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A DUPLA INTERPRETATIVIDADE DO DEVER-SElt * Luiz Fernando Coelho ** 1. o DEVER-SER NA "TEORIA GERAL DAS NORMAS" A "Teoria Geral das Normas"!, de Hans Kelsen, vem a ser uma epistemologia das ciências ditas normativas, definidas pelo próprio autor como sendo aquelas cujo objeto é constituído por normas, sentido que ele trata de cuidadosamente distinguir e pre- servar. Com esta obra, publicada postumamente, talvez preten- desse Kelsen participar da polêmica elTItorno dos limites e possi- bilidades da lógica deôntica, mas o resultado mais notável de seu trabalho foi a sistem9.tização de um modelo analítico para as ciências normativas, abrangendo a Ética e o Direito. Dentro desse desiderato, o qual igualmente se insere coeren- temente no contexto do purjsmo metodológico desenvolvido na "Teoria Pura do Direito", adentl'a Kelsen o problema ontológ~co do dever-ser como categoria original, abrangendo as modalidades deôntkas possíveis, de imposição, permissão, autorização e derro- gação2. Ora, observa o autor, o dever-ser é em si indefinível, tal como o ser, por tratar-se de uma categoria que condiciona o co- nhecin1ento dos objetos nonnativos, só se podendo ccncebê-Io em função dos termos que relaciol1a. A norma, cujo núcleo é o dever-ser, é o sentido de um ato de vontade, um querer dirigido à conduta de outrem, e seu especí- fico valor lógico é a validade, que identifica um processo dinâ- mico a envolver o estabelecimento de uma norma geral hipotéti- ca, a existência "in concreto" da condição determinada "in abstracto" por aquela e a fixação de uma norma individual cate.. górica cnrrespondente à norma geral; o que pressupõe o reconhe- .. Conferência proferida no Seminário Internacional sobre a "Teoria Geral das Normgs". de Hans Kp.Isen no Curso de Pós-Graduação em Direito da Univer- sidade Federal de Santa Catarina, novembro/87. .." Professor Titular do Departamento de Direito Privado do Setor de Ciências Jurídicas da UFPr. (1) KElSEN. Hans, Teoria Geral das Normas. Trad. de José Florentino Duarte. 1986. Porto AleÇJre: SérÇJio Antonio Fabris Ed. Obs. Todas as referências a seÇJuir reportar-se-ão à tradução brasileira. (2) págs. 3e 120. 31

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A DUPLA INTERPRETATIVIDADE DO DEVER-SElt *

Luiz Fernando Coelho **

1. o DEVER-SER NA "TEORIA GERAL DAS NORMAS"

A "Teoria Geral das Normas"!, de Hans Kelsen, vem a seruma epistemologia das ciências ditas normativas, definidas pelopróprio autor como sendo aquelas cujo objeto é constituído pornormas, sentido que ele trata de cuidadosamente distinguir e pre-servar. Com esta obra, publicada postumamente, talvez preten-desse Kelsen participar da polêmica elTItorno dos limites e possi-bilidades da lógica deôntica, mas o resultado mais notável de seutrabalho foi a sistem9.tização de um modelo analítico para asciências normativas, abrangendo a Ética e o Direito.

Dentro desse desiderato, o qual igualmente se insere coeren-temente no contexto do purjsmo metodológico desenvolvido na"Teoria Pura do Direito", adentl'a Kelsen o problema ontológ~codo dever-ser como categoria original, abrangendo as modalidadesdeôntkas possíveis, de imposição, permissão, autorização e derro-gação2. Ora, observa o autor, o dever-ser é em si indefinível, talcomo o ser, por tratar-se de uma categoria que condiciona o co-nhecin1ento dos objetos nonnativos, só se podendo ccncebê-Io emfunção dos termos que relaciol1a.

