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Educação popular como ferramenta na assistência técnica e extensão rural: uma experiência do assentamento 1º de Maio em Curitibanos – SC
1 Professor Dr. Geraldo Antônio da Rosa UnC-Curitibanos
[email protected] Ana Jacira Fossatti
Assistente Social Curitibanos - SC
RESUMO
Este trabalho tem como ponto de partida, uma pesquisa realizada no 2º semestre de 2008 no Assentamento 1º de maio no Município de Curitibanos, Estado de Santa Catarina, propondo-se analisar o processo de educação popular relacionando-o à Assistência Técnica Extensão Rural. Enquanto pesquisa, caracteriza-se na sua tipologia como: exploratória, bibliográfica, pesquisa de campo e estudo de caso. O universo da pesquisa foi o Assentamento 1º de Maio no município de Curitibanos -SC. A População pesquisada foram: as lideranças do assentamento, professora, alunos e membros da comunidade.O tratamento de dados será feito de forma qualitativa. Na parte de fundamentação teórica será abordada a educação popular enquanto via de inclusão dos sem voz na América Latina; também será feita uma reflexão buscando traçar um panorama da educação popular na mesma. Através deste trabalho, procurou-se levantar elementos históricos à educação popular enquanto experiência prática do movimento dos Sem-Terra. Neste quadro teórico, destaca-se ainda, a Assistência Técnica Extensão Rural e sua relação com a de Educação Popular. Na pesquisa de campo, efetuada no Assentamento 1º de Maio no município de Curitibanos, procurou-se coletar dados no sentido de elaborar um referencial histórico a respeito do movimento, desde a sua gênese até a formação do citado assentamento, fornecendo subsídios para a implementação de projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural. Buscou-se ainda, com a pesquisa de campo, analisar o projeto educativo da Escola de Campo da Fazenda Bela Vista, construído no assentamento, bem como a educação popular implementada pela referida comunidade e o referencial teórico que norteia as atividades educacionais do movimento e de seu projeto educativo. Espera-se com este trabalho oferecer elementos para uma reflexão a respeito da educação popular, bem como, proporcionar subsídios para projetos e ações voltadas à Assistência Técnica e Extensão Rural. Palavras-chave: Educação Popular, movimentos sociais, Assistência Técnica e Extensão Rural, Movimento dos Sem-Terra.
ABSTRACT
1 Dr. em Teologia (Área de Concentração: Religião e Educação), Professor da Universidade do Contestado-Campus de Curitibanos e Coordenador da UnC Virtual – Polo de Curitibanos.
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This work, has as starting-point, a research made in the second semester of 2008 in the Assentamento 1° de Maio in Curitibanos City, Santa Catarina State, proposing to analyse the process of popular education in respect to the Rural Extension Technicist Assistance. Like a research, it shows in its kind as: exploratory, bibliographic, field research and study of case. The universe of the research was the Assentamento 1° de Maio in Curitibanos City – SC. The P Population researched was: the leaderships of the settlement, teacher, students and members of the comunity. The treatment way of the found will be made in a qualitative manner. Elsewhere, in the theoretician foundamentation, the popular education will be approached like a inclusion way to those of no voice of the Latin America; will be done, untill, a reflection with the end of delineating a view about the same. Through this work looked for raising up historic elements to the popular education while practic experience of the Landless Movement. Inside this theorist chart, stand out still, the Technicist Assistance and Rural Extension ane its relation with the Popular Education. In the field reseach, made in the Assentamento 1° de Maio in Curitibanos City, aimed the collection of basis with the sense of elaborating a historic theoretical regarding movement, since its genesis untill the formation of the named settlement, providing subventions to the implementation of Technicist Assistance and Rural Extension projects. Looked still for, with the field reseach, analysing the educative project of the Escola de Campo Fazenda Bela Vista, built in the settlement, as well as the popular education implemented for the named comunity and the theoretical that involves the educational activities of the movement and its educative project. Hope, with this work, offering elements for a reflection a respect of the Popular Education, such as supplying subsidies for projects and actions face to the Technicist Assistance and Rural Extension.
Key-Words: Popular Education, Social Movements, Technicist Assistance and Rural
Extension, Landless Movement.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe analisar a educação popular destacando sua importância dentro
da realidade social, política e econômica de nossa sociedade, procurando estabelecer relações
quanto a sua importância para a Assistência Técnica e Extensão Rural. O tema da pesquisa é
muito relevante diante da situação dos países da América Latina, nos quais as conquistas na
maioria das vezes, aconteceram e acontecem através de lutas das camadas populares
organizadas em movimentos sociais.
Analisando-se o processo de educação deste continente, observa-se que ao longo de
sua história as minorias privilegiadas sempre tiveram acesso às melhores escolas nos
diferentes níveis de ensino, o que fez com que a educação formal se tornasse elitizada. Porém,
ao lado de uma educação oficial, a partir das lutas e das organizações populares, as classes
excluídas criaram seus próprios currículos educacionais, sendo inúmeras as experiências de
educação popular em nosso Brasil, bem como, em outros países deste Continente. Dentre as
inúmeras experiências, evidencia-se a educação no campo, de maneira especial a dos
assentamentos do Movimento dos Sem-Terra.
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Esta pesquisa foi desenvolvida no Assentamento 1º de Maio no Município de
Curitibanos-SC. Neste assentamento residem pessoas vindas de outros municípios e do meio
rural. Destaca-se nesta realidade a implantação de projetos de relevância quanto à
metodologia, bem como, os resultados. Um dos projetos de grande destaque é o de educação
popular, que tem a Escola Isolada Municipal Fazenda Boa Vista, como o referencial educativo
da comunidade.
Este trabalho de pesquisa tem por objetivos, analisar o processo de educação popular
desenvolvido no Assentamento 1º de maio no Município de Curitibanos, evidenciando as
atividades educacionais desenvolvidas pela comunidade educativa da Escola Isolada
Municipal Fazenda da Boa Vista. Para alcançar este objetivo norteador, traçaram-se os
seguintes objetivos específicos: abordar o contexto da educação popular na perspectiva latino-
americana e brasileira, caracterizar conceitualmente a educação popular relacionando-a
enquanto ferramenta para a Assistência Técnica e Extensão Rural, historicizar o processo de
formação do Assentamento 1º de Maio no Município de Curitibanos e descrever o projeto de
educação popular, estabelecendo relações com o processo de Assistência Técnica e Extensão
Rural.
No que se refere à relevância científica, caracteriza-se como uma pesquisa inédita,
haja vista, do ponto de vista do objeto, não se ter feito nenhuma investigação na realidade
pesquisada.
Do ponto de vista social, este trabalho apresenta sua relevância no sentido de trazer
elementos para discussão a respeito da educação popular, em um assentamento do Movimento
dos Sem-Terra, bem como, oferecer elementos para trabalhos de Assistência Técnica e
Extensão Rural à referida comunidade.
O universo da pesquisa será o Assentamento 1º de Maio no Município de Curitibanos–
SC. A população investigada é composta pelas lideranças do Movimento dos Sem-Terra
assentados, a professora da Escola de Campo Fazenda Boa Vista e observação dos alunos e da
comunidade dos assentados. A amostra classifica-se, portanto, como sendo intencional e a
abordagem dos dados será qualitativa.
Através desta pesquisa propõe-se desmistificar a realidade dos assentamentos,
trazendo para a coletividade experiências desenvolvidas que servem como referencial para o
processo educacional e para a Extensão Rural. Espera-se com este projeto, destacar os
referenciais teóricos e metodológicos de educação popular desenvolvido pelo Movimento dos
Sem Terra no Assentamento 1º de Maio, fornecendo elementos para a implantação de projetos
de Assistência Técnica e Extensão Rural.
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2.MARCO TEÓRICO
2.1 A EDUCAÇÃO VIA DE INCLUSÃO DOS SEM VOZ E SEM VEZ NA AMÉRICA
LATINA
A América Latina contemporânea tem fornecido cenário para emergência e
multiplicação de movimentos sociais ao longo das últimas décadas. Para compreender esses
movimentos sociais não basta, porém, debruçar-se exclusivamente sobre eles, embora isso
seja evidentemente necessário. Tampouco, serve-nos evocar em tom de denúncia ao
neoliberalismo que tem dado as cartas desde a década de 1990.
