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R EDES SOCIAIS , I NSTITUIÇÕES E ATORES P OLÍTICOS NO GOVERNO DA CIDADE DE S ÃO P AULO Eduardo Cesar Leão Marques São Paulo, maio de 2003

Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São Paulo

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REDES SOCIAIS, INSTITUIÇÕES E ATORES POLÍTICOS

NO GOVERNO DA CIDADE DE SÃO PAULO

Eduardo Cesar Leão Marques

São Paulo, maio de 2003

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Índice

Índice de Tabelas, Gráficos, Figuras e Mapas

Agradecimentos

Introdução

Capítulo 1: Atores, instituições políticas e redes sociais na literatura sobre o poder na cidade

Os enquadramentos da literatura sobre a política local

Sínteses analíticas tentativas

Atores, instituições e redes

Capítulo 2: História, estrutura e controle da direita

A construção histórica de SVP

O período 1975-2000

A dinâmica política municipal

Controle da direita sobre os cargos

Capítulo 3: Os aspectos gerais da política e seus condicionantes

Mecanismos na literatura: conflitos, eleições e políticas do Estado

O padrão geral dos investimentos

Capítulo 4: A dinâmica espacial dos investimentos e a produção do espaço paulistano

Com Renata M. Bichir

Periferias, Estado e produção do espaço

Os investimentos no espaço

A base espacial

Distribuição espacial dos investimentos por anos (1978 a 1998)

Distribuição espacial dos investimentos por administração

Investimentos na periferia

Capítulo 5: A rede da comunidade e a dinâmica do poder

A rede do setor

Posições e estrutura da rede

Grupos

Setores

Síntese da estrutura da rede

Capítulo 6: Padrões de intermediação de interesses, permeabilidade no setor e padrões de vitória de empreiteiras

Com Renata M. Bichir

Redes e permeabilidade no Brasil

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Instituições políticas, redes sociais e contratações do setor público

Empresas de construção, mercado nacional e mercado local

Concentração – geral, dinâmica política e regras institucionais

Maiores vencedores

A permeabilidade no setor

Conclusão

Bibliografia

Anexos metodológicos

Anexo 1: Análise dos Investimentos

Anexo 2: Recomposição da Rede de relações por governo

Anexo 3: Produção da base espacial

3

Índice de Figuras

Tabelas

Tabela 1: Porcentagem de votos (do comparecimento) para prefeito - 1985/1996 – apenas 1os turnos

Tabela 2: Composição da Câmara de vereadores por partido e Legislatura

Tabela 3: Indivíduos comuns em SAR e ARs entre administrações e participação por governo (das linhas nas colunas)

Tabela 4: Indivíduos comuns a vários governos em cargos importantes (SVP, Emurb, e SSO)

Tabela 5: Participação dos grupos de indivíduos nos cargos mais importantes da rede

Tabela 6: Investimentos por administração (R$ 12/99)

Tabela 7: Investimentos por tipo de espaço e ano (R$/ha de 12/99)

Tabela 8: Investimentos por administração e grupos espaciais (R$/ha e %)

Tabela 9: Investimento nos espaços das classes baixas (R$ de 12/99)

Tabela 10: Indicadores escolhidos da Rede

Tabela 11: Indicadores das redes egocentradas no secretário em Governos escolhidos

Tabela 12: Centralidade de alcance de indivíduos escolhidos

Tabela 13: Número de entidades (indivíduos e empresas) por grupo e Administração

Tabela 14: Maiores Vencedores de SVP

Tabela 15: Presença de Estados-sede nas Maiores Vencedoras por Governo

Tabela 16: Coeficientes da regressão – Universo das empresas

Tabela 17: Coeficientes da regressão – Governos de Direita

Tabela 18: Coeficientes da regressão – Governos de Esquerda

Gráficos

Gráfico 1: Participação dos indivíduos da rede nas Gerações

Gráfico 2: Investimentos anuais de SVP

Gráfico 3: Proporção dos investimentos por administração nos espaços polares

Gráfico 4: Concentração de vitórias

Gráfico 5: Volume anual de vitórias por participação no mercado

Gráfico 6: Índice de Concentração de vitórias na Cedae (RJ) e SVP (SP)

Gráfico 7: Capital médio das empresas por governo

Figuras

Figura 1: Sociograma dos governos Setúbal, Reynaldo e Curiati

Figura 2: Sociogramas da rede centrada no secretário nos governos Reynaldo, Covas, Erundina e Maluf

Figura 3: Sociogramas por governo com os vínculos fracos ocultados

Figura 4: Diretorias e empresas nas redes dos governos Reynaldo e Erundina

Figura 5: Grupos no governo Erundina (vínculos ocultados)

Figura 6: Setores no Governo Erundina (vínculos ocultados)

Figura 7: Síntese das posições e da estrutura da rede

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Mapas

Mapa 1: Distribuição do Fator 1 nos distritos

Mapa 2: Distribuição do Fator 2 nos distritos

Mapa 3: Distribuição do Fator 3 nos distritos

Mapa 4: Distribuição dos grupos de distritos - Município de São Paulo

Mapa 5: Investimentos no governo Setúbal

Mapa 6: Investimentos no governo Reynaldo

Mapa 7: Investimentos no governo Curiati

Mapa 8: Investimentos no governo Covas

Mapa 9: Investimentos no governo Jânio

Mapa 10: Investimentos no governo Erundina

Mapa 11: Investimentos no governo Maluf

Mapa 12: Investimentos no governo Pitta

Mapa 13: Distribuição do volume total de investimentos no período (1975-2000)

1

À Marina, que já recebeu a dedicatória de outro livro,

mas ainda não estava por aqui enquanto ele estava sendo escrito.

Durante o período da elaboração deste aqui,

minha vida foi inteiramente marcada pela sua presença.

Este é completamente seu.

2

Agradecimentos

Como já é de praxe afirmar, o espaço dos agradecimentos é o momento de fazer

justiça e cometer injustiças. Esse livro tem esse risco ainda mais presente, por fechar um

ciclo. Talvez todos os trabalhos de maior vulto tenham essa dimensão. Para mim esse ciclo

está ligado ao período de minha entrada no Cebrap e ao início de minha produção posterior

ao doutorado, assim como ao esforço inicial de constituição do Centro de Estudos da

Metrópole. Foram anos rápidos, mas muito intensos em termos intelectuais e pessoais.

O primeiro agradecimento vai para a Fapesp, que possibilitou o desenvolvimento

dessa pesquisa financiando minha bolsa de pós-doutorado no Cebrap ao longo de três

anos. Agradeço também a todos os técnicos da comunidade da engenharia urbana que

forneceram informações e se dispuseram a falar para a pesquisa em horas de entrevistas

intermináveis.

Embora não ligados diretamente à execução da pesquisa, o ambiente e a troca

possibilitados pelo Cebrap, em especial pelo Grupo de Política e Sociedade, e pelo Centro

de Estudos da Metrópole, foram fundamentais nos últimos anos. Agradeço a todos os

amigos e colegas do CEM e do Grupo de Política. Entretanto não poderia deixar de nomear

quatro colegas. Primeiramente, os amigos e parceiros Haroldo Torres e Marta Arretche com

quem tenho aprendido muito intelectualmente e tenho tido enorme prazer em dividir.

Agradeço também à querida Sandra Bitar, não só pelas trocas intensas, mas por uma leitura

muito atenta dos manuscritos, sugerindo inúmeras mudanças que ajudaram a tornar o texto

mais fluente e claro. Também seria impossível não destacar a liderança lúcida (na

verdadeira etimologia da palavra – iluminada) de Argelina Figueiredo, referência de solidez

intelectual e integridade humana tão rara nos dias que correm. Ontem e hoje.

Tive a sorte de contar com várias auxiliares de pesquisa no desenrolar da pesquisa,

algumas delas voluntárias, que me ajudaram enormemente. Agradeço a ajuda e a presença

da Vanessa, da Cecília e da Rosi, voluntárias da primeira hora do projeto que se conclui

com essa publicação. Agradecimentos vão também para a Renatinha, pelo intenso trabalho

na construção dos bancos, assim como para a Miranda, pela complementação das

informações para o final do período.

O mais forte e incontido agradecimento, entretanto, não poderia deixar de ser para a

Renata Bichir. Sua ajuda desde o início já faria por merecer uma menção especial nesse

espaço. Entretanto, o seu engajamento profissional e intelectual na pesquisa superou em

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muito o seu papel de auxiliar de pesquisa, e enriqueceu enormemente a trajetória dos

últimos anos. Ao final, a pesquisa acabou sendo quase tão dela quanto minha. Foi um

prazer e um privilégio interagir com a sua presença brilhante.

À Renata, mais uma vez pela ajuda com as figuras e o título. Bem mais importante

do que isso, por todo o resto da vida.

4

Introdução

As grandes cidades brasileiras são comumente consideradas como locais de

extrema segregação na provisão de serviços, pobreza urbana disseminada e péssimas

condições de vida. Um dos principais elementos destacados nesse quadro é o atendimento

muito desigual oferecido pelo Estado às várias partes da cidade, resultando em baixo

provimento de serviços públicos para parte expressiva da população, o que é confirmado

pelos precários indicadores sociais presentes nas regiões habitadas por grupos

populacionais pobres e pouco escolarizados.

Se esse diagnóstico é quase consensual nas literaturas de estudos urbanos e

ciências sociais, os mecanismos que produziram tais condições, e o papel do Estado na

construção desse cenário, são objeto de polêmica. Sob o ponto de vista dos processos

decisórios, os governos locais são freqüentemente considerados como controlados por

políticos de corte clientelista e particularista, que desenvolveriam iniciativas apenas para

reproduzir suas condições de poder e acesso a cargos e recursos públicos. Para outros

autores, ao contrário, o poder local seria um importante espaço de desenvolvimento dos

princípios democráticos, da participação social e do controle público.

Para alguns, a situação social presente em nossas cidades seria, em grande parte,

responsabilidade do Estado, já que este seria extremamente permeável aos interesses

privados, ou mesmo completamente privatizado na sua gestão. Isso o levaria a realizar

ações prioritariamente para o atendimento do setor privado e dos grupos sociais de maior

renda, reforçando as desigualdades sociais existentes. Os padrões de segregação no

provimento de bens e serviços, independente do ponto de vista analítico adotado, seriam

gerados pela ação estatal seletiva produzida por razões estruturais - no sentido da literatura

dos anos 1970 e 1980 - por pressões do mercado imobiliário e de atores interessados na

produção concreta da cidade, ou pelo enviesamento do aparelho estatal em direção aos

ricos e mais bem situados na estrutura social, elemento constitutivo de uma cultura política

herdeira do escravismo e das hierarquias sociais rígidas.

Os padrões de segregação no provimento de bens e serviços, independente do

ponto de vista analítico adotado, seriam gerados pela ação estatal seletiva produzida por

razões estruturais - no sentido da literatura estruturalista dos anos 1970 e 1980 -, por

pressões do mercado imobiliário e de atores interessados na produção concreta da cidade,

ou pelo enviesamento do aparelho estatal em direção aos ricos, elemento constitutivo de

nossa cultura política.

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Mais recentemente, estudos empiricamente embasados sobre políticas públicas

urbanas têm indicado que essa descrição geral, embora predominante na literatura até

recentemente, talvez tenha que ser revisitada. Embora o provimento de serviços públicos

seja realmente mais escasso e de pior qualidade em áreas periféricas, ações estatais

ocorreram (e ainda ocorrem) em tais regiões, ao menos nas grandes cidades brasileiras.

Como veremos ao longo deste livro, o ciclo de tais investimentos não segue

necessariamente os ciclos eleitorais ou de abundância de recursos financeiros. Mais

importante do que isso, ao que tudo indica diferentes governos produzem políticas de

conteúdos diversos, indicando que há escolhas reais sendo realizadas, e importantes

processos ocorrendo no interior do Estado em nível local no Brasil. Se tivéssemos que

resumir em uma frase, poderíamos dizer que as dinâmicas das políticas públicas e da

política importam.

A visão predominante da literatura não incorpora tais processos. A nosso ver, esta é

a principal razão para a sua incapacidade de explicar as ações do Estado na cidade em

período recente. Em termos conceituais, a maior parte da literatura tende a articular

elementos relativamente incompatíveis entre si em termos analíticos, integrando de maneira

tópica burocracias, atores, capitais e culturas técnicas em referenciais gerais difusamente

pluralistas ou marxistas. De uma forma geral, o problema decorre da baixa disseminação

entre nós de estudos sobre o Estado e o seu funcionamento concreto. Esse não é um

problema particular do campo dos estudos urbanos, já que a literatura nacional de ciências

sociais não apresenta volume e densidade de conhecimento sobre o funcionamento do

Estado brasileiro compatível com a sua importância na sociedade brasileira. No caso das

políticas locais, entretanto, o problema se coloca com maior intensidade, já que a literatura

nacional de estudos urbanos é herdeira de tradições analíticas interessadas principalmente

em mecanismos sistêmicos ou em atores localizados fora do Estado. Para estas tradições, o

estudo do Estado em si sempre foi considerado como desnecessário ou menos importante,

pois, independente do que poderia ocorrer em seu interior, os seus atos expressariam o

funcionamento de estruturas ou os interesses e as ações de grupos localizados na

sociedade.

Este livro se inscreve em um conjunto de estudos recentes que pretendem ajudar a

preencher tal lacuna. Para tal, analisamos uma política pública urbana partindo de um amplo

levantamento das suas dimensões espaciais e temporais, mas tentando explicá-las a partir

de dinâmicas e processos de decisão ocorridos no interior do Estado. A escolha do caso a

analisar tentou destacar uma cidade de grande importância, e um conjunto de ações

estatais muito relevantes na sua configuração urbana e na sua dinâmica política. O estudo

enfoca a política pública de infra-estrutura urbana desenvolvida no município de São Paulo

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entre 1975 e 2000. São cobertas pela pesquisa as iniciativas do governo municipal na

abertura de sistema viário, em pavimentação, drenagem, canalização de córregos e

execução de grandes estruturas – pontes, viadutos e túneis. Essas iniciativas foram

implementadas, durante o período, por duas secretarias municipais – pela Secretaria de

Obras até 1978 e pela Secretaria de Vias Públicas entre aquele ano e o final do período.

A política de infra-estrutura urbana apresenta grande centralidade no cenário político

paulistano. Isso se deve, em primeiro lugar, à importância das políticas de infra-estrutura,

especialmente das obras viárias, na estruturação territorial da cidade de São Paulo. Além

disso, como veremos, essas iniciativas consomem uma parcela considerável do orçamento

municipal, representando a maior fatia dos gastos públicos locais em investimento. O último

aspecto relevante e que explica parcialmente os anteriores, entretanto, refere-se à

centralidade dessas ações estatais nas iniciativas públicas da maior parte das

administrações do período estudado.

Como veremos, durante a maior parte do período estudado a administração

municipal esteve nas mãos de partidos políticos (e políticos) alinhados ideologicamente com

o campo da direita. As características da política em cada administração indicam a

existência de padrões distintos de política pública em administrações de direita e de

esquerda, sendo as políticas analisadas aqui centrais nas administrações de direita. Um

último elemento que provavelmente completa os anteriores é a existência de importantes

esquemas de corrupção envolvendo obras de infra-estrutura, fato extensamente coberto

pela imprensa e por investigações do Ministério Público Federal em São Paulo em período

recente.

Iniciamos nosso percurso com o levantamento e a análise das dinâmicas temporais e

espaciais da política. Partindo de informações primárias relativas a contratações do poder

público, reconstruímos os padrões de investimento no tempo e no território municipal,

discutindo criticamente os modelos explicativos existentes a partir dos resultados obtidos.

Na construção de um modelo explicativo alternativo, estudamos detalhadamente a

estruturação interna do campo dessa política pública, assim como investigando os principais

condicionantes dos processos decisórios. Essa parte do estudo foi viabilizada pela utilização

da metodologia de análise de redes sociais, através da qual levantamos e estudamos as

redes de relações presentes no campo em cada governo, incluindo indivíduos e grupos de

técnicos, assim como elementos e entidades presentes no ambiente político mais amplo

onde estes se inserem, principalmente políticos e empresas privadas. A análise do campo

do Estado nos permitiu investigar dois processos, em especial. O primeiro se relaciona com

a dinâmica do poder no interior do Estado e com a relação entre a sua burocracia e o

ambiente político mais amplo. O segundo processo diz respeito à relação entre o público e o

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privado no desenrolar de uma política pública, enfocando a presença e a importância das

empresas privadas contratadas para a execução de obras e serviços de engenharia.

Um último elemento preliminar diz respeito ao destaque dado aqui às políticas locais.

Muitas análises da ciência política brasileira transportaram os processos nacionais para

analisar as situações e os processos locais. Defendemos o ponto de vista de que, embora

as políticas locais estejam imersas em conjunturas nacionais e internacionais, e sejam

influenciadas por essas, para estudarmos a política em nível local é preciso focar nessa

escala e nos seus processos, sem perder as demais dimensões. Nesse sentido, essa

perspectiva se inscreve em uma linha de trabalhos recentes que tem tentado se debruçar

sobre o local, encontrando uma grande diversidade regional de situações, estruturas e

resultados.

Em um plano analítico amplo, o trabalho se esforça em investigar a importância da

interação entre as dinâmicas políticas, as instituições políticas e as redes de relações na

explicação das políticas públicas. O objetivo da pesquisa, portanto, para além da explicação

da política estudada, é caminhar na direção da construção de um arcabouço analítico de

utilização potencialmente mais ampla para a análise das políticas públicas locais no Brasil.

Embora não se tenha a pretensão de concluir tal tarefa, o que pressupõe um engajamento

coletivo de pesquisa, acredito que o trabalho avança nessa direção. Sob este ponto de vista,

o livro representa uma continuação do esforço empreendido em Marques (2000) através da

análise de uma outra política urbana – de saneamento básico – em um outro contexto

metropolitano – o do Rio de Janeiro. A comparação com o caso carioca, realizada sempre

que possível, não tem o objetivo de cotejar elementos um a um, mas de comparar conjuntos

de processos e configurações de situações, conjunturas e causas, no sentido de Tilly (1992)

e Ragin (1987). Desse modo, o estudo aponta para uma especificação do padrão geral de

relações entre Estado e sociedade no Brasil, através da apresentação das variações dos

processos entre os dois casos considerando as diferentes estruturas do jogo político e

dinâmicas do poder.

A comparação não poderia ser mais profícua, superando as expectativas iniciais, já

que os dois casos encerram situações muito diferentes. No caso do saneamento no Rio de

Janeiro, estudou-se uma empresa pública com receita própria e padrões de carreira

bastante definidos, o que originou uma burocracia relativamente insulada e bastante

fechada, estruturada por uma rede polarizada por diversos grupos que se associam de

maneira tópica a membros da classe política. O presente estudo investiga uma política

desenvolvida em São Paulo por um órgão da administração direta que depende de repasses

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da prefeitura para a sua sobrevivência financeira, apresenta intensas migrações para outros

órgãos do setor público e é estruturado por uma rede menos densa e menos dinâmica,

hegemonizada na maior parte do tempo por um único grupo ligado a um número restrito de

indivíduos da classe política (todos associados entre si). Dentre as várias conseqüências

produzidas por essas diferenças destacamos aqui a importância diferenciada das redes de

relações no desenrolar da política em cada caso. Como será visto, as redes que estruturam

os campos das políticas dos casos paulistano e carioca geram conseqüências diferentes

para as políticas públicas em cada caso.

Mas como o nosso caso se relaciona com os principais esquemas explicativos das

ações do Estado? Embora esse tema seja detalhado no primeiro capítulo, é interessante

adiantar alguns elementos.

A principal característica da cena política local em São Paulo no período 1975-2000

é a sua estabilidade. Ao longo deste período a cena local foi controlada quase sempre por

um único grupo político, de direita, que não apenas ocupou os cargos de chefia do executivo

municipal, mas controlou os cargos de gestão técnica com uma notável estabilidade, sendo

os técnicos mais importantes do setor ligados de inúmeras formas a esse grupo. Sob um

certo ponto de vista, portanto, a política paulistana apresenta traços de captura do Estado

por um grupo político de forma abrangente e continuada no tempo, mas não no sentido

tradicionalmente empregado ao termo pela literatura marxista, associado a mecanismos

estruturais1.

Em São Paulo, o grupo que controla a política local não representa os interesses do

capital em geral (mesmo se tratando da cidade economicamente mais importante do país),

assim como não representa os interesses das frações hegemônicas do setor industrial. Se

tivéssemos de associar seus interesses a alguma fração do capital, diríamos que há

proximidade entre o grupo citado e os capitais envolvidos com a produção concreta do

quadro construído urbano - sistema viário, pavimentação, drenagem e grandes estruturas,

assim como com os serviços urbanos – transportes e limpeza urbana. Essa proximidade,

entretanto, não deve ser vista como determinação, e ou subordinanção. De qualquer forma,

em inúmeros casos, os interesses dos capitais do urbano podem ser contrários aos das

chamadas frações hegemônicas, assim como do capitalismo paulista ou nacional como um

todo. Isso ocorre porque o padrão de cidade resultante dos interesses dos capitais

1 Para aquela literatura, a captura está associada ao controle do Estado pela burguesia, seja por razões estruturais (Cf.

de Marx e Engels, 1987 a Poulantzas, 1985 e 1986), seja por meio de inúmeros mecanismos concretos que garantem a sobredeterminação do poder dessa classe sobre as outras e lhe garante o controle do Estado (Offe (1975 e 1984), Miliband (1972), Jessop (1983) e Przeworski (1994), entre muitos outros).

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envolvidos com a produção do espaço é evidentemente disfuncional para a acumulação em

geral, assim como para as frações mais importantes do capital2.

Além disso, ao contrário do que fica implícito na literatura marxista, o Estado não age

sempre em favor desses interesses e, dependendo do saldo dos processos políticos, e

principalmente de quem controlar a prefeitura, as ações do Estado podem ser

substancialmente diferentes. Os resultados da política, portanto, são contingentes e

dependentes da luta política, embora a desigualdade na distribuição dos recursos de poder

na sociedade tenda a aumentar a probabilidade de vitória de determinados grupos, quando

comparados a outros.

Por outro lado, embora possamos descrever a ação de certos grupos presentes no

setor privado como grupos de interesse, a cena política paulistana também não pode ser

explicada utilizando-se os argumentos da literatura pluralista. Isto porque, ao contrário do

propugnado por esta literatura, existe um controle significativo e continuado de várias

esferas da política local por um único grupo político, ao contrário do cenário político descrito

por autores como Dahl (1961). Talvez se possa afirmar que uma parte do controle é

exercido por “caciques ou notáveis econômicos”3, mas o mecanismo predominante de

reprodução do poder desses indivíduos sobre as políticas passa pela existência de uma

rede de gestores estatais que ocupam os cargos mais importantes (inclusive técnicos)

nestes governos e tendem a permanecer mesmo em administrações de esquerda. No início

do período, o controle desse grupo sobre a política local podia ser considerado como

produto dos padrões de indicação dos prefeitos da capital no regime militar (elemento

absolutamente externo ao olhar pluralista), mas a volta das eleições diretas para a prefeitura

da capital apenas confirmou o domínio desse grupo político – dos quatro prefeitos eleitos no

período, três pertencem ao grupo.

Dentre as literaturas de ciência política que analisam o poder no plano local, o que

mais parece se aproximar com o caso de São Paulo é a teoria das elites, ao menos na

descrição geral do caso. Para os autores dessa corrente analítica, o poder do Estado é

exercido por uma elite que controla os cargos e políticas mais importantes de forma

coerente entre políticas e de maneira continuada no tempo4. Como veremos, entretanto,

alguns elementos também não poderiam ser explicados por essa perspectiva, em especial a

importância dos capitais do urbano. A política local em São Paulo parece ser exercida por

2 Pensemos, por exemplo, na elevação dos custos de circulação das mercadorias pelos problemas de tráfego, causados

em grande parte pelo modelo de transportes e sistema viário implantado ao longo das últimas décadas na cidade. O fato da chamadas “externalidades negativas” em São Paulo serem produto da própria lógica impressa ao longo de décadas às mais importantes ações do Estado em termos locais nos sugere a impossibilidade explicativa pelo lado da captura estrutural.

3 Dahl, 1961, Cap. 15.

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um grupo político ligado de inúmeras formas a interesses de capitais produtores do quadro

construído urbano. Embora esses sejam membros da elite, o desenvolvimento do processo

político não parece caminhar no sentido da reprodução da elite enquanto tal, mas na direção

da reprodução do poder desse grupo político, assim como da posição econômica de

algumas das empresas posicionadas na rede, em detrimento de outras.

Nesse sentido, a presente análise não se inscreve em nenhuma dessas três

correntes teóricas diretamente, embora dialogue com argumentos levantados por elas, em

especial os atores e os mecanismos destacados por essas literaturas. O presente estudo

tenta estruturar um modelo de análise para as políticas públicas urbanas no Brasil que se

situe em nível intermediário. Analiticamente, destacamos três atores no desenrolar das

políticas estatais – burocracias e técnicos do Estado; indivíduos pertencentes à classe

política; e capitais envolvidos na produção concreta de obras e serviços de engenharia.

Esses três agentes operam sobre legados históricos específicos, além de se movimentar no

interior de dois ambientes – o institucional, já vastamente destacado pela literatura

neoinstitucionalista, e o campo de relações da comunidade da política, focalizado

recentemente pela análise de redes sociais. A política pública é o produto de interações

estratégicas desses atores, influenciadas pelos legados, no interior dos ambientes

institucional e relacional. O peso específico de cada um desses fatores será enfocado

detalhadamente no decorrer da análise.

O livro é composto por seis capítulos, além desta introdução e da conclusão. No

primeiro capítulo delimitamos os principais pontos de partida analíticos e teóricos do

presente trabalho. Não se trata de desenvolver uma discussão teórica aprofundada, mas de

situar o trabalho com relação às correntes de literatura mais influentes sobre os estudos

urbanos e as políticas estatais em termos nacionais e internacionais. Como veremos, a

ciência política desenvolveu poucas análises sobre a dinâmica do poder na cidade, e

virtualmente nenhuma dessas exerceu impacto significativo sobre os estudos realizados

sobre as cidades brasileiras.

No segundo capítulo apresentamos as características históricas e institucionais da

política estudada. Analisamos uma política implementada por um órgão municipal da

administração direta – a Secretaria de Vias Públicas, e como a estrutura institucional é de

fundamental importância no desenrolar da política, recuperamos de forma rápida a história

institucional do órgão. Em seguida, tentamos caracterizar o ambiente político no interior do

qual as políticas de SVP se desenrolam. De uma forma geral, esse capítulo apresenta, em

4 Cf. Hunter (1953) e Mills (1956).

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termos políticos e organizacionais, o legado e campo nos quais a política analisada

transcorreu no período estudado.

O terceiro capítulo apresenta as características gerais do padrão de investimentos ao

longo do tempo, investigando os principais condicionantes da sua explicação. Ao contrário

do que consideram muitos autores, assim como o senso comum, os investimentos não

seguem o ciclo eleitoral, assim como não se associam à maior ou menor disponibilidade de

recursos por parte do executivo municipal. Como veremos, a irrelevância dessas variáveis

mostra a incapacidade de se explicar os padrões encontrados por modelos analíticos que

derivam as ações do Estado diretamente do interesse de reeleição dos governantes. Por

outro lado, ganham centralidade na explicação as clivagens político-ideológicas e a

presença de empresas privadas nas redes de relações do setor. Esses elementos

comprovam a importância das escolhas políticas na construção dos resultados políticos,

assim como confirmam a hipótese de que os produtores diretos – as empresas privadas

contratadas para a realização de obras e serviços – se constituem em um dos principais

atores da política. Como veremos ao longo do trabalho, as informações sugerem que essas

empresas devem ser incluídas no conjunto dos principais demandantes da política, quase

certamente com maior destaque que os seus usuários finais – os habitantes da cidade.

No quarto capítulo são apresentadas as características espaciais e redistributivas da

política ao longo do período analisado. Iniciamos a capítulo com a apresentação de uma

base espacial construída especialmente para a análise a partir de indicadores sociais e

econômicos para os distritos do município de São Paulo.5 Em seguida, distribuímos os

investimentos pelos grupos sócio-espaciais delimitados na base. Essa distribuição nos

permitiu analisar as principais tendências espaciais dos investimentos ao longo do tempo,

assim como os perfis de investimento das diferentes administrações municipais,

destacando-se principalmente os seus diferentes aspectos distributivos.

O capítulo seguinte apresenta a rede da comunidade de política de infra-estrutura em

São Paulo. Essa etapa da pesquisa foi possível pela utilização intensa de análise de redes

sociais. Através dela foi possível descrever e analisar a dinâmica do poder no interior do

Estado, assim como as relações dos indivíduos e grupos estatais com o ambiente político

mais amplo em que esses se inserem, com especial destaque para os dois outros atores

destacados pelo trabalho – políticos e capitais contratistas.

O Capítulo 6 apresenta os padrões de vitória de empreiteiras nas licitações de SVP

ocorridas ao longo do período e tenta explicá-los desvendando a estruturação da

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permeabilidade do Estado no setor de infra-estrutura urbana em São Paulo. Para tanto, é

analisada a importância de inúmeras variáveis na explicação dos padrões de vitória,

inclusive processos e dinâmicas ligados diretamente à estrutura da rede de relações do

setor e às posições ocupadas pelas empresas em tal comunidade.

A conclusão sintetiza as principais descobertas e retoma os argumentos analíticos

mais amplos levantados ao longo do trabalho. Ao final do livro, foram incluídos anexos que

detalham os passos metodológicos adotados nas várias fases do trabalho.

5 Essa etapa, que teve objetivos apenas metodológicos, permitiu escapar da utilização de modelos apriorísticos para a

distribuição dos investimentos no espaço, assim como viabilizou uma análise do impacto dos investimentos nos diferentes grupos sociais que habitam a cidade.

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Capítulo 1: Atores, instituições políticas e redes sociais

nas literaturas sobre o poder na cidade

Esse livro estuda uma política estatal urbana. Em termos teóricos mais amplos,

portanto, estamos interessados na relação entre processos políticos e políticas públicas no

funcionamento das políticas públicas locais. Quais são os elementos mais importantes que

influenciam (e explicam) que o Estado atue de uma certa maneira e não de outra? Caso as

ações do Estado não sejam produto de macro-processos externos à política, quais seriam

os principais atores e questões envolvidos no desenrolar das políticas públicas, assim como

em que condições cada um deles consegue transformar seus interesses em políticas e

ações concretas? Ao longo do livro tentaremos responder a essas perguntas e a outras que

delas se desdobram, especificando tais mecanismos, processos e atores para o caso da

política de infra-estrutura em São Paulo. Apesar de tratarmos desse caso específico, a

análise ilumina processos bem mais amplos, já que o estudo do particular também nos

ensina sobre o geral, se interpretarmos as particularidades do próprio caso como conjuntos

de elementos ordenados em configurações específicas (Tilly, 1992).

Antes de iniciamos a apresentação dos resultados da pesquisa, entretanto, é

necessário estabelecer alguns pontos de apoio teóricos para situar o leitor frente às

principais perspectivas da literatura que tem tratado do poder, dos atores políticos e das

políticas do Estado em sentido mais geral. Este é o objetivo do presente capítulo.

Iniciamos o capítulo pela apresentação das principais correntes das ciências sociais

que estudaram as dinâmicas políticas na cidade. Com esse objetivo, a próxima seção

recupera os principais argumentos do debate entre a teoria das elites e os pluralistas norte-

americanos, assim como as análises neomarxistas sobre a cidade. Ainda nessa primeira

parte, destacamos os principais pontos da abordagem neoinstitucionalista. Embora esta

literatura não tenha se debruçado propriamente sobre o poder na cidade, destacou melhor

do qualquer outra em período recente um ator que consideramos fundamental na dinâmica

das políticas estatais – as burocracias, além de destacar um elemento importantíssimo no

funcionamento da política – as instituições. Em seguida, discutimos contribuições de alguns

autores que têm tentado construir sínteses analíticas entre as perspectivas já destacadas.

Ao final do capítulo são apresentados os traços gerais do modelo analítico construído ao

longo do livro.

14

Os enquadramentos da literatura sobre a política local

A ciência política desenvolveu três linhas explicativas principais sobre as dinâmicas

políticas e as políticas locais – a teoria das elites, o pluralismo e o marxismo. Cada uma

destas literaturas enfocou fenômenos particulares e mobilizou mecanismos e atores

específicos. Em geral, podemos dizer que elas se construíram historicamente em oposição

entre si e representam visões impossíveis de conciliar em termos teóricos. Como veremos

ao longo do capítulo, entretanto, os mecanismos e atores destacados por estas perspectivas

são passíveis de articulação em nível analítico.

Cronologicamente, a primeira dessas correntes teóricas foi a teoria das elites. O

marco do surgimento dessa perspectiva é o estudo de Floyd Hunter sobre o governo urbano

na cidade de Atlanta, nos EUA, publicado em 1953 com o nome de “Community Power

Structure – a study of decision makers”6. Para ele, a estrutura de poder local seria composta

por uma pirâmide das decisões de política pública, tendo no seu topo uma elite composta

principalmente (mas não apenas) por empresários de sucesso e lideranças políticas de

destaque. Essa pirâmide, por sua vez, seria composta por indivíduos localizados no topo de

pirâmides de poder “temáticas” relativas a instituições e associações. O estudo cita quatro

tipos de instituições (econômicas, governamentais, religiosas e educacionais), assim como

três tipos de associações (profissionais, cívicas e culturais). As pirâmides das instituições

religiosas e educacionais, assim como das associações cívicas e culturais, veiculariam

influência apenas em assuntos de política muito específicos, sendo a maior parte dos

processos de decisão definidos sob a influência das duas primeiras instituições e a primeira

associação.

Embora a idéia que Hunter tinha de elite tenha certo sentido classificatório, indicando

os indivíduos no topo de cada pirâmide, os elementos principais que regulam a entrada

nessa estrutura de poder são a riqueza, o prestígio social e a utilização da máquina política.

Para o autor, os principais mecanismos que mantém a “estrutura coesa são os interesses

comuns, as obrigações mútuas, o dinheiro, o hábito, as responsabilidades delegadas e, em

alguns casos, a coerção e a força” (Hunter, 1953, p. 113). A principal preocupação do autor

era a relação entre essa estrutura de distribuição do poder e o desenvolvimento do governo,

como expresso no subtítulo do próprio livro. A principal conclusão, nesse sentido, é que a

conformação do jogo do poder local, marcado pelo controle da elite, assim como a

manutenção desse controle de maneira estável no tempo, levariam a que as políticas

6 Os primeiros formuladores da teoria das elites em um sentido mais amplo datam das primeiras décadas do século XX,

em especial Pareto, Mosca e Michels nas décadas de 1910 e 1920. Entretanto, suas obras não enfocaram governos ou dinâmicas locais, como as destacadas aqui. Para uma resenha desta literatura ver Grynszpan (1996).

15

implementadas seguissem sempre os interesses dos indivíduos ali representados, tornando

completamente viciados os resultados do governo sob a democracia representativa.

Efetivamente, o modelo descritivo do poder em nível local trabalhado por Hunter se

aproxima muito do que Mills (1956) sustentou caracterizar o funcionamento do poder nos

Estados Unidos de forma mais ampla – o monopólio dos recursos e posições de poder por

uma elite unificada que controlaria o governo de maneira coerente entre áreas temáticas e

de forma duradoura no tempo. Para os autores dessa perspectiva, os ocupantes dos mais

importantes cargos públicos e privados do país (para Mills) e da cidade (para Hunter)

comungariam de um conjunto de valores e visões de mundo, teriam uma mesma origem

social e econômica e, além disso, se relacionariam no interior de uma rede de relações

unificada.

Os mecanismos de reprodução dessa estrutura estariam na socialização - na

educação familiar e em instituições como escolas e universidades; na estrutura de

propriedades - relacionada com o controle de ativos econômicos; na distribuição da riqueza

– que dá acesso a um determinado padrão de vida e de acesso à cultura, consubstanciado

em um certo repertório (incluindo o que Bourdieu denominaria de “habitus” - Bourdieu e

Wacquant, 1992); assim como em instituições e organizações do espaço privado, do lazer e

uso do tempo livre, como casamentos e clubes, que completariam as organizações

anteriores na composição do pertencimento a redes de relações da elite, através das quais

seriam veiculados informação, negócios, apoios e sociabilidade dos pertencentes à elite,

assim como construídas e comungadas visões de mundo e valores. Não estaria

impossibilitada a entrada de novos indivíduos nessa rede, embora isso fosse raro.

Entretanto, mesmo quando isso acontecesse, os novos integrantes das “altas esferas”

seriam rapidamente integrados a esse mundo e a essas redes sociais.7

Para os adeptos da teoria das elites, portanto, as políticas públicas seguiriam, de

uma forma geral, os interesses da elite, assim como os principais cargos seriam ocupados

por membros da elite, entendida nos termos sociológicos acima descritos. Assim, os grupos

que dominariam as várias questões de política e conseguiriam que seus interesses fossem

levados em conta pelo Estado seriam os mesmos ao longo do tempo e das várias questões

de política. As ações do Estado, assim como as suas estruturas, reforçariam o processo,

sendo parcialmente responsáveis pela reprodução do poder da elite. A aplicação mais

recente da teoria das elites para explicar o funcionamento do Estado norte-americano

contemporâneo está na obra de Domnhoff (1979, 1983 e 1991) que, ao longo das décadas

7 É interessante observar que a coincidência entre as elites política e econômica também foi mobilizada por autores

marxistas como Miliband (1972) como elemento (e mecanismo) explicativo para o caráter irredutível de classe do Estado capitalista.

16

de 1970 e 1980, tentou demonstrar a natureza indissociável das elites econômica e política

naquele país. Um dos elementos chave na descrição dessa estrutura de poder no caso

norte-americano estaria na institucionalização da presença de indivíduos do próprio setor

privado em comitês de decisão de linhas de política pública, assim como em agências

estatais de destaque.

Sob o ponto de vista de nossos objetivos analíticos, são dois os problemas da teoria

das elites. A primeira e talvez principal dificuldade da teoria está em conseguir incorporar a

mudança e a contingência nos processos políticos. Caso os princípios dessa perspectiva

fossem levados às últimas consequências, a alternância de poder não poderia ser explicada.

Como o conceito de elite é ao menos parcialmente classificatório, alguém poderia sustentar

que quem for alçado ao poder também participa da elite. Entretanto, essa linha de

explicação é circular, não definindo a elite pelos seus atributos, mas pelo próprio resultado

que deveria ser explicado. Por outro lado, a perspectiva não consegue incorporar a

importância potencial de atores localizados no próprio Estado, e tende a pensar as agências

e burocracias apenas como “correias de transmissão” dos interesses de quem tem o

“controle” do Estado. Como comentaremos mais adiante, esses dois problemas são

derivados da forma como a classe política é enquadrada analiticamente - de maneira

homogênea e subordinada8, assim como da consideração do Estado como uma “casca

vazia”, ocupada sempre pelo mesmo conteúdo – os membros da elite.

Como veremos ao longo do livro, entretanto, alguns elementos da cena política

paulistana se assemelham à descrição da teoria das elites e, durante o período estudado, é

possível observar uma impressionante estabilidade na política local, controlada praticamente

por um único grupo. Entretanto, também veremos que os atores estatais são importantes

para construir essa estabilidade, assim como para transformar em políticas as alternâncias

de poder que ocorrem em determinados momentos. Nesses momentos, também ao

contrário do que sustentaria aquela perspectiva, são geradas mudanças significativas no

conteúdo das políticas públicas locais, indicando que a política (e os políticos) importam.

Não é difícil perceber que a descrição da política elaborada pela teoria das elites

causa sérios problemas à idéia de democracia e ao princípio democrático de controle dos

8 É interessante observar que sob o ponto de vista sociológico, esse tipo de abordagem pode ser perfeitamente

aceitável e apropriada, e talvez seja possível provar a existência de uma mesma origem social comum à classe política. Entretanto, esse não é um bom ponto de partida para o estudo do poder e da política, já que não é possível derivar ações políticas de origens sociais.

17

eleitores sobre o governo9. Em grande parte como resposta a essa questão, se desenvolveu

uma outra influente corrente de literatura ao longo dos anos 1950 que tentou se contrapor à

interpretação da teoria das elites sobre a existência de uma coesa estrutura de poder nos

Estados Unidos que controlaria a maior parte do poder no país. Essa perspectiva é o

pluralismo. O livro que introduziu essa tradição no debate sobre o poder local traça um

diálogo aberto com os argumentos levantados por Hunter afirmando, logo em seu primeiro

parágrafo: “Em um sistema político onde quase todos os adultos votam, mas o

conhecimento, a riqueza, a posição social, o acesso aos ocupantes de cargos públicos e

outros recursos são desigualmente distribuídos, quem realmente governa?” (Dahl, 1961, p.

1). Para o autor, que analisou o poder em uma cidade de pequeno porte – New Haven - o

principal problema analítico com a teoria das elites é deixar muito pouco lugar para os

políticos. Caso essa teoria estivesse certa, eles não teriam papel algum, e a

imprevisibilidade do campo da política seria próxima de zero. Sob este ponto de vista, a

teoria das elites tem grande dificuldade em explicar a contingência10 e a alternância de

poder, assim como a variação dos grupos vitoriosos nas várias áreas de políticas.

Os pluralistas, ao contrário, afirmam que não haveria nenhum grupo na sociedade

democrática que conseguisse controlar as várias questões de política simultaneamente e de

forma continuada no tempo. Para o pluralismo, em um primeiro patamar analítico, quem

governa são os partidos políticos, organizações de galvanização de interesses e

canalização de participação. Essas organizações disputam eleições pelo controle do

governo e, portanto, governam. Entretanto, a própria literatura pluralista afirma que na

operação dos sistemas políticos, os partidos são reduzidos a pouco mais que grupos de

interesse ou conjuntos de indivíduos com valores, propósitos e demandas comuns. A

unidade básica da política, portanto, seria os grupos de interesses (Dahl, 1961, p. 5).

Para os pluralistas, a sociedade seria composta por uma pluralidade de grupos, cada

qual com seus instrumentos de poder e seus interesses específicos e temáticos. Cada grupo

se interessaria por determinadas questões e mobilizaria seus recursos para agi-los em uma

esfera determinada. Cada questão de política, portanto, conformaria uma arena específica,

onde ocorreriam lutas vencidas pelos grupos de interesse mais interessados e mobilizados

para aquele assunto específico. Para os pluralistas, nenhum grupo ganharia de forma

estável ao longo do tempo, assim como em todas as áreas de política. As evidências

reunidas por Dahl sobre New Haven sugerem que o sistema político local apresenta grande

continuidade no funcionamento das instituições democráticas, mas a estrutura de poder não

9 Mesmo se o compreendamos como um conjunto de “escolhas de mercado”, onde os eleitores compram com votos

suas lideranças, à la Schumpeter (1984). 10 Como veremos, esse problema é ainda maior para o marxismo.

18

apresenta estabilidade, sendo a cena política local caracterizada pelos seguintes elementos:

sufrágio universal, participação relativamente alta do eleitorado nos pleitos, um sistema

bipartidário altamente competitivo, oportunidade para criticar a condução das políticas e do

governo, liberdade de expressão e uma alternância no poder surpreendentemente alta entre

os dois partidos, quando ocorrem mudanças nas maiorias eleitorais (Dahl, 1961, p. 310). A

condução das políticas públicas e o seu conteúdo seriam resultados das lutas políticas entre

os grupos, objetivando controlar o governo e as suas organizações.

No que diz respeito a nossa pesquisa, o olhar pluralista apresenta dois problemas

principais. Em primeiro lugar, novamente o Estado é considerado como uma página em

branco, ou uma “casca” a ser preenchida pelos grupos vitoriosos em cada assunto de

política. Se consideramos o Estado como um espaço a ser ocupado, não há espaço para

destacar os próprios funcionários do Estado, assim como as suas instituições. Esses se

localizam em uma posição estratégica na produção das decisões e das políticas do Estado,

por ocuparem a própria máquina encarregada da elaboração e implementação das ações

estatais. Como veremos, nossa análise indica uma grande importância da burocracia, em

especial das complexas relações entre ela (e seus grupos internos), os capitais contratados

pelo Estado, e os detentores de cargos eletivos.

Um outro problema analítico presente no pluralismo é uma certa dificuldade em tratar a

continuidade dos grupos que controlam o poder político - coerência intertemporal, sendo

essa literatura muito pouco sensível a situações de controle continuado de determinados

grupos sobre o Estado. Como veremos ao longo desse trabalho, talvez essa seja a mais

importante característica da política municipal em São Paulo ao longo do período estudado.

E esse controle é apenas parcialmente produzido pela estabilidade das preferências

eleitorais da população paulistana (o que seria potencialmente compatível com o

pluralismo), estando relacionado também com o próprio funcionamento do Estado em nível

local. Nesse particular, estabilidade eleitoral e dinâmica interna do Estado se reforçam

mutuamente, sendo empiricamente comprovada a existência de uma rede de gestores, no

interior da máquina pública, alinhados ideologicamente e relacionados por vínculos pessoais

com o grupo politicamente hegemônico que controla o executivo municipal durante quase

todo o período estudado.

O principal debate internacional ocorrido na ciência política sobre as dinâmicas

políticas no urbano envolveu essas duas perspectivas11. Entretanto, a sua influência sobre a

literatura brasileira é muito pequena, ao menos em termos explícitos, embora uma parte

11 Ver a boa resenha crítica do debate com enfoque na política da cidade contida em Mollenkopf (1992).

19

dessas idéias esteja presente de forma difusa e conceitualmente pouco precisa em nossa

literatura. Na verdade, o debate brasileiro sobre as cidades foi na maior parte das vezes

exclusivamente sociológico e geográfico, estando quase completamente ausente a tradição

da ciência política. A mais forte influência sobre a literatura brasileira foi a da sociologia

urbana francesa de corte marxista dos anos 1960 e 1970, seguida de longe da geografia

crítica de língua inglesa. A literatura influenciada por essas perspectivas gerou entre nós

uma linha de trabalhos sistemática, de boa qualidade e bem inserida nos debates da época

em que foi produzida12. Ao menos em parte, a inexistência de um debate mais profundo

sobre o Estado no campo brasileiro de estudos urbanos é explicada pela forte hegemonia

dessa literatura, já que para ela as questões analíticas associadas ao poder político eram

dadas por resolvidas, visto que a origem última da dinâmica social estaria em mecanismos

estruturais e econômicos, assim como nos papéis cumpridos pela cidade e suas classes

sociais no funcionamento do capitalismo periférico, dependente ou de baixos salários.

De uma forma geral, os mais importantes ganhos analíticos que esta literatura trouxe

para os estudos urbanos disseram respeito à incorporação dos conflitos na cena urbana,

assim como à afirmação da idéia de que o espaço é um elemento que, ao mesmo tempo

que influencia a sociedade, é construído socialmente. A incorporação dessas duas idéias

levou à descrição de um campo muito mais politizado do que o considerado nos estudos

clássicos sobre a cidade.13 A própria justificativa dos estudos mais importantes nessa linha -

como, por exemplo, Castells (1983), Lojkine (1981) e Lefebvre (1976) - estava ligada à

construção de uma dupla crítica – da realidade e dos estudos urbanos até então existentes,

considerados ideológicos. Apesar do destaque dos conflitos, o primado da acumulação

acabou por se impor à política nos momentos mais cruciais das análises14. Na maior parte

das vezes essa foi entendida como o interesse do Capital em geral, mas no caso de autores

como Topalov (1974), foi compreendida como interesse de capitalistas específicos, em

especial os envolvidos com a produção imobiliária na cidade.

Em termos nacionais, a incorporação dessa literatura acabou levando ao

desenvolvimento do que denominamos de modelo do conflito para a explicação das políticas

do Estado na cidade, como veremos no capítulo 3. Essa tradição resultou em trabalhos de

excelente nível sobre vulnerabilidade social urbana e movimentos sociais, entre outros

temas, e apresentou grande importância para a construção do campo dos estudos urbanos

no Brasil. Como veremos, entretanto, a perspectiva se mostrou amplamente insuficiente

12 Ver, por exemplo, Kowarick (1979) e Bonduki e Rolnik (1982). 13 Os principais precursores são a Escola de Chicago dos anos 1910 e 1920 e a Economia Urbana dos anos 1950 e

1960. Cf. Park e Burguess (1925) e Alonso (1964). Para a crítica marxista, ver Castells (1983).

20

para a explicação das ações do Estado, subordinando-o a macro-processos ou a atores

localizados apenas na sociedade, e entendendo as ações do Estado como movidas

principalmente por conflitos promovidos por tais atores.

O principal mérito desta perspectiva esteve em produzir uma certa “desacralização”

da produção do espaço, destacando os interesses dos capitais produtores da cidade e

investigando com grande grau de detalhe os seus circuitos de valorização e os seus

mecanismos de reprodução. A presente análise considera que esse seja um dos principais

elementos explicativos das dinâmicas que se desenrolam na cena política urbana, embora

não concordemos com os mecanismos estruturais e com a compreensão teleológica do

Estado que a literatura estruturalista comumente utiliza para explicar os seus recursos de

poder. Como essa literatura exerceu forte influência sobre alguns dos analistas nacionais

mais argutos dos anos 1970 e 1980, apresentaremos os seus principais argumentos e

autores a seguir. A apresentação dos principais argumentos do debate nacional, entretanto,

será feita no Capítulo 3.

A partir do final da década de 1960, sob o impacto da disseminação das idéias do

marxismo estruturalista althusseriano e dos trabalhos de Poulantzas, o marxismo revisitou o

Estado e tentou especificar o seu quadro conceitual para analisar o poder e o Estado. As

duas mais importantes contribuições nessa direção no caso da questão urbana vieram da

literatura francesa, fundando os dois ramos do que se denominaria mais tarde de escola

francesa de sociologia urbana.

