A Definição de Mercados Relevantes no Direito Europeu e Português
da Concorrência: Teoria e Prática
A Definição de Mercados Relevantes no Direito Europeu e Português
da Concorrência: Teoria e Prática
Miguel Sousa Ferro Professor Auxiliar Convidado Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa
2014
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES NO DIREITO EUROPEU E PORTUGUÊS
DA CONCORRÊNCIA: TEORIA E PRÁTICA autor Miguel Sousa Ferro editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A. Rua Fernandes Tomás, nºs 76-80 3000-167
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ALMEDINA, S.A. impressão e acabamento
Outubro, 2014 depósito legal
Apesar do cuidado e rigor colocados na elaboração da presente obra,
devem os diplomas legais dela constantes ser sempre objecto de
confirmação com as publicações oficiais. Toda a reprodução desta
obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem prévia
autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento
judicial contra o infractor.
____________________________________________________ biblioteca
nacional de portugal – catalogação na publicação
FERRO, Miguel Sousa
A definição de mercados relevantes no direito europeu e português
da concorrência : teoria e prática. – (Teses de doutoramento) ISBN
978-972-40-5833-7
CDU 34(4-67UE)
NOTA PRÉVIA
Esta obra corresponde a uma versão atualizada e revista da
dissertação de doutoramento apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, em julho de 2013.
A dissertação foi discutida e aprovada com distinção e louvor, por
unanimidade, a 2 de junho de 2014. A prova foi apreciada por um
júri presidido pelo Prof. Doutor Pedro Pais de Vasconcelos e
integrava a Prof. Doutora Maria Manuel Leitão Marques (Arguente), o
Prof. Doutor Nuno Piçarra, o Prof. Doutor António Goucha Soares, o
Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira, o Prof. Doutor Fernando Araújo e
o Prof. Dou- tor Luís Morais (Arguente). Integrava ainda o júri o
Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, que não pôde participar nas
provas por motivos de agenda. A todos renovo os meus
agradecimentos, deixando uma palavra de especial reconhecimento e
ami- zade ao Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira.
9
RESUMO
Esta obra visa identificar os conceitos e o método jurídico de
definição de mer- cados relevantes no direito da concorrência. Na
ausência de fontes diretas do direito, recorremos aos métodos de
interpretação do direito e a processos de inferência lógica,
baseados na análise da jurisprudência, em paralelo com a aná- lise
da prática e de documentos administrativos.
Para o efeito, procedemos a um estudo global e tendencialmente
exaustivo da jurisprudência e a um estudo por amostragem da prática
decisória administrativa europeia e nacional. Analisámos mais de
800 acórdãos da jurisdição europeia, 80 acórdãos e sentenças da
jurisdição nacional, 200 decisões da Comissão Euro- peia e 170
decisões das autoridades administrativas nacionais, além de algumas
decisões judiciais e administrativas de outras jurisdições.
Existe um único método de definição de mercados, idêntico para
todas as áreas e contextos de aplicação do direito da concorrência.
Este método inspira- -se na ciência económica, mas tem uma natureza
jurídica autónoma.
É necessário um método objetivo, predefinido e previsível de
definição de mercados para justificar e legitimar o direito da
concorrência, tanto em abstrato como na sua aplicação em casos
concretos. Visa-se identificar, de modo aproxi- mado e sistemático,
as pressões efetivas e imediatas à concorrência na oferta de
determinado produto/serviço.
Concluímos que existe, neste domínio, uma profunda insegurança
jurídica ao nível concetual e metodológico. Os conceitos dados como
assentes na jurispru- dência não correspondem, de facto, aos
conceitos que resultam da leitura global da jurisprudência e também
não correspondem ao nosso ideal, sobretudo pela não adoção do teste
SSNIP ao nível concetual.
10
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
O papel da definição de mercados tem sido, simultaneamente,
sobrestimado e subestimado. Vimos ainda que existem várias
interpretações recorrentes incor- retas deste método, no que
respeita a questões específicas, e que a realidade prá- tica da
definição de mercados dista muito da teoria.
Palavras-chave Concorrência; “Antitrust”; definição de mercados;
mercado relevante
11
ABSTRACT
This work aims at identifying the legal concepts and method for
market defini- tion under competition law. In the absence of the
direct legal sources, we resort to legal interpretation methods and
to processes of logical inference, based on the analysis of the
case-law, in parallel with the analysis of administrative prac-
tice and documents.
For this purpose, we carried out a global and tentatively
exhaustive study of the case-law and a study by sample of
administrative decision-making prac- tice, at the European and
national level. We analysed over 800 EU judgments, 80 national
judgments, 200 European Commission decisions and 170 decisions of
the Portuguese administrative authorities, as well as some judicial
and admi- nistrative decisions from other legal orders.
There is one single method for market definition, identical for all
areas and contexts of competition law enforcement. This method is
inspired in economic science, but it has an autonomous legal
nature.
An objective, predefined and predictable market definition method
is requi- red so as to justify and legitimize competition law, both
abstractly and in its enforcement in specific cases. The goal is to
identify, approximately and syste- matically, the effective and
immediate competitive pressures to which the offer of a certain
product/service is subject.
We concluded that there is, in this field, profound legal
uncertainty, both in what concerns concepts and methodology. The
concepts considered to be set- tled in the case-law do not
correspond, in fact, to the concepts that are arrived at through a
global interpretation of the case-law, and they also do not corres-
pond to our ideal, especially due to the failure to adopt the SSNIP
test at the conceptual level.
12
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
The role of market definition has been, simultaneously,
overestimated and underestimated. We have also seen that there are
several incorrect interpreta- tions of this method, in what
concerns specific issues, and that the practical rea- lity of
market definition is very distant from its theory.
Keywords Competition; Antitrust; market definition; relevant
market
13
I. Introdução 19
II. A História da definição de mercados no direito da concorrência
31
III. A definição de mercados no direito da concorrência:
enquadramento geral 247
IV. O método de definição de mercados 353
V. A prova e o controlo da definição de mercados 571
VI. As novas tendências económicas: adeus à definição de mercados?
637
VII. Conclusão 653
AG Advogado(a)-Geral ANC Autoridade Nacional de Concorrência ANC
alemã Bundeskartellamt ANC australiana Australian Competition &
Consumer Commission ANC britânica Office of Fair Trading ANC
búlgara Commission on the Protection of Competition ANC canadiana
Competition Bureau (precedido pelo Bureau of Competition
Policy) ANC checa Úad pro ochranu hospodáské soute ANC espanhola
Comisión Nacional de la Competencia ANC francesa Autorité de la
Concurrence (precedida pelo Conseil de la Concur-Autorité de la
Concurrence (precedida pelo Conseil de la Concur-
rence) ANC húngara Gazdasági Versenyhivatal ANC irlandesa
Competition Authority (An tÚdarás Iomaíochta) ANC italiana Autorità
Garante della Concorrenza e del Mercato ANC lituana Konkurencijos
Tarybos ANC neozelandesa Commerce Commission ANC polaca Urzqd
Ochrony Konkurencij i Konsumentów ANC romena Consiliul Concurenei
ARN Autoridade Reguladora Nacional ASAE Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica CAT Competition Commission Appeal Tribunal
(Reino Unido) CC Conselho da Concorrência CCivil Código Civil CCP
Código dos Contratos Públicos CECA Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço CLA “Critical Loss Analysis” CMVM Comissão de Mercado de
Valores Mobiliários CPA Código do Procedimento Administrativo
16
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
CPC Código de Processo Civil CPP Código de Processo Penal CRP
Constituição da República Portuguesa CSC Código das Sociedades
Comerciais CVM Código dos Valores Mobiliários DGCC Direção-Geral do
Comércio e Concorrência DoJ Department of Justice (Estados Unidos
da América) EEE Espaço Económico Europeu EFTA Associação Europeia
de Livre Comércio (“European Free Trade
Association”) E.g. Exempli gratia EM Estado-membro (da União
Europeia) Estatutos da AdC Estatutos da Autoridade da Concorrência
Estatuto do TJ Protocolo (nº 3) relativo ao Estatuto do TJ EUA
Estados Unidos da América FERM “Full Equilibrium Relevant Market”
FTC Federal Trade Commission (Estados Unidos da América) HORECA
Hotelaria, Restauração e “Catering” ICN International Competition
Network I&D Investigação e Desenvolvimento I.e. Id est LdC [ver
Lei da Concorrência] Lei da Concorrência Lei nº 19/2012, de 8 de
maio LOFTJ Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais n.r. Nota de rodapé OCDE Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico OFT Office of Fair Trading (ANC
britânica) RAA Região Autónoma dos Açores RAM Região Autónoma da
Madeira RGCO Regime Geral das Contraordenações (Ilícito de mera
ordenação
social) Ss. Seguintes SSNIP “Small but Significant and Non
transitory Increase in Price” STA Supremo Tribunal Administrativo
STJ Supremo Tribunal de Justiça TC Tribunal Constitucional TCE
Tratado que institui a Comunidade Europeia TCECA Tratado que
institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço TCEE Tratado que
institui a Comunidade Económica Europeia TCL Tribunal do Comércio
de Lisboa TCRS Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TG Tribunal
Geral da União Europeia (anteriormente designado
Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias)
ABREVIATURAS
17
TJ Tribunal de Justiça da União Europeia (sentido estrito) TJL
Tribunal Judicial de Lisboa TJP Tribunal Judicial do Porto TRC
Tribunal da Relação de Coimbra TRE Tribunal da Relação de Évora TRG
Tribunal da Relação de Guimarães TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto Tribunal Tribunal de Justiça da
União Europeia (sentido amplo, incluindo
TJ e TG) UE União Europeia UPP “Upward Pricing Pressure”
19
I. Introdução
Na última década, sobretudo desde a criação da Autoridade da
Concorrên- cia, assistimos em Portugal a uma notável explosão do
número e profundidade dos estudos sobre direito da
concorrência.
