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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PATRICIA HRADEC LESTAT DE LIONCOURT: FACES DE UM VAMPIRO São Paulo 2020

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PATRICIA HRADEC

LESTAT DE LIONCOURT: FACES DE UM VAMPIRO

São Paulo

2020

PATRICIA HRADEC

LESTAT DE LIONCOURT: FACES DE UM VAMPIRO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Letras. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Luiza Guarnieri Atik

São Paulo

2020

H873L Hradec, Patricia.

Lestat de Lioncourt : faces de um vampiro / Patricia Hradec. 157 f. ; 30 cm

Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Presbiteriana

Mackenzie, São Paulo, 2020. Orientadora: Maria Luiza Guarnieri Atik.

Referências bibliográficas: f. 148-157.

1. Vampiros. 2. Anne Rice. 3. Lestat de Lioncourt. 4. Crônicas

vampirescas. I. Atik, Maria Luiza Guarnieri, orientadora. II. Título.

CDD 813.5

Bibliotecária Responsável: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB 8/8925

Folha de Identificação da Agência de Financiamento

Autor: Patricia Hradec

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras

Título do Trabalho: Lestat de Lioncourt: faces de um vampiro

O presente trabalho foi realizado com o apoio de1:

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Instituto Presbiteriano Mackenzie/Isenção integral de Mensalidades e Taxas

MACKPESQUISA – Fundo Mackenzie de Pesquisa

Empresa/Indústria:

Outro:

1Observação: caso tenha usufruído mais de um apoio ou benefício, selecione-os.

X

X

Dedico essa tese a todos aqueles que compartilham do mesmo gosto por esses seres fascinantes: os vampiros.

AGRADECIMENTOS A Jeová Deus pela dádiva da vida.

Aos meus pais, Ewaldo (in memoriam) e Margareth, por todos os anos de apoio.

Ao meu filho Octávio e meu marido João Paulo, bem como meu irmão Luciano e

meus sogros Oswaldo e Jurema, pela paciência e incentivo de sempre.

Às amigas: a escritora Antonia Vaz e minha prima Tallyta Pavan, por todo incentivo

intelectual e por acreditarem em minha capacidade.

Aos amigos Rosemeire e Joe Johnstone, que mesmo longe, apoiaram as ideias da

tese.

À amiga Silvana Kanai, que por diversas vezes ajudou, não apenas incentivando,

mas também, trocando valiosas ideias.

Em especial à professora Dra. Gloria Carneiro do Amaral, por toda amizade e

parceria ao longo desses anos, minha eterna gratidão vampírica.

A todos os colegas e professores do curso de Doutorado em Letras que me

ajudaram a desenvolver e organizar as ideias. Em especial Dafne Di Sevo Rosa,

Danielli de Cassia Morelli Pedrosa, Priscila Fernandes Balsini e Eduardo da Rocha

Marcos, que gentilmente apoiaram sempre com palavras sábias, nos momentos

mais tensos.

À minha orientadora Dra. Maria Luiza Guarnieri Atik, por toda a paciência e coragem

para encarar essa missão.

Às professoras Dra. Ana Lúcia Trevisan e Dra. Renata Philippov, que amorosamente

contribuíram para o desenvolvimento e amadurecimento deste trabalho, desde meu

início na dissertação de mestrado, quando plantaram a “sementinha” do doutorado.

À professora Dra. Juliana Porto Chacon Humphreys, que nos honrou ao aceitar o

convite para participar da banca examinadora.

Ao professor Dr. Alexander Meireles da Silva, que em 2012 na UERJ, gentilmente

doou materiais para a “novata pesquisadora” de vampiros e desde então, tem

ajudado a esclarecer vários pontos de dúvidas e que também nos honrou ao fazer

parte da banca examinadora.

Aos professores Fernando Brito e Raphael Cubakowic, que magistralmente

conduziram o curso Drácula no Cinema e dividiram conhecimento, contribuindo para

o desenvolvimento dessa tese.

Ao professor Dr. José Luiz Fiorin, que atenciosamente leu os primeiros esboços e de

maneira magistral, deu ótimos conselhos e sugestões que contribuíram muito.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, que contribuiu para meu desenvolvimento

acadêmico.

Ao MackPesquisa e a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior) pelo apoio e incentivo financeiro.

E a todos que, de maneira direta ou indireta, contribuíram para que esse trabalho se

concretizasse, meu muito obrigada.

[...] Estelle [...] explicava-me

enfaticamente, [...] que os vampiros não

faziam aqueles horrores sozinhos [...] os

homens eram capazes de males muito

maiores que os vampiros. (Entrevista com

o Vampiro, 1992, p. 242)

E, mais do que nunca, eu (Lestat) estava

decidido a não beber sangue inocente. (O

Vampiro Lestat, 1999, p. 16)

Não basta apenas esperar por leite e mel,

às vezes pra [sic] ser bom, é preciso ser

cruel. (Manifesto do Nada na Terra do

Nunca, 2013, prólogo)

RESUMO

Os vampiros, criaturas supostamente imortais, causam por vezes horror, mas em

sua grande maioria, fascínio. Sendo criaturas cíclicas, aparecem vez por outra em

obras que, ora os odeiam, ora os cultuam. Esta tese tem por objetivo apresentar a

trajetória do protagonista das Crônicas Vampirescas de Anne Rice, o vampiro Lestat

de Lioncourt de três momentos distintos: no 1º volume, de 1976, Interview with the

Vampire (Entrevista com o Vampiro), ele aparece como um vilão; no 2º volume, de

1985, The Vampire Lestat (O Vampiro Lestat), ele aparece como um herói e, no 11º

volume, de 2014, Prince Lestat: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat), ele

aparece como o príncipe dos vampiros, organizando a tribo ao redor do mundo. O

caminho percorrido por Lestat leva-nos às reflexões sobre a humanização dos

vampiros e como esses seres sobreviveram, se modificaram e se atualizaram ao

longo dos séculos. Para tal, explanaremos tanto sobre a Literatura Gótica quanto

sobre os vampiros literários, desde suas origens no século XVIII, passando por suas

transformações entre os séculos XIX, XX e XXI, até chegar em suas relações com a

escritora Anne Rice. Apresentaremos brevemente as três obras supracitadas, bem

como o conceito de mise en abyme e sua ligação com as Crônicas Vampirescas.

Faremos também, conexões com diversos teóricos para fortalecer nossos subsídios,

como Fred Botting (1999 e 2000), David Punter (2000 e 2004), Glennis Byron

(2004), Nina Auerbach (1995), Julia Kristeva (1982), Claude Lecouteux (2005), J.

Gordon Melton (2003), Zygmunt Bauman (1998, 2001 e 2008), Joseph Campbell

(2007), David Roas (2014), Rosalba Campra (2016), entre outros. Apresentaremos

Lestat como um vampiro edipiano e contador de histórias, além de seus aspectos no

que diz respeito à vilania, ao heroísmo e ao principado. Finalmente, refletiremos

sobre a humanização e a contemporaneidade, bem como suas relações com os

vampiros de Anne Rice.

Palavras-chave: Vampiros. Anne Rice. Lestat de Lioncourt.

ABSTRACT

Vampires, supposedly immortal creatures, sometimes cause horror, but for the most

part, fascination. Being cyclical creatures, they occasionally appear in works that

sometimes hate them, sometimes worship them. This thesis aims to present the

trajectory of the protagonist of Anne Rice's Vampire Chronicles, the vampire Lestat

de Lioncourt from three different moments: in the 1st volume, in 1976, Interview with

the Vampire, he appears as a villain; in the 2nd volume, in 1985, The Vampire Lestat,

he appears as a hero and, in the 11th volume, in 2014, Prince Lestat: The Vampire

Chronicles, he appears as the prince of the vampires, organizing the tribe around the

world. The path taken by Lestat leads us to reflections on the humanization of

vampires and how these beings have survived, modified and updated themselves

over the centuries. For this purpose, we will explain both Gothic Literature and

literary vampires, from their origins in the 18th century, going through their

transformations between the 19th, 20th and 21st centuries, until reaching their

relations with the writer Anne Rice. We will briefly present the three aforementioned

works, as well as the concept of mise en abyme and its links with the Vampire

Chronicles. We will also make connections with several theorists to strengthen our

studies, such as Fred Botting (1999 e 2000), David Punter (2000 e 2004), Glennis

Byron (2004), Nina Auerbach (1995), Julia Kristeva (1982), Claude Lecouteux

(2005), J. Gordon Melton (2003), Zygmunt Bauman (1998, 2001 e 2008), Joseph

Campbell (2007), David Roas (2014), Rosalba Campra (2016), among others. We

will introduce Lestat as an oedipal vampire and a storyteller, in addition to his aspects

regarding to villainy, heroism and principality. Finally, we will reflect on humanization

and contemporaneity, as well as their relationships with Anne Rice's vampires.

Keywords: Vampires. Anne Rice. Lestat de Lioncourt.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12

1. A LITERATURA GÓTICA .................................................................................23

1.1. SÉCULO XVIII – AS ORIGENS DO GÓTICO ............................................... 24

1.2. SÉCULO XIX – O GÓTICO ........................................................................... 25

1.3. SÉCULOS XX E XXI – ALGUMAS TRANSFORMAÇÕES ............................ 36

1.4. ANNE RICE E O GÓTICO ............................................................................. 39

2. VAMPIROS LITERÁRIOS ATRAVÉS DOS SÉCULOS................................... 47

2.1. SÉCULO XVIII .............................................................................................. 50

2.2. SÉCULO XIX ................................................................................................ 51

2.3. SÉCULO XX ................................................................................................. 56

2.4. SÉCULO XXI ................................................................................................ 60

2.5. APRESENTAÇÃO DAS OBRAS .................................................................. 70

2.5.1. Interview with the Vampire (1976) ........................................................... 70

2.5.2. The Vampire Lestat (1985) ....................................................................... 74

2.5.3. Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) ...................................... 83

2.6. O CONCEITO DE MISE EN ABYME E AS CRÔNICAS VAMPIRESCAS ..... 89

3. LESTAT DE LIONCOURT .............................................................................. 94

3.1. O VAMPIRO EDIPIANO ............................................................................... 96

3.2. O CONTADOR DE HISTÓRIAS ................................................................... 102

3.3. LESTAT: O VILÃO, O HERÓI E O PRÍNCIPE ............................................. 106

3.4. A HUMANIZAÇÃO DOS VAMPIROS DE ANNE RICE ................................. 124

3.5. A CONTEMPORANEIDADE E OS VAMPIROS DE ANNE RICE ................. 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 144

REFERÊNCIAS SOBRE A OBRA DE ANNE RICE ........................................... 148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 150

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INTRODUÇÃO

Encontramos criaturas vampirescas ao longo dos tempos e em diversas

partes do mundo, como figuras folclóricas ou como personagens literárias, mas em

quase todos os povos essa figura, ora surge como uma bruxa sanguinária, ora como

um espectro, ora como um homem ou uma mulher sedutora. Todas têm em comum

o fato de estarem sedentos de sangue.

A figura do vampiro literário transformou-se através dos séculos, o que

antigamente causava medo e terror, hoje causa fascínio e curiosidade. Eles

conseguem viver mais do que humanos com uma imortalidade relativa, pois em

alguns casos, é possível aniquilar um vampiro; também têm força e poder sobre-

humanos e podem viver à margem da sociedade ou não, dependendo do seu grau

de exibicionismo.

Diante disso surgem diversas questões sobre essa figura literária. Por que há

vampiros que vivem entre os humanos sem representar perigo? Por que há alguns

prestimosos? Será que todos se modificaram ou ainda encontramos alguns

matadores sanguinários? Como se transformaram ao longo dos tempos e deixaram

sua natureza feroz? Como um vampiro pode ter várias fases: ser um vilão, depois

ser um herói e culminar como príncipe? Ou ainda, como esses seres podem fascinar

tantos leitores?

O ponto crucial dessa tese é a análise do vampiro Lestat de Lioncourt,

personagem principal da saga das Crônicas Vampirescas de Anne Rice, que

aparece em diferentes obras: primeiro nos é apresentado como um vilão, através de

suas atitudes relatadas pelo vampiro Louis, depois passa a ser o herói e expõe sua

condição vampiresca na sociedade do século XX. E por fim, esse vampiro passa a

ser o príncipe regente que organiza e governa a tribo dos vampiros ao redor do

mundo no século XXI.

A proposta desta tese é refletir como esse vampiro se transformou no

decorrer da saga e como isso leva à sua humanização, tendo como foco as Crônicas

Vampirescas de Anne Rice que, ao longo de mais de 40 anos, vem relatando as

histórias dos vampiros em nosso mundo.

Usaremos três obras como base para nosso corpus: o primeiro volume da

saga, Interview with the Vampire (Entrevista com o vampiro), publicado em 1976; o

segundo volume, The Vampire Lestat (O vampiro Lestat) de 1985 e por fim, o

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décimo primeiro Prince Lestat: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat) de 2014,

para justificar a humanização deste e de outros vampiros.

Deixaremos de lado as mais recentes, Prince Lestat and the Realms of

Atlantis: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat e os Reinos de Atlântida: As

Crônicas Vampirescas) publicada em 2016 e Blood Communion: a Tale of Prince

Lestat (até o momento sem edição em português) de 2018, visto que, o que nos

interessa é a trajetória do vampiro Lestat de Lioncourt e como ele chega ao seu

principado, o que ocorre na obra anterior.

Os trechos que analisaremos estarão na língua inglesa conforme o texto

original e embora as primeiras duas obras, Interview with the Vampire e The Vampire

Lestat tenham datas de 1ª publicação em 1976 e 1985 respectivamente, usaremos

as edições dos anos de 2009 e 2014. Apenas as obras, Prince Lestat: The Vampire

Chronicles e seu exemplar traduzido, correspondem à 1ª edição, 2014 para a língua

inglesa e 2015 para a língua portuguesa.

As traduções apresentadas no decorrer da tese são de Clarice Lispector para

a obra Entrevista com o vampiro (1992), de Reinaldo Guarany para O vampiro Lestat

(1999) e de Alexandre D’Elia para Príncipe Lestat (2015) e, em alguns casos

optaremos pela tradução feita por nós, quando não há correspondente traduzido ou

quando percebemos divergências no conteúdo.

Iniciaremos situando a obra na literatura gótica. No primeiro capítulo

explanaremos as origens do gótico no século XVIII e continuaremos passando pelas

transformações ocorridas no século XIX, XX e culminando no XXI. Neste capítulo

teremos como base estudiosos como Fred Botting (1999 e 2000), David Punter

(2000 e 2004) e Glennis Byron (2004).

No capítulo 2 visitaremos o mito vampírico na literatura, com um levantamento

das principais obras através dos séculos, traremos a figura do vampiro para a

atualidade. Demonstraremos quais transformações ocorreram no que diz respeito ao

mito e usaremos, além das obras de Rice já citadas, outras como as de Nina

Auerbach (1995), Julia Kristeva (1982), Claude Lecouteux (2005) e J. Gordon Melton

(2003), que poderão reforçar nosso argumento em relação aos diferentes vampiros

apresentados na contemporaneidade. Faremos, também, uma breve apresentação

das obras enquanto corpus dessa tese. E por fim, apresentaremos o conceito de

mise en abyme e como ele se relaciona às Crônicas Vampirescas.

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No capítulo 3 destacaremos o vampiro Lestat de Lioncourt, e como ele se

constitui um vampiro edipiano e contador de histórias, também cotejaremos esse

vampiro de três diferentes momentos: como um vilão (1976), como um herói (1985)

e como príncipe (2014). Essa trajetória nos levará a humanização da figura

vampiresca e mostrará de que maneiras ela evolui até o século XXI. Finalizaremos

apresentando a contemporaneidade entrelaçada aos vampiros de Anne Rice.

Neste capítulo, nos basearemos nas obras teóricas de Zygmunt Bauman,

Joseph Campbell (2007), David Roas (2014) e Rosalba Campra (2016), além de

outros que poderão corroborar com esse estudo.

Anne Rice é, segundo Michael Riley (1996, p. XII), “[...] one of the most widely

read and admired writers in contemporary American Literature […]”1. Nascida em 4

de outubro de 1941, em Nova Orleans (no estado da Louisiana, nos Estados

Unidos), sob o nome de Howard Allen O’Brien. Filha de Howard O’Brien e de

Katherine, resolveu trocar o nome masculino quando entrou para o primeiro ano da

escola primária St. Alphonsus, adotando Anne.

A morte a rondou desde cedo, aos 8 anos perdeu a avó materna que morava

com a família e lhe era muito próxima. Aos 14 anos, perdeu a mãe. Em 1960, casou-

se com Stan Rice, poeta e pintor. Assumiu o sobrenome do marido como até hoje é

conhecida. A primeira filha do casal nasceu em 1966, Michele, mas em 1970 foi

diagnosticada com leucemia e em 1972, aos 5 anos de idade veio a falecer.

Em 1976, publicou a primeira obra das Crônicas Vampirescas: Interview with

the Vampire (Entrevista com o vampiro). Sob a perspectiva do vampiro Louis, a obra

narra sua trajetória imortal e sua relação com outros seres vampíricos: Lestat, o ser

que o criou; Claudia, uma vampira transformada aos 5 anos de idade e estagnada

em um corpo de criança; e Armand, um vampiro experiente. Nessa obra, Lestat é

considerado o vilão, cruel e sanguinário.

Em 1978, o segundo filho do casal, Christopher, nasceu. Atualmente é

escritor do gênero suspense e assina suas obras como Chris Rice.

Entre os anos de 1983 até 1986, Anne Rice escreveu romances eróticos com

outros pseudônimos (RILEY, 1996, p. XV). Como A. N. Roquelaure, escreveu “The

Beauty Trilogy”, composta por: The Claiming of Sleeping Beauty, 1983 (Os desejos

da Bela Adormecida), Beauty’s Punishment, 1984 (A punição da Bela – Bela

1 [...] uma das escritoras mais lidas e admiradas da literatura americana contemporânea [...] (RILEY, 1996, p. XII – tradução nossa).

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Adormecida livro 2) e Beauty’s Release, 1985 (A libertação da Bela – Bela

Adormecida livro 3 e O Reino da Bela – Bela Adormecida livro 4). Como Anne

Rampling, escreveu: Exit to Eden (1985) e Belinda2 (1986). É interessante observar

que mesmo com nomes distintos as iniciais A. R. continuaram presentes.

Em 1985, é publicada a segunda obra das Crônicas, intitulada The Vampire

Lestat (O Vampiro Lestat) que nos ajudará a entender a trajetória do vampiro como

narrador de sua própria história. É ele quem revelará ao mundo sua condição

vampírica, transformando-se em um astro do rock e despertando Akasha e Enkil

considerados os primeiros vampiros e pais de toda a nação.

Rice considera esse o primeiro livro da saga das Crônicas Vampirescas por

trazer à tona a história de Lestat, como foi transformado em vampiro, como tornou-

se ícone do mundo do rock, como incorporou-se aos humanos, como conheceu os

ancestrais vampíricos e como se adaptou ao novo século. (CANCEL, 2014, p. 39).

Em 1988, é lançada a obra The Queen of the Damned (A Rainha dos

Condenados) explicando o que aconteceu com Lestat depois que a rainha Akasha e

o rei Enkil foram despertos; em 1992 é a vez de The tale of the body thief (A História

do Ladrão de Corpos) quando Lestat decide trocar de corpos com um humano, no

intuito de sentir novamente os efeitos de um corpo mortal.

A obra Memnoch the Devil (Memnoch) é publicada em 1995 e desta vez,

Lestat terá um encontro com o próprio demônio, buscando respostas para suas

dúvidas existenciais. Em 1998, narra a história de Armand na obra The Vampire

Armand (O Vampiro Armand).

No ano 2000, a obra lançada é Merrick (Merrick – As Crônicas Vampirescas),

apresentando a bruxa homônima da família Mayfair que tentará trazer Claudia, a

menina vampiro exterminada no primeiro volume da série, de volta para o vampiro

Louis. Aqui temos uma mistura de bruxas com vampiros e um retorno da trilogia das

bruxas de Mayfair publicada nos anos 90: The Witching Hour (A Hora das Bruxas –

volume 1) de 1990; Lasher (Lasher: As bruxas de Mayfair) de 1993 e Taltos (Taltos:

As vidas dos bruxos Mayfair) de 1994.

Em 2001, é publicada a obra Blood and Gold (Sangue e Ouro) expondo a

história do vampiro Marius, desde sua transformação, passando por sua zeladoria

enquanto guardião dos ancestrais, até chegar no século XXI.

2 Esses dois livros não foram traduzidos e publicados em língua portuguesa.

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Em 2002, é lançado o romance Blackwood Farm (A Fazenda Blackwood) no

qual Lestat passa a ser apenas o ouvinte da história do humano Tarquin e dos

fantasmas que rondam a família Blackwood.

Blood Canticle (Cântico de Sangue – Crônicas Vampirescas) é publicado em

2003 e traz alguns fatos relacionados aos principais personagens da trilogia dos

Mayfair: Lestat, bruxas da família Mayfair e os seres conhecidos como Taltos. Desta

vez, Lestat narrará a história e exercerá sua capacidade de amar uma bruxa.

Em dezembro de 2002, Rice é cercada pela morte de um ente querido: seu

marido Stan morre aos 60 anos. Depois disso, Rice decide parar de escrever sobre

vampiros. Nesse ínterim, escreveu livros sobre a vida de Jesus Cristo e sobre anjos

e lobisomens. Retoma as Crônicas Vampirescas em 2014, quando publica a obra

Prince Lestat: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat).

As aventuras continuam e desta vez, Lestat será coroado príncipe regente.

Sobre a obra, Rice comenta: “[...] the novel is written to be understood by someone

who is new to the characters and the story. I always try to do that, to write a stand-

alone novel”3 (CANCEL, 2014, p. 39). Rice gosta de situar seus leitores, por isso há

sessões nessa obra que explicam as histórias anteriores, conectando-as com a atual

ou explicando os termos usados, como por exemplo, a sessão “Blood Argot”

(“Jargão do Sangue”).

Há ainda uma sessão intitulada “Blood Genesis” (“Gênese do Sangue”) que

explica: “[...] the legacy of all blood drinkers the world over to know they shared a

common bond, a common history, a common root. This is the tale of how that

knowledge changed the tribe and its destiny forever”4 (RICE, 2014, p. XV).

A saga vampiresca continua com a publicação da obra, de 2016, intitulada

Prince Lestat and the Realms of Atlantis: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat e

os Reinos de Atlântida: As Crônicas Vampirescas) quando Lestat se aprofundará

nas memórias do espírito Amel, com quem divide seu corpo, e descobrirá como era

3 [...] o romance foi escrito para ser entendido por alguém que é novo para as personagens e para a história. Eu sempre tento fazer isso, escrever um romance independente (CANCEL, 2014, p. 39 – tradução nossa). 4 [...] o legado de todos os bebedores de sangue ao redor do mundo é saber que eles compartilhavam um laço comum, uma história comum, uma raiz comum. Essa é a história de como esse conhecimento mudou a tribo e seu destino para sempre (RICE, 2015, p. XV – tradução nossa).

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sua existência nos reinos de Atlântida, a cidade mítica, perdida e engolida pelas

águas do oceano.

Em 2018, com a obra Blood Communion: A Tale of Prince Lestat (ainda sem

tradução para o português) e como o próprio título anuncia, é uma história reflexiva

sobre os erros cometidos por Lestat e os novos rumos para a tribo dos vampiros.

Até o ano de 2018, as Crônicas Vampirescas perfazem treze obras ao longo

de 42 anos e com uma vasta diversidade de personagens, ponto constante durante

a saga toda.

Como assinala Nola Cancel, “Anne’s characters seems [sic] to be their

diversity. There is a character for every reader of her books. If you enjoy villains or

angels or tormented souls or educated scholars […] you need look no further than

the work of Anne Rice”5 (2014, p. 35). Essa diversidade de personagens gera uma

identificação com diversos leitores, “[...] readers of The Vampire Chronicles can find

a character they can identify with”6 (2014, p. 28). Fazendo com que as obras sejam

uma rica fonte de leitura e pesquisa.

A seguir, destacamos alguns estudos acadêmicos e críticos relacionados ao

vampiro literário e suas implicações dentro do universo de Anne Rice. O período

abordado compreende os últimos 5 anos, de 2014 até 2018, em dissertações de

mestrado e teses de doutorado feitos no Brasil, mas há também, o levantamento de

alguns livros de períodos anteriores.

Em 2014, defendi a dissertação de mestrado sobre a humanização do

vampiro na obra de Anne Rice intitulada Vampiros Humanizados: análise da obra

Interview with the vampire de Anne Rice, pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie, projeto que me levou ao aprofundamento do tema e à vontade de

pesquisar mais para escrever a presente tese. A dissertação, cujo foco foi a

personagem Louis que conta sua história relatada a um suposto jornalista na

primeira obra das Crônicas Vampirescas, Entrevista com o vampiro (1976), foi o

ponto de partida para continuar nesse universo. Louis é um vampiro reflexivo e

5 Os personagens de Anne parecem ter sua diversidade. Existe uma personagem para cada leitor de seus livros. Se você gosta de vilões, ou anjos, ou almas atormentadas, ou eruditos [...] não precisa procurar além das obras de Anne Rice (CANCEL, 2014, p. 35 – tradução nossa). 6 [...] os leitores das Crônicas Vampirescas podem encontrar uma personagem com a qual possam se identificar (CANCEL, 2014, p. 28 – tradução e grifo nosso).

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humanizado que não gosta de matar humanos, nem mesmo quando é necessário

para a sua subsistência.

Em 2016, temos outra dissertação de mestrado sobre essa obra de Rice, mas

desta vez, o foco é na personagem Cláudia, uma garotinha que ao ser transformada

em vampira fica estagnada em um corpo de criança de 5 anos. A dissertação

intitulada Aspectos da literatura gótica na construção identitária da vampira Cláudia

em Entrevista com o vampiro: a sombra da mulher em um corpo de criança, de

Luciane Andrea de Oliveira (Universidade Federal de São João del-Rei) retrata o

empoderamento feminino à luz da literatura gótica. Cláudia tem os pensamentos,

desejos e expectativas de uma mulher adulta, mas está presa ao corpo de uma

menina, o que a leva a questionar sua imortalidade.

A tese de doutorado A vida do sangue, o sangue da vida: A influência da

Bíblia sobre a literatura vampírica, defendida em 2016, na Universidade Federal de

Santa Catarina, de autoria de Luiz de Dante Lima, tem como linha de pesquisa a

Teopoética, cujo foco é a comparação entre teologia e literatura, ou seja, a

dimensão da influência de textos religiosos sobre os escritores de literatura

vampírica. O repertório estudado são: o conto “O vampiro” (1816) de John William

Polidori, a novela Carmilla (1872) de Sheridan Le Fanu, e os romances: Drácula

(1897) de Bram Stoker, Entrevista com o vampiro (1976) e Vittorio ─ o Vampiro

(1999) escritos por Anne Rice, juntamente com a Bíblia de Jerusalém edição de

1998.

Em 2017, Carla Serafin Ferreira e Silva estudou especificamente a

personagem Lestat em sua dissertação de mestrado intitulada Lestat de Lioncourt:

uma Metáfora do Narciso Contemporâneo, pela Universidade Federal de Uberlândia,

na qual levantou os principais pontos sobre a idealização da imortalidade e das

relações de individualidade moderna.

Em 2018, Maria Carolina Pereira Muller defendeu sua dissertação de

mestrado intitulada Desmodus draculae: The vampire traveler in Interview with the

Vampire and Only lovers left alive, na Universidade Federal de Santa Catarina.

Investigou o vampiro viajante nos filmes Entrevista com o Vampiro (1994) baseado

no romance homônimo de Anne Rice e Amantes Eternos (2013) focando o

deslocamento dos vampiros através de uma perspectiva social, política e histórica.

Ainda em 2018, Thiago Silva Sardenberg defendeu sua tese de doutorado

intitulada Transfigurações do vampiro à sombra do mal: a fluidez do lugar do

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vampiro na literatura, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A tese lançou

um olhar para obras seminais e contemporâneas da literatura vampírica, entre elas

as obras de Rice nas Crônicas Vampirescas em diálogo com as perspectivas

religiosas, filosóficas e literárias, que traduzem a natureza dinâmica e ambivalente

do mal.

O que diferencia essa tese é que estuda três obras de Rice de momentos

distintos: Interview with the vampire (1976), The vampire Lestat (1985) e Prince

Lestat: The Vampire Chronicles (2014), demonstrando como esses vampiros se

humanizam, na medida em que têm as mesmas emoções, sofrem e amam, na

mesma intensidade que os humanos.

Há também importantes livros sobre a obra de Rice. Destacamos aqui a obra

Anne Rice’s Vampire Chronicles: an Alphabettery (2018) compilado e escrito por

Becket Ghioto e com ilustrações de Mark Edward Geyer. Explica de maneira

organizada a complexidade do universo das Crônicas Vampirescas, ao longo dos

anos. Com introdução da própria Anne Rice, é um guia de todos os jargões, termos,

lugares e personagens (vampiros, bruxas, espíritos e mortais) que aparecem nos

livros até a mais recente obra Blood Comunion: a Tale of Prince Lestat (2018).

É interessante observar que antes dessa obra referencial, Rice já tentava

organizar e dar um panorama de suas histórias para o leitor iniciante, conforme já

comentado sobre as sessões do livro Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014)

que deixam o leitor a par de todos os acontecimentos anteriores e dos termos que

são usados nas obras.

Encontramos no mercado literário algumas biografias de Rice que explicitam

a vida e a obra da autora. Por exemplo, em 2014, temos a publicação de Anne Rice

The Interviews: A Compilation of Interviews with the iconic Author on everything from

the writing process to her extraordinary life7, de autoria de Nola Cancel.

Nessa obra, Nola Cancel organiza não apenas a vida e obra de Rice, mas

também seu processo de escrita, suas ideias sobre política e sua religiosidade, além

dos motivos que a levaram a deixar de escrever sobre vampiros por nove anos.

7 Esta obra encontra-se disponível apenas no modo eBook Kindle.

20

[...] no one has been more proficient, eloquent, or detailed in describing a place or period of time as Anne Rice. Her obvious love of history is forefront in all The Vampire Chronicles as is the immense amount of research she conducts to bring the life and times of her

characters into focus8 (2014, p. 29 – grifo da autora).

Outra obra é a biografia lançada em 2012, intitulada Anne Rice: a Biography

(Author of Interview With the Vampire)9, de Sara McEwen que explica, brevemente

em 31 páginas, a trajetória de Rice.

Apresenta declarações da autora, além de curiosidades acerca das obras e

de sua personalidade. É uma leitura rica em informações, embora devemos fazer

algumas ressalvas. McEwen comete um equívoco ao comentar que a personagem

Louis, na obra Interview with the vampire (1976), deseja a morte depois da perda da

mulher e do filho. No livro, Louis deseja a morte porque não apoiou o irmão que

queria ser padre e após uma discussão, o irmão suicida-se, jogando-se das

escadarias da casa. Na verdade, essa perspectiva de Louis ter mulher e filho mortos

é a da adaptação do filme Inteview with the Vampire; lançado em 1994, dirigido por

Neil Jordan e roteirizado por Rice.

No livro, Louis é um homem a frente dos negócios da família. Após a morte do

pai, ele assume a fazenda de plantação de índigo em Nova Orleans, no estado da

Louisiana. Seu núcleo familiar é formado pela mãe, pela irmã e por um irmão caçula

com tendências religiosas. Esse irmão, querendo doar toda a fortuna da família para

obras assistenciais religiosas, desentende-se com Louis. Diante da recusa, ele se

suicida e esse é o peso que Louis carregará, passando a viver uma vida desregrada

e deprimente até conhecer o vampiro Lestat que lhe dará a opção: da morte ou da

existência eterna como vampiro. Louis acaba optando por se transformar em um

vampiro.

No filme, Rice eliminou esse núcleo familiar de Louis. Apresenta-o como um

viúvo que sofre a perda de seu primeiro filho e da mulher amada, mortos no parto.

Essas e outras diferenças são abordadas na obra de Michael Riley, intitulada

8 [...] ninguém foi mais competente, eloquente ou detalhado ao descrever um local ou período de tempo como Anne Rice. Seu evidente amor pela história está na vanguarda em todas as Crônicas Vampirescas, assim como a imensa quantidade de pesquisas que ela realiza para trazer a vida e os tempos de suas personagens em foco (CANCEL, 2014, p. 29 – grifo da autora e tradução nossa). 9 Esta obra também se encontra disponível apenas no modo eBook Kindle.

21

Conversations with Anne Rice10 (1996), que faz um levantamento das produções

literárias e da vida de Rice, além de uma entrevista descontraída com a autora. Não

contempla, contudo, as obras após 1996, embora seja uma ótima referência para o

estudo de obras anteriores de Anne Rice.

Sobre a diferença entre o livro e o filme, Rice comenta que mudou o estado

de Louis para viúvo, para que estabelecesse uma bissexualidade; ficará fascinado e

apaixonado por Lestat e assim terá a capacidade de amar tanto a esposa quanto o

vampiro que o criou. “[...] I meant to thereby establish that he was bisexual, that there

wasn’t any question of his not being capable of being heterosexual […]”11 (RILEY,

1996, p. 217).

Outra diferença exposta no filme é a ausência do pai biológico cego de Lestat.

No livro, Lestat busca a fazenda de Louis como um esconderijo para o pai. No filme,

ele é apresentado como um vampiro errante, sem explicações sobre seu passado.

Rice continua seu depoimento afirmando que o filme não é sobre gênero, mas

sobre o amor andrógino dos vampiros Louis, Lestat e Claudia. Ela ainda argumenta

que, queria chegar logo no foco principal, por isso algumas personagens foram

retiradas da narrativa: o irmão de Louis e o pai cego e humano de Lestat. “[...] we

focus on the love among those three characters, and how they were outsiders […]”12

(RILEY, 1996, p. 217).

Em 1996, temos também a publicação do livro The Gothic World of Anne

Rice13 editado por Gary Hoppenstand e Ray Broadus Browne, com artigos de

diferentes autores que exploram o universo literário de Rice, demonstrando em

diversas obras das Crônicas Vampirescas as características góticas, antropológicas

e até eróticas. É um livro de fácil entendimento e que busca traçar uma linha de

convergência entre Rice, o gótico e alguns outros apontamentos teóricos.

Tais obras oferecem vastas referências sobre diferentes perspectivas dentro

desse universo vampírico de Rice. A fascinação que os vampiros de Rice e,

10 Sem tradução em língua portuguesa. 11 [...] Eu pretendia estabelecer que ele era bissexual, para que não houvesse dúvida de que ele não era capaz de ser heterossexual [...] (RILEY, 1996, p. 217 – tradução nossa). 12 [...] focamos no amor entre essas três personagens e em como elas não pertenciam a grupo algum [...] (RILEY, 1996, p. 217 – tradução nossa). 13 Também sem tradução em língua portuguesa.

22

principalmente, Lestat de Lioncourt, causa nos leitores é impressionante. Não é sem

razão que a própria Rice, em diversos depoimentos, denuncia seu amor e

preferência por ele. Podemos explorá-lo de diversas maneiras, como um vilão, um

justiceiro, um herói, um rebelde ou um governante; seja como for, resulta em amplo

material de estudo.

23

1. A LITERATURA GÓTICA

Pedro Bandeira (2011, p. 69 - 71) em seu ensaio intitulado “Histórias para

sentir medo” afirma que “[...] todo mundo gosta de sentir medo [...] é gostoso sentir

medo, principalmente quando se está no colo quentinho da mamãe [...]”. E ainda

completa que o sofrimento é uma forma de aprendizado que pode vir através da

leitura de um acontecimento traumático e não do acontecimento vivido em si.

[...] É sofrendo que se aprende, mas não é sofrendo de verdade, na própria pele. É passando pelo rolo compressor de emoções que os artistas criaram para que a gente lesse no conforto de nossa poltrona, no aconchego do travesseiro, no sacolejar do ônibus ou no desconforto da sala de espera do dentista (BANDEIRA, 2011, p. 71 - 72).

Luiz Raul Machado (2011, p. 185) explica a contínua busca pelas histórias de

fantasmas e terror: “[...] buscamos sempre repetir aquela gostosa sensação de

ameaça, perturbação, incerteza... O fascínio do medo dá origem à atração pelas

histórias de terror [...]”. Ele ainda complementa dizendo que os clássicos da literatura

de terror e mistério devem ser consultados frequentemente, mesmo com a

renovação da literatura, para que essa sensação de encantamento continue.

Estas podem ser algumas das possíveis respostas sobre o que fascinam os

leitores, e porque tantas pessoas gostam da literatura gótica, ou ainda porque esse

gênero tem se perpetuado através dos tempos e muito embora sofra algumas

modificações, tem grande aceitação do público.

O escritor norte-americano H. P. Lovecraft comenta que “A emoção mais

antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e mais

poderoso é o medo do desconhecido [...]” (LOVECRAFT, 2007, p. 13). É o que altera

nossa percepção do real, por exemplo; quando estamos com medo, qualquer galho

de árvore pode se transformar em uma mão assustadora, desestabilizando e

provocando “[...] a dúvida do leitor sobre a realidade e sobre sua própria identidade”

(ROAS, 2014, p. 130).

Embora retomaremos esse assunto no capítulo 3, quando pensaremos nas

mudanças ocorridas na conceituação do medo, suas implicações e, o que elas

representam em nosso mundo contemporâneo, a literatura gótica se apropria desse

medo, desestabilizando as leis estabelecidas pela sociedade e que supostamente

24

deveriam ser imutáveis no mundo do leitor e talvez seja isso, que fascine milhares

de leitores através dos séculos.

Ao longo dos tempos, o gótico se modificou e serviu para diferentes

propósitos: criticar rígidos códigos de conduta, expor diferenças, contestar a razão, a

ciência, o progresso, ou ainda o senso crítico.

1.1. SÉCULO XVIII – AS ORIGENS DO GÓTICO

Para entendermos o gótico literário precisamos nos remeter ao século XVIII,

quando Horace Walpole publica O Castelo de Otranto, em 1764. Considerada a

primeira obra gótica da língua inglesa, introduziu muitas das características que

vieram a definir um novo gênero de ficção como o cenário histórico e arquitetônico

feudal decadente, o herdeiro nobre deposto e supostos segredos de usurpação,

maquinações sobrenaturais alinhadas aos elementos extraordinários em uma

abordagem realista (BOTTING, 2000, p. 3 - 4).

Há ainda outros dois nomes que merecem destaque na literatura gótica do

século XVIII: Ann Radcliffe e Matthew Gregory Lewis. Segundo Fred Botting (1999,

p. 1), o gótico é a escrita do excesso baseada em ambientes grandiosos, misteriosos

e aterrorizantes, nos quais o fascínio pela transgressão passa pelos limites culturais

que produzem emoções ambivalentes em “[...] tales of darkness, desire and

power”14.

Tanto Radcliffe quanto Lewis instituíram a literatura gótica em dois momentos:

um como representante do gótico feminino (The romance of the Forest, 1791 e The

mysteries of Udolpho, 1794) e o outro como do masculino (The monk, 1796 e The

Castle Spectre, 1798). Se na literatura gótica feminina, que é uma escrita de mulher

para mulheres, aparece a figura da heroína órfã em busca da mãe ausente,

perseguida pelo sistema patriarcal; na literatura masculina ocorre o conflito do filho

com a autoridade paterna (MILES, 2000, 43 - 44). Na obra de ambos, temos a

instauração do mistério e do sobrenatural.

Esses dois autores possuem distintas características. Foi com Ann Radcliffe

que a escrita gótica se aprimorou, pois imprimia uma sutileza primordial ao conto de

terror e acrescentava em suas histórias o elemento suspense. Ann Radcliffe

14 [...] contos de escuridão, desejo e poder (BOTTING, 1999, p. 1 – tradução nossa).

25

buscava a explicação do sobrenatural como produto de causas naturais numa

tentativa de racionalização, mas sem ofender os princípios morais da época,

conforme explica Anthony Burgess (2005, p. 193).

Matthew Gregory Lewis, por sua vez, em seu primeiro romance, The Monk,

optou por representar um crime triplo: parricídio, estupro e incesto cometido por um

padre católico chamado Ambrósio. Entre os inúmeros horrores presentes na obra,

como o das cenas de invocação do diabo, o de aparição de fantasmas e o de

mulheres sendo queimadas nas fogueiras da Inquisição, o romance chocou os

padrões da sociedade da época. Entretanto, tornou-se um sucesso de vendas.

Com assinala Juliana Humphreys,

O Gótico é a literatura dos castelos antigos da Europa Medieval; é também o estilo da atmosfera sombria, da decadência, dos fantasmas e aparições. Encontra-se ainda nessa literatura, o mistério e a tendência inquestionável ao horror sobrenatural. Efetivamente, essa era a combinação perfeita para um público semiculto que carecia de ferramentas para distração. Não há como ignorar a presença da religião como elemento de horror nas novelas góticas, especialmente os rituais e símbolos católicos, as catedrais e os eclesiásticos (2013, p. 93).

Como ponto de convergência entre Ann Radcliffe e Matthew Gregory Lewis,

ambos buscavam, não apenas o horror sobrenatural, mas também acompanhar as

mudanças da época, como a Revolução Francesa, o avanço da ciência e assim,

diferenciando a literatura gótica das demais (MILES, 2000, 41 - 42).

Conforme explica Luiz Antonio Aguiar (2011, p. 310) “Todas essas operações

do gótico romântico colocam o terror mais próximo de nós, mortais comuns, e o

tornam plausível de acontecer com qualquer um”. Daí talvez, o fascínio por esse tipo

de literatura.

1.2. SÉCULO XIX – O GÓTICO

Há quatro obras de destaque na literatura gótica inglesa que lidam com a

subversão, a duplicidade e o medo de maneiras distintas: Frankenstein, 1818 de

Mary Shelley, The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, 1886 (O Médico e o

Monstro) de Robert Louis Stevenson, The Picture of Dorian Gray, 1891 (O retrato de

Dorian Gray) de Oscar Wilde e Dracula, 1897 (Drácula) de Bram Stoker.

26

Frankenstein de Mary Shelley é um romance que utiliza a ciência e a

tecnologia da época para refletir sobre os problemas advindos dessa nova

experiência. A própria Mary Shelley explica na introdução de sua obra, datada de 15

de outubro de 1831, a natureza de sua história.

Eu tratei de ‘pensar numa história’ – uma história rival das que nos instigaram àquela tarefa. Uma história que falasse dos misteriosos temores de nossa natureza e provocasse um horror eletrizante – uma história para fazer o leitor ter medo de olhar ao seu redor, para enregelar o sangue e acelerar as batidas do coração [...] (SHELLEY, 2012, p. 13).

Para Mary Shelley, o horror se dá justamente pelo fato de se brincar de ser o

Criador, de produzir uma pessoa a partir de partes de cadáveres, dando-lhe vida,

perturbando, assim, a ordem natural de nascimento de um ser humano. Merece

destaque o seguinte relato da obra:

[...] Vi – com os olhos fechados, mas com uma nítida visão mental – o pálido estudante de artes sacrílegas ajoelhado diante da coisa que fabricara. Vi a medonha imagem de um homem estendido que, em seguida, por efeito de um motor potente, dá sinais de vida e se mexe com agitação, de maneira só em parte vital. Aquilo era assustador; pois supremamente assustador seria o efeito de qualquer tentativa humana de simular o estupendo mecanismo do Criador do mundo. [...] a efêmera existência do horrendo cadáver que ele chegara a considerar o berço da vida. Ele dorme; mas é despertado; abre os olhos; vê a coisa medonha em pé ao lado de sua cama, a abrir as cortinas e a olhar para ele com olhos amarelos, úmidos e inquiridores (SHELLEY, 2012, p. 14 - 15).