Na primeira vertente, representada por Castells (1983), a cidade teria uma função

central na reprodução social sob o capitalismo, já que representaria o locus da reprodução

da força de trabalho, caracterizada como consumo15. O espaço regional seria,

diferentemente, o território próprio da produção capitalista. O urbano como consumo

econômico englobaria dimensões de reprodução individual (plano da reprodução da força de

trabalho), mas também coletivas (plano da reprodução das condições de produção). As

ações do Estado na cidade teriam como objetivo viabilizar a reprodução da força de

trabalho, auxiliando a reprodução do capital, assim como contribuindo, através do

provimento de bens e serviços, para a redução do valor da força de trabalho e,

consequentemente, permitindo uma elevação das taxas de extração do excedente. Caberia

14 Problema ligado, com toda a certeza, à natureza da matriz macro-sociológica marxista que inspirou esses estudos,

com a exceção de Lefebvre (1976). 15 Trata-se de consumo no interior do sistema econômico, e não consumo improdutivo ou fruição. Castells entende a

esfera econômica dividida em três grandes elementos, a produção, o consumo e a troca.

21

ao Estado articular esses planos do consumo e, dessa forma, produzir/reproduzir a cidade

(e o capitalismo).

Ao implementar políticas públicas urbanas, como a promoção de habitação, a

melhoria de transportes etc., o Estado não estaria beneficiando a classe trabalhadora, mas

garantindo a reprodução da força de trabalho e os processos de acumulação. O provimento

de equipamentos coletivos, para Castells, na verdade implicaria em um encargo necessário

à reprodução do sistema capitalista como um todo que o Estado assumiria sozinho, já que

os meios de consumo coletivo não geram lucro, são muito custosos e são indivisíveis, não

sendo interessantes ao capital privado.

Como o Estado teria características de classe, a explicação das ações do Estado

seria de menor importância, já que grande parte dos resultados já estaria definida pela

divisão do trabalho e pelo caráter irremediável de classe do Estado. Suas ações seriam

classificáveis segundo a função que ocupariam no interior do sistema – dominação-

regulação e integração-repressão (Castells, 1983, p. 161). O planejamento urbano e as

políticas estatais na cidade corresponderiam, assim, a ações estatais no campo do consumo

para viabilizar a dominação continuada do capital e reproduzir o capitalismo. Em qualquer

hipótese, as ações do Estado já estariam predeterminadas ou, pelo menos, poderiam variar

em torno de um conjunto muito limitado de alternativas. Por definição, mudanças de governo

não alterariam verdadeiramente o conteúdo das políticas produzidas.

Para Castells, entretanto, analisar a política no urbano equivaleria a estudar também

as ações “desde baixo” - dos movimentos sociais, que se configuram como formas de ação

coletiva que se insurgiriam contra a dominação e contra um nível insuficiente de consumo

coletivo provido pelo Estado. O surgimento dessas, portanto, estaria ligado diretamente à

presença de patamares baixos de consumo coletivo para a força de trabalho. Portanto, as

lutas urbanas em Castells (1983) ganham um caráter automático e derivado de mecanismos

estruturais, ao invés de ser produto da luta política (e de classes) em termos concretos. Em

obra posterior (Castells, 1980)16, o autor reinterpreta o papel dos movimentos, dando a eles

uma grande importância na promoção de lutas que levem a política a “uma nova qualidade”.

Nesse caso, os movimentos não seriam mecanismos de insurreição, mas produtores de

uma nova hegemonia, que converteria a sociedade à (e através da) democracia

representativa, e a um conjunto de valores e práticas que levaria à construção do socialismo

pela via democrática.

16 A publicação dos livros ocorreu de forma invertida em português, sendo a “Questão urbana” publicada originalmente

em 1972 e o “Cidade, democracia e socialismo” publicado primeiramente em 1978.

22

A segunda vertente neomarxista que analisou o urbano a partir dos anos 1970 foi

desenvolvida a partir do trabalho de Jean Lojkine (1981). Para ele, a cidade não seria o

espaço do consumo, mas da reprodução das condições gerais de produção. As ações do

Estado capitalista não representariam, portanto, apenas a resolução dos problemas de

consumo, mas de provimento de equipamentos coletivos na constituição de uma

cooperação urbana. Essa seria tão necessária à reprodução da economia capitalista em seu

estágio monopolista quanto a cooperação no interior da fábrica era para os capitais

individuais e para o capitalismo concorrencial. Na visão de Lojkine, o Estado também

obedeceria aos interesses do capital, mas subordinando-se especificamente à sua fração

monopolista e conduzindo os conflitos intra-urbanos sempre a seu favor (como no caso das

disputas pelo uso do solo urbano). Assim como na versão marxista anterior, o espaço para

ação do Estado seria muito limitado e ligado ao seu papel de reprodutor das condições de

produção. O estudo do Estado, portanto, se resumiria a comprovar, em políticas concretas,

a presença das funções estatais.

As condições gerais de produção incluiriam transportes, comunicação, energia, água

e esgoto, etc, pois disso dependeria a reprodução do sistema como um todo. A cidade

representaria um valor de uso complexo para o capital, já que todos esses serviços urbanos

não geram mais-valia e não possuem valor de troca. Além disso, este valor de uso urbano

seria indivisível (não corresponde à soma dos equipamentos específicos) e, assim, muitos

destes bens não poderiam ser vendidos, pois são muito caros, duráveis, e apresentam baixa

lucratividade. Por todas estas características, o Estado deveria garantir o provimento destes

equipamentos coletivos, viabilizando diretamente a reprodução da classe trabalhadora e

indiretamente os processos de acumulação.17

De uma forma mais geral, na visão do neomarxismo dos anos 1970, dois conjuntos

de investimentos estatais seriam centrais e se encontrariam diretamente relacionados às

funções do Estado: os investimentos variáveis para cumprir gastos sociais, e os

investimentos fixos para garantir a acumulação (O´Connor,1977). Do descompasso entre

esses dois conjuntos de gastos públicos surgiriam as motivações para os movimentos

sociais, uma vez que em períodos de crise e baixa lucratividade do capital os gastos sociais

seriam reduzidos, gerando uma queda na qualidade e na quantidade dos serviços urbanos,

o que por sua vez motivaria as mobilizações populares – os movimentos sociais. Esses

movimentos, entretanto, não conseguiriam alcançar ganhos reais, mas apenas iniciativas

17 Vale ressaltar que o fato destas políticas urbanas terem sido concedidas intensamente ao setor privado em período

mais recente invalida o argumento de que equipamentos coletivos urbanos não são interessantes para o setor privado, devendo, portanto, ficar a encargo do Estado. Além disso, vale registrar que a maior parte das políticas de infra-estrutura no Brasil foi iniciada por empresas privadas, ainda no século XIX. Ver Marques (2000, Cap. 2).

23

estatais paliativas, já que, considerando as restrições orçamentárias reais do Estado, a

execução de gastos sociais reais acarretaria redução nos investimentos fixos, atrapalhando

o processo de acumulação. Nesse sentido, o capital em geral teria sempre o Estado ao seu

lado como garantidor dos seus interesses contra as ações dos trabalhadores e de frações

dominadas do capital, sobredeterminando a política e tornando-a completamente previsível

em última instância.

Assim, para os autores da sociologia urbana francesa, como o Estado é

estruturalmente capturado, as dinâmicas do Estado e as suas relações com o setor privado

nem mesmo necessitam ser analisadas detalhadamente. O patamar analítico é tão abstrato

e geral que as mediações reais existentes entre os diversos processos que produzem (e

reproduzem) o meio urbano ficam obscurecidas e o processo político só pode ter um

resultado – a vitória do capital em geral.

É interessante observar que esse ponto de vista permanece mesmo em autores

marxistas que tentaram construir arcabouços analíticos mais próximos dos atores sociais,

como é o caso de Harvey (1980 e 1982). O autor delimita de maneira muito arguta a

presença de quatro “interessados” nas políticas urbanas em constante conflito pela

apropriação dos benefícios da produção e do uso do ambiente construído – o capital em

geral, os proprietários fundiários, os capitais da produção do ambiente construído e a classe

trabalhadora. Entretanto, ao autor afirma também que, como o capital em geral necessita do

ambiente construído, não permite que este seja decidido pelo jogo de força e joga o seu

peso a favor da reprodução social capitalista (Harvey, 1982, p. 12). O Estado, portanto, não

teria interesses próprios, sempre agiria no interesse dos capitalistas e, aparentemente,

nunca erraria nas suas estratégias. Voltaremos a esse ponto mais abaixo quando

comentarmos a contribuição do neoinstitucionalismo na ciência política.

Além disso, ao contrário do que seria previsível a partir do olhar da literatura

neomarxista urbana, as políticas urbanas implementadas pelo Estado muitas vezes

melhoraram efetivamente as condições de vida da população mais pobre e, portanto, não

podem ser considerados como simples legitimadoras do sistema. Como veremos, pudemos

encontrar, por exemplo, investimentos de porte significativo em áreas habitadas pela

população de baixa renda antes da disseminação de lutas e movimentos nas mesmas

regiões. Por outro lado, ao contrário do sustentado por essa literatura, há diferenças

significativas nos conteúdos distributivos das políticas implementadas por governos de

inclinações ideológicas distintas, indicando que a esfera da política importa

significativamente no desenrolar das políticas do Estado.

24

O caso de São Paulo nos indica também as fragilidades da idéia de captura

estrutural do Estado pelo capital em geral. A política municipal em São Paulo durante o

período estudado foi controlada na maior parte do período por apenas um grupo político.

Diversas informações apontam para a existência de uma intensa relação entre esse grupo e

frações de capitais envolvidos com a produção do ambiente construído, em especial os

envolvidos com obras públicas de infra-estrutura. Como veremos, pudemos derivar várias

dinâmicas da política públicas dessa relação, inclusive os volumes de gastos e os tipos de

obra realizadas em determinados governos. Nosso caso, portanto, poderia sugerir a

existência de um certo tipo de captura do Estado por capitais envolvidos na produção do

ambiente construído, para utilizarmos a terminologia da literatura sob discussão. Essa

captura, entretanto, não é estrutural, mas parte do processo político, sendo reproduzida na

arena eleitoral que decide o controle dos cargos eletivos no período democrático, assim

como no interior do próprio Estado, onde a dinâmica da rede da burocracia reforça o

controle sobre a política pública produzido pela hegemonia da direita no campo eleitoral. O

padrão de cidade que resultou dessa captura18 - baseado em grande obras viárias

incentivadoras do transporte individual sobre pneus, gerando custos de urbanização

exponenciais e problemas de tráfego praticamente insolúveis - é absolutamente disfuncional

para o capital em geral, sendo contrário aos seus interesses de reduzir os custos com a

produção e gestão da cidade19 e aumentar a sua eficiência. Foi produzido, entretanto, por

uma coalizão de poder que controlou o Estado na maior parte do período ligada a frações do

capital envolvidas com a produção do espaço urbano.

Portanto, embora não concordemos com a sobredeterminação da política nem com a

idéia de uma captura estrutural do Estado, um elemento destacado pelo marxismo urbano

nos parece fundamental para a compreensão dos processos políticos – a ação dos capitais

envolvidos com a produção da política. Entendemos que esses se constituem em

importantíssimos atores políticos, já que além de apresentarem interesses próprios, são

dotados de enormes recursos de poder, não apenas em termos financeiros, mas também

organizacionais, simbólicos e discursivos. No nível analítico tratado pela literatura marxista,

os mecanismos que podem ser mobilizados por tais atores envolvem não apenas dinheiro e

uma outra lógica da ação coletiva (Offe, 1984), mas também uma certa seletividade das

políticas e do aparelho de Estado (Offe e Volker, 1984), a possibilidade de greves do capital

(Jessop, 1983), além de uma interpenetração das elites políticas e econômicas sob o

capitalismo (Miliband, 1972). Entretanto, ao contrário dessa literatura, a presente análise

18 Ou dessa coalizão de poder como discutiremos mais adiante. 19 Aos olhos da literatura neomarxista esse custos são improdutivos sob o ponto de vista dos interesses do capital em

geral, embora sejam necessários para o seu funcionamento. Cf. Lojkine (1981) e Harvey (1982).

25

não enquadra esses capitais como classe no sentido marxista, mas como atores individuais

e/ou coletivos de grande destaque envolvidos diretamente no desenrolar da política.

Voltaremos a esse ponto mais adiante.

A partir do final dos anos 1970, os estudos sobre as políticas estatais sofreram uma

alteração significativa, com o desenvolvimento das diferentes correntes do que veio a ser

conhecido posteriormente como neoinstitucionalismo. Embora o neoinstitucionalismo não

tenha desenvolvido diretamente estudos sobre políticas urbanas ou sobre a cidade20, a sua

ênfase trouxe para o debate com grande centralidade duas importantes dimensões da

política – os atores estatais e o papel de enquadramento das instituições políticas. Não se

pretende resenhar esta perspectiva, nem tampouco discutir as suas superposições e

semelhanças com outras perspectivas no que diz respeito ao estudo do Estado e de suas

ações21, mas apenas realizar uma rápida recuperação de tal literatura de forma a trazer à luz

as duas dimensões citadas acima.

Para autores dessa perspectiva como Skocpol (1985) e Evans (1993), o Estado e

suas organizações não seriam subordináveis aos interesses de grupos e agentes

localizados na sociedade. Para eles, os órgãos estatais e suas burocracias apresentariam

interesses próprios e diversos de quaisquer outros agentes, por exemplo como das elites

(como gostaria a teoria das elites), dos capitais (como afirma o marxismo) e dos grupos de

interesse (como defende o pluralismo). Além disso, os atores estatais apresentariam

recursos de poder muito significativos, já que controlariam a máquina burocrática e se

localizariam na cadeia de produção das políticas públicas. Dependendo da conjuntura, da

força dos demais atores e do insulamento que conseguiriam estabelecer entre Estado e

sociedade, portanto, as agências estatais e suas burocracias poderiam se transformar nos

mais importantes atores no processo de decisão, elaboração e implementação das políticas

públicas. Esse elemento é central para a presente análise, que destaca os técnicos do

Estado, assim como a sua agregação em grupos burocráticos que comungam de

características próprias e estabelecem padrões de vínculo específicos com atores externos

ao Estado.

A outra dimensão destacada por essa literatura diz respeito ao efeito de

enquadramento da política efetuado pelas instituições políticas, entendidas como conjuntos

de regras que organizam o jogo do poder em um dado sistema político. Essa dimensão,

20 Com a possível exceção de Gurr e King (1987) e King (1987). Esses estudos, entretanto, embora estabeleçam um

marco analítico neointitucionalista, acabam por sobredeterminar as ações do Estado pelos capitais na análise empírica. 21 A primeira tarefa foi realizada por vários autores, como por exemplo Steinmo et al. (1992). Na literatura brasileira essa

tarefa foi realizada por Arretche (1995) no que diz respeito ao surgimento e desenvolvimento das políticas sociais, por Limongi (1994) no que diz respeito aos estudos legislativos e por Marques (1997) no que diz respeito à discussão dos atores políticos e aos mecanismos explicativos mais importantes para as ações do Estado.

26

destacada pela primeira vez em Skocpol (1985) sob a denominação de “caráter

tocquevilleano” das instituições políticas, diz respeito à “moldagem” do campo da política

efetuada pelas regras do desenrolar do jogo político. Ao especificar o que é ou não possível,

assim como quais configurações, alianças e estratégias podem ou não surtir efeito, as

instituições alteram resultados, estratégias e mesmo preferências, pelo ajustamento

paulatino dessas aos resultados esperados. Essa dimensão está presente não apenas no

arcabouço jurídico e no direito positivo, mas também na própria estrutura e desenho do

Estado, como não escapou a análises marxistas argutas como Offe (1975) e Block (1980 e

1981). Esse elemento também é central nesta análise e, como veremos mais adiante,

diversos elementos da política paulistana.

Sínteses analíticas tentativas

A integração dessas tradições é impossível em nível teórico, já que as origens do

poder político para cada uma delas, assim como as unidades básicas de ação social

mobilizadas por cada uma delas, não são apenas divergentes, mas também mutuamente

excludentes. Em um nível mais concreto, entretanto, é possível construir articulações de

natureza analítica, desde que devidamente explicitadas e cuidadosamente elaboradas.

A análise de Savich (1988) vai nessa direção. O autor discute a dinâmica de

transformação do planejamento urbano em Nova Iorque, Paris e Londres nas décadas de

1960, 1970 e 1980. Para Savich, o que ele denomina de teorias da distribuição de poder

incluem de maneira destacada a teoria das elites, o pluralismo e o corporatismo22. Para ele,

cada uma dessas perspectivas guarda certa capacidade de descrição do funcionamento do

mundo real, e essas teorias devem ser utilizadas como ideais tipos no sentido Weberiano.

Um elemento chave para as explicações do autor está nas ações dos agentes estatais. O

cruzamento da conformação desses atores com as várias combinações de poder

controladas por eles levaria à existência de estruturas de poder específicas em cada cidade.

Os casos estudados por ele se enquadrariam então em estruturas de poder mais parecidas

com a descrição corporatista clássica (Paris), corporatista liberal (Londres) e pluralista (Nova

Iorque).23

22 Embora o sentido do termo “corporatismo” em Savitch seja confuso e às vezes inconsistente, o autor na maior parte

das vezes quer se referir aos padrões de intermediação de interesses que levaram ao desenvolvimento de grandes acordos tripartite entre capital, trabalho e Estado e marcaram a cena política do pós-guerra em grande parte dos países desenvolvidos, em especial na Europa, tendo sido estudados em detalhe por autores como Schmitter (1979) e Cawson (1985). Às vezes, entretanto, Savitch parece confundir a literatura corporatista com o neoinstitucionalismo.

23 Nessa última cidade a estrutura de poder era mais fragmentada nos anos 1950/60 mas se tornou mais coesa nos anos 1980.

27

Embora o esforço analítico do autor seja louvável, e os destaques aos atores estatais

e às diversas combinações de poder sejam muito interessantes, duas críticas devem ser

colocadas. Em primeiro lugar, a descrição da literatura corporatista feita pelo autor é muito

forçada, imputando a ela elementos que não estão lá, em especial o destaque aos atores

estatais. Além disso, essa literatura não se constituiu em uma abordagem teórica específica

que defendesse a importância de um determinado ator, mas representou um conjunto de

análises sobre um objeto histórica e sociologicamente delimitado – os grandes acordos

corporativos dos países centrais construídos no pós-Segunda Guerra Mundial. O autor

alcançaria muito mais clareza se utilizasse o neoinstitucionalismo como o seu terceiro pólo

explicativo ou terceiro ideal tipo, como ele mesmo propõe. Como vimos acima, essa

literatura destaca especificamente o papel dos atores estatais e das instituições políticas na

dinâmica do poder e nas ações do Estado. Um segundo problema na perspectiva de Savich

está em lançar mão de elementos das três teorias sem especificar as condições que fazem

com que uma delas se aplique mais a um caso do que uma outra. O resultado é um

conjunto de explicações ad hoc, não ficando claro para o leitor qual dos tipos ideais deveria

ser aplicado para a explicação de outros casos, gerando um empiricismo completamente

dedutivo bem pouco apropriado para a análise de situações sociais complexas.

Um outro trabalho que tenta escapar analiticamente dos problemas colocados para a

análise do poder na cidade é o de Mollenkopf (1992). O autor parte do principal debate

presente na literatura sobre o poder político na cidade, consubstanciado na sucessão –

teoria das elites/pluralismo/crítica marxista – para propor um arcabouço alternativo para o

estudo do poder na cidade. Mollenkopf já sugere, na sua classificação das perspectivas, o

reconhecimento dos dois grandes pólos presentes na literatura, classificando marxistas e

teóricos das elites sob a rubrica de estruturalistas e os opondo aos pluralistas. A polaridade

mais ampla presente no debate é entre estrutura e ação, que se desdobra em determinação

versus contingência e em estabilidade versus dinâmica. As duas primeiras literaturas

destacam elementos presentes na estrutura da sociedade para descrever e analisar como o

mundo político funciona. Ao fazê-lo, por vezes perdem a dinâmica social e não deixam muito

espaço para a contingência. Os pluralistas, ao contrário, enfatizam os atores, suas

estratégias e a dinâmica política. Entretanto, ao fazê-lo, muitas vezes deixam de lado as

estabilidades, o contexto e os constrangimentos, dando a impressão que todos os

resultados políticos são igualmente possíveis e que todos os atores têm iguais chances de

vitória.

Para Mollenkopf, portanto, a crítica marxista dos anos 1960, apesar de cair em vários

momentos em um determinismo econômico, chamou a atenção para mecanismos que

produzem desigualdades políticas cumulativas e sistêmicas, que levam à concentração de

28

poder nas mãos de grupos específicos. Esses são absolutamente incompatíveis com os

arcabouços explicativos pluralistas. Outro elemento levantado por esse autor na literatura

neomarxista é o destaque aos capitais, assim como à dependência estrutural do Estado ao

capital, já que o volume do fundo público que alimenta o Estado é oriundo da taxação das

atividades capitalistas. Considerando a imobilidade inerente a seus ativos, os capitais da

acumulação urbana teriam especial interesse em influenciar as políticas urbanas e uma

baixa capacidade de produzir greves do capital no sentido de Jessop (1983).

Recuperados esses pontos fortes e as críticas com relação ao debate, Mollenkopf

apresenta um modelo alternativo de análise. Em primeiro lugar, destaca um elemento

trazido do pluralismo: os líderes políticos que interagem com a população residente e os

interesses dos eleitores de um lado, e com os interesses econômicos e com o mercado, de

outro. A sua análise toma então como ponto de partida a consideração de duas importantes

relações da classe política – com os eleitores e com o ambiente econômico. Por outro lado,

o autor afirma que líderes políticos que almejem controlar a política da cidade devem lidar

com os interesses produzidos no interior do próprio setor público, os que se originam no

eleitorado e os oriundos do setor privado. Para ele, a complexidade da política da cidade de

Nova Iorque vem justamente do fato de que tanto os interesses dos eleitores quanto do

setor privado são imensamente fragmentados e contraditórios, sendo impossível trabalhar

com dicotomias do tipo - negro/branco ou capitalista/trabalhador.

Nesse ponto, o autor apresenta sua categoria analítica chave – “a coalizão política

dominante”. Essa representa uma aliança tática entre interesses diferentes que consegue

ganhar as eleições para o executivo e estabelecer e manter a cooperação com outros

centros de poder privados e públicos necessários para governar. Para ele, essas coalizões

podem ser duradouras e abrangentes, tomando o poder e mantendo-o sobre uma ampla

gama de setores/assuntos de política por períodos relativamente longos. Esse ponto de

vista o afasta dos pluralistas, embora não o coloque no campo dos elitistas, já que a

manutenção dessas coalizões é completamente contingente do processo político. E

efetivamente Mollenkopf afirma que a derrocada de uma coalizão ocorre geralmente em

momentos de crise ou períodos de intensa mudança social e econômica. Como veremos ao

longo deste livro, a idéia de coalizão política dominante poderia ser utilizada para explicar a

dinâmica política em São Paulo nas últimas décadas em termos gerais, mas apenas se

compreendermos essa categoria como bastante próxima da descrição dos teóricos das

elites, considerando a grande estabilidade da política paulistana no período não apenas no

sentido eleitoral, mas também na dinâmica interna ao Estado e às redes que o estruturam.

Um terceiro autor que dialoga com os modelos analíticos mais importantes e

desenvolve um modelo analítico sofisticado para o estudo do poder na cidade é Mike Davis.

29

Em seu magistral “A cidade de Quartzo” (1992), Davis analisa inúmeras dimensões sociais e

políticas da cidade de Los Angeles. No capítulo destinado diretamente ao estudo do poder,

o autor começa sua narrativa com uma epígrafe de Otis Chandler, patriarca do jornal Los

Angeles Times e importante ator do processo político local, que afirma: “Não existe estrutura

de poder aqui – somente pessoas que pensam que são o poder”. Uma parte significativa do

livro de Davis é dedicada a mostrar que essa assertiva não é verdadeira, iluminando as

continuidades na estrutura de poder local.

Para Davis, se por um lado não é possível delimitar uma única elite coesa que

controle a política da cidade, por outro o poder na Califórnia Meridional nada tem de

fragmentado e disperso. Em suas próprias palavras: “se Los Angeles deixou há muito tempo

de ser uma cidade provinciana com um único “comitê executivo da classe dominante”, ainda

está longe de ser um mero loteamento de riqueza e poder difusos. O poder político na

Califórnia Meridional permanece sendo organizado pelas grandes constelações de capital

privado, as quais, como em outros lugares, agem como governo permanente nas questões

locais.” (Davis, 1992, p. 100) Seguindo essa linha, Davis reconstrói a história do poder da

cidade (e na cidade) como uma sucessão de hegemonias de elites sobre a política local,

desde o início do século XIX até o final do século XX. Esse processo é apresentado como

repleto de conflitos interno às grupos da elite, assim como entre essa e as classes

populares. Seguindo a tradição da teoria das elites de forma rica, o autor articula elites

econômicas com elites políticas e culturais em uma economia e uma sociedade de fronteira,

sempre em transformação. Os processos de reprodução social da elite passam

historicamente pelas transformações no campo da economia, pela propriedade de ativos

econômicos e pela construção de redes sociais que envolvem casamento, sociabilidade e

cultura. O elemento cultural na reprodução das elites não entra aqui apenas no sentido

tradicional de conjunto de práticas e conhecimentos comungados pelos membros da elite.

No caso de Los Angeles ele se transforma em produto econômico específico que altera as

condições de reprodução econômica das várias partes da elite, pela importância da indústria

cultural na cidade.

Davis não analisa o Estado em nível local na cidade de Los Angeles, o que talvez

seja a sua principal lacuna. Na verdade, a ausência de uma análise sistemática do Estado

está associada a uma tendência do autor a considera-lo como um epifenômeno, ou um

espaço a ser ocupado pela elite ou pelos grupos econômicos que detém a hegemonia em

cada momento histórico, de forma consistente com as literaturas marxista e das elites que o

inspiram. Nesse sentido, a dinâmica e os acontecimentos estão na sociedade, e as

referências do autor às instituições políticas e às burocracias são muito raras. A única

30

exceção é o aparato policial, que é apresentado como um ator independente e autônomo

dotado de interesses e recursos de poder significativos.

Deve-se ressaltar ainda na análise de Davis a importância destinada aos capitais que

retiram sua valorização da própria cidade, assim como a sua imbricação com a elite política

local. Nesse sentido, o autor avança com relação às inúmeras análises marxistas que

marcaram os estudos urbanos na década de 1970, ao não fixar de forma apriorística as

dimensões e atores a iluminar. Para o estudo de Davis isto é absolutamente fundamental, já

que para ele, embora a constituição da elite californiana seja principalmente política e

econômica, o seu processo de reprodução tem um caráter eminentemente sociológico e

complexo, e passa por todas as dimensões da vida social.

Atores, instituições e redes

Há dois patamares distintos nos quais precisamos estabelecer pontos de partida

analíticos. Em termos mais abstratos, partimos da premissa de que as políticas públicas são

definidas pela interação entre atores no interior dos ambientes institucionais e relacionais

presentes nas comunidades de políticas. As dinâmicas políticas são resultado dessas

interações, tendo em conta os constrangimentos das instituições e das redes de relações

pessoais e institucionais presentes. Essas dinâmicas são fortemente influenciadas por

legados, já que tanto o ambiente institucional e as redes, quanto a própria política pública,

são historicamente construídas. Esses legados, assim como diversas “estruturas” presentes

em cada caso (econômicas, relacionais, espaciais e institucionais) definem instrumentos de

poder diferenciados para os atores políticos potenciais, tornando alguns deles mais capazes

de fazer valer seus interesses do que outros, além de conduzir alguns atores potenciais em

direção à irrelevância. Apesar da existência de grandes desproporções de poder entre

atores, entretanto, os resultados dos conflitos políticos são contingentes e, portanto, não

predeterminados. Isso não quer dizer que os vários resultados sejam igualmente possíveis e

que seja impossível prevê-los mas, ao contrário, que suas probabilidades de ocorrência são

proporcionais à desproporção de poder entre os atores.

Em um nível mais concreto, destacamos como principais atores na definição das

políticas estatais os que apresentam posições de poder mais vantajosas no sentido

discutido acima. Os três atores considerados como principais na análise são: os membros

da classe política, os capitais envolvidos com a produção concreta de obras e serviços

contratados pelo Estado, e os membros das burocracias do Estado envolvidos direta e

31

indiretamente com a política. Observemos o tratamento dispensado a esses atores pela

literatura apresentada anteriormente.24

A classe política é destacada pelas três literaturas – teoria das elites, pluralista e

marxista, mas é descrita com características diversas e ocupa posições muito diferentes em

cada uma delas. Sobre esse ponto, elitistas e marxistas se põe de acordo, afirmando que a

classe política é sobredeterminada - pelo capital no marxismo e pela elite no elitismo, assim

como homogênea - meros representantes no marxismo e uma especificação da elite em

geral na teoria das elites. Embora esta análise tenha afinidades com ambas as

perspectivas25, não podemos concordar com a predeterminação dos resultados do jogo

político, assim como com a transformação da classe política em mera “correia de

transmissão” de interesses das elites ou de classes. Os membros da classe são dotados de

interesses próprios e representam um conjunto bastante heterogêneo de agentes portadores

de projetos e preferências de política bastante diversos. Como veremos, a ideologia é uma

das clivagens que, no interior da classe política, organiza conjuntos de interesses e

preferências. Nesse sentido, estamos muito mais próximos do enquadramento dos políticos

elaborado pelo pluralismo, que apresenta menos restrições definidas a priori a respeito da

classe política, e deixa espaço para que as análises concretas indiquem as ações e os

conteúdos das estratégias dos políticos, ou “os que buscam o poder” para usarmos a

expressão de Dahl (1961, p. 96).

Em segundo lugar, os capitais, destacados de forma tão intensa pelas análises

marxistas. Embora a sua centralidade na política seja incontestável, não consideramos

proveitoso, ao menos para a análise dos processos tratados aqui, analisar os capitais como

classe. Este trabalho os integra como indivíduos e em grupos observados empiricamente,

tratado-os como entidades dotadas de interesses e recursos de poder que podem se tornar

atores políticos relevantes, tanto buscando situações privilegiadas de acumulação em

termos individuais, quanto agindo coletivamente quando a situação e suas estratégias os

levarem a isso. As empresas privadas produtoras de serviços e obras e envolvidas com a

produção concreta da política tratada aqui, portanto, são consideradas como atores centrais

no desenrolar da política, e não como classe ou como um conjunto de interesses ligados ao

capital em abstrato.

Entretanto, nesse estudo levamos em consideração um tipo específico de capital

urbano. De uma forma geral é possível classificar os capitais do urbano em três grupos,

24 Não se realiza aqui uma discussão detalhada da bibliografia, sendo os leitores remetidos para Marques (1995) para

uma resenha crítica dos argumentos levantados pelas literaturas marxista, da análise setorial e neoinstitucionalista com relação aos atores mais importantes das políticas do Estado.

32

diferentes entre si no que diz respeito a seus processos de valorização e às suas relações

com a terra urbana e o Estado. Embora os estudos na área sejam escassos, tudo indica que

cada um desses tipos de capital apresente características e estratégias diferentes e que

produza impactos diferenciados nas políticas estatais.

O primeiro conjunto de capitais envolve os relacionados com a atividade imobiliária,

da incorporação, do financiamento e os ligados à terra urbana. O seu circuito de valorização

está associado à construção das edificações, dependendo centralmente da oferta

continuada de terra urbana, e se cristalizando em localizações específicas. Os produtos de

sua atividade são vendidos diretamente ao mercado, o que lhes empresta uma certa feição

concorrencial. O seu processo de valorização não está diretamente associado ao Estado,

embora esse possa influir em seus patamares de lucratividade, via investimentos públicos

ou legislação, por exemplo26. Esse grupo de capitais já foi objeto de intenso escrutínio de

análises, realizadas sob a ótica da sociologia urbana francesa marxista, como Topalov

(1974). A literatura brasileira também apresenta estudos realizados nesse registro como

Ribeiro (1997). Talvez seja possível dizer que a literatura de estudos urbanos em geral

tende a considerar esses capitais como os capitais importantes para a compreensão da

produção do espaço urbano, desconsiderando o efeito da ação dos dois outros grupos.

Um segundo conjunto de capitais inclui aqueles envolvidos com a produção das

infra-estruturas urbanas. Esses foram objeto de poucos estudos, mesmo na literatura

internacional (Coing, 1988). Este problema se repete no Brasil, com a exceção de análises

recentes como Marques (2000) e Mota (2001). A questão da terra não é fundamental para

esses capitais, embora os seus produtos também se cristalizem em localizações

específicas. A terra não é muito importante porque o circuito de valorização da infra-

estrutura se inicia com essa questão resolvida previamente por dois outros atores –

produtores privados de terra urbana (que viabilizam glebas para loteamentos, por exemplo)

e o Estado (que desapropria terra). A importância dos primeiros é muito menor do que a do

Estado, que representa o grande comprador dos serviços desse tipo de capital. O mercado

da infra-estrutura é, portanto, um oligospônio, onde um único comprador controla quase

todas as compras. Como em todos os mercados desse tipo, o preço, as quantidades e as

características dos produtos são fortemente influenciados pelo comprador principal (ou

único, se chegarmos a um monospônio). Em um mercado desse tipo há fortes incentivos

para os produtores tentarem influenciar o comprador. O mercado de infra-estrutura,

portanto, é intrinsecamente político (Camargos, 1993), e há incentivos para que se busque

25 Afinidades com o marxismo pelo destaque dado aos capitais do setor, e com a teoria das elites pela crença na

existência de uma estrutura do campo da política, como boa parte dos estudos que utilizam análise de redes. 26 Ver Vetter e Massena (1981) e Rolnik (1997), respectivamente.

33

continuamente construir e ampliar a permeabilidade estatal. Esse conjunto de capitais é o

enfocado nesse trabalho.

O último conjunto de capitais envolve as atividades relacionadas com os serviços

urbanos, como transportes e limpeza urbana. Esse talvez seja o conjunto de capitais menos

estudado de todos. É o tipo de capital urbano que menos sofre influência da questão da

terra, já que seus produtos não se cristalizam em localizações, mas envolvem

principalmente trajetos e percursos. Assim como no conjunto anterior, o comprador quase

único é o Estado, o que empresta um caráter bastante político ao mercado e, portanto,

também aqui a permeabilidade é um elemento central. Ao contrário do conjunto anterior, no

entanto, o processo de trabalho não se concentra no tempo, mas se espalha

temporalmente.

O terceiro ator destacado neste estudo foi muito pouco considerado pelas três

perspectivas citadas anteriormente, embota tenha sido centralmente destacado pelo

neoinstitucionalismo – os agentes estatais. É interessante observar que teóricos das elites,

pluralistas e marxistas concordam em considerar o Estado como um espaço vazio, embora

discordem sobre o que o preenche. Para os primeiros, o Estado é ocupado pela elite ou por

suas frações, mesmo que de maneira indireta (Hunter, 1953, cap. 5), enquanto para os

segundos é preenchido pelos grupos de interesse mais bem sucedidos na luta política

(Easton, 1970 e Sabatier, 1999). Para os marxistas, por fim, o Estado é capturado

estruturalmente pelo capital, visto que se trata de um Estado de classe (Poulantzas, 1986,

pp 119 e seguintes e Marx e Engels, 1987, p. 36)27.

Discordamos dessas perspectivas e, nesse aspecto, seguimos os estudos

neoinstitucionalistas, ao afirmar que as agências estatais devem ser estudadas de maneira

plena, não determinando a priori a sua subordinação a qualquer agente ou processo

presente na sociedade. O estudo detalhado do Estado nos revela a existência de grupos,

mais ou menos organizados, com interesses específicos (e mesmo com projetos

específicos) e com acesso significativo a recursos de poder ligados, principalmente, ao

funcionamento da própria máquina e à execução direta de políticas. Por essa razão, este

livro dá grande destaque analítico aos atores estatais, assim como à sua relação com os

outros dois atores mais importantes destacados pelas literaturas apresentadas

anteriormente – os capitais envolvidos com a produção direta das políticas e os membros da

27 Sob esse ponto de vista vale observar que o notável deslocamento ocorrido na obra de Poulantzas - entre Poulantzas

(1986, publicado originalmente em 1968) e Poulantzas (1985, publicado originalmente em 1978). Na primeira obra o Estado seria sobredeterminado pelo caráter de classe definido por “funções”, enquanto na segunda o Estado seria um campo de luta e a condensação de relações de forças, em uma visão próxima do pluralismo.

34

classe política. Esses três atores se relacionam no interior da rede de relações que estrutura

a comunidade da política estudada.

A outra dimensão da política destacada pelo neoinstitucionalismo também nos

interessa. Como veremos, as regras do jogo político influenciaram várias facetas da política

pública de SVP, como o impacto das mudanças na legislação de licitações sobre os padrões

de vitórias das empreiteiras, por exemplo. Os elementos institucionais se apresentam como

parte importante do ambiente em que se dão as dinâmicas políticas, emoldurando a política

e influenciando os seus resultados.

Os atores destacados, entretanto, agem em um ambiente que não é apenas

marcado por instituições, mas é estruturado também por redes de relações entre indivíduos

e organizações no interior da comunidade de política. Como veremos, esses padrões de

relações foram construídos a partir de vínculos institucionais e pessoais construídos ao

longo de muitos anos, com ligações de várias naturezas – familiares, de amizade, políticas,

de negócios e de corrupção. Sob o ponto de vista da racionalidade, tais padrões incluem

ligações intencionais e fortuitas, assim como um grande número de vínculos lançados há

muito tempo (e por determinada razão), e mobilizados muito tempo depois (com objetivos

distintos). Nesse sentido, o efeito das redes de relações entre indivíduos e organizações no

interior das comunidades das políticas estatais é similar ao das instituições descrito pelo

neoinstitucionalismo, estruturando o campo e influenciando resultados, estratégias, e

formando e alterando preferências.

Esse elemento relacional é especialmente importante no caso brasileiro. No Brasil, o

Estado apresenta grande centralidade na dinâmica política, assim como estrutura de

maneira muito forte os campos de política pública. Ao mesmo tempo, essas próprias

organizações estatais apresentam elevada permeabilidade (Marques, 2000). Essa

permeabilidade é advinda dos padrões de interpenetração entre público e privado na rede

de relações de cada comunidade de política. Entretanto, um outro traço constitutivo do

Estado brasileiro, que representa o reverso da permeabilidade, está no fato das redes

informais de relações pessoais também estruturarem a coesão e a solidez das organizações

estatais (Marques, 2000), influenciando a sua inserção na sociedade no sentido de Evans

(1994) e a sua capacidade de coordenação (Schneider, 1991). Em Marques (2000),

denominei esse importante elemento das dinâmicas políticas de poder posicional.

Voltaremos a ele intensamente no Capítulo 6.

Alguns últimos elementos merecem ser destacados. Com relação ao conteúdo

substantivo das políticas, este estudo trabalhou com uma hipótese não completamente

35

testada e que deverá ser aprofundada em pesquisas futuras. Considerando que tratamos

com uma comunidade bastante homogênea, sob a hegemonia de uma única profissão com

baixo envolvimento em questões de política, e controlada quase completamente por um

único grupo político, os projetos a serem implantados não são influenciados dee maneira

significativa pela rede. Em outras comunidades, assim como em outras redes, os projetos

podem ser produtos das interações de idéias e cultura nas redes (Mische e Pattison, 1999).

Nos mais variados “domínios de política pública”28, as preferências de políticas são produto

do encontro e da negociação, no interior das redes, de projetos produzidos na comunidade e

trazidos, por exemplo, da dinâmica eleitoral e de grupos políticos que são alçados ao poder

institucional, assim como de associações presentes na sociedade (Lauman e Knoke, 1987;

Knoke, et al., 1996 e Heinz et al. 1993). Em redes fortemente hegemonizadas e

homogêneas como a de SVP, entretanto, as preferências de política e os projetos tendem a

ser trazidos quase exclusivamente do processo eleitoral ou tendem a ser produzidos pelo

grupo da burocracia que domina o setor.

Um último elemento importante a destacar diz respeito aos efeitos do desenho das

agências estatais. Uma parte significativa das distinções entre as redes das comunidades de

política estudada por Marques (2000) e pelo presente trabalho decorre das diferenças de

desenho institucional. No caso do Rio de Janeiro, tratava-se de uma empresa pública com

padrão de carreira sólida e elevado insulamento da burocracia, ao contrário do caso de São

Paulo estudado aqui, aonde a política é desenvolvida por um órgão da administração direta

com intensa migração para outros órgãos públicos e baixo insulamento. De forma similar,

dependendo do desenho institucional do Estado, o poder posicional será mais ou menos

central na intermediação de interesses entre público e privado e no relacionamento dos

grupos da comunidade. De uma forma geral, quanto mais elevado o insulamento e mais

estruturada a organização estatal, mais importância terão as redes de relações, e mais

fundamental será o poder posicional para o funcionamento das políticas.

28 Ou policy domains, para a literatura internacional.

36

Capítulo 2: História, estrutura e controle da direita

Nesse capítulo apresentamos a constituição do ambiente político, institucional e de

poder que emoldura o desenvolvimento da política de infra-estrutura em São Paulo no

período estudado. Inicialmente, acompanhamos a construção histórica da Secretaria de Vias

Públicas e dos demais órgãos municipais relacionados com a infra-estrutura e as obras

municipais. A inclusão desses órgãos em nossa recuperação é importante, pois não apenas

as suas origens institucionais são comuns, mas os padrões de migração de técnicos indicam

que eles também fazem parte do campo das políticas de infra-estrutura urbana em nível

local.

Em seguida, apresentamos algumas informações sobre a dinâmica eleitoral e política

na cidade de forma a sustentar o controle da política local por um grupo político de direita.

Da década de 1970 até meados dos anos 1980, a ocupação do governo municipal por

políticos de direita refletiu as indicações dos prefeitos pelos governadores sob a vigência da

Emenda constitucional No 1 de 1969. Muito provavelmente esse controle da política local

não se verificaria se os principais cargos públicos fossem escolhidos democraticamente,

visto que nesse período a direita era amplamente minoritária na arena eleitoral local

(Meneguello e Alves, 1986; Lamourneir, 1980). Entretanto, com a volta das eleições diretas

para os governos municipais das capitais em 1985, o controle da direta se manteve, já que a

direita conseguiu um notável crescimento na preferência eleitoral dos anos 1970 para os

1980, consagrada em 1985, mas já previsível pela elevada votação de Jânio Quadros no

pleito estadual de 1982 (Meneguello e Alves, 1986; Lamourneir, 1985; Pierucci e Lima, 1991

e 1993). Ao longo de todo o período, entretanto, essa expressão eleitoral se mostrou muito

dependente de suas lideranças principais (Figueiredo et al., 2002).

O controle continuado da direita sobre a política local construiu um outro elemento

importante na consolidação do seu poder – uma rede de “gestores de direta” que, nas

administrações de vários prefeitos desse campo político, transformaram as decisões gerais

de política em ações concretas. Partimos de informações documentais e de entrevistas para

demonstrar como essa rede de gestores está presente em inúmeras administrações e

controla os principais cargos do setor ao longo do tempo. Aparentemente, os governos de

esquerda do período rapidamente tomam conhecimento dessa dimensão do setor, já que

nos primeiros anos de seus mandatos podemos verificar a presença de indivíduos da

comunidade (e mesmo dos grupos de técnicos mais afinados com a direita), mas a partir do

segundo ano esses são substituídos por elementos de fora do setor. A capacidade estatal

37

nos governos de esquerda, portanto, depende da incorporação de técnicos trazidos de fora

da comunidade, enquanto a direita utiliza os indivíduos mais integrados e centrais da rede

do setor.

A construção histórica de SVP29

A Secretaria de Vias Públicas é talvez a mais importante organização estatal do

município de São Paulo. Apesar disso, nunca foi objeto de estudos sistemáticos como

organização estatal. Os únicos estudos sobre o setor analisam-no sob o ponto de vista da

obra urbanística de alguns dos seus mais importantes dirigentes - principalmente Victor da

Silva Freire e Prestes Maia, ou através das ações da Diretoria de Obras, antecessora mais

remota de SVP no organograma da prefeitura municipal (Cf. Simões Jr, 1991 e Leme, 1991

e 1999). Na realidade, a ausência de análises políticas sobre esse importante órgão

paulistano reflete dois processos convergentes internos às comunidades acadêmicas

brasileiras: a escassez de estudos empiricamente embasados de ciência política sobre as

políticas e o Estado a nível local, e o pequeno interesse dos trabalhos de estudos urbanos

pela dinâmica do poder propriamente dita.

A Secretaria tem sua origem mais remota na Diretoria de Obras da prefeitura da

capital. A história desta unidade administrativa está ligada de forma indissolúvel às

atividades de Victor da Silva Freire, chefe e diretor da Secção de Obras Públicas por 27

anos, desde 1898, quando o conselheiro Antônio Prado se tornou o primeiro prefeito

paulistano. Em 1926, Freire deixou o setor público, mas continuou seu trabalho em

urbanismo atuando como professor da Escola Politécnica (Simões Jr, 1991 e Leme, 1999).

O período de influência de Freire foi sucedido, na história institucional do órgão, pela

presença de Francisco Prestes Maia, ingressado na Diretoria de Obras Públicas em 1918.

Entre 1924 e 26, Prestes Maia, em associação com Ulhôa Cintra, elaborou uma série de

estudos sobre a estrutura urbana paulistana e, em 1930, publicou o seu Plano de Avenidas,

que incluía uma proposta para o sistema viário que viria a influenciar as principais

intervenções que estruturaram a cidade nas décadas posteriores (Leme, 1999 e Toledo,

1996). O Plano apresenta grande importância, não apenas para a história do urbanismo

paulistano, por se tratar da primeira iniciativa de ordenamento territorial de conjunto, mas

porque veio a influenciar a maior parte das propostas de estruturação viária concebidas e

29 Essa seção, assim como as seguintes, utiliza informações de inúmeras fontes. Exceto quando explicitada, a origem

das informações é PMSP (1992), FGV (2001) e entrevistas com os engenheiros Nelson Beti de Oliveira, José Mais, Carlos Packer e a funcionária Darcy Lepic, além da legislação municipal pertinente.

38

implementadas a partir de então30. A Diretoria existiu até 1936, quando foi transformada em

Departamento de Obras e Serviços Municipais pelo ato Nº 1146/36.

Vale dizer que a organização territorial da cidade de São Paulo ao longo do século

XX ocorreu, por um lado, pela ação isolada de empreendedores privados e, por outro, pela

realização de obras públicas, especialmente viárias e de drenagem, apenas parcialmente

articuladas em um plano de conjunto e, na sua maior parte, direcionadas tão somente a

solucionar, no curto prazo, os problemas viários e de circulação rodoviária. A realização

direta de obras viárias, portanto, representou a forma predominante de intervenção pública

na organização territorial, e teve nas mãos de importantes técnico-políticos como Silva

Freire e Prestes Maia seus escasso momentos dede planejamento de conjunto. Esse

processo colocou o Departamento de Obras, e posteriormente a Secretaria, no centro das

atividades que estruturaram o espaço paulistano, não apenas em termos do pensar a

cidades, mas também na implantação das mais importantes ações estatais sobre o

urbano.31

No caso de Prestes Maia, mais destacado personagem da história do setor de obras

viárias paulistano, a influência se prolongou por cerca de 40 anos. Embora tenha se

envolvido com o lado perdedor da Revolução de 1930 e tenha se afastado das atividades

públicas por um breve período, voltou ao centro da política e da gestão territorial paulistana

em 1938, quando assumiu a cadeira de prefeito, por indicação do interventor Adhemar de

Barros. Permaneceu como prefeito de Barros até 1941 e foi confirmado no cargo pelo novo

interventor Fernando da Silva Costa, ficando na prefeitura até 1945. Ao final daquele mesmo

ano, o Departamento de Obras foi transformado em Secretaria de Obras e Serviços através

do Decreto Lei 333/1945.

A estrutura do novo órgão passou a incorporar, a partir de 1947, através do Decreto

Lei 431/47, os Departamentos de obras públicas, serviços municipais, cadastro municipal32,

30 Sobre o Plano ver Leme (1982) e Toledo (1996). 31 Vale observar que esse elemento não é inteiramente compreendido pela maior parte da literatura de estudos urbanos

que, ao sustentar de forma predominante o papel dos loteadores e do setor privado na estruturação de São Paulo, reduz a importância das decisões políticas ocorridas no interior do Estado relacionadas com obras públicas que estruturaram uma porção significativa do território paulistano (habitado pelos mais ricos) e influenciaram indiretamente o restante da cidade (habitada pelos mais pobres). Um exemplo desse olhar está no tratamento dado por inúmeros autores à idéia de que os grupos sociais e as atividades se estruturam na cidade de maneira radial e concêntrica. Se essa forma existe, não é produto de uma lei geral do crescimento urbano sob o capitalismo periférico, mas é o resultado, em grande parte, de inúmeras intervenções públicas “radiais” e em “anéis” realizadas na cidade. Voltarei a esse ponto no Capítulo 4.

32 O cadastro seria importante por incluir a unidade administrativa responsável por avaliações e pela taxa de melhoria. A cobrança dessa contribuição, entretanto, nunca chegou a ser implementada.

39

manutenção de prédios públicos, serviço funerário, além das comissões orientadora do

“Plano da Cidade” e de “Estética”.33

Durante a década de 1950, Maia atuaria através de seu escritório de projetos, além

de se lançar a cargos eletivos pela UDN, sendo seguidamente derrotado em 1950 e 1954

para o governo do estado. Em 1957, Jânio Quadros, primeiro prefeito eleito desde o retorno

dos pleitos diretos para a prefeitura (instituídos pela Lei 1720/52), apoiou Maia para a

prefeitura da capital, mas este foi novamente derrotado, desta vez por Adhemar de Barros.

Em 1961, Prestes Maia finalmente conseguiu sucesso, assumindo a prefeitura pela

primeira vez em um mandato eletivo, contando com o apoio do governador Carvalho Pinto e

do presidente recentemente eleito (e ainda não renunciado) Jânio Quadros. Sua coligação

incluía a UDN, o PDC e setores janistas do PTB, tendo derrotado o candidato ademarista

Cantídio Sampaio. Maia se propunha a construir uma administração técnica e despolitizada,

tentando se contrapor ao estilo populista de seus antecessores e permanecendo como

prefeito até 196534.