Este trabalho pretende buscar uma reflexão inicial sobre a questão de educação
popular, não dentro da ótica da pedagogia, porém, à luz dos fundamentos sócio-históricos.
Entretanto, antes de qualquer análise, preliminarmente é importante conceituar movimento
popular. De acordo com o documento de São Bernardo (apud MORROW; TORRES, 2004, p.
12):
Entendemos por movimento popular todas as formas de mobilização dos indivíduos das classes populares, diretamente relacionados com o processo de produção tanto da cidade como do campo. Os movimentos populares incluem as associações de moradores (subúrbio) na periferia, os clubes de mães, as associações de favelas, os grupos de apropriação ilegal de terras, as comunidades de base cristã, os grupos organizados em torno da luta pela terra e outras formas de luta, e as organizações populares. Devido à sua natureza específica, estes movimentos têm uma classificação definida dada à categoria ocupacional de seus membros.
Para se falar sobre a educação popular na América Latina, primeiro tem que se buscar
sua situação histórica de um continente colonizado dentro dos padrões de exploração do
mundo capitalista europeu. Este processo teve sua origem a partir do processo de invasão
pelos portugueses e espanhóis e perdura até os dias atuais. Este modelo que privilegiou o
enriquecimento de alguns, por outro lado deixou a maioria das populações relegada dos
benefícios. Um dos poderosos instrumentos utilizados na perpetuação do mando e na
obediência cega por parte da maioria da população, foi o sistema educacional que se prestou
para disseminar as idéias, os valores e as ideologias dos grupos dominantes. Houve neste
continente, movimentos de reação a esta realidade, bem como, movimentos de perpetuação
dos interesses das camadas dominantes desta sociedade.
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Tomando-se como referência, salienta-se as primeiras experiências de Paulo Freire,
em princípios dos anos 60. A educação popular conta já com quase 50 anos de projetos e
experiências. De acordo com o Conselho de Educação de Adultos para América Latina:
A educação popular segue sendo um conjunto de práticas e enfoques realmente existentes e o CEAAL tem continuado seu esforço de difundi-la e aprofundá-la. Neste sentido e olhando para o futuro, quais seriam os principais aspectos que devem ser trabalhados para fortalecer um movimento de educação popular na América Latina que contribua para a transformação social?(EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA LATINA, 2005, p. 12)
O que se propõe com a educação popular é o resgate dos valores éticos. No Brasil,
existem muitos exemplos de projetos bem sucedidos numa sociedade onde tudo se torna
correto, onde todas as atitudes das pessoas tornam-se normais. Neste sentido existe a
necessidade de se destacar que esta educação deverá estar comprometida com transformação e
não com a mera manutenção do “status quo”.
Frente a esta reflexão, o que faz parte do programa do currículo da escola brasileira
não é o mesmo para toda sociedade. Existe escola para os que vão comandar os destinos
políticos e econômicos da sociedade, bem como, por outro lado, existem escolas que
oferecem o mínimo para as pessoas das classes menos abastadas. Gramsci (apud MORROW;
TORRES, 2004, p. 4) assim escreve:
Primeiro o ensino das crianças não devia ser vocacional no sentido de providenciar preparação técnica ou profissional: uma escola ‘unitária’ devia transmitir uma cultura humanística comum a todas as criaturas, sem uma prematura espacialização vocacional. Mas, segundo a cultura humanística da escola devia valorizar os valores acadêmicos tradicionais de objetividade, pluralismo e racionalidade - a desinteressada procura do conhecimento.
Quando se fala em educação popular hoje em nível mundial, não se pode deixar de ter
como referência o pensamento da América Latina, uma vez que, este povo em sua maioria é
um povo pobre. Esta marca de miséria tem sua origem na colonização marcada pela
exploração dos portugueses e espanhóis. Isto fez com que ao longo de sua história, uma
minoria fosse os que dominavam grande parte do povo que vive num grau extremo de
pobreza. Esta população infelizmente tem pouco acesso a uma educação de qualidade. Neste
sentido, a educação popular visa dar oportunidade numa perspectiva libertadora oferecendo
instrumentos de luta.
Diante deste contexto o Conselho de Educação de Adultos da América Latina faz a
seguinte observação
Natural é interpretar a realidade. Extraordinário é formular métodos para transformá-la. Natural é ter consciência social. Extraordinário é desenvolver a
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consciência política. Natural é cooperar em todos os sentidos. Extraordinário é forjar e desenvolver novos seres humanos. Natural é fazer pressão. Extraordinário é criar referencias permanentes no tempo e no espaço. Extraordinário é educar transformando. Natural é tomar decisões. Extraordinário é implementar princípios que dão sustentação às decisões. Natural é criar instâncias e fazer parte delas. Extraordinário é exercer direção coletiva. Natural é formular normas para manter a ordem. Extraordinário é a disciplina consistente. Natural é apegar-se a ídolos. Extraordinário é constituir símbolos e desenvolver a mística. (EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA LATINA, 2005, p. 41)
A maior parte da população deste continente foi deixada de lado por muito tempo
pelos grupos dominador que têm em suas mãos os poderes político e econômico. Através de
projetos de educação popular, há que se devolver a voz e a vez às camadas populares. Torna-
se imprescindível ao ser humano em toda sua extensão, a vivência de seu papel de cidadão
dentro de uma sociedade que joga para fora a maioria dos indivíduos. Ao abrirmos os anais de
nossa história oficial, vemos que esta é relatada a partir do interesse dos que dominam.
Enquanto, que não é dado importância aos movimentos sociais que surgem das bases
populares. A respeito desta situação o Conselho de Educação de Adultos para a América
Latina, prossegue com a seguinte observação:
Historicamente o popular, a partir do projeto da modernidade, foi e continua sendo o povo, os não-povo, sempre foram os com dinheiro e os com poder e cultura. O povo é tido, ainda hoje, pelo projeto hegemônico, como o particular do universal político, considerado o conjunto dos cidadãos Tanto é assim que a proposta do projeto que hoje hegemoniza é a de elevar o popular (também chamado “excluído” ou “em zona de risco”) á categoria de cidadão. (EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA LATINA 2005, p. 50)
É de grande importância, a partir de uma análise do Conselho (2005), no que se refere
questão dos movimentos sociais, enquanto espaços “movimento popular” ou, plural,
“movimentos populares”. Ressalta-se ainda, que o popular da “educação
popular”, desde a década de 60, trazia em suas lutas a promoção de práticas educativas
“libertadoras”. Estas ações voltavam-se ao desenvolvimento de sujeitos coletivos e populares,
capazes de constituírem-se em sujeitos das necessárias mudanças sociais e políticas em favor
da justiça, da igualdade e do desenvolvimento requeridos por nossa sociedade
Há que se destacar a Educação Popular na América Latina, a partir dos avanços
decorrentes dos anos 60, voltada à democratização dos espaços públicos e da democratização
das estruturas políticas. Neste momento apresenta-se um forte crescimento de práticas
participativas, voltadas a uma redefinição do relacionamento do Estado com a Sociedade
Civil. Estado este, que servia aos interesses de grupos minoritários, sendo privatizado para
servir aos interesses do capital. Uma das maneiras eficazes para esta redefinição do papel do
Estado, encontra-se assentada na participação popular. Estas práticas participativas geradas a
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partir das organizações da sociedade civil, provocam um maior aprofundamento no quesito da
cidadania, construindo nos meios populares uma cidadania ativa.
Na década de 90, diante de uma nova realidade que o mundo vivia, houve a
necessidade de se efetuar uma revisão a respeito dos desafios da educação popular no que se
refere a concepções e metodologia, havendo a necessidade de criação de novos instrumentos
de intervenção denominado refundamentação da educação popular. Assim, buscou-se
redefinir seu papel, suas tarefas, sua concepção metodológica e criar novos instrumentos para
sua intervenção. De acordo com o Conselho de Educação de Adultos: ”Como ponto de partida
pode-se encontrar em Paulo Freire uma visão sempre dialética acerca do alcance e dos limites
de uma prática educativa na construção da cidadania”. (EDUCAÇÃO POPULAR NA
AMÉRICA LATINA, 2005).