A norma, cujo núcleo é o dever-ser, é o sentido de um ato devontade, um querer dirigido à conduta de outrem, e seu especí-fico valor lógico é a validade, que identifica um processo dinâ-mico a envolver o estabelecimento de uma norma geral hipotéti-ca, a existência "in concreto" da condição determinada "inabstracto" por aquela e a fixação de uma norma individual cate..górica cnrrespondente à norma geral; o que pressupõe o reconhe-

.. Conferência proferida no Seminário Internacional sobre a "Teoria Geral dasNormgs". de Hans Kp.Isen no Curso de Pós-Graduação em Direito da Univer-sidade Federal de Santa Catarina, novembro/87.

.." Professor Titular do Departamento de Direito Privado do Setor de CiênciasJurídicas da UFPr.

(1) KElSEN. Hans, Teoria Geral das Normas. Trad. de José Florentino Duarte.1986. Porto AleÇJre: SérÇJio Antonio Fabris Ed. Obs. Todas as referênciasa seÇJuir reportar-se-ão à tradução brasileira.

(2) págs. 3 e 120.

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cimento da norma geral hipotética pelo indivíduo que estabelecea norma individual categóricas.

. Além de definir o estatuto ontológico do dever-ser, mantémo autor a tese da dupla interpretatividade do dever-ser, já propos-ta na "Teoria Pura do Direito". Enquanto norma, o dever-serconsiste no correJato de um querf:r dingido à conduta de outrem,enquanto proposição. é o enunciado sobre a validade de uma nor-ma. Ao exemplificar os dois sentidos, afirma o autor que os DezMandamentos são normas transmitidas por Moisés como estabe-lecidas por Deus; e que a ordem do senhor é transmitida ao criadopor alguém; em outro lugar, afirma Kelsen que as normas dochamado direito natural pr~~supõem uma vontade imanente,divina ou racional, metafísica ou simplesmente ficta, tal comotodos os imperativos que não possam ser reduzidos a uma relaçãode causalidade4.

Ora, tendo essa transmissão, isto é, o meio pelo qual o impe-rativo é comunicado aos destinatários, a mesma estrutura lin-güística e o mesmo sentido prescritivo do dever-ser originaria-mente estabelecido, este envolve dupla interpretatividade: comovontade de Deus, do senhor, do pai, da razão, de um ente imagi-nário, e como enunciado teórico sobre aquele sentido.

Essa dupla interpretatividade, como ato de vontade e ato decognição, tem certamente suas implicações, não somente no esta-tuto ontológico que Kelsen atribui ao dever-ser, como também emaspectos basilares de sua teoria, como sejanl, o da definição daJurisprudência como ciência normativa e o dos fundamentos daordem jurídica positiva.

2. O DEVER-SER COMO CATEGORIA ONTOGNOSEOLóGICA

Na Teoria Pura do Direito o dever-ser é proposto como supor-te modalmente indiferente, qt.-:.ese mantém em nível lógIco-formale epistemológico. Como tal, ele não tem propriamente uma di-mensão ontQlógica, mas funciona como categoria lógico-transcen-dental apta a coordenar os dados da experiência definida como"jurídica", justamente porque enformados por aquela categoria.Daí que o "sollen" é o modo próprio de conhecer-se juridicamenteos atos de conduta, traduzindo lingüisticamente o conceito deimputação, de igual modo como o "ser" traduz lingüistican1entea causalidade.

Com essa transcendentalização do "sollen", obteve Kelsen seudesiderato de elaborar uma teoria "pura", pois ela se mantélTItão somente no mundo abstrato, logicamente anterior aos dados

(3) Pág. 62.(4) Págs. 191/192.

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da experiência histórica que se propõe a unificar; com efeito, so-mente com a atribuição de sentido a um elemento de fato, o qualnâo se confunde e nem se identifica com o efeito causal, é possí-vel conceber-se um substrato que se mantém no mundo ideal,indiferente às modalidades que dele se possam extrair.

Na Teoria Pura do Direito o "sollen" é o substrato modal-mente indiferente que esgota o jurídico, isto é, único meio deacesso cognoscitivo ao objeto, e neste particular modo imputativode conhecer radica o núcleo da juridlcidade, passível de ser for-mulada lógica e lingüisticamente pela fórmula "Se A, deve ser B".

