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    Segunda parteA MODACONSUMADA

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    Onde comeca, onde termina a moda, na era da explosao dasnecessidades e da mfdia, da publicidade e dos lazeres de massa,das estrelas e dos sucessos musicais? 0 que nao e , ao menos par-cialmente, comandado peia moda quando 0 efemero ganha 0 uni-verso dos objetos, da cultura, dos discursos de sentido, quando 0principio de seducao reorganiza em profundidade 0 contexte coti-diano, a informacao e a cena politica? Explosao da moda: dora-vante eia ja nao tern epicentro, deixou de ser 0 privilegio de uma

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    b ll cl ta ri a. Nao mais 0 rigorismo, mas a seducao do consumo e dopslcologismo. Desprendemo-nos em algumas decadas do primadoda e ideologias rigidas e do esquema disciplinar caracteristico dafase her6ica das democracias; as sociedades contemporaneas reci-claram-se em kit e em service expresso. 0 que nao significa, evi-dentemente, que tenhamos rompido todos as elos que nos ligam anossas origens: a sociedade frivol a nao sai do universo competitivoe burocratico, entra em seu momenta flexfvel e comunicacional;nao sai da ordem dernocratica, realiza-a na febre do espetacular,na inconstancia das opinioes e das mobilizacoes sociais.

    A supremacia da forma moda nao tern nada a ver com qual-quer "decadencia" do Ocidente entregue aos gozos privados, esva-ziado de toda fe em ideais superiores. Nada a ver com 0 "esnobis-mo" pos-historico, esse fim hegeliano-marxista da hi$tQlia tal comoo analisava Kojeve no final dos anos 1950,l/Amoda consumaaa:>"-------.-_ _ _ _ _ . . .nao significa desaparecimento dos conteiidos sociais e politicos emfavor de uma pura gratuidade "esnobe", formalista, sem negativi-dade histor ica. Significa uma nova relacao com os ideais,~utn..!1Q.Y:O~!im.s

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    UM OBIETO DO SE U AGRADOForma moda que se manifesta em toda a sua r~dical~~ade na

    cadencia aee1erada das mudan

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    tl'~gico, fonte de bem-estar e de pequenas excitacoes bem-vindas noramerrto da vida cotidiana.o imperativo industrial do Novo se encarna agora numa poll-tiea de produtos coerente e sistematica, a da diversificacao e dadesmassificacao da producao. 0 processo de moda despadroniza asprodutos, multiplica as escolhas e opcoes, manifesta-se em politicasde linhas que consistem em prop or urn amplo leque de modelos evers6es construfdos a partir de elementos-padrao e que s6 se dis-tinguem ao termo da Iinha de montagem por pequenas diferencascombinat6rias. Se desde a decada de 20, com 0 sloanismo, * a pro-'aU9ao de massa comecou, pelo menos nos EVA e no setor automo-bilistico, a empregar 0 princlpio das linhas completas de produtose da renovacao anual dos modelos,' 0 processo s6 ganhou toda suaextensao apes a Segunda Guerra Mundial. Com a multiplicacaodas linhas, vers6es, . OP96es, cores,_ series limitad~, a esfer_a dasmercadorlas entrot1-n~!?!dem :4i~ersonaiizaca~ve generalizar-seopriiidpio da "diferenciacao marginal"," por muito tempo apanagioda producao de vestuario. A forma moda e ai soberana: trata-sepOI' toda parte de. substitulra -unicwadi-pela di;etsidade,~ si~ili-'ttiae pelas 1ll1J!ll

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    ndu trlal prosscgue 0 trabalho democratico de igualacao das condi-r;6 u u o sfe ra dos objetos: ao inves de um sistema Ieito de elemen-t s heterogeneos, expande-se um sistema graduado, constituido devaria~oes e de pequenas nuancas. l lis;xtrS:JI1~s !lao" d~~apl3,!:l

