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034 pós- pós v.16 n.26 são paulo dezembro 2009 Resumo Este trabalho trata da aplicação do instrumento de Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios – PEUC, visando exigir dos proprietários o cumprimento da função social da propriedade imóvel urbana. Aborda os marcos da Constituição Federal e do Estatuto da cidade (Lei Federal n. 10.257/01) que regram o referido instrumento. Apresenta o caso de Santo André, município da região metropolitana de São Paulo, que iniciou a notificação de áreas vazias e subutilizadas em 2006 e, para tanto, estabeleceu específicos critérios e procedimentos na regulamentação e aplicação do instrumento. Até o final de 2008, haviam sido notificados os proprietários de cerca de 26% do total selecionado, sendo, destes, aproximadamente 65% localizados no Eixo Tamanduateí. O regime de monitoramento aplicado no período de 2006 a 2008 permitiu identificar entraves como a questão da segurança jurídica, as dificuldades relacionadas com as questões de titularidade e averbação, a governabilidade dos atores locais e dificuldades como a combinação da obrigação de parcelar e edificar com zoneamentos restritivos. A experiência também permite debater a fragilidade do pacto construído para aplicação do instrumento no período de elaboração e aprovação do plano diretor, bem como inferir diversas questões que podem ser comuns à política urbana de qualquer outro município o qual venha a lançar mão do instrumento. Palavras-chave Planejamento urbano, direito urbanístico, plano diretor, política urbana, gestão urbana. arc e lam e nto, e dificação e u tilização comp u lsórios: u m instr u m e nto (ainda) e m constr u ção p Fernando Guilherme Bruno Filho Rosana Denaldi

Parcelamento, edificação e utilização compulsórios: um instrumento (ainda) em construção

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ResumoEste trabalho trata da aplicação do instrumento de Parcelamento,Edificação e Utilização Compulsórios – PEUC, visando exigir dosproprietários o cumprimento da função social da propriedade imóvelurbana. Aborda os marcos da Constituição Federal e do Estatuto dacidade (Lei Federal n. 10.257/01) que regram o referido instrumento.Apresenta o caso de Santo André, município da região metropolitanade São Paulo, que iniciou a notificação de áreas vazias esubutilizadas em 2006 e, para tanto, estabeleceu específicos critériose procedimentos na regulamentação e aplicação do instrumento. Atéo final de 2008, haviam sido notificados os proprietários de cerca de26% do total selecionado, sendo, destes, aproximadamente 65%localizados no Eixo Tamanduateí. O regime de monitoramentoaplicado no período de 2006 a 2008 permitiu identificar entravescomo a questão da segurança jurídica, as dificuldades relacionadascom as questões de titularidade e averbação, a governabilidade dosatores locais e dificuldades como a combinação da obrigação deparcelar e edificar com zoneamentos restritivos. A experiência tambémpermite debater a fragilidade do pacto construído para aplicação doinstrumento no período de elaboração e aprovação do plano diretor,bem como inferir diversas questões que podem ser comuns à políticaurbana de qualquer outro município o qual venha a lançar mão doinstrumento.

Palavras-chavePlanejamento urbano, direito urbanístico, plano diretor, políticaurbana, gestão urbana.

arcelamento, edificação eutilização compulsórios:um instrumento (ainda) emconstrução

pFernando Guilherme BrunoFilho

Rosana Denaldi

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ResumenEste trabajo trata de la aplicación del instrumento de División en Parcelas,Edificación y Utilización Obligatorios – PEUC, a fin de exigir de lospropietarios el cumplimiento de la función social de la propiedadinmobiliaria urbana. Aborda los marcos de la Constitución Federal y elEstatuto de la ciudad (Ley Federal n. 10.257/01), que regulan dichoinstrumento. Presenta el caso de Santo André, municipio de la regiónmetropolitana de São Paulo, que há iniciado la notificación de áreasvacantes y subutilizadas en 2006, y para eso ha establecido criterios yprocedimientos específicos en la reglamentación y aplicación delinstrumento. Hasta fines de 2008 habían sido notificados los proprietariosde cerca de 26% del total seleccionado, y de ellos aproximadamente 65%están localizados en el entorno del rio Tamanduateí. El régimen demonitoreo aplicado en el período de 2006 a 2008 há permitido identificaralgunas barreras, tales como la cuestión de la seguridad jurídica, lasdificultades relacionadas con las cuestiones de propiedad y registro, lagovernabilidad de los actores locales, y dificultades tales como lacombinación entre la obligación de parcelar y edificar, y la zonificaciónrestrictiva. La experiencia también permite discutir la fragilidad del pactoestablecido para la aplicación del instrumento en el período de elaboracióny aprobación del Plan Director, así como inferir diversas cuestiones quepuede tener em común la política urbana de cualquier otro municipio queutilice el instrumento.

