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© 2002 by Irene Carniatto

EdunioesteUniversidade Estadual do Oeste do Paraná

Rua Universitária, 1619Jardim Universitário

Cascavel - PRCEP: 85814-110 - Caixa Postal 801

Tel.: (45) 220-3000Fax: (45) 324-4590

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Coleção Thésis

DiretoresMarcos Antônio Lopes

Pery Francisco A. Shikida

Capa e projeto gráficoMarcos Antônio Lopes

Paulo Cezar Konzen

Revisão técnicaPaulo Cezar Konzen

Apoio editorialLuis Cesar Yanzer Portela

Apoio técnicoAntonio da Silva JúniorDouglas L. S. GanançaJoaquim dos Santos

Ficha catalográficaMarilene de Fátima Donadel (CRB 9/924)

Imagem da capa(Antrum Platonicum)

Carniatto, IreneC289f A formação do sujeito professor: investigação narrativa em Ciências/Biologia / Irene Carniatto. -- Cascavel : Edunioeste, 2002. 158 p. -- (Coleção Thésis)

ISBN: 85-86571-59-8

1. Professores-Formação profissional 2. Educadores-Formação 3. Prática de ensino 4. Ciências-Professores-Formação 5.Biologia- Professores-Formação I.T. II. S.

CDD-20.ed. 370.71

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Irene Carniatto

EdunioesteCascavel

2002

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Dedico:

- Ao meu esposo Wilson e às minhas filhas Evelyne Esloany;- À minha mãe Joanna, a meu pai José Carniatto(in memorian) e aos meus irmãos e irmãs;- Ao meu sogro Ezequiel e à minha sogra Delfina.

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Ao Professor:

Aquele que dá o texto a ler — aquele que dá o texto como um dom,neste gesto de abrir o livro e de convocar à leitura — é que remete o texto.O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete comoum presente, como uma carta. Da mesma forma que aquele que remeteum presente ou uma carta, o professor está preocupado em saber se seupresente será aceito, se sua carta será bem recebida e merecerá algumaresposta. Uma vez que só se presenteia a quem se ama e uma vez queuma carta é como parte de nós mesmos, o professor gostaria de que estaparte de si mesmo, que dá a ler, despertasse o amor dos que a receberãoe suscitasse suas respostas.

O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega na lição.Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa; emcontinuação, em sua leitura. O professor, quando dá a lição, começa a ler.E seu ler é um falar escutando. O professor lê escutando o texto como algoem comum, comunicado e compartilhado. E lê escutando a si mesmo eaos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmoenquanto lê e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontralendo. A qualidade da sua leitura dependerá da qualidade dessas trêsescutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e esta voz que eleempresta é, também, a sua própria voz e esta voz, agora, ressoadefinitivamente dupla.

Que a lição que eu e você venhamos a dar a ler, possa ressoar comouma voz comum nos silêncios dos que a devolvem, ao mesmo tempo,comunicada, multiplicada e transformada. Este trabalho é também umadas respostas e uma carta que ora remeto, uma mensagem — comoresposta, mas, também, como a minha lição (Adaptado de Jorge Larrosa,1998).

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AGRADECIMENTOS

Neste espaço desejo agradecer com muito carinho, de maneira geral,a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização destaobra. Em especial, à minha orientadora, Profa. Dra. Rosália Aragão,agradeço de coração pela orientação e ensinamentos que, generosamente,comigo partilhou e por doar-se, assumindo duplo papel: como orientadorae como professora, que, ao viabilizar o acesso à sua prática, abriu não sósua sala de aula para minha investigação, mas — o que mais caro tem oser humano e portanto, mais difícil se torna — abriu seus conhecimentos,sua prática pedagógica, suas idéias, seus sentimentos e suas concepções.Quando, no decorrer das observações, entrevistas e discussões, eladesvelava-se, permitia que tanto eu, nesta investigação, quanto seus alunosda turma do quinto período de Biologia (1997) revelássemo-nos,possibilitando nosso aprendizado e nosso crescimento.

Aos professores do Curso de Ciências/Biologia da Unimep queabriram suas salas de aula para esta investigação e aos alunos da Turmado 5º período, agradeço especialmente, mas, também, aos demais alunosdo curso, participantes desta investigação, sem os quais este trabalhonão seria possível. Às minhas amigas: Adenise Meira da Silva, Rose MeireCosta Brancalhão e Ana Maria M. A. Vasconcelos pela valiosa colaboraçãoe dedicação de seu precioso tempo na discussão e revisão técnica destaobra.

À Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campusde Cascavel, minha instituição-mãe — mãe porque sou filha intelectualdela, onde fui aluna, fiz especialização, ingressei na carreira comoprofessora universitária e que me possibilitou a realização do mestrado, apartir da liberação e do investimento em minha formação. À Capes pelaconcessão de bolsa (Picdt), possibilitando-me realizar o Curso de Mestradoe esta pesquisa. À Fundação Araucária pelo financiamento para a ediçãodeste livro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13

CAPÍTULO IINVESTIGAÇÃO NARRATIVA: BASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO.............. 15

CAPÍTULO IIINVESTIGAÇÃO EM PROCESSO: FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES.......... 252.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos..................................................... 272.2 Caracterização da professora....................................................................... 292.3 Reconstituindo cenas iniciais....................................................................... 312.3.1 Episódio 1: Didática não existe................................................................. 312.3.2 Episódio 2: Conhecer é compreender o mundo........................................... 362.3.3 Episódio 3: Freqüência: “controle burocrático ” ou “instrumento de poder”?. 41

CAPÍTULO IIILEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA FORMAÇÃO DEPROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA?........................................................ 453.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/Biologia......................... 453.2 Episódio 4: Visões desencontradas de leitura: um texto é para ler!? .............. 463.3 Episódio 5: O que lêem os alunos do curso de Biologia? Como lêem?Por que lêem? Que orientações recebem? .......................................................... 54

CAPÍTULO IVA LINGUAGEM DA CIÊNCIA.............................................................................. 694.1 Episódio 6: Uma “Prova de Didática” com consulta........................................ 694.2 Episódio 7: Os conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia..................... 764.3 Episódio 8: O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?............................................................................ 804.4 Episódio 9: O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia — Fotossíntese: concepções em um plano de aula....................................... 90

CAPÍTULO VOBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS.................................................................. 995.1 Episódio 10: Paradigma e concepção de ensino fundamentados na T–R.......... 1005.2 Episódio 11: “Professora, dá tempo? Aprender a pensar, dá tempo?Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento...penso e não sai nada...”........................... 1135.3 Episódio 12: Um pout-pourri sobre as pré-concepções dos alunos .................. 1245.4 Episódio 13: Uma avaliação pode expressar as concepções?........................... 133

CONSIDERAÇÕES FINAISA EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA COMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA............. 137

REFERÊNCIAS .................................................................................. 154

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INTRODUÇÃO

• ♦ •

O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é umprocesso multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam.Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-sea ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatoresestão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno“aprender”, um intercâmbio de relações e estas vêm carregadas desutis representações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, oque se vê em primeira instância não dá conta de desvelar os váriosdomínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutosdas inter-relações, ocorridas no processo escolar.

Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos,somos organismos contadores de histórias, organismos que,individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizara investigação narrativa como forma de consideração expressivade estudos sobre a experiência educativa. O que terão para dizeros alunos e professores como sujeitos de uma investigaçãonarrativa? Que sentido têm suas vozes, suas interações, suasconcepções expressas em suas falas? Como suas falas podemdesvelar e revelar o processo de formação inicial de futurosprofessores?

Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar depoimentosde pessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo porcontexto e referência as interações de ensino-aprendizagem-conhecimento ocorridas em aulas de Didática. Assim, as questõesserão tratadas na forma de episódios narrativos, isto é, de “vozes”imbricadas em relatos e experiências. Busco ouvi-las e, a partirdelas, procurar compreender e apreender seus sentidos.

Esta obra, originalmente dissertação de mestrado defendidana Universidade Metodista de Piracicaba, tem como objetivo buscaralternativas que possibilitem o avanço em minha prática docente,como professora formadora de professores, investigando, nosprocessos em sala de aula, elementos que evidenciem contribuições

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e limitações emergentes de uma prática de ensino de Didática dasCiências/Biologia, vinculadas à formação inicial de professoresdiferenciados de Ciências/Biologia. Tendo em vista a realizaçãodeste estudo narrativo-investigativo, são considerados episódioscomo: Didática não existe; Conhecer é compreender o mundo; Umtexto é para ler?!; O que é antropocêntrico? A teoria da evolução éum tema unificador da Biologia?; O ensino de conhecimentosprocessuais de Ciências/Biologia – Fotossíntese, entre outros.

Considerando que um texto é como uma mensagem remetida,um presente, uma carta. E aquele que remete um presente ou umacarta, sempre está preocupado em saber se seu presente será aceito,se sua carta será bem recebida e merecerá alguma resposta. Umavez que só se presenteia a quem se ama e uma vez que uma cartaé como parte de nós mesmos, remeto esta mensagem àqueles quese ocupam da importante tarefa de educar.

Àqueles que, participando do processo de ensino-aprendizagem, têm como objetivo a formação de professores, nãoapenas da área das ciências, mas todos aqueles que buscamcompreender as contribuições e as limitações para a formaçãodiferenciada de professores-pesquisadores-reflexivos. Nessesentido, creio que a presente obra poderá contribuir para adiscussão de questões presentes na formação de professores.

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CAPÍTULO I

INVESTIGAÇÃO NARRATIVABASES PARA O CAMINHO PERCORRIDO

• ♦ •

Lo que importa es que las vidas no sirven comomodelos. Sólo las historias sirven. Sólo podemosvivir en las historias que hemos leído u oído. Vivimosnuestras propias vidas a través de textos. Puedenser textos leídos, cantados, experimentadoselectrónicamente (...). Cualquiera que sea su formao su medio, esas historias nos han formado a todosnosotros; y son las que debemos usar para fabricarnuevas ficciones, nuevas narrativas (Heilbrun apudLarossa et al., 1995: 11).

O processo de ensino-aprendizagem-conhecimento é umprocesso multifacetado e de múltiplos domínios que se entrecruzam.Em função da interação aluno-professor-conhecimento, busca-sea ocorrência do fenômeno da aprendizagem em que muitos fatoresestão presentes, influenciando resultados. Existe, no fenômeno“aprender”, um intercâmbio de relações, carregadas de sutisrepresentações simbólicas. Apenas o visível, o aparente, o que sevê em primeira instância não dá conta de desvelar os váriosdomínios presentes e as sutis representações simbólicas, frutosdas inter-relações, ocorridas no processo escolar.

Assumindo como premissa que nós, “os seres humanos,somos organismos contadores de histórias, organismos que,individual e socialmente, vivemos vidas relatadas”, decidi utilizara investigação narrativa como forma de consideração expressivade estudos sobre a experiência educativa. Afinal, como dizem F.Connelly e D. Clandinin:

O estudo da narrativa (...) é o estudo da forma pela qual, nós, osseres humanos experimentamos o mundo. Desta idéia geral se derivaa tese de que a Educação é a construção e a reconstrução de histórias

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pessoais e sociais; e que, tanto os professores, como os alunos, sãocontadores de histórias e, também, personagens nas histórias dosdemais e em suas próprias (Connelly; Clandinin, 1995: 11).

“Deixa-me que te conte” (Cf. Larossa et al., 1995). O que terãopara dizer os alunos e professores como sujeitos de umainvestigação narrativa? Que sentido tem suas vozes, suasinterações, suas concepções expressas em suas falas? Como suasfalas podem desvelar e revelar o processo de formação inicial defuturos professores?

Nesta investigação, procuro enfatizar e valorizar vozes depessoas envolvidas em uma experiência docente, tendo por contextoe referência, as interações de ensino-aprendizagem-conhecimento,ocorridas em aulas de Didática (das Ciências Biológicas). Ouvi-lase, a partir delas, procurar compreender e apreender o sentido desuas falas. Assim, as questões serão tratadas na forma de episódiosnarrativos, isto é, de “vozes” imbricadas em falas, relatos eexperiências.

Dito de outra forma, neste trabalho, procuro investigaraspectos da formação inicial de Professores de Ciências/Biologia,no contato direto com os alunos — futuros professores — e de suaprofessora de Didática, nas interações ocorridas em sala de aulaentre esses sujeitos reais de uma história construída. História emque se entrecruzam vidas dos seus sujeitos, vida de vários alunos,vida de uma professora, de outros professores que estão, também,presentes no curso, na realidade viva da Universidade.

Os investigadores narrativos buscam, no âmbito da educação,recolher episódios e contar histórias sobre as vidas imbricadas noprocesso educacional, escrevendo relatos de suas experiências emaulas e em interação pedagógica, neste caso. Porque está focalizadasobre a experiência humana e, talvez, porque é uma estruturafundamental da experiência humana vivida, porque tem a qualidadeholística, a narrativa ocupa um lugar importante em váriasdisciplinas. Expressa-se como uma forma de caracterizar osfenômenos da experiência humana e, portanto, seu estudo éapropriado em muitos campos das ciências sociais. Esse campo deestudo, em sua globalidade, chama-se, normalmente, de“narratologia”, que é um termo que atravessa diversas áreas deconhecimento... (Connelly; Clandinin, 1995: 11-13).

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F. Connelly e D. Clandinin entendem que a narrativa é, tantoo fenômeno que se investiga, como o método de investigação. Assim,é igualmente correto falar de “investigação sobre a narrativa” oude “investigação narrativa”. Narrativa pode ser tanto o nome daqualidade que estrutura a experiência a ser estudada, como,também, o nome dos padrões de investigação que vão ser utilizadospara seu estudo. Para preservar a distinção, tais autores apontamum recurso já bastante estabelecido: chamar “história” ou “relato”ao fenômeno e, “narrativa”, à investigação.

Com respeito à voz expressa pelos sujeitos e as relaçõesestabelecidas em uma investigação, F. Connelly e D. Clandinin seapóiam em diversos autores. Entre eles, citam P. Hogan, quandodiz que, numa investigação, as relações entre investigadores eparticipantes abrem espaço, para que suas vozes sejam ouvidas e,ainda, alertam para a relação de desigualdade que, muitas vezes,tem sido estabelecida.

Os participantes se têm visto a si mesmos sem uma voz própria noprocesso de investigação e, muitas vezes, têm achado difícil sentirem-se animados e autorizados, para contar suas histórias.Principalmente, se os têm sido feito sentirem-se desiguais, inferiores(Hogan apud Connelly; Clandinin, 1995: 19-20).

Recorrem a N. Noddings, quando a autora fala da relação deensino-aprendizagem, que pode existir entre investigadores eparticipantes da investigação: “nos aproximamos de nossa meta,vivendo com aqueles, aos quais ensinamos, em uma comunidadede atenção mútua [caring community], graças a modelos, diálogos,práticas e confirmações” (Noddings apud Connelly; Clandinin,1995). Ainda sobre este tema, os autores citam também Macintyre,quando afirma que as relações se estabelecem através das unidadesnarrativas de nossas vidas (Cf. Macintyre apud Connelly; Clandinin,1995).

Nessa perspectiva, destacam que a partir destes referenciaiso que aparece como denominador comum é a necessidade de tempo,de espaço e de voz, quando se estabelece uma relação decolaboração, na qual investigadores e participantes têm voz, nosentido de permitir sua participação em uma comunidade (Cf.Connelly; Clandinin, 1995: 20-21). Portanto, na investigação

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narrativa, segundo os autores, é importante que o investigadorescute primeiro a história do participante, e é o participante que,primeiro, conta sua história. Porém, isto não quer dizer que oinvestigador permaneça em silêncio durante o processo dainvestigação. Quer dizer que, ao participante, a quem durante muitotempo se tem silenciado na relação de investigação, se lhe estádando tempo e espaço para que conte sua história e, para que suahistória, também, ganhe a autoridade e a validade que sempre têmsido conferidos aos relatos de investigação. Citando R. Coles, osautores apontam para a possibilidade de aprendizagem, quandose abre espaço para que o participante ouça a si mesmo, ou seja,podemos aprender, enquanto nós mesmos estamos falando:

Porém naquela escura tarde de inverno sentia urgência por deixara cada paciente ser um professor: ouvindo-se a si mesmo ensinar,através de sua narração, os pacientes aprenderiam as lições queum bom instrutor aprende só quando se converte em um alunodisposto, impaciente por ser ensinado (Coles apud Connelly;Clandinin, 1995: 21).

Na investigação narrativa, realizada no âmbito escolar, a fimde ser capaz de ver e de descrever relatos de ações diárias dosprofessores, dos alunos, dos administradores, dentre outros, requerque se produza um delicado giro mental no investigador. Asconfusões, os emaranhados se fazem cada vez mais agudos, àmedida que se vão contando e recontando histórias. Sem dúvida, éaí, nesse processo, que se estabelecem e se reajustam novoshorizontes temporais, sociais e culturais. Porém, surgem algumasindagações: até que distância tem-se que ir em uma investigaçãodo passado e do futuro dos participantes? Que esferas dacomunidade devem ser indagadas e, até que grau de profundidadesocial, deve desenvolver-se a investigação?

Quando um pesquisador se ocupa da investigação narrativa,o processo se converte em algo mais complexo, posto que, comoinvestigadores, nós nos convertemos em parte do processo. As duasnarrações, a do participante e a do investigador, convertem-se, emparte, graças à investigação, em uma construção e reconstrução,narrativa compartilhada (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).

Na investigação narrativa diversos métodos podem serutilizados para o recolhimento dos dados. Os dados podem ser

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recolhidos em forma de notas de campo, em anotações em diários,em transcrições de entrevistas, em observações de outras pessoas,em ações de contar relatos, de escrever cartas, de produzir escritosautobiográficos, em documentos, em materiais escritos, tais comonormas ou regulamentos ou, através de princípios, imagens,metáforas e filosofias pessoais.

Importante é destacar que, numa investigação narrativa, osentido de “totalidade, verdade, precisão e objetividade” é algoconstruído graças a uma rica e elaborada fonte de dados, de formaque enfoque as particularidades concretas da vida, a partir dasquais se possam criar relatos poderosos (Connelly; Clandinin, 1995:23). Diferentemente das concepções de investigação, que aportamem suas bases conceituais visões mecanicistas, reducionistas ecompartimentadas, assumir uma investigação narrativa significaestar assumindo uma visão epistemológica diferenciada, atualizadae contemporânea.

É nesta perspectiva que a Física Atômica, em contrapontocom o mito da verdade científica, independente dos preconceitosque o cientista possui, pressupõe e afirma a importância do papeldo observador, que é imprescindível, não só para que aspropriedades de um fenômeno atômico sejam observadas, mas paraque os modelos, que os cientistas observam, estejam intimamenterelacionados com os modelos de sua mente, seus conceitos,pensamentos e valores, seus compromissos políticos e sociais.

A teoria quântica incumbiu-se de evidenciar que o mundonão pode ser analisado, somente, a partir de elementos isolados eindependentes, pois é o todo que afinal determina o comportamentodas partes. Foi a partir da “Revolução Quântica”1 que surgiu umanova visão de mundo para a ciência ocidental, em contraste com aconcepção mecanicista cartesiana. O universo passa a ser descritocomo um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão,essencialmente, inter-relacionadas e só podem ser entendidas comomodelos de um processo cósmico.

Uma investigação, segundo esta visão epistemológicacontemporânea, busca estar em consonância com o paradigma atualda ciência que, segundo F. Capra, a ciência, hoje, avança para umaestrutura conceitual de abordagem holística, multidisciplinar eintrinsecamente dinâmica do universo. A adoção de um paradigma

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holístico social e ecológico exigirá uma mudança conceitual emque se reconheça que fazemos parte de um sistemainterdependente, composto de seres humanos em contínuainteração e com seus recursos naturais, a maioria dos quais, porseu turno, constituída de organismos vivos (Cf. Capra, 1987).

E. Morin, visando refutar o pensamento reducionista esimplificador, elabora a Teoria da Complexidade, na qual afirmaque o conhecimento científico é, freqüentemente, concebido comotendo por missão dissipar a aparente complexidade dos fenômenos,a fim de revelar a simples ordem a que obedecem. Porém, se somosincapazes de definir o real — de maneira simples, com ordem eclareza —, a palavra complexidade viria exprimir nossa incapacidadede expressão e compreensão da realidade (Cf. Morin, 1990).

Ainda, a propósito de assumir na investigação uma visãoepistemológica atualizada, busco em K. Popper alguns aspectosreferentes ao processo de aquisição do conhecimento. Segundoele, o conhecimento científico sempre conserva seu caráterhipotético conjectural. O conhecimento científico é o resultado deuma tensão entre nosso conhecimento e nossa ignorância. A ciênciatem sua origem em problemas e, não, propriamente, na observaçãopura e simples. A observação é guiada por um interesse, norteadapor uma expectativa, impregnada por uma teoria. As teorias sãointerpretadas como conjecturas especulativas ou suposiçõescriadas, livremente, pelo intelecto humano, no sentido de superarproblemas, encontrados por teorias anteriores e dar uma explicaçãoadequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou douniverso (Cf. Popper, 1978).

Tal visão encontra-se, de certa forma, em consonância com apesquisa qualitativa e, especialmente, com a investigação narrativa,como configuração de um espaço, onde se fundem as vozes e asvidas de pesquisador e participante, para tentar viver e reviver suashistórias, a fim de não só explicitá-las, mas, também, explicá-las.A pesquisa qualitativa constitui-se no estabelecimento de“confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadassobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado arespeito dele” (Ludke; André, 1986: 01). Em termos correlatos, “anarrativa está situada em uma matriz de investigação qualitativa,posto que está embasada na experiência vivida e nas qualidades

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da vida e da educação” (Connelly; Clandinin, 1995: 16).Portanto, investigar para narrar o processo ensino-

aprendizagem-conhecimento, no âmbito da formação inicial deprofessores de Ciências/Biologia, requer colocar, mesmo em umanarrativa investigativa, uma lente de aumento na teia de suasrelações sociais e, daí procurar desvelar, iluminar os fatosconstitutivos que ocorrem nos vários momentos interativos de aula.Conceber o estudo dessa forma significa olharmos, através denossos “óculos conceituais”, isto é, mediante o conjunto das teoriasde que nos apropriamos e procurar investigar, para compreenderos sentidos e os significados, atribuídos pelos sujeitos às suas ações,reações, emoções.

A busca de alternativas que possibilitem o avanço da práticadocente — como professora formadora de professores2 —, é amotivação para indicar, nos processos em sala de aula, elementosque evidenciem contribuições e limitações emergentes de umaprática de ensino de Didática das Ciências/Biologia, vinculadas àformação inicial diferenciada de professores.

Através de dados expostos pela narrativa de episódios, desituações processuais do ensino, de reflexões sobre e na açãopedagógica, busco compreender, explicar e explicitar elementosque possam contribuir para melhor conhecer o processo deformação inicial, em função de alguns aspectos que estãoimbricados em um Curso de Licenciatura em Biologia, à luz dereferenciais teóricos atuais. Dessa forma, a fim de buscar métodospara o recolhimento de dados, tendo em vista a realização desteestudo — narrativo-investigativo — objetivei aulas de Didática,disciplina de formação de professores do Curso de Licenciaturaem Biologia da Unimep, usando como forma privilegiada para obteras informações, algumas observações em sala de aula e entrevistassemi-estruturadas.

Os procedimentos de investigação, para os dados recolhidos,foram os seguintes: anotações em diário de campo de aulas dadisciplina de Didática, durante um semestre letivo; transcriçõesde entrevistas com a Professora de Didática; escritos produzidospelos alunos (“provas”, trabalhos de grupos, etc.); questionárioselaborados com o objetivo de obter dados junto aos alunos do 2º,6º e 8º semestres (perguntas abertas e fechadas).3

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Os episódios de aulas de Didática serão relatados/narradospor mim ou pela Professora de Didática, de acordo com a formaprevalecente de episódios narrativos (episódios narrados ementrevistas), e/ou vivenciados no curso da investigação. Tais aulasrelatadas constituem meu objeto de estudo e de investigação.

Nesta experiência de investigação, é singular a disponibilidadeda própria Professora de Didática em realizar uma experiênciainvestigativa de ensino — lecionando uma disciplina no curso delicenciatura —, ao mesmo tempo em que abria espaço para quesua prática pedagógica fosse investigada por mim, dispondo-a comolocus de investigação. A Professora de Didática diz claramente que:

Se ofereceu para assumir tal docência para realizar uma experiênciaDidática, na perspectiva teórico-metodológica e epistemológica comoprofessora-pesquisadora, uma vez que tinha claramente o objetivode fazer de sua prática de ensino uma fonte de pesquisa, paraconfrontar prática x teoria em processo.

Posteriormente, ela própria percebe a riqueza da experiêncianos momentos de interação com os alunos, no processo de ensino-aprendizagem, quando decididamente verificava que “não era elaquem mandava” (Cf. Larossa, 1998). A professora de Didáticaenfatiza, na maioria das vezes, as vozes de seus alunos quando,me relata os seus episódios de aula, atribuindo clara importânciaà fala dos seus alunos como fundamental para a construção/negociação de significados na relação ensino-aprendizagem-conhecimento, seu objetivo enquanto professora.

Por minha vez, procuro colocar em destaque os relatos, asfalas da Professora de Didática, ou de outros professores, e as falasdos alunos, ao narrar vários episódios, ao proceder à análise eprocurar a compreensão necessária do ocorrido no processo deformação dos professores de Ciências/Biologia. É oportuno tambémesclarecer que os episódios são abordados, segundo a concepçãode que um episódio se configura como um recorte da prática, que,dada a sua importância, trazemos para a teoria, para iluminá-lopor uma análise teórica (Cf. Aragão, 1998).

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Notas

1 Definido como Revolução Quântica pela importância que o período tem na históriae as mudanças que proporcionou em nossa visão de mundo. Por tais motivos,resolvi denominá-lo desta forma, sem discutir a originalidade da expressão.

2 Sou professora das disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino de Ciências/Biologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, CampusUniversitário de Cascavel.

3 Foram pesquisados 66 alunos/as.

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CAPÍTULO II

INVESTIGAÇÃO EM PROCESSOFORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

• ♦ •

O sujeito letrado pode manterprocessos interlocutivos nãopossíveis para o analfabeto(Geraldi, 1993).

Que naturezas de questões emergiram das situaçõesprocessuais de ensino em foco? Emergiram questões de toda ordem.De natureza institucional, de natureza epistemológica, de naturezaconceitual, de natureza estrutural do ensino, de naturezaestrutural-social, enfim, uma gama variada, tão rica, por um lado,e tão preocupante por outro, dados o impacto e a contundênciadas questões e, sobretudo, porque surgiram na e da interação entreprofessor-aluno-conhecimento no espaço efetivo da aula.

Os dados que a investigação oferece parecem significativos ealguns bastante originais, os quais raramente têm sidocontemplados como objeto de reflexão em âmbito pedagógico.Emerge uma variedade de dados possíveis de serem analisados,pois tais dados mostram-se relevantes e contextualizados. Aopartilhar do processo, noto sua riqueza pela explicitação clara dequestões fundamentais presentes nas discussões sobre formaçãode professores. Chamou-me ainda a atenção o fato de que diversosdestes episódios foram marcados por uma grande emoção, quandovárias questões foram explicitadas pelos alunos, em função dasinterações ocorridas em sala de aula. Acontecendo como algodinâmico, porque é uma investigação em processo, trato de, assim,investigar o que está acontecendo no âmbito do curso de formaçãoinicial de professores. Desta forma, não creio que fosse necessárioque eu saísse à procura de “um problema” relevante, porque háinúmeros deles em qualquer sala de aula, como essa que éconsiderada nesta experiência de investigação.

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Se as questões processuais são importantes, por queusualmente elas não são investigadas?

Não se investigam tais questões, ao meu ver, porquegeralmente não há condições mínimas para lidar com aspectos osmais dinâmicos (e trabalhosos!) do ensino, no contexto mesmo emque tais aspectos ocorrem. Via de regra, as questões fundamentaispara a formação de professores aparecem no processo mesmo deinteração professor-aluno-ensino-aprendizagem-conhecimento emaulas. No contexto referido da disciplina de Didática, as condiçõesfacilitadoras de uma investigação estavam presentes, poder-se-ia,portanto, investigar.

Uma investigação nessa linha estará, não só desvelandoproblemas, mas também expressando o que a Professora tentoufazer para redimensionar a sua ação formadora e não conseguiu,pelo menos da forma como imaginara. Assim, precisou redirecionaro processo várias vezes, para atingir alguns dos seus objetivos deensino e algumas necessidades formativas. Nestes termos, nãoimplicaria, apenas, o desvelamento da problemática no decorrerda investigação, mas, principalmente, as tentativas deencaminhamento ou re-encaminhamento, algumas, no dizer daProfessora de Didática, claramente mal sucedidas: “Agora eu jáposso dizer: ‘isso aqui não deu pé’. E outras [coisas], que nem foramminhas preocupações, repercutiram. E outras, ainda, que euprecisei re-elaborar, prá ver o que eu poderia atingir” (Cf. Entrevistacom a Professora de Didática).

Como observadora-participante do curso de Didática, daturma do 5º semestre deste Curso de Ciências/Biologia, passei,diariamente, a tomar contato com as aulas e, desta relação com osalunos-licenciandos e com a Professora de Didática, começaram asurgir questões que trazem à superfície problemas que estão semprepresentes no processo de formação. Contudo, na maioria das vezes,estes problemas passam despercebidos, ou, quando muito, sãoapenas apontados. Sem receberem a devida atenção, tais questões/problemas, via de regra, constituem-se em verdadeiros obstáculospara que a formação de professores ocorra em sua plenitude, istoé, evidenciando-se em qualidade diferenciada.

O tema da formação do professor está muito presente noâmbito da temática da pesquisa educacional, no entanto a formação

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inicial tem sido pouco considerada nas atuais pesquisaspedagógicas. Esta escassez, talvez, advenha do que já se sabe apriori: quando se investiga a formação inicial, em geral, muitas delasse apresentam sobremaneira insípidas, estereotipadas, de formatal que o contexto pode mudar, mas não mudam objetivos nemprocessos, não se apresentando, dessa forma, quase nada de novo,mas apresentando, geralmente, distorções pedagógicas.

2.1 Perfil da turma: diferenciação dos alunos

Quem são os alunos? O que fazem eles? O perfil da classe seconstitui com os matizes e desenhos que cada um traz através desuas experiências de vida, suas crenças e seus anseios.Quase todosos alunos são trabalhadores... têm histórias interessantes e queforam registradas. Por exemplo: um dos alunos, mora em Limeira,trabalha em Hortolândia e estuda em Piracicaba. Faz esse triângulo“todo santo dia”, inclusive aos sábados; é só no domingo que elefica em Limeira... estudando.

Tem o João que é um representante comercial de laboratórioe tem a Maria José que é professora. O Nilson é caminhoneiro, lidacom produtos perecíveis. Entrega produtos perecíveis na região,para se manter e está aqui no curso de Licenciatura para, segundodiz, poder “cuidar” do meio-ambiente. Tem a Patrícia que pretendeser cientista. Também a Walquíria que “borboleteia” em sua opçãoprofissional, ora desejando ser pesquisadora em laboratório, oradesejando a docência.

Existe o Marivaldo que, também, reside em Limeira. Tododia, muito cedo, ele vai para Holambra; lá passa o dia cercado deflores, pois a principal atividade da cidade de Holambra é cultivare comercializar flores para todo o Brasil e, também, para o exterior.Assim, bem de manhã, já o Marivaldo se encontra em seu posto detrabalho. Trabalha duro o dia todo e, quando o expediente termina,Marivaldo muda seu ritmo de vida, viajando até Piracicaba, onde, ànoite, ele é um aluno universitário. É no seu curso universitárioque ele põe suas esperanças e pensa em dar um rumo profissionaldiferenciado em sua vida futura. Ele quer ser botânico, um dia.

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A Juliana já é professora do 1º grau, gosta de trabalhar comcrianças pequenas e tem trabalhado como monitora no Núcleo deCiências da Unimep. Tem também as duas Renatas. Além dosnomes idênticos, ambas são mães e donas de casa. No entanto,uma delas é casada sem filhos e, a outra, conta com a experiênciade ser mãe-solteira. Uma delas, a casada, com a responsabilidadede marido e os encargos de dona-de-casa; por isso não temconseguido concluir o seu curso superior. Contudo, sempre voltaà universidade e pretende mesmo concluir o curso de licenciatura,sem saber se exercerá a profissão de professora. “Mas se algum diahouver necessidade, se houver algum aperto financeiro, estareiapta a exercer uma profissão”, diz ela.

Assim, poderíamos compor um mosaico vibrante com as coresvivas das vidas desses alunos. Existem algumas cores, talvez, menosintensas, ou até mais intensas, que essas descritas; não o sabemos.Um grupo pequeno não se revela, mesmo quando se procuraenvolvê-lo nos diálogos, quando se abre espaço para que fale...Seus integrantes permaneceram, aparentemente, indiferentes epouco reveladores sobre seus anseios e sobre suas vidas, parecendo“alunos burocráticos”.

Quero dizer, no entanto, que há uma porção de histórias muitointeressantes neste grupo. É importante saber qual é o perfil destaturma1: quem são os alunos? Por que vieram para o curso? O quepensam em termos profissionais? Quais são os seus projetos devida? É importante também saber suas opiniões sobre o fato deeles terem tido três professoras de Didática em três meses: umaem fevereiro, outra em março e, uma última, que chegou na metadede abril. A Professora de Didática — a última, a atual — assim seexpressa em relação ao perfil da turma:

Esta turma já forneceu inúmeras indicações de que seus integrantessão confiáveis, porque eles são honestos, francos, eles não buscamfazer de conta, ser algo que não são, até pelo fato de serem donoturno. (...) Os graduandos de diurno são menos trabalhadores,eu não posso dizer que não são trabalhadores... Esses não,absolutamente... Eu não tive nenhuma indicação de eles blefarem,de não estarem falando a verdade, ou de estarem pretendendo seros “pobres coitados” diante de mim. E eles estão no quinto semestre,num momento ótimo, porque tem um tempo para trás bastantesignificativo em termos da trajetória, do percurso. Ainda nãoterminaram seu curso e não estão em vias de terminar.

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Alunado deste tipo, com tais características, não pareciasituar-se no âmbito da experiência docente da Professora. Elaprópria diz: “A minha experiência não incluía turmas de noturno.Fazia diferença lidar com alunos trabalhadores do noturno? Prámim fazia, mas não nesses termos... [do que encontrou]”.

2.2 Caracterização da professora

Como é esta Professora? O que ela espera? Quais seusanseios, quais seus objetivos?

É certamente uma professora diferenciada, em primeiro lugar,pela sua trajetória, uma vez que fez, em termos de formaçãoacadêmico-profissional, um movimento praticamente inverso aousual: inicialmente, dedicou-se à Educação para, depois,aprofundar-se na área específica das Ciências. É interessanteobservar que esta Professora de Didática veio da Educação para oEnsino de Ciências, quando começou a valorizar e a lidar comquestões epistemológicas.

Quando as primeiras reflexões relacionadas ao universodocente foram postas sobre a fundamentação epistemológica, anosatrás, a Professora já parecia preocupada e sensível para realizar avirada que possibilitaria o salto de qualidade: do teórico-metodológico — cultivando a dicotomia usual conteúdo-forma —para o teórico-metodológico-epistemológico — buscando superartal dicotomia e abordar, quanto ao ensino, tais questões em termosmutuamente inclusivos e mutuamente relacionados. Mas nadamelhor do que ler a própria Professora nos relatar sua trajetória:

Para poder redimensionar a minha prática de ensino de Didática,na formação inicial de professores de Ciências, eu entendi há 12anos atrás que eu precisava conhecer ou dominar o conteúdoespecífico. Eu precisava saber Ciência, estudar Ciências, estudarBiologia; justamente, para dar idéia da articulação Educação XCiências X Biologia, esta articulação que parece apenas teórico-metodológica num primeiro momento, mas é fundamentalmenteepistemológica. Para que eu pudesse ter idéia das questõesepistemológicas que precisavam ser tratadas teórica emetodologicamente, em nível de ensino e de aprendizagem, oconteúdo curricularmente tratado no âmbito escolar precisava ser

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conhecido por mim. Não apenas saber qual era ele, mas efetivamenteconhecer, significando compreender e estabelecer relaçõescognitivas, lidar com esse conhecimento. Ter refletido sobre ele, emfunção das dificuldades dos alunos e até em função das dificuldadesque eu já como docente-aluna apresentei para aprendê-lo,compreendê-lo efetivamente.