2.2 EDUCAÇÃO POPULAR - DESAFIOS DIANTE A DIVERSIDADE E A EXCLUSÃO
Um dos aspectos a ser ressaltado é que a educação popular surge na América Latina
nos momentos de dificuldades. Neste Continente, é marcante a influências dos governos
ditatoriais e da presença dos regimes militares. Neste contexto, foi muito forte a ação no
sentido de perseguições e de desrespeitos aos direitos humanos. Porém, destaca-se que em
meio a esta realidade surge a necessidade de enfrentá-la. Para que isso ocorresse, mesmo
diante das forças de ferro da opressão, buscou-se trabalhar em favor da liberdade. Este projeto
surgiu a partir da necessidade de se criar uma consciência coletiva de liberdade e da
necessidade de transformação. Neste momento, particularmente no Brasil, o povo vivia
subjugado aos interesses e desmandos dos militares que estavam no poder. Estes grupos
defendiam os interesses das classes dominantes e educavam o povo dentro destes parâmetros.
A educação popular em termos de América Latina vai ao encontro dos pressupostos
teóricos e metodológicos da educação libertadora. Quando se fala em educação libertadora, há
que se pensar numa educação transcendente à tarefa de preparar os indivíduos para o mercado
de trabalho no mundo capitalista. Tem que se projetar uma educação que liberte os seres
humanos das amarras políticas econômicas e sociais. Este modelo de educação deverá buscar
a articulação de propostas voltadas a educação popular, embasada em uma sólida
fundamentação teórica numa perspectiva emancipatória associada ao desenvolvimento
científico e tecnológico.
Para se trabalhar dentro de uma proposta Freiriana, o Conselho de Educação de
Adultos para América Latina (2005), esclarece que o ser sujeito da história é uma
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característica que faz parte de todo ser humano. Outro aspecto destacado nesta perspectiva
educacional, é que a mesma não pode acontecer de forma autoritária, uma vez que, os seres
humanos se educam em comunidade, ou seja, a educação não é algo que acontece de forma
isolada. Para isto, há que se desenvolver, oportunizar momentos de conscientização e de
organização popular. Os seres humanos se educam em comunidade e não separados dos
demais. Isto se concretiza a partir da consciência da própria história, uma vez que no
momento que este toma consciência da sua realidade, ele vai construindo a sua identidade e
pensamento.
Sementes de determinados produtos são de propriedade de grandes grupos e os
recursos minerais que estão nas mãos de poucos, são exemplos concretos desta situação. A
respeito desta conjuntura Wanderley destaca:
(...) Nesses 500 do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injustiça que reinam na estrutura social dos países latinos americanos, resultantes dos modos de produção e de reprodução social, dos modos de desenvolvimento, que se formaram em cada sociedade nacional e na região em seu complexo. (WANDERLEI apud CASTEL et al. 2000, p. 58)
Entretanto diante das fortes correntes que aumentam a distância entre os mais ricos e
os mais pobres em nosso continente, é importante resgatar os velhos valores. Becker faz o
seguinte comentário:
Inesperadamente em nossos dias, temos como cooperação, parceria, participação, integração ao lado de outros como consórcios, redes, arranjos de produção e inovação organizam o discurso dos agentes regionais (econômicos sociais e políticos) do desenvolvimento e fundamentam toda pregação pró-diferenciação, diversificação e pluralização dos modelos de desenvolvimento. (BECKER apud CORREIA, 2003, p. 90)
Neste contexto, torna-se de grande importância, na atualidade, que se lute por uma
sociedade voltada a afirmação dos valores humanos. Becker faz a seguinte afirmação:
Nesse contexto, os padrões de desenvolvimento, longe de surgirem da cabeça de um só homem ou de um grupo de tecnocratas e de serem simples derivações formais da economia de mercado, nascem dos homens que organizam juntos no processo de uma troca dialógica fundamentada na cultura dos diferentes grupos. (BECKER, apud CORREA, 2003, p. 106)
Dentro da realidade do Brasil e dos países da América Latina, a educação tem um
papel importante. O povo carece da oportunidade de uma educação para a liberdade.
Entretanto, observa-se que dentro do mundo da educação, que o sistema educacional
encontra-se ligado diretamente aos interesses do mundo capitalista, deixando lacunas no que
seja o real sentido de uma educação para a autonomia. Segundo Marcir Gadotti: ”A escola
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que está perdendo a sua autonomia também está perdendo a sua capacidade de educar para a
liberdade”. (GADOTTI, 1994, p. 9)
Gadotti (1994) destaca também, a necessidade de se começar pelas pequenas
mudanças para que se possam atingir as grandes mudanças. Não adianta tomar-se uma postura
que irá resolver tudo pela educação. Entretanto a educação tem que fazer sua parte. O autor
enfatiza a importância de se pensar a educação dentro de outros caminhos: “Destaquem-se
ainda as chamadas ‘escolas alternativas’”, escolas cooperativas’ ou ‘comunitárias’ que se
desenvolveram nesse período com base numa ‘pedagogia da resistência’, ‘escapando’ ao
sistema oficial de ensino “. (GADOTTI,1994, p. 29)
2.3 EDUCAÇÃO POPULAR - UMA EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO DOS SEM
TERRA
Uma das questões sociais que se fazem presentes dentro da realidade brasileira desde a
vinda dos portugueses, encontra-se ligada à posse da terra. Esta questão se tornou bastante
forte segundo Morisawa (2001), a partir de 1850, momento em que aprovou no Brasil a Lei
das Terras. Esta Lei foi aprovada não para servir os interesses da maioria, mas para
privilegiaras minorias, deixando de fora do acesso a terra, grande parcela da população.
Este problema tornou-se uma das grandes cicatrizes que carece de políticas no sentido
de equilibrar uma luta, que vem desde o descobrimento relacionada à questão da terra. Sendo
este trabalho voltado a experiência educacional no Assentamento 1º de maio no município de
Curitibanos, e estando ligado a uma reflexão sobre o desenvolvimento rural e a extensão rural,
torna-se muito importante destacar alguns dados históricos relacionados ao movimento dos
Sem-Terra. Muitos foram os movimentos dentro da história do Brasil que têm entre seus
objetivos básicos a luta pela Terra. Um dos grandes movimentos foi o das ligas camponesas,
que obteve um corte do governo autoritário. Morissawa (2001, p. 120), assume o
posicionamento de que o MST pode ser considerado uma continuidade das Ligas
Camponesas:
Essencialmente porque elas como o MST, constituíam um movimento independente, nascido no próprio interior das lutas que se travavam pela terra. Mas principalmente porque defendiam uma reforma agrária para acabar com o monopólio da terra pela classe dominante.
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Todo movimento social acontece a partir de uma organização, dentro de uma ideologia
e com objetivo definidos. Destaca-se na origem do MST, o apoio da ala progressista da Igreja
Católica. Dentre as lideranças, há que se destacar, D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix
do Araguaia, que segundo Morissawa (2001), veio trazer sua solidariedade ao movimento
rezando uma missa para os acampados. A questão da terra no Brasil trouxe, e vem trazendo,
sangue derramado por lideranças. Este grande líder da La progressista da Igreja Católica foi
perseguido e numa das tentativas de atentado contra sua vida, por confusão de um pistoleiro,
foi morto o padre João Bosco Brunier. Num de seus poemas Casaldáliga (apud
MORISSAWA, 2001, p. 126), faz a reflexão: “malditas sejam todas as cercas! Malditas todas
as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis,
amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois e fazer a Terra escrava e
escravos humanos”.
A partir de momento em que o movimento ia ganhando espaço, o MST se organizava.
E como parte do processo, cria o Setor de Formação. De acordo com Morissawa (2000), no
início a preocupação foi com os cursos de formação política que eram realizados nas
chamadas escolas sindicais. Estas escolas eram ligadas a CUT - Central Única dos
Trabalhadores. E a partir de 1990, esse movimento veio criar um espaço próprio com a
criação de uma Escola Nacional de Formação em Caçador, Santa Catarina.
Morrissawa (2001, p. 206) faz a seguinte observação:
A escola para crianças e a alfabetização dos jovens e adultos foi sempre uma preocupação desde as primeiras ocupações. Pais e professores formarem comissões para reivindicar e organizar escolas nos acampamentos e assentamentos. Em 1986, já havia experiências isoladas nos estados.