Palabras clavePlanificación urbana, derecho urbanístico, plan director, política urbana,gestión urbana

DIVISIÓN EN PARCELAS, EDIFICACIÓN

Y UTILIZACIÓN OBLIGATORIOS: UN

INSTRUMENTO (AÚN) EN

CONSTRUCCIÓN

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AbstractThis paper analyzes the application of the compulsory subdivision,construction, and utilization of land, which requires owners to complywith the social function of urban properties. The article discusses thestructural regulatory framework under the Brazilian Federal Constitutionand the City act (Federal Law n. 10257/01) governing this legislation,as well as the specific case of Santo André, a municipality in the SãoPaulo metropolitan region. In 2006, Santo André began to notifyowners of vacant and underutilized land, using specific criteria andprocedures in the regulation and application of the above legislation.By the end of 2008, nearly 26 percent of the owners of all selectedproperties were notified, with about 65 percent located in the area ofthe Tamanduateí Axis. The monitoring process that took place from2006 to 2008 identified several hurdles in the application of thisinstrument, such as legal, title, and record issues, the governability oflocal stakeholders, and difficulties in combining requirements such assubdividing and building in restricted-zoning areas. The Santo Andréexperience also provides material for discussion of the frailness of thepact built to apply this instrument during the preparation and approvalphases of the city’s master plan as well as for understanding severalissues that might be common to the urban policies of cities opting touse this legislation.

Key wordsUrban planning, urban laws, master plan, urban policy, urbanmanagement.

COMPULSORY SUBDIVISION,

CONSTRUCTION, AND UTILIZATION OF

LAND: AN INSTRUMENT (STILL) UNDER

CONSTRUCTION

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Introdução

Cerca de 80 % da população brasileira moram em áreas urbanas. Ocrescimento da população foi acompanhado do agravamento dos problemasurbanos e ambientais, assim como das desigualdades socioespaciais. Aprecariedade das condições de habitação de grande parcela da população éuma expressão dessa desigualdade. O estudo Assentamentos precários no Brasilurbano, realizado pelo Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro deAnálise e Planejamento – Cebrap para o Ministério das Cidades, apontou queexistem cerca três milhões de domicílios em favelas (assentamentos precários esetores subnormais) no Brasil.

A favela (assentamento precário), assim como os loteamentos clandestinose cortiços, é alternativa encontrada pela população excluída do mercadoimobiliário legal. Essa população é levada a ocupar as áreas desprezadas pelomercado ou onde a construção é vedada, como áreas lindeiras a rios e córregos,reservas de loteamentos para uso institucional ou área verde, ou ainda degrande importância ambiental, como as APRMs (Áreas de Proteção eRecuperação de Mananciais), florestas e mangues1. Para Maricato (2001, p. 39),“O processo de urbanização se apresenta como uma máquina de produzirfavelas e agredir o meio ambiente”.

Enquanto perímetros urbanos são criados e áreas de interesse ambientalsão ocupadas, persistem, na maioria das cidades, áreas vazias e subutilizadas.Grande parte das cidades brasileiras apresenta, em seu perímetro urbano,espaços vazios, contíguos ou não, e não cumprem função social, ainda queambiental (mata nativa, por exemplo) ou econômica (agricultura urbana, dentreoutras), por vezes com porcentuais elevadíssimos em relação ao solo urbanoverdadeiramente edificado. A maioria desses “vazios urbanos” – glebas, mastambém lotes de grandes dimensões – é reserva especulativa.

O adensamento desse perímetro urbano, quando dotado de infra-estruturaadequada, é mecanismo estratégico para preservar ou recuperar o meioambiente e diminuir as desigualdades socioespaciais. Para tanto, a legislaçãourbanística deveria possibilitar a ampliação da oferta de terra urbanizada emseus limites e inibir a retenção especulativa de terrenos. Entretanto, no contextohistórico brasileiro, a legislação foi instrumento da construção de cidadesdesiguais. Os planos e leis passaram ao largo da “cidade real” e ignoraram ascondições e necessidades da grande maioria da população. Villaça (1999)aponta: o planejamento urbano, na figura do plano diretor, acabou contendouma forte carga ideológica, e, no Brasil, os planos diretores não são aplicados,restringindo-se ao discurso. Assim, os instrumentos urbanísticos serviram aosinteresses da classe dominante e do mercado imobiliário2 .

(1) Maricato (2001)aponta que a“favelização” das cidadesestá relacionada com ascaracterísticasexcludentes do mercadoimobiliário formal e com a“urbanização desigual” dametrópole, relacionadacom as característicashistóricas dodesenvolvimento docapitalismo nos paísesperiféricos, identificadascomo “desenvolvimentodesigual e combinado”.

(2) Sobre o temalegislação, arbitrariedadee segregação ver Maricato(1996, 2001).

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A Constituição de 1988 e o Estatuto da cidade (Lei n. 10.257/2001) abrirama expectativa de mudanças no rumo das políticas urbanas e práticas de gestão. Oaprimoramento do arcabouço jurídico cria condições para incorporar a funçãosocial da propriedade urbana na legislação e no planejamento urbano. Surge aexpectativa de um novo rumo para políticas urbanas, mas também indagaçõesrelacionadas ao seu real potencial de impulsionar mudanças no quadro daformação brasileira desigual3 .

Um dos principais instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para fazercumprir a função social da propriedade imóvel urbana é o PEUC (Parcelamento,Edificação e Utilização Compulsórios). Segundo critérios estabelecidos no planodiretor, ou legislação complementar, o município pode notificar o proprietário deterrenos vazios e subutilizados para apresentação de proposta de utilização emdeterminado tempo. Caso ele não cumpra os prazos de apresentação de projetos eexecução de obras, aplica-se o IPTU progressivo no tempo, instrumento tributárioque trata do aumento da alíquota, ano a ano, pelo prazo de cinco anosconsecutivos. Por fim, permanecendo inerte o proprietário, é possível adesapropriação com o pagamento de títulos da dívida pública.