A Professora de Didática vinculou-se, profissionalmente, noinício de sua carreira docente, à área de Metodologia do Ensino,ministrando as disciplinas de Didática, Metodologia de Ensino daLíngua Portuguesa, Metodologia da Alfabetização, com formaçãoem Pedagogia. Posteriormente disse ter “mudado de área”, fazendoconcurso interno para uma vaga docente na área de Ensino deCiências, para a própria Universidade. No entanto, em anosanteriores, ela já vinha aproximando-se da área das Ciências, comoela mesma diz: “Eu era curiosa, comecei a querer saber, e quererme liberar dos traumas de escola, embora, inicialmente, eu nãotivesse a intenção de fazer uso disso em termos profissionais; eramais no sentido de possibilitar uma compreensão maior do mundo,para eu ter um descortínio maior, para entender melhor a educaçãocomo eu já havia feito com a educação pré-escolar”.

Trabalhando com várias disciplinas no Ensino de Ciências ecom muitos projetos de formação de professores pelo Brasil afora,a Professora de Didática parecia ter tido oportunidade de continuarse preparando. Talvez, por essas razões, apresentou-se para assumira disciplina de Didática Geral, no Curso de Licenciatura emCiências, Habilitação em Biologia da Unimep, no primeiro semestrede 1997, para considerar e tratar a disciplina em termos de Didáticadas Ciências. A sua proposta de ensino, fundada em processos demediação docente e de interação com alunos e entre alunos,apresenta uma Didática das Ciências redimensionada nos seguintestermos:

Como eu não conseguia perceber diferenças substanciais noconteúdo da disciplina de Didática, porque o conteúdo específico écontinuamente descartado, isto é, porque, muito raramente, tem-se a consideração do conteúdo específico numa abordagem deDidática, eu tinha vontade de trabalhar a Didática e aceitar essedesafio: trabalhar Didática, a partir do conteúdo específico deCiências e de Biologia com os alunos.

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2.3 Reconstituindo cenas iniciais

Neste cenário, quero dar a conhecer estes atores queparticipam desta cena de vida, recorte da realidade: formação deprofessores de Ciências/Biologia.

2.3.1 Episódio 1 - Didática não existe

Vejo uma classe de 54 alunos jovens, idade média entre 21 e22 anos, alegres espectadores. Conversam alegremente uns comos outros, alguns brincam, riem e até mesmo fazem alguns gracejos.É que o ano letivo está iniciando (em abril!). Posso dizer que parecemfelizes diante da expectativa do início de mais um período letivo.Que representa para eles o momento de início de mais umadisciplina parte do semestre e do ano letivo? Certamente, apenas,o cumprimento da “grade curricular” necessária para obter odesejado diploma.

Neste dia, seriam reiniciadas as aulas da disciplina de DidáticaGeral, que a Professora, segundo disse, abordará como Didáticadas Ciências/Biologia. O que eles esperam de uma disciplina dessanatureza? Muito provavelmente, tal relação em nada vai mudar acredibilidade inicial da Didática para a turma.

A propósito de proposições provocativas de alunos, dirigidasde modo geral à classe, mas que, certamente, tinha como objetivoprovocar a Professora que estava entrando na sala de aula,acompanhada de duas monitoras, destaco a fala de um aluno que,logo, à entrada da Professora, na sala de aula, diz alto para quetodos o ouvissem: “Graças a Deus, até que enfim, eu sempre disseque Didática não existe”.

Qual o sentido, que interpretação, que mensagem pode querertransmitir este aluno ao declarar “que Didática não existe”?.Podemos pensar que ele não acredita na validade dosconhecimentos da Didática? O início de trabalho dos conteúdosem sala de aula, abortado pelas duas professoras anteriores odecepcionaram? Ou ele possui alguma experiência pessoal anteriorque o faz pensar assim? Estaria ele falando por si só, ou representao sentimento da classe?

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“A Didática não existe”. Na avaliação deste aluno, naquelemomento, a Didática está morta? Nunca existiu? Não serve paranada? Acredita ele que os conhecimentos trazidos pela Didática,representados na presença da Professora, não deverão trazer-lhebenefício algum, talvez, porque só sirva - se servir - para quem vaiser professor. E não é este o seu caso...

Suas palavras, contudo, demonstram que ele possui uma pré-concepção de Didática e, ao que parece, esta já se constitui comoum obstáculo epistemológico, porque, além de produzida pelopróprio contexto escolar, apresenta-se eivada de preconceito.

Considero importante a noção de “obstáculo epistemológico”,introduzida por G. Bachelard, que passou despercebida pelosestudiosos da aprendizagem, até que as pesquisas em Didáticadas Ciências — principalmente sobre os erros conceituais —mostraram a importância dos conhecimentos prévios, constituindoimpedimentos, ou, até mesmo, facilitando a aquisição deconhecimentos. Na feição de obstáculos, conduziram a concepçãoda aprendizagem como mudança conceitual e metodológica, queexige a superação de tais obstáculos epistemológicos, porque, naforma de “evidências do senso comum”, geram o pensamentoespontâneo (Cf. Carvalho; Gil-Pérez, 1993).

Nesta investigação, tive em diversas oportunidades apossibilidade de deparar-me com episódios que, se bem analisados,demonstram a existência de “obstáculos epistemológicos” que,evidentemente, estão impedindo ou, como a própria palavra diz,tornando-se obstáculos para que a aprendizagem-compreensãoefetivamente venha a ocorrer. De forma clara — manifestandocompreensão em função de reflexões como essas que, certamente,já fizera —, em resposta ao aluno, a Professora concorda que, namaior parte das situações de ensino, a Didática não existe; ele templena razão.

Este episódio nos leva a alguns questionamentos: éimportante ensinar Didática aos licenciandos dos cursos, que têmcomo objetivo formar professores? Que Didática seria esta? Quaissão os seus conceitos ou conteúdos fundamentais? Didática doquê? Para quê? Como é, usualmente, tratada a disciplina deDidática na formação de professores? Será possível estabelecerpontos de diferenças ou semelhanças na maneira como,

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usualmente, a Didática é trabalhada, e a proposta de ensinovivenciada pela classe, proposta e conduzida pela Professora deDidática? A professora lança luz sobre algumas destas questões:

Desde 1975, há 21 anos que, na Universidade de onde eu vim, nãose trabalha com Didática Geral. A Didática, que é chamada de geral,só tem acolhida nos currículos de Pedagogia, como uma disciplinachamada Didática. Sem que se diga se é geral, específica ou o queé. Para nós, o nosso grupo sacou rápido: não é possível admitircaracterísticas gerais na Didática, se não voltamos ao Coménius:“A arte de ensinar tudo a todos”. Naquele contexto, a Didática naslicenciaturas passou a ser denominada, eloqüentemente ao meuver, de “Didática para o Ensino de Química ou de Física”. Era oinício, a vontade de relacionar na Didática, o conteúdo-conhecimentoespecífico.

As pesquisas educacionais, principalmente aquelas de âmbitointernacional, apontam que não se pode mais admitir este desenhode uma disciplina “geral” — chamada por muitos de “instrumental”— que se oferece como uma caixa de ferramentas em cursos deformação profissional de professores, para que, quando surgir anecessidade, o professor vá tentando usar algumas dessasferramentas, para verificar se consegue adaptar uma delas à peçade trabalho, ou a peça de trabalho é obrigada a adaptar-se àferramenta genérica que ele tem em mãos, porque lhe foi ofertadae, muitas vezes, é a única de que o professor dispõe. Olhando deforma superficial, parece até uma boa contribuição. Mas o querealmente está por detrás deste ensino?

Como isto acontece na educação? É possível fazer umparalelo? Possivelmente, sim. Usando, até mesmo, a transitividadedo verbo, muito teremos a aprender, se analisarmos o verbo“ensinar”, através da sintaxe: “ensinar” é um verbo transitivo diretoe indireto. O que, em linguagem pedagógica, significa que “quemensina, ensina alguma coisa a alguém”. Ora, ninguém ensinaqualquer coisa e, muito menos, pode ensinar todas as coisas. Aprópria transitividade explicita, com clareza, a especificidade deconteúdos do ato de ensinar.

Portanto, se o objetivo da Didática nos cursos de licenciaturasé dar fundamentação ao processo de ensino, ela só pode ser Didática“de alguma coisa”, isto é, de uma área de conhecimento: Didáticadas Ciências, Didática da Química, Didática da Matemática,

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Didática da Biologia, etc. Caso contrário, ela estará sobremaneiravazia e descontextualizada, para preparar o futuro professor paraa ação de ensinar. Isto porque a Didática “já não pode ser encarada,apenas, como uma disciplina de caráter instrumental. Deve serrepensada em função dos objetivos mais amplos da educação, emfunção da problematização dos homens em suas relações com omundo” (Alvite, 1987: 22). Além disso, esta questão tem relaçãodireta com o “ensinar alguém”. Para tanto, é preciso considerar oestágio de aprendizagem em que o aluno se encontra, o contextoem que vive e ter presente o objetivo da formação daquele aluno,futuro professor.

Procurei saber da Professora de Didática quais seriam osobjetivos da Didática na Licenciatura de Biologia, segundo o seumodo de ver, obtendo dela a seguinte resposta:

Lidando com os escritos do Shön e do Zeichner, especialmente, euvejo na expressão das idéias destes dois autores muito do que eupenso em relação aos objetivos da Didática (...). A explicitação daconcepção dos licenciandos a propósito do “mètier” em que elepretende trabalhar ou situar-se como professor, que seria a própriamatéria a ensinar. Objetivo, com certeza, trabalhar a concepção deCiência, de Física, de Química ou de Biologia, do sujeito, em nívelpessoal intuitivo ou positivista em nível de ensino das Ciências emtermos redimensionados: da racionalidade técnica para aracionalidade prática.

Reiterando as palavras da Professora, ela considera comoobjetivos da Didática o conhecimento e o tratamento pedagógicoadequados das concepções dos licenciandos a propósito doconteúdo que eles pretendem ensinar. Assim, nesta investigação,um dos eixos centrais será a discussão das concepções dos alunose da Professora em situações de aula.

Ao ensejo da discussão das questões que estão presentesnas formas de tratamento usuais da Didática, nos cursos deformação de professores e, para permitir uma maior incursão notema, apresento a seguir a opinião expressa pela Professora deDidática, em entrevista por mim realizada, a partir de perguntaspontuais.

Qual sua compreensão da relação Didática Geral X DidáticaEspecífica na Formação do Professor?

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Professora — Do meu ponto de vista, por mais que se buscassediferenciar a Didática e, por mais que se dissesse que a Didática seapresentava redimensionada nos cursos atuais, não conseguiaperceber diferenças substanciais. O que quero dizer é que, mesmoaquelas pessoas ou instituições que pensam estar trabalhando aDidática diferenciadamente, ainda, continuam com uma ênfasebastante conservadora na Didática. E os elementos que levava eainda levo em conta para dizer isso, implica no fato de as abordagens,via de regra, dissociarem as relações forma-conteúdo e processo-produto e cultivarem essas dissociações, muitas vezes, semconsciência do que estão fazendo.

A Professora diz que, mesmo em cursos que dizem que tratama Didática numa forma redimensionada, a disciplina continua coma feição do ensino tradicional, trabalhando dissociações oudicotomias. Um ensino estruturado no armazenamento quantitativoe seqüencial dos conteúdos faz com que, a cada ano que inicia,tanto alunos quanto professores tenham a sensação de que osalunos não aprenderam, praticamente, nada. É essa a realidade,pois o resultado do ensino tradicional, baseado na memorização, aoinvés da compreensão e do estabelecimento de relações conceituais,epistemológicas, apresenta um resultado de aprendizagem,praticamente, inócuo. Acresce-se ainda o fato de a Didática serconsiderada, nos cursos de formação de professores, disciplina dacompetência exclusiva do pedagogo, que não conhece Biologia.

Em um enfoque tradicional, a disciplina de Didática pode seenvolver apenas com aspectos gerais do ensino, sem estabelecerquaisquer relações em âmbito interdisciplinar. Deixando deconsiderar o conteúdo específico, como costuma acontecer, nestecaso da Biologia, a interdisciplinaridade propiciada entre a Didáticae os conteúdos das demais disciplinas do curso, usualmente,chamadas disciplinas pedagógicas (como Psicologia doDesenvolvimento e da Aprendizagem, e Estrutura e Funcionamentodo Ensino, por exemplo) e disciplinas específicas (comoParasitologia, Citologia, Embriologia, Histologia, Botânica...) nãoacontece, nem sequer, através de exemplos, abrindo-se um grandehiato entre a formação do sujeito professor e o seu trabalhocotidiano, quando terá que ensinar os conteúdos específicos,mediante o tratamento didático ou pedagógico destes conteúdosem âmbito escolar, em aula. É, portanto — ao meu ver e de acordocom as considerações feitas pela Professora para seus alunos —,

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no mínimo duvidosa a contribuição da Didática Geral na discussãoque, também, estou estabelecendo sobre a pertinência de ainda semanter, nos cursos de formação profissional uma disciplina deDidática que não se especifique, ou construir-se uma outra Didáticasem que esteja baseada nos fundamentos epistemológicos da áreade saber e de conhecimento.

2.3.2 Episódio 2 - Conhecer é compreender o mundo

No curso da conversa iniciada na primeira aula, a Professorasolicita que cada aluno se apresente e que explicite: Por queescolheu esta Licenciatura e se pretende ser professor?

Dos 54 alunos matriculados, foram obtidos os seguintesresultados: 22 alunos pretendem ser professores; 11 alunos nãopretendem ser professores; 05 alunos declaram-se estar em dúvidacom respeito à atividade que pretendem desenvolver no futuro; e16 não se posicionaram.

A Professora quis saber também dos alunos, por quais motivosalguns não queriam ser professores?

Vários argumentos foram apresentados como justificativas.Contudo, apresento aqueles que obtiveram não só maior freqüênciade indicação, mas também a maior atenção (e preocupação) dosalunos: 1) má remuneração; e 2) desprestígio profissional.

Em contrapartida, a supostamente contraditória “opção” pelocurso de licenciatura é justificada em razão de a maioria dos alunosdesta classe necessitar trabalhar. Assim, a opção genuína quehaviam feito fora pelo curso noturno, pela Biologia, e não pelalicenciatura, ou seja, por um curso de formação de professores deBiologia.

Por outro lado, a formação de biólogos, dentre os cursospossíveis, foi a opção, enganosamente, feita pelos alunos. Formar-se professor, para a grande maioria, seria uma opção secundária,obrigatória, apenas, em nível institucional. Mesmo assim, muitosalunos, provavelmente, sem saberem diferenciar o Bacharelado daLicenciatura, matricularam-se no “Curso de Biologia”, acreditandoque estariam estudando para serem biólogos/cientistas. AProfessora percebe que, nas respostas dos alunos, na opção ou

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não pela docência, viam-se mais questões conjunturais e nãoestruturais. Seus argumentos mais candentes eram: máremuneração e desprestígio profissional.

Sendo assim, a Professora busca argumentar, à guisa deesclarecimento, ao grupo de alunos. Dentre seus argumentos, aprofessora afirma que má remuneração e desprestígio profissional,como são questões conjunturais, são dinâmicas, passíveis demudança, posto que, em outros contextos, não ocorrem ou não seapresentam dessa mesma forma. Além disso, tais situações parecemestar acontecendo no contexto brasileiro, conjunturalmente, masnão de forma generalizada, uma vez que existem algumas poucasescolas, cursinhos, universidades, principalmente particulares, queremuneram muito bem seus professores e lhes conferem prestígioprofissional. Creio que suas respostas não denotam convicção, istoé, não configuram qualquer rejeição intrínseca à profissão deprofessor como, por exemplo, “não gostar de trabalhar com alunos”.Por outro lado, os argumentos dos alunos para ela, não pareciamsubstanciais, pois eles não se posicionavam, claramente, sobre asquestões epistemológicas de conhecimento e de docência, quandodeclaravam não desejarem ser professores.

Tais ações/interações iniciais com os alunos — e haviamomentos em que todos queriam falar, sempre querendo sabermais para “pensar sério” como disseram — possibilitaram que aProfessora, como contraponto, fizesse uma exposição, evocandoum episódio significativo de sua experiência pessoal, que pareceuelucidativo para alguns alunos. O episódio é por mim relatado, naforma como segue:

Certa vez, seu vizinho a aborda no elevador, perguntandoironicamente:— Os professores da universidade estão em greve? Pelas mesmasrazões de sempre, o salário?— Dentre outras coisas, respondeu a Professora, porque, além dosalário, nós temos a exigência de melhores condições de trabalho ede certos direitos que nos estão sendo negados.— Pois é, viu Fulana? [Dirigindo-se a filha dele que o acompanhava].Eu sempre fico me perguntando, de que adianta estudar, fazer umesforço tão grande, estudar!... Olha a Professora aí... [Apontandopara a Professora] Por isso que eu lhe digo que não vale a pena,porque... Você sabe que eu não tenho estudo... [Dirigindo-se àProfessora] Viu, Professora? Eu não tenho estudo, mas problema

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de dinheiro eu não tenho. Não tenho problema de salário, de nada.Dinheiro não é problema prá mim.Aí, a Professora conta que virou para ele e firmemente disse:— E só.Como havia chegado ao seu andar, a Professora vai descendo doelevador e ele a interpela:— Espera aí Professora, o que a senhora está querendo dizer?— O que eu estou querendo dizer é isso mesmo: E só. [Se despedee vai para casa].No outro dia, à mesma hora, o vizinho estava esperando por ela,quando ela se aproxima do elevador. Não estava mais com a filha,estava sozinho; parecia esperá-la deliberadamente para, de novo,abordá-la:— Professora, eu fiquei pensando naquela história de ontem, porquea senhora me disse: E só.— Ah!... Eu lhe disse isso mesmo. O senhor se lembra que o senhorme dizia jamais ter problema financeiro? Se comparava com osprofessores da universidade e dizia que dinheiro não lhe faltava,lembra? E eu lhe disse: E só.— Pois é... o que isso quer dizer? Diga, por favor...— Quer dizer o que eu lhe disse: O senhor só não tem problemasfinanceiros.— Mas eu ainda não entendi, Professora! O que isso quer dizer?— Pois eu vou lhe explicar: ao senhor pode não faltar dinheiro,somente dinheiro, porque, com certeza o senhor não podecompreender o mundo como os professores da universidade ocompreendem. Eu lhe garanto que o senhor está muito longe disso.O homem ficou pensando, e ela ainda lhe disse: — O senhor não imagine que os professores das universidades sãoimbecis, porque não são! Eu posso lhe dizer por mim: quando euoptei por ser professora de uma universidade, eu sabia que não iaficar rica, eu sabia que ia ter problemas salariais; mas prá mim eraimportante, em termos de vida, ser professora universitária,formando profissionais para darem conta deste país. Não foi paraganhar dinheiro, portanto. E eu não estou sendo imbecil por serprofessora nem por estar tendo problemas financeiros. SerProfessora é uma coisa que me realiza, foi uma questão de escolhade vida. Eu preferi ter conhecimento para compreender, cada vezmais, o mundo... mesmo sem dinheiro!

Os alunos pareciam pasmos com a história, muitos sementenderem, provavelmente, mas em profundo e respeitoso silêncio.A Professora apresenta, então, aos alunos uma argumentaçãoconsistente, mostrando a eles que não deveriam subestimar aprofissão de professor, não quererem ser professores por pensarque os professores, do jeito que estão, devem ir morar “debaixo daponte”. Explicitou ainda que:

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A má remuneração e o desprestígio profissional de professores sãoaspectos conjunturais deste país, pois, quando ela começara suacarreira, tinha prestígio e ganhava bem, tanto é que, como erasolteira e com poucos gastos, no segundo mês de salário ela comprouum carro. Por isso, assinalava, o desprestígio é conjuntural e nãoestrutural: estava dizendo isso sem perder a fé, claro.

Nesses relatos, existem aspectos curiosos da opção que aProfessora faz para apresentar e enfatizar as idéias decompreensão do mundo. Conhecer não é só — mas também —para ganhar dinheiro, diz ela, ao relacionar a questão doconhecimento com a docência:

Professora — Eu fiz a opção de não só estudar, continuadamente,mas, também, de socializar este conhecimento, ao ser Professora.Enfatiza aos alunos que sentia a responsabilidade de contribuirpara este País, no âmbito de sua profissão docente, dentro das suaspossibilidades, e que lhe parecia importante e necessário serprofessora. Que poderia ter sido apenas pesquisadora e publicarlivros e artigos, mas preferiu ser Professora-pesquisadora, ensinar,investigar, analisar, contribuir, publicar, no âmbito da sua práticapedagógica que é a sua prática social. Compreender o mundo,conhecer, ter essa leitura do mundo era tão importante e desejávelcomo ter muito dinheiro. Por isso tinha optado por compreender omundo, optara pelo saber, mas lutava, via de regra, pela justeza doseu salário, fazia greve.

Este episódio, ocorrido na sala de aula, proporcionou aosalunos pensar a questão da opção pelo magistério e, certamente,alguns alunos puderam pensar mais, refletir sobre a opção que jáhaviam feito. Os alunos pareceram-me surpresos naquela ocasião.Pareceu-me que eles jamais haviam pensado a questão da docênciapelo ângulo que a Professora lhes mostrara: implicando uma leiturade mundo, uma compreensão do mundo que o magistério pode dare o conhecimento que um professor bem informado pode ter, usare socializar na interação de sala de aula, no processo de ensino-aprendizagem-conhecimento com todos os seus alunos.

A Professora, em outra ocasião, apresentou um outro exemplode impacto que considero importante relatar:

Há alguns anos, começara a estudar Química, sozinha, paraconhecer essa ciência. Para tanto, pedia a ajuda de seus colegas

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professores e alunos de Pós-graduação, na Universidade ondetrabalhava, quando não compreendia bem um conceito ou outro.Mas, quando começou a entender Química, o mundo para ela ficaramuito diferente. Porque o mundo sem Química não era tãosignificativo, como o mundo com Química, desde que se conhecesse,compreendesse e pusesse no mundo, em relação, a Ciência Química.Desde que se aprendesse realmente química, se assimilasse ossaberes e os conhecimentos químicos tornando-os “semelhantes asi”, fazendo-os seus.

Em função disso, a Professora continuou dialogando com osalunos, debatendo sobre os valores tidos como fundamentais, aosquais se atribui, por razões ideológicas, maior importância em nossasociedade. Assim, fez uma incursão sobre o tema daprofissionalização do professor, suas dificuldades e suasgratificações. Neste sentido e perspectiva, de que cada um precisafazer sua opção, em âmbito escolar, a ênfase dada pela Professorapara os debates fora de que “conhecer é compreender o mundo”.Isto porque cada um faz sua opção: dinheiro é muito importante,mas dá para “trocar” pelo conhecimento? As provocações tinhamsentido reflexivo.

Em uma aula subseqüente, alguns alunos retomaram aquestão para dizer à Professora que “até admitiriam ser professores,só que, exclusivamente, em cursos superiores(!)”. Como a questãofôra posta em pauta, a Professora procurou saber da classe quantoshaviam mudado de idéia e já pretendiam ser professores. Asrespostas então obtidas apresentavam-se substancialmentealteradas frente aos resultados da primeira consulta, quais sejam:22 alunos tinham convicção de que seriam professores; 04 nãopretendiam jamais ser professores; 12 admitiam a possibilidadede vir a serem professores em cursos superiores; 10 se encontravamem dúvida. Percebia-se uma clara mudança de vários alunos emrelação ao seu posicionamento da aula anterior. Por que houve talmudança? Até que ponto a argumentação da Professora, na primeiraaula, influenciou algumas posições anteriores?

Este episódio é importante à medida que apresenta elementoslimitantes da questão da formação do professor, uma vez que seincorporou, em nossa sociedade, um juízo de valor superior,atribuído aos cursos de bacharelado e, consequentemente, àpesquisa, em detrimento da licenciatura, da docência e da profissão

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do professor. Isso configura nas Universidades, em termosendossados por professores universitários, a não valorização dacarreira do magistério, quer na não alocação eqüitativa de recursos,quer na falta de condições físicas, de materiais e equipamentospara as Licenciaturas. Um documento divulgado pelo ConselhoNacional de Secretários da Educação (Consed), de 1996, apresentauma análise incisiva sobre a formação de professores nos seguintestermos:

Inúmeros países vêm desenvolvendo políticas e ações agressivasna área educacional, cuidando sobretudo dos formadores, ou seja,dos professores, que são personagens centrais e mais importantesna disseminação do conhecimento e de elementos substanciais dacultura [...]. Em contraponto, quase nada tem sido feito no Brasilquanto à qualidade da formação e à carreira dos professores, paraajudar a reverter o quadro, que sabemos dramático, do níveleducacional da população em geral. E, mais grave ainda, é que aprofissão de professor tem se mostrado cada vez menos atraentepara camadas importantes de nossa juventude, tanto pelascondições de ensino dos cursos em si [quanto] pelos aspectossalariais e de prestígio social (Gatti, 1996: 1-2).

2.3.3 Episódio 3 - Freqüência: “controle burocrático” ou “instrumento de poder”?

Uma outra questão inicial interessante na classe de Didática,disse respeito à “falta de hábito” da Professora de “fazer chamadaoral” dos alunos (e eram 54!), conforme ela própria confessara. Oepisódio pode ser narrado da seguinte forma: a Professora deDidática, no segundo dia de aula, dirigiu-se aos alunos procurandonegociar uma maneira simples de resolver uma das questõesburocráticas que se encontram presentes cotidianamente em todasas salas de aulas. Ela assim se dirigiu aos alunos:

Professora — Há muitos anos, trabalhando na Pós- Graduação,não tenho mais o hábito de usar o diário de classe, nem de fazer“chamada oral”, para registrar as presenças. Gostaria que vocêsme sugerissem algo que pudesse fazer o mesmo efeito, que noslevasse a economizar tempo, mas que atendesse às normas daUniversidade que (ainda!) exige o registro da presença do aluno emdiário de classe.Aluno 1 — Não usa [o diário] isto é simbólico.Aluno 2 — Passa uma folha e todos assinam. O representante da

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turma fica responsável (o grupo aderiu a esta idéia).O representante da turma assumiu, responsavelmente, aincumbência, de forma tal que resistia fortemente a deixar os seuscolegas “assinarem a freqüência” se ele achasse indevido ou injusto.Muitas vezes, a Professora buscou, sutilmente, intervir em favordos alunos que sofriam com tal resistência.

A estrutura e os instrumentos de controle numa sala de aulaparecem muito subjetivos, mas demonstram parte da crença tantode alunos como de professores e dirigentes das instituições. E opoder facilmente se revela nos controles, de forma semelhante aocaso relatado. O representante da turma, facilmente, passou a ser“o dono do registro da freqüência dos colegas”.

Porém, outros dois episódios que aconteceram no decorrerdo semestre podem ser relacionados a este para nos propiciar maiselementos de reflexão. A Professora contou-me sobre um destesmomentos, ocorrido alguns dias depois do episódio sobre o registroda freqüência dos alunos:

Conforme havia ficado combinado, a cada aula era assinada pelosalunos uma lista de chamada e, de modo informal, após todos ospresentes a assinarem, ela ficava sobre a mesa da professora, detal modo que se algum aluno chegava atrasado, passava junto àmesa e assinava seu nome na lista, na presença da Professora. AProfessora narra o episódio ocorrido, enfatizando a questão-chave:Professora — Um dia, porém, um aluno que chegara atrasado,demonstrando pressa, passa, assina seu nome e, em seguida, vaiescrevendo também o nome de outro colega na lista. A Professora,que observou o aluno acrescentando o nome do colega, dirigiu-se aele e disse: — Fulano, não precisa acrescentar o nome do beltrano,porque ele já chegou. E o nome dele já está na lista. Outra vez,quando você for acrescentar o nome de alguém, acho que vocêdeveria olhar primeiro quem já chegou.

Ainda, num outro dia, os alunos voltaram a falar no assuntoda freqüência e uma aluna pergunta à Professora:

— Ninguém vai ser reprovado pela freqüência, não é Professora?Professora — É, isso mesmo. Mas eu preciso ter aqui comigo aquelesque realmente quiserem aprender e os que acharem que eu tenhoalgum saber e conhecimento que precisasse ser ensinado.

No caso citado, a chamada dos alunos no diário de classe,onde se registram as presenças, mas também as faltas, parece

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evidenciar que, para os alunos, esse rito não possui importância,mas as formas alternativas negociadas valem. Por um lado, elesreconhecem que a chamada se trata apenas de uma representaçãodo controle burocrático da instituição; por outro, reconhecem,também, que o professor, se ele o quiser, assumirá a burocraciaque pode ser “driblada”, ou definirá outros critérios com os alunos,os quais geralmente são bem aceitos.

Sobre sua percepção desses episódios, a Professora disse quesua observação ao aluno não tinha a intenção de dar lição de moral,que tinha apenas a intenção de fazer uma observação que ensejassesurpresa e reflexão. Ela ainda afirmou que, após esses episódios,os alunos deixaram de se preocupar, mas, quase todos os alunosda classe, lá estavam na aula, “cheios de pique”.

Refletindo sobre o caso, a Professora declara que tanto o diárioquanto o controle não fazem parte de seus hábitos há anos.Contudo, reconhece que fazem parte das exigências legais. Sendoassim, parece que ela não almeja que os alunos tão somente estejampresentes em função da presença anotada. Ela parece querer dizeraos alunos que não precisa usar, não quer ou não deseja lançarmão deste tipo de controle, para influir sobre a aprovação oureprovação dos seus alunos. Em suma, ela deve acreditar que só apresença física obrigatória não faz qualquer sentido em aula. AProfessora acredita que, muitas vezes, apenas uma observaçãoreflexiva e a segurança de que o controle não será punitivo é osuficiente para resolver o problema e possibilitar uma mudança deconduta dos alunos em caso como esses.

Nota

1 A idéia de perfil procura evitar o estereótipo habitualmente presente em trabalhosde pesquisa desta natureza. Mas, se fizer sentido, se fossemos fazer umacaracterização com o estereótipo de perfil, diríamos que: a classe é constituída de54 jovens, de faixa etária entre 19-35 anos, com concentração entre 21 e 22anos. Considerada como uma classe de bons alunos/as por seus professores. Nãofoi perceptível qualquer desvio, dependência de droga, comportamento indevidoou politicamente incorreto ou qualquer desvio comportamental. A classe, portanto,pode ser definida como grupo de alunos/as comuns, regulares.

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CAPÍTULO IIILEITURA E ESCRITA: CONTRIBUIÇÃO OU LIMITAÇÃO NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA?

• ♦ •

Face ao reconhecimento, tácito ou explícito, deque a questão da linguagem é fundamental nodesenvolvimento de todo e qualquer homem; deque ela é condição sine qua non na apreensãode conceitos que permitem aos sujeitoscompreender o mundo e nele agir; de que ela éainda a mais usual forma de encontros,desencontros e confrontos de posições, porqueé por ela que estas posições se tornam públicas,é crucial dar à linguagem o relevo que de fatotem (Geraldi, 1993: 05).

3.1 O planejamento de ensino de Didática das Ciências/ Biologia

Considerando que o conhecimento é construído na interaçãosocial, no âmbito da linguagem (nas suas mais variadas formas deexpressão), e que só se formam professores competentes, medianteum corpo consistente de conhecimentos, a Professora de Didáticaplanejou seu curso com base em leituras, cuidadosamenteselecionadas, possibilitando a construção, com os alunos, de umconjunto de reflexões e conteúdos que contribuíssemsignificativamente para que eles se constituíssem sujeitosprofessores de Ciências/Biologia.

A fim de conhecer as concepções da Professora sobre esteassunto, perguntei-lhe como realizava seu planejamento de ensino:ela respondeu que jamais definia o planejamento de uma disciplinaa ser ministrada por ela, sem conhecer primeiro os alunos; elagostava de sondar as necessidades deles e acreditava ser possíveldefinir, com os alunos, alguns conteúdos das Ciências/Biologia e,a partir deles, trabalhar, definindo a abordagem, ou seja, das

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questões epistemológicas para as questões teórico-metodológicas.Após discutir com os alunos em algumas aulas sobre um Plano deEnsino, que pudesse ser viável para desenvolver-se no tempo quedispunham (11 semanas), ficaram definidas algumas unidadesbásicas:

1. Questões de ensino, aprendizagem e conhecimento, baseadasnos artigos: ARAGÃO, Rosália M. R de. “Reflexões sobre ensino,aprendizagem, conhecimento’. In: Revista Ciência e Tecnologia(Ensino de Ciências). Piracicaba: Editora da Unimep, 1993. Ano 2,nº 3, jul/93; COLL, César. “Os fundamentos do currículo”._____.Psicologia e currículo. São Paulo: Edusp, 1996.2. O ensino de conhecimentos conceituais das Ciências/Biologia.Tema escolhido: evolução. Baseado no texto: CHAVES, Silvia N.Evolução de idéias e idéias de evolução: a evolução dos seres vivosna ótica de aluno e professor de Biologia do ensino secundário.Campinas, 1993. Dissertação (Mestrado), Unicamp. Além disso,foram indicados textos usuais de Biologia, selecionados pelos alunos.3. O ensino de conhecimentos representacionais das Ciências/Biologia. Tema escolhido: átomo. Textos usuais de Química,escolhidos pelos alunos.4. O ensino de conhecimentos processuais das Ciências/Biologia.Tema escolhido: fotossíntese, baseado no texto: GUIDO, Lúcia de F.E. A evolução conceitual na prática pedagógica do professor deciências das séries iniciais. Campinas, 1996. Dissertação (Mestrado),Unicamp.

A Professora afirmou que a forma de abordagem edesenvolvimento dos temas, como ficou definido com os alunos,levou-a a apresentar certos textos, não usuais, dos quais elesgostaram, mas acharam dificílimos. Entretanto foram as interaçõesnas aulas, com base nesses textos, que levaram aos acontecimentosrelatados nos próximos episódios.

3.2 Episódio 4 - Visões desencontradas de leitura: um texto é para ler!?

Um professor de Ciências e Biologia precisa ser versátil naleitura e escrita? A falta de leitura por parte de professores e alunosafeta a qualidade do curso? Um futuro professor, como qualqueroutro profissional, precisa ter clara a importância da leitura parasua formação. Formação implica experiência e liberdade (Cf.

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Larossa, 1998). Se assim for, os licenciandos precisariam envolver-se com a leitura, necessitariam ler, para conhecerem os maisdiversos pontos de vista e argumentos dos autores, a fim deenriquecerem suas próprias idéias e argumentos e ampliarem oseu espaço de opção e liberdade, constituindo-se sujeitos.

A partir da definição dos temas, quando do Planejamento deEnsino, a Professora relata, com sentimento de pesar, um dosepisódios iniciais ocorrido na sala de aula: quando ela entrega oprimeiro texto a ser lido pelos alunos e se desconserta porqueacreditara que bastaria fazer chegar o texto às mãos de seus alunos,e orientá-los quanto à leitura, para que a aula subseqüente pudesseser profícua. Este episódio ajuda-nos a iluminar o tema da formaçãoe estabelecer pontos para reflexões sobre a leitura e escrita naformação do “sujeito professor”. A professora narra o episódio nosseguintes termos:

Quando eu entreguei o primeiro texto [à classe], um artigo científicode minha autoria — Reflexões sobre Ensino, Aprendizagem,Conhecimento... — eu me desconsertei porque achei que bastariaentregar em mãos, a cada aluno, as xerocópias, como fiz... e orientá-los quanto à leitura. Contudo, na outra semana eu perguntei: —“Vocês leram?”. Os alunos me responderam: — “Não...” Eu perguntei,então: — “E por quê?” E os alunos responderam: — “Porque... vocênão pediu” [Risos]. Ora meu Deus do Céu!

Eu endosso: Para que serve um texto? A professora me dizcomo se estivesse falando para si própria, refletindo:

Parece óbvio, ululante... Se eu digo aos alunos: “O primeiro textoque nós vamos ler é esse daqui. Um artigo reflexivo sobre concepçõesde ensino-aprendizagem-conhecimento. Eu trouxe de presente paravocês, está aqui, em mãos! Vocês façam uma leitura assim.... assim...assado”. E na outra semana... Ninguém leu?! E os alunosperguntarem: “Era prá ler?... A senhora não pediu, Professora. Asenhora não disse: Leiam para a próxima semana”.

Em seguida, a professora comenta em tom reflexivo ecompreensivo: “Era verdade, eu não havia dito isso. E o que issosignifica? Nada? Que eles são vagabundos? Não”. Perguntei àprofessora que análise ela fazia deste episódio, para podercompreendê-lo? Ela me respondeu: “Significa, ao meu ver, que eles

leitura e escrita: contribuição ou limitação?

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estão habituados a seguir instruções. Dependem delas. Eles sórespondem a instruções claras. Do tipo comando: Busque isso,faça aquilo, faça aquilo outro...”

Eu endosso: É. Tem de ter uma palavra de comando, umaordem expressa autoritariamente, para eles atenderem... Aprofessora acrescenta: “E a leitura, seja qual for o tema, como nãoos fascina, não parece ter sentido nem significado para eles... Precisaser ordenada, definida por uma ordem clara que parte de quemcomanda, o professor: Leiam!”.

