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HÁ UM DIREITO ÀAUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL?
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
MinIstro do Superior Tnbunal de Justiça Mestre e doutOf em Direito.
1. INTRODUÇÃO
A proteção da vida privada e da intimidade, fundada apenas nodireito de excluir terceiros do acesso ou da divulgação de informações
pessoais, de maior ou menor confidencial idade segundo as caracterís
ticas do titular das informações e do contexto da comunicação, não setem mostrado suficiente para enfrentar os novos riscos trazidos pelo
estonteante desenvolvimento da informática e dos bancos de dados au
tomatizados. Nas últimas décadas, consolidou-se a percepção de que a
coleta, o processamento e a utilização de dados pessoais aparentemente
insignificantes ensejam a criação de perfis de personalidade destinados
potencialmente a classificar e discriminar os indivíduos consoante suas
características biológicas, seus hábitos, suas preferências e suas convic
ções, em flagrante ameaça não só à privacidade, mas também à própria
dignidade humana. Ampliou-se, por isso, em quase lodo o mundo, o
campo de proteção dos dados pessoais, mediante legislação específica
e O reconhecimento, em muitos países, do direito à autodeterminação
220 I HÂ UM DIREITO À AUTOOETERM1NAÇÀO INfORMATIVA NO BRASIL?
informativa, O qual faculta
ção e o uso de seus dados
outros bens jurídicos tute~
da propofcionalidade). Afundamental em 2000, apó,feito na décadas de 1970 e
No Brasil, a proteção
constitucional, assim comi
dos. Existem, ainda, regras
pessoais de consumidoresque discipline toda a malél
princípios internacionahl1E
cia de um direito à autode'respondê-Ia, serão brcveme de autodeterminação inf(
nosso ordenamento que pc.
direito à autodeterminação
2. DA PRIVACIDADE ÃAUTODETI
o direito à privacidac
blicado em 1890 por Samu
a ser um destacado juiz da
autores identificaram o dir
oponível ao mundo, à vista
mana decorrentes da então
da imagem e de informaç'
commOl1 lmv sobre ilícitos
de propriedade, os autores
direito à privacidade, e côm
tes sobre o tema na doutrin
CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Há um direito à autodeterminação informativa no Brasil?. In: MUSSI, Jorge; SALOMÃO, Luis Felipe; MAIA FILHO, Napoleão Nunes (Org.). Estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Cesar Asfor Rocha. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012. v. 3, p. 220-241. (Cesar Asfor Rocha 20 anos de STJ).
IRMATIVA NO BRASil?
doutor em Direito.
ade, fundada apenas no
ulgação de informações
~ segundo as caracterísda comunicação, não se
\'OS riscos trazidos pelo
los bancos de dados ause a percepção de que a
pessoais aparentemente
~rsonalidadedestinados:Hvíduos consoante suas{erências e suas convie
> mas também à própria
quase todo o mundo, onte legislação específica
:ito à autodeterminação
informativa, o qual faculta ao indivíduo decidir por si só sobre a exibição e o uso de seus dados pessoais (levando-se em conta, obviamente,
outros bens jurídicos tutelados, por meio da aplicação do postulado
da proporcionalidade). A União Europeia reconheceu-o como direito
fundamental em 2000, após países como Portugal e Alemanha terem-no
feito na décadas de 1970 e 1980, respectivamente.
No Brasil, a proteção da intimidade e da vida privada tem assentoconstitucional, assim como a tutela do sigilo da comunicação de da
dos. Existem, ainda, regras legais específicas para a proteção de dados
pessoais de consumidores em bancos de dados. Mas não há legislaçãoque discipline toda a matéria de forma unificada e consentânea com os
princípios internacionalmente aceitos. Daí a dúvida quanto à existência de um direito à autodeterminação informativa no país. Para tentarrespondê-Ia, serão brevemente discutidos os conceitos de privacidade
e de autodeterminação informativa antes de se analisarem os traços denosso ordenamento que permitam ou não identificar a existência de umdireito à autodeterminação informativa entre nós.