A aplicação dos princípios e instrumentos previstos no Estatuto dependemde sua incorporação aos planos diretores (revisão ou elaboração). Podem ganharcontornos variados dependendo das políticas municipais, correlação de forças noâmbito municipal, das diversas interpretações de conceitos e das possibilidadesde aplicação pelo poder executivo local.

Está presente, no discurso oficial de diversos governos municipais, a defesadesses instrumentos. Muitos planos diretores elaborados ou aprovados previram aaplicação de instrumentos como PEUC, mas poucos, de fato, iniciaram suaaplicação. São, ainda, esparsos os estudos e mesmo as notas ou remissões àimplantação do instrumento4 .

Isso dificulta aprofundar o estudo e pesquisa sobre os potenciais elimitações de sua aplicação. Podemos afirmar que, ainda, conhecemos poucosobre as possibilidades de sua aplicação, metodologia, resultados, limitaçõesjurídicas. O registro da experiência de Santo André, embora recente einterrompida, torna-se importante em função de seu pioneirismo e contribui como debate sobre a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da cidade.

O estatuto da cidade e o peuc

O instrumento denominado PEUC possui estreita relação com o princípio dafunção social da propriedade imóvel urbana, e, nesse contexto, deve serconsiderado, regulado e implementado. Isso não significa que cumprir a funçãosocial da propriedade imóvel urbana seja apenas parcelar, edificar ou atribuir-lheum uso, mas sim a subutilização (em sentido amplo) afronta, de maneiraespecialmente grave, o princípio e sua concretização.

O PEUC e seus sucedâneos – o imposto predial e territorial urbanoprogressivo no tempo e a desapropriação com pagamento em títulos – estãoconstituídos como regra pela Constituição Federal, artigo 182, parágrafo 4º.Entretanto, na prática, tanto a lei nacional destinada a veicular normas gerais depolítica urbana quanto a lei federal, destinada a conceder eficácia plena ao

(3) Ferreira (2009, p. 12)lembra que as cidadesbrasileiras refletem,espacialmente, osdesajustes históricos eestruturais da sociedaderelacionados às formaspeculiares de formaçãonacional dependente e dosubdesenvolvimento.

(4) A pesquisa realizadapor meio de convêniofirmado entre o Ministériodas Cidades (Secretaria deProgramas Urbanos) e oConselho Nacional deEngenharia, Arquitetura eAgronomia – Confea,apontou que o PEUC, atéagosto de 2007, foiprevisto por cerca de 62%dos planos diretoresaprovados ou em fase dediscussão (naquelemomento) nas câmaras devereadores em cadamunicípio obrigado aaprová-lo. A referidapesquisa não trata daaplicação do instrumentoe aponta que propostascomo “limitar a expansãourbana”, “combater osvazios urbanos” e“aumentar a oferta deterras”, três dos principaisproblemas a seremcombatidos com o uso doPEUC, são preocupaçãode não mais de 16,6%desses municipios.

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instrumento do parcelamento, edificação e uso compulsórios só vigoram a partir daedição da Lei n. 10.257/2001, o Estatuto da cidade.

O Estatuto, em seus artigos 5º e 6º, estabelece prazos, condições e garantiaspara que o município exija o cumprimento da função social daqueles imóveis não-edificados, subutilizados ou não-utilizados. E faz isso de maneira sucinta, comoconvém a uma norma geral, uniformizando aquilo que é comum às administraçõeslocais, mas deixando para a legislação municipal (plano diretor à frente) a tarefade definir concretamente as situações de cabimento. Assim, se a definição de não-edificado é meramente gramatical (terreno sem qualquer construção), a condiçãode subutilizado será estabelecida a partir de critérios locais, os quais, inclusive,podem variar para cada região do perímetro urbano de cada município. Por outrolado, a não-utilização5 fica a inteiro critério da legislação municipal, dentro decerta margem de razoabilidade.

Embora repetindo a referência à “lei específica” como veículo doinstrumento, a exemplo do que consta no próprio artigo 182 da ConstituiçãoFederal, ela deve ser lida como “lei” em seu sentido substancial, e não material.Em outras palavras, é preciso respeitar-se o princípio da legalidade noestabelecimento da obrigação, fazendo os elementos principais, que permitamdefinir sentido e alcance da norma, estarem submetidos ao processo legislativo,nesse caso, da Câmara de Vereadores. Nada obsta, portanto, tais definiçõesestarem todas contidas no próprio plano diretor, o que tornaria, a partir de suapromulgação, auto-aplicável, no contexto local, a exigibilidade de conceder-se, aosolo urbano, um uso (CEPAM, 2006).

Vale ressaltar que não se pode considerar correta a interpretação de aadoção do PEUC ser uma faculdade. Aparentemente, e por uma interpretaçãounicamente gramatical, a adoção do PEUC representaria uma “faculdade”,cabendo a cada município, no âmbito de seu plano diretor e respectiva legislaçãourbanística, exercer uma opção, para fazê-lo ou não. Por um lado, dar ao imóvelurbano uma função social é condição de legitimidade da propriedade. Por outrolado, esse imóvel deve conter um uso que “atenda às exigências fundamentais deordenação da cidade, expressas no plano diretor” (conforme o § 2º do artigo 182da CF). O exercício da autonomia municipal se expressa por um poder-dever,significando que, dado um poder, ele, obrigatoriamente, deve ser exercido, quandonecessário, em especial se relacionado à concretização dos direitos fundamentais.Em outras palavras, se presentes as condições objetivas, vale dizer, os efeitosperniciosos da retenção especulativa, tal “faculdade”, portanto, implica apenas emdefinir elementos específicos de cada município – dimensões dos terrenosobrigados à edificação ou parcelamento, localização, procedimentos, etc.–,buscando modular o uso do instrumento a fim de ele atingir seu propósito, e nãonegá-lo.