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    transformacoes significativas. 0 momenta p-r_e~.ente_.Jnai~~_~a1o-.riza!,)1!iQo cQ!!fQi!Q,do natut~,-qa ma!1~abi1i9ad~, da.~~gJ.!!'an9a,4!. economia, da p'erformanc~. "0 novo Escort chegou! Novo look,nova tecno10gia, novas performances. Mais eficaz com as novas sus-pensoes Mac Pherson independentes nas quatro rodas: estabilidadee conforto fenomenais. Mais caloroso, com urn interior completa-mente redesenhado: painel de alta legibilidade, assentos ergonomi-cos de grande conforto, arranjos muito praticos, vasto porta-malasmodulavel, sem contar 0 espaco interno recorde". Valores menostributaries da embriaguez das aparencias impuseram-se macicamen-teo Que a Renault tenha podido lancar em 1984 0 Supercinq, deconcepcao inteiramente nova mas de linha muito semelhante aodo R5 nascido em 1972, e reve1ador da mudanca em curso. Porser atipico, 0 caso do Supercinq e instrutivo. "Nao se muda urnmodele que esta ganhando", dizia-se a seu respeito; mas tal feno-meno pode produzir-se unicamente devido a uma moderacao dafebre de renovacao formal. Aqui, a logica da producao para grandepublico aproximou-se da alta linha em sua recusa das variacoesaceleradas e sistematicas. J a nao e mais possivel sustentar, ao menosna Europa, que os aparelhos eletrodomesticos sejam desclassificadospor simples pequenas novidades de Iormas au de cores. Em nume-rosos ramos, como 0 eletronico para grande publico, 0 eletrodomes-tico ou 0 mobiliario, 0 dassicismo das formas e dominante, as va-riacoes na aparencia, discretas. A forma dos barbeadores eletr icosdos aparelhos de televisao ou dos refrigeradores muda pouco, nenhu-rna introducao estilfstica consegue torna-Ios obsoletos. Quanto mais~mplexidade tecnica aumenta, mais 0 aspecto_externp~do.s_ooJetQs~e tQ_rna19b~i() e depurado ..As formas ostentatorias dos para-lamasde carro e 0 bri lho dos cromados deram lugar a compacidade e aslinhas integradas; os aparelhos de som, os videocassetes, os micro-computadores aparecem com formas depuradas e serias. A sofisti-Ca9aOfrivola das formas foi substituida por urn superfuncionalismohigh tech. A moda elida menos no chamariz decorativo do queno luxe de precisao, de visores e teclas sensiveis. Menos jogo for-mal,)paiLtecnifidade, a moda tend~_ao...;aQijQ_,_ -----.--. --'~-_.

    No centro do-redesdobramento moda da producao, 0 industrialdesign. 0 que nao deixa de ser de alguma forma paradoxal quandonos reportamos a s intencoes. iniciais do movimento, expressas econcretizadas no infcio de nosso seculo na Bauhaus e mais tardenas posicces do design ortodoxo. 0 design, com efeito, desde aBauhaus, opoe-se frontalmente ao espirito de moda, aos [ogos gra-tuitos do decorative, do kitsch, da estetica superflua, Hostil por