A professora continua sua análise: “Ao meu ver, não é queeles sejam vagabundos ou não possuam vontade de estudar. Não!Ao contrário, o episódio da mudança das três professoras deDidática deixa claro que eles têm sede de aprender, eles querem,eles buscam, eles exigem mais... E, muitas vezes, são enganados”.Eu concordo com a reflexão: — É verdade! Eles têm vontade, elesvêm para um curso noturno, eles são inteligentes, eles estãopreocupados... Então, o que falta a esses alunos? Eles não sãoculpados; eles estão perfeitamente no lugar até onde os levaram.

Pensamos juntas, mas silenciosas, que, também, não é umaquestão de “fraqueza do alunado”. Contudo, observam-se situaçõesconstrangedoras, de falta de entendimento, de condutas sempreesperadas de estudantes universitários... E, neste caso, os nossosalunos, supostamente, futuros professores! Não estaríamosexigindo demais desses alunos, antes de regularmos nossalinguagem, com a nossa estranheza?!

A partir desta e de outras experiências das suas aulas deDidática, a professora, assim, assinala, de acordo com sua visão, arelevância da leitura: “As principais dificuldades encontradas e,de certa forma, mantidas nessa turma, advém do fato de euconfigurar que o maior entrave, para mim, foi a distorção leitura-escrita que eles sobejamente apresentavam...”.

Se formação implica experiência e liberdade, os licenciandosprecisariam envolver-se com a leitura, necessitariam ler muito mais,a fim de enriquecerem suas próprias idéias e argumentos. Contudo,ao que parece, não é esta a prática desses alunos. Suas históriasna universidade apontam noutra direção. Eles lêem muito pouco enão possuem condições necessárias à leitura, de tempo e de acessoa livros.

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Considerando que estão num curso de Formação Inicial deProfessores, considero extremamente graves as lacunas edificuldades de leitura que os alunos, via de regra, apresentam,posto que não podemos formar bons professores sem uma basesubstancial de conhecimentos, sem que formemos, portanto, a umsó tempo, leitores. Qualquer formação diferenciada, em termos deboa qualidade, dá-se principalmente pelas leituras, associadas aum cuidadoso trabalho de mediação docente que propicie,permanentemente, ajuda pedagógica dos docentes formadores aosfuturos professores.

O quadro é agravado, ainda mais, quando, aliado àsinformações dos alunos, que nos revelaram que poucos delesdesejam ser professores (40 % dos alunos); eles se matriculamnum curso de formação de professores, por motivos circunstanciaise não por opção genuína. Assim, questões fundamentais, relativasà leitura por parte dos alunos, não podem deixar de ser investigadas.

A professora de Didática perguntou aos seus alunos: “O quevocês têm lido no curso...?”. É ela própria quem responde:

Eles informam que 70% do que lêem são apostilas. De que natureza?Valeria a pena investigar o que eles chamam de “postilas”. Contudo,pode-se contar com os alunos para dizerem, para ofereceremexemplos, materiais, evidenciando em que consiste a leitura típicadeles: são resumos, que manifestam um único ponto de vista, o doprofessor. Eles acham que não pensam, por quê? Está a questão daleitura relacionada com o saber pensar, o buscar pensar, o teroportunidade para pensar? Os alunos sempre dizem: A gente nãoprecisa pensar para fazer os trabalhos solicitados ou responder àsperguntas que são feitas nas provas — nem em exercícios. Bastarecordar, se lembrarem o que o professor disse em aula e repetirem,mesmo sem compreensão, fica tudo bem.

Os episódios evidenciadores de que os alunos acham quenão pensam, causaram grande impacto, principalmente naprofessora. Em entrevista, a mim concedida, a professora ressaltaque a leitura foi a principal dificuldade encontrada no seu trabalhocom os alunos.

Para encaminhar as discussões que aqui emergem, medianteas falas dos alunos e da professora sobre a importância da leiturae escrita na formação do professor (e na formação de qualquerprofissional), torna-se importante investigar e compreender mais

leitura e escrita: contribuição ou limitação?

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sobre linguagem e construção do conhecimento, para ampliar nossacompreensão.

No ser humano, pode-se assinalar a imbricação linguagem-pensamento. As crianças, por exemplo, utilizam a linguagem parasaltar de uma imagem criativa a outra e, ainda, para avaliar aspossibilidades. A fala egocêntrica, estudada por Vygotsky e Piaget,quando as crianças falam em voz alta, apenas para benefício próprio,é através da fala que a criança estrutura claramente sua ação,dizendo em voz audível suas intenções de ações, planejando paraatingir determinado fim, mas, também, faz a avaliação da sua ação,quando fala dos possíveis resultados desta ação, se a mesma forexecutada. Claramente, ela demonstra o uso da linguagem,estruturando seu pensamento e sua ação.

Concebendo a linguagem como um processo sócio-histórico,cultural e psicológico, busco através de diversos autores,compreender a importância da linguagem na construção do “sujeitoprofessor”. Estabelecendo-se, como pressuposto teórico quelinguagem é pensamento, a comunicação sempre é um processosocial.

Assim, temos como princípio fundamental “o conhecimentocomo algo socialmente construído, também conhecido comoaproximação sociocultural, e que se dá no processo de interaçõeshistórico-sociais do homem. A comunicação é fruto dessaconstrução de signos e sinais, construídos graças à criação emanipulação de situações sociais, e nos comunicamos através datransmissão destes signos. Portanto, a comunicação é sempre umacriação da comunidade” (Lemke, 1997: 12). Nesta percepção doconhecimento, como construção humana sócio-histórica, alinguagem apresenta dupla função, a função cultural (comunicar)e a função psicológica (pensar) que não estão realmente separadas(Mercer, 1997:15).

Na sua função cultural, a linguagem permite aintercomunicação com os membros de uma comunidade, de umaetnia lingüística. Apresentando-se como resultado de construtoscoletivos, a linguagem traz em si a marca da história e da própriavida do homem, propiciando seu desenvolvimento, como ser social.Qualquer espécie possui códigos de comunicação, mas a linguagemproporciona ao ser humano a construção social e histórica de sua

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civilização. Enquanto permite as trocas necessárias ao trabalhocoletivo, social, permite que o saber acumulado seja transmitido eque se construa, a partir do passado, presente e futuro, naperspectiva histórica.

A função psicológica da linguagem — pensar —- propicia aohomem que estruture seu próprio pensamento, codifique-o e otransmita. Também em sentido inverso, ouve a fala dos seus pares,a decodifica e a incorpora ao seu conhecimento anterior, atribuindo-lhe significado.

Por isso, concebe-se a linguagem tanto como uma capacidadehumana de construir sistemas simbólicos quanto como umaatividade constitutiva, cujo locus de realização, dentre outros, é ainteração verbal. Segundo J. W. Geraldi, nesta relacionam-se umeu e um tu e, na relação, constroem os próprios instrumentos (alíngua), que lhes permitem a intercompreensão. Obviamentenascemos num mundo, onde muitos eus e muitos tus já seencontraram. A língua é uma destas formas de compreensão, modopelo qual cada um de nós apreende os sentidos das coisas, dasgentes e de suas relações. Assim, de acordo com J. W. Geraldi(1996: 67) e M. Bakhtin (1977: 406), a aquisição da linguagem,dando-se pela internalização da palavra alheia, é, também, ainternalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheiasvão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavraspróprias (internas), que utilizamos para construir a compreensãode cada nova palavra, e assim, ininterruptamente. É neste sentidoque a linguagem é uma atividade constitutiva: é pelo processo deinternalização do que nos era exterior que nos constituímos comoos sujeitos que somos, e, com as palavras de que dispomos,trabalhamos na construção de novas palavras. Também, aqui, umtrabalho ininterrupto.

Por isso a língua não é um sistema fechado, pronto, acabado,de que poderíamos nos apropriar. No próprio ato de falarmos, denos comunicarmos com os outros, estamos participando, queiramosou não, do processo de constituição da língua.

Um enunciado nunca é somente reflexo ou expressão de algo jáexistente, dado e concluído. Um enunciado sempre cria algo quenunca havia existido, algo absolutamente novo e irrepetível, algoque sempre tem que ver com os valores (com a verdade, com o bem,

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com a beleza etc.). Porém, o criado sempre se cria do dado (a língua,um fenômeno observado, um sentimento vivido, um sujeito falante,o concluído por sua visão de mundo etc.). Todo o dado se transformano criado (Bakhtin, 1997: 42).

É no espaço da interlocução que se constituem os sujeitos, alinguagem, o conhecimento. Como os sujeitos não são cristalizaçõesimutáveis, os processos interlocutivos estão sempre a modificá-los. Ao modificar o conjunto de informações de que cada um dispõea propósito dos objetos e dos fatos do mundo; ao modificar ascrenças pela incorporação de novas categorias e, até mesmo, aomodificar a linguagem com que falamos e representamos o mundoe as relações dos homens neste mundo, os processos interlocutivose mesmo os próprios sujeitos vão se constituindo (Cf. Geraldi, 1993:27-29). Construir sentidos no processo interlocutivo demanda ouso de recursos expressivos e estes têm situacionalmente a garantiade sua semanticidade, já que “o sentido da frase — dir-se-ia —pode deixar em aberto isso ou aquilo, mas a frase deve ter umdeterminado sentido. Um sentido indeterminado não seriapropriamente sentido nenhum” (Wittgenstein, 1975: 52).

O que permite a um sujeito compreender o sentido que ointerlocutor procura estabelecer em sua mensagem? Provavelmentedominar um sistema de referência (experiências, conceitos, leituras,etc.) semelhantes ao que o seu interlocutor possui, isto é, que osujeito possa atribuir significado e possua compreensão semelhanteao que atribui o seu interlocutor.

Os alunos do quinto período de Biologia demonstraramdificuldade em decodificar, compreender o significado que aprofessora queria dar à sua fala. Não acostumados a uma rotina deleituras permanente, eles tomam o texto que a professora lhesentrega e não o lêem. Parecem não compreender as palavras daprofessora, quando os orienta de como proceder à leitura do textoem pauta e sobre quais os objetivos eles precisariam estabelecernaquela leitura.

Mesmo concordando que não seria necessário um grau deexplicitação — a ponto de a professora de Didática ter de dizer “euquero que vocês leiam este texto para a próxima aula — eu quiscompreender por que a professora não pediu para eles lerem? Aprofessora explica:

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Por que eu não pedi para eles lerem?... Porque eu passei vinte ecinco anos em uma outra universidade, e nunca pedi para nenhumaluno ler. Ler era algo absolutamente pacífico, era tácito para osalunos (...). Se eu chegar com um livro na sala de aula, apresentaro livro, claro que eu estou querendo que se leia. Não é só paraexibir. E eles ficaram pensativíssimos quando eu, ainda, lhes disse:“Ir à biblioteca em uma outra Universidade, onde trabalhei, achoque resultava numa freqüência maior que a do cafezinho”.

Como o trabalho com a linguagem vem se caracterizando cadavez mais pela presença do texto, quer como objeto de leituras quercomo trabalho de produção presente em qualquer das disciplinasque são usualmente ministradas (técnicas ou não), os elementosdeste episódio nos remetem ao estudo e à compreensão daatribuição de sentidos à fala do outro, pelos sujeitos. Os alunos,talvez habituados à linguagem denotativa, não compreenderam osignificado das palavras da professora, que expressavam suaintenção; quando ela lhes entregou o texto, esperava a leitura porparte dos alunos. Sobre este tema, busco em J. W. Geraldiconsiderações importantes:

No processo de compreensão ativa e responsiva, a presença da falado outro deflagra uma espécie de “inevitabilidade de busca desentido”, esta busca, por seu turno, deflagra que quem compreendese oriente para a enunciação do outro. Como esta se constrói tantocom elementos da situação quanto com recursos expressivos, aadequada compreensão destes resulta um trabalho de reflexão queassocia os elementos da situação, os recursos utilizados pelo locutore os recursos utilizados pelo interlocutor para estabelecer acorrelação entre os dois primeiros (Geraldi, 1993: 19).

É necessário um traço de união para compreender amensagem, ou, como diz M. Bakhtin, a enunciação de outrem:

Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se emrelação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contextocorrespondente. A cada palavra da enunciação que estamos emprocesso de compreender, fazemos corresponder uma série depalavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas esubstanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão(...). A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para aenunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo.

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Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. É porisso que não tem sentido dizer que a significação pertence a umapalavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a umapalavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, elasó se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva(Bakhtin, 1977: 131-132).

Estas compreensões desvelam “nossas contrapalavras” àspalavras dos outros. É por isso que na “‘minha’ palavra me (re)velo,e na contrapalavra `a palavra do outro que me constitui comosujeito” (Geraldi, 1996: 139). Portanto, no foco central da formação,não só do professor, sujeito deste trabalho, mas na formação econstituição do sujeito, a questão da linguagem é fundamental. Éna questão relativa à linguagem que o mundo acadêmico objetivaa aquisição do conhecimento pelo futuro profissional, que possafalar com os de seu grupo e atribuir um significado mais próximoao sentido dos seus interlocutores, estejam eles presentes,mediante a fala, ou presentes, mediante seus textos escritos.

Assim, a leitura e a escrita constituem-se na atividadeessencial da formação acadêmica. Para que, a partir dacompreensão, da significação próxima ao sentido do autor, ele possaatribuir, principalmente, significado para si, estabelecendo suaprópria leitura do texto.

3.3 Episódio 5 - O que lêem os alunos do Curso de Biologia? Como lêem? Por que lêem? Que orientações recebem?

Investigando o processo pedagógico nas situaçõesprocessuais de ensino, as condições de leitura e escritaevidenciaram-se como um importante obstáculo epistemológico aser superado para a melhoria dos resultados esperados no ensinoe aprendizagem dos futuros professores. A fim de conhecer e buscarelementos que nos permitissem melhor compreensão, investigueialgumas das condições de leituras na formação profissional noCurso de Ciências/Biologia, em turmas do 2º, 6º e 8º períodos doano de 1997, através da realização de pesquisa, com aplicação dequestionários a 66 alunos. Os dados obtidos, através dainvestigação, podem auxiliar na compreensão de alguns episódios

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ocorridos em sala de aula, e aqui destacados, a respeito dasdificuldades dos alunos, advindas do baixo índice de leitura e, ainda,do tipo de prática de leitura que lhes era familiar, consideradascomo obstáculos pela Professora de Didática.

Tais dados, apresentados no decorrer deste trabalho, revelamuma situação bastante preocupante com o baixo índice de leitura,informação e escrita dos acadêmicos. Os indicadores obtidosajudam a discutir a importância destes na formação dos futurosprofessores. Ao procurar identificar os hábitos de leitura, os alunosde vários semestres, também do 5º, responderam — (48%) quase ametade dos alunos de Biologia — que durante todo um semestrede aulas leram apenas 01 (um), no máximo 02 (dois) livros, ou nãoleram nenhum livro. Sobre a natureza das leituras realizadas, elesresponderam que dos livros lidos no último semestre, 50% eramde natureza Didática; 27% foram livros técnicos; 23% dos livroseram de auto-ajuda; 17% romântico-amorosos; 14% de poesias;13%, aventura, e 9% de ficção-científica.

Estes índices destacam-se, principalmente, ao considerar-se que são relativos a alunos que se preparam para seremprofessores. Nas interações com a classe, a Professora de Didáticaficou surpresa, quando, após a entrega do seu primeiro texto,percebeu que os alunos não apresentavam sequer termosadequados de referência. Ela observa: “Eles chamam meu artigode ‘postila’ e eu não aceito”. Eis o diálogo, a respeito, entre alunose Professora:

Alunos — É a “postila” que a senhora deu...Professora — Eu nunca dei “postila” para vocês. Eu não! Vocêsestão confundindo, não fui eu não.Alunos — Não, Professora, aquela.... “Reflexões sobre ensino”.Professora — Aquilo não é “postila”, aquilo é um artigo, um artigocientífico.Alunos — Ah!! (Com expressão de que compreenderam a mensageme percebem o equívoco).E eles começam a corrigir a linguagem.

A Professora mesma faz a análise crítica da situação, quandodiz: “Esse tipo de contexto é precioso. Eles não têm sequer o termode referência, eles não estão nem familiarizados com o termo dereferência. A leitura de um artigo é leitura de ‘postila’. ‘Artigo’ ou

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‘postila’, tanto faz!... Ambos são textos gráficos!”Estes episódios demonstram que, verdadeiramente, os alunos

estão na Universidade e, na maioria das vezes, terminam o cursode graduação sem “saber ler”, isto é, “lêem sem ler”. E ainda semdesenvolver gosto pela leitura. Ao meu ver, os alunos, mesmouniversitários, via de regra, não sabem ler, porque ler não é apenasbuscar alguma informação em um texto. Isto eles conseguem. Ler,efetivamente, é ser capaz de, pela leitura, lidar com um ou maistextos e compreender sua ou suas mensagens, atribuindosignificados e compreendendo sentidos, no estabelecimento derelações entre eles e, nos textos, em si mesmos. É ser capaz deanalisar e usufruir da sua mensagem para seu conhecimento, deacordo com sua realidade e suas concepções.

Que questões podem estar ocultas nas teias complexas dasrelações sociais - políticas - educacionais, que episódios como essesnos evidenciam?

Os episódios ocorridos com tais alunos nos remetem amúltiplos problemas, intrínsecos a relações sociais, econômicas,políticas, educacionais imbricadas na vida destes estudantes e queagem diretamente sobre as condições de estudo destes. Os nossosalunos demonstram dificuldades onipresentes na vida de alunostrabalhadores. Nos seus relatos e comentários, podemos perceberdiversos aspectos e vários níveis destes, influenciando em suasvidas, enquanto alunos e, enquanto pessoas.

Os alunos dividem suas opiniões sobre o volume de leiturassolicitadas no seu curso. Nas suas respostas, apenas 1% respondeuque achava ótimo, enquanto que 49% acharam suficiente; e 45%acharam insuficientes. Alguns justificam serem as leiturasinsuficientes por razões tais como: “acho insuficiente, pois fazendoestágio, trabalhando e estudando, há muito pouco tempo paraleitura”; “é suficiente para a realidade dos alunos do períodonoturno, pois a maioria não tem tempo disponível. Porém para umaaprendizagem acho que é pouco”; “Pois estes [os livros] que tratamde Educação, não tenho interesse, porque não serei professor”. Osalunos, segundo dizem, geralmente lêem, em espaço e tempodeterminados, tais como:

No meu trabalho, durante as folgas; no horário do almoço, no ônibus;antes de dormir; no banheiro; em casa, de madrugada; à noite, ao

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chegar da faculdade; no intervalo do almoço; intervalo da aula; nomeu estágio, quando há tempo; no trabalho; no fim-de-semana.

Alguns são mais explícitos quando informam:

Alguns livros e revistas para trabalho de monografia, só leio às vezes,quando tem prova.Leio durante as viagens, (pego 5 ônibus por dia). Durante a semana,na hora do almoço, porque faço estágio e, nos finais de semana, leioem casa, no lugar que mais gosto. Nos finais de semana, chego a lerboa parte do dia, às vezes, chego a ler o dia todo, se gosto do assunto.

Como alunos adultos, que freqüentam um curso noturno, amaioria necessita trabalhar para manterem-se financeiramente,bem como para pagar o seu curso universitário. Portanto, segundosuas falas, já apresentadas, eles trabalham durante o dia, viajamaté Piracicaba, estudam a noite, quando as aulas terminam às 23h. realizam a viagem de volta, chegando em casa por volta da meianoite ou 1 h. da manhã, muitas vezes, ainda sem jantar.

Que condições de tempo e, até mesmo, disposição físicapodem possuir estes alunos para ler, estudar, pesquisar, fazer ostrabalhos solicitados pelos professores?

Além disso, é importante ressaltar que suas experiênciasquanto ao ensino-aprendizagem e a relação com a leitura, são frutosdo ensino por Transmissão- Recepção (T-R); e, ainda, apoiadosunicamente em apostilas, em geral, resulta que os alunos nãoconseguem aprender a estabelecer interações efetivas com alinguagem escrita, seu sentido e significados.

Compreendendo a importância das interações com a leitura,na construção do conhecimento dos alunos, para atribuirsignificados às palavras “alheias” e ter condições de estabelecersuas contra-palavras às palavras do outro, a Professora de Didáticarealiza uma cuidadosa seleção dos textos, para trabalhar com osalunos do 5º período de Biologia. Intencionando que os alunospossam, no futuro, tornar suas, as palavras alheias e que possamevoluir em suas concepções, tendo em vista sua formação comoprofessor.

A Professora de Didática me disse que considera importantea seleção do texto didático para a formação dos professores. Emfunção disso, elaborei as seguintes questões: Como são

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selecionados textos didáticos? Que critérios devem serconsiderados? A Professora de Didática respondeu da seguinteforma:

Eu tinha “n” autores a considerar, mas eu tinha uma clientelaespecífica de uma Universidade que é do noturno e que congreganesta situação de ensino do noturno 54 sujeitos. E quem são essessujeitos? Alunos trabalhadores. Eu não poderia trabalhar com textoslongos; eu tinha que buscar a maior clareza possível, eu tinha quebuscar uma leitura mais fácil, porque eu sabia que eles não sabiamler, e ainda fui quebrar a cara com a leitura. Mas, eu vou dizerhonestamente quais as questões de leitura que me preocuparam equais as que não me preocuparam. Porque o bonito é isso: quebrara cara, porque se estivesse tudo certo, não seria tão importante.

A Professora demonstra, pela sua fala, que já tinha idéia dasdificuldades sócio-econômicos, culturais e educacionais presentesem uma classe universitária do noturno. Planejou cuidadosamenteseu trabalho, a fim de superar as supostas dificuldades. Contudo,o problema era maior do que ela supunha e, assim, ela necessitou“elaborar as aulas com muito cuidado”, procedendo,continuamente, inúmeros ajustes. Portanto, adotou a leitura emsala de aula e discussão dos alunos em grupos, uma vez que elesnão conseguiam realizar as leituras em casa. Usando parte da aulapara orientá-los em relação às leituras e ajudá-los a compreendereme estabelecerem relações com os textos estudados.

Na perspectiva de que os alunos do Curso de Biologiapudessem ser interlocutores nos textos estudados, para quealcançassem esta meta ao que parece, ainda havia uma grandedistância. As atividades de leitura desenvolvidas com os alunosdemonstraram que eles lêem com propósitos específicos,denotativos. Segundo a Professora, eles tomavam o texto e faziamassim:

Alunos — Apresentação? Ah, não interessa! Introdução? Deixa euver se tem alguma coisa. (Corre os olhos pelo texto). Ah, tem! Temos objetivos do CNPq, por exemplo.Professora — E aí vai enviesando...Alunos — Ah, é interessante porque a Professora disse dos objetivosdo CNPq, então interessa os objetivos.Professora — Então eles pulam para outra parte do texto.Quando a Professora perguntava: — Mas porque você não lê aintrodução? Os alunos respondiam: — Não, Professora, a introdução

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é sempre conversa fiada. Aí a gente “perde tempo”. A professorainsistia: — Então o que vale, no texto? E eles explicitavam: — Aspartes sublinhadas, destacadas, estas valem.

Buscando compreender alguns aspectos da leitura que osalunos fazem, e a orientação recebida de seus professores,percebemos que suas práticas se constituem verdadeirosobstáculos à aprendizagem significativa. A Professora comenta que“eles podem até fazer a interface, só que não a interface ‘ligada’.Eles fazem-na desligada, descolada do todo, é tudo fragmentado...”.

A Professora teve, então, de fazer um trabalho cuidadoso juntoaos alunos, a fim de possibilitar a superação destas dificuldades,praticamente, ensinando-os ou estimulando-os a ler. No contextoda “prova” de Didática, é possível perceber o encaminhamento quea Professora estabelecia, através de alguns diálogos, quais sejam:

Aluno — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora?Professora — Você leu o texto?Alunos — Eu dei uma olhadinha.Professora — Então leia de novo, aprofundando a sua olhadinha.Eu vou dizer quais são os momentos do texto, que eu acho que vocêvai gostar mais: Aqui..., aqui... [apontando e indicando as partes notexto]. [Uma colega nossa brinca com a Professora: “Resolveutrabalhar na zona de desenvolvimento proximal, hein?”]Professora — [Dando uma gargalhada]: “Resolvi”.

Este trabalho da Professora em procurar chamar a atençãodo aluno para encaminhá-lo em sua leitura — a fim de que, com asua mediação, possa realizar uma tarefa que, sozinho, lhe seriamuito difícil —, configura-se como atividade na Área deDesenvolvimento Proximal de Vygotsky (Cf. Vygotsky, 1984). AProfessora conta que, na mesma “prova”, outro aluno aproximou-se e disse:

Aluno — Ó, eu só vou ler este parágrafo, e esse outro, não.Professora — Qual é o que você leu?Aluno — Só li o que você me indicou, que eu ia gostar.

Em outro momento:

Professora — Vocês leram a introdução?Alunos — Não.

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Professora — E por quê?Alunos — Ah, porque são aquelas coisas gerais, “babacas”, que agente não vai precisar. Eu li só as coisas que era preciso ler.[A Professora então comenta] — Então você vai ver lá “grifadinho”,mas eles só leram aquilo mesmo. É como se fosse feita uma triagem.Mesmo eles lendo isso aqui, eles não vão grifar porque, na opiniãodeles, são gerais demais as considerações.

Infelizmente, este quadro de dificuldades, de falta de leiturae de práticas adequadas de leitura por parte dos alunos não existeapenas no contexto desta turma. Para contribuir nesta reflexão,cito texto de J. W. Geraldi, sob o título “Barbárie Educacional”, noqual o autor comenta os resultados parciais da pesquisa deavaliação do ensino público, realizada pela Fundação CarlosChagas:

A dificuldade em dominar o léxico e as estruturas da língua sereflete inexoravelmente em [do aluno] sua capacidade decompreensão, de raciocínio, de trabalho e em seu comportamentosocial. Numa palavra, limita a sua autonomia individual ao mesmotempo em que estreita violentamente o seu acesso a todo tipo deoportunidade de desenvolvimento pessoal (Folha de São Paulo, 25/02/90 apud Geraldi, 1996: 35).

Estes comentários indicam que os problemas de deficiênciano uso da língua, da escrita e em dominar as estruturas da línguaencontram-se presentes, de maneira generalizada, nas escolasbrasileiras. Mesmo assim, falta orientação pedagógica aosprofessores para trabalharem com seus alunos de maneira quelhes possibilitem este aprendizado, pois a superação milagrosa nãoacontece. Contudo, há uma tendência do professor a culpar aescolaridade anterior, estabelecendo um “jogo de culpas”progressivo e irremediável, caso não seja interrompido este círculovicioso. Dialogando — a Professora e eu —, com outros colegas daUniversidade sobre estas questões, uma professora diz que:

Professora 1 — De fato, o aluno, na leitura, só vai responder à suasolicitação. O restante não interessa. Isso prá mim são resquíciosdo 1º e do 2º graus. Se a gente achava que, no 3º grau, isto jáestava superado, não está não.Professora — Só não é superado — e a gente não pode pensar queos alunos já tenham superado — porque ninguém cuida disso. Agente tem uma expectativa de superação em termos milagrosos,

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espera que aconteça um milagre; que, por estar mais maduro, oaluno “saca” e muda de atitude.

Além disso, tendo em vista que muitos alunos declararamque lêem pouco, segundo nossa concepção (minha e da Professora)e, procurando compreender se a situação de leitura e do pensarera algo pontual ou, ainda, se se trata de uma questão cultural,procuramos conversar com alguns professores.

Comentando a questão com estes colegas, a fim de investigarse estava apenas acontecendo com aquela turma, e quem sabe,apenas, naquele momento, uma professora nos dizia: “Comigo issonão acontece. Quando eu pergunto para os alunos se eles leram,eles dizem: — ‘Sim, lemos’. Quando pergunto a eles se entenderam,eles me asseguram que entenderam. Nunca ninguém me dissecoisas como essas”.

Em contrapartida, a Professora de Didática, apresenta umaresposta diferente. Observava-se como a atitude dos alunoscostuma mudar nas situações de ensino, mesmo, quando asprofessoras fazem praticamente as mesmas perguntas. A Professoradizia: “Comigo não acontece nada disso, mas eu pergunto aosalunos”. Podemos perceber que a pergunta é realizada de maneirageral: “Vocês leram o texto?”. A resposta do aluno é uma respostaburocrática, isto é, responde para dizer que cumpriu a tarefa. Jáquando a pergunta é particularizada: “Vocês leram a introdução?”os alunos respondem: “Não”. “E por que?” “Porque são aquelascoisas gerais, que a gente não vai precisar. Eu li só as coisas queera preciso ler”. Então os alunos fazem ressalvas, com a maiorfranqueza, sobre a leitura. Era como se acreditassem que aProfessora de Didática pudesse “agüentar” a franqueza deles,pudesse efetivamente compreendê-los; sem acusá-los, sem fazerdiscursos moralistas e sem considerar a franqueza deles comopenalidade, na hora da avaliação.

A Professora diz que, realmente, quando ela ia ver o textodeles, lá estavam, grifadas, só as partes que eles leram (ou apenasas partes que provavelmente entenderam). É importante observar,nestes dois episódios, que existem dois contextos em que se fazemas mesmas perguntas, mas que as respostas são sobremaneiradiferentes. Outro ponto crítico está relacionado aos temas deinteresse dos alunos: o que eles lêem? Os alunos nos informaram

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que a maioria das suas leituras é feita com base em “apostilas”. AProfessora comenta: “Eu sei, por exemplo, que eles têm apostilasque são resumos. O que é uma apostila? Bom, caracterizar isso emfunção dos dados que eles fornecem, é precioso, porque você sabeque a grande maioria das faculdades adota apostilas”.

O que são apostilas? Em geral são “resumos”, nos quais osprofessores fazem uma abordagem muito rápida do conteúdo queconsideram relevante para a aprendizagem; via de regra, “essencial”.Os alunos, muitas vezes, até gostam das apostilas, principalmentepela “objetividade” e “economia de tempo”. Eles usam essasapostilas, decorando conceitos, classificações fundamentais eacreditam ter o necessário para fazer as provas. Em geral, vão bemnas provas, se o professor perguntar apenas o que está sintetizadonaquela apostila, que é, geralmente, o que tende a ocorrer. Por setratar de resumos — geralmente, com conceitos, classificações,nomeclaturas unicistas, permeados por uma tessitura pobre emconteúdo — eles favorecem, decididamente, a mecanização, asimples memorização. As apostilas se configuram como resumosmecanicistas de um único ponto de vista: o do professor. E esta é aleitura básica dos alunos.

Buscando investigar as atividades de escrita, os alunos nosforneceram alguns dados, através da pesquisa, quandoperguntamos: “O que lhes foi solicitado de escrita no primeirosemestre deste ano?”. Pelas respostas dos alunos, as atividades deleitura e escrita realizadas nas escolas, na maioria das vezes,demandam pouco da interação criativa do aluno como leitor eescritor. Do que lhes foi solicitado que escrevessem no primeirosemestre, eles respondem, em ordem decrescente de freqüência,que são: relatórios (86%); comentários nas provas (83%); trabalhosde pesquisa (75%); análise de textos (66%); resumos (64%);exercícios (42%); respostas a questionários (31%); artigos (27%) eresoluções de problemas (25%).

Estas são atividades cujo padrão geral considera um modeloúnico e a repetição das idéias de autores estudados. Além disso,por possuírem caráter avaliativo (relatórios, provas, resumos,respostas a questionários) são, geralmente, mecanicistas erepetitivos, uma vez que não é solicitado o desenvolvimento deidéias próprias dos alunos, através de discussões e atividades que

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possam desenvolver a criatividade. Trabalhos de pesquisa, análisesde textos e artigos são atividades que favorecem o desenvolvimentoda compreensão de leitura e escrita. No entanto, só contribuirão,de fato, para isto se deixarem de ser realizadas sob orientaçõestradicionais, mecanicistas, cuja ênfase esteja centrada em modelospreestabelecidos.

Em função desses episódios, ocorridos em aula, gostaria deestabelecer alguns pontos de reflexão, posto que, podem algunsargumentar que é uma questão pura e simplesmente dediferenciação de nível da universidade. A Professora me diz combastante firmeza:

Não é apenas isso. É muito mais uma questão de ausência de inter-relações e falta de clareza com relação ao curso por parte de todos:instituição, coordenação de curso, de muitos professores queparticipam desta e de outras universidades brasileiras. É umproblema da estrutura de ensino, da própria formação que osprofessores tiveram, desde que não signifique culpar os professores.

Eu concordo e, na ocasião, acrescentei que os professoressão como são porque foram formados pelas escolas brasileiras.Portanto, o problema é estrutural mesmo. A estrutura educacionalbrasileira é sobremaneira complexa. A partir das respostas dosalunos, e com base nas reflexões de J. Lemke, é possível estabelecerum fio condutor para nossa reflexão: “Ensinar, aprender e fazerCiências, todos estes são processos sociais: ensinados, aprendidose feitos como membros sociais de comunidades sociais grandes oupequenas” (Lemke, 1997: 13).

A estrutura da educação em uma sociedade não é ingênua enão passa ilesa às interferências do sistema social. Segundo M.Foucault, ela é controlada pelos poderes atuantes nesta mesmasociedade que estabelece mecanismos para impor limites aosdiscursos possíveis e aceitos por ela. A mesma relação devemosestabelecer na produção dos discursos e na construção dalinguagem:

Em toda a sociedade, a produção do discurso é, ao mesmo tempo,controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certonúmero de procedimentos que têm por função conjurar seus poderese perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesadae temível materialidade (Foucault , 1971: 09).

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Uma classe é uma atividade social. E como todos os outrostipos de atividades sociais, sua estrutura é construída. Tem ummodelo de organização, uma estrutura, que proporcionam quaiseventos, de tipo específico, tendam a suceder-se um atrás de outroem uma ordem mais ou menos definida, objetivando proporcionaro ensino-aprendizagem (Cf. Lemke, 1997). Em Educação, quandofalamos em ensino-aprendizagem-conhecimento, estamos nosreferindo a processos interacionais que têm como objetivo mediara aprendizagem de algo esperado, e que o professor planeja amaneira de o atingir. Assim, a imbricação do processo ensino-aprendizagem-conhecimento é tal que não se pode dissociar umdos outros. Só existe ensino, quando há aprendizagem de algumacoisa que se deliberou ensinar. Ensinar para que fosse aprendidopor alguém.

A atenção especial à linguagem constitui-se num processode ajuda do professor à construção de conhecimento por parte doaluno. A linguagem, pois, não é um dado ou resultado; mas é umprocesso que dá forma e conteúdo às nossas experiências, trabalhode construção, de retificação do “vivido”, que, ao mesmo tempo,constitui o sistema simbólico, o qual opera sobre a realidade ecompõe a realidade como um sistema de referências em que aquelese torna significativo (Franchi, 1977: 22).

A língua não é veículo. A língua é lugar. Sendo assim, alinguagem é um meio vital, pelo qual nos representamos a nósmesmos, assim como nossos próprios pensamentos. Pensandonesta direção, a Professora dá especial atenção à linguagem etrabalha no sentido de contribuir para que seus alunos possamfazer o mesmo. É possível perceber isso nas suas palavras:

Professora — Eu acho uma vantagem grande eu me diferenciar,decididamente, pela atenção que eu dou às questões de linguageme de pensamento. Configuro como vantagem porque não é usual, éaté muito raro, em termos profissionais no âmbito da área deEducação em Ciências, tenha o professor que origem for. Eu achoque é um privilégio ter essa clareza de “sacar” as questões, ter essapreocupação com questões de linguagem.Irene — O profissional das Exatas, inclusive, com uma tradição deque lê pouco, escreve muito pouco e de dizer que tem dificuldadena escrita, especialmente na escrita.Professora — É. Porque lhes disseram que língua e linguagem são

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instrumentos puros e simples. Se a língua é veículo, é uma coisamenor, que não se elabora, que não se dá muita atenção. Usa eabandona depois; nem leva consigo. Mas eu consigo inclusivechamar a atenção daqueles sobre os quais eu possa exercer algumtipo de influência para as questões de linguagem, e eles ficamdiferenciados, eles “sacam”. Eu nunca tive um orientando que nãopassasse a se diferenciar em termos de linguagem.

A questão da comunicação, envolvida na linguagem,geralmente, não recebe na escola a atenção devida. Um grandeobstáculo é que, na escola, o texto, geralmente, tem sidotransformado em objeto de fixação de um sentido, é a leituradenotativa. Os sentidos que o professor ou algum outro leitorprivilegiado tenha dado ao texto passam a ser os sentidos do texto.Ao aluno, em sua leitura do texto, cabe descobrir tais sentidospreviamente definidos. “Lê melhor, quem mais se aproximar dossentidos que já se atribuíram ao texto”. Não se trata de o aluno(leitor) construir sentidos do texto, a partir das pistas que lhes sãofornecidas, associadas à experiência vivida por ele próprio, mas setrata de o aluno “redescobrir” a leitura desejada, num exercício deadivinhação que não mobiliza a história de vida do leitor (que incluitambém outras leituras), mas mobiliza, apenas, sua experiênciaescolar que sempre lhe disse que deve “aproximar-se” do já dadopara melhor se safar da tarefa (Geraldi, 1996: 119).