Por fim, e reforçando a idéia de estabelecimento do PEUC como dever, e nãofaculdade em sentido estrito, o artigo 42, inciso I, do Estatuto, determina que, doconteúdo mínimo do plano diretor deva constar a delimitação das áreas urbanasàs quais poderão ser aplicados o parcelamento, edificação ou utilizaçãocompulsórios, obrigatoriamente considerando a existência de infra-estrutura e dedemanda para utilização. Determina, assim, que a exigibilidade do PEUC dialoguecom as peculiaridades e características do processo de urbanização de cadamunicípio e região6.

(5) Anote-se a posição deVictor Carvalho Pinto(Estatuto da cidadecomentado, p. 132 esegs.), no sentido que, naverdade, a “não-utilização” seria gênero,do qual “não-parcelamento” e “não-edificação” seriamespécies. Apenas essasduas últimas situações,portanto, seriam passíveisde regulação pelosmunicípios.

(6) A Lei Federaln. 11.977/09, recém-promulgada, que dispõesobre o Programa MinhaCasa, Minha Vida, voltadoao provimentohabitacional, mas tambémà regularização fundiáriasustentável, apontaalguns dos critérios paradefinição dosbeneficiários, dentre eles“a implementação pelosMunicípios dosinstrumentos da Lein. 10.257, de 10 de julhode 2001, voltados aocontrole da retenção dasáreas urbanas emociosidade” (artigo 3º,inciso III). Porém, não hánotícias, até o momento,de regulamentação desseprincípio, em qualquer umdos diplomas normativos(decretos, portarias,resoluções, etc.) quedecorrem da citada Lein. 11.977.

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PEUC: o caso de santo andré

O PEUC foi instituído no município de Santo André pelo Plano DiretorParticipativo (Lei n. 8.696, de 17 de dezembro de 2004), o qual estabeleceu osprincípios e instrumentos da política urbana. Esse plano dividiu o território emduas macrozonas: a Urbana, correspondendo à porção urbanizada, e a de ProteçãoAmbiental, correspondendo às áreas de proteção e recuperação de mananciais(APRM). A Macrozona Urbana, por sua vez, subdivide-se em quatro zonas:Qualificação Urbana, Recuperação Urbana, Reestruturação Urbana e a ZonaExclusivamente Industrial.

A Zona de Qualificação Urbana – ZQU se caracteriza por ter a infra-estruturaconsolidada. A Zona de Recuperação Urbana – ZREU corresponde à porção sul daMacrozona Urbana e apresenta uso predominantemente residencial, com altadensidade populacional, carência de infra-estrutura e equipamentos públicos e altaincidência de loteamentos irregulares e núcleos de favelas.

A Zona de Reestruturação Urbana – ZRU corresponde ao eixo da avenida dosEstados, rio Tamanduateí e a antiga Estrada de Ferro Santos-Jundiaí e quadraslindeiras, cortando a Macrozona Urbana no sentido NO-SE, correspondendo, emlinhas gerais, ao denominado “Eixo Tamanduateí”. Caracteriza-se pela presença degrandes áreas, parte considerável delas subutilizadas, não-utilizadas e mesmo não-edificadas.

O Plano Diretor Participativo definiu que o PEUC deve ser aplicado sobre“solo urbano não-edificado” existente no perímetro urbano. Definiu ainda como“solo urbano não-edificado” aqueles terrenos e glebas com área igual ou superior a1.000 m² (mil metros quadrados), localizados na Macrozona Urbana, quando ocoeficiente de aproveitamento (CA) utilizado for igual a zero. Por outro lado,conceituou como “solo urbano subutilizado” os terrenos e glebas com área igual ousuperior a 1.000 m² (mil metros quadrados), localizados na Macrozona Urbana ecom o coeficiente de aproveitamento menor que o mínimo definido para a zonaonde se situam – CA mínimo de 0.20 para as Zonas de Qualificação (ZQ) e deRecuperação Urbana (ZREU) e de 0.40 para a Zona de Reestruturação Urbana(ZRU). Por fim, determinou que seria considerado “solo urbano não-utilizado” todotipo de edificação comprovadamente desocupada há mais de dois anos, ressalvadosos casos dos imóveis integrantes de massa falida.

Repetindo a fórmula do Estatuto da cidade, o plano estipula o prazo de umano, a partir da notificação, para que o proprietário apresente um projeto deedificação, e, de dois anos, a partir da aprovação daquele projeto, para iniciar asobras respectivas. Também admite, no caso dos empreendimentos de grande porte,a execução por etapas. O Plano Diretor Participativo estabelece, ainda, que ficamexcluídos dessa obrigação os terrenos (a) utilizados para instalação de atividadeseconômicas as quais não necessitem de edificações para exercer suas finalidades;(b) que exerçam função ambiental essencial, tecnicamente comprovada pelo órgãomunicipal competente; (c) de interesse do patrimônio cultural ou ambiental; (d)ocupados por clubes ou associações de classe; e, por fim (e) de propriedade decooperativas habitacionais.