Por “direito da concorrência”, entendemos, em termos gerais, o
conjunto de normas que regula a atividade económica das empresas
nos mercados, proibindo e sancionando práticas coletivas e
unilaterais prejudiciais para o bem-estar social (acordos, práticas
concertadas e decisões de associações de empresa, abusos de posição
dominante e abusos de dependência económica), bem como a própria
alteração da estrutura concorrencial que, previsivelmente, conduza
ao mesmo resultado (controlo de concentrações), e ainda
determinados tipos de interven- ções do Estado distorcivas da
concorrência (auxílios de Estado)1.
Cada ordenamento jurídico tem o seu próprio direito da
concorrência. No entanto, na União Europeia, verifica-se uma quase
completa harmonização das
1 Nas palavras de Paz Ferreira, o direito da concorrência é “uma
parte do sistema legal, tendente à fixação de normas aplicáveis ao
exercício da atividade económica através de regras relativas ao
estabelecimento das empresas, à comercialização dos seus produtos,
às relações concorrenciais e à proteção do consumidor. Trata-se de
um conjunto de leis que tem em vista a proteção do mercado contra
restrições à concorrência quer imputáveis a comportamentos isolados
dos sujeitos económicos, quer a comportamentos coligados de grupos
de empresas, independentemente da sua forma jurídica, quer ainda ao
exercício abusivo de posições de domínio por parte de uma empresa
ou empresas preponderantes no mercado e, bem assim, o controlo das
operações de concentração” – Paz Ferreira, 2001:474. Noutra
formulação, que também omite o controlo dos auxílios de Estado
(elemento específico do direito da concorrência da União Europeia):
“por legislação de defesa da concorência entende-se o conjunto de
leis que tem em vista a proteção do mercado contra restrições à
concorrência imputáveis, quer a comportamentos isolados dos
sujeitos económicos, quer a comportamentos coligados de grupos de
empresas, independentemente da sua forma jurídica, quer ainda ao
exercício abusivo de posição de domínio por parte de uma empresa ou
empresas preponderantes no mercado e, bem assim, o controlo das
operações de concentração” – Santos, Gonçalves & Leitão
Marques, 2008:319. Ver ainda a breve súmula do direito europeu da
concorrência em: Pitta e Cunha, 2006:139-143.
20
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
normas de concorrência dos diferentes Estados-membros com o direito
da con- corrência instituído ao abrigo dos Tratados fundadores.
Assim, sem prejuízo de algumas especificidades, é possível discutir
de modo conjunto e indiferenciado, designadamente, o direito
português e o direito europeu da concorrência.
Em Portugal, o direito da concorrência encontra-se reunido, em
primeira linha, na Lei nº 19/2012, de 8 de maio (Lei da
Concorrência)2. No ordenamento jurídico da União Europeia, o
direito da concorrência decorre, primordialmente, dos artigos 101º
a 109º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, bem como
de diversos regulamentos de implementação.
De entre as infindáveis questões controversas suscitadas por este
ramo do direito, há uma, de singular importância3, cuja análise
tem, até ao presente, vindo a ser negligenciada pela doutrina
jurídica nacional: a definição do mercado em causa (ou mercado
relevante).
De acordo com o Tribunal Geral da União Europeia, “a definição
adequada do mercado em causa é condição necessária e prévia a
qualquer julgamento que incida sobre um comportamento pretensamente
anticoncorrencial”4. Será mesmo verdade que toda e qualquer
aplicação do direito da concorrência exige uma prévia delimitação
do mercado em causa? Até que ponto a definição de mercados é
necessária à pró- pria fundamentação jus-política do direito da
concorrência?
Por “definição de mercados”, entendemos, em jeito introdutório, a
delimitação de uma área de confronto entre as empresas, no jogo da
concorrência, em termos materiais (produtos e serviços),
geográficos e temporais. Esta área traduz, pelo menos até certo
ponto, as pressões concorrenciais a que as empresas estão sujei-
tas e que são suscetíveis de limitar o seu comportamento nos
mercados. Com- preender as fronteiras do mercado torna-se,
portanto, essencial para saber, por exemplo: (i) se uma empresa tem
uma posição dominante que lhe confira uma especial responsabilidade
e limites quantos aos comportamentos que pode ado- tar; (ii) se um
acordo entre empresas abrange uma parte suficientemente ampla do
mercado para poder ter nele um impacto restritivo significativo;
(iii) se uma fusão entre empresas vai diminuir substancialmente a
concorrência no mercado; etc. Em quantas outras situações se revela
necessário delimitar o mercado rele- vante, para aplicar o direito
da concorrência, e com que propósito?
Procurar compreender a definição de mercados relevantes no direito
da con- corrência é, à partida, condenar-se a um exercício de
expectável esquizofrenia
2 Não incluímos, portanto, no âmbito do direito da concorrência, o
regime das práticas individuais restritivas do comércio, previsto
atualmente no Decreto-Lei nº 166/2013, de 27 de dezembro. 3 Como se
realça em Moura e Silva, 2008:583: “a definição do mercado
relevante (...) é a fase que tende a suscitar maior controvérsia
entre as autoridades de defesa da concorrência e as empresas objeto
de investigação”. 4 Acórdão do TG de 1992/03/10, Società Italiana
Vetro et al c. Comissão (T-68/89 etc.), C.J. (1992) II-1403,
§159.
INTRODUÇÃO
21
intelectual. Só é possível chegar a bom porto se estivermos
firmemente ancora- dos nos objetivos últimos que nos propomos.
Isto, porque é um tema incrivel- mente amplo, que vive em tensão
interna, quase que em permanente contradição consigo mesmo.
Desde logo, a definição de mercados é um ponto de encontro de
diversos ramos do conhecimento, todos os quais trazem para a mesa
perspetivas e obje- tivos diferentes que não são sempre
conciliáveis.
Um gestor tenderá a partir da realidade do negócio, observada no
dia a dia, e a esperar que o exercício de delimitação de mercados
conduza a um resultado que corresponda, no essencial, às fronteiras
dentro das quais considera que a sua empresa se degladia com
outras. Se o objetivo é perceber os limites que se impõem ao
comportamento das empresas no mercado, fará sentido que estes limi-
tes, eminentemente subjetivos, correspondam à perceção daqueles que
tomam as decisões estratégicas. E, no entanto, verifica-se, com
notável frequência, que os gestores se vejam surpreendidos pela
delimitação de um mercado, ao abrigo do direito da concorrência,
que não corresponde à sua perceção e aos pressupos- tos com que
sempre atuaram.
Um economista tende a olhar para a delimitação de mercados como um
mal necessário, um instrumento imperfeito para se chegar a um fim
que, idealmente, se alcançaria através de métodos diretos da
aferição do poder de mercado. Para ele, o que importa é que o
método de definição de mercados conduza a um resul- tado tão
próximo da realidade quanto possível. Sucede, porém, que essa
realidade não é alcançável de modo objetivo; ela é mensurável
apenas através de modelos económicos, o que significa que, afinal,
muitas vezes, o que o economista pro- cura é um método de definição
de mercados que conduza a resultados, tanto quanto possível,
próximos da realidade tal como prevista pela teoria
económica.
Um jurista procura na definição de mercados o meio (por vezes)
indispensável para enquadrar a aplicação das normas de
concorrência. Vê-se confrontado com normas cujo significado e
consequências não consegue descodificar sem recor- rer a esse
conceito, à partida externo ao direito, que é o de “mercado”.
Debate- -se com duas principais preocupações: certeza e justiça.
Por um lado, precisa de um método objetivo, certo e pré-determinado
de identificar o que seja um mer- cado num caso concreto, sob pena
de ser impossível alcançar o nível indispen- sável de segurança
jurídica. Por outro lado, precisa que esse método conduza a
resultados que sejam realistas e justos, sob pena de se proibirem e
sancionarem comportamentos com base em pressupostos errados,
impondo um ónus injusti- ficado e desproporcional aos sujeitos do
direito. E procura encontrar um ponto de equilíbrio entre estas
duas exigências, com a preocupação acrescida de con- siderar que a
imprevisibilidade de uma norma pode, por si só, ser geradora de
profunda injustiça.
22
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
O jurista espera do economista que o ajude a encontrar a melhor
solução prag- mática para o seu problema. O economista espera do
jurista que o ouça sobre quais as reais fronteiras do mercado. E o
gestor espera que o jurista e o economista reconheçam que ele é que
conhece a realidade do mercado e o deixem trabalhar.
