Upload
haque
View
221
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
Universidade de Braslia
Departamento de Filosofia
Pedro Romo Leite Cassemiro
A Apfasis Ignorante
Braslia 2013
Universidade de Braslia Departamento de Filosofia
Pedro Romo Leite Cassemiro
A Apfasis Ignorante
Dissertao filosfica apresentada Banca
Examinadora do Departamento de Filosofia
da Universidade de Braslia como exigncia
para a obteno do ttulo de Licenciatura e
Bacharel em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Hubert Jean-Franois Cormier
Braslia 2013
Apfasis Ignorante
Pedro Romo Leite Cassemiro
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Hubert Jean-Franois Cormier Orientador
Prof. Dr. Marcos Aurlio Fernandes
Braslia 2013
Ainda que Deus, ou para tornar conhecida sua bondade, como o querem os piedosos, ou
porque a mxima e absoluta necessidade, criou o mundo que lhe obedea, a fim de que haja
quem lhe seja submisso e o tema e ele os julgue, ou por outra razo, de qualquer forma claro
que ele (Deus) no reveste outra forma, j que a forma de todas as formas, nem aparece sem
signos positivos, posto que igualmente os prprios signos, por sua natureza de signos,
requereriam outra coisa a que inerissem e assim at ao infinito.
(Nicolau de Cusa, A Douta Ignorncia)
A nenhum homem, ainda ao mais douto, nada sobreviver mais perfeito em conhecimento do
que descobrir-se doutssimo na mesma ignorncia, que lhe prpria; quanto mais douto
algum for, tanto mais reconhecer ser ignorante.
(Nicolau de Cusa, A Douta Ignorncia)
Orador: Que presuno a tua, pobre idiota e profundamente ignorante, de que maneira faz de
quase sem nenhum valor as letras da qual sem elas ningum faz progredir?
Idiota: Grande orador, o qu no me permite guardar silncio no presuno, mas a
Caridade. De fato, vejo-te completamente entregue e buscando aproximar-se da sabedoria
com muito empenho e trabalho da qual reivindicas posse, mas completamente em vo. Se
disso pudesses libertar-te, de tal modo que tu mesmo compreendesses teu erro, pois penso que
desfeito o lao, te alegrarias de ter escapado. A rdea da autoridade puxou-te em direo
opinio do mesmo jeito como um cavalo, mas que tu sejas como o cavalo, livre por natureza.
O cabresto est atado e a corda muito bem presa ao estbulo, o lugar onde ele no come outra
coisa seno o qu lhe servem. Realmente o teu intelecto levado a pastagem pela autoridade
dos escritores que est aprisionando-o e sendo servido por eles de um pasto estranho e nada
natural.
(Nicolau de Cusa, O Idiota de Sabedoria)
RESUMO
Este trabalho procura compreender o discurso apoftico desenvolvido por Nicolau de Cusa
em sua principal doutrina, a douta ignorncia, contida em livro homnimo e o uso que o autor
o faz de sua criao. Tambm abordar como isto funciona como um guia para levar o humano
em direo quele tido como o Mximo, como a doutrina em seu jogo de afirmaes e
negaes til contra os excessos de positividades em vrias reas do saber e como mantm
as aventuras sapienciais livres de dogmas e ceticismos. Ao longo do trabalho delimitada a
situao do discurso dentro da doutrina e para isso ser recorrido ao que est no primeiro livro
de sua principal obra, A Douta Ignorncia. Por ltimo, discute-se a utilidade desse discurso
para os dias atuais.
Palavras-chave: Nicolau de Cusa, teologia negativa, apfasis, douta ignorncia.
SUMRIO
1 NICOLAU DE CUSA .......................................................................................................................... 1
1.1. Introduo .................................................................................................................................... 1
1.2. Biografia ....................................................................................................................................... 1
1.3. Nicolau de Cusa e o Humanismo ................................................................................................. 3
1.4. A influncia de Nicolau de Cusa .................................................................................................. 4
2 O DISCURSO APOFTICO ............................................................................................................... 6
2.1. Parmnides ................................................................................................................................... 7
2.2. Plato ............................................................................................................................................ 8
3 A TEOLOGIA NEGATIVA .............................................................................................................. 13
3.1. Plotino ........................................................................................................................................ 13
3.2. Dionsio Areopagita ................................................................................................................... 16
4 O CONCEITO DE DOUTA IGNORNCIA .................................................................................... 24
4.1. A ignorncia socrtica ................................................................................................................ 27
4.2. A ignorncia cusana ................................................................................................................... 28
4.3. Sentidos, dimenses e implicaes da Douta Ignorncia ........................................................... 32
5 A APFASIS IGNORANTE ............................................................................................................. 39
6 CONCLUSO ................................................................................................................................... 50
BIBLIOGRAFIA
ANEXO A O PLANFETO DE JOHANNES KYMAEUS
1
1 NICOLAU DE CUSA
1.1. Introduo
A presente dissertao procura responder as seguintes questes em Nicolau de Cusa.
Seria possvel identificar a atualidade de um pensador para os dias atuais cujo legado foi dado
a mais de seiscentos anos no passado?
Nenhum documento acadmico o habilita nem como filsofo nem como telogo, este jurista
de formao acadmica tampouco fundou uma escola ou participou de um ismo, como pode
possuir alguma importncia para a tradio filosfica e teolgica?
Ele realmente deixou uma influncia s de forma subcontextualizada como dizem? No
houve filsofo em seu tempo ou depois dele que no o citou, no seria ntida sua influncia
em outros?
De fato, Nicolau de Cusa foi em seu tempo a pessoa mais poderosa dentro da Igreja Catlica
Romana, abaixo somente do Papa, e mesmo assim reabilitou filsofos pagos, reconheceu
validade em diversos cultos religiosos fora da Igreja e reprovou o modo escolstico de fazer
filosofia. E na rea do conhecimento Nicolau de Cusa solapou o Princpio tido como o mais
certo de todos, o da No-Contradio.
visvel alguma influncia de filosofias anteriores que trabalharam o discurso negativo em
Nicolau? No segundo captulo ser levantada algumas obras atribudas a Parmnides e Plato.
O que a filosofia negativa na viso de Nicolau de Cusa? O qu o ele pensa sobre filsofos
que se dedicaram a isso antes? Este ser o tema tratado pelo captulo 3.
Qual seu conceito de douta ignorncia? O captulo 4 responder ao contrapor ideia de
ignorncia que tem Scrates.
E, por ltimo, em ordem de esclarecer o que seria uma apfasis ignorante ser dedicado o
quinto captulo inteiramente a esse assunto a fim de bem elucidar todas as questes
levantadas. Antes de abord-las, todavia, importante seguir uma breve apresentao da vida
e obra deste filsofo.
1.2. Biografia
Nicolau de Cusa o segundo entre quatro filhos de Joo Krebs e Catarina Roemer
Krebs. Foi batizado na arquidiocese de Trveris no sabe se em 1401 ou 1400. Matriculou-se
no dia 20 de dezembro de 1416 na Faculdade de Artes da Universidade de Heidelberg durante
2
a reitoria de Nicolau de Bettenberg com o nome de Nicholaus Cancer de Coesze, clericus
Treverensis dioceses. Entre esse meio tempo muitas histrias o so atribudas como ser
empurrado do barco pelo pai por conflito, fugir de um tratamento mental, procurar abrigo
junto ao Conde Ulrico de Manderscheid e ter estudado nos Pases Baixos na Escola dos
Irmos da Vida Comum. Apesar das lendas Nicolau retirou-se da Universidade de Heidelberg
no dia 22 de junho de 1417. Morimichi Watanabe1 levanta a dvida se ele saiu ou no com
algum diploma. No mesmo ano vai Itlia e inicia seus estudos na Universidade de Pdua e
em 1423 aos 22 anos de idade conclui seu doutorado em direito cannico. Durante o perodo
muitos sublinham as amizades acumuladas uma delas Paulo del Pozzo Toscanelli e Jlio
Cesarini a quem dedica sua maior obra A Douta Ignorncia. Volta para o territrio alemo
em 1425, passa a trabalhar como secretrio do Arcebispo de Trveris Oto de Ziegenhain, em
abril registra-se em Colnia como professor de direito cannico e entra em contato direto com
Hemrico de Campo. Em 1430 ordenado presbtero, dois anos depois participa do Conclio
de Basileia que dura te 1432 at 1437 e para este conclio escreve sua principal obra poltica,
De Concordantia Catholica. Terminado o Conclio o Papa Eugnio IV delega-o uma misso
diplomtica para Constantinopla que dura de 1437 at o ano seguinte, nesse tempo entra em
contanto direto com grandes nomes filosficos e eclesisticos de seu tempo como Jorge
Gemisto Pleto e Baslio Bessario. Nicolau de Cusa v o mar mediterrneo pela primeira vez
e no retorno, conforme seu relato2 no final de A Douta Ignorncia, concebe a ideia central do
livro concludo em sua cidade natal no dia 12 de fevereiro de 1440. Entre 1438 e 1448
encarregado de uma misso papal aos territrios alemes nesse meio tempo conclui em 1444
outra obra de grande valor filosfico De Coniecturis. Ser primeiramente nomeado Cardeal
pelo Papa Eugnio IV em 1446, mas s aceita a dignidade do Papa Nicolau V que o fez
Cardeal-presbtero em 23 de fevereiro de 1448. Assume seu cargo na igreja de So Pedro
Acorrentado em 3 de janeiro de 1449. No ano jubilar de 1450 torna-se para o Cardeal em um
ano marcante: produz importantes dilogos como Idiota de Sapientia e Idiota de Mente,
nomeado Prncipe-bispo de Brixen, em alemo, ou Bressanone, em italiano. No final desse
ano na vspera de natal o Papa designa-o a fim de divulgar nos territrios alemes a
indulgncia do ano jubilar de 1450, ao mesmo passo incumbido de por em prtica a reforma
1 Watanabe, Morimichi. Nicholas of Cusa: a companion to his life and his times. Edited by Gerald Christianson
and Thomas M. Izbicki. UK: Printed and bound in Great Britain by the MPG Books Group, 2011, p. 235. It is
not clear whether he left Heidelberg with any academic degree (Acta Cusana, I, 1, 3-4) 2 Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Traduo, prefcio, introduo e notas de Reinholdo Aloysio Ullmann.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 226. Recebe agora, reverendo pai, o que j de h muito procurei
ardentemente atingir nos diversos caminhos das doutrinas, mas no pude alcan-lo antes, at que, retornando
da Grcia por mar creio por causa de um dom do alto, do Pai das luzes, do qual vem toda ddiva (...).
