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Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=84215105004 Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Souzas, Raquel Movimento de mulheres negras e a saúde: análise documental sobre a reinvidicação de inclusão do "quesito cor" no sistema de informação à saúde Saúde Coletiva, vol. 40, núm. 7, 2010, pp. 110-115 Editorial Bolina Brasil ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista Saúde Coletiva ISSN (Versión impresa): 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

Movimento de mulheres negras e a saúde: análise documental sobre a reinvidicação de inclusão do \"quesito cor\" no sistema de informação à saúde

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RedalycSistema de Información Científica

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Souzas, Raquel

Movimento de mulheres negras e a saúde: análise documental sobre a reinvidicação

de inclusão do "quesito cor" no sistema de informação à saúde

Saúde Coletiva, vol. 40, núm. 7, 2010, pp. 110-115

Editorial Bolina

Brasil

¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista

Saúde Coletiva

ISSN (Versión impresa): 1806-3365

[email protected]

Editorial Bolina

Brasil

www.redalyc.orgProyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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Movimento de mulheres negras e a saúde: análise documental sobre a reinvidicação de inclusão do “quesito cor” no sistema de informação à saúde

Raquel Souzas Cientista Social. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Instituto Multidisciplinar de Saúde - Campus Anísio Teixeira (CAT)/UFBA - Vitória da Conquista. [email protected]

INTRODUÇÃO

A reivindicação da inclusão do “Quesito Cor” nos Sistemas de Informação em Saúde e a construção da ideia de “saúde

da população negra” foi acompanhada de inúmeras constata-ções de base quantitativa sobre as desigualdades raciais nesse campo. O princípio da equidade se apresenta no cenário téc-nico-científi co e político como o mecanismo necessário para a elaboração de políticas que superem o racismo no campo da saúde.

As categorias raça/cor historicamente estiveram associadas às iniciativas racialistas e, ao serem abordadas no campo da saúde, em certa medida, retomam velhas polêmicas no

Recebido: 21/11/2009 Aprovado: 03/04/2010

Artigo Extraído da Tese de Doutorado Intitulada “Relações raça e gênero em jogo: mulheres negras e brancas e a questão reprodutiva” defendida em 2004 na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Este artigo foi apresentado no Congresso Internacional da REFEM em 2008.

A reivindicação da inclusão do “Quesito Cor” nos Sistemas de Informação em Saúde e a construção da ideia “saúde da popu-lação negra” foi acompanhada de inúmeras constatações de base quantitativa sobre as desigualdades raciais nesse campo. O princípio da equidade se apresenta no cenário técnico-científico e político como o mecanismo necessário para a elaboração de políticas que superem o racismo no campo da saúde. O estudo aqui apresentado tem caráter qualitativo, usa as abordagens ba-lizadas nos estudos do campo da linguagem1 na análise dos documentos coletados de 1992 a 20012-5, período que antecede a inserção de políticas públicas pelo governo brasileiro em âmbito federal. Observou-se que o crescimento da luta pelos Direitos Humanos e sua internacionalização possibilitou a construção de medidas contra as diferentes formas de violência, desigualda-de social e obstáculos que impedem o exercício pleno da cidadania. Descritores: Iniquidadeemsaúde,Direitoshumanosemsaúde,Movimentossociais,Raça/etniaemsaúde.

The claim to include the “color issue” in the Health Information Systems and the construction of the idea of “black population’s health” was followed by many basic quantitative findings on racial inequalities in this field. The principle of fairness appears in the scientific-technical scenario and the necessary mechanism for the elaboration of policies to overcome racism in the field of health. The study presented here has a qualitative character, uses endorsed approaches in language1 field studies in the analy-sis of documents collected from 1992 to 20012-5, a period before introducing public policies by Brazilian Government on a fede-ral amplitude. It was noted that the growth of the fight for human rights and its internationalization enabled the construction of policies against the various forms of violence, social inequality and obstacles that prevent the full exercise of citizenship. Descriptors: Inequityinhealth,Humanrightsinhealth,Socialmovements,Race/ethnicityinhealth.