A partir do momento em que o movimento percebe que não basta apenas a conquista
da terra, mas que a educação também fazia parte do cotidiano das pessoas ligadas ao
movimento. A educação passa a fazer parte da vida na resolução dos problemas, bem como
parte do processo de formação social e política.
Para que estes objetivos fossem atingidos, foi preciso que se criasse o Setor de
Formação do MST. Morissawa (2000), destaca que o Setor Nacional de Educação do MST
surgiu no 1º Encontro Nacional do movimento, em São Mateus, em 1987, no Espírito Santo.
Neste encontro, educadores de vários estados fizeram discussões dos objetivos e a identidade
das escolas de assentamentos, além do processo de formação dos professores destas escolas.
Morissawa salienta a importância deste encontro a partir de seus resultados:
Como resultado desse 1º Encontro, o Movimento criou em 1988 o Setor de Educação em vários estados, como resposta às necessidades educacionais em
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diversos assentamentos e acampamentos. Isto correspondia também à decisão do 4º Encontro Nacional dos Sem-Terra, realizado no início daquele ano, de intensificar o programa popular de educação primária e implementar a alfabetização de jovens e adultos. (MORISSAWA, 2001, p. 240)
Uma das preocupações do movimento foi, além da escola oficial trabalhar um
currículo pré-estabelecido, que também se trabalhasse com a formação política de seus
militantes. Outra questão bem presente em assentamentos nos diversos estados, era de uma
educação voltada ao trabalho.
No ano de 1989, após várias experiências de educação, o Setor de formação do
Movimento dos Sem-Terra elabora uma nova proposta deixando claro os seguintes pontos:
-Numa sociedade de classes, a escola serve para disseminar a ideologia da classe dominante; -Os conteúdos e métodos da escola oficial estão direcionados para a manutenção da ordem vigente; -O trabalho de educação é uma atividade política importante para o processo de transformação da sociedade; -a educação nos assentamentos é um processo de produção e de reprodução de conhecimentos a partir de sua própria realidade; -a escola é parte integrante da vida e do conjunto e da organização dos assentados, sendo essencial a participação das famílias em seu planejamento e administração. (MORISSAWA, 2001, p. 241)
Estas bandeiras educacionais do MST são muito interessantes do ponto de reflexão de
uma real educação, ou seja, de uma educação voltada a libertação do ser humano. Dentro
desta linha de pensamento destaca-se a construção de uma escola adequada a realidade dos
assentamentos. Esta preocupação serve de referencial para as escolas públicas oficiais que na
maioria das vezes encontram-se fora do contexto em que elas desenvolvem suas atividades
educacionais.
2.4 A EXTENSÃO RURAL INSERIDA DENTRO DO CONTEXTO DE EDUCAÇÃO
POPULAR
A extensão rural insere-se em diferentes contextos e intervém em diferentes
realidades. Entretanto, a ação há de estar fundamentada em referenciais que ofereçam aos
profissionais ferramentas de atuação nos diferentes espaços, onde o profissional da área de
ciências rurais se faz presente. Inicialmente, deve-se ter bem claro, que o profissional que
entrará em contato com a realidade rural deve ter consciência de que sua produção é
conseqüência de conjunturas históricas. Iamamoto e Carvalho (2001, p. 30), assim observam:
O processo capitalista de produção expressa, portanto, uma maneira historicamente determinada de os homens produzirem e reproduzirem as condições materiais da
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existência humana e as relações sociais através das quais levam a efeito a produção. Neste processo se produzem, concomitantemente, as idéias e representações que expressam estas relações e as condições materiais que produzem, encobrindo o antagonismo que as permeia.
O que se observa dentro desta sociedade capitalista é que o capital serve como suporte
de dominação dos que possuem o poder econômico, deixando de lado, ou seja, colocando em
um segundo plano, grande parte de nossa população. Nota-se historicamente, que as ações
dos governantes, de certa forma, estiveram atreladas para privilegiar a classe dos donos do
capital. Esta lógica se faz presente de norte a sul de nosso país, fruto de um processo de sua
estruturação dentro destes parâmetros. A identidade popular, ou as condições de vida dentro
de um nível humano de grande parte de nossa população, lhes é negada. Através de um
trabalho de educação popular, existe a possibilidade de se construir projetos voltados ao
resgate da dignidade humana de grande parte do contingente populacional, que lhes foram
negadas historicamente.
De acordo com Sheila Maria Doula e Renato Santos de Souza (2006, p.282):
A Extensão Rural é uma especialidade essencialmente interdisciplinar Ela se fundamenta teórica e metodologicamente em diversas subáreas das chamadas ciências sociais aplicadas e das ciências humanas e aplica estes conhecimentos no âmbito das ciências agrárias, aos problemas de extensão voltada ao meio rural.
No meio rural a Extensão Rural e a educação popular caminham de mãos dadas. Não
se pode conceber um profissional de ciências agrárias que atue junto às comunidades rurais,
que não seja por excelência um educador. Glauco Olinger (1986, p.67),define a extensão rural
da seguinte forma:
A extensão rural pode ser definida como um processo educativo que propicia às famílias rurais a assistência técnica, econômica e social, visando ajudá-las a elevar sua qualidade de vida, com sustentabilidade e, sobretudo, com o mínimo de dano ao meio ambiente. Tal objetivo requer mudanças de atitudes, hábitos e habilidades por parte das famílias rurais. As ações de um a gente de extensão devem ser tecnicamente possíveis, socialmente desejáveis, financeiramente viáveis, politicamente aceitáveis, ecologicamente corretas e, sob todos os pontos de vista aceitáveis.
O autor, através desta definição, deixa transparecer que a Extensão Rural perpassa
uma visão tecnicista na atuação dos profissionais de ciências agrárias. Dentro de uma
concepção crítica, compete ao profissional além da assistência, uma assistência técnica,
econômica e social, uma preocupação com a sustentabilidade e a qualidade de vida. Enfim, o
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profissional desta área deve ter como um dos requisitos básico a competência técnica e
política.
Segundo Ploeg et al. apud Schneider (2004, p.9):
(...) o desenvolvimento rural seria uma tentativa de reconstrução das bases econômicas, sociais e ambientais, e das próprias unidades familiares, em face das limitações e lacunas intrínsecas do paradigma produtivista. Em síntese, como dispositivo heurístico, o desenvolvimento rural representaria uma possibilidade de ir além da modernização técnico-produtiva, apresentando-se como uma estratégia de sobrevivência desenvolvida por unidades familiares rurais que buscam, através de seu esforço e disposições, incrementar as possibilidades de garantir sua reprodução (Ploeg et al 2000, p. 396).
A partir desta perspectiva, o desenvolvimento rural há que buscar uma nova
perspectiva paradigmática, que transcenda os espaços deixados pelo paradigma produtivista, a
partir da lógica capitalista. A lógica produtiva implementada a partir dos interesses
dominantes não leva em conta aspectos importantes das comunidades rurais, no sentido da
garantia de sua reprodução social e econômica.
3 .METODOLOGIA DE PESQUISA DE CAMPO
3.1 EDUCAÇÃO POPULAR NO ASSENTAMENTO 1º DE MAIO: SUSÍDIOS PARA
IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS DE EXTENSÃO RURAL
Esta pesquisa traz, entre seus objetivos, um estudo da realidade do Assentamento 1º de
Maio no Município de Curitibanos, servindo de embasamento teórico para implantação de
Projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural. Este Assentamento encontra-se situado há
aproximadamente 25 km do Distrito sede do Município de Curitibanos. Neste local encontra-
se uma comunidade de assentados formada por 30 famílias provenientes do Movimento dos
Sem-Terra e agricultores que não possuíam terras na região.
O universo desta pesquisa é a comunidade dos assentados no Assentamento 1º de
Maio no município de Curitibanos. A População pesquisada foi: as lideranças do
assentamento do movimento dos Sem -Terra, a professora da Escola de campo da Fazenda
Boa Vista e a observação assistemática da comunidade e dos alunos da referida instituição,
que estudam no período matutino.