2. DA PRIVACIDADE ÀAUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA
o direito à privacidade foi pioneiramente delineado em artigo pu
blicado em 1890 por Samuel Warren e Louis Brandeis, que veio depoisa ser um destacado juiz da Suprema Corte norte-americana, no qual osautores identificaram o direito a ser deixado só (rigla to be let afol1e),
oponível ao mundo, à vista das crescentes ameaças à personalidade hu
mana decorrentes da então incipiente massificação da mídia e do abusoda imagem e de informações pessoais. Com base em precedentes daCOll1mon law sobre ilícitos contra a honra e sobre violações ao direito
de propriedade, os autores enunciaram os elementos constitutivos do
direito à privacidade, e com tal presciência que o artigo marcou os deba-,tes sobre o tema na doutrina e na jurisprudência nas décadas seguintes,
RICARDO VILLAS OOAS CUEVA I 221
e não somente nos Estados Unidos, já que a proteção da vida privadacontra intromissões arbitrárias foi incluída na Declaração Universal dosDireitos do Homem (art. 12) e nos ordenamentos jurídicos da maioriados países. 1
O acelerado e incessante desenvolvimento da informática, contudo, multiplicou as possibilidades de invasão da intimidade. A ubiquidade dos meios eletrônicos de coleta e troca de informações permite que serecolham informações sobre virtualmente todas as atividades cotidianasdos indivíduos, a fim de organizá-Ias em categorias de comportamento,de preferências, de crenças, de consumo, entre outras, e assim traçarperfis de personalidade voltados para o exercício de alguma modalidadede controle social, político, econômico ou mesmo existencial sobre osindivíduos. A obtenção e a disseminação massificada e praticamenteinstantânea dessas informações, cujo conteúdo nem sempre constituium segredo nem caracteriza uma invasão de privacidade, no sentidoclássico que se atribui a este direito, põem em xeque a efetividade da
tutela jurídica da vida privada, pois os indivíduos são despojados dodireito de participar e de algum modo controlar as informações que sobre eles são produzidas e divulgadas, e evidenciam uma crise na própria
1Warren. Samuel: Brilndeis. Louis, "lhe nght to pnvacy", Harvard Law Revlew, voLIV, nO 5, dezembro
de 1890. p. 193 e ss. Em 1960, Wilham Prosser ("Privacy" In Califórnia Law Revlew, 48. p. 383 ess.
demonstrou que o artigo de Warren e Brandeis antecipou a caracterização na jurisprudência de
quatro diferentes formas de violação da privacidade: a) a intrusão na vida privada: b) a divulgação
de latos embaraçosos da vida privada; c) a publicidade que coloca o titular sob falsa luz e d) aapropriação da imagem ou do nome do titular do direito com finS lucrativos. Diferentemente das
duas últimas formils, as duas prrmeiras eXigem a Invasão de algo secreto, Sigiloso ou privado.
A terceira, a seu turno depende do emprego de falsidade ou flCCção, enquanto a última requer a
obtenção de vantagem. V. a propósito Castro, Catarina Sarmento e, "O direito à autodeterminação
informativa e os novos desafios gerados pelo direito à liberdade e à segurança no pós 11 de
setembro", comunicação ao VIII Congresso IberO-Americano de Direito Constitucional. realizado
em dezembro de 2003, acessado em 1112/2012 em http/www.estig.ipbeja.Ptl-ac.direilo/Catarina Castro.pdf. p. 2-3
222 IHÁ UM DIREtTO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL?
noção de intimidade. 2
A transformação do t
se fazer sentir na década dede dados pessoais de primiHessen (1970), a lei de dad(
dados do Land alemão de J;
ção de dados da AlemanhaCredit Reporting Act e em
as diretrizes da União EuroRelevantes, ainda, sáe
ração e Desenvolvimento E
2 Hassemer, Winfried; Sanchéz, Alfr€
y los Retos dei Procesamlenro AurcPuerto, 1997.
3 V. a propóSIto Bessa, Leonardo Ro
de junho de 2011, São Paulo, RT, 2Cda privacidade ~m relação aos dad(Ademais, inexiste uma autoridade (empresas que realizam o tratament,
o setor público e o privado. Na Euror
em torno da Diretiva 95/46, que obie
privada - de tratamento de dados. ~
inclusive os relatiVOS à proteçào deé a existênCia de autOridade autônl
de sanç6es: os Estados devem p(
independencia, pra fiscalizar a aplic,
de informaç6es pessoais (art. 28, I,possivel identificar parâmetros de cor
de dados pessoais. Ambos os modell
a possibilidade de se eXigir retlflcaç;
colhidos e utilizados para finalidades
dados devem ser verdadeiros, atuali
se, ainda, o principio de que o tratan
o princípio da segurança, vale dizer,acesso não autorizado aos dados.-
a proteção da vida privadala Declaração Universal dosnentos jurídicos da maioria
ento da informática, contuda intimidade. A ubiquidainformações permite que seIdas as atividades cotidianasegorias de comportamento,:ntre outras, e assim traçar
:ício de alguma modalidadenesmo existencial sobre osnassificada e praticamenteúdo nem sempre constitui
de privacidade, no sentidoem xeque a efetividade daivíduos são despojados do
)lar as informações que so
leiam uma crise na própria
Ird Law Review, vol. IV, nO 5. dezembro
:alifórnia Law Review, 48, p. 383 e ss.
caracterização na jurisprudência de
Jsão na vida pnvadil: b) a divulgação
coloca o titular sob falsa luz e d) a
1fins lucrativos. Diferentemente das
Je algo secreto. sigiloso ou privildo,
flccção. enquanto a última requer a
'nto e, "O direito à autodeterminação
rdade e à segurança no pós 11 de
,de Direito Constitucional, realizado
Itp:/www.estig.ipbeja.ptl-ac.direitol
noção de intimidade. 2
A transformação do tradicional conceito de privacidade começa ase fazer sentir na década de 1970, quando surgem as normas de proteçãode dados pessoais de primeira geração, como a lei do Lalld alemão deHessen (1970), a lei de dados da Suécia (1973), o estatuto de proteção dedados do Lalld alemão de Rheinland-Pfalz (1974) e lei federal de proteção de dados da Alemanha (1977). Nos EUA, foi editado em 1970 o FairCredit Reporting Acl e em 1974 o Privacy Act. Importantes, ainda, sãoas diretrizes da União Europeia, notadamente a Diretiva 95/46.3
Relevantes, ainda, são as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as quais definem como
1 Hassemer, Winfried: Sanchcz, Alfredo Chinno, EI Derecho a la AulOdetermlf1ación Informativa
y los Retos dei Procesamienro Automatizado de Datos Personales. Buenos Aires, Editores dei
Puerto.1997.
