. In Yunnan, where Kachin chiefs have long had a place within the Tusi system in thecontext of Shan principalities, it is not unknown for agents ( suwen, probably a Chinese title) to usurpmuch of the power of the chiefs, even though these administrative agents may be commoners.

Read more: Sociopolitical organization - Kachin http://www.everyculture.com/East-Southeast-Asia/Kachin-Sociopolitical-Organization.html#ixzz2BFtNVZS8

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política a concentração de suas atividades na praça do Rio deJaneiro.

Guilherme foi membro da Diretoria do Centro Industrial do Brasile fez parte do círculo de empresários ligados a Vargas depois daRevolução de 30, tendo o CIB dado origem à Federação dasIndústrias do Rio de Janeiro, cargo que deixou em 1936 paraligar-se à Confederação Industrial do Brasil, futura ConfederaçãoNacional da Indústria.

O nome de Guilherme Guinle está associado, também, à pesquisa depetróleo no Brasil, principalmente por conta do apoio que prestoua Sylvio Fróes de Abreu no seu esforço de reverter as conclusõesdo parecer Oppenheimer, que negava a existência do combustível naregião de Lobato, no Recôncavo Baiano. Guilherme foi convencidopor Sylvio Fróes a financiar uma pesquisa geológica da qualparticiparam, além de Fróes de Abreu, Glycon de Paiva e Irnack doAmaral. O resultado dessa pesquisa acarretou a publicação em 1936do livro “Contribuições para a Geologia do Petróleo no Recôncavo(Bahia)”, financiada por Guilherme, na qual constam contribuiçõesde diversos pesquisadores que viriam a ser, mais tarde membros daAcademia Brasileira de Ciências, como Otton Leonardos e ViktorLeinz. Convencido da existência de petróleo na Bahia, Guinleorganiza a Empresa Nacional de Investigações Geológicas Ltda. erequer a concessão de duas áreas para prospeção de petróleo egases naturais. Outro grupo empresarial, liderado por RobertoSimonsen, também institui uma empresa para o mesmo fim. Já emmeados de 1937 o Departamento Nacional da Produção Mineral DNPMinclui o Recôncavo como área prioritária de pesquisa.

Instaurado o Estado Novo, como as requisições tardassem a serdespachadas Guinle procura Vargas que o tranqüiliza e ele decideconsorciar-se com Simonsen com o objetivo de garantir aexploração nacional do combustível. Em 1938, pressionado pelasforças armadas, Vargas cria o Conselho Nacional do Petróleo, aquem atribui poderes de definir a política setorial, que impõeuma série de restrições burocráticas ao Consórcio fato que acabapor desestimular Simonsen. Guinle insiste no projeto mas, em1939, quando jorra petróleo na região, um decreto estabelece como“reserva nacional” a área em que se encontravam as suasconcessões. Procura, então Vargas que o informa que esta teriasido uma decisão baseada nos argumentos do Exército e o aconselhaa requerer uma indenização, o que ele recusou.

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De grande importância na biografia de Guinle foi sua participaçãona criação da industria siderúrgica nacional. Quinze dias após acriação do Estado Novo, Guinle aceita compor o Conselho Técnicode Economia e Finanças, órgão consultivo com amplo mandato sobrequestões de natureza econômico financeira. A eclosão da 2ª Guerraampliou significativamente a importância do Conselho que passou alidar com questões relacionadas ao petróleo, a borracha e,particularmente com o projeto governamental de criar umaindústria siderúrgica capaz de garantir a “soberania nacional”.

Reunidas as diversas propostas existentes o Conselho, do qualGuinle era o Vice Presidente, manifesta-se em favor da companhiaamericana Itabira Iron, provocando um voto em separado, contra aproposta, de Guilherme, que foi apoiado, em seguida por diversasautoridades militares.

Embora reconhecendo a necessidade do concurso de capitaisestrangeiros para o desenvolvimento do País, “combatia energicamenteuma política que poderia levar o Brasil a entregar ‘em caráter perpétuo’ a propriedadede jazidas, estradas de ferro e portos situados em seu território a uma naçãoestrangeira.” (Dias e Benjamim, 1984, pp. 1576-1577).

O debate em torno do tema se intensifica e há uma grande oposiçãoao contrato da Itabira Iron, que é considerado caduco em 1939. Em1940 é aprovado um Código de Minas que proíbe o controleacionário de capitais estrangeiros sobre a mineração e ametalurgia brasileiras.

Ainda em 1940, Vargas convida Guinle para assumir a presidênciada Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. Inicia-se,então um processo de negociação no exterior em busca de parceriasque culminam na hábil estratégia de Vargas de opor as ofertas daUnited States Steel e da Krupp, forçando uma decisão do governoamericano no sentido apoiar, via o Eximbank, um empréstimo parafinanciar a siderurgia brasileira.

A comissão presidida por Guinle elaborou, então, o plano deconstrução da Usina de Volta Redonda, aprovado em 1941. ACompanhia Siderúrgica Nacional, foi criada cabendo a Guilhermemobilizar o empresariado nacional a participar do empreendimentopara o qual contribui através da subscrição de ações em seu nomee no da Companhia Docas de Santos.

Eleito presidente da Companhia, permaneceu no cargo até 1945,quando tornou-se membro do Conselho Consultivo da empresa. Depois

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de um período de dezesseis dias em que, no governo provisório deJosé Linhares, exerceu a Presidência do Banco do Brasil, Guinlevolta a exercer suas funções exclusivamente na iniciativaprivada: Docas e Banco Boavista.

A contribuição de Guilherme Guinle à pesquisa científica refleteuma idéia de nação condizente com sua percepção do papel daburguesia nacional na construção das bases da soberania. Esta,certamente terá sido influenciada pela crescente associação quese faz entre o desenvolvimento científico e o desenvolvimentotecnológico, parte importante do discurso de algumas figurasexpressivas da emergente comunidade científica brasileira com aqual Guinle mantinha permanente contato.

.Se o apoio de Candido Gaffrée, mencionado no capítulo 2 pode serexplicado, de um lado, por um interesse mais imediato nosresultados da pesquisa, como ocorreu com o saneamento do vale doItatinga, quando financiou o trabalho de Chagas por intermédio doInstituto Oswaldo Cruz e, de outro pelas relações familiares, nocaso o apoio que deu ao laboratório dos irmãos Ozorio de Almeida,não se pode atribuir a Guinle o simples papel de continuador daobra de Gaffrée.

No agradecimento aos discursos que o homenageiam em 1958, quandopor iniciativa de Chagas é eleito patrono do Instituto deBiofísica declara Guinle:

“Quando soube desta homenagem, procurei indagar que outro sentido poderia ter

além de uma generosa manifestação de apreço a quem, há longos anos, procura

estimular e cooperar com aqueles que se dedicam à pesquisa científica entre nós.

Além deste gesto, que só enobrece seus idealizadores, pensei ver a possibilidade de

também despertar nos homens de avultados haveres a lembrança e a necessidade,

que sempre considerei dever, de participarem, de concorrerem para o progresso da

cultura cientifica entre nós”

Assim aceita a homenagem “para poder aqui dizer que não há capital que dê mais

frutos a uma nação do que aquele que é posto à disposição dos jovens estudiosos e

dos homens que, com inteligência, amor e liberdade se dedicam à pesquisa

científica”.

109

“A coletividade que não cuidar deste ponto básico para o seu progresso, não

encontrando em seus setores privados a compreensão e ajuda necessárias a esta

atividade eminentemente especulativa, estagnará e retrocederá, pondo em risco a

sua própria sobrevivência no mundo moderno”. ( Guilherme Guinle em

Barros, 1982, p.175)

As relações de Guilherme Guinle com integrantes da comunidadecientífica são o fruto da presença no mesmo espaço socialdaqueles que se tornariam os membros da comunidade científica eos que comporão o emergente empresariado nacional. Essescontatos, que datam dos tempos da escola, prosseguem ao longo detoda sua vida.

Geraldo Barros, biógrafo de Guinle relata que:

“Cândido Gaffrée deixou entre seus papéis particulares, encontrados depois de seu

falecimento, uma pequena anotação, na qual manifestava a intenção de reservar três

mil contos de réis à instituição no Rio de Janeiro, de uma obra dedicada à saúde

pública. Embora seu testamento silenciasse sobre o assunto, Guilherme Guinle

decidiu cumprir seu desejo, emprestando-lhe ainda maior amplitude, somando tais

recursos aos da família Guinle, com o propósito de perpetuar numa grande obra

médico-social o nome dos dois amigos: Eduardo P. Guinle e Candido Gaffrée.

(Barros, 1982, p.146)

Nesse momento Carlos Chagas ocupava a direção do DepartamentoNacional de Saúde Pública e Guilherme decidiu consultá-lo sobre aprioridade que deveria ser dada à Fundação. Ao departamentopertencia também Eduardo Rabelo, responsável pela Inspetoria deProfilaxia da Sífilis e das Doenças Venéreas. Havia um consensoentre os médicos brasileiros de que nos anos 20 essa era uma áreacrítica na saúde pública.

Decide, então Guilherme que a fundação a ser criada teria comoobjetivo o combate a essas doenças. A Fundação que nascia com oobjetivo de promover uma parceria entre o empresariado e ogoverno, cabendo ao primeiro o provimento de infra-estrutura e aosegundo a manutenção e o custeio, esteve durante quase toda suaexistência sob a dependência dos recursos próprios de Guilherme.

110

Em 1929, construiu-se um hospital que funcionou também comocentro de pesquisas.

Além da Fundação, Guilherme Guinle deu continuidade ao apoioprestado por Gaffrée aos irmãos Ozorio de Almeida, mas sua maissignificativa contribuição ao financiamento da pesquisa biomédicase fez quando da aprovação da lei de desacumulação e da perda daautonomia econômico-financeira de Manguinhos.

Vários laboratórios de Manguinhos foram beneficiados por dotaçõesde Guilherme Guinle, como testemunharam, mais tarde numerosospesquisadores entre os quais Walter Oswaldo-Cruz cujo depoimentomerece ser reproduzido:

“Na primeira metade desse século quer parecer-nos que o Dr. Guilherme Guinle foi o

civil que mais se aproximou do monarca do século anterior - D. Pedro II - em

prestigiar as coisas científicas brasileiras. Muito antes da fase de compreensão

generalizada entre os homens de posses dos países industrialmente mais avançados,

muito antes dos incentivos governamentais que, através de legislação eficiente do

imposto de renda pode, podem induzir contribuições de particulares à causa da

Ciência o Dr. Guilherme Guinle já distribuía doações que frutificaram em variados

setores da pesquisa nacional. Assim demonstrava aos seus conterrâneos a

interpretação moderna e correta do contexto social, fazendo nítido contraste com

outros de iguais ou maiores posses, que se mantinham ou ainda se mantêm em um

isolacionismo retrógrado e algo anacrônico.” (Walter Oswaldo Cruz, apud

Barros, 1982, p.169)

A relação de Guilherme com Carlos Chagas, não se limitou àexperiência da Fundação e quando Chagas, pai, criou o InstitutoInternacional de Leprologia, participaram do financiamento a Ligadas Nações, o Governo brasileiro e Guilherme Guinle. O apoio àfamília teve continuidade quando Evandro criou, junto aManguinhos o Serviço de Estudo das Grandes Endemias (SEGE), quevisava a implantação de vinte postos de pesquisas pelo Brasil,para o qual Guilherme contribui financiando integralmente acontratação de pessoal. Com o falecimento de Evandro, Chagasassume a direção do Serviço e Guinle mantém a ajuda financeira.

Um depoimento de Chagas descreve como se deu a transferência doapoio de Manguinhos ao Instituto de Biofísica:

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“Dois anos depois tendo conseguido institucionalizar o SEGE, incorporando-o à

estrutura do Instituto Oswaldo Cruz, procurei Guilherme Guinle para desobrigá-lo

daquela ajuda que me fora dada, como a Evandro, quase a título pessoal e não a

uma instituição pública, pois ele sempre teve desconfiança da burocracia brasileira”.

“Lembro-me que o encontro se deu durante um almoço no Jockey Club, a que estava

presente o Barão de Saavedra, diretor do Banco Boavista, E, para espanto meu,

depois de ouvir-me, Dr. Guilherme me disse: ‘Então, Dr. Chagas, agora precisamos

cuidar de vossemecê’ ”.

“Realmente a alma me caiu aos pés! Eu estava criando um laboratório de biofísica na

então Universidade do Brasil, desejoso de unir o ensino à pesquisa e não contava com

o mínimo apoio oficial. Os primeiros anos do nosso laboratório, vividos

quotidianamente em desesperada luta ante dificuldades sem conta, só puderam ser

superados pelo auxílio obtido de Dr. Guilherme Guinle que, se avaliado nos dias de

hoje, ainda representaria bastante e tinha o seu valor multiplicado pela forma com

que nos era concedido, fora das paralisantes tramitações burocráticas; era, na

verdade de importância infinita, pois representava nosso único subsídio, já que as

dotações regulares só viriam muito mais tarde com a autonomia conquistada

através da criação do Instituto de Biofísica.” (Chagas apud Barros, 1982, p.

167)

Criado o Instituto, Guilherme Guinle continua a dar apoio aChagas, tanto para a aquisição de equipamentos e de material deconsumo quanto para pagamento de pessoal. (Barros 1982, pp. 172 e173)

Além de Walter Oswaldo Cruz e dos Chagas, Guilherme Guinle apoiouPaulo de Góes e Joaquim Costa Ribeiro a quem doou uma soma dedinheiro para completar o valor necessário à compra de uma casa,já que este pai de nove filhos e viúvo estava na iminência deperde-la.

Como foi dito, no ano de seu centenário, em 1982, o CNPq, porrecomendação de sua consultoria científica, da qual faziamparte , entre outros, Aristides Pacheco Leão e Manoel da Frota

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Moreira concedeu a Guilherme Guinle, “post-mortem” o título deGrande Benemérito da Ciência Brasileira.

3.2 - CARLOS CHAGAS FILHO

Carlos Chagas Filho nasceu no dia 12 de setembro de 1910, no Riode Janeiro. O pai Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, filho de umfazendeiro mineiro de poucas posses, foi um dos mais importantespesquisadores brasileiros, como se viu no capítulo anterior.

A mãe - Íris Lobo - era a primeira dos oito filhos de umaabastada família da elite política e cultural de Minas Gerais,filha de Fernando Lobo Leite Pereira, casado com Maria BarrosoLobo.

Seus pais se conheceram por intermédio de Miguel Couto, casadocom uma prima irmã de Íris, numa festa oferecida por Fernando eMaria Lobo numa chácara no bairro da Gávea no Rio de Janeiro. Ospais de Íris opuseram resistência ao namoro e segundo o próprioCarlos Chagas:

“Maria Lobo opunha-se terminantemente ao casamento por muitas razões entre as

quais, por estranho que pareça, a de discriminação racial. Havia recebido

informações de que corria sangue negro nas artérias de Chagas , malgrado o seu

cabelo louro, os olhos azuis e nenhum traço que pudesse comprometê-lo”. (Chagas,

1993, p.55)

Dotada de forte personalidade, D. Íris iniciou uma greve de fome,que acabou por vencer a resistência dos pais e casou-se comCarlos Chagas no dia 23 de julho de 1904, em Juiz de Fora, MinasGerais. Trocou, assim a chácara dos pais por uma pequena casa daRua Voluntários da Pátria, no Rio, onde nasceu Evandro.

Mais tarde, o casal mudou-se para uma casa de dois pavimentos na“avenida” Isabel Pinho, onde nasceu Carlos. Durante uma dasviagens a campo de Chagas, nasce um terceiro filho, Maurício,morto na infância. Da casa de Botafogo, a família se mudou paraLaranjeiras onde permaneceu por três anos. Nesta casa veio morarcom a família, em 1912, Fraülein Elza Dinges, quando Carlos tinhaapenas dois anos. Ela tornou-se responsável por sua educação até

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seu ingresso no colégio e foi quem lhe ensinou sua primeiralíngua estrangeira: o alemão.71

Ao partir para uma missão no Amazonas Chagas, pai, recebeu umaajuda de custo de 120 contos de réis. Levou uma parte consigo, eo restante deixou com D. Íris que, além de saldar algumasdívidas, utilizou o dinheiro para comprar a casa da RuaPaissandú, onde Carlos Chagas passaria sua infância eadolescência, até casar-se. Na descrição da casa feitaminuciosamente em seu livro sobre o pai, Chagas ressalta dabiblioteca:

“Como tesouro principal, o livro de Claude Bernard, Introducton à l’Étude de la

Médicine Experimentale, lido e relido e marcado em vários trechos, que lhe foi

oferecido por Francisco Fajardo.” (idem p. 60)

A infância de Chagas foi típica das crianças das classes média ealta do Rio de Janeiro do começo do século. (Araújo, 1993) Chagasfez o curso primário no Curso Lyra, perto de sua casa, dirigidopor D. Hermínia Lyra e suas sobrinhas. O curso secundário,Humanidades, Chagas fez no Colégio Rezende, outra escolaparticular, administrada por D. Marieta Rezende e suas irmãs,Sylvia, professora de matemática, e Carmen, professora de inglês.O corpo docente do Colégio contava, entre outros com WaldemarPotsch, professor de história natural, e José da Silva Ramos,professor de português, um dos fundadores da Academia Brasileirade Letras. Ambos eram também professores do Colégio Pedro II, umadas instituições de elite no Rio de Janeiro durante o Império enos primeiros anos da República.

Sua primeira viagem a exterior foi em 1921, acompanhando os pais.Durante sua infância e adolescência, teve Chagas em Íris Lobo apresença mais importante na sua formação, pela importância queesta atribuía à educação de Carlos e Evandro, possivelmentepreocupada em garantir os privilégios derivados do capital socialde sua família de origem.

As férias eram passadas em Minas Gerais, na fazenda Tarifária,com os avós maternos ou em Oliveira com a família do pai,oportunidades em que estreitou a relação com os primos.

71 A governanta permanece na família até 1920.

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A presença de Chagas, pai, na infância de Carlos foi distante, jáque sempre ocupado por seu trabalho e por constantes viagens,raramente estava em casa. As recordações mais nítidas que Carlostem do pai datam dos oito anos de idade, quando durante a gripeespanhola, Chagas acumulava a Direção Geral de Saúde Pública e aDireção do Instituto Oswaldo Cruz.

Em 1925 Chagas atingiu o momento de realizar os exames de Estado,no Colégio Pedro II, e o vestibular de Medicina, para o qualpraticamente não se havia preparado. Segundo Paes de Carvalho(1983), saiu-se bem em física e história natural, mas sofreu emquímica, matéria na qual só logrou aprovação através da provaoral. Numa turma de 220 alunos Chagas classifica-se em 86º lugar.

A entrada para a Faculdade mudou substancialmente a rotina deCarlos Chagas Filho. Com apenas 16 anos, adquiriu liberdade elançou-se aos esportes: o remo no Guanabara; e o tênis, a esgrimae, particularmente a pelota basca, no Fluminense, um outro espaçoda elite carioca na década de 20. Com seus companheiros defaculdade, entre os quais se destacam, Walter Oswaldo Cruz, TitoEnéias Leme Lopes, Emmanuel Dias, sobrinho de Oswado Cruz, eAlmir de Castro, passou a participar de um circulo boêmio e de umambiente intelectualmente estimulante.

Na Faculdade de Medicina, Chagas destacou-se como excelentealuno, sendo o primeiro classificado durante os seis anos decurso, fazendo juz ao Prêmio Dona Antonia Chaves Berchonsd’Éssarts.

Ainda cedo, durante o curso médico, Chagas começou a freqüentarManguinhos, onde seu pai ocupava o cargo de diretor. Em companhiade Emmanuel Dias e de Walter Oswaldo Cruz, começou a estagiar comLacorte. Diz Chagas:

“Começamos, na ocasião a nos preocuparmos particularmente em fazer um pouco de

ciência. Íamos ao Instituto Oswaldo Cruz, deixando que a faculdade se tornasse mais

um ponto de encontro, uma espécie de clube; agente vinha para as provas ou para

ver os colegas....”

“Naquela ocasião começamos Walter, Emmanuel e eu a trabalhar no Instituto

Oswaldo Cruz. Emmanuel começou a trabalhar com meu pai em doença de Chagas e

o Walter, também com meu pai, começou a desenvolver um trabalho que continuou

115

depois muito bem, sobre anemias. Todos nós começamos nosso adestramento como

o professor José Guilherme Lacorte.[...] que nos ensinou o início da experimentação,

as técnicas habituais da Hematologia, isto num departamento do Instituto Oswaldo

Cruz, que hoje se chama Hospital Evandro Chagas” (Carlos Chagas, CPDOC, 3ª

Entrevista pp. 19:20, 1976)

A percepção de Chagas com relação à Faculdade de Medicina,durante o curso era a de que esse era um espaço adequado aencontros sociais e não ao treinamento científico:

“Foi, [..] nesse ambiente que entrei para a Faculdade de Medicina, primeiro com uma

vocação, como todos nós para, que era muito mais para fazer ciência do que para

fazer medicina. Chegamos aqui, encontramos um ambiente praticamente inexistente

do ponto de vista da ciência. “(Carlos Chagas, CPDOC, 3ª Entrevista p.

17,1976)

Em Manguinhos Chagas vivencia a diferença entre a Faculdade, quese dedicava apenas à transmissão de conhecimentos e umainstituição de pesquisa:

“Onde se fazia ciência médica era exclusivamente no Instituto Oswaldo Cruz.

Chamávamos então de Ciências Biomédicas.[..] ciências médicas eram as disciplinas

de base e as outras eram chamadas de medicina ou clínica médica ou cirurgia; hoje é

que usamos ciências médicas como extensão também às disciplinas clínicas e

chamamos ciências biomédicas as ciências fundamentais” (Carlos Chagas,

CPDOC, 3ª Entrevista p. 19, 1976)

Além de seu estágio em Manguinhos Chagas iniciou suas atividadesno Hospital São Francisco e no Hospital Oswaldo Cruz, dedicando-se à anatomia patológica. Nesse período, Chagas publica seuprimeiro trabalho. Além disso participava das atividades doPavilhão de Doenças Tropicais.

No quinto ano de Medicina, Chagas percebe a crescente importânciadas chamadas ciências básicas e pensa desenvolver uma carreira naárea de física ou química dando disto conhecimento a seu pai, comquem, no transcorrer do curso médico, desenvolvera uma relaçãomais afetiva e próxima. Chagas, percebendo que esta opção não

116

daria ao filho o prestigio desejável e as condições de trabalhonecessários ao “êxito” na incipiente carreira científicaaconselhou ao filho que ele, antes de tomar uma decisãodefinitiva, passasse uma temporada em Lassance. Carlos acedeupermanecendo naquela cidade durante seu sexto e último ano decurso, retornando para formar-se, em 1931, aos 22 anos.

A dedicação às ciências básicas não havia, ainda, se tornadorealidade. Chagas, pai, havia conseguido, em sua ausência, queele fosse nomeado assistente de Leitão da Cunha, na Cadeira deAnatomia Patológica da Faculdade. Embora não correspondendo a suaopção Chagas dedicou-se à tarefa trabalhando com afinco em seuprimeiro emprego dando 134 horas/aula por semestre.Simultaneamente, participava, em Manguinhos das experiênciaslevadas a efeito por José da Costa Cruz. Por conselho de CostaCruz, que reconheceu seu interesse pela fisiologia, associou-se,mais tarde, a Miguel Ozorio.

Sobre Costa Cruz, diz Chagas:

“Em 31 eu passei seis meses trabalhando com ele. Nós tínhamos grandes discussões.

