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UZALUI,JUANALISE DO DISCURSO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNAI'2 Antoine Auchlin (Unir1ersidade de Genebra) Marcel Burger (Jniuþrsidade de Lausanne) i 1. Introdução 1.1.Análße do discurso e ensino de língua materna A expressão genêrica"anáLise do discurso" (AD) tem uma extensão Pro- blemática e sujeita à cauçio,fato para o qual chamamos a atenção no momento de nossa conferência. Sem nos dissipar nos amálgamas vagos e {aceis,gostaúamos de interpelar algunsde nossos colegas quç, sob um ou outro ângulo, adotam discursos comg sua rnatêria-prirna. Se, para nós, de um lado, AD tem como protótipci'o-percurso que melhor co- nhecemos e que é praticado em Genebra - compreendendo desde os princípios das estruturas hierárquicas (nourrr et a1.,1'985) até os refina- mentos atuais do modelo em termos modulares (Rourrr, 1'999) - de outro, nossas observações se direcionam igualmente a outras abordagens das grandes massas verbais. Incluímos aqui tarnbém as posições que su- põem que o discurso não constitui um fato passível de estudo cientí- 1 Conferência apresentada no III Encontro Franco-brasileiro de Análise do Discurso - Anfise do Discurso e Ensino de Língua Materna. UFRJ, de 1'3 e 1'5 de ourubro de 1999. Atê a finaJizaçào desta tradução, o original em francês ainda não havia sido publicado. 2Texto traduzido por Emília Mendes (PRODOC/CAPES - UFMG).

Uzalunu, análise do discurso e ensino de lingua materna

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UZALUI,JUANALISE DO DISCURSO E

ENSINO DE LÍNGUA MATERNAI'2

Antoine Auchlin (Unir1ersidade de Genebra)

Marcel Burger (Jniuþrsidade de Lausanne)

i

1. Introdução

1.1.Análße do discurso e ensino de língua materna

A expressão genêrica"anáLise do discurso" (AD) tem uma extensão Pro-

blemática e sujeita à cauçio,fato para o qual chamamos a atenção no

momento de nossa conferência. Sem nos dissipar nos amálgamas vagos

e {aceis,gostaúamos de interpelar algunsde nossos colegas quç, sob um

ou outro ângulo, adotam discursos comg sua rnatêria-prirna. Se, para

nós, de um lado, AD tem como protótipci'o-percurso que melhor co-

nhecemos e que é praticado em Genebra -

compreendendo desde os

princípios das estruturas hierárquicas (nourrr et a1.,1'985) até os refina-

mentos atuais do modelo em termos modulares (Rourrr, 1'999) -

de

outro, nossas observações se direcionam igualmente a outras abordagens

das grandes massas verbais. Incluímos aqui tarnbém as posições que su-

põem que o discurso não constitui um fato passível de estudo cientí-

1 Conferência apresentada no III Encontro Franco-brasileiro de Análise do Discurso

- Anfise do Discurso e Ensino de Língua Materna. UFRJ, de 1'3 e 1'5 de ourubro

de 1999. Atê a finaJizaçào desta tradução, o original em francês ainda não havia sido

publicado.2Texto traduzido por Emília Mendes (PRODOC/CAPES - UFMG).

Análßes do disarco hoje

fico próprio (nrnour e MoESCHLER,l998;ver srMoN, 1,999).Em outras

palavras, interessam-nos, de uma maneira geral, todas as abordagens quechamam a atenção pâra o manejo de unidades verbais mais complexas

que a frase e que se subscrevem, de uma forma ou de outra, no mitoobjetivista, retomando os termos de Lakoft eJohnson (1980).

Particularmente, somos solidários à petição de princípio de acordo

com a qual nada deve ser ignorado do "contexto real" de produção do

discurso, posição também tornada pública, aqui mesmo, pelas contri-buições deJ.-P. Bronckart, P. Charaudeau ou de D. Maingueneau. En-tretanto, em nosso ponto de vista, "o contexto real" compreende tantoos dados que o próprio pesquisador explora num texto e faz ernergirum discurso, quanto os dados que desencadeiam uma experiência lin-guageira malsucedida. Em outros termos, a prípria experiência da lei-tura do pesquisador-analista-do-discurso ê parte integrante do que ele

compreende por "discurso".A propensão objetivista não quer saber de

nada disso e se obstina em considerar que o discurso "está no" texto,no suporte, no próprio material. Para nós, o discurso

- e o que é con-

veniente analisar como tal -

é a própría experíenciação que se organiza em

razão de um tratanxento de unídades lhryiiísticas em cadeia.

Quanto ao "ensino da língua materna" (ELM), seria possível tratardisso de maneira tão genérica? Nosso ponto de partida foi o ensino da

escrita para adultos escolarizados (srnouivrza, 1996: AUCHLTN, I996b;STROUMZA; AUCHLTN, 1997). Nesse quadro, nós nos perguntávamos

como tirar o máximo proveito do que os alunos revelam a respeito

do estado de sua habilidade redacional (o "manifesto pelo aluno" de

B. Delforce) e, mais particularmente, o que, neste estado particular da

habilidade, pode ser considerado responsável pela ocorrência de ele-mentos que desencadeiam pequenas infelicidades. É d.s. ponto queemerge a problemática do díagnóstico da competência discursiva. Sob

essa forma, tal questionamento não tem nada de específico nesta situa-

ção particular, mesmo se ele foi tornado possível por esta mesma si-tuação. Nossas observações, em sua generalidade, concernem assim etoda situaçào de ELM.

84

3 Sobre esta questão, consultar Núñez, 1997

85

IJzaltlnr Analise do Disaryso e cnsino de líttgua maÍ.erna

A distribuição e o nível do saber escrever (a literacia) em meio a

população apârecem freqüentemente superestimados. Seriam eles o

efeito de uma vontade coletiva de dissimular urri eiro j++lgado vergo-

nhoso, ou de uma vontade de classe social de gatrdar de forma egoísta

o segredo desse poderoso vetor de distinção sociai que constitui o

saber escrever? Seja qual for o caso, os analistas do discurso podem

se tornar cúmplices dessa dissimulação, seguindo a interpretação da

caução social"fazer ciência" à qual aì.guns aderem. É preciso conside-

rar que o essencial do que deve ser escrito -

"o discurso" -

é uma

construção da qual o pesquisador teve que participü como leitor -

e

que não existiria sern esta participação. Ele não pode dar conta inteira-

mente de seu objeto negando a existência de sua própria experiência,

o que, no entânto, é exigido pelo cânone epistemológico positivista.

Essa interpretàção do contrato científico conduz o pesquisâdor a se

pronunciar somente sobre as coisas que já são reputadas passíveis de

ser objetivamente verdadeiras ou falsas, independentemente das par-

ticularidades do observador. No que concerne aos fâtos da "realidade

de segunda ordem" (wnrzrawlcr,l99l) como "o discurso", pode-se

dizer que esse fato restringe o campo de investigação cientifi'ca, e, pior,

que condena os pesquisadores e negar sistematicamente as caracteústi-

cas mais imediatamente evidentes de sua matéria-prima.3

1.2. "Do erro à pequena infelicídade textual"

Toda pessoa que ensina a escrita em língua mâterna confronta-se com

a questão dos "erros". Como "coisa que advém", um erro é uma expe-

riência textual observável, geralmente malsucedida e "irruptiva". No

entanto, a noção de erro é enganosa: é muito restritiva na su¿ extensão

(algumas infelicidades textuais não são erros no sentido de infração a

uma convenção ou norma); e, por outro Tado,Iocahza univocamente a

infelicidade no produto verbal, um dos pressupostos maiores que nós

Análßes do disauso hoje

gostaúamos de evitar. Preferimos a îoção de "pequena infelicidade

textual" (srnouuza; AUCHLIN, 1997), mais descritiva. menos carregada

de pressupostos quanto à localização e à responsabílidade do evento de

leitura irruptivo, e que, sobretudo, dá acesso a um conjunto de estraté-

gias de remediacão bem mais vasto.