3V. a propÓSito Bessa, Leonardo Roscoe. Cadastro posJlivo: comentáriOS à Lei nO 12.4 j 4, de 9
de Junho de 201 ]. São Paulo. RT, 2011, p 58-59: "Em síntese, nos Estados Unidos, a proteção
da privacidade ~m relação aos dados pessoais é fragmentada. representada por leis setoriais,
Ademais, inexiste uma autoridade governamental especifica para controle e fiscalização das
empresas que realizam o tratamento de Informações. Outra característica é a separaçào entre
o selor público e o privado. Nil Europa. il diSCiplina do tema é mais sistemática, estruturando·se
em torno da Diretiva 95/46, que objetivil diSCiplinar praticamenle toda forma - governamental e
privada - de tratamento de dados, abrangendo as mais variadas espéCies de bancos de dados.
inclUSive os relativos à proteção de crédito. Uma característica marcante do modelo europeu
é a existéncia de autoridade autõnoma de controle com poderes de fiscaliZação e aplicação
de sanções: os Esl<ldos devem possuir umil ou millS autoridades públicas, com absoluta
independência, pra fiscalizar a aplicação das leiS niJcionilis disciplinadoras de bancos de dados
de Informações pessoais (art. 28, I, da Diretiva 95/45). Apesar dessas diferenças estruturais. é
possível identificar parâmetros de consenso na definição de alguns direitos e limites no tratamento
de dados pessoais Ambos os modelos estabelecem o direito de acesso às Informações pessoais,
a possibilidade de se exigir retlflcilção dos dados inexatos. a idem de que os dados devem ser
colhidos e utilizados para flnalidildes legítimas e previamente identificadas. a eXl9éncia de que os
dados devem ser verdadeiros, atualizados, objetivos. relevantes, não excessivos, Acrescentem
se, ainda. o principio de que o tratamento de dados deve observar limites temporais. bem como
o principio da segurança, vale dizer. devem ser adotadas medidas de segurança para impedir o
acesso não autorizildo aos dados."
RICARDO VILLAS BÓAS CUEVA I 223
princípios básicos da proteção de dados pessoais. a serem observados em
âmbito nacional a) o princípio da limitação da coleta. que impõe seja ele
feita por meios lícitos e. sempre que possível, com o conhecimento ou
o consentimento do titular dos dados; b) o princípio da qualidade dos
dados, que exige sejam os dados pessoais relevantes para as finalidades
para as quais são usados, e que sejam precisos, completos e atualizados;
c) o princípio da finalidade. que pressupõe correlação entre o uso dos
dados e a finalidade espeCificada quando de sua coleta; d) o princípio da
limitação do uso. que veda a divulgação ou utilização de dados pessoais
para finalidade diversa daquela especificada quando da coleta, exceto
se houver anuência do titular ou autorização legal; e) o princípio da
segurança, que impõe a adoção dos mecanismos necessários a impedir
a perda, a destruição, a modificação, a divulgação ou o acesso não au·
torizado de dados pessoais; f) o princípio da transparência, que supõe
a publicidade da existência do banco de dados, de sua natureza e de seu
propósito, bem como da identidade e da localização de seu controlador;
g) o princípio da participação individual. que confere ao indivíduo O
direito de ser informado sobre a existência de dados a seu respeito,
bem como de contestá-los perante o controlador do banco de dados
e. sendo tal pretensão acolhida. eliminá-los, retificá-los. completá-los
ou emendá-los e h) o princípio da responsabilidade do controlador do
banco de dados pelo respeito aos princípios precedentes.4
Em 1976. Portugal foi o primeiro país a estabelecer em sua consti
tuição o direito fundamental à autodeterminação informativa (art. 35).~
4 ·OECD GUldehnes on lhe PrOlecllon of Pnvacy aand Transborder Flows of Personal Data" In
HTTP.!'M'VW,oecd.org,consultadoem 161212012.