3
que tanto defendia e comea-a pelos seus conterrneos. Curiosamente, devido a tanta presena
em tais territrios, estudiosos atribuem a Nicolau de Cusa um retardo em cem anos da
Reforma protestante que viria a ocorrer neles. Somente dois anos depois consegue ocupar seu
cargo, em 1453 conclui obras como De Pace Fidei e A Viso de Deus, mas nesse mesmo ano
resistncias a sua reforma ficam mais fortes culminando em conflito blico com o Duque
Sigismundo da ustria e em julho de 1457 foge para o castelo de Buchenstein, nesse cerco
escreve mais uma obra, De Beryllo. Retorna para seu posto e em 1458 preso pelas foras
armadas do Duque. O Papa por sua vez excomunga o Duque, interdita o territrio do bispado
e em 11 de janeiro de 1459 investe o Prncipe-bispo com o cargo de Vigrio-Geral do Estado
Pontfico. Volta para a Itlia e termina sua vida em 11 de agosto de 1464 em Todi na mbia.
Est sepultado na igreja So Pedro Acorrentado que fica no Vaticano a qual era Cardeal e seu
corao foi enviado para o hospital construdo por ele e seus irmos em sua cidade natal,
Cusa.
1.3. Nicolau de Cusa e o Humanismo
Para um dos principais estudiosos da filosofia, Nicolau de Cusa foi o nico pensador
de seu sculo que concebeu a totalidade dos problemas fundamentais de sua poca e isto foi a
partir de um s princpio metodolgico e que, graas a este princpio, conseguiu se assenhorar
deles3. Uma prova disto esta citao:
A natureza humana aquela que foi elevada acima de todas as obras de Deus
e um pouco menos diminuda que os anjos abrangendo a natureza intelectual e
sensvel e abarcando dentro de si todas as coisas, sendo por isso chamada, com
razo, de microcosmo ou pequeno mundo pelos antigos.
Donde ela que, se elevada unio com a maximidade, seria a plenitude de
todas as perfeies do universo e de cada coisa em particular, de tal modo que na
prpria humanidade tudo alcanaria o grau supremo4.
Nela, Nicolau de Cusa entra em sintonia5 com o principal movimento filosfico de seu tempo,
o qual fez desse conceito de humano a sigla espiritual de uma poca6. Ao contrrio de outros
autores prximos de seu tempo e at contemporneos, que meramente desenvolveram uma
relao de um paralelismo isomrfico entre o macrocosmo e o microcosmo7, Nicolau de Cusa
foi alm, aprofundou este tema e resgatou de suas fontes algo de alcance mais vasto para esse
3 Cassirer, Ernst. Indivduo e cosmos na filosofia da Renascimento. Traduo do alemo Joo Azenha Jr;
traduo do grego e do latim Mario Eduardo Viaro. So Paulo: Martins Fontes, 2001. Pgina 13. 4 Cusa, Nicolau de. Op. cit., p. 180
5 Reale, Giovanni. Histria da Filosofia: do humanismo a Descartes, v. 3. Traduo de Ivo Storniolo. So Paulo:
Paulus, p. 33. 6 Reale, Giovanni. Op. cit., p. 33.
7 Andr, Joo Maria. O Homem como Microcosmo: da concepo dinmica do homem em Nicolau de Cusa
inflexo espiritualista da antropologia de Ficino. Revista Philosophica 14, Lisboa, 1999, pp. 7-30. Pgina 18.
4
cruzamento, a categoria de mediao8. O conceito cusano de humano consequentemente
aparece como um microcosmo em dois sentidos, no primeiro por contrair em si prprio todas
as coisas e no segundo por estar dotado de mente e de conhecimento. J o humano em si, ele
como um deus humano, um infinito humano contrado, e todas as coisas do universo
existem no humano sob forma humana, e neste sentido justamente o homem um
microcosmo. Na obra do qual foi retirada o trecho, A Douta Ignorncia, o conceito ainda
no est bem desenvolvido. Estudiosos atuais9 consideram que em obras como De
Coniecturis e Idiota de Mente o conceito est mais bem caracterizado e atravs dessas obras
Nicolau entra em perfeita sintonia com o movimento humanista, mas, curiosamente, na
primeira obra onde h o desenvolvimento sistemtico do humano como secundus Deus10
. O
tema do microcosmo continua11
atual por que um estudo sobre ele mostra de qual maneira o
Cardeal apresenta a subjetividade moderna e explica como ele faz a passagem de uma
metafsica do ser para uma metafsica do sujeito12
. As linhas a respeito do microcosmo
apresentam uma particularidade do pensamento cusano muito til para as dvidas surgentes
dos captulos mais avanados uma delas se Nicolau quer levar o pensamento humano a um
ceticismo ou uma inviabilidade cientfica em sua proposta de douta ignorncia. Fora essa
particularidade vale apresentar uma caracterstica geral do pensamento cusano. Ela operar
sobre elementos de tradies filosficas e crists e como elas formam um entendimento novo,
reabilitando filsofos antigos e apresentando novos modus13
de pensamento posterioridade.
A dissertao, por sua vez, tangencia diversos elementos do trabalho cusano com vista a
evidenciar esta sistemtica.
1.4. A influncia de Nicolau de Cusa
Se pelo seu conceito de humano entra em sintonia com o movimento humanista pelo
seu cultivo s cincias onde deixa um trabalho a ser colhido pela posteridade. Kepler a
respeito de Nicolau de Cusa o apresenta como divino14
. inegligencivel sua influncia sobre
8 Andr, Joo Maria. Op. cit, p. 18. Antecipando um pouco a antropologia cusana, a interpretao desta
categoria como potencializao da perfeio de todas as naturezas e no contexto da filosofia cusana desdobra-
se como uma dimenso concentrada da natureza humana. 9 Reale, Giovanni. Op. cit., p. 37.
10 Cusa. Nicolau de. Op. cit., p. 30.
11 Kurt, Flasch, Op. cit., p. 196.
12 Andr, Joo Maria. Op. cit., p. 8.
13 Flasch, Kurt. Nicols de Cusa. Traducin Constantino Ruiz-Garrido. Espanha: Herder Editorial, 2003, pp. 196
e 197. 14
Kepler, Johannes. The secret of the universe. Translation by A.M. Duncan. Introdustion and commentary by
E.J. Aiton with a preface by I. Bernard Cohen. New York: Abaris, 1981. Book in English, Latin, 1981. p. 92. For
5
Giordano Bruno, que posteriormente o diviniza e paganiza. Vrios estudiosos testificam o fato
de Marslio Ficino e Pico della Mirandola estudarem-no15
. Leonardo da Vinci, em seus
dirios, fez muitas anotaes referentes cosmologia cusana do segundo livro de A Douta
Ignorncia o mesmo livro onde estudiosos enxergam uma antecipao da revoluo
copernicana e at alegam dele ter ido mais longe que o prprio Coprnico16
. As relaes entre
Nicolau e Leonardo parecem ter sido estreitas, pois, para o segundo o primeiro foi uma
referncia e o representante de um modus novus17
chegando ao ponto de Leonardo da Vinci
considerar-se como o um continuador daquilo que Nicolau de Cusa comeou. Lutero fez
citaes ao De Cribratio Alkorani18
. Porm, foi um dos primeiros partidrios da Reforma,
outro conterrneo, Johannes Kymaeus, quem alcunha de forma bem elegante o Cardeal ao
dedic-lo o panfleto: O Hrcules do Papa contra os alemes19
. Na obra Kymaeus denncia
esse hrcules em combate e a servio do Papa Nicolau V e v-lo como precursor da ideia de
Reforma e especialmente da doutrina da justificao. Um de seus dilogos, De Pace Fidei, foi
citado diretamente por Hemrico de Campo e pelo cardeal Juan de Torquemada. Muitos
estudiosos acreditam como provvel uma influncia em obras como de religione christiana de
Marslio Ficino, Utopia de Toms Morus e Colloquium heptaplomentares de Jean Bodin.
Joo Maria Andr resume a posio de vrios pesquisadores ao detalhar o modo como o
Filsofo inicia a reflexo sobre o sujeito e as possibilidades, isto tendo em mente os
respectivos limites, do seu conhecimento, faz de certa maneira antecipar Descartes, conduzir
at Kant e at desembocar em Hegel e na sua noo de sujeito absoluto20
. Em relao a Hegel
isso estranho, pois, por qual motivo excluiria seu conterrneo de seu manual? Ser que as
noes que cada um tinha de Deus, Absoluto e Verdade diferiam? Mais mal intencionado que
this one fact, Nicholas of Cusa and other seems to me divine: that they attached so much importance to the
difference between the Straight and the Curved. 15
Cusa. Nicolau de. Op. cit., p. 32. 16
Pagel, Walter. Paracelsus, an introduction to philosophical medicine in the era of the Renaissance. 2nd
, rev. ed.,
Basel; New York: Karger, 1982. p. 279 e ss. The philosophy of NicolausCusanus (1401-1464) led to a new
perspective of the Cosmos as a whole. In this Cusanus anticipated the Copernican revolution of thought and in
some respects went even farther than Copernicus. In the philosophy of Cusanus, a new position was allocated to
man, and indeed to all objects in nature. However, Cusanus principal concern related to the cosmos and
infinity, and not to man. Paracelsus, on the other hand, saw the world concentrated in man and felt man to be
called upon to lead the world concentrated in man and felt man to be called upon to lead the world to perfection.
Where the thought of Cusanus and Paracelsus meet is in their recognition of infinity in the finite, their search for
the point where the finite object participates in divine infinity, and whereby man in thus elevated to the rank of
microcosm. 17
Cassirer, Ernst. Op. cit., pp. 85 e 86. 18
Cusa. Nicolau de. Op. cit., p. 34. 19
Consultar Anexo A. 20
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Traduo, introduo e notas de Joo Maria Andr. Lisboa: Edio da
Fundao Calouste Gulbekian, 2003, p. XIII.