O Decreto n. 15.379, de 16 de maio de 2006, regulamentou os artigos 116 e117 do Plano Diretor, identificando hipóteses de atividades econômicas que nãonecessitam de edificação (dutos, linhas de transmissão, atividades acessórias como

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estacionamentos, etc.). Determinou os critérios para a identificação de áreas deinteresse ambiental que seriam excluídos da notificação, além de outrosprocedimentos necessários a tornar exigível a obrigação de parcelar ou edificar osimóveis abrangidos pelo instrumento.

Procedimento de identificação e notificação dos proprietários7

A primeira etapa consistiu na elaboração de listagem de imóveis situados naMacrozona Urbana, enquadrados nos critérios estabelecidos no artigo 116 do PlanoDiretor Participativo, combinada com a regulamentação dada pelo Decreton. 15.379/20068.

As informações necessárias à elaboração da listagem foram extraídas doBanco de Dados do Município – BDM, no qual constam as áreas construídas(licenciadas ou objeto de recadastramento para fins tributários) dos imóveis, o quepossibilitou o cálculo do coeficiente de aproveitamento efetivamente implantado emcada um e, conseqüentemente, o enquadramento na condição de passíveis deexigibilidade quanto ao parcelamento ou edificação compulsórios.

Para aferir a situação individual dos imóveis, foi instaurado um processoadministrativo versando, respectivamente, sobre cada um deles. Assim, todas asinformações já existentes as quais pudessem fornecer um quadro acerca de suasituação (ou enquadramento nos critérios excludentes adotados pelo Plano Diretor,ou ocupação já identificada, mas não licenciada, como os núcleos de favelasdeclarados como ZEIS) foram coligidas a fim de compor o quadro final daquelesproprietários que seriam, efetivamente, notificados.

Considerando que a análise sistemática do artigo 5° do Estatuto da cidadenão exige o licenciamento como critério de aferir a não-edificação9 , optou-se porvistoriar e identificar em campo as situações de subutilização e utilização de grandeparte dos lotes.

O levantamento realizado (BDM e vistoria) apontou que, no município,existiam 885 lotes (ou glebas) maiores de 1.000 m2, resultando em cerca de 11milhões de m2. Dentre estes, 245 lotes (ou glebas), somando aproximadamente4,5 milhões de m2 e correspondendo a 41% desse total, deveriam ser excluídos porse enquadrarem como áreas não-notificáveis de acordo com o plano e o decreto.

Como mencionado, as características das áreas notificáveis se diferenciam deuma zona para outra. Assim, a Zona de Qualificação Urbana concentrava umnúmero maior de vazios, porém, em sua maioria, com área menor de 5.000 m2. Poroutro lado, nas zonas de Recuperação Urbana e de Reestruturação Urbana (estacom quase 50% do total de área não-edificada) se encontravam a maioria dosgrandes vazios urbanos (áreas com mais de 20 mil m2). Cabe ressaltar que apenas31 lotes notificáveis, ou 4,46% do total, correspondiam a 57% do volume de áreassubutilizadas ou não-edificadas.

Considerou-se que o mercado imobiliário regional não conseguiria absorver,em um mesmo momento, esse volume de terrenos, fosse para parcelamento ouedificação, fosse para o uso residencial ou não-residencial. Entendeu-se, então,como mais prudente e adequado, o escalonamento no tempo das notificações.

Para estabelecer tal escalonamento, as áreas notificáveis foram agrupadas porzona, tamanho e coeficiente de aproveitamento. Optou-se por iniciar a notificação emtoda a Macrozona Urbana e por priorizar as glebas maiores e com coeficiente menorde aproveitamento, levando, também, em consideração, as características das zonas.

(7) Dados fornecidos pelaprefeitura de Santo Andréem setembro de 2008.

(8) Como se depreende, aaplicação se deu,inicialmente, pelos imóveisnão-edificados esubutilizados,postergando aexigibilidade em relaçãoàqueles não-utilizados, emrelação aos quais hánecessidade de outroselementos, em especial aformação de bancos dedados próprios,diligências, importação deinformações deconcessionárias deserviços públicos, etc.

(9) Essa possibilidadeconstava no Estatutocomo aprovado peloCongresso Nacional, masfoi vetada pelo entãopresidente da República.

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Definiu-se, assim, três etapas de notificações, em que todas as áreasdeveriam ser notificadas até 2015, período a coincidir com a revisão do PlanoDiretor Participativo, dez anos após sua aprovação –, momento, portanto, em quea eficácia do instrumento será, obrigatoriamente, objeto de análise do conjunto dasociedade local.

Na primeira etapa seriam notificados 80 lotes, correspondendo a 57% dosvazios até 2008. Vale ressaltar que 21 lotes que correspondem a 43,25% do totalda área notificável na primeira etapa estavam localizados na área do EixoTamanduateí (Zona de Reestruturação Urbana). O quadro 1 apresenta o critério eo escalonamento adotados.

