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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637) + DESESPERAÇÃO Tradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz Causas da desesperação Os motivos que alegamos para deixar-nos levar pelo desespero são os seguintes: 1º que são demasiado grandes nossos pecados para esperar misericórdia. Assim foi a desesperação de Caim: Minha maldade – disse o primeiro dos desesperados – é tão grande, que não posso esperar perdão: Major est iniquitas mea, quam ut veniam merear (Gen. IV, 13); 2º enumeramos as faltas de que nos fizemos culpáveis;

47 - DESESPERO

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Texto de Cornélio à Lápide traduzido da Obra "TESOROS DE CORNELIO Á LÁPIDE" - Tomo II, por Uyrajá Lucas Mota Diniz.

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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637)+

DESESPERAÇÃO

Tradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz

Causas da desesperação

Os motivos que alegamos para deixar-nos levar pelo desespero são os

seguintes:

1º que são demasiado grandes nossos pecados para esperar misericórdia.

Assim foi a desesperação de Caim: Minha maldade – disse o primeiro dos

desesperados – é tão grande, que não posso esperar perdão: Major est

iniquitas mea, quam ut veniam merear (Gen. IV, 13);

2º enumeramos as faltas de que nos fizemos culpáveis;

3º pomos, na frente, a força do costume, que nos impede de esperar quando,

na verdade, nós os podemos corrigir;

Há também outras causas do desespero:

4º os escrúpulos;

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5º a falta de confiança em Deus;

6º a astúcia do demônio para fazer com que o homem peque, ocultando-lhe a

fealdade do pecado, e tratando de apresentá-lo pleno de doçuras e encantos.

E logo, quando triunfou, a fim de deter o pecador no caminho do mal, o

demônio apresenta-lhe mil obstáculos que lhe impedem de levantar-se

daquela queda;

7º as grandes tentações;

8º o tédio; e

9º a adversidade.

Porém, todos esses motivos de desesperação estão mal fundados e são

enganosos, porque não há nenhum crime que não possa ser perdoado mediante um

sincero arrependimento e uma verdadeira penitência.

Deus assegura essa verdade por meio de seu Profeta: Cor contritum et

humiliatum, Deus, non despicies, Senhor, é certo que não desprezareis um coração

contrito e humilhado (Psalm. L, 19).

Jesus Cristo morreu por todos; e, por conseguinte, salvar-se-ão quantos

acudam àquele Sangue de infinito valor. Deus não quer a morte do pecador, senão

que se converta e viva. Entre o último suspiro de um moribundo e o Inferno, pode

mediar um oceano de misericórdia.

O desespero é um pecado

Aquele que desespera da misericórdia de Deus comete um enorme crime:

fere a Deus na menina dos olhos, e condena-se a si mesmo à morte eterna.

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Judas pecou, de certo modo mais gravemente, deixando-se levar pela

desesperação, que fazendo traição a Jesus Cristo; seu desespero foi o que lhe levou

a enforcar-se e precipitou-o no Inferno.

Aquele que se enforca não pode respirar, diz Santo Agostinho; tampouco

aquele que se entrega nos braços da desesperação pode receber o sopro vivificador

do Espírito Santo (Homil. XXVII).

O pecado seguido do desespero não tem mais remédio, diz o mesmo Padre:

Peccata cum deseseratione mors est (Homil. XXI).

A desesperação faz com que a misericórdia de Deus retire-se. Jamais poderão

aliar-se o perdão com o desespero. Desesperam alguns porque cometeram grandes e

numerosos pecados, e não refletem que o maior dos pecados é seu desespero. Não

se pode sair de um crime com outro, todavia, maior.

O desespero é uma falta deplorável

Furiosos, os egípcios que perseguiam ao povo de Deus para exterminá-lo ou

para retê-lo ainda cativo, afundaram como chumbo nas águas impetuosas: Submersi

sunt quase plumbum, in aquis vehementibus (Exod. XV, 10). Tal é a triste sorte que

aguarda aos que se desesperam.

Lançai para longe de vós a desesperação, e não aflijais ao Espírito, o Qual

em vosso coração habita. Se vos desesperais, Ele retirar-se-á, porque o Espírito de

Deus não suporta o desespero. O desespero é o mais danoso dos ventos que

ressecam a alma. Uma oração feita por meio do desespero não sobe ao trono de

Deus.

O fogo consome o lenho, o desespero consome a alma; é como uma fumaça

que, levantando-se das profundezas do Inferno, destrói toda alegria, toda felicidade.

A febre mina as forças do corpo; a desesperação arrebata à alma todo o seu vigor.

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Uma mãe experimenta atrozes dores no parto, porém, como diz o Evangelho,

alegra-se logo com o presente que Deus lhe fez. O desespero causa também cruéis

dores àqueles de cujo coração brota; porém, traz consigo, entretanto, dores ainda

mais cruéis.

A desesperação causa na alma uma profunda ferida, agita-a, turba-a,

submergindo-a nas trevas. É um verme roedor; é um verdugo que faz

constantemente sofrer horríveis dores e, finalmente, mata.

O desespero consome a alma em ondas de tristeza; faz-nos evitar os bons

conselhos e cega-nos.

Se, no tempo da adversidade, desmaiares, perdendo a esperança, decairá a tua

força, dizem os Provérbios: Si desesperaveris lassus in die angustiae, imminuetur

fortitudo tua (Prov. XXIV, 10).