[...]... quando eu entrei, ele me disse logo de saída: “Olha, você aqui não é o filho do

Diretor, você aqui é um estudante como outro qualquer.” [....] Discussões, no

laboratório, sempre sobre pesquisa. [...]. E era de uma exigência fantástica. Talvez

tenha sido com ele que eu aprendi realmente a ser muito exigente nos resultados de

laboratório. Até que um dia Costa Cruz chegou para mim e disse assim- ele já me

chamava de Carlinhos, né -: “Eu quero lhe dizer uma coisa. Eu acho que você deve

estudar físico-química. Porque a físico-química é a ciência biológica do futuro. A

físico-química biológica é a ciência que deve nos interessar no futuro. Eu estou muito

velho para isso. A bacteriologia, tal como ela existe hoje é uma ciência morta. Se ela

não trouxer uma contribuição da físico-química e da bioquímica ela não vai mais

continuar. Então você que é moço, que eu acho que tem um grande futuro, você deve

procurar o Carneiro Felippe” (Carlos Chagas Filho, COC/PHO/IOC-II ,6,

p.8, 1987)

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Chagas imaginou, inicialmente, que a recomendação de Costa Cruzrepresentasse a dispensa de sua colaboração mas, anos depois,quando fundou o laboratório de Biofísica, foi surpreendido com aoferta de Costa Cruz, que se dispôs a ir trabalhar com ele naPraia Vermelha.

Antes de iniciar seu estágio com Carneiro Felippe, Chagas passaseis meses trabalhando com Miguel Ozorio. Suas lembranças desseestágio variam de acordo com os depoimento prestados em diversasoportunidades. Em alguns, Chagas valoriza a figura de MiguelOzorio como uma importante influência, em outros, sublinha ostraços de vaidade e de uma certa “arrogância” em Miguel.

Um desses depoimentos reforça, como no discurso de Costa Cruz, anecessidade de distinguir os atributos derivados do capitalsocial, (a menção ao fato de ser “filho do diretor”) daqueles queseriam particulares ao campo científico, hierarquicamenteorganizado. Conta Chagas:

“... eu me afastei do Miguel por amor. Porque eu estava trabalhando com ele e um

dia ele virou-se prá mim e disse: Você quer ver esse trabalho que eu fiz, que é uma

nova teoria sobre excitação elétrica dos nervos?” Eu disse; pois não... Passei o fim de

semana ali. E Eu tinha acabado de fazer o meu segundo ou terceiro aprendizado em

Matemática e aí....Porque matemática você tem que aprender sempre? Tem que estar

treinando é uma espécie de.... Cheguei para ele, e disse “Olha Dr. Miguel, está ótimo

aqui. Mas tem esse ponto, esse, esse, esse aqui que o senhor poderia modificar.” [...] E

aquilo ficou. Um dia ele virou-se - logo depois desse episódio...pro Carneiro Felippe e

disse “Oh Felippe, eu sou mesmo um homem muito liberal.. você vê que eu...Imagina

que eu dei minha teoria de excitação elétrica do tecido ao Carlinhos (como ele me

chamava), a mesma que eu dei a você...Você não fez nenhuma observação e ele fez

uma série de observações. Eu não me incomodei que um garoto desses fizesse, me

fizesse observações”. Então como eu gostava muito dele, eu imaginei que não podia

continuar, que um dia nós iríamos nos atritar, não é ? [...] Quando ele subitamente

embarcou para a Europa, onde ele fica nove meses, um ano quase. E aí virou-se para

mim e disse assim: “Você não pode ficar aqui no laboratório, porque o laboratório vai

ficar praticamente fechado, e eu não estou aí, não adianta. Então você passa esse

tempo com o Carneiro Felippe”..Coisa que eu adorei, porque tinha mania de Carneiro

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Felippe, que me serviu enormemente.” (Carlos Chagas Filho, COC/PHO/IOC-

III-10 p.21 e 22,1987)

Junto a Chagas começaram a trabalhar também no laboratório deMiguel, Haiti Moussatché e Mário Ulysses Vianna Dias. Ali, Chagastravou contato com a experimentação fisiológica e com o sistemanervoso. Um ano depois, em 1932, com o afastamento de Miguel,Chagas começa a trabalhar com Carneiro Felippe

Através de Carneiro Felippe, Carlos Chagas é introduzido ásciências exatas. Orientado por ele fez o curso de especializaçãode Manguinhos. Interessado em Física, obteve sua transferência daAnatomia Patológica para a cadeira de Física Médica, de LafayetteRodrigues Pereira.

Em 1933 Chagas encontra-se pela primeira vez com Ana Leopoldinade Melo Franco (Annah), filha de Afrânio de Mello Franco.

Com o falecimento do pai em 1934, ficam Carlos e Evandroencarregados de cuidar de D. Íris profundamente abalada pelamorte do marido. No mesmo ano Chagas defende sua tese de livredocência e fica noivo de Annah, com quem virá a se casar em 1935.

Antonio Paes de Carvalho assim descreve o casamento de Carlos eAnnah:

”Vale notar, como observador à distância, que além de Annah e Carlos, casaram-se

dois mundos, duas esferas importantes mas distintas da sociedade carioca. Uma era

a esfera científica de Oswaldo Cruz, e seu famoso Instituto, onde se projetara Chagas

pai e sua família. Esse grupamento, cuja vida foi marcada pelo rigorismo da ciência,

manejava importante força política no campo da saúde pública. A outra esfera, a de

Annah e da família Mello Franco, compunha-se de humanistas e políticos com

tradição de gerações de serviço público, intimamente ligada por parentesco e

amizade ao poder das cortes do Rio de Janeiro, seja a imperial, seja a republicana.

Essas duas poderosas esferas, quase que mutualmente excludentes e

necessariamente atritantes, colocaram Chagas em situação a uma vez difícil e

prometedora. A dificuldade estava não só em ter Carlos que afirmar-se entre os

colegas como um cientista digno do pai e do irmão como também ter de afirmar-se

como um humanista e político digno de Annah, diante dos olhos de sua família e de

119

seu mundo. Contudo, essa mesma situação era também prometedora, pois se

conseguisse ultrapassar as dificuldades óbvias, estaria munido de todos os elementos

externos necessários a uma grande obra em prol do progresso da ciência. Contava

Carlos, além do incondicional apoio de Annah, com a radiante inteligência, ânimo

imbatível e simpatia com que fora dotado. Como tais armas de luta, Chagas foi o

cadinho em que se fundiu o melhor dos dois mundos”. (Paes de Carvalho,

1983, p.92)

Em 1936, com a recusa da Congregação em permitir que MiguelOzorio assumisse a cátedra vaga com a morte de LafayetteRodrigues Pereira, Chagas, único candidato titulado com a livre-docência decide concorrer ao posto.72

72 “A cadeira de Física Biológica tinha uma história interessante. Ela tinha sido ocupada por clínicos que nem sabiam [Física]...não davam para Física Biológica, até que ela veio a ser ocupada por Francisco Lafayette Rodrigues Pereira, que fez concurso com Miguel Ozorio e que tinha sido preparado para esse concurso, quando era radiologista em São João del Rey, pelo Carneiro Felipe ?,[...]. Mas ele ganhou ao concurso e ficou na situação de marginalizado..[...] Mas aí veio a reforma Rocha Vaz e ele passo a ser professor de Física Biológica. E eu passei, então no ano de 1942 (sic)? a ser assistente de professor de Física Biológica. E com isso eu fui desenvolvendo, desenvolvendo, desenvolvendo, até que o Lafayette, que tinha uma tuberculose crônica, morreu subitamente. Eu sabia que ele .. Era uma coisa impressionante. Quando eu punha um braço assim nas costas dele, era como se fosse uma fornalha assim crepitante, não sabe. Ele morreu. E a primeira coisa que eu fiz quando ele morreu foi propor a candidatura de Miguel Ozorio, que ele havia batido uns quinze anos antes?, sem a necessidade de concurso,[....] Abre-se o concurso e eu me inscrevo. Eu me inscrevo e há uma campanha horrível contra mim. Terrível porque consistia no seguinte. Todo examinador que se escolhia era considerado meu amigo, então era negado pelos meus adversários. Eram quatro adversários. Então Miguel Ozorio não pode ser, Carneiro Felipe não pode ser, Costa Cruz não pode ser, Baeta Vianna não pode ser. Assim sucessivamente, sete das pessoas que entendiam do assunto foram eliminadas.[...] Bom, houve o concurso e eu ganhei o concurso. Ganhei o concurso......Isso foi em outubro de 1937.

A Banca foi, pela Faculdade de Medicina, o diretor , que era o Leitão da Cunha, o Fróes da Fonseca, que fazia física muito bem, não quiseram o Pedro Pinto porque disseram que Pedro Pinto era amigo meu, um professor de fisiologia de Niterói, um professor de física de Ouro Preto e um professor de Física da Escola Normal.

Não tinha tese. Eu tinha um currículum vitae muito superior aos outros. Mas fiz uma prova oral .. não, uma escrita sobre termodinâmica e uma prova oral sobre hemodinâmica, que foram realmente surpreendentes. Até para mim mesmo o que me feriu. É um caso muito interessante. O Carneiro Felipe na véspera foi lá em casa com o Pedro Nava e o Paulo de Carvalho, que era então assistente de Farmacologia, para ouvir a minha aula..[...] E aí porque o Carneiro Felipe tinha me preparado, né, tinha estudado com ele. Quando começou... E sentou-se lá longe. Quando eu comecei a minha aula, eu vi que ele estava se aproximando....e realmente fui muito

120

Aproveitando o fato de que seus cunhados ocupavam postosdiplomáticos em Paris e em Londres Chagas decide partir para aEuropa, munido de cartas de recomendação de Miguel Ozorio. EmParis trava contato com Alfred Fessard e René Wurmser, então noInstitut de Biologie Physiochimique, ambos por ele consideradosseus mestres.

Após curta visita a Inglaterra, Chagas volta ao Brasil aquipermanecendo até o pós-guerra. Entre 1938 e 1944, tem inicio oprocesso de implantação do núcleo que viria a gerar o Institutode Biofísica descrito em 1.3.

Do ponto de vista pessoal a atitude de Chagas frente à Lei daDesacumulação, optando pela Faculdade, cria reações como a deEvandro, que só entrega a carta com o pedido de exoneração deChagas de Manguinhos no ultimo dia de prazo.

“Você dirá: ‘Então porque você deixou Manguinhos?’. Eu deixei Manguinhos pelo

seguinte, porque eu estava..como eu fazia físico-química eu estava um pouco

deslocado lá. Trabalhava com o Carneiro Felippe, que deixou praticamente de ir a

Manguinhos, porque foi trabalhar no Ministério da Educação com o Chico Campos.

Eu achava que era indispensável para o desenvolvimento científico que houvesse uma

participação de estudantes. [...] Censuradíssimo por todos os meus companheiros de

Manguinhos, inclusive por meu irmão que só entregou o meu pedido de escolha, de

opção no ultimo dia [...] Os que acumulavam tinham que fazer a opção dentro de

trinta dias. E eu me lembro que estava em Paris, comecei a receber telegramas...Eu

tinha deixado a opção aqui com meu irmão Evandro. E aí comecei a receber

telegramas, telefonemas, pedindo que desistisse da opção para continuar em

Manguinhos. Mas eu achava muito importante voltar à Faculdade. Eu achava muito

importante ter contato com os alunos, tirar o mais possível que eu pudesse de

colaboração. E além do mais eu estava muito interessado numa biologia física, com

feliz. Não só porque dei os 50 minutos de aula como terminei no momento em que estava terminando o último cartaz. Eu fiz uma coisa muito interessante. Porque o meu adversário, que era muito bom, resolveu fazer uma coisa inteiramente matemática. Hemodinâmica se presta muito....Mas eu fiz uma coisa biológica.[...] Então ganhei o concurso. Ganhei o concursoe imediatamente embarquei para a Europa, sem nenhuma ajuda. (Carlos Chagas, COC/PHO/IOC-III-9- pp. 7-10) .

121

técnicas físicas, que não havia em Manguinhos e numa biologia multidisciplinar... “

(Carlos Chagas Filho. COC/PHO/IOC - V-16, p.6-7,1987)

É a partir de sua opção pela Faculdade de Medicina que se tornacada vez mais fundamental para Chagas estabelecer os processos deconversão de seu capital social e político - ampliadosignificativamente pelo casamento - em recursos que pudesseinvestir no seu projeto de legitimação da universidade no campocientífico. Os espaços em que Chagas vai buscar apoio sãoclaramente os espaços da elite. Nos depoimentos são recorrentesas menções ao Jockey Club, às embaixadas como locais onde Chagasestabelece relações com aqueles que podem apoiar seu projeto. Poroutro lado, seja nos depoimentos de seus colaboradores, seja emseu próprio testemunho, é notável a alusão ao que poderia serdefinido como seus outros interesses que transcendem o espaçosocial da ciência. Haveria nesse sentido uma preocupação de aliarao “espírito científico”, uma preocupação humanista pelodesenvolvimento de um interesse na “cultura”.

A interpretação nativa sobre as iniciativas de Chagas está bemexpressa na descrição de Paes de Carvalho sobre as motivações deChagas para a criação do Instituto de Biofísica. Escreve Paes deCarvalho:

“Podemos aqui perguntar por que razão sentiu Chagas a necessidade de criar o que

daí para frente foi batizado como “instituto de cátedra”. A razão é simples. Como

simples cátedra entre muitas outras, não lhe teria sido possível crescer; e sem crescer,

não poderia fazer ciência. A Faculdade de Medicina, onde tinham assento grandes

nomes, não estava acostumada à pesquisa científica nem tinha mecanismos

institucionais para manejá-la. Passada a primeira surpresa, começou Chagas a

encontrar incompreensões e oposições, em atos e palavras que, se não faziam justiça

à excelência de seus autores, nem por isso deixavam de ser previsíveis no plano

humano, na disputa do “espaço vital”. Prevendo que ficaria em breve encurralado e

veria esboroarem-se seus planos, Chagas como autêntico líder, criou com o Instituto

seu “espaço vital” indisputado. Com isso, fortaleceu o seu controle sobre a área física;

sentou-se vitaliciamente no conselho universitário, ao lado dos diretores das

faculdades, cuja permanência ali era limitada pela transitoriedade dos mandatos; e

montou o trampolim de onde se projetaria para a realização de seu sonho: criar na

122

semeadura de vocações jovens que é a universidade, um instituto de pesquisa da

qualidade de Manguinhos.” (Paes de Carvalho, 1983,p.94)

Com o término da 2ª Guerra, reiniciam-se as atividadesinternacionais de Chagas. Já em 1946 ele viaja para a França comoconvidado do governo francês para as cerimônias de celebração docinqüentenário da morte de Pasteur e para participar comorepresentante brasileiro à Primeira Conferência Geral da UNESCO.A par da renovação dos contatos que mantivera na Europa comFessard e Wurmser, quando de sua primeira viagem, têm inicio asatividades de Chagas como participante do que poderíamos chamarde diplomacia da ciência. No ano seguinte volta a participar dadelegação brasileira à 2ª Conferência Geral da UNESCO.

A primeira atuação de Chagas no espaço da “relações científicasinternacionais” tem lugar quando em 1956 é enviado como Delegadodo Brasil junto ao Comitê da ONU para o Estudo dos Efeitos dasRadiações Atômicas, que resultou na criação do Comitê de Estudosdas Nações Unidas sobre “Efeitos das Radiações Ionizantes sobreos Seres Vivos”, que ele presidiu entre 1956 e 1962.

Essa atuação teve como resultado a criação, no Instituto deBiofísica, do Laboratório de Radioisótopos, citada anteriormente.

Num depoimento Chagas enfatiza os efeitos do estreitamento dasrelações entre ciência e política, a emergência de umaresistência anti-cientificista e o impacto que essas novas formade ver a ciência causam sobre suas percepções:

“Foi naquela ocasião que vi como a política pode influenciar os espíritos. Era uma

época em que a Rússia era contra as explosões experimentais e os Estados Unidos

que já a estavam praticando, a favor. Eu, na qualidade de presidente da Comissão, e

depois como membro da Comissão, havia tomado sempre uma atitude muito

reservada, mas quando cheguei aqui fui convidado para uma discussão pública sobre

o problema. Essa discussão se apresentava verdadeiramente como uma discussão

entre os que eram de esquerda e contra os Estados Unidos e os que supunham ser de

direita e pelos Estados Unidos. [...] . (Carlos Chagas, CPDOC, 2ª entrevista,

p.43-44, 1976)

123

No mesmo depoimento Chagas procura estabelecer uma distinçãoentre Ciência e Tecnologia:

“..há frustração quanto ao que a ciência não trouxe, a tecnologia não trouxe. Porque

no fundo, em certos países, o que a tecnologia está fazendo? No mundo a tecnologia

está aumentando a distância entre os países pobres e os países ricos. E nos países

pobres, onde está se desenvolvendo, está aumentando a distância entre as classes

ricas e as classes pobres. Isto não tem nada a ver com a ciência; estou falando em

tecnologia que é a aplicação da ciência” (Carlos Chagas, CPDOC, 2ª

entrevista, p. 46,1976)

Embora essa atuação tenha tido repercussões sobre o Instituto, asatividades internacionais mais significativas exercidas porChagas foram: o cargo de Secretario Geral da 1ª Conferência daNações Unidas para Ciência e Tecnologia em Genebra de 1962-1966,à qual se seguiu o estabelecimento do Comitê para a Aplicação daCiência e da Tecnologia para o Desenvolvimento do ConselhoEconômico e Social da ONU, que presidiu de 1966 a 1970; a chefia,como Embaixador, da Missão Permanente do Brasil junto à UNESCO(1966 a 1970) e a presidência da Academia Pontifícia de Ciências(1972 a 1988).

No exercício da Secretaria Geral da Conferencia. Chagas se vêconfrontado com as mais diversas contradições que marcam o espaçodas relações internacionais. A necessidade de exercer o papel de“broker”, num momento da história brasileira, marcado pelaruptura do regime democrático, reflete-se de forma clara em seusdepoimentos. Sua escolha fora, segundo ele, o resultado de umaopção entre um “técnico” um economista, indicado pelo governobrasileiro, e um “cientista”, ele próprio.

“Eu fui Secretário Geral da Conferência para Aplicação da Ciência e Tecnologia ao

Desenvolvimento. Essa Conferência foi organizada pela ONU para completar a

década do desenvolvimento que teria como objetivo que todos os países do mundo

deveriam alcançar um aumento de 6% do PIB. Daí vê-se imediatamente importância

da ciência e tecnologia no desenvolvimento. Essa Conferência reuniu em Genebra

quase dois mil, mil e seiscentos participantes de vários países. Eu fui Secretário Geral

mantendo as minhas ligações com o laboratório o que fez com que eu viesse oito

124

vezes ao Brasil” (Carlos Chagas Filho COC/PHO/IOC - IV-13,

p.18,1988)

Cunhado de Afonso Arinos, chanceler na época do governo de JânioQuadros em que se iniciou um movimento de aproximação do Brasilao bloco dos não-alinhados e que teve prosseguimento com achamada política externa independente do governo Goulart,sucedida pelas preocupações dos militares com a segurançanacional, Chagas assume o posto numa conjuntura particularmentedelicada.

Os longos depoimentos que prestou, tanto ao CPDOC quanto à Casade Oswaldo Cruz, descrevem minuciosamente as dificuldadespolíticas e administrativas que teve no exercício da função,limitando-se, no entanto a ressaltar as divisões que marcavam oesfera das relações internacionais do período (URSS versus EUA,desenvolvidos versus subdesenvolvidos) dos quais o trecho seguinte éapenas ilustrativo.

“E aí eu vi uma grande dificuldade que eu teria na organização da Conferência. É que

os países desenvolvidos queriam utilizar a tecnologia como uma arma, no que eu

chamei um neocolonialismo. E o desenvolvimento autóctone da ciência e tecnologia

era claramente marginalizado pelas grandes potências. A minha grande luta foi para

dar uma maior ênfase à criação de sistemas educacionais adequados aos países em

desenvolvimento. E também dar os sistemas de saúdes, também importantes e

agrícolas.”

“Para isso eu fui muito ajudado não só pela Organização Mundial de Saúde, como

também pela FAO e tive uma luta muito grande. Luta essa que eu considero que eu

não ganhei, mas também não perdi. As dificuldades foram enormes, inclusive no tipo

de organização que eu procurei dar à Conferência”. (Carlos Chagas Filho

COC/PHO/IOC, IV, 13 pp. 18-19,1988)

Significativamente, a única menção feita á sua relação com ogoverno brasileiro se faz para ressaltar sua posição de“independência”, reveladora de sua identificação com o paradoxoque marca a identidade dos cientistas. Diz Chagas:

125

“...eu não tinha nada a ver com o governo brasileiro, que até se queimou comigo por

causa disso. Porque quis fazer certas imposições que eu não quis aceitar, porque eu

não considerava que estava ali como brasileiro, mas sim como cidadão do mundo.

Minha obrigação era para o mundo e não para o Brasil. Embora, se eu pudesse

favorecer o Brasil eu teria favorecido ”. (Carlos Chagas Filho

COC/PHO/IOC, IV, 13 p.23,1988)

À experiência em Genebra como “cidadão do mundo” segue-se aaceitação do cargo de Embaixador brasileiro junto à UNESCO. ContaChagas:

“....um dia, às sete horas da manhã, sou acordado por essa empregada dizendo que o

Presidente da República desejava falar comigo. O telefone chamara e disseram que

era o Presidente, que precisava falar comigo. Comecei a tentar reconhecer a voz mas

ele virou-se para mim e disse: “ Olha, professor Chagas, aqui fala Humberto de

Alencar Castelo Branco, não é trote não. O senhor pode vir aqui ás 11 horas?” Eu

disse: “Bom, senhor presidente, o senhor me desculpe, mas não estou acostumado a

que o presidente me chame às sete horas da manhã, mas estarei aí às 11 horas.” E

assim foi; ele então me convidou para chefiar a delegação do Brasil na UNESCO.”

(Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p.15, 1976,1977)

Na visão de Chagas a sua ida para a UNESCO representava umaoportunidade de se afastar do Instituto de Biofísica, dando a elecondições de maior autonomia, fazendo, segundo ele, que o“Instituto de Biofísica deixasse de ser o Instituto CarlosChagas”. Essa percepção, no entanto havia sido interpretada porseus “discípulos” como um vácuo de poder. Ao fazer sua opção peloposto da UNESCO, Chagas adota uma estratégia que pode serconsiderada um exemplo perfeito da reconversão do capital,acumulado no decorrer de sua vida científica e acadêmica, aocampo do poder, num sistema de trocas, visto como “lícito” namedida em que fortaleceria, de forma inequívoca, as instituiçõesa que estava vinculado, a Academia, a Faculdade de Medicina e aUniversidade criando uma “dívida” dessas instituições, comrelação ao seu gesto.

126

“Além do mais, quando há um governo revolucionário, recusar um posto tão

importante é praticamente entrar em oposição. Entretanto utilizei com o presidente

Castelo Branco uma espécie de troca. Disse-lhe que só poderia ir se: primeiro, ele

nomeasse a pessoa que eu indicasse para me substituir na Faculdade, porque eu

estava fazendo uma reforma que considerava muito importante que fosse

continuada. O presidente me disse: “Você organiza” ... o senhor, porque ele era um

homem muito cerimonioso. “O senhor organiza a lista tríplice que eu nomeio quem o

senhor me indicar”.[...]. (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas,

p.15-16,1976,1977)

“Disse depois ao presidente que a Academia Brasileira de Ciências, da qual eu era o

presidente, devia como um esmoler e que eu precisaria de um grande fundo para ela.

Ele sugeriu que eu fosse ver o Roberto Campos e se o Roberto Campos não

conseguisse me dar mais nada, eu fosse a ele de novo. Roberto Campos cedeu ao

meu pedido, e desde então a Academia passou a ter (o que na ocasião era uma soma

enorme mas que tem tido correção monetária) 100 mil cruzeiros por ano em vez de 5

mil que tinha sem a correção monetária. Com isso ela pôde realmente se capitalizar”.