Esta posição se distingue da idéia muito disseminada de que em mâ-

téria de texto as infelicidades são imputáveis a uma grarnâdca própria ao

aluno (nucHLER-BÉcuELIN,1992). Como esta autora, pensemos que na

"correção" o problema maior do professor deve ser "restabelecer-se" da

ocorrência de um problema e ir em direção às condições mais gerais que

o tornaram possível por parte de um aluno em particular. Mas o alvo ú-sado por este percurso não ê a descrição de uma grarnâdca.É, sobretudo,

a compreensão das condições sob as quais a competência discursiva que

produziu este texto pôde obter seu acordo interior com deterrninado

material verbal; material do qual se pensa ter desencadeado uma experiên-

cia de leitura malsucedida no corretor (srnouuza; AUCHLIN, 1997).

Na situação dtdâtica "ensinar-aprender a escrever", as infelicida-

des textuais são freqüentes.A incumbência pedagógica do professor é

possibilitar ao aluno evitá-las, o que supõe que ele compreenda, pelo

menos um pouco, do que se trata essa tarefa.

1.3. A identídade, o externo e o ùúerno

Essas experiências verbais malsucedidas caracterizam-se, pâr¿ quem

deve compreender o seu próprio funcionamento, pela emergência de

uma certa ínstância de discurso parasita, que toma para si a responsabi-

lidade da ocorrência do material que as suscita -

já que o leitor as

imputa a esta instância.Batizarnos tal instância de uzalunua.

a Os autores criaram a forma " zélèue", que corresponderia à junção, na 1íngua oral, de

"Les élèves" (os aluno$. Na tradução, a conselho dos próprios âutores, adaptamos o

conceito para o português. Daí a forrne uzahnl (usada como substantivo mascuLino

singular), que seria o correspondente oral de "os alunos". (N.T.)

86

lJzalunu: An,ilise do Dßauso e ensino dc língua rnatena

Nós nos interessamos exâtamente por: (a) tal identidade particular

que emanâ do aluno, mas que não é vista por ele; (b) essa identidade

que o professor vê e gostaria de mostrar ao aluno; (c) esse fantasma

bem real entre o professor e o aluno. Em um primeiro momento,

abordaremos essa identidade em termos de polifonia e de competência

discursiva, ou seja, "do interior" de seus próprios mecenismos. Em um

segundo momento, nós examinaremos as condições e determinações

psicossociais que permitem a emergência do uzaluntt e que, enquanto

cláusulas virtuais de um contrato didático específico, dirigem even-

tualmente o tratamento e ser aplicado. A identidade é aqui vista do

exterior, sob o ânguio de suas determinações sócio-históricas.

2.lJrna ou duas coisas que a análise do discurso ensina ao

professor de redação ern língua materna

A tendência utilitarista habitual quer que as disciplinas aplicadas tirem

partido do trabalho das disciplinas-mães "fundamentais". Em rn¿têría

de discurso, é sobretudo o inverso que deveria se produzir. Consi-

derando minimamente os dados provenientes do ensino da escrita, a

análise deve tomar conhecimento de alguns fatos5.

2 .1 . Impreuísíbilidade aumentada

lJma das possibilidades dessa ocorrência concerne à questão da criatí-

vídade disa¿rsiua.Por criatividade discursiva designamos o seguinte fato:

partindo de um ponto do encadeamento discursivo Px que segue um

enunciado Ex, os encadeamentos possíveis, embora restritivos, são im-

previsíveis. Não podemos predizer as características do enunciado Ey

que segue Ex. Supomos, em geral implicitamente, esta imprevisibilida-

j Entre eles, alguns originam-se do "custo teórico" (no sentido de Ducrot, 1980) de

hipóteses colocadas independentemente. É notadamente o caso da apltczçào que será

feita aqui da noção de "polifonia" de Ducrot.

87

de no interior do quadro da língua ou do,.possível da língua,,(urlNrR,1989) na qual dá o discurso.

Em situação de aprendizagem, esta garantia evidentemente não éadquirida, e a imprevisibilidade discursrva aumenta. Isso se dá pero sim_ples fato de que as restricões lingüísncas convencionais podem não serrespeitadas e, sobretudo, porque seu desrespeito, reuaniro-se em cottsitreração untcontrato de comunícação dídátíco particurar, é parte itúegrante do sentído própríodo discurso-Num sentido inverso, esta dilatação do conjunto aberto dospossíveis é contrabalançada pelo fato de que, desde que identifiquemosas características próprias ao fuiri:ionamento da competência discursivade determinado aluno de redação, cad.a encad.eamento é uma possibi_lidade de formular e de verificar urna ou outra hipótese concernentea este funcionamento-. Dito de outra forma, o vorume das prediçõesaumentâ e, por isso, a imprevisibiiidade desse princípio diminui. Todaa questão está na maneira de compreender, de analisar e de trâtar osdeslocamentos ocorridos.

Análßcs do discurso Inje

2.2. Experíenciação e aprecíação

Assim, a anâ,se do discurso deve notar que, no âmbito do ensino daescrita, a dimensão hedônico-apreciativa do tratamento do discurso érncontornável.7 No entanto, uma consideracão adequada da dimensãoapreclatlva na qual se desenrola a compreensão dos textos é, confor_me pensamos, incompatível com e posturâ objetivista que caracterizaa tradição epistemológica descritiva em matéria de Jinguagem. Desde

6 Isso faz parte, na ¡ealidade dos fatos, do h,". ^,,^ -^À^ _-^cadquire de reus rtunos.A questão é pe

"*::fr::i,åtJ::::::conhecimento que permenece muirorsso, pouco operzcionarizâvel. tórico e intuitivo e, por-

AJgr:ns psicólogos cognirivistas ocup¿m_notam, recentemente, a exisfência1996); mas o raremenro que propòto" do que pelas caracteústicas dotraba.lhos de C. Bereiter e M. Scardamaglia.

88

s Cf.Auchlin. 1998.

89

Uz¿Ir;lnr:.: An,ilise do Discurso e ensíno de língua naterna

Saussure, estâ postura se contente em se professar "não normativa" e

"não prescritiva", tentando excluir toda intervenção pessoal subjetiva

dos pesquisadores em sua pesquisa. Isso não é possível: seja porque os

pesquisadores renunciam a tîetet do discurso, seja porque aceitam que,

para que haja discurso, é preciso que tenham passado por ele. O que

quer que seja dito por tais pesquisadores sobre a questão, ao lerem um

texto, eles se entregam a ume deterrninada experienciação através de

sua compreensão, de seu prâzer, de seu julgamento. O discurso é esta

experienciação. Se deixa traços, mundanos ou linguageiros (texto im-

presso ou suporte de dados em áudio), são estes traços que são o produ-

to ou o resultado do discurso (não é o discurso que é um"produto")8.

Tanto lingùistas, analistas de discursos quanto professores se con-

frontam com o dado empírico "existem textos malfeitos", e isso não

ocorre exclusivamente nos trabalhos dos alunos. Entretanto, somente

os professores são os supostos encarregados da correção, por razóes

relativas às particularidades do contrato de comunicação didático (cf.

abaixo).,\ análise do discurso mostra que está em cima do muro quan-

to à sua concepção da natureza fenomenal dos "erros-em-discurso".