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    prlncipio aos elementos acrescentados, as ornarnentacoes superfi-Iaie, 0 design estrito busca essencialmente a melhoria funcionaldoe produtos; trata-se de conhecer configuracoes formaia-econo-micas definidas antes de tudo por sua "riqueza semantica ou semio-loglea". Idealmente, 0 design nao se atribui a tarefa de conceber] , Jl..objetos agradaveis ao olho, mas a de encontrar solucoes racionais : c)., .e funcionais. Nao arte decorativa mas "design informacional" 1 0 / s ?, , .. }visando criar formas adaptadas as necessidades e as funcoes, ad;p-'\!0"l)") ".:.;.tadas as condicoes da producao industrial moderna. ___Sabe-se que de fato essa oposicao a moda foi multo menosradical. Em primeiro lugar porque al i onde 0 design industrial sedesenvolveu mais rapidamente, nos EVA, ele se atribuiu; antes detudo, 0 objetivo de embelezar oe objetos e seduzir os consumidores:styling, design de adorno, de revestimento, de maquiagem. POl'ou-tro lado, porque passadas as concepcoes intransigentes e puritan asda Ba~haus, 0 design fixou-se tarefas menos revolucionarias: apeso projeto de sanear em profundidade a concepcao- dos produtosindustriais na via purista, 0projeto mais modesto de "re-semanti-zar" 11 0 mundo dos objetos correntes, isto e, de integrar a retoricada seducao. 0 programa funcionalista humanizou-se e relativizou-se, abriu-se as necessidades mtiltiplas do homem, esteticas, psiquicas,emotivas; 0 design abandonou 0 ponto de vista da racionalidadepura, em que a forma seria deduzida rigorosamente das exclusivasexigencias materiais e praticas do objeto, "0 valor estetico e arte}ner@_~ da"fUlW!lq".12Se a ambicao sup;-~do- de;i ; e cri;:robjetos uteis adaptados as necessidades essenciais, sua outra ambi-gao e que 0 produto industrial seja "humano", devendo-se dar lu-gar a busca do encanto visual e da beleza plastica, Assim, 0 designse insurge menos contra a moda do que institui urna moda especi-fica, uma elegdncia nova, caracterizada pelo aerodinamismo e peladepuracao das formas, uma beleza abstrata fei ta de rigor e de coe-rencia arquitetonica. Moda de urn genero a parte pois que unidi-. mensional, funcional, ao menos se se excetuam as fantasias do newdesign destes iiltimos anos. A difere.m~.lLcLaw_hion, que s o conheceas revira~ol~as_.

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    inventa uma nova modaIidade dela, ~n_cena9ao~e~o artificialismonaQj.esapareceram, cheg~. a_d~p..~~..Y,Ut in~cl!!_ado rninim~yda "verdade" do objet9:Y e 0 charme discrete do despojamento,da econo~ia dos meios' e da transparencia. Seducao fria, univoca,modernista, ap6s a teatralidade caprichosa e ornamental. Com 0design, a mundo dos objetos se desprende da referencia ao I'~~a-do, p6efima-1udo-que pertenceauma l!le_rn

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    construtivismo, "de StijI",14 ria mesma maneira que a arte moder-na conquistou uma autonomia formal libertando-se da fidelidadeao modele e da representacao euclidiana, assim tambem a Bauhausaplicou-se em produzir formas definidas essencialmente por suacoerencia interna, sem referencia a norm as outras que nao a fun-cionalidade do objeto. A pintura moderna criou obras que valempor si mesmas; a Bauhaus, por seu lado, prolongou esse gestoconcebendo objetos estritamente combinat6rios. Em sua exaltacaodo despojamento, do angulo reto.e da simplicidade das formas, 0estilo funcional ede fato 0 resultado do espirito artistico modernoem revolta contra a estetica do brilho, da enfase, da ornamentacao.o ambiente funcional nao faz senao rematar a revolucao artistic amoderna de essencia democratica, desencadeada por volta de 1860,expulsando a solenidade majestosa, 0 aned6tico, a idealizacao. T9da, ,a arte moderna,enquanto negac;ao das convencoes e reabilitacaoriP~~i~~ri~~epinive(de- uma cultura da igualda~~ que ~isSQl-ve as hierarquias de generos, de assuntos, de materiais, Assim, a-estetiea funcionalista e sustentada pelos valores modernistas revo-lucionarios e democraticos: arrancar os objetos a pratica ornamen-tal, por fim aos modelos poeticos do passado, utilizar materiais"vulgares" (projetores e lampadas de mesa de ace cromado ou alu-minio, cadeiras, poltronas e banquetas de tubos metalicos de Bauerem 1925) ; 0 trabalho da igualdade eliminou os signos da.desseme-lhanca ostentat6iia, legitimou os novos materiais industriais nao-nobres, permitiu promover os valores de "autenticidade" e de "ver-dade" do obje to. A celebra