Quadro 1 – Lotes Notificáveis – Critérios de Classificação por Etapa de NotificaçãoFonte: Departamento de Desenvolvimento e Projetos Urbanos – DDPU / Prefeitura de Santo André (2008)

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Resultados alcançados até 2008Regulamentado o instrumento e, subseqüentemente, estabelecida a

estratégia de notificação, o município adotou, ainda, um regime de monitoramentoque visava esclarecer e orientar os proprietários, colhendo suas impressões sobreos fatores que definiram a não-utilização, sempre no sentido de induzir aocumprimento da obrigação. Para tanto, foram destacados e capacitados servidoresque acompanharam as discussões do plano diretor e tinham (ou adquiriram) umavisão sistêmica da ocupação do solo no município e dos novos instrumentostrazidos pela legislação urbanística aprovada.

O perfil dos proprietários notificados na primeira etapa está relacionado comas características das áreas notificadas, em especial quanto: (a) ao volume depassivos fiscais, tributários ou decorrentes de multas, em parte litigadosjudicialmente ou administrativamente; e (b) ao descolamento da atividadeprodutiva – da construção civil, indústria, comércio, etc. – e mesmo da residênciano município, redundando em clara desinformação quantos aos processos maisrecentes de expansão, adensamento e transformação da malha urbana. Nesseúltimo caso, importa ressaltar que, não raro, a instância de decisão acerca doimóvel (sua manutenção ou disponibilização) situava-se em outros estados e atémesmo fora do país!

A repercussão deste approach em relação aos proprietários se mostrouaquém do desejado. Foram atendidos, por vezes em mais de uma ocasião, 34proprietários, e a grande maioria não adotou, até o final de 2008, condutas clarasde elaboração e apresentação de projetos de parcelamento ou edificação, comoseria de esperar. Por outro lado, os proprietários de quatro imóveis (totalizando250.588 m2) solicitaram a instauração de consórcio imobiliário, sob análise porparte da administração pública até o momento.

É de notar que, em dois casos, os proprietários notificados buscaramresolver outros passivos, em especial aqueles fiscais. Assim, promoveram, junto daadministração pública, a quitação dos débitos via dação em pagamento de seusimóveis (em um deles tratava-se de fração do terreno), conforme autorizado pelaLei Complementar Federal n. 104/2001 e, no caso de Santo André, pela LeiMunicipal n. 8155/2000. Nessa operação, a administração pública recebe umaparte do imóvel – o quanto baste para quitação dos débitos. Em contrapartida, ena perspectiva do mercado imobiliário, o proprietário permanece com oremanescente totalmente livre de ônus fiscais, o que facilita, enormemente, aalienação ou incorporação imobiliária. Nesses dois casos, a área recebida pelaadministração municipal foi destinada à habitação de interesse social.

Outros proprietários questionaram a aplicação da obrigação de parcelar ouedificar, de forma combinada com a aplicação de zoneamento restritivo,especificamente as Zonas de Especial Interesse Social – ZEIS. Vale lembrar que oPlano Diretor Participativo de Santo André define que as mesmas devem serdestinadas à população com renda familiar igual ou inferior a três saláriosmínimos, e as unidades habitacionais devem ser produzidas pelo setor público oucom a indicação de demanda aprovada por esse.

Até novembro de 2007, a prefeitura já havia atingido cerca de 50% dosimóveis enquadrados na primeira etapa. Foram notificados 45 lotes quecorrespondem a cerca de 1,7 milhões de m2, e 14 destes (1,1 milhão de m2)estavam localizados no Eixo Tamanduateí (Zona de Reestruturação Urbana).

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LEGENDA

Amarelo: Zona de Reestruturação Urbana (ZREU)

Lilás: Zona de Recuperação Urbana (ZRU)

Branco: Zona de Qualificação Urbana (ZQU)

Azul: 1ª Etapa de notificação

Verde: 2ª Etapa de notificação

Marrom: 3ª Etapa de notificação

Elaboração: Prefeitura de Santo André (2008)

Mapa 1: Aplicação do PEUCno municipio de Santo André:áreas e etapas de notificação

Elaboração: Prefeitura deSanto André (2008)

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Foram notificados 12 lotes (ou glebas) demarcados no Plano Diretor Participativocomo ZEIS e que correspondiam a cerca de 650 mil m2, e sete destas eram ZEIS(ou 530 mil m2) localizada na área do Eixo Tamanduateí.

Porém, no marco de dezembro de 2008 o processo de notificação dosproprietários ficou abaixo do planejado, ora por falta de estrutura administrativaapta a dar-lhe respaldo, ora por contingências naturais à implementação doinstrumento, como: (a) dados cadastrais desatualizados, a exemplo do endereço etitularidade dos imóveis; (b) constatação in loco de edificações não-licenciadas10 .

Com efeito, a administração pública chegou a antecipar a notificação dealgumas áreas que constavam na segunda etapa e, ainda assim, apenas osproprietários de 54 lotes passaram por tal procedimento.

Ainda maior era, também em dezembro de 2008, a defasagem dasaverbações – não mais de 16 – efetivadas nos cartórios de registros de imóveis,nas matrículas respectivas. A exigência da averbação, tornando pública acondição do imóvel como subutilizado, busca, de forma imediata, a segurançajurídica dos adquirentes, em função do ônus decorrente da notificação. Porém,de forma mediata, também atende aos princípios que regem a administraçãopública, em especial o da publicidade. Esses devem ser instrumentalizados demaneira concreta, e não apenas formal. Assim, é extremamente temerário taldescompasso, não sendo impossível que alguém venha adquirir um imóvelnotificado sem a correspondente averbação e, em função disso, alegue danosmateriais indenizáveis por parte da administração pública.