Na Teoria Geral das Normas o dever-ser assume o status decategoria ontognoseológica, precisamente em função de sua duplainterpretatividade, cOJno expressão de um querer, preSsup03to,ainda que fictício, e como expressão cognoscitiva desse querer,abrangendo esta segunda interpretação o nível comunicacíonaldo conhecimento dirigido à l~orma.

Poder-se-ia entâo asseverar que Kelsen se converte ao concre-tismo jurídico? Daria o autor razão a Reale, que entende a juri-dicidade como dialética implicação dos element03 objetivo3 defato, norma e valor, expressados pela norma? Ou a Cossio, comsua concepção de norma como o meio normativo de acesso cog-noscitivo ao ser jurídico, identificado na conduta em interferên-cia intersubjetiva?

Apesar de que a Teoria Geral das Normas recupera a concep-ção do "sollen" como modalidade indiferente: e'a não tem o alcan-ce que tais questionalnentos sugerem. O "jurídico", no Kelsen daTeoria Geral das Normas, continua sendo a norma abstrata, "pu-ra", funcionando con10 "a prlori" em relação a03 fatos da con-creção jurídica; trata-se de uma objetividade analítica, a compor-tar uma leitura no plano lógico e outra no plano ontológico; oresultado da primeira seria a expressão da norma como conheci-mento normativo; o ~'esuItado da segunda leitura, seria conduziro intérprete-leitor à vontade normativa, a qual constitui, estasim, o núcleo ontológico da juridicidade, mas não de uma juri-dicidade concreta à maneira do culturaJismo fenomenológico quea tradição do pensanlento lat1no~americano desenvolveu, mas deuma juridicidade entendida como sUbStrato lógico-material, espé-cie de "a priori" material husserliano, a condicfonar, não o co-nhecimento do objeto, mas o próprio objeto em sua manifestaçãohistórica. .

Enquanto categoria ontognoseológica, o jurídico da TeoriaGeral das Normas continua sendo ptessuposto e ao meSlno temposentido imputativo do "querer" que o produziu, por um lado, e,por outro, do saber que o transmitiu.

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3. DEVER-SER E CI:mNCIADO DIREITO

Ao tratar das proposições da. ciência do direito, asseveraKelsen que esta conlém enunciados descritivos sobre normas,ma5 que e.stas, cujo conjunto forma o sistema de direito positivo,englobam essas duas espécies de enunciados: aqueles que consti-tuem o correlato do querer, o qual se manifesta no processo legis-lativo ordinár~o, e aqueles que transnlitem esse sentido, atravésdas normas hierarquicamente inferiores 5; e assim, a rigor, emcada sistema as únicas normas autênticas seriam as fundamen-tais do Btstema, ou seja, as de hierarquia constitucional, já que asdemais ~eriam tão somente derivações analíticas das primeiras,cujos enunc:ados não seriam prescritivos, mas descritivos.

A ciência do d~reito teria então dois níveis de preocupações:o dever-ser instituinte, o que é coerente com o conceito amplo deconstituição que o autor desenvolve, e o dever-ser transmitente,manifesto nas normas regulamentares e individualizadas, inclu-sive as jurisdicionais e as negociais.

Toda norma válida poderia assim ser lida sob esse duploenfoque, ou como o sentido da vontade que a teria instituido,ainda que fictícia, ou como a descrição desse sentido, segundo oproces~o d.nâmico que identifka a validade.