5Reza aConstituiçào da República Portuguesa: Artigo 35. o- Utilização da informática - 1. Todosos cidadãos tem o dirello de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendoexigir a sua rectificação e actualizaçiio, eo direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos
termos da lei. Z A lei define o conceilo de dados pessoais, bem como aS condições aplicãveis
ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção.designadamente através de entidade admmlstrativa independente 3, A mfotrnática não pode
2241 HÁ UM DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL'
Consoante Catarina Castr
-se num feLxe de prerrog<
de nós não caminhe nu, dI
sociedade que sabe cada ve
a não viver num mundo c
transparente, por isso. de:
sentido negativo. Visto de:
indivíduo negue informaç
ou qualquer outro modo (
ximo da ideia americana,
às agressões do Estado e ti
mais. Longe de ser um IlH
outros indivíduos, que de\
seus dados pessoais, é umdeseja que paire sobre as in
como uma liberdade, COIr
dados pessoais. Assim. evíl
pies objecto de informaçõl
um poder positivo de disl
um poder de 3utotutela. dipermite ao cidadão 'preser
ser utilizada para Iratamento de diJI
partidária ou sindIcal, fê relrglosa, v,expresso do titular, autonzação preprocessamento de dados estatistlcc
a dados peSSoaiS de terceIros, saftatribuição de um número naCional ún
informáticas de uso público, defimnaeas formas adequadas de protecçào
por razões de interesse naCional, 7, O
protecção idenrica aprevista nos núr~ Cf, Castro, dI., p. 10-11.
>ais, aserem observados emia coleta, que impõe seja ele
d, com O conhecimento ou
princípio da qualidade dos
levantes para as finalidades
>s, completos e atualizados;
correlação entre o uso dos
ma coleta; d) o princípio da
ltilização de dados pessoais
1 quando da coleta. exceto
ão legal; e) o princípio da
;mos necessários a impedir
19ação ou o acesso não aua transparência, que supõe
JS, de sua natureza e de seu
.lização de seu controlador;
ue confere ao indivíduo o
1 de dados a seu respeito.
Jlador do banco de dados;, retificá-los, completá-los
Jilidade do controlador do
precedentes.·
I estabelecer em sua COIlSti·
ação informativa (art. 35).5
sborder Flows of Personal Data" in
Utilização da informática - ,. Todos
)S que lhes dIgam respeito, podendo
.,. a finalidade a que SI! desfltlam. nosbem como as condições aplICáveis
ti/ização, e garante a sua pl"otecção,'fldente 3. A Iflfcxmáttca não pode
Consoante Catarina Castro. "o direito consagrado no art. 35° traduz·
-se num feixe de prerrogativas que pretendem garantir que cada um
de nós não caminhe nu, desprovido de um manto de penumbra, numa
sociedade que sabe cada vez mais acerca de cada indivíduo. É um direito
a não viver num mundo com paredes de vidro. é Ulll direito a não ser
transparente. por isso, desenha-se como um direito de protecção, de
sentido negativo. Visto deste prisma. o direito em causa permite que o
indivíduo negue informação pessoal, se oponha à sua recolha, difusão.
ou qualquer outro modo de tratamento, este sentido. ainda está pró
ximo da ideia americana de 'privacy: enquanto direito de defesa face
às agressões do Estado e terceiros às suas informações pessoais. Mas é
mais. Longe de ser um mero direito contra intrusões do Estado ou de
outros indivíduos, que devem abster-se de proceder a tratamentos dos
seus dados pessoais, é um direito a decidir até onde vai a sombra que
deseja que paire sobre as informações que lhe respeitam, construindo~se
como uma liberdade, como um poder de determinar o uso dos seus
dados pessoais. Assim. evita-se que o indivíduo se transforme em 'sim
pies objecto de informações' também na medida em que se lhe atribui
um poder positivo de dispor sobre as suas informações pessoais, Le.,um poder de autotutela, de controlo, sobre os seus dados pessoais, que
permite ao cidadão 'preservar a sua própria identidade informática":6
ser utilizada para Ira/amento de dados referenles a convicções filosólicas ou políticas. lillaçãopamdána ou sindical. fé religiosa, vida privada e origem étnica. salvo mediante consentunento
expresso do titular. autorização prevista por lei com garanllas de não discriminação ou paraprocessamento de dados estatísticos não individualmente identilicávels. 4. t proibido o acesso
a dados pessoais de terceJros. salvo em casos excepcionaiS prevJstos na leI. 5. É proibida aa/ribulção de um número nacrona/ umco aos cidadãos. 6. A todos é garamIC10 livre acesso às redes
II'lformállCas de uso pub/fco. delimndo a leJ°regIme aplICável aos "uxos de dados transfrontetraseas formas adequadas de protecção de dados peSsoaIS e de outros cuJ8 salvaguarda SI!Jusflfique
pa razões de Iflteresse nacJ()(lal 7 Os dados pessoaiS COflstames de flChelros manuais gozam deprotecção IdffillCa ã PfeVlsla nos números anlerrores. nos lermos da leri Cf. caSlro. cil .• P 10-11
RICARDO VILLAS BOAS CUEVA 1225
Para Canotilho, o direito ao conhecimento dos dados pessoais
informatizados desdobra-se em vários direitos: "(a) o direito de acesso,
ou seja, o direito de conhecer os dados constantes de registros informáticos, quaisquer que eles sejam (públicos ou privados); (b) o direitoao conhecimento da identidade dos responsáveis, bem como o direito