Há indícios que a aplicação desse instrumento foi interrompida em 2009,momento o qual coincide com a alternância de governo. Portanto, ainda não épossível conhecer o destino da aplicação desse instrumento na cidade de SantoAndré, tanto quanto à continuação do processo de notificação como quanto aocumprimento da lei nas áreas notificadas até o final de 2008.

Lições extraídas da experiência de santoandré

O PEUC é um instituto ainda em construção, não-incorporado efetivamenteàs políticas públicas locais e objeto de intensas discussões no campo jurídico. Aincipiente experiência de Santo André permite apontar algumas recomendações:

a) Atenção às peculiaridades locais (cidade e região)O contexto urbano e econômico de cada município, ou mesmo região, deve

ser ponderado ao se instituir e regulamentar o instrumento, tendo em vista ora alocalização, ora as dimensões mínimas de lotes e glebas considerados, inclusive,combinando esses dois fatores, tendo sempre em mira as estratégias do plano –por exemplo, admitindo lotes maiores isentos da notificação em porções dacidade propícias à ocupação pela indústria, comércio atacadista ou comfragilidades ambientais, etc. O mesmo vale para a idéia de notificações poretapas;

b) diversos lotes sob a titularidade de um mesmo proprietário e igualmentenão-edificados.

Não há óbices, quer urbanísticos, quer jurídicos, em reunir-se um certonúmero de lotes – mesmo abaixo da metragem mínima – de um mesmo titular/

(10) O Estatuto da cidade,conforme aprovado noCongresso Nacional,previa a possibilidade deconsiderar comosubutilizado o imóvel“utilizado em desacordocom a legislaçãourbanística e ambiental”(art. 5º, § 1º, inciso II). Taldispositivo foi vetado pelopresidente da República,e o veto foi mantido peloCongresso.

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proprietário, e sobre eles fazer, igualmente, incidir a notificação. De fato, oparcelamento anterior não elide a conduta de retenção especulativa; aocontrário, e, se essa se caracterizar, constitui mero aspecto formal, com efeitosigualmente danosos à oferta de terra urbanizada para edificação;

c) imóveis que cumprem a função social sem que estejam edificadosacima do coeficiente mínimo ou parcelados

Por vezes, conceder uma função social à propriedade pode não estarassociada à edificação, e cabe ao plano diretor (ou à lei específica) enfrentaressa questão, considerando, dentre outras:

– A relevância ambiental, com a presença de vegetação significativa, ou aimpossibilidade de edificação por conta das condições do solo. Um eventualimpasse; porém, pode surgir na situação de áreas classificadas como áreas dePreservação Permanente – APP, ao longo de córregos, topo de morro, etc.,conforme disposições do Código florestal (Lei Federal n. 4771/65) – ou emoutras nas quais a vegetação já foi retirada. Assim, deve o município condicionara isenção da notificação (ou a não-contabilização para fins de metragemmínima) à condição ambiental efetiva, e não apenas desejada ou legalmenteprevista;

– a relevância paisagística, história ou arquitetônica, na qual vale o mesmoraciocínio acima, podendo ou não o bem ser tombado, mas devendo o planodiretor (eventualmente a lei específica) anotar as características que se pretendepreservar, no interesse da memória ou da cultura;

– as atividades econômicas ou institucionais a demandarem edificações,como, por exemplo, dutos, linhas de transmissão, fornos, depósitos,estacionamentos de veículos, campos de prática esportiva, piscinas, etc. A fim decoibir fraudes contra a aplicação do instituto, é conveniente o plano diretorestabelecer limites máximos ao exercício de algumas dessas atividades, quandopertinente;

d) fraudes visando descaracterizar a não-utilizaçãoNão são poucas as condutas que, claramente, podem ser adotadas pelos

proprietários, a fim de descaracterizar seus imóveis como não-utilizados, e a maisóbvia nos parece ser o desmembramento, de forma a que os lotes resultantes seposicionem abaixo da metragem mínima. Nesse caso, é possível, dentro de suacompetência, o município exigir, minimamente, a reserva e doação de áreaspúblicas para o parcelamento;

e) propriedade pública ou de ente públicoA situação de imóveis públicos ou de entes da administração pública

(fundações, autarquias, etc.), os quais permanecem por longos períodos detempo não-edificados ou subutilizados, deve ser enfrentada de outras maneirasque não a notificação (eventualmente, a Ação Popular, ou mesmo a Ação CivilPública). Na medida em que constituem patrimônio público, há de haver umhorizonte, no planejamento administrativo, para a utilização dos imóveis. Mastambém podem se configurar diversas situações, pertinentes a proprietáriosprivados (massa falida, espólio, associações comunitárias ou filantrópicas, dentreoutros), em que o impulso político e social seja o de não aplicar o instituto.Contudo, não há, quer na Constituição Federal, quer no Estatuto da cidade,guarida para o estabelecimento de diferenciações. Eventualmente, é possíveladiar o início dos prazos para cumprimento da obrigação;

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f) o consórcio imobiliário como opção do poder públicoA celebração de contrato de consórcio imobiliário (previsto no artigo 46 do