A partir de 1830, houve uma popularização da literatura gótica com os

chamados Penny Dreadfuls, histórias de terror com violência excessiva, escritas em

fascículos e compradas por centavos.

Alexander Meireles da Silva (2018, s/p) explica, em sua série sobre os Penny

Dreadfuls, que a aceitação dessa literatura se deu por causa de três fatores.

Primeiro, pela melhoria no nível educacional da população, que possibilitou que mais

pessoas tivessem acesso à leitura. Segundo, pelo barateamento das publicações e

dos materiais envolvidos na confecção. E terceiro, pelo aumento da criminalidade,

que fazia com que as pessoas tivessem uma curiosidade mórbida pelos criminosos

como protagonistas. Se de um lado temos os romances góticos voltados para a

classe média, de outro temos os Penny Dreadfuls voltados para a classe mais pobre

(SILVA, 2018, s/p).

27

Em 1836, é publicado pelo editor Edward Lloyd, o primeiro Penny Dreadful

que contava a história de assaltantes e assassinos das estradas, intitulado Lives of

the most notorious Highwaymen (Footpads and Murderers)15.

Outras obras se seguiram, como The String of Pearls (1846) que nos anos de

1887 até 1893 teve o título alterado para Sweeney Todd, The demon barber of Fleet

Street (Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco de Fleet Street), de autoria provável

atribuída a Thomas Peckett Prest e James Malcolm Rymer. É considerado uma

lenda urbana, uma vez que o barbeiro matava suas vítimas e fornecia a carne para a

dona de uma rotisseria fazer tortas.

Já Varney, the Vampire; or, the Feast of Blood (Varney, o vampiro; ou o

Banquete de Sangue) de James Malcom Rymer, publicada em folhetins, entre os

anos de 1845 até 1847, apresenta-nos um homem condenado por matar o próprio

filho acidentalmente e como castigo é transformado em vampiro sofrendo com crises

de consciência. A história completa só foi publicada em único volume em 1847, com

aproximadamente 800 páginas.

De 6 de novembro de 1846 até 24 de julho de 1847 temos a publicação em

panfletos de Wagner, the Wehr-Wolf16, de George William MacArthur Reynolds.

Carregado na aventura, Fernan Wagner faz um pacto com o Diabo em busca de

juventude eterna, numa releitura do pacto faústico de Goethe. Essa obra possibilitou

manter a popularidade do lobisomem em um período marcado pela ciência e pelo

progresso (SILVA, 2018, s/p).

Voltando para o romance gótico, em 1886 temos a publicação da obra The

Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, que nos

apresenta o dualismo do indivíduo. O bem e o mal habitando a mesma pessoa. “[...]

Realiza-se, nessa literatura, um deslocamento ou uma transferência, por assim

dizer, da sensualidade amorosa para a criminosa, violando a tênue (ou

interseccionada) fronteira entre Eros e Tânatos” (CECHELERO, 2012, p. 169 - 170).

Assim, se de um lado temos Dr. Jekyll, um emérito doutor, respeitado por

todos, por sua conduta exemplar; por outro, temos Mr. Hyde, o seu duplo, que busca

o prazer carnal, que comete vilanias e atos cruéis. Dr. Jekyll está dividido em duas

personalidades; ambas, contudo, verdadeiras para ele.

15 Sem tradução em língua portuguesa. 16 Sem tradução em língua portuguesa.

28

Como destaca Cechelero,

Observamos aí o efeito Doppelgänger, da duplicidade, cuja operação mágica está pautada no espelho [...] ao emergir do unheimlich [sic] ou insólito conforme foi estudado por Freud. [...] Jekyll é um médico reputadíssimo, um cavaleiro, pode amar e matar (I kill está embutido em seu nome), enquanto Hyde vive escondido (hidden), podendo matar e amar igualmente [...] (2012, p. 170 – grifo do autor).

Mais uma vez, há uma desestabilização dos padrões da sociedade vitoriana,

um homem bom que é capaz de matar e um homem mal que é capaz de amar.

Sobre essas duas obras góticas, Frankenstein (1818) e The Strange Case of

Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886), Alexander Meireles da Silva (2013, p. 130) comenta:

“[...] Como ponto em comum, todos estes seres compartilham de uma natureza

transgressora em relação à rigidez das categorias culturais, ligando-os a abjeção e a

intersticialidade”.

Já The Picture of Dorian Gray (1891) de Oscar Wilde trabalha com a

dualidade de um jovem e seu retrato, o duplo ocorre na medida em que um definha

e o outro floresce. Podemos entender pelo mesmo princípio da fotografia que

congela o momento e a pessoa que foi retratada. É uma crítica, na medida em que a

pessoa, Dorian Gray, é medíocre, mente e trapaceia, mas é apenas no retrato que

essa maldade se faz revelada, sua aparência física continua intacta.

Dorian Gray reúne características andróginas que confrontam “[...] a

concepção binária de gênero da era vitoriana [...]” (NESTAREZ, 2019, s/p.).

Representa o desprezo pelas normas da época e que lhe renderam críticas

contrárias a obra.

É uma história [...] original sobre um jovem belíssimo, Dorian Gray que, apaixonadíssimo, cultua a beleza e o prazer. Mas o romance não foi bem recebido pelos críticos, principalmente pelos moralistas, que o consideravam uma obra envenenadora dos costumes. O autor, no entanto, afirmava que seu romance era moralmente perfeito. No prefácio do livro, ele esclarece: ‘O artista jamais é mórbido. O artista tudo pode exprimir. Pensamento e linguagem são para o artista o instrumento de sua arte. Vício e virtude são para o artista materiais de sua arte’ (COVISIERI, 1996, p. 9).

Cabe ressaltar novamente, que a figura do doppelgänger (ou do duplo) é

elemento constante nos romances do século XIX alinhados à tradição gótica. Essa

figura era tida como uma consequência da crença científica de que há certa

dualidade interna em cada ser humano. Assim, dividido entre levar uma vida

29

socialmente moral, perdendo a beleza e juventude, e uma vida imoral em busca de

prazeres, deixando o retrato definhar em seu lugar, Dorian decide escolher a

segunda opção.

Dessa forma, o foco da literatura gótica localiza-se nos atos transgressores do

corpo e da alma (SILVA, 2018, s/p.), como é o caso de The Strange Case of Dr.

Jekyll and Mr. Hyde (1886) e The Picture of Dorian Gray (1891), além de se ter as

características do Doppelgänger, conforme já mencionado.

A obra de Bram Stoker, Dracula (1897), também subverte as leis da

sociedade vitoriana, demonstra o fascínio e a repulsa pelo outro diferente,

desconhecido. A personagem Drácula é entre outras coisas, a ameaça política da

invasão, é o “[...] estrangeiro que ousa invadir, conquistar e se apropriar de

identidade patriótica em uma Inglaterra que sempre viu tal projeto com reservas [...]”

(HELOISA, 2018, p. 18).

Nesse sentido, havia o medo pelo que é desconhecido, princípio norteador da

literatura gótica que desestabiliza os leitores e a sociedade em si.

A literatura vitoriana, sobretudo quando inspirada pelo gótico, incutia uma espécie de monstruosidade inata aos estrangeiros. Colônias distantes, terras inexploradas e regiões ainda inacessíveis pareciam endemicamente impuras, entregues ao excesso quase libertino de costumes primitivos e pagãos [...] (HELOISA, 2018, p. 18).

Stoker (1897) explora as concepções góticas originais, como o nobre e os

castelos sombrios, como utilização do espaço narrativo.

[...] A lealdade de Stoker, contudo, estava com a literatura gótica e não com a historiografia do Leste Europeu. Basta lembrar que seu Drácula é um conde, título que sequer existia na Romênia e que evoca os antagonistas góticos, com suas filiações nobres e seus castelos lúgubres (HELOISA, 2018, p. 23 – grifo da autora).

Com essa obra “[...] instalou a imagem do ‘vampiro’ na cultura popular do

século 20. [...] desenvolvendo um [sic] personagem forte, fascinante e satisfatório,

cuja vida vampírica assumiu um status mítico na cultura popular” (MELTON, 2003, p.

222 – grifo do autor).

Estabeleceu-se, assim, um marco para as figuras dos vampiros que viriam à

posteriori. Conforme Juliana Humphreys explana,

30

[...] o vampiro stokeriano é acima de tudo, mau. [...] Drácula e seus correlatos não são sentimentais ou melancólicos, assim como não apresentam nenhum sintoma de culpa ou arrependimento. Ao contrário, são ardilosos, articuladamente inteligentes e utilizam de todo seu poder para arranjar os fatos a seu favor. Drácula é sádico e mantém suas vítimas em lenta agonia, enquanto ele retorna noite após noite para deleitar-se com seu sangue. O vampiro stokeriano não se relaciona de forma nenhuma com vítimas masculinas, sendo destinado a eles todo o ódio que essa criatura sente pela humanidade (2013, p. 107).

Esse vampiro, ainda causa fascínio, mesmo depois de tanto tempo de

publicação da obra. O próprio nome, Drácula, assumiu traços enquanto sinônimo de

vampiro pelo imaginário popular e continua, até hoje, como uma das mais famosas

obras sobre o tema.

[...] o romance nos convida a mais do que participar: desfia-nos a sentir. Combinando a intensidade dramática do teatro com o apelo sensacionalista de um bom penny dreadful, Bram Stoker mistura Shakespeare com Sweeney Todd. O resultado é um romance-transe do qual não conseguimos escapar [...] seduzidos pelo vampiro que arrebata leitores há mais de um século para permanecer vivo, jovem e potente (HELOISA, 2018, p. 20 – grifo da autora).

Os quatro romances góticos que vimos, Frankenstein (1818) de Mary Shelley,

The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886) de Robert Louis Stevenson, The

Picture of Dorian Gray (1891) de Oscar Wilde, Dracula (1897) de Bram Stoker,

formam o cânone das obras consideradas clássicas.

Tomando como sustentação a afirmação de Calvino que diz que “Um clássico

é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (CALVINO, 1994,

p. 11), entendemos que as obras acima citadas são clássicas pois, frequentemente

há pessoas estudando-as e descobrindo diferentes perspectivas.

[...] nasceram todos no século XIX – produtos críticos de momento histórico bastante propício às redefinições dos conceitos de fé, ciência, tradição e modernidade, bem como ao atravessamento das fronteiras que separavam o humano dos animais, os vivos dos mortos e os britânicos do resto do mundo (HELOISA, 2018, p. 19).

Essas obras influenciaram diversas outras, não apenas nos Estados Unidos,

mas em vários outros lugares. No que se refere ao romance Dracula (1897),

conforme vimos, é essa obra que servirá de modelo para outros vampiros, incluindo

os da escritora americana Anne Rice. Foi o primeiro romance vampiresco adaptado

31

para o cinema (HUMPHREYS, 2013, p. 107), e consequentemente, influenciou de

forma determinante a figura do vampiro perpetuada ao longo do século XX.

Por outro lado, como assinala Machado,

O fascínio da literatura de terror e mistério se renova, mas é sempre bom voltar aos clássicos e descobrir por que a obra deles permanece. Porque desperta no leitor aquele medo bom daquele tema impressionante, impressionantemente bem escrito. (2011, p. 189).

Quando o gótico chega à América influencia uma geração de romancistas,

tais como Edgar Allan Poe e Nathaniel Hawthorne, dentre outros. Uma das grandes

transformações que sofre é em relação ao ambiente. Os castelos e monastérios

deram lugar às paisagens norte-americanas, povoadas pelos povos indígenas. Allan

Lloyd-Smith comenta: “[…] Yet, four indigenous features were to prove decisive in

producing a powerful and long-lasting American variant of the Gothic: the frontier, the

Puritan legacy, race and political utopianism”17 (2000, p. 109).

Se na Inglaterra o ambiente externo era muito valorizado e voltado para as

grandes construções em ruínas, nos Estados Unidos esse ambiente externo passa a

ser menos valorizado. Em contrapartida, a atmosfera reflexiva interna, voltada para a

mente humana de cada indivíduo, é o que mais se destaca.

Se no gótico inglês temos os aristocratas malignos, fantasmas, religiosos,

heroínas indefesas e perseguidas em castelos medievais, no gótico americano

temos a figura patriarcal (pai, irmão ou marido) oprimindo as figuras femininas em

casarões ou casas de famílias puritanas, supostamente tradicionais, vindas da

Inglaterra para colonizar a América.

The utopian vision of freedom and prosperity that brought the early settlers to North America gained new vigour from Enlightenment arguments about the possibility of an ideal society and were enshrined in the founding constitutional principles of the United States. But along with the utopian inspiration came profoundly pessimistic insights into the dangers of trusting a society to the undisciplined rule of the majority, fear of faction in democratic government, the rule of the mob and the danger of a collapse of the whole grand experiment. […] These four factors shaped the American

17 No entanto, quatro características indígenas foram decisivas para produzir uma variante americana poderosa e duradoura do gótico: a fronteira, o legado Puritano, a raça e o utopismo político (LLOYD-SMITH, 2000, p. 109 - tradução nossa).

32

imagination towards Manichean formulations of good and evil […]18 (LLOYD-SMITH, 2000, p. 110 - 111).

Sendo assim, a literatura gótica americana se desenvolveu para personificar e

dar voz ao pesadelo sombrio em oposição ao sonho de liberdade, direito a vida e a

busca de felicidade que caracterizam o sonho americano (SAVOY, 2002, p. 167).

Essa literatura acaba por revelar as limitações da fé do povo no progresso social e

material.

[…] For American Gothic is, first and foremost, an innovative and experimental literature. Its power comes from its dazzling originality and diversity in a series of departures that situate the perverse – as forms, techniques, and themes – inside the national mainstream […]19 (SAVOY, 2002, p. 168 – grifo do autor).

Em 1820, o escritor americano Washington Irving escreve o conto “The

Legend of Sleepy Hollow” (“A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”) baseado no folclore

germânico, mistura além do folclore, casos sobrenaturais e é considerado um dos

primeiros contos de ficção norte-americana de horror.

Um outro autor americano que trabalha com a questão da morte e da morte

em vida angustiante é Edgar Allan Poe. Inúmeras obras de sua autoria trabalham

com a temática gótica, como “The fall of the House of Usher” (“A Queda da Casa de

Usher”), publicado em 1839, cujo cenário é uma casa em ruínas, de uma família

tradicional decadente. Dois irmãos recebem a visita de um amigo, e este percebe o

estado decrépito da casa e da família, visto que a irmã sofre de uma doença que a

deixa na fronteira entre a vida e a morte.

Merece destaque também o conto “The Masque of the Red Death” (“A

máscara da morte vermelha”), publicado em 1842, pela Graham’s Magazine.

Durante uma epidemia que faz com que as pessoas transpirem sangue e assola o

18 A visão utópica de liberdade e prosperidade que trouxe os primeiros colonos para a América do Norte ganhou novo vigor a partir dos argumentos do Iluminismo, sobre a possibilidade de uma sociedade ideal e que foi consagrada nos princípios constitucionais fundadores dos Estados Unidos. Mas, juntamente com a inspiração utópica, surgiram percepções profundamente pessimistas sobre os perigos de se confiar uma sociedade ao governo indisciplinado da maioria, o medo de facção no governo democrático, o governo da multidão e o perigo de um colapso de todo o grande experimento. […] Esses quatro fatores moldaram a imaginação americana em relação às formulações Maniqueístas do bem e do mal […] (LLOYD-SMITH, 2000, p. 110 - 111 – tradução nossa). 19 [...] Pois o gótico americano é, antes de tudo, uma literatura inovadora e experimental. Seu poder vem de sua originalidade e diversidade deslumbrantes em uma série de partidas que situam o perverso - como formas, técnicas e temas - dentro da principal corrente nacional […] (SAVOY, 2002, p. 168 – grifo do autor e tradução nossa).

33

reino do Príncipe Prospero, os nobres e cavaleiros foram convidados a ficarem

isolados em sua abadia para se protegerem. Depois de 6 meses de reclusão, o

príncipe decide fazer um baile de máscaras e durante a festa, um convidado vestido

de Morte Rubra, trajando vestes mortuárias salpicadas de sangue e com uma

máscara cadavérica, acaba chamando a atenção e a fúria do príncipe pelo ultraje.

Quando o príncipe investe contra o mascarado, ele é morto e descobre-se que não

havia ninguém embaixo da máscara enquanto aos poucos, os convidados são

mortos, num clima de mistério, tensão e horror.

O conto “The Black Cat” (“O gato preto”), de 1843, transita entre culpa e terror

de um homem que se encontra preso e narra a sua história. Esse homem possuía

um gato que com o passar do tempo, sofre inúmeras crueldades perpetradas pelo

dono, mas o gato acaba reaparecendo, o que leva o homem a ficar assombrado

pelos próprios atos.

Já o conto “The Facts in the Case of M. Valdemar” (“O estranho caso do Sr.

Valdemar”), de 1845, usa a então recente descoberta do mesmerismo como pano de

fundo para a ciência e a atmosfera gótica, quando um homem aceita fazer parte de

um curioso experimento que irá colocá-lo no lugar de transição entre a vida e a

morte. Nos contos “Berenice” (1835) e “Ligeia” (1838), o suspense, o terror e o

embate entre a vida e a morte também perpassam pelas narrativas.

Segundo Claypole,

One of Poe’s favourite ‘effects’ is the anticipation of revelation. His tales of terror and the Dupin stories are often focused around a great mystery, whether supernatural or rational. Our attention is gripped by seemingly impossible circumstances and the sensation that they are soon to be explained. […] In the tales of terror, though, we rarely get such satisfactions […]20 (2003, p. 453 - 454 – grifo do autor).

O gótico reconhece que o estranho e o angustiante não são externos, mas

internos ao homem. Poe reivindica seriedade para falar da morte, por entender que

essa é a verdadeira face da condição humana. Para ele, falar da morte é abordar o

absurdo dessa condição: lutar pela vida tendo certeza que sua meta final é a morte.

20 Um dos ‘efeitos’ favoritos de Poe é a antecipação da revelação. Seus contos de terror e as histórias de Dupin, geralmente, são focadas em torno de um grande mistério, sobrenatural ou racional. Nossa atenção é atraída por circunstâncias aparentemente impossíveis e pela sensação de que elas serão explicadas em breve. [...] Nos contos de terror, porém, raramente temos tais satisfações [...] (CLAYPOLE, 2003, p. 453 - 454 – grifo do autor e tradução nossa).

34

Temas abordados em seus poemas, tais como “The Raven”, 1845 (“O corvo”) e

“Annabel Lee” (1849).

Outro autor que se aventurou pelo território gótico foi Nathaniel Hawthorne.

Usando temas recorrentes em suas obras; como segredo, intolerância e culpa,

explorou o indivíduo em isolamento, além da degradação das famílias tradicionais

em uma ambientação de maldições e de artificialidades (BESSA, 2010, p. 45).

Escreveu contos e romances com atmosfera sombria e degradação humana,

“[...] extraía seus temas da dolorosa herança cultural da Nova Inglaterra, uma

colônia puritana. Dela exorcizava os demônios, com olhar aguçado para os

sofrimentos psicológicos e os dramas morais, que ele revive por meio da arte do

‘claro-escuro’ [...]” (ROYOT, 2009, p. 34), como nos contos “The Maypole of Merry

Mount” (1837) e “Mosses from an old manse” (1846)21.

Seu romance mais conhecido, The Scarlet Letter (A Letra Escarlate ou A

Letra Encarnada) publicado em 1850, usa o puritanismo, a bruxaria e o demonismo

como fonte para criar uma atmosfera de mistério e de angústia e, para encobrir o

adultério entre uma jovem e um reverendo. Há diversas adaptações, desde curtas-

metragens, passando por filmes e minisséries, sete delas ocorreram entre os anos

de 1911 e 1995, sendo as mais conhecidas, a de 1973, com direção de Wim

Wenders; e a de 1995, com direção de Roland Joffé, que conta com Demi Moore,

Gary Oldman e Robert Duvall como protagonistas. A mais recente é a de 2015, com

direção de Elizabeth Berry.

Outro romance que merece destaque é The House of the Seven Gables (A

Casa das Sete Torres) de 1851, que evoca a maldição e o desmoronamento, tanto

físico quanto moral, da casa e da família respectivamente. The Marble Faun (O

Fauno de Mármore) de 1860, também usa a temática gótica, explorando a

dualidade: culpa e arrependimento, retomando a luta interna entre o bem e o mal,

tão difundido entre suas obras.

Nos domínios do Império Britânico, temos a publicação, em 1890, do conto

“The Mark of the Beast” (“A Marca da Besta”) de Rudyard Kipling. Narra a história de

um inglês, que em terras estrangeiras, zomba dos lugares sagrados e, como castigo

recebe a maldição de se transformar em lobisomem.

21 Ambos sem tradução para a língua portuguesa.

35

É considerado uma variação do gótico, pois “[...] foge aos ambientes escuros

e gélidos onde se originou, as masmorras e ruínas de castelos e mansões

assombrados [sic], e de sua matriz britânica vitoriana para se expor ao sol dos

trópicos” (PINA, 2012, p. 92).

Apelando para o duplo do ser humano, enquanto ser civilizado e animalesco,

numa vaga lembrança do romance de Robert Louis Stevenson, The Strange Case of

Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886), esse conto explora a cultura do estrangeiro e do

exótico, ao mesmo tempo que fascina e surpreende os leitores.

Vários autores, mesmo não escrevendo exclusivamente sobre o gótico,

contribuíram para que essa literatura se desenvolvesse. Conforme explana Laura

Sandroni (2012, p.132): “[...] a presença do romance gótico aparece em todos os

gêneros nos quais os artistas usam a imaginação para mostrar, como dizia o

personagem gótico do rádio, O Sombra, o mal que se esconde nos corações

humanos”.

No Brasil, muitos autores, em sua maioria do período Romântico, destacaram-

se por suas temáticas sombrias e melancólicas, como a morte, o duplo e a luta entre

o bem e o mal em poemas, contos e romances.

Citaremos aqui, autores brasileiros que em algumas obras podemos observar

traços da literatura gótica, como é o caso do poeta Álvares de Azevedo (1831 –

1852) que recebeu fortes influências da literatura gótica. Como argumenta Antonio

Candido,

O cansaço precoce de viver, o desejo anormal do fim, assaltam com frequência a sua imaginação, atraída pela sensualidade e ao mesmo tempo dela afastada pelo escrúpulo moral e a imagem punitiva da mãe, conduzindo a uma idealização que acarreta como contrapeso, em muitas imaginações vivazes, a nostalgia do vício e da revolta. No seu caso particular estas disposições foram animadas pela influência de Byron e Musset, que aceitou com o alvoroço de quem encontra forma para as próprias aspirações (2017, p. 494).

Escreveu poemas como: “O Poeta Moribundo”, publicado postumamente na

coletânea Lira dos Vinte Anos (1853), e “Lembrança de Morrer” (1852), escrito trinta

dias antes de sua morte e lido em seu enterro pelo romancista Joaquim Manuel de

Macedo. Na prosa, podemos citar a obra publicada postumamente em 1855, A noite

da Taverna, uma coletânea de contos narrados por um grupo de rapazes que

estavam abrigados em uma taverna e que giram ao redor da morte e da luxúria.

36

O romancista José de Alencar (1829 – 1877) também se aventurou pelo

território do gótico. Em seus dois romances regionalistas, O tronco do Ipê (1871) e

Til (1872), há alguns traços do romance gótico como segredos de famílias com clima

de mistério e suspense. “[...] sentimos em Alencar a percepção complexa do mal, do

anormal ou do recalque, como obstáculo à perfeição e como elemento permanente

na conduta humana [...]” (CANDIDO, 2017, p. 545).

Machado de Assis (1839 – 1908) escreveu o conto “Um Esqueleto”, publicado

originalmente em folhetins no Jornal das Famílias, de outubro a novembro de 1875,

que também destaca a “[...] mistura da melancolia com a galhofa [...], e a ruína física

[...]” (AGUIAR, 2012, p. 217 - 218).

Diversas de suas obras trabalham com o tema da morte e da incapacidade do

ser humano em aceitar sua condição mortal (AGUIAR, 2012, p. 218). Como o

romance, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), ainda que não seja

considerado romance gótico, é inovador e subversivo ao trazer um defunto narrador,

que decide contar sua história e refletir sobre sua vida finita.

Castro Alves (1847 – 1871) embora seja conhecido como o poeta dos

escravos, também escreveu poemas com a temática da morte, do morto-vivo e da

desilusão da vida, como em “A Cruz da Estrada”, “A Visão dos Mortos” e “O

Derradeiro Amor de Byron”, todos publicados postumamente no livro Os Escravos

(1883).

Augusto dos Anjos (1884 – 1914) em seu livro Eu e Outras Poesias, publicado

postumamente em 1912, reúne poesias de títulos sugestivos como “O Caixão

Fantástico”, “O Morcego”, “Vozes de um Túmulo”, “O Coveiro”, entre outras.

Há ainda outros escritores que trabalham com a questão da morte, como

Fagundes Varela (1841 – 1875), e até mesmo com a questão do vampiro, como é o

caso de Aluísio de Azevedo (1857 – 1913), que veremos especificamente com o

conto “A mortalha de Alzira” no capítulo 2, mais a frente.

1.3. SÉCULOS XX E XXI – ALGUMAS TRANSFORMAÇÕES

A literatura gótica continuou sofrendo mudanças no decorrer dos séculos. E o

que mais importa nos subsequentes (XX e XXI) é a relação interna do homem que

passa a ser mais reflexivo, no que diz respeito ao seu papel no mundo. O gótico se

37

aproveitará dessas reflexões concentrando-se mais na mente dos humanos e em

seus atos cruéis.

No que se refere às figuras monstruosas, por exemplo, Botting (1999) faz um

levantamento através dos séculos: no XVIII, temos os espectros como formas de

terror; já no século XIX encontramos os cientistas, a família (nas figuras do pai ou do

marido) e criminosos. No século XX, encontramos os psicopatas e os assassinos em

geral e no século XXI, temos os humanos que sofreram de alguma forma mutações

e buscam se adaptar em um mundo apocalíptico.

Botting (1999) também faz um levantamento dos ambientes góticos que se

modificaram ao longo dos séculos. No século XVIII, os espaços eram selváticos,

montanhosos e abertos. No século XIX, o ambiente se reduz a locais mais fechados

como labirintos, castelos e florestas. No século XX, o espaço passa ser as cidades e

os grandes centros. Por outro lado, no século XXI as cidades sofrem com as

grandes guerras e transformam-se em cenários apocalípticos.

Gothic fictions seemed to promote vice and violence, giving free reign to selfish ambitions and sexual desires beyond the prescriptions of law or family duty […] emerges the awful spectre of complete social disintegration in which virtue cedes to vice, reason to desire, law to tyranny […] Uncertainties about the nature of power, law, society, family and sexuality dominate Gothic fiction22 (BOTTING, 1999, p. 3).

A ficção gótica coloca o vício e a violência em evidência e vai se adaptando

através dos tempos, conforme vimos no que tange às figuras monstruosas, aos

lugares e até à definição do que o medo representa para os humanos.

Segundo Botting (1999, p. 101 e 109), a literatura gótica, no século XX, está

em todos os lugares e ao mesmo tempo em lugar nenhum. Isso ocorre porque

transita entre as fronteiras da realidade e da fantasia. Seus temas continuam sendo

a duplicidade de identidade, a ciência como forma de ameaça e fascínio, a violência

e a insanidade do indivíduo que afetam os que estão ao seu redor.

22 Ficções góticas pareciam promover vício e violência, dando livre domínio às ambições egoístas e desejos sexuais, além das prescrições da lei ou do dever da família [...] surge o terrível espectro da completa desintegração social, na qual a virtude cede ao vício, a razão ao desejo, a lei à tirania […] Incertezas sobre a natureza do poder, direito, sociedade, família e sexualidade dominam a ficção Gótica (BOTTING, 1999, p. 3 – tradução nossa).

38

[…] Gothic in the twentieth century […] popularity of ghost stories, in the development of fantastic, horror and occult fiction […] representations of cultural, familial and individual fragmentation, in uncanny disruptions of the boundaries between inner being, social values and concrete reality and in modern forms of barbarism and monstrosity […]23 (BOTTING, 1999, p. 102).

O gótico representa o pavor pela desintegração anárquica e a dissolução

psicótica do próprio indivíduo (BOTTING, 1999, p. 111). E nesse ponto temos uma

retomada da literatura gótica do século XIX, como é o caso em The Strange Case of

Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886), de Robert Louis Stevenson, demonstrando a

dualidade do indivíduo. Em uma primeira leitura, temos a figura de Jekyll, um

cidadão respeitável e cumpridor dos seus deveres, personificando o bem. Hyde, por

sua vez, é a personificação do mal, uma figura meio humana que causa repulsa em

todos que cruzam o seu caminho. Entretanto, ao longo da leitura percebemos que as

duas figuras são inseparáveis: Hyde é o próprio Jekyll, a exteriorização de sua

índole má. Consta-se, assim, que a repulsa causada pela aparência de Hyde é uma

crítica ao moralismo vitoriano, à repressão da realização de sonhos e desejos.

Segundo Botting,

[…] An uncanny and disturbing uncertainty none the less shadows this process with an ambivalence and duplicity that cannot be contained. In Gothic fictions and films it is this ambivalence and duplicity that has emerged as a distinctly reflexive form of narrative anxiety. It involves a pervasive cultural concern – characterized as postmodernist – that things are not only what they seem: what they seem is what they are, not a unity of word or image and thing, but words and images without things or as things themselves, effects of narrative form and nothing else24 (1999, p. 111).

23 [...] Gótico no século XX [...] popularidade de histórias de fantasmas, no desenvolvimento de ficção do fantástico, do horror e do ocultismo [...] representações de fragmentação cultural, familiar e individual, em estranhas perturbações das fronteiras entre o ser interior, valores sociais, realidade concreta e nas formas modernas de barbarismo e monstruosidade (BOTTING, 1999, p. 102 – tradução nossa). 24 [...] Uma incerteza estranha e perturbadora, contudo, obscurece esse processo com uma ambivalência e duplicidade que não podem ser contidas. Nas ficções e filmes Góticos, é essa ambivalência e duplicidade que emergem como uma forma distintamente reflexiva da ansiedade narrativa. Envolve uma preocupação cultural penetrante - caracterizada como pós-modernista - de que as coisas não são apenas o que parecem: o que parecem ser é o que são, não uma unidade de palavra ou imagem e coisa, mas palavras e imagens sem coisas ou como coisas próprias, efeitos da forma narrativa e nada mais (BOTTING, 1999, p. 111 – tradução nossa).

39

Ainda nas palavras de Botting, a retomada do indivíduo bipartido é “[…] what

can be called postmodern Gothic is akin, in its playfulness and duplicity, to the

artificialities and ambivalences that surrounded eighteenth-century Gothic writing and

were produced in relation to the conflicts of emerging modernity”25 (1999, p. 102).

Um escritor laureado que trabalhará muito bem com esse indivíduo

assombrado e bipartido é H. P. Lovecraft. Ao explorar a psique humana através do

delírio, da loucura, do insano, traz por meio de suas personagens um embate contra

a racionalidade. Num misto de ficção, horror e fantástico e, por vezes em cenários

góticos, conseguiu arrebatar um grande número de leitores e atualmente é um dos

mais famosos nessa área, com diversas obras reeditadas recentemente.

Entre contos, novelas e coletâneas, Lovecraft tem uma vasta coleção de

títulos que por si só nos dão uma prévia do horror, do fantástico e do insólito

contidos em suas obras. Como exemplo, podemos citar: “The Beast in the Cave”,

1918 (“A besta na caverna”); “The Rats in the Walls”, 1924 (“Os ratos nas paredes”);

“The Dunwich Horror”,1929 (“O Horror de Dunwich”); At the Mountains of

Madness,1936 (Nas Montanhas da Loucura) e The Shadow out of Time,1936 (A

sombra vinda do tempo), apenas para citar alguns.

“The Call of Cthulhu”, de 1928 (“O Chamado de Cthulhu”), talvez uma das

mais conhecidas; é a história de uma entidade cósmica maligna que quando

desperta, desencadeia o apocalipse e o início da exterminação da raça humana.

Esse tema será revisitado em diversas obras do século XXI, como veremos mais a

frente, no capítulo 2.

1.4. ANNE RICE E O GÓTICO

Júlio França (2017, p. 473) argumenta que “[...] muito da força da literatura

gótica, porém, está justamente em sua violação dos parâmetros do realismo

tradicional, ao apresentar eventos, enredos ou personagens que estendem ou

desafiam nosso conhecimento de mundo”. A subversão está intrínseca na literatura

25 [...] o que se pode chamar de Gótico pós-moderno é semelhante, em sua brincadeira e duplicidade, às artificialidades e ambivalências que cercavam a escrita Gótica do século XVIII e foram produzidas em relação aos conflitos da modernidade emergente. (BOTTING, 1999, p. 102 – tradução nossa).

40

gótica na medida em que desestrutura ou desestabiliza o ambiente do leitor,

trazendo à tona o monstruoso, o cruel e a maldade em seu sentido amplo.

[...] Os autores góticos têm desafiado as estruturas sociais e intelectuais aceitas pelos seus contemporâneos pela apresentação da intensa, inegável e inevitável presença do não-racional, da desordem e do caos. Estas são quase sempre retratadas como forças incontroláveis, intrometendo-se a partir do subconsciente [sic] na forma de manifestações sobrenaturais do monstruoso e do horrendo [...] (MELTON, 2003, p. 355).

E nesse sentido, a literatura vampiresca de Rice se instaura na tradição gótica

porque viola os parâmetros do realismo tradicional, uma vez que encontramos

vampiros em diversas partes do mundo, organizando-se em uma outra realidade

paralela à humana. “[…] Gothic texts have always played along the boundaries

between fictional and social rules […] The horror of textuality is linked to pervasive

terror of anarchic disintegration or psychotic dissolution […]”26 (BOTTING, 1999, p.

109).

Rice desafia as estruturas sociais ao apresentar seus vampiros e mais

especificamente, com Lestat de Lioncourt, conforme veremos a seguir.

Lestat nasceu em um castelo, é o sétimo filho de um Marquês decadente. E

podemos dizer que ele é usurpado duas vezes. Primeiro, porque não tem direito as

riquezas, pelo contrário sua família encontra-se em uma situação decadente.

[…] My father was the Marquis, and I was the seventh son and the youngest of the three who had lived to manhood. I had no claim to the title or the land, and no prospects. Even in a rich family, it might have been that way for the younger boy, but our wealth had been used up long ago […] My father’s castle, his estate, and the village nearby were my entire universe […]27 (RICE, 2014a, p. 23).

Em um segundo momento, seu direito de ser mortal é usurpado. “‘You’re

dying, Wolfkiller,’ he said. ‘The light’s going out of your blue eyes as if all the summer

26 [...] os textos Góticos sempre brincaram ao longo das fronteiras entre as regras ficcionais e sociais […] O horror da textualidade está ligado ao terror generalizado da desintegração anárquica ou dissolução psicótica [...] (BOTTING, 1999, p. 109 - tradução nossa). 27 […] Meu pai era o marquês, e eu era o sétimo filho e o mais novo dos três que sobreviveram até a maioridade. Eu não tinha nenhum direito ao título, nem às terras, e nenhuma perspectiva. Mesmo numa família rica teria sido assim para o filho mais novo, mas nossa riqueza se esgotara muito tempo antes [...] O castelo de meu pai, suas terras e a aldeia próxima eram todo o meu universo [...] (RICE, 1999, p. 27).

41

days are gone…’”28 (RICE, 2014a, p. 89). Terá um corpo vampírico sobre-humano e

isso refletirá no quarto volume da saga intitulado The tale of the body thief (1992),

quando Lestat vai sentir, novamente, como é ter um corpo mortal quando trocará

seu corpo vampírico com um humano.

Algumas vezes, Lestat passava-se por fantasma enquanto morava em Nova

Orleans, para que seus crimes ficassem encobertos e deixassem os moradores

hesitantes entre a razão e a crendice popular.

‘A woman had seen him kill on the Nyades Road […] there were stories of it in the papers, associating him with a haunted house near Nyades and Melpomene, all of which delighted him. He was the Hyades [sic] Road ghost for some time […]29 (RICE, 2009, p. 109).

Percebemos um certo exibicionismo de Lestat querendo estar nas manchetes

de jornais, subvertendo a sociedade, o que ficará mais evidente no segundo volume

da saga, The Vampire Lestat (1985) quando declarará para o mundo sua natureza

vampírica.

I wonder how many of our kind had ‘noticed’ the book. Never mind for the moment the mortals who thought it was fiction. What about other vampires? Because if there is one law that all vampires hold sacred it is that you do not tell mortals about us. You never pass on our ‘secrets’ to human unless you mean to bequeath the Dark Gift of our powers to them. You never name other immortals. You never tell where their lairs might be. My beloved Louis […] had done all this […] He had told hundreds of thousands of readers. He had all but drawn them a map and place an X on the very spot in New Orleans where I slumbered […]30 (RICE, 2014a, p. 15 - 16 – grifo da autora).

28 - Você está morrendo, Matador de Lobos – ele disse. – A luz está apagando-se em seus olhos azuis, como os dias se acabam durante todo o verão... (RICE, 1999, p. 81). 29 - Uma mulher o vira matar na estrada de Nyades [...] Surgiram histórias nos jornais, associando-o com uma casa assombrada perto de Nyades e Melpômene, e tudo isto o deliciava. Durante algum tempo ele foi o fantasma da estrada de Nyades [sic] [...] (RICE, 1992, p. 115). 30 Fiquei imaginando quantos de nossa espécie saberiam do livro. No momento, pouco importava se os mortais o consideravam uma obra de ficção. E quanto aos outros vampiros? Porque se havia uma lei que os vampiros têm como sagrada é a de jamais contar aos mortais sobre nós. Jamais revele nossos ‘segredos’ aos humanos, a menos que você tencione legar-lhes o tenebroso dom de nossos poderes. Jamais cite o nome de outros imortais. Jamais revele onde se escondem. Meu amado Louis [...] havia feito tudo isso [...] Contara para centenas de milhares de leitores. Só faltou desenhar um mapa para eles e colocar um X em cada local de Nova Orleans onde eu me deitava [...] (RICE, 1999, p. 19 - 20 – grifo da autora).

42

Ele justifica sua atitude de se expor, dizendo que estava tentando salvar Louis

de sofrer as consequências por revelar o segredo dos vampiros; “All the more

reason for me to bring the book and the band called The Vampire Lestat to fame as

quickly as possible. I had to find Louis”31 (RICE, 2014a, p. 16). Mas ele mesmo

expõe sua história para o mundo: “I put a fresh disk into the portable computer word

processor and I started to write the story of my life”32 (RICE, 2014a, p. 18).

Tanto Louis, quanto Lestat desafiaram os ancestrais vampíricos, Louis por

contar sua história no primeiro volume da saga e, Lestat por expor sua condição

vampírica no segundo.

Anne Rice vai reorganizar o gótico na medida em que problematiza o homem

moderno e reflexivo.

For some critics, Rice is of particular interest for reworking Gothic conventions with a postmodern sensibility about identity. Typically focusing upon protagonist who are in some way marginalized from society, she offers subversive as well as imaginative and fantastical representations of our everyday reality. Other suggests, however, that Rice has become increasingly tentative in her critique of gender ideology and that there is, more generally, an increasingly conservative element in her work33 (PUNTER; BYRON, 2004, p. 162).

Embora alguns críticos pensam que Rice nem sempre explorou a ideologia de

gênero em suas obras, talvez recordando do amor heterossexual que Lestat viveu

ao apaixonar-se por uma bruxa Mayfair, conforme já mencionado, na obra Blood

Canticle, 2003 (Cântico de Sangue – Crônicas Vampirescas) ou mesmo quando teve

relações sexuais com a doutora Flannery Gilman, em Prince Lestat: The Vampire

Chronicles, 2014 (Príncipe Lestat); fato é que Rice consegue, com sua gama de

31 Mais uma razão para fazer com que o livro e a banda chamados O Vampiro Lestat atingissem a fama o mais rápido possível. Eu tinha que encontrar Louis [...] (RICE, 1999, p. 20). 32 Coloquei um disquete novo no computador portátil e comecei a escrever a história de minha vida (RICE, 1999, p. 21). 33 Para alguns críticos, Rice é de particular interesse em reformular as convenções Góticas com uma sensibilidade pós-moderna sobre identidade. Especialmente focando no protagonista que de alguma forma é marginalizado da sociedade, ela oferece representações subversivas assim como imaginativas e fantásticas de nossa realidade cotidiana. Outros sugerem, no entanto, que Rice se tornou cada vez mais hesitante em sua crítica à ideologia de gênero e que, de maneira geral, há um elemento cada vez mais conservador em seu trabalho (PUNTER; BYRON, 2004, p. 162 - tradução nossa).

43

personagens, subverter as convenções sociais, pois além de seus vampiros se

juntarem à outros de sua espécie, independente do gênero, raça ou estilo; eles são

diversificados e estão em diferentes estratos sociais.

Como exemplo podemos mencionar, a personagem que nos é apresentada

no décimo primeiro volume da saga, Prince Lestat: The Vampire Chronicles, 2014

(Príncipe Lestat), um vampiro cientista que cuidará das pesquisas tecnológicas

relacionadas à tribo. Seu nome é Fareed e, é o erudito que reflete sobre sua posição

na sociedade vampiresca.

[…] For the first time, he knew well why religious humans so feared scientific advances. And he discovered the heart of superstition in himself. Well, he would suppress this fear; he would annihilate this superstition in himself and work diligently on his old faith34 (RICE, 2014, p. 169).

Ele é aquele que consegue unir tanto a ciência, quanto a tecnologia e a

ancestralidade dos vampiros. A própria vampira anciã, Maharet buscava ajuda dele.

“[…] Maharet herself had gone to Fareed for his skills”35 (RICE, 2014, p. 170).

Embora os vampiros de Rice acostumaram-se e adaptaram-se com as

tecnologias e as facilidades do mundo, como é o caso da vampira anciã Maharet:

“She’s never been a stranger to phones, computers, mobiles, whatever [...]”36 (RICE,

2014, p. 53), por vezes, subvertem as convenções e são marginalizados. Por

exemplo, quando a condição vampírica de Lestat é exposta, muitos acreditam que

essa condição seja apenas um jogo de marketing para vender mais discos e se

autopromover.

Uma das razões da literatura gótica apresentada por J. Gordon Melton (2003,

p. 355) é a contestação das estruturas sociais e intelectuais rompendo as barreiras e

34 [...] Pela primeira vez, ele entendia muito bem por que as religiões humanas temiam tanto os avanços científicos. E descobriu o cerne da superstição em si próprio. Bem, ele suprimiria aquele medo. Ele aniquilaria essa superstição em si mesmo e trabalharia diligentemente em sua antiga fé (RICE, 2015, p. 187). 35 [...] Maharet em pessoa dirigia-se a Fareed em busca de suas habilidades (RICE, 2015, p. 188). 36 - Ela nunca foi avessa a telefones, computadores, celulares, seja lá o que for nesse sentido (RICE, 2015, p. 58).

44

nesse sentido, não apenas Lestat mas os outros vampiros de Rice, apresentados no

decorrer das Crônicas Vampirescas, desafiam as estruturas sociais quando tentam

se passar por humanos ou se misturar entre eles.