[...]. (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 16,1976,1977)

“Por fim, solicitei ainda a ele 1 milhão de cruzeiros (que era muito dinheiro na

ocasião) para a criação do que seria o serviço hospitalar da universidade. A minha

idéia era uniformizar todos os serviços dos hospitais da Universidade a fim de que se

pudesse fazer a mudança tal como ela deveria ser feita, na época oportuna.”

(Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 16,1976,1977)

Na visão de Chagas, sua ida para a UNESCO, como representante dogoverno, é uma oportunidade para que exerça mais uma vez seupapel de mediador agora entre a dimensão “internacional” dacultura e a cultura brasileira.

“Finalmente: fui para a UNESCO e os três anos e nove meses que passei trabalhando

lá foram fantásticos. Primeiro, porque era um centro de atividades cultural

quotidiana. Segundo, porque foi na UNESCO, como já acentuei, que tive oportunidade

de conhecer realmente o Brasil, o que é uma coisa extraordinária, de dois modos: em

127

primeiro lugar, eu era procurado diariamente por políticos, professores, técnicos de

todas as categorias, estudantes de toda parte do Brasil que iam me contando

problemas das suas várias regiões; em segundo, tive oportunidade de mandar um

grande número de peritos ao Brasil pelas verbas próprias da UNESCO (Carlos

Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 17,1976,1977)

Sintomaticamente, Chagas refere-se nas entrevistas que doisrelatórios produzidos por sua iniciativa foram particularmenterelevantes embora não tenham sido “aproveitados” pelo governo: oprimeiro, um projeto de revisão para o Patrimônio Histórico, osegundo sobre política cultural.

A uma indagação sobre o papel da UNESCO em que se questiona se,de alguma forma, o fato desta ser identificada com umasupranação, Chagas responde:

“O verdadeiro funcionário internacional é um supranacionalista, sem a menor

dúvida. Tenho visto muitos com esse espírito.” (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e

5ª entrevistas, p. 26,1976,1977)

Indagado se esta noção seria contraditória a sua luta sobre umaciência nacional, afirma:

“Estou dizendo supranação no sentido de que não se vai favorecer um país em função

do outro.[...] Acho que cada modelo de desenvolvimento está identificado com o país

a ser desenvolvido” (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p.

26,1976,1977)

Perguntado sobre o porque do pequeno impacto dos relatóriosformulados sobre o Brasil quando de sua permanência na UNESCOafirma, numa entrevista em 1976, em plena vigência do regimeautoritário:

“A desconfiança, antes de 64, era desconhecimento. A desconfiança depois de 64, é

devida ao fato de que a grande maioria desses cientistas que fazem parte de

organizações internacionais como a UNESCO, principalmente no domínio da

sociologia, ou mesmo de organizações como o Conselho Internacional, são [...]

socialistas ou socializantes. Há sempre o medo pelo fato de que essas organizações

128

tem sempre um certo caráter subversivo, principalmente aquelas que têm atividades

sociais.” (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p.

28,1976,1977)

“Um grande amigo meu, que foi um grande presidente do Conselho, tinha uma

verdadeira, não digo repulsa, mas tinha a maior reserva possível contra as

organizações internacionais cientificas; há aí um fundo de xenofobia, é claro. E há

também um fundo de sentimento de inferioridade. Uma das coisas que caracterizam

muito a ciência brasileira é um certo complexo de inferioridade[...] (Carlos

Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 28,1976,1977)

“Isso é mesmo um fato. Existe também a dificuldade de publicar no estrangeiro. Por

isso acho que o Conselho, por exemplo, deveria fazer uma grande revista brasileira.”

(Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 29,1976,1977)

Além dessas organizações Chagas foi Vice-Presidente do ICSU(1968-1972) e membro fundador e Vice-Presidente da Third WorldAcademy of Sciences.

A noção de “intercâmbio”, que havia sido basal para a criação doInstituo de Biofísica tem, aqui uma nova interpretação:

“o fato é que impedir esse contato pessoal dos cientistas com seus colegas prejudica o

aperfeiçoamento científico. Além do mais, quando se vai a um congresso, você não

vai só ao congresso, você visita laboratórios que estão no caminho, você passa perto

de todos eles. E você começa então a conhecer mais coisas.

De modo que esse contato pessoal é importante,[...] há muita coisa que se aproveita

tanto nos congressos científicos como nos seminários satélites e nas visitas que se

fazem. Atualmente, um dos erros principais da política científica brasileira é pensar

que só são úteis as visitas que se prolongam por muito tempo, tanto de cá para lá

como de lá para cá. Ora, uma pessoa que esteja no meio de sua carreira científica

não pode se ausentar do seu laboratório nacional durante muito tempo sem grave

prejuízo. Então é necessário que ele tenha oportunidade de fazer visitas curtas a

laboratórios onde estejam se desenvolvendo trabalhos similares ou, às vezes,

129

trabalhos que não parecem similares mas que vão servir de grande informação.

(Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e 5ª entrevistas, p. 20,1976,1977)

Simultaneamente a essa intensa atividade no plano internacional,Chagas exerce uma série de cargos e desenvolve um amplo conjuntode atividades no campo da administração científica, no Brasil.

No período de 1946 a 1966, Chagas dedica-se à administração doInstituto de Biofísica. Declara, no entanto:

“Eu não gosto de administrar. Tenho horror. Você sabe que algumas vezes me

convidaram para ser diretor do Instituto Oswaldo Cruz. E teve uma outra vez, antes

da Fundação [Fundação Oswaldo Cruz] também. E eu não quis. Porque sabia

que ia acabar com a minha vida intelectual e seria muito penoso. (Carlos Chagas

Filho COC/PHO/IOC, VI-19 , p.13,1988)

Entretanto faz uma distinção entre administrar, com prejuízo parasua atividade científica, e exercer um papel no planointernacional.

“Eu teria sido um cientista muito melhor - eu não sou bom, mas teria sido melhor, se

não tivesse tido essas cargas administrativas que tive. A vida internacional não,

porque a vida internacional me ensinou muito.” . (Carlos Chagas Filho

COC/PHO/IOC, VI-19 , p.14,1988)

Nesse mesmo período Chagas colabora intensamente com o AlmiranteÁlvaro Alberto da Motta e Silva, então presidente da AcademiaBrasileira de Ciências, no processo de criação do ConselhoNacional de Pesquisas. Chagas era, então, Vice-Presidente daAcademia73. Criado o Conselho, participa primeiro como diretor do

73 “A Academia de Ciências, eu comecei a tomar conhecimento dela mais ou menos no fim da década dos 30, quando eu comecei a querer apresentar trabalhos lá. E nessa ocasião a Academiase reunia na Escola Politécnica à noite. Eu tinha tido sempre uma certa distância da Academia, porque eu não sabia bem quais tinham sido os motivos pelos quais meu pai não tinha nunca querido participar da Academia Brasileira de Ciências. Mas, pouco a pouco, eu fui vendo a necessidade de eu me aproximar, apresentar trabalhos que era a única coisa que havia no Rio. Eu comecei a ir lá e conhecer as pessoas que comandavam a Academia que era o Alvaro Alberto, seguido do Oliveira de Menezes. Os dois tinham sido professores da Escola Naval [...].Um dia eu resolvi fazer uma apresentação das propriedades elétricas do porquê. Isso teve assim uma certa repercussão; expliquei bem o que eu tinha feito, o que eu pretendia fazer. E uns dias depois - portanto em 1940 - , o Alvaro Alberto me telefonou dizendo que eu tinha sido eleito acadêmico.

130

setor de Ciências Biológicas (1951-54), colaborando com CostaRibeiro e, mais tarde, como membro do Conselho Deliberativo,função que exerce de 1953 a 1956.

Na década de 60 promove a implantação dos cursos de pós graduaçãono Brasil, com o apoio da Fundação Ford e inicia sua participaçãono processo de Reforma Universitária.

Diz Paes de Carvalho:

“Em 1960, projetava-se Chagas nacionalmente como o grande defensor da idéia de

que, na Universidade, ensino e pesquisa só podem existir em perfeita integração, pois

só quem pesquisa pode ensinar no verdadeiro sentido da palavra. Na universidade é

logo depois feito decano de pós-graduação e pesquisa, quando com Paulo de Góes e

[Raymundo Moniz de] Aragão sensibiliza a alta administração para esses

problemas. Ocupa cumulativamente a Diretoria da Faculdade de Medicina; parece

dirigir-se em marcha acelerada para a Reitoria.” (Paes de Carvalho, 1983,

p.95)

Chagas descreve essa incumbência como uma forma de defender osinteresses do grupo favorável à sobrevivência dos institutos noâmbito da Universidade, quando se articulava a ReformaUniversitária.

Depois de sua Missão na UNESCO Chagas volta à Direção doInstituto de Biofísica, por um limitado espaço de tempo e assumeo decanato do Centro de Ciências Médicas (1973-1977), hoje daSaúde. São as seguintes as suas motivações:

“Quando eu fui feito decano aqui do centro, já a situação era diferente. Que eu sabia

que haviam pessoas que iam comandar muito, que eram totalmente contra o

Instituto de Biofísica. Que queriam destruir o Instituto de Biofísica. Houve um

momento, por exemplo, que a Reitoria tinha decidido acabar com a COPPE e acabar

com o Instituto de Biofísica, Então, nessa ocasião, aceitei ser decano para poder

exatamente defender o Instituto de Biofísica. E aí foi muito difícil, eu sofri muito. Tem

Na verdade não era propriamente uma eleição, era mais um arranjo com aquele grupo que comandava e não se votava, ao que eu penso. Mas era um grupo muito fino, muito interessante, principalmente porque não eram propriamente cientistas, eram principalmente professores de ciências, mas eram todos muito apaixonados pela ciência.” (Carlos Chagas, CPDOC, 4ª e5ª entrevistas, p. 28,1976,1977)

131

coisas muito difíceis. Por exemplo, o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas, que

era meu subordinado, fez um processo contra mim, sob a alegação que eu tinha

dado transferências que não eram legítimas. E eu tive então que demonstrar...Fui

para o Conselho Universitário e o Conselho Universitário por unanimidade achou que

eu tinha razão.” (Carlos Chagas Filho COC/PHO/IOC, VI-19 ,

p.13,1988))

Vencida a luta para a preservação de sua obra, Chagas assume apresidência, em 1972, da Academia Pontifícia de Ciências queexerce até 1988, onde, mais uma vez procura conciliar asrepresentações nacionalistas e internacionalistas sobre aciência. 74

Na Academia Pontifícia estimulou a análise do impacto da dívidaexterna sobre o desenvolvimento cientifico dos países emdesenvolvimento e promoveu duas outras linhas de debate quemerecem menção: a primeira foi a da luta contra a guerra nuclear;e a segunda contra a destruição do meio-ambiente.

Perguntado sobre o aumento da distância entre paísesdesenvolvidos e subdesenvolvidos, um dos problemas que coloca emdiscussão na Academia, ele responde:

“E um dos problemas mais graves que eu vejo é de que principalmente nas classes

dirigentes [dos países subdesenvolvidos] que vêm de formações básicas

universitárias em que a ciência exata não tem posição e as ciências sociais apenas

começam a ter [...] então você vê que a sociedade não pôde, não que ela não

quisesse, ela talvez até quisesse mas não soube [...] acompanhar o progresso da

74 “No fim de nove meses, eu estava em Paris quando fui convocado pelo Núncio e [...] me telefonaram da Nunciatura. Eu ia dar um curso e depois do curso eu fui a Roma e aí aceitei a nomeação. E comecei a fazer as reformas necessárias. Passei de 60 para 70 [o número de membros], agora eu passei para 80 e comecei a escolher alguns membros para a eleição; alguns membros eu nomeei diretamente, pedi ao Papa especiais condições para ele nomear diretamentee aí comecei a atividade que eu desenvolvi até agora. Que é uma atividade para mim riquíssima porque me deu um conhecimento enorme da ciência nos vários aspectos. Triste num sentido, porque eu vejo que nós estamos cada vez mais afastados da ciência dos grandes países a não serem pequenos centros de excelência [o que torna] muito difícil o progresso relativo. Técnicasde ponta e pequenas condições etc. De modo que eu vi, por exemplo, nesses 12 anos, a ciência italiana crescer de um modo extraordinário, mesmo em campos em que nós tínhamos mais condições, eles [nos] superam. ( Carlos Chagas, CPDOC, 5a entrevista, p.20,1977)

132

ciência. O que não aconteceu nos países desenvolvidos, porque ao lado de uma

formação cultural muito mais importante do que a que nós tínhamos, havia também

interesse de utilização, de aplicação da ciência. E havia uma compreensão maior. E

um padrão muito mais alto foi dado ao ensino superior do que aqui. [...]”

“Outro dia , numa conversa que eu tive com o Ministro da Ciência e Tecnologia e ele

se referiu a essa coisa a que todo mundo se refere: problemas nacionais, que a

ciência deve estar voltada para os problemas nacionais, que é uma coisa que eu

estou de pleno acordo desde que ela saiba empregar, no estudo dos problemas

nacionais, as técnicas mais avançadas”. Eu disse a ele o seguinte: ‘Eu queria que o

senhor me definisse o que são problemas nacionais’, porque o principal problema

nacional é a fome, a saúde é outro problema nacional, Mas para um como para o

outro a ciência tem solução. Agora a ciência é um problema nacional no que tange à

formação de pessoal. É um problema nacional número um, não é nada desses que

estamos falando. É a formação de pessoal” (Carlos Chagas Filho,

COC/PHO/IOC, VI-20 , p.5-6,1988)

Nesse depoimento Chagas faz uma análise do “caráter nacionalbrasileiro” que expressa bem sua visão do papel redentor daCiência e do papel das elites nacionais. 75

“A formação escolar é a coisa fundamental. A formação escolar e a acadêmica

posterior, de modo que a educação é o problema nacional número um. Porque você

vê em certas regiões em que alimento não falta, a população não sabe como se

alimentar, porque não tem educação bastante, come de gamela, se infecta, tudo isso.

[...] E ai as classes dirigentes e a elite são, a meu ver, extremamente faltosas. Por que

nós aqui no Brasil - se bem que isso é típico de nossa herança portuguesa - nós não

temos espírito público. Nós temos um espírito pessoal privativo, queremos as coisas

para nós e não para a coletividade. É o que eu chamo sempre do espírito do

colonizador temporário. O desmatamento, é um exemplo disso.[ ...] [ As elites] são

predatórias, só tem a visão imediatista, não querem nada à distância e são muito

75 Em outro depoimento ele define elite como um grupo resultante de um processo meritocrático de seleção(COC/PHO/Carlos Chagas Filho, IV, p.6)

133

ignorantes. [...] São sempre projetos que apresentam perspectivas de lucro rápido.

Todo mundo diz que isso é normal. É normal quando você considera suas vantagens,

mas não é normal quando você considera que o mundo tem que continuar e

continuar para as gerações futuras. ” (Carlos Chagas Filho COC/PHO/IOC,

VI-20 , p. 6-7,1988)

3.3 - ARISTIDES AZEVEDO PACHECO LEÃO

Aristides Azevedo Pacheco Leão nasceu no dia 3 de agosto de 1914no Rio de Janeiro, filho de Manoel Pacheco Leão e FranciscaAzevedo Leão (Tita). O nascimento de Aristides se deu após amorte de seu pai, em dezembro de 1913 aos 42 anos. Manoel erasócio de seu cunhado Paulo Azevedo na Livraria Francisco Alves.

Manoel era filho de Teóphilo das Neves Leão (médico) e deRosalina Pacheco Leão, filha do Dr. Manoel Pacheco e Silva, Barãode Pacheco, também médico, que foi professor e Reitor do ColégioPedro II, além de preceptor dos netos de Pedro II, filhos doDuque de Saxe.

Um dos tios paternos de Aristides, foi o Dr. Antonio PachecoLeão, médico sanitarista, indicado, em 1904, por Oswaldo Cruzpara o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela. Em 1911, o Prof.Pacheco Leão foi nomeado Diretor Geral da Saúde Pública e, nomesmo ano, Professor extraordinário de História Natural daFaculdade Nacional de Medicina. Em 1912 Antonio Pacheco Leãoexcursionou ao Amazonas com Carlos Chagas, experiência quesuscitou seu grande interesse pela flora brasileira. Em 1925tornou-se Professor Catedrático de Biologia Geral e Parasitologiada Faculdade. Em 1926 foi nomeado Vice-Diretor da Faculdade,exonerando-se em 1930. Foi diretor do Jardim Botânico de 1914 atésua morte em 1931. A influência de Pacheco Leão na formaçãocientífica de Aristides foi decisiva, marcando seu interesse pelabiologia.

Do lado materno eram seus avós José Eugênio Azevedo e D.Maricota.

“O avô do Aristides se dedicava com bastante sucesso ao comércio e representação de

produtos e mantinha um grande contato com pessoas do interior que vinham ao Rio

para adquirir bens para suas casas de comércio ou fazendas; dizia meu pai que sua

134

casa situada no, hoje, Largo do Humaitá , dentro de uma bela chácara que se

estendia pelas fraldas do Corcovado, apresentava um intenso movimento e que sua

mesa de almoço ou jantar estava sempre pronta para receber convidados

imprevistos”...”José Eugênio tinha uma família grande e que eu me lembre quatro

filhas (Angelina, Juca, Tita e Sílvia) e três filhos, João, Paulo e Carlos Azevedo, pessoas

cultas com padrão intelectual bem acima da média da sociedade de sua época; Paulo

Azevedo, por exemplo, foi o dono da conhecida Livraria Francisco Alves (Carvalho

Dias, 1994, 21). João foi Almirante.

Uma das irmãs de D. Tita casou-se em São Paulo sendo uma dasfilhas desse casamento Tati, mulher de Vinícius de Moraes e aoutra a esposa de Carlos, irmão de Aristides. Outra irmã de D.Tita casou-se com Adolfo Lutz.

Dona Tita, pintora de aquarelas, e Manoel tiveram duas filhas ecinco filhos, um dos quais José, faleceu precocemente aos vinteanos; todos os demais se distinguiram, cada um em seu ramo deatividades. Os seis foram Manoel, Carlos, Teóphilo, Aristides,Maria Augusta (Magu), casada com José Cláudio Costa Ribeiro, eRosinha.

A formação de A. P. Leão teve início no Colégio Andrews,onde cursou o ginásio. Iniciou seus estudos universitários naFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde estavamorando seu irmão Manoel. Naquela cidade fez o Curso Pré-Médico ecursou o 1º ano da Faculdade de Medicina, tendo sido aprovado comdistinção em todas as Cadeiras. Findos esses dois anos, trancoumatrícula por motivos de saúde, indo se recuperar primeiro emBelo Horizonte, Minas Gerais, e mais tarde no Sanatório deCorreias, no Rio de Janeiro.

Recuperado, Aristides desiste de prosseguir seu curso médicono Brasil, já que havia perdido seus contatos com os antigoscolegas de faculdade decidindo prosseguir sua formação nosEstados Unidos. Propõe então a seu irmão Manoel e a ao cunhadoJosé Cláudio Costa Ribeiro que lhe concedam uma mesada por 1 ano,garantindo que depois desse período obteria uma bolsa quepermitiria a conclusão do curso.

O espaço social onde transita a família Pacheco Leão nãodifere em muito daquele em que estava presente a família Chagas.

135

As interseções, seja por parentesco (Lutz, por exemplo), sejapelas relações no campo (Antonio Pacheco Leão e Chagas foramambos professores da Faculdade de Medicina e excursionaram juntosà Amazônia).

Conta Elizabeth Raja Gabaglia Leão76, segunda esposa deAristides, um episódio que revela a existência de uma relaçãopróxima entre a família de Aristides e Oswaldo Aranha, citado porChagas em seus depoimentos:

“Vai em 40. É foi até um coisa engraçada que eu contei para o Eduardo foi do dia que

ele quando foi tirar passaporte, passaporte de imigrante, ele esbarrou no

Itamaraty com o Oswaldo Aranha, que era muito amigo da família, conhecia,

morava ao lado da família dele, morava lá em Laranjeiras, essas coisas. E o

Oswaldo Aranha perguntou: - O que você está fazendo aqui menino? - E ele disse:

- Estou tirando passaporte de imigrante que eu vou para Harvard para fazer

um... para estudar. E diz que o Oswaldo Aranha passou a mão e disse: -

Bobagem, vem cá comigo. E tirou o passaporte especial para ele, o azul. Com

isso, ele não foi convocado para a Guerra. Quando os Estados Unidos entraram na

Guerra dois anos depois ele não foi convocado. Porque senão ia trabalhar, senão ia

para a Guerra.” (Elizabeth Leão, Entrevista, 1996)

Em 1940 viajou para os Estados Unidos, ingressando em Harvard. Emsua estada em Harvard, Aristides conviveu com a elite de Boston,freqüentando a família Kennedy, especialmente o irmão mais velhodo futuro Presidente, Joseph, que veio a morrer durante a guerra.

Em Harvard trabalhou no setor de Ciências Médicas - Fisiologia -onde obtém o grau de Master of Arts, em 1942, e o PhD em 1943. NaHarvard Medical School foi Austin Teaching Fellow no departamentode Fisiologia (1942-1943) e Research Fellow no Departamento deAnatomia (1944).

A opção por uma carreira em fisiologia, e não em medicina, nosEUA, constitui o primeiro traço distintivo da trajetória deAristides de outras analisadas no presente estudo. Enquanto ascarreiras no Brasil voltadas para a pesquisa experimental sefaziam depois da passagem pelo curso de medicina, Aristides,

76 Neta de Epitácio Pessoa, havia se casado em primeiras núpcias com o neto de Affonso Penna, ambos ex-presidentes da República.

136

quando decide dedicar-se à pesquisa, opta por uma carreira demenor valor simbólico, mesmo naquele País, a fisiologia. ( Becker& Carper, 1977, p. )

O segundo traço que distingue a primeira fase de sua carreirarefere-se ao fato de ter feito uma “descoberta”. Segundo HissMartins Ferreira:

“Sua primeira comunicação científica é feita em colaboração com E.C. Del Pozo ,

sobre os efeitos da hiperventilação e das variações da pressão sangüínea nas

repostas auto-sustentadas do córtex cerebral, publicada no American Journal of

Physiology em 1943.” “O tema de sua modelar tese de doutorado apareceu em 1944

no Journal of Neurophysiology sob o título :”Spreading depression of

eletrical activity in the cerebral cortex”. Neste trabalho, descreveu

um novo fenômeno do córtex cerebral, que posteriormente, ficou conhecido como

Depressão Alastrante de Leão ou Onda de Leão. (Martins Ferreira, 1994, p.

4)”

Encarregado por seus orientadores, Hallowed Davis e ArturoRosenblueth, de estudar a propagação de descargas epilépticas nocórtex cerebral do coelho, Aristides demonstra que, em lugar doaparecimento de ondas de alta voltagem, características dascrises, havia uma diminuição da amplitude do encefalogramanormal. Além disso, a depressão da atividade elétrica sealastrava pelas regiões vizinhas do córtex e ,depois de algumtempo, o traçado do eletroencefalograma voltava ao normal.Segundo depoimento de Eduardo Oswaldo-Cruz, os encefalógrafos,então recém-inventados, eram instrumentos bastante primitivoshavendo, portanto, uma grande probabilidade de que o fenômenoobservado se devesse a um problema do aparelho. Diz Oswaldo Cruz:

“Naquele época era irrelevante, era uma coisa muito comum até. Mas quando ele

olhou que da disposição do ponteiro, ele viu, ele botava lá canal 1, 2, 3, 4. Ele viu que

a atividade parava primeiro no canal 1, depois no 2 e ele disse então: - Não isso é

uma coisa que está andando aqui.” (Eduardo Oswaldo Cruz, Entrevista,

1996)

A descoberta é atribuída à persistência e rigor de Aristides emprosseguir no experimento, um dos traços, que na percepção de

137

seus contemporâneos, marcaria a qualidade de seu trabalhocientífico.