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Quanto aos instrumentos e técnicas de coleta de dados, foram utilizados a entrevista e
diário de campo. A amostra para realização das entrevistas foi intencional, sendo
entrevistadas duas lideranças dos Assentados do Assentamento 1º de Maio no município de
Curitibanos e a Professora da Escola de Campo da Fazenda Boa vista do referido
Assentamento. Também foi utilizada como instrumento de coleta de dados a observação não
participante feita no decorrer das visitas ao acampamento e registradas em diário de campo.
Este trabalho tem como ponto de partida uma pesquisa realizada no assentamento 1º
de Maio em Curitibanos. Quanto aos objetivos classifica-se como exploratória; quanto aos
procedimentos de coleta de dados é uma pesquisa bibliográfica, de campo e estudo de caso.
Quanto à concepção epistemológica de pesquisa procurou-se fazer uma abordagem de cunho
dialético.
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA REALIDADE A PARTIR DAS LIDERANÇAS DO
ASSENTAMENTO 1º DE MAIO
Para contextualizar do ponto de vista sócio-histórico o Assentamento 1º de Maio no
Município de Curitibanos busca-se como fundamento as entrevistas com as lideranças do
Movimento dos Sem-Terra do referido Assentamento, bem como, a entrevista feita com a
professora da Escola de Campo da Fazenda Bela Vista. Inicialmente foi questionada a
professora sobre a Escola de Campo da Fazenda Boa Vista, sobre qual sistema de ensino
pertence à referida instituição. Foi marcante a resposta da professora no que se refere à
consciência que os assentados têm a respeito do bem público. Questionada, a professora
respondeu: “Esta escola pertence ao Movimento dos Sem-Terra... É uma escola Municipal”.
(Professora da Escola de Campo da Fazenda Bela Vista, entrevista concedida ao Prof. Dr.
Geraldo Antônio da Rosa em 21/10/2008).
Esta afirmação da professora demonstra certa consciência política da entrevistada,
uma vez que, o bem público é da comunidade. Através desta resposta ela deixa nas
entrelinhas uma valorização do patrimônio público como pertencente à comunidade, dentro de
uma visão social e política crítica.
Na seqüência, a professora foi entrevistada sobre o início do assentamento. Foi lhe
solicitado que relatasse de forma historicizada o Assentamento 1º de maio. Após ser
questionada, a professora da Escola de Campo Bela Vista, explicou: ”Nós estamos na luta
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desde 1985, ano em que se inicia o MST. Nós entramos no movimento a partir do momento
em que começamos a estudar a nossa realidade, onde trabalhávamos como bóia-fria”.
(Idem).
A partir do momento em que a entrevistada classificou-se como bóia-fria, o
pesquisador perguntou se eles trabalhavam como bóia-fria e obteve a seguinte resposta:
A gente trabalhava de arrendatário e com diarista, bóia-fria. Quando íamos para o trabalho levávamos uma marmitinha, e lá na roça, no lugar do trabalho comíamos a comida fria. Chegou um determinado momento, a partir dos sindicatos e dos conselhos que participávamos, que deveríamos mudar esta realidade. Então a gente começou a discutir dentro de nossa comunidade que tínhamos que partir para uma partir para uma outra luta. Não era mais viável aquele tipo e aquelas condições de trabalho. Percebemos que estávamos trabalhando para os proprietários. Diante da realidade em que nos encontrávamos resolvemos partir para um outro tipo de luta. Então a gente começou a se organizar em Comunidades de Base. (Idem)
Este depoimento da entrevistada deixa bem claro o processo de exploração ao qual os
bóias frias encontravam-se submetidos antes de aderirem ao movimento. Outro aspecto a ser
destacado é que a opção não é algo que vem de cima para baixo, ou seja, é imposto através de
uma decisão autoritária. A mudança começou a ocorrer a partir do momento de tomada de
consciência do grupo a respeito de sua situação e de sua própria história. Isto somente vai
acontecer a partir de estudos e da reflexão da realidade. A professora foi interrogada a
respeito de que se no processo havia tido a participação de alguma instituição. Sobre esta
questão a mesma esclarece:
Neste processo teve a participação dos Sindicatos e da Igreja. Inclusive destaca-se a figura do Bispo de Chapecó D. José Gomes. D. José foi uma figura muito importante nos Assentamentos e na luta pela terra. D. José realmente foi um personagem de máxima importância nesta luta, desde o assentamento em Chapecó. Ele dedicou a sua vida para nos ajudar. E a luta começou através da CPT - Comissão de Pastoral da Terra. A partir desta Pastoral da Igreja a gente começou a estudar. Em 1985 começou a ocupação em Abelardo Luz, agente estava lá. D. José estava lá com o nosso povo. Foi uma ocupação de 1500 famílias naquela época. E a partir daquele momento o movimento foi se alastrando, nuca mais parou. As pessoas foram se engajando na luta e de lá para cá passamos por vários assentamentos e cooperativas de assentados (idem).
A entrevistada faz uma leitura interessante a respeito do contexto em que surgiu o
movimento. Neste período, o país vivenciava o período de abertura política, final de um
governo em que os militares com mãos de ferro sufocaram qualquer tentativa de movimento
que ameaçasse abalar o regime. Outro ponto que deve ser salientado neste momento, é que a
Teologia da Libertação ganha força na América Latina, sendo marcante a presença da ala
avançada da Igreja católica e de outras confissões religiosas, em especial os Luteranos. Os
bispos da América Latina em Puebla, no México, dão uma roupagem nova à Igreja. Através
de um documento, a Igreja Católica sela a sua opção preferencial pelos pobres. No Brasil
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começa a florescer uma Igreja comprometida com os pobres, sustentada pelas reflexões e pelo
trabalho educativo das Comunidades Eclesiais de Base.
Observando-se o posicionamento de vários componentes do assentamento, e até
mesmo em conversas informais, pode-se concluir que a vida de um Sem-Terra carrega
profundas cicatrizes de sofrimento. Frente a este contexto, a entrevistada foi interrogada a
respeito de quais assentamentos que haviam passado antes de se dirigirem ao Assentamento 1º
de maio. A interrogada explicou:
Nosso primeiro Assentamento como já foi falado, foi na Fazenda em Abelardo Luz, ali houve protestos por parte da proprietária que não concordava que sua fazenda fosse desapropriada. Então judicialmente ela recorreu para que fossemos despejados. Após o despejo o Prefeito de Abelardo Luz conseguiu um local, uma área provisória onde ficamos por mais dois meses. Após este período fomos para Faxinal dos Guedes onde ficamos por mais de um ano em meio sem ter nenhuma decisão de que rumo tomaríamos. Depois destes assentamentos fomos para vários outros, como: Dionísio Cerqueira, Irani, Matos Costa... daí fomos para Itaiópolis e São Miguel do Oeste. Então essas 1500 famílias foram divididas nestes assentamentos. Nós ficamos em Calmon durante cinco anos. Daí fomos para Campos Novos e lá participamos de um assentamento cooperativa. Nesta cooperativa, moramos durante cinco anos, e tomamos a decisão de nos deslocarmos para Curitibanos. (Idem)
Esta resposta mostra de maneira bem clara, que a luta pela terra envolve vidas que
buscam um futuro melhor. Porém, a trajetória do acesso a terra é uma luta que envolve muito
desgaste. Existe muito enfrentamento para se chegar à posse da terra. Tudo isto não se
restringe a um curto espaço de tempo. Muitos dos que hoje se encontram assentados
começaram suas lutas pela terra em 1985. Somente após 13 anos de árdua batalha
conseguiram, enfim chegar ao Assentamento 1° de Maio em Curitibanos. É necessário
esclarecer que a experiência de assentamentos em forma de Cooperativa do Movimento dos
Sem-Terra, segundo a explicação da professora entrevistada (2008), consiste numa
organização comunitária onde o processo de produção e comercialização acontece de forma
coletiva. Nestas cooperativas os participantes não têm o acesso à propriedade da terra. À
medida que as pessoas não vão se adequando a este modelo de organização partem para um
modelo de assentamento onde o assentado recebe uma parcela de terra. A respeito da
experiência de cooperativa a entrevistada assim se expressa:
A gente estava em Campos Novos na cooperativa. Eram 30 famílias naquele assentamento que tinha o nome de 30 de outubro. Normalmente os acampamentos recebem o nome da data em que aconteceu a ocupação. Neste espaço por vários motivos o terreno não é dividido. Então as pessoas que não se sentiam bem com este modelo partiram em busca de novas terras. Então o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) sugeriu que estava saindo uma área que é esta de Curitibanos. Que era para a gente fazer uma visita. Então a gente veio e gostou (Idem).