Como exemplo, podemos mencionar o Teatro dos Vampiros, quando um

grupo se passa por atores que encenam ser vampiros e matam suas vítimas no

palco, em frente da plateia. Instauram o caos e a dúvida entre os espectadores e

desestruturam as convenções sociais. Seu objetivo é claro, enganar e zombar dos

mortais. “[…] ‘There is nothing sublime. Fooling helpless mortals, mocking them, and

then going out from here at night to take life in the same old pretty manner […]”37

(RICE, 2014a, p. 264).

Chamando o teatro de Teatro dos Vampiros, nomeando e deixando aparente

as condições dos atores também é uma forma de enganar os humanos. É o que

acontece quando algo é exposto e fica tão evidente que, acaba nem sendo

percebido pelos interessados. “‘The Theater of the Vampires,’ I whispered. ‘We have

worked the Dark Trick on this little place’”38 (RICE, 2014a, p. 267). Os vampiros

conseguiam aprovação dos humanos sem levantar suspeitas, pois pensavam que as

mortes faziam parte de uma encenação.

And yet the man stood there in the loge glowering […] And from under his frock coat he pulled his pistol and he aimed it at me with both hands […] But the shot exploded and the ball hit me with full force […] The blood poured out. It flowed as I have never seen blood flow […] ‘Don’t give it a thought […] ‘Stage blood, nothing but an illusion. It was all an illusion. A new kind of theatrical. Drama of the grotesque, yes, the grotesque’39 (RICE, 2014a, p. 139 e 141).

Lestat diz que aquele atentado fazia parte do espetáculo, de uma nova forma

teatral. Conforme Roas (2014, p. 190) argumenta sobre o grotesco: “[...] é uma

categoria estética baseada na combinação do humorístico com o terrível [...] o

37 [...] – Não há nada de sublime. Enganar mortais indefesos, zombar deles e depois sair daqui à noite para tirar vidas do velho modo banal [...] (RICE, 1999, p. 228). 38 - O Teatro dos Vampiros – eu sussurrei. – Nós encenamos o Poder das Trevas neste pequeno lugar (RICE, 1999, p. 230). 39 E, no entanto, o homem estava de pé ali no camarote [...] E ele sacou a pistola por baixo da sobrecasaca e apontou para mim com ambas as mãos [...] Mas o tiro explodiu e a bala me atingiu com toda sua força [...] O sangue jorrou. Jorrou como eu nunca tinha visto jorrar [...] – Não se preocupe [...] – É sangue falso, nada além de uma ilusão. Foi tudo uma ilusão. Uma nova forma de teatro. O teatro do grotesco, sim, do grotesco (RICE, 1999, p. 124).

45

monstruoso [...] o macabro [...] E seu objetivo essencial é proporcionar ao receptor

uma imagem distorcida da realidade [...]”. Nesse sentido, podemos entender o

porquê do vampiro usar o grotesco como forma de disfarçar seu atentado.

Roas (2014, p. 191) ainda comenta que dependendo da época em que o

grotesco é apresentado, pode tender, ora para o lado humorístico, ora para o

terrível. Podemos ver que o atentado causou terror, até mesmo pela quantidade de

sangue exposta na cena. A subversão está em justamente enganar os espectadores

e Lestat vai mais longe, quando usa o teatro como forma de renegar o sagrado

humano. “[…] ‘We will make a mockery of all things sacred. We will lead them to ever

greater vulgarity and profanity. We will astonish. We will beguile. But above all, we

will thrive on their gold as well as their blood and in their midst we will grow strong’”40

(RICE, 2014a, p. 265).

Outro ponto de desestruturação social é a androginia apresentada em Lestat,

que demonstra o não estabelecimento de um padrão entre homem e mulher.

Rice descreveu Lestat como um ser essencialmente andrógino – e para muitos o aspecto essencial de uma imagem gótica é a androginia, um ideal de perfeição na qual uma das partes da dualidade incorpora seu oposto. Pode-se dizer que a androginia existe quando a luz aceita a escuridão ou quando o prazer reconhece o papel da dor, porém, é mais comumente apresentado quando o indivíduo borra as distinções sociais entre o que é masculino e feminino (MELTON, 2003, p. 360).

Lestat é gótico no sentido de misturar estilos, conseguindo transitar entre os

séculos. “[...] Lestat is nevertheless a living (or rather, undead) example of this

Gothicism in both style and substance […]”41 (GRADY, 1996, p. 230). Ele consegue

misturar as tecnologias existentes com a racionalização do homem do século XVIII,

ao mesmo tempo em que dirigi sua motocicleta Harley-Davidson pelas ruas de Nova

Orleans, vestindo jaqueta de couro preta, ouvindo as músicas de Bach no Walkman

e perpetuando uma relação com o mundo real do leitor (GRADY, 1996, 230).

40 - Nós vamos zombar de todas as coisas sagradas. Vamos levá-las a uma vulgaridade e profanidade cada vez maiores. Causaremos espanto. Vamos divertir. Mas, acima de tudo, vamos prosperar com o ouro deles, assim como com seu sangue, e ficaremos fortes através deles (RICE, 1999, p. 228). 41 [...] Lestat é, no entanto, um exemplo vivo (ou melhor, morto-vivo) deste Gótico, tanto em estilo quanto em substância [...] (GRADY, 1996, p. 230 – tradução nossa).

46

Expõe o mundo vampírico, dita moda e serve de exemplo para outros

vampiros.

‘But you’ve affected something of a revolution in speech in the back room as well […] ‘Dark Trick, Dark Gift, Devil’s Road – they’re all bantering those words about, the crudest fledglings […] They are loading themselves down with Egyptian jewelry. Black velvet is once again de rigueur’42 (RICE, 2014a, p. 528 - 529).

Segundo Melton (2003, p. 683), as Crônicas Vampirescas de Rice se

popularizaram fazendo com que seu personagem principal, Lestat, fosse imitado e

adaptado através dos anos. Segundo os comentários de Rice, ele se reinventa

constantemente, o que o coloca sempre em voga (GRADY, 1996, p. 231) fazendo

com que os leitores se identifiquem não apenas com a personagem, mas também

com a literatura gótica.

É o insubordinado por natureza e conforme ele mesmo explica: “[...] I loved

being the outlaw, the one who had already broken every single law. And so they

were imitating […]”43 (RICE, 2014a, p. 530).

Punter e Byron explicam: “[...] In transforming the monster into a site of

identification, Rice participates in one of the most significant transformations in the

Gothic fiction of today”44 (PUNTER; BYRON, 2004, p. 247).

Não é por acaso que a saga de Lestat de Lioncourt nas Crônicas

Vampirescas perfazem um total de 13 livros em um período de 42 anos e que

provavelmente ainda continuará por muitos anos, e será nosso objeto de estudo no

capítulo 3. Entretanto, no próximo capítulo veremos como as figuras vampirescas se

transformaram através dos séculos, quais foram as primeiras obras e quais as que

mais contribuíram para que Rice criasse suas personagens vampirescas.

42 - Mas você também provocou uma espécie de revolução na linguagem e na moda [...] – O Poder das Trevas, O Dom das Trevas, a Trilha do Diabo... todos estão usando este novo jargão, sobretudo os vampiros menos refinados [...] Estão se enfeitando com jóias [sic] de estilo egípcio. O veludo preto voltou à moda. (RICE, 1999, p. 449). 43 […] Eu adorava ser o proscrito, aquele que já havia violado todas as leis. E então eles estavam imitando [...] (RICE, 2014a, p. 530 – tradução nossa). 44 [...] Ao transformar o monstro em um local de identificação, Rice participa de uma das transformações mais significativas na ficção Gótica de hoje. (PUNTER; BYRON, 2004, p. 247 – tradução nossa).

47

2. VAMPIROS LITERÁRIOS ATRAVÉS DOS SÉCULOS

Há inúmeras obras que exploram o tema vampírico em diferentes gêneros

textuais; citaremos algumas obras literárias escritas ao longo dos séculos XVIII, XIX,

XX e XXI, bem como alguns filmes mais relevantes para esse trabalho.

Embora os vampiros apareçam com muita frequência na literatura,

verificamos que, no decorrer dos séculos, essas figuras foram se transformando e se

humanizando, sem deixar de lado sua essência, por vezes, sanguinária.

Nossa trajetória inicia-se no século XVIII com o aparecimento de histórias de

vampiros baseadas nos folclores ao redor do mundo. Já no século XIX, há diversas

obras incluindo o ícone do gênero, Dracula (1897) de Bram Stoker. Ainda nesse

século, temos várias representações teatrais que colaboraram para estruturar e

sedimentar a figura do vampiro. No século XX, há uma transformação dessa figura,

tornando-a um ser mais humanizado e mais consciente do mundo que está à sua

volta. No século XXI, há uma enorme diversidade, alguns vampiros deixam de ser

cruéis e passam a ser mais amigáveis. Veremos como essas transformações e

modificações do próprio mito levam à humanização dessa figura.

Julia Kristeva em seu livro The Powers of horror: an essay on abjection, 1982,

(Poderes do horror: ensaio sobre a abjeção) comenta o efeito “bumerangue” que o

monstro exerce em nós, ou seja, deixa-nos entre a repulsa e a atração. Ora o vemos

como um ser incompreendido, ora como cruel e sanguinário, pois ele é uma figura

cíclica que em determinados momentos está em alta e em outros é esquecido ou

substituído por zumbis, bruxas ou alienígenas.

Impulsionados pelo cinema e por séries televisivas, observamos uma maior

concentração de obras sobre bruxas nos anos 90. A própria Anne Rice escreveu

uma trilogia nessa época, intitulada “The Mayfair Witches” composta por The

Witching Hour (A Hora das Bruxas – volume 1) de 1990; Lasher (Lasher: As bruxas

de Mayfair) de 1993 e Taltos (Taltos: As vidas dos bruxos Mayfair) de 1994.

Há ainda outras diversas histórias sobre bruxas que vão desde o horror,

passando pelo terror, até chegar às mais reflexivas como Wicked: The Untold Story

of the Witches of Oz (Wicked: a história não contada das bruxas de Oz), 1995, de

Gregory Maguire que explicará como a personagem da obra de L. Frank Baum, The

Wonderful Wizard of Oz (O Maravilhoso Mágico de Oz), 1900, se tornou a Bruxa

Malvada do Oeste.

48

Em outubro de 2003, virou musical composto por Stephen Schwartz com

libreto de Winnie Holzman e estreou na Broadway no Gershwin Theatre. No Brasil, a

temporada se estendeu de março até dezembro de 2016, em São Paulo.

Nos anos 2000, observamos uma predominância de zumbis, talvez

impulsionados pela virada do século, pelo medo do extermínio da raça humana e até

pelos jogos de vídeo games. Podemos citar como exemplo, a obra The Zombie

Survival Guide: Complete protection from the living dead (O Guia de Sobrevivência

aos Zumbis: Proteção total contra Mortos-vivos), 2003, de Max Brooks, que mistura

terror e humor em um guia para ajudar os humanos a se defenderem de um suposto

ataque zumbi.

Em 2006, é publicado a obra World War Z: an Oral History of the Zombie War

(Guerra Mundial Z: Uma História Oral da Guerra dos Zumbis) também de Max

Brooks, que expõe como um vírus letal se espalha rapidamente e transforma

humanos em zumbis. Foi adaptado para o cinema em 2013, com direção de Marc

Forster e com o ator Brad Pitt no papel principal. Em 2019, foi lançada sua versão

como video game.

Max Brooks consegue fazer a ponte entre zumbis e jogos tão bem que, além

de arrebatar leitores, escreveu o primeiro livro oficial explicando o mundo quadrado

do famoso jogo Minecraft, criado em 2009 por Markus Persson. A obra intitulada

Minecraft: The Island: An Official Minecraft Novel (Minecraft: A Ilha), publicada em

2017, expõe a história de um herói que precisa aprender a sobreviver em um

ambiente hostil, onde habitam criaturas estranhas: esqueletos articulados, zumbis,

aranhas, monstros e humanos quadrados.

Observamos que a popularidade das criaturas dependerá em parte do

alcance que os jogos, o cinema e a televisão têm. E é por isso que a figura do

vampiro ganhará mais espaço, quando em 2012 há o lançamento do desenho

animado Hotel Transylvania (Hotel Transilvânia) com direção de Genndy

Tartakovsky e produção de Michelle Murdocca, baseado no ciclo das Crônicas de

Saint-Germain da escritora Chelsea Quinn Yarbro, que se iniciaram em 1978.

Os monstros ficaram em alta, não apenas a figura de Drácula, mas também

da múmia, da criatura criada por Frankenstein, que na animação é chamada

carinhosamente de Frankie, além do lobisomem e do homem invisível. O hotel ainda

conta com camareiras bruxas e carregadores zumbis. Uma divertida narrativa para

49

toda a família. Os monstros não representam mais horror e medo, pelo contrário, são

tidos como heróis e conseguem conviver pacificamente com os humanos.

Segundo Peter Gölz (2016), o mito do vampiro tem se modificado devido às

próprias transformações da sociedade, desmistificando a figura original e

sanguinária na medida em que incorporam temas modernos como bullying,

tecnologia, feminismo, entre outros.

Não podemos deixar de comentar outro marco na divulgação da figura

vampiresca no Brasil. Em 2018, a editora DarkSide Books lançou uma edição

histórica com a capa amarela icônica da primeira edição de Dracula, de 1897. Além

de conter informações sobre Bram Stoker e apresentação de seu sobrinho-bisneto

Dacre Stoker, conta ainda com manuscritos, resenhas e fotos de atores que

interpretaram a personagem no cinema.

[...] Tido como bastião dos monstros clássicos [...] Imortalizado como um dos baluartes do gênero, Drácula é a pedra de toque literária que usamos para conferir a ‘autenticidade’ de todos os vampiros posteriores. Na cosmogonia do monstro, Bram Stoker criou um mito [...] (HELOÍSA, 2018, p. 27 – grifo da autora).

A edição histórica ainda possui o conto “O hóspede de Drácula”, publicado

postumamente em 1914, pela viúva de Stoker e uma tradução do poema “O

Vampiro” (1887) de Charles Baudelaire.

Percebemos uma popularização das obras vampirescas na

contemporaneidade, com abordagens diferentes: algumas são voltadas para o

público infanto-juvenil, enquanto outras são específicas para o público adulto.

Vale a pena ressaltar que não faremos um levantamento do vampiro

folclórico, uma vez que esse tema foi trabalhado na dissertação de mestrado

intitulada Vampiros Humanizados: análise da obra Interview with the vampire de

Anne Rice, defendida em 2014, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e

disponível na Biblioteca George Alexander e em pdf45.

Embora em alguns momentos esses dois vampiros, o folclórico e o literário,

possam estar amalgamados, nossa ênfase maior será no vampiro literário. Veremos

a seguir, como esse vampiro iniciou sua jornada literária e quais obras serviram de

base para a literatura contemporânea.

45 Para mais informações, acesse <http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2185>.

50

2.1. SÉCULO XVIII

A figura do vampiro é comum em diversas partes do mundo, há relatos e

crônicas como o Malleus maleficarum (O Martelo das Feiticeiras) de Heinrich Kramer

e Jacob Sprenger de 1486 e o De spectris, lemuribus et magnis, atque insolitis

fragoribus... de Ludovici Lavateri de 1687. Tais obras não abordam a figura do

vampiro como personagem literária, mas antes como figura folclórica. Geralmente

são relatos religiosos sobre demonismo, possessões, feitiçaria e vampirismo.

Assim sendo, Bruno Berlendis de Carvalho no livro Antologia do Vampiro

Literário (2010) explica que nesse período “[...] o vampiro ainda é, no máximo, um

ser embrionário, indiscernível e amalgamado às bruxas, aos possuídos pelo

demônio e figuras quetais. Ainda não possui uma identidade própria” (CARVALHO,

2010, p. 15).

As primeiras referências sobre vampiros aparecem em forma de poemas do

século XVIII, em língua alemã como o de Heinrich August Ossefelder intitulado “Der

Vampir”, de 1748, com temática de conflito religioso e ainda com fortes influências

do folclore vampírico.

Em 1773, o escritor Gottfried August Bürger apresenta o poema “Lenore” que

embora não tenha alusão direta aos vampiros mas sim à morte, ficou conhecido

porque o seu refrão Die Todten reiten schnell!46 está nas obras de Stoker, tanto no

conto “O convidado de Drácula”, escrito provavelmente entre 1890 e 1897 e

publicado postumamente em 1914, quanto no romance Dracula (1897).

O poema relata o regresso do amado cavaleiro morto para os braços de sua

noiva. Temos então, não a figura do vampiro, mas sim, a do morto-vivo regressando

para os entes queridos, tema muito explorado no mito folclórico.

Em 1797, foi escrito o poema “Die Braut von Korinth”47 de Johann Wolfgang

von Goethe, cuja temática aborda a sedução e o amor além morte. Nesse poema,

há uma cristalização da sedução da femme fatale, a vampira, a mulher sedutora e

usurpadora, tanto de vidas quanto de riquezas, que reaparecerá em outras obras

46 Ligeiro viajam os mortos! (tradução nossa). 47 “A noiva de Corinto” (tradução Claudia Abeling – In: AGUIAR, Luiz Antonio (org.). Góticos II: Lúgubres Mistérios. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012).

51

posteriores. Sua contribuição literária se evidencia também por ser o primeiro poema

que traz o vampiro como personagem.

O primeiro poema vampiresco da língua inglesa data dos anos de 1797 e

1801, mas aparece publicado em 1816. Intitulado “Christabel”, de Samuel Taylor

Coleridge, há uma alusão ao amor entre duas mulheres. Geraldine aparece para

Christabel, no meio da noite, pedindo ajuda; esta por sua vez, fica fascinada e

enfeitiçada pela forasteira e enreda-se num clima de mistério e de fantasia.

Em 1799, outro escritor inglês Robert Southey escreveu sobre a questão do

morto-vivo no poema “The old woman of Berkeley” (“A velha de Berkeley”). Em 1801,

escreve o poema épico “Thalaba the destroyer” (“Thalaba o Destruidor”), no qual o

herói sairá em uma jornada para acabar com feiticeiros mágicos e em uma de suas

muitas aventuras, terá um encontro, ao se refugiar em um jazigo, com o cadáver de

sua amada, vampirizada e possuída, a falecida Oneiza.

Conforme assinala Silva (2010): “[...] Inspirado em As mil e uma noites [...]

evidencia a influência do Oriente [...] como lócus do exótico e do sobrenatural [...]

Demonstrando que Southey estava familiarizado com a literatura acadêmica

setecentista sobre os vampiros [...]” (p. 26 - 27), o herói enfrentará o demônio,

exorcizando-o ao perfurá-lo com uma lança e livrando-se do ser maligno.

2.2. SÉCULO XIX

Entrando no século XIX observamos um vasto número de poemas em

diversos idiomas em torno do universo vampírico. Em 1819, o poeta inglês John

Keats escreve “La belle dame sans merci”48 que retrata a mulher fatal, sedutora e

assassina, resgatando a ideia de Goethe da femme fatale.

Na prosa, a primeira história de vampiros é o fragmento escrito em língua

inglesa por Lord Byron, datado de junho de 1816, em Augustus Darvell (Fragmentos

de uma novela) que foi usado como base para John William Polidori escrever seu

conto “The Vampyre” (“O Vampiro”), publicado em 1819, no New Monthly Magazine.

É considerado o primeiro conto e a primeira obra em prosa, na língua inglesa, sobre

o tema.

48 “A bela dama sem misericórdia” (tradução nossa).

52

Nesse conto nos é apresentado Lord Ruthven, um aristocrata, atraente, com

um rosto belo de tom cadavérico. “O Vampiro” concebeu uma base para a imagem

moderna do vampiro, que irá inspirar autores como Bram Stoker, Anne Rice e

Chelsea Quinn Yarbro. Em decorrência do sucesso do conto de Polidori, foi

estabelecido o protótipo para a figura do vampiro da literatura, do teatro e

posteriormente do cinema.

Outra contribuição importante para a literatura vampírica é o fato de explorar

um aspecto que não criou raízes nas convenções: a Lua como elemento restaurador

do vampiro. Lord Ruthven volta a sua existência através da exposição direta à luz da

Lua. Alexander Meireles da Silva em seu curso on-line “Dissecando Vampiros”

(2019) argumenta que embora a noite tenha ligação direta com o vampiro, a luz da

Lua geralmente está ligada à outra criatura sobrenatural, o lobisomem, esse sim, é

diretamente afetado pelas fases da Lua e consequentemente por seu brilho,

dessemelhante do vampiro.

Entretanto, a literatura continuou com temas vampíricos e em meados de

1820, a peça francesa Le Vampire49 escrita por Charles Nodier, em colaboração com

Carmouche e Jouffroy e com música de Alexander Piccini foi baseada no conto de

Polidori.

Outras peças seguiram o mesmo tema, como é o caso da inglesa The

Vampire; or the Bride of the isles50 de James Robinson Planché, exibida na

Inglaterra, dois meses depois da peça de Nodier, em 1820.

Algumas curiosidades sobre a peça: o vampiro, assim como o de Polidori, é

chamado de Ruthven; também contou com alguns efeitos especiais, como um

alçapão para que o vampiro desaparecesse no palco, na frente dos espectadores. A

ambientação foi modificada para a Escócia, em divergência com o autor que tentou

ambientá-la na Hungria. “O vampiro de Planché oferecia violência, crueldade e sexo,

que caracterizavam o lado negro do melodrama, e isso fez com que a ameaça da

censura inglesa pairasse constantemente sobre ele [...]” (ARGEL; NETO, 2008, p.

33).

Essa peça é importante porque indica a luta interior que o vampiro, na função

de herói, tem como personagem dividida entre sua natureza vampírica e valores

49 O vampiro (tradução nossa). 50 O vampiro; ou a Noiva das ilhas (tradução nossa).

53

morais, bem diferente do vampiro apresentado por Polidori, que não se martirizava

em dilemas existenciais sobre sua natureza assassina.

Esse tema ficará bem evidente, conforme veremos a posteriori nas obras de:

James Malcolm Rymer (1847) e nos vampiros de Rice do século XX, quando eles

terão consciência de sua natureza e travarão uma luta moral interna, fazendo com

que as personagens fiquem divididas em si mesmas.

Em 1828, há uma encenação, em forma de ópera lírica, baseada na história

de Polidori e de seu Lord Ruthven, intitulada “Der Vampyr” (“O Vampiro”) de Heinrich

Marschner e editada por Richard Wagner. “O vampiro continuaria nos palcos

europeus até pelo menos 1877, mas já com muito menor intensidade que na fase

áurea da década de 1820” (ARGEL; NETO, 2008, p. 40).

Theóphile Gautier contribuiu para esse tema com o conto “La Morte

Amoureuse”51 de 1836, que ajudou na consolidação da femme fatale através da

personagem Clarimonde. Essa obra explora a biografia do jovem Romuald, mas

deixa o leitor na dúvida se o que é retratado é a vida de um padre sonhando que é

devasso ou se é um devasso sonhando que é padre. Essa dúvida é muito bem

explorada pelo teórico Todorov como uma condição da literatura fantástica.

A ambigüidade [sic] se mantém até o fim da aventura: realidade ou sonho? verdade ou ilusão? [...] O fantástico ocorre nesta incerteza; [...] é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural (TODOROV, 2010, p. 30 e 31).

Essa obra é de extrema importância para a literatura brasileira, porque Aluísio

Azevedo irá publicar no Brasil o conto “A mortalha de Alzira”, primeiramente em

forma de folhetim no jornal Gazeta de Notícias, entre fevereiro e março de 1891, e

em 1893 em formato de livro, numa releitura da obra de Gautier, explorando a

temática gótica de subversão entre o sagrado e o profano.

A história gira em torno do amor proibido entre Ângelo e Alzira. Azevedo

explora o mesmo dilema da obra de Gautier, Ângelo não sabe se é um padre

sonhando que é devasso ou vice-versa. Já a cortesã Clarimonde é abrasileirada

51 “A morta amorosa” (tradução nossa) ou “A amante morta” (tradução Margaret Sobral – In: AGUIAR, Luiz Antonio (org.). Góticos: vampiros, múmias, fantasmas e outros astros da literatura de terror. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2011).

54

para Alzira com a mesma carga de sedução e sensualismo. Se em Gautier temos o

Abade Serapion, que demonstra seu lado racional e restaurador da ordem; em

Azevedo temos o Frei Ozéas com essa mesma função. É interessante notar que o

local onde se passa a história não foi adaptado para a realidade brasileira, Azevedo

usou a Paris decadente e degenerada do século XIX como locus para a sua história.

Em 1847, é publicada em forma de livro a obra Varney, the vampire; or, the

Feast of Blood52 de James Malcolm Rymer, lembrando que essa obra foi

originalmente publicada como um Penny Dreadful, ou seja, na forma de folhetim,

entre os anos de 1845 até 1847, conforme mencionado no capítulo 1 dessa tese.

Ao ser publicado em sua totalidade, torna-se o primeiro romance de vampiro

da língua inglesa (SILVA, 2018, s/p.), lembrando que anteriormente, a obra de

Polidori, é em formato de conto, o que diferencia da obra de Rymer.

A personagem principal, o vampiro Francis Varney, oscila entre o sentimento

de culpa e o de dúvida sobre sua existência sanguinária. Esse é o que mais se

aproxima dos vampiros do século XX, em termos de humanização, porque é

reflexivo e sente pena de suas vítimas. Vale ressaltar que Varney é amaldiçoado e

transformado em vampiro por matar acidentalmente seu filho, o que por si só já seria

algo para lamentar e refletir.

Nessa obra, destacam-se algumas características da figura do vampiro que

serão incorporadas ao imaginário popular e retomadas posteriormente em outras

obras: os caninos avantajados, os poderes hipnóticos, as marcas nos pescoços das

vítimas, a força descomunal, bem como a primeira associação do vampiro literário

com o morcego, características que serão também exploradas no teatro.

O vampiro teatral da década de 1850 ecoou as mudanças sociais e éticas em curso. Aumentaram sua violência e sua crueldade, bem como seus poderes, e as vítimas com freqüência [sic] morriam. O vampiro ainda preferia jovenzinhas, mas já não precisava desposá-las, e elas agora resistiam e lutavam por suas vidas, deixando de ser passivas e indefesas. Ele passou a atacar também rapazes [...] Nesse período, também consolidaram-se novos clichês, como a capa, o medo de cruzes, a existência noturna e uma personalidade ainda mais magnética e sedutora, aspectos que iriam se tornar indispensáveis, associando-se ao vampiro moderno de forma irremediável (ARGEL; NETO, 2008, p. 39 - 40).

52 Varney, o vampiro; ou o Banquete de Sangue (tradução Carlos Primati. In: RYMER, James Malcolm. Varney, o vampiro; ou o Banquete de Sangue. São Paulo: Editora Sebo Clepsidra - Catarse, 2019).

55

Em 1872, Joseph Sheridan Le Fanu publica a novela Carmilla, em capítulos

na revista londrina The Dark Blue. Ainda no mesmo ano, foi reeditado na coletânea

In a Glass Darkly. É considerada “[...] uma das mais influentes histórias de vampiros

de todos os tempos [...]” (CARVALHO, 2010, p.344) porque apresenta-nos a mulher

sedutora, a típica femme fatale, porém, explora uma relação homoafetiva entre

Laura e a vampira Carmilla.

Essa obra retoma a ideia da Lua como fonte de energia e restabelecimento

dos vampiros, conceito apresentado no conto The Vampyre (1819) de J. W. Polidori,

e conforme já mencionado, não sobreviveu na literatura vampírica. Apresenta-nos

pela primeira vez um outro recurso que até hoje é explorado e está estabelecido no

saber popular: a estaca como instrumento aniquilador do vampiro, que será usada

em diversas obras futuras.

Carmilla possui vários elementos que foram aproveitados ulteriormente por

Bram Stoker em sua obra Dracula (1897) como: a ambientação no leste europeu, a

transformação do vampiro em animais, o caçador de vampiros com notório saber,

além da aristocracia. Dessa forma, podemos considerar Carmilla a mãe de Drácula.

Em 1894, o conde S. E. Stenbock publica o conto “A Verdadeira História de

um Vampiro” como uma paródia à novela de Le Fanu Carmilla e, que “[...] trouxe

uma relação homossexual sublimada implícita entre um vampiro e um menino, e

onde a vampirização [sic] se dava por meio da música” (ARGEL; NETO, 2008, p.

45). Nesse sentido, o vampiro é visto como uma “[...] metáfora do processo criativo

(escrita, pintura, composição)” (ARGEL; NETO, 2008, p. 45), e se aproxima mais do

vampiro de energia do que o clássico sugador de sangue.

Na década de noventa (1897), temos a obra mais famosa sobre vampiros

desse século, Dracula de Bram Stoker, que cristalizou e popularizou a figura do

vampiro. Conde Drácula é a personagem de Stoker mais famosa e, ao pensarmos

em vampiros, automaticamente nos vem à mente a figura do aristocrata, sedutor,

estrangeiro e deslocado de seu ambiente. Virou sinônimo de vampiro e foi baseada

na personagem histórica Vlad Tepes, guerreiro romeno que bebia sangue como

forma de subjugar os súditos e os inimigos.53

53 Um estudo sobre a personagem histórica está na dissertação de mestrado intitulada Vampiros Humanizados: análise da obra Interview with the vampire de Anne Rice, defendida em 2014 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e disponível na Biblioteca George Alexander e em pdf (<http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2185>).

56

Stoker explorou alguns objetos sagrados para inibir o poder do vampiro.

[...] Drácula era um tanto vulnerável. Seu poder era lhe retirado pelo alho, por vários objetos sagrados (o crucifixo e a hóstia eucarística) e pela rosa selvagem. Poderia ser destruído se fosse atacado em seu caixão com uma bala varando-lhe o corpo, uma estaca enfiada no corpo (não necessariamente no coração) e decapitação. A compreensão de Van Helising sobre Drácula (isto é, a de Stoker) provinha basicamente do folclore da Transilvânia/Romênia, conforme descrito por Emily Gerard em seu popular guia de turismo, The Land Beyond the Forest (1885). (MELTON, 2003, p. 228 – grifo do autor).

Embora haja 25 anos de separação entre Carmilla de Le Fanu e Dracula de

Stoker, há alguns pontos em comum que influenciarão outras obras: a sedução, a

imagem do forasteiro e da aristocracia; como vimos, Carmilla é a condessa de

Karnstein e Drácula é um conde, e essa imagem de aristocracia se perpetuará em

diversas obras posteriores.

2.3. SÉCULO XX

No século XX, uma obra que inova o tema é I am Legend (Eu sou a Lenda) de

Richard Matheson, publicada em 1954, que expõe o vampiro enquanto criatura

doente. É a primeira obra a fazer a ligação entre vampirismo e doença e, de acordo

com o curso on-line “Dissecando Vampiros” (2019), esse tema será explorado ao

longo dos anos 90 e início do século XXI, quando o medo de doenças epidêmicas

como a Aids, o Ebola, e até o extermínio da raça humana através de vírus ou

ataques biológicos, serão assuntos de preocupação enquanto armas de guerras.

Mas algumas obras retomam a figura sanguinária do vampiro, como é o caso

de Salem’s Lot de Stephen King publicado em 1975. A primeira tradução em

português ganhou o título de A hora do vampiro (1975), mas a partir de 2013 é

intitulada apenas como ‘Salem. Retrata um vampiro muito parecido com o modelo de

Stoker, estrangeiro deslocado que devasta uma cidade do Maine.

A figura do vampiro, fica em um segundo plano, e seus atos assassinos não

são mais cruéis do que um padre bêbado que sofre com sua falta de fé, ou uma mãe

abusiva que maltrata seu bebê de 10 meses.

Stephen King mescla problemas cotidianos, segredos da cidade, reflexões

sobre a vida americana e um vampiro sanguinário que, por diversas vezes, se

57

oculta, levando o leitor ao questionamento se o mal maior é o vampiro ou são os

próprios humanos.

Também em 1975, temos a publicação do livro The Dracula Tape, de Fred

Saberhagen, relatando o ponto de vista do Conde Drácula a partir dos

acontecimentos ocorridos na obra de Bram Stoker. Podemos dizer que esse livro é

importante porque ele dá voz à personagem vampírica. Drácula irá gravar fitas de

áudio contando sua visão dos acontecimentos a partir da obra homônima de 1897.

Se na obra de Stoker (1897), Jonathan usa, entre outras, a inovação da

taquigrafia para escrever; nos anos 70, Drácula usa a tecnologia existente, as fitas

cassetes para imprimir sua marca e deixar seu registro. Nos anos 80, outros

vampiros se valerão da tecnologia para marcar sua presença no cenário literário,

conforme veremos mais adiante.

Fato é que os vampiros se familiarizam com a tecnologia existente em cada

época e talvez aí esteja sua força. Eles se adaptam ao longo dos tempos, como

resultado de uma domesticação do monstruoso e conseguem subverter a sociedade

de cada época atravessando os séculos.

Como exemplo, podemos citar Blade, o caçador de Vampiros, cuja primeira

aparição se deu em julho de 1973, nas histórias em quadrinhos da Marvel Comics,

criado pelo roteirista Marv Wolfman e pelo desenhista Gene Colan, descreve um ser

com dons vampíricos, como força e agilidade sobre-humanas, que combate as

criaturas vampirescas que os cercam. Essa obra foi adaptada para o cinema em

uma trilogia (1998, 2002 e 2004); além de virar série televisiva em 2006.

Se na obra The Dracula Tape (1975) o ponto de vista de Drácula é exposto e

indica uma certa humanização do vampiro, na medida em que descreve suas

angústias e seus medos, o mesmo acontece com os vampiros de Anne Rice em

suas Crônicas Vampirescas conforme veremos no capítulo 3.

O escritor Fred Saberhagen (1930 - 2007), que inicialmente era considerado

um escritor de ficção científica, logo se rendeu ao encantos vampirescos e continuou

escrevendo sobre Drácula, enquanto guerreiro e herói, fazendo uma releitura dos

vampiros, ao longo dos anos 80, 90 e 2000, principalmente no romance A coldness

in the Blood (2002).

Mas em 1976, é publicado o primeiro volume das Crônicas Vampirescas

Interview with the vampire (Entrevista com o vampiro) de Anne Rice que explora na

trama narrativa as lembranças de um vampiro chamado Louis, que conta sua vida

58

pregressa e suas aventuras como um morto-vivo. A obra é repleta de reflexões e

angústias vividas pelo vampiro na tentativa de manter-se humanizado, apesar de

sua natureza vampiresca. É um vampiro pós Freud, apresentando as angústias do

cotidiano de maneira bastante perceptível.

Em Interview with the vampire (1976) nos é apresentada pela primeira vez

uma menina transformada em vampira, aos 5 anos de idade: Claudia. Com o passar

do tempo, ela desenvolve sua mente, mas fica presa num corpo infantil, como o de

uma boneca, por esse motivo sofre e tem crises existenciais.

O que nos chama a atenção são os questionamentos sobre a vida, a morte, a

eternidade; quem é a vítima e quem é o assassino. Questionamentos que

entrelaçam a dicotomia entre o bem e o mal, e que implicará na humanização do

vampiro, como podemos observar em narrativas posteriores.

Anne Rice continuará escrevendo sobre vampiros ao longo do século XX: The

Vampire Lestat (1985, O Vampiro Lestat), The Queen of the Damned (1988, A

rainha dos condenados), The Tale of the Body Thief (1992, A história do ladrão de

corpos), Memnoch the Devil (1995, Memnoch), The Vampire Armand (1998, O

Vampire Armand) e Merrick (2000, Merrick – As Crônicas Vampirescas).

Outra autora que atravessará os séculos escrevendo sobre vampiros é

Chelsea Quinn Yarbro, que em 1978 publicou Hôtel Transylvania: A Timeless Novel

of Love and Peril.54 Essa obra iniciou o ciclo das Crônicas de Saint-Germain, que

continua até 2014 e apresenta-nos um aristocrata sedutor, inteligente, herói e

vampiro, baseado em uma personagem histórica, o Conde de Saint-Germain. Ele é

leal, bom e o herói que conseguirá defender a mocinha de um grupo de Satanistas.

Como assinala Melton, o Conde de Saint-Germain histórico era, entre outras coisas:

[...] um alquimista que morou na França durante o século 18. O Conde verdadeiro era um cavalheiro culto que compunha músicas e falava diversos idiomas. Um príncipe da Transilvânia, seu nome real era aparentemente Francis Ragoczy. Ganhava dinheiro no comércio internacional, possivelmente no ramo de jóias [sic]. Os poucos relatos de sua vida sugerem que era de estatura mediana, vestia-se de branco e preto, raramente comia em público (mesmo em suas próprias festas), alegava poderes extraordinários (incluindo sua idade de vários milhares de anos), e fomentava uma aura de mistério em torno dos detalhes de sua vida. No St. Germain histórico, Yardro encontrou alguém que poderia se encaixar na sua imagem do que

54 Sem tradução para a língua portuguesa.

59

deveria ser um vampiro. Fez de St. Germain seu personagem central pelo mero uso dos fatos conhecidos sobre ele num contexto vampírico mítico. (2003, p. 346).

Essa personagem literária reúne as qualidades da personagem histórica e é

tão amigável que serviu de inspiração para a série de filmes de animação infantil

intitulado Hotel Transylvania (Hotel Transilvânia) produzido pela Sony Pictures

Animation desde 2012 e, que já conta com a quarta animação, com estreia prevista

para dezembro de 2021.

Ainda na literatura infantil, destacamos a autora alemã Angela Sommer

Bodenburg que, em 1979, inicia uma série de livros infantis intitulada Der kleine

Vampir (O pequeno Vampiro). Novamente a figura do vampiro não causa medo e

nem repugnância, mas sim uma certa empatia na medida em que o pequeno

vampiro tem os mesmos dilemas infantis de centenas de crianças ao redor do

mundo. Esse vampiro do “bem” serviu de base para a obra fílmica The Little Vampire

(O Pequeno Vampiro) de 2000, com direção de Uli Edel e para a animação de 2017,

The Little Vampire 3D (Meu amigo vampiro), com direção de Richard Claus e

Karsten Kiilerich; retratando as aventuras do vampiro e de seu amigo humano.

Não podemos deixar de mencionar a escritora norte-americana Lisa Jane

Smith que, em 1991, dá início a saga The Vampire Diaries (Diários de um Vampiro)

e nos apresenta um triângulo amoroso composto por dois irmãos vampiros e uma

humana. Nos anos subsequentes, outros livros foram lançados para completar a

saga, que mais tarde foram adaptados em uma série de televisão americana

homônima.

As oito temporadas foram transmitidas de 2009 até 2017. Outras séries

derivadas (spin-off) de The Vampire Diaries foram lançadas: 5 temporadas de The

Originals (Os Originais), de 2013 até 2018 e Legacies (Legados) que, até agora,

conta com 2 temporadas (2018 – 2020), nas quais vampiros humanizam-se

buscando um bem maior; irmãos enfrenta-se em lados opostos; e a família,

enquanto instituição, é a detentora do maior poder.

Em 1992, temos a obra Anno Dracula de Kim Newman, subvertendo a história

original de Stoker, Dracula (1897). Newman apresenta-nos um Conde Drácula

poderoso que conseguiu escapar da destruição e derrotar seus inimigos, assumindo

o poder ao se casar com a Rainha Vitória e passando a ser o Príncipe Consorte.

60

Numa sociedade inglesa vitoriana, mistura-se vampiros e humanos,

chamados de renascidos e quentes respectivamente; com personagens históricas

amalgamadas com fictícias. Tudo isso num clima de suspense e mistério, já que é

Jack, o Estripador, o assassino de prostitutas vampiras que desafiará os detetives e

policiais, tanto vampíricos quanto humanos.

Outro fato curioso é que os vampiros são divididos em linhagens, na qual

Drácula não oferece a melhor e a mais pura delas, mesmo sendo o Príncipe

Consorte. Os humanos nobres têm o desejo de se transformar em vampiros,

incutindo um certo status em sua existência e dividindo a classe entre vampiros

nobres e vampiros degradados, mas todos vivendo em harmonia com os humanos,

retirando deles apenas o sangue necessário para sua subsistência.

Nesse sentido, encontraremos uma nova classe de humanos, aqueles que

tirarão proveito de crianças e dos mais fracos para comercializar seu sangue, numa

espécie de “cafetinagem sanguinária”, demonstrando o que a vampira Estelle, da

obra Interview with the Vampire (1976), já havia concluído: os homens podem ser

mais cruéis do que os vampiros (RICE, 1992, p. 242).

Kim Newman escreverá outras obras relacionadas ao tema, como The Bloody

Red Baron (1995), Dracula Cha, Cha, Cha (1998) e ainda se aventurará pelo século

XXI em Johnny Alucard (2013) e One Thousand Monsters (2017). Infelizmente essas

obras não foram traduzidas e publicadas em língua portuguesa, mas constituem-se

ricos materiais de pesquisa e de divertimento.

2.4. SÉCULO XXI

Em 2001, a escritora norte-americana Charlaine Harris inicia As Crônicas de

Sookie Stackhouse, cujo título original em inglês é “The Southern Vampire

Mysteries”. Os livros foram adaptados para a série televisiva que durou 7

temporadas, sendo exibida de 2008 até 2014. Essa obra é importante porque os

vampiros usam um sangue artificial sintético para se alimentar, o que demonstra

uma coexistência entre humanos e vampiros, conforme já vista em outras obras e

que será explorada também nas obras da escritora Anne Rice.

A associação entre sangue e vampiro está tão imbricada na literatura que os

próprios títulos de alguns volumes das Crônicas Vampirescas de Rice estão ligados

ao sangue. E no início do século XXI, ela continua com a publicação das obras:

61

Blood and Gold, 2001 (Sangue e Ouro), Blackwood Farm, 2002 (A Fazenda

Blackwood) e Blood Canticle, 2003 (Cântico de Sangue).

Ela passa por um período de 11 anos sem publicar sobre vampiros, mas

retoma o assunto em 2014, quando lança a obra Prince Lestat: The Vampire

Chronicles (Príncipe Lestat).

Em 2016, Lestat ressurge em Prince Lestat and the Realms of Atlantis: The

Vampire Chronicles (Príncipe Lestat e os Reinos de Atlântida: As Crônicas

Vampirescas), e em 2018, a obra Blood Communion: A tale of Prince Lestat, (ainda

sem tradução para o português) completa os 13 livros até o momento, que expõem

as aventuras dos vampiros de Rice.

Ainda em fase de filmagem, a série sobre as Crônicas Vampirescas não tem

data de estreia definida. Sabe-se apenas que a série é produzida pelo Hulu, um

serviço de transmissão que oferece acesso à programas ao vivo ou sob demanda,

mas que ainda não está disponível no Brasil. Segundo o site Observatório do

Cinema, as filmagens estão acontecendo na capital da Hungria, em Budapeste e

iniciaram-se em setembro de 2019.

A princípio, a série está prevista para 5 temporadas e vale ressaltar que

Christopher Rice, filho de Anne, é o responsável pela roteirização, mas que o elenco

está sendo sugerido pelos fãs da saga e analisados pela própria Anne Rice, no

intuito de ser fiel aos livros e de agradar aos fãs.

Em 2004, John Ajvide Lindqvist escreve o livro sueco Låt den rätte komma in

(Deixa ela entrar) que descreve a vida de um adolescente chamado Oskar. Ele sofre

bullying na escola, mas encontra, na vizinha vampira Eli, uma amiga fiel. A obra é

ambientada em um subúrbio de Estocolmo na década de 80, mas o tema é atual por

se tratar de bullying, da questão da castração física e do mito do vampiro.

O título é uma alusão ao convite que se precisa fazer para que o vampiro

entre em sua casa. Eli precisa sempre dessa permissão para poder entrar em locais

públicos ou privados.