Estatuto da cidade), quando assim pretendido pelo proprietário, é uma opção dopoder público, o qual, porém, deve prever, em seu planejamento financeiro(Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária), osrecursos necessários, além de prover licitação pública quando houver mais deuma proposta adequada;

g) A questão do imóvel edificado, mas não-utilizadoUma grande dificuldade não-superada, no caso de Santo André, está na

definição e aferição da não-utilização em sentido estrito. Esse parece ser um dosdesafios do legislador local e das administrações municipais, posto se tratarem deimóveis parcelados ou edificados, mas não-utilizados para as finalidades queatendam à sua função social. Nesse universo, pode o plano diretor incluir desdegrandes edificações, como indústrias e galpões, mas até mesmo unidadeshabitacionais verticalizadas. Um critério possível é a efetiva utilização, durantecerto período, dos serviços públicos, como água, luz e coleta de lixo, a qual,combinada com vistorias periódicas, pode permitir inferir o abandono do imóvel11 .Ainda assim, o mesmo imóvel pode trafegar em curtos períodos de tempo dautilização a não-utilização, como usualmente ocorre com unidadesdisponibilizadas no mercado de locação imobiliária. De qualquer forma, eventuaisdificuldades na aferição não são, por si, impedimentos à exigibilidade dautilização do imóvel.

Questões para debate

Uma primeira questão se relaciona com a eficiência do instrumento, aindapouco experimentado para promover a utilização ou disponibilização dos vaziosurbanos a curto ou médio prazo. A utilização desses vazios depende, também, defatores que não estão na governabilidade dos atores locais. A produção dehabitação social para população de menor renda, por exemplo, depende definanciamento altamente subsidiado e em larga escala e, portanto, relaciona-se àimplantação da política e Sistema Nacional de Habitação. De outro lado, adinâmica dos investimentos do setor industrial e correlatos (logística e demaisprestação de serviços industriais) depende também de condicionantesmacroeconômicas, assim como em cada cidade e região existem especificidadesainda relativas à dinâmica imobiliária. Outros fatores, como a falta de agilidade nolicenciamento, problemas fundiários de ordem jurídica, dificuldades para aobtenção de financiamentos ou para aportar capital podem ser obstáculos apermitir que o adensamento pretendido daqueles vazios ocorra com a velocidadedesejada.

Para lidar com essas indefinições, o governo municipal poderá encontraralternativas, como estabelecer prazos maiores para cumprimento da obrigação ouescalonar as notificações. A definição de prazos maiores pode postergar para ofuturo efeitos que já poderiam ser percebidos tão logo o arcabouço legal exigívelestivesse disponível. A solução de escalonamento, como em Santo André, pode seruma via adequada, se executada de forma transparente e dialogar com odiagnóstico e estratégia de ação definida no plano diretor.

(11) A Ley del Sueloespanhola, a qualcontempla também aobrigatoriedade àedificação forçada,estabelece situações dedemolição obrigatória deimóveis não-utilizados.

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Outra questão a ser debatida é a combinação da obrigação de parcelar ouedificar com zoneamentos restritivos. Uma vez estabelecida a obrigação deparcelar ou edificar, ela deve acontecer conforme os usos e coeficientespermitidos para a zona onde se situa o imóvel. Quando o plano diretor, aomesmo tempo, estabelece um zoneamento restritivo (por exemplo, determinandocomo única opção a edificação de Habitação de Interesse Social para populaçãocom renda até três salários mínimos, como no caso da ZEIS com HIS em SantoAndré), há o risco de, na medida em que combinadas as duas regras,caracterize-se uma expressiva perda de conteúdo econômico do imóvel; ou, poroutro lado, uma resistência fundada em argumentos econômicos. Assim, emboraainda não haja vedações constitucionais ou legais a essa concomitância,entendemos que deve haver um acompanhamento dessas situações paraacelerar a ocupação desses vazios em condições minimamente razoáveis aosproprietários.

Vale lembrar – diferentemente do ocorrido em outros países europeus,esses instrumentos jurídicos institucionais chegam quando as cidadesbrasileiras, principalmente em regiões metropolitanas, como Santo André, estão“comprometidas”. Entre outros problemas, já não possuem significativo estoquede terras públicas e privadas vazias, grande parte de suas áreas ambientalmentesensíveis são ocupadas e deterioradas, apresentam áreas contaminadas e grandepassivo ambiental. Não antecipa os problemas urbanos, mas chega a reboquedos mesmos.

Por fim, é preciso destacar o desafio de consolidar o instrumento o qualVillaça (1999) denomina de “esfera política”. Trata-se, no caso dessa experiênciade Santo André, de verificar se o pacto construído com diferentes segmentos dasociedade, no período de elaboração e aprovação do plano diretor, será mantido.A nova condição jurídico-institucional dada pela aplicação do Estatuto da cidadeabre perspectivas de um novo rumo para as políticas urbanas, pode ser umaferramenta para contrapor a apropriação desigual da cidade, mas não eliminanossas contradições.

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Fernando Guilherme Bruno FilhoAdvogado, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor da Faculdade de Direitoda Universidade São Judas Tadeu. Secretário adjunto de Desenvolvimento Urbano eHabitação da prefeitura de Santo André (2003-2007) e titular do Conselho das Cidades(2006-2008)[email protected].

Rosana DenaldiArquiteta, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, professora daUniversidade Federal do ABC e secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação daprefeitura de Santo André (2003-2007).

Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências SociaisAplicadas.Rua Asteca, n. 46. Bela Vista09190-390 – Santo André, [email protected]

Nota do EditorData de submissão: fevereiro 2009Aprovação: setembro 2009