Esta é uma tese de direito. Não podemos ignorar as perspetivas dos
outros ramos do conhecimento cujos ensinamentos são cruciais à
compreensão desta temática, e a ciência económica, em especial,
merecerá, repetidamente, a nossa atenção ao longo das páginas
subsequentes (com as limitações que decorrem dos nossos parcos
conhecimentos nesse domínio)5. Ao mesmo tempo, as ques- tões que
nos colocamos são questões jurídicas. Assim, sem fecharmos os olhos
aos problemas e expetativas dos economistas e dos gestores,
ocupar-nos-emos, acima de tudo, da interpretação do direito vigente
e da discussão de soluções otimizadoras do enquadramento normativo
da concorrência.
Mas os problemas não acabam na interdisciplinaridade. Como alguns
con- fessam, em sussurro, os economistas não sabem,
verdadeiramente, o que seja um mercado. Em teoria, é fácil
defini-lo. Mas identificar os contornos precisos de um mercado
específico é um exercício raramente apetecível para os econo-
mistas industriais, ou sequer um exercício que lhes seja natural: a
identificação de um mercado relevante é uma preocupação própria do
direito da concorrên- cia, não da economia6. Inevitavelmente, há
opções arbitrárias – ou, no mínimo, altamente discricionárias – que
têm de ser tomadas e que nos levam ao domínio dos pressupostos
falíveis e das simplificações.
5 É ponto assente que se tem verificado uma crescente integração de
conceitos e ensinamentos da ciência económica no direito da
concorrência europeu e português, ainda que em grau variável
consoante as áreas e as questões suscitadas neste ramo do direito.
Neste sentido, cfr., e.g.: Morais, 2010:66-68, em que se afirma,
inter alia: “we have witnessed a fundamental change in the legal
methodology of EU competition law. It is a change leading to an
increasing importance of economics in competition law analysis and
decisions. That gradual and inconsistent incorporation of economic
analysis and criteria in the process of interpretation and
enforcement of EU competition law has been rather loosely referred
to as the development of an effects based analysis. In short, it
cor- responds to an analytical process which intrinsically combines
legal methodology parameters with economic criteria or factors,
while placing a major emphasis on assessment of market power of
undertakings”. Ver ainda: Martinho, 2010:259-261. No entanto, como
já se observava em Glassman, 1980:1155, se é verdade que “[t]he
definition of the relevant product and geographic market in
antitrust litigation requires the marriage of the economic and
legal disciplines”, é também certo que “[t]he marriage is, at best,
a troubled one, and divorce seems always imminent”. 6 A este
respeito, afirmou, recentemente, Fisher: “What, then, does economic
analysis have to say about market definition? In one sense, the
answer is «Nothing at all». The question of what is «the» relevant
market never arises in economics outside of antitrust. Moreover,
(…) it is not a question that has a precise, well-defined answer”
(Fisher, 2008:132). Em Kate & Niels, 2009:298, afirma-se: “it
is hard to find a satisfactory description or definition [de
mercado relevante] in textbooks on microeconomics or industrial
organization, if the concept is mentioned at all in such readings”.
E Kaplow conclui: “In the field of industrial organization
economics, which devotes substantial attention to matters of market
power and competition policy more generally, the concept of market
redefinition [para além de um mercado de produto homogéneo] does
not really exist” (Kaplow, 2010:458).
INTRODUÇÃO
23
Os juristas também não sabem o que seja um mercado7. Tipicamente,
um advogado que queira aconselhar um cliente sobre a aplicação
expectável de nor- mas de concorrência, recorrerá aos precedentes
de definição de mercados das autoridades – administrativas e
judiciais – que lhe sejam mais próximas ou rele- vantes. E só se o
resultado não for conveniente à posição pretendida é que recor-
rerá à teoria da definição de mercados para procurar defender uma
solução de delimitação diversa. Ao adotar esta abordagem, porém, o
jurista sabe que se move em areias movediças, pois nada lhe garante
que as anteriores definições de mer- cado se repitam no seu
caso.
Estes dois lados confrontam-se num campo de batalha que vai
ganhando formas distintas ao longo das décadas, mas que nunca
desaparece, enquanto as empresas procuram rumar a sua atividade
económica até à calmia, por entre a tempestade de incerteza.
Hoje, é axiomático no direito da concorrência, na União Europeia,
que há inú- meros contextos em que este só pode ser aplicado depois
de definido o mercado relevante. Chega-se mesmo a dizer que é
sempre preciso definir o mercado rele- vante. Mas nem sempre assim
foi. O que prova que não é forçoso que assim seja.
Desde que se começaram a definir os mercados em causa, em casos de
con- corrência, que os economistas expressaram o seu
descontentamento com análises estruturais do mercado que,
frequentemente, não conferem uma visão realista das verdadeiras
restrições concorrenciais ao comportamento das empresas. Serão
merecidas estas críticas?
E se é verdade que o tema é antigo, a sua importância ainda não
parou de aumentar. Com efeito, de grosso modo, a uma primeira fase
de aplicação do direito da concorrência em termos extremamente
simplificados, sem defini- ção de mercados, seguiu-se uma fase de
procura de um método de definição de mercados que conferisse
segurança jurídica e justiça no modo como o direito era aplicado.
Foi-se aperfeiçoando a teoria cada vez mais, e esse processo ainda
hoje está longe de terminar8.
Ao mesmo tempo, não se pode dizer que a prática tenha seguido a
evolução da teoria. Os passos de gigante dos teóricos deixaram a
milhas as preocupações e possibilidades pragmáticas daqueles que
aplicam o direito, sobretudo fora das
7 Como se observou em Ordover & Wall, 1989:20: “Can market
definition be more than educated guesswork? There are times when
that seems doubtful. There is a widespread perception that the
«fact» of a market with certain specific countours is not like
other facts capable of definitive proof. For example, though it may
be just as difficult to prove the existence of a conspiracy as it
is to prove the market, at least lawyers embark upon the former
task confident that there is a «real» answer – there either was a
conspiracy or there wasn’t. Market definition is different. The
«inherent fuzziness» that the Supreme Court spoke about twenty-five
years ago is real, and it can make lawyering very difficult”. 8
Como se observa em Morais, 2006:801: “não foi ainda consolidada uma
metodologia analítica consistente de delimitação de mercados
relevantes”.
24
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
agências especializadas. Até ao ponto em que hoje se tem de
ponderar como rea- lidades eventualmente distintas a teoria
doutrinária económica, a teoria admi- nistrativa e a teoria
jurídica de definição de mercados, reconhecendo ainda ser possível
que nenhuma delas corresponda, efetivamente, na esmagadora maioria
dos casos, à prática jurídica.
Outro problema, que não podemos ignorar, é o facto de a elevada
comple- xificação da teoria de definição de mercados, nas suas
múltiplas dimensões, ter levado a que, na prática, o direito da
concorrência para os “ricos” não seja o mesmo que para os “pobres”
– para uma grande empresa, pode justificar-se o financiamento de
estudos económicos, necessários a determinadas abordagens do
problema da definição de mercados, que são absolutamente
impossíveis na esmagadora maioria dos casos9.
Como se este cenário polimorficamente dissonante não bastasse, os
últimos cinco anos viram decretar-se uma nova guerra aberta dos
economistas à defi- nição de mercados. Alguns dos maiores nomes do
pensamento económico do direito antitrust norte-americano
propuseram, e as autoridades administrativas americanas aceitaram
até certo ponto, que não é necessário definir os mercados
relevantes para se aplicarem as normas de concorrência em áreas nas
quais, até recentemente, essa operação era tida como
indiscutivelmente indispensável. O tom das discussões do outro lado
do Atlântico já chegou ao ponto de artigos que abertamente
questionam se não é melhor dispensar de todo a definição de
mercados. Estas novas teorias já começaram, em parte, a atravessar
o Atlântico, e vieram lançar âncora, nomeadamente, num draft de
orientações da Autoridade da Concorrência, submetido a consulta
pública10.
Estaremos a assistir a um ponto de viragem? Apesar das orientações
de âmbito geral produzidas por autoridades admi-
nistrativas, e de várias exposições sumárias deste tema na
doutrina, subsistem profundas dúvidas, entre os aplicadores do
direito da concorrência, sobre qual o método de definição de
mercados retido no direito da concorrência. Muitas das delimitações
criticáveis a que se chega acontecem, justamente, por não se terem
bem presentes todos os passos e todas as questões que devem ser
coloca- das quando se discutem as fronteiras do mercado. Será
possível fornecer uma visão mais clara, mais sistematizada, do
método de definição de mercados? Será que se pode, sequer, dizer
que existe um único método?
9 Neste sentido: Idot, 2011:142. 10 E também na doutrina nacional
estas vozes começam a fazer eco. Em Oliveira Pais, 2011:377-378,
após a identificação de algumas das lacunas do teste SSNIP,
pergunta-se: “Sendo delimitado um mercado relevante que não
corresponde à realidade, não será preferível prescindirmos do teste
SSNIP? Ou mesmo do conceito de mercado relevante? Não será melhor
as autoridades de concorrência analisarem diretamente os efeitos
das condutas empresariais no mercado?”.
INTRODUÇÃO
25
Isto dito, há que realçar que o propósito deste trabalho não é o de
fornecer uma breve súmula das principais questões a ter em conta ao
definir mercados. Para isso, existem inúmeras comunicações de
autoridades de concorrência – que são um ponto de partida ótimo e,
porventura, mesmo incontornável –, bem como inúmeros contributos
doutrinários que se inspiram, largamente, naque- las
comunicações.