Tä1 concepção deve ser retomada no âmbito de uma visão geral do

que é o discurso e ser suscetível de ser acolhida sem distorção.

2.3. Uma corueqiiêncía

,\ consideração do real linguageiro como "imperGito" permite, por ou-

tro lado, enriquecer a noção de polifonia de locutores utilizada por

Ducrot (1984) parz caracterizer o discurso relatado no estilo indireto.

Essa forma de polifonia deve ser reconsiderada como um exemplo

particular em meio a outros possíveis: no discurso relatado no estilo

direto, a co-presença de dois locutores aparece de fato como uma

variedade de polifonia sinfônica. Se nós e compararmos com â que se

An.áIßcs do disamo hoje

pode efetuar no discurso do aluno, nós qualificaremos esta última de

" cacofônica"e .

Por todas essas razões, a análise do discurso deve agir partindo da

evidência de que a identidade dos agentes de discurso, dos alunos de

redação, possui duas faces: (a) é ao mesmo tempo plástica, na medida

em que o professor, que visa a agir sobre ela paru transformá-la, deve

iniciaimente construí-la; e þ) é também lábil, no senrido de que não

pode ser ancorada ontologicamente no mundo, na medida em que ela

somente é o que ê ern razão da atencão e da perspicácia que the con-segra o professor.Tiata-se de uma identidade passageira.

3. Polifonias sinfônica e cacofônica

Em um artigo no qual falávamos da "estranha polifonia" do texto de

alunos de redação, nós, Stroumza eAuchlin, sustentávamos a idéia de que,

ern tais textos, es pequenas infelicidades emergem dos fatos de linguagem

que pertencem ao que é mostrado pelo texto e podem ser pensados

como o produto de uma instância de fala em vários pontos comparável

ao loutor enquarúo tal Q) da teoria polifônica de Ducrot (1981).

É lo.ntot (L) para Ducrot o ser que, de acordo com o enunciado,

toma a responsabilidade de sua enunciação. Um locutor é um ser in-tension¿l (com um s). uma insrânci¿ que somente se constirui errt ra¿ào

do qtre ela oltera.

O discurso relatado direto é o caso de polifonia que mais se esse-

melha ao que nos interessa aqui: trata-se de uma polífonia de loøttores:

(1) Júho-: "Pedro) me* disse:'na minhav opinião, o tempo estará bom'."

O enunciado complexo (1) é uma construção polifônica que mos-

tra dois locutores enquanto tais: o primeiro. "Júlio" que é responsável

'Esta idéia é apresentada de uma forma um pouco diferente em Stroumza;Auchlin,1997.

90 91

(Jzalunu: Análßc tlo Discurso e ensitrc de líqEra nøterna

pela enunciação de todo o enunciado; o segundo, o locutor "Pedro"

que, por sua vez, desdobra-se em duas formas: está presente como ser do

ftnutdo,representado na predicação "Pedro disse...", e como locutor en-

quanto tal pela enunciação de "na minha opinião,...", que o apresenta

como seu responsável.

Após um dado enunciado complexo, duas grandes classes de enca-

deamentos são possíveis. As primeiras classes Ducrot nomeie "polifo-

nia", quando encadeamos o conteúdo do discurso imputado ao locu-

tor reportado (e, de alguma forrna,admitimos sua autoridade). É o que

acontece em (1'), na seqüência de (1):

(1') Façamos então nosso piquemque

A outra classe de encadeamentos é ilustrada por (1")

(1") Coitado do Pierre, está sempre otimista.

Ducrot nomeia "discurso relatado" essa maneira de encadear, não

sobre o que fala o locutor reportado, mas sobre a prípria enunciação

que lhe é imputada, ou a esta ou àquela de suas carâcterísticaslo.

Nossa hipótese ê a de que os objetos textuais desencadeiam uma

ruptura da continuidade da experiência de leitura, uma pequena in-

felicidade textual. Estas infelicidades podem ser imputadas ao próprio

autor, agente intensional designado pelo "erro" como seu responsável,

ou em todo caso, construído a partir dele como assumindo e respon-

sabilidade de sua ocorrência.

Esta instância, de acordo com o que pensamos, é por vários pontos

de vista assimilável a urn locutor. Dos diferentes argumentos invocados

por Stroumza e Auchlin, retenhamos aqui o do encadeamento discur-

10 É eratamente o mesmo caso ilustretivo ,fora da relação de discurso, da róplica, opostt

à rcs2:osta (corrnmx, 1973 e uorscnnn-, 1982); em algumas das perspectivas tais ence-

deamentos, ob1íquos, são casos marcados.

Análßes do discurso h.oja

sivo: se o locutor é um ser que, de acordo com o sentido do enunciado,

é responsável por sua enunciação e se, de outro lado, o que nomeamos

o sentido de um enunciado reside nos encadeamentos nos quais este

pode se instaurar, então, na medida em que os "etros" dão lugar a en-

cadeamentos, eles devem ser considerados como e ¿cão de um locutor.

Ora, o diálogo pedagógico se constrói realmente sobre este modo de

encadeamento, do mesmo modo, oblíquo:

(2) Várias ações individuais deveriam autorizar uma diminuição da pro-

pensão à construção do mal-entendido. (trabalho universitário)

(2') Professor (na margem): Fale isso para si mesmol

A partir de (2) ê bem possível ter uma seqüência como (2'), onde

o sarcasmo não deixa de apresentar as caracteústicas que nós pontua-

mos, que são: de uma pârte, "encadear de maneira oblíqua sobre o

locutor agente do "erro" e, de outrâ, endereçar-lhe indiretamente umâ

sugestão sobre o assunto. É ern razão destas afinidades com o quadro

pedagógico que nós nomeamos este locutor de uzahmu.A sobrecom-

plexidade redacional de (2), que é uma czraclenstica do que é mos-

trado, é seguramente o meio de expressão do uzahnm. Através desta

sob rec omplexidade, o u z alunu r ealiza p erfo rmativamente s eu obj etivo

expressivo, que é o de fazer partilhar com o ieitor seu próprio esforço

mental ou, em todo caso, de fazer do leitor uma testemunha disso.11

lJm traço distingue estes cesos do discurso relatado direto ordiná-

rio: a natureza da rcIação que empreendem os locutores "co-presen-

tes". Nos dois casos standards da "poiifonia" e do "discurso relatado", as

vozes dos locutores, relatante e relatado, completam-se, imbricam-se,

levam em consideração tanto uma quanto a outra, e sua ligação,amigâ-

vel ou não,ê sínfôníca.Ao contrário, o uzaltutu ("co-locutor") mantém

r1 Mas se o leitor pode testemunhar, esforço que ele deve fazer por si próprio e que

pode ir além do que o redator poderia imaginar ou esperar, esse leitor teria que, além

disso, buscar uma alternativa de formulação.

92

I-Jzaltt:rnt: Análise do Discurso e cnsino de língua ntatenm

forçosamente com o locutor intencionado oficial urna telação cacofô-

níca.Esta cacofonia tem sempre o efeito de enviesar ou cobrir, parcial

ou totalmente,^voz do locutor oficial12.

Nessa perspe ctiva, (2) é um caso totalmente excepcional: e mise-en-

abîme"auto-denegativa" que ele aPresenta, ern tazão de seu conteúdo,

torna a cacofonia fortuitamente muito harmoniosa. Para tanto, a rela-

ção entre estes dois locutores não é menos constitutivamenle c¿cofô-

ntca - e ele não age a f^vor da credibilidade do locutor oficial'

O exemplo (3) abaixo também não é tão bem-sucedido:

(3) Saber escrever, saber falar ou saber falar, saber escrever' qual é destes

dois saberes o que devemos adquirir primeiro?