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A entrevistada (2008) salientou ainda, que inicialmente houve um grupo acampado no
local onde hoje é o Assentamento 1º de maio. O proprietário da fazenda procurou o INCRA e
vendeu o terreno para que fosse implantado um Projeto de Reforma Agrária. A Prefeita da
época teve um papel de grande importância, deu total apoio e realizou esforços junto ao
INCRA para que esta negociação acontecesse.
No Assentamento 1º de maio também foram entrevistados dois líderes do movimento.
O critério de escolha das lideranças encontra-se ligado a que os mesmos, além da liderança
natural, são líderes instituídos como representantes do assentamento junto ao Movimento dos
Sem-Terra. Nesta pesquisa optou-se por tratá-los doravante como líder 1 e líder 2.
Inicialmente procurou-se obter uma leitura histórica das lideranças sobre o movimento
e qual o processo até a chegada no assentamento 1º de Maio em Curitibanos. Foi feito às
lideranças uma pergunta a respeito da origem do movimento até a chegada do Assentamento
1° de Maio em Curitibanos.
A liderança 1 fez a seguinte abordagem:
Os Projetos de Assentamentos são frutos de uma longa história, pois a luta do MST começou em 1985. De lá para ao longo do processo foi desencadeada a luta pela Reforma. Vários assentamentos foram acontecendo na medida que disputávamos na sociedade a implementação da Reforma Agrária. Então o assentamento 1° de Maio é conseqüência da história do MST. A gente defende que nós não somos precursores da Reforma Agrária Existe historicamente outros movimentos como por exemplo: Canudos, Palmares e o próprio Contestado na região foi uma luta pela terra. Então a luta pela terra começou a partir de 1500 quando os portugueses disseram que descobriram o que já estava descoberto. (Liderança 1. Entrevista concedida ao Prof. Dr. Geraldo Antônio da Rosa em 21/10/2008).
Esta análise sobre a origem do movimento dos Sem-Terra (MST) mostra o grau de
politização e a visão crítica da história por parte das lideranças do Movimento dos Sem -Terra
assentados. A liderança 1, conseguiu de forma sintética traçar um breve panorama a respeito
da luta pela terra no Brasil até o surgimento do Movimento dos Sem-Terra. Concretamente,
sobre o Assentamento 1º de Maio, no Município de Curitibanos, Estado de Santa Catarina, a
liderança 1 prossegue com a seguinte reflexão:
O MST passou a existir após a ditadura militar com a reabertura democrática, entre aspas, que veio possibilitar a organização dos movimentos sociais. Mas a origem encontra-se em outros movimentos e em outras pessoas que nos antecederam. Na luta pela terra no Brasil é uma historia marcada por muito sangue e muita miséria. Ela surgiu em 1985, na abertura política após os anos da ditadura militar. Uma das bandeiras que se encontrava entravada era a bandeira da Reforma Agrária. Em Santa Catarina em 1985 numa única noite nós montamos 20 assentamentos. Na época enfrentávamos a discriminação muito forte, uma vez que ainda vivenciávamos os resquícios da ditadura militar. E quanto ao movimento, sua nomenclatura surgiu através do governo, da própria mídia e da sociedade que deram o nome de Movimento dos Sem-Terra. O Assentamento 1° de Maio é resultado da retomada da luta pela terra. Semelhante ao Assentamento 1º de Maio temos o índio Galdino, Anita Garibaldi... o processo do
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Assentamento 1º de Maio é um marco no avanço da conscientização das pessoas, que era preciso lutar pela terra. È o retrato de que o governo por si só não faz nada. Todo espaço vazio precisa ser ocupado...(Idem)
A liderança 1 entrevistada deixa bem claro que o movimento de luta pela da terra, tem
sua retomada no período pós-ditadura militar. Outro aspecto evidenciado na consciência
histórica da luta pela terra é que esta não acontece em um determinado momento. Ela surge a
partir de outros movimentos que a antecederam. Então a luta pela terra surge no momento em
que é dada a abertura política, como uma bandeira, dentre as demandas sociais reprimidas.
Esta questão estava pendente, era uma dívida social que necessitava ser retomada. Um dos
fatos concretos que assinalam o poder de articulação e de mobilização dos Sem-Terra é
assinalada na reação do movimento ao entrar em terras, e no Estado de Santa Catarina e numa
só noite concretizar 20 acampamentos de Sem-Terra.
Prosseguindo a entrevista com as lideranças a respeito da contextualização histórica,
obteve-se a seguinte explicação da liderança 2: “O 1º de Maio é uma história diferente dos
outros assentamentos. Nesta região concentrava-se o poder do latifúndio. Em termos de
movimento, havia uma grande dificuldade no sentido de se conseguir terra para a Reforma
Agrária”. (Liderança 2, entrevista ao Prof. Dr. Geraldo Antônio da Rosa em 21/10/2008)
A entrevistada 2 (2008), continua analisando a forma de obtenção da terra para o
assentamento 1º de Maio destacando que foi uma venda de terreno do antigo proprietário com
o apoio das lideranças municipais em 1998. Sobre a forma de ocupação e o perfil dos
assentados, a liderança 2 comentou:
Algumas das famílias que estão assentadas foram escolhidas em outro assentamento. Foi lhes falado pelo INCRA da existência de uma terra às margens de um rio e feito inclusive uma descrição climática. Metade do terreno foi destinado ao Movimento dos Sem-Terra e a outra metade ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais. A maior parte das pessoas que aqui estão são oriundas da região. Outros moradores vieram do Oeste de Santa Catarina da região de Chapecó, Xanxerê, Quilombo... e da cooperativa de coletiva de assentados em Campos Novos vieram 7 famílias. Então o perfil dos moradores deste assentamento são de pessoas que eram agricultores deixaram a agricultura e novamente voltaram a ser agricultores rurais. O nosso perfil é de camponês, ou seja, que nasceu e cresceu na terra. Aqui temos gente fazendo capacitação na área de produção rural. Temos inseminador formado, pessoas com a capacitação em gado leiteiro. Temos gente fazendo o técnico agrícola, tecnólogo em agroecologia, administração rural. Enfim, o Assentamento 1º de Maio é composto por pessoas de oriundas da agricultura, tem a raiz camponesa. (Idem)
A análise que a liderança 2 faz a respeito do assentamento traz alguns elementos novos
como a dificuldade do movimento em obter terras na região serrana para assentamentos.
Observa-se que esta região é uma das mais pobres, senão a mais pobre do Estado de Santa
Catarina. A situação sócio-econômica do planalto se estruturou no latifúndio e na
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concentração das terras nas mãos de poucas pessoas. A respondente destaca a ocupação
pacífica no Assentamento 1º de Maio, o que nem sempre acontece em ocupações de terra, ou
seja, grande parte da violência no campo vem das ocupações de terra por parte do Movimento
dos Sem-Terra. Outro aspecto de grande importância foi o perfil traçado dos componentes do
Assentamento 1º de Maio em Curitibanos, como notadamente camponeses, ou seja, pessoas
que tiveram suas raízes ligadas a terra. Esta situação não é comum nos outros acampamentos
do movimento dos Sem-Terra, ou seja, nem sempre são agricultores.
O entrevsitador faz uma pergunta no sentido de fechar a contextualização histórica:
Afinal de contas quem vocês são realmente? A liderança 1 dá a seguinte resposta:
Nós somos a 8ª geração dos que vieram da Itália que sonhavam por terra. Nossos antepassados saíram da Itália e aqui chegando não encontraram o que lhes havia sido prometido. A história não mostra verdadeira realidade dos imigrantes, mostra somente o lado dos vencedores. As piores terras foram dadas para os imigrantes. Como vocês sabem somos filhos do descaso, do desprezo, da discriminação, da miséria. Somos filhos dos Sem-Terra. E do ponto de vista ideológico somos frutos da Teologia da libertação, de D. José Gomes, que Deus o tenha. (Liderança 1, entrevista concedida ao Prof. Dr. Geraldo Antônio da Rosa em 21/10/2008).