aos esclarecimentos sobre a finalidade dos dados; (c) o direito de con
testação, ou seja, direito à rectificação dos dados e sobre identidadee endereço do responsável; (d) o direito de actualização (cujo escopofundamental é a correcção do conteúdo dos dados em caso de desactu
alização); (e) finalmente, o direito à eliminação dos dados cujo registroé interdito (dr. n° 3)':7
Este direito é um direito fundamental com conteúdo protetivo da
7 Canotilho, J.J. Gomes. Constituição da República Portuguesa anotada, vol. 1. São Paulo, AT,
1a Ed., 2007, p. 550 ss. Segundo o autor, "a operatividade de todos estes direitos exige que a
informatização de direitos pessoais obedeça a certos pnnCÍplos que a doutnna tem sublinhado:
(a) a publiCidade, isto é, conhecimento da crração e manutenção de registros mformáticos; (b)
jUstificação social, a criaçào e manutenção de ficheiros, bases de dados e bancos de dados
deve ter um objectivo geral e usos especificas socialmente aceites: (c) a transparência, ou seja,
a clareza dos registros, quanto às espécies ou categorias de Informação, quanto ao tempo de
tratamento. Equanto à identificação do responsável do ficheiro; (d) a especificação de finalidades,
ou seja. a finalidade da recolha e o processamento devem ser espeCificados logo no momento de
recolha; (e) a limitação da recolha, que deve ser feita por meios lícitos - conhecimento da pessoa
a que respeitam ou autorização legal - restringir-se aos dados necessários para as finalidade
especificadas (princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade); (f) princípio da
fidelidade, os dados devem exactos, completos e actuais; (g) a limitação da utilização, isto é, os
dados, uma vez recolhidos eprocessados, devem ser exclusivamente utilizados pnra n prossecução
dos finS previamente especificados; (11) as garantias de segurança, que impõem a adopção de
medidas tendentes a proteger e garantir dos dados contra perda, destruição e acesso de terceiros;
(i) a responsabilidade, que se traduz em imposição de especiais deveres legais e deontológiCOS
aos responsáveis pelos ficheiros; Ul principio da política de abertura, os ficheiros, bancos e bases
de dados devem garantir a transparência da acção administrativa, sobretudo quanto à clareza dos
registos, às espécies e categorias de dados recolhidos e tratados, à existência ou não de fluxos
de informação, ao tempo de tratamento e à identificação do responsável do ficheiro: (I) prinCÍpio
de limitação no tempo, os dados devem ser cancelados, uma vez obtidas as fmalidades a que se
propunham".
2261 HÁ UM DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL?
intimidade da vida privaI
uso de informações pessc
tes da utilização dessas indireito pode manifestar-setivamente, pode-se consi!
de informações pessoais.
proteção, que permite a SI
de normas jurídicas disccomo a criação e manutt
fim. No plano objetivo, o d"ao Estado a adopção de pterceiros"8.
Em 1983, a Corte Cc
nha, em julgamento de re.lei do recenseamento (Vali
um direito fundamental à
direitos fundamentais à di
da personalidade (arts. 1 I
Veja-se parte da eme
1. "Tendo em vistadados, a proteçãc
nagem, uso e tra
é abrangida pele
Art. 2 I GG C.c. oo poder do indi'
sobre a exibição2. As restrições d<
informação" são
8 Cf. Castro, cit, p.12.
nento dos dados pessoais)s: "(a) o direito de acesso,slantes de registros infor
ou privados); (b) o direito
áveis, bem como o direitoados; (c) o direito de con
dados e sobre identidade
actualização (cujo escopojados em caso de desactu
ão dos dados cujo registro
:om conteúdo protetivo da
eSJ anotada, vaI. 1, Sao Paulo, RI.
te todos estes direitos exige que a
lios que <l doutrina tem sublinhado:
'nção de registros mformáticos; (b)
Ises de dados e bancos de dados
Iceites; (c) a transparencia, ou seja,
e informação. quanto <10 tempo de
o: (d) a espeCificação de fln<llidades,
especificados logo no momento de
s lícitos - conhecimento da pessoa
dos necessários para as finalidade
I proporcionalidade): (f) principio da
a limitaçào da utilização, isto é, os
llenteutilizados para a prossecução
Jrança, que impõem a adopção de
la, destruição e acesso de terceiros:
mis deveres legais e deontológicos
ertura, os ficheiros, bancos e bases
tiva, sobretudo quanto à clareza dos
,dos, à existéncia ou não de fluxos
'esponsável do ficheiro: (I) principio
vez obtidas as finalidades a que se
intimidade da vida privada, que se reflete na liberdade de controlar o
uso de informações pessoais e de defender-se das agressões decorrentes da utilização dessas informações. Em sua dimensão subjetiva, essedireito pode manifestar-se tanto negativa quanto positivamente. Nega
tivamente, pode-se considerá-lo um direito de defesa contra o abusode informações pessoais. Em sua face positiva, cuida-se de direito de
proteção, que permite a seu titular exigir do Estado o estabelecimento
de normas jurídicas disciplinadoras do uso de ~ados pessoais, bemcomo a criação e manutenção de autoridade independente para esse
fim. No plano objetivo, o direito à autodeterminação informativa impõe
"ao Estado a adopção de providências de defesa contra agressões dessesterceiros"8.