De acordo com os Processos naturais, a primeira coisa que uma criança

faz,ao nzscer, é emitir sons-

Neste caso, respeitemos a naï)reza e aprendamos a falar antes de escrever.

Estes saberes são, em seguida, consoLidados ou aprendidos na escola' ["'](Início de texto, trabalho universi.tário)

Este exemplo ilustra a complexidade da otganização linguageira

pela qual se instala a cacofonia.Vemos nela, em particular, uma ins-

tância de fala ltgada a uma preocupação de exaustividade, desejosa

do absoluto rigor do silogismo, e preocupade eÍrt"arnarrar" sua tese

fundamentando-a sobre um raciocínio' É o qn. "faz" o locutor ofi-

cial; é também, muito provavelmente, a representzção que o a-luno-

12 Nós afirmamos, em nossa exposição, que as manifestações do uzalunt correspon-

diam a um efeico de ethos"ern negativo" (.rucHuN, no prelo). De fato' esta posição

não é defensável,já que o descrédito resultante da presença do ttzalunu afeta o locutor

oficial (sua credibilidade ou sua audibilidade). E preciso concluir disso que é a ca-

cofonia ela própria a co-ptesença de dois locutores não harmonizados sob¡e a cena

discursiva, e nio uzalwu sozinho, que é o responsável por este ethos negativo. Pode-se

tirar partido do que concerne à compreensão do efeito de etlrcs: ele não emerge do,.locutor,,, mas sobretudo da maneira pela qual é ocupada a cena do discurso, isto ê, o

campo acional dos intérpretes experienciadores.

93

Análßcs do díscurso hoje

De tais esboços de análise, o que é preciso reter é a necessidade,para o professor' de construir para si próprio uma representação. oumelhor, uma percepção interna e íntima do universo d.o redator en_quanto tal' lJma figuração como estâ aproxima-se do que nomeamosdiagnóstico da competência discursivr.

4. A competência discursiva e seu diagnóstico

A defrontação, por parte do professor, com problemas de leitura("pequenas infelicidades textuais") nos textos de aiunos deve ser vis_ta como um recurso potenciel a se^riço destes últimos, recurso esteque o professor deve explor¿r. M¿s. para permitir aos alunos tir¿rproveito de seus "erros", o professor deve tratá-ros de maneire espe-cifica'Paru M'-J' Reichler-Béguerin, o problema maior do professoré compreender como o aluno pôde cometer o erro que cometeu,de acordo com qual ,,grarnâtica,'

implícita eie agiu.Assim como esraautora, supomos que seja possível ,.restabelecer,,,

por inducão, umaocorrência singular das propriedades reiteráveis em direção a umprincípio causal mais geral; e, por our-ro lado, supomos que este aces_so se¡a uma condição para um trabalho pedagógico pretendido, paraum fe e d b acle " cirâr gic s,, t t

.

1r A "propriocepçâo" textuar é um circuito manifestamente extenso para se instalar.ver a diferença colocada por Ricardou (197g) entre a rereitura e "redescobertas,,.14 Como dizem os rnilitares-cínicos.

91

liVê-se que o realwn é um colega do .!.'útourdit/ aturdido deJ. Lacan.

95

lJzalunu: Análise do Disarso e ensino de lín.gua matern.a

Se o contrato didático fornece um quadro que constitui uma con-

dição necessârtapara este exercício, ele não é uma condição suficiente:

a existência de um contrato não revela nada sobre a maneira de o reali-

zar. Corro compreender e interpretar as pequenas infelicidades' como

compreender o discurso do uzaluntt, e como, a pattur disso, articular

o retorno didático de maneira útil? É uma questão de postura e de

estratêgia da parte do Professor.

A relação dtdâttca, desse ponto de vista, tem pontos comuns com

outras relações de ajuda, como as psicoterapias, por exemplo. O fato é

conhecido pelos terapeu[as sistematicistas com o nome de "paradoxo

da relação terapêutica" e se enun(:ia dessa forma: "Como ajudar alguém

a não necessitar de ajuda?"Além de ser relações inegáveis, são relações

que mobilizarn,na pessoa auriliada, uma parte dela mesma que ela

desconhece e da qual ela deseja, ou se supõe que ela deseje, o desapare-

cimento - o "eu" nevrálgico, ott o uzalruurls. O "paradoxo do profes-

sor". nessa perspecdva. consiste €m como o professor -

par^ permitir

ao aluno fazer desaparecer o uzalwru -

deve, num primeiro momento'

procurar torná-io o mais tangível e o mais manifesto possível.

No que concerne à naí:;rez¿r da relação pedtgígica, nós postula-

mos, seguindo o pensamento de'WlJames, que o melhor que um pro-

fessor pode fazer por seus alunor; é torná-los mestres de suas escolhas,

isto é, responsáveis - o que nós chamamos de "ideal jamesiano". Esta

questão é essencial quando ensi.lamos a escrita: os alunos, em alguns

pontos, têm um desejo muito fôrte de desposar estilos, de se deixar

fluir nas identidades pré-formadas, que eles habitarão tanto bem quan-

to mal, descobrindo urn tçahttut para mâscarar um outro; é o estado

coquete do "preparado para esttrever", do qual (2) e (3) acima são

excelentes ilustrações.Talvez seja, urna etape importante na maturação

da competência discursivarllaforrna escrita (vide os diferentes estados

aquisicionais descritos por Bereiter, 1980), mas isto não é seguramente

- e felizrnente

- o estado terrninal de maturacão.A otimização pe-

Análßcs do discurso hoje

daglgica consiste em remeter os alunos a si mesmos -

a ferramenta

e a mediação a serviço dessa otimização ê o que nós chamamos de o

"espelho experto".

A postura do "espelho experto" (srnoultzn; AUCHLIN, 1'997) decor-

re desta otimtzação pedagígica, visando a fazet advir uma pessoa que

escolhe o que ela faz, dominando, ou pelo menos, respondendo por

suas escolhas. No que concerne ao professor de redação, isso consiste

em permitir à pessoa ver e perceber o que ela faz, isto é, remeter-lhe

a uma imagem tão explícita quanto possível das tantas experiências de

leitura possíveis de seu texto. Fazer o contraste, de um lado, do que

compreendemos que o aluno quis dizer com, de outro lado, o que com-

preendemos que ele diz e que vem do uzalunu.Isso já será um efeito

de "espelho experto".

Se retornarmos aos exemplos (2) e (3) acirna, o que nos interessa

é o fato de que seus redatores obtiveram seu acordo interior imple-

mentando um dispositivo iinguageiro virtualmente cacofônico, isto é,

permitindo a emergência e a identificação de dois locutores distintos:

um locutor oficial e urn uzahtnu, eÍÍr relação cacofônica. Esta pro-

dução virtualmente cacofônica é constitutiva e específica do modo

de funcionamento destas competências discursivas. Estes modos de

funcionamento são tipificáveis (recorrentes em espécie). Portento, eles

podem ser estudados tanto do ponto de vista "clinico",visando a des-

crever cadâ caso em sua singularidade, quanto do ponto de vista "pa-

tológico", buscando retirar ligações e generalízações de um conjunto

de casos clínicos. Como preticante, o professor é evidentemente con-

cernido pelo aspecto clínico.A última questão que nos interessará será

a de saber como as hipóteses diagnósticas se formam e se estabilizam

no diálogo didático, como o professor pode, no fim das contas' colocar

legitimamente sua intuição em proveito do aluno.