No início do terceiro mandato de Maia, a Secretaria de Obras já apresentava uma

complexidade organizacional significativa, sendo composta por quatro Departamentos –

Obras, Edificações, Urbanismo e Desapropriações. O Departamento de Obras era

composto, por sua vez, por quatro divisões: de Drenagem (Obras 1), de Obras de Arte

Especiais (Obras 2), de Pavimentação (Obras 3) e de Ruas e Estradas (Obras 4). Esta

última era composta por duas divisões: Ruas e Estradas. A primweira divisão, conhecida

como Obras 41, contava com estrutura regionalizada e cuidava da conservação de ruas de

terra e paralelepípedo, sendo as de asfalto tratadas por Obras 3. A segunda, conhecida

como Obras 42, tratava das vias expressas da cidade. Em 1961, a Divisão de Obras de

Estrada (Obras 42) foi transformada em Agrupamento de Estradas de Rodagem Municipais,

de forma a tornar o Município elegível para os recursos do Fundo Rodoviário Nacional,

constituído a partir de um imposto sobre o consumo de combustíveis.

Em 1965, assumiu a prefeitura Faria Lima, eleito por uma coligação de centro-direita

que incluía o MTR (Movimento Trabalhista Renovador) e o PR (Partido Republicano). O

novo prefeito era Brigadeiro da Aeronáutica, tendo sido Presidente da Vasp (então uma

empresa pública do governo do estado de São Paulo) e secretário de Obras e Viação com

33 Apesar da referência aos prédios públicos, o município não disporia de uma rede de ensino até o governo de Toledo

Piza (1956/57), sendo toda a política de educação planejada e executada pelo governo estadual. O município, entretanto, construía escolas e as repassava para o Estado através do Convênio Escolar. O órgão municipal responsável pela construção era a Comissão do Convênio Escolar. Quando da criação de uma rede educacional própria, este se transformou em Departamento de Edificações - Edif, sendo subordinado à Secretaria de Obras e Serviços.

40

Jânio Quadros e Carvalho Pinto governadores. Sua gestão foi marcada por uma

reestruturação da máquina municipal e por um esforço de construção de capacidades

organizacionais estatais. No campo da habitação, transformou uma autarquia na gestão

anterior – a Superintendência Municipal de Educação – em empresa pública – a Cohab,

habilitando o Município a receber recursos do Banco Nacional da Habitação, criado pelo

governo federal em 1964. Também em seu governo foi criada a Companhia do

Metropolitano de São Paulo – o Metrô, e iniciada a obra do primeiro trecho da linha Norte-

Sul, embora a sua operação viesse a se iniciar apenas em 1974.

No mesmo período, os Distritos de Conservação de Obras 41, regionalizados, e que

cuidavam da manutenção do sistema viário foram transformados nas Administrações

Regionais através das Leis 6236/65 e 6882/66. Estas instâncias, em número de oito (sete

administrações e mais a sub-prefeitura de Santo Amaro) passaram a ser coordenadas por

uma agência específica. Em 1966, mais quatro ARs foram criadas. As ARs tornaram-se de

fundamental importância para o funcionamento da administração pública, em especial no

setor de engenharia urbana, assim como para a dinâmica do processo político paulistano

mais amplo até os dias de hoje. Naquele mesmo ano, a Secretaria de Obras e Serviços foi

dividida em duas: de Serviços Municipais e de Obras.

Em 1966, o Agrupamento de Estradas e Rodagens Municipais foi transformado em

Departamento de Estradas de Rodagem do Município - Dermu. Esse órgão saiu da

Secretaria, então chefiada por José Meixes, e foi ligado diretamente ao gabinete do prefeito,

contando a partir de então de autonomia financeira e administrativa. Foi indicado como

diretor o engenheiro Nelson Beti de Oliveira, que seria diretor até a extinção do órgão, em

1977, assim como também engenheiro José Mais como diretor técnico-administrativo. O

órgão contava com um Conselho Diretor e elaborava um Plano Plurianual de Investimentos

para o setor, com o objetivo de organizar uma rede de vias expressas no Município, embora

as grandes vias arteriais continuassem a ser objeto de intervenção do Departamento de

Obras. O Plano Rodoviário fixado na administração Faria Lima previa a construção de 400

km de vias expressas a serem construídas até 1995. No Plano, eram fixadas faixas de

domínio dentro das quais o uso não era proibido, mas era restringido de forma a que fosse

fácil (e barato) desapropriar mais tarde.

Em fevereiro de 1969, o Ato Institucional Nº 7 suspendeu as eleições para os cargos

executivos e legislativos da União, dos Estados, dos territórios e dos municípios e a Emenda

34 Alguns técnicos importantes da comunidade dos engenheiros paulista, durante as décadas de 1970 e 1980, foram

formados por Maia em sua última passagem pelo setor público, como é o caso de José Celetino Bourroul, presidente da

41

Constitucional Nº 1, de outubro do mesmo ano, determinou que os prefeitos de capitais e de

instâncias hidrominerais passariam a ser indicados pelos governadores e submetidos às

Assembléias Legislativas, e dos municípios de segurança nacional indicados diretamente

pela Presidência da República. O número de vereadores foi também limitado em 21, medida

que restringiu a representação de grupos minoritários, especialmente nas cidades de grande

população.

O primeiro prefeito indicado da capital paulista seria o então presidente da Caixa

Econômica Federal e amigo pessoal do presidente Costa e Silva, o engenheiro Paulo Maluf,

que permaneceria no cargo entre abril de 1969 e abril de 197135. Embora formado em

engenharia pela Poli em 1954, Maluf nunca militou profissionalmente na área, oscilando

entre as empresas da família (ligadas ao setor de semi-elaborados de madeira – o Grupo

Eucatex) e cargos públicos. O novo prefeito realizaria inúmeras obras de grande porte

durante a sua gestão, como o Minhocão e a Praça Roosevelt, mas não introduziria

transformações administrativas dignas de nota no funcionamento das organizações

existentes, permanecendo a estrutura da Prefeitura praticamente idêntica.

Em 1971, tomou posse o segundo prefeito nomeado, o também engenheiro

Figueiredo Ferraz. Ao contrário de Maluf, Ferraz militava profissionalmente como

engenheiro, sendo dono de um importante escritório técnico que levava o seu nome. O

prefeito introduziu um ritmo tecnocrático à gestão municipal. Apesar de ter sido nomeado

Ferraz estabeleceu uma prática e um discurso dissonante, tanto com relação aos interesses

econômicos presentes na cidade, quanto no que diz respeito à situação social da população

de baixa renda. Essa linha de ação o levou a enfrentar conflitos significativos com interesses

importantes, como os da Light and Power, responsabilizada pelas enchentes, ou da Fábrica

de Cimento de Perus, objeto de intensa mobilização contra suas atividades poluidoras e que

viria a ser fechada pelo prefeito.

Afirmando ser necessário melhor adequar a máquina administrativa municipal e

aumentar a regulação sobre o crescimento urbano, Ferraz enviou para a Câmara e aprovou

o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI. Na mesma linha, o número e as

funções das administrações regionais foram ampliadas. Embora o discurso do prefeito tenha

criticado os serviços prestados pela prefeitura à população pobre, essa administração não

chegou nem mesmo a desenhar políticas para o atendimento das carências na periferia. De

forma similar, embora tenha se proposto a realizar um amplo programa de obras, incluindo

Cohab e secretário de habitação no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980.

35 O restante desta seção se apoia em PMSP (1992), exceto quando indicado.

42

um conjunto de vias expressas e a construção de um ramal metroviário sob a Avenida

Paulista, não chegou a implementá-lo.

Uma outra organização estatal chave na definição dos destinos da política urbana

em São Paulo também foi criada no governo Ferraz - a Emurb – Empresa Municipal de

Urbanização. A empresa foi criada em 1972 com a finalidade gerenciar as obras e serviços

de engenharia implementados pela Prefeitura de São Paulo. Na prática da administração,

entretanto, a empresa se constituiu em um importante braço operacional da política de

grandes projetos e intervenções, recebendo vultuosos repasses das secretarias, em

especial da Secretaria de Vias Públicas, contratando empresas privadas para a execução de

obras e gerenciando a sua execução. A primeira iniciativa da empresa foi o projeto da Nova

Paulista, que havia sido elaborado anteriormente pelo escritório de engenharia do próprio

prefeito. No governo Olavo Setúbal, a Emurb encontrou a sua vocação com a

implementação de projetos urbanos integrados, inclusive a restruturação do centro da

cidade e construção da nova praça da Sé, juntamente com o Metrô (Milanesi, 2002). Na

verdade, nesse período a Emurb e a Companhia do Metrô apresentavam uma razoável

superposição, em especial pela passagem para a Emurb de uma parte importante do corpo

técnico que havia sido envolvido com os projetos e as obras das estações do Metrô então

em operação.

Desde então, a Emurb tem sido usada como implementadora de grandes obras pela

sua maior agilidade administrativa, por se tratar de uma empresa pública, em relação às

unidades da administração direta da prefeitura. Além disso, apresentava menor

transparência, pois não necessita de aprovação de seu orçamento anual ou balanço pela

Câmara Municipal, obedece a regras menos rígidas de publicação de licitações, assim como

de empenho de valores contratados, entre outras vantagens. Até 2000 a empresa estava

formalmente vinculada ao gabinete do Secretário de Vias Públicas, embora tenha

respondido na prática diretamente aos prefeitos durante grande parte do período estudado.

Os únicos períodos de subordinação da empresa à secretaria dizem respeito aos de

acúmulo, pelo secretário, do cargo de presidente da Emurb. Isto aconteceu entre 1993 e

1998, com Reynaldo de Barros secretário e Paulo Maluf e Celso Pitta prefeitos.

Em agosto de 1973, o governador Laudo Natel afastou Figueiredo Ferraz, alegando

“falta de sintonia” com os governos estadual e federal (PMSP, 1992)36. O então presidente

da Câmara, o vereador Brasil Vita, ferrenho opositor do prefeito, assumiu o cargo

43

interinamente por uma semana, até a nomeação do então Secretário de Planejamento do

Estado de São Paulo, Miguel Colassuono. O novo prefeito trouxe para a prefeitura um

conjunto de jovens técnicos que assumiram vários órgãos municipais, abandonou o plano de

realizações de Ferraz e redirecionou as ações da prefeitura para as periferias, no interior do

Plano de Ação Integrado da Prefeitura (PAIP). Essa iniciativa se desdobrava em inúmeras

obras pontuais e de pequeno porte, mas a maior parte delas não chegaria a ser construída,

ou seria perdida pelo seu caráter incompleto e pontual, desarticulado do restante da infra-

estrutura urbana e de uma visão de conjunto.

O período 1975-2000

Em abril de 1975, assumiu a prefeitura o também engenheiro de formação, mas

banqueiro de profissão Olavo Setúbal. Setúbal foi o quarto prefeito nomeado, tendo sido

indicado pelo também recém empossado governador Paulo Egídio Martins. Essa gestão

enfrentou fortes restrições orçamentárias provocadas pela transformações em curso no

conjunto da economia brasileira.

O cenário desse governo também foi bastante diferente dos anteriores em termos do

ambiente político em que se inseriu. A partir do início dos anos 1970, os movimentos sociais

urbanos se fizeram crescentemente presentes na cena política local. Em 1971 têm início as

reuniões das Comunidades Eclesiais de Base em bairros periféricos. Os movimentos

organizados a partir de então iriam abordar várias questões, como os loteamentos

clandestinos (objeto do Movimento dos Loteamentos Clandestinos – MLC, criado em 1972),

a saúde (objeto de luta no Jd IV Centenário, em São Mateus, e no Jd. Nordeste, em

Itaquera, ambos em 1974, sendo criadas comissões na zona Leste a partir de 1977), as

favelas (organizadas a partir de 1975 na zona Sul, em Vista Alegre, na Brasilândia, e no Jd.

Damasceno, sendo criadas as primeiras associações na zona Sul em 1976), o saneamento

básico (já no final da década de 1970, principalmente na zona Sul - Vila São José, Pq

Planalto, Santo Amaro, Campo Limpo, Shangri-lá e Grajaú) e as creches (em vários locais,

especialmente na zona Sul, tendo como ponto de apoio original dos chamados Clubes de

Mães). Ao longo dos anos 1970, esses movimentos desenvolveram mobilizações intensas

mas pontuais, tanto em termos geográficos quanto de mobilização. No início dos anos 1980,

suas pautas de reivindicação tenderiam a se tornar mais gerais e de conteúdo mais político,

36 Esse é um elemento irônico, já que aparentemente o prefeito levou à sério demais o discurso tecnocrático do regime

que, se aplicado de maneira objetiva, feriria muitos interesses de atores importantes e aliados do regime. Na operação das políticas concretas, a neutralidade tecnocrática pregada no nível do discurso se tornava incômoda.

44

associando-se em entidades de maior vulto, realizando ocupações de terra e organizando

encontros municipais37.

Essa efervescência de organização atingiu a administração Setúbal mais do que

seus antecessores diretos e a estrutura de seu governo expressa uma tentativa de

responder a tais mobilizações. Na estrutura administrativa, a nova gestão criou a Secretaria

da Habitação e Desenvolvimento Urbano – Sehab, assim como a Comissão de Loteamentos

Clandestinos. Com relação a áreas faveladas, adotou-se uma política ambígua. Em um

primeiro momento, a Prefeitura iniciou em 1977 a remoção das populações faveladas

localizadas em áreas públicas municipais, o que recebeu intensa oposição e acabou por

levar à criação da União dos Moradores de Favelas. Entretanto, no final da gestão, em

1979, a Prefeitura criou o Fundo de Atendimento à População Moradora de Habitação Sub-

Normal (Funaps) para financiar a realização de obras e serviços em áreas faveladas.

Em 1975 e em 1977, as secretarias de Serviços Municipais e de Obras foram

transformadas respectivamente em Secretaria de Serviços e Obras (SSO) e em Secretaria

de Vias Públicas (SVP). A estrutura interna da nova Secretaria de Vias Públicas tomou,

nesse momento, a feição que a caracteriza até os dias de hoje, com dois Departamentos –

Controle do Uso de Vias Públicas (Convias) e Iluminação Pública (Ilume), além de duas

superintendências – Obras e Projetos. A Superintendência de Obras foi dividida

internamente em: Obras 1- Pluviais, Obras 2 - Obras de Arte Especiais, o que inclui pontes,

viadutos e grandes estruturas, e Obras 3 – Pavimentação. A Superintendência de Projetos

foi estruturada em quatro divisões: Proj 1 - Pavimentação, Proj 2 - Estruturas, Proj 3 - Vias e

Proj 4 - Águas Pluviais. Cada uma dessas divisões foi dividida internamente em

Agrupamentos. Em 1977, com Otávio Camilo Pereira já secretário de Obras (havia sido

diretor de Obras nos governos Maluf e Figueiredo Ferraz), o Dermu foi extinto, sendo suas

obras incorporadas às divisões de SVP, assim como o acervo técnico do Departamento. A

conservação das vias já implantadas passou para as ARs respectivas.

Em 1979, assumiu o governo do estado o ex-prefeito Paulo Maluf, então secretário

estadual de transportes. Para ocupar a prefeitura, Maluf indicou o engenheiro Reynaldo de

Barros, sobrinho do ex-prefeito e ex-governador Adhemar de Barros, ex-presidente do

Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) e ex-presidente da Sabesp no

37 Apenas como referência, podemos citar as ocupações do Jardim Imperador e da Vila Bela na Vila Prudente (1980) e

da Fazenda Itupu na Zona Sul (1981) e da Santa Casa no Piqueri (1984), assim como a realização do I Encontro de movimentos por moradia em 1984, repetido no ano seguinte em Taboão da Serra. Na segunda metade da década, os movimentos, especialmente os de habitação, entram em uma nova fase, com a organização de mutirões autogeridos, que complementaram as atividades de ocupação de terrenos com a construção de habitações. Sobre os movimentos sociais urbanos em São Paulo, ver Sader (1988), Gohn (1991 e 1995) e Jacobi (1989).

45

governo Paulo Egydio38. Reynaldo daria seqüência à guinada da administração em direção

às periferias, mas manteria o padrão disperso e fragmentado das intervenções. Como

veremos nos capítulos seguintes, essa linha de políticas é comprovada pelo padrão de

investimentos, onde um certo redistribuitivismo esteve presente. Uma outra faceta dessa

guinada esteve na constituição de Conselhos Comunitários, assim como na criação de um

núcleo de atendimento a solicitações de obras viárias de pequeno porte, provenientes das

Sociedades Amigos de Bairros junto ao gabinete do prefeito.

Ao contrário do que tem considerado a literatura, os governadores e prefeitos

indicados em várias capitais brasileiras no final dos anos 1970 implementaram políticas que

incorporaram alguns elementos de participação popular e/ou executaram um padrão de

obras e serviços que contemplava também as periferias, embora de maneira dispersa e

assistemática. Esse comportamento está presente no governo do estado do Rio de Janeiro

estudado em Marques (2000), na Recife do prefeito Gustavo Krause e na Salvador do

prefeito Mário Kertz, ambas estudadas por Fernandes (2003).39 Essas políticas não foram

registradas pela literatura até muito recentemente, em parte por uma tendência

generalizante e até certo ponto impressionista da literatura crítica de sociologia urbana e

políticas urbanas das décadas de 1970 e 1980. Para essa, as características tecnocráticas e

autoritárias dos governos militares, assim como a inexistência do nexo eleitoral para os

executivos, seriam suficientes para homogeneizar as administrações locais e imprimir em

todas elas uma mesma marca, exceto quando o Estado fosse fortemente pressionado por

movimentos sociais.

Como detalharemos nos próximos capítulos, não acreditamos que as políticas de

infra-estrutura em São Paulo possam ser creditadas à intensa mobilização dos movimentos

sociais urbanos no final da década de 1970 e início dos 1980, inclusive porque parte dessas

políticas precedeu as mobilizações. A mudança de perfil dos investimentos e das políticas

públicas urbanas no final dos anos 1970 é decorrente de uma mudança no cálculo político

de uma parte da classe política que ocupava cargos importantes em agências estatais locais

ou prefeituras. Tratava-se de jovens tecnocratas entrando na vida política em um momento

de mudança das regras de provimento de carreira. No horizonte dos políticos que ocuparam

as prefeituras das capitais pela primeira vez no final dos anos 1960, como Antônio Carlos

38 A relação entre ambos, ao que tudo indica, remonta pelo menos aos anos de faculdade, tendo Maluf se formado na

Escola Politécnica da USP em 1954 e Reynaldo em 1953 (FGV, 2001). 39 Vale ressaltar o paralelismo desses três prefeitos, ao menos sob o ponto de vista de suas carreiras vistas da época:

todos jovens técnicos entrando na política. O cálculo político desses indivíduos, provavelmente se iniciou marcado pelas incertezas do fim do regime que parecia se avizinhar, criando incentivos para a construção de clientelas políticas e para a realização de políticas distributivas e redistributivas.

46

Magalhães na Bahia e Paulo Maluf em São Paulo, o mais importante era manter estreitas

relações com os governadores e com o governo militar em Brasília. A situação se colocava

muito diferente para os últimos prefeitos indicados, em boa parte indicados por

governadores que haviam pertencido à primeira geração de prefeitos,. Para estes, era

necessário também começar a construir laços com o conjunto da população, visto que a

volta das eleições para o provimento de todos os cargos públicos e, conseqüentemente, a

possibilidades de construção de carreiras, se apresentavam como iminentes. Esse elemento

era provavelmente mais forte ainda pelo sólido apoio eleitoral que o partido de contestação

ao regime – o MDB – recebia na cidade de São Paulo (Lamournier, 1980). Assim, em

inúmeros casos, políticas participativas e de cunho redistributivo foram ensaiadas, embora

de forma dispersa, fragmentária e incompleta.

A administração Reynaldo, portanto, foi marcada por inúmeras iniciativas de política

destinadas a setores periféricos da cidade, comumente denominadas de “programas Pró” –

Pró-morar, Pró-água, Pró-luz, Pró-favela e Pró-periferia, para os quais até mesmo a Emurb

foi recrutada. O comando da política de infra-estrutura esteve nas mãos de Otávio Camillo

Pereira de Almeida, um dos técnicos mais importantes do setor durante o período estudado.

Otávio Camillo havia sido anteriormente diretor de obras, superintendente de obras e

administrador regional e ocupava o cargo de secretário desde meados dos anos 1970,

sendo considerado na comunidade como o gestor mais preparado do setor e como o mais

experiente conhecedor da estrutura da prefeitura. O secretário permaneceu no cargo na

rápida gestão de Salim Curiati, que se sucedeu a Reynaldo.

O suposto prestígio popular angariado pelo prefeito Reynaldo de Barros foi

considerado tão elevado que Reynaldo se descompatibilizou em maio de 1982 para disputar

as eleições de governador de 1982. Como veremos a seguir, acabou sendo derrotado pelo

candidato do PMDB, Franco Montoro, e na capital perdeu também para Jânio Quadros do

PTB.

Quando da descompatibilização Reynaldo foi substituído pelo secretário de

promoção social de Maluf, Salim Curiati, médico e ex-deputado estadual eleito em 1965,

1974 e 1978 pela Arena. Este ocuparia a prefeitura por apenas 11 meses, entre maio de

1982 e março de 1983. O novo prefeito produziria poucas alterações na composição do

secretariado, mas intensificaria a dimensão redistributiva das políticas municipais, como

ficará claro nos capítulos seguintes. O mandato de Curiati, portanto, apresenta a

particularidade de ser não apenas efêmero, mas coincidir inteiramente com um ano eleitoral,

sendo marcado pela tentativa de agradar, no prazo de tempo mais curto possível, o

eleitorado. Portanto, acentuou-se significativamente a tendência à fragmentação e ao

imediatismo das iniciativas, já presente nas duas gestões anteriores.

47

Os resultados da primeira eleição estadual após golpe de 1964, realizada em 1982,

foram amplamente negativos para os grupos de direita que controlavam a prefeitura e o

governo estadual. O PDS do ex-governador e do ex-prefeito Paulo Maluf ficou em segundo

lugar, com 23,5 % do comparecimento, e bem atrás do vencedor Franco Montoro, com 44,9

%. Na capital, supostamente o seu reduto, o ex-prefeito Reynaldo de Barros ficou em

terceiro lugar, com apenas 17,4 % do comparecimento, atrás de Franco Montoro com 42,1

% e de Jânio Quadros com 20,7 %. A votação de Reynaldo foi tão baixa que quase foi

alcançado por Luis Inácio Lula da Silva, do recém criado e muito pouco estruturado PT, com

14,3 % do comparecimento40.

Assim, em março de 1983 Franco Montoro do PMDB assumiu o governo estadual.

Era um político de origem na democracia cristã e havia sido o quarto colocado nas últimas

eleições diretas havidas para a prefeitura da capital, em 1965, pelo PDC. Uma das

atribuições do novo governador seria indicar o prefeito, mas havia uma emenda

constitucional do senador Mauro Benevides, do próprio PMDB, que tramitava no senado

para fazer retornar as eleições diretas para prefeitos das capitais. O governo do estado,

então, ao invés de indicar o prefeito, empossou o presidente da Câmara, o vereador Altino

Lima, como prefeito interino até que se encontrasse uma solução para a questão. No

entanto, frente a inúmeros problemas políticos gerados ao menos em parte pelo vazio de

poder, o governador indicou para a prefeitura da capital em maio o nome do engenheiro,

deputado federal, então secretário estadual de transportes e presidente regional do PMDB,

Mário Covas. O mandato deste prefeito terminaria em 1985.

Enfrentando graves problemas financeiros e uma certa oposição de parte da sua

base de sustentação na Câmara, descontente com a retirada de Lima da interinidade como

prefeito, Covas estabeleceu como diretrizes a austeridade, a construção de uma ponte não

fragmentada com a sociedade, como havia sido a prática até aquele momento, e a

realização de investimentos sociais. Ao menos no caso da infra-estrutura urbana, a nova

gestão realmente realizou uma intensa reorganização dos procedimentos técnicos, da forma

de escolha das prioridades, representando um momento de estruturação e capacitação de

SVP e da sua burocracia. Para comandar a política Covas escolheu um velho amigo

pessoal, colega de Escola de Engenharia e sócio em empreendimentos privados – Antônio

Arnaldo de Queiroz e Silva.41 A escolha de um gestor de fora da comunidade já indicava

uma tentativa de operar a política em uma lógica diferente da tradicionalmente vivida pelo

setor. Efetivamente, como veremos nos próximos capítulos, o padrão de investimentos da

40 Todas as informações eleitorais foram retiradas do site da Fundação Seade em outubro de 2002 (www.seade.gov.br). 41 Os dois haviam estudado praticamente juntos na Poli em 1953 e 1954. Curiosamente os mesmos anos de Maluf e

Reynaldo de Barros (FGV, 2001).

48

gestão foi bastante disperso em obras de pequeno e médio porte localizadas

prioritariamente nas periferias. Entretanto, o secretário operou a política mesclando técnicos

de fora da comunidade – principalmente do Metrô – com indivíduos com grandes vínculos

no interior da comunidade.

Os investimentos realizados não produziram efeito eleitoral importante já que, após

pouco mais do que dois anos e meio no cargo, o candidato de Covas – Fernando Henrique

Cardoso, também do PMDB, não conseguiu se eleger, sendo derrotado por pequena

margem de votos – 34,2 a 37,5 % do comparecimento – por Jânio Quadros. Quadros era o

candidato do PTB, que se encontrava coligado com o PDS e era apoiado pelo establishment

da direita local - os ex-prefeitos Reynaldo, Setúbal e o ex-governador Maluf. Sua última

aparição no cenário eleitoral tinha sido em 1982, no pleito para governador do estado,

quando havia sido o terceiro colocado, mas havia ficado em segundo lugar na capital, já

sugerindo uma possível virada na hegemonia eleitoral da esquerda em nível local. Seu

cacife político, entretanto, vinha dos tempos em que havia sido vereador da capital em 1947,

pelo PDC e, antes mesmo de terminar o mandato, deputado estadual pelo mesmo partido.

Logo em seguida, se elegeu prefeito da capital em abril de 1953 com um grande volume de

votos mas, confirmando a propensão a ocupante “relâmpago” de cargos eletivos, saiu da

prefeitura apenas um ano e meio mais tarde, em janeiro de 1955, para assumir o governo do

Estado, tendo derrotado Adhemar de Barros com o apoio do PSB e do PTN. Pela primeira

vez conclui um mandato, se elegendo em seguida deputado federal pelo PTB do Paraná,

em 1958. Sem ter comparecido a uma única seção, se candidatou no ano seguinte, em

1959, à presidência da república, agora pela UDN. Foi eleito pela expressiva marca de 48 %

dos votos válidos, mas não chegou a completar 7 meses de mandato e renunciou à

presidência da república em 1960. Em 1962, voltou a tentar se eleger para o governo do

estado, tendo sido derrotado por pequena margem por Adhemar de Barros (Sadek, 1986). A

volta de Quadros à cena política paulista em 1982 e a sua vitória em 1985 marcaram um

ponto de virada nos resultados eleitorais na cidade. A cena política local seria marcada entre

1985 e os dias de hoje por um intenso crescimento tanto da direita quanto do PT, e por um

declínio abrupto do Pmdb (Pierucci e Lima, 1991 e 1993; Figueiredo et al, 2002).

A gestão de Jânio na prefeitura paulistana nos anos 1980 representou uma inflexão

na tendência participativa e redistributiva que tinha sido implantada pelo prefeito anterior

Mário Covas, mas já vinha sendo constituído de maneira incompleta e lenta nas últimas

gestões de prefeitos de direita da segunda metade da década de 1970. A gestão Jânio,

entretanto, também não retornava ao padrão tecnocrático de Figueiredo Ferraz, mas ao

padrão autoritário e regressivo das administrações da segunda metade dos anos 1960 –

Faria Lima e Paulo Maluf. Descontado o estilo histriônico do prefeito, e o fato de já estar

49

idoso e doente, o que o levava a longas viagens ao exterior, suas políticas retornaram à

ênfase nas grandes obras, principalmente viárias e mais ainda rodoviárias, localizadas

principalmente no centro e no quadrante sudoeste. Para o comando da política Jânio indicou

o ex-prefeito Reynaldo de Barros, mas este permaneceu no cargo apenas de janeiro a

novembro, quando se descompatibilizou para concorrer como vice-governador na chapa de

Maluf, pelo PDS/PFL. Para o lugar de Reynaldo, Jânio escolheu um engenheiro da área de

estradas de nível estadual – Walter Pedro Bodini. O secretário deu sua chefia de gabinete a

um técnico antigo, mas afastado da comunidade – Maury de Freitas Julião - que havia sido

diretor do Departamento de Obras no início da década de 1960, e operou a política de forma

articulada com o vice-presidente da Emurb, um importante técnico do setor – Geraldo

Borghetti. Como veremos nos próximos capítulos, a Emurb foi central nas políticas de

governo, pois as grandes obras foram contratadas por ela com recursos de SVP fornecidos

mediante um contrato de repasse (contrato SVP-Emurb 19/1987). Essas obras pautaram a

ação das três administrações seguintes – a de Erundina que pagou os custos políticos de

paralisá-las, e de Maluf e Pitta, que as realizaram a custos exorbitantes.

O governo Jânio também realizou uma última transformação institucional importante

na Secretaria de Vias Públicas, com a criação, pelo Decreto 23440 de 1987, do Grupo

Executivo do Programa de Canalização de Córregos e Implantação de Vias de Fundo de

Vale - o Geprocav, que se constituiu em um importante implementador da política de

drenagem e viária, assim como uma destacada fonte de poder institucional.

Em janeiro de 1988 assumiu a prefeitura Luíza Erundina, primeira mulher a ser eleita

prefeita de São Paulo, assim como primeira candidata de um partido de esquerda – o PT – a

ocupar o cargo durante o período estudado. Erundina, uma assistente social da prefeitura

desde 1970, de origem nordestina, muito ligada aos movimentos sociais urbanos, em

especial de habitação, havia sido eleita vereadora em 1982, deputada estadual em 1986 e

havia sido candidata à vice-prefeita na chapa petista derrotada de Eduardo Suplicy, em

1985. O pleito de 1988 foi a última eleição municipal antes da entrada em vigor do

dispositivo dos dois turnos nas eleições para prefeito. Essa é uma informação importante,

pois explica a subida ao poder de um prefeito do PT na São Paulo do final dos anos 1980,

marcada por preferências eleitorais predominantemente conservadoras – Erundina se

elegeu com menos de 30 % do comparecimento. Essa administração sofreu uma ampla

oposição na Câmara, onde contava com uma bancada amplamente minoritária (o PT tinha

apenas 30 % das cadeiras), assim como intensa oposição em diversos setores da

sociedade local, principalmente o empresariado e a mídia. A administração apostou que

essas posições minoritárias seriam contrabalançadas pela pressão dos movimentos sociais

sobre a classe política tradicional, assim como por seu apoio e mobilizações a favor do

50

governo. Como já destacado por Couto (1994), entretanto, a ação dos movimentos foi muito

menor do que se esperava e, na maior parte das vezes em que pressionaram e protestaram,

os movimentos sociais urbanos investiram contra a administração, reivindicando inúmeras

políticas e protestando contra o ritmo em que essas eram desenvolvidas. A administração,

portanto, ao invés de receber apoio dos movimentos, recebeu ainda mais pressões.

Assim, apesar de representar uma administração reformadora sob o ponto de vista

da organização administrativa, e redistributiva no que diz respeito ao conteúdo das políticas,

como veremos nos capítulos seguintes, o governo Erundina pouco conseguiu mudar na

estrutura formal do poder público municipal. A principal consequência disso foi a baixa

inércia e o pequeno insulamento das burocracias constituídas, que seriam facilmente

isoladas e desmontadas no governo posterior. A estrutura de SVP não sofreu alterações e,

no conjunto do governo, a secretaria teve uma importância muito pequena. Segundo

entrevistas, a principal diretriz para o setor era restringir a “máquina de gastar” de SVP para

que fosse possível liberar recursos para as áreas sociais, consideradas estratégicas em

termos sociais e redistributivos. As informações de gasto analisadas no próximo capítulo

confirmam essas narrativas.

Em termos de gestão, a administração Erundina, a exemplo do que tinha ocorrido no

governo Covas, trouxe indivíduos de fora da comunidade da infra-estrutura urbana de São

Paulo para ocupar os mais importantes cargos e implementar a política de SVP. Foram dois

os secretários desse governo – um importante líder sindical dos funcionários do Metrô -

Paulo Otávio Azevedo - e um geólogo muito ligado à prefeita, que havia sido assessor dede

parlamentar do partido e técnico da Emplasa – Delmar Mattes. Esses secretários, após um

curto período de experiências com pessoas da própria burocracia técnica do setor,

trouxeram técnicos de fora para ocupar os cargos mais importantes, desde os de chefe de

gabinete até as superintendências. As diretorias de divisão, que por deliberação

administrativa da secretaria só podem ser ocupadas por funcionários de carreira, foram

preenchidas em um primeiro momento por técnicos de tradição da comunidade mas, em um

segundo momento, foram ocupadas por indivíduos periféricos no setor ou recém

concursados na gestão Jânio.

A eleição de 1992 marcou a volta da direita ao executivo municipal. Erundina não

conseguiu fazer seu sucessor, sendo o candidato do PT, Eduardo Suplicy, derrotado por

Paulo Maluf, do PDS (coligado com o PL e o PTB). Maluf obteve 37,3 % do comparecimento

no primeiro turno e 52,2 % no segundo, contra 23,4 e 37,7 % do petista. Maluf retornou

51

assim, pelo voto direito, ao primeiro cargo executivo que havia ocupado, como prefeito

indicado no final da década de 1960.42

A gestão Maluf retomou as linhas de política das administrações do final dos 1960 e

do governo Jânio Quadros – ênfase em obras viárias, especialmente rodoviárias, voltadas

para o transporte individual, com a concentração dos esforços financeiros e operacionais em

poucas obras de grande vulto localizadas principalmente em áreas da cidade habitadas pela

população de maior renda e escolaridade, especialmente no setor sudoeste. Como veremos

nos próximos capítulos, uma parte importante dessas intervenções inclui as grandes obras

viárias iniciadas no governo Jânio e parcialmente paralisadas durante o governo Erundina,

todas elas contratadas via Emurb com grandes empreiteiras do setor nacional de construção

pesada. Uma parte significativa dos valores pagos nessas obras se encontra sob júdice e

investigação pelo Ministério Público paulista em período recente.

Maluf colocou o ex-prefeito e ex-secretário Reynaldo de Barros no comando da

política de vias públicas baseada nesse plano de obras. Reynaldo unificou sob o seu

comando SVP e a Emurb, e trouxe alguns de seus mais antigos colaboradores de dentro e

de fora da comunidade de infra-estrutura, em grande parte reconstruindo a equipe que havia

controlado a política durante a gestão Jânio, mesclada com técnicos que ocupavam cargos

intermediários em sua própria gestão como prefeito, como veremos com detalhes ainda

nesse capítulo e no capítulo 5. Em geral, o primeiro escalão de sua gestão como prefeito

pertencia a uma geração anterior de técnicos e já havia se afastado do setor, por

aposentadoria, doença ou mesmo óbito. Para substituí-los, foram utilizados técnicos de

menor idade treinados por eles, como veremos mais adiante.

Ao final de sua gestão, Maluf conseguiu eleger o seu secretário de finanças – Celso

Pitta – como prefeito. Pitta havia tido na gestão Maluf o seu primeiro cargo público, tendo

ocupado cargos de executivo em empresas privadas, principalmente na Eucatex, empresa

da família Maluf. Obteve 44,9 % do comparecimento no primeiro turno e 57,4 % no segundo,

contra Luíza Erundina do PT com 22,8 e 34,7 %, respectivamente.

No setor de obras, Pitta manteve o mesmo esquema administrativo e de poder da

gestão anterior, com Reynaldo no comando da Emurb e de SVP e basicamente os mesmos

técnicos nos cargos mais relevantes, pertencentes à segunda geração de gestores de direita

do setor. Reynaldo ficou na secretaria até 1999 e foi sucedido por dois outros secretários em

42 No período que se seguiu, Maluf ocupou o cargo de secretário estadual de transportes no governo Laudo Natel (de

1971 a 1975), presidente da Associação Comercial do Estado de São Paulo e governador de Estado a partir de 1978, e deputado federal em 1982 (pelo PDS). Foi várias vezes candidato a inúmeros cargos executivos, incluindo presidente em 1985 (na eleição indireta no colégio eleitoral) e 1989 (PDS), governador em 1986 (PDS coligado com o PFL e mais 6 pequenos partidos), 1990 (PDS). Se elegeu prefeito em 1992 e depois voltou a ser derrotado para governador em 1998 e 2002 (PPB) e para prefeito em 2000 (PPB).

52

apenas dois anos, indicando a grande instabilidade gerencial e administrativa pela qual a

prefeitura passou na segunda metade de sua gestão. Em termos de conteúdo de política

pública, as principais iniciativas da administração incluíram a conclusão das obras do plano

de obras iniciado por Jânio Quadros, mas a principal característica da prefeitura no período

foi a sua precariedade financeira. A análise das finanças municipais indica que essa

precariedade esteve associada com o pagamento de um volume muito elevado de obras

contratadas no último ano da gestão Maluf e, ao menos em parte, responsáveis pela eleição

de Celso Pitta.

A dinâmica política municipal

Um elemento central no desenrolar da política de infra-estrutura ao longo do período

estudado tem sido a conformação do campo político no município. A política local na cidade

de São Paulo foi hegemonizada por um grupo político de direita na maior parte do período

estudado, o que trouxe conseqüências não apenas para o desenrolar das políticas,

marcando os seus conteúdos concretos, mas também para a configuração da burocracia do

setor estudado e sua rede de relações. Como veremos a seguir, e com maior grau de

detalhes no capítulo 5, a burocracia do setor de infra-estrutura urbana também foi

fortemente hegemonizada pela direita ao longo do período estudado. Isso ocorre pelo

controle do processo de indicação de cargos, pelos prefeitos e secretários, mas também por

processos internos à burocracia.

No caso da rede estudada por Marques (2000), havia uma clara polarização entre

dois grupos distintos. Essa polarização não apresentava conotações político-ideológicas e

estruturava o campo entorno de afinidades pessoais e alianças intra-burocráticas. No caso

de SVP, não ocorre polarização, mas um quase completo controle da rede por um único

grupo, que se localiza no centro e estrutura a rede a partir de si. Esse se alinha fortemente

com os prefeitos de direita do período, e apresenta claras afinidades político-ideológicas

com esse campo. Os técnicos que não se afinam com as visões da política e com as

práticas desse grupo são isolados e geralmente acabam por sair da Secretaria. Essa

alternativa de “saída”, no sentido de Hirchman (1973) é possibilitada pelo funcionamento da

administração direta, que leva à existência de processos intensos de migração para dentro e

para fora da secretaria. De forma similar, mas com conseqüências ao contrário estão as

migrações dos técnicos dede direita que, através dos seus deslocamentos, construíram ao

longo do tempo uma rede de gestores de direita no poder público municipal paulistano. Essa

rede reproduziu e amplificou o poder do grupo político que controlou a prefeitura no período.

Esse fenômeno será analisado na última seção desse capítulo e no capítulo 5. Antes disso,

53

entretanto, como tudo começa com o controle do poder institucional, oriundo da investidura

de cargos, precisamos observar a dinâmica do poder eleitoral da direita em São Paulo.

A prefeitura de São Paulo foi ocupada, durante o período estudado, por oito

prefeitos: Olavo Setúbal (04/1975 a 07/1979), Reynaldo de Barros (07/1979 a 05/1982),

Salim Curiati (05/1982 a 05/ 1983), Mário Covas (05/1983 a 12/ 1985, sendo que entre

março e maio de 1983 Francisco Altino Lima ocupou interinamente a cadeira de prefeito),

Jânio Quadros (01/1986 a 12/1988), Luíza Erundina (01/1989 a 12/1992), Paulo Maluf

(01/1993 a 12/1996) e Celso Pitta (01/1997 a 12/2000). Os quatro primeiros prefeitos foram

indicados, sob a vigência do Ato Institucional Nº 7/69, sendo os quatro seguintes eleitos pelo

voto direto.

Dentre os prefeitos, seis foram classificados como de direita, tomando como princípio

a sua filiação ao partido de apoio ao regime militar – a Arena – e aos partidos que se

originaram dele – PDS e PPB, e a um partido com eles alinhado em nível municipal – PTB.

São eles – Setúbal, Reynaldo, Curiati, Jânio, Maluf e Pitta. De modo similar, foram

considerados “de esquerda” os prefeitos pertencentes ao partido de oposição ao regime

militar – o MDB - e a seus descendentes após a abertura política - Mário Covas e Luiza

Erundina, do PMDB e do PT, respectivamente. Inicialmente tratamos os governos de

esquerda como “não de direita”, mas a similaridade dos conteúdos concretos da política ao

longo desses governos nos levaram classificar ambas as administrações como de esquerda,

tomando como parâmetro a implementação de políticas visando a redução das

desigualdades e a promoção de justiça social, no sentido defendido por Bobbio (2001).

Os governos de direita são, portanto, destacada maioria. Isso aconteceu durante o

período em que os prefeitos eram indicados, quando apenas uma gestão de esquerda foi

indicada (Mário Covas), em um total de quatro mandatos, assim como no período

democrático, quando apenas uma gestão de esquerda foi eleita (Luíza Erundina), em um

total de quatro pleitos. A escolha majoritária por políticos de direita durante o regime militar é

até certo ponto previsível (inclusive porque nesse momento o MDB hegemonizava as

eleições locais), mas a confirmação dessa inclinação ideológica pelo eleitorado municipal

indica que o controle da política local apresenta bases bastante amplas. Observemos, pois

os resultados da dinâmica eleitoral do período.

A Tabela 1 a seguir apresenta os resultados eleitorais para prefeito em São Paulo

desde o retorno das eleições para prefeito, em 1985, até a eleição do prefeito Celso Pitta.

54

Tabela 1: Porcentagem de votos (do comparecimento) para prefeito - 1985/1996 –

apenas 1os turnos

Partido Candidato % do comparecimento

1985

PTB Jânio Quadros 37,52

PMDB Fernando Henrique Cardoso 34,16

PT Eduardo Suplicy 19,75

Demais Candidatos 3,99

1988

PT Luíza Erundina 29,84

PDS Paulo Maluf 24,45

PMDB João Leiva 14,17

PSDB José Serra 5,59

PL João Melão 5,39

Demais Candidatos 1,67

1992

PDS Paulo Maluf 37,27

PT Eduardo Suplicy 23,41

PMDB Aloysio Nunes Ferreira 9,84

Demais Candidatos 5,67

1996

PPB Celso Pitta 44,93

PT Luíza Erundina 22,83

PSDB José Serra 14,5

PDT Francisco Rossi 7,08

Demais Candidatos 3,8

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados/Tribunal Regional Eleitoral - TRE

Embora o número de candidatos tenha sido sempre muito elevado (entre 9 e 14), a

maior parte dos candidatos não disputou os pleitos com um mínimo de condições43. Os

números das candidaturas efetivas, utilizando o índice de Laakso e Taagepera foram de 3,1

(1985); 3,8 (1988); 2,8 (1992) e 3,6 (1996). Como podemos ver na tabela, a direita não

apresentou resultado inferior a 25 % do comparecimento em nenhuma eleição. Se

somarmos a proporção de votos obtida pelos candidatos Paulo Maluf (PDS) e João Melão

(PL) e dos demais partidos do campo em 1992, a menor marca de candidatos de direita

ficaria próxima de 31,5 % do comparecimento ou cerca de 39 % dos votos válidos. Esse

patamar de votos, se não representa a maioria absoluta do eleitorado paulistano, é bastante

43 Vale acrescentar que a grande maioria das candidaturas pode ser classificada no campo da direita, tendo concorrido

com candidatos próprios os seguintes partidos usualmente associados a esse campo ideológico - PDS, PPB, PFL, PTB, PCN, PH, PL, PMC, PDC, PMB, PSC, PSD, PHN, PNAB, PSP, PRN, PST, PCDN, PMR, PRONA, PRP, PRTB, PTN, PGT, PAN, PSDC.

55

elevado, sendo suficiente para a vitória em 3 das 4 eleições, além de amplamente vitoriosa

nos dois segundos turnos realizados no período (1992 e 1996). É visível uma polarização

entre esse campo da direita e a esquerda, representada inicialmente pelo PMDB (1985) mas

a partir de então principalmente pelo PT, vitorioso em uma eleição, segundo colocado em

duas, assim como em seus respectivos segundo turnos, quando foi duas vezes derrotado44.

Esse padrão de hegemonia eleitoral se repete de forma ainda mais intensa para as

eleições legislativas, como podemos ver na Tabela 2. A tabela apresenta a composição dos

vereadores eleitos por partido em cada legislatura do período estudado.

Tabela 2: Composição da Câmara de vereadores por partido e Legislatura

Partido 1976 1982 1988 1992 1996

ARENA 8

MDB 13

PRONA 1

PDS/PPB 6 8 14 19

PFL 4 2

PTB 7 5 4 3

PL 3 4 4

PMDB 15 9 12 4

PSDB 6 5 8

PV 1

PDT 1 3

PSB 2

PT 5 16 11 10

PCdoB 1 2 1

Total 21 33 53 55 55

% de cadeiras de partidos de direita (com hachura)

38 39 38 40 53

No de Partidos efetivos (Laakso e Taagepera)

1,9 3,3 5,7 5,7 5,2

Fonte: Fundação Seade. Movimento eleitoral paulista. Disponível no site a instituição.

Na década de 1970, a esquerda exercia uma folgada hegemonia eleitoral. Mesmo

assim, como podemos ver, os partidos de direita alcançaram pelo menos 40 % das cadeiras

44 Essa tendência foi confirmada pela eleição de 2000, não coberta pela pesquisa. Esse pleito representou uma

alteração no padrão histórico do comportamento eleitoral na cidade de São Paulo, com o PT superando, já no primeiro turno, o patamar de 34 % do comparecimento (38,8 % dos válidos) e alcançando quase 60 % no segundo (58,51%). Além disso, as candidaturas do PSDB e do PSB tiveram respectivamente 16 e 9 %. A direita teve, portanto, a sua marca mais baixa, com os candidatos do PPB e do PFL alcançando cerca de 16 e 10 % no primeiro turno e 41,49 % no segundo. Se isso reflete um deslocamento das preferências eleitorais locais, ou apenas um esgotamento do grupo de direita que controlou a política local, apenas o desenrolar do processo político dirá. A eleição também apresentou a maior fragmentação, com 4,4 candidaturas efetivas.

56

em todos os pleitos45. Os mais intensos opositores desse campo à esquerda – PT, PSB,

PCdoB - ocuparam entre 15 e 34 % dos assentos, sendo minoritários em todas as

legislaturas46. A polarização também é visível pela pequena proporção do centro, qualquer

que seja a forma de defini-lo, exceto pela legislatura de 198247. Essa dinâmica marca o

declínio do PMDB em administrar a herança histórica do MDB na cidade de São Paulo a

partir da década de 1980, tanto para o PT à esquerda, quanto para o PSDB no interior do

próprio centro.

Podemos dizer, portanto que, embora a direita não tenha chegado em momento

algum a ser majoritária no eleitorado, em quase todas as eleições do período conseguiu

manter uma confortável vantagem que lhe garantiu controle sobre a máquina municipal.

Esse controle permitiu a constituição de um conjunto de burocracias com fortes simpatias

políticas em seu favor, como veremos a seguir. Acreditamos que esse controle permitiu

ampliar seu poder em termos relativos e manter o controle sobre a política local.

Controle da direita sobre os cargos:

Se a ocupação do governo pela direita surge das indicações nos anos 1970 e das

urnas nos anos 1980 e 1990, seu controle sobre o governo se estende a muito mais do que

isso. A hegemonia sobre a política municipal levou a um estreito controle sobre as áreas

técnicas da Prefeitura Municipal no período, que certamente reforçou o seu poder eleitoral

ao emprestar resolutividade à máquina governamental para executar um certo tipo de

políticas associadas a preferências de política bem delimitadas48. Esse controle, ao menos

nas áreas de infra-estrutura e nos setores de política mais próximos a ela, foi exercido

através de uma rede de técnicos e gestores públicos de inclinações políticas conservadoras

que circularam por muitos cargos nos governos de direita. Esse padrão de migração entre

órgãos de vários governos diferentes levou técnicos de SVP a cargos chave da Secretaria

de Serviços de Obras, às Administrações Regionais ou à Secretaria de Transportes (e vice

versa).

45 Considerando como de direita: PDS, PPB, PFL, PTB, PL, 46 Novamente a eleição de 2000 é uma exceção, com a esquerda ocupando 45 % das cadeiras (16 do PT; 3 do PcdoB;

2 do PPS; 2 do PDT e 2 do PSB). Mais importante que isso, o crescimento das cadeiras da esquerda foi feita às expensas de uma redução de cadeiras da direita, que teve a sua bancada reduzida para 29 % das cadeiras, menor marca do período recente. O centro (PMDB e PSDB) manteve 14 cadeiras (6 do PMDB e 8 do PSDB) próximo ao seu patamar histórico pós 1982 (25%). Essa eleição também produziu a Câmara mais fragmentada do período, com 6,9 partidos efetivos.

47 Vale acrescentar que a força parlamentar da direita municipal seria ainda maior se classificássemos as bancadas por padrão de voto em plenário, já que bancadas de partidos de centro como o PMDB, e mesmo de esquerda como o PDT e o PSB, freqüentemente votaram com a direita (ou com o executivo), nas administrações Maluf e Pitta.

48 O próximo capítulo apresenta e discute essas preferências em detalhe, com extensas evidências empíricas.

57

Além disso, como veremos mais adiante, os cargos mais importantes na própria

secretaria foram ocupados por indivíduos pertencentes a grupos muito próximos a políticos

(ou técnico-políticos) de direita, assim como a quadros técnicos mais novos treinados por

estes. Durante o período estudado se consolidou uma rede de gestores de direita em

intensa migração e relação entre si, sendo este o principal ativo técnico e político que as

administrações de direita do período usaram para exercer o seu poder “infra-estrutural”, no

sentido de Mann (1992). Como destacado por Marques (2000) e já comentado

anteriormente, o exercício do poder advindo da ocupação do Estado (denominado por Mann

de “despótico”), deve ser combinado com um outro tipo de poder, que aponta para a

capacidade de fazer com que suas decisões sejam transformadas em políticas e ações

concretas. Essa segunda dimensão tem no desenho concreto das instituições políticas,

especialmente estatais, e nas redes de relações pessoais e inter-institucionais, as suas

sustentações. No caso do Rio de Janeiro, a rede efetivava (ou não) o poder dos detentores

do poder institucional, originado da investidura dos cargos. Assim, quem se investia do

poder institucional negociava seu poder com os grupos tentando obter posições na rede e

ganhar o que denominamos de poder posicional (Marques, 2000). No caso da política de

infra-estrutura estudada em São Paulo, a rede do setor é de tal modo de direita que políticos

interessados em implementar outros referenciais de política têm que isolar a rede, ou pelo

menos os grupos mais centrais no seu interior, e trazer de fora da comunidade grupos

inteiros de indivíduos que ocuparão o maior número de cargos possíveis, para que as suas

decisões possam ser transformadas em ações49. Observemos as evidências desse

fenômeno.