O depoimento de BureŠ descrevendo a descoberta de Aristides é umadescrição eloqüente do valor simbólico, no mundo da ciência, dadescoberta ou da primazia, valor que, em princípio, se circunscreveao campo científico. Na medida em que há poucas possibilidades deconversão a outras dimensões do espaço social do capital derivadoda descoberta, é possível supor que, a não ser que o campocientífico tenha se tornado autônomo e capaz de outorgarprestígio, dificilmente uma descoberta com as características daque fez Aristides teriam, para ele, os efeitos que tiveram.

“He was a 26 years old graduate student when he made the surprising observation

and decided to study it. The brilliant research done in the three years alloted to the

preparation of the PhD thesis shows that he was already then a mature scientist using

all available technical means to analyze the phenomenon and all available knowledge

to suggest its interpretation. But note at the same time the fact that he published the

results of his work alone, without the co-authorship of his superiors or senior

colleagues. This is an eloquent demonstration of the ethical standards of the graduate

school of Harvard University. Leão’s spreading depression carries his name not only

because he has discovered it but also he was not forced to share the merit with other

scientists who could have claimed their right to co-authorship. Leão’s example shows

that important dicoveries can be made by talented young people and that it pays off

to give them the credit and the recogniton they deserve.” (BureŠ, 1994,p.9)

O terceiro traço distintivo da carreira de Aristides refere-se aolocus onde se produziu a descoberta: a Universidade de Harvard nosEstados Unidos. A forma pela qual a descoberta foi acolhida, aimportância atribuída à renúncia dos orientadores à co-autoria, aopção pela fisiologia, em detrimento da medicina sãocaracterísticas do ambiente americano, que nesse período do pós-guerra já atingira uma inegável posição de liderança no campocientífico em escala internacional. Para Aristides, ao contráriode Chagas, o sucesso no campo - particularmente em sua dimensãointernacional - precedeu e condicionou sua trajetória. Assim, separa Chagas é fundamental inventar um conjunto de categorias,capazes de conformar um novo estilo de fazer ciência no Brasil,

138

para Aristides o estilo adotado é aquele já consagrado nadefinição do ethos da comunidade científica internacional.

Na medida em que o “êxito” da descoberta é atribuído ao “estilo”de seu autor e este estilo é reconhecido como valor a seralcançado, os atributos nele reconhecidos passam a ser, para assucessivas gerações do Instituto, paradigmáticos na construção daimagem do “bom cientista” e progressivamente naturalizados.

A forma pela qual a descoberta de Aristides é valorizadacontribui, por outro lado, para a legitimação da “ciência pelaciência” como valor para o grupo. É num discurso do próprioChagas que se encontra com clareza a valorização da descoberta:

“Meio século se passou e ainda não há uma explicação à vista para a Onda de Leão,

que permanece sedutora e importante e, como relata Charles Nicholson da New York

University: “It is important because it represents a great challenge to the

completeness of our knowledge of the brain. No matter how many channel proteins

we sequence, how neuromodulators we identify and how many neural networks we

construct, if we cannot explain spreading depression, we do not understand how the

brain works.”(Chagas, 1962)

Além disso as características imputadas a Aristides como sendo osatributos do seu “estilo” são reiteradas vezes valorizadas nosdepoimentos. Quais seriam esses atributos?

Segundo Hiss Martins Ferreira:

“Aristides nasceu em lugar errado: deveria ter vivido na Escandinávia onde as pessoas

gostam dos desafios do mar e o fator tempo não influi no trabalho e no

comportamento de seus habitantes.

“Ele era a única pessoa de meu conhecimento que não lia artigos científicos:

estudava-os, podendo levar não importava, um dia ou um mês, porém, uma vez

compreendidos, eram colocados organizadamente em sua memória. Deste modo fez

um sólido alicerce sobre o qual construiu uma cultura de dimensões tais, tornando-se

um dos mais completos biologistas brasileiros.” ( Martins Ferreira, 1994,

p.11)

139

Um outro de seus discípulos, Romualdo do Carmo, afirma:

“Trazia um semblante usualmente austero, sem casmurrice. na intimidade, quando a

assunto lhe era caro, desatava conversa colorida, animada, sempre carregada de

saber, percepções ensinamentos, casos e comentários, muitas vezes temperada com

expressões de maior calibre, o que surpreendia por contrastar com sua habitual

lhaneza e discrição. Espírito curioso e inteligência aguda, granjeou cultura de tal

forma abrangente e sólida, nos vários domínios do conhecimento, que todos a ele

recorriam para dirimir suas dúvidas as mais diversas.”

“Metódico, jamais pautava suas ação pelo arrebatamento. Refratário à ostentação,

ressaltavam-lhe a sobriedade e a probidade. No laboratório, primava pelos cuidados

na condução das experiências, sempre precedidas de refletido estudo do problema

em pauta. Em suas mãos, o equipamento e utensílios adquiriam perenidade, tal o

zelo com que os tratava, Era respeitado por todos e sua liderança, natural, nunca

imposta.” (Carmo, 1994, p.2 )

O rigor e a exigência de qualidade que se impunha e impunha aseus colaboradores é reiterada em numerosos depoimentos, sendovárias vezes mencionada sua preocupação com a ordem nolaboratório e com o texto.

“Procurava com igual cuidado, a grafia e o significado de cada palavra, seja em

português ou em inglês. Ia ao dicionário para redigir um documento burocrático, do

mesmo modo como o fazia ao escrever um artigo científico. O tempo para terminar

uma tarefa podia durar minutos ou horas. Na minha tese para professor da

Universidade Federal Fluminense, que ele corrigiu, ficou trabalhando várias frases,

durante horas seguidas antes de se dar por satisfeito. Esta maneira de escrever

tornava o texto, além de mais correto, mais claro e mais preciso. Conheci um

professor americano que considerava o trabalho original de Leão, onde descreveu a

“spreading depression”, um modelo de investigação científica, sem nada a ser

corrigido ou substituído, mesmo já tendo passado várias décadas de sua publicação.”

(Martins Ferreira, 1994, p.11)

140

Um outro traço que marca a percepção nativa da personalidade deAristides é sua despreocupação com a concorrência:

“Nunca se preocupou em competir com outras pessoas em qualquer campo de

atividade. Entretanto se esforçava para fazer, seja o que fosse da melhor maneira

possível, numa permanente competição consigo mesmo, e onde a qualidade era a

medida de seus esforços, pouco se importando com quantidade, proselitismo ou

manchetismo” (Martins Ferreira, 1994, p.11)

A volta de Aristides ao Brasil ocorre ao término da 2ª Guerra,quando decide dar aqui, prosseguimento a sua carreira, apesar dosconvites recebidos para permanecer no exterior.

Aristides ingressa no Instituto de Biofísica, em 1945, aos 32anos, como Técnico Especializado (uma das invenções de Chagas),referência 22 da cadeira de Biofísica, sendo, segundo Chagas, aprimeira pessoa a chegar : “Quando ele voltou, por acaso, saiu o Wurmser, foichamado pelo De Gaulle, e aí eu pude dar a vaga a ele”.

Não obstante a garantia de que a utilização dos métodosexperimentais garantiria o reconhecimento de seu projeto na áreada “biofísica”, a forma de ingresso de Aristides no Institutocria um paradoxo que é reconhecido por Chagas.

Diz Chagas, em 1962:

“Para não deixar de que se obscureçam o brilho, a alegria e até mesmo a emoção

otimista desta festa, direi apenas que, após tratar do fenômeno de Leão, gostaria de

dizer algumas palavras sobre o que faceciosamente chamo fenômeno de Leão.”

“É este o do cientista ilustre que não exerce a influência que seu gênio lhe

permitiria exercer porque a isto se opõem as barreiras de uma obsoleta

organização universitária e a incompreensão de nossa sociedade.”

“O universitário reclama um política universitária mais liberal, na qual, entre outras

medidas se dissipe a autocracia das cátedras isoladas e se estabeleça novo regime de

escolha de docentes na qual seja válido apenas o real valor científico dos candidatos.

Só então homens como Aristides Azevedo Pacheco Leão poderão exercer em nossa

mocidade a influência que emana do saber, da experiência e da honestidade.”

(Chagas 1962, grifos meus)

141

A par de se tornar um “técnico especializado” ao retornar dosEUA, Aristides inaugura a primeira linha independente daquelasdesenvolvidas por Chagas no Instituto de Biofísica. Aincorporação dessa nova linha de pesquisas no Institutorepresenta, de certa forma, um afastamento do padrão vigente ,pelo menos nas ciências biológicas, de adoção de uma ciência que,quer pela “finalidade”, seguindo a tradição de Manguinhos querpelo modelo adotado, pudesse ser caracterizada como nacional. Amenção de BureŠ, ao “invisible college” formado a partir dadescoberta de Leão, me parece reveladora desse fato.

“In the subsequent years Prof. Leão remained the recognized head of the invisible

college he had founded. He contributed to the development of ll main directions of SD

research, participated in important scientific conferences devoted to the subject and

organized a strong research team in Rio whose members have advanced the SD

investigations by new striking discoveries. Rio became a Mecca of SD research visited

by scientists from United States, France England, Japan, Germany, Czechoslovakia,

Denmark and Russia, by specialists coming from different fields who discovered that

SD can help them to solve some important aspects of their research. (BureŠ,

1994, p.9)

As condições de trabalho oferecidas, no Brasil, a Aristides sãomuito diversas daquelas que dispusera nos Estados Unidos. Segundoo depoimento de Hiss Martins Ferreira:

“Quando chegou da América do Norte, Aristides foi para um pequeno espaço esconso,

atrás do anfiteatro de fisiologia da Faculdade de Medicina da Praia Vermelha e sua

única ferramenta era um canivete de uma lamina. Com bancadas de mesa

improvisadas, fios elétricos, varetas de vidro, etc. foram construídos os primeiro

eletrodos para a captação da atividade elétrica do córtex cerebral de coelhos.

Promessas de aquisição de eletroencefalógrafo, não bem definidas, levaram-no à

procura de algum tipo de aparelho de medida elétrica na preciosa “sucata” existente

no antigo laboratório de Física Médica. Foi encontrado, em perfeito estado de

funcionamento, um galvanômetro que, por ser de registro óptico e inscrição em

película fotográfica, estava abandonado, tal o custo do filme utilizado. Com

persistência, engenhosidade e pacientes leituras diretas a cada 15 segundos, em

142

alguns meses funcionava em seu laboratório, um sistema de detecção de variações

lentas de voltagem no córtex cerebral e já, em 1947, Aristides publicava seu primeiro

trabalho realizado todo ele no Brasil. (Martins Ferreira, 1994, p.11)

A imagem que foi sendo progressivamente construída da trajetóriade Aristides e que corresponde ao mito do modelo de cientista“isolado”, senhor do seu espaço e dotado, como já foi dito, de umconjunto de atributos valorizados como fundamentais para o bomdesempenho no campo, são opostos àqueles usados para definir oêxito da trajetória de Chagas. Entretanto, a convivência, nomesmo espaço de dois modelos idealizados cria, nas sucessivasgerações do Instituto, uma tensão que se torna produtiva namedida em que à consolidação das invenções de Chagas, aliam-se aspráticas consagradas no campo, incorporadas como habitus.

O trabalho de Aristides Pacheco Leão publicado no Journal ofNeurophysiology em 1944, teve como resultado a atribuição de"Citation Classic" pelo Institute for Scientific Information desetembro de 1992, por ter atingido citação em mais de 565publicações, desde 1945 .

No conjunto de depoimentos sobre Aristides chama a atenção, alémdos atributos descritos, a menção ao seu interesse por outroscampos da biologia, sendo recorrentes as referências ao seu valorcomo “naturalista”, embora ele insistisse em afirmar não serbotânico, ornintólogo ou zoólogo. Além disso sublinha-se emvárias oportunidades seu caráter de bibliófilo.

Uma outra diferenciação que se pode estabelecer entre astrajetórias de Aristides e de Chagas, distinguindo dois estilosde vida, refere-se à separação que o primeiro faz entre “vidasocial” e trabalho, em oposição ao segundo que utiliza toda ateia de relações sociais em função de seu projeto. Diz ElizabethLeão sobre Aristides:

“Ele, realmente, o Aristides e os amigos dele eram os que trabalhavam com ele, eu

tenho a impressão, fora isso, ele era uma pessoa muito fechada, ele não era?”

“Ele tinha aquele grupo, aquele grupo, o grupo dos bigodudos. Os bigodudos todos

eram amigos.”

“Eu acho que ele nunca perdeu tempo. Eu acho que era isso porque ele também tinha

o lado boêmio, não esquecia do lado boêmio, freqüentava muito o Sachas, grande

143

freqüentador do Sachas.[...] Voltava ao Sachas, porque o Aristides gostava de música,

não é? Muito. E conhecia muita música, então, não somente música clássica como

música comum. Detestava dançar. Eu não. Eu sempre adorei. Então, enquanto, eu

dançava ele ficava sentado perto do Sachas para ver quem conhecia mais música.

Agora... de repente lembrar de uma era raríssimo que o Sachas não sabia. Aí é que o

Aristides ganhava a noite, porque o Sachas era um grande pianista, não é?”

(Elizabeth Leão, Entrevista, 1996)

Embora com marcadas diferenças as trajetórias de Chagas eAristides apresentam muitos pontos comuns, particularmente no quese refere à ocupação de cargos no Brasil, tanto no Instituto deBiofísica quanto no CNPq e na Academia Brasileira de Ciências.

Na Academia Brasileira de Ciências, Aristides Pacheco Leão foimembro associado da Seção de Biologia (1948), membro titular(1951), Vice-Presidente (1955-57 e 1965-67), Presidente (1967-81), sua presença foi marcada por intensa e permanente atuaçãonas variadas atividades da Instituição. Seu mandato na Academiafoi marcado por realizar-se numa conjuntura políticaparticularmente difícil. Segundo o depoimento de Paschoal Senise:

“Aristides dirigiu a Academia com grande descortino e habilidade. Empenhou-se

sempre em assegurar a absoluta independência da entidade e, ao mesmo tempo

procurou fazer com que tivesse ela sempre maior presença e voz nos organismos

oficiais que cuidam do amparo e fomento às atividades científicas no País”

“Enfrentou situações delicadas mas soube superar as dificuldades com serenidade e

discrição. Para alguns, pôde parecer omisso em certas ocasiões ou indeciso, mas na

verdade, a sua maneira de agir era ditada pela prudência, ponderação e muita

reflexão.”(Senise, 1994, p.25)

A “prudência nas decisões”, foi objeto de inúmeras críticas e deimputação à Academia de um caráter conservador críticas essascontestadas, entre outros, por Herman Lent, que cassado teve naAcademia abrigo para realizar seu trabalho na Revista Brasileirade Biologia. (Fernandes, 1990, p.39 e Lent, 1994, p.27)

A aceitação do cargo de Diretor do Instituto de Biofísica naausência de Chagas, mencionada na página 90, é descrita por

144

Eduardo Oswaldo Cruz e Elizabeth Leão, como resultado de umesforço de Aristides e não de uma herança de Chagas:

PG -Num determinado momento ele teve que assumir a direção do Instituto de

Biofísica.

EL - Ele teve que, não é? Mas ele não queria. Ele não queria de jeito nenhum.

EOC - Mas foi o que salvou da sobrevivência o Instituto, deve-se estritamente a ele. Se

não fosse ele a intenção de todo grupo da Universidade era acabar com o Instituto.

Na realidade, o que eles queriam era extinguir a Biofísica e usar o pessoal para

reforçar áreas carentes. Então eles queriam pegar um grupo para, com o negócio da

Reforma, colocar dentro da Biologia, que era um deserto. Reforçava a Bioquímica.

Recriar a Fisiologia novamente como uma entidade separada da Biofísica e se não

fosse ele colocar o reitor contra a parede [...] se não fosse ele e até, digamos, a

constituição básica do Instituto, a criação dos departamentos foi tudo idéia dele.

Tudo idéia dele. O Instituto é realmente uma federação pequena de laboratório, de

grupos, cada um tinha o seu livre-arbítrio aglutinados debaixo, digamos do Chagas e,

realmente, aquilo era feito de pequenos feudos. E, realmente, a concepção dele era

outra, criou-se, então, o sistema de departamentos, dentro dos departamentos,

diferentes laboratórios e foi o que se criou.( Eduardo Oswaldo-Cruz e

Elizabeth Leão, Entrevista, 1996)

Ao longo de sua vida Aristides esteve também presente ematividades de fomento e gerenciamento da pesquisa e do ensino noPaís, no CNPq, onde, a partir de 1968, atuou em diversos setores,tais como o Conselho Deliberativo (1960-74), o ConselhoCientífico e Tecnológico (1975-81) e a Consultoria Científica(1975-84),criada por Manoel da Frota Moreira e responsável pelaescolha dos Comitês Assessores.

Nos anos de 1985-91 participou ativamente nas Secretarias dePlanejamento e de Ciência e Tecnologia da Presidência daRepública, como membro e Presidente do Grupo Especial deAcompanhamento-GEA do programa de Apoio ao DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico-PADCT (1985-91) e também esteve presenteem vários órgãos governamentais, como membro do Conselho daFundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) e

145

Presidente da Comissão Estadual de Radioproteção e SegurançaNuclear da Secretaria de Ciência e Tecnologia, ambos órgãos doEstado do Rio de Janeiro (1989-92), membro do Conselho Científicoe Ambiental da fundação Centro Tecnológico (CETEC) do Estado deMinas Gerais (1977-79), membro do Conselho Técnico-Científico daFundação Oswaldo Cruz (1976-85) e membro do Conselho Diretor daUniversidade de Brasília (1970-85).

Participou em missões do Ministério da Educação e Cultura (1968)e do Ministério das Relações Exteriores (1975) junto à UNESCO efoi Vice-Presidente (1969-76) e Presidente (1976-83) do InstitutoBrasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), ComissãoNacional da UNESCO.

Foi membro fundador, titular ou honorário de diversas associaçõescientíficas nacionais e internacionais; recebeu, ao longo de suavida, seguidas distinções tais como: o Prêmio Einstein daAcademia Brasileira de Ciências (1961), o Prêmio Álvaro Alberto(Ciências) da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado daGuanabara (1973), o Prêmio Moinho Santista, da Fundação MoinhoSantista (1974), a Ordem de Rio Branco, no grau de Comendador(1974), o Prêmio Personalidade Global (Ciências) das OrganizaçõesGlobo, Rio de Janeiro (1977) e o Prêmio Alfred Jurzykowski, daAcademia Nacional de Medicina (1979).

Um depoimento de Hiss Martins Ferreira, seu mais antigodiscípulo, é particularmente expressivo de um “modelo” decientista que revela uma representação sobre o cientista que oopõe ao “patron patrimonial” descrito por Bourdieu (1984, p.78).

“Sua carreira de docente da UFRJ teve seu maior brilho com o curso de Anatomia e

Fisiologia Comparada na Faculdade de Filosofia77 - matéria de sua predileção-, cujas

aulas ele preparava com carinho a partir de fichas anotadas à mão, e que eram

atualizadas anualmente. No Instituto de Biofísica ministrou durante alguns anos um

curso de modelagem do sistema nervoso central com plasticina de várias cores, cujo

sucesso se deveu tanto a seu caráter prático, como pelas interessantes considerações

77 Faculdade Nacional de Filosofia, Departamento de História Natural (Zoologia): Encarregado de Curso, 1952-1960; Professor Assistente, 1960-1966; Professor Adjunto, 1966-68 (transferido em 1968, data da Reforma Universitária, para o Instituto de Ciências Biomédicas onde permanece até 81, sendo, a partir daí, lotado no Instituto de Biofísica até sua aposentadoria.

146

patofisiológicas sobre as diversas partes anatômicas que iam sendo moldadas.”

(Martins Ferreira, 1994, p.1)

A análise das trajetórias de Guilherme Guinle, Carlos ChagasFilho e de Aristides Azevedo Pacheco Leão, aponta para aexistência de um complexo espaço social onde se entrelaçam osdiversos campos nos quais transitam as elites brasileiras daprimeira metade do século, nele estando presentes os campos daprodução cultural e científica, intimamente associados àsinstâncias de poder político.

De importância particular é o papel da cidade do Rio de Janeirocomo Capital da República como polo de atração de segmentos dasantigas oligarquias decadentes dos estados do Rio de Janeiro,Minas Gerais e do Nordeste.

Tanto no caso de Carlos Chagas Filho, com suas relações derivadasda família materna, quanto no caso de Aristides Leão onde essasrelações se fazem através da família paterna, a conversão dasantigas oligarquias “enobrecidas” no Império a novas posições depoder são fortalecidas por casamentos com mulheres que tem fortesligações com os detentores do poder político.

Outro aspecto que merece ser mencionado com relação à trajetóriadesses dois pesquisadores diz respeito a suas posições no campoacadêmico: Chagas é o catedrático enquanto Leão é o técnicoespecializado. Essa distinção terá forte efeito na capacidade deum e de outro influírem na consolidação da Universidade comoespaço da investigação científica.

O caso de Guinle é um caso particular e deve merecer umaconsideração especial. Sua presença precede ao papel que o Estadoviria a exercer, como mostra Micelli no caso dos intelectuais, nofinanciamento das atividades relacionadas ao mercado de benssimbólicos.

Iniciando uma tradição de apoio e de financiamento á pesquisa quetem o caráter de um verdadeiro mecenato, Guinle assume umaposição impar no campo criando uma “tradição” que se incorporarámais tarde como parte do ethos da comunidade científicabrasileira. Ao contrário do Estado que baseara o processo definanciamento em objetivos utilitaristas, Guinle inaugura atradição do financiamento da “ciência pela ciência”, mesmo que

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essa venha a ter uma importância para seus projetos einvestimentos.

Ao contrário do que ocorrera no período do Império, onde aciência surge mais como uma idealização ou uma ideologia de“modernidade”, os efeitos da ação de Oswaldo Cruz obtendoresultados práticos através da pesquisa experimental e dacontribuição de Guinle para que se criem as condições depossibilidade de apoio à pesquisa com base na “excelência” dospesquisadores, passam a existir no Brasil, as condições sociaispara a criação de um órgão de fomento à pesquisa que funcionarácomo mediador dos interesses do Estado e da comunidadecientífica. Não é, portanto, por acaso que o mecenato de Estado,no que se refere à ciência assume contornos muito específicos noBrasil e, em particular, no Rio de Janeiro.

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4 - AS INVENÇÕES CONSAGRADAS

O ultimo capítulo da dissertação tem por objetivo examinar astransformações por que passaram as invenções de Chagas e quenovas representações derivaram do confronto dos dois modelos decientistas, construídos ao longo da história do Instituto: oinspirado em Chagas e aquele baseado em Pacheco Leão.

durante os últimos cinqüenta anos - freqüentemente em função dapolítica de intercâmbio com o exterior - surgiram novas linhas depesquisa, novas lideranças e, por um processo de segmentaçãointerna, multiplicaram-se os laboratórios, os métodos e osobjetos de pesquisa.

Para ilustrar o surgimento, a reprodução e segmentação de uma dasáreas de maior prestígio do Instituto, a Neurofisiologia - naqual se formou uma verdadeira “linhagem”, cuja história járemonta a três gerações - tomei como exemplo as carreiras decinco pesquisadores do Departamento de Neurobiologia, queconstituíram o núcleo de pesquisas mais dinâmico do departamento.

Apesar da grande influência que a figura de Pacheco Leão -considerado o mais importante pesquisador do departamento -exerceu sobre os integrantes desse grupo, nenhum de seuscomponentes é considerado seu discípulo.78 A origem do núcleoremonta ao Laboratório de Dénise Albe-Fessard.