A identificação do ttzalutw ê obleto próprio do diagnóstico da com-

petência discursiva: o diagnóstico consiste em revelar as característi-

cas particulares do funcionamento de ume ou de outra competência

discursiva, a maneira e as condições sob as quais ela atinge seu estado

96 97

UzaJl:;:l:: AnáIise do Discurso e ensino de língua matenu

de equilíbrio ou acordo interior com o material textual que produz,virtualmente cacofônico. Enquanto diagnóstico de uma competênciediscursiva, o professor supõe uma certa visão, algumas hipóteses-qua-dro sobre eîat.oreza e o funcionamento da competência discursival..

Para nós, a competência discursiva não se assemelha à reunião cumu-lativa de domíníos de conlrccimentos dístitttos de pesquisadores inspiradospela competência de comunicação de Hymes (198a), os mais arivos

em matéria de didática e ensino de línguas.A nosso ver, a competênci¿discursiva é nossa condição de seres equipados de linguagem, de formaque nós podemos tratar das seqüências de enunciados como pertencen-do à esfera do vivido e fazer uma certa experienciação específica disso.

É b.- essa experienciação, e ela somente, que é conveniente nomeer"discurso" e não as seqüências verbais que alimentâm a competênciadiscursiva, sobre as quais projetamos, erradamente, propriedades de sua

experienciação. Por isso, recusamos igualmente a tese (freqüentementejulgada à revelia como implícita por pesquisadores) segundo a qual po-demos dar conta do discurso restituindo "sua interpretação,'.

O funcionamento da competência discursiva consiste: (a) em ajus-târ permenentemente um ser-fora-da-fala,sujeito falante (em um sen_

tido próximo daquele de Ducrot) e um ser-de-fala, um locuror; (b) .-ajustar entre eles um estado de equilíbrio nomeado "acordo interior,',sob a forma de um sistema auto-regulado (sistema termodinâmico).Aspropriedades dos objetos verbais apresentados, o texto do discurso, são

aquelas pelas quais o sistema (a competência) "se auto-regula", ajusta

as necessidades expressivas do sujeito falante às contingências dos lo-cutores possíveis e obtém, assim, por si só, seu acordo interior.lT

Fazer o diagnóstico de uma competência discu¡siva operacionaliza,mals concretamente, um componente empático, e percepção em ação

do mundo de regulação próprio a um dado aluno de redação.Tiata-se

de tentar sentir, do interior, como o aluno de redação pôde obter seu

t6 É o componente propriamente dedutiuo do diagnóstico.17 Para mais detalhes : Auchl in, 19 9 6a, 1 9 9 6b e Stroumza; Auchhn, 1,9 97

Análßes do discurso hoje

acordo interior pelo texto; de perceber sob quais condições este texto

pôde ser satisfatório para ele. Esta percepção em ação ê uma condição

da operacionalização do componente indutivo do diagnóstico, que

consiste em formar hipóteses a partir desta percepção.Acessoriamente,

a abordagem aqui é sistêrnica ao postular que é o mesmo dispositivo,

uma competência discursiva, que é o objeto visado pelo diagnóstico e

o próprio meio deste diagnóstico.

lJm estudante, em uma cópia de exame, ortografa a palavra êxíto

como "hêxito". O que podemos compreender disso? Além do erro

ortográfico, ê a dferença ortográfca que é levada em consideracão pelo

uzahunt, que é o seu próprio trabalho. É preciso compreender essa

forrna como um sintoma para buscar outrâs eventuais manifestações da

"mesma patologia". Estas manifestações não seriam, necessariamente,

ortogrâfrcas, mas teriam â ver com as razões que tivessem presidido a

emergência dessa forma, logo, tendo uma relação com o propósito do

uzalunu. Qual é este propósito? O uzalunxl mostra que ele torne com-

plexa uma forma de origem simples, convertendo-a em uma forma

não atestada. Isso pode (entre outras coisas) tanto servir pare tornar

público um desejo de se f¿zer conhecedor, quanto ser um pedido de

reconhecimento quanto a sua pertençâ -

pretendido pelo próprio

desejo de se rornar público -

à comunidade daqueles que sabem (ou

que têm acesso às coisas complicadas).

5- Estatuto d.o uzalunu

De tais considerações, deduz-se que o estatuto do uzalunl é comple-

xo, compósito ou ainda heterogêneo, e cerÍrecaf pelo local onde se

Tocahza. De fato, o uzalunu emerge da conjunção de duas dimensões

do discurso.

O uzalurut comporta uma dimensão linguageira dada pelos enun-

ciados de um texto, exempliftcada aqui pelo neologismo hêxíto. Aidentidade do uzalunu é assim, trlbutâria desse neologismo: em outras

palavras, se não hâhêxito (com h), não haverá uzalunu.

98

(4) "Você declarou: vou pendurar as chuteiras! Eu não acredito nisso!"

99

lJzalunu: Análise do Disauso e ensino de língua materna

Mas a identidade do uzalunu também depende de uma segunda

dimensão do discurso que nós nomeeremos psicossocial. Ela considera

que o discurso é plenamente significante, levando-se em conta a rela-

ção de comunicação instaurada entre as instâncias empíricas, ou seja,

em carne e osso.

Com efeito, o discurso constrói expectativas em função dos sujei-

tos da comunicação, bem como finalidades práticas. Em nosso caso, a

identidade do uzalunu é dependente de uma relação de troca especí-

fica entre um aluno e um professor. De modo mais específico, é mais

relativa ao aluno: ou seja, se não há aluno, não haverá uzalunu.

O uzalunu constitui, a partir e fundamentalmente desse ponto, uma

instância compósita na medida em que advém do encontro entre o

uso da linguøgem e o uso de uma situação de comunicação cujos traços são

respectivamente: unidades língüísticas e desempenho de papék psicossocíais-

Tornemos estes pontos mais precisos.

6. Discurso e polifonia

De certa forma, podemos sustentar que o discurso é o produto de uma

atividade.Enquento tal, o discurso deixa, então, duas espécies de traços:

linguageiros e psicossociais.Tanto uns quanto os outros constituem o

discurso e manifestam, numa problemática da identidade, uma mesma

realidade polifönica dos sujeitos.

6. 1. Polifonia linguageira

Na ótica de um lingüista como Ducrot, um enunciado é polifônico

quando identificamos nele uma superposição de vozes associadas a

instâncias diferentes.Assim, o enunciado seguinte é polilônico no pla-

no linguageiro.

Análßes do discurso hoje

De fato, percebemos facilmente que as palavras remetem à imagemde dois sujeitos: o sujeito EU_1 que ttaz umjulgamento proferindo"Eu não acredito nissor", e que apóia este julgamento sobre paravrasenunciadas por outra pess oa,urnBrJ-2que teria proferido "vou pendu-rar as chuteiras!".Assim, es marcas de pessoa remetem uniformementea duas instâncias diferentes, pois EU-1 não poderia ser responsávelpela declaração atribuíde como sendo testemunho das marcas de umdiscurso reportado "você declarou',, ao contrário de EU_2.

Podemos ainda detalhar esra estruflrra polifônica d.istinguindo <su_Jelto que reporta> as palawas de um <outro sujeito> para se definir, emultimo lugar, como um <sujeito de opinião>. Esta é, aproximadamente, aimagem da enunciação dada pelas palawas. Mas esta imagem seria incom_pleta se não levarmos em conta a vertente psicossociar da enunciação.