Para que pudesse, eventualmente, resultar deste trabalho um
contributo cien- tífico inovador e útil, havia que o orientar para
questões que ainda não estivessem suficientemente exploradas. Ora,
cedo nos apercebemos que qualquer tentativa de exposição
simplificada e breve do método de definição de mercados se via
inviabilizada pela necessidade de parar, a cada passo, para
discutir as questões jurídicas e económicas mais prementes.
Admitimos, por isso, à partida, que a presente tese não será a
fonte ideal para uma introdução à problemática da definição de
mercados no direito da concor- rência. Demasiado amiúde, a
discussão de um ponto específico exige conheci- mentos básicos a
que só posteriormente se chega, na ordem lógica de exposição.
Não obstante, encontramos algum conforto na ideia de que um texto
desta natureza não tem como público-alvo os não iniciados.
Dificilmente um intérprete do direito da concorrência que queira
compreender o método de definição de mercados começará o seu
percurso por abrir uma tese de doutoramento sobre o tema. Assim
sendo, se aos iniciados nos dirigimos, tornar-se-ão menos sérias,
esperamos, as lacunas que inevitavelmente surgirão na exposição de
questões específicas, por se referirem ou terem por adquiridas
questões que só posterior- mente serão tratadas.
Uma grande parte da investigação na base da presente tese centra-se
na juris- prudência dos tribunais europeus e dos Estados-membros
europeus (e mesmo de outros Estados). Este acentuado peso da
componente jurisprudencial não será, certamente, surpreendente,
neste ramo do direito. É sobejamente reconhecido que, no direito da
economia, só a análise da interpretação judicial permite uma visão
atualizada e completa das normas vigentes11. Se tal é verdade para
o direito da economia, no seu todo, ainda mais o é no que respeita,
especificamente, ao direito da concorrência, no qual uma enorme
parte do conteúdo normativo pro- vém de fontes jurisprudenciais
interpretadoras de um regime expresso em ter- mos frequentemente
sucintos e repleto de conceitos indeterminados.
Esta afirmação merece que paremos, por um momento, para esclarecer,
sucin- tamente, uma importante caraterística do método seguido na
presente tese. Este
11 Paz Ferreira, 2001:53: “Num domínio com a novidade e mobilidade
do direito da economia, reveste-se, de facto, da maior importância
a apreciação da forma como os tribunais interpretam as normas de
direito económico, que é válida quer para as decisões dos tribunais
administrativos, quer dos tribunais cíveis, crescentemente
chamados”.
26
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
trabalho tem por objetivo central analisar as exigências e o método
de defini- ção de mercados vigentes no direito da concorrência
europeu e nacional. Para o fazer, há que interpretar as fontes
relevantes do direito.
Sucede, porém, que as fontes diretas do direito têm muito pouco a
dizer, expressamente, sobre a definição de mercados. Nos princípios
gerais do direito poderemos, eventualmente, encontrar algum apoio,
mas não nos permitem res- ponder a questões concretas sobre o
método de definição de mercados. Por via de regra, há demasiada
incerteza para se identificarem costumes de valor norma- tivo. Ao
nível dos Tratados fundadores da União Europeia e da legislação
nacio- nal (stricto sensu) encontramos apenas referências vagas à
necessidade de definir os mercados relevantes nalguns contextos,
muitas delas apenas implícitas.
É verdade que, em ambos os ordenamentos, encontramos princípios
sobre a delimitação de mercados em atos normativos hierarquicamente
inferiores. Mesmo que limitadas a áreas específicas do direito da
concorrência (maxime regu- lamentos de controlo de concentrações e
de isenção categorial), pode-se recor- rer a estas fontes
normativas, através da analogia, para a integração das lacunas das
fontes primárias. No entanto, a sua subordinação hierárquica exige
a maior cautela. Não se pode presumir que o método de definição de
mercados exposto nestes atos subordinados seja, forçosamente, o que
deva ser aplicado na inter- pretação dos Tratados e das leis
nacionais, sob pena de se atribuir à administra- ção (Comissão
Europeia ou Autoridade da Concorrência), autora destes atos, o
poder de interpretação autêntica da vontade do legislador.
Restam-nos as fontes indiretas (ou as fontes do conhecimento do
direito): a jurisprudência e a doutrina.
Quanto à doutrina, devemos distinguir entre a económica e a
jurídica. A grande maioria das fontes doutrinais sobre definição de
mercados em direito
da concorrência são fontes de doutrina económica. Ora, a doutrina
económica não é sequer uma fonte do conhecimento do direito12. Além
disso, é fundamen- tal que se esclareça à partida: o direito da
concorrência não remete para a ciência económica, cabendo a esta
determinar o que seja um mercado relevante. Antes, o direito da
concorrência inspira-se e baseia-se na ciência económica para
definir critérios normativos de definição de mercados relevantes13.
A doutrina económica
12 Cfr., e.g.: Teixeira de Sousa, 2012:133-134. 13 Neste sentido,
cfr., e.g., Brunt (“One might refer to competition law as a “blend”
of law and economics or as having «mixed economic-legal content».
But while suggestive, such a characterization is, to a degree,
misleading. It is more apt to say that economic concepts are
“absorbed” or “assimilated” by the law. For it is plain that the
law must be the dominant partner” – OCDE, 1996:47-48) e Potocki
(“competition law is different, not only because it applies law to
economics but because it grafts economic concepts onto law. (…) It
issues prohibitions with reference to economic concepts; for
example, it prohibits abuse of dominant position. This prohibition
cannot be understood and applied only in its economic sense.
Economic concepts thus become legal rules. The transmutation is
essentially a political choice, a political act. (…) [A]s economic
concepts have become an integral part of the rule of law, a
purely
INTRODUÇÃO
27
pode discordar das opções vertidas nesses critérios normativos
(assim como pode discordar da lei), mas não os pode alterar, por
mera força das suas críticas (por mais acertadas que sejam). É
errado, pois, que se procure identificar na doutrina económica –
como tantas vezes se faz – o método “correto” de delimitar merca-
dos para efeitos da aplicação do direito da concorrência14. O que
se há-de encon- trar nesta doutrina, isso sim, são argumentos e
instrumentos vários que devem ser ponderados pelos intérpretes do
direito, na medida em que se adequem e que a sua utilização seja
permitida pelo método de definição de mercados ado- tado no direito
da concorrência. Além disso, encontram-se nessa doutrina, em última
linha, contributos para repensar os critérios normativos vigentes
(numa lógica de jure condendo). Dito de outro modo, os economistas
tendem a discutir a política de concorrência, e não o direito da
concorrência.
Quanto à doutrina jurídica, além de ser escassa a que se debruça em
profun- didade sobre este tema (a grande maioria das abordagens são
superficiais e não especializadas, feitas no contexto e de modo
acessório à análise de outras maté- rias), ela padece, de modo
geral, de vários vícios que lhe retiram grande parte da sua
utilidade.
Primeiro, a doutrina jurídica dedica-se, frequentemente, a discutir
a perspe- tiva da ciência económica sobre a delimitação de
mercados, em vez de discutir o seu enquadramento jurídico.
Segundo, grande parte da doutrina discute critérios normativos de
delimita- ção de mercados de outros ordenamentos jurídicos –
maxime, dos Estados Uni- dos da América – como se eles fossem
aplicáveis nos ordenamentos europeu e nacional (em parte, devido ao
mesmo lapso de se pensar que se trata, aqui, de remeter, pura e
simplesmente, para critérios extrajurídicos, da ciência económica,
que seriam, portanto, homogéneos). Como veremos, há diferenças
significativas, neste plano, entre os ordenamentos.
economic logic no longer applies” – OCDE, 1996:54). Recordemos
ainda Bork: “Because the issues of goals and of economic means must
both be faced, antitrust is necessarily a hybrid policy science, a
cross between law and economics that produces a mode of reasoning
somewhat different from that of either discipline alone. (…) Though
its theory is not, and cannot be, nearly so highly developed as
that of economics, law does have requirements that are
distinctively its own” (Bork, 1993:8). Deve recusar-se,
liminarmente, portanto, a ideia, amplamente difundida entre alguns
economistas, de que o direito da concorrência é um “outpost of
economics” (como se nota em Baker & Bresnahan, 2006:1). 14 Nas
palavras de Vesterdorf, a propósito da peritagem económica no
contexto dos casos de concorrência: “As análises económicas
constituem, frequentemente, uma parte importante do material de
prova nos processos de concorrência e podem ter um grande valor
para a compreensão do contexto económico pelo Tribunal. (…) Mas – e
isso é que é importante – as peritagens económicas não podem
substituir a apreciação e a solução jurídicas. [A apreciação do
perito económico] (…) não constitui e não pode constituir uma
apreciação jurídica” – Conclusões do Juiz Vesterdorf, designado
como AG, de 1991/07/10, Rhône-Poulenc et al c. Comissão (T-1/89
etc.), C.J. (1991) II-867, Capítulo E(5).