La reivindicación de la inclusión del “quesito color” en los sistemas de información en salud y la construcción de la idea de “sa-lud de la población negra” estuvo acompañada por muchas evidencias cuantitativas sobre las desigualdades raciales en este campo. El principio de equidad en el escenario técnico-científico y político es un mecanismo necesario para la elaboración de políticas para superar el racismo en el ámbito de la salud. Este articulo tiene carácter cualitativo, y utiliza enfoques balizados en los estudios del campo de la linguaje1 en el análisis de los documentos recopilados de 1992 hasta 20012-5, antes de seren apli-cadas las políticas federales del Gobierno brasileño. Se señaló que el crecimiento de la lucha por los derechos humanos y su internacionalización habilito la construcción de medidas de lucha contra las diversas formas de violencia, desigualdad social y obstáculos que impiden el ejercicio pleno de la ciudadanía. Descriptores:Inequidadensalud,Derechoshumanosensalud,Movimientossociales,Raza/etniaensalud.

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campo da ciência.É possível hoje em dia, no entanto, ao percorrer a literatura

especializada produzida recentemente, encontrar diversos estudos, pesquisas, artigos e abordagens diferenciadas sobre a “saúde da população negra”6-29. Há principalmente a possilidade de se constatar diferenciações importantes na coleta dos dados, que trazem repercussões para a análise dos dados. Existem pesquisas que utilizam as formas de classifi cação do IBGE, que são: negro, pardo, branco, amarelo e indígena; outras que usam formas de classifi cação de cor como gradientes do claro ou escuro; além de estudos teórico-conceituais que partem para análises sobre relações raciais no Brasil, etnicidade, ideologias raciais.

A comparação com base na varíavel raça/cor revelou ser produtiva do ponto de vista analítico; seja para negar ou visibilizar realidades diferenciadas por raça/cor no Brasil. Após o ano de 2002 houve crescimento signifi cativo de pesquisas de caráter epidemiológico, sociodemográfi co ou nos campos das ciências sociais e da saúde sobre essa questão.

O campo da Saúde Pública tem como importante preocupação os motivos pelos quais as pessoas morrem, nesse sentido a inclusão do “Quesito Cor” no Sistema de Informação em Saúde faz todo sentido. Alguns desses trabalhos, presentes na literatura científi ca atual, podem ser destacados por considerar a análise a partir da classifi cação do IBGE7,12,16-19,21,23 e por permitir comparações com diferentes bases de dados.

Diferentes problemas de saúde são analisados na literatura especializada e é possível afi rmar que a questão político-ideológica permeia a discussão recebendo um tratamento analítico aprofundado em alguns dos artigos que versam sobre o tema. O objetivo do presente artigo é trazer para o campo da discussão científi ca a literatura política documentada anterior ao ano de 2001, e que trazem a reivindicação de inclusão do “Quesito Cor” no sistema de informação em saúde.

A QUESTÃO COR EM IMPORTANTES DOCUMENTOS A perspectiva da “teoria crítica” e a questão do reconhecimento social e político 30,31 compreendem dimensões da vida nas quais é possível depreender o potencial ofensivo às coletividades humanas submetidas aos maus tratos e a violação de direitos, privação de direitos e exclusão, degradação e ofensa e que possivelmente permitem compreender, com maior profundidade, a realidade da população negra hoje no Brasil.

É possível percerber nos documentos sob a chancela do movimento de mulheres negras - importante sujeito político no processo, a ideia de que na disputa pela inclusão da variável cor/raça no sistemas de informação e saúde, tem-se em parte confrontos de natureza política e, em outra, confl itos de natureza identitárias. Tais confrontos sinalizam para a possibilidade de uma nova moral ética e política.

Ao mesmo tempo, tais documentos trazem elementos que “clarifi cam” a natureza de suas reivindicações quanto à saúde

da população negra, que foram incorporadas pelo governo federal com a “Política Nacional de Saúde da População Negra” recentemente.