6. 2. Poffinia psicossocial

Consideremos que o enunciado (4) seja dito por um jornalista quetem como objetivo suscitar uma reação por parte de seu convidado,uma estrela do futebor. As palavras participam então de uma situacãodo tipo "entrevista

''idiâtica" que manifesta uma outra forma de porr-

fonia dos sujeitos. Não é mais a dimensão do DIZER que é p.iorida_de, mas uma dimensão mais englobante do SER e do FAZER.

Num quadro midiático, o sujeito que diz:,,Você declarou: vou pen_durar as chuteiras! Eu não acredito nissor" não é o centro de interesseda comunicação: ele não ê. a estrela, e slm o outro. Este outro, precisa_mente, trata de coletar o discurso pa,,tornâ-ro público.A expectativada comunicação midiátic a raz do entrevistador um avalista de seu con_vidado. Mas, ao mesmo tempo, o entrevistador, a serviço de seu convi_dado, ê também um jornalista: isto é, uma instância de retransmissãoque informa ao seu púbüco o que se passa no mundo. O jornalistaopera, assim, a serviço de seu púbiico.

Nesse sentido, um enunciado .,Você declarou: vou pendurar as

chuteirasl Eu não acredito nissor" manifesta uma polifonia da identi-

100101

lJzalunu: Análise do Discurso e ensino de língta materna

dade psicossocial dos sujeitos. EIe teùiza,localmente, um objetivo de

comunicação (suscitar uma reação) que se explica, globalmente' pela

atividade de entrevistar (solicitar o discurso do outro). Esta atividade

específica êleg;tirna pela pertença do entrevistador à categoria socio-

profissional dos jornalistas. Dito de outra forma, o sujeito psicossocial

comporta três identidades independentes umas das outras, mas en-

gajadas, ao mesmo tempo, por seu discurso: ser um jornalista, ser um

entrevistador, ser aquele que suscita uma reação.

7. Contratos de cornunicação

Em resumo, o discurso ðâ :lrna imagem duplamente polifônica da

enunciação no plano linguageiro e no plano psicossocial. Efetivamen-

te, no registro musical, duplicar a pluralidade das vozes é visualizar que

a sinfonia do discurso não se orquestra sem mostrar dificuldades. Po-

demos, até mesmo, temer ume certa propensão à cacofonia discursiva.

Ora, o enunciado do jornalista não soa falso: apesar das -

ou graças

às - instâncias múltiplas que aí se operam. Ele soa, sobretudo, preciso.

Desse fato advém a hipótese das cognições (dos saberes e das habili-

dades) socialmente construídas e partilhadas que tornem o discurso ao

mesmo tempo interpretável e aceitável.

Estas cognições determinam e explicam a polifonia genetalizada

dos discursos. Mais precisamente, elas testemunham um quadro de ex-

pectativas, ou urn contrato de comunicação18. De nossa parte, postule-

mos a hipótese de que os sentimentos de felicidade ou de infelicidade,

de cacofonia ou de harmonia no discurso dependem dos modos de

manifestação de um dado contrato. Consideremos dois exemplos que

testemunham respectivamente um Pequeno sucesso e ume pequena

infelicidade de comunicação.

lsVer as noções mais ou menos idênticas de "sentido da estrutura social" (CICOUan,

1,979),"horrzonte de saberes" (nannnluras, 1987), ou "cognição social" (snorrrn; crn-c¡N, 1989, sHorrrn, 1994).

Análises do dßcurso ltoje

7 .7 . Pequena felicídade de comttnicação

Na rua, um pâssante A interpela um outro passante B

(5) Na rua,A diz aB:

Â: "Com licença, você pode rne dízer que horas são, por favor?"

Dizendo isso, o passante faz clararnente três coisas. Inicialmente,

usando "com licença", ele constrói linguageiramente um <sujeito que

intervém sobre o território do outro) e testemunha, assim, a consciên-

cia que ele tem daface do outro (no sentido de corru¡N,I973).Emseguida, com "você pode me dizer que horas são?", o pessante constrói

linguageiramente um <sujeito que questionz> -

rnarcada como tal no plano sintático e lexical. Enfim, com "por favor" ,

o pessante constrói linguageiramenre um <sujeito que pede> -

a 1o-

cucão "por favor" levando a considerar a questão como uma demanda

de fazer.

Assim, o passante A elabora uma proposição de relação social, isto

é, uma proposição de troca entre dois sujeitos, o que supõe, eo mes-

mo tempo, um mecanismo de ajustamento, isto é, um contrato e uma

avaliação positiva ou negativa da troca. Com efeito, a reação do outropassente B e a réplica seguinte correspondem, termo a termo, ao con-trato de troca:

(6) O outro passante B, respondendo:

B:"Não tem de quê. Sim. São exatamente nove horas."

Dizendo, "Não tem de quê", B reage, efetivamente, à idéia da ofen-sa territorial. Dizendo, em seguida, "sim", ele responde literalmente

à questão de A. Por fim, dizendo "São exatamente nove horas", B dá

uma seqüência favorável ao pedido de A e a troca pode se Gchar.

Isso nos leva às duas considerações seguintes: a primeira recai sobre a

ligação entre es duas identidades psicossocial e linguageira dos sujeitos.

102

re O termo palmarès significa "quadro de medalhas"' (N'T')

103

lJzz\tnt:: Anâlise tlo Discutso e ensíno de língua matenta

Por sua troca, cadafaceta pertinente dos suj eitos psicossociais ê trad.u;ziða

em palewas. O que eles fazem e o que eles são é fortemente manifestado.

Dito de outra forma, as palawas aqui são suficientes pe¡ra ðizer o contra-

to, ou se o preferirmos, o contrato e as palavras se interpõem'A segunda

consideração recai sobre a construção da relação com a produção nesta

troca. Observamos que o que é proposto por um é aceito pelo outro'

As palavras do discurso refl.etem este estado, elas revelam a construção

do contrato de troca. Em suma, o senúmento de uma comunicação

rotineira bem-sucedidaparece estar ligado ao fato de os sujeitos se con-

tentarem com uma construção local de um contrato de troca'

7.2. Pequena infelicidade de comunicação

o exemplo autêntico que segue é totalmente contrário ao anterior.

Jean-Pierre Papin, jogador, estrela do futebol francês, é entrevistado

por Hughes Delatte, um falso aptendiz de jornalista'

(7) Delatte: 'Jean-Pierre Papin... Bom dia!"

Papin: "Bom dia!"

Delatte: "Você é jovem, esportivo, rico, célebre, pai de farítlia'

o que falta "airrða no seu ltaln'tarès?"1e

Papin: "Não muitas coisasl?"

D elatte : "Y eneza, tafvez? "

Papin: "Ahl Eu já fÁlâ..:' {sorriso um pouco constrangido>

Delatte:"Vocêjâfoi,oh"(silêncioumpoucoconstrangido)"Bom!"

A troca comeca pelos cumprimentos usuais, depois se encadeia

com uma questão do jornalista:

(8) "Você é jovem, esportivo' rico, célebre, pai de farrttTia,o que falta

ainda no seu Palmarès?"

Análßes do disutrso hoje

Esta questão parece err'baruçar o convidado, como se alguma coisa

de cacoönico aflorasse ali. Este sentimento difuso deve-se, sem dúvida,

ao fato de associar os traços "rico e célebre" com o traço"par de famí-

lta" na lista das qualidades do convidado, mas também na formulação

inábil de urn pressuposto: o que falta pressupõe que realmente "alguma

coisa falta a você".

Dito isso, o convidado aceita esse quadro de troca, ele responde

validando o pressuposto. E sua resposta, embora mínima, é correta:

Papin: "Não muitas coisas!?"