28
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
Por último, e acima de tudo, grande parte da doutrina jurídica
incorre no erro de proceder como se o conteúdo do direito da
concorrência fosse definido pelo pensamento e pela prática das
autoridades administrativas (Comissão Europeia e Autoridade da
Concorrência)15. A esmagadora maioria das abordagens dou- trinárias
deste tema limita-se a citar orientações gerais destas autoridades
e a extrair princípios de delimitação de mercados da sua prática
decisória. Ora, não é a prática das autoridades administrativas que
determina o que seja o direito, ou melhor, que determina a
interpretação correta das normas adotadas pelo legis- lador e o
modo adequado de integrar as lacunas do ordenamento jurídico. A sua
análise tem imensa relevância, mas não pode reconduzir-se ao único
critério, ou sequer ao critério decisivo.
Resta-nos a jurisprudência. É nesta que se encontra, em nosso
entender, a fonte mais relevante para a determinação do
enquadramento normativo vigente para a delimitação de mercados no
âmbito da aplicação do direito da concorrên- cia, na medida em que
recorre às fontes do direito (stricto sensu) e à metodologia de
interpretação jurídica para chegar ao conteúdo preciso das normas e
integrar as suas lacunas16. O que justifica que lhe dediquemos
especial atenção.
Ao mesmo tempo, não pretendemos, naturalmente, afirmar que o
direito vigente seja, forçosamente, aquele que é declarado pelos
tribunais (até porque os tribunais frequentemente se contradizem).
Não abdicamos da missão de inter- pretarmos, nós próprios, o
conjunto de normas e princípios do ordenamento jurídico para
identificarmos as normas vigentes, podendo chegar a resultados que
não correspondem às conclusões das autoridades judiciais. Assim
como não excluímos a possibilidade de identificar um quadro
jurídico presente deficitário e de propor uma evolução
normativa.
Outra dificuldade com que nos confrontámos decorre da incrível
vastidão do tema. Como a definição de mercados é, pelo menos
potencialmente, relevante para a grande maioria dos casos em que se
aplica o direito da concorrência, o número de pronúncias de
tribunais e de autoridades administrativas relevantes para a
discussão do tema é, virtualmente, inesgotável. A definição de
mercados é uma das questões mais litigiosas do direito da
concorrência. A sua relevância horizontal leva alguns autores a
sugerir que se trata, mesmo, da questão mais
15 Já se verificava este vício de raciocínio antes da publicação da
Comunicação sobre Definição de Mercados – ver, e.g.: Briones
Alonso, 1994 (“The concept of market and its implementation can
therefore only be properly inferred from the Commission’s
jurisprudence”) 16 Cfr., e.g.: Teixeira de Sousa, 2012: 136: “o
direito «trabalhado» pela jurisprudência acaba por se sobrepor ao
direito definido pelo legislador. A jurisprudência não é fonte de
direito, mas isso não deve fazer esquecer o importante papel que
ela desempenha na vida jurídica. Qualquer decisão dos tribunais –
e, principalmente, dos tribunais superiores – constitui um modelo
para outras decisões sobre a mesma questão de direito”. O mesmo
autor cita Esser: “o juiz é livre e só está sujeito à lei – mas a
lei é o que ele próprio devidamente entende como tal”.
INTRODUÇÃO
29
frequentemente discutida entre as partes em casos de
concorrência17. Também a doutrina que se debruça sobre o tema
(mesmo que superficialmente) é demasiado extensa para se pretender
ter uma visão exaustiva. Fomos obrigados, portanto, a um exercício
de síntese que, inevitavelmente, deixou de fora vários temas que se
poderão mostrar relevantes em casos concretos, ou a tratar outros
de modo demasiado superficial. Esforçámo-nos por encontrar uma
posição de compro- misso, guiada pelos objetivos da presente
tese.
Assim, procurámos ser tão exaustivos quanto possível na análise da
jurispru- dência do Tribunal de Justiça da União Europeia e dos
tribunais portugueses que se debruçam sobre esta matéria. Referimos
jurisprudência (bem como prática decisória administrativa) de
outros ordenamentos apenas na medida em que esta se mostra
especialmente relevante para a discussão de alguma questão especí-
fica. Quanto à prática decisória da Comissão Europeia e da AdC, foi
necessário recorrer a um método de amostragem, tendo-se definido
critérios para garantir, tanto quanto possível, a
representatividade das decisões selecionadas (sobretudo no segundo
caso)18, complementadas com a discussão de outras decisões que se
mostrassem especialmente relevantes para temas específicos.
Como se sugere no título, uma das nossas preocupações centrais foi
a de confrontar a teoria da definição de mercados com a sua
realidade prática. É inú- til dispormos de um método teórico de
definição de mercados que se aproxime da perfeição, se este for
impossível de aplicar na prática, ou se for impossível de aplicar
na esmagadora maioria dos casos, ou até se os aplicadores do
direito o ignorarem pura e simplesmente. Não discordamos que o
direito possa ter uma realidade objetiva, decorrente da correta
aplicação das técnicas hermenêuticas. No entanto, também não
ignoramos que o direito só existe para regular a socie- dade, e que
pode ser tão ou mais relevante conhecer a realidade prática do
direito, como conhecer a sua realidade teórica. Cremos, aliás, que
o esforço de otimiza- ção do enquadramento normativo não pode
ignorar o objetivo crucial de apro- ximar, tanto quanto possível, a
realidade teórica da realidade prática, unindo a procura da
equidade em abstrato ao pragmatismo da descoberta da solução justa
no caso concreto. Esta é uma preocupação que nos guiou,
constantemente, ao longo da investigação19.
17 Cfr., e.g.: Kaplow, 2010:439. 18 A análise da jurisprudência e
prática administrativa subjacente à presente tese funda-se num
levantamento realizado até ao dia 4 de junho de 2014. 19 Como já se
terá tornado evidente, a presente tese foi redigida na nova
ortografia. Por simplicidade de revisão, e esperando que nos seja
perdoado o excesso de zelo revisionista, todo o texto foi
harmonizado de acordo com a nova ortografia, mesmo em citações de
textos anteriores à entrada em vigor do novo acordo.
31
II. A História da definição de mercados no direito da
concorrência
II.1. A origem transatlântica da definição de mercados O direito da
concorrência (“antitrust”) surgiu nos Estados Unidos da América com
a adoção do Sherman Act20 em 1890 (práticas coletivas e individuais
restri- tivas da concorrência) e do Clayton Act21 em 1914 (controlo
de concentrações). Mas, durante várias décadas, os tribunais
americanos não discutiam a definição, nem sequer referiam o
conceito de mercado relevante, na sua aplicação destas normas,
embora se possa considerar que a noção estava implícita em vários
casos relativos a práticas de monopolização22.
Uma exceção a este quadro geral foi a opinião de um juiz num caso
de 1916, que recusou que dois produtos pudessem ser incluídos no
mesmo mercado rele- vante se o preço de um deles era
significativamente inferior ao outro23.
Tirando aquela notável opinião, muito à frente do seu tempo, só no
final dos anos 40 o problema começou efetivamente a ser discutido
nos tribunais federais americanos, em termos significativos. Em
1948, no caso United States v. Colum- bia Steel Co., o Supremo
Tribunal americano usou, expressamente, o conceito de mercado
relevante e chamou a atenção para a dificuldade em definir regras
para identificar as áreas ou os produtos que estão em concorrência
entre si, não tendo adiantado qualquer princípio geral para este
efeito24.
Em reação à autorização da operação de concentração em causa neste
caso, que o Tribunal concluiu não violar o Sherman Act, o Congresso
americano aprovou, em 1950, o Celler-Kefauver Act, alargando o
âmbito do controlo de concentra-
20 EUA, Sherman Act, Ch. 647, 26 Stat. 209, codificado em 15 U.S.C.
§§1–7. 21 EUA, Clayton Act, Ch. 63-212, 38 Stat. 730, codificado em
15 U.S.C. §§12–27. 22 Neste sentido: Werden, 1992:128; Turner,
1956:286-297; Upshaw, 1965:428-441. 23 Opinião do Juiz Hand em EUA,
United States v. Corn Prods. Ref. Co., 234 F. 964, 975-76 (S.D.N.Y.
1916). 24 EUA, United States v. Columbia Steel Co., 334 U.S. 495,
508 (1948), p. 511.
32
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
ções e proibindo concentrações que reduzissem, substancialmente, a
concorrên- cia “em qualquer área de comércio em qualquer secção do
país”25. Esta expressão viria a ser considerada equivalente a
“mercado relevante”, tendo-se assim introduzido expressamente, pela
primeira vez, o conceito na legislação antitrust americana26.
Em 1953, no caso Times-Picayune Publishing Co. v. United States27,
o “Supreme Court” utilizou pela primeira vez o critério da
elasticidade cruzada para delimi- tar um mercado, sugerindo que a
delimitação do mercado se fizesse por referên- cia à
substituibilidade da perspetiva da procura, face a variações
razoáveis dos preços. Dois anos depois, um comité de estudo do
direito antitrust, criado pelo Procurador-Geral americano,
apresentou um estudo em que foi ainda mais fundo na análise dos
critérios que devem pautar a definição dos mercados
relevantes28.
No famoso caso Cellophane29, que deu o nome à falácia com o mesmo
nome (ver secção IV.1.3.4), em 1956, e sem prejuízo dos famosos
defeitos das conclusões desta decisão, o “Supreme Court”
aprofundou, significativamente, os princípios aplicáveis à
delimitação de mercados, referindo-se, nomeadamente, à elasticidade
cruzada da procura (a ser medida por meio de um teste de reação à
variação de preços) e à existência de produtos considerados
razoavelmente intersubstituíveis pela procura para a satisfação das
mesmas necessidades, devendo ponderar-se o preço, caraterísticas e
adaptabilidade desses produtos.