6
Hegel Giovanni Gentile. Cassirer denuncia21
o ato racista do italiano de excluir
sistematicamente o alemo de seu manual devido ao seu orgulho nacional em querer fazer do
Renascimento um fenmeno totalmente italiano. Atitudes dessa estirpe so fortemente
contribuveis para o esquecimento passado pelo Cardeal, mas personagens da histria do
pensamento pagaram o seu tributo ao Filsofo. Para Cantor: A nica cabea genial, com o
selo de inventor, era a de Nicolau de Cusa22
. Karl Jaspers considerou-o como um grande
metafsico ao conceber as seguintes chaves para a transcendncia: unidade, conjetura,
liberdade23
. Por ltimo, Karl Popper afere parte do ttulo de seu livro Conjecturas e refutaes
a uma das obras de Nicolau, De Coniecturis, a que atribui o revivamento da doutrina da
falsibidade humana essencial24
A primeira instituio dedicada ao Filsofo aparece aps a segunda guerra mundial. Na
Alemanha, o pioneiro Institut fr Cusanus-Forschung foi fundado em 18 de novembro de
1960 sob a direo do Prof. Dr. Rudolf Haubst na Universidade de Mogncia e mais tarde
transferida para a Faculdade de Teologia da Universidade de Trveris em 28 de novembro
1980. Nos Estados Unidos, a American Cusanus Society fundada em 1983. Na Argentina, os
doutores Cludia DAmico e Jorge M. Machetta fundam o Crculo de Estudios Cusanos de
Buenos Aires no final dos anos noventa. Na Itlia, Stefano Bandecchi funda a Universit degli
Studi Niccol Cusano em 2006. Os casos referidos apenas sinalizam a importncia tomada
pelos estudos dedicados a Nicolau de Cusa exemplificada tambm aos casos em que seu nome
emprestado para nomear academias, universidades, observatrio e cratera lunar.
2 O DISCURSO APOFTICO
As primeiras linhas dos Analticos Anteriores, ao tratar da proposio, ensinam que a
orao pode ser apoftica ou cataftica25
, ambos dos termos gregos significam
21
Cassirer, Ernst. Op. cit., p. 81. 22
Idem, p. 100. 23
Flasch, Kurt. Op. cit., p, 229. 24
Popper, Karl Raymund. Conjecturas e refutaes: O progresso do conhecimento cientfico. Traduo de Srgio
Bath. 5. edio. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2008, p. 44. 25
Aristteles. Analticos Anteriores. Livro I, 25a, linhas 1-3.
,
7
respectivamente negativo e afirmativo26
e esto na classe de adjetivos derivados dos sujeitos
apfasis e catfasis, ambas respectivamente transliteraes latinas de e .
Ao longo da tradio filosfica ser assertado-os em discurso apoftico e o cataftico, com o
advento do cristianismo, no campo teolgico, culminaro na teologia negativa e positiva, uma
em oposio a outra, a ltima diz o que pode se dizer de Deus, isto , o que Ele , a primeira o
que no 27
. Para este trabalho, contudo, ser de importante anlise o discurso apoftico ou
negativo cuja caracterstica basear-se por meio de negaes e operar de uma forma
racional28
. A despeito dos termos teologias negativa e positiva, sejam usados, talvez at onde
se tem notcia, pela primeira vez pelo Pseudo-Dionsio Areopagita29
, no ttulo do terceiro
captulo do tratado De Mystica Theologia30
, a sua temtica mais famosa, o discurso apoftico
aparecer com sua estrutura bsica com variaes mnimas em diversos autores31
, vale citar os
seguintes poucos autores antes do Areopagita: Parmnides, Plato, Plotino e, por ltimo,
Nicolau de Cusa. Todos eles seguiro a seguinte estrutura: negaes seguidas da
argumentao que as justifica. Mas, se sua estrutura permanece basicamente a mesma, serve a
propsitos diversos nos diferentes autores32
.
2.1. Parmnides
Na tradio filosfica o uso sistemtico de linguagem apoftica encontrado primeiro
nos seguintes fragmentos do poema atribudo a Parmnides. No primeiro fragmento do que
restou do poema, Parmnides vivencia a ascenso progressiva do mundo da aparncia em
direo verdade33
da Justia a mesma que possui as chaves34
que permite acesso e indica o
caminho da verdade, a gesta do sbio35
. Acerca do discurso ele est no oitavo fragmento, o
cerne do discurso apoftico, Bernardo Brando observa nele como o Eleata caracteriza o Ser
, (...). Visto que toda proposio tem a posse do ser somente, necessariamente ou possivelmente e a
respeito de cada uma dessas a proprosio atribui-se valores ou positivos, ou negativos, (...). 26
Logos Enciclopdia Luso-Brasileira, Livro 1, Editora Verbo Lisboa/So Paulo 1989, p. 329. 27
Logos Enciclopdia Luso-Brasileira, Op. cit., p. 329. 28
Brando, Bernardo G. dos Santos Lins. A tradio do discurso apoftico na filosofia grega. Revista Hypnos,
ano 12/n 18 1 Sem. 2007 So Paulo /p. 90-97, p. 90. 29
Logos Enciclopdia Luso-Brasileira, Op. cit., p. 329. 30
A obra foi traduzida ao portugus por Brando, Bernardo Guadalupe S. L.. Sobre a Teologia Mstica para
Timteo. 31
Brando, Bernardo G. dos Santos Lins. Op. cit., p. 90. 32
Idem, p. 90. 33
Bezerra, Ccero Cunha. Dionsio Pseudo-Areopagita: mstica e neo-platonismo. So Paulo: Paulus, 2009,
p.130. 34
Parmnides. Poema de Parmnides da Natureza. Fragmento B1. Edio do texto grego, traduo e comentrios
por Fernando Santoro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue Editorial Ltda., 2009, p. 21. 35
Parmnides. Poema de Parmnides da Natureza. Fragmento B1. Op. cit., p. 21.
8
por termos negativos formados por sufixos privativos e e oraes iniciadas pela
conjuno negativa 36
, eis a seleo do pesquisador:
, ,
n
o ,
, ,
, . 37
que sendo ingnito tambm imperecvel.
Pois todo nico como intrpido e sem meta;
Nem divisvel, pois todo equivalente:
nem algo maior l, que o impea de ser contnuo,
nem algo menor, mas todo pleno do que .38
Em todos estes casos a orao negativa seguida por uma explicao positiva. Isso constitui a
argumentao filosfica que d base racional s negaes. Ao negar ao Ser certos atributos
Parmnides acaba por defini-lo como algo diferente das coisas que fazem parte de nossa
percepo cotidiana, que geralmente podem ser criadas, destrudas, tem partes etc.39
e ao
negar ao Ser a multiplicidade e a mutao o Eleata nega-lhe tambm a contingncia presente
no mundo perceptvel aos humanos, afirmando-lhe uma espcie de superioridade ontolgica40
.
O uso, por tanto, do discurso apoftico no poema possui uma inteno: a de mostrar a
especificidade e superioridade do Ser41
. Ento, o Ser de Parmnides que no transcendente
pode ser bem conhecido pelo pensamento humano como demonstrado aqui42
. Dessa primeira
anlise aparece a primeira diferena entre o discurso apoftico e a teologia negativa que a
cada informao adicionada os manter bem separados.
2.2. Plato
Depois de Parmnides quem mais se destacou no ramo foi Plato, a seguir comear
uma exposio bem superficial do discurso apoftico presente em algumas de suas obras. Por
tanto, este trabalho se limitar a expor somente o que est em trs dilogos, o Banquete, a
Repblica e Parmnides, justamente os destacados pela negatividade ao longo do tempo. O
primeiro a ser investigado ser o Banquete, aquele onde Scrates relata ensinamentos
misteriosos ouvidos um dia de uma mulher de Mantineia, Diotima, que nesse assunto era
36
Brando, Bernardo G. dos Santos Lins. Op. cit., p. 90. 37
Parmnides. Op. cit., Fragmento B8. Linhas 3 - 4 e 22 - 24. 38
Idem. Trad. cit., Fernando Santoro, pp. 39 e 41. 39
Brando, Bernardo G. dos Santos. Op. cit., p. 91. 40
Idem, p. 91. 41
Idem, p. 91. 42
Idem, p. 91.
9
entendida e em muitos outros43
. O contedo a analisar so traos negativos da idia de Belo44
ensinados por ela a partir da marcao 210a deste dilogo. Nele, a ascenso intelectual ideia
de Belo ser descrito no clmax do discurso com vrias negaes45
:
,
, , , , ,
, . , ,
,
,
, ,
, ,46
(...), primeiramente sempre sendo, sem nascer nem perecer, sem crescer nem
decrescer, e depois, no de um jeito belo e de outro feio, nem ora sim ora no, nem
quanto a isso belo e quanto quilo feio, nem aqui belo ali feio, como se a uns fosse
belo e a outros feio; nem por outro lado aparecer-lhe- o belo como um rosto ou
mos, nem como nada que o corpo tem consigo, nem como algum discurso ou
alguma cincia, nem certamente como a existir em algo mais, como, por exemplo,
em animal da terra ou do cu, ou em qualquer outra coisa; ao contrrio, aparecer-
lhe- ele mesmo, por si mesmo, consigo mesmo, sendo sempre uniforme, (...)47
Diotima deseja descrever o Belo como existente antes do tempo e no sujeito as suas aes,
como os seres e no-seres participam de alguma forma gradativa do Belo e, no final,
atribudo a maneira como o Belo est para alm de qualquer substancialidade. Depois do
cerne desse contedo vem a escalada ertica, entre 210e e 211d, onde Diotima ensina em
detalhes o pice da beleza e onde se chega aps passar pelos degraus erticos48
. Para chegar
ao Belo, contudo, h de abrir mo daquelas realidades que primeiramente se amavam para
aprender a amar novas realidades, mais elevadas, mais espiritualmente engajadas. Para
conseguir o proposto, com efeito, surge a necessidade de usar-se um mtodo propenso a esse
abrir de mo. Por tal motivo ela opta em explica por uma via de diversas descries negaticas
justificando o discurso apoftico em o Banquete.