Em 1983, a Corte Constitucional da República Federal da Alema
nha, em julgamento de reclamação acerca da inconstitucionalidade da
lei do recenseamento (Vo/ksziihlungsgesetz), reconheceu a existência deum direito fundamental à autodeterminação informativa a partir dos
direitos fundamentais à dignidade humana e ao livre desenvolvimento
da personalidade (arts. I I e 2 I da lei fundamental alemã),
Veja-se parte da ementa do julgado:
1. "Tendo em vista as condições do moderno processamento de
dados, a proteção do indivíduo contra levantamento, armaze
nagem, uso e transmissão irrestritos de seus dados pessoaisé abrangida pelo direito geral da personalidade previsto no
Art. 2 I GG cc, o Art. 1 I GG, O direito fundamental garanteo poder do indivíduo de decidir ele mesmo, em princípio,sobre a exibição e o uso de seus dados pessoais.
2, As restrições deste direito à "autodeterminação sobre a
informação" são permitidas somente em caso de interesse
8C!. Castro. cit" p.12.
RICARDO VILLAS BÓAS CUEVA I 227
predominante da coletividade. Tais restrições necessitam deuma base legal constitucional que deve atender ao mandamento da clareza normativa próprio do Estado de Direito. Olegislador deve, além disso, observar, em sua regulamentação, o princípio da proporcionalidade. Também deve tomarprecauções organizacionais e processuais que evitem o riscode uma violação do direito da personalidade.
3. No que tange às exigências constitucionais para essas restrições, deve-se distinguir entre dados pessoais que são levantados e manipulados individualmente, nào anonimamente, eaqueles que são destinados a objetivos estatisticos. No levantamento de dados para propósitos estatísticos não se podeexigir uma vinculação estrita e concreta do propósito dosdados. Mas dentro do sistema de informação devem existirbarreiras respectivas para compensação, em contraposiçãoao levanlamento e manipulação da informação",9
Veja-se, ainda, excerto da decisão:
Hoje, com ajuda do processamento elctrônico dc dados, informações delalha·
das sobre relações pessoais ou objcti\'as de uma pessoa dctcrminada ou deter
minável (...) podem ser, do ponto de vista lécnico, ilimiladamcnlearmazenados
e consultados a qualquer momento, a qualquer distância e em segundos, Além
disso, podem ser combinados, sobretudo na estruturação de sislemas de infor·
maçoio integrados, com outros bancos de dados, formando um quadro da per·
sonalidade relati\'amente compeleto ou quase, sem que a pessoa alingida possa
contro1;\r suficientemente sua exatidão e seu uso, Com isso, ampliaram-se, de
maneira alê então desconhecida, as possibilidades de consulta e influência
9 BVerfG 65, 1 In Leonardo Martins (org.), Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal alemão", Konrad Adenauer Stiftung, 2005, p. 234-235.
22B I HÁ UM OIRElTO AAUTOOETERMINACÃO INFORMATIVA NO BRASil?
que podem atuar sobre
psíquica causada pela F
autodeterminação indiv
moderna tccnologia de
garantida a liberdade d.
e, inclusive, a possibilid
Qucm não consegue de
sobre sua pessoa são cc
não consegue avaliar m.
comunicação, pode ser j
ou decidir com autodet
que a sustente, nas qua
em que ocasião se sabe
de autodeterminação n;
de comportamento dive
armazenadas, utilizadas
de tais comportamento!
senvolvimento individu:
autodeterminação é um.
democrática e livre, fur
cidadãos. Daí resuha: o I
as modernas condições
contra levantamento, ar:
dos pessoais. lo
Segundo Laura Menparticipativa muito maiorpois "a participação do cid:ser compreendida com lllT.
10 BVerfG 65.1. dI. Item la.
restrições necessitam dedeve atender ao mandao do Estado de Direito. O"ar, em sua regulamentaIde. Também deve tomar·ssuais que evitem o riscomalidade.Icionais para essas restris pessoais que são levande, não anonimamente, elOS estatísticos. No levanestatísticos não se pode
lllcreta do propósito dosnformação devem existirlsação, em contraposiçãoinformação".9
le dados, informações detalha
I pessoa determinada ou deter
). ilimitadamente armazenados
distãnci:l c em segundos. Além
ruturação de sistemaS de in for
, formando um quadro da per
em que a pessoa atingida possa
;0. Com isso, ampliaram-se, de
lades de consulta e influência
os de JUrisprudência do Tnbunal
J5.p.234-235
que podem alua r sobre o comportamento do indivíduo em função da pressão
psíquica causada pela participaçâo pública em suas informações privadas. A
autodeterminação individual pressupõe. porém - mesmo sob as condições d:l
moderna tecnologia de processamento de informação -, que ao individuo está
garantida :l liberdade de decisão sobre ações a serem procedidas ou omitidas
e, inclusive, a possibilidade de se comportar realmente conforme lal decisão.