A teoria jurídica contemporânea tem enfatizado ambos osaspect03, o normativo, na lógica jurídica proposicional, e o co-municac;onal, na análise lingüística. Quanto à lógica do direito,ao menos no sentido estrito definido por Tammelo e assimiladopor Kelsen6, a possibilidade de derivações analíticas a partir dalóg'-ca blvalente pressupõe aquele nível comunicacional, em queo d8ver-ser aparece como sentido de um ato de pensamento, enão de um ato de vontade, o que caracteriza o nível propriamentenClmativo do dever-ser. E quanto à análise lingüística, vale lem-lrar que Capella já demonstrara a existência de uma meta-lin-guagem incorporada à linguagem da lei, só que enunciada na101n13. de indicações, definições e recomendações7, portanto, em

.sent.do menos amplo que o traduzido pelo nível comunicacionalque loda e qualquer norma envolve.

Articulando pois os conceitos de linguagem e meta-linguagemcom 03 conceitos kelseniano.5 d€ norma e proposição, a partir dascons'derações acima pode-se concluir que toda norma válida épassível de dupla interpretati-ridade, como linguagem e meta-linguagem, ou seja, que todo E:qualquer enunciado de um siste-

(5) Páqs. 194 e seÇJs.(6) PáQ. 349.(7) CAPELA,Juan Ramón, EI Derecho como lenguaje. Barcelona. 1968.

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ma normativo comporta sua interpretação como norma e comoproposição, no sentido estabelecido por Kel~en.

O objeto da Jurisprudência COlnociência passaria assim a s{;'rconstituído não somente por nOllnas jurídicas, mas também porproposições jurídicas expressadas normativamente.

4. O DEVER-SER DA NORMA FUNDAMENTAL

A teoria da dupia interpretatividade do dever-ser repercutetambém no problema do fundamento de validade do sistema nor-mativo, onde Kelsen desenvolve e, de certa forma, pretende corri-gir as postulações formuladas na "Teoria Pura do DIreito".

Recordemos que, para preservar seu desiderato de construiruma teoria do direito isenta de elementos não normativos, situaraKelsen o problema do fundamento de validade nos quadro3 desua teoria da Grundnorn1.; esta, define-a o autor como uma cons-tituição primeira de natureza hipotética, atuando como pressu-posto lógico-transcendental do sistema do direito positivo, umdever-ser apriorístico sem conteúdo, cuja validade não seriaimplicada pela derivação de uma norma superior, mas que seriaválida por si mesma; uma validade pressuposta e hipotética queteria o condão de atuar como o fundamento último da validadede todo o sistema normativo, hierarquicamente escalonado.

Esse estatuto ontológico, que atribui à norma fundamental anatureza de uma hipótese lógico-transcendental, resguarda o prin-cipio epistemológico da pureza kelseniana, pelo qual a legitimi-dade do direito positivo estaria fundamentada nq próprio direitopositivo, sem a necessidade de apelar para as fundamentaçõesmeta-jurídicas de caráter n:e:;afisico, sociológico, ou ideOlógIco.

Na "Teoria Geral das NOrInas" reformula Kelsen e3se enten-dimento, atribuindo à nonna fundamental o status de uma fIcção,porque dimanada de uma vontade tambénl fictícIa. ConsideraKelsen que um ordenan1ento n10ral ou jurídico representa U111sistema de sobre-e-sob-normas, a partir da constituIção, funda-mentada pela pressuposta norma fundamental; ou seja, a normafundamental da primeira constituição histórica é aquela em quese baseia o ordenamento jurídico, porque o fundamento de vali-dade de uma norma só pode ser outra norma. Entretanto, a natu-reza ontológica de tal norma fundamental não radica no caráterhipotético que lhe fora atribuido na "Teoria Pura do Direito",mas no aspecto fictído da vontade que a teria produzido~.

(8) Pág. 328.

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o problema é aparentemente insolúvel, sob a ótica do forma-lismo kelseniano e parece implodir o princípio da pureza metodo-lógica, pois a reformulação proposta na "Teoria Geral das Nor-mas" introduz um elemento não normativo no sistema lógico emque o direito positivo se constitui, segundo essa ótica; é que aficção, embora seja um ente ilnaginário, não necessariamentehipostasiado, se pressupõe como real. O autor explica a ficçãonormativa como algo que é ou deve ser acompanhado pela cons-ciência, porque a ela não corresponde a realidade; sendo essaconsciência da normatividade essencial para a natureza ontoló-gica da norma fundamental, conclui-se que um elemento de fato,extra-normativo, passa a integrar necessarialnente a teoria dodireito positivo naquilo que lhe é imprescindível, o fundamentode validade do sistema jurídico; ainda mais, quando Kelsenrejeita a noção de uma nOrIna válida peln simples fato de haversido enunciada, pois a validade, que traduz a existência da nor-ma, decorre do fato de haver sido posta por uma vontade, aindaque fictícia.