Em A Repblica, muitos observam na passagem 509b um discurso apoftico na seguinte
opinio49
transmitida pelo dilogo:
;
,
43
Plato. O Banquete, 201d. Dilogos / Plato ; seleo de textos de Jos Amrico Motta Pessanha ; tradues e
notas de Jos Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e Joo Cruz e Costa. 2. Ed. So Paulo: Abril Cultural,
1983, p. 33. 44
Pinheiro, Marcus Reis. O Uno em Parmnides e em Plotino, p. 1. 45
Brando, Bernardo G. dos Santos. Op. cit., p. 91. 46
Plato. O Banquete. 210e-211b. 47
Idem, 210e-211b. Trad. cit., p. 42 48
Idem, 210e. Trad. cit., p. 42. 49
Plato. A Repblica. 509b. p. 207. Traduo Pietro Nassetti. So Paulo: Editora Martin Claret, 2007. O
culpado s tu que me obrigas a exprimir a minha opinio sobre o assunto.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pw%3Ds&la=greek&can=pw%3Ds1&prior=o)/ntahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%2Fr&la=greek&can=ga%2Fr0&prior=pw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C3&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=toi%3Ds&la=greek&can=toi%3Ds1&prior=kai\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gignwskome%2Fnois&la=greek&can=gignwskome%2Fnois0&prior=toi=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=toi%2Fnun&la=greek&can=toi%2Fnun0&prior=gignwskome/noishttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mh%5C&la=greek&can=mh%5C0&prior=toi/nunhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mo%2Fnon&la=greek&can=mo%2Fnon1&prior=mh\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C0&prior=mo/nonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gignw%2Fskesqai&la=greek&can=gignw%2Fskesqai0&prior=to\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fa%2Fnai&la=greek&can=fa%2Fnai0&prior=gignw/skesqaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=u%28po%5C&la=greek&can=u%28po%5C0&prior=fa/naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3D&la=greek&can=tou%3D1&prior=u(po\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29gaqou%3D&la=greek&can=a%29gaqou%3D0&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=parei%3Dnai&la=greek&can=parei%3Dnai0&prior=a)gaqou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29lla%5C&la=greek&can=a%29lla%5C1&prior=parei=naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C4&prior=a)lla\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C1&prior=kai\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei%29%3Dnai%2F&la=greek&can=ei%29%3Dnai%2F0&prior=to\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=te&la=greek&can=te0&prior=ei)=nai/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C5&prior=tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn2&prior=kai\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29si%2Fan&la=greek&can=ou%29si%2Fan0&prior=th\nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=u%28p%27&la=greek&can=u%28p%270&prior=ou)si/anhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29kei%2Fnou&la=greek&can=e%29kei%2Fnou0&prior=u(p'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=au%29toi%3Ds&la=greek&can=au%29toi%3Ds0&prior=e)kei/nou
10
, ,
.50
Portanto, para os objetos do conhecimento, dirs que no s a possibilidade de
serem conhecidos lhes proporcionado pelo bem, como tambm por ele que o Ser
e a essncia lhes so adicionados, apesar de o bem no ser um essncia, mas estar
acima e para alm da essncia, pela sua dignidade e poder.51
Posteriormente, o cerne responsvel por diversos sistemas filosficos assentaro seus
trabalhos na seguinte orao, mas estar acima de para alm da essncia52
, o apoftico em
questo o seu advrbio para alm53
, que caracteriza a linguagem de transcendncia54
. Ao
longo do tempo, devido a sistemas mais radicais o advrbio ser substitudo por palavras que
carregaro valor de transcendncia mais forte. Dessarte, Plotino, Pseudo-Dionsio Areopagita
e Nicolau de Cusa condicionaro parte de seu discurso negativo j que a ideia de algo
transcendente e para alm caminha at certo nvel que leva a atingir o limite drstico da
linguagem e com o tempo escolas e filsofos posteriores tornam isto uma frmula55
No dilogo Parmnides o discurso apoftico usado para definir o Um prximo ao
modo do Eleata de descrever o Ser em seu Poema sobre a Natureza56
e no chega perto
porque os dilogos de tipo socrtico utilizam muita argumentao tendendo para um modo de
raciocnio mais positivo e, assim, afastando-se do estilo de raciocinar submetido a um poema.
Eis o discurso desenvolvido na primeira hiptese do dilogo obedecendo seleo feita por
Bernardo Brando57
r
e
,
, .
,
.58
50
Idem. 509b. 51
Idem, p. 207. 52
Idem. 509b. 53
Bal, Gabriela. Em busca do no-lugar: A linguagem mstica de Plotino, Jmblico e Damscio luz de
Parmnides de Plato. Tese de Doutorado PUCSP. So Paulo 2010, p. 95. H algo de misterioso no termo
grego que pede para ser desvendado (...). No original heleno: . 54
Idem, p. 95. 55
Bal, Gabriela. Op. cit., p. 95. 56
Brando, Bernardo G. dos Santos. Op. cit., p. 91. 57
Idem, p. 92. 58
Plato. Parmnides. 137d - 142a.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=prosei%3Dnai&la=greek&can=prosei%3Dnai0&prior=au)toi=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29k&la=greek&can=ou%29k0&prior=prosei=naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29si%2Fas&la=greek&can=ou%29si%2Fas0&prior=ou)khttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o%29%2Fntos&la=greek&can=o%29%2Fntos0&prior=ou)si/ashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3D&la=greek&can=tou%3D2&prior=o)/ntoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29gaqou%3D&la=greek&can=a%29gaqou%3D1&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29ll%27&la=greek&can=a%29ll%270&prior=a)gaqou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Fti&la=greek&can=e%29%2Fti0&prior=a)ll'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29pe%2Fkeina&la=greek&can=e%29pe%2Fkeina0&prior=e)/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%3Ds&la=greek&can=th%3Ds0&prior=e)pe/keinahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29si%2Fas&la=greek&can=ou%29si%2Fas1&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=presbei%2Fa%7C&la=greek&can=presbei%2Fa%7C0&prior=ou)si/ashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C6&prior=presbei/a|http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=duna%2Fmei&la=greek&can=duna%2Fmei0&prior=kai\http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=u%28pere%2Fxontos&la=greek&can=u%28pere%2Fxontos0&prior=duna/mei
11
nem ser um todo, nem ter partes
nem princpio nem meio nem fim
no nem reto nem circular
no est em parte alguma
nem em repouso, nem em movimento
no seria o mesmo, nem que um diferente nem que si mesmo, nem sequer, por outro
lado, poderia ser diferente, nem de si, nem de um diferente
nem cabe a ele o tempo, nem sequer ele est em algum tempo.
nem nomeado, nem enunciado, nem objeto de opinio, nem conhecido, nem o
percebe ser algum59
.
A primeira vista no diferem muito. As oraes so iniciadas pelas conjunes negativas
e que ao serem utilizadas explicam que o objeto da negao no pertence a uma
realidade especfica indicada pelos atributos. Sintaticamente, os termos helenos alm da
funo de darem valor negativo tambm ligam-se a outras oraes do mesmo valor. Do
mesmo modo visvel a relao rtmica causada pelas nicas consoantes d e t que so
dentais caracterizando alguma coisa rtmica no jogo semntico de Plato. Comparando ambos
Parmnides notvel vrios atributos negativos do Poema sendo radicalizados por Plato e
em acordo com o estudo que tambm selecionou os trechos do dilogo pode-se perceber
que vrias das caractersticas negadas por Parmnides so aqui radicalizadas:
enquanto o Ser no tem princpio ou fim, o uno no participa do tempo; enquanto o
Ser no abalvel, o uno no se movimenta, nem est em repouso; enquanto o Ser
no divisvel, o uno no um todo, nem composto de partes, etc.60
O motivo da radicalizao feita por Plato no misteriosa. Enquanto o Ser de Parmnides
pode ser concebido pela razo, o Um no pode ser conhecido, percebido ou exprimido61
, isso
por ser o Um o princpio fundante do Ser. A respeito do uso e da estrutura do discurso
apoftico no dilogo e no poema fica claro que no poema a consequncia dele o
abarcamento do Ser enquanto no segundo pode-se ter uma tentativa de abarcar o Um com
privaes de alguns atributos. A respeito das concluses Bernardo Brando pondera:
Nos tempos atuais, a questo se mostra ainda mais complexa. Alguns, notando que o
uno no identificado ao Bem e ao Belo no Parmnides e, ao contrrio, parece at
mesmo estar no mesmo plano que o semelhante e o dessemelhante, o movimento e o
repouso e outras meta-idias (Parmnides, 136B), negam qualquer possibilidade de
que o discurso apoftico da primeira hiptese verse sobre alguma espcie de
primeiro princpio da realidade. No entanto, outros afirmam que, a partir de certa
perspectiva, pode-se encontrar a uma lcida exposio da famosa teologia
negativa, o que faz mais sentido ao se considerar uma passagem do relato de
Aristxeno sobre a conferncia de Plato sobre o Bem, que pode ser interpretada,
59
Plato. Parmnides 137d. Traduo, apresentao e notas de Maura Iglsias e Fernando Rodrigues. Rio de
Janeiro: Ed. PUC-Rio; So Paulo: Loyola, 2003, pp. 53 - 65. 60
Brando, Bernardo G. dos Santos. Op. cit., p. 92. 61
Idem, p. 92.
12
no sem contestao, como uma identificao entre o Um e o Bem (Harm. Elem., II
39-40: ).62
Concluindo o que foi analisado at aqui, sabe-se que primeiramente o discurso
apoftico abarca o Ser, Plato utiliza o mesmo discurso s que num vis mais radical, mas no
se sabe com clareza o propsito de radicalizar o discurso para concluir a primeira hiptese: a
de qu sobre o Um no se pode conhec-lo ou exprimi-lo63
. Assim fica claro que nem
Parmnides e nem Plato trabalharam uma teologia negativa, pois estendendo o j
mencionado, nenhum deles versam sobre alguma espcie de primeiro princpio64
da realidade.
J o mesmo no se pode concluir sobre Plotino e Pseudo-Dionsio Areopagita, principalmente
o latino que marcar entre os filsofos o maior estigma para a interpretao daqueles dilogos
com carga apoftica. Ele desenvolver a sua Teologia negativa sobre o Parmnides ao tom-
lo como um tratado metafsico e teolgico e da mesma forma no se pode ignorar que tom-o
como expresso de uma genuna teologia negativa65
. Por tais motivos, supor que Plato ou at
Parmnides tenham desenvolvido uma Teologia negativa problemtico66
. Contudo, o
discurso apoftico utilizado no Poema e nos dilogos no exprime alguma forma de Teologia
negativa67
. At aqui a finalidade do discurso foi: mostrar a especificidade e superioridade do
Ser, a transcendncia do Bem, a dependncia das coisas no Belo e a inacessibilidade do Um.
E para finalizar a querela vale citar diretamente quem melhor levanta tal embate. A citao
abaixo vale para os dois filsofos.
Tambm no se sugere haver uma Teologia negativa no pensamento de Plato, ao
menos, essa parece ser a opinio da maior parte dos estudiosos atuais, que pode ser
sintetizada da seguinte forma: Plato no pode ser visto como o fundador da via
negativa. No entanto, verdade que suas idias proveram a fasca da qual
eventualmente derivaram os princpios da teologia negativa.68
62
Idem, p. 93. 63
Idem, p. 96. 64
Idem, p. 93. 65
Idem, pp. 96 e 97. 66
Idem, p. 94. 67
Idem, p. 91. 68
Idem, p. 91.
