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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PET – ECONOMIA CRISE ECONÔMICA: INTERPRETAÇÕES MARXISTAS * Paulo Félix Gabardo ** RESUMO O artigo expõe as quatro principais correntes teóricas marxistas no que tange às crises econômicas capitalistas. Primeiramente introduz-se algumas visões teóricas diversas sobre a conceituação de crise econômica. Em seguida, o conceito marxiano de crise é explorado. Depois as correntes marxistas são descritas e diferenciadas de acordo com a relação causística da crise que cada uma propõe. As quatro teorias marxistas de crise descritas são a subconsumista, a desproporcionalista, a da queda da taxa de lucro pelo aumento da composição orgânica do capital e a do estrangulamento dos lucros pelos salários, esta última dividida em duas vertentes: a primeira considera que a força dos trabalhadores na luta de classes aumenta pressionando o salário real e a segunda afirma que o enxugamento do exército industrial de reserva na fase expansiva do capitalismo faz com que a oferta e a demanda por mão-de-obra flutuem de forma a aumentar o salário real. Palavras-chave: crise econômica, capitalismo, marxismo * Artigo orientado pelo Professor Doutor Francisco Paulo Cipolla da Universidade Federal do Paraná. ** Graduando do curso de Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná.

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    PET ECONOMIA

    CRISE ECONMICA: INTERPRETAES MARXISTAS*

    Paulo Flix Gabardo**

    RESUMO O artigo expe as quatro principais correntes tericas marxistas no que tange s

    crises econmicas capitalistas. Primeiramente introduz-se algumas vises tericas

    diversas sobre a conceituao de crise econmica. Em seguida, o conceito marxiano

    de crise explorado. Depois as correntes marxistas so descritas e diferenciadas de

    acordo com a relao causstica da crise que cada uma prope. As quatro teorias

    marxistas de crise descritas so a subconsumista, a desproporcionalista, a da queda

    da taxa de lucro pelo aumento da composio orgnica do capital e a do

    estrangulamento dos lucros pelos salrios, esta ltima dividida em duas vertentes: a

    primeira considera que a fora dos trabalhadores na luta de classes aumenta

    pressionando o salrio real e a segunda afirma que o enxugamento do exrcito

    industrial de reserva na fase expansiva do capitalismo faz com que a oferta e a

    demanda por mo-de-obra flutuem de forma a aumentar o salrio real.

    Palavras-chave: crise econmica, capitalismo, marxismo

    * Artigo orientado pelo Professor Doutor Francisco Paulo Cipolla da Universidade Federal do Paran. ** Graduando do curso de Cincias Econmicas pela Universidade Federal do Paran.

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    INTRODUO A crise econmica sempre foi um assunto polmico no estudo da Economia

    Poltica. Para alguns autores no passa de um detalhe e para outros se configura

    como uma das mais relevantes matrias a serem tratadas pela Cincia Econmica.

    Certamente no possvel encontrar uma sistematizao terica sobre crise

    econmica em todos os autores. Mas alguns detalhes e algumas indues podem

    levar a concluso de que a crise se apresenta recorrente na maioria das obras

    consagradas da Economia Poltica, se no com um tratamento especfico, como

    consequncia lgica do raciocnio imputado por seus autores. A seguir so citados

    alguns exemplos.

    Malthus

    Com sua viso de desequilbrio do sistema capitalista que provoca a

    superproduo relativa de mercadorias devido a brecha de demanda deixada pelos

    trabalhadores, Malthus esboa o que seria uma teoria de crise baseada no

    subconsumo. At mesmo na sua fatalista lei de populao, que prope uma

    dinmica catica na proporo entre a produo e a necessidade de alimentos,

    existe a necessidade lgica de um momento de crise econmica que ocorreria

    quando a desproporo se efetivar. Malthus, portanto, no faz um tratamento

    especfico das crises e nem formula um enunciado terico para estas, mas no h

    como chegar outra concluso com os raciocnios supracitados.

