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Rubber tree plantations of the Amazon: Daily life anddiseases (1880-1925)
Summary: In the first decades of 1900, the rubber tree
plantations of the Amazon suffered a sharp population
increase. This population increase was due to the
arising migration stream, mainly from the Brazilian
northeast . Seduced by rubber, thousands of people
migrated to the rubber tree plantations with hope that,
by exploiting latex they could accumulate wealth and to
enjoy a better life. However, given the abundant wealth
that was pouring from the rubber not only health
conditions, but also the living conditions of the
rubber tappers were harsh. Affected by selvatic yellow
fever, cholera, malaria and other diseases, tappers who
ventured into the woods, constantly lived a fight
against death that haunted the rubber plantations.
Often Cornered by disease and hunger, tappers became
easy prey to epidemics which ravaged the rubber tree
plantations of the Amazon during the period analyzed in
this article.
Keywords: rubber tree plantation; tapper; epidemics; Amazonas.
Seringais do Amazonas: Cotidiano e doenças (1880/ 1925)
Mônica Maria Lopes Lage
Antônio Emilio Morga
No final do século XIX, quando começaram a surgir
os primeiros seringais no entorno dos rios amazônicos,
as condições de moradia e de saúde dos desbravadores
que ousaram viver da exploração do látex, eram
precárias. Constituídos em lugares de isolamento, os
seringais, segundo Bárbara Weinstein, eram grandes
“extensões de área de florestas, administradas por um
patrão, que coordenava a produção da borracha, mediante
arrendamento de estradas de seringa a seus fregueses:
os seringueiro”.1 Neste cenário, poucas eram as
alternativas que os moradores tinham para lidar com as
doenças, com as epidemias e com os problemas de saúde
que assolavam a população. Segundo Arthur César
Ferreira Reis, no início da formação dos seringais a
impressão que se tinha era a de que seria impossível
conquistar a mata por meio de concentrações humanas, as
doenças e as epidemias eram muitas, as condições
sanitárias péssimas e a mortalidade principalmente na
época da vazante dos rios eram altíssimas.
1 WEISNTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão edecadência, 1850-1920. São Paulo: HUCITEC: Editora daUniversidade de São Paulo, 1993. P 21.
As condições sanitárias na Amazônia, duranteo período áureo do assalto a floresta, no“rush”, autorizavam a impressão de que nãoseria possível conquistá-la social eeconomicamente pela permanência deconcentrações humanas. Nenhuma sociedadevingaria ali, impondo a sua vontade nadisciplinação do ambiente. A mortalidade eraalta, em particular na época das vazantes.2
A literatura indica como os moradores dos
seringais, nesta primeira fase de exploração da
borracha se organizaram, em busca da sobrevivência. O
patrão, aquele a quem os seringueiros deviam obrigação
e respeito, estabelecia seu barracao de madeira em um
ponto estratégico do seringal. Ao redor, e respeitando
determinada distância, eram estabelecidos os pequenos
casebres de madeira que serviam de moradia para os
seringueiros trabalhadores, em volta ficavam as
extensas estradas de seringa, onde os seringueiros
passavam a maior parte do dia.
2 REIS, Artur César Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. 2. ed.Manaus: Editora da Universidade do Amazonas. Governo doEstado do Amazonas, 1977. p 132.
Figura 01 – Barranco onde os seringueiros se abasteciam demercadorias
Além dos relatos deixados pelos viajantes, é
possível saber sobre os hábitos de vida dos habitantes
do interior do Amazonas, analisando relatórios deixados
por agentes sanitários. Homens que percorreram a
floresta levando remédios, roupas e oferecendo
assistência. Este profissional da saúde era enviado
para as regiões mais remotas da mata, e sua função
também era a de observar os hábitos higiênicos e as
condições de moradia da população e, desta forma,
relatar e propor as autoridades de Manaus medidas para
amenizar a dor e o sofrimento das pessoas.
Neste artigo, pautaremos nossas análises em
alguns relatos deixados por viajantes que percorreram
os autos rios amazônicos, onde relataram sobre o que
viram, sentiram e analisaram, bem como no relatório
publicado no ano de 1924 pelo senhor Dr. Belizário
Pena, que na época era diretor do serviço de saneamento
e profilaxia rural do Amazonas. Esse relatório é
conhecido como: “Dois anos de saneamento”. Por fim
trabalharemos à luz de alguns jornais que circularam as
vilas e comarcas, próximas aos seringais. Trataremos
também a respeito da solidariedade mútua que contagiava
os habitantes da floresta.