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    matica a fim de reproduzir a diferenciacao social. A teoria maisortodoxa da moda volta a galope, 0 efemero encontra seu principiona concorrencia simb6lica das classes; as novidades audaciosas eaberrantes da moda tern por funcao recriar distancia, excluir amaioria, incapaz de assimila-las imediatamente, e distinguir, aocontrario, por urn tempo, as classes privilegiadas que podem, estassim, apropriar-se de1as: "A inovacao formal em materia de objetosnao tem por fim um mundo de objetos ideal, mas urn ideal social,o das classes privilegiadas, que e de reatualizar perpetuamente seuprivilegio cultural" .16 0 novo de mod a e antes de tudo urn signadistintivo, urn "Iuxo de herdeiros": longe de destruir as disparidadessociais diante dos objetos, a moda "falaa todos l2.ara melhor reco-- " " , , _ _ , , - , , - - - - - .-~--~----ocar cada urn em seu lugar. E uma das instituicoes que melhorrecupera:que funda, sob pretexto de aboli-la, a desigualdade cul-

    ,,;..}tural e a discriminacao social".'? Ainda mais, a moda contribui, pa~a ainercia social pelo fato de que a(~~ii'ova~~o ~o~~ per-

    _-; O._f!1.ig_c?~.~nsar. uma ausencia de .m~bili~ade _soci1!1 real e uma\ aspiracao decepcionada 'ao progresso social e cultural.P Instrumen-to de distincao de classes, a moda reproduz segregacao social ecultural, participa da mitologia moderna mascarando uma igual-dade que nao pode ser encontrada.

    Essas analises classicas levant am imimeras quest6es. Qualquery que sejaseu interesse, nao se deve esconder que, em nossa opiniao,

    elas perderam 0 essencial do que se produziu com a explosao damoda consumada, ficaram cegas a verdadeira funcao hist6rica donovo tipo de regulacao social a base de inconstancia, de seducao ede hiperescolha. Nao pensamos de maneira nenhuma em negar queos objetos possam ser, aqui ou ali, significantes sociais e signos deinspiracao, mas contestamos a ideia de que 0 consumo de massaseja comandado principalmente por urn processo de distincao e dediferenciacao estatutaria, que ele se identifique a uma producao devalores honorificos e de emblemas sociais. A grande originalidadehist6rica do impulso das necessidades precisamente ter desenca-deado urn processo tendencial de dessocializacdo do consumo, deregressao do primeiro imemorial do valor estatutario dos objetosem favor do valor dominante do prazer individual edo objeto-uso.E essa inversao de tendencia que define propriamente a obra damoda consumada. E cada vez menos verdadeiro que adquirimosobjetos para obter prestigio social, para nos isolar dos grupos deestatuto inferior e Iiliar-nos aos grupos superiores. 0 que se busca,atraves dos objetos, menos uma legitimidade e uma diferencasocial do que uma satisfacao privada cada vez mais indiferente aos

    1 1 1 1 amentos dos outros. 0 consumo, no essencial, nao mais umautlvidade regrada pela busca do reconhecimento social; manifest a-~ , i8$0 sim, em vista do_~m-estar, da funcionalidade, do I.lta~erpara si mesmo. 0 consumo niaci~amente dixouaeser uma 16gicado tribute estatutario, passando para a ordem do utilitarismo e doprivatismo individualista.