As tabelas 3 e 4 a seguir apresentam a informação da presença dessa rede em

administrações diferentes, considerando como relação entre dois governos a presença, em

cargos de chefia, dos mesmos indivíduos em cada par de governos.50 Separamos os dados

relativos a SAR e aos administradores regionais na primeira tabela e a informação dos

cargos em secretarias como SVP, SSO, e Emurb na segunda tabela. As evidências da

presença e importância da rede de gestores de direita são aparentemente muito mais

sólidas para o caso dos administradores regionais, mas quando observamos com mais

cuidado o segundo grupo, a presença do fenômeno fica mais clara.

49 Inclusive em escalões inferiores, até que as regulamentações administrativas restrinjam a nomeação a funcionários

de SVP, o que acontece com os diretores de divisão e os chefes de agrupamento. 50 Foram considerados os cargos de secretário e chefe de gabinete de SVP, secretário e chefe de gabinete de SSO,

secretário e chefe de gabinete de SAR, administradores regionais, superintendentes de obras e projeto de SVP, chefes das divisões de obras (1, 2 e 3) e projetos (1, 2, 3 e 4), presidente e vice presidente da Emurb. Esses órgãos foram apontados em entrevistas como compondo o setor mais amplo de migração de técnicos, conformando o que podemos chamar de setor de obras e engenharia municipal.

58

Observemos primeiro SAR e os administradores. A Tabela 3 apresenta os números

de Administradores Regionais comuns a cada par de administrações, assim como as

proporções de ARs comuns a cada governo (nas colunas) em cada administração. A

primeira tendência a destacar é que governos de direita tem mais ARs comuns que

administrações de esquerda. Dentre os 146 administradores comuns, apenas 6 (4%)

ocuparam os cargos em governos de esquerda51. As administrações de esquerda têm

poucos ARs comuns com qualquer governo, mas a administração Erundina destaca-se por

não ter nenhum técnico em comum com nenhum governo. Os governos com mais ARs

comuns são Reynaldo, Curiati e Jânio, todos com mais de 25 repetições. A presença de um

número um pouco menor de ARs comuns nos governos Setúbal, Maluf e Pitta talvez se

deva à sua localização nos extremos do período, o que os torna mais sensíveis à dinâmica

geracional que será explorada logo a seguir.

Tabela 3: Indivíduos comuns em SAR e ARs entre administrações e participação por

governo (das linhas nas colunas)

Governos Setúbal Reynaldo Curiati Covas Jânio Erundina Maluf Pitta Total

No % No % No % No % No % No % No % No % No %

Setúbal - 7 4,79 4 2,74 2 1,37 8 5,48 0 0 1 0,68 0 0 22 15,07

Reynaldo 7 4,79 - 14 9,59 1 0,68 6 4,11 0 0 2 1,37 2 1,37 32 21,92

Curiati 4 2,74 14 9,59 - 0 0 5 3,42 0 0 1 0,68 1 0,68 25 17,12

Covas 2 1,37 1 0,68 0 0 - 2 1,37 0 0 1 0,68 0 0 6 4,11

Jânio 8 5,48 6 4,11 5 3,42 2 1,37 - 0 0 3 2,05 1 0,68 25 17,12

Erundina 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 - 0 0 0 0 0 0

Maluf 1 0,68 2 1,37 1 0,68 1 0,68 3 2,05 0 0 - 12 8,22 20 13,70

Pitta 0 0 2 1,37 1 0,68 - 1 0,68 0 0 12 8,22 - 16 10,96

No de ARs comuns

22 15,07

32 21,92 25 17,12 6 4,11 25 17,12

0 0 20 13,70

16 10,96

146 100,00

Fonte: Fundação Seade, Administrações regionais e Diários Oficiais do Município de São Paulo.

Usando essa informação como indicativa de associação entre governos, podemos

dizer que são mais próximos os governos Setúbal com Reynaldo e Jânio; Reynaldo com

Setúbal, Curiati e Jânio; Curiati com Reynaldo e Jânio; e Maluf com Pitta. Em termos

absolutos, os governos mais próximos são Reynaldo/Curiati (14) e Maluf/Pitta (12), o que

confirma as informações de entrevistas e do senso comum. No caso dos governos Reynaldo

e Curiati, essa presença seria mesmo de se esperar, pois, como já vimos, o segundo

51 Na verdade se trata de 73 indivíduos no total e 3 em governos de esquerda, já vez que a presença em duas

administrações nos leva a repetir cada um deles nas colunas de dois governos e a considerá-los duplicados na coluna de total.

59

prefeito ocupou o cargo por período curto após o licenciamento do primeiro para concorrer

ao governo do Estado em 1982. A elevada presença de indivíduos em comum entre os

governos Maluf e Pitta reafirma o caráter indissociável dessas administrações em termos

políticos.

As informações confirmam, portanto, a existência de uma rede de gestores de direita

que ocupa vários cargos em regiões diferentes da cidade e governos diferentes. Durante as

administrações de esquerda, a presença desses indivíduos é dramaticamente reduzida,

chegando a zero no governo Erundina.

Esse fenômeno talvez se mostrasse ainda mais intenso se considerássemos as

relações entre Vereadores e Administradores Regionais, para as quais não temos dados. 52

Na verdade, a relação entre vereadores e administradores regionais (sub-prefeitos a partir

de 2002) em São Paulo ainda precisa ser estudada melhor. Por um lado, o material empírico

produzido a partir do escândalo político da máfia dos fiscais indica a existência de relações

íntimas entre esses dois personagens políticos (Teixeira, 1999). Essas relações fariam parte

da estratégia do Executivo de construir governabilidade em nível local (Teixeira, 1999 e

Couto 1998). Isso poderia ser visto como o estabelecimento de um tipo de presidencialismo

de coalizão municipal (nos moldes do descrito em nível federal por Limongi e Figueiredo,

1998), mas para outros significaria a superação dos problemas de cooperação pela

constituição de uma coalizão baseada na fisiologia e no clientelismo (Teixeira, 1999;

Andrade, 1998 e Couto, 1998).

Entretanto, nesse último raciocínio está implícito que os vereadores precisariam

controlar parte da máquina pública para atender a seus redutos 53. A própria existência

desses últimos é colocada em cheque por trabalhos como Kinzo et al. (2003), que sustenta

que apenas uma minoria dos vereadores de São Paulo em período recente se elegeu por

padrões localizados de voto. Parece lógico que, se queremos sustentar analiticamente a

importância de tais vínculos, devemos mostrar empiricamente a sua existência, tarefa que a

literatura até o momento não realizou. Não se pretende com isso negar a existência de

52 O mesmo se pode dizer para as relações entre os indivíduos contados na própria Tabela 3, já que foi considerada

apenas a repetição de indivíduos. Caso tivéssemos levado em consideração a presença de pessoas, nos cargos de um governo, ligadas aos ocupantes de cargos de uma outra administração, o padrão encontrado seria ainda mais intensificado. Para tal seria necessário realizar um levantamento da rede centrada nas Ars, tarefa que não foi realizada aqui.

53 É interessante observar que para uma corrente influente da literatura bastante próxima a esta, os governos locais seriam marcados por uma enorme concentração de poderes no executivo, conformando um verdadeiro “’ultrapresidencialismo”, descrito para o caso dos governadores e implicitamente mais forte ainda para os prefeitos (Cf. Abrucio, 1998). Fico com a pergunta, não equacionada até o momento pelo debate: se os executivos são tão fortes e concentram tantos poderes, porque se importariam com as câmaras legislativas a ponto de distribuir recursos clientelísticos e negociar o controle de partes da administração para vereadores? Há muito trabalho de pesquisa ainda a realizar sobre o tema.

60

clientelismo, de ligações entre vereadores e gestores públicos54, ou a presença de coalizões

amplas de governo envolvendo a Câmara, mas questionar a sua centralidade para a maioria

dos vereadores na maioria dos governos55.

Observemos agora a dinâmica dos cargos das demais secretarias. O número de

cargos em análise é maior, o que talvez explique o fato de termos um total mais elevado de

indivíduos comuns – 24456. Ao contrário do caso anterior, não é clara a tendência de

governos de esquerda terem menos indivíduos comuns, sendo elevado o número de

indivíduos comuns também nos governos Covas (34) e Erundina (24).

Tabela 4: Indivíduos comuns ocupantes de cargos importantes em diferentes

administrações (SVP, Emurb, e SSO)

Go

vern

os

Se

túb

al

%

Reyn

ald

o

%

Curi

ati

%

Cova

s

%

Jân

io

%

Eru

nd

ina

%

Ma

luf

%

Pitt

a

%

Setúbal - 10 4,55 8 3,64 1 0,45 1 0,45 - 1 0,45 1 0,45

Reynaldo 10 4,55 - 17 7,73 6 2,73 3 1,36 - 1 0,45 1 0,45

Curiati 8 3,64 17 7,73 - 6 2,73 3 1,36 - 1 0,45 1 0,45

Covas 1 0,45 6 2,73 6 2,73 - 10 4,55 6 2,73 4 1,82 1 0,45

Jânio 1 0,45 3 1,36 3 1,36 10 4,55 - 10 4,55 4 1,82 2 0,91

Erundina - - - 6 2,73 10 4,55 - 5 2,27 3 1,36

Maluf 1 0,45 1 0,45 1 0,45 4 1,82 4 1,82 5 2,27 - 16 7,27

Pitta 1 0,45 1 0,45 1 0,45 1 0,45 2 0,91 3 1,36 16 7,27 -

Total 22 10,00 38 17,27 36

16,36 34

15,45 33

15,00 24 10,91 32 14,55 25 11,36

Fonte: Fundação Seade e Diários Oficiais do Município de São Paulo.

Os governos com menos indivíduos em comum com as demais são as

administrações Setúbal, Pitta e Erundina. Os governos com mais indivíduos em comum são

as administrações Reynaldo, Curiati, Covas, Jânio e Maluf. Como podemos ver, as maiores

relações entre governos são entre os governos Setúbal, Reynaldo e Curiati, entre Covas,

54 Muitos destes vínculos nas duas últimas legislaturas são elencados por Teixeira (1999), e vários outros são citados

nos capítulos que se seguem. 55 Estudos como Kuschnir (2000 a e b), por exemplo, mostraram que existem vários tipos de vereadores no que diz

respeito a bases políticas, o que leva à constituição de práticas diferenciadas, assim como ao cultivo de tipos diversos de capital eleitoral e político.

56 De forma similar ao caso dos ARs, trata-se na verdade de 122 indivíduos presentes (e contados) em dois governos.

61

Jânio e Erundina e entre Maluf e Pitta. Essa associação é fortemente temporal, de

contiguidade entre governos, e sugere a existência de um efeito de inércia administrativa,

que talvez se superponha à associação política que tentamos analisar.

Uma forma de tentar isolar a associação inercial e administrativa da associação

política é retirar do cálculo os indivíduos comuns a dois governos contíguos que ficam

apenas alguns meses no primeiro ano do governo seguinte. Essa estratégia tem um efeito

residual em quase todos os governos, menos nas associações do governo Erundina – com

Jânio cai de 10 para 3 indivíduos, com Maluf cai de 5 para 1, com Pitta cai de 3 para zero e

com Covas cai de 6 para 5. No total, a presença de indivíduos comuns entre o governos

Erundina e outros cai de 24 para 9. A única outra redução seria entre os governos Jânio e

Covas, que passaria de 10 para 9 indivíduos comuns. 57

Em termos gerais, portanto, podemos sustentar uma grande continuidade

administrativa entre todas as administrações do período em sua dimensão mais imediata e

operacional. Ao contrário dos ARs, entretanto, a clivagem direita/esquerda não define a

presença/ausência de indivíduos da rede em cargos. A única exceção presente é a

administração Erundina que, se em um primeiro momento se apoiou em indivíduos da rede

para os cargos mais importantes, depois efetuou um corte, reduzindo dramaticamente a

presença de indivíduos da comunidade em cargos. Essa informação confirma as entrevistas

realizadas e aponta para uma tentativa deliberada da parte desta administração de

“neutralizar” a rede da direita herdada do governo Jânio.

A interpretação das informações das tabelas se fortalece quando levamos em conta

a dinâmica geracional. Informações colhidas em entrevistas apontam o governo Jânio como

principal momento de transição geracional no período. Até esse governo, inúmeros

indivíduos treinados e socializados tecnicamente antes dos anos 1960 (classificados por nós

na geração1), assim como da geração treinada em chefias intermediárias nos anos 1960,

estavam presentes na rede do setor (considerada como geração 2)58. Naquele momento, a

presença de indivíduos do que denominamos de gerações 4 e 5 na rede era muito pequena.

O Gráfico 1 a seguir apresenta essa informação de maneira sistemática para os indivíduos

incluídos na rede de relações do setor.

57 Excetuando-se, obviamente a administração Curiati, que teve apenas essa duração. 58 Classificamos os técnicos da rede da comunidade pelas gerações a que pertencem, considerando: geração 1 –

geração mais antiga, com pessoas hoje na faixa dos 80 anos, sem ninguém ainda em atividade; geração 2 – funcionários aposentados, na casa dos 70 anos, com alguns ainda em atividade; geração 3 – pessoas em torno de 60 anos e em vias de aposentadoria; geração 4 – pessoas em atividade, em torno dos 50 anos; geração 5 – pessoas mais jovens em atividade, na faixa dos 40 anos. Essa informação é utilizada mais intensamente no Capítulo 5.

62

Fonte: Entrevistas com técnicos da comunidade.

Como podemos ver, há uma previsível tendência de queda da participação das

primeiras gerações ao longo dos governos, assim como uma elevação das gerações mais

jovens. Um importante momento de viragem nesse padrão é o governo Jânio. No governo

Erundina, encontramos as menores proporções das gerações mais velhas e as maiores

participações das mais novas. Entretanto, a partir daí, nas gestões Maluf e Pitta podemos

observar uma retomada da presença das gerações mais velhas. Isso acontece mesmo com

a primeira geração, que passa a ter uma presença apenas um pouco menor que no governo

Jânio. Gostaríamos de sugerir que essa evidência aponta mais uma vez para o retorno de

um conjunto de quadros técnicos mais velhos com a retomada dos governos de direita nos

anos 1990.

Em termos de lógicas explicativas, entretanto, nem precisaríamos de uma exigência

tão forte ou individualizada como a presença dos mesmos indivíduos em mais de um

governo. Como os indivíduos se estruturam em grupos (formais ou, principalmente,

informais) no interior da rede, a observação da ocupação de cargos por indivíduos pode nos

levar a engano, considerando entre outras coisas a transição geracional já comentada. No

capítulo 5 descrevemos e discutimos a rede e os grupos de maneira detalhada. A sua

construção é apresentada no Anexo 2. Por hora basta dizer que são considerados de um

mesmo grupo indivíduos com intenso padrão de vínculos entre si e padrão de relações

similar com o restante da rede. Depois de montada a rede e delimitados os grupos, portanto,

podemos tentar observar a ocupação dos cargos no setor pelos grupos de indivíduos que se

estruturam no interior da rede. A tabela 5 a seguir apresenta essa informação, que confirma

63

a importância da clivagem esquerda/direita para a presença de indivíduos da rede de

gestores de direita em cargos de chefia.

A parte superior da tabela apresenta os grupos dos ocupantes dos cargos mais

importantes do setor, por governo. De uma forma geral, os grupos de 1 a 3 incluem os

indivíduos da rede de gestores de direita assinalada acima, e os grupos de números 4, 7 e 8

(principalmente 4) incluem os indivíduos de padrão mais técnico e os elementos de fora que

entram em governos de esquerda59. A tabela indica que a maior parte dos cargos em

administrações de direita é ocupada por membros de grupos onde a presença de indivíduos

da rede dos gestores de direita é mais forte, sendo que o fenômeno inverso ocorre em

governos de esquerda.

Tabela 5: Grupos de indivíduos nos cargos mais importantes do setor e sua periferia:

Órgão Cargo Setúbal Reynaldo Curiati Covas Jânio Erundina Maluf Pitta

SSO secretário 1 1 1 4/7 2 2/3

chefe de gab. 3 3 3 1

Cohab presidente 7 7 7 2

Emurb diretor 7 4 2 2

vice 5 5 8/3 4 1 1

SVP secretário 3 3 3 4/3 3 4 2 2/3

chefe de gab. 3 3 3 3 4/3 4 1 1/3/4

super obras 3 3 3 4/3 3 4/3/7 3 3

diretor obras 1 7 7 7 7 2 2 2 2/1

diretor obras 2 5 5 5 5 3 3 3 3

diretor obras 3 3 3 3 3 4/3 4/3 1/3/4

super proj 7 3 3 3 3 4/3/6 3 3

diretor proj 1 6 4/3 4 4 8 2

diretor proj 2 7 6/3/7 7 7 7

diretor proj 3 6 6 4/6 4 4

diretor proj 4 3 3 4 4 4/3 3 3

Obs.: Grupos: Maluf -1; Reynaldo - 2; Técnico-políticos - 3; tecnicos - 4; Burocracia Municipal - 5; periferMasi - 6; Projeto e Assessoria - 7; tecnologos - 8.

Setúbal Reynaldo Curiati Covas Jânio Erundina Maluf Pitta

Técnico-políticos+ Reynaldo+Maluf No 6 8 7 6 9 6 13 17

% 50,0 67,0 64,0 43,0 56,0 27,0 76,0 81,0

Técnicos No 0 0 0 4 3 11 2 3

% 0,00 0,00 0,00 29,0 19,0 50,0 12,0 14,0

59 Note-se que participar ou não de administrações, assim como ocupar ou não cargos, não são entradas da construção

dos grupos (construídos a partir dos vínculos e da estrutura da rede), mas esses delimitam posições e práticas de trabalho, de uma forma geral.

64

A segunda parte da tabela resume a informação e aumenta a sua visibilidade.

Calculamos a proporção dos cargos ocupados em cada administração por indivíduos

pertencentes, de um lado, aos grupos “Maluf”, “Reynaldo” e “Técnico-políticos” e, de outro,

os indivíduos pertencentes ao grupo “técnicos”. Como podemos ver, a ocupação de cargos

pelos primeiros grupos, em governos de direita, se situa entre 50 e 81 %, enquanto o último

grupo participa nesses governos, de zero a 14 % dos cargos. Em governos de esquerda, ao

contrário, a participação de indivíduos dos primeiros grupos fica entre 27 e 43% e do grupo

“técnicos” entre 29 e 50%. Vale notar que o governo de menor participação dos primeiros

grupos é o de Luíza Erundina, sendo esse o único em que a proporção de técnicos supera

em termos numéricos os dos três grupos da rede dos gestores de direita. Isso confirma as

informações já comentadas a partir das últimas tabelas, assim como os dados obtidos nas

entrevistas, que apontam esse governo como o único a enfrentar diretamente os grupos

hegemônicos na rede, isolando e mesmo afastando administrativamente os seus mais

importantes indivíduos60. O governo Covas, entretanto, embora não apresente um padrão

tão intenso como o Erundina, se diferencia dos governos de direita pela presença muito

mais elevada de técnicos e bem menor de indivíduos dos grupos dede direita.

De uma forma mais geral, portanto, as informações confirmam que há uma rede de

gestores de direita muito intimamente ligada aos grupos desse campo político no período,

que controla os cargos mais importantes do setor em quase todos os governos do período,

com exceção das administrações de esquerda, em especial o governo Erundina. Isso é

muito evidente no caso dos cargos de chefia em ARs, mas é menos claro nos cargos de

chefia em secretarias do setor e sua periferia, onde a rede aparentemente se faz presente

em todos os governos, sem exceção. Quando retiramos o efeito inercial dos primeiros

meses do primeiro ano de governo, entretanto, descobrimos que mesmo nas secretarias há

diferenças, e a presença da rede de direita é menor em governos de esquerda do que em

governos de direita. O mesmo se pode dizer quando analisamos a ocupação dos cargos por

membros de grupos mais próximos e mais distantes do centro da rede dos gestores de

direita. Os grupos mais próximos a indivíduos do centro da rede estão muito presentes em

todos os governos, mas o seu patamar é muito inferior em governos de esquerda, quando

os grupos de indivíduos menos centrais em termos políticos na rede do setor, menos ligados

à rede de gestores de direita e com mais técnicos trazidos de fora, tendem a se fazer muito

mais presentes.

60 No anedotário do setor, esse foi o único governo a “mandar para a NASA” os funcionário da Secretaria que pertencem

ao grupo mais central da rede da direita. NASA, no linguajar da comunidade, significa “Núcleo de Assessores Sem Atribuição” e se localiza no interior do Departamento de Controle do Uso de Vias Públicas - Convias.

65

A hegemonia da direita sobre a política, portanto, embora venha dos resultados

eleitorais, se desdobra em um poder muito mais amplo pelo controle da máquina pública

exercida pela rede de gestores de direita.

66

Capítulo 3: Os aspectos gerais da política e seus

condicionantes

O presente capítulo apresenta os aspectos gerais da política de investimentos de

SVP, analisando os mais importantes condicionantes do perfil anual de investimentos. Como

já comentado, esse tipo de dinâmica tem sido analisada à luz do marxismo estruturalista, de

estudos neomarxistas de movimentos sociais, de uma versão nuançada do pluralismo norte-

americano ou de uma versão urbana da teoria das elites. Para essas literaturas, os

processos internos ao Estado, assim como as dinâmicas do próprio processo de decisão,

teriam muito menos importância do que atores localizados na sociedade e elementos

ligados às regras do jogo político.

As informações aqui discutidas indicam a insuficiência das explicações correntes e

destacam a importância de dois outros elementos pouco ou nada considerados pela

literatura: de um lado, clivagens políticas e ideológicas; de outro, a presença e a influência

das empresas privadas ligadas à produção da cidade no interior de uma rede de relações

que associa de forma complexa técnicos do Estado, membros da classe política e empresas

privadas. Mas isso talvez seja adiantar demais os resultados. Antes de observar o padrão de

investimentos, é necessário estabelecer alguns pontos com relação ao debate acadêmico

sobre o tema, o que realizamos na próxima seção. Em seguida, apresentamos o padrão

temporal dos investimentos de SVP, dialogando sempre que possível com os principais

argumentos da literatura apresentada.

Mecanismos na literatura: conflitos, eleições e políticas do Estado

Uma parte significativa das análises sobre a questão urbana no Brasil enfoca, de

maneira central ou periférica, o Estado e suas políticas. Isso se explica pela importância

ocupada historicamente por esse ator na construção e transformação das cidades

brasileiras. Entretanto, essa presença nominal em estudos e trabalhos nunca se traduziu em

uma centralidade temática ou analítica e, quase na totalidade das vezes, o Estado foi

considerado de forma periférica ou subordinada a fenômenos ocorridos em outras esferas

da sociedade. Assim, as políticas estatais são explicadas como produto de processos ou

dinâmicas externas a ele, ora localizados na sociedade, ora oriundos da economia. São

basicamente três os mecanismos mobilizados pela maior parte da literatura para explicar as

políticas públicas urbanas em período recente.

67

Pelo primeiro, que podemos denominar de modelo do conflito, os movimentos sociais

surgidos nos anos 1970 e 1980 teriam pressionado o Estado por investimentos e, obtendo

sucesso, teriam alterado o seu modo de proceder. O exercício de pressão externa sobre o

Estado seria o principal mecanismo de influência sobre as políticas estatais, assim como a

insuficiência das ações estatais na produção de meios de consumo coletivo, levando às

chamadas contradições urbanas, principal elemento explicativo para o surgimento dessas

mobilizações. Caso grupos populares não exercessem sua pressão, o Estado acabaria por

realizar políticas em proveito dos grupos dominantes, que subordinam a lógica estatal por

meio de mecanismos, estruturais ou não.61 Esta visão, presente em estudos como Moisés

(1982), Moisés e Martinez-Aliez (1978) e Gohn (1991), se tornou um dos eixos gerais de

compreensão das políticas no urbano na literatura brasileira de ciências sociais, e foi em

grande parte predominante durante os anos 1980 e o início dos anos 1990. Segundo esse

modelo, política produz políticas.

Sob o ponto de vista dos movimentos, em uma versão mais sofisticada e

ligeiramente posterior do modelo, autores como Nunes (1986), Cardoso (1970), Machado da

Silva e Ribeiro (1985), Jacobi (1989) e Sader (1988) demonstraram a relevância de

mediações na construção de ações coletivas, como os processos de constituição de

identidades e a transformação de carências concretas em necessidades coletivamente

reconhecidas, ambos os processos ligados ao cotidiano dos moradores e às suas

experiências de luta. Além disso, destacou-se a importância de outros atores como

mediadores na construção de tais mobilizações, assim como foram ressaltadas as

mudanças no ambiente político mais amplo ocorridas no período, em parte produzidas e em

parte produtoras de mobilizações e movimentos. Nessa versão mais elaborada, os

movimentos não causariam apenas uma mudança no padrão de ação estatal, mas uma

alteração no próprio cenário político. Para usarmos as palavras de Sader (1988), os novos

atores e a cena política teriam sido construídos mutuamente. Os movimentos auxiliariam a

construção de uma nova qualidade na política62. Para essa variante, portanto, a política

produziria políticas, mas também influiria na construção de uma nova política.

Esse deslocamento na literatura permitiu a libertação dos movimentos sociais dos

constrangimentos estruturais (inscritos nas contradições urbanas), mas não alterou nada na

compreensão do Estado, que continuou sendo definido e dirigido externamente. Sob o ponto

de vista do Estado, portanto, o balanço crítico da literatura dos movimentos sociais nos anos

61 A herança marxista aqui é evidente e explícita. Para a discussão dos mecanismos mobilizados pelo marxismo para a

compreensão das políticas, ver Marques (1997). 62 É interessante registrar a proximidade desse ponto de chegada com o trabalho de Castells (1980), uma das

referências do deslocamento pós-estruturalista (e em uma larga medida anti-estruturalista) da literatura urbana brasileira.

68

1980 representou a manutenção de uma postura analítica muito próxima à do modelo do

conflito.63

Sob o nosso ponto de vista, é inegável que alguns grupos da sociedade têm maiores

recursos de poder do que outros e, portanto, têm condições diferenciadas de ter seus

interesses representados nas políticas estatais. De forma similar, é também evidente que os

resultados da luta política influenciam as políticas do Estado e, em especial, que os

movimentos sociais podem alterar o padrão de políticas estatais através da sua pressão.

Entretanto, não podemos admitir que a esfera política seja subordinada e que o Estado não

tenha inércia, estratégias e interesses próprios, ou mesmo que se apresente passivamente

no embate entre os diversos grupos sociais. Sendo assim, nem o Estado pode ser

considerado apenas como ocupado por grupos da sociedade, apresentando-se como

heterogêneo e complexo em si mesmo, nem a política pode ser considerada como

colonizada por dinâmicas de outras esferas, como a economia. Considerar essas dinâmicas

corresponde a estudar os processos políticos inteiramente, assim como analisar os

processos internos ao Estado, e as interfaces deste com a sociedade. Não se trata de

desconsiderar os conflitos ressaltados pelos analistas dos movimentos sociais, mas de

reintroduzi-los de forma complexa e mediada pelos demais processos e agentes presentes

no cenário político, inclusive o próprio Estado. Voltaremos a este ponto mais adiante.

Em Marques (2000), mostramos a insuficiência do modelo do conflito utilizado

isoladamente como elemento causal das ações estatais locais. Aquele estudo demonstrou a

existência de significativos investimentos em saneamento nas periferias cariocas já no final

dos anos 1970. Esses não podem ser creditados a conflitos, já que precederam a

organização da população na região. O caso carioca ganha sentido se considerarmos a

dinâmica institucional da então concessionária estatal da política: a Cedae. Essa empresa

havia sido criada em 1975 pela fusão de três empresas estatais de saneamento distintas. O

grupo que exerceu a hegemonia durante a fusão (originário da empresa de águas da

Guanabara - Cedag), encarou a fusão como a incorporação de uma periferia totalmente

desassistida (a Baixada Fluminense) ao território da sua antiga concessão (o município do

Rio de Janeiro). Nos primeiros anos da concessão, uma das diretrizes da política referiu-se

à elevação do patamar do seu atendimento ao das periferias já integradas aos sistemas da

antiga Cedag. Esses espaços eram servidos precariamente, com padrão tecnológico e

operacional inferior, mas mesmo assim atendidos.

Na construção desse padrão inferior de atendimento merecem destaque duas

dinâmicas. A primeira delas, desconsiderada pela literatura crítica, diz respeito à motivação

63 É interessante observar que agora com características bastante próximas ao pluralismo.

69

que leva os técnicos estatais a expandir serviços públicos para as periferias. Como nos

lembraram recentemente os neoinstitucionalistas, a reprodução simples e ampliada das

burocracias depende do desdobramento das políticas implementadas por seus órgãos

(Amenta e Skocpol, 1986). Assim, a expansão das políticas de infra-estrutura para novas

fronteiras interessa a burocracias e agências, se consideramos simplesmente suas

motivações., já que aumenta ligações e equipamentos sob o seu contrtole, além de gerar

mais recursos para o órgão estatal.64

Por outro lado, o conteúdo e a qualidade das políticas desenvolvidas nas periferias

nos anos 1970 foram limitados por uma segunda dinâmica a destacar, também

escassamente considerada pela literatura. Trata-se de um elemento constitutivo da cultura

técnica da comunidade profissional, que denominamos de “seletividade hierárquica das

políticas” (Marques, 2000). Esse mecanismo não se origina das estruturas da sociedade,

como a “seletividade estrutural do Estado” do marxismo estruturalista, mas do “referencial”

presente no setor, no sentido de Jobert e Muller (1987). Esse expressa o conjunto de idéias,

crenças e visões de sociedade, explícitas ou implícitas, comungadas pela maior parte dos

membros da comunidade profissional das políticas urbanas. Esse conjunto de idéias

influencia fortemente as políticas, fazendo com que os conflitos que definem quem serão os

beneficiários das políticas não se dêem apenas em torno das políticas propriamente ditas,

mas também a respeito de visões de mundo, do Estado e de suas políticas.

Acreditamos que o referencial do setor e da sociedade predominante entre os

engenheiros dos setores de infra-estrutura urbana considera que as prioridades estatais

devem seguir a estrutura social, oferecendo os serviços primeiro - e com melhor qualidade -

para os grupos sociais mais ricos e escolarizados. Essa visão está certamente presente há

muito tempo nestes setores de política, mesmo no setor saneamento, caracterizado pelas

políticas de infra-estrutura de maior impacto social. Por um lado, a origem última desta visão

talvez esteja na matriz positivista da engenharia nacional (Ferreira, 1993), corporação que

hegemoniza fortemente o setor de política. Essa matriz afastou a corporação de uma forma

geral de discussões de política e, no máximo a associou à promoção do “desenvolvimento”

pensado de forma abstrata, acrítica, e certamente ideológica (Turazzi, 1987 e Kawamura,

1979). Por outro lado, a engenharia pensa tradicionalmente a sua atividade como a

“transformação de sonhos em realidade” quando age sobre “a matéria bruta e domina as

64 Ver Watson (1992). Um contra-argumento poderia ser a afirmação de que os prestadores não expandiam os serviços

pelo baixo poder aquisitivo da população periférica, o que tornaria os sistemas na periferia não viáveis economicamente. Essa hipótese, bastante difundida na literatura (e já presente na literatura marxista francesa – Cf. Lojkine, 1981, Cap. 2), não encontra fundamento empírico. A partir do final dos 1980, tanto as coberturas quanto as tarifas dos serviços urbanos foram sistematicamente aumentadas (Cf. Marques, 2000, p. 98, 99 e 100), e nem por isso os serviços enfrentaram problemas insolúveis de inadimplência nas áreas metropolitanas.

70

forças da natureza”.65 Trata-se de uma relação entre o gênio da técnica e a natureza

indomada, sem a presença de nenhum elemento humano. Quando este é incluído, aparece

da forma mais abstrata ou desencarnada – como humanidade. A combinação particular de

positivismo desenvolvimentista com humanismo desencarnado (com total ausência de

pessoas) levou historicamente à construção de uma visão da sociedade e dos seus objetos

de intervenção extremamente tecnocrática e a ingênua. As clivagens existentes na

sociedade, por exemplo entre ricos e pobres, são encaradas tradicionalmente como

elementos naturais e completamente externos ao objeto da sua prática profissional. Nesta

visão, a intervenção em qualquer destas ordens naturais obviamente não deve fazer parte

das prioridades da prática profissional.

Estas características foram todas reforçadas durante o regime militar, quando as

políticas estatais as tinham-na como ponto de partida. Neste sentido, talvez o mais

importante efeito das mobilizações populares e dos movimentos sociais de período recente

tenha sido alterar, através de suas lutas, os patamares de direitos reconhecidos

socialmente. Esse deslocamento no conjunto mínimo de serviços e bens sancionado pela

sociedade como justo certamente influenciou o referencial dos engenheiros, mesmo que

indiretamente. Entretanto, a seletividade hierárquica ainda está presente hoje nas políticas,

tanto por razões geracionais e pelo caráter conservador, relativamente, da comunidade dos

engenheiros, quanto pela inércia das organizações estatais nas quais ela se inscreveu ao

longo do tempo.

Como veremos ao longo desse livro, no caso de São Paulo os investimentos nas

periferias também precederam a constituição de patamares mais amplos de organização

popular local. Já existiam movimentos significativos no início dos anos 1970, mas estes

eram muito localizados e abordavam questões específicas, como creches, equipamentos de

saúde e esgotamento sanitário, em sua grande maioria não relacionadas com as obras e

serviços estudados aqui. Não é possível, portanto, utilizar mobilizações e conflitos para

explicar a descoberta de investimentos nas periferias em período mais recente do que

sustenta a literatura. Não se trata de afirmar a irrelevância do estudo de tais mobilizações

para a explicação das políticas estatais, mas de dizer que a relação entre a ação de tais

atores e o campo das políticas não pode ser entendida de forma mecânica. Na verdade, o

mais importante efeito dos movimentos se relaciona com a produção de descolamentos

amplos no campo da política, agindo sobre a própria agenda pública e, potencialmente,

65 A primeira referência é originária de uma quadra de autoria do eng. Billings, principal executivo da Light and Power

nos primeiras décadas do século intitulada a “Profissão de fé do engenheiro”. Os versos começam com: “Tiro partido da visão que me traz o devaneio. Aplico num passe de mágica, ciência e matemática” e termina com “Eu sou o engenheiro. Eu sirvo à humanidade, transformando sonhos em realidade”. (Billings, apud Telles, 1984).

71

deslocando todo o campo da política na direção da construção de ações mais

redistributivas. Como discutiremos logo a seguir, apenas a articulação desse mecanismo

com o processo seguinte, ambos entendidos de forma complexa, permite explicar esses

investimentos.

O segundo mecanismo mobilizado pela literatura para a explicação da ação estatal

se relaciona com as decisões dos políticos imbuídos de cargos públicos. Esses seriam

influenciados por vários processos, principalmente o relacionado com o ciclo das eleições.

Podemos denominar esse tipo de explicação de vínculo eleitoral (Fizson, 1990 e Ames,

1995). Segundo esse, os níveis dos investimentos, e em especial os investimentos

direcionados para pobres, tenderiam a ser mais elevados nos momentos anteriores a

eleições. Como, para esses autores, os políticos tenderiam a gastar mais em políticas de

impacto político, como as analisadas aqui, os gastos públicos tenderiam a crescer cada vez

mais, tendo como uma de suas únicas restrições à disponibilidade de recursos no poder

público. Em outras palavras, os investimentos aumentariam junto a eleições, assim como

seriam proporcionais aos níveis anuais do orçamento municipal.

Os autores que utilizam esse vínculo explicativo partem de dois pressupostos. O

primeiro sustenta, seguindo os passos de Downs (1999) e Mayhew (1974) que o

comportamento predominante dos políticos é a maximização de suas chances de reeleição,

que obteriam prestígio e recursos políticos quando bem sucedidos. Considerando esses

interesses dos políticos, a propensão das burocracias a aumentar as políticas sob seu

controle, e o desejo do eleitorado dos redutos eleitorais de receber mais benefícios, estaria

montado o cenário para a escalada sem fim dos gastos públicos - os chamados Iron

triangles (Fiorina, 1989). Essa elevação dos gastos seria limitada apenas pelo tamanho do

orçamento público e pelas ações dos outros políticos.

O segundo passo necessário para o argumento ter sentido identifica diretamente os

interesses dos políticos com as ações do Estado, seguindo implicitamente a linha pluralista

mais pura de autores como Easton (1965) e Sabatier (1999). Caso essa identidade não

exista, não há como garantir que os primeiros (interesses) se transformem nas segundas

(ações estatais). Para os pluralistas o Estado não existiria como construção histórica,

representando apenas um espaço vazio a ser ocupado pelos grupos de interesse vitoriosos.

Usando esse raciocínio para o caso específico do Brasil, o retorno das eleições para os

executivos locais (governadores em 1982 e prefeitos de capitais em 1985) teria levado a um

aumento dos investimentos, que acompanharia ciclo das eleições.

A segunda é oriunda de um editorial da revista O Engenheiro de 1955. (Telles, 1984, p. 724).

72

Sob o nosso ponto de vista, mesmo que possamos aceitar o primeiro pressuposto,

embora com ressalvas, não podemos concordar com o segundo. Políticas são

implementadas por técnicos que têm seu poder parcialmente originário de vínculos com

políticos eleitos, mas também o retiram de seu conhecimento técnico e do funcionamento da

máquina estatal. Os políticos necessitam desses técnicos (e de seus saberes) para realizar

bons governos, independente de suas diretrizes de política, pois mesmo o mais

maximizador dos políticos precisa das organizações do Estado e de seus funcionários para

transformar decisões em resultados.66 Por essa razão, o modelo do vínculo eleitoral ilumina

um importante mecanismo presente no comportamento de um importante ator político, mas

não consegue prever as ações do Estado.

Assim, mesmo em nível teórico, a existência de vínculos mecânicos entre eleições e

investimentos deve ser afastada. Isso é corroborado pelas informações empíricas descritas

a seguir. Entretanto, como veremos, podemos tirar proveito analítico do cálculo político dos

governantes, assim como da mudança de regime político, se o mediarmos e associarmos a

outros processos.

Com relação ao vínculo eleitoral, as políticas do Rio de Janeiro estudadas por

Marques (2000) apontaram resultados similares aos apresentados nesse livro. Aquela

pesquisa não encontrou uma relação estatística significativa entre anos de eleições, em

vários níveis (ou anteriores a pleitos), e volumes de investimentos em saneamento. A

ausência de uma relação direta entre esses processos não significa que a existência de

eleições livres e regulares não esteja correlacionada com níveis mais altos de gastos sociais

(Brown e Hunter, 1999), ou com maior responsabilização política dos governantes pelos

governados, em um sentido mais geral, como já amplamente discutido por vários autores da

teoria democrática, de Schumpeter (1984) a Dahl (2002). A questão do regime político,

entendido como o conjunto de regras que estruturam a luta pelo poder, é extremamente

importante, principalmente pela conformação do ambiente político no qual estão inseridos os

atores.

No caso de São Paulo, como discutido em Marques e Bichir (2001b e 2002), os

investimentos precoces nas periferias parecem ser explicados pela associação entre as

mobilizações incipientes já destacadas acima e o acontecimento de uma mudança no

cálculo político dos ocupantes de cargos públicos, com o crescimento da importância do

vínculo eleitoral. Nesse particular, embora, no Brasil o vínculo eleitoral nunca tenha sido

quebrado completamente, a sua importância no cálculo político das elites certamente se

reduziu durante o regime militar e, com o seu declínio, aumentou a relevância das políticas

66 Ver, por exemplo, o excelente trabalho de Kuschnir (2000).

73

redistributivas na construção das carreiras políticas. A mudança do ambiente incidiu

fortemente sobre a forma como se construía a agenda da classe política e das elites

burocráticas, assim como sobre o seu conteúdo. Como os cálculos desses atores estão

informados por um referencial fortemente conservador e hierárquico, estava aberto o

caminho para o acontecimento de deslocamentos na ação estatal, mas não para a reversão

completa da produção estatal de segregação sócio-espacial.

Portanto, ao contrário do elo causal considerado comumente, o início dos anos 1980

não representou um momento onde política (mobilizações) produziu políticas (ações do

Estado). Em um ambiente político em transformação (e abertura), com a expectativa da

expansão das eleições como forma de ascensão ao poder estatal, e sob pressão crescente

vinda de baixo, as políticas geraram política, que gerou mais políticas, no sentido defendido

por autores neoinstitucionalistas como Skocpol (1992).

Finalmente, vale destacar que a independência entre investimentos e eleições

também não impede a existência de obras realizadas com objetivos eleitorais,

especialmente em bairros de baixa renda67. A independência entre os processos indica

apenas que as obras “eleitorais” não são predominantes nas ações de organizações estatais

complexas, como as organizações locais de cidades grandes como o Rio de Janeiro e São

Paulo.

O terceiro mecanismo presente na literatura é o da teoria da causação circular,

consubstanciado em Vetter (1975). Segundo esta teoria, originária da economia urbana e da

geografia crítica, mas tributária de uma visão do funcionamento do mundo político

influenciada pela teoria das elites, haveria uma coincidência, nas sociedades capitalistas,

entre os detentores da renda real e da renda monetária. A primeira seria definida pelo

acesso a um conjunto heterogêneo de bens e serviços - que incluiriam educação, cultura,

modo de vida, condições de habitação e reprodução em um sentido mais amplo -, e a

segunda corresponderia à posse de ativos econômicos. Para Vetter (1975), considerando as

regras de funcionamento da política, os detentores de ambos os capitais seriam os grupos

mais capazes de exercer influência sobre as políticas de governo. Em termos das políticas

urbanas, eles atrairiam para os seus bairros, já mais valorizados dos que o restante da

cidade, os investimentos públicos. Assim, as ações do Estado, ao invés de reduzir os

diferenciais de acesso a serviços e bens, aumentariam as disparidades, concentrando

condições cada vez melhores para ricos e condições estagnadas para pobres e desprovidos

de poder. Este raciocínio, de grande parcimônia explicativa, parece descrever uma parte

importante dos mecanismos em jogo nas ações do Estado no urbano (Vetter e Massena,

67 Cf. Marques (2000) sobre o segundo programa carioca de favelas, por exemplo.

74

1981; Vetter e Rodrigues, 1979 e Vetter et al. 1981). Entretanto, duas advertências graves

devem ser feitas.

A causação não especifica as formas pelas quais a influência sobre o Estado se

materializa. Isto é condizente com uma visão de teoria das elites, já que para esta a

influência se dá de inúmeras formas, muitas delas invisíveis e impossíveis de mapear. De

forma mais específica, a teoria da causação desconhece a existência de conflitos e lutas

políticas de grupos que não detenham renda real (e monetária). Como já comentamos

acima, se os movimentos destacados pelo modelo do conflito não explicam tudo, também

não podemos desconsiderar a sua ação e importância. Assim, ficam de fora do alcance

explicativo da teoria da causação circular todas as políticas que sejam efetivamente

redistributivas. Além disso, esta perspectiva e as anteriores trabalham com uma visão de

Estado totalmente esvaziado de conteúdo: o Estado simplesmente transforma em políticas

impulsos vindos de fora, como nos modelos marxista e pluralista.

Como veremos a seguir, tanto a existência de investimentos redistributivos, quanto a

existência de importantes processos internos ao Estado e relativos à interface deste com

grupos na sociedade, tornam o modelo da causação incapaz de explicar os padrões

encontrados em São Paulo. A teoria da causação descreve uma das estruturas colocadas

pelas regras presentes em sociedades de economia capitalista e democracia representativa,

mas nem de longe dá conta de todos os processos em curso em tais sociedades.

As perspectivas do conflito, do nexo eleitoral e da causação desconsideram

dinâmicas importantes relativas ao funcionamento do Estado e às relações que o cercam.

Gostaríamos de destacar a importância de dois elementos: as clivagens ideológicas entre

governantes e a presença e os padrões de vínculo entre o Estado e o ambiente que o cerca.

A primeira dinâmica diz respeito ao fato de que, como já discutimos quando comentamos o

nexo eleitoral, políticos não têm apenas interesses gerais, mas comungam, e divergem entre

si, a respeito de projetos baseados na construção de políticas de conteúdos diferentes. Isto

ocorre mesmo na política brasileira e mesmo em nível local, apesar do que afirmam o senso

comum e uma parcela significativa do debate acadêmico. Vale para a política brasileira uma

máxima do arquiteto Carlos Nelson dos Santos sobre as favelas: “a desordem é uma ordem

mais difícil de ver”. O sistema partidário brasileiro, assim como a dinâmica das eleições no

Brasil podem aparentar desordem e imprevisibilidade, quando analisadas com os

instrumentos analíticos e padrões das democracias consolidadas do Norte, mas contêm, ao

contrário, regularidades e previsibilidade, que apresentam, entretanto, características

próprias. Isto é verdadeiro na arena eleitoral como mostraram Soares (2000) e Singer

75

(2000), e também é verdadeiro no interior do Congresso Nacional como mostraram

Figueiredo e Limongi (1999), para escolher apenas dois exemplos tematicamente diversos.

Como veremos, isso também é verdadeiro nas políticas locais de infra-estrutura estudadas

aqui: é possível prever os conteúdos das políticas implementadas pelos prefeitos por seu

alinhamento ideológico. Não há razão alguma para achar que os eleitores não os prevejam,

assim como nós o fizemos, considerando a intensidade das evidências.

Além disso, um outro elemento muito importante que está completamente ausente do

debate acadêmico das políticas urbanas e deve ser destacado diz respeito às empresas

privadas produtoras de obras e serviços de engenharia. Como já destacado para o caso do

Rio de Janeiro em Marques (2000), considerando as especificidades da sua posição

estratégica no processo de produção das políticas, e principalmente as peculiaridades do

Estado brasileiro, os capitais que agem em um determinado setor de política se constituem

em atores importantes, cujo estudo se mostra fundamental para a compreensão das ações

estatais em inúmeros aspectos. Como veremos, a sua presença e as suas posições na rede

de relações da comunidade influenciam não apenas processos ligados às suas contratações

(Marques, 1999), mas ao próprio padrão geral de investimentos.

O padrão geral dos investimentos

Os investimentos analisados totalizam cerca de 5.900 documentos, incluindo

contratos, aditamentos, retificações e aprovações de preços. Os contratos foram vencidos

por 401 empreiteiras, somando um valor global de 10,6 bilhões de reais.68 Dentre esse total

investido, aproximadamente 970 milhões correspondem a gastos com aditamentos de

contratos. Contudo, é importante destacar que a variação anual dos investimentos é

bastante grande, entre menos de 50 milhões nos anos de 1984, 1989, 1991, 1992 e 2000, e

valores superiores a 1 bilhão de reais em anos como 1976, 1987, 1988 e 1996. O Gráfico 2

a seguir apresenta os investimentos anuais.

68 A data de referência dos valores da pesquisa é dezembro de 1999, para o qual foram trazidos financeiramente todos

os contratos utilizando o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, depois de terem suas moedas devidamente convertidas. Para mais detalhes, ver Anexo 1.

76

Gráfico 2: Investimentos anuais de SVP – São Paulo

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo.

Conforme será aprofundado mais adiante, a concentração das vitórias nas mãos de

um grupo pequeno de empresas também é muito grande: o mais importante vencedor

(0,25% do universo) venceu mais de 8% do valor total, e apenas 25 empresas (6% do

universo) obtiveram mais de 70% do total licitado. Uma importante particularidade da política

é o fato de uma parcela significativa dos contratos ter sido realizada através de repasses

para a Empresa Municipal de Urbanização, empresa pública vinculada à Secretaria, que

contratou diretamente as empreiteiras, fiscalizou e recebeu as obras. Estes investimentos

estão incluídos na análise que se segue, mas, sempre que for analiticamente relevante,

serão destacados e discutidos em separado.

Iniciamos nossa análise pela investigação dos condicionantes gerais do ciclo anual

de investimentos. Para testar os elementos relacionados com o nexo eleitoral, podemos

analisar primeiramente a correlação entre anos de eleições e o volume geral de

investimentos. Confirmando os resultados de Marques (2000) para o Rio de Janeiro, os

dados mostram uma completa independência dos investimentos com relação ao ciclo

eleitoral, não havendo relação seja com eleições locais, nacionais e anos pré-eleitorais.

Também não encontramos relação se consideramos anos anteriores ou posteriores a

eleições, sejam elas locais, nacionais ou quaisquer outras. Da mesma forma, não

encontramos significância estatística entre os investimentos anuais e os volumes gerais de

77

investimentos, como seria de se esperar pela segunda parte do nexo eleitoral – os

investimentos não crescem quando há um maior volume de recursos disponíveis no

orçamento municipal, assim como não decrescem quando este se reduz69.

Ainda nos atendo aos processos que não se mostraram significativos, uma outra

dinâmica interessante do padrão geral de gastos é a sua independência dos capitais médios

das empresas vitoriosas em cada governo. O gasto por governo da Secretaria não está

correlacionado com o capital médio das empresas que vencem naquela administração,

embora, como veremos mais adiante, os capitais médios sejam significativamente mais

elevados em governo de direita do que em administrações de esquerda.

Diferentemente, encontramos associação entre, de um lado, os investimentos de

SVP e, de outro, a inclinação ideológica do prefeito e a proporção do orçamento gasto em

SVP.70 Ambas as variáveis indicam ou se relacionam com escolhas. A primeira delas é do

eleitorado que, ao votar em candidatos de direita ou esquerda pode prever o conjunto de

políticas que eles implementarão, uma vez no poder. Restaria saber se as preferências de

política dos eleitores são compatíveis com as políticas implementadas, o que foge ao

escopo deste trabalho71. De qualquer forma, está comprovada a previsibilidade para o eleitor

do conteúdo das políticas a partir dos posicionamentos políticos mais amplos dos

candidatos na arena eleitoral, contrariamente ao que sustentam uma parte significativa da

literatura e o senso comum predominante na sociedade. É interessante observar que, no

caso do Rio de Janeiro estudado em Marques (2000), não foi encontrada relação entre o

perfil geral de investimentos e a clivagens político-ideológicas. Voltaremos a este ponto mais

tarde, mas isso pode se dever ao fato do caso de São Paulo apresentar clivagens mais

claras, além da política paulistana ser ainda mais incentivada a partir de fora, não pelos

usuários como gostaria a teoria do conflito, mas pelas empresas construtoras, que se

constituem em um tipo de “usuário” especial das políticas estatais, como já destacado

anteriormente.