Muitos foram os viajantes que percorreram a
região da Amazônia. La Condamine, Martius, Spix, Ave-
Lallemant, Louis Agassiz, Henry Walter Bates, Wallace,
dentre outros. Alguns desses viajantes passaram pela
região antes do “boom” da borracha na Amazônia, período
em que a região sofreu suas maiores transformações
sociais, políticas e culturas. Outros, porém, puderam
presenciar este momento importante na história da
região, é o caso, por exemplo, de Bates e Wallace.
Esses viajantes geralmente eram naturalistas que vinham
para o Brasil em busca de ampliar seus conhecimentos em
determinadas ramificações da ciência.
Ao chegarem, os viajantes se depararam com
situações nunca vivenciadas, era o contraste entre o
“mundo civilizado”, e a selva. O trabalho deles
consistia em observar os hábitos da população e, colher
espécies de animais e plantas para estudar sua
composição e origem.
Como parte do processo de adaptação, os viajantes
tiveram que suportar o calor intenso da mata, se
alimentar do que a selva oferecia e muitas vezes
passaram pelos mesmos problemas que a população
passava. Segundo Ana Maria de Morais Belluzo, Henry
Bates não ficou imune às doenças que assolavam a
população, ele foi vítima por várias vezes das
constantes epidemias que castigava os habitantes da
floresta. Diante de sua enfermidade Bates relata:
Minha febre parecia ser a culminância dadeteriorização da saúde, que vinhaprocessando a alguns anos. Expusera-me demaisao sol, trabalhara além das minhas forças,seis dias por semana, além de tudo, sofrerámuito com a alimentação má e insuficiente.3
Os fatores que ameaçavam a saúde da população
eram muitos: terrenos alagadiços, calor intenso,
insetos, má alimentação, tudo isso associado a falta
de hábitos saudáveis, resultava em constantes doenças e
epidemias propiciando um cenário de morte e sofrimento.
“As doenças que mais dizimam a população eram a
malária, a beribéri e a polinevrite palustre, essas
doenças provocavam desfalques espantosos na
população”.4
3 BELLUZO; Ana Maria de Morais. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Metalivros, 1994. p. 130.4 Idem, p 133.
Figura 03- Manipulando ervas medicinais
A luta das autoridades do Amazonas para por fim
às constantes epidemias que assolavam a população e
dizimavam inúmeras vidas, começou logo cedo. À medida
que os seringais foram se desenvolvendo e pessoas foram
chegando, mais doenças foram surgindo. Esta situação
exigia respostas rápidas por parte das autoridades e
uma das alternativas encontradas foi a de publicar
diariamente nos jornais informações contendo conselhos
médicos, medidas de prevenção e algumas soluções para
os casos mais graves.
Conselhos Médicos:O paludismo é nosso supremo mal, é pela suaextincção que devemos fazer convergir todosos esforços possíveis. Outro morbo aqui não
existe que tenha tanta influência perniciosa,tanta tendência congestiva para o lado dasvísceras abdominaes, arruinando a saúde,predispondo o organismo a outras moléstiasque elle implica e agrava.5
Além dos conselhos médicos, publicados nos
jornais diariamente, que serviam como medidas
preventivas, as autoridades do Amazonas
disponibilizavam postos itinerantes de atendimento
clínico, eram barcos que passaram regularmente pelos
seringais, distribuindo remédios e divulgando
informações sobre hábitos de higiene e prevenção de
doenças. O paciente convalescido era atendido com os
devidos cuidados, entretanto, em casos de recaída após
a passagem do barco, o doente ficava a mercê da sorte,
a espera de uma nova oportunidade de atendimento.