J. W. Geraldi faz uma reflexão sobre o trabalho do professorde mediação e interlocução junto ao aluno, considerando o alunoe cada um deles em particular como sujeito autor de seus textos.Ser professor já não pode mais ser o exercício puro e simples doscapatazes e gerentes a serviço da formação dos alunos. É precisoque o professor seja um interlocutor ou mediador entre o objeto deestudo (no caso o texto) e a aprendizagem. Portanto, o confrontodos pontos de vista faz da sala de aula um lugar de produção desentidos, e esta produção não pode estar totalmente prevista pela“parafernália da tecnologia didática”. Os percalços da interlocução,os acontecimentos interativos, passam a comandar a reflexãoocorrida em sala de aula, a partir do que os sujeitos estudam eaprendem juntos. Segundo o referido autor:

A questão já não é “corrigir” leituras com base numa leituraprivilegiada e apresentada como única, mas, também, não é admitirqualquer leitura como legitimável, como se o texto não fosse condição

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necessária à leitura e como se, neste, o autor não mobilizasse osrecursos expressivos em busca de uma leitura possível. Trata-seagora de reconstruir, em face de uma leitura de um texto, acaminhada interpretativa do leitor: descobrir por que este sentidofoi construído a partir das “pistas” fornecidas pelo texto (Geraldi,1993: 112).

Agora, pergunto: será que o nosso professor possui condiçõespara ser sujeito das leituras que faz, para poder fundamentar assuas práticas pedagógicas? As evidências empíricas à nossadisposição respondem negativamente a esta pergunta. Sempretendo em mira possíveis exceções e o caráter dialético da realidadeescolar, o que nos impede de formular generalizações apressadas,podemos afirmar que o universo de leitura do professor brasileiroé extremamente restrito, abrangendo, na maioria das vezes, tão-somente uma literatura pedagógica esclerosada (parada no tempo)e os fragmentos contidos nos livros didáticos. Alguns teóricoschegam a afirmar que, caso fosse abolida a adoção de livros didáticosem nossas escolas, grande parte dos professores, por falta derepertório de leitura e de conhecimento, não mais saberia o quefazer em sala de aula. Isto sem falar no mau desempenho emexpressão escrita, que não seria de se esperar de um professor.

Decorrem daí, muito certamente, todos os processos decristalização da linguagem e de procedimentos no âmbito da escola,que bloqueiam o estudo e o uso concretos dos padrões da língua,através de práticas participativas e reflexivas, geradoras deconhecimento. Creio até que, muito do autoritarismo, aindapresente em nossas escolas, advém do medo e da ignorância demuitos professores. Em outras palavras, o professor autoritáriolança mão do autoritarismo no intuito de esconder a sua ignorânciasobre a matéria que finge ensinar (Cf. Silva, 1991: 24-25).

Assim, reitero as palavras da Professora, quando ela diz que“nenhum profissional pode ser competente sem saber ler, postoque não podemos formar bons professores sem uma basesubstancial de conhecimentos, sem que formemos a um só tempoprofessores-leitores ou leitores-professores”. De modo geral, nasescolas, especialmente nas universidades, o trabalho com a leiturae a escrita é negligenciado e definido como incumbência ouresponsabilidade exclusiva do professor de Língua Portuguesa. Jáexistem argumentos suficientes para considerar tal prática um grave

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problema, pois cada disciplina possui seus sentidos e significados,suas maneiras próprias de leitura, de escrita e atribuição designificados às expressões técnicas de suas respectivas áreas.Portanto, leitura no ensino e na aprendizagem é um trabalho que,necessariamente, precisa ser orientado e realizado por todos osprofessores junto aos seus alunos.

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CAPÍTULO IV

A LINGUAGEM DA CIÊNCIA

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Aprender Ciências implica em aprender a falarno idioma próprio das Ciências, que tem o seupróprio e exclusivo modelo semântico e suaspróprias formas de construir significados(Lemke, 1997:16).

A propósito das dificuldades de leitura apresentadas pelosalunos, e a possibilidade de avanço que se pode obter medianteuma adequada ajuda pedagógica oferecida pelos professores, éimportante relatar um episódio que ocorreu ao final do primeirobimestre, por ocasião da avaliação. Nesses termos, é possívelconfrontar o episódio anterior com uma “prova de Didática” realizadacom consulta, quando os alunos buscavam “ajuda pedagógica”,livremente, como a Professora os havia encorajado.

4.1 Episódio 6 - Uma “Prova de Didática” com consulta

A cena desenrola-se ao final de abril, após o estudo daprimeira unidade sobre as questões de aprendizagem econhecimento. Vale a pena salientar que o trabalho desta unidadefoi baseado em artigos: um relacionado às “Reflexões sobre ensino,aprendizagem, conhecimento”, de autoria da Professora, e outrosque se articulavam com tal temática (tais como “Os fundamentosdo currículo”, de autoria de César Coll).

Antes da avaliação de Didática, os alunos encontravam-seexpectantes; não diria que estivessem nervosos, apenas pairavamesmo uma expectativa no ar. Para mim, creio que eles estavamcuriosos para saber como seria aquela avaliação, conduzida poruma professora que possuía uma proposta Didática diferente. Masa avaliação é iniciada normalmente. O que surpreendeu foram as

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interações ocorridas durante a “prova”. O seguinte diálogo podeservir de exemplo de interações entre a Professora e os alunos emtodo o curso da “prova com consulta”:

Aluno 1 — Onde é que está aqui no texto, a resposta, Professora?Professora — Em termos de parágrafo?Aluno 1 — Sim. Qual é o parágrafo que responde à primeira questão?Professora — Nenhum. É o texto inteiro que responde em parte.Quero dizer, este texto junto com aquele outro, porque ele sozinhotambém não responde.Aluno 2 — Ai, Professora que coisa difícil!!Professora — Você leu os textos?Aluno 3 — Eu dei uma olhadinha...Professora — Então leia de novo, aprofundando a tua olhadinha.Aluno 4 [Entrou surpreso no diálogo] — Ah Professora, é isso?... Agente pensa com palavras? O que está sendo dito aqui é isso? Quea gente, nós mesmos, pensamos com palavras?Professora [Dirigindo-se a todos que pararam para escutar:] —Sabem o que é isso? Falta de segurança de vocês. Vocês desconfiamda leitura que fazem. Manifestam pouca familiaridade com oestabelecimento de relações entre idéias, com as relaçõescompreensivas, com a compreensão da leitura. É falta deoportunidade de ler, de “incentivo à leitura” como dizem osprofessores. Vocês até compreendem, mas não acreditam no quelêem porque não acreditam que são capazes de compreender o quelêem.

Outro aluno chega e diz:

Aluno — Ah, eu não vou ler este parágrafo. Esse não.Professora — Qual você leu?Aluno — Só li o que você indicou que eu ia gostar. Esse eu gostei!

O que é isso? Por que acontecem tais coisas? Por que o alunodemonstra essa falta de compreensão e falta de segurança?

Pode-se indicar como resposta que a falta de segurança dosalunos não é exclusividade desta turma. Ela está presente,cotidianamente, nas salas de aulas. É também um dado cultural,resultado do modelo de ensino adotado nas escolas, geralmentevalorizando a Transmissão-Recepção (T-R), apesar de apresentarem-se diversas variações deste modelo. No modelo T-R estão expressosfundamentos muito antigos de organização social, derivados daautoridade. Assim, as pessoas que representam autoridade, ouestão em postos de autoridade, têm sempre a “palavra de verdade”.

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Os papéis de cada um nessa estrutura social dependem do grau deautoridade que seu posto ou função representa. Assim, o pai, osacerdote, o chefe, o governante e, também, o professor têm sempreo “argumento de verdade”. E aos outros cabe ouvir e acatar. Portais motivos, o aluno “se fecha”, cala-se, silencia. Culturalmente,não lhe foi dado o direito de falar, de acreditar que seuspensamentos, suas palavras e suas conclusões são importantes epossam fazer sentido para outros.

Porém, procurando orientar a aprendizagem, a Professora vaitrabalhando com as dificuldades dos alunos, aproveitando osmomentos de interação, para viabilizar a compreensão do conteúdopelos alunos e para que eles pudessem construir uma auto-imagempositiva. A Professora elogia a escrita do aluno e procurareencaminhar para a construção ou reconstrução do seupensamento.

No episódio em pauta, foi possível perceber ainda as relaçõesde poder e autoridade expressas pelo “argumento de verdade”. Osalunos buscavam, pela opinião da Professora, uma avaliação dograu de acerto às suas respostas. Por outro lado, ao meu ver, quandoa Professora diz: “Vocês desconfiam da leitura que fazem.Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimento de relaçõesentre idéias, com as relações compreensivas, com a compreensãoda leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivo à leitura’”.A Professora neste momento faz do seu ponto de vista “o argumentode verdade”. Porém, suas palavras também soaram como um desafioaos alunos, para ousarem assumir seus pontos de vista sobre asquestões estabelecidas na avaliação.

Além disso, como já foi observado anteriormente, muitosalunos universitários fazem apenas leituras denotativas: só vão aotexto para buscar o que precisam incluir em respostas que possamser plausíveis às perguntas feitas pelo professor. O jogo parece sersempre este: perguntas e respostas. E o aluno sempre responde.Apesar de que, por diversas razões, muitas vezes, suas respostasnão sejam consideradas “corretas” pelos professores (T-R).

Como a Professora observou no episódio anterior, a leituranão fascina os alunos, não parece ter significado para eles, já queestão acostumados a perguntas diretas, cujas respostas encontram-se em frases ou parágrafos, em função das palavras chaves contidas

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na própria pergunta. Assim, os alunos expressavam claramentenão estarem acostumados a ler os textos e, mediante análises esínteses, extraírem argumentos ou pontos de vistas paraconstituírem suas respostas.

Isto está expresso em suas dificuldades em responder aquestões, como as propostas pela Professora, numa avaliaçãobimestral. Para tanto, vejamos o teor de suas proposições no quefoi denominado pela Professora de “prova”, para atenuar asestranhezas dos alunos. As “Questões e situações-problema parareflexão e manifestação individual (Prova de Didática)”, como aProfessora preferiu intitular, foram as seguintes:

1. Ao buscar compreender os elementos fundamentais quecaracterizam a situação de ensino e suas relações — professor/aluno/conhecimento — torna-se imprescindível pensarmos oconhecimento em outros termos, abandonando ou superando aconcepção usual de conhecimento que se usa para “justificar” oensino como transmissão de conhecimento. Busque explicitar, emcontraponto (comparando) a visão/concepção usual deconhecimento que se usa na escola e a “nova visão” redimensionadaque é fundamentada em teorias atuais. Não se esqueça de explicitaros “porquês”, argumentando...

2. Apresente dois argumentos que possam expressar a suacompreensão de que “ensinar não é transmitir conhecimento” noâmbito das Ciências/Biologia.

3. Numa situação de ensino, um professor observa que grande partedos seus alunos está “colando” nas provas de Biologia. À luz do quepassamos a conceber de ensino/aprendizagem/ conhecimento,como você explicaria esse fato, considerando os procedimentos deensino do professor (sua compreensão de ensino) e como os alunos,em decorrência, entendem a sua aprendizagem?

É interessante registrar, a fim de que conheçamos melhor ametodologia e as concepções da Professora, que, antes destasquestões, ela apresenta aos alunos uma nota introdutória na prova,nos seguintes termos:

* Convém advertir, antes de tudo, como temos feito, que nosencontramos frente a novas concepções para entender a escola, oprofessor, o aluno, o conhecimento, o processo de ensino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, a formação de professores e seudesenvolvimento profissional. Buscamos, assim, formas mais

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democráticas, cooperativas, qualitativas, transparentes e eficazesde intervir na vida cotidiana da aula, tratando de explicitar, paracompreender, a complexidade de seus problemas mediante o diálogoe a colaboração sempre presentes na mediação do professor, aopropiciar a ajuda pedagógica necessária ao aluno. Refletir sobre asconcepções e ações dos professores tem a ver, sobretudo, com umnovo compromisso ético e profissional de professores, e não com ouso de algumas técnicas e procedimentos que se utilizam comoreceitas descontextualizadas. Vamos, portanto, levar em conta asteorias da educação presentes nos artigos que estudamos até agora.

Após esta nota seguem-se as questões, conforme citadasacima. Contudo, a partir desta nota, é possível destacar pontosque evidenciam a proposta da Professora, quando:

1) Busca formas mais democráticas, cooperativas, qualitativas,transparentes e eficazes de intervir na vida cotidiana da aula.2) Objetiva explicitar, para compreender, a complexidade de seusproblemas, as concepções e ações docentes com um novocompromisso ético e profissional de professores.3) Propõe o diálogo, a colaboração, a mediação do professor, a ajudapedagógica ao aluno.4) Possibilita refletir sobre as novas concepções de escola, professor,aluno, conhecimento, processo de ensino-aprendizagem e, ao mesmotempo, a formação de professores e seu desenvolvimentoprofissional.5) Condena as técnicas e procedimentos que se utilizam comoreceitas descontextualizadas.

É evidente que, para responderem às questões propostas pelaProfessora, os alunos necessitavam ir além das respostas diretas;se eles, tão somente, procurassem as respostas em uma linha ouparágrafo, não as encontrariam. A fim de responderem, por exemplo,a questão “Busque explicitar, em contraponto (comparando) a visão/concepção usual de conhecimento que se usa na escola e a ‘novavisão’ redimensionada que é fundamentada em teorias atuais. Nãose esqueça de explicitar os ‘porquês’, argumentando”, eles nãopoderiam fazê-lo, sem terem compreendido as proposições oumensagens dos textos estudados e pudessem elaborar respostaspróprias. Fica evidente ainda que o objetivo da Professora era de,com a “prova”, possibilitar um espaço ao qual eles dessem bastanteatenção para reflexão dos alunos sobre o assunto das concepções

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e das visões diferenciadas recém-estudadas.Assim, os momentos de avaliação, neste caso, passariam a

ser momentos importantes no processo ensino-aprendizagem, poisnão se realizaria apenas uma “aferição” do conhecimento, mas seriauma oportunidade para os alunos expressarem suas opiniões,reelaborando suas próprias concepções à luz do estudo realizado.

A seguir, a Professora vai auxiliando no direcionamento daleitura dos alunos porque, segundo suas palavras, “com a mediaçãodocente, no âmbito da Didática, o processo se redimensiona, asconotações e outros sentidos começam também a ser buscados,numa leitura polissêmica”. Porém, com o intuito de destacar comoemergiram da turma as questões inerentes aos conteúdos deBiologia, a partir das concepções apresentadas pelos alunos e suacompreensão das questões propostas, creio que vale tomar, comoexemplo, algumas das respostas dos alunos às questões da “prova”.

A propósito da explicitação da concepção de conhecimentoimplícita na concepção T-R e a nova visão redimensionada que éfundamentada em teorias atuais — solicitada na primeira questãoda prova acima citada —, os alunos se manifestaram nos seguintestermos:

Proposição nº 1:Concepção usual do conhecimento que se usa na escola: “umconjunto de informações passíveis de absorção pelo aluno”. Então,as concepções prévias são descartadas porque desnecessárias àaprendizagem, visto que, o conhecimento é concebido como “verdadeuniversal, é imutável, é inquestionável, é certo”. Quando vou“ensinar” ao aluno que a água é cristalina, inodora, insípida, estouestabelecendo oposições com suas idéias prévias porque ele nãoconhece, isto é, não consegue visualizar essa “verdade”. Temos queter consciência que as concepções mudam com o tempo.É preciso refletir que: concepções são uma precondição daexperiência. Ver é algo que fazemos tanto com idéias quanto comsentidos. Concepções diferentes na abordagem do mundo tornamo mundo diferente porque a minha realidade é diferente da do meualuno. Nos parâmetros construtivistas, passamos a entender que oque os alunos aprendem, através do ensino, depende de suas pré-concepções.A concepção atual considera o aluno como um recipiente vazio, eque o professor é a fonte de sabedoria para preencher este recipiente.A nova visão procura considerar os conhecimentos prévios dosalunos, sendo o professor um intermediário entre as concepçõesintuitivas do aluno e o conhecimento científico, buscando, através

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desta mediação, a aproximação desta forma de conhecimento.Respeitando as concepções do aluno e passando, também, pelasconcepções do professor. Buscando o aperfeiçoamento doconhecimento do aluno, não considerando o conhecimento científicocomo o infalível e o único existente, mas, sim, algo mutável, deacordo com o seu contexto histórico (Respostas de alunos do 5ºperíodo).

Sobre a proposição nº 2 — “Apresente dois argumentos quepossam expressar a sua compreensão de que ‘ensinar não étransmitir conhecimento’ no âmbito das Ciências /Biologia” —, osalunos responderam:

Conhecimento é: concebido, representacional, construído pelosindivíduos e grupos sociais, variando, portanto, de indivíduo paraindivíduo, de sociedade para sociedade, mudando assim, atravésdo tempo e em função do contexto sócio-histórico e cultural (Respostade aluno do 5º período).A transmissão de conhecimento é a repetição de uma “receita” quepode ser muitas vezes entendida pelo aluno, mas este a utilizasomente para fins acadêmicos (Resposta de aluno do 5º período).

Na proposição nº 3, de acordo com a sugestão da Professora,segundo a qual em uma “situação de ensino, onde um professorobserva que grande parte dos seus alunos está colando nas provasde biologia. À luz do que passamos a conceber de ensino,aprendizagem, conhecimento, como você explicaria esse fato,considerando os procedimentos de ensino do professor (suacompreensão de ensino) e como os alunos, em decorrência,entendem a sua aprendizagem?”, os alunos responderam:

O professor não conseguiu atingir os objetivos de compreensão doaluno que são em termos científicos:- Ser capaz de dizer o que compreendeu com suas próprias palavras.- Ser capaz de concordar ou discordar de pontos de vista em funçãodo que compreendeu.- Ser capaz de entender os limites daquilo que compreendeubuscando saber mais.- Ser capaz de entender onde buscar fontes de uma maior ou melhorcompreensão.Diante disso, podemos ainda dizer que o professor não tomouconsciência das pré-concepções dos alunos, ocasionando distorçõese raciocínios casuísticos.- Houve memorização e não compreensão do “ensino-aprendizado”(Resposta de aluno do 5º período).

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Obrigado pelo sistema de ensino, a partir de uma avaliação formal,com perguntas e respostas para a formulação de um conceito; tendoesta situação, não significa o fracasso do professor e alunos, poisdiante de uma imposição, onde se obriga tal critério de avaliação,os alunos podem mostrar dificuldades para alcançar tal conceito.Outro acontecimento para uma “cola” pode ser a não aprendizagemdo aluno, que utiliza a transmissão de conhecimento do professorpara garantir seus conceitos em avaliações e que nada acrescentaao seu desenvolvimento (Resposta de aluno do 5º período).

Neste episódio, encontram-se imbricadas importantesquestões, tais como as concepções de ensino-aprendizagem-conhecimento, de avaliação e de leitura, apresentadas pelos alunose pela Professora, que aqui se encontram, apenas, apontadas.Contudo, estas questões são discutidas no decorrer deste trabalho.

4.2 Episódio 7 - Os conhecimentos conceituais de Ciências/Biologia

Em uma aula ocorrida no mês de maio, a Professora trabalhacom conhecimentos cuja estrutura, intrínseca à natureza do próprioconteúdo, nos leva a situá-los como conhecimentos conceituaisde Ciências/Biologia, tendo em vista seu caráter epistemológico.Explicando melhor, os conhecimentos conceituais são os conteúdosque são tomados e entendidos como conceitos de Ciências/Biologia,caso do tema escolhido pela classe: o átomo.

Interessante é que, em dado momento da explicação daProfessora, ao fazer referência ao ensino fundamental e aosconteúdos específicos de Ciências, ela disse aos alunos que haviaobservado, em função das pesquisas que tinha realizado e de suapresença em aulas com professoras das séries iniciais, que asprofessoras não sabiam — e não sabiam ensinar — conteúdos tidoscomo fáceis nas séries iniciais, tais como pontos cardeais; fases dalua; estações do ano, etc.

Enfatizava que, de fato, as professoras em geral nãocompreendem estes conceitos. Não foram efetivamente ensinadasdurante sua escolaridade e continuam repetindo aos seus alunosas mesmas distorções, “os mesmos erros anteriores”. A Professoradisse aos alunos que esses professores apresentam inúmeras

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distorções conceituais em suas aulas, principalmente no que seafigura como mais banal como, por exemplo, sobre os pontoscardeais:

A Professora pergunta aos alunos:— Quais são os pontos cardeais??Os alunos respondem: — São o Norte, Sul, Leste e o Oeste, Noroeste,Sudeste, etc.Ela ainda pergunta: — Onde é o Leste?Os alunos respondem: — É o lugar onde o sol nasce.A Professora então diz: — Pois é, e o Sol nasce sempre no mesmolugar?Os alunos dizem: — Mais ou menos, Professora. Depende da épocado ano.A Professora acrescenta: — Então, vocês precisam ver as dificuldadesque as crianças têm com a insistência de que o Sol nasce sempreem um mesmo “ponto”.

A Professora conta que observou esta dificuldade em alunose, ainda, mais, nos seus próprios filhos. Quando eles erampequenos, moravam numa casa cuja janela grande da sala eravoltada para o Leste, e as crianças percebiam claramente o problemaque ocorria, porque, em dado período do ano, o Sol incidia sobre oaparelho de som, que ficava de um lado, e eles tinham que ter ocuidado de proteger com a cortina, para que o calor não danificasseo aparelho. Em outra época do ano, a luz do sol ia mudando deposição até que seus raios ficavam incidindo na parede contrária,onde estavam os estofados. Tal mudança visível fazia com que seusfilhos não se conformassem e sempre a interrogassem: “Se o solnasce no ponto Leste, como ele poderia ficar mudando durantetodo o ano”?

Somente com a prática da observação da sala, e suasexplicações de professora, é que seus filhos compreenderam oconceito que relaciona Leste ao nascer do sol implicando um lado.Porém, a Professora assinalou saber que muitos outros alunosaprenderão este conceito por conta própria, ou nuncacompreenderão durante toda a vida, se não observarem algumasdas suas práticas diárias. Isto porque o conceito científico éensinado de forma distorcida na escola. A Professora explicou ainda,aos alunos do 5º período, que:

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— O principal problema epistemológico, no caso, está ligado à palavraque se usa na determinação do conceito: ponto. Que na verdadenão é um ponto. Em Inglês, este problema não ocorre, pois a palavraque se usa para designá-la é “side”, que significa “lado”. Portanto,não é o ponto que o Sol nasce, mas sim o lado em que o sol nasce.Por isso, pode ser um pouco mais para cima, um pouco mais parabaixo, dependendo da época do ano e a posição da terra em relaçãoao sol. As questões de linguagem, como vocês podem ver, não podempassar desapercebidas pela importância que têm, para facilitar ouinibir a compreensão dos alunos.

De forma semelhante, estas distorções ocorrem em relaçãoao conhecimento das fases da lua e, também, com respeito àsestações do ano. A Professora continuou a discussão com os alunossobre questões epistemológicas das Ciências, até o término da aula,para dar início ao intervalo.

Após o intervalo, quando estava voltando à sua sala, foisurpreendentemente abordada por um grande número de alunosque a estavam aguardando no corredor. O mais interessante que aProfessora observou é que não havia, ali, naquela massa, apenasalunos seus, do 5º período; havia alunos de outras turmas do Cursode Biologia, todos interessados em ouvir a Professora sobre aquiloque seus alunos já haviam, por certo, comentado. Provavelmente,os alunos do 5º período já haviam contado sobre o episódio dospontos cardeais; por tal razão todos pareciam muito interessadosem conhecer as relações cognitivas que a Professora estabelecia,possibilitando a compreensão (ainda que tardia). Alguns alunosabordaram diretamente a Professora:

Alunos: — Professora, nós queremos saber o que acontece, a quese devem as fases da lua?Professora [Fazendo-se de desentendida]: — E vocês não sabem?Alunos [Insistindo sobre o assunto]: Por que é que a lua fica cheia?Fica crescente? Por que é, Professora?Professora [Brincando com os alunos]: — Vocês não sabem que nalua mora um rato e que, conforme ele rói o queijo da lua, ela vaificando diferente?Alunos: — Ah, Professora, não brinca! Como é mesmo?

A Professora então explica que é devido ao movimentoenvolvendo as órbitas do sol, da lua e da terra. E explica, comdetalhes, como as órbitas da terra e da lua, girandosimultaneamente, influem na projeção da luz do sol sobre a lua.

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Que a interferência da terra, entre o sol e a lua, dependendo daposição das órbitas, ocasiona uma sombra em parte da lua, emdeterminados períodos, formando assim, as diversas fases. E sobreas estações ela explica:

Professora —Quanto à questão das estações, é devido ao equinócio,e da órbita. No entanto, o problema da distorção no ensino, é que aescola ensina que as estações são denominativas. Durante o invernoé a estação dos dias frios; por esse conceito, a criança fica esperandoque todos os dias de inverno serão frios, e os adultos também!...Então vemos muitos reclamando, mas como está quente! Não éinverno? Não aprendem o conceito em si. E não compreendem queneste período teremos mais dias frios, mas não todos, uns mais,uns médios.

É importante destacar que os alunos declararam que nuncahaviam compreendido a questão dos pontos cardeais, fases da luae estações do ano daquela maneira, que fazia sentido, terconhecimento de uma explicação científica e lógica. Na escola, osconteúdos de Ciências ensinados, segundo o modelo T-R, sãoensinados todos da mesma maneira, sem levar em conta a naturezaepistemológica do conteúdo em si mesmo. Assim, a Professora medisse o que já havia discutido com os seus alunos:

— A natureza epistemológica do conhecimento é que determina amaneira como devo ensiná-lo. Eu não posso ensinar umconhecimento conceitual do mesmo modo que ensino umconhecimento representacional. E, consequentemente, umconhecimento processual não poderá ser ensinado da mesmamaneira que são ensinados outros conteúdos que sejam conceituaisou representacionais.

Mesmo professores que estão há muito tempo na profissão,quando param para refletir, percebem que, ainda, não compreendemos conceitos inteiramente. Nesta perspectiva, a Professora tratou otema “Evolução”, continuando a trabalhar a questão conceitualdos conteúdos de Biologia. Isto remete ao episódio seguinte, apropósito das interações que ocorreram em aula.

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4.3 Episódio 8 - O que é antropocêntrico? A teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?

Todo conhecimento científico se desdobra numuniverso de linguagem; aceitando,provisoriamente, a língua usual, ou criando umapara seu uso. A Ciência requer necessariamente,como condição transcendental, um sistemalingüístico (Granger, 1968:133).

Admitindo-se que a comunicação é uma criação dacomunidade, logicamente nos comunicamos melhor com osmembros de nossa própria comunidade: aqueles que usam a mesmalinguagem. As comunidades, formadas por grupos profissionais,étnicos, ou ainda, de uma mesma região geográfica, têm um modosemântico próprio de falar. Assim, também, a ciência possui a sualinguagem, seu modo próprio de dizer/falar.

Portanto, quando tentamos nos comunicar com pessoas queutilizam outra linguagem, que não a nossa, a comunicação se tornamuito mais difícil, porque não conseguimos compreender o que édito. Este é o caso dos professores de Ciências e seus alunos; osprofessores de Ciências fazem parte de um grupo de pessoas quebuscam falar a linguagem da ciência. Porém, os alunos não falamesta mesma linguagem em sua vida cotidiana e nem são capazesde entender, de pronto, o que os professores dizem. Os alunos, aoentrarem na escola, em geral, possuem um modo particular defalar ligado ao seu grupo, é o seu dialeto ou sua variante lingüísticaem muitos casos.

Esta é, via de regra, uma primeira barreira que surge já naalfabetização. Mas será que, após alguns anos de permanência naescola, esta diferença de linguagem entre professor e aluno seatenua ou desaparece?

A experiência, infelizmente, nos diz que não. Mesmo alunosque se encontram freqüentando um curso universitário, não rarasvezes, reclamam da dificuldade de compreender as explicações deseus professores. Existe um distanciamento entre a linguagem doaluno e a linguagem do professor, sendo este, supostamente umrepresentante da linguagem da comunidade científica. J. Lemke

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esclarece que para aprender a linguagem da Ciência, existem algunsrequisitos indispensáveis:

Aprender Ciências implica em aprender a falar no idioma própriodas Ciências, (...) que tem o seu próprio e exclusivo modelo semânticoe suas próprias formas de construir significados (...). “Falar Ciências”não significa, simplesmente, falar acerca da ciência. Significa fazerciência, através da linguagem. “Falar Ciências” significa observar,descrever, comparar, classificar, analisar, discutir, hipotetizar,teorizar, questionar, desafiar, argumentar, planejar experimentos,seguir procedimentos, julgar, avaliar, decidir, concluir, generalizar,informar, escrever, ler e desenhar em e, através da linguagem daciência (Lemke, 1997: 16;.11-12).

A Professora de Didática pôde lidar, de certa forma, comdificuldades como as referidas acima. Algumas das suasobservações em entrevista a mim concedida dão idéia dos problemasencontrados:

Professora — Destaco a questão da linguagem. Os alunosperguntavam: — O que é antropocêntrico? O que é isso, o que éaquilo. Eu respondia e eles diziam assim: — A senhora usou umaspalavras tão bonitas. No entanto, na hora que eu retomo e falo“antropocêntrico” eles olham para mim como se aquela palavra nãoquisesse dizer nada.Mas eu explicito o significado, antropo-cêntrico, o que quer dizer,de onde se origina. Faço relação com antropologia: “antropo querdizer homem”. Aí eles começam a achar bonito, fazem assim mesmo:hummm...! Quer dizer, a interação possibilitando a ampliação e oredimensionamento psico-pedagógico da linguagem. É uma conversasobre as palavras. É um tipo de metalinguagem no sentido positivo,profícuo.

A Professora de Didática tem uma preocupação emcompreender a fala dos alunos (“a senhora usou umas palavrasbonitas”); palavras que, certamente, eles não conheciam e tão poucoatribuíam significado às mesmas. Por isso, ela passa a mediar osignificado destas palavras e a tecer relações com o conteúdo“Evolução” que é apresentado. Depois, eu mesma pude ver asatisfação dos alunos, quando dizem: “Ah! Então é isso! Agora eucompreendi.”

Para que se possa aprender Ciências, é necessário muito maisque compreender o significado de cada palavra, é preciso

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compreender a relação cognitiva que existe entre conceitos e, alémdisso, é necessário compreender a função que cada uma daspalavras exerce no contexto de cada conceito, pois “é necessáriocompreender a ‘semântica’ das palavras: como se comportam seussignificados em diferentes contextos” (Lemke, 1997: 28). Numadas aulas sobre o tema “Evolução”, a Professora percebeu adificuldade dos alunos em compreender os conceitos e a relaçãodo significado das palavras em relação aos conceitos científicos. AProfessora comenta:

— Por que a teoria da evolução é um tema unificador da Biologia?Eles me perguntaram e eu fui fazer mil relações. Uma porção derelações para mostrar porque é que a temática da evolução unificamesmo. Aí eles ficaram surpresos. Porque eu tinha vindo do “big-bang”, a teoria da origem do Universo, nas relações que eu tinhaque fazer. E eles ficavam assim “oh!”. [faz o gesto, segurando oqueixo].

Se os alunos não compreendem os conteúdos de umadisciplina e suas relações cognitivas, como neste caso de alunosdo 5º semestre de um curso universitário, eles não conseguemestabelecer relações necessárias entre conceitos mais elementares,porque não compreendem devidamente as palavras (conceitos).Tanto os alunos, como os professores, a fim de conseguiremestabelecer as relações significativas entre um conteúdo e outro eentre os conceitos que estão imbricados em um mesmo conteúdo,necessitam compreender, ter domínio daqueles conteúdos. Umconhecimento superficial não dá conta de proporcionar enxergaras inter-relações existentes entre os conceitos, entre conteúdosde uma mesma área e, ainda, não possibilita o trabalho inter etransdisciplinar que é desejável que o professor realize, quero dizer,relacionar conteúdos de sua disciplina com outros diversos aspectosdaquele mesmo conteúdo que dizem respeito a outras disciplinasou áreas.

Ainda sobre o tema evolução, gostaria de destacar asconcepções dos alunos que ficam evidenciadas, a partir dasatividades solicitadas pela Professora à classe. No curso do processode ensino-aprendizagem, a Professora solicitou aos alunos que,individualmente, respondessem a algumas questões: “Você acreditaou aceita a Teoria da Evolução? E também: O que é ‘evolução’ para

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você?” É possível perceber, pelas concepções expressas pelosalunos, a dificuldade de compreensão dos significados das palavrasdentro do conceito biológico. Eis suas respostas:

Aluno 1: Acredito. Em partes porque a evolução ocorre de formacerta é gradual, não ocorrendo através de grandes “saltos”. Naverdade, nós como pessoa, hoje, não somos os mesmos de ontem ecom certeza não seremos os mesmos de amanhã. Tem de haver umcrescimento, para melhor se adaptar ao meio, caso contrárioseríamos extintos.Aluno 2: Evolução para mim é crescimento, desenvolvimento ecrescimento vem quando se encontra em condições adversas, ouseja crescimento se dá na dor e não no amor. Em si, seria a adaptaçãono novo meio pelo indivíduo.Aluno 3: Para mim evolução, significa mudança, progresso,adaptação, etc.Aluno 4: Para mim, evolução é o processo em que partimos de umacondição simples até uma organização mais complexa,paralelamente, com o surgimento e desaparecimento de algumasformas de vidas, as mais distintas possíveis. Podendo encarar aEvolução no campo das idéias, sendo que o próprio pensar e explicarsobre Evolução sofre uma “evolução” no sentido pleno do termo.Aluno 5: É o crescimento, o desenvolvimento de um ser vivo.Aluno 6: Evolução é tudo o que você procura estudar para si emelhorar, evoluindo seus métodos e o seu interior, tornando-se umapessoa simples, porém rica em conhecimentos gerais (Trechosextraídos de trabalhos dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia).

Nestas respostas fica evidente a confusão entre as diversasacepções da palavra evolução. O significado dicionarizado dapalavra evolução é:

Ato de evoluir. Progresso paulatino e contínuo, a partir de um estadoinferior ou simples, para um superior, mais complexo ou melhor.Transformação lenta. Desenvolvimento lógico de uma idéia no tempo.Progresso ou melhoramento social. Movimento de tropas, naviosetc... ou no jogo de xadrez (Michaelis, 1998).

Portanto, as respostas dos alunos se aproximam bastante dosignificado usual da palavra evolução. Porém, numa disciplinaespecífica, no caso a Biologia, os significados do conceito,geralmente, não são os mesmos significados usuais. Na Biologia, oconceito de evolução é muito mais abrangente e representa umproduto do desenvolvimento histórico das ciências. A partir do

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trabalho de Silvia Chaves (1993) vale a pena sintetizar algunsaspectos relacionados a este tema, utilizados pela Professora naleitura e discussão com seus alunos, após a análise das concepçõesque eles manifestaram. Segundo a autora, o conceito de evoluçãodata de antes do século IV a.C. Na Grécia antiga, a idéia demutabilidade dos seres vivos já estava presente. Anaximandro (610-545 a.C.), Empédocles (492-430 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.)admitiam que os seres podem sofrer transformações. Dos estudossobre evolução participaram inúmeros pesquisadores e, entre eles,destacam-se Lamark, Darwin (1859) — com a famosa obra A Origemdas Espécies — e De Vries (1903), além de nomes como os deDobzhansky, Simpson, Huxley e Mayr (1930) (Cf. Chaves, 1993).A autora enfatiza que:

Somente por volta de 1930 com o advento da Teoria Sintética,proposta simultânea e independentemente por TheodoziusDobzhansky, George Simpson, Julian Huxley e Ernest Mayr, é queocorreu a conciliação entre o pressuposto darwinista de seleçãonatural e o mutacionismo de De Vries. Tal conciliação foipossibilitada pelo desenvolvimento e aprofundamento dos estudossobre genética de populações. Simplificando uma teoria complexa,diríamos que, na perspectiva da Nova Teoria Sintética da Evolução,a mutação é a matéria prima sobre a qual atua a seleção natural.Em outras palavras, as mutações possibilitam o aparecimento devariações genéticas entre os organismos de uma população. Taisvariações podem ser mantidas ou eliminadas durante o processode reprodução, o que vem configurar a seleção natural. Assim, estanada mais é do que a reprodução diferencial de organismos dentrode uma população, i. e., os seres que possuírem variações genéticasque lhes favoreçam melhores condições de vida num intervaloespaço/tempo, tendem a deixar maior número de descendentes,sendo o inverso também verdadeiro (Chaves, 1993, p. 31).