As entrevistas mostram a importância de D. José Gomes, enquanto Bispo de ala
progressista da Igreja Católica Apostólica Romana. D. José Gomes é um referencial brasileiro
da Teologia da Libertação, da Pastoral da Terra e da defesa dos Índios. Mesmo após sua
morte seus ideais permanecem vivos e a luta continua. Aproveitando esta ligação com Igreja
Católica, a Teologia da Libertação procurou questionar as lideranças no discurso e papel da
Igreja junto aos movimentos sociais. Sabe-se que o discurso da igreja, além de todo caráter de
evangelização, tem um papel educativo em termos de educação popular. Ressalta-se
historicamente que a Teologia da Libertação de libertação foi rejeitada dando espaços na
atualidade para o surgimento de Igrejas Evangélicas Pentecostais, movimentos carismáticos
assinalados por espiritualidade extremamente individualista e voltados à Teologia da
prosperidade. A liderança 1 assim analisa esta questão.
Se você olha onde se situa a religião, no caso brasileiro, foi de grande importância. Era um local onde à luz da Bíblia as pessoas se reuniam para discutir os problemas locais. No meio rural e dentro de uma linha da Teologia da Libertação a realidade era esta. Com o passar do tempo o êxodo rural as pessoas deixaram a área rural e foram para a cidade e perderam suas identidades. A Igreja católica exige se você não pagar o dízimo deixa de ser católico. A realidade das cidades colocou as pessoas na miséria nas favelas. A Igreja Católica não está presente na sociedade. Ela se elitizou, construiu matrizes e catedrais e se tornou uma máquina de fazer dinheiro.. Diante desta postura da Igreja Católica abre-se espaço para as Igrejas pentecostais que estão aí pregando a Teologias da Prosperidade. A Igreja católica deixou de discutir questões importantes da sociedade. Se você lutar pela terra, não é bem visto pelas leis de Deus. Você está tomando terra de alguém. Então a Igreja depois de Frei Betto, D. José Gomes, D. Pedro Casaldáliga e tantos outros foi se perdendo. Estes lutavam pela libertação do ser humano e não somente do espírito. (Idem)
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A liderança 1, torna bem clara a importância histórica da igreja católica no processo
de educação popular. Adverte o entrevistado, que devido a não presença da Igreja junto aos
meios populares ela perdeu espaços. A liderança 1 continua comentando: ”D. José Gomes era
um defensor da vida. Depois de Puebla, ninguém mais falou de questões sociais dentro da
própria Igreja. Este esvaziamento da Teologia da Libertação é um esvaziamento da própria
igreja. A teologia da libertação foi derrotada dentro da própria Igreja”. (Idem)
Esta reflexão evidencia que a Igreja Católica na atualidade fechou-se para a Teologia
da Libertação. E as lideranças com propostas avançadas, foram sendo substituídas por líderes
com uma concepção de Igreja mais fechada, ou seja, com uma postura tradicional.
3.3. A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DO ASSENTAMENTO 1º DE MAIO
Um dos pontos fortes que faz parte do objeto desta pesquisa é a Educação Popular,
esperando-se que este trabalho desenvolvido no assentamento sirva de embasamento para a
implementação de projetos de Extensão Rural. Durante a pesquisa de campo, através da
entrevista com professora e lideranças e observação do contexto, procurou-se colher
elementos para análise da experiência de educação popular no Assentamento 1º de Maio.
Primeiramente foi perguntado à professora sobre os projetos de educação popular no
Assentamento 1º de Maio. A professora questionada respondeu:
Em termos de Educação Popular a nossa preocupação além o currículo oficial é de a gente manter em nossa escola orientação das crianças a respeito da luta pela terra, que elas entendam que esta luta vem desde 1985, e que junto com os pais elas não desistam. Que elas saibam valorizar esta conquista, não é porque eu moro no sítio é que eu me sentirei constrangido e para que as crianças permaneçam no assentamento. Que esta criança ou este jovem que vá estudar retorne para a sua terra. A educação da gente é uma educação mais voltada para a nossa realidade, ou seja, uma educação no campo. Muitas crianças que hoje estão dentro de assentamento não têm escolas. Então, elas têm que ir à cidade. Muitas vezes na cidade entram em conflito com os colegas e com os próprios professores. As primeiras crianças que foram estudar aqui em Curitibanos encontraram resistência. Eles no início excluíam. Aqui em Curitibanos houve professores que disseram que nossas crianças valiam menos que o papel que se encontra dentro do lixeiro. Então a gente dá uma educação para as crianças que não sintam vergonha de dizer à sociedade que moram dentro de um assentamento e que são cidadãos de bem...que aqui estão porque querem trabalhar e ter uma vida digna, para não estar roubando ou assaltando. Que o que eles querem é um pedacinho de chão negado aos antepassados. Que Deus deixou a terra para todos e não somente para alguns capitalistas. É este o conteúdo que agente procura repassar. (Professora do assentamento, entrevista concedida e ao Prof. Dr. Geraldo Antônio da Rosa em 21/10/2008).
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Torna-se interessante ser evidenciado, que na Escola de Campo da Fazenda Boa Vista
existe uma preocupação por uma educação diferenciada da Oficial. Esta preocupação parte da
concepção que os Sem-Terra trazem do Projeto de educação do próprio movimento. O que a
Escola de campo propõe vai além do que a escola oficial tem em sua proposta curricular. As
escolas oficiais trabalham dentro de uma concepção orientadas por uma proposta curricular
chamada bússola. Porém, a Escola de Campo da Fazenda Boa Vista procura seguir as
orientações oficiais e colocar no dia-a-dia conteúdo de interesse do assentamento. É
importante notar a valorização da terra e do indivíduo em relação à sua comunidade. A escola
ensina para a vida tendo como base conteúdos que se encontram na realidade da comunidade.
Através do projeto de educação popular observa-se que esta postura educacional está à serviço
do ser humano e da sua libertação.