Nesse sentido, Arnold Van Gennep indica em seu livro Os ritos de passagem

(2012): “[...] é possível dizer que a porta é o limite entre o mundo estrangeiro e o

mundo doméstico, quando se trata de uma habitação comum [...] ‘atravessar a

soleira’ significa ingressar em um mundo novo [...]” (s/p.). Dar a permissão para o

vampiro entrar é dar a permissão para ele entrar em sua intimidade, em seu mundo,

em sua vida doméstica.

62

A saga das personagens Oskar e Eli é retomada na obra Appersväggar- Låt

de gamla drömmarna dö (Paper Walls – Let the Old Dreams Die)55 de 2005. Essas

obras foram tão importantes para o gênero que renderam duas representações

fílmicas: uma sueca de 2008, intitulada Let the right one in (Deixa ela entrar) com

direção de Tomas Alfredson e roteirização do próprio Lindqvist e outra americana de

2010, com direção de Matt Reeve e intitulada apenas como Let me in (Deixe-me

entrar).

Em 2005, a escritora Octavia E. Butler subverte as questões de gênero e de

raça ao publicar a obra Fledgling56 que nos apresenta uma vampira negra, fruto de

experiências de outros vampiros na busca de imunização para andar sob o Sol. Fato

curioso nessa obra é que a mordida da vampira deixa os humanos dóceis e viciados

ao ataque, como se a vampira injetasse alguma droga. Infelizmente Butler faleceu

aos 58 anos em 2006, e não conseguiu completar sua trilogia como era a ideia

inicial.

Também em 2005, temos a obra The Historian (O Historiador) de Elizabeth

Kostova que mescla a personagem histórica Vlad Tepes e a personagem fictícia

homônima do romance Dracula (1897) de Stoker, além de lugares históricos,

resultando em um romance epistolar, que descreve as aventuras do imortal Vlad

Tepes no século XX.

Nesse mesmo ano de 2005, a escritora Stephenie Meyer lança o livro Twilight

(Crepúsculo), uma história de amor entre uma humana e um vampiro amável que

brilha no sol. Trazendo a renovação para o mito, é narrada pela personagem

principal Isabella (Bella) Swan. A saga continua com mais três volumes: New Moon

(Lua Nova) de 2006, Eclipse de 2007 e Breaking Dawn (Amanhecer) de 2008.

Há aqui, uma outra forma de vampiros, os do “bem”, que convivem com os

humanos, inclusive um deles é médico, cuida de humanos doentes e pode ver

sangue sem se afetar.

Carlisle [...] continuou pela Europa, para as universidades de lá. À noite estudava música, ciências, medicina... E descobriu sua vocação, seu pendor, isto é, salvar vidas humanas [...] levou dois séculos de esforço torturante para aperfeiçoar o autocontrole. Agora ele é imune inclusive ao cheiro de sangue humano e é capaz de fazer o trabalho que ama sem nenhuma agonia. Ele encontrou muita paz lá, no hospital... (MEYER, 2009, p. 246).

55 Até o momento sem tradução publicada em língua portuguesa. 56 Até o momento sem tradução publicada em língua portuguesa.

63

Podemos dizer que isso constitui uma das provas da humanização do

vampiro contemporâneo: ele encontra paz ajudando os humanos em um hospital.

Quando pensamos em paz, nossa mente pode nos remeter a algo bom, tranquilo,

iluminado e podemos até pensar na cor branca instituída no inconsciente coletivo

como os votos de renovação de passagem dos anos. Por outro lado, quando

pensamos em um vampiro é exatamente o oposto, pois pode nos remeter ao escuro,

sombrio, tétrico, e na cor preta, talvez tendo em mente as roupas descritas nas

primeiras obras literárias góticas e vampirescas.

Se por um lado temos o hospital, claro, iluminado e branco, temos um

vampiro sombrio e tétrico para cuidar desse ambiente. Talvez o único ponto de

contato entre os dois seja o sangue, tanto no hospital quanto no vampiro. A cor

vermelha do sangue vivo se faz presente e pode ser o destaque em comum de

ambos.

Carlisle se penaliza com alguns moribundos, como aconteceu com Edward

que após uma doença terminal recebeu a oportunidade de vida eterna.

- Nasci em Chicago em 1901 [...] - Carlisle me encontrou em um hospital no verão de 1918. Eu tinha 17 anos e estava morrendo de gripe espanhola [...] - E seus pais? - Eles já haviam morrido da doença. Eu estava sozinho. Foi por isso que ele me escolheu [...] Carlisle sempre foi o mais humano, o mais compassivo de nós... Não acredito que se possa encontrar alguém igual a ele em toda a história [...] - Ele agiu por solidão. Este em geral é o motivo por trás da decisão. Fui o primeiro da família de Carlisle [...] (MEYER, 2009, p. 211).

Percebemos que esses vampiros também não gostam de solidão, por isso há

a necessidade de estarem divididos em famílias. Se os vampiros de Rice estão

distribuídos em clãs, aqui notamos claramente a divisão familiar resgatando o

símbolo da sociedade americana.

Meyer mistura a família dos vampiros “bonzinhos” que não sugam humanos

com uma família de lobisomens descendentes dos nativos americanos da tribo dos

Quileutes. “[...] lobos que se transformam em homens, como nossos ancestrais.

Você pode chamar de lobisomens’ [...] Jacob, o único ser humano com quem eu era

capaz de me relacionar... E ele nem era humano” (MEYER, 2008, p. 210 - 211).

64

Temos assim um triângulo amoroso formado pela humana, Bella; pelo

vampiro, Edward e pelo lobisomem, Jacob. Após um período turbulento, Bella e

Edward finalmente se casam. E é na instituição da família sólida e na perpetuação

da espécie que o diferencial dessa obra se faz valer. Edward e Bella só terão

relações sexuais após o casamento e mesmo assim, a garota não será mordida

nessas ocasiões, o que afasta completamente a noção de mordida e ato sexual tão

presente em outras obras do gênero, como a de Stoker (1897) por exemplo.

Bella fica grávida e como humana não consegue sobreviver, assim após o

parto será transformada em vampira e conseguirá ter “[...] um talento sobrenatural

quantificável” (MEYER, 2009b, p. 571).

A filha híbrida, Renesmee, “- Meio mortal, meio imortal [...] Concebida e

trazida à luz por esta recém-criada enquanto ainda era humana” (MEYER, 2009b, p.

524) consegue novamente renovar o mito vampiresco, uma vez que exerce forte

atração em outros vampiros.

Ela tem seu desenvolvimento fora dos padrões humanos e consegue se

desenvolver muito mais rapidamente que um bebê. “Renesmee era irresistível. O

que havia nela que atraía todos, que os fazia dispostos até a arriscar a vida em sua

defesa?” (MEYER, 2009b, p. 448). Novamente, percebemos a atração como ponto

crucial do vampiro.

A saga Twilight (Crepúsculo) de Meyer rendeu quatro adaptações fílmicas

homônimas: Twilight (2008, Crepúsculo) com direção de Catherine Hardwicke, New

Moon (2009, Lua Nova) com direção de Chris Weitz, Eclipse (2010) com direção de

David Slave e finalmente Breaking Dawn (Amanhecer) que foi dividido em Parte 1

(2011) e Parte 2 (2012), ambos com direção de Bill Condon.

Conforme vimos, alguns vampiros deixaram de ser assustadores e

sanguinários, como os da alemã Franziska Gehm, autora de livros infantis e

infantojuvenis, que inicia em 2008 a série Die Vampir Schwestern (As irmãs

vampiras) com o total de 13 livros até o ano de 2016.

Essa obra serviu de inspiração para a trilogia fílmica homônima que descreve

as aventuras da família Tepes, constituída pelo pai Mihai, pela mãe Elvira e pelas

irmãs adolescentes Dakaria e Silvania. As duas primeiras obras, 2012 e 2014

respectivamente, com direção de Wolfgang Groos e a terceira, de 2016, com direção

de Tim Trachte.

65

Em 2009, é publicada a primeira obra da The Strain Trilogy (em português

intitulada Trilogia da Escuridão), do diretor mexicano Guillermo del Toro e do escritor

norte-americano Chuck Hogan, intitulada The Strain (Noturno), apresentando o

vampirismo como uma doença, retomando a ideia de Richard Matheson em I am

Legend (Eu sou a Lenda, 1954), na qual os habitantes da cidade de Nova Iorque

serão contaminados e transformados em criaturas vampíricas e estarão à serviço do

grande Mestre. A trilogia continua com The Fall (A queda), de 2010 e Night Eternal

(Noite Eterna), de 2011.

Essa trilogia rendeu uma adaptação para os quadrinhos, publicada nos

Estados Unidos de 2011 até 2014, além de uma série televisiva de 4 temporadas de

2014 até 2017.

Em 2010, é a vez da obra The Passage (A Passagem) de Justin Cronin

relatar as ansiedades do século XXI e o medo das guerras biológicas e da

aniquilação humana. A partir de uma desastrosa experiência militar, cria-se uma

nova raça de humanos, antes condenados à morte, mas que agora são

transformados em criaturas com habilidades sobre-humanas, hipersensibilidade à

luz e necessidade do sangue para sobreviver, ou seja, vampiros criados pela

ciência.

Esses vampiros acabam por contaminar os humanos, mas com o passar do

tempo, aqueles não contaminados passam a viver em uma fortaleza. Luzes artificiais

simulam a luz do Sol e deixam as criaturas vampíricas afastadas, até o dia em que

as baterias desses holofotes começam a ficar fracas e toda a esperança da

humanidade fica à mercê de uma menina que tem os mesmos poderes dos

vampiros, mas não precisa de sangue para se alimentar. Essa obra é a primeira da

trilogia composta por The Twelve (Os Doze) de 2012 e The City of Mirrors (A Cidade

dos Espelhos) de 2016.

Vale a pena ressaltar a série de revistas em quadrinhos intitulada American

Vampire (Vampiro Americano) de 2010, que explora a ideia da evolução dos

vampiros, uma vez que eles podem andar tanto durante o dia quanto à noite. Criada

pelo escritor norte-americano Scott Snyder e com desenhos do brasileiro Rafael

Albuquerque. Nas cinco primeiras edições, algumas histórias têm a participação do

romancista Stephen King, considerado por muitos como o mestre do horror.

Em 2014, o pseudodocumentário intitulado What we do in the shadows (O

que fazemos nas sombras) ironiza e explora a comicidade do universo vampírico.

66

Foi escrito, dirigido e estrelado por Jemaine Clement e Taika Waititi. Esse

pseudodocumentário, também chamado de mockumentary, retrata o cotidiano de um

grupo de quatro vampiros na cidade de Wellington, na Nova Zelândia. O espectador

passa pelo horror, comédia e pena, além de se identificar com os problemas do

cotidiano desses vampiros.

Também em 2014, temos o lançamento de um filme que trata com muito

humor as reflexões de um vampiro freudiano em crise, Therapie für eine Vampir

(Therapy for a vampire)57, expõe como um vampiro encontrará Freud e iniciará suas

sessões de psicanálise para tentar resolver suas crises, não apenas de identidade,

mas também no seu casamento. Com direção de David Rühm e com os atores

Tobias Moretti e Jeanette Hain nos papéis principais, mistura horror e comédia com

o resultado do entretenimento.

Em 2018, a publicação da obra Dracul (Dracul: a origem de um monstro) de

Dacre Stoker e J. D. Baker apresenta uma história vampírica em que uma das

personagens principais é o próprio Bram Stoker. A obra, segundo os autores, é

baseada em manuscritos originais de Stoker, uma vez que Dacre é sobrinho-bisneto

de Bram e teria conseguido o material com a família. A obra mistura fatos reais e

ficcionais da vida de Stoker, e inclui uma vampira humanizada e do “bem” que

trabalhará como babá e cuidará não apenas de Bram, mas também de seus irmãos.

Historicamente, Bram Stoker foi uma criança muito doente e até seus sete

anos de idade passou seus dias acamado, curando-se milagrosamente. Quando

jovem se destacou nos esportes, sem nenhuma sequela dos anos em que esteve

acamado.

Sua família atestava a cura, além do milagre alcançado, a um tio médico, Dr.

Edward Alexander Stoker. Mas na obra Dracul (2018), a cura é atribuída a babá

Ellen, uma vampira amaldiçoada.

O enredo afirma que Bram achou um manuscrito, supostamente escrito em

um idioma antigo e com a letra da babá Ellen, que contava seu infortúnio. E aqui

temos um ponto de contato da obra ficcional com o folclore. A história que é contada

é a da Dearg-due, uma mulher amaldiçoada por ter tirado a própria vida.

57 Essa obra só está disponível com seu áudio original na língua alemã.

67

[…] a dreaded creature of Ireland, whose name means "Red Blood Sucker." An ancient vampire dating perhaps to pre-Celtic or early-Celtic days, it is greatly feared. The only way to curb its predations is to pile stones upon any grave suspected of housing such a beast. The most famous tale of the Dearg-due is the story of a beautiful woman supposedly buried in Waterford, in a small churchyard near Strongbow's Tree. Several times a year she rises from the earth, using her stunning appearance to lure men to their doom […]58 (BUNSON, 2000, p. 62).

Dracul (2018) usa os mesmos lugares para relatar a história da babá e

descrever seu amor impossível.

Ela viveu há muitos anos, no sul da Irlanda, perto de Waterford. Uma beleza lendária, de lábios bem vermelhos e cabelos loiros claros. Seu nome verdadeiro há muito se perdeu [...] Essa bela e gentil garota se apaixonou por um camponês local [...] Como o camponês jamais seria rico e, portanto, não traria a posição que a família desejava, ela foi proibida de se casar com ele [...] (STOKER; BARKER, 2018, p. 235 - 236).

O pai, que estava em busca de ascensão social, arranjou um casamento para

ela com um homem muito mais velho, porém extremamente cruel. “[...] O marido a

trancou em seu castelo [...]. Ela sofreu uma série de maus-tratos, tanto físicos

quanto mentais, nas mãos incansáveis dele; ele a machucava por pura diversão,

encontrando prazer em seus gritos de dor e lamentos de tristeza” (STOKER;

BARKER, 2018, p. 236).

O desfecho depois de tanto sofrimento não é outro senão a morte.

Dizem que ela renunciou a Deus quando saltou para a morte, culpando-O [sic] por amaldiçoá-la com um pai que não a amava e com um marido cruel. Ela jurou uma vingança terrível contra aqueles que lhe fizeram mal. Como cometeu suicídio, sua alma não descansaria jamais; ela foi condenada a passar a eternidade em tormento (STOKER; BARKER, 2018, p. 237).

58 [...] uma criatura temida da Irlanda, cujo nome significa "Sugador de Sangue Vermelho". Um vampiro antigo, datado talvez dos dias pré-celtas ou primitivos, e é muito temido. A única maneira de conter suas predações é amontoar pedras em qualquer túmulo suspeito de abrigar um animal desses. O conto mais famoso da Dearg-due é a história de uma linda mulher supostamente enterrada em Waterford, em um pequeno cemitério perto da árvore de Strongbow. Várias vezes por ano ela se levanta da terra, usando sua aparência deslumbrante para atrair os homens para a ruína [...] (BUNSON, 2000, p. 62 – tradução nossa).

68

De fato, a bela jovem retorna e se vinga tanto do marido quanto do pai.

Descobrimos que o pai não a amava porque atribuía-lhe a morte da esposa

prematuramente durante o parto. O camponês, ouvindo todas as histórias de seu

retorno, decide dar-lhe o descanso eterno. E novamente a história folclórica aflora.

[...] Com um movimento rápido, ele pressionou a lâmina afiada bem fundo no peito dela. [...] Ele a enterrou pela segunda vez em um pedaço de terra ao sul de sua cabana, embaixo de um velho salgueiro. Desta vez, ele tomou o cuidado de empilhar pedras sobre o túmulo – pedras sobre as quais ele colocava uma rosa branca recém-colhida todas as noites durante o ano que se seguiu, esperando que pudessem estar juntos um dia, mas se consolando com o fato de que ela finalmente descansava em paz (STOKER; BARKER, 2018, p. 242 - 243).

Os mesmos mecanismos para apaziguar a Dearg-due é visto nesse relato. É

interessante, contudo, destacar que a redenção da criatura se dá, tempos depois, já

com o jovem Bram recuperado.

Numa disputa entre o bem e o mal, entre Dracul e Stoker, Dearg-due fica

entre os dois e por fim salva Stoker da aniquilação. A obra termina com uma

promessa: “Finalmente chegou a hora de fazer uma visita para Drácula, há muito

devida, com a estaca mais afiada de todas nas mãos” (STOKER; BARKER, 2018, p.

412).

Outro ponto de destaque nessa obra é a “nota dos autores” que insistem em

dizer que os relatos achados e transcritos são verdadeiros e que, Stoker tinha

consciência e preocupação com isso. “Bram Stoker não pretendia que Drácula

servisse como ficção, mas como um aviso sobre um mal muito real” (STOKER;

BARKER, 2018, p. 418).

Fato é que depois de algumas negativas, a obra Dracula (1897) de Bram

Stoker é finalmente publicada e a repercussão que causou e ainda causa é enorme,

transformando-se em um ícone para as histórias vampirescas.

Como no caso da série televisiva, Dracula (2020), produzida pela BBC One e

Netflix, que conta com apenas uma temporada até o momento, e com três episódios.

Produzida por Sue Vertue, criada por Mark Gatiss e Steven Moffat e, estrelada por

Claes Bang e Dolly Wells; a série é baseada na obra homônima de Bram Stoker, e

trabalha nas entrelinhas, explorando alguns assuntos e personagens que o romance

não abarcou.

69

O primeiro episódio, com direção de Jonny Campbell, intitulado “The rules of

the Beast” (‘As regras das trevas”), retrata o encontro de Jonathan Harker e o Conde

Drácula, quando Harker é tido como um hóspede prisioneiro no castelo do Conde na

Transilvânia. Não explora a história como é relatada no romance de Stoker. Sua

ambientação se dá no convento que Harker chega, ao fugir do castelo. Explora a

figura da irmã Agatha, aquela que o ajudou para que ele voltasse para sua amada

Mina Murray.

O segundo episódio, dirigido por Damon Thomas e intitulado “Blood Vessel”

(“Sangue a bordo”), pormenoriza como foi a viagem do Conde até a Inglaterra a

bordo do navio Deméter, ampliando a trama original.

Há outros passageiros a bordo, como a personagem conhecida das histórias

vampirescas, Lord Ruthven, do conto “The Vampyre” (“O Vampiro”), publicado em

1819, de J. W. Polidori, mas não há desenvolvimento dessa personagem enquanto

vampiro, nem mesmo uma relação entre as obras. Lord Ruthven aparece apenas

como um recém-casado viajando em núpcias, que de alguma forma teve um contato

comercial prévio com o Conde Drácula.

O terceiro episódio, intitulado “The Dark Compass” (“Bússola Sombria), conta

com a direção de Paul McGuigan e, apresenta-nos Drácula no século XXI. Esse

episódio é o único que foge totalmente ao romance de Stoker porque mostra o

vampiro renovado, sem ter sofrido nenhum atentado perpetrado pelos caçadores de

vampiros liderados pelo professor Van Helsing.

Drácula consegue rapidamente se modernizar e numa relação entre doença e

vampirismo, quebra alguns paradigmas incutidos no inconsciente coletivo, como a

crença do extermínio do vampiro através da luz solar, e também a necessidade de

convite para adentar em algum local.

A questão de o vampiro ter alguém como companhia, seja para conversar ou

para servir como alimento, é explorada nesse episódio. O vampiro é reflexivo e

pensa em suas necessidades, não apenas físicas, mas principalmente psicológicas.

Embora a personagem Drácula ainda sirva como modelo, observamos que os

vampiros, principalmente os dos séculos XX e XXI, atravessam um processo de

humanização na medida em que refletem o cotidiano e organizam-se em clãs ou em

famílias. Por diversas vezes, aliam-se aos humanos, ajudando-os, mas também

sofrem, têm crises existenciais e vivem à margem de nosso mundo, distribuídos ora

70

em grandes centros, ora em pequenas cidades do interior. Fato é que continuam

fascinando milhares de leitores e arrebatando diversos fãs ao redor do mundo.

2.5. APRESENTAÇÃO DAS OBRAS

2.5.1. Interview with the Vampire (1976)

Como vimos, a primeira das Crônicas Vampirescas dá-nos a conhecer Louis,

o vampiro narrador; além de um suposto jornalista não nomeado, mas incumbido de

gravar a fala do vampiro; temos também Lestat de Lioncourt, que aparece como o

grande vilão, inapto para liderar vampiros por lhe faltar conhecimento sobre suas

origens. Junta-se a eles a criança vampira Cláudia. Toda a narrativa é apresentada

pela perspectiva de Louis.

Apresenta-nos poucas personagens, a maioria das humanas serão as vítimas

dos vampiros e não terão relevância para a história. Mas há uma que passará

incólume, Babette da família Freniere, vizinha da fazenda de Louis em Nova

Orleans, por quem Louis tinha uma certa atração.

Babette terá um encontro com o vampiro, mas não será afetada por ele e

atribuirá esse encontro a um espírito maligno, dando continuidade à sua vida de

fazendeira e assim desaparecendo do enredo.

Além dos vampiros Louis, Lestat e Claudia, ainda temos Armand e a trupe do

Teatro dos Vampiros em Paris.

O romance, escrito em forma de uma longa entrevista, narra os

acontecimentos que sucedem a transformação de Louis de Pointe du Lac em

vampiro e sua relação de amor, cumplicidade e ódio com Lestat de Lioncourt, aquele

que lhe ofereceu o “dom das trevas”.

Louis de Pointe du Lac, com então 25 anos, era o dono de uma fazenda perto

da cidade de Nova Orleans. Depois de um tempo, Lestat passa a morar nessa

fazenda com ele e como precisa dispensar cuidados a um pai humano e cego, leva

o pai para morar também na fazenda.

71

[...] And he seemed to me to push luxury upon his father to an almost ludicrous point. The old blind man must be told constantly how fine and expensive were his bed jackets and robes […] periods of near obsequious kindness when Lestat would bring his father supper on a tray and feed him patiently while talking of the weather and the New Orleans news […]59 (RICE, 2009, p. 36 - 37).

Embora Lestat seja uma criatura morta-viva e por vezes sanguinária, é muito

amoroso, em algumas ocasiões, com seu pai humano. Isso indica uma certa

humanização do vampiro, que cuida do pai com um certo luxo, e comenta notícias

de Nova Orleans, atualizando-o sobre diferentes fatos.

O romance também nos mostra a rejeição de Claudia à imortalidade. “[...]

Monsters! To give me immortality in this hopeless guise, this helpless form! The tears

stood in her eyes […]60 (RICE, 2009, p. 259). Claudia fica estagnada num corpo de

uma garotinha de 5 anos e mesmo com o passar dos anos, sua forma física continua

inalterada, embora sua mente seja a de uma adulta. Isso a leva a questionar sua

existência e culminará na tentativa de exterminar Lestat.

‘Claudia!’ He gasped again […] “‘Don’t you like the taste of children’s blood…?’ she asked softly. “‘Louis…’ he whispered, finally lifting his head just for an instant. It fell back on the couch. ‘Louis, it’s … it’s absinthe! Too much absinthe!’ he gasped. ‘She’s poisoned them with it. She’s poisoned me. Louis. …’ He tried to raise his hand […] And then, from beneath the pillows of the couch, she drew a kitchen knife. “‘Claudia! Don’t do this thing!’ I said to her. But she flashed at me a virulency I’d never seen in her face […] The blood poured out of him, down his shirt front, down his coat. It poured as it might never pour from a human being […] She sank the knife into his chest now and he pitched forward, his mouth wide, his fangs exposed […]61 (RICE, 2009, p. 134 - 135).

59 [...] E, a mim, parecia que cobria seu pai de um luxo quase ridículo. O velho cego ouvia repetidamente como eram bons e caros seus pijamas e roupões, [...] períodos de intenso carinho, nos quais Lestat trazia a ceia do pai numa bandeja e o alimentava pacientemente, enquanto falava sobre o tempo e lhe contava as últimas notícias de Nova Orleans [...] (RICE, 1992, p. 42). 60 […] Monstros! Conceder-me a imortalidade sob esta forma inútil! – Lágrimas pairaram em seus olhos [...] (RICE, 1992, p. 260). 61 - Cláudia! – Arquejou de novo [...] - Não aprecia o gosto do sangue das crianças? ... – ela perguntou baixinho. - Louis... – ele murmurou, levantando a cabeça por um instante. Tombou novamente na poltrona. – Louis, é... é absinto! Absinto demais! – ofegou. – Ela os envenenou. Ela me envenenou. Louis... – tentou erguer a mão. [...] - E então, sob as almofadas da poltrona, tirou uma faca de cozinha.

72

Há ainda a descoberta dos vampiros mortos-vivos da tradição, bem diferentes

dos vampiros de Rice.

[…] two small, hideous holes made up his nose; only a putrid, leathery flesh enclosed his skull, and the rank, rotting rags that covered his frame were thick with earth and slime and blood. I was battling a mindless, animated corpse. But no more. […] We had met the European vampire, the creature of the Old World […]62 (RICE, 2009, p. 188).

Claudia e Louis saem a procura de outros de sua espécie, mas só conseguem

encontrar os vampiros tradicionais, “[…] It was she who gave us the only hope we

were to experience after the monster in Transylvania, and that hope came to nothing.

[…]”63 (RICE, 2009, p. 193). Eles encontram apenas cadáveres mortos-vivos que

não pensam sobre sua existência, apenas querem se alimentar para a subsistência.

And that was how it was throughout Transylvania and Hungary and Bulgaria, and through all those countries where peasants know that the living dead walk, and the legends of the vampires abound. In every village where we did encounter the vampire, it was the same.’ ‘A mindless corpse?’ the boy asked. ‘Always,’ said the vampire. ‘When we found these creatures at all. I remember a handful at most. Sometimes we only watched them from a distance, all too familiar […] In one hamlet it was a woman, […] And her eyes… they were mindless, empty, two pools that reflected the moon. No secrets, no truths, only despair’64 (RICE, 2009, p. 193).

- Claúdia! Não faça isso! – disse eu. Mas ela me fulminou com uma virulência que nunca tinha visto em seu rosto, [...] - O sangue esguichou cobrindo-lhe a camisa, o casaco. Esguichou como jamais esguicharia de um ser humano, [...] Ela então mergulhou a faca em seu peito e ele caiu para a frente, a boca aberta, as presas expostas [...] (RICE, 1992, p. 139 - 140). 62 […] Dois orifícios pequenos e horrendos lhe serviam de nariz. Apenas uma carne pútrida, semelhante ao couro, cobria-lhe o crânio, e os andrajos esfarrapados e rotos que o protegiam estavam grossos de terra, limo e sangue. Eu lutava com um cadáver negligente e animado. Não mais que isso. [...] Tínhamos encontrado o vampiro europeu, a criatura do Velho Mundo [...] (RICE, 1992, p. 190 - 191). 63 […] Foi ela quem nos proporcionou a única esperança que acalentamos depois do monstro da Transilvânia, e esta esperança deu em nada (RICE, 1992, p. 195). 64 - E era assim que acontecia pela Transilvânia, Hungria e Bulgária, e por todos aqueles países onde os camponeses sabiam que os mortos-vivos andavam e as lendas de vampiros abundavam. Em todas as aldeias onde encontramos o vampiro, deu-se o mesmo. - Um cadáver descuidado? - Sempre – disse o vampiro. – Quando conseguíamos encontrar tais criaturas. Lembro-me de um punhado. Às vezes limitávamo-nos a observá-los de longe, todos muito familiares [...] Numa vila era uma mulher, [...] E seus olhos...eram inanimados, vazios, dois poços que

73

A saga terá diversas reviravoltas, Claudia cometeu o pior crime de um

vampiro, matou outro de sua espécie, o que é imperdoável. Ela será julgada pelos

vampiros do Teatro e sua punição será a morte eterna, a aniquilação através dos

raios do Sol. Louis ficará tão furioso e acabará com o Teatro dos Vampiros, matando

um a um os acusadores e aniquilando-os com fogo.

No final, há o deslocamento do amor de Louis para um outro vampiro,

Armand, esse sim mais experiente e com conhecimento suficiente para responder os

questionamentos de Louis.

‘And then finally I surrendered. I turned to Armand again and let my eyes penetrate his eyes, and let him draw close to me as if he meant to make me his victim, […] I could love Armand […] ‘that is the crowning evil, that we can even go so far as to love each other, you and I. And who else would show us a particle of love, a particle of compassion or mercy? Who else, knowing us as we know each other, could do anything but destroy us? Yet we can love each other’65 (RICE, 2009, p. 313 - 314).

Nesse sentido, as relações afetivas apresentadas passam desde as

incestuosas de Louis com Claudia até as homoafetivas de Louis com Lestat, e

depois com Armand. Rice explica: “[...] my characters often transcend gender entirely

and behave as if they are bisexual or indifferent to gender. It just happens [...]”66

(CANCEL, 2014, p. 46).

Identificaremos no decorrer da saga que os vampiros de Rice são livres para

amar, ora juntam-se em grupos, ora em duplas ou trios. Eles não sentem prazer em

ficar sozinhos, gostam de estar sempre juntos. “Sexually ambiguous, her vampires

yearn for the same emotional bond that all humans want and hope to make a

refletiam a lua. Nenhum segredo, nenhuma verdade, somente desespero (RICE, 1992, p. 195). 65 – Então, finalmente, me rendi. Voltei-me de novo para Armand e deixei meus olhos penetrarem nos seus, deixei-o aproximar-se de mim como se fosse me transformar em sua vítima, [...] eu poderia amar Armand [...] – Este é o ápice do mal: que possamos até chegar a ponto de nos amarmos, você e eu. E quem mais nos daria uma migalha de amor, uma migalha de compaixão e piedade? Quem mais, conhecendo-nos como nos conhecemos, faria algo além de nos destruir? Mas podemos amar um ao outro (RICE, 1992, p. 310 - 311). 66 [...] meus personagens geralmente transcendem completamente o gênero e se comportam como se fossem bissexuais ou indiferentes ao gênero. Isso simplesmente acontece [...] (CANCEL, 2014, p. 46 – tradução nossa).

74

connection with someone, anyone, with which they can share their love”67 (CANCEL,

2014, p. 30).

No final da leitura, a sensação que temos é que Louis caracteriza-se como o

vampiro que sofre com a perda da companheira Cláudia, mas ao mesmo tempo

busca respostas para suas crises existenciais; enquanto Lestat é, segundo a visão

de Louis, o vampiro sanguinário e sem escrúpulos.

2.5.2. The Vampire Lestat (1985)

No segundo volume da saga é a vez de Lestat narrar sua história, ele deixa

de ser o vilão para tornar-se o herói. Ele mesmo irá detalhar como foi transformado e

como transformou outros, incluindo sua mãe para que pudesse ser curada de uma

doença terminal e continuar sua existência como vampira.

Lestat relatará suas aventuras. Nos anos 80, ele se transforma em um grande

astro do rock. Ao expor sua condição vampírica, muitas pessoas não acreditam e

pensam ser apenas uma forma de vender mais discos, deixando o público na dúvida

se ele é mesmo um vampiro ou é algum cantor excêntrico. Como procura suas

origens, ele entra em contato com os ancestrais que dominam a tribo dos vampiros

ao redor do mundo.

Em uma transmissão no Youtube em 4 de janeiro de 2017, Anne Rice

argumenta que “The first book in The Vampire Chronicles really is The Vampire

Lestat. The story of Louis in New Orleans that takes place later in Lestat’s life”68

(RICE, 2017b, s./p.). Há ainda o argumento de que Lestat é o herói e a personagem

principal da saga, pois todos os outros livros subsequentes girarão ao redor dele e

de suas aventuras.

Ele tenta se redimir das mortes cometidas no primeiro volume, Interview with

the Vampire (1976), justificando-as.

67 Sexualmente ambíguos, seus vampiros anseiam pelo mesmo vínculo emocional que todos os humanos querem e esperam estabelecer uma conexão com alguém, qualquer pessoa com quem possam compartilhar seu amor (CANCEL, 2014, p. 30 – tradução nossa). 68 O primeiro livro das Crônicas Vampirescas é realmente O Vampiro Lestat. A história de Louis em Nova Orleans, ocorre mais tarde na vida de Lestat (tradução e grifo nosso).

75

When he says I played with innocent strangers, befriending them and then killing them, how was he know that I hunted almost exclusively among the gamblers, the thieve, and the killers, being more faithful to my unspoken vow to kill the evildoer than even I had hoped I would be? (The young Freniere, for example, a planter whom Louis romanticizes hopelessly in the text, was in fact a wanton killer and a cheater at cards on the verge of signing over his family’s plantation for debt when I struck him down. The whores I feasted upon in front of Louis once, to spite him, had drugged and robbed many a seaman who was never seen alive again.)69 (RICE, 2014a, p. 499).

Lestat assume uma posição de justiceiro, um dos indícios de que deixou sua

vilania, agora mata com um propósito: eliminar o mal da cidade; matar trapaceiros,

assassinos, ou seja, exterminar a escória da humanidade. “[...] And as long as I slew

only the evildoer, I could endure my blood thirst […]”70 (RICE, 2014a, p. 446).

É um vampiro do “bem” por assim dizer e nesse sentido, “[…] the victims of

Mrs. Rice’s vampires have either deserved their ravenous endings or succumbed to

more of a lover’s embrace and a merciful death”71 (CANCEL, 2014, p. 29).

E nesse sentido, o vampiro Marius também subverte a sociedade matando

apenas os malfeitores e se passando por humano, talvez como um modelo para

Lestat, uma vez que eles tiveram diversos encontros para refletirem sobre a

existência vampírica. “[…] He found a way to imitate mortal life. To be one with

mortals. He slew only the evildoer, and he painted as mortals paint. Angels and blue

skies, clouds, […] devils who paint angels”72 (RICE, 2014a, p. 310). Temos então a

69 Ele afirma que eu brincava com estranhos inocentes, me fazendo primeiro de amigo para depois matá-los, mas como ele haveria de saber que eu caçava quase que exclusivamente os jogadores, os ladrões e os assassinos, mantendo-me fiel, mais do que eu esperava, a meu juramento tácito de matar apenas os malfeitores? (O jovem Frenier [sic], por exemplo, um fazendeiro a quem Louis romantiza inutilmente em seu texto, era na verdade um assassino devasso e um trapaceiro no jogo de cartas, que estava prestes a vender a plantação de sua família para pagar dívidas, quando eu o abati. As prostitutas com as quais me banqueteei na frente de Louis um dia, para irritá-lo, tinham drogado e roubado muito marujos, que jamais foram vistos com vida depois.) (RICE, 1999, p. 422 e 423). 70 [...] E, desde que matasse apenas os malfeitores, poderia suportar minha sede de sangue [...] (RICE, 1999, p. 378). 71 [...] as vítimas dos vampiros da sra. Rice mereceram seus finais vorazes ou sucumbiram ao abraço de um amante e a uma morte misericordiosa (CANCELAR, 2014, p. 29 – tradução nossa). 72 […] Ele descobriu uma maneira de imitar a vida mortal. De ser idêntico aos mortais. Ele matava apenas os malfeitores, e pintava como os mortais pintam. Anjos e céus azuis, nuvens, [...] demônios que pintam anjos (RICE, 1999, p. 266).

76

dicotomia, bem x mal, anjos x demônios, na qual um demônio vampiro pode pintar

algo sublime como os anjos, sem ser afetado.

Lestat também se preocupava com questões da sociedade como a Revolução

Francesa, por exemplo. “[...] And I did worry about the revolution [sic], as any mortal

Frenchman might”73 (RICE, 2014a, p. 332). Outro indício de que esse vampiro tem

preocupações humanas.

Sua relação com o tempo também é destacada. “‘Time will take our family,’ I

said. ‘Time will take the France we knew. […] I need these things, I tell you. This is

what life is to me!’”74 (RICE, 2014a, p. 332).

Dessa forma, o tempo pode ajudar ou atrapalhar o vampiro, dependendo de

sua atitude para com a sociedade e de sua adaptação no mundo. “In The Vampire

Chronicles, time can be both a blessing and a curse, depending on the character”75

(CANCEL, 2014, p. 29 – grifo da autora).

Todo o universo vampírico se expande e muitas outras personagens serão

apresentadas incluindo alguns humanos, como o advogado Pierre Roget que

ajudará Lestat, no século XVIII, contatando sua família e amigos. No século XX,

Lestat contará com a ajuda da jovem advogada Christine, que atuará da mesma

forma que Pierre Roget.

Há ainda outros humanos que convivem em harmonia com o vampiro, os

integrantes da Banda Satan’s Night Out (Noite de Satã): o baterista Alex, o tecladista

Larry e a guitarrista Tough Cookie (Biscoito Doce). Esses humanos não são

afetados pelos vampiros e vice-versa.

Conheceremos mais vampiros; os primeiros Akasha e Enkil, considerados os

pais de todos as criaturas; Marius, conforme vimos, um erudito romano, que mais

tarde torna-se guardião dos segredos vampíricos; e as gêmeas Maharet e Mekare,

duas bruxas poderosas, inimigas de Akasha, que foram transformadas em vampiras,

na mesma medida em que foram castigadas com a cegueira e a mudez

respectivamente.

73 [...] E me preocupava com a revolução [sic], como qualquer francês mortal se preocuparia (RICE, 1999, p. 285). 74 - O tempo vai levar nossa família – eu disse. – O tempo levará a França que conhecemos. [...] Eu preciso dessas coisas. É isto que significa a vida para mim! (RICE, 1999, p. 285). 75 Nas Crônicas Vampirescas, o tempo pode ser uma bênção e uma maldição, dependendo da personagem (CANCEL, 2014, p. 29 - grifo da autora e tradução nossa).

77

Descobriremos as origens de Lestat, seu início como humano e caçador de

lobos, seus problemas com o pai que não o deixava estudar, sua fuga para Paris,

seu trabalho como ator, sua transformação, seu abandono sem muitas explicações e

sua nova condição vampírica.

Magnus transformou Lestat e ainda o escolhera para descendente, deixando

toda a sua fortuna. “‘You are now my heir, […] You’ll take possession of this house

and all my treasure [...] ‘Do with my treasure as you like, and with all my earthly

property. But for now, I must have my vows’” 76 (RICE, 2014a, p. 93 - 94).

Lestat também tinha algumas instruções sobre o que fazer com as cinzas de

Magnus após seu aniquilamento. “‘Now, after I am burned up,’ he said, snatching my

wrist, ‘and the fire is out, you must scatter my ashes. […] Or else I might return, […] if

you allow me to come back, more hideous than I am now, I shall hunt you down and

burn you till you are scarred the same as I […]”77 (RICE, 2014a, p. 95 – grifo da

autora).

Esse ritual de espalhar as cinzas do morto, para que ele não retorne, é

observado nas histórias folclóricas, principalmente na Europa oriental, mas conforme

sinaliza Paul Barber (1988), cremar uma pessoa no passado não era algo comum ou

mesmo barato.

Cremation, which seems to us so tidy a form of body disposal, is actually not tidy at all, and certainly not quick if you are using a furnace without good circulation of oxygen. […] It is both expensive and unpleasant—hence most common among the rich, who can both afford the expense […]. In ancient Rome, for example, cremation was most common among the patricians. And according to Filipovic, it was usually warriors and rich or important people who were cremated in the Balkan and Slavic past78 (BARBER, 1988, p. 77).

76 - Você agora é meu herdeiro, [...] Você tomará posse desta casa e de todo meu tesouro. [...] Faça o que quiser com meu tesouro, e com todas as minhas propriedades terrenas. Mas, agora, preciso cumprir meu juramento (RICE, 1999, p. 85). 77 - Agora, depois que eu for queimado – ele disse agarrando meu pulso – e o fogo se apagar, você deve espalhar as cinzas. [...] Ou então poderei retornar, [...] se você permitir que eu volte, mais hediondo do que sou agora, vou caçá-lo e queimá-lo até ficar tão cicatrizado como eu [...] (RICE, 1999, p. 87 – grifo da autora). 78 A cremação, que parece ser uma forma de descarte do corpo tão organizada, na verdade não é; e certamente, não é rápida se você estiver usando um forno sem boa circulação de oxigênio. [...] É ao mesmo tempo caro e desagradável - portanto, mais comum entre os ricos, que podem arcar com as despesas [...]. Na Roma antiga, por exemplo, a cremação era mais comum entre os patrícios. E, de acordo com Filipovic, geralmente eram guerreiros e pessoas ricas ou importantes que eram cremadas no passado dos Balcãs e eslavos (BARBER, 1988, p. 77 – tradução nossa).

78

Dinheiro para Magnus não era o problema, portanto deixar específicas ordens

quanto à sua cremação para Lestat, era uma forma de fazê-lo merecer o tesouro

que herdaria. Caso não cumprisse as instruções, ele seria assombrado e punido

pelo fantasma do vampiro.

Assim como Cláudia, personagem da primeira obra, Magnus é o vampiro que

luta contra sua imortalidade. Dessemelhante do aniquilamento de Claudia, é o

próprio vampiro que se joga no fogo. “[...] Good-bye, little one. Do as I say.

Remember, the ashes […] And he leapt so high and so far into the very middle of the

flames he appeared to be flying. I saw him descend. I saw the fire catch his

garments”79 (RICE, 2014a, p. 96).

Lestat obedece à seu mestre e é recompensado com o tesouro. “And though

the old master had said he was leaving me his treasure, I was flabbergasted by what

I saw here. The chest was crammed with gems and gold and silver […] And it was

mine now”80 (RICE, 2014a, p. 102 - 103).

Lestat não sabe a razão de ter sido transformado em vampiro e muito menos

a de ter sido escolhido por Magnus para ser seu herdeiro. “‘Ah, greedy son,’ he said.

‘Is it not enough to be immortal with all the world your repast? Good-bye […] ‘Now,

live forever, beautiful Wolfkiller, with the gifts which I have added to the lot’”81 (RICE,

2014a, p. 96).

Podemos levantar uma hipótese que Magnus verbaliza, “Wolfkiller”, matador

de lobos, indicando ser um bravo guerreiro, lutador; portanto, Lestat seria alguém

que conseguiria passar pela eternidade, seria forte o suficiente para ter uma

existência vampírica longa.

Ele até tentou se afastar dessa vida de caçador e de filho de Marquês pobre,

mas como ele mesmo relata, não conseguiu. “[...] I had become the hunter. [...] It had

become my life by this time [...] Two times in my life I’d tried to escape this life, only

79 […] Adeus, meu pequeno. Faça o que eu disse. Lembre-se, as cinzas! [...] E pulou tão alto e tão distante, bem no meio das chamas, que pareceu estar voando. Eu o vi descer. Vi suas roupas pegarem fogo (RICE, 1999, p. 87 - 88). 80 E, embora o velho mestre tivesse dito que estava deixando-me seu tesouro, fiquei estupefato com o que vi ali. A arca estava abarrotada de pedras preciosas, ouro e prata. [...] E agora era meu (RICE, 1999, p. 93). 81 - Ah, filho ganancioso – ele disse. – Não basta ser imortal com o mundo inteiro para lhe servir de repasto? Adeus, [...] – Agora viva para sempre, belo Matador de Lobos, com os dons que acrescentei aos seus (RICE, 2014a, p. 96 – tradução nossa).

79

to be brought back with my wings broken. But I’ll tell more on that later”82 (RICE,

2014a, p. 23).

Após sua transformação e consequentemente, o recebimento de sua herança,

seu próximo passo foi salvar sua mãe da morte, trazendo-a para a imortalidade

vampírica. E mais uma vez percebemos pontos de contato com a primeira obra de

1976, Interview with the vampire, quando Lestat ao transformar Louis pergunta se é

isso que ele quer, apenas depois da anuência é que ocorre a mordida fatídica.