E ainda hoje as pesquisas continuam. Portanto, não deveráesgotar-se em um conceito, mas é possível a partir do estudo deSilvia Chaves adotar alguns referenciais por ela apresentados eque foram, também, abordados em aula pela Professora com seusalunos, para apresentar contrapontos e caracterizar melhor talprocesso:

Baseando-se nesta teoria, a autora indica alguns pontos quedevem ser considerados na análise do processo de evolução dosseres vivos. São eles: a evolução tem por objeto a população e não

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o indivíduo; a evolução deve ser entendida como um processo detransformação que ocorre no organismo e no meio e não tem,necessariamente, sentido de progresso; o processo evolutivo édestituído de previsibilidade, intencionalidade e diretividade; aevolução é produto da interação meio-ser num determinado períodode tempo (Cf. Chaves, 1993). Além destas premissas, creio quevale acrescentar o que se constituiu estranheza pelos alunos: “aevolução é um processo de transformações contínuas, passíveisde serem transmitidas hereditariamente (...). O processo evolutivoé destituído de funcionalidade, de vez que, é uma propriedadeintrínseca da matéria” (Chaves, 1993: 54-55). A autora assinalaainda que:

Além desta questão, tem-se levantado a hipótese do processo nãoocorrer de forma lenta e gradual, tal como preconizado desde odarwinismo, mas alternando “períodos de aparente parada evolutiva(estase) e períodos pontuados pelo surgimento “rápido” de espéciesnovas (Chaves, 1993: 32).

Contudo, a partir das respostas nos trabalhos apresentadospelos alunos nas aulas de Didática, observa-se que outros alunosconcebem, também, evolução de modo mais próximo ao conceitobiológico de acordo com as proposições acima. Destaco partes dealguns trabalhos:

- Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes. A partirdaí, surgem novos indivíduos, no início eram apenas plantas e,depois, surgem as diversas espécies de animais, mais completosou mais simples.

- Pesquisando sobre as teorias, pude verificar que a mais aceita éa Teoria Sintética ou Sincrética que se baseia nos seguintes pontos:mutação, luta pela vida, seleção natural; isolamento, variação dogene populacional. Eu acredito que houve a evolução por váriasprovas como: provas embriológicas; provas bioquímicas, provaspaleontológicas, etc. - Através dos dados da evolução, comparando-se crânios pré-históricos, evidenciam-se as mudanças ocorridas nos nossosancestrais; também, evidencia-se o mesmo procedimento paraoutros seres. Existem em nosso próprio corpo, também, evidênciasde evolução (ex: apêndice, vermiforme, etc.). - Acredito, porque a evolução trouxe as trocas de materiaisgenéticos, se não ocorressem essas trocas, a evolução não existiria,devido às formações genéticas. A evolução começou ocorrendo

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primeiramente com as “plantas”, porque não ocorreria com todosos outros seres vivos. - Para mim, evolução é o desenvolvimento progressivo de genesque sofrem alterações no decorrer das gerações. - É o processo pelo qual passou o mundo desde o seu surgimentoaté hoje, mostrando uma diversidade de animais e plantas queevoluíram, geneticamente, com o passar do tempo, sempre em buscade sobrevivência (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5ºperíodo de Ciências/Biologia).

Em tais concepções, observa-se maior proximidade com aspremissas do conceito cientificamente aceito, quando afirmam que:“Na evolução dos seres vivos aconteceu a troca de genes”; “a TeoriaSintética ou Sincrética se baseia nos seguintes pontos: mutação,luta pela vida, seleção natural, isolamento, variação do genepopulacional (...). [Provas da evolução]: provas embriológicas; provasbioquímicas, provas paleontológicas, etc.”; “Através dos dados daevolução, comparando-se crânios pré-históricos, evidenciam-se asmudanças ocorridas nos nossos ancestrais e para outros seres.Existem em nosso próprio corpo, também, evidências de evolução(ex: apêndice, vermiforme, etc.)”; “a evolução trouxe as trocas demateriais genéticos”.

É importante destacar também que, em menor número,alguns alunos manifestam-se como criacionistas. Acreditando queDeus é o criador das espécies. Eles escreveram:

- Na minha opinião, os evolucionistas são muito radicais, algunsfalam que a vida surgiu de uma grande explosão o “big-bang” e, apartir da 1ª molécula viva, surgiram os demais seres vivos. Para osevolucionistas, Deus não teve participação na criação. Creio queDeus é o supremo criador, é o criador de tudo. Mas creio, também,que alguns animais, por conseqüência do meio ambiente, sofreramalgumas modificações, para sua própria sobrevivência.- É difícil deixar de lado o que se lê na bíblia sobre a idéia da criaçãoespecial, onde Deus fez o homem e a mulher. Mas não podemosfechar os olhos diante do fato de que o ser humano está evoluindocada vez mais (Trechos extraídos de trabalhos dos alunos do 5ºperíodo de Ciências/Biologia).

Portanto, este estudo sobre evolução, a partir das concepçõesdos alunos, deixa claro que, no estudo das Ciências, aocompreender o significado das palavras separadamente, nãosignifica que o aluno ou o leitor seja capaz de utilizar as palavras

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corretamente numa oração, ou seja, capaz de entender como seussignificados se relacionam em determinados conceitos. Para isto,requer-se o conhecimento adicional de como se usam as palavraspara falar cientificamente.

Outro ponto importante de análise pode ser encontrado nasreflexões de J. W. Geraldi, quando afirma que, na aprendizagem deum conteúdo, existem outras aprendizagens implícitas.

De modo geral, as falas em aulas são tomadas como “meio”, comoatividade instrumental de acesso e apropriação de um conhecimentoque se erige como tema. Este é considerado como o que se tem aaprender. Fala-se sobre ele; lê-se sobre ele. Nestas interlocuções,afloram informações e conformações do tema. Crê-se que foiaprendido, quando, com correção conceitual, sobre ele se fala, sobreele se produz. Há no entanto, outra aprendizagem implícita que sedá precisamente no processo que conduziu esta aprendizagem: “osconteúdos do ensino” mas, também, a construção que se realizouna interação destas falas em aulas e a estrutura da apresentaçãodestas interações escritas ou orais (Geraldi, 1993: 08).

No ensino de Ciências, é a natureza do conteúdo que indicaper se a abordagem metodológica que deverá ser adotada no ensinopara que se propicie aprendizagem. Através do artigo de autoria daProfessora, busco elementos para esclarecer sua concepção:

As idéias: chave que presidem a escolha e a articulação de situaçõesde ensino e de aprendizagem que encetem interações entreprofessores(as) e alunos(as) e inter-pares implicam em possibilitaraos alunos e às alunas constituírem seu conhecimento e utilizá-lono contexto de uso o mais realista possível. Nesta perspectiva, chega-se a usar, por exemplo, questões especulativas atribuindo-lhessignificado e aprendendo seu sentido, tendo em vista a elaboraçãode hipóteses explicativas de alunos e alunas que podem,subseqüentemente, ser confrontadas com pontos de vista eexplicações científicas. O que busco assinalar é que, quando seassume - no âmbito da relação de ensino e de aprendizagem - queo conhecimento se constitui na interação social, esta passa a serdiferenciada em termos tais que já não faz sentido, quer em termosepistemológicos quer teórico-metodológicos, ensinar o que é ave domesmo jeito que se ensina o que é átomo ou o que é fotossíntese: épreciso levar em conta tanto a natureza do conhecimento (conceitual,representacional, processual), quanto as condições de ensino, deaprendizagem e o contexto (social, político, econômico, histórico ecultural) dos alunos e das alunas no curso de sua escolaridade(fundamental, média e superior) (Aragão, 1998).

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J. Lemke corrobora para o esclarecimento desta questão,quando assinala que:

A maneira como se apresenta um conteúdo específico depende tantodas estratégias de interação e das estruturas de atividades comodas estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temáticoem si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processode ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke, 1997:35).

A Professora, ainda no artigo citado, chama-nos a atençãopara um eixo temático que merece ser destacado no ensino deCiências/Biologia, que diz respeito à dinamicidade e àprovisoriedade do conhecimento que precisam ser tratados comalunos em qualquer processo de ensino e de aprendizagem.Segundo ela:

Com respeito à consideração da premissa concernente aos atributosde dinamicidade e de provisoriedade do conhecimento, ainda quena versão escolar processual do ensino e da aprendizagem, taisatributos se manifestam numa linha de antagonismo às idéiasusuais, tratadas em aulas de Ciências que enfatizam outros atributosdos conteúdos de ensino que configuram o conhecimento a seradquirido por alunos e alunas, com outros atributos dentre os quais,os de verdade e de inquestionabilidade. À escola, supostamente,cabe revelar tal conhecimento considerado verdadeiro que, dado oseu caráter inquestionável, torna-se imutável e, portanto, estático.O conhecimento verdadeiro é estático, não muda, porque semprefoi assim. Independente dos contextos de sua produção, talconhecimento apresenta-se neutro, a-histórico e a-temporal, sendoadquirido apenas por indivíduos de “boa memória”.Em função desses matizes ainda presentes, via de regra, nas escolas,que configuro como desafio, no âmbito da prática pedagógica, aredimensão de algumas concepções epistemológicas que remontamao século passado (Aragão, 1998).

Nesse sentido, J. Lemke diz que “na escola, segundo o modelotradicional de ensino, o que é hipótese na ciência vira verdadeabsoluta; conteúdos de ensino não vivem na provisoriedade daciência; seu papel de ‘transmissora’ exige da escola que tome algopronto cá e o passe para lá como tal. Como se tem feito isso comtextos” (Lemke, 1997: 105).

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Os alunos precisam compreender o conteúdo científico daaula, se não compreendem é possível até que aprendam a praticarum certo tipo de jogo de aula. Isto é, eles podem até responder aperguntas simples, realizadas pelo professor, cujas pistas dasrespostas já foram dadas pelo próprio professor, mas nuncaaprenderão a falar, efetivamente, sobre Ciências ou Biologia.Contudo, as relações de poder na aula são também expressas pelalinguagem. Nesses termos, é importante salientar o uso dalinguagem como fundamental, considerando-se o ensino deCiências/Biologia. E tem-se observado que, o uso da linguagem,nas aulas de Ciências, tem se apresentado muito mais como umdiálogo estruturado nas relações de poder e métodos derivados daaula expositiva, onde, geralmente, os alunos escutam e lêem alinguagem da ciência, porém, cientificamente, falam muito poucoe escrevem menos ainda.

O domínio da Ciência requer a prática de falar, não apenasescutar. Se os alunos não podem demonstrar seu domínio daciência, ao falar ou escrever, podemos duvidar de suas respostas eque as soluções aos problemas representem realmente suahabilidade de pensar cientificamente, já que pensar,cientificamente, é uma forma de explicar a si mesmo uma solução,mobilizando os recursos semânticos da linguagem científica, paradar-lhe significado (Lemke, 1997: 35; 40). A sala de aula é um doslugares característicos, onde os conhecimentos se constroemconjuntamente e, onde, umas pessoas ajudam as outras adesenvolver sua compreensão (Cf. Mercer, 1997).

Os professores são os responsáveis pela condução da aula:seu planejamento, sua implementação e a mediação doconhecimento ao aluno. Porém o grupo pode questionar eobstaculizar este trabalho. Os alunos influem ativamente nosepisódios de ensino e aprendizagem. Sua participação, seuinteresse, suas contribuições e, ainda, sua resistência, muitasvezes, são determinantes mais eficazes do que o planejamento doprofessor em definir a direção que a aula pode tomar (Cf. Mercer,1997).

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4.4 Episódio 9 - O ensino de conhecimentos processuais de Ciências/Biologia — Fotossíntese: concepções em um plano de aula

A propósito do ensino de conhecimentos processuais deCiências/Biologia e o tema escolhido (fotossíntese), a Professoratrabalhou com os alunos com base no texto A evolução conceitualna prática pedagógica do professor de Ciências das Séries Iniciais(Dissertação de Mestrado de autoria de Lúcia Guido). A Professoraintroduziu as discussões, semelhantemente, à abordagem feita pelaautora, sobre as crenças que as pessoas possuem a respeito darelação homem x planta.

Assim, procurando trabalhar com as crenças dos alunos, aProfessora faz aos alunos alguns questionamentos, quais sejam:“Vocês acreditam que nós podemos ter plantas dentro de casa? E,no quarto, podemos dormir com plantas? Ou, apenas, em outroscômodos, como na sala ou na cozinha?”. Houve uma grandediscussão entre os alunos, cada um apresentava sua opinião etentava discutir: uns concordavam, apresentando algumasassertivas, outros discordavam:

Aluno 1: Eu acho que não pode, a planta de noite solta CO2.Aluno 2: Eu acho que não tem problema nenhum.Aluno 3: Eu acho que só não pode no quarto; se deixar um poucoda janela aberta onde está a planta, na sala ou cozinha, então pode.

A partir disto, a Professora, para fazê-los refletir, propõealgumas questões que seriam contraditórias, com base nasrespostas dos alunos. Ela lhes pergunta:

Professora — E os índios que vivem cercados por grandes florestase suas “casas” não são bem fechadas como as nossas. Como seráque eles conseguem viver, dia e noite, no meio de tantas plantas esobrevivem?— Por que será que a gente também pode acampar no meio domato e permanecer vivo?— Se você dormir entre as árvores, no horto florestal, o que poderáacontecer?

A Professora introduz ainda a discussão de como elesconcebem a fotossíntese e como acham que a planta se alimenta.

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Dentre outras idéias, a Professora sintetiza, assim, as respostasdos alunos:

Acham que fotossíntese é a respiração da planta; não mencionaramque a fotossíntese diz respeito à produção de energia, masacreditavam que era a forma de respirar da planta; não entendemque a planta produz o seu próprio alimento, mas crêem que elaretira do solo; acreditam, ainda, que a fotossíntese só se realiza napresença da luz solar, mas, à noite pára.

Tais idéias dos alunos nos levam a considerar contradições edistorções que não são apresentadas apenas por estes alunos. Nadissertação mencionada, quando a pesquisadora trabalha com umaclasse de 4ª série, os alunos apresentam concepções bastanteparecidas (Guido, 1996). Em outros estudos, mencionados por ela,os resultados também são semelhantes.

Cabe ressaltar que, se em geral as pessoas têm um sentimentopositivo em relação às plantas, dizem sempre que elas sãoimportantes porque “fabricam o oxigênio” e, ainda, pelas inúmerasutilidades que as plantas representam para o homem. A partirdestas idéias, as distorções presentes nas respostas dos alunos,segundo a Professora, ficam estabelecidas da seguinte forma: “Seas plantas eliminam o CO2 (que é prejudicial ao homem) e aindaretiram seu alimento do solo, elas não seriam benéficas, mas simprejudiciais ao homem”.

Distorções como estas ocorrem, quase sempre, em razão deconceitos científicos não serem efetivamente compreendidos, nempelos professores nem pelos alunos. Temos, hoje, diversasexplicações científicas, que até o presente momento são tidas comoválidas pela comunidade científicas, as quais, se fossem ensinadasna escola, evitariam as distorções, contradições e confusões queas pessoas, muitas vezes, apresentam, como conseqüência dapermanência das crendices e superstições e o descrédito da Ciência.

Este episódio nos leva a reiterar que as concepções que nossosalunos apresentam, geralmente, não são frutos apenas delespróprios; são concepções que se encontram generalizadas nacoletividade que, na forma de senso-comum, fazem parte do modode pensar do povo. Ainda em relação ao tema da fotossíntese, naperspectiva de investigar como os alunos concebem o ensino deCiências, a Professora propôs — como uma avaliação complementar

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— que os alunos que assim quisessem, poderiam apresentar umplano de aula sobre um dos conteúdos de Biologia; contudo, umaprofessora de outra disciplina (Bioquímica) havia solicitado aosalunos a mesma forma de avaliação, desde o início do semestre,como trabalho final de sua disciplina. Sendo assim, aos alunos foipermitido apresentar um mesmo trabalho para a avaliação nas duasdisciplinas.

A partir dos objetivos propostos pelos alunos, no plano deaula, foi possível estabelecer algumas relações sobre suasconcepções:

1 – Objetivos apresentados nos planos de aulas

a) Por que ensinar fotossíntese?- A importância da produção de oxigênio, para a manutenção davida na terra.- Para poder relacionar de forma mais compreensiva a produção deenergia para os seres vivos e os demais organismos que interagemno meio ambiente e para integrá-los como atuantes da atual situaçãoambiental.- Mostrar aos alunos qual a importância da fotossíntese dentro dasnecessidades do planeta, direcionando seus conhecimentos paradar uma continuidade a esse processo tão importante para todosos seres vivos.- O objetivo geral desta aula será relatar os principais tópicosexistentes dentro do assunto “fotossíntese” como, por exemplo,mostrar que é através da fotossíntese que irá ocorrer a produção deglicose, demonstrando a equação geral do processo — Água + Gáscarbônico na presença de clorofila e luz ⇔ glicose + oxigênio + energia(6 H2O + 6 CO2 ⇔clorofila⇔ luz ⇔ C6H12O6 + 6 O2 + E) —, pois,através de materiais inorgânicos, chegaremos a um compostoorgânico. Terá também como objetivo geral mostrar que os vegetaisem geral possuem pigmentos de clorofila, através dos quaisconseguem realizar a fotossíntese; e cujos seres clorofilados sãoautótrofos, ou seja, sintetizam seu próprio alimento.- Instruir os alunos sobre o tema escolhido e sua importância desdeo início da vida na Terra, no dia-a-dia e, também, o que os mesmospoderão estar fazendo para contribuir na continuidade do processo,além de uma demonstração prática da maneira que ocorre afotossíntese.

Em função da orientação recebida da Professora de Didática, a maioriados alunos preocupou-se em caracterizar a clientela a que se destinavam suasaulas. A pergunta básica que norteava os planos de aula era a seguinte:

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b - Para quem ensinar fotossíntese?- A aula foi preparada, tendo como contexto os princípios básicosdo processo de fotossíntese, já que se trata de uma primeira sériedo ensino médio (sic), de uma escola pública localizada num bairrode periferia. Onde os alunos são na sua maioria de classe baixa, eos pais trabalham fora, ficando estes na rua após término da aula.- Nos primeiros anos do curso básico (1ª a 4ª série) [sic] pois, esseconteúdo é de grande importância para o entendimento de umelemento básico da sobrevivência, do planeta Terra e de sua própriasobrevivência.- Considerando que a clientela freqüenta o ensino de curso noturnoe são trabalhadores do comércio e da indústria que buscam a escolaporque sua localização é central e próxima ao terminal, levando emconta que querem apenas terminar o ensino médio, precisamosrepensar o ensino da fotossíntese.- Alguns pontos de suma importância que se deve levar em questão,para a forma como ensinar, é quanto à localização da escola (centro,periferia ou mesmo na zona rural), à faixa etária dos alunos e outros.- Para alunos de escola pública do noturno, cuja maioria trabalhadurante o dia.

c - Quando ensinar fotossíntese? O que ensinar?- Depende do grau de desenvolvimento e da capacidade de abstraçãodo aluno. Assim, segundo a série o professor poderá dosar aprofundidade do conteúdo dado.- O que ensinar? Quem descobriu a clorofila, para que serve aclorofila, a equação da fotossíntese, a equação completa dafotossíntese, os estômatos, os cloroplastos, vasos condutores deseiva, absorção de gás carbônico e liberação de oxigênio, produçãode glicose, etc.- Ensinar sobre o uso da água, e sais minerais do solo que sãoutilizados pela fotossíntese. O ensino da fotossíntese deve serdemonstrativo como colocar um grão de feijão (semente) e deixargerminar. Desta forma o uso da água a qual o algodão estaráembebido. Outra forma é a utilização de um vaso de planta cobertopor um plástico, onde este após alguns dias conterá gotículas deágua na sua superfície.- Método explicativo, com colocações de dúvidas no decorrer daaula seguido de uma exemplificação do tema, com a utilização deuma experiência para melhor compreensão dos alunos.- Fotossíntese (para o ensino fundamental ( 5ª a 8ª série).Pedi para 4 alunos, pegarem 4 folhas diferentes no pátio da escola.Passados 10 minutos, lá vieram todos entusiasmados. Disse paraos alunos erguerem as folhas. E então perguntei, quais as diferençasentre elas?Pensaram, conversaram, discutiram muito, e então disseram:— Professor, nós observamos que todas as folhas são verdes e queelas têm forma e tamanhos diferentes.— O verde das folhas é chamado de clorofila.

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— Professor, o que é clorofila?— É uma pigmentação verde, por onde realiza a fotossíntese.— Professor explica, não complica.- Perguntar aos alunos o que eles sabem sobre fotossíntese,utilizando-se dos seus conhecimentos para dar continuidade aoensino, com aulas explicativas, sanando as dúvidas ocorridasdurante a aula, para, depois, entrar com métodos práticos,demonstrando a importância da fotossíntese para o meio ambiente.- A partir daí, o professor deve orientar seus alunos, ensinando deforma a correlacionar o assunto em sala de aula com tudo o queacontece ao redor do aluno, no mundo em que ele vive, para motivá-lo a se interessar cada vez mais, com o que está sendo ensinado;pois ele percebe que essa aprendizagem satisfez alguma necessidadesua.- Trabalhando, assim, o professor percebe que o aluno ganhaconfiança em si mesmo, promovendo sua auto-estima; isto oestimula a manifestar sua vontade de querer ir fundo, clareando edetalhando os conceitos.

Alguns alunos apresentaram no seu plano um itemdenominado “estratégia” e, assim, o descreveram:

- Como processo de aula, começarei com uma introdução teóricaem sala de aula. Depois de assimilado e passado o assunto,poderemos partir para uma parte prática, como por exemplo,deixarmos uma planta todo tempo na luz, e outra recebendo luz emcerto período e, ficando no escuro, em outro período; deixaremosestas plantas nestas condições por uns dias e, ao final, faremosuma análise, chegando a uma conclusão comum, e ligando osaspectos observados com a parte teórica, onde os alunos poderãoassimilar, mais rapidamente, o assunto e, assim, visualizando, nãototalmente, mas sim uma parte do que se trata a fotossíntese.- A parte teórica vai relatar os assuntos abordados no trabalho, deforma resumida, onde, através de vários aspectos, irei falando comas minhas próprias palavras.- Começarei, primeiramente, perguntando se algum aluno já ouviufalar sobre fotossíntese, perguntarei se algum aluno saberia meexplicar com suas próprias palavras o mecanismo de fotossíntese,etc. A parte teórica seria explicada nesta seqüência e, logo emseguida, seria dada a parte prática com a experiência descrita noitem Estratégia. E assim se encerraria a matéria sobre o assuntofotossíntese.

Por um lado, o conteúdo apresentado em forma de revisãobibliográfica, pelos alunos, em geral mostra-se conservador,contudo, consistente, denso, atualizado e aprofundado, mas, viade regra, tratado de forma tradicional de ensino. Eles usam como

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referências bibliográficas, diversas fontes entre elas, livros deBiologia do 3º grau, livros didáticos do 2º grau, enciclopédias e, emmenor número, revistas especializadas de Ciências. A pesquisa doconteúdo é apresentada em moldes tradicionais, geralmente comênfase nos aspectos químicos e físico-químicos do conteúdo quesão transcritos literalmente.

Alguns apresentam, no entanto, relações importantes nodecorrer do trabalho com os aspectos históricos e evolutivos com avida cotidiana, como a poluição, cadeia alimentar e saúde. Porémestas relações perfazem uma pequena parte do conteúdo, cujaênfase principal encontra-se nos aspectos teóricos.

Outro fator importante em alguns planos é que a adequaçãodo conteúdo em relação ao ensino proposto não demonstracoerência. Alguns propõem aula para 1ª ou 4ª séries (que não deveráser seu nível de atuação), mas, ainda, dão ênfase às equaçõesenvolvidas na fotossíntese. Outros, ao contrário, planejam aulaspara 1ª ou 2ª séries do ensino médio e apresentam atividades quaseque exclusivamente baseadas em observação de germinação degrãos, a influência da luz e demonstração prática do Método dasBolhas Gasosas com folhas de Elodea canadensis que, ao meu ver,são mais adequadas para alunos de 2ª a 4ª séries, ou ainda doMétodo das Bolhas para alunos de 4ª a 6ª séries.

Uma aluna apresentou um trabalho diferente, com o tema “Aágua, o Equilíbrio Ácido-Base e os Sistemas Tampões” para 8ª sériedo Ensino Fundamental. De certa forma, este tema pode ser inseridona análise anterior, porém como um trabalho mais completo, jáque vai além ao pesquisar aspectos relacionados com o ensino dosconteúdos “água” e “ácidos e bases”, presentes na literatura doensino de Ciências/Biologia, expandindo a bibliografia pesquisadae os parâmetros usados por seus colegas.

Por outro lado, é possível perceber, na escrita dos alunos,que o rol de conteúdos apresentados é semelhante à organizaçãoseqüencial apresentada pelos livros didáticos, com uma clara ênfaseno modelo T-R. É possível observar ainda que, quando se referemaos conteúdos imbricados nos processos de ensino, os planos deaulas não manifestam evolução substancial do ensino T-R. Porém,são apresentados alguns avanços no sentido da necessidade deconsiderarem os conhecimentos prévios dos alunos e o “grau de

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desenvolvimento e a capacidade de abstração do aluno”.Também são apresentadas diversas experiências; algumas

destas, no entanto, dão a impressão de serem usadas apenas parao que os professores chamam de motivação, ou como demonstraçãoda teoria em forma de receita. Em parte, nos seus planos de aula,os alunos demonstram encaminhar-se no sentido, ainda tênue, deevolução conceitual na perspectiva de construção do seuconhecimento e de seus futuros alunos sobre o ensino de Ciências/Biologia. Eles escrevem:

- Através de uma discussão em sala de aula onde os alunos possamdizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre a fotossíntesee usar exemplos diferentes daqueles citados anteriormente.- No momento em que o aluno crie discussões, sem ter o professorcomo um único apoio intelectual, usando suas própriascompreensões didáticas.- O outro ponto é estabelecer inter-relações, como por exemplo; oprocesso de fotossíntese e respiração.- Assim, partindo do conhecimento anterior do aluno, o professorvai progredindo e fazendo ajustes, e o aluno não sente que nãosabe nada, mas, sim, que está complementando e aprofundandoalgo que ele já conhecia.- Isso trará para o futuro um indivíduo pensador, autônomo,confiante e responsável; continuando e tornando o processoeducativo de transformação de pensamento e dinâmico.- O ensino de fotossíntese deve ser ensinado a partir do momentoque eu “ser humano” consigo estabelecer relações do reino animal,vegetal, mineral...- O professor deve induzir o aluno a pensar, refletir; fazendoperguntas, de modo que os alunos vão determinando relações eassociações e desenvolvendo seu potencial.- A participação do aluno numa determinada atividade, dá-se quandoeste passa a conhecer os propósitos desta atividade, participandodo planejamento, das dúvidas e soluções; e passa a visualizá-lapara quê ela serve, ou seja, sua aplicação prática.

Os alunos apresentam argumentos, tais como: “conseguirestabelecer relações do reino animal, vegetal, mineral”; participaçãodo aluno em “discussões sem ter o professor como um único apoiointelectual, usando suas próprias compreensões didáticas” que“possam dizer com suas próprias palavras o que entendeu sobre afotossíntese e usar exemplos diferentes daqueles citadosanteriormente”. Nos seus planejamentos, foi possível perceber umavalorização das pré-concepções dos alunos, quando escrevem:

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O fato de ensinar fotossíntese no ensino médio, de uma forma maisdetalhada é que estes alunos já obtiveram um embasamento nasséries anteriores; é claro que foi de uma forma superficial, mas éeste embasamento que permite um melhor aprendizado, permitindoque estes alunos estabeleçam relações entre o conhecimento jáadquirido e o conhecimento que está sendo adquirido; da mesmaforma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia não foge dotradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado, ouseja mais aprofundado; mas a questão não é, se devo ensinar menos,quando tendo determinado contexto e, mais, quando diante de outrocontexto. Simplesmente o ponto que diferencia um do outro é oponto de partida dessa explicação; para responder a estas perguntas,devemos avaliar os alunos (suas vidas, suas experiências anteriores,sua disponibilidade, idade, ou seja, conhecer um pouco da históriade cada aluno), a escola, o momento social e tecnológico, as condiçõesfísicas e materiais fornecidos, etc.

Fica expressa a preocupação com a construção doconhecimento. Em suas palavras aparecem referências ao fato deque estes alunos já obtiveram um embasamento. É esteembasamento que permite um melhor aprendizado, fazendo comque os alunos estabeleçam relações entre conhecimentos préviose o conhecimento que está sendo adquirido. Porém um aluno fazuma análise do ensino nos moldes realizados, quando diz: “Damesma forma, o ensino de fotossíntese no curso de Biologia nãofoge do tradicional, mas o que diferencia é a forma como é colocado,ou seja mais aprofundado”. O aluno deixa claro que o ensinoministrado no curso de Biologia, no curso deles, pelos seusprofessores, “não foge do tradicional”; a diferença consiste apenasem uma maior quantidade de conteúdo, já que se chega aosmínimos detalhes.

O diferencial existente entre os aspectos de como o ensinoserá realizado por esses alunos em aula, e as concepções que estesfuturos professores manifestam em suas palavras, sugerem queestes futuros professores já começam a conceber um ensinodiferenciado, mais próximo de uma visão construtiva-significativa,porém eles ainda não sabem como traduzir estas concepções queestão concebendo, em modos mais eficazes de conduzir suas aulas,principalmente, porque continuam imersos no modelo T-R dos seusprofessores, centrados no conteúdo-informação, independente dasrelações compreensivas que possam ser feitas para que os alunos

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aprendam. Em suma, os episódios aqui relatados possibilitam acompreensão das dificuldades encontradas por alunos e professoresno que se refere à leitura e escrita, principalmente, tendo em vistadois fatores determinantes: alunos (como os professores) são frutosdo ensino T-R; não possuem tempo disponível por serem tambémalunos trabalhadores.

Disto decorre que os alunos, via de regra, não apresentamcondições para realizar as pesquisas e leituras necessárias à suaformação profissional, e ainda, o histórico de leitura destes alunose professores se confundem com o ensino T-R nas escolas. Assim,a leitura denotativa e com base numa leitura supostamenteprivilegiada tomada como única, somando-se às discrepâncias entrea linguagem dos alunos e a linguagem da ciência, representadapelo professor, nos possibilitam perceber a necessidade demudanças significativas, principalmente, na perspectiva daformação de professores, no ensino que se faz em nossas escolas,bem como nas universidades.

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CAPÍTULO V

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS

• ♦ •

A prática pedagógica do professor manifesta suasconcepções de ensino, de aprendizagem e deconhecimento, como, também, suas crenças,seus sentimentos, seus compromissos políticose sociais; uma análise das atividades na escolaé capaz de revelar a concepção epistemológicasubjacente (Schnetlzer; Aragão, 1995).

Qual é o modelo de ensino mais comum nas escolasbrasileiras? Em que níveis de ensino ele se encontra presente?Examinando aspectos da formação do professor de Ciências/Biologia, nesta investigação procuro — a partir das falas, relatos einterações em aula — apontar alguns elementos deste processo, afim de compreender questões presentes no modelo de formaçãoatual.

Pesquisas têm demonstrado que a atuação de professoresnas suas aulas é resultado de suas crenças epistemológicas(Schnetzler; Aragão, 1995; Cawthron; Rowell, 1978; Hodson, 1985;Silveira, 1989; Carniatto; Fossa, 1998). D. Liston e K. Zeichnerdefendem que a formação inicial é o ponto de partida, mas que aformação efetivamente se consolida ou se “constitui em um processoque continua, através da carreira de professor” (Liston; Zeichner,1993: 23). Portanto, o profissional precisa estar continuamenterevendo suas convicções, considerando que a tarefa de educardepende de uma série de decisões e de condições que precisam sercriadas e ser continuamente aprendidas pelos futuros professores.Nesse sentido, pode-se indicar que:

O ato educativo, que nos comprometemos a realizar, consciente ouinconscientemente, no âmbito do nosso ensino, o qual consiste,unicamente, em um processo de aprendizagem, mas implica, sem

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dúvida, na vontade explícita de incidir ou intervir sobre tal processo.Essa vontade se traduz em uma série de decisões sobre o que oaluno precisa aprender e sobre as condições que precisam sercriadas para que ele realmente aprenda o que configura comodesejável de ser aprendido e pressupõe conhecimento específicopara coordená-las, no plano escolar (Coll apud Aragão, 1993: 11).

Outro importante problema advém de visões simplistas sobrea formação de professores que se encontram no âmbito do ensinoT-R. Tomando como ponto de reflexão as palavras de A. Carvalho eD. Gil-Pérez, gostaria de situar a discussão do ensino que seministra nos cursos de licenciaturas, neste caso no Curso deCiências/Biologia:

Um ensino eficiente tem que ter como um dos seus pressupostosatender às “necessidades formativas do professor de Ciências”especialmente no que se refere à ruptura com visões simplistassobre o ensino de Ciências, importância do conhecimento da matériaa ser ensinada, necessidade de adquirir conhecimentos teóricossobre aprendizagem das Ciências e analisar criticamente o ensinotradicional (Carvalho; Gil-Pérez, 1993).

Assim, podemos compreender a necessidade de umapreparação rigorosa de professores em formação, para possibilitaruma docência de qualidade. Por isso, juntamente com diversosautores, defendo a posição de que a formação inicial precisa serreestruturada, através da imbricação ensino - conhecimento eaprendizagem - natureza epistemológica do conteúdo, não sepodendo mais continuar cultivando a dissociação conteúdo-forma.Além disso, torna-se imprescindível, possibilitar ao futuro professor,conhecimento político-social que lhe permita uma visão crítica darealidade dos alunos e de onde a escola se situa (Gil-Pérez, 1996:73).

5.1 Episódio 10 - Paradigma e concepção de ensino fundamentados na T–R

Procurando desvelar as concepções de ensino-aprendizagem-conhecimento dos alunos, a Professora de Didática propôs que,organizados em grupos, eles refletissem para responder a algumas

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questões. Busco na escrita dos alunos identificar suas concepções,mediante as respostas apresentadas nesta atividade realizada emaula:

a) Questão 1: O que é ensino/ensinar para você?

- É a transmissão de um conhecimento.- Ensinar é transmitir novos conhecimentos, através de métodosespecíficos, materiais adequados e aprofundamento constante doeducador.- É passar um conteúdo (informação) de uma forma sistemática,porém criativa, ou seja, de uma maneira com que os alunosassimilem e compreendam tal conteúdo.- É assimilar o que foi transmitido e saber transmitir o que seaprendeu.- É um processo caracterizado pelo planejamento que se pretendeensinar, que é praticado via professor/aluno. O resultado dessaintegração professor/aluno irá gerar um conhecimento a sercomparado e moldado as concepções (Trechos de atividades dosalunos do 5º Período).

b) Questão 2: Como é que eu (professor) sei que ensinei? O que éaprendizagem/ aprender para você?

- “Sabemos” que ensinamos determinado conteúdo a partir domomento que estiver consciente de como foi passado esse assunto,de qual ambiente estou trabalhando e, consequentemente, peloquestionamento e interesse da sala.- O processo de aprendizagem ocorre, quando estamos dispostos aassimilar, questionar e, com tudo, compreender e aprenderdeterminado conteúdo.- O processo de ensino-aprendizagem baseia-se numa mudança decomportamento de cada indivíduo.- Aprender nada mais é do que captar o que foi transmitido,absorvendo conceitos e poder tirar conclusões próprias e utilizartais observações, ou seja, o recebimento e a assimilação dosconhecimentos transmitidos (Trechos de atividades dos alunos do5º Período).

c) Questão 3: Como é que eu (professor) sei que o meu alunoaprendeu o que eu penso ter ensinado?

- Ao ser feita uma avaliação, pode-se avaliar se foi assimilado, atravésdas notas dos alunos, perguntas de interesse sobre o assunto,debates (pois não pode haver discussão do assunto, onde não háconhecimento), através de perguntas orais em classe, etc.- A princípio, observando a reação do aluno, após podendo discutira outros níveis devido ao interesse do aluno.

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- Através de avaliações escritas, orais, participação em sala de aula,em que os alunos demonstram o que eu ensinei.- Quando tenho domínio sobre o assunto.- Sei que ensinei quando eu falar num determinado assunto e elesouber discutir, participar, pois prova não avalia aluno; avaliamosatravés da participação, atenção, interesse, desenvolvimento diáriodo aluno (Trechos de atividades dos alunos do 5º Período).

Questão 4: O que eu posso/devo fazer quando percebo que umaluno não aprendeu o que eu pensei ter ensinado?

- Buscar métodos alternativos de aprendizagem para melhorcompreensão do aluno.- Quando eu percebo que meu aluno não aprendeu o que pensei terensinado, devo mudar minha estratégia, buscar novas maneirasde apresentar o conteúdo, até que meu aluno consiga aprender.- O professor deve individualizar o aluno partindo do princípio emmudar a metodologia e ensino (Trechos de atividades dos alunos do5º Período).