A segunda relação encontrada demonstra a importância dos processos políticos de

escolha no interior do executivo, não previsíveis a partir de posicionamentos ideológicos

mais amplos, já que esta variável não é correlacionada com a anterior. Assim,

69 Vários testes de médias entre anos com eleições municipais, não municipais ou eleições em geral não mostraram

diferenças significativas em termos estatísticos entre os valores investidos nestes anos e fora deles. As correlações entre o orçamento da prefeitura no ano e o volume de gastos naquele ano tampouco apresentaram significância, a 5 ou a 1 % de confiabilidade.

70 A média dos investimentos em governos de direita é de 531 milhões de Reais/ano, enquanto em governos de esquerda é de 73 milhões/ano. A diferença das médias é significativa a 99 % de intervalo de confiança.

71 Para isso seria necessário comparar informações a respeito das preferências de política das parcelas do eleitorado que votam em candidatos de diferentes inclinações ideológicas e as políticas implementadas por esses, em uma linha mais próxima ao excelente artigo de Soares (2000) do que da adotada aqui.

78

independentemente da clivagem esquerda/direita, a proporção do orçamento que é gasta na

Secretaria influencia os valores absolutos do investimento, mesmo controlando pelo valor

geral do orçamento. Isto indica a existência de processos de escolha internos à dinâmica da

administração que levam a alterações nos volumes de investimento da Secretaria.72

A utilização das informações obtidas a partir da recomposição da rede da

comunidade ajuda a desvendar alguns desses processos internos à administração. Estas

informações permitem testar a hipótese, já discutida anteriormente, de que a política da

Secretaria seria, em grande parte, incentivada a partir de fora, por um conjunto de

demandantes de políticas não considerados pela literatura – a empresas construtoras e

produtoras de serviços de engenharia. Com a recomposição da rede de relações entre

pessoas e empresas por governo, a partir das informações obtidas nas entrevistas,

podemos calcular algumas estatísticas que permitem caracterizar cada momento e testar tal

hipótese. As mais simples medidas da presença de empresas na rede que implementa a

política que podemos tomar são a quantidade de vínculos que as empresas têm em média,

em cada governo, assim como a distância que separa as empresas dos principais

detentores do poder institucional, no caso os secretários73. Os resultados são bastante

promissores. Em primeiro lugar, o valor total gasto em cada governo não é proporcional ao

conjunto de vínculos médios das empresas privadas presentes em cada governo, tanto

secundários, quanto primários, mas as relações se tornam significativas se controlamos por

governos de direita e esquerda74.

Além disto, e este é o ponto mais importante, a proporção do orçamento gasta em

SVP é proporcional tanto à distância média das empresas ao secretário, quanto ao total de

vínculos das empresas presentes em um governo.75 Quando incluímos estas variáveis em

um modelo de regressão multivariada, a variável da proporção de SVP no orçamento deixa

de apresentar significância, indicando que, na verdade, a sua presença estava

representando as variáveis relacionais. É interessante observar que em um modelo de

72 A relação apresenta um coeficiente de correlação de 0,63, significativo a 99%. Se controlarmos a correlação por anos

de direita/esquerda, o coeficiente cai para 0,53, significativo a 95 %. 73 Para simplificar o procedimento, incluímos a média das medidas das empresas correspondentes a 80 % do valor

gasto em cada governo, o que forneceu mais do que 160 casos. As medidas utilizadas são o grau, que nada mais é do que a soma dos vínculos de um dado nó (vínculos primários), o poder, que considera, além destes os vínculos das pessoas às quais um nó está ligado, descontando uma certa proporção dos secundários. Utilizamos um desconto de 25 %, o que equivale a considerar, para um dado nó, apenas um vínculo, a cada quatro secundários existentes. A distância é apenas a quantidade de passos entre pessoas na rede que uma determinada empresa tem que caminhar para chegar ao secretário, pelo menor caminho possível. Os capítulos 5 e 6 detalham a informações da rede, assim como o Anexo 3 descreve a metodologia utilizada.

74 Controlando por direita/esquerda, os coeficientes de correlação são 0,53 e 0,57, ambos são significativos a 99 %. 75 Esses resultados são significativos a 99 % controlando ou não por governos de direita. As correlações, como seria de

se esperar, são maiores se não controlamos, mas permanecem sendo superiores a 0,5 (sig. a 99%) quando controladas por clivagem ideológica.

79

regressão o conjunto médio de vínculos primários não apresenta significância, mas apenas

os vínculos secundários. Isto significa que o volume de gastos de SVP é proporcional, em

uma medida razoável (a variância explicada pelo modelo ultrapassa 50 % - ver nota

seguinte), à ligação de empresas privadas na rede da comunidade da política pessoas com

muitos vínculos, assim como da sua proximidade com os secretários. Esta informação

confirma a hipótese inicial de que uma parte significativa da política é incentivada a partir de

fora, pelas empresas construtoras, e que esta se constitui em uma das mais importantes

“usuárias” da política76. Como já fizemos referência, estas duas variáveis relacionais

também estão associadas à diferenciação esquerda/direita, mas exercem uma influência

sobre os gastos independente da clivagem ideológica.

Por fim, vale destacar que a influência destas variáveis relacionais das empresas

vencedoras é independente dos seus capitais, como gostaria o senso comum e um certo

argumento marxista de corte monopolista. Não importa se as empresas que se encontram

conectadas ao núcleo do poder (ligadas a pessoas que têm muitos contatos e próximas do

secretário) têm capitais elevados ou não, o que interessa é a intensidade dos seus padrões

de vínculo.

Como o perfil político-ideológico do prefeito é um dos condicionantes dos

investimentos, devemos acompanhar detalhadamente as características das administrações

municipais. A Tabela 6 a seguir apresenta essas informações.

Tabela 6 - Investimentos por administração (R$ 12/99) Prefeitos Total investido Investimento mensal Valor médio do doc Total aditado Aditado/gasto

Setúbal 2.521.209.196,81 49.435.474,45 1.908.561,09 289.960.566,98 0,17

Reynaldo 1.176.242.286,63 34.595.361,37 1.227.810,32 147.658.915,08 0,23

Curiati 223.549.677,54 18.629.139,80 1.039.765,94 17.945.595,29 1,04

Covas 239.722.839,34 7.732.994,82 228.525,11 18.591.122,87 0,42

Jânio 3.088.699.446,61 64.347.905,14 3.254.688,56 148.730.317,88 0,43

Erundina 195.359.903,33 4.069.997,99 458.591,32 6.399.902,65 0,64

Maluf 2.562.223.669,11 53.379.659,77 3.247.431,77 213.009.019,32 0,25

Pitta 595.853.041,48 12.413.605,03 3.152.661,60 127.681.685,41 0,10

Total 10.602.860.060,86 33.133.937,69 1.798.314,12 969.977.125,47 0,03

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

76 A regressão multivariada do logaritmo do total anual gasto, tendo como variáveis independentes a clivagem

direita/esquerda, a distância ao secretário média e o conjunto de vínculos secundários, apresenta estatística F de 14, 76

80

Iniciando pelo total investido (que inclui despesas executadas com contratos e com

aditamentos), pode-se observar de modo evidente que prefeitos de direita – especialmente

Setúbal, Reynaldo, Jânio, e Maluf - caracterizam-se por grandes volumes de investimentos

concentrados em contratos de grande porte, mesmo quando controlados pela duração

diferenciada de seus mandatos. O valor mensal investido nessas administrações é

extremamente superior aos valores mensais investidos em administrações de esquerda –

Covas e Erundina. Os valores aditados em administrações de direita também são

sistematicamente superiores quando comparados aos aditamentos realizados em governos

de esquerda. Dentre os governos de direita, apenas o de Curiati escapa a essa

caracterização geral, aproximando-se mais dos padrões de investimentos de governos de

esquerda, particularidade que talvez tenha origem no caráter efêmero de seu governo. O

governo Pitta, apesar de apresentar investimento total inferior à média dos governos de

direita, apresenta a maior relação aditamento/investimento dentre todas as administrações

(27%, valor acima do limite estipulado em lei – 25% do valor original do contrato). Isso

confirma informações veiculadas pela mídia e difundidas no senso comum que destacam o

empenho dessa administração na continuação do projeto político de seu antecessor, Paulo

Maluf. As informações da tabela indicam a presença de grandes valores investidos nas

obras iniciadas na administração anterior, através de aditamentos.

No outro extremo, segundo as macro-características das políticas implementadas,

temos os governos Covas e Erundina, ambos com volumes totais de investimento menores,

gastos anuais inferiores, volumes significativos de obras pequenas e médias pouco

aditadas, que foram vencidas predominantemente por empresas de menor porte.

Observando a Tabela 6, nota-se que os valores investidos mensalmente são

significativamente menores. Todas essas informações indicam que administrações de

esquerda privilegiam relativamente outros tipos de política que não as de infra-estrutura

urbana. Pode-se afirmar, portanto, que prefeitos de direita e de esquerda diferenciam-se

bastante quanto ao conteúdo de suas políticas, apesar das diferenças entre os

administradores de cada grupo (Marques e Bichir, 2001a)77.

Para dar ao leitor a dimensão da diferença dos valores médios da esquerda e da

direita, podemos destacar que o total anual médio gasto em governos de direita é cinco

vezes superior o de esquerda, e que o total aditado é doze vezes superior. O aditamento

médio mensal em governos de direita é de cerca de 3,30 milhões de reais, enquanto em

(Sig a 0,000) e R de 0,757.

77 Testes de médias entre direita e esquerda para todas estas variáveis indicam um padrão de enorme solidez, permitindo sustentar estas afirmações com significâncias sempre superiores a 99,9 %.

81

governos de esquerda é de 0,37 milhões reais mensais, em média. O capital médio das

empreiteiras vencedoras nas administrações de direita também é sistematicamente superior,

sendo a média dos vencedores de 80 % do valor gasto em cada administração de direita

próximo a 200 milhões de reais, enquanto a média dos mesmos grupos em administrações

de esquerda não ultrapassa 70 milhões de reais.78 .

As informações relacionais confirmam a importância da clivagem esquerda/direita.

Em administrações de direita, a distância média das empresas vencedoras é de 2 passos,

enquanto em governos de esquerda é de cerca de 3,3 passos. De forma equivalente, o

conjunto de vínculos primários e secundários das vencedoras em governos de direita

tendem a ser sistematicamente superiores aos vínculos das empresas em administrações

de esquerda.

O mesmo tipo de clivagem é observável parcialmente na concentração das vitórias, onde

governos de direita tendem a ter um padrão mais concentrado do que governos de

esquerda, embora a diferença entre os dois campos neste caso seja um pouco menor,

apesar de significativa. Essas informações serão expostas de modo mais detalhado no

capítulo 6.

78 Utilizamos informações sobre o capital social das empresas registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo

82

Capítulo 4: A dinâmica espacial dos investimentos e a

produção do espaço paulistano

Eduardo C. Marques e Renata M. Bicchir

O presente capítulo apresenta e analisa a distribuição espacial dos investimentos de

SVP no período estudado. A dimensão espacial das políticas estatais urbanas é certamente

a mais explorada pela literatura, especialmente a partir do ângulo de suas conseqüências

para as condições de vida em geral e para a construção dos diversos espaços da cidade.

Por essa razão, iniciamos o capítulo pela apresentação crítica das principais perspectivas

sobre o assunto. A seguir, apresentamos as principais dinâmicas espaciais presentes nos

investimentos de SVP. De forma a não introduzir enviesamento na distribuição das

inversões estatais, produzimos uma base espacial a partir de indicadores sociais. Os

resultados dessa etapa metodológica são apresentados na segunda seção, embora os

detalhes da etapa sejam descritos no Anexo 2, ao final do livro. A terceira seção, por fim,

apresenta as políticas em seus aspectos espaciais, descrevendo os perfis por governo, tipo

de obra e destacando com maiores detalhes os investimentos nas periferias.

Periferias, Estado e produção do espaço

As literaturas sociológica e urbana dos anos 1970 e 1980 caracterizaram as

periferias metropolitanas brasileiras pela completa ausência do Estado, exceto pelos

empreendimentos habitacionais massificados implantados a partir do final dos anos 1960.

Nossos espaços metropolitanos se caracterizariam por um gradiente decrescente de

condições de vida, inserção no mercado de trabalho e acesso à renda do centro para as

periferias. Os espaços periféricos seriam os mais distantes e de menor renda diferencial,

ocupados pela população de mais baixa renda e inserida de forma mais precária no

mercado de trabalho (Kowarick, 1979 e Bonduki e Rolnik, 1982).

De uma forma geral, o padrão espacial das carências e da segregação social teria

estabelecido um sólido e identificável “modelo metropolitano brasileiro”, construído nos anos

1960 no Rio de Janeiro e exportado para o resto do Brasil em uma “moda metropolitana”

(Santos e Bronstein, 1978). Para outros, o centro irradiador desse padrão de produção do

espaço estaria nas franjas dos espaços mais dinâmicos da “metrópole do

subdesenvolvimento industrializado” (Kowarick e Campanário, 1988), espaço central nos

83

processos de reprodução da “industrialização de baixos salários” (Maricato, 1996). Por

detrás de todas essas conceituações, estava a constatação empírica das precárias

condições de vida das periferias e da baixa presença relativa do Estado naqueles espaços.

Se havia consenso com relação às péssimas condições de vida nas periferias e, em

termos mais gerais, aos conteúdos concretos de cada espaço da metrópole, os processos

produtores do espaço eram objeto de descrições diversificadas e nem sempre compatíveis.

Para alguns autores, a completa ausência de intervenções públicas nos espaços

periféricos seria produto de mecanismos estruturais ligados à dinâmica mais geral do

sistema econômico (Bonduki e Rolnik, 1982), seguindo a literatura internacional hegemônica

de então, que derivava as principais características do espaço e as condições periféricas de

vida diretamente das dinâmicas da acumulação e das funções contraditórias cumpridas pelo

Estado na reprodução da sociedade capitalista (Castells, 1983 e Lojkine, 1981). Para outros,

o padrão de produção do espaço expressaria a associação entre poder econômico e político

na sociedade, levando a um circularidade das ações do Estado (Vetter, 1975). Em um nível

menos estrutural, outras pesquisas destacaram, seguindo os passos de autores como

Topalov (1974), as ações concretas de empreendedores privados e do mercado de terras

(Ribeiro, 1997), ou as estratégias dos consumidores de loteamentos, que “delegariam o

papel do informal”, expandindo a cidade de forma ilimitada (Santos, 1982).

Segundo o modelo teórico então amplamente hegemônico no campo dos estudos

urbanos, o Estado seria o responsável pela reprodução geral da dinâmica capitalista, tarefa

que ele cumpriria através de investimentos produtivos para auxiliar a acumulação

(viabilizando tanto a reprodução do capital quanto do trabalho) e, ao mesmo tempo, através

de gastos públicos que legitimassem a sociedade capitalista, ocultando o seu caráter de

classe. As políticas públicas urbanas representariam investimentos produtivos, já que

auxiliariam a reprodução da força de trabalho, viabilizada através do provimento dos

chamados bens (ou equipamentos) de consumo coletivo (Preteceille, 1981 e 1983).

Entretanto, estas mesmas políticas também incluiriam gastos improdutivos legitimadores da

ordem social, na medida em que ultrapassassem o patamar de condições de vida

necessário para a reprodução dos trabalhadores. Como os gastos para a legitimação

envolveriam um volume de recursos marginal, e os investimentos para a reprodução da

força de trabalho tenderiam a cair muito em momentos de crise, as condições urbanas de

vida para os trabalhadores quase sempre deixariam a desejar. Os conflitos causados por

este baixo padrão de vida seriam insolúveis na sociedade capitalista, se constituindo em

contradições do funcionamento do próprio sistema. Ao contrário da contradição principal,

entretanto, estas oporiam trabalhadores e Estado, ocultando o caráter de classe do conflito,

mas politizando-o de maneira concomitante (Castells, 1983 e Lojkine, 1981).

84

O rebatimento nacional desta perspectiva, que encontrou em Kowarick (1979) a sua

versão mais bem construída em termos teóricos, integrou em uma explicação o surgimento

do regime autoritário e a manutenção de patamares de pauperização muito elevados no

país, mesmo em momentos de expansão econômica acelerada, como durante o milagre

econômico (Kowarick e Brant, 1976). No Brasil, assim como em tantos outros países de

capitalismo tardio, a acumulação seria possível apenas através da manutenção de um vasto

exército industrial de reserva, que ao contrário de ser marginal, no sentido do debate sobre

desenvolvimento e marginalidade dos anos 1960, representaria um elemento indispensável

em nosso padrão de acumulação. Este processo apresentaria contornos tão selvagens que,

para usarmos a expressão de Kowarick (1979, 59), apenas um regime político autoritário

poderia sustentá-lo. O sistema só poderia funcionar submetendo o conjunto da força de

trabalho a padrões constantes de superexploração e espoliação urbana, sendo esta última

entendida como a sistemática exclusão das camadas populares do acesso aos serviços de

consumo coletivo. As periferias seriam o território da espoliação, e seriam construídas e

reconstruídas pelo Estado e pela própria dinâmica da acumulação.

Em um nível menos estrutural, outras pesquisas destacaram a luta concreta entre os

diversos atores sociais presentes na construção do ambiente construído pelo acesso a seus

benefícios (Harvey, 1982), e as ações concretas de empreendedores privados e do mercado

de terras (Ribeiro, 1997). Mesmo para esta literatura, entretanto, a luta política acabava por

ser determinada pelas estruturas, já que, em momentos de acirramento da luta política, o

Estado seria acionado (pelas estruturas) para garantir a manutenção do sistema, agir no

interesse do “capital em geral” ou mesmo de determinadas frações hegemônicas.

As raras abordagens amplas não estruturalistas também mobilizaram mecanismos

econômicos. Para Vetter (1975), por exemplo, a lógica das políticas públicas urbanas estaria

ligada à associação entre poder econômico e político na sociedade, levando a um

circularidade das ações do Estado. A produção do ambiente construído, portanto, seria

fortemente influenciada pela localização dos diversos grupos sociais na cidade, assim como

pela sua capacidade diferencial de influenciar as ações do Estado. Outros destacaram as

estratégias (econômicas) dos próprios ocupantes de loteamentos que, antecipando

processos de valorização da terra, atuariam como ocupantes da fronteira urbana,

expandindo a cidade continuamente (Santos, 1982).

De uma forma ou de outra, portanto, todas as correntes desta literatura da sociologia

e dos estudos urbanos dos anos 1970 e início dos 1980 mobilizaram mecanismos

estruturais e/ou de natureza econômica para explicar a conformação da cidade e as políticas

estatais, seja ligando-as ao modo de produção, em sua versão influenciada pelo marxismo

estruturalista francês, seja associando-as ao comportamento econômico de agentes sociais.

85

Ao longo da década de 1980, essa literatura foi sucedida por um outro conjunto de

trabalhos, que se tornaram crescentemente predominantes. Estes novos estudos

escolheram combater a paralisia analítica advinda dos determinismos macro-estruturais,

através da realização de um mergulho quase antropológico na direção do nível micro, à

procura dos atores, destacando o cotidiano, a experiência e a construção de identidades

como base de ações coletivas e mobilizações. Este deslocamento, apesar de ter produzido

importantes avanços e estudos de excelente qualidade, especialmente sobre movimentos

sociais (como Sader, 1988), acabou por conduzir a um novo impasse analítico, pela

reprodução de estudos localizados e muito pouco generalizáveis. Nas palavras de Kowarick

(2000), em sua versão mais extrema, a estrutura sem sujeitos dos estudos dos anos 1970

foi substituída pelo estudo de sujeitos liberados de qualquer constrangimento estrutural ao

longo da década de 1980.

Durante todo este longo percurso, os pontos cegos da literatura sempre foram a

política, entendida como campo onde se desenrolam lutas, estratégicas e conflitos reais de

resultado contingente, assim como o Estado, quase nunca tratado na sua complexidade de

conjunto heterogêneo de instituições dotadas de história, estrutura, identidade e interesses

próprios. Essa lacuna tem ficado cada vez mais evidente em período mais recente, quando

vários estudos têm demonstrado empiricamente processos não previstos, e em alguns

casos em flagrante desacordo com a literatura destacada acima. A partir do início dos anos

1990, uma primeira geração de estudos demonstrou a presença de intervenções públicas

nada desprezíveis, não apenas nos anos 1990 (D’Alessandro, 1999), mas já no final dos

anos 1970 (Jacobi, 1989, Watson, 1992; Marques 2000; e Bueno, 2000). Esses

investimentos não foram suficientes para inverter o perfil tradicional dos investimentos

públicos na direção das periferias, mas indicaram que os espaços periféricos não foram

totalmente desprovidos de intervenções públicas, como se considerava anteriormente79.

A primeira reação a essas evidências foi a defesa cega de pontos do paradigma

anterior ou, principalmente, a colagem conceitualmente desarticulada de novos elementos e

processos, tais como burocracia, hierarquias e quadro legal, a conceitos que derivam as

condições de vida de dinâmicas sistêmicas. Embora ganhando aparentemente capacidade

explicativa, esse deslocamento levou à introdução de fragilidades teóricas significativas na

79 Na verdade, essa questão se insere no debate mais amplo, e até certo ponto já superado, sobre a década perdida e

seus indicadores sociais. Cf. Faria (1992) e Guimarães e Tavares (1994). Em termos espaciais, entretanto, a questão ainda se coloca, pela significativa mudança no tecido periférico, que se tornou bastante heterogêneo. Aparentemente, a maior parte destes espaços vivenciou nos últimos 10 anos uma melhora generalizada dos indicadores sociais médios, com a manutenção de patamares muito ruins de condições de vida e acesso a serviços públicos em espaços muito localizados, mas bastante distribuídos no território. Embora a comparação seja difícil, as condições de vida nestes últimos parecem ser muito piores que as das “periferias da espoliação” dos anos 1970, talvez indicando a existência de “hiperperiferias” em nossas metrópoles - cf. Torres e Marques (2001).

86

literatura. Não queremos dizer com isso que seja possível, ou desejável, abandonar os

constrangimentos sistêmicos para a explicação da realidade urbana, mas gostaríamos de

destacar, ao contrário, a necessidade de integrar de forma analiticamente coerente a

estrutura com a ação, tomando como base as características que constituem o Estado e a

sociedade brasileiros. Essa tarefa obviamente é de grande envergadura, e embora já tenha

sido destacada anteriormente por autores como Kowarick (2000), não foi ainda enfrentada

coletivamente pela literatura. Só pode ser encarada como uma agenda coletiva de pesquisa

e, portanto, não é ambição do presente livro esgotá-la. Acreditamos, entretanto, que a

política e o Estado no nível urbano, compreendidos em sua complexidade, podem ser

excelentes pontos de partida para tal tarefa, inclusive por terem sido escassamente

explorados pela literatura. É neste sentido que a apresentação e a problematização dos

resultados da pesquisa que dá origem a este livro podem contribuir para a constituição de tal

debate.

Os investimentos no espaço

Para distribuirmos os investimentos no espaço, de forma a investigar os aspectos

redistributivos da política e as inversões realizadas nos diferentes tipos de espaço,

especialmente nas periferias, precisávamos de uma base espacial que ordenasse a

distribuição dos recursos. Essa etapa metodológica é necessária pela existência de alguns

milhares de contratos com abrangências espaciais distintas na pesquisa. Algumas dessas

contratações incidem sobre espaços limitados, mas outras atingem regiões inteiras da

cidade, sendo virtualmente impossível visualizar o processo sem alguma forma de

agregação e consolidação. Portanto, resolvemos construir uma base espacial especialmente

para o estudo, partindo da agregação de espaços pelas características sócio-econômicas

das suas populações. Esse procedimento tem por objetivo escapar dos problemas

metodológicos que adviriam da utilização de um modelo pré-concebido de distribuição dos

grupos sociais no espaço, como um modelo radial-concêntrico, ao longo de eixos de

transporte ou em setores circulares, induzindo o resultado final pela forma de agrupar as

informações, e seguem a mesma metodologia adotada em Marques (2000). Os espaços

descritos a seguir apresentam alguma heterogeneidade social interna, já que a escala de

análise é relativamente grande. Isso poderia trazer graves problemas para a análise da

distribuição da estrutura social no espaço, entretanto, como nosso objetivo é apenas

distribuir os investimentos, podemos considerar que nossos espaços delimitam áreas de

características suficientemente similares.

87

A base espacial

Para a construção da base espacial, partimos de informações sócio-econômicas

disponibilizadas pela pesquisa de Origem-Destino de 1997 da Companhia do Metrô (OD).

As informações foram agrupadas nos 96 distritos censitários utilizados pelo IBGE em 1991,

usando para tanto ferramentas de Sistema de Informações Geográficas.

Na construção da base, foram utilizadas as variáveis que se encontram descritas no

Anexo Metodológico. Elas fazem parte da pesquisa OD ou foram obtidas por manipulações

algébricas a partir das variáveis da pesquisa, incluindo informações referentes a estrutura

etária, migração, ocupação, escolaridade, renda, estabilidade do vínculo empregatício e

setor de atividade, em um total de 21 variáveis. Estas informações por distritos foram

submetidas a análise fatorial por componentes principais, sendo considerados os três

primeiros fatores. Os fatores apresentam a seguinte descrição:

Mapa 1: Distribuição do Fator 1 nos distritos

Fator 1: Elitização - separa unidades com populações nos extremos da estrutura

social: é positivamente correlacionado com alta renda e escolaridade, idade média,

presença de aposentados e pensionistas, emprego estável (ocupação constante e carteira

assinada), especialmente no setor de serviços financeiros e de crédito; com a presença de

88

profissionais liberais e empregadores; alta proporção de domicílios alugados, e é

negativamente correlacionado com proporção dos ocupados na indústria e na construção

civil. O Mapa 1 a seguir apresenta a distribuição do fator nos distritos. Como podemos ver,

trata-se de uma distribuição aproximadamente radial-concêntrica, com o centro deslocado

na direção sudoeste. É interessante observar que, de uma forma geral, essa distribuição

espacial equivale à da distribuição de renda segundo o censo de 2000 (Marques e Bitar,

2002), assim como da distribuição do que denominamos em outro trabalho de “ausência de

privação” (Torres e Marques, 2002).

Mapa 2: Distribuição do Fator 2 nos distritos

Fator 2: Consolidação do distrito - separa unidades consolidadas de unidades de

ocupação mais recente e de população jovem e em crescimento: é positivamente

correlacionado com idade média, aposentados e pensionistas, proporção dos ocupados no

setor de serviços, particularmente no setor de serviços creditícios e financeiros e

negativamente correlacionado com imigração recente para o bairro e para o município. O

Mapa 2 a seguir apresenta a distribuição do fator nos distritos.

Fator 3: Ocupação central - separa unidades com população precariamente inserida

no mercado de trabalho. O fator separa basicamente as unidades do centro da cidade de

todas as demais, sendo positivamente correlacionado com domicílios alugados, proporção

dos ocupados no comércio, trabalhadores autônomos, primeiro grau completo e

89

negativamente correlacionado com a proporção dos ocupados na construção civil e na

agricultura. O Mapa 3 apresenta a distribuição do fator nos distritos.

Mapa 3: Distribuição do fator 3 nos distritos

Como podemos ver nos Mapas, a distribuição dos fatores apresenta uma lógica

espacial visível. O fator 1 apresenta uma estrutura radial concêntrica, embora não perfeita.

Os fatores 2 e 3 apontam para fenômenos mais diretamente urbanos, sendo que o segundo

fator destaca basicamente os distritos de ocupação mais antiga e consolidada, e o terceiro

separa as ocupações mais centrais do restante da cidade80.

Esses três fatores foram submetidos à análise de cluster, que agregou os distritos

em seis grupos, além de uma unidade isolada. Esta unidade - Marsilac, a unidade mais ao

sul do Município - apresentou conteúdos muito diferentes de todas as demais,

especialmente pela presença expressiva de ocupados no setor agrícola. Por ser totalmente

atípica e não apresentar especial interesse para os investimentos e/ou para a política, a

unidade foi retirada da análise. Os seis grupos de unidades foram caracterizados pelos seus

fatores médios, representando o seguinte:

Grupo 1 – Centro (4 distritos, cerca de 150 mil habitantes). Esse é o único grupo

construído partindo não apenas dos conteúdos sociais das suas unidades (todas com o

80 Vale ressaltar que quase todas as variáveis de entrada da análise fatorial se referiam a atributos da população

moradora de cada local, e não do espaço em si. O fato de o resultado apresentar um comportamento espacial regular apenas comprova a solidez da análise, assim como a relação entre os espaços da cidade e a estrutura social.

90

Fator de ocupação central muito alto), mas também das atividades que lá ocorrem. Três das

quatro unidades (Sé, Brás e Bom Retiro) apresentam conteúdos muito similares, e a quarta

unidade (República) apresenta conteúdos sociais um pouco diferentes, especialmente pela

presença de maior escolaridade e renda que as demais (Fator de elitização mais elevado).

Considerando que a importância desses espaços para a cidade está muito mais relacionada

com as atividades localizadas na região do que com a sua população, optamos por agregar

as quatro unidades em um único grupo.

Grupo 2 – Pobres em bairros recentes (18 unidades, cerca de 2 milhões de

habitantes). Apresenta valores baixos em todos os fatores, em especial no de elitização.

Grupo 3 – Pobres em bairros consolidados (28 unidades, cerca de 3 milhões de

habitantes). Esse cluster é caracterizado pela estabilidade da ocupação e pela precária

inserção social da sua população, uma vez que apresenta valor elevado no Fator de

consolidação e baixos valores médios dos Fatores de elitização e de ocupação central.

Grupo 4 – Classe média baixa (19 unidades, cerca de 1,5 milhão de habitantes).

Valores altos no Fator de consolidação do distrito e médios no Fator de ocupação central.

Grupo 5 – Classe média (13 unidades, cerca de 1 milhão de habitantes). Apresenta

valor médio alto no Fator de elitização e valores médios baixos nos outros dois fatores.

Grupo 6 – Ricos (13 unidades, cerca de 1 milhão de habitantes). Esse grupo é

caracterizado por um alto grau de elitização, uma vez que apresenta alto valor médio no

Fator de elitização e muito baixo no Fator de ocupação central.

O Mapa 4 a seguir apresenta a distribuição dos distritos nos agrupamentos descritos

acima. A sua distribuição tende ao radial concêntrico embora mesmo nessa escala de

análise fique evidente a existência de inversões e descontinuidades, seguindo a combinação

entre os fatores (Mapas 1 a 3). Os ricos se localizam a sudoeste da área central e a classe

média se distribui relativamente ao seu redor. A classe média baixa tende a se posicionar

imediatamente a leste da área central, embora existam distritos com conteúdos similares a

norte e a sul. Em uma coroa intermediária temos os distritos que alojam prioritariamente

pobres consolidados e, em uma coroa externa a esses, os pobres em áreas recentes.

91

Mapa 4: Distribuição dos grupos de distritos - Município de São Paulo

Distribuição espacial dos investimentos por anos (1978 a 1998)

Os investimentos de SVP no período foram ent~/ao distribuídos pelos grupos da

base espacial e a observação da Tabela 7 nos permite iniciar a análise da distribuição

espacial da política. Observemos primeiramente o investimento total e proporcional em cada

espaço em todo o período, sempre dividido pela área dos distritos beneficiados, de forma a

reduzir o efeito das diferenças de escala entre distritos.81 Podemos perceber que há grandes

variações nos gastos em cada tipo de espaço, mas o maior volume geral de investimentos

dirigiu-se aos espaços de pobres em bairros consolidados (136 mil R$/ha, cerca de 24,4%

do total), seguidos pelas áreas de classe média (116 mil R$/ha, 20,7%) classe média-baixa

(96 mil R$/ha, 17,2% dos investimentos), e classe alta (80 mil R$/ha, 14,4%). Por último, e

com investimentos similares em termos proporcionais, surgem o centro (69 mil R$/ha, 12%

do total) e as áreas de população pobre em bairros recentes (61 mil R$/ha, 11%).

81 Vale observar que consideramos a hipótese de dividir os investimentos pela população de cada distrito, ao invés da

sua área, como havíamos feito em Marques (2000) para os investimentos em saneamento básico. Entretanto, consideramos ser conceitualmente mais apropriado para o presente caso a divisão pela área, já que os investimentos de SVP se

92

Tabela 7: Investimentos por tipo de espaço e ano (R$/ha de 12/99)

centro classe alta classe média

classe média baixa

pobre consolidado

pobre recente Total

1.975 143,93 347,59 371,84 533,12 1.314,60 148,18 2.859,27

% 5,03 12,16 13,00 18,65 45,98 5,18 100,00

1.976 3.875,98 1.405,63 1.122,62 1.051,09 1.228,79 364,43 9.048,54

% 42,84 15,53 12,41 11,62 13,58 4,03 100,00

1.977 1.010,10 549,65 186,94 786,38 135,36 56,76 2.725,19

% 37,07 20,17 6,86 28,86 4,97 2,08 100,00

1.978 1.861,10 6.391,13 2.711,73 7.734,53 12.280,54 4.155,10 35.134,14

% 5,30 18,19 7,72 22,01 34,95 11,83 100,00

1.979 3.747,13 1.702,20 11.538,76 4.346,45 5.441,61 519,45 27.295,60

% 13,73 6,24 42,27 15,92 19,94 1,90 100,00

1.980 1.135,76 1.352,17 7.824,76 5.896,06 11.905,28 6.190,43 34.304,46

% 3,31 3,94 22,81 17,19 34,70 18,05 100,00

1.981 2.422,58 862,49 13.851,32 6.974,41 8.327,73 3.934,64 36.373,17

% 6,66 2,37 38,08 19,17 22,90 10,82 100,00

1.982 169,35 240,57 4.214,40 6.182,04 11.323,34 3.765,72 25.895,42

% 0,65 0,93 16,27 23,87 43,73 14,54 100,00

1.983 10,60 482,61 509,03 5.863,36 1.061,70 2.897,21 10.824,51

% 0,10 4,46 4,70 54,17 9,81 26,77 100,00

1.984 0,18 84,02 123,26 421,82 1.440,47 1.131,55 3.201,30

% 0,01 2,62 3,85 13,18 45,00 35,35 100,00

1.985 0,03 495,99 732,18 4.176,70 4.142,74 3.154,76 12.702,40

% 0,00 3,90 5,76 32,88 32,61 24,84 100,00

1.986 - 730,09 3.272,69 8.667,78 7.585,96 2.314,23 22.570,75

% - 3,23 14,50 38,40 33,61 10,25 100,00

1.987 20.228,43 12.090,10 13.500,53 9.648,63 13.606,59 6.827,70 75.901,99

% 26,65 15,93 17,79 12,71 17,93 9,00 100,00

1.988 22.935,58 12.180,85 11.159,54 10.869,42 11.566,44 6.418,94 75.130,76

% 30,53 16,21 14,85 14,47 15,40 8,54 100,00

1.989 852,57 31,06 24,20 9,86 119,06 3,83 1.040,57

% 81,93 2,99 2,33 0,95 11,44 0,37 100,00

1.990 981,33 1.057,30 310,15 1.183,81 4.801,05 594,42 8.928,07

% 10,99 11,84 3,47 13,26 53,77 6,66 100,00

1.991 862,67 50,49 229,45 338,69 375,80 12,38 1.869,47

% 46,15 2,70 12,27 18,12 20,10 0,66 100,00

1.992 852,58 161,07 45,26 30,67 68,45 3,61 1.161,64

% 73,39 13,87 3,90 2,64 5,89 0,31 100,00

1.993 438,91 6.218,91 5.781,36 1.126,36 2.248,26 543,52 16.357,31

% 2,68 38,02 35,34 6,89 13,74 3,32 100,00

1.994 825,31 7.894,52 6.024,74 4.308,94 2.209,23 697,36 21.960,09

% 3,76 35,95 27,43 19,62 10,06 3,18 100,00

1.995 1.898,02 11.644,03 10.552,35 9.500,78 8.398,51 2.054,99 44.048,67

% 4,31 26,43 23,96 21,57 19,07 4,67 100,00

1.996 1.969,18 7.801,61 11.431,31 3.998,75 17.007,40 10.950,40 53.158,64

% 3,70 14,68 21,50 7,52 31,99 20,60 100,00

espalham e cristalizam sobre o próprio tecido urbano, ao contrário do saneamento, que atende a domicílio (e as pessoas) individualmente. De qualquer forma, os resultados são praticamente idênticos.

93

1.997 - 1.788,55 6.497,59 400,50 4.020,48 214,90 12.922,03

% - 13,84 50,28 3,10 31,11 1,66 100,00

1.998 120,27 2.813,09 2.125,06 1.164,87 3.897,58 462,81 10.583,68

% 1,14 26,58 20,08 11,01 36,83 4,37 100,00

1.999 2.508,44 1.992,58 1.868,45 811,98 1.632,82 3.354,67 12.168,93

% 20,61 16,37 15,35 6,67 13,42 27,57 100,00

2.000 - 37,11 3,73 88,77 40,90 0,52 171,03

% - 21,70 2,18 51,91 23,91 0,30 100,00

Total 69.270,57 80.734,57 116.450,05 96.550,23 136.803,18 61.029,05 560.837,65

% 12,35 14,40 20,76 17,22 24,39 10,88 100,00

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo e OD-97/Metrô.

Essa distribuição dos investimentos entra em desacordo com grande parte da

literatura, assim como o senso comum sobre as políticas de infra-estrutura no Brasil, para os

quais as áreas periféricas teriam recebido muito menos investimentos relativamente do que

as áreas habitadas pela população de mais alta renda e melhor inserida no mercado de

trabalho. As informações referentes aos investimentos da Secretaria de Vias Públicas

indicam que áreas periféricas receberam parcelas significativas proporcionalmente, ao

menos para aquelas periferias ocupadas há mais tempo.

A partir dessas verificações de investimentos, duas considerações são necessárias.

Em primeiro lugar, este volume de investimentos não é “óbvio”, como pareceria para

aqueles que associam diretamente os ciclos de investimentos em infra-estrutura urbana aos

padrões de crescimento da cidade, na construção de um “evolutivismo ou

desenvolvimentismo urbano”. Segundo esse raciocínio, áreas ocupadas há mais tempo

teriam mais infra-estrutura e, ao longo do tempo, todas as regiões tenderiam a ser objeto de

intervenção pública, considerando uma certa “fila de espera”. Como estamos tratando de um

espaço construído socialmente, não há uma relação linear e necessária entre crescimento

urbano e dotação de infra-estrutura: periferias podem continuar carentes de infra-estrutura

urbana muito após sua ocupação (e parte das periferias metropolitanas brasileiras

permanece nesta condição), e áreas já assistidas podem ter seu padrão de infra-estrutura

incrementado. Esta segunda dinâmica diz respeito inclusive à destruição da cidade existente

e já infra-estruturada, apenas para possibilitar a sua reconstrução imediatamente posterior,

gerando novos ciclos de atividade construtiva, apropriação de rendas fundiárias, ocupação e

uso do solo. Este processo está presente em inúmeras cidades, mas merece especial

destaque na cidade de São Paulo, construída e reconstruída em um processo

schumpeteriano de “destruição criativa” (Toledo, 1983).

Em segundo lugar, tampouco se aplica a consideração de um patamar “ótimo” de

investimentos por área, no sentido da engenharia urbana. Essa visão tecnicista

94

desconsidera o fato de que os investimentos em infra-estrutura urbana dependem da forma

específica de ocupação do solo em cada região, sendo, portanto, muito plausível a

ocorrência de diferentes ondas de investimento em um mesmo local, reforçando de maneira

circular as boas condições urbanas (Vetter, 1975), ou destruindo a cidade existente para

construí-la novamente, como destacado acima.

Retomando a análise da Tabela 7, o perfil dos investimentos ao longo do tempo

também apresenta interesse, especialmente pela descrição tradicional das periferias como

espaços fora da ação estatal. Temporalmente, a elevada proporção de investimentos nas

áreas consolidadas de pobres poderia referir-se a recursos muito recentes, o que seria

compatível com explicações do modelo do conflito. Como podemos ver na Tabela 7, não é

este o caso: os investimentos em áreas periféricas ocorrem antes do que se considera

usualmente, sendo as áreas de pobres recentes bastante beneficiadas entre 1980 e 1985,

assim como em 1996. As áreas de pobres em bairros consolidados receberam

investimentos proporcionais expressivos de 1975 a 1982, de 1984 a 1986, em 1990 e 1991,

assim como de 1996 a 1998 e em 2000. Em termos percentuais, os investimentos neste

setor chegam a ultrapassar 50% do total investido em 1990, e em 1975, 1982 e em 1984 se

aproximam desta percentagem.

A precocidade dos investimentos nas periferias colide com uma parte significativa da

literatura, pois, ainda no regime militar, com eleições indiretas (governadores) ou

inexistentes (prefeitos de capitais) para os governos locais, as periferias recebiam

investimentos vultuosos, relativamente. As regiões mais beneficiadas foram as sul e leste, o

que seria compatível com uma explicação baseada nos movimentos sociais. Essas regiões,

de acordo com Gohn (1991), Jacobi (1989) e Sader (1988), abrigaram movimentos

expressivos, embora localizados, na década de 1970. Entretanto, como tomar mobilizações

difusas e dispersas – de Clubes de mães a movimentos de saúde, passando por ocupações

de terra e reivindicações de creches - como elemento explicativo para investimentos em

infra-estrutura específicos, a maior parte deles localizados em outros bairros da mesma

região82? A compreensão mecânica do papel dos movimentos não explica esses

fenômenos, mas se consideramos as mobilizações como um dos elementos da mudança de

ambiente político que emoldura a passagem do regime autoritário para o democrático ou da

cena política no sentido de Sader (1988), podemos obter maiores progressos. Voltaremos a

esse ponto mais adiante.

82 Tentamos testar de inúmeras formas a coincidência entre a localização dos investimentos nos bairros e o início das

mobilizações mais importantes descritas pela literatura, mas não obtivemos resultados sólidos.

95

Vale retomar aqui o esforço estabelecido no capítulo 3 para testar a importância das

eleições na explicação dos investimentos. Isso porque, se não encontramos relação entre

ciclo eleitoral e investimento, alguém poderia argumentar que ainda assim poderia haver

uma relação entre ciclo eleitoral e investimentos em áreas periféricas, que concentram a

parte do eleitorado mais suscetível a políticas de constituição de clientelas. Assim, se

compararmos os investimentos nos espaços habitados por grupos sociais pobres com anos

de eleições, anos de eleições locais ou anos préeleitorais, poderemos testar a existência de

uma “conexão eleitoral” (Mayhew, 1974). A análise quantitativa indica resultados muito

similares aos já obtidos para o conjunto dos investimentos: as diferenças entre os volumes

absolutos e as proporções de investimentos em espaços de pobres recentes e consolidados

em anos eleitorais e não eleitorais são irrisórias, não sustentáveis estatisticamente e até

mesmo apresentam sinal contrário ao esperado em alguns casos, embora também sem

significância. Novamente, portanto, se existem fatores que poderiam levar ao

desenvolvimento mais intenso de políticas em áreas periféricas em anos eleitorais, esses

mecanismos são suplantados, por muitos outros na construção do perfil anual de

investimentos. 83 Em nossa opinião, a maior parte desses últimos fatores está relacionada

com os processos políticos que cercam as decisões de investimento, assim como com o

desenrolar da própria política pública.

Com relação às áreas mais periféricas, podemos sintetizar as evidências afirmando

que o perfil de investimentos apresenta uma dupla tendência. A primeira envolve

investimentos em áreas periféricas de ocupação mais recente, não muito elevados, mas

mesmo assim expressivos. Estes ocorrem antes do que se considera comumente, sendo

que alguns deles ocorrem ainda durante o regime militar, antes das eleições para

governadores (1980, 1981 e 1982) e quando movimentos urbanos expressivos ainda não

haviam se estruturado em associações mais amplas84. A segunda tendência atinge espaços

pobres de ocupação consolidada e envolve investimentos mais altos, que se iniciam mais

cedo e cobrem todo o período.

As áreas habitadas por grupos sociais mais bem inseridos socialmente também

merecem destaque. As áreas de classe média baixa apresentam valores proporcionais

elevados em 1977, 1978, 1982, 1983, 1985, 1986, 1995 e 2000. Merecem destaque os anos

de 1983 e 2000, quando mais de 50 % dos investimentos se localizaram nestas áreas. Os

83 Vale acrescentar que isso não equivale a dizer que não haja investimentos e políticas produzidos com interesses ou

mesmo obedecendo ao calendário eleitoral, mas significa que esses, mesmo que existam em quantidade razoável, não são determinantes do gasto público de forma mais ampla.

84 Ver Jacobi (1989), para os casos da saúde e do saneamento.

96

investimentos proporcionais em espaços de classe média também variaram bastante,

embora em patamar mais baixo, se concentrando no início e no fim do período – 1979 a

1981 e entre 1993 e 1998. As áreas de classe alta, apesar de não serem tão significativas

em termos de investimentos por área, receberam proporções elevadas dos investimentos

anuais entre 1976 e 1978, em 1987, 1988, e principalmente entre 1993 e 2000.

Distribuição espacial dos investimentos por administração

A observação dos investimentos de cada administração em cada tipo de espaço

indica o perfil mais ou menos redistributivo das inversões, reforçando a importância do perfil

político-ideológico da administração. A Tabela 8 a seguir apresenta essas informações.

Tabela 8: Investimentos por administração e grupos espaciais (R$/ha e %)

centro classe alta classe média

classe média baixa

pobre consolidado

pobre recente Total

Setúbal (D)* 9.701,46 9.970,65 13.047,21 13.364,96 19.040,49 5.114,06 70.238,84

% 13,81 14,20 18,58 19,03 27,11 7,28 100,00

Reynaldo (D) 4.565,68 2.740,45 26.316,77 16.532,93 26.311,47 11.823,98 88.291,28

% 5,17 3,10 29,81 18,73 29,80 13,39 100,00

Curiati (D) 102,10 291,15 2.617,47 5.438,49 6.937,07 3.102,05 18.488,32

% 0,55 1,57 14,16 29,42 37,52 16,78 100,00

Covas (E) 6,39 861,53 1.152,37 8.018,81 6.202,53 5.976,36 22.218,00

% 0,03 3,88 5,19 36,09 27,92 26,90 100,00

Jânio (D) 43.164,01 25.001,04 27.932,75 29.185,83 32.758,99 15.560,86 173.603,50

% 24,86 14,40 16,09 16,81 18,87 8,96 100,00

Erundina (E) 3.549,14 1.299,92 609,07 1.563,02 5.364,35 614,24 12.999,75

% 27,30 10,00 4,69 12,02 41,27 4,73 100,00

Maluf (D) 5.131,41 33.559,05 33.789,75 18.934,84 29.863,39 14.246,27 135.524,72

% 3,79 24,76 24,93 13,97 22,04 10,51 100,00

Pitta (D) 2.628,71 6.631,33 10.494,83 2.466,13 9.591,78 4.032,90 35.845,68

% 7,33 18,50 29,28 6,88 26,76 11,25 100,00

Total 61.310,48 77.811,13 114.211,76 92.743,08 133.335,91 59.886,76 539.299,12

% 11,37 14,43 21,18 17,20 24,72 11,10 100,00

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo.

*D = prefeitos de direita; E = prefeitos de esquerda.

Como podemos ver na Tabela, o governo Olavo Setúbal investiu mais, relativamente,

em espaços de pobres consolidados (27,1%), direcionando proporções equilibradas de

recursos entre espaços das áreas de classe média e da classe média baixa, em torno de

20%. Comparativamente, a sua administração destacou-se pelas elevadas proporções de

investimentos para a classe alta (14,2%) e para o centro (13,8%).

97

A administração de Reynaldo de Barros direcionou as mesmas proporções de

investimento para espaços da classe média e de pobres consolidados, aproximadamente

30% de seus recursos. Em outro patamar situaram-se seus investimentos nas áreas de

classe média baixa (18,7%) e de pobres recentes (13,3%). Reynaldo apresentou ainda

baixos investimentos relativos em áreas da classe alta e no centro.

A maior proporção de investimentos da administração de Salim Curiati ocorreu nas

áreas de pobres consolidados (37,5%), seguida pelas inversões nas áreas de classe média

baixa (29,4%). Sua curta administração caracterizou-se também pelos investimentos em

áreas de pobres recentes (16,7%) e de classe média (14%). Seus investimentos no centro e

nos espaços habitados pela classe alta foram inexpressivos.

A administração Covas destacou-se por seu caráter redistributivo, com elevadas

proporções dos investimentos destinados às periferias. Nesse governo, 36% dos

investimentos foram para áreas de classe média baixa, cerca de 28% para os espaços de

pobres consolidados e cerca de 27% para as áreas de pobres em bairros recentes.

O centro recebeu significativos investimentos relativos na administração Jânio

Quadros: 24,8%. A seguir, destacaram-se os investimentos em áreas de pobres em bairros

consolidados (cerca de 19%) e, em proporções muito próximas, os investimentos em áreas

das classes alta, média e média baixa (em torno de 15%).

A exemplo do governo Covas, a administração Erundina destacou-se por um padrão

distributivo de inversões, com os maiores investimentos relativos em áreas habitadas por

pobres em bairros consolidados (41,2%). Os investimentos na área central, a exemplo da

administração Jânio, também foram bastante significativos (27,3%), os maiores dentre todos

os governos.

Os maiores investimentos relativos em espaços de ricos encontram-se na

administração Maluf, com 24,9% de seus recursos destinados aos espaços da classe média

e 24,7% aplicados nas áreas de classe alta. Em outro patamar, destacaram-se seus

investimentos nas áreas de pobres consolidados (22%), nas áreas de classe média baixa

(13,9%) e de pobres recentes (10,5%).

Por fim, a administração Pitta pode ser caracterizada pelos expressivos

investimentos relativos em áreas habitadas pela classe média: 29,2%. Em segundo lugar,

nos investimentos de Pitta, se destacaram os espaços de pobres em bairros consolidados,

com cerca de 27% de seu total.