Quando vai transformar sua mãe também faz a pergunta.

Do you want to come with me now? DO YOU WANT TO COME WITH ME INTO THIS NOW? […] With her whole being she said Yes. […] I drove my teeth into her, feeling her stiffen and grasp, and I felt my mouth grow wide to catch the hot flood when it came. […] she was simply who she was. She was Grabrielle83 (RICE, 2014a, p. 157 - 158 – grifo da autora).

Lestat teve seu direito à vida usurpado pelo vampiro Magnus. Ele mesmo não

pode responder diretamente essa pergunta, talvez daí sua necessidade de anuência

para a transformação de outros vampiros. Ele agora tinha consciência do que é ser

um vampiro.

Depois de um tempo, Lestat e Gabrielle viajam pelo mundo em busca de

respostas: Quem foram os primeiros vampiros? Há outros espalhados ao redor do

mundo? Como eles vivem, o que pensam e o que fazem?

Nesse sentido, a viagem de Lestat e Gabrielle é semelhante à de Louis e

Cláudia. Lestat e Gabrielle, contudo, transitaram além da Europa, pela Ásia. Eles

encontraram vampiros mortos-vivos sem consciência: “[...] mad creatures without

reason or language, who attacked us as if we were mortal [...]84 (RICE, 2014a, p.

324). Cruzaram também com outros vampiros que lhes eram semelhantes: “[...]

82 [...] eu me tornara um caçador. [...] A caça se tornara minha vida nessa época [...] Duas vezes em minha vida tentei escapar dessa vida, só consegui voltar com minhas asas quebradas. Mas falarei sobre isso mais tarde (RICE, 1999, p. 27). 83 Quer vir comigo agora? QUER VIR COMIGO AGORA? [...] Com todo seu ser, ela disse ‘sim’. [...] Cravei meus dentes nela, sentindo-a enrijecer-se e ofegar, e senti minha boca abrir-se para sugar o sangue quente quando ele saiu. [...] ela era simplesmente quem era. Era Gabrielle (RICE, 1999, p. 138 – grifo da autora). 84 [...] criaturas loucas, desprovidas de razão ou linguagem, que nos atacavam como se fôssemos mortais [...] (RICE, 1999, p. 278).

80

vampires in Istambul [...] dressed as all humans do in that part of the world, in flowing

robes, to hunt the nighttime streets”85 (RICE, 2014a, p. 324).

Tanto Louis e Cláudia quanto Lestat e Gabrielle buscam um modelo para

seguirem, é a busca existencial do vampiro. E é curioso pensar que enquanto Louis

empenha-se na viagem com a garotinha Claudia, Lestat viaja com a mãe Gabrielle.

Ambos viajam na dicotomia masculino e feminino, um no sentido de pai e filha e o

outro, no sentido de filho e mãe.

Mas a busca é em vão, Lestat não encontra alguém ou algo a ser seguido,

apenas criaturas na mesma condição que ele, caçando para subsistir.

[...] Nowhere did I meet a truly old vampire. Nowhere did I meet a vampire who was in any way a magnetic creature, a being of great wisdom or special accomplishment, an unusual being in whom the Dark Gift had worked any perceivable alchemy that was of interest to me86 (RICE, 2014a, p. 325).

Encontramos um vestígio da tribo de vampiros espalhados ao redor do mundo

que se consolidará na décima primeira obra, quando esta será organizada em Prince

Lestat: The Vampire Chronicles (2014).

Somente depois de muito tempo é que Lestat travará conhecimento com o

vampiro Marius.

[…] And by a strange coincidence, we were both chosen for immortality for the very same reason – you by Magnus and I by my captors – that we were the nonpareils of our blood and blue-eyed race, that we were taller and more finely made than other men.’ ‘Ooooh, you have to tell me all of it! You have to explain everything!’ I said. ‘I am explaining everything,’ he said. ‘But first, I think it is time for you to see something that will be very important as we go on’87 (RICE, 2014a, p. 384 – grifo da autora).

85 [...] vampiros de Istambul [...] se vestiam como todos os humanos naquela parte do mundo, com mantos graciosos para caçar no escuro da noite (RICE, 1999, p. 278). 86 “[...] Em nenhum lugar encontrei um verdadeiro vampiro antigo. Em nenhum lugar encontrei um vampiro que fosse, de alguma maneira, uma criatura magnética, um ser de grande sabedoria ou talento especial, um ser fora do comum em quem o Dom das Trevas houvesse operado alguma alquimia perceptível que fosse de meu interesse (RICE, 1999, p. 278). 87 […] E por uma estanha coincidência, nós dois fomos escolhidos para a imortalidade pela mesma razão, você por Magnus e eu por meus raptores, por sermos pessoas de excelência inigualável do sangue de nossa raça de olhos azuis, porque somos mais altos e de constituição mais fina do que outros homens. - Oooooh, você tem que me contar tudo! Tem de explicar tudo! – eu disse.

81

Marius levanta a hipótese da beleza e da constituição diferenciada de ambos

como resposta para serem escolhidos e transformados em vampiros. Ele é o mais

adequado para responder todos os questionamentos de Lestat, por ser da época do

Império Romano e ter visto o mundo passar por diversas transformações, adquiriu

ao longo dos séculos um vasto conhecimento vampírico, além de ser o guardião dos

primeiros vampiros, Akasha e Enkil.

‘Yes, everything,’ he said, dismissing that. ‘You have come into being at the end of an era, at a time when the world faces changes […] And it was the same with me. I was born and grew to manhood in a time when the ancient world, as we call it now, was coming to a close. Old faiths were worn out […]88 (RICE, 2014, p. 381 - 382).

Ele relatará a história de seus antepassados e de como lutou contra o antigo

guardião para transformar-se em um novo.

‘I went back into Alexandria, and I broke into a shop that sold antique things and I stole two fine painted and gold-plated mummy cases, and I took a great deal of linen for wrapping, and I went back to the desert crypt. […] this new infatuation, inspired me as I approached Akasha and Enkil to put them in the wooden mummy cases […]89 (RICE, 2014, p. 452).

Embora haja pouca citação dos vampiros mortos-vivos da tradição, há

algumas referências sobre os vampiros literários do século XIX, numa tentativa de

comparação com os de Rice.

Eu estou explicando tudo – ele disse. – Mas primeiro creio que é hora de você ver algo que será muito importante quando continuarmos (RICE, 1999, p. 326 - 327 – grifo da autora). 88 - Sei, tudo – ele disse menosprezando. – Você se tornou um de nós no fim de uma era, numa época em que o mundo se depara com mudanças [...] E comigo foi o mesmo. Eu nasci e tornei-me adulto na época em que o mundo antigo, como nós o chamamos agora, estava chegando ao fim. Velhas crenças se destruíram [...] (RICE, 1999, p. 325). 89 Voltei para Alexandria, invadi uma loja de antiguidades, roubei dois sarcófagos finamente pintados e revestidos de ouro, peguei uma grande quantidade de linho para enrolar e voltei à cripta do deserto. [...] essa nova paixão louca, inspirava-me enquanto eu me aproximava de Akasha e Enkil para colocá-los nos sarcófagos [...] (RICE, 1999, p. 382 - 383).

82

All during the nineteenth century, vampires were “discovered” by the literary writers of Europe. Lord Ruthven, the creation of Dr. Polidori, gave way to Sir Francis Varney in the penny dreadfuls [sic], and later came Sheridan Le Fanu’s magnificent and sensuous Countess Carmilla Karnstein, and finally the big ape of the vampires, the hirsute Slav Count Dracula, who though he can turn himself into a bat or dematerialize at will, nevertheless crawls down the wall of his castle in the manner of a lizard apparently for fun – all of these creations and many like them feeding the insatiable appetite for ‘gothic and fantastical tales.’ We were the essence of that nineteenth century conception – aristocratically aloof, unfailingly elegant, and invariably merciless, and cleaving to each other in a land ripe for, but untroubled by, others of our kind90 (RICE, 2014, p. 500 – grifo do autor).

Observamos a citação de várias obras da literatura gótica, mencionadas

anteriormente no início deste capítulo: “The Vampyre” (1819) de John William

Polidori, Varney, the vampire; or, the feast of Blood91 (1847) de James Malcolm

Rymer, Carmilla (1872) de Joseph Sheridan Le Fanu e Dracula (1897) de Bram

Stoker.

É clara a crítica feita à personagem de Stoker. Usa-se a palavra “hirsuto” que

pode tanto ser alguém provido de pelos, desalinhado, com aspecto malcuidado ou

alguém intratável, sem afabilidade. Nesse sentido, podemos dizer que essa palavra

se aplica na medida em que o Conde era um estrangeiro, visto pelos ingleses como

alguém completamente diferente, de aparência e modos distintos. Lestat fala sobre o

distanciamento que esse vampiro tem em relação a ele mesmo e aos outros que ele

conhece.

90 Durante todo o século XIX, os vampiros começaram a ser “descobertos” pelos escritores europeus. Lorde Ruthven, a criação do Dr, Polidori, deu lugar a Sir Francis Varney nos livros baratos de história de terror [sic], mais tarde apareceu a magnífica e sensual Condessa Carmilla Karnstein de Sheridan Le Fanu e, por fim, o grande macaco de imitação dos vampiros, o hirsuto Conde Drácula eslavo, que pensava poder transformar-se num morcego ou se desmaterializar à vontade, embora rastejasse pelo muro de seu castelo à maneira de um lagarto, aparentemente por diversão – todas essas criações e muitas outras parecidas alimentavam o apetite insaciável pelos ‘contos góticos e fantásticos’. Nós éramos a essência dessa concepção do século XIX – aristocraticamente arredios, infalivelmente elegantes e invariavelmente impiedosos, apegados uns aos outros numa terra propícia para – mas não perturbada – outros de nossa espécie (RICE, 1999, p. 423 - 424 – grifo do autor). 91 Varney, o vampiro; ou o Banquete de Sangue (tradução Carlos Primati. In: RYMER, James Malcolm. Varney, o vampiro; ou o Banquete de Sangue. São Paulo: Editora Sebo Clepsidra - Catarse, 2019).

83

Após saber sobre suas origens enquanto vampiro, ele por fim, continuará

tocando sua música, confundindo os humanos se é ou não um vampiro.

[...] But I am going on the stage. […] I will be the Vampire Lestat for all to see. A symbol, an outcast, a freak of nature – something loved, something despised, all of those things. I tell you I can’t give it up. I can’t miss it. And quite frankly I am not the least afraid’92 (RICE, 2014a, p. 532).

Ele sente prazer em tocar para a multidão de humanos e ser idolatrado como

um astro do rock. “I was positively enthralled with what was happening. And the

recklessness in me was cresting. Again and again the fans surrounded the car before

they were swept back […]”93 (RICE, 2014a, p. 533). Essa característica se

manifestará na obra Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) quando ele será

empossado regente.

A obra termina com o perigo rondando todos os vampiros. Akasha, a rainha

cruel, havia sido acordada pela música de Lestat. Ela puniu todos aqueles que

atrapalharam seus planos ou demonstraram poder superior, como as gêmeas

Maharet e Mekare, e agora buscava acabar com todos os vampiros insubordinados.

As Crônicas Vampirescas continuam com outras histórias que em

determinados momentos se misturarão às bruxas. Ora narradas por Lestat, ora

narradas por outros vampiros ou humanos.

2.5.3. Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014)

O décimo primeiro volume intitulado Prince Lestat: The Vampire Chronicles é

publicado em 2014. E é o próprio Lestat que narra o capítulo 1 intitulado “The

Voice”,94 que se inicia da seguinte maneira: “Years ago, I heard him. He’d been

babbling. […] I’d witnessed all that [...]”95 (RICE, 2014, p. 3).

92 [...] Mas vou subir naquele palco. [...] Serei o vampiro Lestat para todos verem. Um símbolo, um proscrito, um capricho da natureza... algo amado, algo desprezado, todas essas coisas. Digo-lhe que não posso desistir. Não posso perder isso. E, para ser franco, não sinto o menor receio (RICE, 1999, p. 452). 93 Eu estava positivamente encantado com o que acontecia. E minha irresponsabilidade estava chegando no auge. Várias e várias vezes, os fãs cercavam o carro antes de serem afastados [...] (RICE, 1999, p. 453). 94 A Voz (RICE, 2015, p. 3).

84

O vampiro se coloca na posição de testemunha ocular e vai comentando tudo

o que já aconteceu nas Crônicas Vampirescas. Por fim explica: “And that’s when I

first heard the Voice. Masculine, insistent, inside my brain. Babbling, like I said. And I

thought, Well [sic], perhaps we blood drinkers can go mad like mortals, you know,

and this is some artifact of my warped mind […]”96 (RICE, 2014, p. 3).

Essa voz que ele ouve, é a mesma que faz com que os vampiros se aniquilem

e terá papel importante não apenas nessa obra, mas também nas outras

subsequentes, como em Prince Lestat and the Realms of Atlantis: The Vampire

Chronicles (Príncipe Lestat e os Reinos de Atlântida: As Crônicas Vampirescas),

publicada em 2016.

A obra de Rice, Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) não apresenta

a atmosfera carregada de fantasmas, embora eles apareçam no decorrer da

narrativa, uma vez que os vampiros ao serem aniquilados passam para outra esfera,

a dos fantasmas.

‘I was a human being once’, said the younger ghost. ‘I was a blood drinker for centuries after that. And I am a ghost now. And my soul has been my soul in all three forms.’ [...] One of the great advantages of being ghost is that you can perfect the etheric body much more profoundly than ever you could the physical body even with the Blood. And so you see me as I had always wanted to look’ 97 (RICE, 2014, p. 184).

Isso também é observado no sétimo volume da saga, intitulada Merrick,

publicada em 2000, quando Louis tentará trazer Cláudia de volta ao seu convívio na

forma de fantasma, através da bruxa Merrick. Devemos nos lembrar, também, que o

vampiro suicida e criador de Lestat, Magnus, ressurge nessa obra, Prince Lestat:

The Vampire Chronicles (2014), na forma de um fantasma que ajudará Lestat.

95 Anos atrás, eu o ouvi. Ele balbuciava. [...] Eu testemunhei tudo isso [...] (RICE, 2015, p. 3). 96 E foi então que ouvi a Voz pela primeira vez. Masculina, insistente, dentro do meu cérebro. Balbuciando, como eu disse. E pensei, bem, talvez nós bebedores de sangue possamos enlouquecer como os mortais, sabe, e isso é algum artifício de minha mente deturpada [...] (RICE, 2015, p. 3). 97 – Eu já fui um ser humano – confessou o fantasma mais jovem. – Fui um bebedor de sangue por séculos depois disso. E agora sou um fantasma. E a minha alma continuou sendo a minha alma em todas as três formas. [...] Uma das grandes vantagens de ser um fantasma é que você pode aperfeiçoar o corpo etéreo muito mais profundamente do que jamais pôde aperfeiçoar o corpo físico, mesmo com o Sangue. E então você está me vendo com a aparência que eu sempre quis ter (RICE, 2015, p. 204).

85

Essa obra faz o leitor pensar de que maneira a tribo dos vampiros conseguiu

sobreviver no decorrer dos séculos, chegando ao XXI e qual será a direção da tribo

agora, com o príncipe regente e seus planos futuros.

Os vampiros encontram-se espalhados em diversas partes do mundo: Europa

(Paris, Amsterdã e Londres), Estados Unidos (Nova Iorque), Brasil (Amazônia e Rio

de Janeiro), Nepal (Catmandu), Índia (Nova Deli), e em vários outros lugares.

A partir de uma crise mundial, os vampiros ao redor do mundo têm sido

destruídos: “Burning last night in Kathmandu”98 (RICE, 2014, p. 130); “The Burning

was annihilating the vampires of India”99 (RICE, 2014, p. 131); “Vampires have been

slaughtered in Mumbai […] It is the same as in Tokyo and Beijing. Havens and

sanctuaries burnt […] A frantic vampire calling from Hong Kong poured out her fears

to Benji”100 (RICE, 2014, p. 125). Por causa dessa ameaça de extinção é que os

vampiros se agrupam e se unem enquanto tribo e é nesse momento que precisarão

de um líder.

No capítulo 12 intitulado “The jungles of the Amazon”101 (RICE, 2014, p. 206),

descreve a viagem de Lestat pelas selvas da Amazônia, lugar de retiro das duas

bruxas vampiras anciãs Mekare e Maharet. Ele precisa conversar com elas para

traçar um plano de ação para ajudar os vampiros na luta contra a extinção.

O cenário no século XXI é predominantemente moderno. Celulares,

computadores e avanços científicos e tecnológicos interferem na vida dos vampiros.

Lestat está atento às transformações da contemporaneidade, adaptando-se no

decorrer dos séculos. “[...] And I brought with me a cell phone I’d recently had my

attorneys obtain for me [...]”102 (RICE, 2014, p. 34).

Percebe-se o contraste da tecnologia e a diferença na comunicação no século

XVIII quando Lestat deixava seus recados para Marius, nas paredes de pedra.

98 Queimadas ontem à noite em Katmandu (RICE, 2015, p. 144). 99 A Queimada estava aniquilando os vampiros da Índia (RICE, 2015, p. 145). 100 Vampiros têm sido chacinados em Mumbai […] Acontece o mesmo em Tóquio e em Pequim. Refúgios e santuários queimados […] Uma vampira em pânico que ligava de Hong Kong despejou seus temores sobre Benji (RICE, 2015, p. 138). 101 As selvas da Amazônia (RICE, 2015, p. 228). 102 Levei comigo um telefone celular que eu recentemente pedira a meus advogados que obtivessem para mim (RICE, 2015, p. 37).

86

And in all these places I was to write my messages to Marius on the walls. Sometimes it was no more than a few words that I scratched with the tip of my knife. In other places, I spent hours chiseling my ruminations into the stone. But wherever I was, I wrote my name, the date, and my future destination, and my invitation: ‘Marius, make yourself known to me’103 (RICE, 2014a, p. 323).

No século XXI, a comunicação dos vampiros ao redor do mundo é feita

também através de uma rádio que transmite notícias pela internet, como

apreendemos no fragmento abaixo:

I figured that Benji Mahmoud was probably twelve years old when Marius made him a vampire, […] born in Israel to a Bedouin family, then hired and imported into the United States by the family of a young female piano player named Sybelle – who was clearly insane – so that he could be Sybelle’s companion. […] he was living in New York with Armand and Louis and Sybelle, and he had invented the radio station […] it was broadcast at first, […] he soon operated the program as an internet radio stream out of the townhouse on the Upper East Side, often speaking to the Children of the Darkness nightly and inviting their phone calls from all over the world. […] He just talked, talked to Us [sic] and paid no attention whatsoever to the vampire-fiction enthusiasts or little Goths […]104 (RICE, 2014, p.13 - 14).

A tecnologia é usada a favor dos vampiros: “[…] the world itself has changed

so dramatically in the last thirty years […] What with computers now it is entirely

103 Em todos os lugares, escrevi minhas mensagens para Marius nas paredes. Às vezes nada mais eram do que algumas palavras que eu escrevia às pressas com a ponta da minha faca. Em outros lugares, eu passava horas cinzelando minhas ruminações na pedra. Mas onde quer que eu estivesse, escrevia meu nome, a data e meu futuro lugar de destino, além do convite: ‘Marius, apareça para mim.’ (RICE, 1999, p. 277). 104 Eu imaginava que Benji Mahmoud tivesse provavelmente doze anos de idade quando Marius fez dele um vampiro, [...] nascera em Israel numa família de beduínos, então fora contratado e levado para os Estados Unidos pela família de uma jovem pianista chamada Sybelle – que era claramente insana –, de modo que ele pudesse ser um companheiro para a garota. [...] ele já estava morando em Nova York com Armand, Louis e Sybelle, e ele já havia inventado a estação de rádio [...] no início se tratava de uma transmissão tradicional, [...] logo passou a operar o programa de rádio como um stream via internet ao vivo da residência no Upper East Side, frequentemente falando com as Crianças da Escuridão todas as noites e convidando-as a realizar ligações telefônicas de todas as partes do mundo. [...] Ele simplesmente falava, falava a Nós [sic] e não prestava nenhuma atenção aos entusiastas de historinhas de vampiro ou aos pequenos góticos [...] (RICE, 2015, p. 14 - 15).

87

possible to unite and strengthen the Great Family in a way that simply wasn’t

possible before”105 (RICE, 2014, p. 39).

Há uma adaptação desses seres através dos séculos, sendo Lestat o melhor

exemplo disso.

Some of the ancients, like Marius and Maharet, have adapted to living forever by either surrounding themselves with living relatives or having a purpose that keeps them going. Others have gone underground for long periods of time when progress became overwhelming and the loneliness too much to bear. Lestat acclimated himself to modern times106 (CANCEL, 2014, p. 29).

No século XXI, através da tecnologia e da ciência, a tribo dos vampiros

organiza-se e não interfere no curso da humanidade. Os vampiros não são uma

ameaça aos humanos, convivem em perfeita harmonia e transitam entre os dois

mundos: o dos vampiros e o dos humanos.

Ainda no mundo da ciência encontramos Fareed e conforme já vimos, é: “[...]

a brilliant research scientist and medical doctor in his prime [...]”107 (RICE, 2014, p.

20). Esse cientista vampiro usará seus conhecimentos a favor da tribo, contribuindo

até mesmo para que Lestat tenha um filho através de relação sexual com uma

médica humana que, somente tempos depois, será transformada em vampira: “[...]

Flannery Gilman, the most brilliant doctor he’d brought over into the Blood – the

biological mother of Lestat’s son, Viktor […]”108 (RICE, 2014, p. 272).

Há indícios de uma modificação do vampiro na medida em que ele pode se

reproduzir fisicamente. É importante observar também que esse filho não é um ser

híbrido, como acontece em outras histórias como em Blade (1973), de Marv

Wolfman e Gene Colan ou a saga “Twilight” (2005 – 2008) de Stephenie Meyer.

105 […] o mundo em si mudou de modo tão dramático nos últimos trinta anos, [...] Agora com os computadores é totalmente possível unir e fortalecer a Grande Família de uma maneira que não era possível antes (RICE, 2015, p. 42). 106 Alguns dos antigos, como Marius e Maharet, adaptaram-se para viver para sempre, cercando-se de parentes vivos ou tendo um propósito que os mantém ativos. Outros passaram à clandestinidade por longos períodos de tempo, quando o progresso se tornou esmagador e a solidão demais para suportar. Lestat se acostumou aos tempos modernos (CANCEL, 2014, p. 29 – tradução nossa). 107 […] um brilhante cientista, pesquisador e médico no auge da carreira [...] (RICE, 2015, p. 21). 108 “[...] Flannery Gilman, a mais brilhante médica que ele trouxera para o Sangue – a mãe biológica do filho de Lestat, Viktor […]”108 (RICE, 2015, p. 301).

88

Viktor tem crescimento natural como um humano, possui as características

físicas de Lestat e apresenta-se como se fosse sua cópia, o seu duplo em versão

humana: “[...] ‘You look so like him’ [...] it was the same smile, that same infectious

and loving smile. ‘That’s because I’m his son’, said Viktor”109 (RICE, 2014, p. 105).

É a própria imagem humana de Lestat, embora não possua as características

do vampiro como poderes ou mesmo a vontade de beber sangue: “In the dim lunar

light of the monitors Viktor looked so much like Lestat it was uncanny”110 (RICE,

2014, p. 277). Ele cresce junto com os cientistas vampiros, transitando entre o

mundo dos humanos e o dos vampiros, o que para ele é perfeitamente natural.

“‘They’re blood drinkers’ [...] ‘You’re a human being. You forget over and over

again’”111 (RICE, 2014, p. 275).

O menino torna-se um jovem: “[…] He was a blond-haired young male in

splendid health with a well-developed and muscular frame that was almost that of a

man rather than a boy. […] Viktor was six foot one, already one inch taller than his

father”112 (RICE, 2014, p. 276 - 277).

Lestat não sabia da existência do filho até que lhe contam:

‘You have a mortal son there, Lestat, a young man of less than twenty years. His name is Viktor. He knows you are his father. He was born of a mortal woman in Fareed’s laboratory, a woman named Flannery Gilman who is now in the Blood. But your son is not in the Blood’113 (RICE, 2014, p. 306).

109 […] - Você é muito parecido com ele - [...] era aquele mesmo sorriso, aquele mesmo sorriso contagiante, amoroso. – É porque eu sou filho dele – confessou Viktor (RICE, 2015, p. 117). 110 Na parca luminosidade lunar dos monitores, Viktor parecia-se tanto com Lestat que chegava a ser assombroso (RICE, 2015, p. 307). 111 - São bebedores de sangue [...] - Você é um ser humano. Você sempre se esquece disso (RICE, 2015, p. 304). 112 [...] Era um jovem de cabelos loiros em esplêndida saúde, com uma estrutura musculosa e bem desenvolvida que era quase de um homem em vez de um rapaz. [...] Viktor tinha 1,86m de altura e já era 2,5 cm mais alto que o pai (RICE, 2015, p. 306). 113 - Você tem um filho mortal lá, Lestat, um jovem de menos de vinte anos. O nome dele é Viktor. Ele sabe que você é o pai dele. Ele nasceu de uma mortal no laboratório do Fareed, uma mulher chamada Flannery Gilman que agora está no Sangue. Mas seu filho não é um de nós (RICE, 2015, p. 339).

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Ele vê o filho pela primeira vez através da mente da vampira Sevraine, e

espanta-se com a semelhança:

From Sevraine’s mind there came a fully realized image of this boy. He was looking directly at me in this image, a young man with my square face and somewhat short nose, and my unruly blond hair. Those blue eyes seemed my eyes and yet they weren’t my eyes. They were his own. That was my mouth, all right, sensuous, and a little large for the face, but it had nothing of the cruelty of my mouth. Just a beautiful young boy, in spite of looking like me, a beautiful young man. The face vanished114 (RICE, 2014, p. 306 - 307).

Viktor é o humano que entende os mundos, tanto dos vampiros quanto dos

humanos. Consegue ter contato com os vampiros, aparentemente sem sofrer dano

algum e sem medo: “‘I was never frightened by any blood drinker ever in any way’,

he explained, ‘until this Rhoshamandes came, until he crashed through that wall. I

knew he wasn’t going to kill me, not immediately, that was obvious, […]”115 (RICE,

2014, p. 392).

Por fim, Lestat consegue combater a onda de aniquilamento que os vampiros,

em todo o mundo, estavam sofrendo. Cria seu principado, organiza a tribo e governa

os vampiros. Viktor se apaixonará pela humana Rose e ambos serão transformados.

Lestat terá sua linhagem vampírica, além da mãe, também terá o filho. A saga

vampiresca continua.

2.6. O CONCEITO DE MISE EN ABYME E AS CRÔNICAS VAMPIRESCAS

O conceito de mise en abyme representa um processo literário que consiste

no encaixe de uma narrativa dentro de outra.

114 Da mente de Sevraine escapou uma imagem completamente nítida do rapaz. Ele olhava diretamente para mim naquela imagem, um jovem com o meu rosto quadrado e meu nariz até certo ponto pequeno, meus rebeldes cabelos louros. Aqueles olhos azuis pareciam meus olhos e, no entanto, não eram os meus. Eram dele. Aquela era a minha boca, certamente, sensual, e levemente grande para o rosto, porém ela não possuía nenhum traço de crueldade da minha boca. Apenas um belo rapaz, apesar de se parecer comigo, um belo jovem. O rosto sumiu (RICE, 2015, p. 340). 115 - Eu nunca tive medo de nenhum bebedor de sangue de maneira alguma – explicou ele – até Rhoshamandes aparecer, até ele irromper por aquela parede. Eu sabia que ele não ia me matar, não de imediato, isso era óbvio [...]. (RICE, 2015, p. 436).

90

[....] consiste num processo de reflexividade literária, de duplicação especular. [...] pode ser total ou parcial, mas também pode ser clara ou simbólica, indirecta [sic] [...] Numa modalidade mais complexa, [...] ainda é a modalidade que abrange ambos os níveis, o do enunciado e o da enunciação, fenómeno [sic] que evoca no texto, quer as suas estruturas, quer a instância narrativa em processo. A mise en abyme favorece, assim, um fenómeno [sic] de encaixe na sintaxe narrativa, ou seja, de inscrição de uma micro-narrativa [sic] noutra englobante, a qual, normalmente, arrasta consigo o confronto entre níveis narrativos (CEIA, 1997, s/p.).

Todorov (2013) corrobora com essa a ideia de encaixe, ou seja, quando uma

segunda história engloba uma primeira. Podemos ainda entender como “[...] a

narrativa de uma narrativa [...]” (TODOROV, 2013, p.126). Nesse sentido,

percebemos que as histórias de Rice têm micronarrativas inseridas na trama

principal, que estabelecem um diálogo com as obras anteriores.

Por exemplo, no segundo volume das Crônicas, The Vampire Lestat (1985)

encontramos a parte IV intitulada “The Children of Darkness”116 (RICE, 2014a, p.

207) que explicará a história de um clã de vampiros que atestam ser filhos de Satã.

The Children of Darkness is a vampire coven that endures for nearly a century. Also known as the Children of Satan, they feed off the blood of indigents, live in squalor, and seek to do the work of Satan as they understand it. They either destroy vampire covens that do not conform to their beliefs or capture vampires and convert them to their faith through torture. Their most prominent members are Santino and Armand […] a group of vampires develops an ideological belief that they are literally the children of Lucifer because of their demonic disposition to drink blood and murder innocent victims […]117 (BECKET, 2018, p. 78).

Temos referências desse clã em outras obras (BECKET, 2018, p. 78) como:

The Vampire Lestat (1985, O vampiro Lestat), The Queen of the Damned (1988, A

Rainha dos Condenados), The Vampire Armand (1998, O Vampiro Armand),

116 Os Filhos das Trevas (RICE, 1999, p. 179). 117 Os Filhos das Trevas é um clã de vampiros que dura quase um século. Também conhecidos como Filhos de Satã, eles se alimentam do sangue de indigentes, vivem na miséria e procuram fazer o trabalho de Satã como o entendem. Eles destroem os clãs de vampiros que não estão de acordo com suas crenças ou capturam vampiros e os convertem à sua fé através da tortura. Seus membros mais proeminentes são Santino e Armand [...] um grupo de vampiros que desenvolve uma crença ideológica de que eles são literalmente filhos de Lúcifer por causa de sua disposição demoníaca de beber sangue e assassinar vítimas inocentes [...] (BECKET, 2018, p. 78 – tradução nossa).

91

Pandora: New Tales of the Vampires (1998, Pandora: Novos Contos Vampirescos),

Blood and Gold (2001, Sangue e Ouro) e Blood Canticle (2003, Cântico de Sangue –

Crônicas Vampirescas).

Observamos que as obras se interligam não apenas dentro das Crônicas,

mas também têm relações com outras séries, como é o caso de New Tales of the

Vampires que reúne apenas duas obras: Pandora: New Tales of the Vampires

(1998, Pandora: Novos Contos Vampirescos) e Vittorio, the Vampire (1999, Vittorio,

o Vampiro).

Ainda dentro da obra The Vampire Lestat (1985), temos a parte V intitulada

“The Vampire Armand”118 (RICE, 2014a, p. 271) que introduzirá a história do

vampiro, que será publicada 13 anos depois, no sexto volume homônimo de 1998.

Encontramos ainda na parte VII intitulada “Ancient Magic, Ancient

Mysteries”119 (RICE, 2014a, p. 365) um capítulo inteiro intitulado “Mariu’s Story”120

(RICE, 2014a, p. 396) que será retomado no oitavo volume, Blood and Gold (Sangue

e Ouro), publicado em 2001.

No décimo primeiro volume, Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) há

o retorno de algumas histórias para situar o leitor. Conforme vimos, Lestat ouve uma

voz masculina e insistente dentro de sua cabeça. Diante disso, ele irá relembrar

todos os acontecimentos anteriores até o momento da audição da voz.

[…] It was after Queen Akasha had been destroyed and the mute red-haired twin, Mekare, had become ‘The Queen of the Damned.’ I’d witnessed all that – the brutal death of Akasha in the moment when we all thought we would die, too, along with her121 (RICE, 2014, p. 3).

Esse trecho refere-se à morte brutal de Akasha e a ascensão de Mekare,

descrita na obra The Queen of the Damned (A Rainha dos Condenados) de 1988.

118 O Vampiro Armand (RICE, 1999, p. 233). 119 Antiga Magia, Antigos Mistérios (RICE, 1999, p. 311). 120 A História de Marius (RICE, 1999, p. 337). 121 [...] Foi depois de a Rainha Akasha ter sido destruída e a gêmea muda e ruiva, Mekare, ter se tornado ‘a Rainha dos Condenados’. Eu testemunhei tudo isso – a morte brutal de Akasha no momento em que nós todos pensávamos que também morreríamos junto com ela (RICE, 2015, p. 3).

92

Em outro trecho continua: “It was after I’d switched bodies with a mortal man

and come back into my own powerful vampiric body – having rejected the old dream

of being human again”122 (RICE, 2014, p. 3). Há nesse fragmento uma referência à

quarta obra da saga, The Tale of the body Thief (A História do Ladrão de Corpos),

publicado em 1992.

Em seguida, referir-se-à quinta obra, Memnoch The Devil (Memnoch),

publicado em 1995: “It was after I’d been to Heaven and Hell with a spirit called

Memnoch, and come back to Earth a wounded explorer with no appetite anymore for

knowledge, truth, beauty”123 (RICE, 2014, p. 3).

Logo depois, situa o leitor no final da primeira obra, Interview with the Vampire

(1976) e no início da segunda, The Vampire Lestat (1985):

Defeated, I’d lain for years on the floor of a chapel in New Orleans in an old convent building, oblivious to the ever-shifting crowd of immortals around me – hearing them, wanting to respond, yet somehow never managing to meet a glance, answer a question, acknowledge a kiss or a whisper of affection124 (RICE, 2014, p. 3).

Há outras histórias que quebram a narrativa e se completam dentro de Prince

Lestat: The Vampire Chronicles (2014) como a de Benji Mahmoud, o vampiro que

comanda uma estação de rádio via Internet e também o vampiro cientista Fareed,

além da história da humana Rose que mereceu um capítulo inteiro dedicada a ela

(RICE, 2014, p. 85).

A história do pianista vampiro Antoine (RICE, 2014, p. 113), faz ligação com o

primeiro volume Interview with the Vampire (1976) quando o vampiro Lestat sofre

uma tentativa de aniquilamento perpetrado por Claudia e Louis, ele busca ajuda no

amigo. “[...] How lovely it had been, […] Unitl that awful night when Lestat had come

to demand his allegiance. […] ‘They tried to kill me,’ he’d said in a harsh whisper.

122 Foi depois de eu ter trocado de corpo com um mortal e voltado a meu próprio e poderoso corpo vampírico – rejeitando o velho sonho de voltar a ser humano (RICE, 2015, p. 3). 123 Foi depois de eu ter estado no Céu e no Inferno com um espírito chamado Memnoch e retornado à Terra como um explorador ferido sem mais nenhum apetite para o conhecimento, a verdade e a beleza (RICE, 2015, p. 3) 124 Derrotado, fiquei deitado por anos no chão de uma capela em Nova Orleans, num antigo convento, separado da multidão de imortais que eternamente mudava ao meu redor – escutando-a, querendo reagir a ela, ainda que, de algum modo, jamais conseguindo captar um olhar, responder a uma pergunta, agradecer um beijo ou um sussurro de afeição (RICE, 2015, p. 3).

93

‘Antoine, you must help me!’125 (RICE, 2014, p. 115). Esse episódio só será relatado

em Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014), 38 anos após a publicação do

primeiro volume.

As histórias se interligam para formar uma grande narrativa, longa não

apenas em relação ao tempo registrado, mas também em relação aos

acontecimentos.

[...] a primeira atinge seu tema essencial e, ao mesmo tempo, se reflete nessa imagem de si mesma; a narrativa encaixada é ao mesmo tempo a imagem dessa grande narrativa abstrata da qual todas as outras são apenas partes ínfimas, e também da narrativa encaixante, que a precede diretamente. Ser a narrativa de uma narrativa é o destino de toda narrativa que se realiza através do encaixe (TODOROV, 2013, p. 126 - 127).

O único volume que não traz uma história dentro de outra é o primeiro,

Interview with the Vampire (1976), na qual Louis relata suas histórias em tom

reflexivo. Mas, tempos depois, ele se envolverá em uma outra história, publicada no

ano 2000, intitulada Merrick, quando tentará trazer o fantasma de Cláudia, através

de uma bruxa, conforme já relatada. Essa obra mistura as narrativas de vampiros,

de bruxas e de fantasmas.

Ainda sobre bruxas, nos anos 90 temos a publicação da trilogia de Rice

intitulada The Mayfair Witches conforme já mencionado, mas em 2003 teremos uma

grande mistura entre as personagens. Em Blood Canticle (2003), temos a história

que mostra quando Lestat se apaixona por uma bruxa Mayfair e tem como aliado o

humano Tarquin Blackwood, cuja história fora contada anteriormente no nono

volume das Crônicas intitulado Blackwood Farm (2002).

De qualquer maneira, as histórias se cruzam ou se complementam em uma

imensa rede de conhecimentos vampíricos. Descobrimos uma diversidade de estilos,

poderes, personalidades, corroborando para uma tribo universal de vampiros.

125 Como eram adoráveis aquelas horas [...] Até aquela horrível noite em que Lestat viera exigir sua fidelidade. [...] – Eles tentaram me matar – ele sussurrou, áspero. – Antoine, você precisa me ajudar! (RICE, 2015, p. 127).

94

3. LESTAT DE LIONCOURT

Lestat de Lioncourt é considerado por muitos leitores o principal vampiro das

Crônicas Vampirescas uma vez que está presente em quase todas as narrativas e

muitas delas giram em torno dele. “Perhaps the most popular of Anne Rice’s

characters, and definitely a favorite amongst her vampires, Lestat is the

personification of what we enjoy most from her creations”126 (CANCEL, 2014, p. 32).

Talvez uma das razões para ele ser aclamado pelos leitores resida no fato de

que não é sempre o vilão, mas também, nem sempre é o herói. Ele oscila entre os

temperamentos humanos, por vezes faz atividades caridosas, por exemplo quando

cuidou da órfã humana Rose; mas por outro lado, tem picos de maldade e até de

egoísmo, quando transformou a menina Claudia em vampira.

Ele é um rebelde revolucionário por natureza e busca adaptar-se através dos

séculos para prosseguir em sua existência. “He is devastatingly good looking, strong,

sexy, and unbelievably charming. As a man, we empathized with his poor upbringing

and as a vampire we marvel at his loyalty and devotion to his friends, despite his

ruthless nature”127 (CANCEL, 2014, p. 32).

Sofreu para ter seu espaço no mundo, como vimos, veio de uma família

nobre, mas decadente. Não teve muitas escolhas em sua vida humana, mas ao

mesmo tempo, consegue ter princípios e características daquela época que estão

amalgamadas com sua natureza cruel vampírica.

A própria autora, Anne Rice, diz ter uma ligação muito forte com ele.

When we asked why the author is, apparently, so attracted to the character of Lestat, Anne Rice has said, ‘Lestat is unique amongst the characters I’ve explored in that he has become a part of me, a lens through which I can see the world if I choose. He travels with me. And when I see places that he would love, films he would love, even works of art, or high fashion that he would embrace, I am aware of his presence, his attitudes, etc128 (CANCEL, 2014, p. 34).

126 Talvez o mais popular das personagens de Anne Rice, e definitivamente um dos favoritos entre seus vampiros, Lestat é a personificação do que mais gostamos de suas criações (CANCEL, 2014, p. 32 – tradução nossa). 127 Ele é devastadoramente bonito, forte, sexy e incrivelmente encantador. Como homem, sentimos empatia com sua educação pobre e, como vampiro, nos maravilhamos com sua lealdade e devoção a seus amigos, apesar de sua natureza cruel (CANCEL, 2014, p. 32 – tradução nossa). 128 Quando perguntamos por que a autora é, aparentemente, tão atraída pela personagem de Lestat, Anne Rice disse: 'Lestat é único entre as personagens que eu explorei, porque ele

95

Rice comenta que deixa o inconsciente aflorar quando escreve sobre ele, por

se tratar de seu próprio alter ego (CANCEL, 2014, p. 36). E ainda explica a presença

constante de Lestat nas narrativas, argumentando que só escreve sobre quem ama:

“[...] If I don’t love a character, well, the character doesn’t last very long in the

books”129 (CANCEL, 2014, p. 38). Pelo tempo que se tem escrito sobre ele, mais de

40 anos, percebemos que é amado não apenas pela sua autora, mas pelos leitores

que apreciam sua ambiguidade.

Segundo entrevista da própria autora, ela se interessa pelas criaturas

monstruosas, e mais ainda pelo que elas têm a dizer. Ela também trabalha com a

perspectiva daqueles que estão à margem da sociedade, ela se interessa em “[....]

articulate beings that can talk about it, whether they’re witches, vampires or

mummies, I’m always interested in that because it’s a story coming from the outsider.

It’s a story coming from the monster’”130 (McEwen, 2012, s/p.).

McEwen (2012) ainda comenta que as personagens de Rice, além de serem

carismáticas, atraentes e poderosas, têm força de vida. Podemos pensar na

ambiguidade, o vampiro ligado a morte, a decomposição, por outro lado tem força de

viver e de não desistir facilmente diante de problemas e obstáculos.

Lestat, enquanto humano, teve pais que o amaram à sua maneira. Um pai

austero, que ficou cego no fim da vida e uma mãe com uma doença em estado

terminal. Lestat já era um ser sobre-humano. Cuidou de seu pai por algum tempo,

mas não lhe concedeu a vida eterna, transformando-o em vampiro. Ao saber que a

mãe estava em estado terminal, para não a perder, transformou-a em vampiro.

se tornou parte de mim, uma lente através da qual eu posso ver o mundo se eu escolher. Ele viaja comigo. E quando vejo lugares que ele adoraria, filmes que ele adoraria, até obras de arte ou moda que ele aceitaria, estou ciente de sua presença, suas atitudes, etc (CANCEL, 2014, p. 34 – tradução nossa). 129 Se eu não amo uma personagem, bem, ela não dura muito tempo nos livros (CANCEL, 2014, p. 38 – tradução nossa). 130 [....] seres articulados que podem falar sobre isso, sejam eles bruxas, vampiros ou múmias, eu sempre estou interessada nisso porque é uma história vinda de fora. É uma história que vem do monstro (McEwen, 2012, s/p. – tradução nossa).

96

3.1. O VAMPIRO EDIPIANO

Lestat tem um amor incondicional pela mãe, mas não nutre esse mesmo

sentimento pelo pai. Talvez uma das razões para esse dilema é que “[...] Apaixonar-

se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do

acervo de impulsos psíquicos [...]” (FREUD, 2006a, p. 287). E conforme comenta

Freud, é um sentimento natural de todos os humanos.

Sendo assim, a psicanálise freudiana instaura dois conceitos: o “Complexo de

Édipo” quando o filho se apaixona pela mãe, mas cria um sentimento de ódio pelo

pai e o “Complexo de Electra”, quando a filha se apaixona pelo pai e cria um

sentimento de disputa com a mãe. O que nos interessa aqui é o “Complexo de

Édipo” e veremos como ele está enraizado dentro da obra que analisaremos a

seguir.

Valendo-se da lenda do Rei Édipo e da tragédia de Sófocles, Freud (2006a, p.

