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    R. Fac ed , Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 200 7 227

    PAPERT, Seymour. A mquina das crianas:

    repensando a escola na era da informtica.Traduo de Sandra Costa.

    Porto Alegre: Artes Mdicas, 2008.

    A mquina das crianas, numa escola com/sem futuro

    [] I used to get mad at my school

    The teachers who taught me werent cool

    They were pulling me down

    Turning me roundFilling me up with their rules []

    Em meados do sculo passado os Beatles expressaram em

    msica e verso o sentimento de uma gerao mundial de jovens

    sobre a instituio escolar. Numa das letras, o personagem se

    enfurecia com a escola (I used to get mad at my school...), queixan-

    do-se que seus professores no eram legais (...they werent cool) e

    tentavam padroniz-lo, podando-o (pulling me down, turning me

    round), enchendo-o, como um vaso, com as regras deles (

    filling

    me up with their rules...).

    Por acaso, o leitor associou esta imagem com a educao ban-

    cria denunciada na mesma poca por Paulo Freire? Ou lembrou

    do protesto de jovens franceses em maro de 1968, ou do movi-

    mento hippie nos Estados Unidos ps-guerra fria e Guerra do

    Vietnam? Ou de Pink Floyd em The Wall, lembrando professores

    cruis (certain teachers would hurt the children any way they

    could...)? Ou da cristalina poesia- msica de Caetano Veloso (...ca-

    minhando contra o vento... e eu nunca mais fui escola ... sem leno

    e sem documento, eu vou ....)?

    Desde ento alternativas foram propostas, entre vrios ou-tros, por nosso j citado Paulo Freire (em Pedagogia da autono-

    mia, entre outros livros), por Ivan Illich (Sociedade sem escolas) e

    por Seymour Papert em A mquina das crianas: repensando a

    escola na era da informtica, agora relanado no Brasil pela Artmed

    em edio revisada, comentada e quase que inteiramente

    retraduzida pelo autor destas linhas.

    Paulo Gileno Cysneiros

    Professor Adjunto da UniversidadeFederal de Pernambuco

    [email protected]

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    Pesquisador em matemtica do Instituto de Tecnologia de

    Massachusetts, neste livro Papert nos conta como viveu a pocado nascimento do computador de grande porte, mistificado pela

    grande imprensa, que mostrava suas maravilhas e ignorava o fato

    dele ter sido pensado e financiado para a guerra, concebido por

    matemticos e parido como uma tecnologia militar, hermtica

    para a pessoa comum. Incidentalmente, meu sentimento que

    mesmo os computadores atuais ainda guardam o DNA da filoso-

    fia inicial em interfaces chamativas, porm distantes da lgica

    das pessoas, em muitos aspectos obscuras at mesmo para os

    nativos digitais, embora possa parecer o contrrio.

    Para ele, a mudana de matemtico para educador comeou

    a ocorrer no incio da dcada de 1960, quando os computadoresmudaram seu modo de trabalhar. Impressionou-o o fato de

    determinados problemas abstratos e difceis de captar terem se

    tornado concretos, transparentes, manipulveis. Foi quando

    experimentou as primeiras sensaes de empolgao e poder de

    domnio que mantm as pessoas trabalhando noite a dentro com

    computadores.

    Aps conhecer Jean Piaget em Paris e acreditando que as cri-

    anas poderiam desfrutar das mesmas experincias dos adultos com

    as novas mquinas do conhecimento, Papert comeou a trabalhar,

    com sua equipe, numa linguagem de programao acessvel a cri-anas, tendo resultado na linguagemLogo (www.eurologo.org) algo

    completamente diferente do que se fazia ento com informtica

    na educao. Em poucos anos a linguagem logo se espalhou por

    todo o mundo, contrapondo-se a um modo de uso do computa-

    dor na escola, baseado em softwares educativos que replicavam o

    lugar comum dos livros didticos.

    Papert escreve essa histria de modo descontrado, conver-

    sando com o leitor ou leitora, explicando suas idias de modo que

    possa ser compreendido por qualquer professor, pai ou me; ex-

    plorando modos de facilitao da aprendizagem sem usar a lin-

    guagem tcnica da academia.Uma de suas teses que apesar das novas tecnologias da in-

    formao e comunicao tornarem possvel um amplo espectro

    de estilos de aprendizagem, a Escola (com letra maiscula, como

    instituio) mudou muito pouco. Ela raramente utiliza maneiras

    naturais de aprender, apegando-se a um currculo de disciplinas

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    isoladas, transmitindo conhecimentos em pequenas doses, co-

    brados em provas mensais, semestrais, vestibulares.O autor nota que educadores como John Dewey e Maria

    Montessori tambm propuseram mudanas substanciais na es-

    cola, porm no dispunham do apoio de tecnologias como as de

    hoje. Para que haja mudana, Papert salienta a importncia de

    computadores conectados internet e denuncia seu uso para

    manter a atual estrutura da Escola, sem mudar a sala de aula e o

    modo de ensinar. Um tipo de uso que costumo chamar de inova-

    o conservadora, onde se mudam apenas elementos secundri-

    os. Nesta perspectiva, uma onda do momento so os quadros

    interativos, ou lousas eletrnicas, em salas de aula onde o profes-

    sor continua como a figura intocada, numa tica de transmisso.Naturalmente, quadros interativos podem contribuir para aumen-

    tar a participao dos alunos numa aula em tempo real, mas a

    tentao ser grande para mant-los como espectadores passi-

    vos, que apenas ocasionalmente sero convidados a participar

    da inovao.