Nesse novo entendimento, a norma fundalnental perde seucaráter de pressupostc lógico-transcendental e passa a ser histó-rica, não- no sentido de norn1a positiva confundida ou subenten-dida no sistema, mas no de uma historicidade também ficta, aatuar como categoria ontológico-real, Uln a priori lógico-materialdo sistema de normas válidas, que são normas concretas, no maisautêntico sentido fenomenológico. Com efeito, a possibilidade deuma tal leitura fenomenológica é mais um elemento a evidenciaro abandono do formalismo, .reforçado pela rejeição declarada deKelsen à sua anterior teoria da hipótese normativa, quando atri-bui esta a um acidente em seu trabalho teóricQo9.E além disso, ateoria da ficção vem a ser uma resposta bastante feliz aos pro-blemas suscitados pelo nível de abstração em que a Jurisprudên-cia fora projetada na "Teoria Pura do Direito".

Sem querer ser mais kelseniano que o próprio Kelsen, pensonão existir incompatibilidade entre as teorias da ficção e da hipó-tese normativa, como insinua o autor, pois tal incompatibilidadese desvanece ante a dup1a interpretatividade do dever-ser.

Ficção e hipótese constituen'! dois planos distintos em que aquestão da validade da norma pode ser encarada, os quais todaviapressupõem o mesmo modelo epistêm~.coanalítico e a mesma con-cepção acerca da irredutibilidade do ser ao dever-ser. Segundoesse modelo, a norma jurídica pode ser encarada, em função dadupla interpretatividade, seja como correlato de uma atividadeteórica voltada para um dever-ser objetivo, seja como essa própriaatividade.

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Como norma positiva, a tese de uma constituição primeirafictícia vem proporcionar, não somente um fundamento de vali-dade do sistema de direito positivo, como também um fundamen-to de legitimidade, o qual atua ideologicamente como uma legiti-midade imanente, porque a vontade fictícía que atua ficticia-mente ao criar a norma, é também uma vontade em si mesmalegítima; e assim, o sistema de direito positivo, como qualquerBistema normativo que se aceite como existente, traz em si mesn10,sua própria legitimidade imanente, prescindindo de fundamentosextra-jurídicos ou meta-sistemáticos, como' o direito natural ou.a vontade do Estado. Esse fundamento de validade é ficticiamentereal, porque o sistema normativo é real, está aí como o direitoexistente, portanto válido e legítimo.

Ocorre porém que o trabalho teórico transporta a normapositiva para um plano abstrato de expressão meta-lingüística,e assim, o sistema lógico-formal do modelo analítico de ciência, o.qual espelha teoricamente a realidade fática do sistema norma-tivo, sendo também um dever-ser em função da dupla interpreta-tividade, deve atribuir à sua própria norma fundamental a condi-,ção teórica da validade; nesse plano teórico, a validade se con-funde com a legitimidade.

É aí que a noção de hipótese normativa vem atuar, corres-pondendo-lhe no plano teórico o mesmo papel desempenhado pelaficção no plano dos fatos.

Ao contrário do que insinua o autor, a tese da norma funda-mental fictícia não corrige a anterior, da norma fundamentalhipotética, mas a completa, vindo a integrar-se no elenco dos re-cursos filosófico-jurídicos que tendem a preservar os pressupos-tos ideológicos do direito positivo e do saber que sobre ele se cons-truiu, a velha e rançosa Dogmática Jurídica ensinada nas Facul-,dades de Direito. .

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