13
3 A TEOLOGIA NEGATIVA
No captulo anterior os elementos negativos provindos do Poema de Parmnides e dos
trs dilogos, Parmnides, O Banquete e A Repblica, foram submetidos esmiuamento e
dele foi asseverado uma parva sntese do discurso apoftico. Porm, uma advertncia, eles
no foram os nicos e nem os primeiros a trabalhar uma argumentao sistemtica e negativa,
existe toda uma histria que percorre tanto os povos de lngua indo-europeia quantos outros
povos que no se encaixam neste grupo lingustico. O prximo exame cair sobre Plotino e
Dionsio, o Areopagita, que para os estudiosos Pseudo-Dionsio Areopagita. Vale ao que
segue ter em mente todo o sistema de construo do discursivo apoftico que foi desvelado
com destrinchamento dos vocbulos negativos e tambm ter em mente a interpretao dos
vocbulos positivos que justificam o negativo. Desse modo, todo o processo que foi efetuado
at aqui pode ser aplicado aos dois novos filsofos em anlise afim de efetivar a tentativa de
mostrar o peso dessa tradio neles. Sobre ambos pensadores vale lembrar a separao no
tempo e no espao feita por uma linha to tnue que permite estabelecimento de vnculo ou
ento como melhor instrui Reinholdo Ullmann no s permite como de fato, entre eles,
ocorreu um influxo69
.
3.1. Plotino
Na quinta Enada Plotino cita diretamente um lema-chave em Plato70
e
Parmnides71
. Sobre o primeiro, menciona a opinio de Scrates a respeito do Bem, opinio
cara para Plotino e seus sucessores. Conforme a observao de Brando Plotino considerava o
estar alm dos seres72
como a expresso do primeiro princpio sendo superior ao ser tambm
observa a radicalizao feita pelo latino a respeito da opinio no referente a sua
transcendncia e inefabilidade. Sobre o segundo, ele transcreve na Enada o lema: ser e
pensar so a mesma coisa73
, o trecho um resto do Poema catalogado como B3, tais poucas
letras a Plotino significar muito. Pois, conforme a anlise de Brando na Enada V 1, 874
,
alm de Plotino assimilar os dois ensinamentos ele comutar ambos na seguinte frase: O um,
69
Ullmann, Reinholdo Aloysio. Plotino: um estudo das Enadas. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p.
213. 70
Plotino. Enada V, 1, 8, linha 8. 71
Idem, linha 17. 72
Idem, linha 8. . 73
Plotino. Enada V, 1, 8, linha 17. . 74
Brando. Bernardo G. dos Santos Lins. Op. cit., p. 96.
14
no sendo o ser, no pode ser pensado, est alm do pensamento75
. A utilizao, contudo,
feita de forma diferente76
e acarreta forosamente concluses que levam teologia negativa,
mas antes de chegar no novo cerne importante terminar de analisar a influncia de o
Banquete e Parmnides. Plotino transcreve partes destes dois dilogos em sua Enada77
seguinte e por vez aparecero os atributos utilizados para descrever o Belo e o Um. Bernardo
Brando indica o motivo:
Como se sabe, tal como outros filsofos da tradio platnica antiga, Plotino
identificou as hipteses do Parmnides s hipstases de seu sistema, interpretando o
uno da primeira hiptese como o Uno, princpio fundamental da realidade. No
decorrer de sua obra, as reminiscncias s negaes da primeira hiptese so vrias.
Charrue as identificou nas Enadas V 2, V 3, V 4, V 5, VI 5, VI 6, VI 7, VI 8 e VI
9.78
Ao elucidar alguns aspectos da filosofia de Plotino acaba por enunciar a fora dessa tradio
na mesma, mas ao trazer a tona o Um e o fato dele ser a fundamentao da realidade,
consequentemente abre espao para fixar a ele um ponto de convergncia. Aceitando a ltima
reminiscncia do texto VI 9, a prxima demonstrao ser a seguinte passagem de Enada,
onde visivelmente o discurso apoftico desponta e denuncia a posio de Plotino na tradio.
.
,
, , , (...)79
A saber, que a natureza do Um a engendradora de todos os seres e no nenhum
deles. No nada nem qualidade, nem quantidade, nem intelecto, nem alma, nem
est em movimento nem em repouso, nem no espao, nem no tempo, mas est em si,
consigo, sendo sempre uniforme, (...)80
Os atributos negativos advindos do dilogo Parmnides so: no se move, no repousa, no
est no tempo e nem no espao; atributos Platnicos-Pitagricos81
: no possui qualidade e
nem quantidade; no pertence s hipteses de Plotino82
: nem intelecto, nem alma; e partilha
exclusividades de o Banquete: est em si, consigo, sendo sempre uniforme. Ora, toda negao
desenvolvida permite duas rpidas concluses bem articuladas pela pesquisadora Loraine
75
Idem, p. 96. 76
Idem, p. 96. 77
Plotino. Enada VI, 9, 3. 78
Brando. Bernardo G. dos Santos Lins. Op. cit., p. 95. 79
Plotino. Enada VI, 9, 3. Linhas 40-44. 80
Traduo livre. 81
Plotinus. Enneads VI, 6-9. With an english translation by A. H. Armstrong. Loeb Classical Library. 1 ed.
1966. Cambridge: Harvard Univ. Pr. & London: Heinemann, 1988, p. 315. This comes from an established
Platonic-Pythagorean exegesis of the First Hypothesis of Platos Parmenides. 82
Brando, Bernardo G. dos Santos Lins Brando. Op. cit., p. 95.
15
Oliveira, mas reduzidas devido a natureza desse trabalho. Uma, o humano no possui acesso a
esse primeiro princpio, pois ele uma das coisas engendradas por ele e no consegue ter
cincia dele. Outra, o Um, por sua vez, no permite nenhum acesso discursivo. Logo, o Um
inefvel83
. Todavia, entende-se o uso da via da remoo ao invs de uma construo positiva
pela motivao de cortar-se a realidade em diferentes partes para demonstrar que numa
realidade simples, onde toda a multiplicidade est cessada h de alguma forma o Um, em
outra est a multiplicidade e sua diversa possibilidade de discurso. Assim, se o Um inefvel,
inacessvel, simples, logo, nenhum atributo logra atingi-lo e no o faz
Isso porque, como o Uno engendra todos os seres, anterior a eles. Ora, todas essas
propriedades so predicados dos seres e, por isso, no podem ser atribudas ao Uno.
Ainda, se o Uno possusse predicados, no seria uno, pois comportaria a
multiplicidade. Eis o que Plotino diz a esse respeito, na argumentao que nega o
movimento e o repouso ao Uno (mas que pode se estender s outras propriedades
negadas): Porque ento, se no movido, tambm no est em repouso? Porque uma
destas propriedades ou ambas, esto necessariamente em um ser, e o que est em
repouso, pelo Repouso est em repouso, e no o mesmo que o Repouso. Assim,
acontece a ele e ele no mais permanece simples.84
Ora, de toda tradio grega do discurso apoftico aqui analisada uma diferena peculiar e
clara j separa Parmnides e Plato de um lado e Plotino de outro. Para os primeiros o
discurso apoftico delimita um objeto do discurso independente ou no se o intelecto humano
consegue cincia particular dele. Para Plotino o discurso apoftico acerca do Um acarreta
concluses nicas, pois
para Plotino, no h compreenso deste pela cincia ou pela inteleco (
), pois a cincia discurso e o
discurso mltiplo ( ). Ora, se o discurso
multiplicidade e essencial ao conhecimento racional, o discurso apoftico uma
forma de negar a multiplicidade atravs da prpria multiplicidade e da razo. E
assim que a razo, mesmo sendo incapaz de conhecer o Uno, pode ajudar na
compreenso deste por meio de uma presena superior cincia (
), que ocorre quando no se abandona a unidade.85
Logo, o discurso apoftico em Plotino, devido s suas caractersticas, encaixa-se numa
teologia negativa e igualmente concordante ao entendimento acima Manuel Freitas. Devido
as suas palavras, ele aparenta encontrar no filsofo caractersticas ntidas de uma teologia
negativa preocupada em operar por meios de negaes e no afirmaes, pois
83
Oliveira, Loraine de Ftima. Discurso Mstico e figuras msticas: o uso dos mitos nas Enadas de Plotino. Tese
de Doutorado. Belo Horizonte: UFMG, PPGS, 2008, p. 56. 84
Brando. Bernardo G. dos Santos Lins. Op. cit., p. 95. 85
Idem, p. 96.
16
Plotino pensa que a razo humana no pode conhecer todas as coisas e que a sua
ltima e suprema concluso consiste em reconhecer a sua insuficincia e admitir
para alm daquilo que lhe inteligvel, uma realidade supra-inteligvel, acessvel
apenas a contemplao exttica (Enadas, VI, 9,4). (...) As trevas ou ignorncia em
que a alma mergulha resultam no de um defeito, de uma carncia, mas de um
excesso, de uma super abundncia de realidade e de luz (Enadas, VI, 8, 16)86
Quem melhor se servir disso ser Proclo, discpulo de Porfrio, o sucessor de Plotino, e junto
a Dionsio Areopagita firmaro e passaro posteridade a teologia negativa, quase que
parecida com a acepo e constituio atual, para ambos: o conhecimento de Deus mais
apoftico do que cataftico87
. A respeito da instruo de Reinholdo Ullmann88
no houve
influncia direta entre Plotino e Dionsio o que ocorreu foi que
Plotino exerceu influxo no cristianismo. Logramos, at dizer que ele o
intermedirio entre a concepo antiga de realidade, entendida naturalisticamente, na
qual Deus apenas uma figura complementar do saber filosfico, e a concepo
crist de Deus, o qual pressuposto e trmino de todo ser. Em lugar de um Deus
distante, Plotino proclama um Deus j presente. Outro pensador que se impregnou
das ideias de Plotino e do neo-platonismo o Pseudo-Dionsio Areopagita (ca. 480-
530),(...)89
3.2. Dionsio Areopagita
O elo que ligaria Dionsio Areopagita aos filsofos citados e igualmente a outros que
possuem grande peso para a tradio do discurso apoftico, mas que no esto sendo
analisados por insuficincia deste trabalho, seriam elos mais fortes ao ponto de alguns
estudiosos citarem-no como elo de dependncia, principalmente os de ligao aos trabalhos de
Plotino e Proclo90
. A respeito dos atributos, principalmente os presentes no Poema de
Parmnides e no dilogo platnico homnimo ao eleata vale antecipar que eles aparecero no
Corpus Areopagyticum e para Ccero Bezerra este fenmeno caracteriza-se como resgate91
. A
recuperao do valor desses atributos ser feito por Dionsio Areopagita dando-lhes uma
interpretao nova e ao mesmo tempo desenvolvendo um discurso apoftico prprio, embora,
curiosamente permanea vinculado ao tipo de filosofia desenvolvido por Plotino e Proclo.