O que não se verifica com os nossos postositinerantes, pois após a passagem do clinicovizitador, o doente se vê privado de recursosmédicos e pharmaceuticos para fazer face auma recaída ou uma convalescêncianecessária.6
Os surtos de malária chegavam muitas vezes a
dizimar metade da população. E os postos de
atendimentos itinerários não eram suficientes para
atender a todos. A doença de manifestava inicialmente
através de uma forte indisposição seguida de febres,
dores de cabeça, calafrios, calor intenso e em casos
mais graves pelo comprometimento visceral. O único
remédio capaz de amenizar o sofrimento era o quinino e
5 Jornal Senna Madureira – 27 – 04- 19116 Relatório “Dois anos de saneamento” 1924. P.13.
os pacientes podiam adquiri-lo através dos postos
itinerantes. “sabemos que é a quinina o específico do palludismo
por excellência, cumpre, pois, administrá-la systematicamente desde que
a absorpção seja possível”7. Porém, nem sempre o organismo
aceitava o remédio, e havendo rejeição a morte era
inevitável. “Por carta que nos foi gentilmente
mostrada, sabemos haver fallecido no rio Pauhiny, deste
município a senhora Cândida Rodrigues Cavalcante de
Souza, victima de um terrível ataque de febres”.8
Estes postos itinerantes de atendimento e
assistência aos seringais tiveram um papel
importantíssimo na vida dos moradores. Além de servirem
como elo entre a cidade de Manaus e o interior do
Amazonas, trazendo notícias, informações sobre as
ultimas novidades com relação a borracha enviada para a
capital, orientações sobre hábitos higiênicos e
alimentares, eles eram esperados com ansiedade, pois
neles era depositadas a esperança de cura e de
sobrevivência.
Estes homens que passavam dias e dias sobre as
águas, percorrendo longas distancias, levando saúde e
esperança às comunidades também sofriam suas agruras,
alguns deixavam seus lares, suas famílias e se
colocavam sobre os rios enfrentando épocas de calor
intenso, outras de chuvas torrenciais e ventos fortes.
E ao final de cada ano, deveriam entregar às
7 Jornal O Alto Purus – 05-10-19188 Jornal do Purus – 17-06-1911
autoridades um relatório contento informações sobre os
caminhos percorridos por entre os rios amazônicos. Um
dos agentes, no relatório de viagem, descreve
minuciosamente os caminhos percorridos no atendimento
das populações que viviam nos seringais
Consegui realizar em 1922 três viagens,percorri o rio Amazonas até os limites doPará, e do rio Javary, do lago o Solimões atéo Remate de Males, o Purus até Lábrea, partedo rio Javary, do lago Ayapuá com os igarapésque lhes ficam próximos. 9
E com o tempo, as ações dos agentes sanitários,
através dos postos itinerantes, não foram mais
suficientes para resolver os problemas de saúde da
população que se multiplicava. Surge então a
necessidade de criação de hospitais, e estes deveriam
ser criados não apenas nos maiores centros urbanos, ou
seja, nas comarcas, mas também nas vilas e vilarejos
próximos aos seringais, garantindo assim assistência
médica à todos.
Além da creação de hospitaes nas cidadesprincipais e postos itinerantes paradescobrir os necessitados de auxilio médico edifundir rudimentos de hygiene, deveriam sercreados hospitaes em todos e qualquer núcleode mais de quinhentos habitantes, quer fossemfazendas, seringais, ou povoados. Hospitaesesses para prestar socorro não somente aspessoas do núcleo mais também aos habitantesda circunvizinhança.10
9 Relatório “Dois anos de saneamento”, 1924, p 51.10 Idem, p.13.
Além do atendimento dos postos de saúde
itinerantes e da assistência medica hospitalar, exista
entre os moradores dos seringais do Amazonas um sistema
de solidariedade mútua. Providenciar uma receita
caseira feita com ervas e plantas oferecidas pela
floresta, e compartilha-la com os conhecidos eram
atitudes corriqueiras, procurar um curandeiro,
feiticeiro ou benzedor para atender o doente, e em
casos mais graves, percorrer longas distâncias em
canoas e barcos com o convalescido a bordo em busca de
um farmacêutico que pudesse lhes prestar socorro, eram
algumas alternativas recorridas. “Nos seringais, como era
natural não havia nem medico nem farmacêutico.”11
Arthur César Ferreira Reis relata que muitos
seringueiros faziam uso de “café beirão” e outros
medicamentos que julgavam apropriados em momentos de
crise, porém essa medida pouco resolvia. A medida mais
sensata era procurar ajuda nos grandes centros urbanos,
porém o autor ressalta ainda, que as remessas de
enfermos para Manaus ou Belém nas gaiolas e lanchas
eram interrompidas constantemente para enterrar nas
beiras dos barrancos os doentes que faleciam no
percurso.