287 e 288) relata a história do Rei Laio (Rei de Tebas), que junto com sua esposa

Jocasta, tiveram um filho, Édipo. Um dos oráculos já tinha avisado ao Rei sobre seu

destino trágico: ser morto por seu próprio filho. Desobedecendo o oráculo, o menino

foi salvo e adotado pelo rei de Corinto Pólibo, que o considerou seu próprio filho.

Quando adulto, ao realizar uma consulta com o oráculo de Delfos, Édipo ouve

a mesma previsão dada ao Rei Laio, que o menino mataria seu pai e desposaria sua

mãe. Temendo que essa revelação envolvia seus pais adotivos, Édipo decide

abandonar a cidade de Corinto. Em sua jornada, encontra um homem velho com

quem discute e acaba por assassiná-lo, ignorando que era seu próprio pai.

Seguindo sem rumo chega a Tebas, sua cidade natal e depara-se com a

Esfinge que lhe propõe um enigma nunca antes solucionado. Ao decifrar o enigma,

Édipo salva a própria vida e a cidade de Tebas. Como recompensa casou-se com

Jocasta, a Rainha e sua mãe.

Construiu sua família, tiveram quatro filhos e reinaram em paz, até que uma

peste recaiu sobre a cidade. A única forma de cessar essa peste era descobrindo o

assassino do Rei Laio. Édipo descobriu, não apenas que havia assassinado seu pai,

mas também que havia se casado com sua mãe. Como punição pelo ocorrido, Édipo

cega a si próprio e abandona o lar, pois seu destino estava fadado a tragédia.

Em que medida o termo Complexo de Édipo criado por Freud pode ser

relacionado ao personagem Lestat? É importante ressaltar que os acontecimentos

97

descritos na obra The Vampire Lestat (1985) ocorreram antes dos narrados em

Interview with the Vampire (1976), quando Lestat, vivendo em Paris, transformou

sua mãe a beira da morte em vampira, muito tempo antes de cuidar de seu pai na

fazenda de Louis, em Nova Orleans.

Seu amor incondicional pela mãe, Gabrielle, é descrito como único em sua

vida, impossibilitando de dividi-lo com o pai: “[...] she wasn’t really Gabrielle yet to

me. She was simply she, the one I had needed all of my life with all of my being. The

only woman I had ever loved”131 (RICE, 2014a, p. 168 – grifo da autora).

Antes de Lestat ser transformado em vampiro, sua mãe era sua grande

confidente e protetora. Ela era a única pessoa de quem Lestat precisava e amava.

Essa singularidade é típica dos amores adolescentes humanos que geralmente não

conseguem vislumbrar outras possibilidades de amor.

Freud (2006a, p. 289) continua dizendo que “[...] É destino de todos nós,

talvez, dirigir nosso primeiro impulso sexual para nossa mãe, e nosso primeiro ódio e

primeiro desejo assassino, para nosso pai [...]”. Lestat não foge à regra, nutre esse

impulso pela mãe e sente-se mal quando a vê doente.

I’d come very close to her, […] and her skin was so thin and colorless over her throat and her hands that I couldn’t bear to look at them, […] I could smell death on her. I could smell decay. But she was radiant, and she was mine […]132 (RICE, 2014a, p. 153).

Lestat não nutria esse sentimento de desejo pelo pai. Havia uma fenda entre

eles. Tal distanciamento é observado por Louis quando eles moravam na fazenda.

“[...] It was obvious that a great gulf existed between father and son, both in

education and refinement, but how it came about, I could not quite guess. And from

131 […] ela ainda não era realmente Gabrielle para mim. Era apenas ela, a única de quem eu precisara a vida inteira, com todo o meu ser. A única mulher a quem amei (RICE, 1999, p. 147 – grifo da autora). 132 Eu havia chegado bem perto dela, [...] sua pele da garganta e das mãos estavam tão fina e sem cor que não suportei olhar para ela. [...] Eu podia sentir nela o cheiro da morte. Podia sentir o cheiro da decomposição. Mas ela estava radiante, e era minha [...] (RICE, 1999, p. 134 - 135).

98

this whole matter, I achieved a somewhat consistent detachment”133 (RICE, 2009, p.

37).

Sabemos que Lestat foi impedido pelo pai de estudar, de ser ator, de se

desenvolver. Estava fadado a ser o filho de um Marquês sem posses. Jamais teria

um título aristocrático, por não ser o primogênito.

Mas Lestat cuidou desse pai, tanto que decidiu morar com Louis na fazenda

Pointe du Lac em Nova Orleans, que a princípio tinha se mostrado um refúgio, tanto

para o vampiro quanto para o moribundo. “[...] he wanted Pointe du Lac. […] ‘We

went at once to the plantation […] ensconced the blind father in the master bedroom

[…]”134 (RICE, 2009, p. 16).

Lestat buscava o melhor para o pai, mas ele oscilava entre momentos de

ternura e de brutalidade: “[...] Lestat became impatient. Before this, he’d been

gracious to the old man, almost to the point of sickening one, but now he became a

bully. ‘I take care of you, don’t I? I’ve put a better roof over your head than you ever

put over mine! […]135 (RICE, 2009, p. 22). Ele não perdia a oportunidade de

espezinhar o pai, e admirar a mãe.

In the pale violet light of the window she sat, beautifully dressed in the dark blue taffeta […] There was the faintest bit of rouge on her cheeks. For one eerie moment she looked to me as she had when I was a little boy. So pretty […] And a heartbreaking happiness came over me, a warm delusion that I was mortal again, and innocent again, and with her, and everything was all right, really truly all right […]136 (RICE, 2014a, p. 153).

133 [...] Era óbvio que havia um imenso hiato entre pai e filho, quanto à educação e refinamento, mas como isto tinha acontecido, não conseguia imaginar. Acabei me desinteressando por este assunto (RICE, 1992, p. 42). 134 […] ele queria Pointe du Lac. […] fomos diretamente para a fazenda, abrigamos o pai cego no quarto principal [...] (RICE, 1992, p. 22). 135 - Lestat ficou impaciente. Antes disso, tinha sido delicado com o velho, chegando a causar-me náuseas, mas agora parecia embrutecido. - Cuido de você, não é? Já lhe dei um teto muito melhor do que você jamais me deu! (RICE, 1992, p. 28). 136 Ela estava sentada sob a pálida luz da janela, maravilhosamente vestida em tafetá azul-escuro, [...] Havia uma fina camada de ruge nas bochechas. Durante um momento extraordinário, ela olhou para mim da maneira como olhava quando eu era criança. Tão linda. [...] E uma felicidade de partir o coração tomou conta de mim, uma calorosa ilusão de que eu era mortal de novo, e inocente de novo, e com ela, e tudo estava bem, realmente bem [...] (RICE, 2014a, p. 153 – tradução nossa).

99

Não quis que seu pai vivesse a eternidade vampírica, muito embora tivesse o

impulso de matá-lo. Pediu para Louis incumbir-se dessa tarefa:

‘Kill him,’ Lestat said. ‘Are you mad!’ I answered. ‘He’s your father!’ ‘I know he’s my father!’ said Lestat, ‘That’s why you have to kill him! If I could, I would have done it a long time ago, damn him! […]137 (RICE, 2009, p. 53).

Mesmo sendo o vilão apresentado por Louis, ele não conseguiu matar o pai.

É como se ele não conseguisse realizar o complexo edipiano inteiramente. Ele ama

a mãe, mas não consegue assassinar o pai, talvez porque ainda exista resquícios

humanos de moralidade nele.

Ele compadece-se diante do sofrimento e da agonia da mãe. “A clamp of pain

stopped her, circling her waist where the girdle bound it, and to hide it from me, she

made her face very blank. […] This was agony”138 (RICE, 2014a, p. 154). O que nos

chama a atenção é a aflição e o sofrimento agudo que a mãe tenta esconder do

filho.

Em consideração ao amor que sentia pela mãe, Lestat se decide. “[…] In one

instant I saw a vast and terrifying possibility, and in that same instant, without

question, I made up my mind”139 (RICE, 2014a, p. 155). Mas mesmo assim, tem crise

de consciência. “[...] ‘No, never, farthest from my thoughts. What do you think I am,

what sort of monster’… And yet the choice had been made”140 (RICE, 2014a, p. 155).

Ele jura amor e companheirismo eterno a mãe. “[...] we were together and

nothing was ever going to separate us now. […] She was with me. That was the

137 - Mate-o – disse Lestat. - Está louco – respondi. – Ele é seu pai! - Eu sei que é meu pai! – disse Lestat. – É por isso que você tem de matá-lo. Eu não posso! Se pudesse, já o teria feito há muito tempo, desgraçado! [...] (RICE, 1992, p. 59). 138 Foi interrompida por uma pontada de dor, que deu a volta em sua cintura na altura do cinto. Para esconder isso de mim, deixou o rosto bem inexpressivo. [...] Isso era uma agonia (RICE, 2014a, p. 154 – tradução nossa). 139 […] Num instante vi uma aterrorizadora possibilidade e, nesse mesmo instante, sem questionar, tomei minha decisão (RICE, 1999, p. 136). 140 […] ‘não [sic], jamais, longe de mim pensar isso. O que você acha que sou, que espécie de monstro...’ E, no entanto, a escolha havia sido feita (RICE, 1999, p. 136).

100

world. Death was my commander […] We were the same deadly beings, the two of

us, we were wandering […]”141 (RICE, 2014a, p. 162).

Conforme vimos no capítulo 2, ele pede a anuência para transformar sua mãe

em vampiro, mas é interessante notar que ele não se refere a ela usando a palavra

mãe, mas sim, usando seu nome de batismo, Gabrielle.

She was standing in front of me, […] The dark bruises under her eyes had gone away, in fact every blemish or flaw she had ever had had gone away, though what those flaws had been I couldn’t have told you. She was perfect now. […] She had the fullness of young womanhood again, the breasts that the illness had withered away. […] the pale pink tint of her flesh so subtle it might have been reflected light. […] Gabrielle, that was the only name I could ever call her now. ‘Gabrielle’ […]142 (RICE, 2014a, p. 159 - 160).

Após ser transformada, Gabrielle mostra ser uma vampira nata, ela podia

matar sem crises de consciência.

[…] The innocence of her victims didn’t trouble her. She didn’t fight my moral battles […] Yet, the ease with which she slew the young man – gracefully breaking his neck when the little drink she took was not enough to kill him – angered me though it had been extremely exciting to watch. She was colder than I. She was better at all of it […]143 (RICE, 2014a, p. 170 - 171).

Lestat apresenta-se como um voyer quando vê sua mãe matando os

humanos de forma tão eficaz. Talvez por pensar que ele mesmo venha dessa

141 [...] estávamos juntos e nada jamais iria separar-nos agora. [...] Ela estava comigo. Esse era o meu mundo. A morte era meu comandante [...] Éramos o mesmo ser terrível e mortífero, nós dois, vagando juntos [...] (RICE, 1999, p. 142). 142 Ela estava parada diante de mim, [...] Os hematomas escuros debaixo de seus olhos haviam desaparecido; na verdade, toda marca ou imperfeição que ela tivera havia desaparecido, embora eu não pudesse dizer que imperfeições seriam essas. Ela estava perfeita agora. [...] Ela estava de novo na plenitude da feminilidade de jovem, com os seios, que a doença murchara, [...] a pálida tonalidade rosada de sua carne tão sutil que podia ser refletida pela luz. [...] Gabrielle, este era o único nome pelo qual eu poderia chamá-la agora. - Gabrielle [...] (RICE, 1999, p. 140). 143 […] A inocência de suas vítimas não a perturbava. Ela não tinha conflitos morais como eu [...] No entanto, a facilidade com que matou o jovem – quebrando seu pescoço com um movimento gracioso quando o pequeno gole que tomou dele não foi suficiente para mata-lo – me irritou, embora tenha sentido extrema excitação ao assistir. Ela era mais fria do que eu. Era melhor em tudo aquilo [...] (RICE, 1999, p. 149).

101

linhagem e, portanto, sente um certo orgulho pela mãe ser tão fria e até melhor do

que ele nesse aspecto.

Descobrimos que, em algumas ocasiões, Gabrielle é seca e rude também.

“‘But help me, now, [...] and we have forever to hold to each other”144 (RICE, 2014a,

p. 162). Talvez essa secura e rudeza venha de sua forma prática. Enquanto humana

já demonstrava uma certa praticidade e rebeldia para com a vida, uma vez ajudou

Lestat com dinheiro e apoio quando este fugiu para se tornar ator. O mesmo

aconteceu quando ele se apaixonou por Nicholas, ela sempre o apoiou.

Como mãe, ela cuidava de seu filho com certa ternura e amor:

Gabrielle put her arms around me and I held her, burying my face in her hair. Like cool velvet was her skin, her face, her lips. And her love surrounded me with a monstrous purity that had nothing to do with human hearts and human flesh145 (RICE, 2014a, p. 267 - 268).

Lestat conseguia o incentivo e a força por meio da aprovação de Gabrielle:

I only looked at her and thought how glorious it had been to see the Dark Trick work its magic in her, to see it restore her youthful beauty, render her again the goddess she’d been to me when I was a little child […] Maybe without reading the words in my soul she understood it only too well. We embraced slowly. ‘Be careful,’ she said146 (RICE, 2014a, p. 241 - 242).

Talvez esta seja uma das poucas obras em que um filho transforma a mãe em

vampiro, concretizando a relação mãe-filho na eternidade vampírica. As obras de

Rice são tão complexas e de certa forma inovadoras porque em cada uma delas

podemos destacar características singulares.

144 – Mas ajude-me agora. [...] depois teremos a eternidade para nos abraçar (RICE, 1999, p. 142). 145 Gabrielle colocou os braços em torno de mim e eu abracei-a, enterrando meu rosto em seus cabelos. Sua pele parecia de veludo, também seu rosto, seus lábios. E seu amor me envolveu com uma assombrosa pureza desconhecida do coração e da carne humanos (RICE, 1999, p. 230). 146 Apenas olhei para ela e pensei no quanto havia sido glorioso ver a mágica dos Poderes das Trevas agindo sobre ela, restaurando a beleza de sua juventude, transformando-a de novo na deusa que ela foi para mim quando eu era menino. [...] Talvez ela compreendesse isso bem demais, mesmo sem ler as palavras em minha alma. Nós no abraçamos devagar. - Tenha cuidado – ela disse (RICE, 1999, p. 209).

102

3.2. O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Lestat conta suas histórias ao longo dos séculos de sua existência, como

vimos nas Crônicas Vampirescas. É um dos principais narradores. Consegue refletir

sobre sua existência passada, seus problemas presentes e suas ansiedades futuras.

“[…] Vampires start to tell their own stories and consequently become more

sympathetic, closer to the human and much less radically the ‘other’ […] the vampire

increasingly serves to facilitate social commentary on the human world”147 (PUNTER;

BYRON, 2004, p. 271).

Diferente do que acontece com certas personagens, que não têm voz para

expor seus pontos de vista, suas necessidades e intenções, como é o caso de

Drácula, da obra homônima (1897) de Bram Stoker, Lestat sente uma certa

necessidade de dividir suas angústias, seus medos e suas aventuras com o mundo.

E nesse sentido, Todorov (2013, p. 127) afirma que: “[...] Se todas as

personagens não cessam de contar histórias, é que esse ato recebeu uma suprema

consagração: contar é igual a viver [...]”. Dessa maneira, podemos entender por que

ele e os outros vampiros das Crônicas precisam contar sua história, talvez seja uma

tentativa de estarem sempre presentes na vida e na mente dos leitores.

Pouco depois de ficar famoso como astro do rock, ele também expõe sua

condição vampírica através de um livro autobiográfico: “I am also the author of an

autobiography which was published last week” 148 (RICE, 2014a, p. 3).

Assim, Lestat comenta sobre o próprio livro The Vampire Lestat (1985) e é aí

que temos o engodo do leitor: “[...] o escritor cria uma espécie de incerteza entre

nós, a princípio, não nos deixando saber, sem dúvida propositalmente, se nos está

conduzindo pelo mundo real ou por um mundo puramente fantástico, de sua própria

criação [...]” (FREUD, 2006, p. 248).

É a condição do fantástico todoroviano onde a “[...] hesitação do leitor é pois a

primeira condição do fantástico. Mas será necessário que o leitor se identifique com

147 [...] Os vampiros começam a contar suas próprias histórias e, consequentemente, tornam-se mais simpáticos, mais próximos do humano e muito menos radicalmente o "outro" [...] o vampiro serve cada vez mais para facilitar os comentários sociais sobre o mundo humano (PUNTER; BYRON, 2004, p. 271). 148 Também sou o autor de uma autobiografia que foi publicada na semana passada (RICE, 1999, p. 9).

103

uma personagem particular [...]” (TODOROV, 2010, p. 37). Sendo assim, ficamos

pensando se os livros Interview with the Vampire, publicado em 1976, e The

Vampire Lestat, publicado em 1985, são biografias reais ou não.

De acordo com Roas (2014), o efeito do fantástico deixa de ser a vacilação ou

a incerteza e passa a ser a “[...] inexplicabilidade do fenômeno. Essa

inexplicabilidade não está determinada exclusivamente no âmbito intratextual,

envolvendo em vez disso o próprio leitor [...]” (ROAS, 2014, p. 89).

Nesse sentido, o texto de Rice corrobora em parte com o argumento de Roas

(2014), pois ao mesmo tempo em que há uma vacilação por parte do leitor em

aceitar que o livro publicado é real ou não, há uma certa inexplicabilidade na medida

em que temos vampiros escritores. Escritores são geralmente tidos como pessoas

sensíveis ao mundo, vampiros são criaturas hediondas, amalgamando esses dois

elementos teremos os nossos vampiros humanizados.

Esse é o efeito do fantástico, que “[...] se define e se distingue por propor um

conflito entre o real e o impossível [...] (ROAS, 2014, p. 89). O real enquanto livros

publicados e o impossível enquanto livros publicados e escritos por criaturas

vampíricas.

[...] os textos fantásticos representam uma contraditória aventura: pretendem constituir-se como realidade, mas uma realidade sobre a qual devemos exercer a descrença. Ao mesmo tempo em que solicitam a nossa aceitação, exigem nossa dúvida sobre o que o próprio texto nos apresenta como verdade (como sua verdade) (CAMPRA, 2016, p. 25 - 26 – grifo da autora).

Essa citação corrobora com as obras de Rice, pois conforme já dito, ao

mesmo tempo que pedem a aceitação do leitor, instauram a dúvida, numa dicotomia

confusa. A própria Anne Rice já caiu nesse engodo, dizendo que Lestat fala o que

ela deve escrever e quando ele começa é difícil fazê-lo parar (CANCEL, 2014, p.

38). Mas por vezes, adverte seus leitores que suas personagens são fictícias,

deixando os leitores na dúvida diante da realidade.

Talvez uma das razões dessa armadilha esteja no fato de que essas

personagens “[...] fazem a ponte entre a arte e a vida. [...] que poderemos, se útil e

se necessário, vasculhar a existência da personagem enquanto representação de

uma realidade exterior ao texto.” (BRAIT, 2017, p. 19). Porém, essa procura só se dá

através da linguagem.

104

[...] Esquece-se que o problema da personagem é antes de tudo linguístico, que não existe fora das palavras, que a personagem é ‘um ser de papel’. Entretanto recusar toda relação entre personagem e pessoa seria absurdo: as personagens representam pessoas, segundo modalidades próprias da ficção (DUCROT; TODOROV, 1972, p. 216).

Talvez daí a necessidade de Rice distribuir seus vampiros em diversas partes

do mundo e em lugares reais e conhecidos.

Por exemplo, há uma passagem que revela a suíte que Lestat mantinha em

um hotel luxuoso de Paris: “I headed for Paris to a suite I’d maintained for years, in

the gorgeous Hôtel Plaza Athénée in the Avenue Montaigne, the closets stocked with

a splendid wardrobe [...]”149 (RICE, 2014, p. 34). O que mais deixa-nos curiosos é

que esse hotel é real e considerado o melhor de Paris, qualquer pessoa pode se

hospedar lá e pensar que o vampiro Lestat está na suíte ao lado ou ainda que

poderá sair, depois do sol se pôr, e encontrá-lo no saguão.

O vampiro ainda percorre outros lugares famosos. “[...] Paris, my capital,

Paris, where I’d died and been reborn [...]”150 (RICE, 2014, p. 35), e a partir desses

lugares podemos traçar um tour dos pontos turísticos que o vampiro percorreu,

tornando a narrativa mais intrigante.

It was good to be back in Paris, […] the magnificent lights of the Champs-Élysées, to be drifting through the galleries of the Louvre […] haunting the Pompidou or just walking the old streets of the Marais. I spent hours in Sainte-Chappelle, and in the Musée de Cluny loving the old medieval walls of the place, so like the buildings I had known when I was a living boy151 (RICE, 2014, p. 34).

Ao longo das Crônicas Vampirescas o leitor se depara com lugares reais

misturados com espaços fictícios, num jogo ardiloso de verossimilhança. Para

149 Eu me dirigi a Paris e me instalei numa suíte que mantinha há anos no esplêndido Hôtel Plaza Athénée, na Avenue [sic] Montaigne, com o closet [sic] repleto das vestimentas mais espetaculares [...] (RICE, 2015, p. 37). 150 Paris, minha capital, Paris, onde eu morrera e renascera [...] (RICE, 2014, p. 35; tradução nossa). 151 Era bom estar de volta a Paris, [...] as magníficas luzes da Champs-Élysées, vagar novamente pelas galerias do Louvre [...] rondar o Pompidou ou simplesmente andar pelas velhas ruas do Marais. Eu passava horas na Sainte-Chappelle e no Musée de Cluny admirando as antigas paredes medievais do local, tão semelhantes aos edifícios que eu conhecera quando era um menino vivo (RICE, 2015, p. 37).

105

justificar esse efeito nos leitores, podemos pensar que: “[...] o fantástico implica

sempre uma projeção em direção ao mundo do leitor, pois exige uma cooperação e,

ao mesmo tempo, um envolvimento do leitor no universo narrativo” (ROAS, 2014, p.

92). O fantástico, “[...] evolui ao ritmo em que se modifica a relação entre o ser

humano e a realidade” (ROAS, 2014, p. 92). Talvez, alguns leitores mais

apaixonados farão uma viagem para conhecer os lugares que o vampiro Lestat

supostamente percorreu.

Um vampiro que nos conta sua história mostra a queda da fronteira entre a vida e a morte, mas a fronteira continua existindo, e essa abolição continua sendo um escândalo racional, porque o mundo que o texto erigiu é – continua sendo – um mundo que responde ao princípio de não contradição (CAMPRA, 2016, p. 170).

Sabemos que Interview with the Vampire (1976) foi relatado a um suposto

jornalista. Mais adiante, nas Crônicas, descobriremos que esse suposto jornalista é

Daniel Malloy, que conseguiu publicar o livro, com a história narrada por Louis,

enquanto estava na fase de transição entre humano e vampiro.

The Vampire Lestat (1985) é narrado e supostamente escrito pelo próprio

vampire, conforme vimos: “I put a fresh disk into the portable computer word

processor and I started to write the story of my life”152 (RICE, 2014a, p. 18). Prince

Lestat: The Vampire Chronicles (2014) também é narrado, em sua maior parte, por

Lestat.

É assim que, no tópico do enfrentamento entre ‘maus’ e ‘bons’ na literatura fantástica – na qual o humano é o bom e o vampiro é o mal – o papel final dos vampiros com função de narrador acaba sendo o do bom. Ou, se isso for impossível, o do menos mau [...] (CAMPRA, 2016, p. 167).

De acordo com o conceito de Campra (2016), o narrador é sempre o bom. E

nesse sentido, podemos inferir que, no primeiro volume, Louis enquanto narrador é o

bom, Lestat, o narrado, é o mau. Já nos outros volumes mencionados, Lestat é o

narrado, logo é o bom. A dicotomia torna-se clara enquanto vampiro narrador – bom

versus vampiro narrado – mau.

Campra (2016) ainda amplia o conceito dizendo que, “[...] O mal absoluto não

pode narrar-se, enquanto (se supõe) não tem nenhum ponto de contato com o leitor”

152 Coloquei um disquete novo no computador portátil e comecei a escrever a história de minha vida (RICE, 1999, p. 21).

106

(p. 168 – grifo da autora). Sendo assim, entendemos o porquê de Lestat narrar suas

histórias. Ele sente a necessidade de se afirmar enquanto criatura boa e

humanizada, enganando o leitor.

A personagem Lestat é altiva e conforme já mencionado, é como se ela

ditasse o que Rice deve escrever. E nesse sentido, foge de seu próprio domínio,

quase que tendo uma existência própria.

A narração em primeira ou terceira pessoa, a descrição minuciosa ou sintética de traços, os discursos direto, indireto ou indireto livre, os diálogos e os monólogos são técnicas escolhidas e combinadas pelo escritor a fim de possibilitar a existência de suas criaturas de papel. Dependendo de suas intenções e principalmente de sua perícia, ele vai trabalhar o discurso, a linguagem, construindo essas criaturas, que, depois de prontas, fogem ao seu domínio e permanecem no mundo das palavras à mercê dos delírios que a escritura possibilita aos incontáveis leitores (BRAIT, 2017, p. 90 – grifo da autora).

Sem dúvida, Lestat é a ‘criatura de papel’ mais laureada das Crônicas.

Conforme Nina Auerbach (1995) comenta: “[…] Rice’s vampires are compulsive

storytellers, [...]”153 (AUERBACH, 1995, p. 154). Lestat continuará contando suas

histórias e peripécias em diversos momentos, enquanto comanda a tribo mundial de

vampiros.

3.3. LESTAT: O VILÃO, O HERÓI E O PRÍNCIPE

A seguir, analisaremos os três volumes da série destacando a trajetória

percorrida por Lestat de Lioncourt: de vilão, passando para herói e culminando como

príncipe.

Conforme vimos, ele aparece pela primeira vez na obra Interview with the

vampire (1976) quando nos é apresentado como um vilão através da perspectiva do

vampiro Louis, transformado pelo próprio Lestat.

Entretanto, é em 1985, que decide contar sua trajetória e expõe ao mundo

sua condição vampírica como cantor de rock. No segundo volume autobiográfico,

The vampire Lestat (1985), ele deixa de ser o vilão e passa a ser o herói idolatrado

por inúmeros fãs.

153 Os vampiros de Rice são contadores de histórias compulsivos (AUERBACH, 1995, p. 154 – tradução nossa).

107

Continuará suas aventuras, mas é apenas no décimo primeiro volume

intitulado Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014), que será empossado

príncipe dos vampiros e conduzirá a tribo vampírica ao redor do mundo para uma

suposta paz e união.

É interessante observar que as palavras vilão e herói tem sentidos opostos,

mas estão no mesmo patamar de significado, sendo um o antônimo do outro.

No primeiro volume (1976), Louis destaca que Lestat é um vilão, uma pessoa

sem escrúpulos, que transforma ou mata as pessoas, sem crise de consciência.

Ele transformou uma menina de aproximadamente 5 anos em vampira e

segundo Louis, apenas por vingança. “[...] I rather think that he ushered Claudia into

vampirism for revenge”154 (RICE, 2009, p. 95). Vingança não apenas de Louis, mas

contra “the world”155 (RICE, 2009, p. 95).

[...] Being a vampire for him meant revenge. Revenge against life itself. Every time he took a life it was revenge. It was no wonder, then, that he appreciated nothing. The nuances of vampire existence weren’t even available to him because he was focused with a maniacal vengeance upon the mortal life he’d left. Consumed with hatred, he looked back. Consumed with envy, nothing pleased him unless he could take it from others; and once having it, he grew cold and dissatisfied, not loving the thing for itself; and so he went after something else. Vengeance, blind and sterile and contemptible156 (RICE, 2009, p. 45).

Como já visto, Lestat foi um jovem cerceado por seu pai, não pôde estudar,

muito menos ser ator como queria e isso fez com que ele se revoltasse contra a

humanidade, usando “[...] knowledge for personal power [...]”157 (RICE, 2009, p.80) e

nada mais.

154 [...] Acredito que ele tenha introduzido Cláudia ao vampirismo por vingança (RICE, 1992, p. 101). 155 [...] o mundo [...] (RICE, 1992, p. 101). 156 [...] Para ele, ser vampiro significava vingança. Vingança contra a própria vida. Cada vez que acabava com uma vida, estava se vingando. Não era estranho que não apreciasse nada. Nem podia as nuances da existência como vampiro, pois só se preocupava com uma vingança maníaca contra a vida mortal que tinha abandonado. Cheio de ódio, ele olhava para trás. Cheio de inveja, nada o agradava, a não ser o que podia tirar dos outros. E ao obtê-lo, ficava ainda mais frio e insatisfeito, sem conseguir apreciar a coisa em si, tendo que sair em busca de algo mais. Vingança, cega, estéril e desprezível (RICE, 1992, p. 51). 157 [...] seu conhecimento para obter poder [...] (RICE, 1992, p. 85).

108

Ele é tido como um licencioso, seduz suas vítimas através de ardil, apenas

para depois matá-las e roubá-las. Ele sentia prazer em seus atos. “Claudia and

Lestat might hunt and seduce, stay long in the company of the doomed victim,

enjoying the splendid humor in his unwitting friendship with death […]”158 (RICE,

2009, p. 97).

Louis ainda comenta que tanto ele, quanto Cláudia e Lestat andavam pela

sociedade e iam ao teatro a fim de conseguirem vítimas.

[...] Lestat having a passion for Shakespeare which surprised me, though he often dozed through the operas and woke just in time to invite some lovely lady to midnight supper, where he would use all his skill to make her love him totally, then dispatch her violently to heaven or hell and come home with her diamond ring to give to Claudia159 (RICE, 2009, p. 98 - 99).

Lestat argumenta que apenas quando se transformou em vampiro é que pôde

realmente dar valor aos humanos através da morte, o que representa uma

dicotomia, pois é apenas através do que é finito, é que se consegue dar algum valor

ao infinito. “‘My vampire nature has been for me the greatest adventure of my life;

[…] I never saw a living, pulsing human being until I was a vampire; I never knew

what life was until it ran out in a red gush over my lips, my hands!’ […]”160 (RICE,

2009, p. 81).

A princípio, ele não tem crises de consciência em matar humanos, pelo

contrário, coloca-se na posição de assassino.

158 - Cláudia e Lestat conseguiam caçar e seduzir, passar muito tempo em companhia da vítima fadada à destruição, saboreando o esplêndido humor de sua amizade traiçoeira com a morte [...] (RICE, 2009, p. 97 - tradução nossa). 159 [...] Lestat tinha uma paixão por Shakespeare que me surpreendeu, apesar de frequentemente cochilar nas óperas e só acordar no momento exato de convidar alguma dama adorável para a ceia de meia-noite, onde ele usaria toda sua habilidade para fazê-la apaixonar-se inteiramente por ele e depois despachá-la violentamente para o céu ou para o inferno, voltando para casa com seu anel de brilhantes como presente para Cláudia (RICE, 1992, p. 104 - 105). 160 – Minha personalidade de vampiro tem sido para mim a maior aventura de minha vida. [...] Nunca percebi um ser humano vivo e pulsante até ser um vampiro; nunca soube o que era a vida até vê-la escorrer numa golfada vermelha pelos meus lábios, pelas minhas mãos! [...] (RICE, 1992, p. 86).

109

[...] God kills, and so shall we; indiscriminately He takes the richest and the poorest, and so shall we; for no creatures under God are as we are, none so like Him as ourselves, dark angels not confined to the stinking limits of hell but wandering His earth and all its kingdoms161 (RICE, 2009, p. 88).

Lestat equipara-se a Deus, na medida em que mata indiscriminadamente,

sem nenhuma seleção, mas sabe que, para Louis, isso constitui um sofrimento.

‘I like to do it,’ he said. ‘I enjoy it.’ He looked at me. ‘I don’t say that you have to enjoy it. Take your aesthete’s tastes to purer things. Kill them swiftly if you will, but do it! Learn that you’re a killer! Ah!’ He threw up his hands in disgust. The girl had stopped screaming […]162 (RICE, 2009, p. 83).

Ele consegue manipular e seduzir Louis, demonstrando o poder da liderança,

que seria exercida anos depois, quando empossado príncipe. “[...] He had me

mesmerized, enchanted. He was playing to me as he had when I was mortal; he was

leading me [...]”163 (RICE, 2009, p. 88).

Se destaca como um líder nato, na medida em que, mesmo não tendo todo o

estudo que queria, consegue entender como é a existência de um vampiro e passar

um certo conhecimento, não apenas à Louis, mas também aos outros de sua

espécie.

Nesse sentido, podemos fazer um contraponto com o segundo volume, The

Vampire Lestat (1985) quando ele se apresenta como caçador de lobos. Na ocasião,

ele entende que precisava matar os lobos para que pudesse haver paz em sua

161 [...] Deus mata, assim como nós; indiscriminadamente. Ele toma o mais rico e o mais pobre, assim como nós, pois nenhuma criatura sob os céus é como nós, nenhuma se parece tanto com Ele quanto nós mesmos, anjos negros não confinados aos parcos limites do inferno, mas perambulando por Sua terra e por todos os Seus reinos [...] (RICE, 1992, p. 93). 162 - Gosto de fazer – respondeu. – Divirto-me. - Olhou para mim. - Não digo que você também deve gostar. Use seu senso estético em coisas mais puras. Mate-as suavemente, se quiser, mas faça-o! Aprenda que é um assassino! - Abanou as mãos mostrando desagrado. A moça tinha parado de gritar [...] (RICE, 1992, p. 88). 163 [...] Ele tinha me hipnotizado, me encantado. Brincava comigo como fizera quando eu era mortal; estava me liderando [...] (RICE, 1992, p. 93).

110

região. Assim como precisava matar os lobos, precisava matar os humanos para

tirar-lhes o sangue necessário enquanto alimento.

Ele é quase sempre rotulado por Louis como o vilão, que mata por puro

prazer. E ele mesmo se colocava na posição de predador.

[…] ‘Vampires are killers,’ he said now. ‘Predators. Whose all-seeing eyes were meant to give them detachment. The ability to see a human life in its entirety, not with any mawkish sorrow but with a thrilling satisfaction in being the end of that life, in having a hand in the divine plan’164 (RICE, 2009, p. 82).

Quando Louis medita, ele chega à conclusão de que Lestat matava sem

saber exatamente quais eram as razões e que também estava em busca de

respostas. “[...] I think, in retrospect, that he himself wanted to know his own reasons

for killing, he wanted to examine his own life. He was discovering when he spoke

what he did believe […]”165 (RICE, 2009, p. 94 - 95).

Louis ainda comenta que mesmo Lestat sendo vampiro: “[…] He had human

problems, a blind father who did not know his son was a vampire and must not find

out. Living in New Orleans had become too difficult for him, considering his needs

and the necessity to care for his father […]”166 (RICE, 2009, p. 15 - 16).

Conforme já mencionado, Lestat alternava seu modo de agir. Nem sempre

era cruel para com seu pai, por vezes cuidava do velho cego e moribundo, mas

outras vezes brigava com ele, em uma atitude extremamente humana. “[…] But

these fits were no more frequent than periods of near obsequious kindness when

164 – Os vampiros são assassinos – dizia agora. – Predadores. Cujos olhos onipotentes podem lhe proporcionar objetividade. A capacidade de perceber a vida humana em sua totalidade, sem nenhuma piedade repugnante, mas com a vibrante excitação de ser o fim desta vida, de fazer parte do plano divino (RICE, 1992, p. 87). 165 [...] olhando para trás, acho que ele mesmo queria descobrir seus motivos para matar, desejava examinar sua própria vida. Estava descobrindo-a quando me falou sobre as coisas em que acreditava [...] (RICE, 1992, p. 100). 166 [...] Tinha problemas humanos: um pai cego que não sabia que seu filho era vampiro e não deveria descobrir. Tinha-se tornado muito difícil, para ele, viver em Nova Orleans, considerando-se suas necessidades e a obrigação de cuidar do pai [...] (RICE, 1992, p. 21 - 22).

111

Lestat would bring his father supper on a tray and feed him patiently while talking of

the weather and the New Orleans news […]”167 (RICE, 2009, p. 37).

Por diversas vezes, o próprio Lestat se colocava como uma criatura maligna.

“[…] ‘I’d like to meet the devil some night,’ he said once with a malignant smile. ‘I’d

chase him from here to the wilds of the Pacific. I am the devil.’ And when I was

aghast at this, he went into peals of laughter […]”168 (RICE, 2009, p. 37).

Ele sentia prazer na morte, no medo das pessoas, no roubo, na inveja e na

vingança. “Lestat had always known how to steal from victims chosen for sumptuous

dress and other promising signs of extravagance […]”169 (RICE, 2009, p. 38). Louis

complementa: “[...] And in all of these mundane matters, Lestat was an adequate

teacher [...]”170 (RICE, 2009, p. 35).

Ele chega a assombrar e assustar as pessoas, se passando por um fantasma

e não um vampiro, mais uma vez conserva o seu anonimato.

‘A woman had seen him kill on the Nyades Road, which ran to the town of Carrolton, and there were stories of it in the papers, associating him with a haunted house near Nyades and Melpomene, all of which delighted him. He was the Hyades [sic] Road ghost for some time, though it finally fell to the back pages; and then he performed another grisly murder in another public place and set the imagination of New Orleans to working. But all this had about it some quality of fear […]171 (RICE, 2009, p. 109).

167 [...] Os tais ataques não eram mais frequentes do que os períodos de intenso carinho, nos quais Lestat trazia a ceia do pai numa bandeja e o alimentava pacientemente, enquanto falava sobre o tempo e lhe contava as últimas notícias de Nova Orleans [...] (RICE, 1992, p. 42). 168 - Gostaria de encontrar o diabo numa noite dessas – disse-me certa vez com um sorriso maligno. – Já o procurei até nos desertos do Pacífico. Eu sou o diabo. E quando me espantei com isso, teve uma crise de riso [...] (RICE, 1992, p. 43). 169 - Lestat sempre soubera como roubar suas vítimas, escolhidas por causa das ricas roupas e outros promissores sinais de extravagância [...] (RICE, 1992, p. 44). 170 [...] Nestes assuntos mundanos, Lestat era um bom professor [...] (RICE, 1992, p. 41). 171 - Uma mulher o vira matar na estrada de Nyades, que ia até a cidade de Carrolton. Surgiam histórias nos jornais, associando-o com uma casa assombrada perto de Nyades e Melpômene, e tudo isto o deliciava. Durante algum tempo ele foi o fantasma da estrada de Nyades, mas finalmente acabou descendo para as últimas páginas. E então ele cometeu outro medonho assassinato em um lugar público, fazendo a imaginação de Nova Orleans funcionar. Tudo isto abrigava uma espécie de medo [...] (RICE, 1992, p. 115).

112

Lestat se diverte com essa situação e mesmo com Louis, ele tenta disfarçar

sobre o seu gosto pelo conhecimento adquirido através dos livros, talvez até

atuando para não transparecer suas preferências e sua cultura adquirida.

[…] But Lestat how we might have known each other, he been a man of character, a man of even a little thought. The old man’s words came back to me; Lestat a brilliant pupil, a lover of books that had been burned. I knew only the Lestat who sneered at my library, called it a pile of dust, ridiculed relentlessly my reading, my meditations172 (RICE, 2009, p. 62).

Após algumas tentativas de aniquilamento, quando levou um tiro enquanto

atuava no Teatro dos vampiros em Paris e depois com Cláudia em Nova Orleans,

Lestat ressurge, como nos mostram as palavras de Louis: [...] I see the faint traces of

the old scars. How baffling and awful it was, this smooth-faced shimmering immortal

man bent and rattled and whining like a crone”173 (RICE, 2009, p. 325).

No segundo volume, The Vampire Lestat (1985), conforme já mencionado, é o

próprio Lestat quem decide contar para o mundo sua condição vampírica. Torna-se

um astro do rock e expõe o mundo dos mortos-vivos (the Undead tribe). Nessa obra,

ele vira herói e seu estilo de vida é cobiçado pelos humanos.

É interessante observar que Lestat, quando conta sua história, diz que

mesmo quando era muito jovem caçava animais, demonstrando sua valentia. “And

here I was going out to hunt in rawhide boots and buckskin coat, with these ancient

weapons tied to the saddle, and my two biggest mastiffs beside me in their spiked

collars. That was my life […]”174 (RICE, 2014a, p. 24). E nesse sentido, podemos

entender que “[...] a vida do herói é apresentada como uma grandiosa sucessão de

172 [...] Mas Lestat, como nós poderíamos ter conhecido um ao outro, caso ele fosse um homem de caráter, um homem que ao menos pensasse um pouco. – As palavras do velho voltaram à minha mente, Lestat como aluno brilhante, um amante de livros que tinham sido queimados. Só conhecia Lestat que zombava de minha biblioteca, considerava-a um monte de poeira, ridicularizava incansavelmente minhas leituras, minhas meditações (RICE, 1992, p. 67 - 68). 173 [...] vi os traços tênues das velhas cicatrizes. Como era desconcertante e horrendo este homem imortal, trêmulo e sem rugas, recurvado, alquebrado e lamuriento como uma velha (RICE, 1992, p. 320 - 321). 174 E lá estava eu saindo para caçar com botas de couro cru e casaco de pele de gamo, com aquelas armas antigas presas na sela e meus dois maiores mastins ao meu lado com suas coleiras providas de pontas de ferro. Essa foi a minha vida. [...] (RICE, 2014a, p. 24; tradução nossa).

113

prodígios, da qual a grande aventura central é o ponto culminante” (CAMPBELL,

2007, p. 311).

Ele chegou a enfrentar uma alcateia de oito lobos. “I got ready for battle

[…]175” (RICE, 2014a, p. 25). Depois de uma dura batalha, Lestat, mesmo perdendo

seus cães, foi bem-sucedido.

[…] I knew I was probably going to die. But it never even occurred to me to give up. I was maddened, wild. Almost snarling, I faced the animals and looked the closest of the two wolves straight in the eye. […] That was the end of it. The pack was dead. I was alive176 (RICE, 2014a, p. 27 - 28).

Joseph Campbell em seu livro O herói de mil faces (2007) fala que a aventura

do herói pode ter início através de “[...] Um erro – aparentemente um mero acaso –

revela um mundo insuspeito, e o indivíduo entra numa relação com forças que não

são plenamente compreendidas [...]” (CAMPBELL, 2007, p. 60). Neste sentido,

podemos entender que a aventura de Lestat inicia-se com a caçada aos lobos. O

vampiro Magnus o nomeará como “Wolfkiller” (matador de lobos):

A voice said ‘Wolfkilller’ [...] ‘Wolfkiller’, came the voice again [...] I was flying over the alleyway, six stories above the ground. I screamed. I kicked at this thing that was carrying me […] I twisted, trying to get loose […] ‘Brave strong little Wolfkiller,’ it said to me now in a rounder, deeper voice. [...] ‘What god is that, Wolfkiller?’ it asked. I turned my back on it, and let out a terrible roar. [...] the lips were closed yet still smiling, and then it bent down and I felt the prick of its teeth on my neck. […] ‘Vampire’ I gave one last frantic cry, […] Then there was silence. Stillness177 (RICE, 2014a, p. 79 - 81).