    Ricardo

    A sua lei dos rendimentos decrescentes na agricultura resulta

    necessariamente numa crise econmica devido ao estrangulamento dos lucros pelo

    salrio real sempre crescente. O preo das mercadorias que formam a cesta de

    consumo dos trabalhadores aumenta, reduzindo a parcela dos lucros na composio

    da renda gerada, at zer-los. Outro fator tambm relevante na teoria ricardiana a

    admisso da possibilidade da pletora de capital, que torna o investimento marginal

    improdutivo e gera a crise por interromper o consumo de bens de capital.

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    Escola Neoclssica

    A tradio do laissez-faire reservou menor importncia s crises econmicas,

    considerando-as pequenas flutuaes em torno de uma situao tima, causadas

    por fatores externos ao sistema, ou como pontos de inflexo de ciclos econmicos

    de oscilao suave e auto ampliveis. Afinal no h como sustentar que a economia

    est sempre no pleno emprego se houver a necessidade sistemtica de crises

    agudas na ampliao capitalista. a viso que mais se coaduna com o conceito de

    mo invisvel de Adam Smith, cujo raciocnio implica na rejeio da possibilidade de

    crises econmicas regulares j que no h um fator sistemtico para que elas

    ocorram, pois com os agentes buscando a realizao individual o sistema se

    encaminha para uma situao tima.

    Keynes

    Tendo escrito sua principal obra, a Teoria Geral, sob a inspirao de

    encontrar solues para a crise de 1929, Keynes considera que a crise uma

    possibilidade na dinmica capitalista, mas sem um carter sistemtico e regular, j

    que ocorre fundamentalmente devido tomada de decises sob incerteza. nesse

    contexto que o governo entra como um fator capaz de equilibrar as distores do

    sistema atravs da ampliao da demanda agregada com polticas expansionistas e

    estmulo ao investimento.

    Na prxima seo ser discutido o conceito marxiano de crise econmica. A

    ordem cronolgica no foi respeitada justamente por serem as bases tericas de

    Marx a fundamentao para as teorias discutidas neste trabalho. Alm disso vrios

    autores importantes na histria do pensamento econmico no foram includos

    nessa introduo, mas apenas porque a proposta desta parte traar um panorama

    simplificado das vises e consideraes das principais correntes e dos principais

    autores da Economia Poltica no que tange ao assunto das crises.

    As quatro sees seguintes trataro de cada corrente marxista de teoria de

    crises: a subconsumista, a desproporcionalista, a da queda da taxa de lucro pelo

    aumento da composio orgnica do capital e a do estrangulamento dos lucros

    pelos salrios.

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    O CONCEITO MARXIANO DE CRISE ECONMICA Nesta seo ser introduzido o conceito de crise econmica desenvolvido por Marx, na sua forma mais fundamental.

    Segundo Marx, a possibilidade da crise reside na metamorfose da

    mercadoria, mas sua efetiva realizao s se torna latente com a forma capitalista

    de acumulao, cuja aparncia o lucro monetrio. Isso porque o processo que

    define o circuito do capital responde incentivos diferentes que o da simples

    obteno de valores de uso. A figura do capitalista, para Marx, encerra o desejo de

    acumulao de capital e no de maximizao de utilidade. E essa acumulao

    submetida a uma taxa usual de lucro que pepetue o incentivo capitalista ao

    reinvestimento do excedente gerado no processo produtivo e realizado no processo

    de circulao.

    Partindo dessas notas introdutrias sobre a viso de Marx, no fica difcil

    perceber que qualquer fator que incite o capitalista a interromper o reinvestimento do

    excedente realizado suficiente para iniciar o processo de crise. Mas a pergunta

    que resta qual esse fator? Em outras palavras, o que gera a queda da taxa de

    lucro abaixo do nvel usual cessando o estmulo capitalista a ampliao? E,

    finalmente, porque existe necessidade das crises ocorrerem sistematicamente?