11 REIS, op.cit.; p. 134
Figura 04 – Casa de palha onde viviam os seringueiros
A prática de recorrer a benzedores, feiticeiros e
curandeiros também surgiu como alternativa nos
seringais. A pesar de ter sido proibida pela Coroa
Portuguesa desde o período colonial, essa prática era
bastante difundida entre os moradores do interior do
Amazonas, talvez pela necessidade de se apegar a alguma
solução imediata, eles recorriam a tais práticas.
Segundo Laura de Melo e Souza12, um significativo
número de feiticeiros e curandeiros veio degredado de
Portugal logo no início da colonização, essas pessoas,
incursas no crime de feitiçaria e curandeirismo em
Portugal, disseminaram tais práticas por onde passaram.
Na ausência de um curandeiro buscavam-se com a
sabedoria dos pages as várias formulas de cura das
sociedades indígenas. Entre os seringalistas os pages
tinham preferência, pois acreditavam por serem
profundos conhecedores da floresta e por viverem nelas
sabiam exatamente como lidar com as ervas e quais eram
as mais adequadas para as várias enfermidades que
assolavam os seringalistas.
No interior do Amazonas, a feitiçaria, a
pajelança, o curandeirismo e a benzedura eram práticas
extremamente comuns entre os moradores. Apesar dos
jornais instruírem a população quando a ineficácia e
quanto aos perigos de destas práticas, os moradores da
mata insistiam em recorrer a elas, pois acreditavam,
tinham fé, que a magia e feitiçaria poderia os livrar
das enfermidades.
Victimão, grandemente os habitantes do Purus,as moléstias agudas das vias respiratórias, otratamento empregado é igualmente defeituosoe temos visto em vez de uma poção de Laennec,os doentes mandarem buscar um curandeiroqualquer, a que dão o nome de resador oubenzedor o qual os medica bensendo a parte em
12 SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz:feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial.São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
que o acham que manifesta pela doragudíssima.13
Segundo o cronista, do jornal Purus, buscar por
curandeiros, feiticeiros, pages e benzedores contava
com a simpatia de pessoas de vários segmentos sociais.
Isso vê-se em todas as classes e o concursode tal superstição mantêm se invencível nopreparo da mortalidade, pela educação do povoem parte e muito mais pelo abandono em que seacham longe do auxilio medicinais, ainstancia da dor e a tendência de acreditarno maravilhoso, a míngua de socorrosinteligentes e apropriados impellem o doentede apegar-se as tradições paternas das velhasraças tupy-lusa, de que descendem.14
A grande maioria dos moradores vivia em casas de
madeira, construídas com madeiras “Paxaúba”, essas
casas eram erguidas do chão, suspensas por grandes
pernas de paus que serviam para protegê-las das
constantes inundações que aconteciam em épocas das
cheias dos rios. Esse era o período de maior
proliferação das doenças, a água invadia o seringal e
juntamente com ela, vinham moscas e insetos. O ideal a
se fazer era tomar as providencias de higiene e
proteger as janelas e portas das casas com telas de
forma a não permitir a entrada dos insetos. Entretanto,
mesmo com todos os cuidados necessários as epidemias
assolaram os seringais e dizimam muitas pessoas.“Devido
a vazante do rio, como sempre acontece nesta época do
13 Jornal do Purus 10-04-190414 Idem
ano, desenvolveu-se em diversos pontos cazos de febre
palustre, sendo que algumas delas foram fatais”.15
Muitas notícias publicadas nos jornais dizem da
falta de asseio da população nos seringais, e muitos
relatos de viajantes também mencionam esta condição
entre os moradores da mata. Entretanto, Wallace,
viajante que percorreu a Amazônia no séc. XIX saiu em
defesa dos moradores e afirmou que eles viviam em
harmonia com as condições oferecidas pela mata.