Com relação ao processo de educação popular dentro do movimento dos Sem-Terra e
em particular no Assentamento 1° de Maio em Curitibanos, a liderança 2 entrevistada analisa
da seguinte forma:
A questão de educação popular tem uma ligação bastante íntima com a Igreja. O discurso da Igreja tem uma profunda ligação com uma educação cristã popular. Iniciei este tipo de trabalho e a valorização da mesma quando saí da Universidade. Quando me formei no ensino superior, fui contratada para trabalhar no Assentamento em Abelardo Luz. Foi neste movimento que entrei em contato com a educação quando fui mandada para São Paulo no Instituto Cajamar fazer um curso de educação popular. Neste curso participaram grandes expoentes do ponto de vista intelectual do movimento dos Sem-Terra. Aquele curso mostrou aspectos interessantes do papel da Igreja Católica no processo de educação através do CPT – Comissão de Pastoral da Terra e das CEBs- Comunidades Eclesiais de Base, com uma atuação muito forte na região norte e na região Centro Oeste do Brasil. O trabalho da Igreja era um trabalho de uma Instituição voltada para o seu povo organizado em grupos. A metodologia de trabalho acontecia através de uma visão da realidade, julgamento desta realidade através da reflexão e a ação voltada para a transformação desta realidade. Todo este trabalho gerar um demanda de luta. ( Idem)
O que se observa através desta entrevista é o destaque que a liderança deu à educação
popular. Dentro deste contexto foi realçadas a importância da Igreja Católica presente na
década de 80, com a Teologia da Libertação, através de Comissão de Pastoral da Terra e das
Comunidades Eclesiais de Base. A liderança 2, prossegue discorrendo:
Então a educação popular para mim abriu uma porta. Comecei ler o material teórico fundamentado em Paulo Freire. A forma de você pegar a questão consiste em aprender, aprender e tornar o aprendido. As pessoas enquanto sujeito de determinada situação tem que aprender o conhecimento e tornar o aprendido em tecnologia. Quanto à alfabetização, ela tem como ponto de partida a realidade. A partir do momento em que as pessoas se apropriam do conhecimento, elas partem para lutar por projetos. Ex. Eu quero terra, porém com a consciência que tenho não vou agir em relação à questão dentro de uma lógica que o sistema capitalista faz em função do lucro. Acrescentando-se a questão de depredação ambiental, além de todo o processo de exploração e exclusão do mundo capitalista. Para mim a educação
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popular quando bate na cabeça das pessoas faz com que elas vivam de acordo com o que elas querem ser. (Idem)
A entrevista da liderança 2 faz refletir a importância da educação popular na vida do
indivíduo e na vida da comunidade. Enfatiza que a educação popular politiza os indivíduos de
uma comunidade, proporciona a reflexão, ao mesmo tempo em que encoraja na luta por
transformações sociais. A liderança 2 prossegue analisando:
Em 1985 os acampados eram os marginalizados da terra, hoje os acampados, além deste segmento, vêm dos marginalizados de favela. É o cara que já teve o contato com o mundo das drogas ou já se drogou, o cara que perdeu o vínculo com a terra... A família que perdeu a terra. O cara que não consegue pegar no machado e na foice... Que não sabe atar um terneiro... Aí vejo a importância da educação popular. O ser humano quando passa a viver em sociedade precisa de obedecer determinadas regras. Por que dentro do convívio social tem que existir algumas regras. Para refletir a respeito de direitos de deveres tem que ser proporcionado um debate. O grupo deve estabelecer ações. Caso contrário este coletivo não vai dar certo Então eu vejo que uma das questões complexas em educação popular é colocar as pessoas juntas e buscar uma convivência comum. Neste sentido vejo a educação popular como uma riqueza, vindo ao encontro do que o movimento busca. Temos uma escola com uma proposta diferente, ou seja, educar a criança dentro desta realidade. (Idem)
O que se observa em termos educacionais é que uma proposta tem que estar
fundamentada teoricamente e que, para se avançar, é necessário que se faça uma busca além
de uma formação continuada, com suportes teóricos. Esta prática encontra-se inserida na vida
e no cotidiano do movimento dos Sem-Terra nos assentamentos, o que não acontece com a
mesma medida e com a mesma intensidade dentro de uma educação formal. O pesquisador,
com objetivo de analisar os fundamentos teóricos que subsidiam a educação popular no
Assentamento 1° de Maio, perguntou à professora sobre a base teórica que fundamenta o seu
trabalho. A professora deu a seguinte resposta: “Inicialmente o grande referencial é Paulo
Freire. Além de Paulo Freire, Olga Bernário, Che Guevara, Chico Mendes, Zumbi dos
Palmares, Margarida Maria Alves, Pe. Jósimo, José Marti, entre outros”. (Idem)
Quanto aos entrevistados foi solicitado o referencial teórico da educação no
assentamento. A liderança 2 emitiu o seguinte parecer:
No Assentamento 1° de Maio a questão da alfabetização fundamenta-se em Paulo Freire. A escola do movimento trabalha o processo de alfabetização a partir de palavras geradoras... A questão da construção de palavras a partir da realidade do aluno se fundamenta nos princípios pedagógicos de Paulo Freire. A professora resgata com os alunos a questão dos acampamentos e assentamentos. Na escola formal eles estão mais avançados do que nós... Estudam a educação ambiental... Questão do lixo... Projeto horta. No MST existe o PRONERA que é um programa de alfabetização de jovens e adultos que seguem a concepção de Paulo Freire. Além de Paulo Freire, que não somente se restringe a àrea educacional, temos outro teóricos como Che Guevara, José Martí, Fidel Castro, Karl Marx... Engels. Base do Movimento dos Sem-Terra é o marxismo – materialismo dialético. (Idem)
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Uma das abordagens que possuem um teor bastante profundo foi referente à definição
de quem é o Sem -Terra. A liderança 1 faz a seguinte síntese do conceito de Sem-Terra: “É o
resto da sociedade que não serve para o capitalismo porque a essência do capitalismo é a
produção de mercadoria...;Então o Sem-Terra é qualquer coisa..A Igreja não tem interesse. O
Sem-Terra a Igreja batiza para não ser pagão”. (Idem)
Uma das últimas interrogações feitas as lideranças esteve voltada a uma avaliação do
Assentamento 1º de Maio em Curitibanos -SC. A liderança 2 fez a seguinte análise:
Enquanto pontos fortes do movimento podemos destacar: a localização geográfica, o perfil dos membros do assentamento, os asfalto enquanto via de comunicação, a região se caracteriza pela expansão leiteira e a produção de hortaliças orgânicas, cooperativas regionais – COPERTEL (Terra Livre), Identidade dos Sem-Terra, Brigada Sepé Tiaraju que cobre o movimento de Campos Novos até Campo belo do Sul e a nossa bandeira: produção agroecológia. Como pontos fracos foram apontados: a questão da conscientização, forte influência da mídia, agropecuária e o meio externo.(Idem)
Por outro lado, a liderança 1 apontou como pontos fortes: “Este espaço não produzia,
função social da terra e projetos que se tornam referências. Enquanto que, por outro lado,
foram mencionados os seguintes pontos fracos: Inserção do capitalismo, produto “in natura”,
falta de organização da sociedade para receber o produto diferenciado e a não inclusão do
Sem-Terra”. (Idem)
Observa através desta entrevista que, os assentamentos em Curitibanos do Movimento
dos Sem-Terra são espaços para se construir projetos de pesquisa e trabalhos de Extensão
Rural. Crê-se que este segmento deve ser a porta de entrada de um trabalho da academia
voltado ao fortalecimento do ensino, pesquisa e extensão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazer um trabalho de pesquisa cumprindo o cotidiano acadêmico na docência
universitária, além da satisfação intelectual, trouxe elementos emocionais. Quando se assumiu
o propósito de trabalhar educação popular com foco em um assentamento dos Sem-Terra,
buscando subsidiar o trabalho de Extensão Rural e Assistência Técnica, voltou-se às raízes
familiares. Muito embora, diferentemente de um movimento social, vivenciou na infância um
ambiente rural desprovido de políticas públicas voltadas a uma reprodução social e econômica
familiar, dentro dos padrões mínimos de dignidade humana. Este trabalho procurou
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historicizar a luta dos camponeses pela terra trazendo elementos para o rompimento dos
paradigmas reforçados a serviço dos poderes que comandam a nossa sociedade.
Quanto aos movimentos sociais, observa-se que a América Latina é fortemente
marcada por movimentos, relegados na maioria das vezes pela história oficial. No que se
refere à educação popular, verifica-se que é uma maneira de o povo construir e reconstruir a
sua identidade. Através de projetos de educação popular acontece a inserção dos excluídos no
seio da sociedade. É importante destacar que os processos formais de educação, ou seja, o
sistema escolar brasileiro não responde aos reais anseios da população. As políticas
educacionais surgidas de cima para baixo são reflexos da dominação. Fato concreto está na
existência de dois tipos de escola, uma para os que vão comandar e outra para os que serão
comandados.
A educação popular resgata um humanismo negado pelo sistema econômico capitalista
selvagem. Num projeto de educação popular o ser humano se humaniza, tornando-se sujeito
da própria história e responsável pelas transformações sociais. É um processo que devolve aos
excluídos a possibilidade de vivenciar a cidadania em toda a sua dimensão, ou seja, constrói
um sujeito ativo, consciente dos seus direitos e deveres. O profissional de ciências agrárias,
dentro da atual concepção de Extensão Rural, é um educador por excelência. Os pressupostos
teóricos e práticos da educação popular são ferramentas indispensáveis nos projetos de
Assistência Técnica e Extensão Rural. E para se trabalhar na perspectiva de promoção
humana, é necessário que além dos conhecimentos específicos inerentes a sua formação, este
profissional tenha uma visão de movimentos sociais e de educação popular.
Analisando o Assentamento 1º de Maio observa-se que historicamente a origem do
movimento encontra-se nas lutas de 1985. A concretização do Assentamento 1° de Maio é
marcada por lutas, entretanto, destaca-se que o processo final aconteceu de forma pacífica. Do
ponto de vista histórico este trabalho procurou sistematizar aspectos desde a origem do
movimento até o assentamento servindo de base para futuros aprofundamentos na questão,
bem como, para trabalhos de Extensão Rural.
No que se refere à educação popular no assentamento conclui-se que se faz presente na
educação formal e nos círculos de família que buscam conhecimentos em torno de problemas
atuais. Suas bases de sustentação são o materialismo dialético, tendo como teóricos: Paulo
Freire, Marx, José Martí, Florestan Fernandes, dentre outros.
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