Comparando com Plato, o seu discurso apoftico ser diferente daqueles verificados nos
dilogos, e conforme o Areopagita cria um discurso apoftico cristo ele consegue distanciar-
se cada vez mais dessa herana helena. Mesmo desenvolvendo um discurso apoftico
86
Logos Enciclopdia Luso-Brasileira. Op. cit., p. 113. 87
Ullmann, Reinholdo Aloysio. Op. cit., p. 122. 88
Idem, p. 122. 89
Idem, p. 213. 90
Bezerra, Ccero Cunha. Op. cit., p. 23. 91
Idem, p. 23.
17
propriamente cristo a persistncia de um fato curioso chama ateno. Alguns dos atributos
resgatados no so muitos frequentes na bblia, mas so recorrentes na tradio do discurso
apoftico heleno92
e como exemplifica Ccero Bezerra, ao d nota do atributo e
, em portugus so velho e jovem, que conjuntamente a , dia antigo,
compartilham o atributo de o mais antigo dos dias93
tal atributo encontra-se na segunda
hiptese do dilogo Parmnides94
, mas no nos textos cristos. Existem, contudo, os
encontros. Ccero Bezerra em seu livro desenvolve um quadro comparativo entre os atributos
presentes tanto no tratado Os Nomes Divinos quanto no dilogo Parmnides95
e eles so os
seguintes: Os atributos m e 96
que significam respectivamente todo e partes
aparecem no dilogo Parmnides da seguinte maneira: nem ser um todo, nem ter partes97
; e
aparecem no tratado Os Nomes Divinos da seguinte forma: contm e possui de maneira
imanente e por participao, o todo e as partes do todo98
. , e 99
,
respectivamente princpio, meio e fim, dilogo Parmnides: nem princpio nem meio nem
fim100
; Os Nomes Divinos: Aquele que preexiste constitui o princpio da durao, da medida,
pois precede toda essncia, toda existncia101
. 102
, movimento e repouso,
dilogo Parmnides: nem em repouso nem em movimento103
; Os Nomes Divinos: Situado
alm de toda categoria de repouso e movimento, o que estabiliza cada ser104
. Os atributos
/ / 105
significam respectivamente
desconhecido, inominado, conhecvel e vrios nomes aparecem no dilogo Parmnides da
seguinte maneira: nem nomeado, nem enunciado, nem objeto de opinio, nem
conhecido, nem percebe ser algum106
; e aparecem no tratado Os Nomes Divinos da seguinte
forma: Os telogos louvam como Sem nome e o invocam com todos os nomes107
. O dilogo
Parmnides influencia fortemente a obra dionisiana. perceptvel pela presena dos atributos
92
Idem, p. 23. 93
Idem, p. 23. 94
Plato, Parmnides, 140e. 95
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 22. 96
Idem, p. 22. 97
Plato. Parmnides 137d. Trad. cit., p. 53. 98
Bezerra, Ccero Cunha. Op. Cit., p. 22 99
Idem, p. 22. 100
Plato. Parmnides 137d. Trad. cit., p. 53. 101
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 22 102
Idem, p. 22. 103
Plato. Parmnides 137d. Trad. cit., p. 57. 104
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 22 105
Idem, p. 22. 106
Plato. Parmnides 142a. Trad. cit., p. 65. 107
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 22.
18
do dilogo nos tratados, pela influncia no entendimento de Dionsio e, de maneira
consequente, a maneira como l outros dilogos. Portanto, tal dilogo acaba por ser o mais
marcante nos escritos do Areopagita. A prova pode ser o desenvolvimento dado ao Bem
provido do dilogo a Repblica que ser derivado do Um das duas primeiras hipteses do
Parmnides. Logo, o Um enquanto Bem, como deriva Dionsio, possuir dois aspectos: causa
e totalidade108
. Bezerra identifica essa possibilidade de derivao devido a uma leitura bem
transcendente do Bem platnico, no se atendo como algo que est somente para alm das
causas109
, mas como o nome utilizado pelos telogos para referir-se absoluta
transcendncia110
. Portanto, sendo o nome divino que leva absoluta transcendncia pode-se
ter a seguinte unio: Um-Bem111
. Bezerra trz mais uma motivao: Dionsio uni-las em uma
mesma ideia, a saber, o Um-Bem, dado que tudo porque tudo preexiste nele e causa de
tudo, porque tudo procede dele112
. Ccero consegue esmiuar muito bem essa passagem
adicionando outras informaes pertinentes.
Disto resulta que o Uno-Bem o que produz todas as coisas, aristotelicamente, sem
sair de si mesmo. Este estar em si e, ao mesmo tempo, conter tudo em si o que faz
do Uno ser a condio sine qua non para toda multiplicidade. Nada existe que no
participe do Uno. Vale dizer que, por ser causa universal de tudo, no a soma das
partes de uma pluralidade, j que precede a distino entre unidade e pluralidade.
Para explicar esta precedncia, Dionsio recorre distino entre acidentes e sujeito;
segundo ele, aquilo que mltiplo, em nomes e acidentes, permanece uno por seu
sujeito, bem como o que mltiplo por processo uno por princpio, de modo que
nada escapa ao poder unificador do Uno113
.
Bezerra, portanto, em sua citao acaba por destacar a ideia do Bem platnico tirada do
dilogo a Repblica do contexto parcial do pensamento dionisiano levantado por ele. E, para
entender o Bem de Plato em Dionsio necessrio saber o que o principal lema do dilogo,
em outras palavras, o Bem estando alm e acima dos seres, significa para Dionsio e como
isto influi no Um-Bem dionisiano. Ccero explica114
que para o Areopagita a juno Um-Bem
embora esteja acima e para alm da essncia ter os seguintes aspectos, de um lado,
transcender a toda determinao ou forma115
, e do outro, ser a causa de tudo, fundar e dar
ser a tudo que 116
. Destarte, o Um-Bem comporta um duplo aspecto de transcendncia e
108
Idem, p. 47 109
Plato. A Repblica. 509b. 110
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 47. 111
Idem, p. 48. 112
Idem, p. 47. 113
Idem, p. 48. 114
Idem, p. 49. 115
Idem, p. 49. 116
Idem, p. 49.
19
imanncia, Bezerra observar nisto uma caracterstica do discurso apoftico areopagtico e
explicar, mais uma, as das negaes. Quando Dionsio nega a substancialidade no se deve
compreender como privando o modo de ser de uma substncia, mas como expresso de sua
hipersubstancialidade117
. Scrates, antes de apresentar a hipertranscendenciabilidade118
do Bem diz considerar o Sol como o filho do Bem e gerado sua semelhana119
. O
Areopagita resgatar a imagem platnica do Sol como arqutipo do pode iluminador e
conservador do Bem superior a todo Ser120
, mas para Dionsio, a imagem do Bem enquanto
Sol significa o fato de transcender toda imagem e toda substncia121
e ambos possuem um
movimento de assimilao que permite a Dionsio fazer a unio.
A adequao do Bem ao Sol tem sua fonte no movimento de assimilao que ambos
realizam, ou seja, do mesmo modo que o sol ilumina, no por desejo, mas por ser
todas as coisas, o Uno-Bem converte todas as coisas a ele por um movimento de
auto-assimilao. As coisas so, na medida em que participam ou buscam
assimilar-se ao Bem em si, fonte de toda a luz122
.
Da imagem do Sol o filsofo cristo retira mais uma imagem, a da luz que emana do Um-
Bem123
. O simbolismo da luz tem uma relao direta entre os smbolos e os nomes divinos
como poderes unificadores e reveladores124
. Nas palavras do pesquisador brasileiro:
A imagem da luz que emana do Uno-Bem algo interessante e que merece um
aprofundamento. verdade que o simbolismo da luz tem uma longa histria, tanto
na Teologia como na arte gtica e renascentista crist, mas tratando-se de um
pensamento que busca compreender a relao direta entre os smbolos ou nomes
divinos como poderes unificadores e reveladores, parece-nos imprescindvel ir ao
texto procleano do Crtilo. (...) Proclo, no pargrafo LXXI, depois de expor a
participao conforme a claridade e obscuridade do sinal divino que existe em cada
coisa, afirma que por meio da processo que o informe ganha forma; diz ele:
atravs do movimento, se nos faz visvel da parte dos prprios deuses, ao ter o
ativo por meio da causa divina, e o configurado, por meio da essncia que a
recebe.125
117
Idem, p. 49. 118
Idem, p. 49 119
Plato. A Repblica. 508b. Op. cit., 205. 120
Bezerra, Ccero Cunha. Ob. Cit., p. 49. 121
Idem, p. 49. 122
Idem, pp. 49 e 50. 123
Idem, p. 51. 124
Idem, p. 51. 125
Idem, p. 51.
20
Para o cristo a imagem da luz possui uma fecundidade e permite a possibilidade de pens-la
como paradigma tanto do mundo fsico, por ser uma analogia do Sol, como espiritual por
fazer analogia ao inteligvel126
:
O Bem tem, portanto, um fundamento metafsico que o faz causa sem palavra de
todas as coisas. ele que protege e penetra, parte a parte, e dele que as coisas
retiram seu prprio limite e para o qual tendem. Nenhuma imagem melhor
representa este desejo inextinguvel que a do Sol que une o disperso mantendo-o em
perfeita unidade. O Bem Luz inteligvel que est acima de toda luz, pois causa
de toda iluminao. Disto resulta que, para Dionsio, a luz pode ser pensada como
paradigma tanto do mundo fsico (analogia do sol) como espiritual (inteligvel)127
.
At aqui foram apresentados vrios esmiuamentos pequenos do Bem e do Um, ambos
presentes na tradio do discurso apoftico grego e/ou no e resgatados por cristos como
Dionsio Areopagita. Contudo, um atributo falta, o Belo, e ser possvel desenvolv-lo, pois
no diferente daquele Belo definido por Diotima como ntido, puro, simples, e no repleto
de carnes, humanas, de cores e outras ninharias mortais128
e o mtodo para alcan-lo, a
escalada ertica, j apresentada aqui ter sua parte na obra dionisiana. Diz Dionsio
Areopagita que Deus chamado de Belo porque completamente belo e superior a todo belo
e essa beleza que d a cada ser a beleza segundo a proporo que lhe convm129
.
Assim o Belo se confunde com o Bem. Dionsio parte do pressuposto de que todo o
movimento tem como causa eficiente, motriz e final a beleza e, deste modo, no h
nada que no participe do Belo e do Bem. Os trs movimento, j citados
anteriormente, circular, retilneo (da providncia em direo aos inferiores) e o
movimento helicoidal, caracterizado como o movimento interno da providncia,
mas sem sair de si mesmo, uma herana visivelmente procleana130
.