    As respostas a esssas perguntas so o que fundamentalmente diferencia as

    correntes marxistas que sero discutidas neste trabalho. As contribuies de Marx

    neste sentido se encontram dispersas em sua obra, mas sero brevemente

    apresentadas.

    A caracterstica essencial que levaria o capitalismo sistematicamente a

    desequilbrios causadores de crises econmicas tem suas razes no prprio fato de

    o sistema capitalista no ter um carter planificado para organizar a diviso social do

    trabalho e com isso impedir que as crises econmicas ocorram.

    O processo global do capital separa a criao de valor da sua realizao,

    sendo esta sujeita a dinmica do mercado. Ou seja, os desequilbrios que levam a

    crise se encontram essencialmente na ruptura entre o valor produzido, que depende

    do trabalho socialmente necessrio para produzir a mercadoria, e o preo, que

    regulado por interaes entre oferta e demanda. Logo, a crise gesta durante a

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    evoluo contnua do sistema capitalista e se impe a fim de reequilibrar as

    imperfeies que a dinmica do sistema acumulou.

    No captulo XVII das Teorias da mais-valia, Marx aponta algumas das

    possveis razes causadoras de crises. Marx cita que as crises podem desencadear-

    se por um processo de desproporo na produo de determinadas mercadorias

    chave, cujas cadeias produtivas mobilizam um grande esforo econmico. Essa

    desproporo gera problemas de realizao, desestimulando o reinvestimento.

    Mais uma possvel razo para a crise apontada por Marx, se encontra no

    volume 3 de O Capital. Segundo Marx, o capitalismo levaria a situaes de

    superacumulao de capital na forma monetria e sem produtividade marginal. O

    resultado seria uma macia destruio de valor e a ascenso de dinmicas

    prejudiciais ao funcionamento do sistema, como a inflao.

    Em todas as observaes feitas sobre os motivos dispersos apontados por

    Marx para as crises interessante a incluso do crdito como fator que espalha a

    crise por todo o sistema devido a insolvncia dos crditos emprestados.

    interessante notar que a viso de Marx sobre o objetivo das crises

    econmicas, como situaes agudas formadas naturalmente pela dinmica do

    capitalismo e com o fim ltimo de reequilibrar as condies de existncia do sistema,

    sugere que a abordagem marxista cclica. Marx no considera que a crise o que,

    mecanicamente, leva ao colapso do capitalismo, apesar de externar suas

    contradies essenciais. A teoria de colapso de Marx, se que existe uma teoria

    sistematizada, enfatiza a luta poltica entre a classe dos operrios e os capitalistas

    para provocar a derrocada do sistema capitalista. No h em Marx, e no pode

    haver na interpretao deste texto, a mistura dos dois conceitos.

    O artigo discutir nas prximas sees quatro tipos de teorias marxistas de

    crise, cada uma delas julgando-se a mais apropriada ao arcabouo terico marxista.

    No a inteno deste texto eleger a teoria mais convincente ou mais coerente ao

    pensamento marxiano, mas apenas traar as caractersticas marcantes que de fato

    diferenciam essas diferentes teorias. A primeira teoria de crise a ser discutida ser a

    subconsumista, posteriormente a desproporcionalista. Em seguida ser analisada a

    da queda da taxa de lucro pelo aumento da composio orgnica do capital e

    finalmente a do estrangulamento dos lucros pelos salrios, sob cada uma das suas

    duas principais vertentes.

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    TEORIA MARXISTA DE CRISE BASEADA NO SUBCONSUMO Tendo como dois dos principais cones Rosa Luxemburg e Paul Sweezy, essa

    corrente considera o subconsumo como fator causador das crises econmicas. A

    abordagem que esta corrente demonstra evoluiu com o passar do tempo e com os

    diferentes autores que a integraram, mas seu raciocnio fundamental de que os

    trabalhadores no so capazes de consumir o excedente que produzem e os

    capitalistas no tem interesse em faz-lo por primarem acumulao.