Por estarem relacionados por vínculos de colaboração e orientaçãoe por trabalharem em áreas correlatas os cinco pesquisadoresescolhidos se consideram e são considerados membros de um mesmogrupo. Um indicador que denota sua identidade e distinção é omodo pelo qual foram denominados os laboratórios do departamento:Neurobiologia I , II e III, chefiados, respectivamente, porEduardo Oswaldo-Cruz, Carlos Eduardo Rocha Miranda e GustavoOliveira Castro e Eletrofisiologia I e II, de Aristides PachecoLeão e Hiss Martins Ferreira79.

78Segundo os depoimentos de Elizabeth Leão e de Eduardo Oswaldo Cruz, apenas Hiss Martins Ferreira e, mais recentemente, Romualdo do Carmo podem ser incluídos nessa categoria.

79 C. E. Rocha Miranda foi o orientador de Roberto Lent, Rafael Linden e Ricardo Gattass, orientado por Eduardo Oswaldo-Cruz, participou das atividades de seu laboratório que sempre guardou, com o laboratório de

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Em 1991, o departamento - então chamado Setor de Neurobiologia -era formado por 11 unidades, trabalhando em 9 linhas de pesquisa.Os laboratórios eram chefiados pelos seguintes pesquisadores: (1)Laboratório de Neuroplasticidade, chefiado por Roberto Lent; (2)oLaboratório de Neurobiologia III, por Ricardo Gattass; (3) olaboratório de Neurobiologia II, por Carlos Eduardo RochaMiranda;(4) o Laboratório de Neurobiologia da Retina por Jan NoraHokoç; (5) o Laboratório de Neurofarmacologia do Desenvolvimento,de Ary Sérgio Ramoa; (6) o Laboratório de Neurobiologia doDesenvolvimento, de Leny Alves Cavalcante; (7) o Laboratório deNeurobiologia Celular e Molecular, de Rosália Mendez Otero; (8) oLaboratório de Neurogênese, de Rafael Linden e (9) o Laboratóriosde Neurofisologia Aristides Azevedo Pacheco Leão, de Romualdo doCarmo. O Laboratórios de Eletrofisologia, mantinha-sesimbolicamente chefiado por Hiss Martins Ferreira, entãoaposentado, e o de Neurobiologia I, por Eduardo Owaldo Cruz,então afastado e residente na Inglaterra.

Segundo o discurso nativo, um fator que distingue este grupo dosdemais, é o fato de que suas lideranças, tanto no passado quantoatualmente, são portadoras de um considerável volume de capitalsocial. Em um dos depoimentos foi mencionado o fato de que,naquele departamento, durante muitos anos os principaispesquisadores tinham sobrenomes compostos: Rocha-Miranda, PachecoLeão, Oliveira-Castro, Martins-Ferreira, Oswaldo-Cruz. O hífen, anão ser no caso de Pacheco Leão foi adotado para compor o “nomecientífico” desses pesquisadores.

O capital social dos chefes de laboratório de 1972, abrangia duascategorias: herdado, por pertencem a famílias com tradição naárea de pesquisa (Gustavo de Oliveira Castro e Eduardo OswaldoCruz) e econômico (C.E da Rocha Miranda), fato que os tornaria“diferentes”, na percepção dos demais, da maioria dospesquisadores do Instituto. Essa mesma classificação se aplicaria,até hoje, entre os discípulos de Rocha Miranda e Eduardo OswaldoCruz, os “Eduardo Brothers”, estando na primeira categoriaRoberto Lent e, na segunda, Ricardo Gattass. Rafael Linden, porsua vez, tem como marca de distinção, a “excelência” de suaprodução científica.

C. E. Rocha Miranda grande proximidade. Roberto Lent e Rafael Linden me foram indicados por C. E. Rocha Miranda como casos de sucesso entre seusorientados. Ricardo Gattass foi por mim escolhido, depois da leitura de seu memorial, em que se refere inúmeras vezes a Rocha Miranda.

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Embora os membros do grupo estudado se consideraremrepresentantes do “tipo-ideal” de pesquisador do Instituto deBiofísica e terem percorrido a carreira padrão na instituição: orecrutamento na Faculdade de Medicina, a iniciação científica e após-graduação no Instituto, os estágios no exterior e posterior aformação de um núcleo de pesquisas independente, faltaria aomembros do grupo estudado “a marca da instituição”. Não obstantea representação nativa de que constituem um grupo atípico, suastrajetórias e seus discursos revelam que as invenções de Chagasforam por todos como sendo a essência do “jeito brasileiro defazer ciência”.

Esta denúncia, imputada sobretudo aos “Eduardos”, por um dosmembros de sua geração, baseia-se na percepção de que eles, comolíderes no departamento, terem tido sua presença na organização,marcada pelo “isolamento” e pelo “baixo envolvimento” com os“problemas” do Instituto.

O isolamento teria mesmo uma expressão física no espaço. Oslaboratórios geminados de Carlos Eduardo e Eduardo, no antigoprédio da Praia Vermelha, eram denominados “torre de marfim”,”Meca” ou “pombal” e, quando foram transferidos para as novasinstalações no Centro de Ciências da Saúde na Ilha do Fundão,passaram a ocupar, sozinhos, o último pavimento do prédio. Aliás,durante o processo de mudança, a responsabilidade peladistribuição dos espaços coubera a Eduardo e, segundo o mesmoinformante, manteve-se o distanciamento.

Outro indicador de diferenciação, segundo a interpretação deoutros pesquisadores do Instituto, é o fato de não ter sidonecessário que os Eduardos, a exemplo de Aristides Leão,prestassem concurso para professor titular (oportunidade que sóveio a surgir quando se encontravam em avançado estágio nacarreira), apesar da insistência de Chagas, para que semantivessem no topo da hierarquia da instituição. Para um doscomponentes do grupo a posição dos Eduardos é a de “mestres” edispensa o formalismo da titulação.

Tanto a percepção dos membros do próprio grupo, quanto a deoutros pesquisadores, indica que, nos dois casos, o modelo decarreira inspirou-se no cientista representado por AristidesPacheco Leão, embora, como este, nem Eduardo, nem Carlos Eduardo,tenham se recusado a ocupar posições expressivas na administraçãouniversitária. Como se verá nos depoimentos essa participação éfoco de tensões.

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Eduardo e Carlos Eduardo consideram-se discípulos de Mme. Fessarde são vistos pelos três outros pesquisadores que orientaram comoseus principais mentores.

Um breve relato das carreiras desses pesquisadores, expressa osefeitos das estratégias de Chagas no processo de recrutamento eformação dos novos pesquisadores do Instituto. De outro, revelacomo foram incorporados os princípios que resultaram de suasinvenções. Para melhor compreender as carreiras de Carlos Eduardoe Eduardo é importante ressaltar alguns traços da trajetória deMme. Fessard, cuja autobiografia está reproduzida no Anexo IV.

4.1 - DÉNISE ALBE-FESSARD

Em 1947, a convite de Carlos Chagas, Dénise Albe-Fessard chega aoBrasil acompanhando Albert Fessard. Depois de um período em queestreitara, na França, seus vínculos com os meios médicos daNeurologia e da Eletroencefalografia, Mme. Fessard passou aocupar-se de problemas relativos eletrogênese cerebral. Com basenessas preocupações, ela havia se tornado membro fundador daSociedade Francesa de Eletroencefalografia e responsável por seudepartamento técnico. Nessa condição havia visitado, em 1946, olaboratório de Grey Walter, na Inglaterra, especialista renomadoem manifestações das atividades dos centros nervosos superiores.

O objetivo de sua viagem ao Brasil havia sido o de estudar oGymnoto, ou poraquê, animal no qual encontra, como maisinteressante tema de pesquisa, o funcionamento, paradoxalmentesincrônico, dos órgãos elétricos de grandes dimensões, o queimplicava num complexo mecanismo de funcionamento dos centrosnervosos e encefálicos desses peixes. Seus trabalhos, iniciadoscom Chagas e Fessard e, mais tarde, desenvolvidos com Rocha-Miranda e Oswaldo-Cruz, foram comparados com os estudos sobre otorpedo e a raia e constituíram o fundamento de sua Tese deCiências, defendida em 1950.

Diz Fessard:

“La proposition de la Faculté comportait l’étude des facteurs nerveux e du facteur

temps dans les réflexes conditionés: l’intérêt que je pris alors à ces problèmes m’a

incitée´´e depuis lors à suivre l’évolution de ces questions.”

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“Lorsqu’en 1950, sur la proposition du Professeur Pieron, je fus nommée Directeur

Adjoint à l’Ecole Pratique de Hautes Études, au laboratoire de Neurophysologie

comparée, laboratoire dont on ma confié par la suite la Direction, je renonçais a mon

service d’enseignement des travaux pratiques de physique et je pus dès lors consacrer

tout mon temps a la recherche neurophysiologique. Parallèlement à une

expérimentation sur les poissons eletriques,reprises par intermittences et que me

permit d’utiliser parmi les premiers enregistrements intracellulaires (electroplaque de

Gymote, noyau central de commande de la Torpille) je me livrai pincipalement

desormais à l’étude experimentale des centres supérieures des Mammiféres. Abordés

dès 1948, ces travaux devaient dans les années suivantes occuper une part de plus en

plus importante de mon activité. Ils impliquent de ma part un entreînement á la

néurophisiologie opératoire que j’acquis au cours d’une pratique journalière sur le

Chat, le Lapin, plus le Singe; ils necessitairent aussi des nombreuses mises au point

techniques d’ordre életrophysiologique, parmi lesquelles il convient de faire ressortir

pour la premiére fois au cortex cerebral (avec P. BUSER) et aux cortex cérébelleux de

la prospection intra-cellulaire à láide de micro-electrodes ultra-fines.” (Fessard,

Curriculum Vitae, s.d.)

A parte eletrofisiológica das pesquisas sobre o peixe elétrico,realizada tanto no Brasil quanto na França, na qual a colaboraçãocom Chagas havia sido decisiva, obteve o reconhecimento de suaprecedência a nível internacional e encerrou-se em 1956. Teveinicio então o interesse de Mme. Fessard sobre os mamíferos o queprovocará, também, o afastamento de Carlos Eduardo dos estudossobre o poraquê e despertará o interesse de Eduardo em integrarseu laboratório.

As atividades cerebrais são classificadas em duas grandescategorias: as atividades “provocadas” pelas mensagens aferentese as atividades ditas “expontâneas”, porque sua origem não éclaramente explicada pelas mensagens aferentes. O interesse naexplicação desse fenômeno fez com que Mme. Fessard estudasse, aolongo de suas sucessivas estadas no Brasil (1950, 1953,1954,1956, 1957, 1958 e 1959), em colaboração com Carlos Eduardo eEduardo, as atividades celulares evocadas nos corpos estriados nogato e o córtex dos macacos rhesus.

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Analisando a trajetória de Mme. Fessard é possível identificarsucessivos deslocamentos. De engenheira-física torna-seneurofisiologista adquirindo os atributos necessários a seu plenoreconhecimento entre os pares, seja através de um treinamentoformal, seja através da prática sistemática de pesquisa no campoda biologia. As posições que irá ocupar no decorrer de sua vidasão demonstrações claras desse fato.

Seu interesse pelos mamíferos e sua formação como engenheira etécnica em eletrônica e sua influência sobre Eduardo e CarlosEduardo afastaram-nos, como visto, dos estudos sobre o peixeelétrico o elemento que produzia a “marca” da instituição.Entretanto o novo modelo por eles escolhido foi o gambá (Didelphismarsupialis aurita), ainda um modelo brasileiro.

Nesse caso , a referência ao fato de ser um animal brasileiro nãoé explícita, como fora no caso da opção de Chagas pelo poraquê. Aopção se fez “naturalmente”, pelas facilidades que apresenta paraa pesquisa na área, e pelo fato de ser uma cobaia de fácilobtenção. Mas essa interpretação, como se verá adiante nodepoimento de Lent, não reflete uma exigência metodológica ecertamente deriva da “tradição” inventada por Chagas daimportância de um modelo nacional.

Sob influência de Fessard, Carlos Eduardo e Eduardo passam a tergrande interesse em novas tecnologias, na construção e manutençãode equipamentos eletrônicos e a valorizarem as atividadesartesanais envolvidas nas experiências. Esses dois fatores terãogrande influência na carreira de seus discípulos.

4.2 - CARLOS EDUARDO GUINLE DA ROCHA MIRANDA

Carlos Eduardo Rocha Miranda, sobrinho neto de Guilherme Guinle,pertence a uma das mais tradicionais famílias da elite carioca. 80

Fez seu curso ginasial no Colégio Padre Antonio Vieira,completando sua educação secundária nos Estados Unidos, para ondefoi, interno, aos 13 anos de idade, ali passando quatro anos. 81

80 Carlos Eduardo refere-se a seu grupo de status como aristocracia.

81 No colégio Carlos Eduardo era colega de Eduardo Oswaldo-Cruz. Na entrevista declarou que ao decidir fazer uma carreira científica, não lhe ocorreu consultar a família de seu amigo para uma orientação. Ex colegas de colégio eram companheiros de veraneio em Petrópolis. Sua escolha por uma carreira científica precedeu a de seu amigo e futuro

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Segundo seu depoimento, foi no high school, que teve despertado oseu gosto pela pesquisa. Na escola tinha um laboratório a suadisposição e ali começou a fazer suas primeiras experiências nocampo da biologia. Essa experiência no internato influenciou,segundo seu relato, profundamente sua visão de mundo.

Completada a educação secundária, retornou ao Brasil em 1951,quando foi para o interior de São Paulo, para cuidar das fazendasda família, atendendo às expectativas de seus pais. Essa opçãoprevia uma volta aos EUA para estudar agronomia num college doestado de Iowa. A experiência no interior de São Paulo revelou-se, entretanto, frustrante, já que não havia qualquer estímulointelectual na atividade de administração de terras, ou vidacultural nas imediações da fazenda.

Depois de aproximadamente um ano, Carlos Eduardo voltou ao Rio deJaneiro, na busca de uma carreira que correspondesse a suasaspirações com relação à pesquisa. Nesse período pensava, ainda,conciliar esse interesse e os negócios da família.

Seu desejo foi desestimulado por seus familiares. Seu pai,teatrólogo e sua mãe, que tivera uma experiência como atriz,ambos amadores, consideravam, como outros membros da família, queuma carreira científica não era adequada, e insistiam na idéia deque ele deveria dedicar-se às empresas familiares. Na visão dessesegmento da elite carioca, da primeira metade do século, apesquisa, segundo a opinião de Carlos Eduardo, poderia seradmitida como um hobby ou uma atividade exercida por diletantismo,mas jamais como uma alternativa de carreira.

Apesar das resistências familiares, durante cerca de um anoCarlos Eduardo procurou informar-se sobre as possíveis opçõespara engajar-se numa carreira científica, no Brasil, sem queobtivesse êxito. Paradoxalmente, Guilherme Guinle, a quemmanifestou o desejo de ser pesquisador, lhe fez, durante umafesta de Natal da família, uma longa preleção sobre asdificuldades da carreira científica no Brasil. Segundo CarlosEduardo , o discurso de seu tio era de nítido descrédito quanto auma possível vocação científica por parte de seu sobrinho-neto,revelando nesse episódio uma percepção clara do papel a serdesempenhado por um membro da elite no campo científico: o demecenas e não o de pesquisador.

colaborador.

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Apesar das resistências, Carlos Eduardo insistiu no seu projeto epensou em ingressar no Curso de Biologia da Faculdade Nacional deFilosofia, da Universidade do Brasil. Pouco tempo depois, aindano âmbito das suas relações familiares, aproximou-se de um médicocasado com uma tia e de um professor da Faculdade de Medicina,amigo da família que o aconselharam a seguir a carreira médica,como possível primeiro passo para a carreira científica.

Carlos Eduardo prestou vestibular e entrou para a Faculdade deMedicina em 1953, indo trabalhar, no mesmo ano, na qualidade debolsista da própria Universidade, no laboratório de Mme. Fessard,localizado no Instituto de Biofísica, onde desenvolveria toda suacarreira científica.

Em um de seus depoimentos Chagas afirma que Carlos Eduardo teriasido uma das duas únicas escolhas para o Instituto de Biofísicana qual as relações familiares teriam influído no convite paraingresso na equipe. Durante um certo período, a opção pelacarreira científica continuou a ser afetada pelo apelo paradedicar-se aos negócios, quando chegou a freqüentar o escritórioda família.

Ainda durante o curso médico e logo após sua formatura, vai duasvezes a Paris onde prossegue a suas pesquisas com Mme. Fessard,(1957-1958) juntamente com Eduardo Oswaldo Cruz. Volta aoInstituto, onde permanece até 1961 quando, após obter o título deDoutor em Medicina, foi para os Estados Unidos como cientista-visitante durante outro biênio.

De volta ao Brasil, prosseguiu seu trabalho até assumir, em 1966,a chefia de um dos laboratórios (Neurobiologia II), que haviamresultado da divisão do antigo laboratório de sua orientadora. Ooutro (Neurobiologia I) ficou a cargo de Eduardo Oswaldo Cruz.

A partir de 1968, durante mais dois anos, esteve nos EstadosUnidos, de onde retornou para desenvolver suas pesquisas noBrasil, permanecendo ativo, apesar de aposentado, no Instituto.

Durante toda sua carreira, Carlos Eduardo evitou assumir cargosadministrativos, que considerava prejudiciais a suas atividadesno laboratório, mas acedeu em participar do que chamaadministração de ciência quando julgou que ela poderia trazerbenefícios a seu laboratório. O modelo de cientista do qualprocura se aproximar, como foi dito, é o de Aristides PachecoLeão, por quem nutre grande admiração. Suas relações com Carlos

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Chagas, são descritas em vários episódios como “difíceis”. Essasdificuldades são atribuídas por ele ao fato de que sua capacidadede adaptação a novos desafios é lenta e requer grande esforço.Considera-se um “obsessivo”, fato que ora atribui a seutemperamento ora a sua educação anglo-saxã. Considera que suarecusa em exercer múltiplas atividades e uma certa“independência” com relação a Chagas tenha sido um fator deeventuais discordâncias entre ambos.

Considera Chagas um exemplo de grande administrador científico.Certa vez ao referir-se a esse fato na presença do próprioChagas, sem fazer menção a sua contribuição científica, pensandofazer um elogio, causou grande constrangimento, já que Chagas sesentiu ofendido pela observação.

Sua parceria com Eduardo Oswaldo-Cruz é considerada por CarlosEduardo um dos fatores decisivos para seu êxito na carreira. Arelação entre ambos é vista no Instituto como quase “simbiótica”,o que leva a que sejam referidos como “os Eduardos” e fossemapelidados de “Eduardos Brothers”.

Na gestão de Maurício Matos Peixoto, Carlos Eduardo aceitaparticipar da diretoria da Academia Brasileira de Ciências ondepassa a exercer sucessivos cargos de direção a partir de 1989.

O processo de seleção para o ingresso no laboratório de CarlosEduardo era, em sua opinião, rigoroso. Quando o entrevistei sobreos critérios que adotava para a seleção de seus orientandosrespondeu que a primeira pergunta que fazia a um candidato a suaorientação é “se o sujeito sabe usar as mãos”. Com isso pretende “afastar osintelectuais”. “No Brasil não se encoraja o trabalho manual”. “O trabalho manual éconsiderado servil e o trabalho intelectual, nobre”, numa clara alusão do queseriam as representações dominantes entre as elites. Por essarazão, no processo de seleção, pergunta ao candidato “se ele gosta,está disposto a trabalhar com as mãos”. A valorização da destreza e docuidado com os equipamentos é fruto, segundo ele da influência deFessard e um atributo que passa a ser valorizado entre os membrosdo grupo, como se verá no depoimento de Rafael Lindem.

A habilidade manual que aparece como uma atributo valorizado portodos os componentes do grupo, por influência de Carlos Eduardo eEduardo, o é também por Roberto Lent, que me disse: “tem gente quegosta de trabalhar com as mãos. A experimentação permite a você fazer uma micro-cirurgia, fazer preparações laboriosas, consertar aparelhos. Outros preferem a fantasia,

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coisas mais teóricas, não gostam tanto da experimentação.” (Lent, entrevista,1995)

Carlos Eduardo se considera um “homem de laboratório” e atribui àpesquisa experimental valor reverencial. Apesar do rigor naseleção de seus discípulos dedica-se com empenho às atividades deformação e é considerado um modelo de “pesquisador-docente”.

Detentor de um considerável volume de capital social edescendente de duas das mais tradicionais famílias cariocas, acarreira de Carlos Eduardo é o exemplo do que Bourdieu (1979,p.146 ) chamaria de um deslocamento horizontal e do sucesso dasestratégias de Chagas de conversão, ao campo científico, de ummembro dos mais representativos segmentos das elites cariocas.

A carreira de Carlos Eduardo é, possivelmente, o melhor exemplode que a par dos atributos derivados do capital de que dispunhaem outros campos, a conversão ao campo científico não prescindede um significativo investimento na aquisição de novos atributosque são próprios ao “mundo da ciência”.

4.3 - EDUARDO OSWALDO CRUZ

Eduardo Oswaldo Cruz nasceu no Rio de Janeiro no dia 25 deoutubro de 1933, segundo filho de Oswaldo Cruz Filho e de Luciliade Morais Veiga, filha de Raul de Morais Veiga. Seus avóspaternos são Oswaldo Cruz e D. Emília Fonseca Cruz, o primeirofilho do Dr. Bento Gonçalves Cruz e de D. Amália Taborda deBulhões. Ela filha do Comendador Fonseca, que desempenhouimportante papel na carreira de Oswaldo Cruz, dando-lhe, comopresente de casamento uma casa montada no bairro da Gávea, no Riode Janeiro, com um laboratório completo para Microbiologia, queincluía um microscópio Weiss. O comendador Fonseca foi, tambémresponsável por financiar a vigem de Oswaldo Cruz à França paraestudar no Instituto Pasteur. Do lado materno, o avô de Eduardo,Raul de Moraes Veiga, era engenheiro formado em Paris, tendoiniciado sua carreira profissional executando a urbanização deNiterói. Os Morais eram latifundiários na região de Cantagalo,Trajano de Morais, Duas Barras e adjacências e descendentes doprimeiro e segundo barões das Duas Barras, que no período doapogeu da cafeicultura do Estado do Rio chagaram a ser os maioresprodutores da província. Graças a estas relações familiares, Raulde Moraes Veiga ingressou na política tendo sido Governador doestado na presidência de Epitácio Pessoa, avô de Elizabeth Leão.

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Eduardo fez seus estudos, como Carlos Eduardo, no Colégio PadreAntonio Vieira, de propriedade do Prof. Décio Werneck, de D.Tomazda Câmara e de Carmem Proença, irmã de sua tia, Maria LuizaProença, casada com Bento, filho mais velho de Oswaldo Cruz.Carmem conhecida como Baronesa de Saavedra era casada com o Barãode Saavedra, sócio de Guilherme Guinle no Banco Boavista.

A formação no colégio se fazia com ênfase nas letras, sendo dadapouca a atenção às ciências. O colégio, nas palavras de Eduardo,era um dos melhores “clubes” do Rio de Janeiro. A juventude deEduardo é típica da que levavam os jovens das elites cariocas dametade do século. Suas tias maternas haviam se casado, com bemsucedidos empresários ou profissionais liberais e destacavam-secomo participantes da “alta sociedade” do Rio de Janeiro. Sua avópaterna, D. Emília, tinha tido seis filhos, Elisa (Liseta);Bento; Hercília; Oswaldinho; Zahra (falecida na infância) eWalter, companheiro de Chagas e pai de Isar.

Eduardo guarda muitas recordações da casa de sua avó onde afigura de Oswaldo Cruz era zelosamente preservada.

Diz Eduardo sobre o inicio de seu interesse pela ciência:

“Eu fui criado vivendo ciência então, todo mundo queria ser médico, coisa clássica.