Seguiram-se vários outros acórdãos, que não foram tão longe em
termos de clareza quanto a princípios aplicáveis. Pelo menos numa
primeira fase, era fre- quente o controlo das delimitações de
mercados pelos tribunais serem alvo de acérrimas críticas pela
doutrina, por permitirem uma quase arbitrariedade na delimitação de
mercados pelas autoridades30.
Estando a nossa análise focada no ordenamento jurídico da União
Europeia e no ordenamento jurídico português, seria despicienda uma
descrição mais aprofundada da evolução da jurisprudência americana
sobre esta questão, tanto mais que esta descrição pode ser
consultada numa notável obra de Werden31.
O que importa sublinhar, nesta fase introdutória, é que, em 1973,
quando o Tribunal de Justiça adotou o seu primeiro acórdão sobre a
questão da definição de mercados no âmbito da aplicação do direito
da concorrência, não só já exis- tiam duas décadas de
jurisprudência nos EUA sobre esta questão, como também
25 EUA, Celler-Kefauver Act, Ch. 1184, 64 Stat. 1125 (nossa
tradução). 26 Neste sentido: Werden, 1992:129-130. 27 EUA,
Times-Picayune Publishing Co. v. United States, 345 U.S. 594, 612
n.31 (1953). 28 Cfr. Werden, 1992:134-135. 29 EUA, Cellophane, 351
U.S. 400 (1956). 30 Cfr., e.g., EUA, Du Pont-General Motors, 353
U.S. 650-51 (1957); EUA, United States v. Bethlehem Steel Corp.,
168 F.Supp. 576 (1958). 31 Werden, 1992:134 e ss.
A HISTÓRIA DA DEFINIÇÃO DE MERCADOS NO DIREITO DA
CONCORRÊNCIA
33
já fora aprovada uma primeira versão de Orientações do DoJ sobre
operações de concentração (“Merger Guidelines” de 1968) que
referiam a importância de defi- nir o mercado e forneciam algumas
(parcas) notas sobre como o fazer.
II.2. Súmula da História da definição de mercados no direito
europeu da Concorrência II.2.1. A idade da inocência: o direito
europeu da Concorrência antes da definição de mercados (1952-1973)
Depois de várias décadas de repetição das “mantras” da definição de
mercados, já nem ocorre à comunidade jurídica questionar a
necessidade desta tarefa como passo prévio à aplicação do direito
da concorrência32. A definição de mercados tornou-se uma componente
essencial, estruturante do pensamento jus-concor- rencialista, de
tal modo que parece ser hoje um absurdo sugerir-se a possibili-
dade da aplicação do direito da concorrência a um caso concreto sem
primeiro se definir o mercado relevante. Afinal de contas, como
podemos analisar o impacto de um comportamento num dado mercado,
sem primeiro clarificarmos qual o mercado em causa?
E, no entanto, não será inteiramente sem fundamento que um cético
possa ousar questionar a necessidade desta tarefa altamente
complexa e cuja teoria está frequentemente tão distante da
realidade da prática administrativa e judicial. Surgiram,
recentemente, por exemplo, teorias económicas que sustentam a pos-
sibilidade de análise do impacto concorrencial de certas operações
de concentra- ção com base em critérios que não requerem a
definição de mercados. E, acima de tudo, a evidência histórica,
para quem se arrisque a mergulhar nas páginas esquecidas da
pré-história do direito da concorrência, prova, indubitavelmente, a
possibilidade de aplicação do direito da concorrência na ausência
de qualquer quadro teórico ou de quaisquer passos metodológicos
determinados de delimita- ção dos mercados em causa. Desde logo,
como vimos, o direito “antitrust” existiu e foi aplicado nos EUA,
durante seis décadas, antes de se começar a discutir a deli-
mitação do mercado relevante. Na Europa, a evolução foi comparável,
com a nota acrescida do atraso temporal no desenvolvimento desta
matéria, face aos EUA.
Adotado em 18 de abril de 1951, e entrado em vigor em 23 de julho
de 1952, o Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço (adiante “TCECA”), i.e. o primeiro passo formal da
integração europeia, introduziu um regime de concorrência para o
setor do carvão e do aço. Desde o início, portanto, essencialmente
devido a influências norte-americanas e ao pensamento
ordolibe-
32 Num exercício de revisionismo histórico, chega-se a sugerir,
atualmente, que a definição de mercados sempre fez parte do direito
europeu da concorrência – cfr., e.g., Comissão Europeia, 2012:2:
“The necessity of defining markets has been part of the competition
policy of the EU from its inception”.
34
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
ralista da escola alemã, se decidiu que qualquer esforço de
integração económica deveria ser acompanhado de normas que
protegessem o livre funcionamento da concorrência nos
mercados.
Este regime não tardou em ser aplicado, tendo continuado a ser
aplicado pela Comissão Europeia mesmo após o termo do prazo de
validade do Tratado (23 de julho de 2002), a factos anteriores
àquele termo, ao abrigo das normas de suces- são das leis no tempo
e do princípio da continuidade das estruturas jurídicas33.
O artigo 65º do TCECA previa um regime substantivo relativo a
acordos, prá- ticas concertadas e decisões de associações de
empresa essencialmente idêntico ao que ainda hoje se encontra no
artigo 101º do TFUE. O mesmo se diga a res- peito do artigo 66º(7),
do TCECA, e da sua relação com o artigo 102º do TFUE, relativos à
proibição do abuso de posição dominante. Não existia, assim, qual-
quer diferença significativa nos regimes substantivos que
justificasse uma dife- rença na abordagem do Tribunal à questão da
definição de mercados ao abrigo do TCECA ou ao abrigo do posterior
TCEE (atual TFUE) (sem prejuízo de algumas diferenças com
relevância prática, mas irrelevantes para a questão em
análise34).
Até ao primeiro acórdão do TJ que discutiu o conceito de mercado
relevante e a sua aplicação a um caso concreto – o caso Continental
Can, em fevereiro de 1973 – o TJ já aplicara, por diversas vezes, o
direito da concorrência do TCECA aos setores do carvão e do aço,
sem que alguma vez tivesse discutido ou sequer suscitado o problema
da delimitação dos mercados35. E se tal se pode reconduzir, em
parte, a uma falta de oportunidades, não deixa de se identificar
uma funda- mental diferença de opção metodológica.
É verdade que os mercados em causa nos factos subjacentes a estes
primei- ros acórdãos variavam pouco, sempre contidos no âmbito
relativamente restrito dos setores do carvão e do aço, reduzindo as
possibilidades de variação das deli-
33 Cfr., e.g., Acórdão do TJ de 2011/03/29, ThyssenKrupp Nirosta
GmbH c. Comissão (C-352/09 P), C.J. (2011) I-2359. Ver ainda: Sousa
Ferro, 2008. 34 Cfr., e.g.: Whish, 2000:853-854; Roth, 2001:chapter
17; Kapteyn & Van Themaat, 1998:1207-1217. 35 Acórdão do TJ de
1955/03/21, Holanda c. Alta Autoridade CECA (6/54), C.J. (1955)
201; Acórdão do TJ de 1956/11/26, Fédération Charbonnière de
Belgique c. Alta Autoridade CECA (8/55), C.J. (1956) 291; Acór- dão
do TJ de 1957/03/20, Ruhr “Geitling” c. Alta Autoridade CECA
(2/56), C.J. (1957) 9; Acórdão do TJ de 1958/06/21,
Wirtschaftsvereinigung Eisen- und Stahlindustrie et al c. Alta
Autoridade CECA (13/57), C.J. (1958) 263; Acórdão do TJ de
1958/06/26, Syndicat de la sidérurgie du Centre-Midi c. Alta
Autoridade CECA (12/57), C.J. (1958) 473; Acórdão do TJ de
1959/02/04, Friedrich Stork c. Alta Autoridade CECA (1/58), C.J.
(1/58) 43; Acórdão do TJ de 1959/03/20, J. Nold KG c. Alta
Autoridade CECA (18/57), C.J. (1959) 89; Acórdão do TJ de
1960/07/15, Comptoirs de vente du charbon de la Ruhr et al c. Alta
Autoridade CECA (36/59 e etc.), C.J. (1960) 857; Acórdão do TJ de
1962/05/18, Comptoirs de vente du charbon de la Ruhr et al c. Alta
Autoridade CECA (II) (13/60), C.J. (1962) 165; Acórdão do TJ de
1962/07/12, Louis Worms c. Alta Autoridade CECA (18/60), C.J.
(1962) 377; Acórdão do TJ de 1964/03/19, Sorema c. Alta Autoridade
CECA (67/63), C.J. (1964) 293; Acórdão do TJ de 1964/07/15, Holanda
c. Alta Autoridade CECA (66/63), C.J. (1964) 1047; e Acórdão do TJ
de 1965/06/02, Sorema c. Alta Autoridade CECA (II) (36/64), C.J.
(1965) 425.