    Esta teoria baseada numa superproduo relativa de mercadorias, o que

    causa uma crise de realizao dos valores produzidos. Outro fator importante

    considerado por esta teoria a noo de que o capitalismo no pode ampliar-se

    sem sustentculos exgenos. De acordo com a teoria subconsumista, esse seria o

    fator responsvel pela poltica imperialista das grandes potncias capitalistas, que

    agem incessantemente em busca de novos mercados para escoar o excedente

    superproduzido.

    A motivao implcita em considerar o subconsumo como um fator crucial e

    inevitvel da dinmica capitalista abstrada do raciocnio de que a produo , em

    ltima instncia, orientada pela demanda. O capitalista decide investir baseado na

    sua expectativa de demanda sobre seus produtos e no sob a orientao primordial

    da taxa de lucro, que seria uma simples conseqncia da eficincia do capitalista em

    observar o consumo solvente de suas mercadorias.

    Um dos problemas desta viso considerar a produo de meios de

    produo totalmente dependente da produo de bens de consumo, invertendo a

    lgica de ampliao descrita por Marx. Outra caracterstica que a instalao desse

    tipo de crise implica no estancamento do sistema capitalista e, portanto, no existe a

    necessidade sistemtica de crises ocorrerem periodicamente, basta que uma ocorra

    e que no exista um mercado alheio ao sistema capitalista para absorver o

    excedente, que a economia entra num estado de depresso crnica.

    A teoria de crise marxista baseada no subconsumo apresenta muitos pontos

    semelhantes teoria keynesiana e discutvel at que ponto esta teoria coerente

    com o arcabouo terico deixado por Marx. Mas, como j foi dito, no o objetivo

    deste trabalho investigar o grau de coerncia de cada teoria e sim traar as

    caractersticas bsicas que as diferenciam.

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    TEORIA MARXISTA DE CRISE BASEADA NA DESPROPORO Apesar de tambm pressupor uma superproduo relativa de mercadorias

    como fator relevante para a ecloso das crises, a teoria desproporcionalista pode ser

    considerada diametralmente oposta teoria subconsumista, por considerar que o

    consumo dos trabalhadores um mero detalhe na reproduo do capitalismo.

    De acordo com os desproporcionalistas, a causa das crises econmicas a

    desproporo na produo de mercadorias entre os ramos interdependentes do

    capitalismo. Atravs da manipulao dos esquemas de reproduo, os

    desproporcionalistas tentam demonstrar que a ampliao depende do equilbrio

    entre os setores produtivos e se todos acumularem com a mesma taxa, no h

    necessidade das crises ocorrerem. O que acontece que os capitalistas so

    guiados pelo desejo desenfreado de acumular o que acaba pressionado o mercado

    com excesso de mercadorias, resultando em crise. Se houvesse um planejamento

    prvio da produo entre os capitalistas, e no uma submisso ao carter anrquico

    do sistema, no haveria razo lgica e prtica de acontecerem crises, pois no

    haveria desequilbrio algum a ser resolvido. Mas a prpria concorrncia entre os

    capitais torna impossvel esse planejamento. Entre os principais autores desta

    corrente esto Tugan-Baranowsky (1907) e Rudolph Hilferding (1910).

    Um dos principais problemas da viso desproporcionalista a pouca nfase

    prestada aos bens de consumo, principalmente na obra de Tugan. como se o

    capitalismo pudesse ampliar e fizesse sentido que ele ampliasse, aumentando o

    volume dos meios de produo. Como a frase de Tugan que diz o ferro e o carvo

    produzidos podem servir sempre a produo de ferro e carvo. Novamente

    discutvel se essa postura se coaduna com a viso de Marx.