Quem não consegue determinar com suficiente segurança quais informações
sobre sua pessoa são conhecidas em certas areas de seu meio social, e quem
não consegue avaliar mais ou menos O conhecimento de possíveis parceiros na
comunicação. pode Ser inibido substancialmente em sua liberdade de planejar
ou decidir com autodeterminação. Uma ordem social e uma ordem jurídica
que a sustente, nas quais cidadãos não sabem mais quem, o que, quando, e
elll que ocasião se sabe sobrc eles, não seriam mais compatíveis com o direito
de autodeterminação na informação. Quem estiver inseguro sobre se formas
de comportamentO divergentes são regislradas o tempo lodo e definitivamente
armazenadas, utilizadas ou transmitidas, tentarâ não chamar atenção através
de tais comportamentos. (...) Isso não prejudicaria apenas as chances de de
senvolvimento individual do cidadão, mas também o bem comum, porque a
autodeterminação é uma condição funcional elementar para uma comunidade
democrãtica e livre, fundada na capacidade de ação e participação de seus
cidadãos. Daí resulta: o livre desen\"Olvimento da personalidade pressupõe. sob
as modernas condições do processamento de dados. a proleção do individuo
contra levantamento, armazenagem, uso e transmissão irrestritos de seus da
dos pessoais. 10
Segundo Laura Mendes, a decisão alemã "reconheceu uma cargaparticipativa muito maior que a reconhecida em períodos anteriores",pois "a participação do cidadão no processamento de seus dados passa aser compreendida com um envolvimento contínuo em todo o processo,
10BVedG 65,1.Cl1..ltem la
RICARDO VILLAS OOAS CUEVA 1229
•
desde a coleta, o armazenamento c a transmissão e não apenas como a
opção entre tudo ou nada': A evolução verificada em relação ao conceito
privatista de privacidade ocorre, em primeiro lugar, ao compreender-se
a proteção à autodeterminaçào informativa como fenômeno não apenas
privado, mas também coletivo, já que, em certas circunstâncias. os danos
decorrentes da violação desse direito podem ser caracterizados como
difusos, a exigir mecanismos jurídicos de tutela coletiva. Em segundo.o direito à privacidade deixa de ter conteúdo apenas negativo - a capa
cidade de excluir terceiros de informações pessoais - e ganha conteúdo
positivo - a liberdade de o indivíduo decidir como, quando e onde seus
dados pessoais podem circular. Por fim, em virtude do desenvolvimen
to tecnológico, que enseja inúmeras oportunidades de discriminação
do indivíduo pelo Estado e por agentes econômicos, o novo conceito
de privacidade passa a associar-se também ao direito fundamental àigualdade.H
Vale observar que a corte constitucional alemã, na decisão sobre
o censo, não se manifestou sobre o alcance do direito fundamental à
autodeterminação informativa sobre as relações privadas, mas, segun
do a jurisprudência desse tribunal, os direitos fundamentais irradiam
efeitos mediaIos, ou horizontais, para as relações interpessoais entre
entes privados. Na prática, a questão dos efeitos horizontais do direito
fundamental à autodeterminação informativa pode suscitar conflito ou
colisão com outros direitos fundamentais, como o direito à proprie
dade, a liberdade de contratar ou a liberdade de exercício de trabalho
ou profissão. Por meio de um juízo de ponderação ou sopesamento.
poder-se-ia concluir que os empregadores e os bancos, por exemplo.
são legitimados a conhecer informações detalhadas, respectivamente.
sobre candidatos a empregos ou empréstimos. Se, contudo, as relações
11 Mendes. Laura Schertel, '0 direito fundamental à proteçao de dados pessoais" in Revista deDireito do Consumidor. vo/. 79. jul-2011, pp. 45 e ss.
230 IHÁ UM DIREITO ÀAUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASil'
entre os entes privados for
possível o LISO da pondera
regras aptos a solucionar aI
caso, poderíamos dizer emque, ao tratar dos bancos
internacionalmente aceito!
do, assim, proteção ao contempo em que possibililOlmaior agilidade e confiabil
Em 2000, a Carta de
definiu, em seu art. 8°, quedados de caráter pessoal ql
«devem ser objeto de um
consentimento da pessoa
timo previsto por lei", senl
de aceder aos dados coligi.