Para facilitar a visualização do caráter redistributivo das administrações, o Gráfico 3,

a seguir, apresenta as proporções de investimentos reagregadas em dois espaços polares –

98

das classes baixas (que incluem as áreas de população pobre em bairros recentes e em

bairros consolidados) e das classes altas (que incluem as classes média e alta).

Podemos ver que as administrações Maluf e Pitta se destacaram pela maior

proporção de investimentos destinados às áreas das classes altas, que receberam,

aproximadamente, 50% dos recursos destas administrações. A administração Jânio

Quadros, com menor destaque, também teve um saldo socialmente regressivo. Dentre as

demais administrações, Setúbal e Reynaldo apresentam um saldo levemente redistributivo,

mas as diferenças entre as proporções dos dois espaços são muito pequenas. Já as

administrações Curiati, Covas e Erundina apresentam perfis altamente distributivos, com os

investimentos destinados às classes baixas superando em muito os destinados às áreas de

classes altas. 85

Gráfico 3: Proporção dos investimentos por administração nos espaços polares

As proporções de investimentos nos espaços, portanto, demonstram mais uma vez a

importância do perfil político-ideológico do prefeito. A análise quantitativa confirma a

importância da clivagem ideológica para os espaços polares: governos de direita investem

sistematicamente mais em áreas das classes altas do governos de esquerda.86 Isso

85 Vale acrescentar que cruzamos esses dados com anos eleitorais, tentando mais uma vez testar a conexão eleitoral,

como descrito anteriormente, mas novamente sem sucesso. 86 As proporções médias de investimentos em espaços das classes altas de governos de direita e esquerda são de 37,4

e 11,2%, respectivamente. A diferença é significativa a 99 % de intervalo de confiança. Entretanto, embora governos de

99

confirma a impressão predominante da descrição dos investimentos por administração

apresentada na seção anterior, além de corroborar a clivagem ideológica entre governos

baseada na busca da equidade. Entretanto, as administrações de direita de Curiati, Setúbal

e Reynaldo apresentam um saldo redistributivo, embora este seja realmente destacado

apenas no primeiro desses governos. Como veremos na próxima seção, a análise mais

detida de algumas características dos espaços periféricos privilegiados por investimentos

em cada governo torna ainda mais relativo o aspecto redistributivo dos governos Setúbal e

Reynaldo, reafirmando a relevância da clivagem ideológica na explicação da política.

Investimentos na periferia

Como uma parte expressiva da população de mais baixa renda e pior escolaridade

habita as periferias e como o foco principal da literatura de estudos urbanos existente se

concentra nelas, detalharemos a análise para tais regiões. Observemos agora mais de perto

as intervenções realizadas por cada governo em áreas das classes baixas. Iniciamos pelos

investimentos agregados de cada administração nos espaços habitados por pobres recentes

e pobres consolidados, apresentados na Tabela 9 a seguir.

Tabela 9: Investimento nos espaços das classes baixas (R$ de 12/99)

Prefeitos Total periferia Total investido na administração % periferia

Setubal 1.195.411.026,72 2.521.209.196,81 47,41

Reynaldo 677.708.209,03 1.176.242.286,63 57,62

Curiati 95.434.142,81 223.549.677,54 42,69

Covas 169.071.840,36 239.722.839,34 70,53

Jânio 738.928.778,32 3.088.699.446,61 23,92

Erundina 111.568.631,13 195.359.903,33 57,11

Maluf 914.626.587,02 2.562.223.669,11 35,70

Pitta 138.715.802,67 595.853.041,48 23,28

Total Global 4.041.465.018,07 10.602.860.060,86 38,12

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo.

Como os volumes absolutos de investimento são muito variados em cada

administração, é mais ilustrativo observar os valores relativos, que indicam a importância

atribuída por cada administrador às regiões periféricas da cidade. Pode-se observar que,

assim como nos investimentos por área, Covas, Reynaldo e Erundina se destacam como

redistributivos, com respectivamente 70,5, 57,6 e 57,1% de seus investimentos voltados

esquerda invistam mais proporcionalmente em espaços das classes baixas do que governos de direita – 39,1 contra 33,1%, nesse caso a diferença não é significativa estatisticamente.

100

para as áreas periféricas, seguidos por Setúbal, com 47%, e Curiati, com 42% de seus

investimentos. No outro extremo, Jânio (23,9%), Maluf (35,7%) e Pitta (23.2%) destacam-se

pelos menores investimentos relativos nas periferias.

Esses dados, assim como as elevadas proporções de investimento por área em

espaços das classes baixas já citado anteriormente das administrações de Setúbal,

Reynaldo e Curiati poderiam depor contra as nossas constatações anteriores de que

prefeitos de direita são mais regressivos do que prefeitos de esquerda. Contudo, o caráter

distributivo desses prefeitos pode ser matizado se explorarmos mais detalhadamente a

heterogeneidade das áreas periféricas. Podemos tomar como indicador desta

heterogeneidade a presença, em cada distrito, de áreas construídas de alto e baixo padrão

construtivo, usando para tal a informação dessas áreas por quadra presente no mapa das

quadras fiscais da Prefeitura Municipal de São Paulo87.

Se realizarmos esse exercício para os distritos dos espaços das classes baixas

(pobres recentes e consolidados) e cruzarmos essa informação com os investimentos por

distrito em cada governo, descobriremos que na administração Reynaldo os investimentos

nos espaços das classes baixas estão estatisticamente correlacionados com a presença de

áreas de alto padrão nos distritos periféricos. Isto é, se essa administração investiu uma

parcela significativa dos seus recursos em áreas periféricas, como vimos antes, o fez

proporcionalmente à presença, nos distritos periféricos, de áreas de alto padrão construtivo.

O único governo de direita que subsiste como redistributivo é a administração Curiati, uma

vez que seus investimentos em áreas periféricas são localizados em distritos com alta

presença de áreas de baixo padrão construtivo, embora o coeficiente de correlação seja

baixo.88 Os investimentos do governo Setúbal não podem ser correlacionados de forma

estatisticamente significativa com a presença de áreas de alto e baixo padrão nos distritos

periféricos.

Essa informação sobre as áreas construídas descreve apenas a parte legalizada da

cidade. Haveria a possibilidade, portanto, de que os distritos com mais altas proporções de

alto padrão construtivo tivessem maior presença de favelas e loteamentos clandestinos, que

não são contabilizadas como baixo padrão, por fazerem parte da cidade ilegal. Com o

objetivo de checar esta possibilidade, analisamos como a proporção da população que mora

em favelas se relaciona com a presença de áreas construídas de alto padrão, já que não há

informações disponíveis para estimar com um erro apenas razoável a população habitante

87 Obviamente, as áreas de pobres recentes e consolidados tendem a apresentar proporções mais elevadas de áreas

construídas de baixo padrão que o restante da cidade – 0,48 %, contra 0,37 % dos demais distritos. A diferença das médias é significativa a 99 % de confiança, já considerando os desvios.

101

de loteamentos clandestinos e irregulares.89 De uma forma geral, a presença de áreas de

alto padrão ocorre onde é maior a população favelada, mesmo apenas nos distritos de

pobres90. Essa evidência confirma o caráter de mosaico da segregação social no espaço de

São Paulo (Marques e Bitar, 2002), apesar da estrutura historicamente segregada (Villaça,

2000) e dos processos de autosegregação construídos pela população de mais alta renda

(Caldeira, 2000). Para testar a influência de tal fenômeno, correlacionamos os investimentos

dos três governos citados em periferias com a presença de população moradora de favelas.

Não há correlação estatisticamente significativa entre os investimentos dos governos

Reynaldo, Curiati e Setúbal com a presença de população favelada e, portanto, as

evidências destacadas acima continuam válidas.

Mas os investimentos de cada administração por tipo de espaço não nos informam

sobre que parte do território da cidade foi beneficiado em cada momento ou, colocando de

outra forma, não nos indica que áreas de pobres foram beneficiadas em cada governo. Os

Mapas 5 a 13 apresentam essa informação, descrevendo dos investimentos totais por

governo em cada distrito, destacando apenas as áreas de pobres. Como o patamar de

investimentos de cada governo é muito distinto e a sua descrição já foi feita com as

informações das Tabelas anteriores, construímos 4 faixas de investimento para cada

governo, expressando a distribuição dos investimentos nas periferias de cada

administração. As faixas dos mapas, portanto, permitem uma comparação entre distritos de

um mesmo governo, e indicam as áreas, dentre os espaços de classes baixas, mais

beneficiadas em cada governo, independentemente dos patamares mais baixos e mais altos

de seus investimentos em áreas periféricas. A comparação entre governos destaca as

ênfases de cada administração. Como veremos nos Mapas, as áreas beneficiadas de um

governo para o outro mudam bastante, mas parece haver um certo padrão espacial de

investimento. Ao contrário do que se poderia prever a partir de uma compreensão de tipo

“desenvolvimentista” dos investimentos citada anteriormente, entretanto, o padrão não

guarda uma lógica temporal. Observemos os Mapas.

O Mapa 5 apresenta a distribuição dos investimentos da administração Setúbal por

distrito, destacando apenas as áreas pertencentes aos espaços de população pobre em

88 A correlação do governo Reynaldo é de 0,523, significativa a 99 % de intervalo de confiança. A da administração

Curiati é de 0,391, também significativa a 99%. 89 Utilizamos como estimativa da população favelada a informação da população dos setores subnormais da Contagem

Populacional do IBGE de 1996. Embora a definição do IBGE seja muito diferente da usada correntemente pela literatura de estudos urbanos (ligada à terra), a diferença numérica das populações considerando os dois critérios tende a não ser muito grande, ao menos no caso do município de São Paulo. Cf. Torres e Marques (2002) e Marques, Torres e Saraiva (2003).

90 A correlação entre presença de baixo padrão e proporção de população favelada é de 0,358, significativa a 99 %.

102

bairros recentes e consolidados. Os investimentos mais expressivos em periferias se

concentram no centro e no norte da zona leste, assim como no centro da zona norte, com

investimentos mais dispersos e significativos em alguns distritos da zona sul.

Mapa 5: Investimentos no governo Setúbal

O Mapa 6 apresenta os investimentos do governo Reynaldo em áreas de classe

baixas. Como vemos, a distribuição é bastante diferente da anterior, e as áreas mais

beneficiadas foram o sul da zona leste, a parte leste da zona norte e alguns distritos da zona

sul. As regiões mais extremas da zona leste se encontram entre as menos beneficiadas,

dentre as áreas de pobres.

103

Mapa 6: Investimentos no governo Reynaldo

O Mapa 7 apresenta a distribuição dos investimentos do governo Curiati em áreas de

pobres. A distribuição dos investimentos guarda certa semelhança com a da administração

Setúbal apresentada no Mapa 5.

Mapa 7: Investimentos no governo Curiati

104

O Mapa 8 apresenta a distribuição dos investimentos da administração Covas em

áreas periféricas. Como podemos ver, esta administração centrou seus investimentos em

áreas de pobres na zona leste, especialmente em sua porção mais extrema. As zonas norte

e sul, mas principalmente a primeira, apresentam-se como as regiões menos beneficiadas,

dentre as áreas de pobres.

Mapa 8: Investimentos no governo Covas

O Mapa 9 apresenta a distribuição dos investimentos em áreas periféricas do

governo Jânio. O Mapa mostra uma distribuição bastante similar ao padrão geral das

administrações Setúbal e Curiati.

105

Mapa 9: Investimentos no governo Jânio

O Mapa 10 apresenta a distribuição dos investimentos do governo Erundina. Como

podemos ver, esta administração apresenta a distribuição mais homogênea em termos

espaciais, investindo com destaque em áreas de pobres de todas as regiões, em especial a

parte central da zona leste, e quase a totalidade das zonas sul e norte. A região de menores

investimentos relativos foi a do extremo da zona leste.

Mapa 10: Investimentos no governo Erundina

106

Os investimentos em periferias do governo Maluf tiveram a distribuição apresentada

no Mapa 11. O padrão espacial volta a ser similar ao apresentado nos Mapas 5, 7 e 9,

correspondentes aos governos Setúbal, Curiati e Jânio, com uma elevada concentração dos

investimentos na zona leste e em alguns distritos do centro da zona norte e da zona sul. De

uma forma geral, podemos afirmar que essa distribuição tem pouquíssima relação com o

padrão de distribuição dos votos em candidatos de direita no Município em período recente

conforme apresentado em Figueiredo et al (2002) e em Novaes (1996). Embora a

quantidade de eleições investigadas pela literatura de forma espacialmente desagregada

seja muito pequena, não há relação aparente entre padrão de voto na direita e os

investimentos de administrações desse campo. Considerando que os investimentos

analisados aqui incluem a grande maioria dos recursos da área de engenharia urbana e que

essa se constitui no setor de política com maior visibilidade na cidade, seria de esperar

alguma relação entre essas dinâmicas, se o modelo de explicação do vínculo eleitoral já

discutido no Capítulo anterior tivesse alguma validade empírica.

Mapa 11: Investimentos no governo Maluf

O Mapa 12 apresenta a distribuição dos investimentos em periferias no governo

Pitta. O padrão é bastante similar ao do governo Maluf, assim como aos das administrações

Setúbal, Curiati e Jânio, embora o patamar geral seja inferior.

107

Mapa 12: Investimentos no governo Pitta

A comparação dos Mapas sugere que, excetuado o governo Reynaldo, todos os

outros governos de direita distribuíram seus investimentos de forma bastante similar, com

investimentos mais concentrados no centro da zona leste, no centro da zona norte e em

alguns distritos da parte oeste da zona sul. Os dois governos de esquerda, entretanto, não

investiram de forma similar entre si, com o governo Covas concentrando bastante seus

investimentos periféricos na parte mais extrema da zona leste, e a administração Erundina

investindo de forma bastante homogênea, mas não privilegiando a principal região

beneficiada por Covas. O governo Reynaldo apresentou uma distribuição bastante

particular, com forte concentração de investimentos no sul da zona leste e no oeste da zona

norte. O Mapa 13 a seguir apresenta a distribuição dos investimentos em periferias para o

total do período. Como o volume de recursos dos governos de direita é superior em termos

absolutos (e como há mais governos de direita), o padrão de distribuição do período segue,

em grande parte, a distribuição típica destes governos, destacada acima.

108

Mapa 13: Distribuição do volume total de investimentos no período (1975-2000)

109

Capítulo 5: A rede da comunidade e a dinâmica do poder

A análise de redes sociais parte do princípio de que inúmeros fenômenos sociais e

políticos podem ser analisados à luz dos padrões de relação entre indivíduos, grupos e

organizações presentes em uma dada esfera da sociedade (e do Estado). Estes padrões

constituem redes de diferentes tipos de vínculo em constante transformação, que se

apresentam para os atores sociais tanto como constrangimento quanto como possibilidade,

induzindo o comportamento dos atores e suas estratégias, e informando os seus projetos e

visões sobre o setor e a sociedade. Em um sentido mais amplo, as redes estruturam a vida

cotidiana. Essa compreensão do mundo social compõe uma ontologia relacional do social.

Levar em conta essa forma de estruturação do social constitui um primeiro patamar de

integração da análise de redes sociais à análise.

Entretanto, além de considerá-la, podemos lançar mão da análise de redes para

reproduzir analiticamente tais padrões, e tentar compreender a sua influência sobre vários

fenômenos sociais e políticos. Essa utilização da metodologia de análise de redes sociais

leva à reconstituição analítica destas redes, iluminando a sua influência sobre inúmeros

processos91. Neste caso, a análise de redes estará sendo usada não apenas como ontologia

do social, mas como método de análise. Na presente pesquisa, a exemplo de Marques

(2000), o estudo da rede ajuda a analisar a relação entre as esferas pública e privada no

desenrolar da política, assim como os padrões de relacionamento entre grupos no interior do

Estado e entre este e seu em torno imediato, aí incluídos políticos, empresas privadas e

órgãos representativos da comunidade dos engenheiros. Esse é o objeto do presente

capítulo e do que se segue.

Neste capítulo apresentamos a rede que estrutura a comunidade de políticas de

engenharia urbana, assim como a sua dinâmica ao longo do tempo, governo a governo. A

partir dela, discutimos a dinâmica do poder no interior da burocracia, seus grupos e relações

com o ambiente político mais amplo. O próximo capítulo explora a presença de empresas

privadas na rede.

91 É já bastante extensa a literatura internacional de análise de redes sociais, mas infelizmente a perspectiva foi muito

pouco explorada no Brasil até o momento. Para um balanço da literatura de redes em ciência política ver Knoke (1991). Para uma rápida resenha da literatura e, até onde vai o nosso conhecimento, o único estudo empírico de uma política no Brasil utilizando a metodologia, ver Marques (2000). Vale registrar que uma geração recente de estudos utiliza explicitamente a metáfora da rede mas não o método (Mota, 2001, Bezerra, 1999 e Pio, 2001, por exemplo), ou o incorpora de forma muito periférica, como é o caso de Olivieri (2001).

110

A rede do setor

A política de SVP é desenvolvida no interior de uma comunidade de políticas mais

ampla, que pode ser caracterizada como de “engenharia urbana”.92 Esta inclui as políticas

de infra-estrutura, de manutenção do ambiente construído e de serviços ligados ao

funcionamento da cidade, como transportes e limpeza urbana. Não entendemos a

comunidade profissional como um ator coletivo, como Immergut (1993), mas como um

ambiente, ou um campo no interior do qual atores coletivos ou individuais se relacionam e

agem. Considerando a centralidade dos órgãos estatais na definição das políticas públicas

no Brasil, as comunidades de políticas tendem a se centrar nas organizações estatais

presentes (Marques, 2000, Cap. 6).

A comunidade ampla de engenharia urbana é polarizada por vários órgãos públicos,

cada qual conformando uma subcomunidade – de limpeza urbana, de transportes, de infra-

estrutura etc. Se levantássemos informações referentes aos vínculos entre indivíduos em

cada uma delas, provavelmente encontraríamos redes de relações densas e relativamente

circunscritas a elas, cada qual centrada em determinados órgãos, mas ligadas entre si por

conjuntos limitados e pouco densos de vínculos, produzindo “pontes” entre elas.

Neste trabalho, analisamos com detalhes uma dessas subcomunidades – a de infra-

estrutura urbana. Entretanto, considerando o intenso padrão de migração no interior da

comunidade de engenharia urbana como um todo, o esforço analítico de delimitação da rede

de relações do setor de política93 não definiu aprioristicamente os seus limites, deixando que

estes fossem delimitados pelo trabalho empírico. Vale observar que no interior da rede da

nossa comunidade (que circunscreve a sub-comunidade da engenharia urbana que trata da

infra-estrutura), está incluído que denominamos no Capítulo 2 de rede de gestores de

direita. Esta se encontra interpenetrada com muitos outros indivíduos da comunidade e com

indivíduos de fora que participam da rede (e da política) de maneira pontual e periférica.

Em termos operacionais, para reconstruirmos a rede da comunidade de política de

infra-estrutura em São Paulo no período estudado, foram realizadas 24 entrevistas de

profundidade com funcionários de carreira, com técnicos que participaram da administração

em períodos determinados e com membros da comunidade dos engenheiros relacionados

com a política de SVP. O conjunto das entrevistas tentou dar conta de vínculos internos à

92 Seguindo Marques (2000), entendemos por comunidade “um campo associado a práticas profissionais e de saber

construído através da adesão a associações e organizações concretas, mas também, e principalmente, da comunhão de uma determinada visão da sociedade e do seu projeto de intervenção”. (p.41)

93 A expressão “setor” segue o seu uso pelas literaturas de sociologia econômica e da análise setorial de políticas públicas – conjunto de papéis sociais estruturados em torno de uma lógica vertical e autônoma de reprodução (Jobert e Muller, 1987). No interior desses setores interagem atores institucionais estatais e privados na produção de uma

111

Secretaria, referentes a seu em torno imediato – especialmente com a esfera política

municipal (destacando-se aí os vínculos com vereadores e administradores regionais) e com

as empresas privadas contratadas para a realização de obras e serviços.

Nas entrevistas, além de explorar aspectos do processo decisório e da história

institucional de SVP, obtivemos as informações necessárias para a recomposição da rede,

assim como o tipo e o momento do início de cada vínculo.94 Considerando a qualidade da

informação obtida para os tipos de vínculo, optamos por não utilizá-la diretamente. De forma

paralela, buscamos informações para caracterizar os indivíduos no interior da comunidade

mediante seus atributos, como gerações,95 setor predominante de atuação do técnico,

especialidade, e cargos ocupados em cada período. Estas categorias permitiram testar a

importância de cada tipo de atributo no padrão geral e em cada administração. Como

veremos, esse tipo de informação permite também a caracterização da estrutura da rede de

indivíduos, indicando padrões de superposição entre atributos, assim como a mobilização

diferenciada de certas regiões da rede (e de certos atributos) por grupos políticos

específicos. Realizamos ainda entrevistas visando esclarecer vínculos de empresas com

pessoas, que seguiram o mesmo procedimento utilizado nas entrevistas de vínculos entre

as pessoas.

De uma forma geral, as redes de relações apresentam dinâmicas marcadas

fortemente por dependência da trajetória (Pierson, 2000), sendo a rede em um determinado

momento composta por uma superposição da rede herdada de períodos anteriores com os

novos indivíduos e vínculos que nela entraram, subtraídos dos vínculos e indivíduos que

dela saíram. As redes tendem a apresentar, portanto, uma grande estabilidade em sua

estrutura e em sua composição geral, sendo relativamente singulares os momentos de

grande transformação. Entretanto, essa inércia histórica não representa determinação,

embora mudanças incrementais estejam acontecendo o tempo todo e, dependendo dos

processos políticos e institucionais que ocorrerem, a sua estrutura pode mudar

significativamente.96

determinada política. Definido nesse sentido, o setor difere muito do setor no sentido econômico – “segmento econômico controlado pelo setor privado” (Camargos, 1993).

94 Os tipos de vínculo incluíram: “familiar”, de “amizade”, “político”, de “trabalho ou institucional” e vínculo de “negócios” (que inclui todas as relações que envolvem de alguma forma dinheiro, inclusive, mas não somente, de maneira ilícita). Os momentos delimitaram administrações, já que as trocas de governo tendem a representar os principais momentos de mudança em redes de política pública.

95 Foram delimitadas 5 faixas de idade: geração 1 – geração mais antiga, com pessoas na faixa dos 80 anos, atualmente todos fora de atividade; geração 2 – funcionários aposentados, na casa dos 70 anos, com alguns ainda em atividade; geração 3 – pessoas em torno de 60 anos e em vias de aposentadoria; geração 4 – pessoas em atividade, em torno dos 50 anos; geração 5 – pessoas mais jovens em atividade, na faixa dos 40 anos.

96 Isto pode ocorrer de forma paulatina ao longo de um processo histórico relativamente longo, (ver o instigante estudo de Padgett e Ansell (1993), por exemplo), pode acontecer em um período curto pela ocorrência de outras dinâmicas

112

Na rede estudada por Marques (2000), a presença de uma forte influência histórica

era evidente, mas transformações institucionais relacionadas com a fusão de várias

empresas estatais no setor, assim como eventos políticos ligados principalmente à

alternância do poder no controle dos cargos institucionais mais importantes provocada pelos

resultados eleitorais, foram transformando a rede. No interior da rede, se consolidaram dois

grupos que passaram a polarizá-la em termos de poder, disputando entre si o controle da

política e estabelecendo em cada governo controle sobre os cargos mais importantes no

interior do setor, através dos vínculos com a classe política.

Como veremos, o elemento histórico também está fortemente presente no caso de

São Paulo, expressando o legado do setor, e a transformação paulatina dos padrões de

vínculo ao longo do período. Nesse sentido, embora historicamente construídas, as redes de

relações estão sempre em constante transformação. Esse elemento, que representa uma

das maiores fontes de riqueza dos fenômenos sociais, encerra ao mesmo tempo um dos

grandes problemas analíticos da perspectiva das redes, qual seja – como tratar a dinâmica

social. Em nosso caso, seguimos a decisão de pesquisa de Marques (2000) e recortamos o

período de acordo com as administrações municipais, considerando que os principais

vetores de transformação em redes de políticas públicas (e centradas em órgãos estatais)

são as mudanças de governo. Os períodos considerados incluem: “Início” (momento

imediatamente anterior a 1975); “Setúbal/Reynaldo/Curiati” (período que vai de 1975 a

1982)97; “Covas” (1983 a 1985); “Jânio” (1986 a 1988); “Erundina” (1989 a 1992); “Maluf”

(1993) e “Pitta” (1997 a 2000).

Outro elemento a destacar, e que confirma as informações levantadas em capítulos

anteriores, diz respeito à alta densidade e à grande complexidade da rede da comunidade

de política de infra-estrutura em São Paulo. Como veremos, há um grande número de

pessoas e empresas relacionadas entre si de maneira cruzada, o que indica a existência de

grande coesão e centralidade em torno de um único grupo hegemônico. Essa característica

da rede dificulta a visualização dos padrões de relações, sendo extremamente difícil

vislumbrar a rede através de sociogramas que incluam todos os nós e vínculos98.

Essa dificuldade já seria de se prever considerando o tamanho da rede, com mais de

200 pessoas relacionadas entre si. Esse problema é aumentado pelo fato da rede se

adensar cada vez mais ao longo do tempo, passando de aproximadamente 75 pessoas

relacionadas à rede (NNNNN Comando global) ou, mais raramente, pode se originar em dinâmicas abruptas que produzem grandes alterações no curto prazo (NNNN Comuna de Paris).

97 No caso dos períodos mais distantes no tempo, os entrevistados tinham dificuldade de precisar em quais dessas três administrações ocorreram certos processos, o que nos levou a agrupar esses governos em um único período.

98 Sociogramas são representações simples de uma dada rede, onde os nós expressam entidades (pessoas, empresas, associações etc) e as linhas representam vínculos entre eles de diversos tipos.

113

inter-relacionadas no Início (1975), para mais de 250 pessoas relacionadas na

administração de Celso Pitta (1997-2000). Entretanto, podíamos estar frente a uma rede que

cresce em tamanho, mas se torna mais simples em termos de estrutura, com a entrada de

vários grupos inseridos de forma periférica e pouco vinculada ao centro da comunidade. Não

é isso que acontece. A rede da política de SVP é caracterizada por alta densidade e grande

complexidade. Como veremos, essa estrutura relacional expressa, em termos de poder,

uma estrutura centrífuga com um único centro de supremacia incontestável e grande

permanência no tempo. Entretanto, apesar de complexa, a rede tende a ser muito estável e

não contaremos grandes mudanças na estrutura da rede, assim como nas posições dos

indivíduos em geral. Isso é verdade inclusive nos dois governos de esquerda, embora

nestes governos os principais detentores de cargos institucionais sejam indivíduos de for a

da comunidade que entram na rede. Essa evidência sugere que durante governos de

esquerda seus gestores conseguem apenas introduzir alguns novos indivíduos ou

subgrupos pontualmente, sem alterar a estrutura nem as posições e padrões de relações da

maior parte do restante da rede herdada de momentos anteriores. Ao final dos governos,

esses indivíduos se desligam ou permanecem no conjunto de relações, mas com papel

praticamente nulo na gestão e implementação da política.

De uma forma bem geral, poderíamos dizer que em redes de Políticas Públicas

marcadas por forte hegemonia política de um grupo e baixa polarização política, a

construção da gestão da política passa pela introdução de gestores externos, assim como

pelo isolamento dos elementos relacionais que podem significar veto às políticas.

Essas características tornam a compreensão da estrutura no sociograma muito

difícil, como podemos ver no sociograma das administrações Reynaldo/Setúbal/Curiati

apresentado a seguir apenas a título de exemplo.99

99 Para o processamento de todas as informações relativas a redes utilizamos os softwares Ucinet, Netdraw, Kracplot e

Mage, todos de autoria de Borgathi et al (2002).

114

Figura 1: Sociograma dos governos Setúbal, Reynaldo e Curiati

Vale notar que essa rede é uma das mais simples dentre as analisadas.100 A Tabela

10 a seguir apresenta informações agregadas governo a governo, permitindo caracterizar

essa dinâmica. Como podemos ver, o número de indivíduos cresce ao longo do tempo,

assim como a quantidade de vínculos entre eles (medida no caso pelo somatório de todos

os vínculos de todos os indivíduos – os Graus). A Tabela mostra também um notável

aumento de complexidade da rede, com uma explosão da presença de triplos de indivíduos

ligados entre si (medida pela presença de triplos não vagos) entre o Início e o governo

Jânio, com uma relativa estabilização a partir de então. Como resultado do aumento da

complexidade da rede, se reduziu paulatinamente a distância máxima entre os indivíduos

mais distantes entre si na rede.

100 Optamos por não incluir ou explicitar nomes de indivíduos em figuras, na descrição e na análise. As citações

pessoais ficam reduzidas aos ocupantes de cargos absolutamente singulares e que seriam identificados de qualquer forma pelo leitor, em especial prefeitos e secretários.

115

Tabela 10 – Indicadores escolhidos da Rede

Governos Início Reynaldo Covas Jânio Erundina Maluf Pitta Indivíduos 75 113 134 168 160 153 158 Somatório dos Graus 329 513 564 578 556 553 571 Triplos não vagos 204 1374 2064 2634 2328 2232 2334 Máxima distância (em passos)

11 8 8 9 8 7 7

Fonte: Entrevistas com membros da comunidade.

Considerando a dificuldade crescente de visualização gerada por esses fatores, a

análise realizada a seguir discute os principais fenômenos presentes na rede da

comunidade destacando seletivamente os elementos a observar nas Figuras. 101

Posições e estrutura da rede

Como já comentado, a estabilidade da rede da comunidade ao longo do tempo é

bastante grande. A estrutura da rede tende a ser bastante similar ao longo do tempo, assim

como as posições relativas dos grupos de indivíduos e dos funcionários dos diversos

setores. Por essa razão, em vários pontos da desta seção, omitimos os sociogramas de

determinadas administrações que se apresentavam redundantes.

Dentre as inúmeras perguntas que podemos tentar responder, talvez a mais simples

de todas – e que pode ser o nosso ponto de partida – diga respeito às características que

cercam as diretorias. Se realizarmos o exercício de ocultar no sociograma todas as relações

e indivíduos não conectados ao secretário de vias públicas, obteremos as redes centradas

diretamente nos ocupantes dos cargos mais importantes em cada governo102. A Figura 2 a

seguir apresenta a informação para os governos Reynaldo, Covas, Erundina e Maluf.103 Os

sociogramas dos governos Jânio e Pitta foram omitidos por serem bastante próximos do

correspondente ao governo Maluf, centrados no mesmo indivíduo como secretário

predominante.

101 É importante observar que as posições dos indivíduos e grupos expressam apenas a estrutura dos vínculos e

conexões, sendo completamente arbitrárias as posições esquerda-direita e superior-inferior. Os desenhos poderiam ser construídos de forma espelhada (multiplicando os valores por –1), sem a menor perda de sentido. Para melhor visualização das dinâmicas ao longo do tempo, entretanto, mantemos a mesma disposição em todas as figuras.

102 Tecnicamente o resultado desse procedimento é denominado em análise de rede de “ego-centered network”. Para uma descrição bastante detalhada sobre os principais elementos da análise Cf. Scott (1992) e Wasserman e Faust (1994).

116

Figura 2: Sociogramas da rede centrada no secretário

REYNALDO

COVAS

103 Desse três governos, apenas o de Erundina teve mais de um secretário. No caso desse governo, consideramos o

secretário que ocupou o cargo na maior parte da administração (3 dos 4 anos). Se realizássemos o exercício para o outro secretário, o resultado teria sido bastante similares.

Legenda

EmpresasPessoas

117

ERUNDINA

MALUF

Legenda

EmpresasPessoas

Legenda

EmpresasPessoas

Legenda

EmpresasPessoas

118

A observação da figura permite sustentar a existência de uma nítida clivagem

direita/esquerda. Como podemos ver, os sociogramas centrados no secretário dos governos

Reynaldo e Maluf são bastante extensos e densos, incluindo uma grande quantidade de nós

e vínculos. Os sociogramas dos secretários das administrações Covas e Erundina, ao

contrário, são simples e incluem uma quantidade limitada de nós e ligações. O destaque vai

para a rede da primeira administração de esquerda, com uma estrutura extremamente

simples. A Figura também no mostra que governos de direita apresentam quantidades

expressivas de empresas privadas em suas redes de relação direta.

Essa informação é complementada pelos dados apresentados na Tabela 11 a seguir.

A primeira linha da Tabela nos apresenta a estatística de eficiência de Burt (1992). O autor

desenvolveu novas medidas partindo da idéia de que as redes podem ter muitos vínculos,

mas mesmo assim apresentarem diversos “buracos estruturais” se ocorrer a presença

intensa de vínculos redundantes, acompanhada da ausência de relações em certas regiões

104. Assim, a medida apresentada basicamente desconta os vínculos redundantes em uma

dada rede egocentrada. Como podemos ver, as redes centradas nos secretários de

administrações de direita, além de maiores e mais densas, apresentam uma estrutura mais

eficiente, com tamanhos eficientes de 24 e 29, contra 10 e 12 de governos de esquerda.105

Tabela 11: Indicadores das redes egocentradas no secretário em Governos

escolhidos

Governos

Reynaldo Covas Erundina Maluf

Tamanho eficiente de Burt (ver texto e nota) 28,7

10,2 11,9 24,0

Total de Nós 27

9 14 28

Empresas 12 2 2 19

Pessoas da comunidade 13 1 1 8

Pessoas de fora 2 6 11 1

% de empresas 44,4 22,2 14,3 67,9

% da comunidade 48,1 11,2 7,1 28,5

% de fora 7,5 66,6 78,6 3,6

Fonte: Entrevistas com membros da comunidade.

104 A medida calcula o número de alteres menos a grau médio dos alteres na rede egocentrada, não considerando os

vínculos com o ego. Quanto mais alto o valor, mais eficiente a rede de um dado ego. Ver Borgatti et al. (2002), p. 162. 105 Da mesma forma que com os demais indicadores, não faria diferença se incluíssemos os demais governos, já que o

Tamanho eficiente das administrações Jânio e Pitta é de 26,6 e 24,0, respectivamente.

119

Além disso, como podemos ver as empresas representam cerca de 44 e 68 % das

entidades nas redes centradas nos secretários dos governos Reynaldo e Maluf, enquanto

alcançam apenas 22 e 14 % nas administrações Covas e Erundina, respectivamente. De

forma similar, governos de direita tendem a apresentar uma menor proporção de indivíduos

de fora da comunidade, quando comparados com administrações de esquerda. Nos

governos Reynaldo e Maluf, menos de 8 e 4 % dos nós presentes nas redes dos secretários

correspondiam a indivíduos de fora da comunidade, ao contrário dos governos Covas e

Erundina, quando essa proporção alcançou respectivamente 67 e 79 %.

Portanto, secretários de governos de direita tendem a ter redes densas de vínculos

primários, nas quais participam intensamente empresas privadas e indivíduos da própria

comunidade. Secretários de esquerda, ao contrário, tendem a ter redes menos densas, com

pequena presença de empresas privadas e muitas pessoas de fora da comunidade.

Mas, como se articulam essas redes centradas nos secretários com o restante da

rede por governo? Como a visibilidade dos sociogramas completos é muito pequena,

podemos ocultar os vínculos de menor força, definindo a força dos vínculos pela sua

freqüência de citação. Seriam fracos os elos citados apenas uma vez em qualquer das

entrevistas realizadas, sendo omitidos das figuras. Seguindo autores como Carroll e

Fennema (2002), podemos dizer que vínculos fracos são muito importantes para veicular

informação e produzir coordenação e ação conjunta, e os vínculos fortes estão mais

associados a controle e hierarquia106.

O resultado desse exercício é apresentado na Figura 3 a seguir. Destacamos

também na Figura as regiões da rede em que se localizam as diretorias, nos vários

governos. Como era de se esperar, a retirada dos vínculos fracos desconecta vários

pedaços da rede (tecnicamente denominados “componentes”).

106 A discussão em torno dos vínculos fracos e fortes é bastante ampla na análise de redes, iniciada pelo artigo seminal

de Granovetter (1973).

120

Figura 3: Sociogramas por governo com os vínculos fracos ocultados

(Diretorias indicadas)

Reinaldo

Covas

Jânio

121

Como podemos ver, os cargos mais importantes nos governos Reynaldo, Jânio,

Maluf e Pitta se localizam no componente mais importante da rede, que representa o centro

da comunidade a partir do qual se desconectaram os demais, quando da retirada dos

vínculos fracos. Podemos notar também que os ocupantes de cargos mais importantes em

governos de esquerda – Covas e Erundina - se localizam em componentes desconectados

da parte predominante da rede. Portanto, nesses governos os ocupantes de cargos de

direção se localizam em posições não centrais na rede da comunidade, ligada ao conjunto

da rede por vínculos fracos. No caso de administrações de direita, ao contrário, os

Erundina

Pitta

Maluf

122

ocupantes de cargos mais importantes, em especial o secretário, se localizam no centro da

rede.

A Tabela 12 a seguir complementa essa informação incluindo informações de

centralidade dos cargos mais importantes governo a governo. A medida corresponde a uma

estatística de centralidade baseada na quantidade de indivíduos que são alcançados a partir

de um certo nó com um dado número de passos, na qual quanto maior o valor, maior a

posição de centralidade do indivíduo.107 Como podemos ver, as centralidades do secretário

e do chefe de gabinete são sistematicamente maiores em governos de direita do que em

governos de esquerda, confirmando a informação da Figura 3.

Tabela 12: Centralidade de alcance de indivíduos escolhidos

Governos

Reynaldo Covas Jânio Erundina Maluf Pitta

Do secretário 87 78 114 69 94 97

Do chefe de gabinete 80 80 112 67 94 99

Fonte: Entrevistas com membros da comunidade.

De uma forma geral, essas informações corroboram os dados apresentados no

Capítulo 2 no que diz respeito à dinâmica dos cargos entre administrações.

A informação apresentada anteriormente na Figura 2 indicava também que diretorias

de governos de direita tendem a se localizar de forma mais próxima a empresas privadas do

que ocupantes de cargos de administrações de esquerda. Como aquela figura apresenta

apenas as redes primárias dos secretários, é importante que exploremos essa informação

de maneira mais sistemática. A Figura 4 a seguir apresenta os sociogramas da rede nos

governos Reynaldo de Barros e Luíza Erundina com os vínculos omitidos de forma a

aumentar a visibilidade da estrutura da rede. São apresentadas as redes de um governo de

direita (Reynaldo de Barros) e de um governo de esquerda (Luíza Erundina), já que a

posição de empresas e diretorias em cada um deles é exemplar do seu campo político-

ideológico, sendo a informação das demais administrações redundante.

107 Para maiores detalhes ver Borgatti, Everett and Freeman (2002), p. 169.

123

Figura 4: Diretorias e empresas nas redes dos governos Reynaldo e Erundina

REYNALDO

ERUNDINA

Como podemos ver, no governo Reynaldo a diretoria tende a se localizar de forma

relativamente dispersa à direita do campo. Na administração Erundina diferentemente, os

ocupantes de cargos importantes se localizam muito à esquerda no campo e de forma

124

bastante concentrada, havendo um único indivíduo localizado no centro e levemente à

direita do campo. Além disso, como a figura destaca as empresas privadas, podemos ver

que o lado da direita e a parte de baixo do campo da comunidade são as regiões ocupadas

predominantemente pelas empresas privadas presentes na comunidade. É evidente a

grande segregação existente entre as diretorias da administração de esquerda e as

empresas privadas, assim como patente a proximidade entre essas últimas e a diretoria do

governo de direita apresentado. No próximo capítulo voltaremos para esse fenômeno,

mostrando que essa diferença de padrão gera conseqüências para o padrão de vitória das

empresas – em governos de direita, quanto mais próxima do secretário uma empresa

privada está, maior tende a ser o valor total de suas vitórias. Em governo de esquerda,

diferentemente, não há relação entre posição na rede e volume de vitórias das empresas.

Sumarizando, podemos dizer que a rede nos indica que as diretorias de

administrações de direita tendem a ser muito bem integradas na rede da comunidade,

localizando-se junto a seu centro108. As redes de relacionamento primário de seus cargos

mais importantes tendem a conter muitos indivíduos da comunidade e muitas empresas

privadas e, no conjunto da rede, as diretorias tendem a se localizar próximas à região

ocupada preferencialmente por empresas privadas. Os cargos mais importantes em

administrações de esquerda, ao contrário, tendem a ser pouco conectados com a rede da

comunidade. Os detentores dos principais cargos tendem a ter redes primárias frágeis, com

poucas empresas e baseadas em vínculos com pessoas de fora, que entram na

comunidade de forma pontual durante essas administrações. No conjunto da rede, a posição

dos ocupantes dos principais cargos tende a ser bastante distante da região ocupada pelas

empresas e bastante periférica na sua estrutura.

Grupos

Como já citado no Capítulo 2, após a recomposição das redes de relações,

observamos a existência de diferentes grupos de pessoas no interior da Secretaria. Esses

foram delimitados mediante metodologia quantitativa apropriada, que envolveu

principalmente análise de agrupamentos (ver Anexo 2). Em termos gerais, os grupos

agregam indivíduos com padrões similares de relações na rede e intenso relacionamento

interno ao grupo. Apesar dos intercâmbios de indivíduos ocorridos entre as diferentes

administrações municipais, é possível observar uma relativa coerência e permanência dos

108 Em alguns casos não estaríamos equivocados se afirmássemos que as diretorias desses governos são o centro da

rede.

125

diferentes grupos ao longo do tempo. Em termos da dinâmica do poder no interior da

comunidade, os grupos representam unidades básicas de ação coletiva, estabelecendo as

estratégias e influenciando as alianças e apoios possíveis na dinâmica interna à rede, como

já sustentado por Marques (2000) e conformado nas entrevistas.

No Início, imediatamente antes do nosso período, a rede apresentava apenas três

grupos. No primeiro localizam-se todas as principais pessoas responsáveis pela definição

das ações da secretaria, tanto políticos (como os ex-prefeitos Jânio e Maluf) quanto altos

funcionários da Secretaria – chefes de gabinete, figuras de destaque na Secretaria,

superintendentes e diretores. Este grupo constituía o núcleo do poder decisório do período

cujas decisões subordinavam os interesses dos demais, conforme as informações obtidas

nas entrevistas. Por essa razão, o denominamos de “Hegemônico”.

Um segundo grupo presente naquele momento foi denominado de “Burocracia

Municipal”, por concentrar indivíduos pertencentes à burocracia da Prefeitura de São Paulo.

Encontram-se no grupo técnicos de fora de SVP oriundos de secretarias a ela relacionadas

no interior da comunidade mais ampla, como da Secretaria das Administrações Regionais,

da Secretaria de Serviços e Obras, de Convias, etc. Também faziam parte do grupo políticos

periféricos nos processos de decisão e alguns altos funcionários de SVP de outros períodos,

especialmente secretários da primeira geração, e alguns diretores de pequena importância

nesse momento. Já no grupo denominado “Projeto e Assessoria” encontram-se os

funcionários das primeiras gerações envolvidos com essas atividades. Esses indivíduos

estavam bastante distantes do núcleo do poder decisório e do mundo da política que

sempre rodeou SVP, sendo destacados nas entrevistas por suas destacadas características

técnicas, incluindo importantes calculistas da engenharia paulistana, como Paulo Sampaio

Wilken (da área de drenagem) e Roberto Zuccolo (da área de estruturas). Os indivíduos

desses dois grupos são os responsáveis pela formação - técnica e de visões de sociedade,

de prioridades políticas, etc. - da maior parte dos indivíduos que irão compor os quadros da

Secretaria nos momentos posteriores. Sua importância para a definição dos caminhos da

política, entretanto, é muito pequena.

Na constituição do primeiro momento da nossa rede – representado pelos governos

Setúbal, Reynaldo e Curiati – esses grupos se subdividiram, levando à presença de 6

grupos: “Reynaldo”, “Maluf”, “Técnico-políticos”; “Projeto e Assessoria” e “Burocracia

Municipal”; e “Periféricos. Os novos grupos “Reynaldo” e “Técnico-políticos” formavam o

núcleo do poder decisório nesse período, incluindo no primeiro grupo o então prefeito

Reynaldo de Barros e seus subordinados mais importantes. O segundo agrupamento era

composto pelos técnicos de maior destaque da comunidade de engenharia urbana, ou

126

técnico-políticos no sentido de Scheneider (1991),109 como o secretário de SVP,

administradores regionais, assim como o chefe de gabinete de SSO e superintendentes de

obras e projetos. Já o grupo “Maluf” engloba políticos do campo da direita relacionados

diretamente com Paulo Maluf, com atuação periférica nos processos decisórios da

Secretaria. Os grupos “Burocracia Municipal” e “Projeto e Assessoria” seguem as mesmas

composições observadas no início.

Na administração Covas, além dos grupos encontrados no período anterior, e que

mantêm basicamente a mesma composição descrita anteriormente, surge o grupo

“Técnicos” 110. Este grupo é composto por indivíduos que entraram em um concurso

realizado nesse período, quase todos eles incluídos no setor de projetos de SVP. Esse

elemento é importante e representou um eixo de renovação da comunidade apesar da

presença de membros de destaque da comunidade em cargos importantes. Dentre esses,

alguns se localizariam próximos ao núcleo do poder decisório posteriormente, mas outros

ficaram mais afastados das principais decisões, ligados basicamente à execução de projetos

e obras. A região ocupada por esses últimos técnicos foi a utilizada pelas administrações de

esquerda como apoio na comunidade para a implementação de suas políticas.

No governo Jânio, além dos grupos encontrados na administração Covas, é

constituído o grupo “Tecnólogos”, composto por indivíduos que entraram na Secretaria

através de um novo concurso realizado nesse período para esse tipo de profissional. Esse

grupo constituiu já de início fortes relações com o pessoal do setor de obras e com o núcleo

do poder decisório, mas houve certa tendência à sua sub-divisão em período posterior em

um segundo sub-grupo mais próximo ao grupo dos Técnicos.

Na administração Erundina mantém-se a composição dos grupos encontrados no

governo Jânio, com apenas algumas migrações pouco significativas de indivíduos de um

grupo para outro. O único elemento que merece destaque é a extinção do grupo “Burocracia

Municipal”, provocada pela aposentadoria (ou morte) da maioria de seus componentes.

Com o início do governo Maluf, o grupo de direita volta à Prefeitura e ao controle

setor de engenharia urbana, com a indicação de Reynaldo de Barros como Secretário de

109 Schneider (1991) estuda a promoção de políticas de industrialização no Brasil nos anos 1960 e 1970 e sustenta a

existência de 4 tipos de carreiras no Estado, os militares, os técnicos, os políticos e os técnico-políticos. Esse último grupo englobaria os indivíduos de formação técnica cuja carreira inclui com crescente centralidade ao longo de suas trajetórias a ocupação de cargos de destaque que envolvem não apenas a gestão técnica de políticas, mas também e principalmente a dinâmica do poder no Estado.

110 A migração de indivíduos entre grupos ocorre apenas raramente. O único caso importante diz respeito ao início do governo Covas. Dos 32 indivíduos do grupo Técnico-políticos no governo Reynaldo, mais da metade (19 indivíduos) migra para o grupo de Técnicos no governo Covas. Este novo grupo, portanto, é constituído inicialmente por uma mistura de pessoas oriundas do “Técnico-políticos” e recém ingressados na prefeitura. Entre os governos Covas e Jânio, 9 desses 19

127

Vias Públicas e presidente da Emurb. A exemplo da transição da administração Covas para

o governo Jânio, esse governo representa um momento de retomada dos principais cargos

do setor por membros da comunidade. Nesse momento voltam ao comando do setor alguns

dos participantes mais antigos da rede de gestores de direita, mas também técnicos mais

novos alçados a cargos importantes no governo Jânio e que haviam sido afastados após o

primeiro ano da administração Erundina.

Como já intensamente comentado, a administração Pitta representa, em inúmeros

aspectos, uma continuação do governo anterior. Isso também é visível na ocupação dos

principais cargos da área de engenharia urbana que, ao menos na primeira metade do

governo, permaneceram nas mãos do grupo de gestores de direita, e inclusive dos mesmos

indivíduos. Na segunda metade do governo a maior parte desses indivíduos se retira dos

cargos de chefia, e mesmo da Prefeitura, provavelmente como efeito combinado do

acentuado desgaste político da administração, da queda continuada de sua popularidade e

da intensa crise financeira do poder público paulistano. A partir desse momento os cargos

mais importantes da administração vivem um intenso processo de instabilidade, com

inúmeros indivíduos de fora das comunidades setoriais de política sendo indicados para

vários cargos, mas permanecendo espaços curtíssimos de tempo. A secretaria de Vias

Públicas, por exemplo, foi ocupada por 3 indivíduos no espaço de pouco menos de 2 anos.

Ao longo deste governo, entretanto, encontramos os grupos da administração Maluf.

A Tabela 13 a seguir apresenta os números de entidades (indivíduos e empresas)

em cada grupo em cada administração. Os nomes dos grupos tentam capturar as

características mais marcantes da maior parte de seus componentes.

Tabela 13: Número de entidades (indivíduos e empresas) por grupo e Administração

Governos

Grupo Início Reynaldo Covas Jânio Erundina Maluf Pitta

Total 75 113 134 168 160 153 158

Hegemônico 19 - - - - - -

Burocracia Municipal 36 23 20 8 - - -

Projeto e Assessoria 20 29 33 33 20 13 14

Reynaldo - 6 5 6 16 17 16

Maluf - 6 6 12 13 14 16

Técnico-políticos - 32 17 32 21 19 27

Periféricos - 17 19 29 33 30 31

Técnicos - - 34 31 41 37 35

Tecnólogos - - - 17 16 23 19

Fonte: Entrevistas com membros da comunidade.

indivíduos retornaram ao grupo de origem. Em todas as outras mudanças de governo a estabilidade dos grupos é notável,

128

Como podemos ver, o número total de indivíduos na rede tende a crescer até o

governo Jânio, para cair a partir de então. A principal causa desse movimento de queda está

na dinâmica geracional já apontada no Capítulo 2, que se faz presente também no declínio

paulatino do grupo denominado de Burocracia Municipal, composto basicamente por

técnicos da primeira geração e que se extingue no governo Erundina. O grupo “Projeto e

assessoria” também tende a experimentar um processo similar, com declínio acentuado a

partir do governo Jânio. O total geral de indivíduos volta a subir apenas no governo Pitta,

pela entrada de inúmeros indivíduos externos à comunidade em cargos de chefia nos seus

últimos dois anos daquele governo. A entrada de novos grupos na rede responde

principalmente pela constituição dos grupos “Técnicos e Tecnólogos”, iniciados em

momentos de ingresso concentrado de indivíduos nos concursos realizados nos governos

Covas e Jânio. A partir do governo Erundina a troca de indivíduos entre grupos cai

drasticamente e a rede tende a se estabilizar.