Mas o fato é que eu em realidade entrei na Faculdade de Medicina sem jamais pensar

em fazer ciência. Eu entrei na Faculdade mais impressionado por uma figura, por

quem eu tinha grande admiração, que era o meu tio. Um tio, casado com a irmã

gêmea de minha mãe, que era a pessoa que eu mais admirava: Jorge de Moraes Grey,

Catedrático de Clínica Propedêutica Cirúrgica. [...] Então, eu tive essa ligação com a

Medicina muito mais por causa do meu tio, que era o meu guru. E ele dizia: - Bom,

você vai fazer Medicina, você vem trabalhar comigo, você vai ser cirurgião.. E eu tinha

um programa preestabelecido totalmente diferente. Eu ingressaria na Faculdade de

Medicina e nas primeiras férias eu seria mandado para Londres trabalhar com o

Thompson. [...]. Meu pai, trabalhava em Manguinhos [...] eu me lembro de papai

deixar tudo arrumadinho, e ele nos despertando a curiosidade. Deixava o leite

fermentar, preparava a lamina e então mostrava dizendo que bichinhos vinham da

fermentação do leite. Fui realmente, criado dentro de um ambiente científico com um

microscópio desde os seis anos idade. Porém, quando ingressei na Faculdade não

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pensava em absolutamente nada relacionado a Ciência. Meu pai nunca me

pressionou para entrar em Manguinhos...”(Oswaldo Cruz, entrevista,

1995)

O projeto de Eduardo, inspirado pela figura de Grey, médico efreqüentador da “alta sociedade”, as relações dos Oswaldo-Cruzcom os Proença e com os Veiga, mostra que no Rio, ainda na metadedo século, o “mundo da ciência” continuava a ter, com os camposdo poder político e econômico, várias áreas de interseção.

Depois de uma preparação intensiva para o vestibular, Eduardoingressa para a Faculdade e é convidado por Bruno Alípio Lobopara uma estágio na cadeira de Histologia, ali encontrando oambiente descrito por Maury Miranda em sua entrevista. Mais tardepassa a trabalhar na cadeira de Fisiologia, de Thales Martins,companheiro de seu pai em rodadas de pôquer e freqüentador de suacasa.

Eduardo relata essa experiência:

“A figura do Thales era uma figura, eu não vou dizer controvertida. Não havia muita

controvérsia possível, era muito marcado, tinha suas idéias próprias, mas,

certamente, era o pior exemplo de um formador de pesquisadores. Thales havia

ingressado recentemente na faculdade, na cátedra de Fisiologia, com o apoio total e

irrestrito do Chagas e isto ele merecia... Bom, mas o Thales era uma figura

extremamente difícil, como homem. Era um indivíduo absolutamente irascível, se

considerava superior a todo mundo. Era um indivíduo que criticava abertamente o

Chagas, o homem que lhe deu apoio. E ele se considerava muito acima de qualquer

outro indivíduo envolvido em Ciências Biológicas no país.” (Oswaldo Cruz,

entrevista, 1995)

A menção ao comportamento de Thales Martins, à Fisiologia e aoauxílio de Chagas demonstram que naquele momento, 1953, odesenvolvimento da cátedra de Fisiologia não mais representavaqualquer ameaça ao Instituto. Como diz Eduardo, tanto oLaboratório de Thales quanto sua cátedra, permaneciam funcionandosegundo os “velhos padrões”.

Num outro depoimento Eduardo revela a importância do nome defamília como elemento de distinção no campo:

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“Minha função específica, como monitor, era preparar as aulas práticas. Durante

uma parte do ano eu auxiliei Mário Vianna Dias, grande figura.[...] ...durante o

expediente normal ajudava o Dr. Arnoldo Flávio Rocha e Silva,[...] no preparo das

demonstrações para os estudantes. Eu, calouro, primeiro ano, preparava

demonstrações para os alunos do segundo ano na sala de fisiologia. E comecei a

fazer as minhas primeiras tentativas de fazer alguma outra coisa, do que

simplesmente levar os animais para o Thales, trocar de uma gaiola para outra.”

“O Thales tinha mais dois ou três pobres coitados, que eram tratados de serventes

para baixo. Eu, até Paulo, eu me sentia assim numa situação altamente

constrangedora porque eu não era um monitorzinho. Eu era o filho do Oswaldinho

e o tratamento que eu tinha era um negócio que me deixava altamente

constrangido. Depois, o Thales me chamava pra sala dele, onde era muito

agradável. Um homem extremamente culto, onde não mantinha uma conversação,

ele tinha um monólogo - que se estendia pela tarde inteira.....” (Oswaldo Cruz,

entrevista, 1995, grifos meus)

Apesar de seu interesse em uma carreira profissional na medicina,a “tradição” de sua família na área de pesquisa, faz com queEduardo não se satisfaça com a orientação de Thales Martins:

“O Thales era basicamente um endocrinologista, então, os cânones dele, eram

sempre endocrinológicos. E eu pressionando o Thales que eu gostaria de ter alguma

coisa em meu encargo, alguma coisa que eu fizesse, não apenas ficar acompanhando

aquelas coisas. Então, achei que ele estaria interessado na glândula pineal. E ele

colocou como sugestão para levantar uma bibliografia da pineal.” (Oswaldo

Cruz, entrevista, 1995)

Com as facilidades de acesso a Manguinhos, onde seu pai eraDiretor, e à biblioteca do Instituto Oswaldo Cruz, Eduardo obtevequatrocentas e cinqüenta referências sobre a glândula pineal.Decidiu então propor a Thales Martins uma nova pesquisa. Duranteuma estada na fazenda onde ia freqüentemente estudar, aodistrair-se caçando lagartixas, constatou que o animal tinha noalto da cabeça uma escama transparente. Fazendo uma simples

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incisão ali percebeu que a essa escama correspondia uma aberturano osso e que nesta havia uma estrutura. Segundo Eduardo, abibliografia sobre a anatomia de insetos e répteis era muitoampla. Tendo se dedicado ao problema inferiu que o que“descobrira” poderia ser um vestígio de um órgão rudimentar doque teria sido o “terceiro olho” , encontrado em fósseis. Partiuentão da hipótese de que este poderia ser um órgão que, ao serativado, geraria uma atividade elétrica, como aquela observada emtodos os outros órgãos sensoriais.

Eduardo já tinha feito o curso de biofísica e pensou em registrara atividade elétrica do órgão da lagartixa. Descobriu na sucatado laboratório de fisiologia um eletroencefalógrafo, que era naépoca um moderno equipamento e passou a fazer as primeirastentativas de registrar respostas. Mais tarde, procurandomelhorar a experiência, ocorreu-lhe a idéia de usar umosciloscópio para sincronizar a estimulação ótica.

“Um dia, então, tomei coragem e fui falar com os cidadãos do outro lado do corredor.

que eram o Hiss e o Aristides que eu via lá dentro, trabalhando com um encefalógrafo

exatamente igual. Evidentemente na fisiologia não tinha manual, não tinha ninguém

que tivesse a mais vaga noção como é que aquilo funcionava. Então, o jeito, tomei

coragem e fui falar, com o Dr. Hiss... E, realmente, minha primeira ponte com a

biofísica foi esta conversa com o Hiss, foi a primeira pessoa que realmente me deu

apoio.” (Oswaldo Cruz, entrevista, 1995)

Eduardo encerrava seu expediente como monitor da fisiologia àstrês e meia da tarde e às quatro ia para o laboratório de CarlosEduardo que estava há um ano trabalhando com Madame Fessard. DizEduardo:

“Eu e Carlos Eduardo, passamos a ter um convívio maior quando ele voltou dos

Estados Unidos. Ele havia sido deportado para fazer o seu high school num

colégio católico nos Estados Unidos e ele voltava ao Brasil de férias...Passei então a

freqüentar o laboratório de Carlos Eduardo para continuar a experiência e via

Madame Fessard, trabalhando com peixe-elétrico (que Eduardo considerava

um animal difícil de manipular). Alguns meses depois Carlos Eduardo me

comunica que Madame Fessard voltaria para trabalhar em mamíferos, interessada

162

num outro problema: o sistema nervoso central de mamíferos”. (Oswaldo Cruz,

entrevista, 1995)

Eduardo relata o momento de sua conversão definitiva à pesquisa:

“É isto. Isto é o ideal da minha vida. Aí fui falar com o Thales que, no momento da

chegada de Madame Fessard para o doutorado do Carlos Eduardo, teria uma

oportunidade única, de aprender o uso da Eletrofisiologia. E, simplesmente, ouvi

novamente aquela mesma história, da inutilidade da anatomia, [...] do registro de

coisas que não tem nada a ver com o funcionamento do sistema nervoso. E, eu,

nessas alturas, disse: - Professor, o senhor não me leve a mal, mas a partir deste

momento eu não mais freqüentarei o laboratório de Fisiologia. E mudei meus parcos

pertences para a sala de Carlos Eduardo. A chegada de Madame Fessard, para mim

foi realmente uma injeção de ânimo. Eu, pela primeira vez, estava ali, fazendo uma

coisa com que eu estava assim absolutamente satisfeito. E, evidentemente, o

laboratório não era preparado para fisiologia [...].Não existia nada. Existia o

laboratório, a área física que nós ocupávamos, era a área que pertencia ao Chagas

quando eles fez as primeiras experiências com o peixe elétrico. Era uma pequena sala

ao lado do escritório do Chagas. (Oswaldo Cruz, entrevista, 1995)

Embora em todas as suas entrevistas Eduardo mencione a figura deAristides, sua admiração por Chagas e por seu papel de formadorde pesquisadores é recorrente.

“Nesse meu período de transição, meus últimos estertores na fisiologia, houve

episódios que eu acho que merecem registro. Eu lembro uma das minhas idas à

Biofísica eu encontro o Chagas sentado numa mesa dando aulas de matemática para

o Carlos Eduardo. Então, o Chagas, que é uma figura fascinante, está dando aula a

ele, ele, dando aula porque tem um interesse. E o Chagas, eu te confesso que até me

emociona, você sabe que, o Chagas, o desprendimento do Chagas, o interesse que ele

tinha. Você imagina um sujeito era professor catedrático, chefe de laboratório, chefe

de projeto está dando aula de matemática. Ele tinha realmente um instinto de

formação de gente, que eu nunca mais vi em ninguém como Chagas. Ele

realmente se dedicava de corpo e alma a isto. Não vá dizer que era uma coisa que

163

fizesse com Carlos Eduardo. Todos eram tratados da mesma forma e a única coisa

que talvez possa falar de Chagas era que ele nos empurrava para frente. Nós fizemos

muita coisa.” (Oswaldo Cruz, entrevista, 1995, grifos meus)

Fizeram parte desse primeiro núcleo, além de Mme. Fessard e dosEduardos, Antonio Paes de Carvalho e Gustavo de Oliveira Castro,que viria a chefiar o Laboratório de Neurobiologia III.

A carreira de Eduardo prossegue no Instituto, com brevesinterrupções para estágios no exterior e para a formação de umgrupo de pesquisas em Brasília. Na década de 80, no entantodecide ir para a Inglaterra chefiar a Casa do brasil em Londres,que era mantida por uma fundação criada por Celso da RochaMiranda, primo de Carlos Eduardo.

É importante ressaltar que embora neto de Oswaldo-Cruz, suaconversão se faz através de seus contatos no Instituto, já quesua primeira opção de carreira havia sido influenciada pelafigura de Grey e que suas aspirações estavam, até seu contato como Laboratório de Biofísica, voltadas para o sucesso profissional.

4.4 - ROBERTO LENT

Um dos orientados de Carlos Eduardo, Roberto Lent tem origem etrajetória diversas da dos outros pesquisadores. Nascido no Riode Janeiro, em 1948, filho de Herman Lent, Roberto teve odespertar de sua “vocação científica” e o início de sua carreirarealizados de forma oposta à de seu orientador. Escreveu ele emseu memorial:

“Não tenho memória clara de algum momento em que a ciência tenha entrado em

minha vida. Acho que nasci exposto a ela”.....”Avaliando retrospectivamente, parece-

me ter estado sempre em contato com pesquisadores e com a ciência, através de meu

pai e de seu esforço explícito em conquistar meu interesse”.(Lent, Memorial,

1992, p.4)

A formação básica desse pesquisador se fez em duas escolaspúblicas do Rio de Janeiro, sendo a segunda o Colégio Pedro II,onde seu pai era professor. Nesse estabelecimento, durante osprimeiros anos da década de sessenta, seu interesse foi

164

despertado para a política. Aos anos de colégio, Lent atribui osurgimento de duas outras vocações, o jornalismo e a política:

“Fiquei embananado, queria ir para Brasília fazer cinema e medicina, mas, com a

crise da UnB, venceu a influência do meu pai em prol das ciências naturais e em

detrimento das ciências sociais”. (Lent, Entrevista, 1995)

Da mesma forma que seu orientador, sua primeira opção foi a deentrar para a Faculdade Nacional de Filosofia mas:

“Atraído pelo ambiente científico em que vivia, decidi tentar o vestibular para

Medicina, já certo de que não seria médico praticante, mas talvez um pesquisador

em Biologia Molecular.”.... “Os anos na Faculdade de Medicina, entre 1967 e 1972,

foram determinantes para definir minha trajetória. Adolescente tardio, vivi um

conflito enorme entre a ciência, a literatura e a política, que resolvi apenas

parcialmente, e que, até hoje me aparece ocasionalmente” (Lent, Memorial,

1992, p.7, grifos meus)

A primeira etapa de sua formação científica, teve início nacadeira de Bioquímica para a qual foi escolhido monitor, sendonessa área “um total fracasso”. Iniciou, então, seu estágio deiniciação científica no Instituto onde desenvolveria grande partede sua carreira.

O grupo de monitores ao qual se vinculou, era dirigido por IsarOswaldo-Cruz e coordenado por Antonio Paes de Carvalho, cujasidéias sobre a formação de cientistas eram muito rígidas.

Diz Lent que Paes de Carvalho, ao entrevistá-lo para um estágioem seu laboratório, ..”declarou-me com franqueza acachapante: ‘Ciência só sefaz em tempo integral e dedicação exclusiva. Ou se faz ciência ou se faz política’. E nãome aceitou no laboratório.” (idem, p.8) Foi então “capturado” (convidadoa trabalhar) no laboratório de Eduardo. Para Roberto Lent, o fatode ser filho de um pesquisador conhecido, foi determinante na suaseleção por Eduardo, ao lado do fato de ser um bom aluno.

Segundo Lent, Eduardo Oswaldo-Cruz, chefe do laboratórioacreditava em algum tipo de “influência genética” no surgimentode uma aptidão para a pesquisa. Entre 1968 e 1970, Lentparticipou do grupo de Eduardo. Sua avaliação do período é aseguinte:

165

“Aprendi as primeiras técnicas...e realizei minha primeira apresentação oral em

congresso, mas não avaliei de modo positivo essa fase e comecei a considerar

seriamente abandonar o laboratório”....” Meu interesse pela ciência foi resgatado por

Carlos Eduardo Rocha Miranda, que voltava de prolongado estágio na Universidade

de Harvard. Carlos Eduardo me propôs um projeto neuranatômico de investigação

dos circuitos retinofugais no gambá. Começou aí minha carreira de neuranatomista”.

(idem, ibidem, p.12)

Segundo Roberto Lent, Carlos Eduardo havia trazido dos EUA umanova técnica, que aprendera com o próprio autor da descoberta,que se dispôs a passar a ele. Ambos começaram a desenvolver oprojeto que se tornaria sua tese de mestrado e que resultou emdois artigos, publicados em revistas internacionais. Estimuladopor Carlos Eduardo, escreveu, ele próprio, seu primeiro artigo eminglês. Segundo ele “Meu inglês e minha auto-estima foram ambos arrasadospelo “referee”... “Era minha primeira exposição ao sistema de revisão de pares o‘controle de qualidade’ da produção científica internacional. O artigo foi finalmenteaceito e publicado”.(Lent, Memorial, 1992, p.13)

A tese de mestrado de Roberto Lent foi defendida em 1973, mesesdepois do encerramento dos cursos, graças ao fato de ter podidorealizar um trabalho original sob orientação de Rocha Miranda,ainda durante a iniciação científica. Segundo ele:

“Em compensação, a tese de doutorado tomou-me quase cinco anos. Durante esse

período como aluno, formei várias da convicções que hoje pautam minhas atividades

como professor-orientador.” (Lent, Memorial, 1992,p.30)

A carreira de Lent, depois de um estágio de pós-doutoramento nosEUA, entre 1978/1980, prossegue por cerca de 8 anos nolaboratório de Carlos Eduardo, onde se processam sucessivasrupturas teórico-metodológicas com o objeto e os métodos por eleadotados.

A mais ilustrativa é a que ele denominou “rompimento com o gambá”descrevendo assim o processo:

“A conclusão de minha tese de doutoramento marcou meu rompimento com o

modelo do gambá. A avaliação crítica dos trabalhos de grupo, mesmo aqueles

voltados para o desenvolvimento e a plasticidade, não me indicava que pudesse

166

realizar no gambá nada que fosse impossível realizar em outros animais,

roedores, por exemplo. Na realidade, para ser mais crítico, verifique que todos nossos

trabalhos possuíam correlatos realizados em hamsters, ratos ou camundongos. Essa

opinião era compartilhada por Rafael Linden, que depois reorientou seu trabalho

para o rato, mas não por Leny Cavalcante e por Carlos Eduardo Rocha Miranda, que

permaneceram fiéis ao gambá” ( idem p.16, grifos meus)

A carreira de Lent culmina com o concurso para professor titulare a implantação de seu próprio laboratório.

A história de Lent é influenciada também por suas posturaspolíticas, sendo entre os pesquisadores do grupo o único que seaproxima do modelo de cientista-cidadão. Sua percepção sobre opapel do pesquisador é no entanto marcada pela tentativa desuperação da oposição entre administração e pesquisa, uma tensãoque aparece nas carreiras dos três representantes da terceirageração. Diz Lent:

“A conseqüência benéfica do conflito entre a ciência e a política que tive no início de

minha carreira, foi ter aprendido a dosar o quanto de administração universitária e

política científica seria admissível a mim mesmo. .....Fernando (Garcia de Mello)

e eu concluímos que o caminho da administração e da política não tinha volta

para o pesquisador ativo. Muito rapidamente ele se desconectava da literatura de

seu campo e da evolução das técnicas, “perdendo a mão” do trabalho cotidiano dos

experimentos. Ficava impossível retornar. Por outro lado a alienação completa não

nos parecia aceitável eticamente, e seria mesmo improdutiva para um pesquisador

trabalhando em meio às adversidade de nosso país. Era necessário encontrar um

ponto de equilíbrio que não sacrificasse o desenvolvimento de nossas carreiras.

Creio que encontrei esse ponto. Tenho tido sempre uma participação ativa em

administração universitária e política científica, mas em um grau moderado que

acredito não impões sacrifício exagerado a meus orientandos e a meu trabalho

científico” (Lent, Memorial, 1992,p.33, grifos meus)

O processo que aparece em sua carreira é de uma série de“reconversões” ao campo científico do capital adquirido em outrasesferas da vida social. Alguns episódios de sua vida como o

167

momento em que tem recusada uma bolsa de doutoramento concedidapelo governo brasileiro, sendo ajudado por Aristides Pacheco Leãona obtenção de uma bolsa oferecida por uma organizaçãointernacional, revela, mais uma vez, como no caso de EduardoOswaldo Cruz, a importância da teia de relações que se produzementre os que detém um capital, derivado do nome, no campocientífico.

4.5 - RAFAEL LINDEN

Rafael Linden nasceu no Rio de Janeiro, em 1951, filho deimigrantes judeus poloneses que se conheceram no Brasil, sendocriado “à base da valorização da educação e do trabalho, aprendendo que a honraestá em se andar com as próprias pernas”. Sua educação básica se fez numaescola particular e a secundária no mesmo colégio em que estudouRoberto Lent. O ambiente familiar, descrito em seu memorial,assemelha-se à de um outro pesquisador de origem judaica, por mimentrevistado, no qual o apreço à música, a literatura e as artessão vistos como parte fundamental do cotidiano. O ingresso nacarreira científica é assim descrito:

“Por mais objetiva que pareça a olhos desatentos, uma carreira científica orienta-se

em função tanto de decisões calculadas quanto de emoções e julgamentos subjetivos.

Reconstituí-la demanda um certo esforço de memória, já que muitos atos

aparentemente inocentes da juventude terão conseqüências para as escolhas

profissionais. As opções nem sempre se apresentam claramente aos olhos do jovem,

por carência de informação ou pelo imperativo de experimentar intensamente antes

de uma decisão madura.”

“Minha opção pela Ciência foi produto da experimentação e se fez, ainda que

relativamente cedo, contrariando uma decisão juvenil aparentemente sólida.”

(Linden Memorial, 1994, p.2, grifos meus)

Essa decisão contrariada era a de seguir a carreira médica e umaespecialização em Cardiologia. Como Eduardo e diversamente deCarlos Eduardo e Roberto Lent, para os quais o ingresso naFaculdade de Medicina foi apenas uma etapa em suas carreiras depesquisador, para Rafael Linden, “ A Medicina para mim, àquela época, nãoparecia ter ligações com a Ciência...” (idem p.7)

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Aqui é possível traçar um paralelo entre a experiência dessescinco pesquisadores e a do grupo de fisiologistas descritos porBecker e Carper (1977), para os quais a carreira médica aparececomo primeira opção para a maioria dos entrevistados. Entre osmembros desse grupo, se reproduz a mesma situação verificada nosEUA, nos casos de Rafael Linden e Ricardo Gattass. Nos casos deCarlos Eduardo e Roberto Lent a decisão pela carreira científicafoi o resultado de uma exposição mais precoce ao “mundo daciência”, o primeiro nos EUA e o segundo por influênciasfamiliares, enquanto para os dois últimos a opção é mais tardia.No caso de Eduardo Oswaldo Cruz embora a influência familiarestivesse presente, a conversão se fez, como foi visto porinfluência de seu contato com Mme. Fessard.

As representações sobre o prestígio associado à carreira médica eo processo de formação dos médicos nos EUA, amplamente exploradosna literatura sociológica americana, encontram aqui um paralelono Brasil, embora os processos sejam distintos. No grupo estudadoo processo de identificação com a carreira, da forma descrita porBecker e Carper (1977), que passa pela valorização do título,pelo comprometimento ou engajamento com as tarefas típicas daprofissão, com a identificação com um tipo específico deorganização e com uma posição social associados a essa carreirafoi convertido, através das invenções de Chagas, da práticamédica para o campo científico.

Essas invenções permitiram que a carreira científica sejaprogressivamente mais valorizada do que a carreira profissionalno decorrer da trajetória desses pesquisadores.

Roberto Lent é explicito com relação a esse ponto e considera queuma das motivações para a escolha de sua carreira está ligada aofato de considerar, como adolescente. “a carreira científica como uma coisaintelectualmente sofisticada, desvalorizada comparativamente com coisas como aMedicina, que eu considerava mais executiva, com menos élan..” (Lent,entrevista, 1995)

A escolha de Rafael Linden é determinada, segundo seu depoimento,quando:

“Em meados de 1970, abriram-se inscrições para a monitoria de Biofísica e Fisiologia.