A Declaração de Itapecerica da Serra das Mulheres Negras Brasileiras2 é a pedra angular para o movimento de mulheres negras. Somado a ela, o documento da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras “Rumo à III Conferência Mundial Contra o Racismo”5 constituem documentos centrais, dado que pontuam dois momentos sociais e políticos importantes: as Conferências de População no Cairo, e a Contra o Racismo, Discriminação, Xenofobias e Intolerâncias Correlatas em Durban.

Da introdução do quesito cor no Sistema Municipal de Informação da Saúde de São Paulo, o primeiro município a tomar essa iniciativa, decorreu uma década, em que várias outras iniciativas foram tomadas. Esses documentos mapeam a trajetória de uma questão, que desembocou na Conferência Mundial Contra o Racismo.

No processo da Conferência Mundial, ocorreram conferências regionais em todo o mundo. Como destaque, nesse processo, tem-se a Conferência Regional das Américas Contra o Racismo, que ocorreu no Chile. No documento

dessa conferência temos, por exemplo, o parágrafo 111, que requer que a OPAS “promova ações para o reconhecimento da raça/grupo étnico/gênero como va-riável signifi cante em matéria de saúde e que desenvolva projetos específi cos para a prevenção, diagnóstico e tratamento de pessoas de ascendência africana”.

A partir desse momento histórico, ganha destaque a “ Conferência Regio-nal de las Américas” que passou a ser um documento de referência para a or-ganização, monitoramento, implanta ção e implementação de ações relativas à população negra e à saúde.

Nesse novo contexto, foi realizada a 1ª Conferência Municipal de Saúde da

População Negra de São Paulo, cujo tema foi “Controle Social e Inclusão Étnico Racial”.

Mas, o que esses documentos dizem a respeito da saúde da mulher negra? Esses documentos inserem as chaves que incluem as categorias gênero e raça.

A Declaração de Itapecerica2 já apontava o abuso na esterilização cirúrgica, como um problema de Saúde Pública, e o rápido crescimento da Aids, como resultado da difi culdade de as mulheres negras controlarem sua capacidade reprodutiva e sexualidade. Vale lembrar que a Aids já se caracterizava como um grave problema de Saúde Pública para a população negra, na época.

Os documentos analisados2-6 reúnem pesquisadores da temática “saúde e raça/cor” e fornecem subsídios para a formulação de propostas de políticas públicas no campo da saúde. Nesses documentos, os (as) autores (as) concebem a “liberdade reprodutiva como essencial para as etnias discriminadas”. Com isso, a questão da reprodução é colocada no âmbito do privado, cabendo ao Estado garantir os direitos

“AS CATEGORIAS RAÇA/COR, HISTORICAMENTE, ESTIVERAM ASSOCIADAS ÀS INICIATIVAS RACIALISTAS E, AO SEREM ABORDADAS NO CAMPO DA SAÚDE, EM CERTA MEDIDA,

RETOMAM VELHAS POLÊMICAS NO CAMPO DA CIÊNCIA”

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reprodutivos e assegurar condições para a manutenção da vida.

Em diagnóstico preparado para se-minário específi co sobre as condições de saúde das mulheres negras6,32 é apontada a importância do problema da pressão arterial entre mulheres negras. Os dados apresentados nesse documento revelam que as gestantes, no geral, procuravam o serviço de saúde ao fi nal da gestação, e as grávidas “pretas” e pardas procuravam bem menos o serviço. Assim, verifi cou-se, na época de elaboração do documento, que grávidas pardas e negras, da área de Itaquera-Guaianazes, São Paulo, pro-curavam bem menos o serviço de saúde no último trimestre, ao contrário do que ocorria no município de São Paulo como um todo, pela qual a procura das mulheres, em geral, no terceiro trimestre era maior. Isso refl etia o quadro de assistência à mulher em idade reprodutiva e gestante,

desvelando que a mulher negra e parda procuravam menos o serviço de saúde para o seu atendimento. Na realidade, estavam excluídas do atendimento à saú-de no município, em função da forma co mo os serviços são tradicionalmente organizados.