    f: verdade que, na aurora do impulso do consumo de massa,certos objetos, os primeiros carros, os primeiros aparelhos de tele-visao, tenham podido ser elementos de prestigio, mais investidosde valor social distintivo do que de valor de uso. Mas quem naove que esse tempo esta findo? a que se passa hoje, quando os indi-viduos consideram os novos objetos como um direito natural?Quando nao conhecemos nada mais que a tica do consumo? Mes-mo os novos bens que surgem no mercado (videocassete, micro-oomputador, toea-discos laser, forno microondas, videotexto) naochegam a impor-se como material carregado de conotacoes destanding; cada vez mais rapidamente sao absorvidos por uma de-manda coletiva avida nao de diferenciacao social mas de autono-mia, de novidades, de estimulacces, de informacoes. E 0 pior doscontra-senses interpretar a paixonite rapids das classes medias epopulares pelo videocassete ou pela prancha a vela a partir da 16- fgica social da diferenca e da distincao: _~ret~_!1sao s()~ial nao esta , ..J;\.j-;" ')..em _J~go.1:m.1\S_Sll]1_sed~_9_~_}ma_g~nse de_esp~!~~:ulos,_s>_gQstQpela.': ;" J;Y"

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    Isso nao significa, evidentemente, que os objetos ja nao te-nham valor simbolico e que 0 consumo esteja livre de toda compe-tiC;ao por status, Em imimeros casos, a compra de urn carro, deuma segunda residencia, de artigos griffes de alta linha :e~ete auma vontade explicita de demarcar-se socialmente, de exibir ~maposicao. Como se sabe, os artigos de luxe nao sofreram com a cns.e;sempre procurados e valorizados, revelam, entre outras, a persis-tencia do codigo de diferenciacao social pelo meio indireto de cer-tos produtos. Mas 0 consumo prestigioso nao deve ser tornado comomodele do consumo de massa, que repousa bern mais no valoresprivados de conforto, de prazer, de uso funcional. Vivemos 0 tempoda desforra do valor de uso sobre 0 valor de status, do gozo intimosobre 0 valor honorifico. Atestam-no nao s6 0 aparecimento doconsumismo contemporaneo mas tambem a pr6pria publicidade, queenfatiza mais as qualidades do objeto, 0 sonho e a sensacao do queos valores de standing: "Possuir a estrada, domina-la, subjuga-Iapela formidavel potencia da maquina, mas sobretudo por sua prodi-giosa inteligencia , .. Tocar, acariciar 0 volante e sentir reagir urnbelo animal impetuoso e docil ... Deslizar no espaco com a soberbaserenidade do prazer total, e tudo isso 0 Golf GTI". Houve umailusao da critica da critic a da economia politica: longe de engendrar;._L'relegflC;aQ...d.oalcr de .J!o':.,..._Jn__Q_da_c.onsumada realiza. 0 Ieti-chismo do objeto signQ;.,pertence mais ao pass ado do que ao pre-sente, estamos a vontade na era do valor de uso, da confiabilidade,das garantias de uso, dos testes, das relacoes qualidade-preco. Que-remos antes de tudo aparelhos que funcionem, que assegurem umaboa qualidade de conforto, de durabilidade, de operatividade. 0que nao quer dizer que 0 consumo nao esteja associado a inun:erasdimensoes psicol6gicas e imagens . A imagem de produto, nao 0signa declasse que;nao e se?ao urn trac;? ~ima~em .entre outr~s.Consumimos, -atraves dos objetos e dasmarcas, ~lilamlsmo, e1egan-JV cra:po9~'r ,' re~ova9aO de h~~i!6sL.y_~i!i~~de, femi?i1idade, ida~e,..,/' ,r'efinamento , seguraii~a~-naturalidad~! t!!l!..q..Jantas-.lmageus_qlle_lil-fluem' em f iossas e-scolli 'as-"e'que seria simplis ta reduzir s6 aos Ieno-menos de vinculacao social quando precisamente ~_.KQs_!()_naocessam de individualizar-se ...Com 0 reino das imagens heterogeneas,polimorfas, multiplicadas, sai-se do primado da logica das clas~es;e a era das motivacoes intimase existenciais, da gratificacao pSlCO-Iogica, do prazer para si mesmo, da qualidade e da utilidade dascoisas que assume 0 posto. Mesmo a boa qualidade dos prod~tosde griffe nao se explica simplesmente pela coacao do standing,m as da testemunho tambem da tendencia neonarcisica de se dar