    Conforme argumentei no prefcio nova edio, a releitura

    da obra de Papert oportuna em vrios sentidos, a comear pelo

    surgimento dos notebooks educacionais (e.g. www.olpc.org), que

    certamente sero a nova onda tecnolgica na educao bsica

    mundial nos prximos anos. Alis, este foi o principal motivopara esta nova edio, face ao projeto Um Computador por Alu-

    no (SEED-MEC/Presidncia da Repblica), iniciado este ano em

    cinco escolas pblicas brasileiras, como ensaio de um grande ex-

    perimento nacional a partir de 2008, que envolver aproximada-

    mente 300 escolas pblicas, onde todos os alunos e professores

    recebero laptops educacionais com tecnologia wireless e software

    livre. Projetados, bom frisar, para uso na educao e no na

    empresa. So pequenas mquinas que devem agentar quedas,

    poeira, lquidos e as mochilas dos seus usurios. No ambiente da

    escola no so, como comentou um influente colega nosso numa

    palestra recente para educadores, objetos tcnicos que estimu-lam o isolamento.

    A idia de mquinas multimdia como prteses da intelign-

    cia em desenvolvimento, sempre disponveis como tm sido l-

    pis e cadernos, foi lanada por Seymour Papert, h quase 30 anos.

    Nesta obra ele refora a tese de que o computador pessoal im-

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    portante para a autonomia intelectual do aprendiz a partir dos

    primeiros anos da escola, tornando-o menos dependente de adul-tos como provedores de informao, e da escrita como a forma

    predominante de conhecer e se expressar.

    Tentativas passadas de colocao de poucos computadores

    em salas fechadas no causaram impacto na Escola, como j ha-

    via notado Nelson Pretto (da Faculdade de Educao da UFBA)

    em relao televiso e ao vdeo, no livro cujo ttulo parafraseei

    na epgrafe desta resenha, publicado quase na mesma poca deA

    mquina das crianas. Do mesmo modo como livros, lpis e ca-

    dernos no teriam impactado a educao se estivessem dispon-

    veis apenas por algumas horas semanais.

    O livro de Papert no apenas sobre computadores na edu-cao, mas o esboo de uma teoria de aprendizagem humana,

    num mundo que est gerando novas lgicas, visceralmente

    contextualizadas pelas novas tecnologias da informao e comu-

    nicao. Alguns pontos so abordados por meio de exemplos do

    cotidiano de vrias escolas e da vida pessoal do prprio autor: a

    atividade colaborativa entre aprendizes para resoluo de pro-

    blemas, a inadequao da escola de fala do mestre, giz e bancas

    enfileiradas, em face das mudanas contemporneas noutros se-

    tores da sociedade, como tambm o medo de alguns professores

    de serem suplantados pelos seus alunos e alunas, dentre outros.De modo pouco convencional para um pesquisador, o autor

    utiliza exemplos de filmes e de livros que foram sucesso de pbli-

    co nos Estados Unidos e noutros pases.

    Esta obra tambm a melhor fonte em portugus sobre

    construcionismo. Resultante da convivncia de Seymour Papert

    com Jean Piaget, um termo cunhado pelo autor para se referir

    a um tipo de aprendizagem centrado no pensamento operacional

    concreto. No captuloInstrucionismo vs. Construcionismo, ele de-

    monstra a importncia do pensamento concreto para a aprendi-

    zagem, sem a conotao de trampolim para o abstrato. Se assim

    fosse, nas suas prprias palavras, deixaria o pensamento abstra-to plantado imvel como a forma derradeira de conhecer. Ele

    enfatiza a ao mental e material com objetos enraizados no tem-

    po, no espao e em experincias e representaes do mundo, onde

    abstraes formais sem dvida so importantes, porm como

    ferramentas para intensificar o modo concreto de pensar, o rela-

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    cionamento mental de representaes concretas em redes pes-

    soais de conhecimento.Para finalizar, comentarei um pouco mais a reviso substan-

    cial da traduo, pensando particularmente nas pessoas que le-

    ram a anterior (de 1994) e iro decidir se vale a pena ler a atual. A

    primeira continha problemas que dificultavam a leitura, como

    falsos amigos e um estilo nem sempre claro. Em vrios trechos o

    original havia sido deformado, tornando difcil e at impossvel a

    compreenso de pargrafos inteiros. Vrias partes do contedo

    s tinham sentido pleno para conhecedores da cultura do autor.

    Tradues inadequadas eram comuns no Brasil at alguns

    anos atrs, resultado, em parte, de remunerao irrisria dos tra-

    dutores e de leitores pouco exigentes.No caso de livros acadmicos, o tradutor deve no somente

    possuir um conhecimento vivido das lnguas e culturas envolvi-

    das, mas tambm conhecer o assunto ou receber ajuda de um

    profissional da rea do contedo e ter em mente o tipo provvel

    de leitor. Ao revisar este livro, num intenso trabalho de apenas

    seis semanas, inseri 96 de notas, pensando nos nossos professo-

    res de ensino fundamental e mdio e nos estudantes universit-

    rios que no viveram a poca do autor e no tiveram o privilgio

    de familiarizar-se com a lngua inglesa, que, como o portugus,

    tem sofrido mutaes numa velocidade acentuada.

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