Essa impressão de falta de asseio e ordemdesapareceu ao admitir que essascaracterísticas “são decorrentes do clima”,porque os amplos e altos cômodos, com pisosde tabuas, escasso mobiliário, e meia dúziasde porta e janelas em cada um, podem parecera primeira vista desconfortáveis, mas sãoabsolutamente adequados para a regiãotropical na qual seriam absolutamenteinsuportáveis os quartos cheios de tapetes,cortinas e almofadas.16
As doenças nos seringais do Amazonas não se
restringiam apenas aos surtos epidêmicos de malária, a
beribéri ou as febres palustres. No caso das mulheres,
por exemplo, os jornais registravam que as principais
doenças sofridas por elas eram conhecidas como flores-
brancas, hemorragias, cólicas uterinas, dores
reumáticas e irregularidades menstruais, sempre
seguidas de febres altas. Alguns jornais traziam
15 Idem16 ALVES; José Jerônimo de Alencar. Determinismo climático esalubridade Amazônica na percepção de Bates e Wallace. In:Caderno, história e ciências. v.4. n.2. Rio de Janeiro,2008. p 43.
colunas semanais sobre a saúde da mulher, informando as
mulheres quanto as principais doenças da região, sobre
os métodos de prevenção e divulgação de tratamentos.
Elizabeth Agassiz, esposa de Louis Agassiz,
importante viajante que percorreu a floresta amazônica
por volta de 1865, dedicou parte de sua viajem para
auxiliar o marido em seus relatos, mas também, deixou
algumas de suas observações sobre o modo de vida das
mulheres indígenas. E neste contexto, registrou suas
impressões sobre as doenças que elas sofriam,
principalmente nos olhos e na pele.
Mesmo quando se mostra surpresa pela belezadas indígenas de Tefé, no Amazonas, Elizabethrelata na mesma oportunidade a recorrência dedoenças às quais os índios estariampredispostos, especialmente nos olhos e napele. Apesar da perspicácia, Elizabeth nãoimagina que a condição precária de saúde dosindivíduos indígenas podia dever-se àsituação de contato, e chega a dizer que"estes estão mais sujeitos às doenças do paísque os estrangeiros.17
Entre os moradores havia solidariedade. De acordo
com os jornais as receitas caseiras que obtinham
sucesso eram repassadas entre a comunidade, e muitas
17 SANTOS; Fabiane Venente. Brincos de ouro, saias de chita:Mulher e civilização na Amazônia segundo Elizabeth Agassiz em viajem aoBrasil (1865- 1866) In: História, ciência e saúde –Manguinhos, v.2 n.1. Rio de janeiro. 2007. p 15.
vezes apareciam nos jornais em forma de depoimentos,
registrando assim, sua eficácia diante do tratamento.
Declaro que minha sobrinha Mariana, 15 annosde idade, achava-se gravemente doente dopeito. Sentia grandes palpitações de coração,tosse desesperadora e dores agudisimas nopeito e nas costas, quando tomava respiração.Lembrei-me, depois della ter usado muitosmedicamentos sem resultado, dar-lhe oelogiado “peitoral de cambara ”descoberta doSr. Visconde de Souza Soares, e com o usodeste medicamento, achou-se completamentelivre de tão terrível enfermidade.18
Além da circularidade de notícias publicadas nos
jornais, médicos e farmacêuticos que residiam nos
grandes centros próximos aos seringais, tinham por
hábitos elaborarem os “guias médicos”, que eram manuais
contendo informações básicas sobre saúde e, estes
manuais eram deixados à disposição dos moradores.
“Acha-se a venda na typographia do jornal do Purus, à
ultima edição da utilíssima obra “Guia medico” para uso
dos habitantes do interior, pelo Ilustre Dr.
Hermenegildo Lopes de Campos”. 19
Um remédio muito usado no tratamento de várias
doenças entre os moradores dos seringais era conhecido
como emulsão Scott. Feito a base de óleo de fígado de
bacalhau, esse medicamento era utilizado na prevenção
de várias doenças, auxiliando também, no tratamento de
infecções pulmonares. Sua eficácia era difundida pelos
jornais, que alertavam os moradores a comprarem a
18 Correio de Purus 13-05-190019 Jornal do Purus 04- 06- 1911
legitima emulsão scott, levando o leitor a entender que
imitações do remédio percorriam a região.