A maior parte das manifestações dos alunos evidencia queeles concebem ensino-aprendizagem como transmissão-recepção,posto que eles afirmam que ensinar é: transmitir, passarinformações, assimilar, saber transmitir, captar, etc. Manifestamuma ênfase behaviorista na metodologia, nas técnicas, nasestratégias e nos aspectos formais do planejamento. Além disso,eles afirmam que a aprendizagem depende do aluno, quando dizemque “o processo de aprendizagem ocorre quando estamos dispostosa assimilar, pelo questionamento e interesse da sala, devido aointeresse do aluno”. Culpar o aluno pelo insucesso do ensino-aprendizagem é uma postura muito comum no ensino T-R, a partirdo que o professor acredita que ao “transmitir” o conhecimento,ele ensinou e se não houver “resposta” foi o aluno que não aprendeu.

As concepções de avaliação vão desde as mais tradicionaiscomo notas e perguntas orais até concepções mais evoluídas queapontam para a “consideração do desenvolvimento diário do aluno,se eles souberem discutir (sic)”, e ainda para a idéia segundo aqual “prova não avalia aluno”.

Quanto ao que fazer quando se percebe que o aluno nãoaprendeu, os alunos se referem à necessidade de “buscar métodosalternativos de aprendizagem” e dão ênfase à “mudança deestratégia, de metodologia e individualizar o ensino”, reproduzindouma série de lugares-comuns do discurso pedagógico.

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A partir do seu trabalho com a classe e a análise dessasmanifestações, a Professora de Didática diz que percebeu que amaioria dos alunos concebia o ensino apenas como transmissão-recepção:

Eu sei o que fez eles arrasarem o seu autoconceito. Eu fui cruel,para abalá-los, porque eles achavam que “ensinar só podia sertransmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podia sermemorização, ponto”.

Mas a referência de uma das alunas deste período revela, àguisa de reconhecimento de fonte geradora, a concepção de ensinosubjacente ao trabalho de muitos professores formadores dessesfuturos professores. Diz a aluna:

Alguns professores, com tempo de 40 minutos, dão meia hora deaula efetivamente. E dizem o seguinte: não posso passar de meiahora, se não eu aumento consideravelmente a quantidade de matériae vocês não agüentam.

Sob outro enfoque, mas expressando a mesma concepção,uma ocorrência com outro professor é relatada por outra alunanos seguintes termos:

Eu estou fazendo Botânica agora, no primeiro semestre, em Abril;já estamos na sexta aula de Botânica, e o professor não pára defalar do sítio dele onde ele passou os três meses em que estavaafastado. Ai, Professora, é muito duro, eu trabalho o dia todo, venhopara a Unimep, eu sou mãe, esposa, administro a casa, venho parafazer esta disciplina e nada, nada de Botânica. E o professor dizque não vai dar a matéria, o conteúdo, porque não vai dar tempo.

O descompasso entre o discurso do professor e sua prática éalgo constrangedor, ele diz que não “não vai dar a matéria, oconteúdo, porque não vai dar tempo”; no entanto, já estava na sextaaula e nada de Botânica. O professor desperdiça o tempo todofalando de assuntos triviais, apenas de seu interesse, não seimportando com as necessidades dos alunos e nem demonstrandoo respeito que merecem como aprendizes.

Os depoimentos dos alunos demonstram que os seusprofessores acreditam, apenas, nos procedimentos de transmissão-recepção (T-R), quando eles dizem que não podem dar mais de 30

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minutos de aula, porque, se dessem mais tempo, a quantidade dematéria seria tanta (sic!), que os alunos não agüentariam, isto é,não dariam conta de memorizar. No ensino T-R, é usual osprofessores considerarem seus alunos como “esponjas”:

Literalmente, grande parte dos professores considera os alunos comoesponjas que devem absorver o conhecimento que eles tentampassar. Por trás de seu trabalho, transparece a idéia de que, quantomais se repetir determinado conteúdo e, quanto maior número deexercícios de repetição se propuser, maior vai ser a aprendizagem(Cf. Moraes, 1996).

Vemos que os professores não consideram a possibilidadede usar o tempo disponível para realizar outras atividades quecontribuam para que os alunos aprendam os conteúdos, para queestabeleçam o maior número de relações cognitivas possíveis como conteúdo tratado na aula, enfim, para consolidar a aprendizagem.Da forma como o conteúdo é apresentado usualmente, parece queo professor concebe “aula como transmissão seqüencial deconhecimento”.

Portanto, quando o professor termina a exposição que elejulga suficiente, do seu ponto de vista, ele terá que passar,impreterivelmente, para o conteúdo seguinte. Não parece que elepossa admitir a possibilidade de realizar com os alunos outrasatividades sobre o conteúdo trabalhado de maneira que estespossam compreender cada vez mais, ou melhor. Não existe, talvez,compreensão de que, se o aluno compreender bem o conteúdo,este aluno que, via de regra, trabalha o dia todo e estuda à noite,não precisará estudar tanto, memorizando em casa aquilo que nãocompreendeu e poderá apresentar um bom desempenho. Por outrolado, existem professores que procuram desempenhar bem o seupapel, como educadores. Vários alunos, ao serem indagados,disseram que alguns dos seus professores:

Trouxeram muito da realidade política do nosso País, em relação àeducação e, também, no âmbito social geral;Passaram recortes de jornais, revistas, documentários, e outros;Trouxeram muitas novidades relacionadas com a matéria.

Outros alunos, no entanto, destacam a apatia de seusprofessores: “Enquanto outros estão parados no tempo”; “Não há

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novidades para mim, textos cansativos”. Porém, nas manifestaçõesdos alunos, existem alguns aspectos sobremaneira preocupantesque deveriam fazer vários professores se questionarem seriamentee se auto-avaliarem:

- Poucos professores trouxeram alguma informação nova para nossoconhecimento, alguns mal olham para nossa cara, e outros são tãomal humorados que não passam muita coisa e exigem muito.- Alguns professores trouxeram várias novidades para nossa área;porém, há outros que só entram na sala para a matéria em questão.A Biologia é uma ciência atualizada, que precisa ser renovada, porisso alguns professores decepcionam na aula, não atualizando asua matéria (Comentários de alunos do Curso de Ciências/Biologia).

A partir das concepções de ensino evidenciadas nasmanifestações e nos trabalhos desses alunos, torna-se necessáriodiscutir um outro ponto fundamental da formação inicial dessesfuturos professores, isto é, discutir as concepções de ensino queeles ainda cultivam como frutos dos muitos anos de escolarização,submetidos a uma educação centrada na Transmissão-Recepção(T-R). Isto porque:

A formação do professorado desempenha um papel importante emrelação com os problemas da sociedade. Eles enfatizam que osprogramas de formação de professores podem servir para integraros futuros professores na lógica da ordem social atual ou promoveruma situação em que os futuros professores possam adotar umapostura crítica frente a realidade com o fim de melhorá-la (Liston;Zeichner,1993: 22).

Considerando que, no curso de formação de professores, éfundamental que se abra espaço para reflexão dos futurosprofessores, estes precisam de estímulo constante para refletir e,para tanto, é necessário romper o isolamento e a unilateralidadedo ensino T-R. Além disso, a formação de professores devecontribuir, de alguma maneira, para chamar a atenção sobre anecessidade de ampliar os interesses no campo da formação doprofessorado:

As questões de organização são, em últimos termos, menosimportantes que as decisões a respeito do objetivo e essência denossos programas de formação de professores (...). Seu objetivo nãodeve limitar-se só em conseguir a excelência e fortalecer a

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competência intelectual, senão que deve incluir um compromissoapaixonado a favor da igualdade educativa (Liston; Zeichner, 1993:22-23).

Além disso, a formação de professores deve aspirardiretamente a educar docentes “capazes de identificar e organizarseus propósitos, de escolher as estratégias pedagógicas e os meiosadequados, que conheçam e compreendam os conteúdos que devemensinar, que compreendam as experiências sociais e as orientaçõescognitivas dos seus alunos e possuam uma compreensão maior docontexto social e político do ensino” (Cf. Liston; Zeichner, 1993: 64).Assim, em elementos como a falta de consideração das questõesepistemológicas usuais na formação do professor; a irresponsávelapresentação de visões simplistas sobre conhecimento, ciência,ensino e aprendizagem; o cultivo inconsciente das dicotomiaspedagógicas (processo x produto, teoria x prática, conteúdo x forma,ciências x técnica, cultura x ciência); a manutenção da seriaçãocomo compartimentos em seqüência; a nítida dissociação entredisciplinas ditas de conteúdo específico e as de conteúdopedagógico; e a não ausência de inter-relação entre os conteúdosabordados em mais de uma disciplina, é possível observar apresença dos pressupostos positivistas da compartimentação parapromover a especialização, desta marca que impregna toda a ciênciapositivista que repercute, nos mesmos termos, no ensino.

O sistema de ensino sofre uma tal compartimentação que asdisciplinas dos cursos, mesmo os de licenciaturas, são apresentadase trabalhadas isoladas, como em gavetas, ou em compartimentos.A exposição dos conteúdos pelos professores obedece a umahierarquia rígida e uma seqüência lógica, segundo uma visãoexclusivamente técnica. Parece que se acredita e se espera que oaluno os guardará na memória, de acordo com esta seqüência, cadaqual em seu compartimentozinho; mas que, ao final, quando o alunonecessitar resolver os problemas que se apresentam no seu dia-a-dia, como em um passe de mágica, pequenos fragmentos, partesde diversos conteúdos irão se unir “naturalmente”, trazendo a tãoalmejada “compreensão” para a solução dos problemas, quandoestes se lhe apresentarem.

Que ilusão! Que expectativas vãs têm os professores quetrabalham segundo o ensino tradicional. Esperam eles, realmente,

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que a tarefa, que o conjunto de professores e técnicos em educaçãoe ou ensino não conseguem fazer, que é a explicitação das relaçõesconteúdo-forma, o estabelecimento de relações entre conteúdosque, decididamente, possuem uma mesma natureza epistemológicaou não, imaginam eles, acreditam mesmo que o aluno, ao final doprocesso, o fará por si próprio! Isto ocorre principalmente devidoao privilégio dado ao modelo de educação recebida, segundo oensino tradicional, já que “trata-se de uma formação ambientalque teve um grande peso por seu caráter reiterado e por não estarsubmetida a uma crítica explícita. Constituindo-se, por isso, emalgo ‘natural’, sem chegar a ser questionada efetivamente” (Carvalho;Gil-Pérez, 1993: 38).

Temos uma visão de currículo, geralmente, estruturada comoum modelo acumulativo de saberes específicos e de conhecimentospedagógicos e, acredita-se, talvez, que a integração entre ambosdeva ocorrer naturalmente. No entanto, um dos principaisproblemas é, justamente, esta falta de integração. Em outraspalavras, é quase que ingênuo esperar que um professor torne suasaulas ativas e participativas, se, por exemplo, durante o períodoem que era aluno na universidade, ele vivenciou uma metodologia,baseada, sobretudo na transmissão e recepção de conhecimentosjá elaborados, com práticas de laboratórios tipo receita e problemascomo simples exercícios de aplicação (Cf. Carrascosa, 1996).

Então, poder-se-ia perguntar, como se forma um profissional-professor?

Eficiente e eficazmente, seria desde a pré-escola, com ensinoadequado, com ênfase em questões epistemológicas, porquequalquer aluno precisa vir pensando, compreendendo,independentemente da profissão que ele for seguir. De fato, secomeça a formar um profissional-professor na formação ambiental,durante seus anos de escolaridade e, não apenas na chamadaformação inicial que ocorre nos cursos de graduação. Por estemotivo, a formação ambiental surge como fator muito importante.

Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formaçãoprofissional com uma bagagem histórica de experiências educativascomo estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser umbom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devemfazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Nãochegam em branco aos programas de formação, se não que, como

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antigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéiase, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativaspróprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80).

Muitas são as pesquisas que apontam para a importânciaque essa formação ambiental longitudinal, durante os anos deescolarização, tem sobre o modo de ensinar dos futuros professores.Estas pesquisas demonstram ainda, que os bons alunos vão seespelhar nos bons professores.

A Professora de Didática relata que a investigação de G.Melotto demonstra que o círculo vicioso já está formado: “Osprofessores na Universidade dão aula do mesmo jeito que seusalunos vão dar, subseqüentemente. É a cópia (xerox), sob pena deser menos rigoroso” (Cf. Melotto, 1998). Um professor, do grupo dapós-graduação, que pesquisava outros cursos, disse que “estecírculo vicioso não vai se quebrar de um dia para outro”. E umaprofessora contrapôs: “E não vai mudar, se a graduação não mudar”.

Porém há a necessidade de provocar uma ruptura pararedimensionar o professor desejável e ensejar a diferença. AProfessora de Didática esclarece o que ela pensa sobre a “EvoluçãoEpistemológica”, elencando razões como as seguintes:

Professora — Porque o sujeito está vindo numa formação racionaltécnica, é preciso romper para dar a guinada para a formaçãoracional prática. Esta ruptura enseja uma certa continuidade,porque é uma ruptura para dar continuidade. É ruptura para ajustara direção. Destacando que a questão é da mesma natureza, formaçãode professor, ser professor, ensinar, aprender conteúdo. A pessoanão vai mudar, não vai fazer algo completamente diferente. Não. Épossibilitar ver de outra forma, olhar por outro ângulo, de outrolugar — Que é esta a questão da Evolução Epistemológica. Estaevolução deveria acontecer, é desejável que aconteça na formaçãoinicial, isto é, no espaço de seu curso de graduação — a licenciatura.E deverá continuar na formação continuada e/ou em serviço.

Em contraponto, vale confrontar como as respostas de umgrupo de alunos do 5º período, em certas atividades realizadas emaula, expressam uma visão T-R, sobremaneira ortodoxa, a propósitode questões reflexivas sobre processos de aprendizagem e a questãodo desenvolvimento. A Professora perguntou-lhes: “Por que eupreciso pensar sobre essas questões para poder ensinar Ciências/Biologia?”. Um grupo de alunos assim respondeu:

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Acreditamos que não necessitamos dessas questões discutidas emgrupo, pois o que vai determinar a relação ensino-aprendizagemem uma sala de aula é o quanto o professor domina o seuconhecimento e o próprio dia-a-dia da sala de aula (Trecho extraídode atividades dos alunos do 5º período de Ciências/Biologia).

Nas palavras destes alunos, é possível perceber que os futurosprofessores valorizam exclusivamente o domínio do conhecimentoem termos mecânicos, memorizados “corretamente”.Desconsideram o conhecimento pedagógico e as questõesepistemológicas que interferem na aprendizagem, exatamente, aomeu ver, tudo aquilo que faria com que o professor estivesse aptoa ensinar de forma conseqüente, para que seus alunosaprendessem. Acreditam que o papel do professor seja, apenas,transmitir conhecimentos e, provavelmente, manter a disciplina,configuram resultados de suas crenças, suas concepções estreitasde ensino entendido como Transmissão-Recepção (T-R).

Implícitos na fala destes alunos aparecem também os matizesde preconceito de muitos professores, quando dizem que discussõessobre questões de ensino não resolvem nada. Estas pré-concepçõessão introjetadas dessa forma, como conseqüência dos anos deformação ambiental calcados no ensino T-R a que estiveramsubmetidos. A Professora de Didática fala de sua experiência,trabalhando com professores:

Eu fico vendo as cabeças de professores cheias de teias de aranha,aquelas teias grossas, porque eles são convictos de que se aprende...daquele jeito. Que, primeiro, você aprende, depois você compreende,como se fosse possível dissociar aprendizagem do conteúdo, ou seja,prá falar de aprendizagem tem que falar em memorização. Primeirovocê memoriza, depois você compreende, se puder...

É comum em um processo de ensino, fundado no modelo T-R, dar grande ênfase à memorização e não à compreensão. Tambéma formação de atitudes comportamentais, nos alunos, recebebastante atenção dos professores. Com fundamentos behavioristas,grande parte do trabalho do professor é repetitivo, a fim de conseguira reprodução, a memorização desejável e a obediência dos alunosàs normas impostas pela escola, pelo sistema e pela sociedade. Opapel do professor caracteriza-se, assim, pela ilusão de que o

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conhecimento possa ser aprendido independentemente do interessee da vontade do aluno. Uma vez que se entende que este, por nãopossuir experiência, não sabe escolher o que é melhor para si edeverá, portanto, submeter-se inteiramente aos conteúdos que lhessão transmitidos por inculcação. Dessa maneira, o professor perdeexcelentes oportunidades de discutir com os alunos questões damais alta relevância, as quais, certamente, favoreceria suacompreensão.

Os professores demonstram frequentemente conceber o alunocomo tábula rasa. Considera-se, como professor, o detentor doconhecimento, cuja função é, apenas, transmitir o conteúdoestipulado aos alunos. A estes cabe memorizar, plenamente, o quefoi transmitido, reproduzindo, assim, as características do modelotransmissão-recepção. Professores costumam recordar o conteúdode aulas anteriores, para acentuar a “fixação”. Porém as perguntasque dirige aos alunos são apenas para chamar atenção à sua fala,uma vez que não parecem buscar, efetivamente, a contribuição doaluno para interagir, efetivamente, no processo de ensino-aprendizagem. Suas perguntas são retóricas. Os alunos sãoconsiderados passivos, pois as atividades e o controle da aula sãode inteira responsabilidade do professor.

O professor continua considerando seu aluno como tábularasa, ainda, frente a cada novo conteúdo. Considera que o alunonada sabe com respeito a cada assunto, por ser “assunto novo”.Seu conhecimento anterior é completamente desprezado, e oprofessor pensa que deverá ensiná-lo “sempre do princípio”, emboranão chegue a fazê-lo jamais por “falta de tempo”.

Cabe à escola assumir um papel informativo em relação aoconhecimento, que é realizado através dos professores (repetidores),que irão transmitir aos alunos os conhecimentos que julgaremnecessários, para que cada aluno, de um único e mesmo jeito, possase ajustar à sociedade (Mizukami, 1986). Neste modelo de ensino,é mais comum os professores utilizarem a aula expositiva, comalgumas diferenças marcantes, quanto ao ritmo de cada um, àlinguagem utilizada e ao aprofundamento do conteúdo. As aulassão marcadas pelo verbalismo dos professores, e as interações entreprofessor e aluno demonstram o predomínio do modelo tradicionalde transmissão-recepção (T-R).

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Uma das vertentes atuais mais fortes que sustentam o modelode ensino por T-R é a Racionalidade Técnica. O desenvolvimentocrescente de ideologias instrumentais, enfatizando uma abordagemtecnocrática para a preparação de professores e adoção demetodologias calcadas na Racionalidade Técnica, tem sido umadas ameaças poderosas para uma mudança eficaz no ensinobrasileiro.

Necessitamos de mudanças, mas estas têm que ocorrer nasbases teórico-epistemológicas e psico-pedagógicas que norteiam efundamentam o ensino. Via de regra, têm sido realizadas diversasmudanças ou reformas, visando, ora à mudança de metodologiasde ensino e as estratégias, ora dotando as escolas comequipamentos de televisões, vídeos, parabólicas, computadores,etc. Mas, na verdade, os fundamentos teórico-metodológicos eepistemológicos não são mudados e continuam como fundamentos,advindos do positivismo, da educação mecanicista e tradicional. Eé justamente isso o que vemos repetidamente ocorrendo.

Por trás de um programa que traz uma receita, cuja formaçãonecessária é o treinamento, está mais uma vez a mesma concepçãotradicional de fundamento behaviorista, o que muda então? Mudaa forma, mas não a essência, muda a técnica, mas não aepistemologia subjacente. Os professores são reduzidos ao statusde técnicos repetidores, cumprindo normas e diretrizes, ditadaspor especialistas que, muitas vezes, nunca entraram numa sala deaula ou estão afastados dela e, portanto, longe da realidade do dia-a-dia da sala de aula. Desta maneira, os professores passam aocupar verdadeiramente funções burocráticas e não pedagógicas,passam tão somente a administrar e implementar programascurriculares, já que não conseguem trabalhar no sentido derealizarem suas verdadeiras funções: possibilitar o ensino-aprendizagem, a construção coletiva do conhecimento, apropriando-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicosespecíficos (Giroux, 1997).

Esta concepção apresenta em si o retorno de pedagogiasinflexíveis do tempo e da tarefa operam a partir da suposição errôneade que todos os estudantes podem aprender a partir dos mesmosmateriais, técnicas de ensino em sala de aula e dos mesmos modosde avaliação. A noção de que os estudantes têm histórias diferentes

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e incorporam experiências, práticas lingüísticas, culturas e talentosdiferentes é estrategicamente ignorada.

Uma formação inicial de professores - talvez única - queexecuta apenas um ‘programa de treinamento’, no qual se enfatizasomente o conhecimento técnico presta um desserviço, tanto ànatureza do ensino, quanto a seus estudantes. Em vez deaprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a vida e aprática de ensino em aula, os futuros professores aprendemmetodologias ou seqüências metodológicas mecânicas que parecemnegar qualquer necessidade de pensamento crítico. Em vez deaprenderem a discutir e compreender as questões que subjazemaos diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teoriasda educação, os estudantes preocupam-se em aprender o “comofazer”, “o que funciona” ou ainda qual é a melhor maneira de ensinarum “dado” conhecimento (Giroux, 1997: 159).

Devido às evidências discutidas de que o ensino tradicionalé fruto da Racionalidade Técnica, foi lembrado pela Professora deDidática, em aula, o primeiro ensaio de avaliação que Paulo Renatode Souza, então Ministro da Educação, fez e que foi objeto de umareportagem do Jornal Folha de São Paulo, na qual o Ministérioassumia, agora, o que a gente já sabia há uns quinze anos. Casotípico da especulação em torno de obviedades:

O professor reproduz o livro didático, o professor se mantém emCiências a nível de senso comum, o professor solicita que os alunosresponda exatamente nos mesmos termos da apresentação semnenhuma reflexão, elaboração, pensamento (Palavras do Ministrode Educação do Brasil).

Esta é uma questão cotidiana em nossa vida escolar, em nossosistema de ensino. Na investigação que realizei na classe do 5ºperíodo de Ciências /Biologia, aconteceu um episódio que apresentacom clareza e riqueza a impregnação subjacente a estaRacionalidade Técnica. A Professora de Didática assim relata oepisódio:

Os alunos me apresentaram algumas “encomendas”. Sabe o queeles pretendiam? Pedir-me para dar uma receita de plano de ensinode Biologia, e a gente poder, a partir dessa receita, discutir osconteúdos. Isso era o máximo que eles ousavam pensar e almejavamconseguir do professor de Didática. Isso já seria o máximo, para

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eles, segundo disseram. Porque “eles” lá na escola exigiam que osprofessores “soubessem Biologia” e eles não tinham nem idéia deum rol de conteúdos de 2º grau, nem de qualquer receita para pôrem prática. Daí, veja, quando eles pedem uma professoradiferenciada de Didática e vou eu, a balança pende para um ladoque eles nem imaginavam; eles que estavam pressionando paraque o lado do conteúdo específico pesasse. Quando entro eu, abalança pende prá outro lado, ou seja, para a qualificação geral eeles não agüentam o tranco. É que eles nunca na vida esperavampor isso.

Este modo de ensino está tão impregnado nos professores eno sistema de ensino que, realmente, somente com muito estudo eaprofundamento teórico, podem-se tirar as vendas e começar aenxergar a diferença substancial entre o ensino, calcado naRacionalidade Técnica e um Ensino Construtivista. Realizar umamudança efetiva com os futuros professores e com os que estãoem exercício, parece ser apenas possível, mediante um programaconsistente e continuado de formação desses professores. Não sepode dar este salto qualitativo, se não houver interlocutores quepossam mediar esta tarefa. Não se consegue ser interlocutor de simesmo, portanto é preciso investir substancialmente naslicenciaturas e, também, nos programas de pós-graduação.

5.2 Episódio 11 – “Professora, aprender a pensar dá tempo? Pensar cansa, dói a cabeça. Eu tento... penso e não sai nada...”

Nos termos acima discutidos, à guisa de ilustração, creio serimportante apresentar aspectos que evidenciam percalços dealgumas pequenas mudanças que a Professora de Didática tentavasugerir aos seus alunos. E a propósito da valorização do ato depensar, tendo em vista a construção do sujeito-professor, aProfessora afirma em um de seus artigos:

A imensa dificuldade que tenho encontrado na interação com alunose alunas - principalmente em níveis de escolaridade mais avançados(no ensino médio e/ou superior) - advém do fato de alunos e alunasconsiderarem o pensamento, o ato de pensar, como algo inusitado,esdrúxulo, posto que não se acreditam capazes de construirpensamentos - quer em função da insuficiência que atribuem ao

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conhecimento que já possuem para saber determinadas coisas, querpor entender que se cristalizaram em um conhecimento único, emum método único de saber as coisas, de conhecer, que lhes foipropiciado pela escola. De qualquer forma, diferentemente decrianças, jovens tendem a acreditar que não lhes é mais possívelpensar, tal o estado de embotamento de suas idéias científicas, deobnubilamento de relações que possam ser estabelecidas noconfronto de questões epistemológicas, usualmente, apresentadasem contexto escolar (Aragão, 1988: 02).

Nesse sentido, a Professora cita em seu texto a fala de umade suas alunas, numa aula de Didática quando, em tom dedesalento, esta lhe dizia: “Pensar cansa, dói a cabeça, Professora.Eu sinto uma agonia quando tento pensar, porque eu tento, pensoe não sai nada... Diga logo como é ‘o certo’ que eu lhe garanto quefico sabendo e não vou esquecer”. A Professora analisa esta questão,com seus alunos, com pós-graduandos e comigo, nos seguintestermos:

A falta de oportunidade para refletir, a falta de solicitações de reflexãoe até a falta de interesse docente em conhecer e questionar as suasvisões de mundo pode explicar a insegurança desses alunos e dessasalunas que aprenderam simplesmente a reproduzir os conteúdosde ensino sem pensar e a denominar esses conteúdos, reproduzidosde memória, conhecimento.

Em falas anteriores, a Professora frisa que percebera que osalunos só concebiam ensino como transmissão - “Ensinar só podiaser transmissão de conhecimento, ponto”. “Aprendizagem só podiaser memorização, ponto” - e planejara uma maneira contundentepara abalar esta concepção.1 Ela relata um episódio carregado deemoção tanto por sua parte como por parte dos alunos. Numa dasaulas, quando os alunos discutiam sobre as concepções de ensino-aprendizagem, e os grupos apresentavam as atividades realizadas,a Professora chama-lhes a atenção. Eis o seu relato:

Eu sei o que fez eles arrasarem seu autoconceito, eu fui cruel paraabalá-los (...). Foi quando eu disse: Gente, sabe o que é que mepreocupa na situação de vocês? Que vocês abriram mão do direitode sonhar. Que vocês renunciaram ao sonho, ao desejo. Vocês nãodesejam mais nada, vocês não sonham mais nada. Vocês sãoincapazes de imaginar que ensinar possa ser outra coisa. E eupercebi pelas carinhas, você sabe quando atinge. Foi o que tocou.

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Tanto que na outra aula chega uma menina e me diz assim: —Professora eu sonhei tanto esse fim de semana!

A Professora, ao comentar o incidente com uma colega, aProfessora Rose, esta lhe diz: “Você tinha que dar algumachapuletada na cabeça de algum jeito”. A Professora de Didáticaresponde: “Sim! Uma ‘sacudidela’ eu sempre busco. Porque semsacudir o sujeito, para que ele seja forçado a pensar em uma outrapossibilidade, você não consegue coisa alguma. Eu não sou ingênuaa esse ponto, nem cabotina”.

A Professora desafiava os alunos, incitando-os até sobre seussonhos. Diz que eles “renunciaram ao sonho”. Este desafio pareceque, de certa forma, os acordou. Era o final da discussão sobre asconcepções, foi a conclusão do tema, mas, quando a Professoraterminou de falar, a sala tinha outro clima. Os alunos estavamespantados, mas pareciam também satisfeitos.

Podemos concluir que, para esta Professora, o ensino jamaispoderia ser apenas Transmissão-Recepção, mas uma ação mediadapelo professor, entre o aluno e o conhecimento, objetivando aaprendizagem. Considerando que a aprendizagem escolar é umprocesso de construção de significados que, por sua vez, está ligadoà existência de conflitos, de revisão de concepções prévias, deinadequação, de modificação e de construção do conhecimento, oensino é muito mais que uma mera transmissão de informações.

Existe no processo ensino-aprendizagem-conhecimento, emtermos construtivos, uma interação simbólica e comunicativa emtorno da informação, que está marcada por determinados processosde cultura. Aprender não implica o consumo passivo e deglutidorde informação, as interações são mais complexas, os intercâmbiosmais sutis e carregados de múltiplos significados. O professor nãose reduz a um mero emissor ou expositor de conhecimentoacumulado e organizado em suas diversas disciplinas. Existe todoum conjunto de relações que transpassa a transmissão dosconteúdos de uma disciplina, que condiciona sua efetividade eexplica, também, muitas vezes, a dificuldade apresentada para aassimilar (Cf. Hernández; Sancho, 1994).

Esta complexidade, plena de múltiplos significados, tornou-se evidente no momento de avaliação da turma do 5º período, pelasdiferenças de pontos de vista e emoções (sentimentos) dos alunos

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e de sua Professora, com respeito aos resultados de atribuição devalor ao processo de interação de que haviam partilhado por maisde três meses. A professora comenta:

Em nossa turma, [referindo-se à classe do 5º Período de Biologia],quando eles fizeram as provas, a coisa era produtiva, significativa etinha sentido, mas eram exatamente os momentos em que eu meaniquilava. Eu dizia: pelo amor de Deus eu não consegui coisaalguma. E para eles eu havia conseguido o máximo. Olha o contra-senso: o máximo para o aluno e nada para a professora. Não émoleza um descompasso dessa natureza.

Esses significados sutis, mas profundamente contundentesficam expressos, com maior clareza, na interação dos alunos coma Professora, na hora do intervalo, quando junto à mesa, ela atendiaalunos e arrumava seu material. Alguns alunos, via de regra, vinhamlhe falar, comentar alguma coisa. A aluna Maria José, por exemplo,afirmou:

Professora eu queria lhe dizer que antes de eu ter aula com asenhora, eu achava que eu era uma boa professora. Eu achava queeu era melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou...que eu sou... [a Professora completa para provocá-la: “uma bosta”].Aí ela disse: — É... (afirmativa e refletindo profundamente). E euacho que eu não vou sair da bosta!

Ao comentar este episódio, posteriormente, na saída da sala,a Professora, em termos que pareciam dilacerá-la, diz: “Aí eu percebique eu estava tirando ‘coisas’, sem ter clareza se vou pôr ‘outras’no lugar”. Em outra ocasião, uma das meninas que também seencontrava no grupo, ao redor da mesa da Professora, inicia oseguinte diálogo:

Aluna — Eu achava que as aulas eram ótimas. E agora fico sabendo,percebo que não aprendi coisa nenhuma, porque só memorizei edevolvi o que os professores queriam. Mas eu me achava ótimaaluna. Agora eu não sei...Professora — Mas você foi, você é. Você critique o sistema, nãocritique a si própria. Porque o envolvimento que você teve com osistema te levou a fazer o melhor que o sistema pedia.[Dirigindo-se a mim um tanto desarvorada, após a aula] — Tuacreditas que eu passei vinte minutos do intervalo fazendo discurso?Para que eles não pisassem na sua auto-imagem. Que droga deProfessora sou eu, não é? Que enfio o nego na bosta e deixo ele lá.

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Que sentido tem isso? Mas como eles estão habituados a assumir aculpa, eles assumem. E é isso que me mata!

Mesmo qualquer pessoa que possua ou não, conhecimentodas discussões sobre formação de professores, poderá compreendera gravidade e contundência do grau negativo da auto-avaliaçãodestes alunos. Alunos que, no sistema T-R, são considerados ótimosalunos, uma é professora do 1º grau (eu conheci seu trabalho), éuma professora que se preocupa com os alunos e a aprendizagemdeles, procura metodologias e materiais diferenciados para suasaulas de Ciências. Mas, quando começam a compreender um novoenfoque epistemológico, eles passam a arrasar a sua auto-imagem,assumindo culpas, sem dó nem piedade. A Professora comenta: “Enão é só isso, tem ainda mais: eles acham que não pensam e sabepor quê? Pela inculcação de toda a sua escolaridade (15, 18 anosde ensino tradicional, de tábula rasa). Por isso os alunos sempreme dizem: ‘A gente não precisa pensar’”.

No intervalo da aula, em que se discutia Fotossíntese, e aProfessora estimulava os alunos, para observarem as relações entreos conceitos que estão presentes na fotossíntese, como de costume,vários alunos vinham acercar-se da Professora e conversar comela. Perguntavam-lhes sobre assuntos cotidianos, contavam-lhessobre seu trabalho, suas vidas. A Professora foi tomada de surpresae também de emoção, uma certa vez quando, nesse intervalo, comoque a cena se repete, uma aluna chega-se à Professora e diz:

Aluna — Professora, dá tempo?Professora — Dá tempo de que, Lídia?Aluna — Aprender a pensar, dá tempo? A senhora acha que dátempo, que é possível, prá gente? Porque eu acho que já sou umcaso perdido.

E outro aluno que estava junto também diz:

Eu também me sinto assim. Eu acho que eu não tenho mais jeito.Porque eu faço tudo prá, por exemplo, ver uma questão de diferentesângulos, como diz você, mas a minha cabeça dói e eu não consigonada!

O que significa doer a cabeça? O que significa a preocupaçãocom o tempo (“Não dá mais tempo”)?

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Tais episódios expressam o grau de desencanto, ainsegurança dos alunos que se instala, quando percebem quejamais foram estimulados a refletir, a pensar. São episódios muitosignificativos. Ao meu ver, estes episódios abrem espaço, para que,não só a Professora se reveja, analise-se e se auto critique, comoela realmente costuma fazer, mas que os professores de maneirageral façam uma profunda análise: O que o ensino que nósministramos faz com estes jovens alunos? Que resultados efetivossão obtidos deste ensino que eu, enquanto professora, enquantoprofessor realizo com os meus alunos? Creio que, quando osprofessores pensam, eles também percebem as vítimas que são,situando-se “quase” no mesmo patamar dos alunos.

Ainda, nestes episódios, foi possível perceber as relações depoder expressas em uma sala de aula. Acredito que, quando aProfessora diz “e aí eu provoquei: ‘uma bosta’”; aí a aluna lhe disseque “‘É... [afirmativamente e refletindo profundamente]. E eu achoque eu não vou sair da bosta”, a provocação me pareceu exagerada,contundente demais.

Contudo, tenho dúvidas se foram, realmente, aquelas aspalavras da Professora, já que os alunos “desconfiam da leituraque fazem. Manifestam pouca familiaridade com o estabelecimentode relações entre idéias, com as relações compreensivas, com acompreensão da leitura. É falta de oportunidade de ler, de ‘incentivoà leitura’”, que desencadearam tais reações dos alunos.

Talvez estas palavras da Professora pareceram expressar oseu ponto de vista como “o argumento de verdade”. E talvez, diantedos conhecimentos da Professora, reconhecidos pelos própriosalunos, estes se sentiram muito pequenos, portanto as suas reaçõesforam tão fortes. Acostumados à hierarquia tradicional, os alunosaceitaram, passivamente, as palavras da Professora. Comoautoridade “que é” na sala de aula, eles nem sequer tomam umaposição de autodefesa. Eles poderiam dizer: “Imagine, eu não souisso”, e tomar outra atitude. Ou dizer: “Espera aí, Professora, asenhora está errada, nós não somos assim”. Mas não, eles aceitamo desafio da Professora e se aniquilam. É importante ressaltar quea Professora não os tratou mal, ela não disse a eles nenhum“palavrão”, pelo tom suave e terno com que completou a idéia daaluna, e esta aceitou, naturalmente, a palavra sugerida “bosta”.

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Os alunos assumiram imediatamente: “Uma bosta, e acho que nãovou sair da bosta”. A Professora sentiu o profundo impacto quesuas palavras estavam tendo sobre estes alunos, nos doismomentos, tanto que, posteriormente, na presença de toda a classefaz uma crítica severa de sua própria atuação. Ao perceber que“estava tirando coisas, sem ter clareza, se ia pôr outras no lugar”,ela se critica e chama a atenção dos alunos para o risco pedagógicoque ela passara a assumir. Ela também comenta desalentada: “Quedroga de Professora sou eu, não é? Que sentido tem isso?... E sesentia mais pesarosa, porque como os alunos estão habituados aassumir a culpa, eles assumem... tacitamente. Mas recompõe-sepela reflexão e inicia imediatamente, o trabalho que ela chama de“reconstrução da auto-imagem destes alunos”.

Procurei investigar por que as interações nas aulas deDidática permitiam que questões como estas, aflorassem com tantacontundência?