    TEORIA MARXISTA DE CRISE BASEADA NA QUEDA DA TAXA DE LUCRO PELO AUMENTO DA COMPOSIO ORGNICA DO CAPITAL Esta teoria de crise derivada da tendncia, apontada por Marx, da queda da taxa de lucro pelo aumento da composio orgnica do capital. O desenvolvimento

    do capitalismo e a concorrncia envolvida na disputa dos capitalistas, fazem com

    que a busca pela queda nos custos unitrios se intensifique. Os mtodos possveis

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    para essa reduo de custo seriam: a queda do salrio real, o aumento da jornada

    de trabalho ou o aumento da produtividade do trabalho. Como, acompanhando a

    expanso e amadurecimento do capitalismo, ocorre o desenvolvimento das foras

    produtivas do trabalho e cresce a resistncia dos trabalhadores na luta de classes,

    os dois primeiros mtodos de reduo de custos passam a ter uma dificuldade

    poltica de se implantarem, restando aos capitalistas buscar o aumento de

    produtividade do trabalho.

    Esse aumento de produtividade do trabalho s possvel com a alterao da

    composio tcnica do capital, ou seja, a introduo de uma nova tecnologia capaz

    de alterar a proporo entre o capital constante insumos, mquinas e

    equipamentos, planta e o capital varivel trabalho. O aumento do volume de

    capital constante tende a se manifestar em aumento do valor de trabalho morto

    trabalho incorporado no capital constante e que no gera excedente - na formao

    do valor total do produto, o que significa o aumento da composio orgnica do

    capital. Mas de que forma isso reduz o lucro?

    O lucro a manifestao monetria da mais-valia realizada no processo de

    circulao, mas ao contrrio da mais-valia, o lucro medido em termos do capital

    investido totalmente capital constante e capital varivel e no somente em

    termos de trabalho excedente. Como aumentou a proporo de capital constante em

    relao ao capital varivel, o volume de capital total investido por trabalhador passou

    a ser maior, mas esse aumento no necessariamente foi acompanhado por uma

    maior capacidade do trabalhador de gerar mais-valia e, portanto, a proporo entre a

    mais-valia gerada e o total de capital investido reduz. No momento em que as

    mercadorias entram no processo de circulao e so vendidas, a realizao da

    mais-valia lucro comparada ao capital investido se mostra menor.

    Explicado o mecanismo pelo qual o aumento da composio orgnica leva

    queda da taxa de lucro, resta relacionar este mecanismo com a sistematizao de

    uma teoria de crise econmica. Os principais autores que buscam uma concluso

    neste sentido so Henryk Grossman, David Yaffe e Anwar Shaikh.

    Segundo estes autores, a concorrncia gera perodos cclicos de queda e

    aumento da taxa de lucro. A queda se d pelo mecanismo da tendncia apresentado

    at o ponto em que o investimento marginal se torna improdutivo e nesse

    momento que ocorre a crise. Os capitalistas interrompem o ciclo produtivo gerando

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    desemprego e reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores, e inflam os preos

    para tentar manter a rentabilidade. Essa situao leva a uma destruio macia de

    capital, especialmente das empresas menos eficientes e faz com que caia o salrio

    real, impulsionando a contratao expressiva de trabalhadores sem a pretenso

    imediata de aumento de produtividade j que o custo do trabalho est mais baixo

    que o do capital, que teve seus preos inflados. A presena de maior quantidade de

    capital varivel no processo produtivo permite a ampliao rpida da mais-valia

    produzida e cria condies para uma nova fase expansiva.

    Existem quatro crticas para essa viso. A primeira seria a extrapolao de

    um argumento terico de Marx que aponta uma tendncia de longo prazo, para uma

    teoria que visa explicar flutuaes cclicas de curto prazo. A segunda que em

    certas condies no existe a necessidade do valor do capital constante aumentar

    tanto quanto seu volume e tambm no h como saber se a taxa de mais-valia no

    crescer a ponto de compensar a ampliao do valor do capital constante, j que se

    o aumento de produtividade for generalizado, os meios de consumo do trabalhador

    tambm tero seu valor reduzido e, portanto, haver ampliao da mais-valia

    relativa. A terceira crtica, que frgil por esquecer-se do pressuposto da

    concorrncia entre os capitalistas, se apia na idia do teorema de Okishio segundo

    o qual os capitalistas nunca escolheriam uma tecnologia que tenha como resultado a