Houve um período da historia da extração do
látex, onde havia fartura de mercadorias circulando os
seringais, estudos têm mostrado20 que no auge da
exploração da borracha no Amazonas, as casas aviadoras
abasteciam os barracões com produtos diversos, desde
produtos alimentícios à remédios e roupas adequadas
para o viver na mata. Neste período a alimentação dos
moradores dos seringais não era mais tão precária,
principalmente, a daqueles que tinham condições de
adquirir os produtos oferecidos pelos barracões. Porém
ao chegar a crise da borracha, muitas pessoas foram
abandonando os seringais e os poucos seringueiros que
permaneceram na floresta voltaram a viver naquela
condição de miséria que marcou os primeiros anos de
exploração do látex. Muitas pessoas que ali
permaneceram passaram a alimentar-se basicamente de
farinha e peixe e essa alimentação empobrecida deixava
o organismo exposto a mais doenças.
As crianças vêem nuas a beira dos barrancos apassagem dos navios, não tem os homens amínina noção de higiene e de conforto, nãosonham ambições, não economizam, o que aliásseria impossível com a crise presente, demodo que se acham a comer farinha e peixe, esão incapazes de enfrentar contratempos,
20 LEONARD, Victor. Os Historiadores e os rios:Natureza e ruína na Amazônia brasileira. Brasília:Paralelo 15. Editora Universidade de Brasília, 1999, p.98.
mesmo as moléstias que lhes minam o organismopauperado.21
Mariana Pantoja, pesquisadora que acompanhou a
vida, as histórias e o cotidiano de uma família por
varias gerações nos seringais mais distantes do
Amazonas, revelou através da fala do Sr. Milton que no
período da crise, havia barracões onde nas prateleiras
não havia sequer os produtos necessários a
sobrevivência na floresta. “[...], os seringais estão
cheios , os seringueiros trabalham e produzem borracha,
o patrão está lá no barracão, mas não há nas
prateleiras fartura dos artigos de estiva necessários a
vida dos grupos domésticos na floresta”.22
Apesar de todas as diversidades que a floresta
impunha aos seringalistas e diante de todos estes
problemas e dificuldades em que viviam os moradores dos
seringais do Amazonas buscavam soluções para seus
problemas. Como demonstra a historiografia o
seringalista era um sobrevivente por natureza.
Conhecedor das entranhas da floresta espessa estes
homens reinventaram sua existência diante das
21 Relatório – “Dois anos de saneamento”. 1924, p 11.22PANTOJA, Mariana. Os Milton: Cem anos de história nos seringais.Recife: Fundação Joaquin Nabuco / Editora Massagana,2004. p 102.
epidemias, buscando nas plantas nativas, nas
pajelanças, nas rezas das benzedeiras o conforto e a
cura para as doenças. A fé e o desejo de ser livre da
doença eram fatores que os motivavam a buscarem uma
saída diante da morte que os espreitavas no seu labor
diário.
Referências:
ALVES; José Jerônimo de Alencar. Determinismo climático
e salubridade Amazônica na percepção de Bates e
Wallace. In: Caderno, história e ciências. v.4. n.2.
Rio de janeiro 2008.
BELLUZO; Ana Maria de Morais. O Brasil dos viajantes.
São Paulo: Metalivros , 1994.
LEONARD, Victor. Os Historiadores e os rios: Natureza e
ruína na Amazônia brasileira. Brasília: Paralelo 15.
Editora Universidade de Brasília, 1999.
PANTOJA, Mariana. Os Milton: Cem anos de história nos
seringais. Recife: Fundação Joaquin Nabuco / Editora
Massagana, 2004.
REIS, Artur César Ferreira. O Seringal e o Seringueiro.
2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas.
Governo do Estado do Amazonas, 1977.
SANTOS; Fabiane Venente. Brincos de ouro, saias de
chita: Mulher e civilização na Amazônia segundo
Elizabeth Agassiz em viajem ao Brasil (1865- 1866) In:
História, ciência e saúde – Manguinhos, v.2 n.1. Rio de
janeiro. 2007
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa
Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil
colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e
decadência, 1850-1920. São Paulo: HUCITEC – Editora da
Universidade de São Paulo, 1993.
Fontes: Arquivos/ Amazonas
Museu AmazônicoRelatório – Dois anos de saneamento – 1923
IGHA – Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas
Jornais:Correio de Purus – 13 -05 - 1900Jornal do Purus - 17/06/1911 - 04/06/1911 - 10/04/1904Senna Madureira – 27 – 04 - 1911