A Professora me disse que, segundo seu ponto de vista, haviaum motivo significativo para que estas questões estivessemaflorando, quase todas ao mesmo tempo. Nas suas palavras:

Uma coisa eu digo, como é que eles começaram a manifestar aspreocupações, não todos, alguns, porque todos a gente não atinge:eles começaram a sacar qual era a minha preocupação, qual era amensagem da disciplina.(Eu intervenho) — “Porque no começo, era aquela problemática todado plano de aula, percebe-se que eles ainda não tinham ...percebido”.A Professora continua: — É, eles deixaram de me pressionar... ali éa evidência... (risos) do que é que acontece. Mas se a gente quiser,a gente poderia estar mostrando.... Foi a disciplina, foi a interaçãodo processo que ocorreu, que deflagrou um jeito de os alunosconseguirem enxergar.Professora — Por que você acha que os alunos começaramfrancamente a falar comigo? [E ela mesma responde]: — Porqueum parâmetro, um ponto de referência diferenciado estava sendoposto. Por isso é que eu vejo como uma situação diferenciada,extremamente rica. Porque dá prá gente dizer qual era o contrapontoque estava sendo posto.(...) Primeiro - a questão das concepções. Está completamenteentrelaçada, imbricada, com o que eles pensam deles, com o que osistema fez que eles pensassem deles. Eu acho que isso éfundamental em qualquer estudo hoje. Não dá prá tirar isso hoje.

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As palavras da Professora nos indicam a relação entre asconcepções assumidas pelos alunos e seus autoconceitos. Frutosdo ensino T-R, sua autoconcepção, a auto-avaliação que fazem lhesdeixam com uma baixa auto-estima. Na perspectiva de investigarporque estas questões afloraram desta maneira, conversei comcolegas, professores da própria universidade, de outras e, até, deoutras escolas, para também, nas suas opiniões, buscar elementosque possibilitassem maior compreensão, apesar de nada disto sernovo, estar presente nas discussões com os professores, estarpresente na literatura e evidenciar a condição delicada em que seencontra o modelo de ensino-aprendizagem embasado na T-R.

Também, senti necessidade de abrir um pouco o espectro depesquisa, para ver se a visão da Professora de Didática eraproporcionada por um grupo com características específicas, ouse era uma visão que emergiria disseminada, em todas as classes,especialmente os grupos do noturno.

Mas o fato de estar ali, estampado claramente, ao vivo, naspalavras e nos olhares, expressando os sentimentos dos própriosalunos, isto nos surpreendeu (a mim e a Professora de Didática).Nós sabíamos, não éramos inexperientes no “controle da sala” ,mas ali, na nossa frente, os alunos dizerem francamente que “nãoleram, porque não tinha sido ordenado”, dizerem que “não sabempensar”, perguntarem se “... aprender a pensar, dá tempo?”Considerarem que “já são casos perdidos” ou que “não é necessáriopensar”, que “quando pensam a cabeça dói”. Isto, para nósocasionou um grande impacto. A Professora de Didática chorava,enquanto, no almoço daquela semana, nós conversávamos sobreesses episódios...

Seria isso, reflexo da diferenciação entre alunos de um cursodo noturno e do diurno? Seria uma questão de diferenciação decurso ou de Universidade? Ou seria exatamente o tipo de abordagemteórico-metodológica e epistemológica que a professora, séria,rigorosa, respeitosa e afetuosamente adotara?

A Professora de Didática me contava que o professor Carlosleciona em um grupo de Publicidade e Propaganda do diurno eoutro do noturno. E ele diz que as aulas são completamentediferentes, “porque os alunos do diurno tudo que ele indica eleslêem..., os trabalhinhos fazem tudinho. Têm o tempo exclusivo para

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isso. Dispõem de recursos. Assim: seria bom se vocês fossem emtal instituição, tal empresa. Eles vão. Pela disponibilidade total sópara isso”.

Procurando depois ouvir o professor mencionado, em umadas reuniões com o grupo de pesquisa de que junto participávamos,ele revela que “o currículo é o mesmo, mas os grupos sãocompletamente diferentes. E queira ou não, ele dá aulascompletamente diferentes para um e outro grupo”. A Professoraobservou: “Veja como uma observação desta é profundamenteimpactante. Qual é a realidade do aluno que freqüenta um cursonoturno? Quando as diferenças são levadas em conta? Quem levaem conta tais diferenças, ‘diferenciando suas práticas de ensino’?”.O que foi dito, nós já sabíamos: as turmas são completamentediferentes. Por quê? Os alunos do diurno possuem maiordisponibilidade para cumprir as tarefas. Tudo que é indicado, eleslêem, fazem todos os trabalhos. Têm o tempo exclusivo para isso.Dispõem de recursos. Pela disponibilidade total só para isso.

A Professora de Didática, buscando analisar a situação emque estava inserida, diz que:

Os alunos do noturno, por serem alunos trabalhadores e sesustentarem na maioria das vezes, eles são autodeterminados. Elesfazem muito mais os seus cursos porque querem, do que porquealguém manda. Não que não existam alguns alunos, que estão naUniversidade porque o pai manda. Existe sim, também. Mas osalunos do noturno questionam mais, eles se preocupam mais e atébuscam mais a compreensão. Buscam entender mais.

O próprio professor Carlos, já citado, observou que, numa desuas experiências: trabalhando a mesma disciplina com outros doisprofessores, a diferença foi muito grande, porque eles, além dedarem “apostilas” ainda enchiam o quadro de conteúdo para osalunos copiarem. Isto era aula, diz ele.

Neste e, em outros momentos, ficam evidenciadas asdificuldades encontradas por professores que desejam sair doesquema de transmissão-recepção T-R. Os alunos estão tãoacostumados ao esquema: aula expositiva - apostila - prova ou aoesquema GLS (Giz, Lousa e Saliva), segundo dizem, que seencontram cegos, plenamente condicionados. Eles mesmos,geralmente, resistem de início, à qualquer mudança. Não percebem

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que o ensino memorístico não se constitui em aprendizagem real,por essa razão expressam índices tão baixos de aprendizagem.

A prática impositiva do ensino não é característica do noturno,uma vez que os alunos, em maioria, são mais maduros, maisadultos, talvez mais responsáveis e trabalhadores. Parecemapresentar, por isso, uma maior ousadia de perguntar, maiorcoragem de se expressar. Mas, mesmo assim, só se o professor derabertura, eles falam e ou criticam. Porém, as maiores dificuldadesdestes alunos são suas condições sócio-econômicas. São adultose por necessitarem sustentar-se a si, e alguns, à própria família,são alunos que trabalham o dia todo. Portanto, o tempo possívelpara seus estudos é as horas do noturno, que eles passam nauniversidade e, também, algumas horas nos finais de semana, comsacrifício de seu descanso, lazer e sua família. As leituras, pelo quedizem, são em geral, feitas nos ônibus, durante o trajeto para auniversidade. Portanto, as horas na universidade precisam sermuito bem aproveitadas.

A propósito da problemática dos cursos noturnos, a Professorafaz a seguinte análise:

Tomemos o exemplo dos cursos do noturno, quando o curso usualé de 5 anos, o curso da noite é de 6 anos. Essa é uma proposta queexiste para dar mais espaço. Mas sabe o que acontece? Não mudanada. Só “espicha” o tempo. Os alunos comentaram que o “currículoé o mesmo do diurno”, só que para cumprir o currículo do diurno ocurso do noturno teria de ir de 7 às 11 horas da noite, teria que ter4 horas relógio de segunda a sexta, prá cumprir em 5 anos. Até éproibido por lei agora, o curso noturno tem mesmo que ter umtempo a mais, aí são 6 anos. O que acontece? Eles têm as mesmasdisciplinas distribuídas num tempo que, de uma certa forma, ostornam ociosos, porque, por exemplo, prá poder garantir adistribuição nos seis anos, não tem aula na quarta e, na quinta,começa às 8 e meia... “É um blefe”... A única coisa que, na verdade,pode repercutir é a quantidade de matéria por semestre. A aula de50 minutos do diurno se torna 45 min. no noturno, mesmo elestendo mais tempo. E as aulas são encerradas 30 ou 40 minutosmais cedo, porque ‘os ônibus não podem esperar’ no reino daconivência.

Ainda com respeito ao que pensam os alunos, é importanterevelar mais sobre as concepções que eles possuem sobre aprofissão de professor. No trabalho de uma aluna, no qual ela

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deveria escrever sobre o tema “O que precisa ter para ser umprofessor”, ela expressa, sem brincadeira, concepções bastanterealistas. Ela escreve:

Burocraticamente falando, para ser um professor, é necessárioconquistar, através de estudos e freqüências, um certificado que ohabilite a lecionar na área que optou. Cumprida esta primeira etapa(sic), para muitos com sacrifício, mal sabe que o mais importanteestá por se iniciar: ser um professor, atuar diretamente com seusalunos, em sala de aula e na profissão que tão corajosamenteabraçou (Extraído do trabalho de uma aluna do 5º período deCiências/Biologia).

Segundo as concepções expressas por essa aluna, ela pareceacreditar que o curso universitário só serve mesmo para “conquistarum certificado”. Parece que ela não conta, de maneira alguma, coma possibilidade de que o curso de graduação possa lhe forneceruma base substancial de conhecimentos teórico-pedagógico-epistemológicos que se configure como o que seja, de início,necessário para o exercício da profissão de professor. Relatos dealunos e professores2 me motivam, sobremaneira, a procurarcompreender as relações que revelem mais a respeito da formaçãode profissionais professores.

Mellado Jiménez (1996) apresenta resultados a respeito dasconcepções dos professores de Ciências sobre a Ciência e sobre aforma de aprendê-la e ensiná-la, fruto de seus anos de escolaridade,que estão profundamente arraigadas em suas formas de atuaçãoem sala de aula. O estudo das concepções dos professores deCiências precisa receber uma especial importância, como primeiropasso para gerar nos próprios professores, concepções e práticasmais adequadas, em um esforço de redimensionamento do que osprofessores pensam e praticam.

Esta preocupação é muito importante, porque, tendo-se emconta que a influência do modelo usado é muito forte, em geral,este é que serve como parâmetro para a ação dos professoresprincipiantes. Porém, muitas das investigações enquadram amaioria dos professores de Ciências em alguns aspectos dopositivismo (Abel; Smith, 1994; Aguirre et al., 1990; Ballenilla, 1992;Corrales; Pérez, 1994; Duschl; Wright, 1989; Pórlán, 1989; Powel,1994; Rubba; Harkness, 1993; Ruggieri et al., 1993). Sem dúvida,

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existem resultados que diferem e esses nos levam a pensar que asituação é mais complexa. Koulaidis e Ogborn (1989) acreditamque os professores de Ciências assumem posições mais íntimascom o contextualismo do que com o empirismo. Além disso, algunsautores afirmam que as concepções de muitos professores nãopodem ser consideradas consistentemente associadas com umaorientação filosófica em particular (Cf. Melllado Jiménez, 1996 apudCarniatto; Fossa, 1998: 199). Assim, levando-se em conta que aação dos professores iniciantes, em geral, tem como parâmetro omodelo usado na formação, põe-se em evidência a necessidade derevisitar a Formação Inicial do Professor.

5.3 Episódio 12 - Um pout-pourri sobre as pré-concepções dos alunos

Num dos textos que fazia parte da primeira unidade doplanejamento da Professora de Didática, e que foi estudado ediscutido pelos alunos, a Professora, também autora, nos informaque:

No decorrer da última década, surgiu um interesse crescente - doseducadores em geral, dos psicólogos e, especialmente, doseducadores que atuam nas diversas áreas das ciências - pelas idéiasintuitivas que os alunos apresentam, em quaisquer dos níveis deescolaridade, sobre os fenômenos naturais. Estas noções,expectativas ou sistemas descritivos e explicativos espontâneosaparecem, em muitos casos, em termos acentuadamentecontrastantes com as concepções cientificas que os alunos precisamaprender (Aragão, 1993: 08).

Nesta citação, a autora chama a atenção para a importânciaatribuída às pré-concepções que seus alunos manifestam, já que“torna-se cada vez mais claro que as pré-concepções ou concepçõesalternativas dos alunos podem dificultar e, até, impedir a aquisiçãode conceitos científicos” (Aragão, 1993: 08). Neste sentido, reiteroas palavras já citadas de D. Liston e K. Zeichner, quando afirmamque:

Está claro que os futuros docentes ingressam em sua formaçãoprofissional com uma bagagem histórica de experiências educativas

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como estudantes. Têm idéias prévias sobre o que significa ser umbom professor, sobre o conteúdo que devem ensinar, como devemfazê-lo e o tipo de ambiente de aula que gostariam de criar. Nãochegam em branco aos programas de formação, se não que, comoantigos (e atuais) estudantes e como indivíduos têm intuições, idéiase, às vezes, muitas dúvidas sobre as idéias e práticas educativaspróprias e dos demais (Liston; Zeichner, 1993: 80).

Muitos estudantes têm experiências de professores cujaspráticas são conservadoras, progressistas ou, inclusive, radicais.Têm experimentado o que significa ser alunos nas classes destesprofessores, e chegam aos programas de formação tendo em mentecertos modelos de professores, modelos positivos ou negativos. Poreste motivo, sua formação profissional requererá prestar muitaatenção com as pré-concepções destes futuros professores, sobreo que supõem ser um bom professor. Também, possibilitar a reflexãocrítica sobre suas concepções de educação, ensino, aprendizagem,permitindo a compreensão, também, de que suas crenças e valoresnão são individuais, apenas. Estes estudantes chegam equipadoscom diferentes conjuntos de valores, em parte derivados da famíliae dos costumes locais, de suas tradições religiosas e políticas, e desuas experiências escolares. Ainda que, suas pré-concepções nãosão expressões de suas opções individuais, elas são expressõesque estão presentes nas comunidades de professores, das quaiseles fazem parte (Liston; Zeichner, 1993: 80).

O texto referido — Reflexões sobre ensino, aprendizagem,conhecimento — e que foi estudado e discutido pelos alunos, revelaas concepções da Professora-autora e, ainda, demonstra alguns deseus objetivos:

Essas concepções que os professores tradicionais, com maiorfreqüência, manifestam, tendem, contudo, a mudar à medida queeles possam refletir sobre a sua prática de ensino e redimensioná-la à luz da configuração de novas concepções de ensino, deaprendizagem, de conhecimento ... de novos parâmetros ou mesmode novos paradigmas.O problema prático enfrentado pelosprofessores das Ciências é criar condições - no nível do ensino -para que os alunos que usam certas concepções alternativas paracompreender, interpretar e explicar um determinado fenômeno,possam usar concepções científicas aceitas na interpretação daquelemesmo fenômeno e, possivelmente, de outros fenômenos da mesmanatureza (Aragão, 1993:9).

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A partir destes textos, é importante destacar que, na formaçãoprofissional do professor, entram em cena duas categorias distintasde pré-concepções: uma relativa a conceitos científicos e outrarelativa à concepção de ensino-aprendizagem-conhecimento, aoconceito da profissão professor.

Assim sendo, a primeira categoria de pré-concepções estápresente em classes de qualquer nível de ensino ou na formaçãode qualquer profissional. Esta categoria de pré-concepções relativaa conceitos diz respeito às idéias, explicações e à compreensãoque cada aluno, como indivíduo, possui sobre os diversos conceitoscientíficos. Tais pré-concepções podem possibilitar o avanço doaluno mais rapidamente, dependendo de quais conhecimentos elejá possui ou se constituir em um obstáculo para a compreensãodos conteúdos e, neste caso, precisará ser trabalhada pelo professor,a fim de permitir a evolução conceitual deste aluno.

A segunda categoria diz respeito à concepção que o alunotraz da profissão, como ele concebe “ser professor”. Neste caso,principalmente, qual a sua concepção de ensino-aprendizagem-conhecimento, derivada de outras, tais como: sua concepção dealuno (de si mesmo), de professor e de escola. Como se apresentamas pré-concepções de alunos e professores?

Eles procuram... eles acham que na Didática... vão aprender a darboas aulas. O que é dar boa aula? É motivar o aluno... é botarexperiência? Mas... do aluno como construtor de idéias, e possuidorde idéia, isso é uma coisa que passa longe (Fala de uma Professorado Curso de Biologia).

Em diversos episódios, encontramos evidências da existênciade obstáculos epistemológicos que estão ‘impedindo’ que aaprendizagem/compreensão, efetivamente ocorra. Alguns exemplosdestes obstáculos que encontramos estão expressos nas falas dealunos:

Os professores passaram alguns temas para preencher a caderneta,e avançar na matéria, então a leitura dos livros não foi explicada,as vezes ficaram dúvidas sem ser solucionadas (Relato de um alunodo Curso de Ciências/Biologia).

A falta de consideração das dificuldades dos alunos, não

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procurando discutir os temas propostos nas leituras, leva aospróprios alunos reconhecerem que “devem ter ficado dúvidas semser solucionadas”. Quando os alunos dizem que os professores“passaram alguns temas para preencher a caderneta, e avançar namatéria”, vemos que o conceito implícito é o da transmissão-recepção, a preocupação com o programa e não, efetivamente, coma aprendizagem dos alunos, com o que eles pensam.

Obstáculos epistemológicos são bastante comuns no modelode ensino tradicional, que é o mais usado, inclusive naslicenciaturas. Estes obstáculos são considerados epistemológicos,posto que subjacente a eles, está presente um modo de conceberou de crer e ou ainda, uma explicação para o modelo de ensino-aprendizagem. Subjacente também à concepção T–R, encontra-se,dentre os obstáculos, a continuada exploração de formas/métodos/procedimentos únicos de ensino — desde um único e mesmo modode explicar os conceitos de evolução, célula, digestão, até um mesmoe único raciocínio definido pelo professor ou pela professora noestabelecimento de quaisquer relações ideacionais/cognitivassignificativas a propósito de conteúdos/conceitos científicos —como se abordagens únicas constituíssem “maneiras seguras degarantir” a aprendizagem de alunos e alunas de Ciências e ou deBiologia em qualquer nível de escolaridade.

No ensino tradicional, geralmente, o trabalho do professorem cada disciplina é via de regra um trabalho individual e solitário.Os professores se ressentem e reclamam desta solidão. Não existeintegração, o trabalho não é planejado de forma integrada por seusprofessores. Como resultado, temos desarticulação e, até,antagonismos entre os conteúdos das disciplinas e a repetição demuitos conteúdos em diversos momentos do curso.

Esta dissociação, também, encontra-se presente nasdisciplinas tidas como de formação pedagógica, as teórico-metodológicas. Nem estas se constituem em um todo, e não pareceexistir um trabalho ou planejamento integrado. As atividades nãosão convergentes, cada professor trabalha por si, não compartilhasuas ações e, assim, perdem-se importantes oportunidades de,realmente, interagirem, para constituírem conhecimento aotrabalharem questões de formação de maneira mais consistente,porque partilhada.

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Este isolamento das disciplinas, que busco assinalar,apresenta-se em duas direções: nas relações horizontais,proporcionam uma série de dificuldades e lacunas no aprendizadodos licenciados, que têm, em diversas disciplinas, conteúdosabordados repetidamente, apesar de, às vezes, haver um enfoqueum pouco diferenciado em cada uma delas, mas não há inter-relaçãoe, com a repetição nas diversas disciplinas de modo fragmentado,cria, na verdade, muitas lacunas, onde as dúvidas são freqüentese, ainda, perde-se muito tempo precioso de todas as disciplinas.

Existe, ainda, a fragmentação ou isolamento no sentidovertical, entre os conteúdos de uma mesma disciplina. É comumos professores trabalharem os conteúdos de uma mesma disciplinacomo se fossem compartimentos, gavetas estanques do saber, comose cada conteúdo não dependesse dos outros, estivesse na Ciênciaou na natureza isolado e não fortemente inter-relacionado. Esperamestes professores que o aluno, ao final dos seus estudos, possaestabelecer sozinho estas relações e compreender o que cadaconteúdo realmente significa no todo das Ciências. Como isso nãoé possível acontecer, os futuros professores irão, no exercício desua docência, trabalhar com seus alunos de forma maisfragmentada ainda, pois com a falta de compreensão do conteúdoque estão ensinando, não possuirão segurança e maiores lacunasficarão colocadas para seus alunos, criando, assim, uma correntede resultados cada vez mais negativos na aprendizagem. Cada vez,o ensino parece deteriorar-se, uma vez que o ensino porTransmissão - Recepção não oferece condições para quebrar estacadeia negativa: ensino fragmentado - lacunas do aluno - dúvidas- má aprendizagem.

Implícito neste modo de pensar existe uma pré-concepçãoque funciona como importante obstáculo para que professores eprofessoras possam evoluir conceitualmente, os professoresacreditam que se ganha/economiza mais tempo, quanto maisarbitrariamente direcionado for o ensino e a aprendizagem. Ledoengano, em um ensino onde os conteúdos são abordadosformalmente seqüenciados, obedecendo a uma rígida hierarquia,segundo a lógica positivista/mecanicista, mais uma vez está secontemplando apenas a dicotomia transmissão x compreensão. Nasdisciplinas em geral, e nos conteúdos de Ciências e ou Biologia,

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especificamente, a seqüência dita, lógica, geralmente não contemplaas relações entre conceitos que imbricam os conteúdos, tornando-os interdependentes, como aliás são interdependentes todos osorganismos vivos e não vivos entre si, no Universo em que vivemos.

Portanto, ao “cumprir programas/currículos previamentedefinidos”, na seqüência que são apresentados nos livros didáticosou nas ementas de programas curriculares, geralmente, não sepossibilita a compreensão do aluno e, conseqüentemente, a suaaprendizagem. É visível como se perde tempo com a repetiçãodesnecessária dos mesmos conceitos em várias disciplinas e nosdiversos conteúdos de uma disciplina no decorrer do curso e, emquaisquer das situações, sem qualquer consideração ao aluno.

Os episódios já descritos são episódios muito fortes queevidenciam que o ensino na forma de repetição (T-R) cria obstáculosnos alunos, inclusive inibindo neles a criatividade, a compreensãoe a capacidade de pensar. Observo que diversas dificuldades e oulacunas sem atenção na construção do conhecimento do aluno.Inclusive quando o aluno diz: “que vai ler apenas algumas partesdo texto e outras não”, na maioria das vezes a mensagem do texto,na oportunidade, não é compreendida.

Se o texto traz informações que, aparentemente, fogem aoconteúdo/ objetivo da aula de maneira direta, os alunos,geralmente, pulam estes parágrafos ou seções do texto. Porém esteprocedimento indica a existência de uma pré-concepção quefunciona como um obstáculo epistemológico. O aluno não crê narelação aprendizagem - conhecimento, acredita que seu papel é sóresponder às questões, para cumprir suas obrigações, enquantoestudantes, e para “tirar” nota.

Dessa maneira o aluno “passa apenas por cima do texto” edepois o “põe no lixo” como dizem alguns. O processo de ensino é,entendido, neste momento, como uma incorporação direta eseqüencial de conceitos. O aluno não entende que, para haveraprendizagem, é necessário o estabelecimento de relações ecompreensão mais ampla do tema estudado, assim ele não faz usode relações que possam estabelecer nesse processo, possível atravésdos elementos presentes no texto, ou nos textos que compõem oestudo. Sendo assim, não aproveita os argumentos que os textostrazem para sua compreensão. Muitos professores, também, não

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entendem a necessidade de trabalhar textos com seus alunos,mediando as relações entre as partes dos textos e os conhecimentosanteriores, possivelmente, conseqüência de deficiências edistorções na sua própria formação como professor. Assim, muitasvezes contentam-se em propor perguntas diretas, cujas respostasencontram-se na seqüência das frases que fazem parte do texto.Por isso, muitos alunos universitários procuram palavras idênticasàs da pergunta, para encontrarem as respostas no texto estudado,não sabendo como responderem a uma pergunta, se nãoencontrarem, no texto, as palavras “chaves”, existentes nasperguntas que sirvam como “dicas”.

Preocupada com o redimensionamento dos conteúdos, aProfessora de Didática relatou-me como o fator tempo se tornouuma preocupação e um obstáculo para ela, tendo em vista a re-construção das concepções dos alunos:

Professora — Eu selecionei o conteúdo de “evolução” e busqueiredimensioná-lo em termos educativos, buscando discutir com elese apresentar expositivamente a eles — porque eu também tenhoque apresentar um tanto de exposição. Eu saquei, com clareza, queeu não posso nunca tirar a exposição (põe ênfase à palavra) doprofessor. A quantidade de exposição para um grupo nesses termostem de ser grande. Não dá prá você buscar construir, admitindoum trabalho com as concepções deles durante um certo tempo.Não, eles têm pressa. Então você tem que fazer as duas coisas. Nãoé primeiro uma e depois a outra...

Na fala da Professora, é possível perceber sua preocupaçãocom o redimensionamento teórico-metodológico-epistemológico dosconteúdos. Para isso, ela declara que precisou usar uma grandedose de exposição, em suas aulas, contudo suas exposiçõespartiram de dúvidas, esclarecimentos, curiosidades dos alunos eeram sempre dialogadas, exposições-dialogadas.

Bem, aqui, creio ser necessário abrir um parêntese. É quaseconsenso entre os professores que a aula expositiva é o principalmodo usado para o ensino T-R. Contudo, afirmei que a Professorade Didática possuía uma prática diferenciada no sentido do ensino,enquanto construção significativa.

Já durante as aulas, no período de realização de crédito desseCurso de Mestrado, eu tive esta dúvida e questionei à Professora.Sua resposta e os inúmeros autores pesquisados, ao longo do curso,

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têm me possibilitado refletir sobre esta questão, nos seguintestermos:

O que diferencia um ensino T-R de um ensino, comoconstrução significativa, são as relações que se estabelecem entreprofessor x aluno x conhecimento e aluno x aluno x conhecimento.A ênfase à construção conjunta, à valorização dos conhecimentosprévios dos alunos, a oportunidade de interação para troca de idéiase de ajuda mútua efetiva, a fim de que todos, alunos e professor,cresçam em seus conhecimentos, é que enseja a diferença. Aexposição, ao meu ver, poderá não ser procedimento único eexclusivo de Transmissão - Recepção em termos mecânicos oumemorativos. Se tratada em outras bases por parte do professor,uma exposição didática poderá, a partir desses parâmetros quelevam em conta o aluno e permeada pela ênfase dos aspectosconstrutivos acima citados, poderá em muitos momentos, ser umadas formas mais acessíveis para interação e troca de conhecimento,posto que a exposição implica o outro e, nesta relação, oconhecimento se constrói.

Em outra perspectiva, no ensino T-R, os professores nãoconhecem e nem demonstram interesse pelas concepções préviasdos alunos, principalmente, em termos positivos, construtivos.Alguns pressupõem que os alunos, ou sejam tábulas rasas outenham concepções de senso-comum, mas não as consideram comoobstáculos epistemológicos, favorecendo ou inibindo aaprendizagem dos alunos.

Atenta às concepções prévias dos seus alunos, a Professorade Didática percebe, quando a dificuldade de compreensão do alunoem acompanhar sua explicação, surge como um obstáculoepistemológico. Nesses momentos, o aluno pára de acompanhar oraciocínio do professor e passa interferir, participando em termosde conjecturas, tais como: “Quanto tempo a senhora estudou paraser capaz de saber isso tudo?” A Professora relata sua percepçãoda classe numa das aulas sobre o tema “evolução” da seguinteforma:

Professora —Você está pensando que tem um aluno ali,acompanhando a relação que eu estou fazendo... ele está... mascom outra preocupação... Ele chega, assim, e diz: Quanto tempo, asenhora, estudou? Para ser capaz de fazer isso? Pouca gente tem

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esse conhecimento prá fazer isso... não é? Isso... Isso... ele nãosabe nem dizer que “diabo” foi que eu fiz... e eu lá toda esbaforidaprá estabelecer uma relação cognitiva, por exemplo: Por que a teoriada evolução é um tema unificador da Biologia? Eles me perguntarame eu fui fazer mil relações, uma porção de relações prá mostrarporque é que a temática da evolução unifica mesmo. Aí eles ficarambobos... Porque eu tinha vindo do big-bang, a teoria da origem doUniverso, eu tinha que fazer relações...Eu digo: — Uma coisa que talvez eles nunca tinham visto.Professora — Não, nunca viram, pelo menos não daquela maneira,que não é linear ou informativa pura e simplesmente... Mas em umesforço compreensivo... Tanto compreensivo pela abrangência,quanto num esforço de entendimento. Entenderam??... Entenderamaqui? ... Ai Professora... quanto tempo a senhora estudou?... Ora, oque é que isso indicava?... Que já tinha perdido a relação há muitotempo... Eles ficaram surpresos de ver... Mas eu disse: “Eu nãotenho mais 20 anos! Eu tenho 31 anos só como profissional!...” eque me levaram a dar essas respostas que também podem serimbecis... Não é o tempo que está em jogo, apenas, são inúmerasoutras variáveis...

Uma concepção, claramente baseada na abordagemconstrutivista- interacionista - significativa, procurando estabelecerrelações compreensivas para os alunos. Procurando identificar asconcepções dos alunos e trabalhar com elas, planejando,cuidadosamente, como abalar as concepções equivocadas eprocurar trabalhar com elas, para que possa haver a evolução dasconcepções dos alunos, almejada pela Professora, na direção daaprendizagem significativa, duradoura das Ciências. Assim, comoa Professora procura estabelecer relações cognitivas a respeito daapresentação de um conteúdo específico, J. Lemke afirma que:

A maneira como se apresenta um conteúdo específico, depende tantodas estratégias de interação e das estruturas de atividades comodas estratégias de desenvolvimento temático e do padrão temáticoem si. Estes aspectos são totalmente interdependentes no processode ensino-aprendizagem que se produz na linguagem (Lemke,1997:35).

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5.4 Episódio 13 - Uma avaliação pode expressar as concepções?

Momentos importantes que revelam muito sobre concepçõesforam oportunizados através das avaliações usuais do rendimentodos alunos. A seguir, apresento um relato um episódio da segundaavaliação, realizada no final do semestre pelos alunos do 5º Período.Nesta avaliação, a Professora diferencia a avaliação numaperspectiva construtivista, tomando esses momentos de avaliaçãocomo importantes para reflexão e sistematização dos conhecimentospelos alunos. Pude ver o crescimento nas atitudes dos alunos diantedas respostas, quando a Professora lhes disse:

Eu já resolvi que não reprovo ninguém. Porque eu não tenhoautoridade moral. Eu tenho que diferenciar... de pôr os transeuntescomo 5, e os que deram mais atenção 8, 9, até prá estimulá-los.Mas não vou reprovar?? [A professora comenta]: Os alunos ficavamconfusos, mas pareciam sentir-se bem. Alguns alunos — olha quecoisa interessante, eram transeuntes, como eu chamo — vieramminimamente às aulas; às vezes nem vieram e vieram no dia para aprova. Eu orientei para a leitura, e eles leram, checaram aspercepções de vez em quando comigo e perguntavam: “Deu práresponder?”. Então, a sua preocupação era com a resposta!

A Professora lia algumas das respostas dos alunos e relata,posteriormente:

Quando os alunos vinham para mim e diziam: “Isso faz sentido, dáprá entender?”, eu lia e dizia: — “Mais ou menos”. Veja só, e aí faziaum comentariozinho e reencaminhava: “Talvez se você refletir sobreisso, isto aqui, aquilo outro que se encontra neste parágrafo aqui,olha!”. E ia encaminhando. Aí você percebe o que não está fazendosentido. Mas eles refaziam! Logo eles assimilaram a questão dosentido. Antes as perguntas eram assim: “Deu prá responder?”.Depois já mudava um pouquinho e diziam assim: “Professora, dáprá entender o que eu quero dizer?”; “Isso faz sentido, dá práentender?”.

A Professora de Didática quando recebeu as “provas” pôdeperceber, claramente, os resultados do ensino T-R naqueles alunos.Tanto é que ela tomou uma decisão e apresentou-a em classe:

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Professora — Eu não vou devolver e não vou considerar as provas.As provas que vocês fizeram vão ter uma importância, estão tendouma importância muito grande prá mim como pesquisadora. Euvou agradecer a vocês, mas eu não vou levá-las em conta para darum conceito ou uma nota, porque eu estaria sendo maldosa.Alunos — Ah, Professora, não vai?... [Então eles descontraíram].Professora — Pude ver todo mundo no maior alívio, porque elesdeveriam saber... Eu disse que as provas deles iam do “non sense”para algum “sense”... Absoluta ausência de sentido. Quer dizer:“nada tem a ver com nada”. Isso aí vocês entendem. Prá algumacoisa faz sentido. Mas eu não vou devolvê-la para vocês. Porque éum manancial.

Concebendo a avaliação como oportunidade também deinteração, de ensino e de aprendizagem, a Professora de Didáticacomenta aspectos do episódio da entrega dos trabalhos, ao final dosemestre, de maneira bastante interessante, destacando suacompreensão a respeito deles:

Comentário 1Professora — O que fez com que alguns dos meus preconceitostenham aflorado e sido destruídos imediatamente, foi porque, deuma certa forma, a gente fala que a avaliação pode ser, também,uma oportunidade de aprendizagem, mas no fundo, no fundo, agente não faz muita fé. A gente desconfia. Se é uma oportunidadede aprendizagem, é uma oportunidade a partir dali, mas quecontinua subseqüentemente. E alguns dos alunos, que não tinhamtido interação alguma, anteriormente, mostraram-se capazes deinteragir com o texto e se expressarem, estabelecendo relações comsentido. Olha que coisa interessante. A ponto de me surpreenderem.Em outras palavras: “Eu não acreditava que você fosse capaz...”.

Comentário 2Professora — A Maria José estava comentando comigo, que a gentecontinua, queira ou não queira, como professor, ainda se pauta porestereótipos. Como eu acho que foi o meu caso: por que é que eutive surpresas na avaliação? Eu achava que determinadas pessoasentregariam o trabalho final. Se você me perguntasse assim: “quemvocê acha que vai entregar o trabalho final?” Eu ia dizer: o fulano, obeltrano, tinha até uma meia dúzia que eu garantiria que eles iriamentregar. Dos que eu achava que iam entregar, que era uma meiadúzia, ou uns oito, três entregaram. Dos que se você me perguntasseeu diria que não ia entregar de forma nenhuma, do grupo que euimaginava que não entregaria, porque 5,0 estava uma beleza, maisdo que bom... 5,0 limpo, limpo... limpo, sem precisar fazer maiscoisa alguma. Desse grupo quatro entregaram o trabalho, quatro

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do grupo que eu jamais imaginaria... Então tu vês como é que fica,quatro não é tão pouco, é quase dez por cento.E até a Maria José conversando comigo ela dizia: “por que vocêachou que o fulano e o beltrano entregariam?” Porque eles estiverampresentes em todos os momentos, porque eles me pareciaminteressados. Então veja: freqüências, manifestação de interesse,são elementos de um estereótipo escolar, docente. (Risadas...)— Como a situação é riquíssima! Vamos analisar um pouco. Umsujeito lá: o Marroni, eu jamais iria achar que ele entregaria otrabalho... ele fez e foi um dos melhores. E você vê que ele tevedificuldades, porque a gente vê a dificuldade dos alunos. Por isso,parte dos alunos entregou os trabalhos digitados, bem estruturados,com figuras, porque era sobre fotossíntese e eu não dispensei oconteúdo e que estava sendo elaborado pela Bioquímica. No finaldas contas a professora de Bioquímica até disse que eles nãoprecisam mais fazer o trabalho. Por isso que eu pré julguei, porquea professora de Bioquímica deixou assim: “faz quem quer”. Eu nivelogarantindo uma nota de trânsito, 5,0 para todo mundo, não vouprejudicar ninguém... Realmente qual o sentido de fazer mais umtrabalho? Eu achava que só os interessados, supostamenteinteressados, entregariam. — Você percebe que o aluno é levadopelo tipo de jogo, mas coitados eles podem até ter tido a intenção deentregar o trabalho e alguma coisa pode ter interferido. Não deixode lado essa suposição.

Nesta experiência de avaliação, é possível perceber comoexiste uma diferença significativa entre um ensino centrado na T-R e um ensino centrado na construção. Os resultados, segundoparece são bastante diferentes, sem que se visualizem perdas novaspara os alunos. É comum em situações tradicionais de ensino,quando não se leva em consideração os conhecimentos que o alunojá possui (suas pré-concepções), perde-se tempo e complica-se oensino, confundindo os alunos que já vêm para a escola conhecendomuitos conteúdos, embora o professor não acredite.