A HISTÓRIA DA DEFINIÇÃO DE MERCADOS NO DIREITO DA
CONCORRÊNCIA
35
mitações. Também é verdade que as extensas competências da Alta
Autoridade CECA, nomeadamente de fixação de preços, alteravam,
significativamente, o tipo de problemas concorrenciais que podiam
surgir perante o Tribunal.
Ainda assim, é indiscutível que o Tribunal se viu confrontado com
mercados cuja delimitação podia – e, de acordo com a teoria hoje
dominante, porventura, deveria – ter discutido. Porquê a referência
a um mercado de “sucata de ferro”36 e, noutro caso, de “sucata” em
geral37? Porquê a hesitação em torno da identifica- ção de um
mercado autónomo para o carvão do Ruhr38? A prova de que os casos
ao abrigo do TCECA também eram suscetíveis de levar a discussões da
defini- ção de mercados é que estas discussões chegaram,
efetivamente, ao Tribunal, na fase final de vigência daquele
Tratado39.
Neste primeiro período da aplicação do direito da concorrência
europeu, de 1952 a 1973, os mercados não deixavam de ser
“definidos”, em certo sentido. Sim- plesmente, esta definição
parecia ser feita com uma abordagem baseada, mais ou menos, no
senso comum e, acima de tudo, nunca se discutiu a necessidade de
uma justificação expressa de uma delimitação do mercado.
Não obstante, não deixou o Tribunal de ensaiar maneiras de discutir
estas delimitações, sobretudo em termos geográficos, referindo
argumentos tais como as proveniências das vendas numa determinada
região, diferenças de preços de
36 Cfr. Acórdão do TJ de 1958/06/26, Syndicat de la sidérurgie du
Centre-Midi c. Alta Autoridade CECA (12/57), C.J. (1958) 473. 37
Cfr., e.g., Acórdão do TJ de 1958/06/21, Wirtschaftsvereinigung
Eisen- und Stahlindustrie et al c. Alta Autoridade CECA (13/57),
C.J. (1958) 263; e Decisão da Comissão de 1970/01/21, Mercado
alemão da sucata (70/118/CECA). 38 Cfr., e.g., Acórdão do TJ de
1956/11/29, Fédération Charbonnière de Belgique c. Alta Autoridade
CECA (8/55), C.J. (1956) 291; e Acórdão do TJ de 1957/03/20, Ruhr
“Geitling” c. Alta Autoridade CECA (2/56), C.J. (1957) 9; e Acórdão
do TJ de 1962/05/18, Comptoirs de vente du charbon de la Ruhr et al
c. Alta Autoridade CECA (II) (13/60), C.J. (1962) 165. 39 Cfr.,
e.g., o Acórdão do TG de 1999/07/07, Wirtschaftsvereinigung Stahl
c. Comissão (T-106/96), C.J. (1999) II-2155, maxime §§136 e 148; e
o Acórdão do TG de 1999/07/07, British Steel c. Comissão (T-89/96),
C.J. (1999) II-2089, maxime §83 e ss. Com interesse geral para a
definição de mercados abrangidos pelo TCECA ou, mais amplamente, de
mercados abrangidos por uma listagem num Tratado ou num seu anexo,
a recorrente neste último caso invocou que a inclusão de um produto
numa lista deste género não pode ser considerada como uma definição
de mercado relevante para efeito da aplicação do direito da concor-
rência, a partir do momento em que a lista em causa não foi
realizada para esses efeitos (§60). In casu, o facto de o Anexo I
do TCECA falar genericamente em “vigas de aço” não quer dizer que
não se possam autonomizar submercados. O Tribunal não discutiu a
questão, mas pareceu aceitar, implicitamente, essa ideia, ao não
incluir a abordagem seguida no Anexo I como uma das razões da
concordância com a definição realizada pela Comissão Europeia. A
isto acresce que se adotariam, na fase final de vigência do TCECA,
com base em discussões com as empresas visadas, definições de
mercados mais restritas e diferentes das que haviam sido adotadas
neste período inicial. Quanto ao mercado do carvão, ver, e.g., o
Acórdão do TG de 2001/01/31, RJB Mining c. Comissão (T-156/98),
C.J. (2001) II-337.
36
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
uma região para outra, a existência de barreiras tarifárias, etc40.
Tais análises não surgiam, porém, como parte de um passo autónomo
de raciocínio, mas sim como instrumentais à determinação de uma
questão substantiva (e.g. a medida do impacto de uma determinada
conduta no mercado) e constituíam uma exce- ção, além de não se
estenderem à questão do mercado de produto.
Não se pense, porém, que esta simplicidade de abordagem se limitava
ao Tri- bunal. No mesmo período, não se identificam, em geral, nas
decisões da Comissão Europeia que aplicam o direito da
concorrência, análises relevantes justificativas das delimitações
de mercado, mesmo em casos de definições porventura discu-
tíveis41, ou em casos de incerteza na própria definição adotada
pela Comissão42.
A mudança de paradigma na aplicação do direito da concorrência, com
recurso obrigatório à definição dos mercados relevantes, só ocorreu
no âmbito da aplica- ção do TCEE e, ainda assim, só ao fim de
alguns anos. O Tribunal aproveitou, na verdade, a primeira
oportunidade que surgiu para se debruçar sobre esta pro- blemática
no âmbito desse Tratado, no caso Continental Can43.
Os casos de direito da concorrência que lhe haviam sido
anteriormente sub- metidos no âmbito desse Tratado eram questões
prejudiciais em que esta pro- blemática não fora suscitada pelo
tribunal nacional44, ou recursos de anulação de Decisões da
Comissão Europeia em que a delimitação do mercado não fora ques-
tionada pela partes e não se apresentava como sendo, obviamente,
decisiva para a solução destes casos ao abrigo do (atual) artigo
101º do TFUE45. Não obstante,
40 Cfr. o Acórdão do TJ de 1962/05/18, Comptoirs de vente du
charbon de la Ruhr et al c. Alta Autoridade CECA (II) (13/60), C.J.
(1962) 165. 41 Cfr., e.g., a definição do “mercado dos aços
especiais” na Decisão da Comissão de 1968/07/09, Creusot- Loire
(68/960/CECA). 42 Cfr., e.g., as referências aparentemente
contraditórias a mercados nacionais e a um mercado comum do mesmo
produto, ou a referência genérica a um mercado de “sucata”, na
Decisão da Comissão de 1970/01/21, Mercado alemão da sucata
(70/118/CECA). 43 Acórdão do TJ de 1973/02/21, Continental Can c.
Comissão (6/72), C.J. (1973) 215. 44 Acórdão do TJ de 1962/04/06,
Gerechtshof ‘s-Gravenhage (13/61), C.J. (1962) 89; Acórdão do TJ de
1966/06/30, LTM (56/65), C.J. (1966) 337; Acórdão do TJ de
1967/12/12, Brasserie de Haecht (23/67), C.J. (1967) 525; Acórdão
do TJ de 1969/02/13; Walt Wilhelm (14/68), C.J. (1969) 1; Acórdão
do TJ de 1969/02/29, Parke, Davis and Co. (24/67), C.J. (1969) 81;
Acórdão do TJ de 1969/07/09, Völk (5/69), C.J. (1969) 295; Acórdão
do TJ de 1969/07/09, Portelange (10/69), C.J. (1969) 309; Acórdão
do TJ de 1970/03/18, Bilger Söhne (43/69), C.J. (1970) 127; Acórdão
do TJ de 1970/06/30, Parfums Marcel Rochas Vertriebs (1/70), C.J.
(1970) 515; Acórdão do TJ de 1971/02/18, Sirena (40/70), C.J.
(1971) 69; Acórdão do TJ de 1971/05/06, Cadillon (1/71), C.J.
(1971) 351; Acórdão do TJ de 1971/06/08, Deutsche Grammophon
(78/70), C.J. (1971) 487; Acórdão do TJ de 1973/02/06, Haecht II
(48/72), C.J. (1973) 77. Note-se que, não obstante o âmbito do
processo, tal como delimitado pelo tribunal nacional não incluir a
delimitação dos mercados relevantes, o conceito de “mercado
relevante” foi referido pelo TJ nalguns destes Acórdãos, e.g. em
Sirena e Deutsche Grammophon. Mais frequente era a utilização da
expressão “mercado dos produtos em questão”. 45 Acórdão do TJ de
1966/07/13, Consten & Grundig c. Comissão (56 & 58/64),
C.J. (1966) 429; Acórdão do TJ de 1967/03/15, Cimenteries CBR et al
c. Comissão (8 a 11/66), C.J. (1967) 93; Acórdão do TJ de
1970/07/15,
A HISTÓRIA DA DEFINIÇÃO DE MERCADOS NO DIREITO DA
CONCORRÊNCIA
37
nalguns destes casos, já tinham surgido questões para as quais a
delimitação do mercado poderia ter um impacto muito importante,
tais como o problema da per- centagem de um mercado abrangida por
um feixe de acordos46, a aplicação do critério de minimis47, a
consideração da quota de mercado para efeitos de cálculo da
coima48, a consideração da quota de mercado agregada para aferir do
poten- cial impacto nas trocas entre Estados-membros49 ou a análise
das caraterísticas do mercado em causa para identificação de
práticas concertadas50.