Apesar da dificuldade de delimitação dos espaços na rede ocupados por cada grupo,

devido às intensas relações entre eles, a maior parte dos grupos possuem localizações

características. A observação do sociograma da Figura 5 a seguir, correspondente à

administração Erundina, auxilia o entendimento.111 Como no caso das Figuras anteriores,

não faria muita diferença se incluíssemos sociogramas de outras administrações, e

novamente optamos por apresentar um governo localizado no meio do período estudado. As

posições observadas, portanto, podem ser consideradas como características dos grupos,

exceto quando especificado em contrário no texto. São apresentados na figura apenas os

indivíduos pertencentes aos grupos, sendo omitidas empresas.

em especial dos grupos Maluf e Reynaldo.

111 Assim como nas Figuras anteriores, ocultamos os vínculos para facilitar a visualização.

129

Figura 5: Grupos no governo Erundina (vínculos ocultados)

Em termos políticos, ao final do governo Jânio a esquerda obteve a sua primeira (e

única) vitória eleitoral do período. Ao contrário do que havia ocorrido com as administrações

de direita anteriores, o grupo de esquerda que entrou no comando da administração

paulistana em 1988 era completamente diferente do outro grupo de esquerda que havia

ocupado o executivo a partir de 1982, com Mário Covas como prefeito indicado. No governo

Covas também encontramos ocupantes dos cargos mais importantes de fora da

comunidade, em especial o secretário Antônio Arnaldo de Queiroz e Silva, de confiança

pessoal do prefeito e trazido da iniciativa privada, assim como de sua equipe de auxiliares

mais diretos, boa parte deles egressos da Companhia do Metrô. Entretanto, a maior parte

dos cargos intermediários foi ocupada por técnicos da própria comunidade, vários deles

pertencentes aos grupos mais centrais no processo decisório do setor. Graças a isso, como

vimos nas tabelas 4 e 5 do Capítulo 2, a centralidade dos grupos mais próximos ao campo

da direita em nível municipal permaneceu relativamente alta ao longo de toda essa gestão.

O governo Erundina, diferentemente, trouxe um grupo inteiramente de fora da

comunidade para controlar o setor de engenharia urbana, escolhendo como secretários

Paulo Otávio Azevedo, técnico e sindicalista do Metrô e Delmar Mattes, geólogo e técnico

da Emplasa. Junto com eles foram trazidos para a comunidade grupos inteiros de técnicos.

Essa decisão tinha certamente origem em uma tentativa de controlar o governo com

indivíduos de confiança do partido, mas também se devia, segundo entrevistas, às intensas

130

desconfianças que os membros do novo governo nutriam dos quadros técnicos municipais

da área de engenharia urbana, tanto em termos políticos, quanto éticos.

Assim, durante essa administração indivíduos de fora da comunidade ocuparam os

principais cargos. Durante um primeiro momento, técnicos da comunidade ligados à rede de

gestores de direita chegaram a ocupar chefias e cargos de confiança intermediários, sendo

inclusive mantidos quadros importantes da gestão Jânio, como já vimos no Capítulo 2.

Entretanto, a partir do final do primeiro ano de governo, mesmo esses cargos passaram a

ser ocupados por pessoas de fora, ou por técnicos concursados recentemente pertencentes

ao grupo de “Técnicos”. A maior parte dos técnicos desalojados nesse momento retornaria

no governo Maluf se tornando, nesse governo, o centro da rede dos gestores da direita.

Como podemos ver na Figura, os grupos “Maluf” e “Reynaldo” se situam no espaço

inferior e à direita, também “habitado” pelas empresas privadas, como já vimos. Embora

esses sejam classificados como dois grupos distintos, sua proximidade e a estabilidade de

suas posições sugerem quase a formação de um único grupo.

Já o grupo “Técnico-políticos” apresenta posição constante no centro da rede. Essa

posição confirma as informações obtidas em entrevistas, que caracterizam esse grupo como

integrador da rede da comunidade, tanto em governos de direita, quanto em administrações

de esquerda. Entretanto, a importância dessa atividade é maior nas administrações de

direita, dada a maior participação da rede nos seus processos decisórios. Esse grupo é o

mais importante detentor de poder posicional, associado ao controle sobre conjuntos

significativos e importantes na estrutura da rede, por estabelecerem pontes e atividades de

intermediação.

Como vimos, a maior parte dos cargos em administrações de direita se localiza na

região da rede ocupada por esses três grupos, indicando que se incluem aí os principais

operadores da política de infra-estrutura viária típica da direita paulistana. Esses são os

principais detentores do poder institucional, oriundo da investidura de cargos e associado ao

controle sobre as atividades de comando do Estado.

No espaço superior e à esquerda localiza-se de forma coesa e estável o grupo dos

“Técnicos”. Estão incluídos no grupo indivíduos envolvidos com aspectos operacionais e

técnicos das diferentes políticas de SVP, sem tantos vínculos com o núcleo do poder

decisório. Uma parte expressiva do grupo ingressou na comunidade em um concurso

público realizado no governo Covas. Como vimos, a região ocupada por esse grupo coincide

131

com a ocupada pela maior parte dos cargos em governos de esquerda, indicando que esse

grupo representa o centro do poder institucional em tais administrações112.

A posição e a estrutura do grupo dos “Tecnólogos” também são bastante estáveis.

Esse grupo inclui principalmente indivíduos ingressados na Secretaria por concurso

realizado no governo Jânio. Sob o ponto de vista de suas posições na rede, há dois

subgrupos observáveis – um primeiro próximo do grupo “Reynaldo” e do pessoal do setor de

Obras (à direita e acima); e outro próximo ao grupo dos “Técnicos” (à esquerda e ao centro).

Como vimos na Tabela 13, os grupos Burocracia Municipal e Hegemônico

declinaram e desapareceram, e por essa razão não se apresentam representados na Figura

5. Os demais grupos - “Periféricos” e “Projeto e Assessoria” são muito dispersos em toda a

rede sugerindo que, apesar da similaridade interna dos padrões de vínculos, seus membros

apresentam proximidade com grupos muito diversos na rede.

Vale acrescentar, comparando as Figuras 4 e 5 que, tanto em governo de direita

quanto de esquerda, os membros das diretorias representam uma certa composição na rede

– incluindo sempre indivíduos dos grupos do secretário/prefeito, mas também de outros

grupos próximos a estes. Esta composição é relativamente ampla e tende a incluir

elementos de grupos distantes do secretário, embora a quantidade de participantes na

diretoria caia à medida que a distância ao secretário cresce.

No caso do Rio de Janeiro também ocorria uma composição – as diretorias incluíam

pessoas de grupos diferentes ao do grupo do presidente da companhia, mas nunca incluíam

membros de grupos localizados no lado oposto do campo oposto. Essa restrição também

está presente em São Paulo, embora a polarização política existente na rede paulistana não

seja construída entre grupos de indivíduos da comunidade, mas entre grupos da

comunidade e grupos de fora que entram na rede e se associam de forma tênue. Apenas

em governos de direita os detentores do poder institucional são técnicos do setor. Em

governos de esquerda, os detentores do poder institucional são indivíduos de fora da

comunidade que entram nela através de associações com membros do grupo dos

“Técnicos". Esses recebem em troca cargos de chefia intermediária, tendo acesso apenas

nesses governos a poder institucional.

O núcleo do poder institucional, portanto, está sempre abaixo em governos de direita

e acima e à esquerda em governos de esquerda. Esse últimos optam por conectar os seus

gestores (que detém poder institucional) ao grupo mais distante dos grupos hegemônicos

em governos de direita (assim como de suas decisões), que é o grupo dos “Técnicos”.

112 Esta informação é confirmada pelo cruzamento entre cargos e grupos já apresentados nas Tabelas do Capítulo 2.

132

Como veremos a seguir, não por acaso esse grupo se localiza na região da rede ocupada

majoritariamente por indivíduos do setor de projetos.

Sob o ponto de vista da dinâmica do poder, entretanto, merece destaque também o

grupos “Técnico-políticos”, que em governos de direita tem acesso ao poder institucional e

integra os grupos na rede, sendo o mais importante detentor de poder posicional. Em

governos de esquerda a sua importância também não é desprezível, já que também nesses

casos o grupo opera a integração entre grupos da rede essencial para a implementação

concreta das decisões tomadas.

Setores

A distribuição dos grupos pelo campo apresenta relação com as partes da rede da

comunidade ocupadas tipicamente pelos técnicos dos principais setores de SVP. A Figura 6

a seguir apresenta a distribuição dos técnicos dos setores de obras e projetos de SVP no

governo Erundina, omitidos os vínculos, assim como as empresas e os indivíduos de fora da

Secretaria de forma a melhorar a visualização da rede. Poderíamos apresentar a rede de

qualquer governo, visto que a variação no padrão geral de localização dos indivíduos por

setor apresenta caráter bastante inercial e muda muito pouco entre administrações.

Figura 6: Setores no Governo Erundina (vínculos ocultados)

133

Como podemos ver na Figura, os indivíduos do setor de obras tendem a localizar-se

em uma ampla faixa ao longo do perímetro da rede à direita, do extremo inferior ao lado

direito acima. Os indivíduos do setor de projetos, diferentemente, se localizam à esquerda e

acima principalmente, embora haja um pequeno subgrupo que se localiza à direita e acima,

junto ao pessoal de obras. O pessoal do Gabinete do secretário tende a se localizar no

centro e acima.

Embora não haja equivalência entre pertencimento a grupos e o setor em que um

indivíduo trabalhou de forma predominante, há superposições significativas, como podemos

ver comparando as Figuras 4, 5 e 6. Os grupos Hegemônico, Reynaldo e Maluf tendem a

incluir ocupantes de cargos de governos de direita e do setor de obras. O grupo de Técnicos

tende a incluir predominantemente ocupantes de cargos em governos de esquerda e do

setor de projetos. O grupo dos Tecnólogos tende a incluir quase exclusivamente pessoas do

setor de obras. Os grupos de Técnico-políticos, Projeto e Assessoria e Periféricos não

apresentam nenhuma especialização em termos de setor.

Síntese da estrutura da rede

Em termos sintéticos, podemos observar a estrutura geral da rede na figura a seguir.

Essa não é produto de um sociograma, mas uma síntese da análise apresentada até o

momento. A sua observação auxilia a nossa compreensão sobre a dinâmica entre os

poderes de tipo institucional, posicional e econômico.

134

Figura 7: Síntese das posições e da estrutura da rede

Como podemos ver, o poder posicional tende a se localizar principalmente no centro

da rede, pelos grupos que realizam a mediação. O poder institucional em governos de

esquerda está no alto à esquerda, superposto com o setor de projetos e associado ao grupo

de técnicos. Em administrações de direita, o poder institucional tende a se localizar no

espaço inferior, junto com os grupos Reynaldo, Maluf e Técnico-políticos e superposto com

o setor de obras. O poder econômico (das empresas privadas) tende a se localizar abaixo,

junto ao poder institucional em governos de direita e longe do mesmo em administrações de

esquerda.

135

Capítulo 6: Padrões de intermediação de interesses,

permeabilidade no setor e padrões de vitória de

empreiteiras

Eduardo C. Marques e Renata M. Bichir

O presente capítulo analisa os principais vencedores das licitações de SVP, assim

como os condicionantes de seus padrões de vitória. Analisamos os padrões de vitória de

empreiteiras em licitações, encontrando um padrão extremamente concentrado. Na

explicação deste padrão, destacamos a importância das relações entre indivíduos, grupos e

entidades, no interior da comunidade de políticas de engenharia urbana, utilizando

analiticamente a categoria permeabilidade para dar conta dos limites e interpenetrações

entre público e privado no desenrolar da política. A especificação da permeabilidade foi

possível pelo estudo detalhado dos vínculos entre indivíduos e empresas, utilizando análise

de rede sociais. O estudo da rede mostrou que o padrão concentrado de vitórias dede

empresas privadas em licitações podia ser explicado pelas posições ocupadas por elas na

rede da comunidade em cada governo, assim como por variáveis representativas do

ambiente político mais amplo. Os resultados reafirmam as diferenças entre administrações

de esquerda e direita, indicando que essas tendem a desenvolver padrões diferentes de

permeabilidade e intermediação de interesses, e que as diferenças entre os padrões

encontrados aqui e os do caso do Rio de Janeiro são explicados pelas diferenças do

ambiente político, assim como principalmente por suas respectivas estruturas institucionais.

Redes e permeabilidade no Brasil

Para uma parte significativa da literatura de ciências sociais, assim como para

praticamente todo o senso comum, o Estado brasileiro teria como uma de suas principais

características sua interpenetração com atores privados. Esse elemento constitutivo teria

como consequências a formação de “anéis burocráticos”, que englobariam grupos do

Estado e do setor privado (Cardoso, 1970), a privatização e a segmentação do Estado (Grau

e Belluzzo, 1995) ou mesmo a constituição de políticas sociais altamente privatizadas no

que diz respeito aos principais beneficiários (Draibe, 1989; Oliveira e Teixeira, 1985 e

Maricato, 1987). A origem de tal fenômeno estaria, em sentido macrosocial, nas próprias

relações entre Estado e classes dominantes no Brasil (Cardoso, 1970), mediadas por

136

“círculos de interessados” que substituiriam as “organizações intermediárias” – partidos,

sindicatos e organizações voluntárias – pouco importantes na canalização de interesses no

país, ou então no desenho equivocado das instituições brasileiras, que incentivariam o

personalismo, o clientelismo e a corrupção (Geddes e Ribeiro Neto, 2000; Silva, 1999 e

Fleischer, 1997). Em uma dimensão mais microsocial, a origem dos problemas estaria na

presença do “individual, ... inserido no Estado, ... na determinação do interesse público”

(Grau e Belluzzo, 1995), na continuada presença de hierarquias, mesmo após a

disseminação dos mecanismos de mercado (Lanna, 1997), na importância das relações

pessoais na estruturação do poder político, mesmo no interior da sociedade contemporânea

brasileira (Bezerra, 1995 e 2000), na dissociação entre indivíduo e pessoa nas relações

sociais brasileiras (da Matta, 1978). Em uma outra visão, esse padrão resultaria na

manutenção de práticas de troca restrita concomitantemente com o desenvolvimento de

padrões de troca generalizada, o que levaria à persistência da gramática política do

clientelismo, mesmo que interpenetrada com as gramáticas do corporativismo, do

insulamento burocrático e do universalismo de procedimentos construídas posteriormente

(Nunes, 1997).

A literatura tem constatado o fenômeno e destacado de suas consequências em

sentido mais macro social. Apesar disso, a literatura brasileira de ciências sociais não tentou

descrever detalhadamente a interpenetração entre Estado e agentes privados, nem

tampouco compreender os processos através dos quais esta é produzida e reproduzida no

cotidiano da vida política brasileira. Talvez por essa razão, uma parcela significativa dos

diagnósticos recentes sobre a crise do Estado brasileiro presentes no debate acadêmico,

assim como os receituários para a sua solução presentes no debate político, sejam muito

abstratos, ou excessivamente formalistas. No primeiro caso, as análises podem ser úteis na

construção de uma crítica aos pressupostos do debate, mas dificilmente levam à construção

de alternativas113, enquanto no segundo se creditam possibilidades quase ilimitadas à

reforma institucional e às mudanças de desenho, sem considerar devidamente a dinâmica

política ou o funcionamento concreto de agências e instituições114.

Em período recente, alguns estudos começaram a construir um campo analítico que

permite compreender os padrões de relação entre público e privado no Brasil com maior

complexidade e de forma mais precisa. Em todos os casos essas análises não tentam

113 Para um exemplo, ver Fiori (1995). 114 Ver, por exemplo, Bresser Pereira (1998). O exemplo mais claro disso está na constituição, em período recente, de

agências de regulação federais de políticas setoriais a partir das burocracias técnicas das empresas estatais que estruturavam as políticas anteriormente. Como os técnicos transferidos quase certamente transportaram com eles os seus vínculos nas redes dos setores de política pública, o padrão de intermediação de interesse anterior certamente sobreviverá, embora adaptado aos novos formatos das instituições. (Marques, 1999b).

137

descrever o “Estado como ele deve ser, [mas] ... como ele é” (Grau e Belluzzo, 1995). Isso

pressupõe escapar das dicotomias atraso/moderno implícitas em boa parte da literatura. Um

dos trabalhos recentes mais importantes nessa linha está consubstanciado em Nunes

(1997), que mostra que as linguagens políticas - ou gramáticas - da relação entre Estado e

sociedade foram sendo retrabalhadas historicamente a partir das gramáticas anteriores.

Tentando descrever e compreender as relações público/privado em seus detalhes e analisar

o cotidiano das práticas advindas dessas relações, podemos citar os trabalhos de Bezerra

(1985), que estudou a importância dos padrões de relação pessoal em episódios de

corrupção em obras federais, e Marques (1999 e 2000), que levantou as redes de relações

no interior da comunidade e explicou a partir delas vários aspectos da política de

saneamento no Rio de Janeiro. O presente livro continua essa tarefa analítica, com

resultados comparáveis com Marques (1999 e 2000) de forma a destacar as

particularidades de cada caso e, ao mesmo tempo, ajudar na compreensão do padrão geral

(Tilly, 1992), iluminando as relações entre o público e o privado nas políticas públicas

brasileiras.

A análise de redes permite o estudo das relações entre Estado e setor privado no

desenrolar de uma política sem delimitar previamente os dois campos – o público e o

privado, já que a unidade básica da análise é a relação, e não os atributos dos indivíduos e

entidades como, por exemplo, pertencer a esta ou àquela agência ou ao setor privado. A

idéia mais geral é que indivíduos, grupos e organizações, no desenrolar de suas atividades

cotidianas, assim como de suas estratégias, constituem redes de relações entre si. Essas

relações são importante parte da dinâmica social, e se cristalizam em redes que operam

como estruturas de médio alcance sobre os acontecimentos posteriores, inclusive sobre a

sua própria transformação pelo lançamento e quebra de novos vínculos. Uma vez

constituídas, as redes influenciam o desenrolar do processo político.

As redes influenciam o desenrolar das políticas públicas e estruturam as relações (e

a interpenetração) entre os campos do público e do privado, já que os técnicos do setor

público e do setor privado foram formados nas mesmas universidades, compartilham da

mesma comunidade técnica e profissional, além de se relacionar no interior da sociedade

mais ampla. Seguindo Marques (2000), consideramos que as redes das comunidades de

política estruturam as relações entre público e privado na explicação da permeabilidade do

Estado. Mais especificamente, a permeabilidade explica o padrão de vitória de empreiteiras

em licitações pois, para além da presença de corrupção tão destacada na literatura, um dos

principais insumos nesse tipo de disputa – as informações – circulam pela rede, sendo o

acesso a elas regulado pela ocupação de posições diferenciadas na comunidade.

138

Instituições políticas, redes sociais e contratações do setor público

Em um sentido bem geral, o efeito das instituições políticas e das redes sobre a

dinâmica social se assemelham, já que ambas estruturam os ambientes onde os processos

políticos se dão. Com relação ao efeito das primeiras, a literatura neoinstitucionalista já

estabeleceu um ponto de difícil questionamento (Skocpol, 1992; Steinmo et al. 1992, dentre

muitos outros). Para os neoinstitucionalistas, especialmente os históricos, as instituições

agiriam como molduras da política e das políticas, não apenas influenciando resultados, mas

alterando as próprias preferências dos atores ao definir possibilidades e probabilidades para

diferentes estratégias, alianças e linhas de ação, (Steinmo et alli, 1992). De forma similar, as

redes influenciam resultados dos processos políticos, assim como alteram estratégias e

mesmo preferências de atores e grupos. Essa influência não é mutuamente exclusiva, mas,

ao contrário, ocorre de forma concomitante e paralela. Assim, embora analisemos aqui a

influência das redes na estruturação dos campos do público e do privado no Brasil, não

desconsideramos a importância do ambiente institucional específico em que ocorrem as

políticas.

O efeito das instituições também fica evidenciado na diferença entre a importância

das redes do Rio de Janeiro (Marques, 2000) e de São Paulo analisada aqui. As duas redes

apresentam influências bastante diversas sobre a permeabilidade do Estado no desenrolar

na política. No caso do Rio de Janeiro, há uma influência muito maior do chamado poder

posicional sobre as vitórias das empresas, representado pela importância de vínculos

construídos paulatinamente ao longo das carreiras dos técnicos, em grande parte de

maneira não intencional. Nesse caso, a relação das empresas com o poder institucional

(advindo da ocupação de cargos), é em grande parte mediado pelo poder posicional. No

caso de São Paulo, ao contrário, o elemento definidor da permeabilidade parece ser muito

mais a proximidade com o poder institucional na rede.115

Essa diferença parece estar associada, entre outros fatores, ao desenho das duas

agências analisadas, sendo a do Rio de Janeiro mais insulada, estável em termos de padrão

de carreira e independente em termos financeiros do que o caso paulistano. Essa maior

institucionalização da agência carioca, comparada com a paulistana, explica uma parte

considerável da força de sua rede (e das posições no seu interior) nas negociações de

poder que se estabelecem, de um lado com o poder institucional da classe política e seus

gestores de livre indicação, e de outro com o poder econômico das empresas do setor.

Voltaremos a esse ponto das últimas seções.

115 Vale destacar que, em ambos os casos, estamos falando de fenômenos relacionais veiculados pelas redes. A

questão está em que tipo de padrão de relações é mais relevante para explicar a permeabilidade.

139

Como já adiantado no Capítulo 3, a mais importante instituição que regula as

relações entre público e privado é o marco legal sobre licitações. No Brasil, as contratações

públicas são precedidas necessariamente de processos administrativos padronizados,

denominados licitações. Não realizaremos uma resenha sobre o assunto, nem tampouco um

histórico da legislação, tarefa já realizada em Marques (2000), mas comentaremos

rapidamente os aspectos mais relevantes da dinâmica dessa legislação em período recente,

de forma a melhor situar o leitor com relação ao ambiente que cerca os contratos, assim

como suas alterações a longo do período.

Apesar das licitações regularem as compras, e as contratações de obras e serviços

do setor público, a primeira legislação específica sobre licitações foi promulgada apenas em

1986 (Decreto Lei 2300/86). Até esta data, os processos de contratação eram regulados

pelo Código de Contabilidade da União de 1922 - que estabeleceu os princípios de

probidade, publicidade e igualdade para as ações dos agentes públicos - assim como pelo

Decreto Lei 200/1967 - que estabeleceu uma ampla reforma administrativa. Diversas leis

pontuais ao longo dos anos especificaram detalhes, mas sem alterar substancialmente o

estabelecido pelo Decreto Lei (Meirelles, 1995). O ano de 1986, portanto, representa um

marco no ordenamento jurídico brasileiro relativo à matéria, estabelecendo os tipos de

licitação, descrevendo o patamar de detalhamento necessário na documentação técnica

exigida para a contratação, estabelecendo com minúcias as condições de dispensa, além de

discorrer sobre inúmeros detalhes ao longo dos seus 90 artigos.

Depois dessa legislação, a próxima alteração de vulto no arcabouço jurídico ocorreu

em 1993, com a promulgação da Lei federal 8666/93. Elaborada sob o efeito dos

escândalos do Orçamento Geral da União e PC Farias/Collor de Mello, essa lei apresenta

características bem mais restritivas que a legislação de 1986, chegando a tipificar crimes e

estabelecer penas para infratores dos procedimentos administrativos de contratação116.

Essa rigidez foi posteriormente reduzida com a Lei federal 8883/94, mas o detalhamento da

matéria permaneceu elevado.

Como veremos, os momentos de mudança da legislação sobre licitações coincidem

com transformações nos padrões de concentração de vitórias, indicando uma forte influência

do arcabouço institucional sobre a dinâmica da política. Esse fenômeno já estava presente

no caso do Rio de Janeiro analisado por Marques (1999 e 2000), mas as informações sobre

São Paulo confirmam a sua ocorrência.

116 Para uma comparação entre ambas, ver Meirelles (1995) e Amaral (1995).

140

Um último elemento preliminar de esclarecimento diz respeito ao enquandramento

que construímos para o fenômeno da corrupção. De fato, comumente se levanta a sua

importância na análise do tipo de políticas urbanas estudadas aqui. Com relação a isso

algumas distinções analíticas devem que ser feitas.

De uma forma bem geral, podemos diferenciar três tipos de atividades econômicas

que podem representar fontes de recursos locais para campanhas eleitorais e corrupção. As

redes de relações influenciam todos os três processos, embora o seu efeito seja diferente, e

as relações entre público e privado também sejam diferentes. No primeiro tipo estão

incluídas atividades produtivas porventura localizadas no município (como plantas

industriais, unidades produtivas em geral ou grandes equipamentos como portos e

aeroportos). Para esse tipo de atividade, a origem dos recursos está associada ao

licenciamento e a regulamentação das atividades, tanto no momento da aprovação quanto

da operação da atividade. Esse tipo de atividade é o que se apresenta mais concentrado em

poucos municípios em especial nas capitais e cidades de maior porte ou em locais que

tenham sido objeto da implantação de grandes equipamentos.

Em segundo lugar estão as atividades de produção direta do ambiente construído,

como a produção de loteamentos, condomínios e edificações. Nesse caso, os interesses

estão associados principalmente aos processos de aprovação e construção dos

empreendimentos. Essas atividades, embora presente em cidades grandes, tendem a

apresentar importância também em locais turísticos ou espaços que têm sido objeto de

grandes empreendimentos imobiliários para a classe média alta nas periferias

metropolitanas como os chamados enclaves urbanos (Caldeira, 2000).

Em terceiro lugar temos as atividades onde o poder público é o contratante, como a

compra de serviços e obras urbanas, assim como a operação de sistemas e equipamentos.

Nesse caso, a existência de irregularidades está associada ao pagamento superior ao

devido pelas obras e serviços, assim como à sua execução em qualidade inferior ou em

prazo superior ao considerado apropriado para o nível de preço estabelecido. Esse tipo de

atividade está presente em todos os municípios, a não ser que o poder público executa

todos os serviços e obras de forma direta, o que é bastante incomum no Brasil nos dias de

hoje. Vale acrescentar que esse representa um conjunto heterogêneo, já que inclui

investimentos e serviços. Os primeiros tendem a ser impactados pelos ciclos do fundo

público, podendo até mesmo desaparecer, mas os serviços sempre são prestados, o que

torna os esquemas de corrupção baseados nesse tipo de atividade mais perenes e menos

sazonais. Embora na cidade de São Paulo tenhamos os três tipos de atividades, nos

interessam aqui as atividades encomendadas pelo Estado a empresas privadas.

141

Em termos analíticos, por outro lado, se faz necessário diferenciar três processos

distintos, usualmente considerados genericamente como corrupção. Embora nos casos

empíricos eles possam estar associados ou possam ocorrer de maneira independente, a

sua diferenciação nos permite uma maior clareza analítica.

A realização de licitações e contratos preservando o interesse público pressupõe a

preservação de três elementos – prazo, qualidade e preço. Portanto, caso qualquer um

destes seja violado, em uma dada obra ou serviço, se estará lesando o interesse público.

Um elemento distinto diz respeito ao fato de que a realização do processo de licitação

pressupõe que, através da competição entre as empresas por contratos com o Estado, se

estabeleçam as melhores condições para este último. Entretanto, caso um funcionário

oriente o processo de contratação, escolhendo uma empresa, o interesse público não estará

necessariamente sendo lesado, já que o serviço pode ser realizado no prazo, com boa

qualidade e pelo preço justo. Neste caso, o funcionário estará lesando o mercado de obras

públicas, e mais especificamente as outras empresas que não puderam concorrer em

igualdade de condições. Embora para o senso comum estes dois procedimentos sejam

equivalentes a corrupção, consideramos que é necessário delimitar mais precisamente o

conceito de forma a circunscrever uma prática única, associada a um terceiro processo.

Assim, seguindo Pasquino (1993), consideramos como corrupto o ato de um funcionário que

viola o conjunto de seus deveres, de forma ativa ou passiva, em troca de recompensa ou

promessa de recompensa material ou imaterial.

Como tem sido fartamente noticiado pela imprensa e pelo Ministério Público Federal

de São Paulo, ocorreram lesão ao mercado e ao Estado, assim como corrupção no

desenrolar da política de infra-estrutura urbana em São Paulo durante o período

estudado117. Apesar disso, sob o nosso ponto de vista, a corrupção não encerra a política

pública. O estudo da política pública, portanto, não se reduz à sua análise e podemos

estudar (e explicar) inúmeros processos, inclusive os padrões de vitórias de empreiteiras,

sem nos referirmos a ela diretamente. Nesse sentido, tratamos a corrupção como um dos

tipos de vínculo entre indivíduos, grupos e empresas na rede, incluindo-a nas entrevistas

realizadas, já que a corrupção se encontra imbricada com diversas facetas da política.

Assim, as informações sobre corrupção advindas das entrevistas permitiram recompor um

dos layers da rede – o de corrupção, que se articulou com os demais tipos de vínculo –

políticos, pessoais e de trabalho – na reconstrução da rede.

117 Ver, por exemplo, Jornal O Estado de São Paulo, 28/02/2002, 15/03/2002 e 27/03/2002; Jornal A Folha de São

Paulo, 03/02/2002, 01/02/2002, 31/01/2002,10/06/2001 e 08/01/2002.

142

Empresas de construção, mercado nacional e mercado local

Antes de apresentarmos nossos mais importantes vencedores e analisarmos os seus

padrões de vitórias, precisamos situar o leitor com relação ao setor de obras públicas no

Brasil, principalmente pelas fortes relações desse setor econômico com o mundo da política

no país. As empresas privadas de construção representam um dos mais destacados setores

das empresas nacionais na economia brasileira, sendo que constituem, para alguns autores,

um dos principais sustentáculos da chamada tríplice aliança entre o capital nacional, o

multinacional e o Estado, tripé que instaura e desenvolve o capitalismo brasileiro (Lessa e

Dain, 1982). Sua importância foi sendo desenvolvida paulatinamente, desde o início do

processo de contratação, pelo Estado, de empresas privadas para a construção de obras e

serviços de engenharia na década de 1940. Um elemento central na dinâmica desse setor

econômico é o seu caráter intrinsecamente político – como trata-se de um mercado onde o

único comprador é o Estado (oligospônio público), os preços são fortemente influenciados

pelo seu comportamento e há fortes incentivos para a construção de vínculos entre os

vendedores e os órgãos públicos, de forma interferir no preços e nas encomendas

(Camargos, 1993).

A consolidação histórica deste campo levou à construção de grandes empresas

capitalizadas e de padrão tecnológico altamente especializado até o início dos anos 1970,

que hegemonizavam este mercado em nível nacional, sendo responsáveis por grande parte

das obras dos setores de transportes e energia durante o regime militar. Durante as

décadas de 1970 e 1980, esse grupo de liderança do setor se internacionalizou e outros

conjuntos de empresas de menor porte passaram a assumir o controle de mercados locais e

menos intensivos em tecnologia, como as obras de infra-estrutura urbana.

No que diz respeito à dinâmica recente do mercado brasileiro de obras públicas, a

sua situação pode ser ilustrada pela posição das mais importantes empreiteiras na

economia nacional. Como já descrevemos em Marques (1999 e 2000), o número de

empreiteiras entre as maiores empresas privadas brasileiras se manteve em um patamar

elevado entre meados dos anos 1970 e a primeira metade da década de 1980, tendendo a

cair continuamente a partir daí: dentre as 500 maiores empresas brasileiras, segundo a

Revista Exame, as empresas de construção eram 27 em 1975, 37 em 1984, 28 em 1989, 16

em 1996 e apenas 8 em 1999. A posição média das empresas na lista também acompanha

este comportamento, embora neste caso a piora aconteça antes. A posição média das 8

empresas mais bem colocadas foi de: 63ª em 1975, 69ª em 1979, 74ª em 1984, 44ª em 1989,

168ª em 1996 e 240ª em 1999. A posição das líderes melhorou entre 1975 e o final da

década de 1980, mas acompanhou a crise a partir de então: a posição média das 3

143

empresas mais bem colocadas foi de 37ª em 1975, para 27ª em 1979, 22ª em 1984, 16ª em

1989, 78ª em 1996 e finalmente 103ª em 1999.

As empresas vencedoras das licitações de SVP, na sua grande maioria, não fazem

parte deste seleto clube de empreiteiras de grande porte envolvidas com as obras federais

de construção pesada. A maioria das empresas vencedoras tem porte médio a pequeno,

atua principalmente no Estado de São Paulo em obras de infra-estrutura viária e de

drenagem contratadas por prefeituras e pelo governo do Estado. Sua organização típica é

de natureza familiar, mesmo nas líderes de nível local. Entretanto, assim como no caso das

grandes empreiteiras de construção pesada, são comuns os vínculos das empresas com os

círculos políticos locais, mesmo nas empresas locais de porte médio. O caso mais notório

no cenário paulista é o da família Penido, dona e controladora da empresa Serveng-Civilsan,

uma das nossas mais freqüentes vencedoras, importante referência da elite política e

econômica do Vale do Paraíba paulista, tendo inclusive um de seus membros ocupado

cargo de deputado federal.

Em Marques (2000) sustentamos a hipótese de que o mercado de obras públicas se

estrutura de forma hierárquica em escalas distintas, cada qual integrando redes de relações

pessoais e institucionais diferentes, parcelas distintas da classe política, circuitos de

corrupção específicos e tipos de obras e empresas diferentes. Por esta razão, podemos

falar de empresas típicas do setor. Como veremos, essas são as mais integradas nas redes

de relações da comunidade e são originárias de locais próximos à cidade onde se executam

as obras. Entretanto, em momentos de crises nos mercados de maior escala, “invasões” de

empreiteiras de maior porte são possíveis. Essas concentram-se tipicamente em obras

maiores, mais intensivas em equipamentos e tecnologia, mais localizadas espacialmente e,

portanto, mais lucrativas para o seu padrão empresarial.

Como veremos, essas “invasões” ocorreram tanto nas obras de saneamento no Rio

de Janeiro analisadas por Marques (2000), quanto nas intervenções de infra-estrutura

urbana analisadas nas próximas seções. Em ambos os casos, o processo que se desenrola

a partir do final dos anos 1980. Na maior parte do período, entretanto, os vencedores de

licitações de infra-estrutura em nível local correspondem ao que denominamos de empresas

do setor: locais, de porte pequeno e médio, gestão pouco profissionalizada e padrões

intensos de relação com as redes da comunidade.

Concentração – geral, dinâmica política e regras institucionais

A primeira dinâmica relativa às empresas nas obras de SVP diz respeito à

concentração das vitórias. Os investimentos de SVP apresentam um padrão extremamente

144

concentrado, semelhante ao observado no Rio de Janeiro, no caso da Cedae. A maior parte

dos investimentos da Secretaria é contratada com algumas poucas empresas que vencem

poucos contratos, de elevado valor unitário. A maior vencedora obteve um valor total de 880

milhões de reais, aproximadamente, vencendo apenas dois contratos. Esta empresa, apesar

de representar apenas 0,25% do universo de empresas, obteve 8,3% do total investido pela

Secretaria. Os 10 maiores vencedores, que representam apenas 2,49% do universo de

empresas, receberam 46,7% dos investimentos. Esta concentração de vitórias nas mãos de

poucas empresas é praticamente igual à observada no caso da Cedae, onde a principal

empresa recebeu 8,46% do total investido, e as 10 maiores empresas 46,6% do total.

Contudo, a concentração de vitórias apresenta diferentes dinâmicas ao longo do

tempo, como podemos ver no Gráfico 4 a seguir, que mostra a proporção do valor total

anual recebido por cada grupo de vencedores (5, 10 e 35 % maiores vencedores em cada

ano, assim como os 50 % menores vencedores). O balanço geral do período é de aumento

da proporção de investimentos recebidos pelos 5% maiores vencedores, ao lado da redução

das proporções obtidas pelos menores vencedores (os 50% menores vencedores

receberam proporções ínfimas do total investido, não chegando a 10%). Entretanto,

podemos notar a existência de dois períodos distintos na concentração dos 5 % maiores

vencedores. Em um primeiro, que vai de 1975 a 1986, observa-se uma pequena

participação dessas empresas, ao contrário de um segundo período, entre 1987 e 2000, em

que a concentração nos 5% maiores é mais acentuada. Em ambos os períodos ocorrem

reduções da concentração em administrações de esquerda - 1984 e 1985 e entre 1990 e

1991. A maior concentração do segundo período pode ser creditada à realização dos

contratos da Emurb que, como já foi dito, representaram a entrada das grandes empreiteiras

de construção pesada no mercado local.

145

Gráfico 4: Distribuição das vitórias por porte de empresa

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

A diferença entre as proporções das maiores e menores vencedoras fica ainda mais

evidente no Gráfico 5 a seguir. A área mais escura no gráfico indica os valores obtidos pelos

15% maiores vencedores em cada ano e a área mais clara, entre a primeira e a curva do

total investido, representa os volumes de recursos anuais vencidos pelos 85% menores

vencedores. O padrão de concentração se atenua apenas nos momentos de grande oferta

de recursos, quando a diversidade das empresas vencedoras aumenta. Isso indica que

apenas quando os ganhos das maiores estão garantidos, as empresas da periferia do

mercado de obras públicas conseguem aumentar a sua proporção de vitórias. Esse

resultado é idêntico ao encontrado em Marques (2000), e confirma a hipótese desenvolvida

ali com relação à existência de uma estruturação hierárquica do mercado de obras públicas,

com frações dominantes que abocanham a maior parte dos contratos (e provavelmente

apresentam maior lucratividade), e frações periféricas (quase certamente subordinadas no

jogo do poder entre as empresas privadas), que sobrevivem das “sobras” do mercado,

quando a oferta aumenta.

146

Gráfico 5. Valores ganhos por empresas de diversos portões

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

Isso explica porque a distância entre a concentração de vitórias de governos de

direita e de esquerda é menor do que a diferença dos demais conteúdos já citados: as

administrações de maior concentração de vitórias foram as de Pitta, Curiati, Reynaldo e

Jânio, e os governos de menor concentração foram os de Covas, Setúbal, Erundina e Maluf.

Como são os governos de direita que mais investem e como as empresas não centrais no

mercado conseguem aumentar a sua fatia apenas nos momentos de abundância, governos

de direita com padrão extremamente concentrado de política, como a administração Maluf

(grandes investimentos em poucos contratos altamente aditados), aparecem em posição de

maior dispersão de vitórias que seus pares.

Esses mecanismos são interessantes, não apenas analiticamente, mas em termos

normativos, pois indicam a complexidade dos processos políticos que operam no setor e

demonstram as dificuldades em se democratizar as vitórias em licitações. Não basta o

interesse de desconcentrar vitórias por parte dos decisores públicos não de direta, já que a

concentração se define simultaneamente dentro do Estado e no interior do setor privado,

entre os empreiteiros.118 Assim, alguns momentos podem ser marcados simultaneamente

118 Podemos aceitar a existência desse interesse pelo discurso “nativo” de técnicos de destaque de governos de

esquerda, mas também pela posição estratégica ocupada por tais decisores no jogo político: operando em um setor de

147

pela concentração de vitórias e pela implementação de mecanismos democratizadores das

licitações, como, por exemplo, reduzindo capitais mínimos e outros “dirigismos” 119. Isto

aconteceria sempre que existir um pequeno volume de recursos disponíveis para contrato,

assim como quando os atores hegemônicos do setor privado jogarem contra a política.

Estes momentos são característicos de administrações não de direita e podem ser

marcados pela ocorrência de “greves do capital” contratista, no sentido de Block (1981).

Como atestam algumas entrevistas, esta situação caracteriza o início da administração

Erundina.

O comportamento anual da concentração ainda apresenta uma última dinâmica que

merece ser destacada. Paralelamente às dinâmicas observadas nos Gráficos 4 e 5, tem

ocorrido uma redução da concentração em número de documentos vencidos por empresas

diferentes. As informações disponíveis indicam que esse processo é produto, ao menos em

parte, das mudanças institucionais ocorridas no arcabouço jurídico que regula as licitações

que acompanhamos anteriormente.

O Gráfico 6 a seguir apresenta as curvas de concentração referentes aos dois

universos estudados – São Paulo e Rio de Janeiro, e às duas políticas – infra-estrutura e

saneamento básico. O Gráfico apresenta o comportamento anual comparativo do índice de

concentração de documentos, desenvolvido em Marques (2000), que expressa a relação

entre as licitações realizadas em um dado ano e o número de empresas diferentes

vencedoras naquele ano, apontando para uma maior ou menor dispersão dos contratos

assinados, já descontado o efeito das grandes variações anuais dos números de

vencedores e contratos. Pode-se perceber uma dinâmica muito similar nas duas curvas. A

concentração tendeu a ficar estável entre 1975 e 1986, havendo uma tendência nítida de

desconcentração a partir daquele ano, quando se promulgou a primeira legislação federal

sobre licitações. A próxima mudança do perfil de concentração ocorre a partir de 1993,

quando se promulga um novo quadro legal sobre licitações e contratos do setor público. O

efeito desta vez foi o aumento da concentração, confirmando aparentemente a hipótese dos

que sustentavam, à época, que o caráter muito restritivo da nova legislação tornaria o

mercado mais elitizado. O impressionante paralelismo entre os casos do Rio de Janeiro e de

São Paulo nos dois momentos de mudança do quadro legal não deixa dúvidas de que o

fenômeno interveniente é de natureza nacional e institucional (Marques e Bichir, 2001a).

hegemonizado pela direita (e que representa em grande parte o apoio financeiro de suas campanhas), as administrações de esquerda têm todo o interesse em transformar o campo de poder do setor à medida que operam a política.

148

Gráfico 6: Índice de Concentração de vitórias na Cedae (RJ) e SVP (SP)

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

Apesar do aparente paradoxo entre essa tendência à dispersão do número de

documentos por empresas em um dado ano e a tendência já citada anteriormente à

concentração dos valores obtidos pelas maiores vencedoras, esses dois fenômenos

coexistem coerentemente, pois o fato de mais empresas competirem por recursos e

vencerem licitações não implica que todas recebam as mesmas proporções de investimento.

Maiores vencedores

Mas quem são os mais importantes vencedores das licitações de SVP? A Tabela 14

a seguir apresenta os valores totais e médios, assim como o número de contratos, obtidos

pelas 40 maiores empresas, responsáveis por 81% do valor licitado pela secretaria no

período120.

119 Para uma análise política dos vícios em licitações ver Marques (2000), cap. 5 e Mukai (1995). 120 A lista da tabela é apenas ilustrativa. Os maiores vencedores que foram trabalhados nas entrevistas e na análise

quantitativa apresentada no restante do Capítulo foram delimitados a partir da associação de dois critérios de seleção - empresas que obtiveram um total igual ou superior a 20 milhões de Reais (independentemente do número de contratos), e empresas que venceram 20 ou mais licitações (independentemente de seu valor total), formando um total de 88 empresas que foram analisadas mais detalhadamente. Com esses critérios pretendemos incluir empresas de grande volume de vitórias, mas também empresas de valores mais baixos que tenham vencido muito. A análise detalhada, portanto, incluiu mais empresas do que as apresentadas na Tabela, restringida por razões de espaço.

149

Tabela 14: Maiores Vencedores de SVP

Vencedor Total recebido (R$ 12/99) Docs Valor médio

Andrade-Gutierrez 883.794.065,76 2 441.897.032,88

Cr Almeida 557.408.399,35 1 557.408.399,35

Constran s/a construções e comercio 525.426.846,26 35 15.012.195,61

Construtora o.a.s. ltda 516.573.300,81 26 19.868.203,88

Camargo correa 498.822.861,87 5 99.764.572,37

Cbpo 498.158.566,85 12 41.513.213,90

Emurb 457.872.133,36 9 50.874.681,48

Serveng Civilsan 364.326.714,43 154 2.365.757,89

Cowan 351.699.334,98 1 351.699.334,98

Firpavi 297.841.682,60 87 3.423.467,62

Mendes Junior s/a 275.475.766,50 66 4.173.875,25

Badra 236.042.664,36 47 5.022.184,35

Vega Sopave 219.709.743,48 102 2.154.017,09

Azevedo & Travassos 188.705.384,99 113 1.669.959,16

Guaianazes 188.196.108,94 142 1.325.324,71

Queiroz Galvão 179.407.566,52 14 12.814.826,18

Cogec 178.115.581,55 127 1.402.484,89

Camargo Campos 162.841.861,79 136 1.197.366,63

Convap 147.730.327,61 16 9.233.145,48

Etesco 138.527.770,19 18 7.695.987,23

Enpavi 135.309.278,65 120 1.127.577,32

Heleno & Fonseca 131.874.747,29 76 1.735.194,04

Jofege 112.072.234,08 22 5.094.192,46

Vicente Matheus 110.488.403,13 109 1.013.655,07

São Luiz 108.870.026,85 94 1.158.191,77

Geofisa 96.629.160,06 29 3.332.040,00

Construbase 95.219.683,44 10 9.521.968,34

Emparsanco 95.009.396,89 88 1.079.652,24

Radial 84.063.366,73 78 1.077.735,47

Soempa 76.778.338,07 53 1.448.647,89

Logos engenharia s/a 75.815.324,35 83 913.437,64

Cit engenharia e comercio s/a 74.390.004,58 26 2.861.154,02

N.F. Motta 73.467.726,90 69 1.064.749,67

Dos Arroios 70.931.676,37 22 3.224.167,11

Araguaia 70.525.527,94 102 691.426,74

Imobel 63.869.182,00 102 626.168,45

Cosag 62.427.503,15 72 867.048,65

Passarelli 62.254.907,49 105 592.903,88

Soebe 59.144.750,35 58 1.019.737,07

Construcap ccps 56.877.747,97 88 646.338,05

Total 40 maiores 8.582.695.218,48 2.519 3.407.183,49

Total geral 10.583.616.736,65 5893 1.795.964,15

150

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

É interessante notar que um conjunto muito seleto dentre os maiores vencedores

celebrou contratos por intermédio da Emurb121: Andrade Gutierrez, CR Almeida, O.A.S.,

CBPO, Camargo Corrêa, Constran, Cowan e Mendes Jr.122 Algumas dessas empresas,

como a Andrade Gutierrez, a CR. Almeida e a Cowan só foram contratadas pela Emurb (e

não obtiveram nenhum outro contrato com a Secretaria) para a realização de enormes obras

com grande impacto sobre a cidade, como a construção da Av. Jacú-Pêssego (CR. Almeida

e Cowan), o túnel sob o Rio Pinheiros (Camargo Corrêa) e o mini-anel viário (Andrade

Gutierrez). Esses dados reforçam a impressão de que a Emurb foi sempre utilizada para a

realização das maiores obras, que necessitavam de agilidade operacional, através de

empresas típicas do mercado de obras públicas nacional, de porte muito grande. Essas

empresas realizaram contratos apenas em administrações de direita, mais especificamente

nos governos Jânio, Maluf e Pitta123.

As demais empresas da tabela seguem um padrão disperso ao longo do tempo, com

muitos contratos de valor não muito elevado. As empresas que vencem de forma contínua

ao longo do período são consideradas por nós como as empresas típicas do setor de obras

públicas locais. Embora estas não tenham capital muito elevado, assim como não estejam

tão próximas do núcleo do poder institucional, são elas que apresentam a maior quantidade

de vínculos e uma presença mais constante nas redes da comunidade, ligadas

principalmente a técnicos e indivíduos pertencentes à burocracia do setor.

É possível destacar ainda os locais de origem das empresas que mais venceram, o

que auxilia na compreensão da dinâmica do mercado de obras públicas em São Paulo. Do

início do período até a administração Jânio, observa-se uma presença quase exclusiva de

empresas de São Paulo nas contratações, ao lado de empresas mineiras que ganham

121

Uma versão preliminar deste capítulo, publicada em Marques e Bichir (2003) apresentava uma lista ligeiramente diferente, cujos 40 maiores vencedores consumiam 84 % do total licitado. A diferença se deve a que naquele artigo o período estudado era mais curto (1978-1998). Para a elaboração deste livro, os dados foram complementados para cobrir o período 1975-2000. A Tabela 14 apresenta a mais, quando comparada com a anterior, a Emurb e a CIT, e não conta com a Telas e a CMTC. Algumas outras empresas mudaram ligeiramente de posição.

122 Não por acaso, dentre estas, as empresas C.R.Almeida, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, e Constran se situavam, em 1999, entre as 8 maiores empresas de construção do país, incluídas na listas das 500 maiores empresas brasileiras da Revista Exame. Uma quinta empresa, a CBPO, não se incluía na lista, mas a sua controladora, a Odebrecht, se incluía. (Revista Exame, Melhores e Maiores, junho de 2000).

123 Vale acrescentar que a Tabela apresenta a própria Emurb como uma das mais importantes destinatárias de recursos – cerca de 4 % do valor total. Trata-se de um conjunto de contratos de repasse de recursos relacionados com obras de infra-estrutura de apóio à implantação das estações do Metrô realizados entre 1975 a 1977, em especial na Praça da Sé e na Estação Conceição. Essas obras não foram realizadas diretamente pela Emurb, mas contratadas com empresas privadas de construção. Entretanto, infelizmente não conseguimos informações que permitissem a desagregação do valor da tabela nos seus destinatários finais.

151

contratos menores, conforme pode ser observado na Tabela 15 a seguir. Estas empresas

são de porte relativamente pequeno e apresentam capital médio não muito elevado,

indicando que, no início do período analisado, as empresas locais e mais especializadas

venciam a maior parte dos contratos. Somente nas administrações Jânio, Maluf e Pitta

empresas de maior porte e capital médio elevado de outros Estados vencem contratos,

especialmente as cariocas, baianas e goianas, confirmando uma invasão do setor local de

infra-estrutura viária por empresas nacionais a partir da segunda metade dos anos 1980.

Estas maiores empresas são exatamente aquelas contratadas pela Emurb para a realização

das obras de maior impacto sobre a cidade.