Nada é mais execrável que o desespero, diz o Venerável Beda. Aquele que

nele cai perde o fruto de todos os seus trabalhos; e, o que é mais terrível, perde

também o valor de defender-se e de combater em defesa da fé (Sentent.)

Cometer um pecado é matar a alma, diz Santo Agostinho, porém, desesperar

é descer ao Inferno (Lib. II De Summo Bono, c. XIV).

Santo Tomás ensina que a desesperação é o maior de todos os pecados, não

considerado em si mesmo, porque a apostasia e o ódio a Deus são, todavia,

maiores; senão porque a desesperação é a causa de todos os pecados. Com a

desesperação, abandonamo-nos a todos os pecados.

Santo Tomás é do parecer que esperança anima, porque é o manancial da

paciência e o princípio da vitória; dilata e fortifica a alma, manifestando-lhe o

prêmio e o triunfo da virtude. Porém, a desesperação tonteia e empequenece o

coração, extingue o seu vigor, e aumenta as tentações e os combates (S. Th. II-II, q.

20, a. 3).

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A ocupação dos demônios, diz o Abade Isidoro, consiste em fazer a alma cair

no pecado e, sobretudo, em mantê-la submersa no desespero, a fim de conduzi-la à

perdição seguramente e para sempre.

Os demônios fazem a alma desesperada dizer-se: Eu quisera morrer e ser

aniquilada. Porque saí do nada? Eu queria não existir. Porém, aquele que espera,

diz: “Não morrerei, mas, ao contrário viverei, para narrar as maravilhas do Senhor”:

Non moriar; sed vivam, et narrabo opera Domini (Psalm. CXVII, 17).

O mesmo Abade Isidoro respondia ao demônio que o tentava ao desespero,

assegurando-lhe este que, depois de todos os trabalhos e todas as penitências, o

religioso havia de sofrer as penas eternas: “Mesmo que eu fosse condenado ao

Inferno, ocuparias tu, ó Satanás, um lugar inferior ao meu”. Com este meio,

triunfava da tentação (Apud Sophron, in Prato Spirit., c. CX).

É horrível a morte na desesperação

No leito de morte, Deus abandona ao pecador que desespera; retira-Se, e tudo

se perde! O desespero leva à impenitência final, e a impenitência final ao Inferno,

lugar de desesperação eterna.

No leito de morte, o desesperado verá seu crime, a justiça de Deus, sua

condenação, os demônios, e o Inferno. Ver-se-á o pecador, e irritar-se-á! Rangerá

os dentes e consumir-se-á; porém, os desejos e esforços dos pecadores se

desvanecerão como a fumaça: Peccator videbit, et irascetur; dentibus suis fremet et

tabescet; desiderium peccatorum peribit (Psalm. CXI, 10).

O Onipotente destruirá para sempre aquele que se abandone ao desespero;

Ele o arrebatará da mansão em que habita, e o arrancará da terra dos vivos, diz o

Salmista (cf. Psalm. LI, 7). Os justos o verão e tremerão, e rindo-se dele, dirão: Eis

aí o homem que não contou com o favor de Deus: Videbunt justi, et timebunt, er

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supere um ridebunt, et dicent: Ecce homo, qui non posuit Deum adjuntorem suum

(Psalm. LI, 8-9).

Não devemos nunca desesperar-nos

Não desmaieis, deixando abater vosso ânimo, diz São Paulo: Ne fatigemini,

animis vestris deficientes (Heb. XII, 3).

Por que estais tristes, ó minha alma, exclama o Real Profeta; e por que me

tens nesta agitação? Espera em Deus, porque ainda cantarei seus louvores; a

salvação vem de seu olhar: Quare tristes est anima mea, et quare conturbas me?

Spera in Deo, quoniam adhuc confitebor illi, salutare vultus mei (Psalm. XLI, 6).

Pedro foi muito culpável: três vezes negou publicamente a Jesus Cristo;

porém, esperou, e foi salvo... Judas vendeu a seu Deus, desesperou, e foi

condenado. A esperança degusta o Céu; o desespero degusta o Inferno.

Postos ao lado de uma gota do Sangue de Jesus Cristo, todos os pecados

cometidos, desde o princípio do mundo até o fim dos tempos, avultam menores que

uma gota de água comparada com o Oceano; e ainda que somente um de nós

estivesse sobrecarregado com todas as iniquidades dos pecadores, não deveria

desesperar, porque a misericórdia de Deus é infinita.

Se...

1º Se os insultos transbordam para vós, se os pesares vos oprimem, e se vos

desprezais, havereis de desesperar-vos? Não. Contemplai a glória celestial

reservada para vossa paciência!

2º se perderdes todos os vossos bens, havereis de desesperar-vos? Não.

Considerai atentamente as riquezas da eternidade, os tesouros que hão de ser

o prêmio e a recompensa de vossa pobreza, de vossa esperança, e de vossa

resignação;

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3º se estais enfermo, não vos desespereis; com a vossa confiança em Deus,

tereis uma juventude e uma saúde eternas;

4º se a morte arrebata-vos um filho querido, não vos abandoneis ao

desespero: vós voltareis a encontrá-lo no Céu revestido de glória; e

5º se vos expulsam de vossa pátria, não vos desespereis: vossa verdadeira

Pátria é o Céu; suspirai por Ela.

Remédios contra o desespero

Os meios que devemos empregar para prevenir e combater o desespero são:

1º depositar nossa confiança em Deus;

2º frequentar os Sacramentos;

3º impor-nos a lei da resignação;

4º rezar; e

5º ter uma sincera devoção para com a Santíssima Virgem.