Note-se que não foi a Comissão Europeia que decidiu adotar um
método de definição de mercados. A obrigatoriedade de justificação
da delimitação dos mer- cados em causa e, consequentemente, a
necessidade de adoção de um método para proceder a essa
delimitação, não nasceu como uma iniciativa da Adminis- tração, mas
sim como uma imposição do Tribunal, em aplicação de princípios
gerais, é certo, mas, acima de tudo, em reação a argumentos de
privados que se
ACF Chemiefarma c. Comissão (41/69), C.J. (1970) 661; Acórdão do TJ
de 1970/07/15, Buchler & Co. c. Comis- são (44/69), C.J. (1970)
733; Acórdão do TJ de 1970/07/15, Boehringer Mannheim c. Comissão
(45/69), C.J. (1970) 769; Acórdão do TJ de 1971/07/14, Madeleine
Muller c. Comissão (10/71), C.J. (1971) 723; Acórdão do TJ de
1971/11/25, Béguelin Import c. Comissão (22/71), C.J. (1971) 949;
Acórdão do TJ de 1972/07/14, ICI c. Comissão (48/69), C.J. (1972)
619; Acórdão do TJ de 1972/07/14, Soda-Fabrik c. Commissão (46/69),
C.J. (1972) 713; Acórdão do TJ de 1972/07/14, Farbenfabriken Bayer
c. Comissão (51/69), C.J. (1972) 745; Acórdão do TJ de 1972/07/14,
Geigy c. Comissão (52/69), C.J. (1972) 787; Acórdão do TJ de
1972/07/14, Sandoz c. Comissão (53/69), C.J. (1972) 845; Acórdão do
TJ de 1972/07/14, Francolor c. Comissão (54/69), C.J. (1972) 851;
Acórdão do TJ de 1972/07/14, Cassella c. Comissão (55/69), C.J.
(1972) 887; Acórdão do TJ de 1972/07/14, Farbwerke Hoescht c.
Comissão (56/69), C.J. (1972) 927; Acórdão do TJ de 1972/07/14,
ACNA c. Comissão (57/69), C.J. (1972) 933; Acórdão do TJ de
1972/10/17, Cementhandelaren c. Comissão (8/72), C.J. (1972) 977;
Acórdão do TJ de 1972/12/14, Boehringer Mannheim c. Comissão
(7/72), C.J. (1972) 1281. Nos casos do cartel das matérias
corantes, já encontramos implícita alguma reflexão sobre o modo de
definição dos mercados relevantes. Além de referir,
superficialmente, o conceito, o TJ afirmou que o mercado
comunitário das “matérias corantes” era, “de facto, constituído por
cinco mercados nacionais sepa- rados, com diferentes níveis de
preços que não se podem explicar por diferenças de custos e
encargos que recaem sobre os produtores desses países” (cfr., e.g.,
Acórdão do TJ de 1972/07/14, Soda-Fabrik c. Commissão (46/69), C.J.
(1972) 713, §25, nossa tradução). Embora esta tomada de posição –
que seguiu a orientação da Comissão – não tenha sido,
explicitamente, justificada no Acórdão, foi instrumental na prova
da existência de uma prática concertada neste caso. Além disso,
estes casos também constituíram um exemplo de adoção de uma lógica
de definição do mercado atendendo apenas à perspetiva da oferta, e
ainda assim seguindo critérios nitidamente díspares dos que viriam
a ser definidos anos mais tarde (cfr., e.g., Acórdão do TJ de
1972/07/14, Francolor c. Comissão (54/69), C.J. (1972) 851, §§56 e
ss.). Encontra-se outro tipo de caso na área da concorrência que
também não suscitou qualquer questão relativa à definição dos
mercados no Acórdão do TJ de 1966/07/13, Itália c. Conselho e
Comissão (32/65), C.J. (1966) 563. 46 Cfr., e.g., o Acórdão do TJ
de 1967/12/12, Brasserie de Haecht (23/67), C.J. (1967) 525; e
Acórdão do TJ de 1971/11/25, Béguelin Import c. Comissão (22/71),
C.J. (1971) 949, §18. 47 Cfr., e.g., o Acórdão do TJ de 1971/05/06,
Cadillon (1/71), C.J. (1971) 351, §9. 48 Cfr., e.g., o Acórdão do
TJ de 1970/07/15, ACF Chemiefarma c. Comissão (41/69), C.J. (1970)
661, §11. 49 Cfr., e.g., o Acórdão do TJ de 1970/07/15, Buchler
& Co. c. Comissão (44/69), C.J. (1970) 733, §41. 50 Cfr., e.g.,
o Acórdão do TJ de 1972/07/14, ICI c. Comissão (48/69), C.J. (1972)
619, §68; e o Acórdão do TJ de 1972/07/14, Soda-Fabrik c. Commissão
(46/69), C.J. (1972) 713, §§22-23.
38
A DEFINIÇÃO DE MERCADOS RELEVANTES...
entendiam injustiçados pela definição de mercado adotada pela
Comissão, em casos concretos. Ou seja, a definição de mercados
relevantes surge no direito da concorrência europeia pela mão do
Tribunal, em defesa dos direitos dos parti- culares e, em última
linha, do próprio princípio do Estado de direito.
Posteriormente, a obrigatoriedade e o método de definição de
mercados desenvolvidos no âmbito do TCEE passaram também a ser
adotados ao abrigo do TCECA. Era a solução que se impunha, por
força do princípio da unicidade da ordem jurídica europeia e da
ausência de razões que justificassem diferentes interpretações dos
dois tratados, neste plano. Mas isto não aconteceu de
imediato.
De facto, até ao final da década de 90, continuou a verificar-se
uma com- pleta omissão de discussão da definição dos mercados nas
decisões da Comis- são e nos acórdãos do Tribunal adotados ao
abrigo das normas de concorrência do TCECA51. As caraterísticas
destes casos não levaram as empresas em causa a questionar a
delimitação dos mercados, sendo notório não estar estabelecido, na
prática decisória da Comissão, o imperativo de tal discussão na
ausência de motivos especiais52.
Desde o final dos anos 90, já se encontra, ainda que não de forma
sistemática, nas decisões de concorrência adotadas ao abrigo do
TCECA uma preocupação metodológica com a definição de mercados53.
No entanto, mesmo nas decisões que a incluem, a secção dedicada a
esta temática preocupa-se, essencialmente, com a descrição das
caraterísticas dos mercados em causa, mais do que com a
51 Decisão da Comissão de 1980/02/08, Produtos laminados no mercado
alemão (80/257/CECA); Decisão da Comissão de 1990/07/18, Produtos
planos de aço inoxidável laminado a frio (90/417/CECA); Decisão da
Comissão de 1992/12/22, Jahrhundertvertrag & VIK-GVSt (33.151 e
33.997); Decisão da Comissão de 1994/02/16, Produtores europeus de
vigas (94/215/CECA); Acórdão do TG de 1999/03/11, Thyssen Stahl c.
Comissão (T-141/94), C.J. (1999) II-347; Acórdão do TG de
1999/03/11, Preussag Stahl c. Comissão (T-148/94), C.J. (1999)
II-613; Acórdão do TG de 1999/03/11, British Steel c. Comissão
(T-151/94), C.J. (1999) II-629; Acórdão do TG de 1999/03/11,
Siderúrgica Aristrain Madrid c. Comissão (T-156/94), C.J. (1999)
II-645; Acórdão do TG de 1999/03/11, Ensidesa c. Comissão
(T-157/94), C.J. (1999) II-707. Não se incluíram neste elenco
decisões e Acórdãos sobre autorização de acordos ou de operações de
concentração. 52 No mesmo período, algumas decisões adotadas ao
abrigo do TCE noutros setores, já discutiam, autonomamemente e em
significativo detalhe, a definição de mercados [cfr., e.g., a
Decisão da Comissão de 1994/11/30, Cimento (33.126 e 33.322)]. 53
Decisão da Comissão de 1997/11/26, Wirtschaftsvereinigung Stahl
(36.069); Decisão da Comissão de 1998/01/21, Sobretaxa de liga
metálica (35.814); Acórdão do TG de 2001/04/05, Thyssen Stahl et al
c. Comissão (T-16/98), C.J. (2001) II-1217 (neste caso, as empresas
questionaram a delimitação dos mercados, mas o Tribunal anulou a
Decisão antes de precisar de se debruçar sobre esse argumento);
Acórdão do TG de 2001/12/13, Krupp Thyssen Stainless et al c.
Comissão (T-45/98 e T-47/98), C.J. (2001) II-3757; Acórdão do TG de
2001/12/13, Acerinox c. Comissão (T-48/98), C.J. (2001) II-3859;
Decisão da Comissão de 2002/12/17, Varões para betão (37.956);
Decisão da Comissão de 2006/12/20, Sobretaxa de liga metálica –
Readoção (39.234); Acórdão do TG de 2009/03/31, ArcelorMittal
Luxembourg et al c. Comissão (T-405/06), C.J. (2009) II-789;
Acórdão do TJ de 2011/03/29, ArcelorMittal Luxembourg et al c.
Comissão e Comissão c. ArcelorMittal Luxembourg et al (C-201/09 P e
C-216/09 P), C.J. (2011) I-2239.
A HISTÓRIA DA DEFINIÇÃO DE MERCADOS NO DIREITO DA
CONCORRÊNCIA
39
justificação da sua delimitação, e continuou a verificar-se uma
tendência para a parte mais significativa das discussões da def