Ciente da importância de uma sólida formação em bases fisiológicas para a prática

da Clínica Médica, inscrevi-me com o objetivo de usar a monitoria como forma de

aprofundar o estudo da Fisiologia.” (Linden, Memorial, 1994,p.7)

169

Essa opção se faz a partir de uma certa decepção com os anosbásicos do curso médico, período no qual o desenvolve uma certamilitância política, mas de forma não tão engajada como ocorreracom Roberto Lent. Ele vê a atividade política como algo que não ointeressava realmente e esse período como uma “perda de tempo”,opinião também compartilhada por Ricardo Gattass que, preso em1968, afirma sua aversão á política partidária e nefasta suainfluência na Universidade (Gattass, Memorial, 1993,p.15)

A monitoria ainda era coordenada por Isar Oswaldo-Cruz. A ela éatribuído o papel de ter atraído Rafael Linden para a pesquisa namedida em que promovia formas heterodoxas de treinamento, atravésda promoção do contato dos estagiários com os pesquisadores doInstituto, como a promoção de um curso ministrado por AristidesPacheco Leão e os encontros entre Chagas e os monitores o que oleva a afirmar: “Descobrimos cientistas na universidade, e percebemos o valor deaprender com quem produz conhecimento, em lugar de apenas transmiti-lo.”,comprovando que a invenção do “pesquisador docente” estavadefinitivamente consagrada. (Linden, Memorial, 1994,p.9)

Pouco depois Linden, por influência de Isar, ingressa nolaboratório de Carlos Eduardo, onde com a colaboração de umtécnico, supera uma daquelas que considera sua maior deficiência:

“Eu tinha bom desempenho intelectual, mas era um desastre ambulante no que sereferia a habilidades manuais. Isar me apresentara ao Seu Raimundo com arecomendação expressa de que ele cuidasse atentamente das minhas mãos....”(Linden, Memorial, 1994,p.9)

Sua conversão à carreira científica se dá no momento em quetrabalhando com Carlos Eduardo: “Queria apenas experimentar o ambiente depesquisa. Foi o fim de minha paixão pela Cardiologia.” (idem, p.10)

Em 1977 é contratado como auxiliar de ensino e em 1980 prestaconcurso para professor assistente, tirando nota 10 em todas asmatérias. Afirma então:

“Carlos Eduardo Rocha Miranda produzira mais um cientista [...] encontrei em Carlos

Eduardo um exemplo como cientista e como ser humano. Sua dedicação à formação

de pesquisadores e seu caráter despojado sempre se traduziram em oferecer, desde o

primeiro momento, amplas oportunidades para que jovens estudantes se tornassem

cientistas independentes, ao mesmo tempo que paradoxalmente se esmerava por

ajudá-los sempre que solicitado em todas as dificuldades. Muitas vezes declinou de

170

expor seus próprios achados como pesquisador, e sacrificou partes de sua

própria linha de pesquisa para oferecer a seus estudantes oportunidades de

projeção e reconhecimento pelos pares. Tive a felicidade de tê-lo como orientador,

sem o que provavelmente não me teria desviado da rota traçada na juventude e para

abraçar a carreira científica” (Linden, Memorial, 1994,p.25, grifos

meus)

Depois de um estágio em Oxford, Linden volta ao Brasil com planosde realizar seus projetos sem depender de colaborações doexterior. Segundo ele, convicto da possibilidade de realizar noBrasil a “ciência nacional de padrão internacional” preconizadapor Chagas.

“Esta decisão terá provavelmente reduzido a competitividade e o impacto do trabalho

que fiz no país nos últimos 10 anos, mas creio que contribui para, a longo prazo,

consolidar a noção de que é possível no Brasil realizar pesquisa básica

autóctone de boa qualidade em áreas de interesse universal” (Linden,

Memorial, 1994,p.25, grifos meus)

Mais uma das invenções passara, portanto, a incorporar o discursodos pesquisadores do Instituto como um “fato natural”.

4.6 - RICARDO GATTASS

Ricardo Gattass nasceu “por acaso”, no Rio de Janeiro, em 1948.Filho de um eminente médico de Corumbá, uma cidade de expansão dafronteira agropecuária, onde imigrantes de origem sírio-libanesa,dedicados ao comércio e serviço lideravam a elite urbana local.Sua mãe era uma artista plástica, pintora e escultora e seu paium “pioneiro” na introdução de novos métodos diagnósticos na suacidade natal, para onde levara o primeiro aparelho de Raio X dacidade. Diz ele:

“Pelo que posso lembrar, foi na explicação deste método diagnóstico que tive a

primeira aula do método científico. A observação do trabalho artístico de minha mãe,

com a multiplicidade de técnicas que ela utilizava em suas obras, foi a primeira aula

de conduta sistemática em busca da perfeição. Acho que foi de minha mãe que herdei

171

o gosto pela ciência arte e minha ojeriza à ciência número (“numerologia” da

Ciência).

Outra influência marcante de minha juventude foi a convivência com um artista

espanhol..... Com o Sr Bugos e seu filho Pepito, aprendi a ser criativo e improvisar

para resolver problemas da vida quotidiana. Nesse exercício de criatividade fizemos

um barco de 21 pés, moldes de gesso e muitas engenhocas mecânicas e elétricas”

(Gattass, Memorial, 1993, p.9)

O ingresso de Ricardo Gattass na carreira científica temcaracterísticas semelhantes às de Roberto Lent e Rafael Linden:participa do mesmo grupo de monitores recebe o mesmo tipo deinfluências que o levam a optar pela carreira científica. A únicadiferença com relação a Roberto Lent e Rafael Linden reside nofato de que teve um outro orientador, Eduardo Oswaldo Cruz.

Segundo Gattass:

“Ao ingressar na Faculdade Nacional de Medicina, fomos recebidos, na aula

inaugural, por Carlos Chagas Filho, então Diretor da Faculdade. Em sua breve

locução, ele falou do conceito acadêmico moderno (na época) que vincula a pesquisa

ao ensino como única forma de manter a qualidade dos cursos de Medicina . A

pesquisa foi apresentada para mim, não com sua função de expandir os limites

do conhecimento, mas como única opção para a formação docente. A ênfase era

a de saber os métodos e conhecer suas limitações para poder interpretar os

resultados obtidos, presentes sob a forma de dogma em livros-texto, veículos do

conhecimento médico. Com o pouco contato que tive com o Dr. Chagas, aprendi que

era mais importante saber o que não sabemos, do que o conhecimento em si.”

(Gattass, Memorial, 1993, p.10, grifos meus)

No decorrer de sua carreira Gattass adere ao modelo depesquisador representado por Pacheco Leão:

“Na época, os meus modelos de cientista eram Mestre Eduardo, Dr. Aristides Azevedo

Pacheco Leão, Carlos Eduardo, Antonio Paes de Carvalho e Gustavo de Oliveira

Castro..” (Gattass, Memorial, 1993, p.10)

172

Esse modelo parte da valorização do trabalho manual e dadisciplina, aos quais Carlos Eduardo associou a necessidade doque chamou de “uma grande humildade”. afirmando que sempre buscouafastar dos candidatos a idéia de que “o seu trabalho vai ajudá-lo aentender a mente”..,

O que Gattass associa no discurso de Chagas ao “não saber”,deriva do reconhecimento de que o critério de verdade estáintimamente vinculado ao resultado do experimento, ao qual deverender-se o pesquisador e à “humildade”, que aparece comoatributo valorizado por Carlos Eduardo. Nesse sentido, poder-se-ia fazer uma analogia entre a primeira experiência de exposiçãodos resultados de um trabalho ao julgamento dos pares, como omomento em que se confirma a conversão à ciência. Esse idéia,como vimos, ficou evidenciada em depoimento, já citado, deRoberto Lent, sobre seu primeiro trabalho submetido parapublicação. Sobre o mesmo tema afirma Rafael Linden, em 1979.

”Pela primeira vez meu trabalho, apresentado como parte das atividades do Curso

{um curso no exterior} enfrentou o crivo internacional. Conscientizei-me de uma certa

condescendência do nosso ambiente científico no Brasil que em geral prefere o elogio

descomprometido em detrimento da crítica permanente”. (Linden, Memorial,

1994, p.22)

Ricardo Gattass, por sua vez, lembra sua exposição à comunidadecomo resultado da participação em um trabalho com Eduardo.Escreve ele:

“A companhia agradável de meus colaboradores e o rigor científico do Mestre

Eduardo, foram fatores importantes para o desenvolvimento da paixão pela busca

sistemática do conhecimento. No preparo das figuras desse trabalho, aprendi a

perseguir a perfeição e o trabalho completo. Uma vez, tentando terminar uma das

figuras rapidamente, fui convencido por Eduardo a começá-la novamente, usando

outro método o que resultaria provavelmente num aumento de precisão de 2-3%.

Eduardo nos ensinou que , para a comunidade científica (internacional) , somos

um reflexo de nossas publicações, e comumente a qualidade de nosso trabalho e

de nossa reputação científica não é desvinculada da qualidade e nossas

ilustrações.” (Gattass, Memorial, 1993, p.10)

173

Na carreira científica como demonstram os depoimentos atribui-segrande importância à publicação e à apresentação dos trabalhos.Esses dois elementos são parte fundamental do que Goffman chamoude “retórica do treinamento”, que funciona para “alimentar a impressãode que o profissional licenciado é alguém que foi reconstituído pela experiência daaprendizagem e acha-se agora colocado à parte dos outros homens” (Goffman,1985,p.50)

A trajetória de Carlos Eduardo, aparece no discurso de seusdiscípulos, paradigmática da total rendição à vocação para aciência experimental e para a vida laboratorial. Nesse sentido ogrande exemplo seria a figura de Aristides Pacheco Leão.

Rafael Linden tem uma percepção, que julga “herdada” de RochaMiranda: a ojeriza a cargos administrativos. Mas afirma, na linhado depoimento de Lent :

“Assim como ele, acho que com o tempo vai se tornando imperiosa a necessidade de

atuar na área da política científica e administração institucional. À medida que vai se

consolidando a estrutura do laboratório e do grupo de pesquisa vai também se

tornando possível contribuir naquelas tarefas sem prejuízo da qualidade da

produção científica, que é o principal objetivo e justificativa da carreira acadêmica

que abracei.” (Linden, Memorial, 1994, p.22)

Ricardo Gattass, como os dois outros pesquisadores expressapreocupação com relação à participação na administraçãocientífica. Procura superar o conflito descrevendo sua opçãoatravés do exemplo de Carlos Eduardo. Para ele:

“A influência de Eduardo é maior do que a de Carlos Eduardo para minha formação

científica; no entanto o modelo de Carlos Eduardo é que tenho seguido em minha

vida acadêmica. Como Carlos Eduardo, tenho tido um programa científico claro

[...].Nem sempre faço o que gostaria de fazer; faço o que pode ser feito na realidade

da ciência brasileira.” (Gattass, Memorial, 1993, p.51)

Além da identificação como o projeto científico de CarlosEduardo, Gattass afirma que sua participação na administraçãocientífica se fez, desde 1974 “seguindo os passos de Carlos Eduardo emdiversos cargos na Universidade” e em entidades científicas.

174

Os memoriais e entrevistas revelam, apesar das diferentes visõesda carreira, uma imagem idealizada de Rocha Miranda, em que ser“cientista” é ser um pesquisador para quem o “mundo” é o “mundoda ciência”. Essa imagem aparece como um modelo de absolutacoerência entre o “papel” e sua “representação”. Apesar de umalto grau de comprometimento com o “mundo da ciência”, reveladonos depoimentos, permanece uma certa tensão entre a identidadederivada desse mundo e em outras esferas da vida social.

Diz, Roberto Lent, presa de constante tensão entre a vocaçãopolítica e a vocação científica, antagônicas:

“Lentamente, entretanto, fui solidificando minha convicção de que a atuação política,

a negação do trabalho alienado, o compromisso de participação nas grandes causas

da minha geração, deveriam ser ingredientes constantes, mas de segundo plano na

minha carreira. Até hoje, não consigo dedicar-me de olhos fechados ao trabalho no

laboratório. Há sempre um forte magnetismo a me obrigar a refletir - e a manifestar-

me de acordo - sobre os determinantes políticos e sociais da prática científica, da vida

universitária e acadêmica. Essa “duplicidade” ficará evidente nas próximas seções

desse memorial..” ( Lent, Memorial, 1992, p.9)

Rafael Linden, por sua vez, coloca como epígrafe de seu memorialuma anedota na qual busca superar esse paradoxo. É a seguinte aanedota: “Uma mãe judia está passeando com seus dois filhos no Brooklin. -Que lindosmeninos! - admira-se uma vizinha. -Que idade eles têm? - O médico vai fazer quatro -replica a mãe, e o advogado tem dois.” Segundo ele: “Desde criança sonhava coma Medicina. As razões não estão claras, ainda que minhas origens remetam à célebreanedota citada acima...” Sua opção pela carreira científica pareceguardar uma certa nostalgia do “mundo da medicina”.

Ricardo Gattass, por sua vez, encerra seu memorial com um textoque me parece perfeito para ilustrar mais uma vez a importânciade trajetórias que são apenas na aparência unilineares e infensasa interpenetrações dos diferentes mundos. Diz ele:

“O espírito crítico, a postura analítica e a curiosidade sempre me impeliram como

cientista a propor modelos coerentes e objetivos. No entanto como homem nunca

consegui resolver algumas das minhas paixões. Ainda hoje continuo gostando tanto

de fazer pesquisa quanto de ser o médico de meus amigos e colegas do Instituto...

Além disso adoro cozinhar e me divirto ao prepara festas para comemorar o dia-a-

175

dia. O meu livro de receitas Cozinha Árabe ao Alcance de Todas é uma evidência de

uma dualidade não resolvida como Professor-Pesquisador e Médico Cozinheiro.”

(Gattass, Memorial, 1993, p.51)

176

CONCLUSÃO

A existência de uma comunidade científica no Brasil resultou,como se pode verificar ao longo do trabalho, da progressivaautonomização do seu campo científico através da incorporação dasnormas que caracterizam e dão especificidade a essa dimensão davida social nas sociedades do Ocidente, desde os primórdios daRevolução Industrial.

O espaço social onde se definiu o campo, enquanto dimensãosingular da sociedade brasileira, foi o mesmo em que se produziame reproduziam suas elites desde a primeira metade do século,detentoras do estoque de capital econômico, político e socialacumulado no País a partir de meados do século passado. A ciênciase institucionalizara no País a partir da década de 1870, quandoo conhecimento cientifico começou a ser valorizado como forma deexplicar as especificidades da nova nação. O grupo de atoresinteressados era heterogêneo e aderiu aos paradigmasevolucionista e positivista como resultado da contínua influênciaque exercia o pensamento europeu sobre as elites nacionais.Segundo Lilia Schwarz ( 1993 ), como foi visto, a ciência penetrano Brasil antes como moda do que como prática e produção.

As primeiras reações à hegemonia desses paradigmas e a esse modode fazer ciência, provocou o afastamento, (deslocamento), dogrupo de atores interessados nas práticas experimentais, do campoacadêmico, onde prevalecia o ideário positivista, em direção aosInstitutos. Nestes, os pesquisadores estabeleceram uma relaçãoque Nancy Stepan chamou de “tipo cliente”, primeiro, com ogoverno, representante dos interesses do setor agro-exportador e,mais tarde, com os segmentos mais representativos da emergenteburguesia nacional. Impôs-se no país o primado da “pesquisaaplicada”, em detrimento da “pesquisa pura” embora Oswaldo Cruz,diante do sucesso que obtivera em resolver graves problemassanitários, tenha logrado pleno êxito em manter uma autonomiarelativa de seu Instituto com relação às demandas governamentais,viabilizando ali a adoção das práticas mais modernas da pesquisaexperimental. A reação das faculdades, espaço de formação deprofissionais, em abrigar as práticas experimentais provoca,assim o rompimento, no Brasil, da relação entre campo científicoe campo acadêmico, que de 1906 a 1937 mantêm-se virtualmenteindependentes.

177

Como reação ao ideário positivista das escolasprofissionalizantes e temendo o primado da pesquisa aplicada nosInstitutos, um grupo de pesquisadores funda a Academia Brasileirade Ciências em 1916, uma sociedade que teria por fim explicito"concorrer para o desenvolvimento das ciências e das suasaplicações que não tiverem caráter profissional” e implícito decombater a hegemonia do positivismo.

A pesquisa pura vai buscar apoio junto ao empresariado privado,encontrando primeiro em Candido Gaffrée e mais tarde em GuilhermeGuinle seus principais patronos. Cria-se, assim, uma tradição demecenato privado que os membros da Academia buscarão transformar,em sucessivas tentativas, num mecenato do Estado82.

As mudanças acarretadas pela revolução de trinta provocam a crisedo padrão institucional, baseado nos Institutos de inspiraçãoeuropéia, já que a pesquisa para as novas classes dirigentes,deveria subordinar-se integralmente aos interesses mais imediatosdo Estado. Neste momento surge a figura de Carlos Chagas Filho83

para quem se torna visível o esgotamento do modelo vigente.Percebe, também, as novas possibilidades que as tentativas deimplantação de universidades no Brasil, poderiam trazer para acriação de um novo espaço institucional, onde estivessem aliadasa produção e reprodução do conhecimento científico. Tratava-se deviabilizar, portanto, o restabelecimento dos vínculos entre ocampo acadêmico e o campo científico reconfigurando o espaço daprodução do conhecimento e a reprodução de seus agentes.

Detentor de uma posição privilegiada nos diversos “mundos” queconformavam a sociedade brasileira, Chagas mobiliza seu capitalsocial e político, aliado ao capital econômico de Guinle, nosentido da conversão da Faculdade de Medicina num locus ondeestivessem associados pesquisa e ensino. Busca nas áreas de

82 Data de 1931 a primeira sugestão da ABC para a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa. Em 1936, é encaminhada pelo Governo Vargas uma mensagem ao Congresso propondo a criação de um Conselho de Pesquisa Experimentais vinculado às atividades agrícolas, ambas sem sucesso. (Brunetti et all. 1981).

83 Ao centrar nessas conclusões o processo de consolidação da comunidade científica brasileira, não estou perdendo de vista seu lugar de indivíduo numa teia de relações sociais que implica na percepção de uma configuração particular em que Chagas e tomado, simultaneamente como cunho e moeda na acepção de Elias. Independentemente dos graus de liberdade

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fronteira do conhecimento, onde a resistência à introdução denovos paradigmas seria menor, a porta de entrada para aUniversidade, inventando a “Biofísica” como cadeira básica. Domomento em que presta concurso em 1937, ao momento em que cria oInstituto, em 1945, aciona todos os recursos disponíveis para quesuas “invenções” tenham êxito.

Adota a estratégia de fazer uma “ciência nacional de padrãointernacional”, “inventando” um modelo brasileiro deinvestigação: o peixe elétrico. Reconhecendo a importância quetivera, na consolidação do Instituto Oswaldo Cruz, a legitimaçãointernacional, terminada a Guerra, restabelece os canais deintercâmbio com a “comunidade científica internacional”, atraindopesquisadores e mobilizando recursos de fontes de financiamentoexternas.

Recruta, no Brasil, pesquisadores interessados em pesquisa deponta, dotados de significativo capital científico como MouraGonçalves, Antonio Moreira Couceiro e Aristides Pacheco Leão.Mobiliza, entre os estudantes da Faculdade Nacional de Medicinajovens detentores de capital social expressivo como Antonio Paesde Carvalho, Eduardo Oswaldo-Cruz, Gustavo de Oliveira Castro eCarlos Eduardo Rocha Miranda ou que estivessem dispostos a“abdicar” do sucesso profissional na medicina para se tornarempesquisadores como Darcy de Almeida e Luiz Renato Caldas. Inventaa figura do “pesquisador-docente” introduzindo o primeiro doselementos capazes de estabelecer, no Brasil, a identidade de“membro da comunidade científica”.

Transforma-se no paradigma do administrador de ciências, masabriga no Instituto aqueles que possam garantir à sua instituiçãoo prestigio derivado da primazia da descoberta científica e doexercício quotidiano da Ciência, como Aristides Pacheco Leão. Sóse pode entender integralmente a importância da figura de CarlosChagas se a ela se contrastar a figura de Aristides Pacheco Leão,na medida em que, no campo um modelo de cientista só existe poroposição ao outro.

Ampliam-se no instituto as áreas de interface com a Físicamantendo as ciências biológicas como dimensão fundamental, doesforço nacional de desenvolvimento científico, quando ointeresse pela ciência, no pós-guerra, se torna uma questão de“segurança nacional”. Obtém, assim, um papel de proeminência nacriação do Conselho Nacional de Pesquisas, em 1951, e mantém a

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“tradição de liderança” das ciências biomédicas na “comunidadecientífica nacional”.

No inicio da década de sessenta engaja-se na ReformaUniversitária e institui, com seus aliados, na Faculdade deMedicina, os primeiros cursos formais de pós-graduação,consolidando seu dogma de que “quem ensina pesquisa e quempesquisa deve ensinar”. Encerra-se, com a consagração do novomodelo de produção e reprodução da comunidade científicabrasileira, ao abrigo do Estado, a primeira etapa de suatrajetória e de consolidação do Instituto de Biofísica como“exemplo” de instituição bem sucedida no campo cientificonacional.

Esgotada sua trajetória no Brasil, Chagas é levado a estender seucampo de ação no plano internacional, como forma de garantir acontinuidade de sua obra de “administrador de ciência” e deampliar significativamente a eficácia de seu discurso, cujalegitimação pelo exercício de cargos e funções de alto valorsimbólico, produzem o efeito de tornar indisputados seus dogmas.Chagas passa a ser não apenas o “porta-voz” de um estilo de fazerciência como o mais expressivo “representante” da comunidade, namedida em que seu prestígio político, nacional e internacional,passa a simbolizar a representação dos atributos que o tornam aexpressão do “ser cientista” na sociedade brasileira.

Alguns princípios que estão, hoje, totalmente naturalizados, comoo do apoio desinteressado do Estado à pesquisa e da formaçãouniversitária dos pesquisadores, foram o resultado de intensasdisputas e da adoção de uma série de estratégias que se impuseramao longo dos últimos 50 anos. Neste processo o Instituto deBiofísica desempenhou papel central como uma das instituições demaior relevo.

Os responsáveis por essa luta tornaram-se símbolos e foramconsagrados através da adoção, pelas instituições que criaram, deseus nomes próprios. Assim existem além do Instituto de BiofísicaCarlos Chagas Filho, o Instituto de Microbiologia Prof. Paulo deGóes e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, nominadosna tradição do Instituto Oswaldo Cruz e transformados em totensdos novos clãs e linhagens. Talvez seja essa a mais curiosa dasinvenções de uma tradição na ciência que caracteriza a comunidadecientífica brasileira.

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Esta é a razão pela qual decidi manter no trabalho o últimocapítulo, em que são descritas as trajetórias de algunspesquisadores das segunda e terceira gerações, onde os dogmas,paradoxos e tensões já estão de tal forma introjetados que pareceque tudo sempre foi assim.

Ao longo deste processo estiveram presentes neste cenário trêstipos de agentes interessados: os pesquisadores, como um grupo deindivíduos heterogêneo ordenados em sucessivas configurações, atéconstituir-se no que hoje identificamos como a “comunidadecientífica brasileira”, o Estado nacional, primeiro representandoos interesses do segmento agro-exportador e, mais tarde, os dossetores nacionalistas das classes dirigentes, sucessivamentealiado e opositor da “comunidade científica”, e finalmente oempresariado, ora protagonista ora coadjuvante desse processo.

A riqueza da história do instituto pode ser resumida numa frasede Elias (1993,p.85) que expressa toda a complexidade dosprocessos sociais que tendemos a naturalizar e a ver comosimples, em nossa sociedade de indivíduos, mesmo no microcosmo deuma instituição:

Crescendo de planos mas de forma não planejada,

Movida por fins, mas sem finalidade.

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WEBER, Max (1989) Sobre a Universidade: o poder do Estado e a dignidade acadêmica,

São Paulo, Cortez, 1989

WRIGHT MILLS, C. (1962) A Elite do Poder, Rio de Janeiro, Zahar

Editores, 1962

ZIMMAN, John (1979) Conhecimento Público, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia;

São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo, 1979

194

ANEXO I PRODUÇÃO DOS PESQUISADORES DO IBCCF

Segundo os dados do International Scientific Institute,instituição internacional que mede a produção dos pesquisadoresatravés da publicação de artigos em revistas de nívelinternacional, a Universidade Federal do Rio de Janeiro foi aresponsável, no período de 1981 a 1993, pela 2ª maior produçãocientífica no país, só superada pela USP. Dos 3910 artigospublicados por pesquisadores da Universidade nesse período oInstituto de Biofísica é responsável pela produção de 642, ouseja 16,5%. Nas áreas relacionadas às Ciências Biológicas eBiomédicas, os resultados se encontram expressos na tabelaabaixo.