Dizer que todo movimento tem causa eficiente, motriz e final a beleza uma forma de
resgatar o ensinamento de Diotima sobre uma das finalidades do Eros nos humanos que a
participao na imortalidade por meio da concepo e gerao131
. Depois de explicar o
comportamento humano por meio da doutrina ertica ensinada a Scrates por Diotima
demonstrar por meio do discurso apoftico a escalada onde cada degrau uma etapa de
avano at chegar ao Belo em si132
. No deixa de ser parecido, tal ensinamento, com a
126
Idem, p. 52. 127
Idem, p. 52. 128
Plato. O Banquete. 211e. Op. cit., pp. 42 e 43. 129
Bezerra, Ccero Cunha. Op. cit., pp. 52-53. 130
Idem, p. 53. 131
Plato. O Banquete. 208e-209a. Op. cit., p. 40. 132
Idem. 211c-d. Op. cit., p. 42.
21
sugesto feita pelo suposto juiz convertido por Paulo ao seu caro Timteo133
. O Areopagita
sugere ao seu amigo abandonar
tambm os sentidos e as operaes intelectuais, todas as coisas sensveis e
inteligveis, todas as coisas que no so e que so e, na medida do possvel, s
erguido no desconhecido, unio com o que est acima de toda essncia e
conhecimento. Assim, no xtase puramente irresistvel e livre, fora de si mesmo e de
tudo, ser levado para o raio supra-essencial da treva divina, tendo afastado tudo e
de tudo tendo-se libertado134
.
A apfasis do Areopagita fortemente marcada por uma herana de Diotima e permite
conduzir a alma a uma ascenso que parte de seres em direo simplicidade absoluta135
configurando no s um exerccio lgico como de ascese espiritual, devido a esta
configurao possuir dois aspectos, o primeiro ser metafsico, pois o seu exerccio
transcende a renncia moral ou a simples negao dialtica136
, o segundo, mstico, no sentido
que a alma, ao abandonar as coisas, o faz-lo por entender que existe uma presena
incomparavelmente melhor137
. Nem aqui Dionsio dissocia-se de Plotino.
Neste sentido podemos afirmar com Ysabel de Andia que a via negativa dionisiana
se associa diretamente ideia plotiniana de aphele pnta presente, ao mesmo tempo,
na Enada V3, 17(35) e na Teologia Mstica (pnta aphelon 1000A). Na realidade,
ambos pensadores esto falando de uma mesma coisa, isto , trata-se do movimento
conversador que tanto pode ser definido como uma supresso, como superao
ou elevao (anagog) em direo ao Uno superior a todo ser.138
A preocupao do Areopagita ao desenvolver o seu discurso negativo no isoladamente
fundamentar o seu projeto de teologia negativa em uma operabilidade estrita ou radicalizar a
transcendncia de Deus, mas tambm contribuir de alguma forma com o entendimento do
divino e a sua experimentao.
A contribuio da apphasis dionisiana consiste no fato de livrar o pensamento de
uma reduo do divino a um ente qualquer do mundo, passvel de um conhecimento
e formulao lgico-racional. Para Dionsio, existem dois tipos de profanos: os que
crem poder conhecer a essncia de Deus por meio de conhecimento racional e
aqueles que se apiam nas imagens para defender a causa transcendente de todas as
coisas. A experincia apoftica dionisiana se baseia, antes de tudo, na simplicidade e
no fato de que o mundo existe como manifestao ou presentificao do mistrio
divino. Por essa razo, a Teologia Mstica pode ser pensada como uma exposio,
no de uma experincia do tipo mgico ou sobrenatural, mas de uma vivncia que
133
Areopagita, Pseudo-Dionsio. Sobre a Teologia Mstica para Timteo. Traduo e notas de Bernardo
Guadalupe S. L. Brando. Faculdade de Letras da UFMG. Klos n.5/6: 146-165, 2001/2, p. 149. 134
Areopagita, Pseudo-Dionsio. Op. cit., p. 149. 135
Bezerra, Ccero Cunha. Op. cit., p. 129. 136
Idem, pp. 125 e 126. 137
Idem, p. 126. 138
Idem, p. 129.
22
segue o clssico princpio de uma vida conforme a natureza. Na passagem 868A de
Dos Nomes Divinos, Dionsio afirma que somente quando o homem sair totalmente
de si mesmo e entregar-se por inteiro, viro em abundncia os dons divino. Em
outras palavras, o que prope Dionsio a entrega total do homem esperana que
no espera, mas um deixar que as coisas sejam o que so em si mesma.139
Dessarte, conclui em citao direta o peso da tradio do discurso apoftico grego na obra
dionisiana e como o Areopagita torna muito eficiente todo esse discurso apoftico que
descreve o Um, o Bem e o Belo em sua obra.
Os escritos desse autor, mxime De divinis nominibus que um tratado do Corpus
areopagyticum, apresenta-se como uma sntese do pensamento cristo e do neo-
platonismo. Deus, sumo Bem, difunde-se soberanamente, tal como afirma tambm
Plotino. imanente e transcendente, porm distinto das coisas por ele criadas. o
Supra-Ser, a Supra-Essncia. Em dizendo que ele a Vida, a Beleza, a Sabedoria,
torna-se mister reconhecer que todos os nomes so insuficientes para exprimir-lhe a
natureza. O saber sobre a existncia do Uno , ao mesmo tempo, um saber de
incogniscibilidade radical do Uno em si. Em suma, Deus inefvel (annymos), e
inefabilidade implica infinitude. A teologia deve ceder lugar teologia negativa, que
verdadeira, enquanto positivamente que a divindade est alm das nossas
afirmaes e negaes.140
Independentemente de Dionsio Areopagita ter resgatado ou sofrido influncia de Plotino e
Proclo possvel concluir ao apoiar-se em Ccero Bezerra a juno efetuada por ele das duas
foras, uma advinda da interpretao paulina do Deus oculto141
e outra da inacessibilidade
absoluta do primeiro Um142
. Infelizmente este trabalho carece de uma anlise da primeira
fora a altura de sua importncia, mas a respeito da segunda foi possvel abarc-la conforme
emoldurou-se a teologia negativa ao retir-la da culminncia resultante do desenvolvimento
de elementos atestados desde o filsofo eleata Parmnides: o Um, o Bem, o Belo, o uso de
imagens e o discurso apoftico. Elementos estes reconfigurados, pois, conforme demonstrado
o Deus dionisiano no s possui esses elementos em sua plenitude como tambm principia-os
e limita-os. O pensador dedicou boa parte de seus tratados a teologia positiva e a
argumentao cataftica necessria para fundament-la. Por mais que a outra teologia e outro
discurso tenham sido mais desenvolvidos isto no implica desprezo por parte de Dionsio a
outros modos143
. O que de fato o Areopagita faz ao colocar a Teologia Mstica nas pginas
finais de seu trabalho mostrar por meio da rigorosa tradio do discurso apoftico a
possibilidade de se pensar Deus fora de toda categoria e objetividade racional. Isso leva a
139
Idem, pp. 134 e 135. 140
Ullmann, Reinholdo Aloysio. Op. cit., p. 213 e 214. 141
Areopagita, Pseudo-Dionsio. Op. cit., p. 98. 142
Idem, p. 98. 143
Idem, p. 99.
23
Ccero Bezerra pensar que a Teologia Mstica se posiciona, dentro do Corpus areopagyticum,
no nvel superior e requer uma iniciao que transcende todos os esforos expressos nos
demais tratados144
. Bezerra encontra motivos nas primeiras linhas da Teologia Mstica onde
v um tom inaugural que demonstra a profundidade que contm este tratado145
:
Trindade supra-essencial, supradivina e suprabondosa, guardi da sabedoria divina
dos cristos, conduza-nos ao supradesconhecido, supraclaro e altssimo cume das
Escrituras msticas, ali onde os simples, livres e imutveis mistrios da teologia
esto escondidos sob a bruma supraluminosa do silncio inicitico oculto, no mais
obscuro supra-resplandecem o mais supraclaro e, no totalmente intangvel e
invisvel, suprapreenchem de esplendores suprabelos as inteligncias sem olhos.146
As primeiras obras trazem uma fundamentao cataftica e a ltima apoftica. Bezerra
identifica nessa ordem estabelecida por Dionsio um motivo147
.
No por casualidade que a Teologia Mstica o nico texto dionisiano que comea
com uma prece e exaltao a um constante exerccio. Com isso queremos ressaltar
que os Nomes Divinos, as Hierarquias Celeste e Eclesistica, alm das obras citadas
por Dionsio com os Esboos teolgicos e a Teologia simblica, so obras que
ousaramos classificar de didticas ou introdutrias aos mistrios que se revelam,
de maneira radical, na Teologia mstica. Este fato explicaria porque este tratado o
mais curto e o mais denso de todos os escritos dionisiano148
Os escritos dionisianos no apontam para uma aporia, mas assim para uma superao, seja ela
proveniente de uma escalada ou uma supertranscendncia. Ela aponta para uma etapa do
conhecimento onde h uma superabundncia causando um no conhecimento resultante de
uma cesso total do pensamento149
. Logo, o pensamento do cristo um pensamento que ousa
renunciar a objetividade de seu fundamento ao abarcar o vazio como nica possibilidade de
uma verdade experincia sobre o divino150
. Portanto, a teologia mstica leva a um no-saber a
respeito do divino e por tal Bezerra sugere como ignorncia151
, mas no em sentido primrio
que significa falta de conhecimento, pois para chegar a tal concluso necessrio toda uma
fundamentao inicitica que acarretar em informao ou conhecimento porque s depois
do conhecimento pleno da insuficincia do homem acerca do divino tem-se ignorncia por
excesso de conhecimento. Isto derivvel da ideia de silncio152
comum a tradio de Plotino
144
Idem, p. 100. 145
Idem, p. 100. 146
Areopagita, Pseudo-Dionsio. Op. cit., p. 149. 147
Idem, p. 100. 148
Idem, p. 100. 149
Idem, p. 100. 150
Idem, p. 100. 151
Idem, p. 98. 152
Idem, p. 100.
24
que o cristo entender que o silncio nesse caso se converte em palavra unificadora que
est acima de todo som153
. Ento desse no-conhecimento que gera um conhecimento que
neste caso unifica toda a causa Dionsio Areopagita dar as bases para Nicolau de Cusa
edificar a sua douta ignorncia.