Tabela 15: Presença de Estados-sede nas Maiores Vencedoras por Governo

Governos Bahia Goiás Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Total

Setúbal 0 0 2,2 0 97,8 100

Reynaldo 0 0 1,9 0 98,1 100

Curiati 0 0 0 0 100 100

Covas 0 0 4,2 0 95,8 100

Jânio 0 0 32,7 20,9 46,4 100

Erundina 0 0 27,4 0 72,6 100

Maluf 15,6 1,1 27,8 7,3 48,2 100

Pitta 35,4 0 11,7 4,1 48,8 100

Total 6,2 0,3 19,3 8,6 65,6 100

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

O Gráfico 7 a seguir complementa essa informação, indicando a elevação abrupta do

capital médio das empresas vencedoras a partir da administração Jânio, com uma ligeira

redução na administração Erundina, e novas elevações nas administrações Maluf e Pitta.

152

Gráfico 7: Capital médio das empresas por governo

Fonte: Diários Oficiais do Município de São Paulo

A permeabilidade no setor

Para analisarmos a influência do padrão de relacionamentos no interior da rede

sobre o padrão de vitória de empreiteiras, relacionamos estatisticamente informações

retiradas da análise de redes (incluindo as empresas) com o valor ganho por cada empresa

ao longo de cada governo. 124

Como muitas empresas ganham por governo, mas a maior parte vence uma

proporção muito reduzida do total licitado, restringimos a análise às empresas com total de

vitórias superior a R$ 20 milhões e as empresas com mais de 20 contratos, o que nos

deixou com um universo de 183 casos (empresas/governo). Para 11 empresas/governo não

obtivermos informação de capital, e para 31 empresas não obtivemos informações que nos

permitissem ligá-las à rede. Para essas consideramos todas as suas estatísticas da rede

iguais a zero. A variável dependente da análise, portanto, é o valor total dos contratos de

cada uma das maiores vencedoras em cada governo. 125

124 Considerando a não linearidade dos volumes de vitórias, utilizamos uma transformação logarítmica (neperiana) na

variável dependente - volume total de vitórias na administração. Todos os resultados discutidos a seguir dizem respeito à variável dependente transformada, exceto quando indicado em contrário.

125 Este universo é muito similar se considerarmos os períodos 1978-98 (analisado em Marques e Bichir, 2003) ou 1975-2000. As informações relacionais também não variam entre um período e outro, já que estamos considerando que a rede permanece constante ao longo de cada governo. Assim, os resultados apresentados no restante desse capítulo mantêm sem grandes alterações a análise realizada em Marques e Bichir (2003), isto é, referem-se ao universo dos contratos realizados entre 1978 e 1998.

153

Tentamos submeter à análise uma série de variáveis que pudessem testar a

importância de diferentes fenômenos no funcionamento da permeabilidade do Estado.

Incluímos primeiramente uma variável relacionada à escala econômica da empresa – o

capital, segundo a Junta Comercial do Estado de São Paulo, de forma a testar a importância

do poder econômico no padrão de intermediação de interesses presente na política. Em

segundo lugar, incluímos a variável da inclinação político-ideológica do prefeito, de forma a

testar a existência de padrões diferenciados de permeabilidade entre esquerda e direita,

assim como a influência do ambiente político sobre as vitórias.

Além dessas, incluímos a quantidade de licitações por governo, medida pelo número

médio por governo de contratos licitados por ano, de forma a controlar os volumes de

vitórias pela oferta diferenciada de licitações por governo, assim como uma variável relativa

às concentrações de vitórias das licitações em cada governo, medida pela média por

governo dos contratos por vencedor por ano.

Por fim, construímos variáveis associadas especificamente às redes por governo,

descritas em detalhes a seguir. Essas variáveis foram tratadas estatisticamente de duas

formas distintas: um primeiro conjunto foi calculado reconstruindo as redes com indivíduos e

empresas privadas; um outro conjunto foi calculado a partir das redes com os indivíduos

previamente aglutinados nos grupos já apresentados no Capítulo anterior.

As variáveis relacionais incluíram inicialmente quatro estatísticas de centralidade na

rede – o grau (que mede a quantidade de vínculos primários de um dado nó), o poder (que

mede a quantidade de vínculos primários e secundários de um dado nó126), a proximidade

(medida sintética que indica a proximidade de um dado nó a todos os outros da rede), a

intermediação (que indica quantos caminhos passam necessariamente por um dado nó,

dentre todos os caminhos na rede) e a informação (que mede quantos caminhos passam

por um dado nó, sendo o caminho único ou não, dentre todos os caminhos da rede). O

cálculo dessas variáveis teve por objetivo testar os diferentes efeitos da presença do

chamado poder posicional sobre os padrões de vitória.

Além dessas informações relacionais, utilizamos variáveis extraídas da rede mas que

apontam para características de proximidade direta com o núcleo do poder institucional na

política em cada governo – distâncias em passos ao prefeito, ao secretário de obras, ao

126 Nesse caso, há um “desconto” para o fato do vínculo ser secundário: somam-se os primários aos secundários,

reduzidos por uma “taxa de desconto” beta. Testamos com beta de 90 % e 75 %, o que quer dizer que um dado nó recebe como atributo todos os seus vínculos primários mais os secundários multiplicados por 0,9 ou 0,75, respectivamente Cf. Wasserman e Faust, 1994 e Scott (1992).

154

chefe de gabinete, ao superintende de obras e ao superintendente de projetos, todas

medidas pelo menor caminho na rede daquele governo.127

Análises de correlação simples indicaram que uma grande quantidade dessas

variáveis não se apresentava nem mesmo correlacionada com o volume de vitórias por

empresa por administração. Essas variáveis foram retiradas da análise.128 Em primeiro

lugar, foram retiradas as variáveis relacionais calculadas a partir das redes de indivíduos e

empresas, que não apresentaram qualquer significância na explicação do volume de

recursos vencido por empresa, por administração.129

Dentre as variáveis relacionais (todas calculadas a partir das redes de grupos e

empresas), proximidade, informação e intermediação não apresentaram significância e

também foram abandonadas. Submetidas a análise similar, todas as variáveis de distância a

ocupantes de cargos apresentaram relevância. Entretanto, como todas as distâncias se

apresentam correlacionadas, acabamos por manter a distância ao prefeito, menos

correlacionada com as demais variáveis da análise multivariada (ver a seguir)130. Por fim, as

variáveis relativas à concentração de vitórias apresentaram correlação significativa com o

volume de recursos ganho por governo e sinal negativo, indicando que em anos de elevado

número de contratos os valores ganhos pelas empresa tendem a ser menores. Entretanto,

essas variáveis se apresentavam correlacionadas com diversas outras da análise

multivariada, o que nos fez abandoná-las.

Assim, apresentaram correlação com o volume de vitórias por governo por empresa

e foram introduzidas na análise multivariada as variáveis: se o governo era de direita ou de

esquerda, o capital da empresa, a distância de cada empresa na rede ao prefeito, o grau de

cada empresa (a quantidade de vínculos primários), o poder de cada empresa (a quantidade

127 Nos casos em que mais de um indivíduo ocupou esses cargos, testamos para cada um deles separadamente.

Quando não tínhamos o cargo ligado a empresa alguma durante um dado governo, consideramos a maior distância possível na rede, naquele governo. Ainda sobre as distâncias a ocupantes de cargos, testamos também filtrar a variável pelo pertencimento do indivíduo à comunidade ou ser de fora, mas os resultados não foram nada promissores e foram abandonados, já que quando controlamos pela inclinação ideológica do prefeito, o pertencimento à comunidade deixou de ter qualquer relevância.

128 Mais adiante, essas variáveis foram introduzidas nos modelos multivariados de maneira a testar a possibilidade de não apresentarem correlação direta com a variável dependente pela presença de variáveis intervenientes, mas os resultados não acrescentaram nada ao que a análise de correlação já apontava.

129 Esse resultado confirma o encontrado em Marques (2000), que já havia levantado a hipótese de que a importância das relações das empresas está no relacionamento com grupos no interior da comunidade, e não com indivíduos (sendo estes os suportes das relações com os primeiros).

130 Uma análise fatorial indicou que um único fator explica 86 % da variância global de todas as distâncias. A correlação entre prefeito e secretário é de 0,76, significativa a 99 %.

155

de vínculos primários e secundários)131. A Tabela 16 a seguir apresenta os resultados dos

coeficientes e significâncias da explicação do padrão de distribuição de recursos por

empresas em cada governo.132

Tabela 16: Coeficientes da regressão – Universo das empresas

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

Estatística t Signif.

B Desvio Padrão Beta Constante 15,443 ,252 61,294 ,000 Dummy para governos de direita 1,944 ,144 ,642 13,521 ,000 Capital 0,00000000142 ,000 ,339 8,097 ,000 Grau (vínculos primários) 0,0653 ,033 ,093 1,987 ,049 Poder (vínculos primários e secundários)

0,042 ,014 ,125 2,918 ,004

Distância ao prefeito -,117 ,044 -,136 -2,679 ,008

Obs.: Variável dependente transformada (log neperiano do volume total).

Como podemos ver, apresentaram significância estatística e coeficientes positivos as

variáveis inclinação ideológica do prefeito, capital das empresas e as quantidades de

vínculos primários e secundários de cada empresa em cada governo. Além destas,

apresenta significância a distância que separa cada empresa do prefeito, em cada governo,

mas o sinal neste caso é negativo. Este resultado era previsto, pois conceitualmente

estamos testando a importância da proximidade e a variável mede o seu inverso (a

distância): quanto maior a distância (e menor a proximidade), menor o volume de recursos

ganho por uma dada empresa.

O primeiro elemento a destacar é a importância da inclinação ideológica do prefeito,

que não se refere a um atributo das empresas, mas representa o ambiente político no

estabelecimento do padrão de vitórias. Isso indica que a permeabilidade e o padrão de

intermediação de interesses diferem se uma dada licitação ocorre em um governo de direita

ou de esquerda.133 Assim, se empresas em completa igualdade de condições (o mesmo

capital, as mesmas relações e posição na rede) estão presentes em um governo de

131 Ambas as variáveis de poder se apresentaram correlacionadas com as vitórias, mas o poder com beta de 0,75 se

manteve na análise multivariada, ao contrário do poder com 0,9, mais correlacionado com as demais variáveis independentes.

132 O modelo apresenta aderência muito boa, seja medida pelo R2 igual a 0,742, seja pela estatística F relativa aos resíduos, igual a 88,230, significativa a 99%. Caso não tivéssemos considerado as estatísticas das empresas não ligadas à rede como iguais a zero, a aderência seria ainda melhor, mas nenhuma nova variável independente se apresentaria significativa. Vale acrescentar que um único caso desviante foi retirado da análise – a empresa Andrade Gutierrez durante o governo Pitta, cujo volume de vitórias se situou mais do que 3 desvios padrões abaixo do que o previsto pelo modelo.

133 Este resultado não foi encontrado em Marques (1999 e 2000) para as licitações de obras e serviços de saneamento no Rio de Janeiro em período similar.

156

esquerda e outro de direita, há tendência de que o valor das vitórias no governo de direita

seja significativamente superior.134 Mais adiante analisaremos o padrão de vitórias em

governos de esquerda e direita separadamente, tentando determinar como funciona cada

padrão de intermediação.

Observemos agora o impacto dos atributos das empresas e de suas relações sobre

os padrões de vitória. Em primeiro lugar, apresentou relevância o capital das empresas,

indicando que nas obras de infra-estrutura urbana em São Paulo em período recente, o

poder econômico e a escala das empresas são importantes para a explicação do volume de

vitórias obtido por elas. Vale destacar que, no caso das políticas de saneamento no Rio de

Janeiro estudadas em Marques (1999 e 2000), os capitais das empresas não eram

relevantes para a explicação do conjunto das vitórias, embora o fossem para as obras de

valor mais elevado construídas no final do período.

Três variáveis relacionais apresentaram significância – quanto mais vínculos

primários e secundários uma empresa tiver, assim como quanto mais próximas do núcleo do

poder institucional as empresas estiverem, maiores serão seus volumes de vitórias. Isso

indica que tanto o poder posicional quanto o acesso ao poder institucional são importantes

para as empresas no mercado de infra-estrutura em São Paulo, e quanto mais vínculos e

mais próxima uma empresa estiver do prefeito na rede,135 maior tenderá a ser o seu volume

de contratos. Vale observar que, embora estejamos tratando com duas variáveis relacionais,

estas apresentam relação diferente com a rede. O poder posicional, ao contrário do acesso

ao poder institucional, está muito mais ligado à história da rede e a um conjunto significativo

de vínculos de período mais antigo e não intencionais.

Este resultado novamente distancia o caso estudado aqui do tratado em Marques

(2000), já que no caso carioca os vínculos primários eram importantes, mas estavam

acompanhados de uma outra medida relacional – a informação – que no caso paulistano

não apresentou significância estatística. Além disso, no caso carioca, a proximidade com os

detentores de poder institucional era importante apenas para empresas de grande porte.

Mas será que, considerando a importância da clivagem ideológica do prefeito, esse

padrão geral é composto por padrões diferentes em governos de esquerda e de direita?

134 Vale observar que este resultado poderia se dever ao fato dos governos de direita licitarem mais e gastarem totais

anuais mais elevados que governos de esquerda. Para controlar tal efeito, experimentamos introduzir o contrato médio por governo, assim como o valor total gasto no governo. A primeira variável apresenta correlação com o volume de vitórias por governo, mas quando controlamos por direita/esquerda (já que em governo de direita o contrato médio tende a ser mais alto), o efeito desaparece. A variável total gasto, entretanto, continua correlacionada, mesmo controlando por direita/esquerda, o que indica que, independente da inclinação política do prefeito, quando o volume geral de contratos é mais elevado, as empresas tendem a vencer volumes mais elevados o que, além de intuitivo, é compatível com discussão da concentração de vitórias apresentada anteriormente, em especial nossa interpretação do Gráfico 5.

135 Assim como ao secretário.

157

Como o número de casos é razoável, dividimos o banco e testamos as mesmas variáveis

para governos de direita e esquerda separadamente.

Quando separamos vitórias em governo de direita, quase todas as variáveis

anteriores permanecem significativas – capital, distância ao prefeito e vínculos secundários.

Os vínculos primários (grau) não apresentaram mais significância, e a inclinação ideológica

foi retirada do modelo por motivos óbvios. A Tabela 17 a seguir apresenta os resultados.136

Tabela 17: Coeficientes da regressão – Governos de Direita

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

Estatística t Signif.

B Desvio Padrão Beta

Constante 18,263 ,248 73,583 ,000

Capital (da junta comercial) 0,000000000954 ,000 ,386 4,305 ,000

distância em passos do prefeito 1

-,331 ,079 -,376 -4,173 ,000

poder 0.75 com grupos (vínculos primários e secundários)

0,056 ,016 ,308 3,441 ,001

Obs.: Variável dependente transformada (log neperiano do volume total).

Quando analisamos apenas governos de esquerda, por outro lado, encontramos um

padrão bastante diferente dos anteriores, como podemos ver na Tabela 18.137 A única

variável que continua a apresentar correlação significativa é o capital. Isso indica em

primeiro lugar que, em governos de esquerda, o poder posicional (vínculos primários e

secundários) e a proximidade com os detentores do poder institucional (sejam eles prefeito,

secretários ou superintendentes) não influenciam na construção dos padrões de vitória de

empreiteiras em obras de infra-estrutura urbana em São Paulo em período recente. Essa

informação confirma nossa interpretação sobre a distribuição dos cargos em governos de

direita e esquerda apresentada no Capítulo anterior. Entretanto, se localizar diretorias na

região superior esquerda da rede da comunidade fazia parte de uma estratégia de governos

de esquerda, a Tabela 18 apresenta os resultados do processo. Assim, como essa

comunidade de política é tradicionalmente relacionada com a direita, e foi construída ao

longo de seus governos, podemos interpretar esse resultado como sucesso dos governos

de esquerda na neutralização da influência da rede nos processos de licitação. Em segundo

lugar, entretanto, os resultados apontam para que, também em governos de esquerda, o

poder econômico e/ou o porte das empresas são importantes na definição do volume de

136 A regressão envolveu 92 casos, alcançando R2 de 0,44 e estatística F de 23,7 (significativa a 99%). Neste modelo,

assim como no que se segue, a variância explicada cai muito em relação ao modelo original, principalmente pela retirada da inclinação ideológica .

158

vitórias das empreiteiras. De fato, os tamanhos dos coeficientes da variável capital nas duas

regressões sugerem que o efeito do poder econômico seja similar, mas levemente mais

elevado em governos de esquerda do que de direita, embora o efeito possa se dever à

inexistência de outras variáveis na regressão.

Tabela 18: Coeficientes da regressão – Governos de Esquerda

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

Estatística t Signif.

B Desvio Padrão Beta

Constante 15,027 ,088 169,976 ,000

Capital (da junta comercial) 0,00000000137 ,000 ,461 4,159 ,000

Obs.: Variável dependente transformada (log neperiano do volume total).

Na política de saneamento do Rio de Janeiro, empresas de capital muito alto

apresentavam um padrão diferente de intermediação e permeabilidade que empresas de

capital baixo. Com relação a SVP, o capital tende a ser maior entre os vencedores de

governos de direita e as empresas de capital mais elevado tendem a se localizar mais

próximas do secretário de vias públicas138. Como a distância ao secretário, para uma dada

empresa, tende a ser menor em governos de direita, testamos se a correlação entre capital

e distância ao secretário persiste quando controlada por governos de direita/esquerda. Os

resultados se mantêm quase sem alteração139, indicando que em todas as administrações

as empresas de capital elevado tendem a se localizar mais próximas ao núcleo do poder

institucional, quando comparadas com as de capital mais baixo. Esse efeito, entretanto, é

maior em governos de direita, quando a distância tende a ser ainda menor.

137 O número de casos é de 65, sendo o R2 igual a 0,213 e a estatística F igual a 17,298, significativa a 99%. 138 A distância ao prefeito, entretanto não apresenta significância. As correlações são de -0,278 (sig. de 99%) para

secretários e de –0,114 (sig. de 0,84) para prefeitos. 139 As correlações simples entre direita e capital e entre capital e distância ao secretário são, respectivamente: 0,17 e –

0,28. A correlação parcial de distância e capital, controlada pela direita/esquerda continua significativa a 95 % e igual a –0,22.

159

Conclusão

Este livro teve como ponto de partida a tentativa de explicar o desenrolar de uma

política pública urbana. Como vimos, esse exercício envolveu o desenvolvimento de vários

eixos de análise empírica e de esforço conceitual. A complexidade das informações

levantadas seria difícil de reproduzir e redundante para o leitor, mas é interessante revisitar

os aqui as principais descobertas e os elementos explicativos discutidos, assim como tentar

estabelecer pontos de partida mais amplos para futuras análises.

Os órgãos públicos municipais estiveram durante a maior parte do período estudado

sob o controle do campo político da direita. Como vimos no capítulo 2, esse controle foi

exercido de duas formas associadas. Em primeiro lugar, se deveu à ocupação dos caprgos

mais importantes por indivíduos desse campo garantida, no regime militar pelas indicações

dos prefeitos, mas também por um bom desempenho eleitoral da direita nos pleitos para o

executivo paulistano. Um segundo importante elemento na construção do poder da direita

em nível local, entretanto, esteve associado à existência de uma ampla rede de gestores

alinhada com este campo e associada de diversas formas a ele, que controlou os cargos

mais importantes das políticas de engenharia urbana durante o período estudado. Esse

elemento forneceu resolutividade ao poder institucional da direita adquirido na arena

eleitoral.

No que diz respeito aos conteúdos da política pública e aos padrões gerais de

investimentos, pudemos observar no Capítulo 3 a influência, das clivagens ideológicas

diretia/esquerda e da presença de empresas privadas de construção e serviços de

engenharia na comunidade da política urbana. O padrão geral de investimentos das políticas

de infra-estrutura em São Paulo não pode ser explicado pelo ciclo eleitoral ou pela oferta

geral de recursos para o gasto público, como gostaria a literatura de influência pluralista que

mobiliza o nexo eleitoral. Ao contrário de variáveis e processos tão gerais, encontramos um

padrão de investimentos influenciado, em primeiro lugar, pela inclinação político-ideológica

do prefeito, indicando a existência de uma razoável previsibilidade sobre o conteúdo das

políticas para os eleitores. Esta dinâmica é confirmada pela existência de uma clara

diferença entre os conteúdos das políticas implementadas por prefeitos de direita e de

esquerda, sendo os primeiros caracterizados por volumes mais elevados de investimentos,

concentrados em grande contratos, ganhos por empreiteiras de capital mais elevado,

altamente aditados (inclusive superando os limites legais e com elevados valores médios de

dispensas de licitação). Estas sólidas distinções entre as políticas de governantes de direita

e esquerda são complementadas pela análise da distribuição espacial e das características

160

distributivas da política. Governantes de esquerda tendem a implementar um padrão de

inversões mais redistributivo socialmente do que a direita, que implementa política mais

regressiva socialmente.

Por outro lado, pudemos confirmar a importância da presença e da inserção das

empresas privadas na comunidade do setor, indicando que, como já destacado por Marques

(2000), estas se constituem em um dos principais “usuários” das políticas urbanas que

envolvem obras públicas. Neste sentido, os dados demonstram que o volume geral de

investimentos é diretamente proporcional à intensidade da presença das empresas na rede,

assim como à sua proximidade com os detentores do poder institucional. Em outras

palavras, quanto mais vínculos as empresas privadas tinham na rede da comunidade, assim

como quanto mais próximas estiveram do secretário de vias públicas, mais recursos foram

gastos pela Secretaria. Este padrão é verdadeiro tanto para governos de direita quanto de

esquerda, embora o seu patamar seja mais elevado nos primeiros. Além disto, em

administrações de direita as empresas tendem a ter mais vínculos, assim como se

posicionarem mais próximas aos secretários. Por fim, tanto em governos de direita quanto

de esquerda a importância relacional das empresas na rede é independente do seu capital,

embora este tenda a ser mais elevado em administrações de direita.

Todos esses elementos são quase completamente desconsiderados pelas literaturas

de políticas públicas e estudos urbanos, que se concentram em atores presentes na

sociedade e processos econômicos para a explicação das políticas do Estado.

Por outro lado, a análise espacial dos investimentos nos indicou, a exemplo do Rio

de Janeiro (Marques, 2000), a existência de investimentos precoces nas periferias de São

Paulo. Esta constatação não pode ser explicada por um mecanismo de “evolutivismo

urbano” (segundo o qual quanto mais antiga a região, mas os investimentos chegam) e,

novamente, se destaca a importância da esfera política nas decisões sobre a localização

dos investimentos em infra-estrutura urbana. A existência dos investimentos nas periferias

contraria a lógica do Estado capturado pelos interesses do capital, elemento destacado por

autores influenciados pelo marxismo urbano dos anos 1970. Além disso, a precocidade

desses investimentos problematiza a aplicação direta do modelo do conflito, segundo o qual

as alterações do comportamento estatal seriam derivadas de pressões políticas dos

movimentos sociais. As áreas habitadas por pobres em bairros recentes foram mais

beneficiadas no início do período estudado, quando a articulação política de base já estava

ativa, embora fosse muito localizada espacialmente e dispersa nas suas demandas.

Isoladamente, esse elemento pouco esclarece. Esses aspectos espaciais dos investimentos

tampouco podem ser explicados pela literatura da causação circular já que podemos

161

comprovar a existência de investimentos de importância nada desprezível nos espaços

periféricos em quase todo o período.

Como explicar que os investimentos tenham sido direcionados para um bairro, ao

invés de outro? Assim como no caso do vínculo eleitoral, esses elementos podem (e devem)

ser usados na explicação dos investimentos, mas não de forma mecânica. Propomos aqui

um mecanismo mais complexo. Acreditamos que mobilizações e ações estatais incipientes

tenham se reforçado mutuamente, potencializando as mobilizações em ações coletivas mais

amplas, que provocaram a ampliação das ações estatais. Mais do que produto da ação, nas

periferias, de movimentos dispersos porém crescentes, os investimentos estatais estão

relacionados à interação entre mobilizações e ação do Estado.

A questão central a considerar é que se trata de um momento de mudança do

cálculo político dos ocupantes de cargos públicos, com o crescimento da importância do

vínculo eleitoral. No Brasil, embora o vínculo eleitoral nunca tenha sido quebrado

completamente durante o regime militar, a sua importância no cálculo política das elites

certamente se reduziu muito naquele período. Nesse contexto, o início da redemocratização

representou um aumento da relevância de políticas redistributivas na construção das

carreiras políticas, inclusive de maneira prospectiva. A mudança do ambiente incidiu

fortemente sobre a forma como se construiu a agenda da classe política e das elites

burocráticas, assim como sobre o seu conteúdo. Como os cálculos desses atores estão

normalmente informados por um referencial fortemente conservador e hierárquico, se abriu

um caminho para deslocamentos na ação do Estado, mas não para a reversão completa da

produção estatal de segregação sócio-espacial.

Isso porque, apesar dos investimentos precoces nas periferias, as áreas de classe

alta receberam, no conjunto do período, um volume muito expressivo de investimentos. Isso

demonstra que a existência de investimentos importantes nas periferias não significa

necessariamente a reversão da segregação sócio-espacial. Um elemento central na

perpetuação desse padrão está ligado à cultura técnica do setor, e diz respeito à

seletividade hierárquica das políticas descrita – ou seja, os técnicos estatais, como princípio,

tendem a reproduzir a hierarquia social na definição das prioridades de investimento.

Portanto, ao contrário do elo causal considerado comumente, o início dos anos 1980

no Brasil não assistiu a um cenário onde política (mobilizações) produziu políticas (ações do

Estado). Em um ambiente político em transformação (e abertura), com a expectativa de

expansão das eleições como forma de ascensão ao poder estatal, e sob pressão crescente

vinda de baixo, as políticas geraram política, que gerou mais políticas, de forma bastante

162

próxima à descrição da dinâmica política da literatura neoinstitucionalista recente (Skocpol,

1992).

Todas essas informações corroboram a complexidade do processo decisório das

políticas da Secretaria. Como indicam as entrevistas realizadas com técnicos do setor, uma

série de fatores, contribuem para a fixação das diretrizes de ação. Conjugados com a visão

da cidade (e da sociedade) de cada administrador público, encontram-se definições técnicas

de intervenção, prioridades traçadas por burocratas, pressões populares, lobbies de

empreiteiras interessadas na utilização de certas soluções, etc. O peso relativo de cada um

desses elementos na efetivação das políticas é muito diferenciado em cada administração,

de acordo com o seu perfil político-ideológico e as decisões no seu interior. Essa dimensão

se evidencia pelas diferenças entre as administrações de esquerda e direita no que diz

respeito aos padrões redistributivos dos investimentos. Como vimos no capítulo 4, governos

de direita tendem a investir mais, proporcionalmente, em áreas da cidade habitadas por

ricos, quando comparados com governos de esquerda. Os investimentos nas periferias

também tendem a apresentar um padrão de concentração específico e diferente das

administrações de esquerda. O balanço dessas informações, indica que existem diferenças

substantivas entre governos de direita e esquerda com relação ao conteúdo redistributivo de

suas políticas. Essas podem se dever a uma maior permeabilidade dos últimos a demandas

vindas de baixo (movimentos sociais), mas também podem estar associadas à implantação

de preferências de política pública diferenciadas e bem delimitadas, que se concretizam

quando esses grupos estão no poder. Portanto, mais uma vez direita e esquerda são

diferentes e mais uma vez os processos políticos importam.

No Capítulo 5 analisamos a rede, entendida como uma das principais “estruturas”

que organiza a comunidade da política pública. A análise da rede da comunidade de

engenharia urbana em São Paulo ao longo do período indicou a existência de uma rede

bastante densa e complexa, com apenas um centro e baixa polarização. Os grupos de

indivíduos apresentaram uma estabilidade bastante grande ao longo do tempo, sendo

facilmente discerníveis os grupos com maior importância política. Os cargos tenderam a se

concentrar em uma mesma região em todos os governos de direita, sendo essa também a

região ocupada pelas empresas privadas do setor. Em administrações de esquerda, o poder

institucional, advindo da investidura dos cargos, tendeu a se localizar distante das empresas

e quase sempre associado a indivíduos do grupo de técnicos. Em todas as administrações,

as atividades de mediação na comunidade foram exercidas por um mesmo grupo, que

detém a maior parcela do poder posicional na rede.

Em seguida vimos, no Capítulo 6, que as vitórias de empreiteiras tendem a se

concentrar em poucas empresas. Dentre essas, os mais importantes vencedores tendem a

163

ter uma parcela dos recursos garantida. Embora o padrão típico de empresa do setor seja

de porte médio para pequeno, as empresas de grande porte se fizeram presentes no

mercado local de obras públicas em anos recentes. Por fim, pudemos observar que o

padrão de concentração, apesar de ter se elevado em termos de valor ganho recentemente,

sofre uma importante influência do quadro legal que regula as licitações.

Além disso, analisamos a participação das empresas nas redes de relações da

comunidade. Pudemos mostrar que o volume de vitórias das empreiteiras em licitações

tende a ser maior em governos de direita do que em governos de esquerda, assim como

tende a ser mais elevado para empresas de maior capital. As posições das empresas da

rede também influenciam seus volumes de vitórias. Empresas com mais vínculos, assim

como mais próximas do prefeito e do secretário de vias públicas, tendem a vencer volumes

mais elevados de recursos. Esse efeito se mantém praticamente idêntico quando

analisamos isoladamente os governos de direita, mas em governos de esquerda a única

variável que tende a influenciar positivamente o volume de vitórias é o capital das empresas.

Em termos mais analíticos, a permeabilidade do Estado presente nas políticas de

SVP em São Paulo está baseada nos três tipos de poder levantados por Marques (2000) -

econômico, posicional e institucional. Para o conjunto dos governos, assim como para

governos de direita, as empresas que dispõem desses três poderes tendem a vencer mais.

Em governos de esquerda, os poderes institucional e posicional não explicam o padrão de

vitória. Aparentemente, os governos de esquerda do período foram bem sucedidos em vetar

o acesso das empresas ao poder institucional (como apresentado no “discurso nativo”

dessas administrações), assim como neutralizar o efeito do poder posicional da rede da

política, muito fortemente associada às administrações de direita e a seus gestores. Mais

uma vez ficou confirmada, portanto, a importância da clivagem esquerda/direita para a

definição dos conteúdos das políticas, assim como para os procedimentos para a sua

implementação.

Comprando com o caso do Rio dede Janeiro, podemos dizer que a rede de SVP,

entendida como estruturação do conjunto de vínculos de inúmeros tipos estabelecidos ao

longo das vidas dos indivíduos e das organizações, é menos central na permeabilidade em

São Paulo do que havia se mostrado no caso da Cedae. Na política de saneamento carioca,

o padrão de vitórias não dependia do poder econômico, nem do poder institucional, mas

apenas de determinadas formas de poder posicional. Apenas para as empresas de grande

porte que “invadiram” o mercado local a partir do final dos anos 1980, o poder institucional

importava. No caso de São Paulo, estar próximo dos detentores do poder é importante, ao

menos em governos de direita, assim como faz diferença ser grande economicamente.

164

Essa comparação com o padrão carioca nos permite acrescentar um elemento

institucional na explicação da permeabilidade, já presente mas muito pouco explícito em

Marques (2000). As informações apresentadas aqui indicam que agências de tipos

diferentes não apenas geram (e, em parte, são geradas por) redes de tipos e características

distintas, mas são centralidade diferente às redes no desenrolar da política e, mais

especificamente, ao poder posicional. Embora o número de estudos de organizações e

redes ainda seja pequeno, podemos dizer que em uma agência insulada e horizontalizada

como a Cedae, aparentemente tanto políticos quanto empresas privadas necessitam

adquirir poder posicional para chegar a seus objetivos – administrar e ganhar contratos. O

valor atribuído ao poder posicional nesse caso é elevado, fato que se expressa inclusive no

status da burocracia. No caso de uma agência pouco institucionalizada e escassamente

insulada como SVP, a importância da estrutura da rede e dos vínculos construídos

paulatinamente é muito menor e, portanto, o valor das posições é muito mais baixo. Em um

caso como esse, a permeabilidade também está associada aos poderes econômico e

institucional, assim como a dinâmicas relacionais derivadas desses.

Vale acrescentar um último ponto no que diz respeito à integração das redes aos

argumentos mais gerais sobre o padrão de investimentos. Como vimos, o estudo da

dinâmica da rede do setor nos ajudou a explicar inúmeras dimensão da política. Essa

análise, entretanto, não nos especificou que tipo de política seria implementada a cada

momento, ou que áreas da cidade seriam beneficiadas (e conseqüentemente que grupos

sociais receberiam os benefícios). Isso porque os conteúdos concretos das políticas não são

deriváveis diretamente das redes. Eles são em primeiro lugar oriundos do processo eleitoral,

no qual é escolhido o projeto de política a ser implementado mediante o controle do Estado.

Por essa razão, há relação entre a clivagem ideológica e conteúdos de políticas. Os

indivíduos que detenham o poder institucional oriundo das urnas, entretanto, não poderão

implementar seus projetos sem um grau razoável de negociação com os encarregados da

gestão da máquina pública. Nesse particular ganha importância o poder posicional. Esse é

indispensável para operar as organizações estatais que transformam diretrizes ou decisões

em políticas. Em governos de direita, esse poder já está ganho no nosso caso específico,

visto que a rede da comunidade da engenharia urbana encontra grande proximidade com

esse campo político e ideológico. Em governos de esquerda, entretanto, para transformar as

suas decisões (e as preferências do eleitorado que os elegeram) em políticas públicas, os

detentores do poder institucional têm que trazer de fora da comunidade os principais

quadros técnicos. Dada a proximidade da rede com o campo político e de políticas

adversário, esses técnicos se integram à rede da comunidade trocando poder institucional

por poder posicional com os poucos indivíduos que, aos seus olhos, realmente

165

implementariam suas diretrizes. Ganha destaque então grupo de técnicos, que recebe poder

institucional em troca de seu (pequeno) poder posicional. Nesse caso (e ao contrário dos

governos de direita), os detentores de poder econômico tendem a se localizar longe do

poder institucional no interior da rede. Mesmo em governos de esquerda, entretanto, o

resultado - o conteúdo concreto das políticas - dependerá da capacidade de implementar

essa estratégia com sucesso.

166

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173

Anexos metodológicos

174

Anexo 1: Análise dos Investimentos

Todos os dados primários da pesquisa, referentes aos investimentos em infra-

estrutura viária realizados pela Secretaria de Vias públicas (SVP), foram coletados

diretamente dos Diários Oficiais do Município (DOM). A coleta foi realizada à Câmara

Municipal de São Paulo, uma vez que esta disponibiliza ao público sua seção de arquivo dos

diários oficiais, onde puderam ser pesquisados todos os diários referentes ao período de

1975 a 2000. Nesta publicação encontram-se divulgados os atos administrativos da

Secretaria, como a contratação de empresas para a realização de serviços e obras de infra-

estrutura viária.

Foram coletadas apenas as informações relevantes ao objeto de pesquisa, dados

referentes a obras e serviços realizados pela Secretaria de Vias Públicas, tais como

pavimentação e drenagem de vias, canalização de córregos, construção de galerias de

águas pluviais, obras de emergência, contenção de taludes, reforço estrutural de pontilhões

e viadutos, bem como seus respectivos projetos e serviços de assessoria/consultoria. Por

outro lado, informações referentes à aquisição de materiais, despachos relativos a

funcionários, assuntos burocráticos internos à Secretaria e informações referentes ao

Departamento de Iluminação Pública não foram considerados, por não serem relevantes ao

objeto da pesquisa. A emissão de notas de empenho e de cauções também não foi

considerada, uma vez que representa uma informação redundante após a assinatura dos

contratos.

Todos os serviços e obras acima referidos são objeto de procedimento licitatório

obrigatório, com exceção de alguns casos específicos, como obras de emergência, que

gozam de dispensa de licitação. A Secretaria de Vias Públicas deve publicar desde os

editais de convocação para tais obras até sua adjudicação, homologação pelo secretário e

resumo dos extratos de contrato. A informação mais importante para a pesquisa é

justamente essa etapa final, os resumos de contrato, que apresentam necessariamente o

tipo de licitação que rege a contratação e seu processo, um resumo do escopo da obra ou

serviço, sua localização, valor da contratação e empresa vencedora, além da data de

assinatura do compromisso entre o órgão público e a empresa.

Além dos extratos de contrato, foram coletados também os aditamentos, que

podem referir-se à prorrogação de prazos, a modificações do escopo das obras e ainda a

alterações em seu valor (reforços ou reduções de valor contratual). Apenas os aditamentos

referentes a alterações no valor original dos contratos foram considerados na análise. Foram

registradas ainda as rescisões de contrato e suspensões temporárias.

175

O banco contém mais de 5 mil registros, incluindo os escopos das obras realizadas,

suas formas de contratação (tipo de licitação), suas extensões temporal e espacial, o rol de

empresas vencedoras ao longo dos anos e o valor obtido por cada uma delas através da

realização dos mais variados tipos de obras e serviços.

Alguns esclarecimentos metodológicos, referentes à construção e à classificação das

informações, são necessários. Em relação à dimensão temporal, é importante destacar que

há diferentes datas no interior do banco: a primeira refere-se à publicação das matérias no

Diário Oficial e foi utilizada sempre que houve necessidade de conferência das informações;

a segunda data presente no banco corresponde ao ano do contrato quando este é aditado, e

foi um dado importante uma vez que as sequências numéricas dos contratos sempre são

reiniciadas no início do ano; as duas últimas datas geralmente são coincidentes (data do

contrato e data da obra), pois a data efetiva de assinatura do contrato (anterior, logicamente,

à sua publicação) foi tomada como data de início da obra. A diferenciação fez-se

necessária, pois há alguns casos excepcionais de contratos suspensos temporariamente

que foram retomados alguns anos depois. Nesses casos, tomou-se como data efetiva a data

da retomada das obras. Contratos vultosos e muito extensos temporalmente (com duração

de até dez anos), tiveram seus valores dispersos através das datas de seus aditamentos,

para que não se incorresse no erro de considerar todo o montante investido aplicado

imediatamente na data do contrato. Na grande maioria dos casos, porém, a data do contrato

foi a data utilizada nas análises estatísticas.

Foi descoberto que em alguns casos não havia correspondência entre os processos

do contrato e de seus respectivos aditamentos, ao contrário do padrão geral. Isto ocorreu

especialmente quando os aditamentos correspondiam a alterações não explicitadas do valor

contratual (“aprovação de preços extra-contratuais”). Nesses casos, o que prevaleceu foi o

processo do contrato, mas os processos dos aditamentos foram mantidos em “Processo

Completo”. Também ocorreram casos inversos, em que vários contratos diferentes

apresentavam o mesmo processo (especialmente quando se tratava de lotes de obras de

mesmo tipo licitadas em conjunto). Aí o critério adotado foi a utilização do processo dos

aditamentos (iguais entre si para cada contrato, mas diferentes do original).

A respeito dos tipos de licitação, é necessário esclarecer algumas categorias que, a

rigor, não são licitações, mas que foram classificadas como tal para facilitar a construção do

banco. Uma delas é a rescisão, que foi mantida no banco apesar de representar uma

ruptura em relação àquilo que originalmente tinha sido contratado pela Secretaria. Alguns

contratos rescindidos até seis meses depois de seu início foram excluídos do banco, por

considerar-se esse tempo insuficiente para a realização, mesmo parcial, de qualquer tipo de

obra ou serviço. Os contratos que superam esse critério temporal foram mantidos, e o valor

176

considerado geralmente foi o estabelecido na data da obra. Infelizmente, em pouquíssimos

casos o Diário Oficial informa o valor exato recebido pela empresa em casos de rescisão.

A outra categoria que necessita de esclarecimentos é a dos aditamentos.

Conforme descrito acima, só foram considerados os aditamentos que alteraram de alguma

forma o valor do contrato (direta ou indiretamente, através de acréscimos ou reduções). Há

no banco duas informações - a quantidade total de aditamentos que cada contrato recebeu,

com ou sem valor explícito, e outra coluna referente apenas ao número de aditamentos com

valor expresso. Esta última coluna foi a utilizada nas análises estatísticas.

Alguns contratos destacaram-se por seus aditamentos, seja pelo grande número

apresentado (há contratos com mais de dez aditamentos), seja pelo enorme valor de cada

um (há casos de aditamentos que, isolados, superam o valor inicial do contrato –

especialmente em 1993 e 1994). Os casos de aditamentos de contrato que superavam 25%

do valor original, contrariando estipulações legais, foram analisados com mais cuidado:

retornamos à Câmara Municipal e verificamos um a um.

É importante esclarecer aqui os critérios utilizados em relação às retificações.

Estas foram anotadas quando correspondiam a alterações realizadas em valores, tanto de

contratos quanto de aditamentos. No caso de contratos retificados, o valor incorreto foi

substituído, mas as informações originais do contrato foram mantidas, para que as datas e

os tipos de concorrência fossem preservados. No caso de aditamentos, a retificação

substituiu completamente as informações erradas, e a correção monetária foi realizada

tomando-se como base a data da retificação.

A conversão monetária dos contratos efetuou-se com a utilização do programa

“Indexa”, e a atualização dos mesmos por meio dos índices de inflação foi realizada através

do índice IGP-DI, publicado periodicamente pela Fundação Getúlio Vargas e também

presente no programa. Levando-se em consideração a grande quantidade de mudanças de

moeda ocorridas durante o período da análise e as alterações provocadas pelos elevados

índices de inflação, pode-se dizer que houve uma certa dificuldade nessa atividade. Tivemos

que contornar prováveis erros dos funcionários da Secretaria de Vias Públicas,

principalmente nos períodos de mudança de moedas, pois ocorreram casos de contrato com

valores inverossímeis (especialmente nos contratos firmados no período que antecede

imediatamente a implantação do Real). Nesses casos, optou-se por considerar o valor da

nova moeda na conversão.

177

Anexo 2: Recomposição da Rede de relações por governo

Para recompor as redes de relações em cada administração municipal abrangida

pela pesquisa, foram realizadas 26 entrevistas com funcionários e técnicos, aposentados

e/ou ainda em atividade, ligados em algum momento à Secretaria de Vias Públicas, entre o

período de 1978 a 1998. Várias questões pertinentes ao processo decisório da política de

infra-estrutura urbana foram formuladas, visando cobrir diferentes aspectos desta política.

Desse modo, não seguimos nenhum roteiro geral, e cada entrevista adquiriu um caráter

muito específico, uma vez que sempre levamos em consideração o tipo de informação

específica que cada entrevistado poderia nos fornecer.

Foram realizadas, em primeiro lugar, 16 entrevistas visando cobrir vínculos gerais

entre pessoas associadas de alguma forma a SVP, sendo entrevistados desde funcionários

de carreira , diretores das diferentes subdivisões de SVP, secretários e pessoas ligadas à

comunidade dos engenheiros. Após uma primeira fase da entrevista, que explorou aspectos

do processo decisório, desenvolvemos uma segunda parte, na qual fornecemos uma lista de

nomes para cada entrevistado, que mencionava três outros nomes vinculados a cada um

fornecido, sem especificar o momento ou o tipo do vínculo. Essas entrevistas nos

forneceram no total 250 nomes de pessoas ligadas entre si de algum forma.

O passo seguinte consistiu na tentativa de especificação do tipo de vínculo que unia

essas pessoas. Assim, foram realizadas 3 entrevistas referentes a tipos de vínculos,

classificados em 5 categorias: vínculo “familiar”, de “amizade”, “político”, de “trabalho ou

institucional” e vínculo de “negócios” (que inclui todas as relações que envolvem de alguma

forma dinheiro – inclusive de maneira ilícita). Nessas entrevistas, fornecíamos as relações

entre pessoas identificadas na fase anterior e pedíamos aos nossos entrevistados que

caracterizassem livremente cada tipo de vínculo. Esse procedimento não se mostrou muito

frutífero e/ou confiável, uma vez que não pudemos diferenciar com clareza a natureza das

diferentes relações que uniam as pessoas, pois os entrevistados tendiam a agregar os

diferentes tipos de vínculo sugeridos por nós e evitar falar de tipos de vínculo considerados

mais “comprometedores”. Por essa razão, esses resultados não foram usados e

consideramos apenas vínculos em geral.

Também tentamos identificar em entrevistas as diferentes gerações às quais

pertenciam os 250 nomes citados, atividade imprescindível para a elucidação da duração

(início e término) de cada vínculo entre as pessoas, ainda mais considerando o largo

intervalo de tempo abrangido pela pesquisa. O procedimento utilizado nesse tipo de

entrevista consistiu na elaboração de 5 grupos idade, considerados como diferentes

178

gerações (que se relacionam muitas vezes entre si ao longo do tempo) e já descritos no

capítulo 2.

De modo a completar essas informações referentes às gerações, realizamos

entrevistas para detectar o momento de origem dos vínculos entre as pessoas,

procedimento que permitiu caracterizar as diferentes gerações que conviviam em períodos

específicos e também esclareceu a predominância de diferentes grupos de indivíduos em

cada administração.

Além dessas entrevistas, foram realizadas outras visando esclarecer vínculos de

empresas privadas com pessoas físicas relacionadas à Secretaria, que seguiram o mesmo

procedimento utilizado nas entrevistas de vínculos entre as pessoas: citávamos o nome de

uma empresa e pedíamos 3 nomes de pessoas associados a ela. Esse procedimento

permitiu mapear a posição das empresas privadas nas redes de cada governo e também

detectar suas relações com grupos específicos no interior da Secretaria.

Após o término das entrevistas, foram elaboradas tabelas de relações entre pessoas

e entre pessoas e empresas: todos os nomes citados (de pessoas físicas e de empresas)

foram dispostos igualmente em linhas e colunas, e então ligados por meio dos vínculos

citados nas entrevistas. Essas tabelas, que matematicamente correspondem a matrizes de

relações entre as pessoas vinculadas à Secretaria, foram construídas por meio do programa

“Ucinet”. Foram elaboradas diferentes matrizes para cada administração municipal entre

1978 e 1998, com exceção das administrações do início do período (Olavo Setúbal,

Reynaldo de Barros e Salim Curiati), que foram agrupadas como já comentamos.

A partir das matrizes de relações, começamos a descrever os atributos dos

indivíduos em cada período, a fim de caracterizá-los melhor. Foram consideradas as

seguintes categorias: gerações (descritas acima), setor de pertencimento (obras, projeto ou

gabinete), cargos ocupados naquela administração (prefeito, secretário, superindentente,

diretor, chefe de gabinete ou técnico), pertencimento ao setor público ou privado,

pertencimento à burocracia ou à esfera da política. Essas categorias permitiram elucidar que

tipo de atributo era mais relevante em cada administração, e também testaram a importância

da posição dos indivíduos no interior da rede, como vimos no Capítulo 5.

O conjunto de entrevistas incluiu os seguintes indivíduos (sendo alguns entrevistados

mais de uma vez): Amílcar Boucinhas, Adriano Constantino, Afonso Lobo Filho, Antônio

Osvaldo Fernandes, Ariovaldo Tadeu Parissoto, Beatriz Lomônaco, Carlos Packer, Darci

Lepic, Delmar Mattes, Fátima Mazucanti, Francisco Carlos Basso, Geraldo Jacob Jorge,

Gerôncio Albuquerque, José Masi, Nelson Beti de Oliveira, Olga Camilo, Paulo Rosa, Paulo

179

Tanoe, Pedro Algodoal, Rafael Pollan, Raul Schinazzi, Regina Fátima Fernandes, Renato

Tagnin, Roberto MacFadden, Thais Dinardi.

180

Anexo 3: Produção da base espacial

A fim de realizar a distribuição dos investimentos, desenvolvemos uma base espacial

que agrega espaços habitados por grupos populacionais similares, sob o ponto de vista

sócio-econômico. Esse procedimento teve por objetivo escapar dos problemas

metodológicos que adviriam da utilização de um modelo pré-concebido de distribuição dos

grupos sociais no espaço, como um modelo radial-concêntrico ou uma estruturação em

setores circulares, induzindo o resultado pela forma de agrupar as informações (Marques,

1998).

Para a construção dessa base espacial, partimos de informações sócio-econômicas

presentes na pesquisa de Origem-Destino (OD), realizada pela Companhia do Metrô, em

1997. Essa pesquisa tem as informações coletadas agrupadas pelas chamadas “Zonas OD”

que, no interior do município de São Paulo, totalizam 393. Considerando que os

investimentos estudados não permitem uma localização de tão grande detalhe, essas zonas

foram reagrupadas nos 96 distritos censitários utilizados pelo IBGE em 1991, utilizando para

tanto um software de informações geográficas (Maptitude).

Foram utilizadas as seguintes variáveis, presentes na pesquisa OD ou obtidas por

manipulações algébricas a partir das variáveis da pesquisa: proporção da população do

distrito habitante em favelas; idade média da população; Informações sobre escolaridade -

proporção da população sem escolaridade, com primeiro grau incompleto ou completo; com

segundo grau completo ou curso superior completo; Informações sobre ocupação –

proporção da população do distrito com ocupação constante; com ocupação eventual;

aposentados e pensionistas; não ocupados; Informações sobre estabilidade do vínculo -

assalariados sem carteira; assalariados com carteira; funcionários públicos; autônomos;

empregadores; profissionais liberais; Informações da mão de obra ocupada por setor –

agrícola, construção civil, indústria, comércio, serviços em geral, serviços creditícios e

financeiros, e administração pública; renda média da população do distrito, proporção da

população que habita domicílios próprios; proporção da população que ocupa domicílios

alugados, proporção dos habitantes que chegou ao bairro a menos de 10 anos e que

chegou ao município a menos de 10 anos.

As informações das zonas “OD” foram então submetidas à análise fatorial por

componentes principais. Os sete primeiros fatores apresentaram autovalores superiores a 1,

e os três primeiros superiores a 2,5, verificando-se a partir daí uma queda nas diferenças

entre os autovalores. Os coeficientes de correlação entre os fatores rotados e as variáveis

originais indicam que os três primeiros fatores representam as características descritas no

corpo do livro.

181

Os três fatores foram submetidos à análise de cluster, que agregou as unidades em

seis grupos e uma unidade isolada. Essa unidade – Marsilac - foi retirada da análise por ser

atípica e não importante para a análise. Os seis grupos unidades foram caracterizados pelos

seus fatores médios, apresentando os conteúdos já descritos no corpo do livro.