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    r I d urn apetite crescente de qualidade e de estetica em cate-. . h IM ciais ampliadas, que se privam em certos dominies e ser 'tn, por outro lado, uma "extravagancia", 0 prazer da exce-I "t mica, da qualidade e do conforto absolutos.l .nmenta-se frequentemente 0 materialismo de nossas socie-I ,P r que nao se ressalta que, ao mesmo tempo, a moda con-

    II II In contribui. para desprender 0 homem de seus objetos? NoInr~t'lo do valor de uso, nao nos ligamos mais as coisas, muda-seII '11m IIlte de casa, de carro, de mobiliario: a era que sacralizat .lulmente as mercadorias e aquela na qual no~ramos sem dOl:_Ino 60S objetos. J a nao ~~~amos das coisas ..por elas mesmas ou",tu s'tatuto social que conferem, mas :r.elos servico~_g~rest~.!!!,p 10 Inazer _ ue tiramos, delas, por uma funcionalidade perfeita-I I nt permutavel, Nesse sentido, a moda desrealiza as coisas,til i il lubstancializa-asatraves do culto homogeneo da utili dade e danuvldade. 0 que possuimos, nos 0 mudaremos: quanto mais osul. l tos se tornam nossas proteses, mais somos indiferentes a e1es;uessa relacao com as coisas depende agora de urn amor abstrato,pnradoxalmente desencarnado. Como continuar a falar de alienacaonum tempo em que, longe de serem desapossados pelos objetos,110 os individuos que se desapossam deles? Quanto mais 0 con-~U'l10 se desenvolve, mais os objetos se tornam meios desencanta-des, instrumentos, nada mais que instrumentos: assim caminha ademocratizacao do mundo material.

    Isso contribui para adotar uma perspectiva diferente sobre 0papel hist6rico da moda consumada. Longe de aparecer como urnvetor de reproducao das diferenciacces e segregacoes sociais, _().~is:tema da moda ampliada permitiu, maisque q1, !!llql:!e!:_QqttQ._Jeno-meno--- :r.rosseguir - a trajet&ia ~se"Cu:rar'd~~()nqt1istfl dauujonomiaincilividu-;J.-Instrurriento de indlvidualIzac;ao das pessoas, nao-conti-nuacao da distancia social. Inst itucionalizando 0 efemero, diversi-ficando 0 leque dos objetos e dos services, 0 terminal da moda mul-tipllcou as ocasioes da escolha individual, obrigou 0 individuo ainformar-se, a acolher as novidades, a afirmar preferencias subje-tivas: 0 individuo tornou-se urn centro decis6rio permanente, umsujeito aberto e movel atraves do caleidoscopio da mercadoria. Nomomenta mesmo em que 0 meio cotidiano e cada vez rna i s pens adoe produzido de fora por instancias burocraticas especializadas, cadaurn, sob 0 governo da moda, e mais sujeito de sua existencia pri-vada, operador livre de sua vida por intermedio da superescolha naqual estamos imersos. 0 imperio da moda significauniversalizacaodos padr5es modernos, mas em beneficio de uma emancipacao e