4 O CONCEITO DE DOUTA IGNORNCIA
Dionsio, o Areopagita, possui um influxo autodeclarado em Nicolau de Cusa. O
filsofo do sculo XV faz do antigo o objeto das mais elogiosas referncias por sua parte154
ficando claro o qu liga ambos livre de levantar-se dependncia do alemo ao bizantino ou se
o primeiro comporta-se como uma espcie de discpulo que melhor entendeu o ltimo, pois
tais levantamentos necessitariam de um estudo que dessem apoio a tais declaraes e at
abertura de um espao para uma pesquisa avanada que provasse o qu de fato os liga. Em
seu mais famoso livro, A Douta Ignorncia, ttulo tambm homnimo a doutrina que porta, as
menes diretas aos tratados e os elogios pessoa de Dionsio so correntes. Do punho de
Nicolau de Cusa esto gravados na literatura frases como ut aim Dionysius155
, traduzido por
Reinholdo Ullmann, conforme diz Dionsio156
, ou os elogios magni157
, maximus158
, ou
divinorum scrutator159
, respectivamente, grande, grandssimo e grande estudioso das coisas
divinas, da mesma forma, Nicolau grafa na literatura o estrato de Dionsio e de vrios outros
que partilham a posio de serem os nossos doutores mais sbios e agraciados por Deus160
.
Provar pelo punho e posteriormente pelo trabalho filosfico o vnculo entre ambos ligar esse
hrcules do Papa a tradio que tem como ltimo expoente Plotino161
aquele que
estabeleceu um fluxo em Proclo e no Areopagita e desta forma transmitiu toda aquela carga
no s ao tal hrcules, mas a toda Idade Mdia. importante frisar-la por ser efetiva at na
153
Idem, p. 100. 154
Andr, Joo Maria. Sentido, Simbolismo e Interpretao no discurso filosfico de Nicolau de Cusa. Braga:
Fundao Calouste Gulbenkian, 1997, p. 749. 155
Cusa, Nicolau de. Op. cit., L. 1, C. XXIV, n 78. 156
Idem. Trad. cit., Reinholdo Aloysio Ullmann, p. 94. 157
Idem. L 1, C. XVII, n 48. 158
Idem. L 1, C. XVIII, n 54. 159
Idem. L 1, C. XVI, n 43. 160
Idem, Trad. cit., Reinholdo Aloysio Ullmann, p. 62. 161
Idem, p. 26.
25
construo do maior monumento filosfico cusano, a doutrina da douta ignorncia.
Reinholdo162
aponta a bvia conexo do tema da douta ignorncia com o tpos da
impredicabilidade do primeiro princpio, que se encontra antes de Plotino, mas recebe na
Enada sua formulao mais completa, destinada a tornar-se cannica em todos os
neoplatnicos163
. Joo indica que Nicolau se aproximar s motivaes apofticas dionisianas
ao apontar a doutrina para uma conscientizao dos limites humanos justificada pela
impotncia do homem face prossecuo da verdade164
, assim a douta ignorncia fica a par
da teologia negativa. O pesquisador no identifica somente na doutrina uma proximidade
cusana-dionisiana, mas identifica tambm nas pginas de A Douta Ignorncia o primeiro
passo de uma hermenutica dos nomes divinos profundamente influenciada pela obra do
Dionsio que s terminar na ltima obra de Nicolau de Cusa, De Apice Theoriae165
.
A obra e a doutrina posicionam o Filsofo num alto patamar da histria do
conhecimento, porm, a douta ignorncia, aqui nem a doutrina e nem a obra, mas a juno de
dois termos semanticamente que aparentam conflito de entendimento no de inteira
novidade na tradio filosfica. possvel voltar ao passado e encontr-la em Agostinho166,
Dionsio Areopagita167 e Boaventura168. Mesmo sendo indelvel a participao deles no
processo de formao no final ser de exclusividade e originalidade a edificao feita por
Nicolau de Cusa. Pois, mais do que um livro que apresenta essas coisas at agora inauditas169
,
no prprio chavo de Nicolau170
, tambm um livro que comporta uma srie de saber que
com o tempo se tornar emblemtico como resposta tanto aos dogmatismos quanto aos
ceticismos que frequentemente ameaam a aventura humana do saber171
. Tudo comea a
tomar forma no terceiro captulo do primeiro livro quando Nicolau d por evidente a doutrina
de Aristteles a respeito da desproporcionalidade entre o finito e infinito172
. Ele, ento, ao
mesmo tempo desembrulha a doutrina da douta ignorncia enquanto resposta ao problema da
desproporcionalidade. Portanto, a douta ignorncia por ser a resposta a incomensurabilidade
162
Ullmann, Reinholdo Aloysio. Op. cit., p. 68. 163
Idem, p. 67. 164
Andr, Joo Maria. Op. cit. 749 165
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Trad. cit., Joo Maria Andr. p. XXI. 166
Santo Agostinho. Epistola ad Probam 130, c. 15 28 Est ergo in nobis quaedam, ut dicam, docta ignorantia,
sed docta spiritu dei, que adiuvatinfirmitatem mostram. 167
Dionsio Areopagita. De Mysthica Theologia c. 1, 1 . . 168
Boaventura de Bagnoregio .binger, Docta Ignorantia S. 8. spiritus noster non solum efficit uragilis ad
ascensum verum etiam quadam ignorantia docta supra se ipsum rapitur in caliginem et excessum. 169
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Trad. cit. Reinholdo Aloysio Ullmann, p. 151. 170
Idem, p. 151. 171
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Trad. cit., Joo Maria Andr, p. XXI. 172
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Trad. cit., Reinholdo Aloysio Ullmann, p. 46.
26
do infinito173
no a faz ser motivada por tal problema. Nicolau empunha a doutrina perante
dois desafios que motivam as especulaes cusana o problema do sentido da criao174
e o
sentido do discurso filosfico175
. O primeiro desafio enfrentado pela doutrina coloca-a, pelo
menos de uma forma primitiva, a reflexo da douta ignorncia num plano teolgico-
metafsico e gnoseo-lgico. E nas palavras do estudioso
se aquele coloca a reflexo primordialmente num plano teolgico-metafsico, este
insere-a num quadro predominantemente mtodo-lgico e gnoseo-lgico, cujas
coordenadas adquirem um significado relevo no confronto com a filosofia
escolstica no seu delineamento aristotlico-tomista. (...) tanto num caso como no
outro, o que se interroga o sentido do discurso: no primeiro caso, o sentido do
discurso divino, que transparece numa concepo da criao como posio de
sentido a partir do logos; no segundo caso, o sentido do discurso humano, assumido
como captao e re-produo do sentido dos sinais em que se manifesta a
plenitude original e originante. Especial significado para a articulao entre uma
face deste problema assume o pressuposto que o gera precisamente na sua qualidade
de pressuposto: a infinitude do princpio fundamente do princpio fundante, em que,
afinal, radica a respectiva inatingibilidade176
.
A citao originada da proposta de Joo Maria Andr a fim de apresentar a doutrina cusana
visando-a ser uma filosofia da interpretao177
que tambm funciona para articular o discurso
divino e o discurso humano. O mesmo trecho explica o contexto de surgimento destes
discursos, e, consoante a citao, o primeiro transparece numa concepo da criao como
posio de sentido a partir do logos, o segundo, aparece quando se assume o discurso humano
como captao e reproduo dos sentidos dos sinais em que se manifesta a plenitude original
e originante. Apesar de qu em ambos os casos marcante a lio paulina vale lembrar que
ela entra de forma direta e indiretamente, nesse caso por meio da obra dionisiana, no autor e
ser assumida em sua obra principal ao escrever que o criador pode ser visto de maneira
cognoscvel atravs das criaturas, como num espelho e enigma178
, a respeito disso, Joo
afirma que de to importante a afirmao no trabalho cusano chegar a marcar na questo
existencial do autor179
. Fora a fora paulina e considerando a douta ignorncia uma
interpretao dos sentidos que venham do discurso humano e divino ela primeiramente,
conforme apresentao do autor e como muitos comentadores escrevem uma conscientizao
173
Andr, Joo Maria. Op. cit., p. 739. 174
Idem, p. 739. 175
Idem, p. 739. 176
Idem, p. 739. 177
Idem, p. 737. 178
Cusa, Nicolau de. A Douta Ignorncia. Trad. cit., Reinholdo Aloysio Ullmann, p. 62. 179
Andr, Joo Maria. Op. cit., p. 737.
27
do homem perante seus limites resultante da desproporo e nas palavras de Giovanni Reale e
Dario Antiseri180
essa a causa do nosso no saber em relao ao infinito: precisamente o fato dele
no ter proporo alguma em relao s coisas finitas. A conscincia dessa
desproporo estrutural entre a mente humana (finita) e o infinito, ao qual porm ela
tende e pelo qual anseia, e a busca que se mantm rigorosamente no mbito dessa
conscincia crtica constituem a douta ignorncia181
.
Logo, o no-saber cusano provm da impossibilidade de relao entre os dois camposem
outras palavras o finito no sabe do infinito, mas pode saber algo do finito e conforme a boa
explicao de Reinholdo Ullmann a doutrina
significa que o homem sabe que no sabe de tudo, ou seja, a frmula do Cusano,
aproxima-se da sentena socrtica: Somente sei que nada sei. A douta ignorncia
resultante do conhecimento das limitaes do entendimento humano. No
ignorncia de conhecimento182
.
4.1. A ignorncia socrtica
Se o no-saber aproxima os dois filsofos ser o caminho percorrido para chegar a tal
ponto que os separa. O no-saber de Scrates algo aproximado daquilo que Plato definiria
como sendo um filsofo, isto , algum que nada sabe, porm consciente de seu no-
saber183
. Contudo, no quer dizer oposio ao saber-fazer dos sbios antigos. Para melhor
entender o proposto por Scrates com o seu no-saber pode-se tomar como exemplo os
dilogos platnicos onde o ateniense dissimula uma ignorncia longe de ser uma atitude
artificial. O comportamento no melhor dos sentidos um humor184
. Em outras palavras a
famosa ironia de Scrates uma espcie de humor que recusa levar a srio porque
precisamente, tudo o que humano, e mesmo tempo tudo que filosfico, coisa bem pouco
assegurada, de que no pode ter muito orgulho185
. Curiosamente Pierre Hadot apresenta que o
no-saber de Scrates recusa a concepo tradicional de saber ao pretender saber uma nica
coisa, que nada sabe186
. Por tal motivo o ateniense no transmite um saber e de fato interroga.
A ignorncia de Scrates no tem nada a dizer, nada a ensinar de contedo terico de saber.
Porm, esta nova proposta de saber do heleno entra em rota de coliso com duas categorias de