175 Preparei-me para a batalha. [...] (RICE, 1999, p. 29). 176 [...] senti que provavelmente iria morrer. Mas nunca me ocorreu desistir. Eu estava enlouquecido, fora de mim. Quase rosnando, encarei os animais e olhei dentro dos olhos do mais próximo de mim. [...] Era o fim. A alcatéia [sic] estava morta. Eu estava vivo (RICE, 1999, p. 30 - 31). 177 Uma voz dizia ‘Matador de Lobos’ [...] ‘Matador de Lobos, a voz disse de novo. [...] Eu estava voando sobre a ruela, seis andares acima do solo. Eu gritava. Chutava aquela coisa que me carregava. [...] eu me debatia tentando libertar-me. [...] – Valente e forte pequeno Matador de Lobos – ele me disse agora com uma voz mais profunda e sonora. [...] – Que deus é esse, Matador de Lobos? – ele perguntou. Virei-me de costas para ele e soltei um terrível urro. [...] os lábios fechados mas ainda sorrindo, e então ele se reclinou e eu senti a ferroada de seus dentes em meu pescoço. [...] – Vampiro! – soltei um último grito desvairado, [...] E então veio o silêncio. A quietude (RICE, 1999, p. 73 - 75).

114

A partir do momento em que Lestat é transformado, inicia-se um novo estágio

em sua jornada. Torna-se uma criatura da noite, vendo o mundo pelo olhar de um

vampiro.

Ele acaba por ficar fascinado com Magnus, pela criatura que o transformou.

“His voice had had a momentary calming effect. He sounded capable of reason when

he spoke […]”178 (RICE, 2014a, p. 86).

Em algumas ocasiões, ele ouve Magnus como um sussurro: “A voice said

‘Wolfkiller’ long and low, a whisper that was like a summons and a tribute at the same

time”179 (RICE, 2014a. p. 79). Dessa maneira, podemos fazer um contraponto com o

décimo primeiro volume, quando um espírito nomeado a princípio como “The Voice”

(“A Voz”), incita os vampiros ao redor do mundo à aniquilação e precisará ser

acalmado. Mais tarde, descobriremos que esse espírito se chama Amel e será

incorporado à mente e ao corpo de Lestat.

Sua transformação em vampiro foi consentida. Magnus insiste para que ele

peça por sua condição vampírica e por sua suposta vida infinita, pois caso não

aceitasse, seria morto e não receberia o dom da vida eterna.

‘Ask for it, Wolfkiller, and you will live forever,’ he said, [...] ‘Life everlasting,’ he whispered. […] ‘Stubborn Wolfkiller.’ […] ‘Not stubborn,’ I whispered. My voice was so weak I wondered if he could hear me. ‘Brave. Not stubborn.’ […] ‘Drink’. […] My tongue licked at the blood. […] And my mouth opened and locked itself to the wound. […] Blood and blood and blood […]180 (RICE, 2014a, p. 89 - 90).

Como explica Arnold Van Gennep, em seu livro Os ritos de passagem (2012),

para algumas tribos ameríndias a troca dos sangues constitui-se um laço de

fraternidade, criando um vínculo social entre as pessoas envolvidas. No caso do

vampiro, ao obter sangue para sua existência, esse laço deixa de existir. Não há

178 Sua voz tivera um efeito tranqüilizador [sic] instantâneo. Ele parecia capaz de raciocinar quando falava. [...] (RICE, 1999, p. 79). 179 Uma voz dizia ‘Matador de Lobos’, de modo prolongado e baixo, um sussurro que parecia um chamado e um tributo ao mesmo tempo (RICE, 1999, p. 73). 180 - Peça, Matador de Lobos, e você viverá para sempre – ele disse, [...] – A vida eterna – ele sussurrou [...] – Matador de Lobos teimoso. [...] – Teimoso não – sussurrei. Minha voz estava tão fraca que imaginei que ele pudesse não ter me ouvido. – Corajoso. Não teimoso. [...] – Beba. [...] Minha língua lambeu o sangue. [...] E minha boca abriu-se e grudou-se na ferida. [...] Sangue, sangue e sangue [...] (RICE, 1999, p. 82).

115

vínculos entre o vampiro e a vítima a ser morta. Esse laço só se constituirá, caso a

vítima seja transformada e tiver um primeiro contato com o sangue vampírico

transformador, como nos casos de Magnus e Lestat, bem como de Lestat e Louis.

Lestat após transformado, fica seduzido não apenas pela figura de Magnus,

mas pelo fato dele ter-lhe dado a existência eterna, algo que era almejado. “Love

you, I wanted to say, Magnus, my unearthly master, ghastly thing that you are, love

you, love you, this was what I had always so wanted, wanted, and could never have,

this, and you’ve given it to me!”181 (RICE, 2014a, p. 91). A jornada do herói é seguida

por uma morte e um renascimento, simbólico ou não (CAMPBELL, 2007, p. 61),

Lestat precisou morrer como humano, para nascer como vampiro e herói.

Quando ele aparece em cadeia nacional como um astro de rock, deixa sua

condição de anônimo e passa a ser uma pessoa pública. É considerado o herói de

muitos jovens e adolescentes que se reconhecem como seres vampíricos

superiores, verdadeiros ou fictícios. Nesse sentido “[...] o herói simboliza aquela

divina imagem redentora e criadora, que se encontra escondida dentro de todos nós

e apenas espera ser conhecida e transformada em vida” (CAMPBELL, 2007, p. 43).

Lestat quer quebrar as velhas regras dos vampiros e mostrar ao mundo sua

condição vampírica através da música.

[...] Because if there is one law that all vampires hold sacred it is that you do not tell mortals about us. […] Old rules didn’t matter to me now, either. I wanted to break every one of them [...] I’d be Lestat, the rock superstar. Just come to San Francisco for my first live performance […] I’d step into the solar lights before the cameras, I’d reach out and touch with my icy fingers a thousand warm and grasping hands. I’d scare the hell out of them if it was possible, and charm them and lead them into the truth of it if I could […] just suppose that the art ceased to be art and became real!182 (RICE, 2014a, p. 15 - 17 – grifo no original).

181 Eu te amo, eu queria dizer, Magnus, meu mestre sobrenatural, criatura medonha que você é, eu te amo, eu te amo, isso foi o que sempre desejei tanto, desejei e jamais pude ter, isso, e você me deu! (RICE, 1999, p. 83). 182 [...] Porque se havia uma lei que os vampiros têm como sagrada é a de jamais contar aos mortais sobre nós. [...] Velhas regras já não me importavam mais, tampouco. Eu queria romper cada uma delas [...] Eu seria Lestat, a superestrela do rock. Venham a San Francisco para minha primeira apresentação ao vivo. [...] Eu ficaria sob as luzes brilhantes das câmeras, estenderia a mão e tocaria com meus dedos gelados milhares de mãos quentes e ávidas. Se fosse possível, lhes daria um susto brutal, as seduziria e as conduziria à verdade, se pudesse [...] apenas suponhamos que a arte deixe de ser ater e se torne realidade! (RICE, 1999, p. 19 - 21 – grifo no original).

116

Campbell (2007, p. 43) afirma que: “A grande façanha do herói supremo é

alcançar o conhecimento dessa unidade na multiplicidade e, em seguida, torná-la

conhecida.” E é exatamente isso que Lestat irá fazer, ele declarará ao mundo sua

condição.

O vampiro consegue virar uma superestrela do rock e ficar famoso, seu nome

passa a ser aclamado por uma multidão de pessoas ao redor do mundo.

Right I am what America calls a Rock Superstar. My first album has sold 4 million copies. […] MTV, the rock music cable channel, has been playing my video clips night and day for two weeks. They’re also being shown in England on “Top of the Pops” and on the Continent, probably in some parts of Asia, and in Japan. Video cassettes of the whole series of clips are selling worldwide 183 (RICE, 2014a, p. 3).

Mesmo antes de se tornar famoso nos anos 80, ele já gostava de ser o foco

das atenções. Foi ator em Paris e quando reclamou do fato de estar sendo

observado, seu companheiro Nicki comenta: “‘Everyone’s watching you,’ [...] ‘That’s

what you want’”184 (RICE, 2014a, p. 70).

Segundo Campbell (2007), o herói “[...] é uma personagem dotada de dons

excepcionais. Freqüentemente [sic] honrado pela sociedade de que faz parte,

também costuma não receber reconhecimento ou ser objeto de desdém [...]”

(CAMPBELL, 2007, p. 41).

Em New Orleans, Lestat se ocultava na figura de um fantasma e não recebia

o reconhecimento almejado. Quando se torna famoso, como um astro do rock, nos

anos 80, figura como um modelo a ser seguido pelos jovens.

Nesse sentido, podemos entender que “[...] a aventura do herói costuma

seguir o padrão da unidade nuclear acima descrita: um afastamento do mundo, uma

penetração em alguma fonte de poder e um retorno que enriquece a vida [...]”

(CAMPBELL, 2007, p. 40).

183 Neste exato momento sou o que a América chama de superestrela do rock. Meu primeiro álbum vendeu quatro milhões de cópias. [...] A MTV, o canal de televisão a cabo que transmite música de rock, vem exibindo meus videoclipes noite e dia há duas semanas. Também estão sendo exibidos na Inglaterra, no programa Top of the Pops, na Europa [sic] Continental e provavelmente em certas regiões da Ásia e do Japão. Fitas de vídeo de toda a série de clipes estão sendo vendidas no mundo inteiro (RICE, 1999, p. 9 – grifo no original). 184 - Todo mundo está observando você [...] É isso que você deseja (RICE, 1999, p. 65).

117

Aplicando esse conceito ao Lestat, podemos dizer que teve seu afastamento

do mundo quando fugiu de sua cidade natal, afastando-se de sua família. Depois em

Paris, foi feito cativo por Magnus mas este deu-lhe o poder vampírico e fez com que

ele se transformasse em uma criatura sobre-humana.

Sua liderança como príncipe dos vampiros será relatada no décimo primeiro

volume, conforme já mencionado. O poder de liderar pode ser apreendido em

diferentes momentos. Por exemplo, quando ele encontra a trupe do teatro dos

vampiros liderados por Armand, Lestat faz um juramento solene ao ser preso pelo

grupo. “I begged silently for strength. [...] Solemn vow: I shall get us all out of here,

though at the moment I do not know exactly know”185 (RICE, 2014a, p. 212 – grifo no

original).

Em outro momento, Lestat toma a dianteira ao liderar o grupo dos vampiros,

dando-lhes diretrizes de como viver em meio dos humanos.

‘If your leader has no words for you now, I have words,’ I said. ‘Go wash yourselves in the waters of the Seine, and clothe yourselves like humans if you can remember how, and prowl among men as you are obviously meant to do.’ The defeated boy vampire stumbled back into the circle, […] ‘Armand,’ he implored the silent auburn-haired leader. ‘Bring the coven to order! Armand! Save us now!’ ‘Why in the name of hell,’ I outshouted him, ‘did the devil give you beauty, agility, eyes to see visions, minds to cast spells?’ Their eyes were fixed on me, all of them. […] ‘You waste your gifts!’ I said. ‘And worse, you waste your immortality! Nothing in all the world is so nonsensical and contradictory, save mortals, that is, who live in the grip of the superstitions of the past.’ Perfect silence reigned. [...] I could feel his numbed fascination struggling against death itself186 (RICE, 2014a, p. 221 - 222).

185 Implorei em silêncio, pedindo força. [...] Juramento solene: Vou tirar todos nós daqui, embora no momento não saiba exatamente como (RICE, 1999, p. 183 – grifo no original). 186 – Se seu líder não tem palavras para vocês agora, eu tenho – eu disse. – Vão e lavem-se nas águas do Sena, vistam-se como os humanos, se é que ainda se lembram, e passem a vagar entre eles, é o que devem fazer. O garoto vampiro derrotado voltou cambaleando para o círculo, [...] - Armand – ele implorou ao silencioso líder de cabelos castanho avermelhados, - Imponha ordem na congregação! Armand! Salve-nos agora! - Por que, em nome do inferno – gritei mais alto do que ele -, o diabo lhes concedeu beleza, agilidade, olhos para ter visões, mentes para enfeitiçar? Seus olhos estavam fixados em mim. [...] - Vocês desperdiçam seus dons! – eu disse. – E pior, desperdiçam sua imortalidade! Nada em todo o mundo é tão absurdo e contraditório, a não ser os mortais, do que viver sob o domínio das superstições do passado. Reinou um silêncio completo. [...] Podia sentir sua entorpecida fascinação lutando contra a própria morte (RICE, 1999, p. 192).

118

Após uma década de reclusão por imposição própria, Lestat reagrupa a tribo

dos vampiros ao redor do mundo até então ameaçada de extinção. É nomeado,

então, príncipe. Ascende ao patamar da nobreza. Ao ser empossado, se equipara à

aristocracia da personagem de Bram Stoker na qual temos um conde como vampiro,

na obra homônima Dracula (1897), considerado o ícone da literatura vampiresca.

É interessante observar que outros vampiros também têm essa aura

aristocrática. Em 1819, John William Polidori escreveu o conto “The Vampyre” (“O

Vampiro”) na qual apresenta-nos o vampiro chamado Lorde Ruthven. Lembrando

que o título de Lorde era dado como representação de nobreza e significava senhor.

[...] um título nobiliárquico empregado no Reino Unido. É equivalente a "Senhor" ou "Dom" em Portugal, correspondendo originalmente a um título de autoridade feudal. [...] A etimologia da palavra inglesa lord remonta ao inglês antigo hlaf-weard (guardião do pão) – refletindo o costume tribal germânico de que um membro do escalão superior fornecesse comida aos seus subordinados [...] (DICIONÁRIO EDUCALINGO, 2018).

Em 1872, Joseph Sheridan Le Fanu apresenta-nos Carmilla, a condessa de

Karnestein, uma vampira de origem nobre, porém implacável, como apreendemos

na novela intitulada Carmilla (Carmilla, a vampira de Karnestein). Serviu de

inspiração para Stoker escrever sobre Conde Drácula. Observamos também que as

sequências de nobres continuaram através dos anos. Em 1978, Chelsea Quinn

Yarbro escreve sobre as aventuras do conde de Saint-Germain, um nobre no sentido

pleno da palavra, ou seja, é um vampiro nobre nas atitudes, que tenta salvar damas

indefesas de homens tiranos.

O título de conde é dado para o indivíduo que prestou serviços especiais para

o rei e podemos observar que a palavra em anglo-saxão significa guerreiro, portanto,

conde é alguém considerado corajoso, bravo no sentido lato da palavra. Já o título

príncipe está acima de conde, e remete-nos ao filho de uma família regente. O fato

de Lestat ser considerado príncipe, indica que é jovem para ser rei, mas é de origem

nobre ou ainda podemos dizer que, é como se fosse filho de um rei.

Lestat, conforme já mencionado, quando humano era filho de um Marquês

embora não possuísse título: “[...] My father was the Marquis, and I was the seventh

son and the youngest of the three who had lived to manhood. I had no claim to the

119

title or the land, and no prospects. […] our wealth had been used up long ago. […]”187

(RICE, 2014a, p. 23). Marquês é o título do dono de uma grande parte de terra que

poderia ser fronteiriça e que precisaria ser defendida.

Ser filho de um marquês indicava que sua família possuía muitas terras.

Entretanto, morava em um castelo em decadência, como ele mesmo relata.

My father’s castle, his estate, and the village nearby were my entire universe. […] Our castle was full of old armor. My ancestors had fought in countless noble wars since the times of the Crusades with St. Louis. […] Our castle had stood for a thousand years, and not even the great Cardinal Richelieu in his war on our kind had managed to pull down our ancient towers […]188 (RICE, 2014a, p. 23 - 25).

Enquanto vampiro tem atitudes nobres, uma delas é quando resgata uma

menina e cuida dela sem transformá-la em vampira. Essa história aparece na obra

Prince Lestat: The Vampire Chronicles (Príncipe Lestat) de 2014, no capítulo 5

intitulado como “The Story of Rose” (“A história de Rose”). Lestat cuida da menina

Rose como uma filha, jamais revelando sua identidade vampírica, tanto que se

apresenta como “Uncle Lestan” (tio Lestan) e não como Lestat.

Sobre os nomes Lestat e Lestan, Rice explica em um vídeo (2017b)

disponível na rede, que o nome Lestat foi inventado acidentalmente e é derivado do

nome em francês antigo Lestan. “I accidently create a unique name, Lestat is a

unique name”189 (2017b, s/p). O fato de Rose ter um tio de nome Lestan, é como se

atestasse que esse tio é um humano real, diferente de Lestat, um nome inventado e

singular.

Lestat ou Lestan consegue amá-la de tal forma, que se sente totalmente

responsável por Rose: “‘I’ll always take care of you, Rose,’ he said. ‘You’re my

187 [...] Meu pai era o marquês, e eu era o sétimo filho e o mais novo dos três que sobreviveram até a maioridade. Eu não tinha nenhum direito ao título, nem as terras, e nenhuma perspectiva. [...] nossa riqueza se esgotara muito tempo antes [...] (RICE, 1999, p. 27). 188 O castelo de meu pai, suas terras e a aldeia próxima eram todo o meu universo. [...] Nosso castelo era cheio de velhas armaduras. Meus ancestrais haviam combatido em inúmeras guerras nobres desde os tempos das Cruzadas de São Luís. [...] Nosso castelo resistira por mil anos e nem mesmo o grande cardeal Richelieu em sua guerra contra nossa gente conseguiu derrubar nossas antigas torres [...] (RICE, 1999, p. 27 - 28). 189 Eu acidentalmente criei um nome único, Lestat é um nome único (tradução nossa).

120

responsibility now and I’m glad of it. I want you to have everything, Rose, and I’ll see

to it that you do. […] I love you’”190 (RICE, 2014, p. 79).

Como vampiro, não conseguiria educar Rose adequadamente. Designa duas

professoras aposentadas para essa tarefa.

By the time Rose was ten, she understood that Aunt Julie and Aunt Marge were paid to take care of her. Uncle Lestan was her legal guardian. But she never doubted that her aunts loved her, and she loved them. They were retired schoolteachers, Aunt Julie and Aunt Marge, and they talked all the time about how good Uncle Lestan was to all of them. And they were all happy together when Uncle Lestan came to visit. It was always late in the evening when he arrived, and he brought presents for everyone – books, clothes, laptop computers, and wonderful gadgets […]191 (RICE, 2014, p. 80).

Rose cresce e se transforma em uma linda mulher, mas no segundo ano de

faculdade, após se apaixonar pelo professor de literatura, fica em uma situação

difícil. O professor mostra a ela o livro The Vampire Lestat, publicado em 1985 e

Rose descobre a infeliz coincidência.

Uncle Lestan’s physical description perfectly matched that of ‘the Vampire Lestat,’ and his friend and lover, ‘Louis de Point du Lac’ was certainly a dead ringer for the Louis who’d rescued Rose from Amazing Grace Home for Girls. Dead ringer. Now that was a good pun192 (RICE, 2014, p. 96 - 97).

Rose sofre um atentado perpetrado pelo professor, mas durante sua

recuperação conhece o filho humano de Lestat, Viktor, e viverá uma paixão humana,

incentivada e apoiada pelos vampiros. No entanto, apenas no final do décimo

190 - Eu sempre vou cuidar de você, Rose – disse ele. – Você agora é minha responsabilidade e eu estou contente que seja assim. Quero que você tenha de tudo, Rose, e vou cuidar para que isso aconteça. [...] Eu amo você (RICE, 2015, p. 87). 191 Quando estava com dez anos, Rose já entendia que Tia Julie e Tia Marge eram pagas para cuidar dela. Tio Lestan era seu guardião legal. Mas ela nunca duvidou de que suas tias a amavam, e ela as amava. Elas eram professoras aposentadas, Tia Julie e Tia Marge, e falavam o tempo todo sobre como Tio Lestan era bom para todas elas. E ficavam muito felizes quando Tio Lestan aparecia para visitá-las. Era sempre tarde da noite quando ele chegava, e ele levava presentes para todo mundo – livros, roupas, laptops e gadgets fantásticos [...] (RICE, 2015, p. 88 – grifo no original). 192 A descrição física de Tio Lestan combinava perfeitamente com o do ‘vampiro Lestat’, e seu amigo e amante, ‘Louis de Point du Lac’, era certamente o sósia do Louis que resgatara Rose da Casa de Custódia Amazing Grace Para Garotas. O sósia. Agora aquilo foi uma boa piada (RICE, 2014, p. 96 - 97; tradução nossa).

121

primeiro volume, tanto Rose quando Viktor serão transmutados em vampiros para

viverem sua paixão por toda a eternidade.

Esses vampiros, recém transformados, continuarão a demonstrar nobreza por

não se alimentarem de sangue inocente, pelo contrário, eles farão a seleção

consciente de suas vítimas, assim como o vampiro Gregory nos relata: “[...] We hunt

the evildoer, and we seek to feed as well upon the beauty we see all around us

[...]”193 (RICE, 2014, p. 151).

É interessante notar que desde os primórdios, os vampiros tinham em mente

essa questão de separar os inocentes dos culpados, “[...] when the faithful would

bring them blood sacrifice and ask them to look into hearts and judge the innocent

from the guilty with their blood drinker minds […]”194 (RICE, 2014, p. 150).

Outra particularidade de Lestat é ser chamado de “Brat Prince” logo no início

de Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) e nesse sentido entendemos a

palavra “brat” como uma criança chata, mal-educada. “‘Lestat, you, Brat Prince!’ [...]

Brat Prince, my prince, boy oh boy, Lestat [...]”195 (RICE, 2014, p. 5). Sua inquietude

e uma certa rebeldia o fez ser o ungido, o escolhido para ser o líder dos vampiros.

Cuidou da inteira tribo quando convenceu o espírito Amel, que induzia a

destruição dos vampiros em diversas partes do mundo, a ficar dentro de sua mente

e corpo para continuar sua jornada. Ser o rebelde equivale àquele que não cultuava

as regras e normas vampíricas e ele mesmo se colocava nessa posição: “When

have I ever been on the side of law and order? I’m supposed to be the rebellious

one, l’enfant terrible [...]”196 (RICE, 2014, p. 5 – grifo no original).

Como foi dito anteriormente, quando Lestat era ainda um jovem, humano e

caçador de lobos, não desistia facilmente. Enfrentou uma alcateia de lobos e saiu-se

vencedor, como depreendemos no seguinte fragmento: “[...] I knew I was probably

193 Nós caçamos os malfeitores e procuramos nos alimentar também da beleza que vemos ao nosso redor [...] (RICE, 2015, p. 167). 194 [...] os fiéis levavam para eles sacrifícios de sangue e pediam para que olhassem em seus corações e distinguissem em julgamento os inocentes dos culpados com suas mentes de bebedores de sangue [...] (RICE, 2015, p. 166). 195 - Lestat, você, príncipe moleque! [...] príncipe moleque, meu príncipe, garoto, ah, garoto, Lestat [...] (RICE, 2015, p. 5). 196 Quando foi que estive do lado da lei e da ordem? Supostamente, eu sou o rebelde, l’enfant terrible [...] (RICE, 2015, p. 6 – grifo no original).

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going to die. But it never occurred to me to give up. I was maddened, wild. Almost

snarling, I faced the animals and looked the closest of the two wolves straight in the

eye”197 (RICE, 2014a, p. 27).

Tempos depois, Lestat acaba considerando a possibilidade de ser o regente

da tribo dos vampiros. “Never in all my existence had I felt so powerful […]”198 (RICE,

2014, p. 413) e ainda diz que não reinará para condenados, fazendo uma alusão à

história da rainha Akasha, explicada no terceiro volume das Crônicas, intitulada The

Queen of the Damned (A rainha dos condenados), publicado em 1988. “‘I will not be

the Prince of the Damned’ [...] ‘We are reborn!’”199 (RICE, 2014, p. 415).

O vampiro chama a responsabilidade para si quando diz: [...] the Prince was

in charge now and the Brat Prince was no more”200 (RICE, 2014, p. 422).

Percebemos a maturidade alcançada por Lestat, reorganizando a tribo dos vampiros

e consciente de suas responsabilidades.

‘Prince Lestat I will be,’ I said. ‘That is the term that’s been offered to me over and over in one form or another, it seems. […] I will need your help in deciding a multitude of questions. And I will delegate to those of you who are receptive various tasks to help us move to a new and glorious existence which I hope that all the blood drinkers of the world will come to share’201 (RICE, 2014, p. 423 - 424).

Ele foi o escolhido para liderar, porque apresentava uma certa humanização

característica, era enigmático; ao mesmo tempo que podia ser gentil, também era

enérgico ao lidar com outros vampiros. Podia tanto demonstrar amor, quanto ódio na

mesma medida, encantando todos ao seu redor.

197 […] senti que provavelmente iria morrer. Mas nunca me ocorreu desistir. Eu estava enlouquecido, fora de mim. Quase rosnando, encarei os animais e olhei dentro dos olhos do mais próximo de mim (RICE, 1999, p. 30). 198 Jamais em toda a minha existência eu me sentira tão poderoso [...] (RICE, 2015, p. 459). 199 - Eu não serei o Príncipe dos Condenados [...] Nascemos novamente! (RICE, 2015, p. 461). 200 [...] O Príncipe estava no comando agora, e o Príncipe Moleque não existia mais (RICE, 2015, p. 468). 201 - Príncipe Lestat eu serei. Esse é o termo que me tem sido dirigido seguidas vezes de uma forma ou de outra, ao que parece. [...] Precisarei da ajuda de vocês para decidir inúmeras questões. E delegarei àqueles entre os que forem receptivos diversas tarefas para nos ajudar a dar um passo no sentido de uma nova e gloriosa existência que eu espero que todo bebedor de sangue do mundo venha a compartilhar (RICE, 2015, p. 470).

123

Gregory had to admire this enigmatic Lestat. […] Who could not admire a creature with such perfect poise, such perfect pitch for what to say to each and every blood drinker who approached him, a creature who could lapse into the greatest tenderness with his mortal ward, Rose, in his arms, and then turn with such fury on Seth, the powerful Seth, demanding to know how and why he’d exposed ‘these mortal children’ to such disasters? And then how easily he’d wept when greeting Louis and Armand and his lost fledgling, Antoine, […] How considerately he’d held Antoine’s hand as the other stammered and trembled and tried to express his love […]202 (RICE, 2014, p. 351).

Esse relato refere-se ao cuidado e amor que Lestat tem para com os

humanos Rose e Viktor, seu filho; mas que ao mesmo tempo não se deixou intimidar

e chega a afrontar um vampiro poderoso e mais velho, Seth, que deveria ter cuidado

dos dois humanos, mas ao invés disso acabou por expô-los ao perigo. Lestat é

também terno, carinhoso, corajoso e sensível, uma vez que consegue se emocionar

com antigos companheiros.

Quando ele assume o comando, demonstra firmeza e busca soluções junto

ao grupo para tentar resolver a crise que precisam enfrentar.

‘We must all come to the table and talk of what’s happening,’ Lestat had said, so easily assuming command. ‘Armand, I say let’s do this in the attic ballroom. I’ll be there as soon as I’ve taken Rose safely down to the cellar and talked with her. And Benji, you must be there. You must shut down broadcasting long enough to be there, do you understand? No one can absent himself or herself. The crisis is too great. Maharet, Khayman, murdered, their house burned, Mekare gone. The Voice is inheriting the wind, and we have to hold this tent together against it!’203 (RICE, 2014, p. 351 - 352).

202 Gregory tinha de admirar aquele enigmático Lestat. [...] Quem podia não admirar uma criatura com um porte tão perfeito, um timbre tão perfeito para se dirigir a todo e qualquer bebedor de sangue que se aproximava dele, uma criatura que podia mergulhar no maior carinho com sua pupila, Rose, nos braços, e em seguida voltar-se com tamanha fúria contra Seth, o poderoso Seth, exigindo saber como e por que ele expusera ‘aquelas crianças mortais’ a tais desastres? E também, com que facilidade ele chorara ao cumprimentar Louis e Armand e seu novato perdido, Antoine, [...] Com que consideração segurara a mãe de Antoine quando o outro gaguejava, tremia e tentava expressar seu amor [...] (RICE, 2015, p. 389). 203 - Nós todos precisamos sentar à mesa e conversar sobre o que está acontecendo – disse Lestat, assumindo com muita facilidade o comando. – Armand, sou da opinião que devemos fazer isso no salão de baile do sótão. Irei para lá depois de deixar Rose em segurança no porão e conversar com ela. E Benji, você precisa estar lá. Precisa interromper a transmissão por tempo suficiente para estar lá, está entendendo? Ninguém pode se ausentar. A crise é grave demais. Maharet e Khayman assassinados, a casa deles queimada, Mekare desaparecida. A Voz está herdando o vento e nós temos de nos manter de pé contra isso! (RICE, 2015, p. 389).

124

Nesse sentido, Lestat é a criatura certa para liderar porque é um ser de

atitudes humanas, consegue ser direto e objetivo: “[…] Lestat is the quintessential

person of action. He thinks, feels, empathizes, but he acts’”204 (CANCEL, 2014, p.

34).

Sendo assim, a mesma personagem é vista por três diferentes ângulos. Cada

fase atravessada pelo vampiro apresenta particularidades distintas: para Louis, a

princípio, era um vilão, um vampiro sanguinário e sem escrúpulos. Logo em seguida,

foi considerado um herói quando expôs sua condição vampírica ao mundo, e por fim

passou a ser o príncipe regente do clã dos vampiros, alguém capaz de liderar e

reorganizar a tribo para que possam atravessar os séculos.

A própria autora comenta que “Lestat evolved as a character. He wasn’t

consciously created. He sprang into life in the corner of my eye, moving from a

matinee villain to a true hero, a basically good soul forced against his will into the role

of a monstrous outsider […]”205 (CANCEL, 2014, p. 34).

Rice traz para o primeiro plano da história a figura do vampiro, relegando os

seres humanos para o segundo plano da trama. O vampiro, mesmo vivendo às

margens da sociedade, abarca sentimentos e desejos humanos e,

consequentemente, atrai uma legião de leitores

3.4. A HUMANIZAÇÃO DOS VAMPIROS DE ANNE RICE

Observamos ao longo das leituras das obras que os vampiros de Anne Rice

diferem de outros, no que diz respeito à humanização. Mesmo cometendo

atrocidades ainda são considerados do “bem”. Muitas vezes, equiparando-se aos

heróis das grandes sagas, mantêm seu estilo de vida cobiçado por milhares de

leitores, que anseiam a suposta vida imortal.

O vampiro Antoine, por exemplo, está engajado no mundo dos humanos. Ele

estudou piano aos dez anos no Conservatório de Paris, mas foi transformado em

204 [...] Lestat é a quintessência da pessoa de ação. Ele pensa, sente, simpatiza, mas age (CANCEL, 2014, p. 34 – tradução nossa). 205 Lestat evoluiu como personagem. Ele não foi criado conscientemente. Ele surgiu no canto do meu olho, passando de um vilão de matinê a um verdadeiro herói, uma alma basicamente boa forçada contra sua vontade para o papel de um estranho monstruoso [...] (CANCEL, 2014, p. 34 – tradução nossa).

125

vampiro quando completou dezoito anos. Consegue, assim, transitar facilmente

entre os humanos. Toca piano em um restaurante e obtém dinheiro suficiente para

sua subsistência. Ele se adaptou e aprendeu a não matar suas vítimas. Tem êxito

em obter o sangue para sua sobrevivência em lugares comuns, como casas

noturnas aglomeradas de humanos.

He was soon playing the piano for a salary in a fine restaurant and making plenty of money from tips on top of that. And he learned to hunt more skillfully among the innocent – drinking from one victim after another on crowded dance floors until he had had enough – without killing or crippling anyone. This took discipline, but he could do it. He could do what he had to do to survive now, to be part of this age, to feel vital and resilient and, yes, immortal206 (RICE, 2014, p. 121).

Até mesmo o vampiro Lestat tinha consciência que não deveria matar vítimas

inocentes: “[…] And I was learning more all the time about my killers – the drug

dealers, the pimps, the murderers who fell in with the motorcycle gangs. And more

than ever, I was resolute that I would not drink innocent blood”207 (RICE, 2014a, p.

11).

O mesmo acontece com o vampiro Louis que tinha escrúpulos em relação à

morte de suas vítimas.

‘Killing is no ordinary act’, said the vampire. ‘One doesn’t simply glut oneself on blood.’ […] ‘It is the experience of another’s life for certain, and often the experience of the loss of that life through the blood, slowly. It is again and again the experience of that loss of my own life, […] It is again and again a celebration of that experience; because for vampires that is the ultimate experience’208 (RICE, 2009, p. 29).

206 Ele logo estava tocando piano em troca de um salário em um restaurante fino e, ainda por cima, ganhava muito dinheiro com as gorjetas. E aprendeu a caçar com mais habilidade em meio aos inocentes – bebendo de uma vítima atrás da outra em salões de dança apinhados até saciar-se por completo –, sem matar ou incapacitar ninguém. Aquilo requeria disciplina, mas ele era capaz de fazê-lo. Ele finalmente era capaz de dar cabo do que tinha de fazer para sobreviver, para fazer parte daqueles tempos, para se sentir vital e resiliente e, sim, imortal (RICE, 2015, p. 134). 207 [...] E o tempo todo estava aprendendo mais sobre meus assassinos – os traficantes de drogas, os cafetões, os criminosos que se juntavam às gangues de motoqueiros. E, mais do que nunca, eu estava decidido a não beber sangue inocente (RICE, 1999, p. 16). 208 - O ato de matar não é um ato comum – disse o vampiro. – A gente não se satisfaz simplesmente com o sangue do outro.[...] – Certamente, trata-se do fato de experimentar uma outra vida e, às vezes, de experimentar a perda desta vida através do sangue, lentamente. É a contínua repetição das sensações que tive ao perder minha própria vida,

126

Os vampiros de Anne Rice são considerados heróis por outros vampiros: “‘For

all we know, Armand and Louis and Lestat are all in this together,’ […] ‘Maybe they’re

all doing it, the big heroes of the Vampire Chronicles [….]’”209 (RICE, 2014, p. 130).

Nesse trecho, não apenas Louis e Lestat são colocados como heróis, mas também o

vampiro Armand, que liderava um grupo de vampiros em Paris apresentado no

primeiro volume, conforme mencionado anteriormente.

Vimos, mais detalhadamente no subtítulo 3.3, que Lestat é colocado como

herói e mais tarde é empossado príncipe do clã dos vampiros, embora Louis seja o

mais reflexivo sobre sua condição vampírica: “[…] Lestat might be the hero of the

Vampire Chronicles, but this one, Louis, was the tragic heart […]”210 (RICE, 2014, p.

285).

Armand, de certa forma, mede forças com Lestat, porque ele também era um

líder, mas é Lestat o escolhido por vários vampiros como um líder nato: ‘‘[...] Lestat is

the logical one to be the anointed leader.’ - ‘Anointed?’ Armand repeated the word

with a slight raise of this eyebrows. - ‘A figure of speech, Armand,’ said Gregory.

‘Nothing more […]’211 (RICE, 2014, p. 284).

Não apenas Lestat tem qualidades nobres, mas outros vampiros também têm

boa índole: “[...] ‘There is not a single one of us, no matter how old, that does not

have a moral heart, an educated heart, a heart that learned to love while human, and

a heart that should have learned ever more deeply to love as preternatural’”212

(RICE, 2014, p. 284).

[...] É a contínua celebração desta experiência, pois, para os vampiros, esta é a suprema experiência (RICE, 1992, p. 35). 209 – Até onde sabemos.. Armand, Louis e Lestat estão todos juntos nisso. [...] Talvez eles todos estejam fazendo isso, os grandes heróis das Crônicas Vampirescas [...] (RICE, 2015, p. 144 – grifo nosso). 210 [...] Lestat podia ser o herói das Crônicas Vampirescas, mas aquele ali, aquele tal Louis, era o coração trágico da saga [...] (RICE, 2015, p. 316 – grifo nosso). 211 [...] Lestat é a escolha lógica para ser ungido como líder. – Ungido? – Armand repetiu a palavra com um ligeiro erguer de sobrancelhas. - Uma figura de linguagem, Armand, disse Gregory. Nada além disso [...] (RICE, 2014. p. 284 – tradução nossa). 212 [...] Não existe um único de nós, independentemente do quão velho sejamos, que não tenha um coração moral, um coração instruído, que aprendeu a amar enquanto humano e que deveria ter aprendido muito mais profundamente a amar como sobrenatural (RICE, 2015, p. 315).

127

Segundo Nina Auerbach: “As in Rice’s Chronicles, vampirism […] is a select

club, […]”213 (1995, p. 185 – grifo no original). À princípio, esses vampiros buscavam

a nata da sociedade humana para ser transformada.

No one in the courts of the old Queen would have dared to give the Blood to one marked with deformity. Not even to the ugly or the badly proportioned was the Blood given. Indeed every human offered to the remorseless appetite of the spirit of Amel had been a lamb without blemish and indeed with beauty and gifts of strength and talent that his marker must witness and approve214 (RICE, 2014, p. 148).

Temos vários vampiros que comprovam, tanto pela beleza, quanto pela

inteligência, esse elitismo no mundo vampírico; um deles é o vampiro Louis: “How

handsome Louis looked, with his ivory-colored skin and deep green eyes, this

somewhat humble and self-effacing being who had given birth to the books of the

Coven of the Articulate […]”215 (RICE, 2014, p. 285).

Outro vampiro tido como bonito é Davis: “[...] a beautiful black vampire […]”216

(RICE, 2014, p. 127). O único que era portador de deficiência física, enquanto

mortal, era Flavius. É descrito como sendo extremamente inteligente e atraente, era

músico, poeta e filósofo. Ao receber o sangue puro da Rainha Akasha sua

deficiência some por completo.

What a marvel Flavius had been [...] crippled in his mortal years […] a meditative and well-spoken Athenian reciting the tales of Homer by memory as he played his lute, a poet and a philosopher who’d understood law courts and judgments, and who had memorized whole histories of peoples of the Earth he’d never known or seen. […]217 (RICE, 2014, p. 148 – 149).

213 Como nas Crônicas de Rice, vampirismo [...] é um seleto clube [...] (AUERBACH, 1995, p. 185 – grifo no original e tradução nossa). 214 Ninguém nas cortes da velha Rainha teria ousado dar o Sangue a alguém marcado pela deformidade. Nem mesmo aos feios e àqueles que apresentavam corpos desproporcionais era dado o Sangue. Na verdade, todo humano oferecido ao apetite desprovido de remorso do espírito de Amel era um cordeiro sem máculas e de fato provido de beleza e dádivas, de força e talento que seu criador deveria testemunhar e aprovar (RICE, 2015, p. 164). 215 Como era bonito Louis, com sua pele cor de marfim e profundos olhos verdes, aquele ser até certo ponto humilde e modesto que dera à luz os livros da Irmandade dos Articulados [...] (RICE, 2015, p. 316). 216 [...] um lindo vampiro negro [...] (RICE, 2015, p. 141). 217 Que espetáculo era Flavius. [...] aleijado [sic] em seus anos mortais [...] um meditativo e bem-educado ateniense que recitava as histórias de Homero de memória enquanto tocava alaúde, um poeta e filósofo que entendia de tribunais e julgamentos e que memorizara

128

E nesse sentido, temos um ponto de contato com a obra Anno Dracula (1992)

de Kim Newman, quando nobres são transformados em vampiros conscientemente.

O trecho a seguir, mostra Arthur Holmwood, também conhecido como Lord

Godalming, uma das personagens da obra Dracula (1897) de Bram Stoker, que

participou da cruzada contra o Conde, mas que nessa obra é transformado em

vampiro.

- Precisamos de mais gente como você – disse o vampiro. – Você deve se transformar logo. As coisas estão ficando emocionantes. Já tinham conversado sobre isso. Beauregard hesitou. - E Penny também – Godalming insistiu. – Ela é linda. Não podemos permitir que essa beleza acabe. Seria um crime. - Vamos pensar no assunto. - Não pensem muito. Os anos passam depressa (NEWMAN, 2009, p. 32).

Observa-se que não apenas Charles deveria ser transformado, mas também

sua noiva Penélope (Penny). A condição para a transformação é a beleza e a classe

social, criando assim “[...] uma nova ordem de seres cujo caminho deve passar pela

Morte, não pela Vida” (NEWMAN, 2009, p. 12), conforme atesta a personagem Dr.

Abraham Van Helsing.

Charles justifica a demora na transformação, dizendo que sua noiva quer

constituir uma família.

- Penélope quer uma família. Beauregard sabia que os vampiros não podiam procriar de maneira convencional. - Filhos? – disse Godalming, fixando o olhar em Beaurgard. – Se você pode viver para sempre, filhos são certamente requisitos desnecessários (NEWMAN, 2009, p. 32).

Enquanto os vampiros de Newman não podem se reproduzir como os

humanos, o vampiro Lestat, de Rice, conseguiu gerar um filho, através da relação

sexual que teve com uma mulher mortal em uma experiência científica. Conforme já

mencionado, isso permitiu sua humanização.

But just how exactly could these gentlemen make a dead body like mine actually produce seed as if it were living? The answer came swiftly with a series of injections and indeed an intravenous line that would continue throughout the experiment to deliver a powerful elixir of human hormones into my blood, overriding the vampire body’s natural tendency to resist senescence long

histórias completas de povos da Terra que ele jamais conhecera ou vira [...] (RICE, 2015, p. 164).

129

enough for the desire to develop, the sperm to be produced, and then ejaculated218 (RICE, 2014, p. 24).

Mesmo Lestat sendo um vampiro supostamente experiente, ficou

constrangido quando teve que se deitar com uma mulher e ter relações com alguém

completamente desconhecido até então. “I’d felt strangely awkward afterwards. I was

sitting on the bed beside this blond-haired fair-skinned human female, […] and I felt I

ought to talk to her, ask her how she came to be here, and why she was here”219

(RICE, 2014, p. 25).

O fato de transmitir os seus genes, como se ainda fosse um humano, difere

completamente do vampiro tradicional, que só consegue transformar ou fazer outro

semelhante através da mordida ou da doação de sangue vampírico. Viktor, filho de

Lestat, sabe que seu pai é um vampiro e quer ser transformado junto com seu

grande amor Rose, quando alcançar a maior idade.

I knew what he wanted. I knew what she wanted. This Romeo and Juliet, so bright and filled with human promise, were dreaming of Death, certain that in Death they would be reborn. […] ‘Very well then,’ I said. ‘If you would accept the Dark Blood, so be it. I don’t oppose it. No. I do ask that the one who gives it to you be skilled at the giving. And Marius would be my choice for this, if he is willing, as he knows to do it, passing the blood back and forth over and over, creating the most nearly perfect effects’220 (RICE, 2014, p. 395 - 396).

218 Mas como exatamente aqueles cavalheiros conseguiram fazer um corpo morto como o meu produzir de fato sementes como se estivesse vivo? A resposta veio rapidamente com uma série de injeções e um tubo intravenoso que ao longo do experimento lançaria um poderoso elixir de hormônios humanos em meu sangue, sobrepujando a tendência natural do corpo vampírico de resistir à senescência tempo suficiente para que o desejo se desenvolvesse, o esperma fosse produzido e então ejaculado (RICE, 2015, p. 26). 219 Eu me senti estranhamente constrangido nos minutos que se seguiram. Estava sentado na cama ao lado daquela humana de cabelos loiros e pele clara, [...] e sentia que devia conversar com ela, perguntar como viera parar naquele lugar e por que estava lá (RICE, 2015, p. 27). 220 Eu sabia o que ele queria. E sabia o que ela queria. Aquele Romeu e aquela Julieta [sic], tão luminosos e tão cheios de promessas humanas, estavam sonhando com a Morte, certos de que na Morte renasceriam. - Muito bem, então – disse. – Se estão dispostos a aceitar o Sangue Negro, que assim seja. Não me oponho a isso. Não. Peço apenas que aquele que der a vocês o sangue seja habilidoso ao fazê-lo. E Marius seria a minha escolha para isso, se ele estiver disposto, já que sabe como fazê-lo, passando o sangue para a frente e para trás repetidamente, criando os efeitos mais próximos da perfeição (RICE, 2015, p. 440 - 441).

130

Outro ponto sobre a humanização é o que diz Nina Auerbach: “Belongs to me.