    queda da taxa de lucro, ou seja, o desenvolvimento tecnolgico passvel de

    eleies tcnicas, mas como diz Anwar Shaikh: a nica eleio que enfrentam os

    capitalistas obter algum lucro com menor taxa ou no obter lucro nenhum por seu

    produto custar demais. A ltima crtica a esta teoria mais referente ao argumento

    de Marx, que por colocar a sociedade em termos de leis de movimento estaria

    subestimando as transformaes realizadas pelas pessoas e ento a tendncia da

    queda da taxa de lucro geraria uma atitude fatalista dos trabalhadores, que no se

    empenhariam em promover a derrocada do capitalismo. De acordo os defensores da

    teoria de crise baseada na queda da taxa de lucro pelo aumento da composio

    orgnica do capital, a instituio de ciclos de manifestao da tendncia vem rebater

    esta ltima crtica, j que se quiserem evitar os perodos de acentuado desemprego

    e altas inflaes, os trabalhadores devem se preparar para os momentos em que o

    sistema est fragilizado e derrub-lo.

  • 10

    TEORIA MARXISTA DE CRISE BASEADA NO ESTRANGULAMENTO DOS LUCROS PELOS SALRIOS Junto com a teoria de crise baseada na queda da taxa de lucro pelo aumento

    da composio orgnica do capital, a teoria de crise baseada no estrangulamento de

    lucros pelos salrios tambm busca atribuir um carter sistemtico para que as

    crises ocorram.

    Esta corrente terica, como j foi dito, divide-se em duas teorias. A primeira

    baseia-se no aumento da fora dos trabalhadores na luta de classes e a segunda se

    apia no raciocnio de uma superacumulao de capital que aumenta a demanda

    por trabalho e infla o salrio real.

    Luta de classes e estrangulamento dos lucros

    O principal argumento desta corrente que a histria se faz de condies

    polticas e no de leis de movimento, e que a posio em que a classe dominada se

    encontra que determina as mudanas do sistema econmico. Essa teoria tem um

    vis bastante pragmtico e revolucionrio, mas com um raciocnio bem simples. Os

    trabalhadores se desenvolvem como classe e passam a brigar por maiores salrios

    reais, o que tende a reduzir a taxa de explorao, ainda mais se esse aumento de

    salrio superar o constante aumento de produtividade da dinmica capitalista. Essa

    reduo na taxa de explorao leva fatalmente a uma reduo na mais-valia gerada

    e, portanto na mais-valia realizada, que se manifesta no lucro. O lucro caindo, cai o

    investimento e o ritmo de aumento de produtividade, agravando ainda mais a

    situao at a ecloso da crise, que deve ser encarada como o momento ideal de

    derrubada do sistema capitalista e no deve causar um temor reacionrio aos

    trabalhadores.

    O raciocnio desenvolvido para validar esta teoria parte de um embasamento

    emprico segundo o qual antes das crises os salrios aumentam na composio da

    renda nacional em relao aos lucros. Mas sua consistncia terica parte de uma

    incoerncia, ainda mais em termos marxistas. um erro considerar a relao entre

    lucros e salrios igual relao entre trabalho excedente e trabalho necessrio, que

    definem a taxa de explorao. perfeitamente possvel na lgica marxista que os

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    lucros estejam caindo e a taxa de explorao aumentando, ou que os salrios reais

    estejam subindo e a taxa de explorao aumentando. A taxa de explorao mede a

    relao entre trabalho excedente e necessrio, ou seja, o custo do capital constante

    no incorporado na relao de determinao da mais-valia, mas na

    determinao do lucro. O aumento da composio orgnica j seria suficiente para

    que o lucro casse com o aumento da explorao, bastando que a taxa de mais-valia

    no compensasse o aumento no valor do capital constante. E o segundo caso, que

    seria o aumento do salrio real junto com um aumento na taxa de explorao

    extremamente vivel bastando que haja um aumento generalizado de produtividade.