O peso político que teve a Declaração de Itapecerica2,32 habilitou as mulheres negras como um sujeito social e político e permitiu sua inserção em outros espaços. A questão da saúde teve grande importância para o movimento de mulheres negras, desde o início. A saúde é uma questão “humana vital” e o reconhecimento do impacto das desigualdades raciais na saúde da população negra e, em especial, das mulheres negras é uma problemática que foi politizada desde o início.

Em certos diagnósticos são abordadas temáticas3,4 que vão desde doenças ge-néticas até doenças de explicações mul-ticausais, como a hipertensão arterial e

“É NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SUS PARA

TODOS, SEM DISCRIMINAÇÃO DE QUALQUER ORDEM, QUE SE COLOCA A NECESSIDADE DE IDENTIFICAR OS INDIVÍDUOS

POR SUA COR/RAÇA, DADO QUE, HISTORICAMENTE, FOI NEGADO, DE FORMA VIOLENTA, O DIREITO

AO RECONHECIMENTO DA ORIGEM ÉTNICO/RACIAL DOS

POVOS PROVENIENTES DA ÁFRICA”

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o mioma. Todas as doenças que afetam a população negra têm, no racismo, um importante fator de agravamento. A hipertensão arterial atinge homens e mulheres, mas se destaca como uma das principais causas de mortalidade materna nessa população.

De causas genéticas ou multicausais, o impacto do racismo se faz presente, seja na exclusão do atendimento adequado, seja por causas variadas, que levam à maior prevalência de determinadas doenças na população negra, seja porque a população negra está, em grande parte, entre as mais pobres. Todas as origens dos agravos à saúde apresentam a necessidade da informação do quesito cor, como fonte para a formulação de políticas públicas, capazes de promover impacto na desigualdade racial2-6.

Martins20 em seu trabalho mostrou a importância do quesito cor na informação sobre mortalidade materna e o peso da hipertensão arterial como uma das causas.

Os diagnósticos elaborados2-6 dão sub-sídios para a luta por melhores condições de vida e saúde e para a organização de pautas de reivindicações políticas do movimento de mulheres negras, apresentando dados e informações con-sistentes sobre a saúde desse grupo populacional. Nesses números, são tra-tados problemas, como mortalidade ma-terna, mortalidade infantil, miomatoses, anemia falciforme e outras refl exões de importância e interesse para a luta das mulheres negras.

Por se revelarem documentos relativos a movimentos sociais, a questão da relação saúde e raça/etnia, neles apresentada, pode ser colocada na sua dimensão sociopolítica. A ideia presente é de que mudanças seriam operadas, não só a partir da ação política, mas também das práticas dos serviços, como, por exemplo, a introdução do quesito cor nas fi chas de registros, o que permitiria estudos específi cos de natureza comparativa de relevância para a Saúde Pública, em geral, e para a saúde reprodutiva, em especial.

O movimento de mulheres negras, ao longo dessa década, também se solidifi cou como um sujeito social e político. Além de problemas estruturais, como a pobreza e a miséria a que as mulheres negras estão expostas, são problematizados os fatos de que o mercado de trabalho é altamente injusto para com as mulheres negras e que a naturalização do racismo e do sexismo faz com que as injustiças contra mulheres negras permaneçam invisibilizadas em nossa sociedade. Mais estritamente relacionados à questão de saúde e gênero, aponta-se a permanência do descaso com doenças de maior prevalência na população negra, o impacto do racismo na saúde mental, a solidão de mulheres negras, determinada por uma rejeição causada por estereótipos e a violência contra a mulher, que ultrapassam fronteiras de raça ou cor, geração e classe social5.