These words define the vampire the twentieth century cannot leave alone […]”221

(1995, p. 71). Os vampiros de Rice têm senso de agrupamento, nenhum deles fica

ou mora sozinho. Eles têm sempre uma companhia, seja do sexo oposto ou do

mesmo sexo, o que para eles não importa. Um exemplo disso é o relacionamento

entre Louis e Armand.

[…] It was an icon for me of love. The love I felt. Not physical love, you must understand. I don’t speak of that at all, though Armand was beautiful and simple, and no intimacy with him would ever had been repellent. For vampires, physical love culminates and is satisfied in one thing, the kill. I speak of another kind of love with drew me to him completely as the teacher which Lestat had never been […]222 (RICE, 2009, p. 252).

A relação dos dois é homoafetiva, num misto de amizade e companheirismo:

‘Not very long after that I told Armand I’d seen Lestat. Perhaps it was a month. […]

Time meant little to me then, [...] But it meant a great deal to Armand. He was

amazed that I hadn’t mentioned this before”223 (RICE, 2009, p. 330).

Embora a sexualidade exacerbada seja parte inerente da figura do vampiro,

aqui temos as relações homoafetivas presentes também nos relacionamentos de

outros vampiros ao longo de toda saga, trazendo uma certa tolerância sexual, ou

seja, o amor acima de todos. Isso é algo inusitado, porque quando pensamos em

vampiros, relacionamos à destruição, à violência, à sangue derramado e não a

momentos de ternura entre os seres: “[…] o mito moderno do vampiro desemboca

numa reflexão sobre a vida, a morte, o amor, três pólos [sic] essenciais de nossa

humanidade [...]” (LECOUTEUX, 2005, p. 177).

221 Pertence a mim. Essas palavras definem o vampire que o século XX, que não pode ficar sozinho […] (AUERBACH, 1995, p. 71 – tradução nossa). 222 […] Para mim, era um ícone do amor. O amor que sentia. Não um amor físico, compreenda. Não me refiro de forma alguma a isto, apesar de Armand ser belo e simples, e qualquer intimidade com ele jamais seria repelente. Para os vampiros, o amor físico culmina e se satisfaz em uma coisa: a morte. Falo de outro tipo de amor, que me atraía inteiramente para ele como o professor que Lestat nunca fora [...] (RICE, 1992, p. 252). 223 - Não demorei muito para dizer a Armand que tinha visto Lestat. Um mês, talvez, [...] Na época o tempo significava pouco para mim, [...] Mas significava muito para Armand. Ele ficou espantado por eu não ter contado antes (RICE, 2009, p. 330 - tradução nossa).

131

Lestat consegue demonstrar amor, não apenas por mulheres, como pela mãe

Gabrielle e pela bruxa Rowan Mayfar; mas também por homens, como Nicolas,

Antoine e Louis; além do senso maternal que tinha com Claudia, a menina vampira.

No universo ficcional de Anne Rice, surgido nos tempos da revolução sexual, os vampiros e vampiras ganham nuances e ares de requintada densidade psicológica e da maldição de terem que viver como são através dos séculos – provando que o amor verdadeiro é sobrenatural. [...] O príncipe Lestat era [sic] o que a própria Anne Rice nomeou como seu superego, tudo aquilo que almejava poder vir a ser e, assim, tornou-se protagonista de inúmeras peripécias transmidiáticas [...] (LORD A, 2015, p. 10).

Ele continua demonstrando amor pelos humanos nas obras subsequentes,

não apenas pelo seu filho Viktor, mas também por Rose, que foi adotada por ele

quando pequena, conforme já mencionado. Esse amor entre pai e filho é uma

característica tipicamente humana.

I kissed him over and over. I couldn’t help it. This was such fragrant and flawless human skin, this, and these eyes that looked into mine hadn’t a particle of evil in them, and no conception of me or us as evil, and much as I couldn’t understand this, I warmed to it almost to the point of tears224 (RICE, 2014, p. 388).

A tolerância e a liberdade sexual são outros pontos de destaque nos vampiros

do século XX e XXI, eles se amam e continuam reflexivos sobre seu papel na

sociedade. Segundo Rodrigues,

[...] É também no romance de Anne Rice que os vampiros são atraídos por pessoas do mesmo sexo; com o advento da Aids e, cada vez mais, o peso dos movimentos pela liberdade sexual, o livro retratou um tipo de vampiro específico de um tempo em que o moderno regulamentou de forma eficiente as posturas sociais, e ser diferente é possível desde que se respeitem as normas (2012, p. 106 - 107).

Devemos levar em conta a mudança na conceituação do medo, conforme

assinalado no capítulo 1, para entendermos a humanização do vampiro, e nesse

sentido podemos pensar nas palavras horror e terror. Nos séculos passados a

224 Eu o beijei seguidamente. Não conseguia evitar. Aquela era uma pele humana tão fragrante e perfeita, aquela pele, e aqueles olhos que fitavam os meus não continham uma partícula sequer de maldade e nenhuma concepção de mim ou de nós como seres malévolos, e, por mais que eu não conseguisse entender aquilo, me reconfortei com a ideia quase ao ponto das lágrimas (RICE, 2015, p. 432).

132

simples menção de um monstro sobrenatural causava medo, horror e repulsa.

Atualmente esses monstros não representam mais isso.

Segundo King (2013), as emoções de medo se dividem em três níveis: “o

terror no topo, o horror abaixo dele, e mais abaixo de tudo, a golfada de repulsa” (p.

42). O terror está ligado à uma emoção individual das pessoas e “[...] É o que a

mente é capaz de imaginar [...]” (p. 38), portanto é algo na ordem do psicológico, da

mente e da imaginação. O horror é concebido como uma “[...] sensação de medo

que é a base do terror [...] invoca uma reação física ao nos mostrar algo que está

fisicamente errado” (p. 38) e pode nos levar ao terceiro nível, o mais extremo que é

o da repulsa.

É interessante o argumento de King usa para justificar o grande número das

histórias de horror.

A resposta pode ser que nós inventamos horrores para nos ajudar a suportar os horrores verdadeiros. [...] O sonho de terror é, na verdade, uma maneira de extravasar um desconforto...[sic] e pode ser que os sonhos de terror [...] possam algumas vezes se tornar um divã de analista de âmbito nacional (KING, 2013, p. 29).

Em algumas obras ficamos refletindo quem é realmente o monstro, a

essência do mal, dentro da história. Ficamos nos perguntando, como na obra de

1975, ‘Salem’s Lot (‘Salem) de Stephen King, se o mal é um vampiro ou um padre

bêbado, covarde e sem fé que, ao invés de enfrentar o vampiro, foge para uma

cidade grande, ou ainda, uma mãe abusiva que maltrata e bate em seu bebê,

deixando-o com diversos hematomas que desaparecerão quando este se

transformar em vampiro, e nesse sentido, a criatura maligna deixa de ser o vampiro,

uma vez que foi ele quem trouxe o alívio e a paz para o bebê.

A vampira Estelle, conforme já mencionado, enquanto esteve no Teatro dos

Vampiros em Paris, refletiu sobre a maldade humana numa conversa com Louis e

Claudia. “[...] vampires had not made such horrors themselves […] confirming over

and over that men were capable of far greater evil than vampires”225 (RICE, 2009, p.

241).

Outro tipo de vampiro que aparece no século XX são aqueles que roubam

nossa energia psíquica, também conhecidos como “vampiros de energia”. “[...]

225 […] os vampiros não faziam aqueles horrores sozinhos [...] confirmando sempre que os homens eram capazes de males muito maiores que os vampiros (RICE, 1992, p. 242).

133

Alguns vampiros se alimentam sem beber sangue, absorvendo a energia dos outros

por meio de osmose psíquica” (NEWMAN, 2009, p. 33).

Esse tipo de vampiro está espalhado em nosso mundo e por vezes, ao nosso

redor. Não é necessariamente uma criatura sobrenatural, mas de certa forma,

podemos dizer que são pessoas extremamente ambiciosas e dispostas a qualquer

coisa para alcançar seus objetivos.

[…] all twentieth-century vampires suck identity from the psychic vampires who infiltrate the eroticism, the ambition, and the power determinants of ordinary life. […] Psychic vampires can be anybody one knows: their defining characteristics is familiarity […]226 (AUERBACH, 1995, p. 101 - 102).

Esses vampiros estão espalhados em nosso cotidiano e relacionados com

nossa vida social. “[…] for killing psychic vampires means killing social life itself

[…]”227 (AUERBACH, 1995, p. 106). Esses vampiros de energia são o reflexo de

nossa sociedade consumista.

Se analisarmos o título da obra de Nina Auerbach, Our vampires, ourselves228

(1995), veremos que nós mesmos nos identificamos com os vampiros. E a reflexão

que podemos fazer é: o humano é um ser vampiresco, na mesma medida que o

vampiro é humanizado.

Somos, por assim dizer, o reflexo desse vampiro social, o seu duplo. E talvez

aí esteja a fascinação e o encantamento que o vampiro causa em seus leitores até

hoje, uma vez que eles se identificam com essas personagens vampirescas,

querendo ter, de certa maneira, os mesmos poderes que os vampiros.

Os de Rice têm poderes especiais que são revelados na transformação. “[...]

superhuman abilities of telepathy, telekinesis, pyrokinesis, and levitation, along with

226 [...] todos os vampiros do século XX sugam as identidades dos vampiros psíquicos que se infiltram no erotismo, na ambição e no poder determinante da vida comum. [...] Vampiros psíquicos podem ser quaisquer pessoas conhecidas: suas características definidoras são familiares [...] (AUERBACH, 1995, p. 101 - 102 – tradução nossa). 227 […] for killing psychic vampires means killing social life itself […] (AUERBACH, 1995, p. 106 – tradução nossa). 228 Nossos vampiros, nós mesmos (tradução nossa).

134

superior strength, speed, senses, and healing, plus immortality”229 (BECKET, 2018,

p. 103).

Mesmo com esses poderes, eles sabem se portar no mundo moderno

buscando se misturar entre os humanos, como é o caso de Gregory, o vampiro

empresário que construiu um conglomerado de farmácias e hospitais sob o nome de

Collingsworth Pharmaceuticals (BECKET, 2018, p. 172) e, secretamente, trabalha

nas pesquisas encabeçadas pelos vampiros Fareed e Seth, cujo objetivo principal é

o de beneficiar a existência dos vampiros.

In his English bespoke gray suit and brown shoes, and with his darkly tanned skin, Gregory looked very much like the corporate executive that had been for decades. Indeed his pharmaceutical empire was one of the most successful in the international market place right now, and he was one of those immortal who had always been highly capable at managing wealth ‘in the real world’230 (RICE, 2014, p. 143).

Um fato curioso é que este vampiro trabalha no ramo farmacêutico, numa

indústria que supostamente ajuda a afastar a morte, mas por outro lado tem um

morto-vivo no comando. Ele realmente quer se passar por um humano tanto que

chega a sofrer queimaduras para se manter bronzeado.

[...] exposing his six-thousand-year-old body to the burning rays of the sun. When he woke each night, of course, he knew a slight discomfort from his exposure, but as a result of this process, his skin remained darkly tanned, helping him to pass for human, never to become the living white-marble statue […] that would so frighten human beings231 (RICE, 2014, p. 174).

229 “[...] habilidades sobre-humanas de telepatia, telecinesia, pirocinese e levitação, juntamente com força, velocidade, sentidos, e cura, além da imortalidade (BECKET, 2018, p. 103 – tradução nossa). 230 Em seu terno inglês cinza feito sob medida, sapatos marrons e a pele bem bronzeada, Gregory parecia-se muito com o executivo que ele fora por décadas. De fato, seu império farmacêutico era atualmente um dos mais bem-sucedidos no mercado internacional, e ele era um desses imortais que sempre haviam sido altamente capazes de gerenciar riqueza ‘no mundo real’ (RICE, 2015, p. 158). 231 [...] expondo seu corpo de seis mil anos de idade aos ardentes raios do sol. A cada noite, quando ele acordava, evidentemente, experimentava um ligeiro desconforto devido à exposição, porém, em consequência desse processo, sua pele permanecia bronzeada, o que o ajudava a se passar por humano, sem jamais se tornar a estátua viva de mármore branco [...] que tanto assustava os seres humanos (RICE, 2015, p. 192).

135

Ele é um dos poucos vampiros com sobrenome, Gregory Duff Collingsworth, e

se pesquisarmos os sobrenomes, descobriremos que Duff pode ser traduzido

informalmente como ‘pó de carvão’, fazendo uma alusão ao fato de que não quer ter

a cor característica do vampiro, branco mármore, pelo contrário quer estar

bronzeado. Já Collingsworth pode ser dividido em Collings que significa ‘abraço’ ou

‘aceitação’ e Worth ‘que tem valor’. Portanto, podemos entender que esse vampiro é

um ser importante para a tribo, mas não quer ter as características vampíricas, e sim

as humanas.

[...] the pinnacle of his work comes in the twenty-first century, when he builds Collingsworth Pharmaceuticals, a conglomerate of pharmacies and hospitals that help mortals and secretly serve Undead clients. Through Collingsworth Pharmaceuticals, Gregory begins working with the vampire scientists Fareed and Seth, Akasha’s son, whose breakthrough research makes many advances for the benefit of vampires […]232 (BECKET, 2018, p. 172).

Ele, supostamente, quer ter uma vida usual, tanto que faz atividades comuns

de humanos, como ler antes de dormir. “As he lay down on his soft bed, […] he

picked up the book he’d been studying, Glass: A World History by Alan Macfarlane

and Gerry Martin, and read for a few precious minutes from this engrossing text”233

(RICE, 2014, p. 174 – grifo da autora). O vampiro faz a leitura “[...] sobre a influência

do advento do vidro na história mundial” (RICE, 2015, p. 192) conforme

acrescentado na versão em língua portuguesa.

Sendo assim, os vampiros de Rice continuam com sua parcela humana na

medida em que passam pelos séculos, sem perder sua essência: “[...] Maharet [...]

‘She’s human still,’ David said soflty. He stroke Jesse’s arm. He kissed her hair.

‘We’re all human no matter how long we go on’”234 (RICE, 2014, p. 211).

232 [...] o auge de seu trabalho ocorre no século XXI, quando ele constrói a Collingsworth Pharmaceuticals, um conglomerado de farmácias e hospitais que ajudam mortais e secretamente atendem clientes mortos-vivos. Através da Collingsworth Pharmaceuticals, Gregory começa a trabalhar com os cientistas vampiros Fareed e Seth, filho de Akasha, cuja pesquisa inovadora faz muitos avanços em benefício dos vampiros [...] (BECKET, 2018, p. 172 – grifo e tradução nossa). 233 Ao se deitar em sua cama macia, [...] ele pegou o livro que estava estudando, Glass: A World History de Alan Macfarlane e Gerry Martin, e leu por alguns minutos preciosos esse texto cativante (RICE, 2014, p. 174 – grifo da autora e tradução nossa). 234 [...] Maharet [...] – Ela ainda é humana – disse David suavemente. Ele acariciou o braço de Jesse e beijou os cabelos dela. – Nós todos somos humanos independentemente de quantos anos estejamos assim (RICE, 2015, p. 234).

136

Como já mencionado, os vampiros acompanham as mudanças que estão

ocorrendo no mundo, usam a tecnologia para melhorar suas existências: “[...] And

the world itself has changed so dramatically in the last thirty years, Jesse. What with

computers now it is entirely possible to unite and strengthen the Great Family in a

way that simply wasn’t possible before’”235 (RICE, 2014, p. 39).

Eles viajam, usam computadores, telefones e todo o aparato tecnológico

disponível em nosso mundo. Maharet a vampira anciã, além de viajar ao redor do

mundo, ainda usa o mundo tecnológico em seu favor.

[...] she went off to Switzerland [...] She called me often while she was there.’ – ‘By phone?’ ‘She’s never been a stranger to phones, computers, mobiles, whatever,’ […] She’s always functioned well in the world’236 (RICE, 2014, p. 52 - 53).

Embora os vampiros sejam criaturas mortas-vivas, eles se passam por

humanos na medida em que se camuflam em nosso mundo.

[…] I’d been uneasy, as if dealing with something that looked human but was in no way human anymore. Now, all blood drinkers truly are human; they never cease being human. They may talk of being more or less human, but they are human, with human thoughts, desires, human speech […]237 (RICE, 2014, p. 41).

Além de estarem entre os humanos, conseguem também ter características

físicas, emocionais e psicológicas. Eles sofrem, têm alegrias, medos, tristezas, e são

em sua grande maioria, inofensivos aos humanos, o que difere muito do vampiro

literário do passado, que via o humano apenas como uma presa, algo essencial para

a sua subsistência.

235 [...] E o mundo em si mudou de modo tão dramático nos últimos trinta anos, Jesse. Agora com os computadores é totalmente possível unir e fortalecer a Grande Família de uma maneira que não era possível antes (RICE, 2015, p. 42). 236 [...] foi à Suíça [...] Ela me ligava com frequência enquanto estava lá. – Vocês conversaram por telefone? – Ela nunca foi avessa a telefones, computadores, celulares, seja lá o que for nesse sentido. [...] Maharet sempre funcionou bem no mundo (RICE, 2015, p. 58). 237 […] eu ficara inquieto, como se estivesse lidando com algo que parecia humano, porém não era mais humano em hipótese alguma. Agora, todos os bebedores de sangue verdadeiramente são humanos. Eles nunca deixam de ser humanos. Podem falar em ser mais ou menos humanos, mas eles são humanos, com pensamentos humanos, com desejos humanos e discursos humanos [...] (RICE, 2015, p. 45).

137

[...] incerteza, insegurança e falta de garantias, cada um gerando ansiedade ainda mais aguda e penosa pela dúvida quanto à sua proveniência, [...] a pressão acumulada busca desesperadamente uma saída, [...] toda a pressão se desloca, para cair afinal sobre a finíssima e instável válvula de segurança corporal, doméstica e ambiental (BAUMAN, 2001, p. 226).

A evolução dos vampiros ocorreu na mesma medida em que houve o

desenvolvimento da humanidade. Se os vampiros são o reflexo dos humanos, os

temas abordados pelos humanos também se aplicarão aos vampiros. Os medos e

angústias dos vampiros serão os nossos, e apropriando-se do título de Nina

Auerbach: Nossos vampiros, somos nós mesmos.

3.5. A CONTEMPORANEIDADE E OS VAMPIROS DE RICE

Observamos a imensa diversidade ao nos referirmos às personagens de Rice,

mas a questão da imortalidade está presente e permeia todas as obras das

Crônicas, seja de forma direta como vampiros imortalizados ou de forma indireta

como desejo dos humanos de se imortalizarem de alguma maneira.

Imortalidade e vampirismo andam juntos, mas para que o vampiro chegue à

imortalidade, é preciso que morra como um humano para ressurgir como um ser

vampírico e isso exige uma transformação.

Muitas transformações são conscientes, conforme vimos em algumas obras e

no decorrer das Crônicas, como é o caso do vampiro Armand que anteriormente era

chamado de Amadeo, implorou para que Marius o transformasse. E isso só

acontece depois que foi ferido mortalmente em um duelo; diante da iminente morte,

o vampiro Marius acaba cedendo e o transforma.

O próprio Daniel Malloy no final do primeiro volume Interview with the Vampire

(1976) pede para ser transformado. Há ainda muitos outros como Rose e Victor, que

são os vampiros conscientes em busca de uma existência supostamente eterna.

[...] o conhecimento da mortalidade significa, ao mesmo tempo, o conhecimento da possibilidade de imortalidade. [...] não se pode estar ciente da mortalidade sem encarar a inevitabilidade da morte como uma afronta e uma indignidade, [....] Estar ciente da mortalidade significa imaginar a imortalidade, sonhar com a imortalidade, trabalhar com vistas à imortalidade [...] (BAUMAN, 1998, p. 191 – grifo do autor).

138

É interessante pensar no que chamamos de “tédio vampírico”. O fato de se ter

uma existência infinita pela frente é fonte de angústia para alguns vampiros que não

conseguem se adaptar ao mundo e acabam sobrevivendo sem alegrias, apenas

preenchendo seus dias com uma eternidade tediosa.

A relação entre reflexão e angústia pode ser vista, se citarmos algumas obras

fílmicas, como os vampiros do filme de 2013, Only Lovers Left Alive (Amantes

Eternos) do diretor Jim Jarmusch. Com nomes sugestivos, Adam e Eve, o casal

vampírico transita entre depressão, cansaço e tédio, por conta dos rumos da

sociedade e de seu romance secular.

Outros seres entediados são os vampiros Conde Gerza von Közsnöm e sua

esposa, personagens do filme Therapie für eine Vampir (2014) do diretor David

Rühm. O conde vai buscar ajuda para seus sofrimentos e acaba deitado no divã do

grande psicanalista Sigmund Freud, relatando suas angústias: estar casado com a

mesma mulher por séculos, buscar por um amor perdido no passado e pensar em

quem realmente é. Por sua vez, a crise de sua esposa vampira se dá pelo fato de

que, sendo extremamente vaidosa, não consegue ver seu reflexo no espelho.

Há ainda os vampiros do pseudodocumentário de 2014, What we do in the

Shadows (O que Fazemos nas Sombras), com direção de Jemaine Clement e Taika

Waititi. Conforme mencionado anteriormente, quatro vampiros vivem em uma

mesma casa no subúrbio da cidade de Wellington, Nova Zelândia e serão

observados e filmados por uma equipe que documentará a rotina para o

pseudodocumentário. No “reality show”, os vampiros precisam organizar o ambiente

em que vivem, cuidando de todos os detalhes do cotidiano: lavar louças, limpar a

casa, e até passear.

Os quatro vampiros, diferem entre si, mas trazem de certo modo alguns

traços da imagem sedimentada dos vampiros ao longo dos tempos, assim como

alguns traços de humanização.

Por exemplo, Viago, um bem-apessoado dândi de 379 anos, é o vampiro

sensível, ordeiro, que em alguns momentos demonstra medo e preocupações,

chegando a ser, por vezes, sentimental e passional em seus atos.

Deacon é o vampiro mais jovem e é descrito como o rebelde, com apenas

183 anos. Em determinado momento, comentará sobre o seu envolvimento com os

nazistas na 2ª Guerra Mundial, quando Hitler queria construir um exército vampírico

para conquistar e governar o mundo.

139

Vladislav, uma cópia da figura histórica de Vlad Tepes com 862 anos, é a

representação do vampiro sedutor, másculo, impetuoso e guerreiro como o

governante romeno Vlad Tepes.

Petyr, uma cópia da personagem homônima do filme Nosferatu do diretor F.

W. Murnau de 1922, o mais velho da casa com 8.000 anos e o mais rústico deles. O

único que não apresenta uma aparência humana, cujos dentes incisivos centrais

superiores avantajados remete-nos à figura do rato. É tido como o vampiro

irracional, preocupado apenas em alimentar-se de sangue, e ao fazer isso consegue

transformar outros em vampiro, porém sem nenhuma consciência de seus atos.

O pseudodocumentário é feito para registrar os acontecimentos que

antecedem o evento chamado Baile de Máscaras Profano (The Unholy

Masquerade), que acontecerá em uma sociedade secreta na Nova Zelândia. Mas

também, expõe a existência dos vampiros através dos séculos, como mostram as

fotos tiradas em épocas diferentes, que atestam como os vampiros se adaptaram ao

longo dos anos na sociedade em transformação.

Entretanto, há ainda vampiros que não conseguem se adaptar e acabam

ficando tão desiludidos com a própria existência que por fim suicidam-se de diversas

formas. Esse comportamento é observado em algumas obras, tanto antigas quanto

atuais.

O primeiro exemplo que podemos pensar é na obra de 1847, Varney, the

vampire; or, the feast of Blood (Varney, o vampiro; ou o Banquete de Sangue) de

James Malcolm Rymer. Apresenta-nos o vampiro Varney, que entediado com sua

existência, se joga no vulcão Vesúvio.

No segundo volume das Crônicas Vampirescas, The Vampire Lestat, 1985 (O

Vampiro Lestat), temos o vampiro Magnus, conforme já relatado, transformou Lestat

e o escolheu como herdeiro de sua fortuna. Embora não tenha passado nenhum

conhecimento vampírico, deixou instruções específicas para suas exéquias e logo

em seguida, suicidou-se ao se jogar no fogo.

Outro exemplo de suicídio vampírico é o da série de televisão Drácula (2020),

produzida pela BBC One e Netflix, criada por Mark Gatiss e Steven Moffat. Como já

mencionado, no terceiro episódio da primeira temporada, intitulado “The Dark

Compass” (“Bússola Sombria), dirigido por Paul McGuigan, Drácula chega ao século

XXI. Esse vampiro é humanizado na medida em que reflete sobre sua existência

solitária e descobre que não é, ou melhor, nunca foi afetado pelos símbolos

140

religiosos, pelo Sol ou por vários outros elementos que fazem parte das superstições

e proteções contra vampiros. A partir dessas descobertas, fica tão desiludido que se

suicida, ingerindo conscientemente sangue envenenado por células cancerosas.

No que diz respeito aos símbolos religiosos, os vampiros de Rice já haviam

assinalado, em Interview with the Vampire, 1976 (Entrevista com o Vampiro), que

não eram afetados por eles, conforme explica o vampiro Louis:

‘[...] You refer to our being afraid of crosses?’ ‘Unable to look on them, I thought,’ said the boy. ‘Nonsense, my friend, sheer nonsense. I can look on anything I like, And I rather like looking on crucifixes in particular.’ ‘And what about the rumor about keyholes? That you can … become steam and go through them.’ ‘I wish I could,’ laughed the vampire. ‘How positively delightful. I should like to pass through all manner of different keyholes and feel the tickle of their peculiar shapes. No.’ He shook his head. ‘That is, how would you say today … bull-shit [sic]?’ […] ‘The story about stakes through the heart,’ said the boy, his cheeks coloring slightly. ‘The same,’ said the vampire. ‘Bull-shit [sic],’ he said, carefully articulating both syllables, so that the boy smiled. ‘No magical power whatsoever […]238 (RICE, 2009, p. 23 - 24).

No que diz respeito ao Sol, diferente do Conde Drácula da série televisiva, os

vampiros de Rice são afetados e não podem expor-se a ele, conforme Lestat explica

para Louis: “[...] it’s almost dawn. I should let you die. You will die, you know. The

sun will destroy the blood I’ve given you, [...] ‘Now, I’m getting into the coffin’ [...]”239

(RICE, 2009, p. 25).

238 [...] – Refere-se a termos medo de cruzes? — De serem incapazes de olhar para elas, pensei – disse o rapaz. — Absurdo, meu amigo, puro absurdo. Posso olhar o que quiser. E gosto bastante de olhar para crucifixos, em particular. – E a história dos buracos de fechadura? De que podem… Virar vapor e passar por eles. – Gostaria de poder – riu o vampiro. – Verdadeiramente encantador. Gostaria de passar por todos os tipos de fechaduras e sentir o prazer de suas várias formas. Não. Balançou a cabeça. – Isto é, como dizem hoje... Idiotice. [...] – As histórias sobre as estacas enfiadas no coração – disse o rapaz, corando ligeiramente. – A mesma coisa – disse o vampiro. – Burrice. Ao falar, articulou bem as sílabasm fazendo o menino sorrir. – Não há nenhum poder mágico [...] (RICE, 1992, p. 29) 239 [...] – Já está quase amanhecendo. Devia tê-lo deixado morrer. Morrerá, sabe. O sol destruirá o sangue que lhe dei [...] – Agora estou entrando no caixão [...] (RICE, 1992, p. 30 - 31).

141

O fato dos vampiros de Rice queimarem no Sol indica uma certa

humanização, uma vez que até os humanos podem se queimar ou até mesmo vir a

falecer por conta da exposição excessiva ao Sol.

Segundo Bauman, “[...] Se a morte algum dia fosse derrotada, não haveria

mais sentido em todas aquelas coisas que eles laboriosamente juntam, a fim de

injetar algum propósito em sua vida absurdamente breve [...]” (BAUMAN, 1998, p.

191). Talvez isso explique as riquezas acumuladas entre os vampiros. Para os

vampiros de Rice a aquisição das riquezas é feita de maneira natural através de

investimentos sólidos e bem-sucedidos.

[...] Rice’s novels the possession of wealth is more natural, or rather naturalized; whereas the initial accumulation comes from the plunder of human victims, over time the money is thoroughly laundered by institutions and intermediaries that direct it into the antiseptic ‘coded accounts’ […] lawyer who will help him administer his ‘inheritance’ and transform illegitimate gains into legitimate wealth240 (GRADY, 1996, p. 227).

Os vampiros de Rice são, em sua grande maioria, seres acumuladores não

apenas de riquezas, mas também de conhecimento e cultura, como assinala Frank

Grady (1996), seus vampiros têm “[...] a sense of mission, as if to be a vampire is to

be a curator of culture”241 (p. 228). Há vários exemplos de vampiros aculturados ao

longo das narrativas: Maharet, Armand, o pianista Antoine e Marius, tido como um

dos vampiros mais refinados da história. “[…] Rice’s vampires are the immortal

custodians of Western culture, that realms of aesthetic endeavor […] Her vampires

are, ultimately, humanists”242 (GRADY, 1996, p. 226). Fazendo com que o estilo de

vida vampírico seja cobiçado pelos humanos.

240 [...] a posse de riqueza nos romances de Rice é mais natural, ou melhor, naturalizada; considerando que a acumulação inicial vem da pilhagem de vítimas humanas, com o tempo o dinheiro é completamente lavado por instituições e intermediários que o direcionam para as "contas codificadas" antissépticas [...] o advogado que o ajudará a administrar sua "herança" e transformar ganhos ilegítimos em riqueza legítima (GRADY, 1996, p. 227 – tradução nossa). 241 “[...] um senso de missão, como se ser um vampiro fosse ser um curador da cultura” (GRADY, 1996, p. 228 – tradução nossa). 242 [...] Os vampiros de Rice são os guardiões imortais da cultura ocidental, daqueles reinos do esforço estético [...] Seus vampiros são, em última análise, humanistas (GRADY, 1996, p. 226 – tradução nossa).

142

De acordo com Frank Grady (1996): “[…] Rice’s immortals is defined by the

commodification not only of art, but also of benevolence”243 (p. 236), e sendo assim

podemos dizer que são vampiros que não farão mal à humanidade, pois querem

apenas se perpetuar ao longo dos séculos.

Outra questão importante a ser levantada é o fato de que os vampiros

decidem se fortalecer como um grupo mundial, sugerindo assim um senso de

pertencimento, por isso a necessidade de Lestat ser coroado príncipe regente.

Bauman (1998) esclarece que “os seres [...] individuais são mortais, mas não

aquelas totalidades humanas de que eles fazem parte – a que ‘pertencem’. A Igreja,

a Nação, o Partido, a Causa [...]” (p. 192). De certa forma, os vampiros estarão

seguros e imortalizados enquanto forem pertencentes ao grupo e estiverem unidos

em uma tribo mundial.

Os vampiros contemporâneos se socializam, e de certa forma se humanizam,

na medida em que expressam sentimentos humanos.

[...] the modern vampire [...] desires companionship […] desire intimacy […] process of socialization humanizes vampires further as they become motivated not only by hunger or the desire for power, but also by such feelings as jealousy or fear244 (PUNTER; BYRON, 2004, p. 271).

Os vampiros contemporâneos deixaram seu lado sombrio para serem

também vampiros do “bem” que varrem os bandidos da humanidade. Entretanto,

assumem o papel ora de benfeitores, ora de malfeitores num jogo intermitente,

sugerindo que eles nem sempre são os monstros e que em algumas ocasiões

podem ser as vítimas. Segundo Punter e Byron, “[…] the demonization of the

vampire gives way to the modern humanization of the vampire […]”245 (2004, p. 271).

As mudanças acontecem na sociedade e consequentemente no mundo das

artes, subvertendo as convenções sociais. Bauman (1998, p. 159) explica que a

243 [...] Os imortais de Rice são definidos pela mercantilização não apenas da arte, mas também da benevolência (GRADY, 1996, p. 236 – tradução nossa). 244[...] o vampiro moderno [...] deseja companhia [...] deseja intimidade [...] o processo de socialização humaniza ainda mais os vampiros, à medida que se tornam motivados não apenas pela fome ou pelo desejo de poder, mas também por sentimentos como ciúmes ou medo (PUNTER; BYRON, 2004, p. 271 – tradução nossa). 245 [...] a demonização do vampiro dá lugar à humanização moderna do vampiro [...] (PUNTER; BYRON, 2004, p. 271 – tradução nossa).

143

verdade e a certeza absoluta foram renegadas da realidade e de certa forma,

atualmente só encontram espaço dentro da arte.

Tal como antes, é destino das artes opor-se à realidade e, por meio dessa oposição, compensar a vida do que lhe foi despojado pela realidade e, assim, indiretamente, tornar a realidade suportável, protegendo-a contra as conseqüências [sic] de sua cegueira auto-inflingida [sic]. Mas agora o significado da oposição mudou, as frentes de batalha foram retraçadas. Resta agora, à obra de ficção, desvendar essa variedade particularmente pós-moderna de ocultamento, colocar em exibição o que a realidade tenta socialmente, e com afinco, esconder [...] (BAUMAN, 1998, p. 158).

Os vampiros de Rice estão ligados à essa contemporaneidade e aos

costumes de cada época. Segundo Grady,

[…] Rice’s, whose vampires are romantic, aristocratic, elegant, and erudite aesthetes, predators who are always erotic and occasionally ethical (Lestat and some of his companions ocassionally boast of feeding only on murderers), and in many ways deeply fascinated with humanity, despite being forever excluded from it.246 (1996, p. 226).

Rice revela em suas tramas ficcionais não só suas vivências, mas também

problemas relacionados às grandes mudanças da década de 1970, à sexualidade,

aos impositivos do patriarcalismo e à outros conceitos ou situações discriminatórias,

principalmente para as mulheres, que precisavam ser postos em xeque. Tais

problemas estão presentes em suas narrativas por meio de suas personagens

vampíricas, que revelam seus sentimentos, paixões, desejos, qualidades e defeitos

próprios dos seres humanos, mas que também explicitam de forma sutil assuntos

relacionados ao homossexualismo, aos embates entre o bem e o mal, à vaidade e à

ética. Questões que suscitam o interesse dos jovens leitores da contemporaneidade.

246 […] os vampiros de Rice, são românticos, aristocráticos, elegantes e eruditos, predadores que são sempre eróticos e ocasionalmente éticos (Lestat e alguns de seus companheiros ocasionalmente se gabam de se alimentar apenas de assassinos) e, de muitas maneiras profundamente fascinados com a humanidade, apesar de estar sempre excluído dela. (GRADY, 1996, p. 226 – tradução nossa).

144

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Literatura Gótica conseguiu abarcar as histórias de vampiros por séculos,

por se tratar de uma literatura que subverte e desestabiliza as convenções sociais

estabelecidas, conforme vimos no capítulo 1.

No século XVIII, o vampiro estava ligado ao demoníaco, ao sobrenatural e à

bruxaria; no século XIX, o vampiro ainda era visto como uma criatura odiosa e

subversiva, embora diversas histórias tenham estabelecido as convenções e

popularizado essa personagem. Nos séculos XX e XXI, as narrativas retomam a

figura do vampiro já consagrada. Entretanto, a maldição que aparece em algumas

histórias, acaba sendo suavizada, e os vampiros passam a conviver com humanos,

sem fazer mal algum e demonstrando, de certa maneira, uma subversão das

estruturas sociais, seja em relação à androginia, ou às relações homoafetivas ou

ainda na configuração do medo.

O século XXI trouxe novas preocupações. Se antigamente o medo era de

monstros sobrenaturais, na contemporaneidade passa a ser o do indivíduo humano

que pode ferir pessoas aleatoriamente. Talvez seja sábia a reflexão da vampira

Estelle quando afirma que os homens podem ser mais cruéis do que os vampiros

(RICE, 1992, p. 242).

Há também o temor de uma guerra nuclear e consequentemente, da

aniquilação humana. Conforme observado, essas questões refletirão em algumas

obras vampíricas que tratarão o vampirismo como uma doença que ameaça à raça

humana, de acordo com as obras de Guillermo de Toro e Chuck Hogan, The Strain

Trilogy (Trilogia da Escuridão, 2009 – 2011). Desta forma, a relação com o medo

pode ser entendida como um meio para dissimular a própria realidade e daí talvez

entendemos a grande propagação das histórias góticas, fantásticas, de horror e

terror que estão em voga atualmente.

Há inúmeras histórias, conforme vimos no capítulo 2, que trazem diferentes

faces da figura do vampiro. Algumas apresentam-no como um malfeitor, como no

conto “The Vampyre” (“O Vampiro”, 1819) de John William Polidori. Outras como o

aristocrata, como na novela Carmilla (1872) de Joseph Sheridan Le Fanu e no

romance Dracula (1897) de Bram Stoker. Há também os vampiros do “bem” que

serão admirados por milhares de leitores, principalmente os juvenis, como é o caso

de Edward Cullen da “Saga Twilight” (2005 - 2008) da escritora Stephenie Meyer. E

145

há ainda os vampiros heroicos, como é o caso das Crônicas de Saint-Germain (1978

– 2014) da escritora Chelsea Quinn Yarbro e as Crônicas Vampirescas (1976 –

2018) de Anne Rice.

A grande mudança observada na contemporaneidade em relação à figura do

vampiro é que ele passa a ser um espelho do próprio ser humano, numa dicotomia

entre o bem e o mal. Ele pode ter momentos de extrema crueldade ou de extrema

ternura, como, por exemplo, o vampiro Lestat, analisado no capítulo 3.

Talvez a aceitação do vampiro se dê por conta da busca pelas diversidades,

inclusive a de gênero. As pessoas estão, geralmente, mais flexíveis e maleáveis, e

aceitam os vampiros andróginos e suas relações homoafetivas, como as dos

vampiros Louis e Lestat, de Anne Rice.

Ainda perdura os vampiros reflexivos, que demonstram as mesmas angústias

e preocupações que os humanos têm em cada época. Como vimos na obra Varney,

the vampire; or, the Feast of Blood (Varney, o vampire; ou o Banquete de Sangue,

1847) de James Malcon Rymer que nos apresenta o vampiro homônimo,

amaldiçoado após matar acidentalmente seu filho. Depois de uma longa existência,

fica tão angustiado e sem perspectivas que se suicida no vulcão Vesúvio.

Como não pensar em alguém que de tão sufocado com as reflexões e os

problemas de sua vida e do mundo, não consegue ter esperança e prefere acabar

com sua vida, tal qual os vampiros com sua existência?

Atualmente, a taxa de humanos suicidas é alta em todo o mundo, e ao

pensarmos em vampiros se suicidando, pensaremos na humanização desses seres.

Se os vampiros são o espelho dos humanos; se eles se suicidam, os vampiros

também. A série Dracula (2020), da BBC e Netflix, é um excelente exemplo,

conforme vimos no capítulo 3, quando o vampiro ingere conscientemente sangue

contaminado e é exterminado. E essa desilusão pelo mundo ou pela existência, é

vista não apenas por outros vampiros suicidas, mas também por diversos humanos

que se reconhecem nas obras, tanto de Rice quanto em outras contemporâneas.

Conforme vimos, algumas criaturas têm o que chamamos de “tédio

vampírico”. Séculos de existência, ou mesmo de eternidade podem se tornar

assunto de preocupação, tanto quanto para alguém que sabe que terá pouco tempo

de vida. A incerteza do mundo cotidiano é o que pode causar as angústias e as

dores. É como o ditado popular argumenta: nossa única certeza, enquanto

humanos, é a da morte. Se deixarmos de sermos mortais, não teremos mais

146

nenhuma certeza e é esse o motivo de angústia para os vampiros, que nesse

sentido, terão suas existências calcadas apenas na incerteza.

Conforme Zygmunt Bauman argumenta (1998, p. 158), se antes a arte estava

destinada a opor-se à realidade, para que essa se tornasse mais suportável,

atualmente a arte deve desvendar as diferenças e colocá-las em evidência. E é isso

que as histórias sobre vampiros fazem, mostram a diversidade em nosso mundo

contemporâneo.

O vampiro deixou de ser apenas o diferente, para ser, em nosso mundo

globalizado e diversificado, o diferente aceitável. Há vampiros que, supostamente,

estão vivendo em nosso mundo e querendo se passar por humanos, como vimos

nos casos dos vampiros Gregory e Antoine, enquanto um se bronzeia no Sol e sofre

queimaduras, o outro se sustenta como pianista.

Estão espalhados ao redor do mundo, enquanto tribo organizada, como

observamos na obra Prince Lestat: The Vampire Chronicles (2014) e, só fazem mal

àqueles que cometem crimes ou ações condenáveis. Nesse sentido, são os

benfeitores que ajudam, de certa maneira, a purificar a humanidade.

Os vampiros passam a ser humanizados, não apenas em relação às

angústias e às preocupações, mas também às conquistas e aos amores. Como é o

caso do vampiro Lestat, que se tornou bem-sucedido em relação aos bens

adquiridos ao longo de sua existência, além de ter feito seu nome ficar famoso

enquanto astro do rock e mais tarde, príncipe da nação vampírica.

Ele apresenta diferentes faces: de início é um vilão, depois é um herói e

culmina como príncipe e líder dos vampiros. Fez questão de narrar suas histórias

para que servissem de modelo, tanto para outros vampiros, quanto para os

humanos. Demonstrou sua humanização ao transformar sua mãe e configurar-se

como um vampiro edipiano, conforme vimos no 3º capítulo desta tese.

Ainda sobre humanização, podemos pensar nas mudanças ocorridas ao

longo dos anos. Para ilustrar usaremos o Conde Drácula, Lestat de Lioncourt e o

crucifixo, enquanto objeto religioso.

Bram Stoker fez a ligação do vampiro com o satanismo, usando a imagem

que remonta a tradição medieval. Portanto, Conde Drácula era, em essência, filho

de Satã, o mal maior. Como forma de combater o vampiro, Stoker introduziu

elementos do sagrado cristão, como o crucifixo, a hóstia e a água benta para afastar

147

a criatura. Sendo Drácula satanista, seria óbvio que ficaria acuado com esses

símbolos.

J. Gordon Melton (2003, p. 190) explica que o crucifixo além de ser um

símbolo, representa o próprio sagrado. O fato de o conde Drácula não conseguir

olhar ou mesmo segurar um objeto sagrado, demonstra o seu medo da perda da

imortalidade. Por outro lado, o vampiro Lestat de Lioncourt, consegue olhar e

segurar esses objetos, consegue até mesmo entrar em igrejas, demonstrando

assim, que ele não representa mais o mal em si, antes, constitui a própria

representação dos humanos.

Observamos que os vampiros do século XX e consequentemente do XXI,

possuem uma certa imunidade em relação aos objetos sagrados. J. Gordon Melton

(2003, p. 191) diz que é uma forma de protestar contra a autoridade de qualquer

religião num mundo pluralizado. E podemos ir além, e pensar que se hoje há

humanos de todas as nacionalidades e religiões, e se o vampiro é nosso reflexo,

existirá, portanto, vampiros de todas as nacionalidades e consequentemente

crenças, incluindo aquelas que usam objetos sagrados, como o crucifixo.

Na contemporaneidade, o mito sobrevive e o vampiro já está imortalizado na

literatura e nas artes. Logo, há uma forte possibilidade do mito e da figura

vampiresca continuarem a ser exploradas nas mais diferenciadas artes e sob as

mais diversas formas nas futuras criações, em que literatura, arte e meios

audiovisuais se entrecruzam.

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REFERÊNCIAS SOBRE A OBRA DE ANNE RICE

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