    Enxugamento do exrcito industrial de reserva e estrangulamento dos lucros

    Esta corrente tenta coadunar a crise causada pela queda dos lucros e

    interrupo dos investimentos com uma lei de populao. O raciocnio tambm

    bem simples. A fora de trabalho, como qualquer mercadoria, tem certo limite de

    oferta, que de acordo com a demanda, pode fazer seu preo flutuar em torno do

    valor. O argumento central que o capitalismo se expande a taxas to elevadas,

    que ultrapassam o crescimento vegetativo e, portanto a mo-de-obra se torna cada

    vez mais cara devido ao mecanismo de flutuao do mercado, at o ponto em que

    invivel a contratao de trabalhadores assim como a acumulao e a crise eclode.

    o que se chama de enxugamento do exrcito industrial de reserva. O objetivo da

    crise a desvalorizao dos capitais superacumulados e a convergncia entre a

    taxa de expanso do capitalismo e o crescimento vegetativo da populao, como

    esta circunstncia s possvel numa economia planejada, as crises ocorrem

    sistematicamente. A escola marxista japonesa a principal adepta dessa escola,

    tendo em um dos grandes cones Makoto Itoh. H muitos questionamentos quanto

    validade desta teoria. Ser factvel que existe escassez de mo-de-obra e esse o

    principal motivo das crises? As principais crticas que esta corrente sofre so

    exatamente neste sentido. Se a dinmica capitalista de concorrncia est sempre

    em busca da reduo dos custos e o meio mais efetivo de faz-la aumentando a

    produtividade do trabalho e, portanto aumentando a proporo de capital constante

    com relao ao capital varivel, qual teria de ser a magnitude da expanso do

    capitalismo que fosse capaz de absorver todos os trabalhadores que esto

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    desempregados e mais aqueles que foram substitudos por um aumento na

    mecanizao?

    CONCLUSES Como qualquer anlise terica a construo deste artigo se mostrou bastante

    trabalhosa, devido preciso que necessrio se ter para discutir teorias,

    independente da rea e da cincia em questo. Mas por outro lado, tambm foi um

    trabalho agradvel na medida em que suscitou discusses com os colaboradores e

    com o orientador do projeto. O resultado pode ter deixado a desejar aos leitores,

    mas como uma introduo linha de pesquisa que pretendo seguir, certamente o

    trabalho foi muito proveitoso.

    A discusso terica sobre crise econmica analisando as diversas ticas

    marxistas mostrou como, mais uma vez, a cincia econmica interessante.

    Partindo de um mesmo arcabouo terico, a teoria marxiana, e buscando explicar o

    mesmo fenmeno, tm-se quatro resultados diferentes. Isso sem contar as

    abordagens multicausais que foram negligenciadas neste trabalho, como a viso do

    consagrado historiador marxista Maurice Dobb. Uma outra questo que considerei

    bastante interessante, mas que infelizmente no consegui responder at que

    ponto um embasamento terico tem que ser completamente respeitado ou deixado

    intacto se o objetivo traar uma nova teoria. Ser que a anlise crucial verificar

    qual teoria se coaduna melhor com o pensamento de Marx, ou tentar perceber qual

    aquela que lhe parece a mais coerente? Talvez o principal fruto desta pesquisa

    sejam as dvidas que ela levantou, pois assim fico instigado a continuar o meu

    desenvolvimento acadmico a fim de respond-las.

    claro que a viso que este artigo demonstra bastante superficial e deixa

    de lado questes relevantes sobre cada teoria descrita, mas visto que o objetivo do

    trabalho fazer uma comparao preliminar entre cada corrente em suas

    caractersticas principais posso dizer-me satisfeito com o resultado final.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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