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    de uma despadronizacao sem precedente da esfera subjetiva.Absorvida pelo projeto de desmistificar a ideologia do consumo,a tradicao critica revolucionaria nao viu 0 poder de autonomiaindividual impulsionado inelutavelmente pelo hedonismo de massa,esse epicentro cultural da moda consumada. Que erro nao ter vis tono neo-hedonisrno senao urn instrumento de controle social e desupermanipulacao, enquanto ele e antes de tudo urn vetor de inde-terminacao e de afirmacao da individualidade privada. Marcusepodia escrever sem nuanca: "A dominacao da sociedade sobre 0individuo e infinitamente maior do que nunca. .. J a nao ha opo-sic;ao entre a vida privada e a vida publica, entre as necessidadessociais e as .necessidades individuais'V? no momenta mesmo emque ia desencadear-se uma explosao hiperindividualista afetandotodos os domini os da vida privada. Analise particularmente cegano movimento da modernidade social, quando se observa hoje 0extraordinario processo de emancipacao privada dos individuos nasrelacoes sexuais, na vida familiar, nos comportamentos femininos,na procriacao, no vestuario, no esporte e nas relacces in t e r -humanas ,A aspiracao de realizar-se, de gozar imediatamente a existencianaoe um simples equivalente do adestramento do h om o c on su m an s._lon~e~d~ .~mbrutec::r o. seres no divertimento_prQgram.lido~ a_cul-~ hedonista ~ula cad a 1!_ma to naose.maia.seaho e__p_o..s.sui-~ d e s u a propria vida, a autodeterminar-se em suas_rela&:Qe.s_cQffi_2~ q!!tros, - a~vi~~r~m~par~ .i_prIrii~.:. A absorcao euf6rica dosmodelos dirigidos e so uma das manifestacoes da moda: do outrolado, ha a indeterminacao crescente das existencias, a fu ~ moral i tytrabalha na afirmacao individualista da autonomia privada.

    A economia frivola desarraigou definitivamente as normas e oscomportamentos tradicionais, generalizou 0 espirito de curiosidade,democratizou 0 gosto e a paixao do Novo em todos os niveis da exis-tencia e em todas as camadas sociais: dai resulta urn tipo de indivi-dualidade profundamente labil. A medida que 0 efemero invade 0cotidiano, as novidades sao cada vez mais rapidamente e cada vezmais bern acei tas; em seu apogeu, a econcmie-moda enggtdrol!_l!@___agente social a sua imagem: 0 proprio i]z4iJ!iduo-111Qda,_.NU apegoproTullao, movel, de ~lla@e:::e de g ostos flutuantes. Tal dispo-nibilidade dos agentes sociais para as mudancas exige que se reabrao processo intent ado contra a sociedade frivola, acusada de desperdi-cio organizado e de irracionalidade burocra tico-capitalista, Os argu-mentos sao conhecidos, os exemplos, imimeros: por que dez marcasde detergentes equivalentes? Por que despesas de publicidade? Porque as arengas de modelos e versoes de automoveis? A bela alma

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    se lamenta, uma imensa irracionalidade esta no centro do universotecnologico.Feiticeira enfeiticada, a inteligencia critic a e aqui,paradoxalmente, vitima do mais superficial. A arvore esconde afloresta: como avaliar, com efeito, tudo 0 que representa para umasociedade moderna 0 desenvolvimento de urn ethos flexivel, de umnovo tipo de personalidade cinetica e aberta? Nao edisso que associedades em movimento perpetuo tern mais necessidade? Comonossas sociedades poderiam colocar-se em dia com as mudancasincessantes e operar as adaptacoes sociais necessarias se os indivf-duos estivessem cimentados em principios intocaveis, se 0Novonao houvesse amplamente conquistado uma legitimidade social? Associedades de inovacao engajadas na competicao internacional ternimperativamente necessidade de atitudesmaleaveis, de mentalida-des desenrijecidas: 0 reino da moda, precisamente, trabalha nessesentido, tanto pela economia dos objetos quanta pel a da informacao(voltaremos a isso). Deve-se superar avituperacao moralizante con-tra a moda; para alem de sua irracionalidade e de seu desperdicioaparente, ela ~ont!ibtJL12ara_um!.l e_dl~yao_!!lais_t~&iQnaLd.a ...sccie-dad::J?~~__o_cializ.;:t ~Q~se.r_esJ1~LtnudanJ;.a,..preparando-os, para IIrecicla em permanente. Abrandar as rijezas e as resistencias, a for-ma moda ,rum-fnstrumentb de racionalidade social, rdcionalidadeinvisivel, nao-mensuravel, mas insubsti tuivel para adaptar-se rapida-mente a modernidade, para acelerar as mutacoes em curso, paraconstituir urna sociedade armada em face das exigencies continua-mente variaveis do futuro. 0 sistema consumado da mod a instalaa sociedade civil em estado de abertura diante do movimento his-t6rico, cria mentalidades desentravadas, de dominante fluida, pron-n a s er n principia para a aventura deliberada do Novo.e verdade que ao mesmo tempo 0 terminal da moda esta narigem de dificuldadesde adaptacao social, de disfuncoes mais ou