Áreas Biológicas eBiomédicas

Meio Ambiente Todas as áreas

NA % NA % NA %

IBCCF 594 39,2 25 40,9 642 16,4

UFRJ 1515 100 61 100 3910 100

Fonte: Comunicação Pessoal de Margarete Pereira Friedrich e Paulode Santos Rodrigues,1996

195

ANEXO II-TABELA 1 - PESQUISADORES FALECIDOS

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/Condecorações

Alberto Barbosa Hargreaves Biologista - chefe da seçãode Enzimologia 1947

Chefe da Divisão Físico-Química 1952

Chefe do Laboratório deEnzimologia a partir de 1970

Livre -Docente de Biofísica daFaculdade Nacional de Medicina1954

Assistente de Ensino de FísicaBiológica da Faculdade Nacionalde Medicina 1956

Professor de Biofísica naFaculdade de CiênciasBiológicas 1962

Menção Honrosa XICongresso Brasileiro deMedicina 1962

Prêmio Nami Jafet

1964 como Membro doInstituto de Biofísica

Prêmio Álvaro Alberto 1970

Alfred Féssard Professor Visitante noInstituto de Biofísica 1947e 1949

Prix Laborde 1930

Prix Lallemand 1938

Prix Georges Kohn 1948

Prix Roy Vaucouloux daAcadémie de Sciences 1954

Prix Prince Albert Ier deMonaco da AcadémieNationale de Médicine 1957

196

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/CondecoraçõesCavalheiro da Ordre de laLégion d’honneur

Cavalheiro da Ordre deLéopold II da Bélgica 1960

Comendador da OrdreNational du Mérite

Comendador da Ordre desPalmas Académiques 1964

Antonio Moreira Couceiro

197

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/Condecorações

Pesquisador Chefe da Seçãode Biofísica Celular

1944

Chefe da Seção de BiofísicaCelular1947

Técnico especializado 1947

Professor de Ensino Superior eProfessor-Adjunto da UFRJ 1953

Assistente de Biofísica daFaculdade Nacional de Medicina

Medalha Cultura Pirajá daSilva 1958

Medalha Cultural GasparViana 1962

Medalha do Patriarca 1963

Medalha Vital Brasil 1965

Medalha Cultural RochaLima 1966

Medalha do Pesquisador1966

Oficial da Ordem do MéritoNaval 1967

Medalha do Mérito D. JoãoVI 1968

Comendador da OrdemNacional do Mérito 1968

Grande Oficial da Ordem doMérito Aeronáutico 1968

198

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/Condecorações

Aristides Azevedo PachecoLeão

Técnico especializado 1946 -1960

Diretor do Instituto 1966 -1970

Chefe - Emérito do depto. deNeurobiologia 1984 - 1992

Técnico especializado econtratado da cadeira deBiofísica da Faculdade Nacionalde Medicina 1945

Professor - Adjunto 1960 - 1981

Prêmio Einstein da ABC1961

Prêmio Álvaro Alberto(Ciências) 1963

Prêmio Moinho Santista1974

Prêmio PersonalidadeGlobal (Ciências) 1977

Prêmio Alfred Jurzykowski1979

Prêmio Estácio de Sá(Ciências) 1982

Daniel Bovet Pesquisador 1952 Professor Visitante1952

Hertha Meyer Pesquisadora 1939 -1940 Doutor Honoris Causa da UFRJ em1980

Prêmio CariocaHonorário1977

Lauro Sollero Trabalhou na seção deFarmacologia em 1946

Técnico especializado emFarmacologia com função naCadeira de Física Biológica daFaculdade Nacional de Medicina

Medalha Carlos Chagas

Medalha Rocha Lima

Medalha Gaspar Viana

199

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/CondecoraçõesMedalha Alfred Jurzykowski1974

Luiz Renato Carneiro daSilva Caldas

Chefe do Laboratório deRadiobiologia Fundamental1958

Chefe do Depto. de BiofísicaMolecular 1966

Chefe pro-tempore do Deptode Radiobiologia

1967

Aulas práticas de Biofísica naFaculdade Nacional de Medicina1951-1954

Regente da Disciplina deRadiobiologia do Depto deBiofísica e Fisiologia daFaculdade de Medicina 1966

Professor - Adjunto deBiofísica do Instituto deCiências Biomédicas 1969

Manoel da Frota-Moreira Técnico especializado 1940

Chefe da Divisão deRadiobiologia e FísicaMédica

Diretor - Interino

Vice-Diretor 1954

Colaborador no Curso deBiofísica da Faculdade Nacionalde Medicina 1939 - 1955

Maury Miranda Chefe do Laboratório deBiologia Molecular 1958

200

Nome Cargos no Biofísica/Data Cargos na Universidade/Data Prêmios/CondecoraçõesChefe do Departamento deBiofísica Molecular

Pesquisador do Instituto

Professor de Biologia Molecularda Pós-Graduação do Institutode Biologia e do Instituto deBiofísica

René Wurmser Técnico especializado 1940 Professor Visitante

Fonte: Dossíês dos Acadêmicos pertencentes ao Acervo da ABC

ANEXO II-TABELA 2 - PESQUISADORES VIVOS POSIÇÕES ABC E IBCCF

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Aída Hasson-Voloch Associado(13/12/60)

Titular (10/12/92)

Biologista-chefe da seção de Enzimologia (1947)

Chefe da Divisão Físico-Química (1952)

Chefe de Laboratório de Eletroforese (1952)

Chefe de Laboratório Físico-Quimico e Biológica(1966)

201

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Chefe do Laboratório Enzimologia (1970)

Chefe “pro-tempore” do Deptº de BiofísicaMolecular (1975 - 1973)

Chefe do Deptº de Biofísica Molecular (1975 -1977)

Chefe Emérito de Laboratório (04/05/94)

Antonio Paes de Carvalho Associado(23/11/64)

Titular(06/03/78)

Estagiário (1954 - 1959)

Chefe do Laboratório de Eletrofisiologia(1957)

Estagiário de Docência e Pesquisa (1959 -1961)

Organização e 1º Coordenação do Programa deMestrado e Doutorado (1964 - 1970)

Organizador e Chefe Interino Deptº de Circulação eBiomecânica (1967 - 1971)

Chefe Deptº de Circulação e Biomecânic (1972 -1974)

Administração Acadêmica e Diretor Adjunto

202

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

(1967 - 1971)

Diretor (1980 a 1985)

Carlos Chagas Filho Titular(22/07/41)

Vice-Presidente(1951-1953)

Presidente(1965-1967)

Fundador do Instituto de Biofísica (1945)

Carlos Eduardo Guinle da Rocha-Miranda

Associado(18/01/72)

Titular(06/03/78)

2o Secretário(1989-1991)

Secretário Geral(1991-1993)

Vice Presidente(1993-1995)

Auxiliar de Pesquisa Neurofisioligista (1953 -1959)

Pesquisador (1960 - 1967)

Chefe Laboratório de Neurobiologia II(1966)

Coordenador da Graduação junto ao NUTES (1975 -1977)

Coordenador do Programa de Pós-Gradução (1980 -1981)

Diretor Substituto (1980 - 1985)

203

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Vice-Presidente(1995-1997)

Chefia do Laboratório de Neurobiologia II(1981 -1983)

Coordenador Comitê de Estudos s/Ensino deGraduação (1986 - 1990)

Darcy Fontoura de Almeida

Associado(13/12/60)

Titular(23/02/81)

Pesquisador a partir (1950)

Chefe do Deptº Radiobiologia (1975 - 1979)

Chefe do Deptº Biofísica Celular (1979 - 1983)

Diretor (1985-1989)

Chefe do Deptº Parasitologia e Biofisica Celular(1990 - 1992)

Eduardo Oswaldo Cruz Titular(11/01/71)

Secretário Geral(1981-1983)

Pesquisador bolsista (1957 - 1960)

Chefe do Laboratorio Neurobiologia I(1966 - 1981)

Chefe “Pro tempore” Deptº Neurobiologia(1968 - 1978)

204

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Chefe do Depº Neurobiologia (1978 - 1981)

Membro do Conselho de Ensino para Graduação(1968 - 1976)

Eduardo Penna Franca Associado(26/11/57)

Titular(15/0185)

Pesquisador e Chefe do Laboratório deRadioisotopos (1956 - 1969)

Sub-diretor de Administração e Finanças(1966 - 1973)

Substituto eventual do Diretor (1966 -1973)

Chefe do Laboratório de Radioisotopos(1966 - 1973)

Diretor (1973 - 1980)

Chefe do Deptº de Radiobiologia (1981 - 1987)

Fernando Garcia de Mello Associado(05/12/88)

Estagiário Laboratório Metabolismo Macromolecular(1969 - 1973)

Chefe Laboratorio Neuroquimica

Coordenador Atividades Científicas (1990)

205

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Chefe Deptº Biosfisica Molecular (1991)

Vice-Diretor (1992- 1994)

Diretor substituto (1995)

Diretor (1995)

Firmino Torres de Castro Associado(06/03/78)

Pesquisador e Professor (1973)

Francisco J. S. de Lara Titular(23/12/68)

Pesquisador independente (1952)

Gilberto de Freitas Associado(27/12/51)

Titular(25/11/55)

Pesquisador (1951)

Diretor de Cursos (1954)

Gilberto Mendes de Oliveira Castro Associado(17/02/75)

Titular(15/12/82)

Pesquisador (a partir de 1959)

Chefe de Departamento (por quatro mandatos)

Coordenador de Pós-Graduação

Vice-Diretor

206

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Diretor (1994)

Gustavo Oliveira Castro Associado(22/12/64)

Pesquisador (1951)

José Moura Gonçalves Associado(09/11/48)

Titular(12/06/64)

Organização da seção de Físico-Químico deProteínas (1948)

Chefe do Laboratório de Físico Química

Hiss Martins Ferreira Titular(12/12/55)

2oSecretário(1959/1961)

Secretário Geral(1982-1989)

Diretor de Cursos (1950-1960)

Chefe do Serviço de Biofisica Celular(1965)

Chefe do Laboratorio Eletrofisiologia II(1966)

Júlio Scharfstein Associado(20/12/93)

Pesquisador do Laboratório de Imunogenética(1978)

Chefe do Laboratório de Imunologia Molecular(1986)

Leny Alves Cavalcante Associado(30/12/85)

Representante Deptº Neurobiologia na Comissão de

207

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Pós-Graduação (1981-1983)

Chefe do Laboratorio Histoquímica

(1990 - 1991)

Chefe do Laboratorio de Desenvolvimento, Programade Neurobiologia (1990)

Luiz Carlos Galvão Lobo Associado(24/11/64)

Monitor Cadeira Fisica Biológica (1954 - 1957)

Chefe da Unidade Clínica de Radioisotopos (1958 -1966)

Mecia Maria de Oliveira

Associado(26/11/63)

Coordenador Intecâmbio e Divulgação Científica(1979 - 1980)

Chefe do Laboratório de Biomembranas(1982)

Coordenador Atividades Culturais (1984 - 1987)

Rafael Linden Associado(06/03/87)

Monitor de Biofisica e Fisiologia

208

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Estagiário

Pesquisador

Chefia do Laboratório de Neuregênese

Diretor Adjunto de Programas e Projetos

Ricardo Gattass Associado(15/01/85)

Titular(20/12/93)

1o Secretário(1995-1997)

Monitoria de Fisiologia (1967)

Estagiário

Pesquisador

Roberto Lent Associado(31/10/91)

Estagiário (1968)

Chefe do Laboratório de Neuroplasticidade(1984 - 1994)

Chefe Deptº Neurobiologia (1988)

Vivaldo Moura Neto Associado(10/12/92)

Coordenador de Ensino de Graduação(1990 - 1993)

209

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Walter Araújo Zin

Associado31/10/92

Estágio Laboratorio (1971 - 1975)

Estagio Laboratorio Hemodinamica(1976 - 1979)

Estagio Laboratorio Hemodinamica(1979 - 1980)

Estagio Laboratorio Hemodinamica(1982 - 1984)

Membro Comite de Estudos s/Ensino de Graduação(1986 - 1987)

Chefe do Laboratório de Fisiologia da Respiração(1987)

Wanderley de Souza Associado(06/03/87)

Titlar(31/10/91)

Estagio de Inciação Científica (1969)

Pesquisador (1976)

Pesquisador (1978)

Vice Diretor e Diretor

210

NOMEPosições ABC Posições IBCCF

Wolfang Christian Pfeiffer Associado(06/03/87)

Pesquisador Laboratorio Radiosotopos(1966)

Coordenação de Ensino de Pós-Graduação(1974 - 1979)

Coordenador Administrativo (1984 - 1987)

Chefe do Laboratório de Radioisotopos(1988)

ANEXO II-TABELA 3 - PESQUISADORES VIVOS POSIÇÕES CNPQ, UFRJ E PRÊMIOS

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Aída Hasson-Voloch Conferencista(1968)

Pesquisador I-A(1976)

ProfessorAdjunto (1965)

Prêmio Nami Jafet (1964)

Prêmio Alvaro Alberto de Louvor (1970)

Antonio Paes de Carvalho Pesquisador I-A(1968 - 1985)

ProfessorAssistente (1965- 1977)

Sub-Reitor de

Oficial da Ordem do Mérito Naval (1967)

Medalha do Mérito D. João VI (1968)

Comendador da Ordem Nacional do Mérito

211

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Ensino paraGraduação ePesquisa (1971 -1972)

ProfessorTitular (1977)

(1968)

Grande Oficial da Ordem do MéritoAeronáutico (1968)

Prêmio Lafi (1969)

Prêmio da Associação Brasileira IndustriaFarmaceutica (1974)

Medalha de Ouro Pio XI (1979)

Carlos Chagas FilhoConselhoDeliberativo(1957)

ProdessorInterino(1936)

ProfessorCatedrático(1937 - 1980)

ProfessorEmérito(1980)

Prêmio Fundação Moinho Santista (1960)

Prêmio Alfred Jurzykowski (1978)

Prêmio Anísio Teixeira (1978)

Prêmio Alvaro Alberto para Ciência eTecnologia (1988)

Prix Mondial Cino del Duca (1989)

Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito(1994)

Carlos Eduardo Guinle da Rocha- Pesquisador Professor Prêmio Einstein da ABC (1961)

212

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Miranda Conferencista(1958 - 1976)

Pesquisador I-A(1976)

Adjunto (1968 -1991)

Prêmio Álvaro Alberto) (1963)

Prêmio Moinho Santista (1974)

Prêmio Personalidade Global (1977)

Prêmio Alfred Jurzykowski (1979)

Prêmio Estácio de Sá (Ciências) (1982)

Darcy Fontoura de Almeida PesquisadorAssistente(1951 - 1959)

PesquisadorAssociado(1960 - 1962)

Membro CA (1986-1988)

Membro CD(1988-1990)

ProfessorAdjunto(1970)

ProfessorTitular(1984)

“Guest Visitor “ - Conselho Britânico(1966)

Prêmio José Reis para “Ciência Hoje” (1983)

Eduardo Oswaldo Cruz PesquisadorConferencista(1968 - 1972)

Membro CA

ProfessorAdjunto(1957)

Medalha do Saneador (1972)

Medalha Comemorativa dos 30 anos do CNPq(1981)

213

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

(1970 - 1978)

Pesquisador 1-A(1976)

Palma de Prata - UFPA (1983)

Eduardo Penna Franca Membro CA (1983-1986)

ProfessorAdjunto(1969)

ProfessorTitular(1992)

Prêmio Alfred Jurzykowski (1971)

Fernando Garcia de Mello Pesquisador III-A(1977 - 1981)

Pesquisador II -C (1981 - 1982)

Pesquisador II -B (1982 - 1984)

Pesquisador I -B (1984 - 1991)

Pesquisador I -A (1992)

ProfessorAuxiliar(1976)

ProfessorAssistente(1980)

ProfessorAdjunto(1980)

ProfessorTitular

Fellow da John Simon Guggenheim Foudation(1984)

214

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Consultor “ad hoc“

(1992)

Firmino Torres de Castro Membro CD(1971- 1974)

ProfessorAdjunto(1973)

Francisco J. S. de Lara Medalha Jubileu de Prata da SBPC (1975)

Homenageado pela Sociedade Brasileira deBioquímica e Biologia Molecular (1992)

Homenageado pelo Instituto de Biologia epelo Instituto de Química com o Simpósio deBiologia Molecular

Gilberto de Freitas Membro do Grupode Trabalho apara Reforma(1960)

ProfessorRegente (1965- 1966)

Medalha Gaspar Vianna da ABC

Medalha D.João VI

Fellow John Guggenheim Foudation

Cavaleiro e Atual Presidente da Associaçãoda Ordem S. e M. de Malta

Homenagem do Conselho de Cultura do RJ(Defesa da Integridade do Parque Lage)

Gilberto Mendes de Oliveira ProfessorTitular

215

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Castro (1984)

Gustavo Oliveira Castro ProfessorAdjunto(1960)

Getulio Vargas (Desenho - 1º) (1943)

Prêmio Alfred Jurykowski (1967)

José Moura Gonçalves Chefe deLaboratório

ProfessorAssistente

Ordem Nacional do Mérito Científico

Hiss Martins Ferreira Pesquisador(1952)

PesquisadorConferencista(1968)

Membro CA(1967/1974)

ProfessorAssistente (1964- 1971)

ProfessorAdjunto(1971- 1990)

Medalha Alfred Jurzykowski de Louvor(1976)

Prêmio ABIFARMA

(biociências) (1977)

Júlio Scharfstein Professor daPós-Graduação doInstituto deBiologia e doInstituto deBiofísica

Prêmio Sendas da Saúde (1993)

Leny Alves Cavalcante Pesquisador (1976-1978)

PesquisadorDocente (1970 -

Bolsa Fogarty (1979)

216

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Pesquisador (1980- 1995)

Consultor “adhoc”

1979)

ProfessorAssistente(1975 - 1979)

ProfessorAdjunto(1980)

Luiz Carlos Galvão Lobo ProfessorAssociado (1972)

Diretor do NUTES(até 1981)

Medalha Mérito Alvorada - DF

Mecia Maria de Oliveira

Pesquisador (1959- 1960)

PesquisadorAssistente (1963- 1964)

Chefe de Pesquisa(1972 - 1975)

Pesquisador I -C (1976 - 1981)

ProfessorAssociado (1975)

217

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Pesquisador I - B(1981- 1987)

Rafael Linden Auxuliar deEnsino (1977)

ProfessorAdjunto(1945)

ProfessorTitular

(1994)

Ricardo Gattass ProfessorAssistente

(1977)

ProfessorAdjunto(1980)

ProfessorTitular(1993)

Prêmio Centro de Estudos Hospital SouzaAguiar (1970)

Prêmio UFRJ (1971)

218

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

Roberto Lent

ProfessorAssistente(1975)

ProfessorTitular(1993)

Vivaldo Moura Neto Pesquisador ProfessorAdjunto(1986)

Walter Araújo Zin Consultor “ adhoc”

ProfessorAssistente 1980

ProfessorAdjunto(1984)

ProfessorTitular

Prêmio UFRJ (1975)

Prêmio Jacques Bulcão (1984)

219

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

(1993)

Wanderley de Souza

ProfessorAuxiliar(1976)

ProfessorAdjunto(1981)

ProfessorTitular(1993)

Prêmio Moinho Santista Jovem Cientista(1980)

Prêmio José de Mendonça Colégio Brasileiro deCirurgiões (1984)

Prêmio Manoel Noriega Moralez da OEA da OEA(1987)

Prêmio Sendas deSaúde (1991)

Wolfang Christian Pfeiffer membro CA Cooperador dePesquisa (1968)

ProfessorAssociado (1974)

ProfessorAdjunto(1977)

Premio Alvaro Alberto de Louvor (1974)

220

NOME Posições CNPq Posições UFRJ Prêmios

ProfessorTitular(1994)

221

ANEXO III- - PESQUISADORES SEGUNDO AS GERAÇÕES

Como primeiro esforço para a definição do universo a ser

pesquisado utilizei como fontes as duas principais “histórias da

ciência” no Brasil cujos capítulos, versando sobre as diversas

disciplinas, são de autoria de “cientistas” considerados

“autoridades” nas áreas sobre as quais escrevem. Essas duas obras

são “As Ciências no Brasil”, de Fernando de Azevedo e “História

das Ciências no Brasil”, de Mario Ferri e Shozo Motoyama. Vale

mencionar que em nenhuma das duas obras existe um capítulo

especificamente dedicado à Biofísica como “área de conhecimento”.

Entretanto são feitas menções ao Instituto de Biofísica, no

primeiro livro, nos capítulos referentes à Física e à Biologia e,

no segundo, nos capítulos referentes à Fisiologia e à Bioquímica.

Para montar a lista de pesquisadores que participaram da criação

do Instituto e foram membros de suas duas primeiras gerações,

utilizei como referências dois trabalhos escritos por cientista

sociais: a “Formação da Comunidade Científica no Brasil”, de

Simon Schwartzman e o capítulo sobre o Instituto de Biofísica ,

de autoria de Maria Clara Mariani e que faz parte de uma

coletânea sobre as instituições de pesquisa do Rio de Janeiro,

organizada por Schwartzman. Como informação complementar levantei

as referências a pesquisadores contidas em três relatórios anuais

do IBCCF(1950,1953 e 1959).

Tabela I

Fundadores (*)

(a) Carlos Chagas Filho

(b) Tito Enéas Leme Lopes e Lafayete Rodrigues Pereira

222

(c) Almir de Castro - (Manguinhos)

(d) José Moura Gonçalves, Oromar Moreira e João Batista VeigaSalles

(e) Hertha Meyer e João Machado(*)

Visitantes

René e Sabine Wurmser - Instituto de Biologia Físico-Química deParis (* e **)

Charles P. Leblond - Universidade McGill do Canadá (**)

Mentores de CCF (*)

Carneiro Felipe, Francisco Mendes de Oliveira Castro, Joaquim CostaRibeiro

Patrono (**)

Guilherme Guinle

(*) MCM,1982, p.200 e (**) DFA, 1972, p.13

223

Tabela II

Primeira Geração

(1.1) Antonio Moreira Couceiro (1.2) Hiss Martins Ferreira, (1.3)Aristides Pacheco Leão, (1.4) Gilberto de Freitas, (1.5) CezarAntonio Elias, (1.6) Alberto Barbosa Hargreaves (*)

(1.7) Luís Renato Caldas; (1.8) A. Barbosa; (1.9) E. Cohen; (1.10)Francisco S. Lara (**)

(1.11) Manuel da Frota-Moreira (***)

Visitantes:

(I.1)Denise A. Fessarde (I.2) Albert Fessard Institut Marey, Paris(*)

(I.3)Rita Montalcini;(I.4)G. L. Brown;(I.5)Daniel Bovet;(I.6)R.Keynes (**)(*) J. Costa Ribeiro in Azevedo, 1955, p.190 ( A Física noBrasil)

(**)T. Martins, in Azevedo, 1955, p. 252 (A Biologia No Brasil)

(***)Mariani ,1982, p.204

Tabela III

Segunda Geração

(2.1 ) Antonio Paes de Carvalho (2.2) Gustavo de Oliveira Castro(2.3) Eduardo Penna Franca (*)

(2.4) Carlos Eduardo Guinle da Rocha Miranda e (2.5) Eduardo OswaldoCruz (**)

(2.6) Maury Miranda (2.7) Luiz Carlos Galvão Lobo (2.8) DarcyFontoura de Almeida (2.9) Aída Hassón-Voloch; (2.10) Firmino deCastro

(2.11) Leopoldo de Meis(*)do Valle, J.R. in F& M, 1979 v.I (Alguns Aspectos daFisiologia no Brasil)

(**) MARIANI ,1982, p.204

224

NOTAS DE FIM

225