Nesse debate emergem, pois, as mulheres negras como

sujeito político de grande participação e sem o qual não seria possível compreender e visibilizar tais questões. Conforme Roland32, principal articuladora do seminário que deu origem à Declaração de Itapecirica da Serra2, existem difi culdades para o reconhecimento das mulheres negras, como sujeito político, que precisam ser superados, para que se alcance um outro patamar na discussão sobre questão racial e saúde.

Entre as difi culdades estão, em primeiro lugar: as diferenças de concepção sobre o movimento de mulheres negras, a ideia de que a mulher negra é um tema “específi co”, quer seja do movimento negro, quer seja do movimento de mulheres; em segundo: difi culdades de relacionamento entre as diversas tendências e organizações presentes no movimento; em terceiro, difi culdades de legitimação e validação de lideranças e interferências de outros setores no movimento de mulheres negras.

Em suma, tais difi culdades seriam geradas pelo etnocentrismo e patriarcalismo, que dão origem à ideia de que a questão da mulher negra é uma questão “especifi ca”, quer seja do movimento de mulheres, quer seja dos negros, impedindo que mulheres negras tenham existência própria e autodeterminação, como sujeitos sociais e políticos, representantes de uma parcela signifi cativa das mulheres e da população32.

Não sendo nem uma questão específi ca do movimento de mulheres, nem do movimento negro, o movimento de mulheres negras se constituiu no entremeio desses movimentos, com uma pauta própria, na qual, como revelam os documentos, a questão da saúde é de extrema importância. A luta por maior autonomia passa pela politização do corpo, no qual reverberam inúmeras reivindicações e transformações sociais e políticas, inclusive melhores condições de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAISO Movimento de Mulheres Negras cresceu no bojo de uma movimentação social intensa e propôs uma pauta extensa, em

que a questão da saúde da população negra era e é um ponto de grande relevância. Compreende-se, dessa perspectiva, que o corpo é o espaço de inscrição social da desigualdade a que estão submetidas as ditas minorias.

Desse modo, o corpo se tornou o lugar privilegiado para análise e decodifi cação de sinais e sintomas de uma condição social desigual.

A luta pela saúde, como um direito de todos os brasileiros, fez parte de um contexto de profundas transformações na sociedade brasileira, resultando no estabelecimento, na Constituição Federal de 1988, de um capítulo especial, que afi rma a universalidade, integralidade e equidade como princípios reguladores do Direito à Saúde. Estabeleceu o SUS (Sistema Único de Saúde), buscando eliminar distorções produzidas pelos sistemas de saúde anteriores, que excluíam

“EXISTEM PESQUISAS QUE UTILIZAM AS FORMAS DE

CLASSIFICAÇÃO DO IBGE, QUE SÃO: PRETO, PARDO, BRANCO,

AMARELO E INDÍGENA; OUTRAS QUE USAM FORMAS DE CLASSIFICAÇÃO DE COR

COMO GRADIENTES DO CLARO OU ESCURO; ALÉM DE ESTUDOS

TEÓRICO-CONCEITUAIS QUE PARTEM PARA ANÁLISES SOBRE RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL, ETNICIDADE,

IDEOLOGIAS RACIAIS”

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Referências

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parcela importante da população ao direito à saúde. É no processo de construção do SUS para todos, sem

discriminação de qualquer ordem, que se coloca a necessidade de identificar os indivíduos por sua cor/raça, dado que, historicamente, foi negado, de forma violenta, o direito ao reconhecimento da origem étnico/racial dos povos provenientes da África e, com isso, a negação do direito à visibilidade, à identidade e, principalmente, à história, tão essencial para a manutenção de uma boa saúde, a integridade física e mental.