Delatte: "Yeîeza, talvez?"

Papin: "Âhl Eu já fut lâ..1'(sorriso um pouco constrangido>

Delatte: "Você jâ foi, oh" þilêncio um pouco constrangido)

"Bom!"

que mostra que o apresentador esperava algo mais. De fato, ele remete

seu convidado a um lugar comum. O convidado persiste e o entrevis-

tador fecha a troca.

Parece-nos ter aqui a impressão de uma troca malsucedida, apesar

de uma estrutura completa como, precedentemente, na troce entre os

dois passantes; apesâr também de uma boa vontade recíproca. Comefeito, coloca-se uma questão e responde-se e ela; depois pede-se

uma confirmação que ê dada.A infelicidade comunicacional não é,

pois, totalmente dada pelas palavras. Este sentimento de infelicidade,

se o admitimos, provém de um flutuamento no plano da situação,

isto é, das identidades psicossociais dos sujeitos e, mais precisamen-

te, da maneira pela qual os parceiros se definem urn ern relação ao

outro.

Assim, a pequena infelicidade localiza-se, inicialmente, no fato de

o 3ornalista não conseguir se fazer reconhecer como entrevistador. Se

sua pergunta parece inesperada, é porque ela iludiu as expectativas:

existem boas e más perguntas de entrevistadores. A pequena infelici-dade se dá na seqüência em que o jornalista não sabe chamar a aten-

101 105

(Jzalunu: AnáIße do Díscurso e ensino de língua materna

ção de seu convidado. Existem maneiras e maneiras de se chamar a

atenção, de onde advém a idéia de um contrato tácito que se encontra

aqui, sobretudo, mal circunscrito, provocando uma espécie de espanto

respectivo diante dos assuntos propostos.

Em resumo, nós sustentemos que todo discurso se compreende

levando-se em consideração um contrato pertinente que se maniGsta

de diversas formas, de acordo com o que se tem como preferência,

palavras ou ações de papéis desempenhados pelos sujeitos.

8. Contrato didático

Podemos definir esquematicamente a relação entre um aluno e umprofessor. Como todo contrato de comunicação,ela supõe convencio-

nalmente três parâmetros:

") arnafnalidade ow urn objetivo,

b) por conseqüència, meios para atingir o objetivo,

c) e, enfim, conseqüências previsíveis d¿ troca.

A finalid¿de da troca dtdâtrca,qualquer que seja a sua particularidade,

nos parece ser globalmente FAZER coNHECER, isto é, comunicar saberes

a alguém que não dispõe deles, ou que dispõe de maneira lacunar.2o

Isso implica, em todos os casos, a idêia de um saber de referência, que

constitui o objetivo da troca e que funda a did¿ticidade da comunicação,

parâ retomar o termo de Beacco e Moirand (Iangages,n. 1,17,1995). Os

meíos da troca são, entre outros, atividades como "ensinar" ou "avaTnr

conhecimentos", ou ainda "testemunhar seu interesse em aprender" ou

"fazer aprender". Enfim, as conseqüências da troca didátice, ou se o pre-

ferirmos, das expectativas, é a operacionalização possível ern contextos

não didáticos dos conhecimentos adquiridos pela troca didatica.

20 O que não se limita a uma transmissão mecanicista (conhecimento), mas implica, de

maneira decisiva, uma consciência reflexiva: um co-nâsclmento.

An'í\ßes do discurso hoje

lJma das especificidades da comunicação didâtica então não é ser-

vir parâ seu próprio fim, mas testar, simular, encenar seberes e habilida-

des cujas expectativas estão em outra esfera. Nesse sentido, o contreto

didático se define pelo fato de considerar outros contratos cujas ex-

pectativas estão temporariamente neatralizadas. A troca didática tor-

na-se então o local apartir do qual se interroga alígica contratual de

outros discursos, paru apropriar-se disso conforme suas necessidades e

para, em seguida, melhor explorá-lo.

A troca didática âpresenta, assim, por definição, uma forte propen-

são à cacofonia. Em virtude do contrato, esta não deveria ser vexatória

nem pâra o aluno nem para o professor. Sua relação implica, de fato,

ptoduztr a cacofonia, desalojá-la, explicá-la. Chamar a atenção sobre

esta dimensão do contrato é, em suma, conjurar antecrpadamente os

estigmas que o uzahtnu poderia vir a sofrer.

No entento, nada impede que a cacofonia seja dolorosamente

vivida. Se o uzalunu ê "inocente" no quadro didático, ele se torna

"faltoso", por vezes de maneira vergonhosa, em todos os contex-

tos futuros nos quais ele arrisc¿ se m¿nifestar e cujas expectarivas

pàre e pessoa são totalmente diferentes. Dessa circunstância origina-

se o paradoxo do aluno. Em situação didâtica, ele pode e mesmo

deve cometer erros para evitar cometê-los em outros momentos.

Ao mesmo tempo, sua angústia cresce corn a idéia de se mostrar e

de se aceitar corno o uzalunu que ele talvez seja ou que se supõe

que ele seja.

8. 1 . Identidades e papéís î'td troca didática

Para lirnitar a abrangência desse paradoxo, o contrato da troca didática

deve estabelecer contornos muito fechados. Consideremos o esquema

abaixo que sintetiza tanto as identidades do aluno e do professor quen-

to seus desempenhos de papéis, compreendidos como comportamen-

tos esperados e recorrentes.

106 107

IJzzlanu: Análße do Disurso e ensino de língua materna

I) Identidades e papéß etn ilma troca didátíca

TROCA DIDÁTICA

"Ser detentor de diploma"(Pré-condição social)

Professor(Atividade de comunicação)

Ilustrando, podemos sustentar que â troca entte ptofessor e aluno im-

plique, p^ra o primeiro, pré-requisitos sociais, como o fato de ser habi-

litado a ensinar, por exemplo, possuindo um diploma e,pare o segun-

do, ainda não dispor dos conhecimentos a ser adquiridos. Com efeito,

o uzalurut resulta de uma constatação endereçada por umâ instância

attorizada a constâtar: isto é, o professor. Esta constatação se direciona

púa urrra instância a priori incapaz de conduzir esta verificação por si

pr6prie, isto é, o aluno. Estes parecem ser os limites mais englobantes

da troca didâtica e estão ilustrados pelos retângulos superior e inferior

I

DEN

TI

DADE

P

PEL

I

DENTI

D

DE

captar

mostrathab¡lidade

"Estado de saber lacunar"(Pré-condição social)

Aluno-aprendiz(Atividade de comunicaçao)

AnáIßes do díscurso hoje

do esquema. Nós postulamos a hipótese de que eles sustentam impli-citamente os enunciados e marcam os limites além dos quais a troca

cessa de ser didática.

Os desempenhos de papéis ilustrados pelos círculos do esquema

são os elementos que asseguram explicitamente a coordenação da tro-

ca dtðâtica. Os papéis colocam em relação direta o professor e o aluno

em função das fases precisas da atividade didîtic¿.Assim, uma fase de

ensino supõe a atenção do aluno; uma fase de avùiação supõe corre-

lativamente que o aluno manifeste saberes e habilidades (e, portanto,

uzalunu). Os papéis constituem, a partir disso, retomadas estáveis que

permitem verificar a relação dtdâttca e tornar exatas as expectatlvas

dos uzalunus. Nesse sentido, os textos e os enunciados se produzem e

se interpretam sempre no quadro dos papéis específicos.

