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Se pararmos para pensar no verdadeiro sentido de existir, é que um dia deixaremos de existir. Não digo deixar de existir no sentido melancólico ou dramático. Filosófico mesmo. Quer dizer, talvez não deixemos de existir. Cientificamente, nosso corpo sempre se transformará em outra matéria. Espiritualmente, seremos eternos. O mais enigmático é que nunca saberemos quando nem onde, se o adeus que acabamos de dar será o último, se a última palavra que dissemos será a última. Todo instante é improvável e, portanto, possível. Mas, afinal, o que é morrer? O que é a dor? O que vem depois? Talvez a morte aconteça na lembrança, ou melhor, no esquecimento. Quanto maior for o tempo da não existência física de alguém que conhecemos, menores são as chances de nos lembrarmos dos detalhes dessa pessoa. Não digo as afeições físicas, pois fotos e vídeos podem lembrar por nós. Digo pelos gestos, os mais peculiares possíveis. O jeito de sorrir, de olhar, de gesticular com a mão, o que pensaria, como agiria. Talvez, depois de longos anos, você pense que se lembre, mas acredito mais no cérebro nos criando peças. Nesse momento, lembraremos de como queríamos que fosse. A pessoa deixa de existir e o que temos é a existência de um outro ser de nosso próprio mundo platônico. No fim, seremos esquecidos. Todos. Talvez custe alguns bilhões de anos. Mas os detalhes da vida de alguém, o que fez ou deixou de fazer não perpetuarão para sempre. Um dia todos morreremos. E tudo o que fizermos também. Tudo tem seu fim. Quanto à dor, como medi-la? Como saber se a morte de alguém foi ou não menos dolorosa que a de outra? Como saber a dor se não fomos nós quem morremos? O que se passa antes de morrer? Será que sentimos algo? Será que temos tempo pra pensar em algo? E a dor dos que ficam? Como medi-la? Como suportá-la? Como imaginar a vida sem alguém que você ama, com quem fala todos os dias? É estranho. É doloroso. E creio que sempre surja o questionamento do “por quê?”. Por que essa pessoa? Por que comigo? É irônico como compreendemos que o fim da vida é a morte, mas ao mesmo tempo não estamos preparados para ela, principalmente quando somos nós quem ficamos e vemos alguém partir. Não entendemos e creio que nunca entenderemos.

08 Para Tudo, Há Um Fim

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Texto livre sobre a existência da espécie humana, retratando o dilema de estarmos aqui, vivos e, num instante improvável, mortos.

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Page 1: 08 Para Tudo, Há Um Fim

Se pararmos para pensar no verdadeiro sentido de existir, é que um dia deixaremos de existir. Não digo deixar de existir no sentido melancólico ou dramático. Filosófico mesmo. Quer dizer, talvez não deixemos de existir. Cientificamente, nosso corpo sempre se transformará em outra matéria. Espiritualmente, seremos eternos. O mais enigmático é que nunca saberemos quando nem onde, se o adeus que acabamos de dar será o último, se a última palavra que dissemos será a última. Todo instante é improvável e, portanto, possível.

Mas, afinal, o que é morrer? O que é a dor? O que vem depois? Talvez a morte aconteça na lembrança, ou melhor, no esquecimento. Quanto maior for o tempo da não existência física de alguém que conhecemos, menores são as chances de nos lembrarmos dos detalhes dessa pessoa. Não digo as afeições físicas, pois fotos e vídeos podem lembrar por nós. Digo pelos gestos, os mais peculiares possíveis. O jeito de sorrir, de olhar, de gesticular com a mão, o que pensaria, como agiria. Talvez, depois de longos anos, você pense que se lembre, mas acredito mais no cérebro nos criando peças. Nesse momento, lembraremos de como queríamos que fosse. A pessoa deixa de existir e o que temos é a existência de um outro ser de nosso próprio mundo platônico.

No fim, seremos esquecidos. Todos. Talvez custe alguns bilhões de anos. Mas os detalhes da vida de alguém, o que fez ou deixou de fazer não perpetuarão para sempre. Um dia todos morreremos. E tudo o que fizermos também. Tudo tem seu fim.

Quanto à dor, como medi-la? Como saber se a morte de alguém foi ou não menos dolorosa que a de outra? Como saber a dor se não fomos nós quem morremos? O que se passa antes de morrer? Será que sentimos algo? Será que temos tempo pra pensar em algo? E a dor dos que ficam? Como medi-la? Como suportá-la? Como imaginar a vida sem alguém que você ama, com quem fala todos os dias? É estranho. É doloroso. E creio que sempre surja o questionamento do “por quê?”. Por que essa pessoa? Por que comigo? É irônico como compreendemos que o fim da vida é a morte, mas ao mesmo tempo não estamos preparados para ela, principalmente quando somos nós quem ficamos e vemos alguém partir. Não entendemos e creio que nunca entenderemos.

E o que vem depois? Como será essa tal “vida após a morte?” Como saberemos o que nos aguarda? E como saberemos como está a pessoa que um dia esteve conosco? E as lembranças? Elas perduram no além? Pra mim, essa última pergunta é sempre a mais difícil e possivelmente só respondida pelos cristãos. Digo cristão no sentido real da palavra, de crer em algo, que seja em Deus, em Buda, em Maomé, em qualquer ser espiritual superior a nós. E parece que é esse fato, esse de acreditar no além, no depois, é que faz as pessoas aceitarem um pouco melhor a morte. Ou não.