Isto é demonstrado, de certa forma, nas palavras dos alunos:“Muitas coisas que estou vendo neste ano estão sendo recordaçõesdo colegial. Foi legal, mas eu deveria ter aprendido muito mais”. Épossível ver, deste ponto de vista, o equívoco dos professores, aangústia dos alunos e a situação cruel que, muitas vezes, a avaliaçãorepresenta. Os alunos sabem, com certeza, mas ficam desesperados.Os professores, geralmente, ficam no mínimo tensos. Acredito quesejam professores conscienciosos, não devem proceder a um tipode avaliação só para mostrarem seu poder sobre os alunos. Ao nãoconsiderar as concepções prévias dos alunos, os professores não

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se permitem, simplesmente, aceitar o conhecimento do aluno.Possivelmente, zelosos representantes do conhecimento científicoe do ensino tradicional, eles acreditam que só podem reconhecer oconhecimento do aluno como válido, se eles disserem na prova“oral” ou “escrita” o conceito “igualzinho” ao que traz o livro ou aoque ele apresentar em aula. Então o que importa não é saber, édecorar e devolver com as mesmas palavras que o professorescreveu. Os alunos ficam inseguros, desconfiam de seu saber,encontram-se por vezes desesperados.

Lamentavelmente, quando alguns professores tentam inovar,aparecem inúmeras amarras impedindo - a sua renovação. As pré-concepções de administradores e técnicos, muitas vezes,constituem-se barreiras importantes que precisam ser superadas.Formados pelo ensino T-R, são seus principais guardiões e“fiscalizam” a todo tempo, para que professores considerados“avançados ou modernos” não mudem os modos de ensino nosquais eles acreditam.

Notas

1 Estou convicta de que — como afirmam Thomas Khun, Karl Popper, GastonBachelard, Edgar Morin e muitos outros, alguns já apresentados neste trabalho —só conseguimos enxergar e compreender aquilo que nosso conjunto de teorias e/ou paradigmas constitutivos de nossa formação permitem que compreendamose/ou até mesmo permitem que enxerguemos.

2 É claro que não apenas os professores compreendem e podem citar exemplosdos problemas do ensino. Se ouvirmos mais os alunos/as ou os pais destes, elestambém apresentarão importantes aspectos a serem investigados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICACOMO CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA

• ♦ •

Importa valorizar paradigmas de formaçãoque promovam a preparação de professoresreflexivos, que assumam a responsabilidadedo seu próprio desenvolvimento profissionale que participem como protagonistas naimplementação das políticas educativas(Nóvoa, 1996: 26).

A proposta de investigação narrativa tornou-se para mim umapossibilidade de buscar compreender a formação inicial deprofessores de Ciências/Biologia, e algumas das questões relativasao ensino-aprendizagem desta área que emergem no contexto dasala de aula em função da interação professor- aluno-conhecimento.Dando ênfase às palavras de F. Connelly e D. Clandinin, quandofalam das dificuldades encontradas na realização de umainvestigação narrativa, posso reconhecer que, realmente, foramgrandes as dificuldades em realizar uma construção narrativacompartilhada e, considerando, ser esta minha primeira experiênciaem investigação narrativa.

Os autores enfatizam que quando um pesquisador realizauma investigação narrativa, o processo se torna muito maiscomplexo posto que, como investigadores, nós nos convertemosem parte do processo. As duas narrações, a do participante e a doinvestigador, se convertem em uma construção e reconstruçãonarrativa compartilhada (Cf. Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).

Assim sendo, na elaboração de um trabalho nesta perspectiva,o grau de dificuldade aumenta, considerando que, na investigaçãonarrativa, deve ser dada ênfase aos múltiplos níveis imbricados no

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estudo. Nesta investigação, busquei, continuamente, alcançardiversos níveis que me pareceram imbricados nos episódiosapresentados, tratando de seguir orientações apresentadas porautores que tratam desse tipo de investigação. A investigaçãonarrativa, segundo os autores citados, deve ser entendida como

um processo no qual continuamente estamos tentando dar contados múltiplos níveis (temporalmente simultâneos e socialmenteinterativos), nos quais procede o estudo. A tarefa central é evidente,quando se compreende que cada um está vivendo suas históriasem um contínuo contexto experiencial e, ao mesmo tempo, estácontando suas histórias com palavras, enquanto pode refletir sobresuas vivências e explicá-las. Para o investigador isto é parte dacomplexidade da narrativa, porque uma vida é também uma questãode crescimento rumo a um futuro imaginário e, portanto, implicaem recontar histórias e tentar revivê-las. Uma mesma pessoa estáocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em reexplicar eem reviver histórias (Connelly; Clandinin, 1995: 22-23).

Esta investigação revelou-se importante, à medida que mepossibilitou ouvir os relatos, conhecer as experiências, perceberas emoções, sentir as angústias, verificar dúvidas e dificuldadesque os alunos e a Professora apresentaram, mediados pelo meuolhar e pela minha própria voz. Enquanto me ocupava em vivercomo aluna, pesquisadora, mãe que possui uma família, e buscavano estudo, imbricar as experiências e relatos da Professora e dosalunos, eu tive oportunidade de partilhar, também, de suasdificuldades, das preocupações de suas vidas diárias e, mais, pudecompreender a riqueza, a multidimensionalidade, a complexidadee as dificuldades imbricadas nas vidas destes alunos, na minha ena vida desta Professora. Apenas por este ângulo, independentede todos os demais, é possível perceber que o ensino não pode serisolado, e o conhecimento não pode ser obtido “independente doseu observador”.

Para mim, foram muito significativas as palavras de R. Coles(ver Capítulo I), quando aponta para a possibilidade deaprendizagem, ao abrir espaço para que o participante ouça a simesmo, ou seja, para podermos aprender enquanto nós mesmosestamos falando. Esta investigação me permitiu horas incontáveisde diálogo comigo mesma, de reflexões produzidas a partir deepisódios e expressões dos alunos e da Professora. Um estudo desta

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natureza tem como ponto central as falas dos participantes, e estas,imbricadas às vozes dos autores, se constituíram em um referencialde análise e reflexão para este estudo e para minha própria práticapedagógica. Poderá, também, servir como um outro olhar, a iluminara “formação de professores” e auxiliar a algum, ou alguns, alunoe/ou professor que esteja empenhado em investigar a formaçãoinicial de professores, especialmente aqueles da área de Ciências/Biologia.

À guisa de considerações finais, para manter-me fiel àproposta de investigação narrativa, não poderia deixar de buscar,nas vozes dos alunos e da Professora, relatos, palavras e conceitosque possibilitem perceber alguns resultados, ou que indiquem, dealgum modo, possíveis caminhos. Nas vozes dos alunos, atravésdas interações em aula, nas atividades em grupo, busco iluminarsuas palavras, quando expressam suas concepções de ensino-aprendizagem-conhecimento, procurando perceber se ocorreu umaevolução em suas concepções. Vejamos as expressões dos alunos:

Ensinar...É buscar o que o aluno tem em sua bagagem e, juntos [com oprofessor], construir o conhecimento, não passar simplesmenteconceitos, definições. É tornar o aluno um ser pensante, criativo ecrítico, para saber discutir, expor suas idéias, posicionar-se;Enquanto participante do processo ensino-aprendizagem, oprofessor sabe que ensinou quando interage com o educando,quando percebe que tanto ele, quanto os alunos e as alunasparticiparam da aquisição de um determinado conhecimento;Aprendizagem é um processo singular, único para cada indivíduo,o que não significa que não possa ser compartilhado; no qual eleinterioriza determinado conhecimento que, por sua vez, influenciano seu modo de ser, de pensar e /ou sentir o mundo;Adquirir novos conhecimentos, para aplicá-los, a fim de obtermudanças na interação do indivíduo com tudo o que o cerca;Nós só podemos ter certeza de que o aluno se desenvolveu, quandoele for capaz de utilizar tal aprendizado em ações independentes,ou seja, de forma individual, sem imitações;Devo me questionar e questionar ao aluno sobre todos os processosde aprendizagem que eu pensei ter ensinado e encontrar as possíveisfalhas. Eu posso e devo retomar a minha prática pedagógica,repensando a minha postura, bem como a postura do aluno nocontexto da sala de aula;Devo parar, analisar e buscar novos métodos, materiais didáticos enova linguagem (Trecho das Atividades de grupos de alunos do 5ºperíodo).

considerações finais

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Ao meu ver, nestas atividades, as concepções destes alunosjá demonstram uma certa evolução conceitual em relação àsrespostas apresentadas no Episódio 10, deste trabalho. Posso verque muitos, de maneira significativa, passam a conceber osprocessos de ensino e de aprendizagem, enquanto construção doconhecimento, em um processo no qual, ao mesmo tempo,constroem-se interativamente, conhecimentos entre alunos eprofessor. E os alunos começam a valorizar a sua participação ativaneste processo. Porém, a evolução das concepções não é tarefafácil. Moreira expressa como vê a dificuldade de sair do modelo T-R, sair de uma perspectiva autoritária de ensino como transmissãode conteúdo, baseada em uma relação de causa e efeito inexistente,para uma ótica de significados construídos e compartilhados. Aidéia básica é facilitar a aquisição de significados aceitos, levandoem conta os significados que o aluno já tem, promovendo adiferenciação progressiva e a reconciliação integrativa designificados, conceitos, idéias e proposições (Cf. Moreira, 1990).

A formação do professor precisa ser, então, concebida como“uma profunda mudança Didática que deve questionar asconcepções dos professores do senso comum” (Cf. Carvalho; Gil-Pérez, 1993: 66), na qual as disciplinas pedagógicas sem descartarquestões epistemológicas são convertidas em núcleos articuladoresdessa formação. Durante esta investigação, que possui como fococentral a formação de professores, um espaço significativo foi abertopara discutir as questões de linguagem, tendo em vista aimportância que a Professora de Didática atribui a estas questõese apontar que o principal entrave encontrado com esses alunosforam as distorções leitura - escrita.

Pela investigação com os alunos do 5º período, pude perceberque os desencontros entre as intenções da Professora e a posturados alunos advieram de questões de histórias de vida,principalmente, no que se refere à leitura. As palavras de J. Larossaajudam- a refletir e esclarecer o meu ponto de vista sobre estashistórias. Para mim, a Professora tem uma compreensão de leituraque ensina, que eleva, que descortina, que faz crescer.

A literatura, que tem o poder de mudar, não é aquela que se dirigediretamente ao leitor, dizendo-lhe como ele tem de ver o mundo e o

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que deverá fazer, não é aquela que lhe oferece uma imagem domundo nem a que lhe dita como deve interpretar-se a si mesmo eàs suas próprias ações; mas, tampouco, é a que renuncia ao mundoe à vida dos homens e se dobra sobre si mesma. A função daliteratura consiste em violentar e questionar a linguagem trivial efossilizada, violentando e questionando, ao mesmo tempo, asconvenções que nos dão o mundo como algo já pensado e já dito,como algo evidente, como algo que se nos impõe sem reflexão(Larossa, 1998:157-158).

A Professora tem a intenção de usar a leitura como umapossibilidade dadivosa, de crescimento dos alunos, de possibilitar-lhes ver o ensino e ao mundo com novos olhares para compreendê-los do seu jeito. Faz parte de sua vida a leitura. Ela se realiza e sereconhece em inúmeros livros que lê e que dá a ler. Neste sentido,necessito, ainda, tomar por empréstimo as palavras de J. Larossapara, de certa forma, descrevê-la no que se refere à leitura:

O professor — aquele que dá o texto a ler, aquele que dá o textocomo um dom, nesse gesto de abrir o livro e de convocar à leitura —é o que remete o texto. O professor seleciona um texto para a liçãoe, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como uma carta. E umavez que uma carta é como uma parte de nós mesmos que remetemosaos que amamos, esperando resposta, o professor gostaria que essaparte de si mesmo, que dá a ler, também despertasse o amor dosque a receberão e suscitasse suas respostas. Mas a remessa doprofessor não significa dar a ler o que se deve ler, mas sim “dar a lero que se deve: ler”. Ler não é um dever no sentido de uma obrigação,mas no sentido de uma dívida ou de uma tarefa. E é uma dívida euma tarefa - a dívida e a tarefa da leitura - que o professor dáquando remete o texto. Uma dívida é a responsabilidade que temospara com aquilo que nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo quenos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que nos põe emmovimento. Por isso, dar o texto é oferecê-lo como um dom e, nessemesmo oferecimento, abrir uma dívida e uma tarefa, a dívida e atarefa da leitura, a dívida que só se salda assumindo aresponsabilidade da leitura, a tarefa que só se cumpre no movimentode ler. O professor, o que dá a lição, é também o que se entrega nalição. Primeiro, entrega-se em sua eleição; depois, em sua remessa;em continuação, em sua leitura (Larossa, 1998: 174 -175).

A prática diária da Professora é permeada pela interlocuçãocom inúmeros autores. Geralmente, quando nós, seus alunos,entramos em sua sala, comigo isso sempre ocorreu, em váriosmomentos da conversa, ela abre um parêntese, pega um livro e

considerações finais

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com verdadeiro entusiasmo, lê algumas partes, mostra, comenta,discute... E a gente cresce com ela. Parece-me vê-la lendo estaspalavras:

O professor, quando dá a lição, começa a ler. E seu ler é um falarescutando. O professor lê escutando o texto como algo em comum,comunicado e compartilhado. E lê também escutando a si mesmo eaos outros. O professor lê escutando o texto, escutando a si mesmoenquanto lê, e escutando o silêncio daqueles com os quais seencontra lendo. A qualidade da leitura dependerá da qualidadedessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto,e essa voz que ele empresta é também sua própria voz, e essa voz,agora definitivamente dupla, ressoa como uma voz comum nossilêncios que a devolvem ao mesmo tempo comunicada, multiplicadae transformada (Larossa, 1998:174 -175).

No texto de J. Larossa, posso identificar a Professora e suavoz como parte de uma investigação narrativa; é também a minhavoz a descrever não só a Professora e sua história com os alunos,mas, também, as lições que apreendi da linguagem e da leitura.

A atividade docente é bastante complexa e, como as interaçõesentre as pessoas são sempre experiências únicas, cada interação,na aula, é carregada de múltiplas dificuldades, até mesmo paraprofessores mais experientes, como é o caso da Professora deDidática. Ela se propôs a ir trabalhando, tentando desestabilizaras pré-concepções que considera equivocadas. Assim, ela foiprocurando colocar em questão os conceitos aceitos pelos alunos.Ela sabia que estava provocando uma “desarrumação” das idéiasdos alunos; porém, ela acreditava que a arrumação iria acontecendonaturalmente. Mas, segundo suas observações, parece que istonão ocorreu.

A Professora, já numa fase mais adiantada do processo,constata que a arrumação das idéias não estava acontecendo,levando à autocrítica. Então começa a trabalhar na “arrumação”das idéias dos alunos, mas acha que ainda precisava de mais tempopara realizar tal tarefa. Dessa forma, critica-se pelo fato de não terplanejado o tempo de desarrumação x arrumação, expressando-senos seguintes termos:

Se eu tivesse uma disciplina anual que desse para eu “desarrumar”no primeiro semestre e tentasse arrumar progressivamente, eu acho

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que no final do ano o saldo seria muito mais positivo. E isso eu achoque foi um tipo de displicência minha... eu lidei com o tempo semme preocupar se daria tempo de desarrumar e arrumar algumacoisa, sinceramente eu não me preocupei com o tempo de arrumaçãoou eu acreditei que iria desarrumando e arrumando, o que nãoprocede, não é verdadeiro. Especialmente, até com a contundênciaque eu usei. Usando uma argumentação bastante contundenteexatamente para que eles me dessem atenção. A maneira que eubusquei a atenção dos alunos foi pela ênfase, foi pela contundênciada minha argumentação; eu não mandei ninguém ficar quieto, nãochamei a atenção de quem saía, não fiz coisa nenhuma. Agora acontundência, a ênfase, o peso da minha argumentação era quefazia com que eles ficassem me ouvindo, ficassem atentando paraas proposições que eu fazia, mas esse tempo de desarrumação xarrumação, precisa ser considerado. Não posso ser indiferente aele, é maldade...

A Professora, analisando sua prática junto aos alunos, declaraque uma das dificuldades é a limitação determinada pelo curtoespaço de tempo que se constitui um semestre ou menos (adisciplina havia iniciado em abril!). O trabalho da Professora deDidática foi direcionado, a fim de possibilitar esta formaçãodiferenciada; por este motivo, o trabalho com as concepções dosalunos foi algo que esteve presente durante todo o processo deensino. Decorrente disto, a tomada de consciência pelos alunos,de suas crenças, dos seus conceitos, ficou muito evidente. Algunsalunos se expressaram com absoluta clareza a compreensão que,agora, possuíam com respeito às suas concepções. A aluna MariaJosé, numa discussão em grupo, realizada na sala de aula, em queeu participava, ela assim se dirige a mim e ao grupo:

Maria José — Olha Irene, me desculpe, mas eu tenho quedesabafar... No início eu me achava uma boa professora, mas eunão sei... Eu quero que você me diga, se alguém tiver uma idéia, ouvocê Irene, se você puder me diga: Como é que eu tenho que fazer?Onde é que eu vou aprender a ser professora assim, a fazer diferente?Eu não sei onde buscar, eu não sei como eu vou fazer.

Isto também ficou evidente para a Professora de Didática,quando algumas alunas desabafaram, num estado de espíritoangustiado e perplexo, sobre o que sentiam com relação à suaatuação em sala. A Professora mesma narra para mim o episódioda forma seguinte:

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Eu queria que você visse o que alguns fazem com a minhaproposição. E eu como já baixei muito o autoconceito deles na aulapassada, eu quase morro. Eles acharam a aula uma beleza [falacom ênfase]. E eu saí arrasada, achando que não havia conseguidoque eles aprendessem coisa alguma. Aí vem uma aluna e me diz:“Você tem as coisas muito claras!”. E eu respondo, sinceramente:“É ilusório minha filha. Eu tenho algumas coisas claras, algumas...[frisa bem o termo]. Ninguém tem as coisas (significando todas ascoisas) muito claras. Ninguém tem. Se você obtiver uma receita,você vai ficar onde está, minha filha. Agora, por outro lado, o fatode você se manifestar nesses termos, você já é uma professora muitomelhor que os outros. Mas os outros não são culpados, não, pornão ter reflexões dessa ordem. Então não é que você esteja sendouma bosta. Pelo contrário! Você está deixando de ser bosta. Vocêtoma consciência do que você tem, não tem, precisa ter, precisabuscar, o que dá prá fazer, o que é que não dá...”. [A Professoraolha para mim e diz]: — Agora você vê, como que, com observaçõesdessa ordem, eu não ia sair arrasada? Eu saí muito arrasada. Maseles acharam a aula uma beleza...

A contundência de episódios como esses demonstram,claramente, a autenticidade destes alunos, por isso eu caracterizeia classe como excelente, de muito valor. Alunos que, quandocompreendem que até agora não aprenderam e não tiveram umensino como deveriam, angustiam-se, querem mudar, queremsinceramente saber o melhor caminho para serem bons alunos emelhores professores ou profissionais. Não querem apenas odiploma, “passar de ano”. Não, eles querem aprender!! A Professorafaz uma crítica severa de sua atuação e me pede que intensifique acrítica que eu, por minha vez, vier a fazer.

Percebi que eu estava tirando coisas, sem ter clareza se vou pôroutras no lugar. Eu acho que está aí uma questão, por exemplo,que você precisa discutir. E discutir independentemente. Porqueeu ainda receio que se eu abordar essa questão, me desculpe, paralivrar a minha barra! Mas eu queria que você discutisse isso [falacom ênfase]. O que é que significa alunos inicialmente“inconscientes”, a partir de uma determinada altura, estarem seexecrando?

Consciente da dificuldade que é encontrar um professor queassuma suas dificuldades, que se critique, a Professora de Didáticaprocurava se autocriticar, para dar o exemplo, na seguinte forma:

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Professora — Quando eu me critico: Gente! As barberagens que eufiz com vocês?! Eles se surpreendem, ficam com os olhos dessetamanho (mostra um tamanho grande, em relação ao tamanho doolho, com o gesto usando os dedos polegar e indicador). Os alunosperguntam “Que barberagens?... A senhora fez o que?”. E quandoeu falo: Eu deveria ter feito isso, aquilo... E sabe porquê que euacho que eu preciso falar isso? Não é para fazer gênero não. É prádar a lição. Para eles admitirem se criticar, sabendo que tem solução.Eu digo: Eu fiz uma porção de barberagens, garanto que no próximoano eu não vou fazer nenhuma... talvez meia... porque uma eu nãovou admitir. Ou melhor, farei outras, mas essas não!

Fica expressa, também, a evolução epistemológica destesalunos e da Professora. Como podemos compreender como se deuesta evolução?

Analisando o processo de ensino através dos episódiosrelatados, percebemos que os alunos tinham concepções de seupapel como alunos, do papel de professor e concepções sobreensino-aprendizagem-conhecimento baseados na T – R.

Durante o processo a Professora de Didática vai através dasleituras, das discussões com a classe, de suas exposições, trazendoelementos novos para a compreensão destes conceitos. Suasconcepções anteriores começam a perder consistência, surgeminúmeras perguntas e dúvidas, e a Professora vai mediando,propiciando a eles refletirem, e — como ela mesmo diz “num esforçocompreensivo” — vai estabelecendo junto aos alunos novasrelações. Até que chega a um ponto que, supostamente, os alunoscompreendem. Tomam consciência que suas concepções anteriores,que estavam bastante assentadas, os conceitos que elesacreditavam, infelizmente não os conduziam aos resultadosesperados “a aprendizagem desejável, significativa para eles”. Elesdizem: “eu achava que era uma boa professora. Eu achava que euera melhor que os meus colegas. E agora eu sei que eu sou... queeu sou...”; “E eu acho que eu não vou sair da bosta”; “E eu? Queachava que era uma ótima aluna. E agora fico sabendo, perceboque não aprendi coisa nenhuma porque só memorizei e devolvi oque os professores queriam”. É a desarrumação.

Agora eles já estão concebendo novas idéias, novasconcepções que desejariam assumir. As concepções anterioresevoluem, passam a servir como parâmetro ou alicerce para uma

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nova postura e outras crenças. Muitas vezes, as concepções, agoraconstruídas, parecem ter um papel de negação, de possibilitarperceber os equívocos, a crítica ou o erro são também fases doprocesso de construção, e tudo isso se assume como fundamental.

A Professora também faz sua autocrítica ao dizer que, apesardos anos de experiência, ela falhou, ela não atentou para o grandenúmero de questões a serem confrontadas e só durante o processofoi se apercebendo disso. Esta experiência com os alunos do 5ºperíodo de Biologia e sua Professora me leva a afirmar, mais umavez, que “ensinar não é fácil, não existe receita pronta ou maisadequada”. Se assim fosse, os anos de experiência da Professora esua competência profissional bastariam, descartando-se aimprescindível reflexão teórico-metodológica e epistemológica,sobre a prática pedagógica ou sobre a prática específica de ensino.

Portanto, a busca de investigação permanente do professor,numa perspectiva de construção coletiva, parece ser uma propostabastante enriquecedora, à medida que permite discutir e analisara própria prática. Prática esta, que deve ser inclusive objeto depesquisa permanente do professor. Contudo, a dicotomização dasações dirigidas para a formação e a dissociação entre as disciplinasé claramente impeditiva de que o futuro professor avance nessadireção. É oportuno enfatizar que:

A formação plena do professor deve buscar a eliminação dedicotomias. No âmbito da dicotomia entre disciplinas específicas edisciplinas pedagógicas, os Projetos Pedagógicos das Licenciaturasdevem assumir a formação do professor como algo que atravessa oseu currículo como um todo, já que esta dicotomia pressupõe que oensino é mera transmissão de conteúdos (Unimep, 1997:11).

É evidente a necessidade que os professores que trabalhamcom as licenciaturas atentem para a imbricação teórico-metodológico-epistemológica. A Professora de Didática tem estapreocupação:

Eu não permaneço na mesma abordagem didática continuamente.Isso eu acho que é o que você também faz, no âmbito epistemológicoda Biologia. A gente faz um ir e vir, não é?... Que eu acho que sejatalvez mais desejável. Até que a gente faça o ir e vir, eu não tenhomuita clareza se teria necessidade, ou se seria imprescindível, agente ficar no âmbito epistemológico da Biologia, sem sair, tomar

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distância, está entendendo? Talvez haja um outro sentido... Mas oteórico-metodológico tem de ser abordado em termos enfáticostambém. E o grande desafio que nós teríamos seria imbricar teórico-metodológico-epistemológico. Isso daí é que do meu ponto de vistaseria desejável. Essa imbricação. Não ficar do teórico-metodológicopara o epistemológico e do epistemológico para o teórico-metodológico, como a gente com mais freqüência faz.

A Professora demonstra sua preocupação com a formaçãoespecífica do professor de Ciências/Biologia, com a imbricaçãoteórico-metodológico-epistemológica necessária ao ensino deBiologia, para que haja aprendizagem efetiva nos vários graus deensino. Geralmente, os professores que trabalham nas disciplinasespecíficas, nos cursos de graduação, preocupam-se com questõesteóricas dissociadamente, isto é, com o conteúdo específico de umlado, enquanto os professores que trabalham as disciplinas deformação pedagógica enfocam, de outro lado, aspectosmetodológicos dos conteúdos. Considerando que o caráterepistemológico de um conteúdo refere-se à natureza intrínsecadesse conteúdo, sua natureza epistemológica, é esta, do ponto devista da Professora, que deve determinar a abordagem teórico-metodológica, se considerarmos a imbricação teórico-metodológico-epistemológica. A Professora considera que todos os professoresformadores de futuros professores precisam trabalhar neste sentido.

Sobre esta questão, perguntei à Professora de Didática: “Existeuma preocupação do professor de disciplina específica estartrabalhando numa visão do aluno que vai ser professor ou não?”.A Professora respondeu:

Alguns... Eu acho que a diferença, do ponto de vista de minhaexperiência, é que a outra universidade, onde eu trabalhava, contacom alguns. A gente sempre conta com alguns. Em contraponto, euacho que muitas outras universidades não contam com ninguém.Esta universidade já conta com alguns, mas não se tem qualquerarticulação entre os já iniciados, que continuam isolados. Você vejaa Licenciatura em Matemática, que é crucial. Você tem num elenco,vamos supor, de 15 professores, 4 ou 5, 1/3 no máximo, quetrabalha Matemática tendo presente que está em um curso deformação de professores. E trabalha Matemática com vistas aoensino e à aprendizagem. Se você provavelmente tomar cursos deMatemática em outras cidades, você não vai encontrar ninguém.Até por causa da formação das turmas; porque quem ministraCálculo I, por exemplo, dá aulas de Cálculo I para Engenharia, para

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outros cursos, e também para a Licenciatura em Matemática domesmo jeito. Nesta universidade se conseguiu fazer umadiferenciação, Cálculo I é trabalhado para a modalidade A e B, e Bé a Licenciatura. Então dá para o sujeito ajustar minimamente. Ecomo os alunos optaram pela modalidade B, que é a Licenciatura, oprofessor sabe disso, e aquele 1/3, 3, 4 ou 5 professores, podemintencionar a formação de professores de Matemática.

A formação de um professor diferenciado, chamado por muitosde “educador” é a meta que se busca, mas para isso é necessárioum trabalho articulado com o conjunto de professores que atuamna licenciatura, todos objetivando nas suas disciplinas convergirpara a formação deste professor.

Sabemos que muitos professores não trabalham os conteúdoslevando em conta que os seus alunos de hoje serão futurosprofessores amanhã. Com esta premissa, todas as disciplinas, enão só as ditas pedagógicas, obrigatoriamente, teriam queapresentar um processo de ensino diferenciado em termos tais quepudessem superar dissociações entre elas e possibilitar a inter-relação dos conteúdos numa nova perspectiva interdisciplinar.

Por um lado, quando as disciplinas, chamadas específicas,não são trabalhadas pedagogicamente, possibilitando aos futurosprofessores abordagens pedagógicas e epistemológicas de ensinaraqueles conteúdos, elas deixam de atender o objetivo principal docurso que é de possibilitar ao futuro professor a compreensãopedagógica de como ele pode ensinar os conteúdos específicos.

Por outro lado, diferentemente de outros cursos, o futuroprofessor não está na universidade, apenas, para adquirir umconhecimento sólido e aprofundado em todas as disciplinas, quesão consideradas sumamente importantes à formação de umprofessor, ele precisa aprender, em cada disciplina, e não só nasdisciplinas pedagógicas, como ensinar aqueles conteúdos, comotorná-los “pedagogicamente disponíveis”. Isto significa dizer que,no âmbito da formação inicial de professores, os conteúdos ditosespecíficos precisariam ser vistos e trabalhados à luz de teoriaseducacionais.

Ainda vale salientar que, as disciplinas pedagógicas podemproporcionar ajuda pedagógica na organização do trabalho doprofessor, dos contextos imbricados no trabalho diário de umprofessor, mas não podemos nos esquecer que as pesquisas são

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ricas em nos mostrar que os professores que iniciam a carreira deprofessor repetem em suas aulas os modelos que aprenderam,quando seus professores lhes ensinaram aqueles mesmosconteúdos. É o modelo de ensino do professor da disciplinaespecífica que o futuro professor imita, ensinando do mesmo modocomo foi ensinado. Portanto ao meu ver, a Licenciatura não irámudar, se os professores deixarem de assumir, em conjunto, aresponsabilidade de formar um professor diferenciado.

Assim, embora possa parecer óbvio, cremos que, numaevolução epistemológica de Ensino-aprendizagem, a passagem domodelo transmissão-recepção, para um modelo de interação-construção, ou de co-construção, poderá significar avanço, sepossibilitar aos alunos uma aprendizagem mais significativa,dinâmica, efetiva e duradoura. Alguns grupos de alunos, ematividades realizadas em aula, expressam ressalvas importantescom respeito ao ensino, tais como:

Em se tratando de ensino, principalmente o de Ciências /Biologia,temos que pensar sobre essas questões porque o conhecimentonão é estático, ele é contextualizado num determinado tempo, numadeterminada cultura, ele está em “movimento” é dinâmico como aprópria aprendizagem humana;O pensar sobre essas questões irá auxiliar-me a como abordar oassunto que tratarei em minhas aulas e que tais abordagens levemos alunos a atitudes, ou melhor, pensamentos próprios.

O reconhecimento, por parte dos alunos, de que oconhecimento, tal como o ensino, é dinâmico, contextualizado numdeterminado tempo e cultura, nos remete à valorização históricada construção do conhecimento. É necessário que os espaçosinstitucionais para o desenvolvimento do ensino-aprendizagemproporcionem a pesquisa e ensejem uma outra construção, a dasubjetividade do aluno. Sobre esta questão a Professora de Didáticaassim escreve em seus artigos:

A compreensão de relações cognitivas ou o estabelecimento derelações compreensivas entre idéias na interação em aula, no cursodo processo de ensino e de aprendizagem, constituem o espaçonecessário à construção da subjetividade do aluno, no âmbito dasCiências e de qualquer outro campo de saber.Se eu compreendo,se estabeleço relações entre conteúdos, informações, procedimentos,torno-me capaz de atribuir valor, de construir valores meus, de ser

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sujeito do meu conhecimento, das minhas ações. Compreenderdepende do meu olhar, do meu jeito de ver, que é algo que eu façonão apenas com os meus olhos, mas principalmente com a minhamente ao relacionar o que já sei com aquilo que preciso aprender,que preciso saber para tornar-me sujeito, quando transformo o queaprendi em novas ou outras idéias, produzindo também outrosconhecimentos (Aragão, 1998).

Considerando que o cotidiano da escola não é construído,somente, a partir do dia-a-dia, produzido entre os muros da escola,mas ele é composto por elementos oriundos das vidas cotidianasdas pessoas que compõem a escola, assim, na construção de seuconhecimento, os alunos, futuros professores, podem medianteinterações com seus professores e colegas, evoluir conceitualmente.A Professora de Didática acredita na possibilidade de evoluçãoconceitual. Ainda no trabalho supra citado, ela sintetiza bem,concepções que embasam seu trabalho, enquanto professora,quando diz:

Na perspectiva de uma evolução conceitual, contudo, negociam-sesignificados de alunos e alunas de professores e professoras noprocesso de compreensão dos conceitos e das relações conceituaistrabalhadas. Ao se trabalhar com conceitos já adquiridos, com idéiasexistentes familiares para alunos e alunas, eles próprios e elaspróprias se utilizam exemplos do cotidiano com propriedade,compreendendo a dinamicidade do conhecimento. Passam, assim,a usar conceitos e idéias científicas em situações cotidianas,evidenciando compreensão. Isto só se torna possível, no entanto,quando o professor e a professora também evoluíram. Quero dizerque os alunos e alunas só conseguem estabelecer relaçõescompreensivas, em âmbito cognitivo, quando seus professores eprofessoras se tornam capazes de inter-relacionar idéias, assuntos,aspectos, temas, em termos assinalados como o que se conhece atéagora na provisoriedade do conhecimento (Aragão, 1998).

Nesse sentido, “as aulas se tornam lugares de promoção dedebates, discussões, especulações, e não de transmissão decertezas” (Schnetzler; Aragão, 1995: 30). No entanto, oreconhecimento das limitações do ensino por transmissão e odesenvolvimento das orientações construtivistas estão propondonova ênfase à necessidade de formação do professor que possaestar voltada também à pesquisa (Cf. Furió; Gil-Pérez, 1984; Driver;Oldham, 1986; Porlan, 1987; Moreira, 1991 apud Carvalho; Gil-

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Pérez, 1993).A fim de possibilitar a formação de um professor diferenciado,

faz-se necessário um movimento constante da prática para a teoriae numa volta à prática para transformá-la. Na prática pedagógicade um professor isto é possível, caso o professor se defina comoprofessor-pesquisador, fazendo de sua aula, de sua prática docenteum espaço para suas investigações. Isto porque, de acordo com K.Popper, “aprender algo novo é modificar algum conhecimentoanterior; a aprendizagem sempre se dá a partir dos conhecimentosprévios” (Popper apud Silveira, 1992: 38). A ênfase na formação doprofessor, como professor-pesquisador, ao meu ver, abre espaçopara a investigação de obstáculos epistemológicos presentes narelação ensino-aprendizagem-conhecimento.

Esta experiência da Professora de Didática com os alunos do5º período de Ciências Habilitação em Biologia é rica por poderapresentar não só os avanços e suas contribuições, mas tambémsuas distorções, suas limitações. É a compreensão das bases, dosalicerces, dos conceitos anteriores que possibilitam ao indivíduoevoluir para outras concepções, novos caminhos e novasalternativas. Assim, da desconstrução, é possível avançar no sentidode uma nova construção, numa evolução epistemológicasignificativa constante. A. Nóvoa, falando da mudança de paradigmanos meios escolares de Portugal, aponta para novos desafios, quepodem servir de reflexão para nós brasileiros, devido àssemelhanças com o momento que estamos vivendo. Ele apontapara a necessidade de mudanças efetivas nos meios escolares,principalmente na formação de professores que se encontraimpregnada pelo paradigma da racionalidade técnica. Tal autorpossibilita refletir sobre a necessidade de uma formação capaz dedesenvolver professores reflexivos, especialmente em tempos decrise, como a que atravessa o ensino tradicional. Segundo ele:

A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dosprofessores, no quadro de uma autonomia contextualizada daprofissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação quepromovam a preparação de professores reflexivos, que assumam aresponsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e queparticipem como protagonistas na implementação das políticaseducativas (...). O trabalho centrado na pessoa do professor e nasua experiência é particularmente relevante nos períodos de crise e

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de mudança (...). O triplo movimento sugerido por Schön (1990) —conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação esobre a reflexão na ação — ganha pertinência acrescida no quadrodo desenvolvimento pessoal dos professores e remete para aconsolidação no terreno profissional de espaços de (auto)formaçãoparticipada. Os momentos de balanço retrospectivo sobre ospercursos pessoais e profissionais são momentos em que cada umproduz a “sua” vida, o que no caso dos professores é tambémproduzir a “sua” profissão (Nóvoa, 1996: 26-27).

Na sua fala, quando ele nos diz que estes professoresreflexivos devem assumir a “responsabilidade do seu própriodesenvolvimento profissional” é possível estabelecer o elo daformação que defendemos, enquanto professores-pesquisadores,visto que a pesquisa da própria prática abre espaço para refletir aação, na ação e sobre a própria ação. E ainda mais, quando ele serefere à necessidade de “consolidação no terreno profissional deespaços de (auto) formação participada”, pode nos remeter tambémà investigação narrativa como modo de possibilitar a imbricaçãodas vozes de professores, pesquisadores, e alunos, unidos numasó meta reiterativa em que cada um produz a “sua” vida, o que nocaso dos professores é também produzir a “sua” profissão.

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COLEÇÃO THÉSIS

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A Coleção Thésis é financiada pela Fundação Araucária de Apoioao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná, entidadede direito privado que ampara a pesquisa científica e tecnológicae a formação de recursos humanos no Estado do Paraná. Paraisto, a Fundação conta com programas de apoio à pesquisa básicae aplicada, promoção de intercâmbio de pesquisadores edisseminação científica. Os recursos financeiros utilizados pelaFundação têm origem no Fundo Paraná, que destina 2% da receitatributária do Estado ao desenvolvimento científico e tecnológico.

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