    III 1 I cronicas das democracias. Os individuos habituados a eticaI I, d 1 1 1 ! l t estao pouco inclinados a renunciar as vantagens adquiri -till (Ill rlos, aposentadorias, horarios de trabalho), aver baixar

    U nlv 1 d vida, a aceitar sacrificios; tendem a encarquilhar-sem r lvlnd l H)loes puramente categoriais. ~ss;rhandO~il._J2.~~.s..

    , il1ldlvlduull t I a mQda:-consumada-t~m-como_tendencia_a_indiie-l'en9a pol b m publico, ~~nsa.QllQ_':~f!_da urn or si" _il_.prig_ri-dade atrfbLl1dn ao presente sobre 0 futuro, a .ll_\

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    dualismo remode1ado pela forma moda. As lutas sociais mais durasque se desenvolvem em nossos dias nao sao mais orientadas paraobjetivos globais de interesse geral, mas para a conquista ou a de-fesa de vantagens muito localizadas; traduzem a pulverizacao daconsciencia e das ideologias de classes, a preponderancia dosegois-mos categoriais sobre a busca de urn progresso social de conjunto.A aspiracao neo-individualista dissolve as identidades de grupo eas solidariedades de classe, da as costas as coacoes macroecono-micas, avanca a despeito de tudo ria defesa dos interesses segmen-tarios, no protecionismo estatutario, na recusa da mobilidade: naohesita, no setor protegido da economia, em paralisar setores inteiros'da' vida nacional, em usar como refens os usuaries e a sociedadeem nome de uma reivindicacao salarial limitada. Neocorporat ivismosalarial ou estudantil, corporativismo das profiss6es protegidas porvelhas legislacoes, umas tantas manifestacoes que nao devem sersubestimadas em sua capacidade de bloquear a dinamica da mu-danca, de perpetuar 0 identico, de retardar as inelutaveis transfor-macoes exigidas pela modernizacao das democraciase pela compe-ti

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    PODER DO NOVODo lado "oferta", as raz6es do boom da economia moda nao

    sao muito dificeis de esclarecer. 0 impulso dos progressos cienti-flcos, aliado ao sistema da concorrencia economica, esta evidente-mente na raizdo mundo do efemero generalizado. ~b a_dinamica.1'LimpJ

  • 8/2/2019 2-4_23 aula Lipovetsky

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    Como nao insistir sobretudo naquilo que, no imperio da moda,cabe ao poder cultural do Novo? A concorrencia das classes epouca coisa comparada aos efeitos dessa significacao social queimpulsiona, por si mesma, 0 gosto pelo diferente, que precipita 0tedio do repetitivo, fazendo amar e desejar quase a p ri or i aquiloque muda. A obsolescencia "dirigida" dos produtos industriais naoe 0 simples resultado da tecnoestrutura capitalista, tendo-se, antes,enxertado numa sociedade em grande parte entregue aos arrepiosincomparaveis do novo. ~rai~a de mod~a vezmenos 0 imperativo de demarcar-se socialmente e qul.Lv:ez. maia s,ide-do N o v o - : A'moda: consumadii;-oamesma-;;aneira que asp;imeiras manifestacoes hist6ricas da moda no final da Idade Me-dia, e profundamente tributaria do impulso de um certo mimerode significacoes sociais em cuja primeira fila se encontram a exal-tac;ao e a legitimidade das novidades. ~~~}ethos nao foi partiIhado senao pela elite social aristocratic a e bur- .

    h C J g u e s ; : - h a ' j e vigoraem to~as