8.2. Níueis de enunciação na troca dídática

Conseqüentemente, todo discurso constrói um contexto enunciativo

em três níveis: (a) a atividade de comunicação globalmente em curso

constitui um primeiro nível de enunciação, o âmbito mais engloban-

te; þ) os desempenhos de papéis que constituem, efetivamente, fases

pontuais da atividade global fundam um segundo nível; e, enfim, (c)

os enunciados, que manifestam a dimensão linguageira da atividade

de comunicação, constituem o terceiro nível da enunciação intervin-do localmente. Podemos representar este três níveis de engajamento

enunciativo da seguinte forma:

2) Níveß de engajamento enunciatiuo

1.. {NÍvEL GLoB,{L DA,rrrvrDADE }

2. { (nível das fases da atividade: desempenho de papéis ) }

3. { ( t NÍVELLOCATDOSENUNCTADOS 1 ) }

108 109

(Jzalunu: AnáIße do Discurso e ensino de língua materna

Em um tal quadro, uma palavra corno hêxíto constrói, de imediato,

um contexto de interpretação com três desdobramentos. Estes fundam

a legibilidade dos enunciados no sentido de que funcionam como

marcas da intencionalidade em atividade convencionadas em um qua-

dro de comunicação.Assim, eles constroem em conjunto o formato dà-

pertinência dos enunciados. Nesse sentido, hêxito participa da constru-

ção de sua interpretabilidade sobre um modo específico que podemos,

brevemente, descrever.

3) Níuel global da atiuidade

{ NIVEL GLOB,{L DA ATIVIDTtDt Ì

: relação entre um EU professor e EUs alunos.

Inicialmente, hêxito somente maniGsta um uzalunu porque o atri-

buímos a um aluno na sua relação com um professor: isto é, apreende-

mos a manifestação linguageira do uzalunu em um nível global.

4) Níuel pontual das fases da atívídade

{ (nível das fases da atividade: desempenho de papéis ) }

: relação entre um EU avalíador e EUs mostrando suas habilídades

Em seguida, hêxito somente manifesta lorn uzalunu porque o atri-

buímos a um aluno no papel em que este suPostamente mostra com-

petências específicas: por exemplo, ortogr^ficas. Em outros termos,

localizamos o uzalunu, mais precisamente no interior do dispositivo

enunciativo, corno um elemento pertinente de um desempenho de

papel.

Análises do dßcurso hoje

5) Níuel local dos enunciados como traços da atiuídade

{ ( [ NrvEL LocAL Dos ENUNCIÄDos ] )

relação entre as rnarcas língüßticas de "Eu"

"hêxito""Você escteveu 'hêxítot ltt

)

Enfim, hêxito sornente manifesta urn uzalunu Porque sua aparição

foi notada pelo professor: um treço material e linguageiro é marcado e

comentado, o que supõe uma ocorrência pontual e preambular, assim

como sua inscrição nos dois outros níveis de enunciação.

9. Expectativas identitátias do uzahnu

Se a materialidade hêxito Permanece uniforme em qualquer que seja

o contexto, logo, suas expectativas comunicacionais são variadas. Elas

não desencadeiam, forçosamente, uma construção de uma identidade

de uzølunu,nem a estigmatizam -

quando aparece -

associando-lhe

irremediavelmente conoteções negativas. As expectativas identitárias

do uzalunu dependem assim, amplamente, do desempenho do papel

que es faz ¡dvir e do seu reconhecimento. Podemos evocar rapida-

mente três casos ilustrativos.

9 .1 . O born uzalunu

O uzalunu somente ¿perece como tal na seguinte configuração: o res-

ponsável pela enunciação ê a entidade polifônica "aluno" considerada

em seu papel de "mostrar saberes e habilidades" e, mais precisamen-

te unda, competências avaliadas sob a medida de normas evidentes,

como as normas ortográficas.

6) Emfase da atiuidadeAVALIAR: comltetências ortográfcas (escreuer correto)

{EU -ALUNO (EU - papel "mostrar competências" [EU - "hê-xito" I ) \

110111

lJzaf:¿nr:: Análise do Discurso e ensino de língua materna

Nesta configuração, concebe-se que hëxito seja o objeto do ajusta-

mento e de uma avaliação negativa pelo professor. Nessa perspectiva,

e constatação do erro não é vexatóúapara EU-AruNo, ou pelo menos

não o deveria ser. De fato, o aluno realiza as exPectetives do contrato

didático: o uzalunu se manifesta para ser corrigido e, por conseqüência,

não engaja nenhuma expectativa identitária marctda.

9.2. O uzalunu virtual

Ao contrãrio, podemos visualizar, sempre nesta configuração, que um

uzalunu pode não ser identificado e que isso possa ser virtualmente

vexatório para a professor. Nesse caso, pode até mesmo ter sua credi-

bilidade comprometida, caso um olho atento externo venha observar-

lhe o esquecimento da correção. Esquecer o uzalunu é negá-lo' E isso

equivale a pontuar uma falha na relaçIo dtdâtica, construindo uma

identidade "inesperada" do professor. '/'

9 .3 . O uzalunu autônomo

Enfim, mostrer o uzalunu, mas lhe imputar um julgamento positivo,

só é possível se visualizarmos um desempenho de papel inesperado

por parte do professor. Isso implica, por exemplo, passar ou, sobretu-

do, transitar por uma fase de atividade "tvaÏLer outra coisa que não a

ortografia".Assim, o professor vaToiza a imagem do ¡ruNo apesar de

- or graçxs a

- seu erro. Por conseqüênci a, o uzalunu é reconsidera-

do a partir de um lugar ou perspectiva diferente, e este distanciamento

enunciativo é, sem dúvidas, salutar. Na realidade, podemos pensar que

a utopia didâtica consiste em libertar arelação do aluno cQrnserrs uza-

lunus, tornendo-a autônoma.

10. Conclusão

Na busca do idealjamesiano - tornar o aluno responsável por si mesmo

- o professor, que tem a tendência a irnpedir os erros "para não os ver

Análßes do dßcurso hoje

mais", deve, ao conrário, dar ouvidos à vozes dos uzalunu¡ para, tendo-

as ouvido, devolvê-las para seus responsáveis. Este desempenho do papel

da escuta d¿s cacofonias pede uma atenção de maestro de orquestra, meio

focahzada, meio flutuante. Ela é inesperada, jâ qu;e é pouco praticada, e

não pertence ao repertório das práticas sociais de base. Neste caso, não é

somente a responsabilidade dos professores que está engajað2.

Referências

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MEMORIA, LINGUAGENS,CONSTRUçÃO DE SENTIDOS

Beth Brait (PU C- SP / U SP / CNPq)

"E o senhor, colno se chama?"

"Espere, está na ponta da língua"

Tudo começou assim.

(Urramnro Eco)

1. Considerações indispensáveis

Sem insistir na discussão de determinados conceitos sugeridos pelos

trabalhos de Bakhtin e seu Círculo, este texto procurerâ,pela leitura

do corpus selecionado, utlJirza;r sugestões teóricas que marcarn o que

hoje se pode denominar análise/ teoria dialógica do discurso.Dentre essas

sugestões destacam-se: a) a multiplicidade de díscursos que constituem

um texto ou um conjunto de textos e que se modificam, se alteram ou

subvertem suas relações, por força da mudança de esfera de circulação;

b) as relações dialógicas corno objeto de uma disciplina interdisciplinar,

denorninada por Bakhtin metalingùística ot translingüística, e que hoje

pode ser tomada como embrião da anfise / teoria dtalígica do discur-

so; c) o pressuposto teórico-metodológico de que æ relações dialógícas

se estabelecem a partir do ponto de vista assumido por um sujeito;