Com o crescimento da luta pelos Direitos Humanos e sua internacionalização, o Brasil, em especial, as organizações sociais participaram de inúmeros processos políticos, que visaram à construção de medidas contra as diferentes formas de violência, desigualdade social e obstáculos que impedem o exercício pleno da cidadania

Inúmeras Conferências Mundiais foram realizadas, dentre elas, destacando-se as Conferências da ONU em Viena, Cairo, Beijing e Durban. Nessas conferências, o principal ponto de discussão tem sido a garantia de um contrato social mínimo, que garanta a cidadania e minimize a exclusão social, a partir do entendimento de que a questão dos Direitos Humanos está diretamente conectada a uma dada autonomia e liberdade, que só se realiza quando direitos sociais, econômicos, políticos e culturais são assegurados.

Os debates sobre questões universais (macrossociais), em

contraponto às “específicas” (microssociais), situavam à margem muitos grupos considerados minorias. Reflexões e demandas políticas, pautadas por princípios e orientações universalistas, não compreendiam as necessidades dos grupos considerados “minoritários”. Mulheres, negros, homossexuais, entre outros, reivindicavam igualdade de direitos, respeito às diferenças e melhores condições para o exercício da cidadania. O “Quesito Cor” antes de tudo possibilita a percepção, monitoramento e compreensão das desigualdades desde o ponto de vista das relações raciais no Brasil.

Forjada por uma ideologia construída sob os auspícios de concepções eugênicas, elaboradas nas décadas que antecederam a segunda guerra mundial à defesa do mito de democracia racial brasileira tornou-se anacrônica, não por ser utópica ou idílica, mas por revelar armadilhas discursivas e por ter subjacente a condução para o “branqueamento”. O racismo, ou mais propriamente, a problemática racial no Brasil revelou-se justamente onde os possíveis defensores do mito da democracia racial afirmam não estar: na formação de uma identidade.

É preciosa a definição de Munanga32 ao estabelecer que a identidade afrobrasileira mais abrangente “seria a identidade política, de um segmento importante da população brasileira excluída de sua participação política”. Essa ideia apresentada é importante por colocar três questões importantes em pauta: a primeira diz respeito ao fato de a população negra constituir

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parte significativa da população excluída; a segunda ao considerar que se trata de um segmento que se autodenomina enquanto tal. A terceira é uma identidade abrangente por apontar para as desigualdades de raça/etnia entre negros e brancos e até mesmo sua exclusão social numa perspectiva política.

Se coletivamente essa questão pode ser identificada na coincidência com a exclusão social, no campo da individualidade, essa coincidência desfaz-se na enorme dificuldade para nomear, identificar e localizar aqueles que seriam as vítimas da discriminação. As justificativas elevam a discussão para dilemas da subjetividade da população negra e, até mesmo, resquícios do racismo.

Dentro das perspectivas atuais a análise das desigualdades raciais no Brasil tem se revelado persistente e requer ações e políticas públicas que alterem a situação de adversidade vivida pela população negra. Paixão31 tem aprofundado suas análises sobre a desigualdades raciais no Brasil e revela em seu “Manifesto antirracista” que os indicadores de desigualdades raciais apresentam grande coerência interna ao longo do tempo e em termos de resultados acerca das respectivas

condições de vida dos distintos grupos de raça/cor permite-se afirmar que os fatores de ordem subjetivos relacionados a erros ou omissões na auto-declaração do tipo racial não tem uma incidência significativa sobre os resultados. Recentemente o IBGE anunciou que irá realizar pesquisa para avaliar o que a população brasileira pensa ao declarar-se pertencer a um determinado grupo étnico racial ou de cor.

Os mecanismos de exclusão e desigualdade racial, historicamente construída, contém mecanismos que podem ser analisados como parte de um corolário de temas associados a violência simbólica exercida contra os excluídos de toda ordem, entretanto o alcance, em termos populacionais, e a abrangência, quando analisadas as condições de vida nos diferentes planos (individual e coletivo), bem como a longevidade de práticas racistas, conferem maior relevância à temática “violência étnico/racial” no Brasil.

A sociedade brasileira, ao que parece, tem uma nova tarefa histórica: reinventar direitos e, sobretudo, redescobrir a dignidade humana e construir uma “democracia racial de fato e não de ficção”.

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