pectiva retificação': Por firr
fiscalização por parte de UI
Após os atentados d{
enormemente a preocupaç
diminuição no cuidado cc
à segurança, em sua di me
agrida a segurança do ind
ao Estado o dever de prate
que se traduz numa "ganm
tos, liberto de ameaças ou
tem, sob certas circullstân
outro lado, pode exigir, em
12 Cf. Tinnefeld, Marie-Thres. Emfüh1994.p.37.
issão e não apenas como aada em relação ao conceitoI lugar, ao compreender-se
)mo fenômeno não apenas
as circunstâncias, os danos1 ser caracterizados como
tela coletiva. Em segundo,
apenas negativo - a capa'ssoais - e ganha conteúdo
como, quando e onde seus
'irtude do desenvolvimen
nidades de discriminaçãonômicos, o novo conceitoao direito fundamental à
11 alemã, na decisão sobredo direito fundamental à
ões privadas, mas, segun
)S fundamentais irradiam
[ações interpessoais entreitos horizontais do direito
I pode suscitar conflito ou:omo O direito à proprie
~ de exercício de trabalho
deração ou sopesamento,os bancos, por exemplo,
alhadas, respectivamente,
s, Se, contudo, as relações
) de dados pessoais" in Revista de
entre os entes privados forem de tal modo assimétricas que tornem im
possível o uso da ponderação, cabe ao legislador desenhar modelos deregras aptos a solucionar adequadamente o conflito de interesses. Tal é ocaso, poderíamos dizer em relação à nossa realidade, do art. 43 do CDC,
que, ao tratar dos bancos de dados, incorporou alguns dos princípios
internacionalmente aceitos para a proteção de dados pessoais, garantin
do, assim, proteção ao consumidor contra eventuais abusos, ao mesmotempo em que possibilitou o liSO de cadastros destinados a emprestarmaior agilidade e confiabilidade aos negócios,12
Em 2000, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeiadefiniu, em seu art. 8°, que "todas as pessoas têm direito à proteção dos
dados de caráter pessoal que lhes digam respeito'~ Além disso, tais dados"devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com
consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legí
timo previsto por lei", sendo certo que "todas as pessoas têm o direitode aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a res
pectiva retificação". Por fim, O cumprimento dessas regras "fica sujeito a
fiscalização por parte de uma autoridade independente".
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, entretanto, cresceu
enormemente a preocupação com a segurança, o que pode levar a lima
diminuição no cuidado com a proteção dos dados pessoais. O direitoà segurança, em sua dimensão negativa, visa a impedir que o Estado
agrida a segurança do indivíduo, mas, em seu sentido positivo, impõe
ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ameaças de terceiros,que se traduz numa "garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões". O aparato repressivo do Estado
tem, sob certas circunstâncias, o poder-dever de agir. O cidadão, por
outro lado, pode exigir, em certos casos, a prestaçâo de segurança como
12 Cf. Tinnefeld, Marie-Thres. Einführung in das Datenschurzrecht Munique, Ed R. Dldenbourg.
1994,p.37.
RICARDO VILLAS BOAS CUEVA I 231
direito seu.
Trata-se. assim. de encontrar o justo equilíbrio ou a harmonia en
tre esses dois direitos fundamentais. Isso não poderá ser feito. contudo.
pelo sempre lembrado mecanismo da ponderação ou do sopesamentode valores. Se há aqui uma colisão ou connito entre esses dois direitos
fundamentais, não basta O estabelecimento de uma "hierarquia de di
reitos (que conduziria, pela sua relação especial COI11 o direito à vida
e à integridade física preferência pelo direito à segurança)': É preciso,em primeiro lugar. que o aparato de segurança do Estado seja de algum
modo controlável. Formalmente. essa accoulltability deve ser exercida
pelo Parlamento e/ou por algum órgão dotado de independência. Infor·
malmente, organizações não governamentais, assim como a imprensa,têm importante papel a desempenhar. Em segundo, a tutela jurisdicional
do direito à autodeterminação informativa éessência tanto para prevenirquanto para reparar o dano eventuahnente causado. Por fim, Catarina
Castro sugere que a utilização de dados pessoais para investigações po
liciais deverá ser pontual, quando se tratar de "prevenir perigo concreto
ou reprimir uma infração penal determinada. devendo limitar-se aos
dados necessários. Não deve ser possível estabelecer mecanismos decontrolo que vigiem. o tempo todo, toda a gente, independentemente
de sua categoria de 'suspeito": A autora assinala. ainda, a importância dese criarem instrumentos para a correção de informações inexatas e para
impedir que as informações detidas pelas autoridades policiais sejam
partilhadas somente entre elas, "e não entre quaisquer outras~ll
De todo modo, os novos tempos e os novos imperativos de segurança apenas evidendam que o direito à autodeterminação informativa,
como todo direito fundamental, nasce como direito de defesa peranteo Estado e como tal deve subsistir e desenvolver-se. Afinal, o medo
do Leviatã e os riscos do totalitarismo, tão presentes no momento da
13 Cf. Castro, Clt., p. 25-26.
232 I HÁ UM DIREITO ÀAUTOOETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL'
criação dos mecanismosna década de 1970. não fc
e voltam com redobrada
ameaças terroristas. o qupessoais contra intromissautodeterminação infofIT
na: os milhares de registre
os pedágios eletrônicos, ;cidades. os cartões de crémensagens de texto, bem
mediadas pela informátic
do de dados pessoais pod"pequenos irmãos'; cujo çhumana pode se igualar oEstado.
3. A PROTEÇÃO OOS DADOS P
o habeas data foi sdo texto constitucional ql
curso Ordinário em Habfque "o habeas data config
constitucional. que se desl
o exercício de pretensão jl
direito de acesso aos regi~
(c) direito de complement
acórdão Min. Celso de Mf
cido, à míngua de interesdestina-se a proteger dire
ção. Mas, tanto esse entenque só veio à luz em 199i
lilíbrio ou a harmonia enpoderá ser feito, contudo,
ração ou do sopesamenta
o entre esses dois direitosle uma "hierarquia de di:cial com o direito à vida
I à segurança)". É preciso,a do Estado seja de algum
ltabi/ity deve ser exercida
) de independência. Infor
, assim como a imprensa,111do, ti tutela jurisdicional,sência tanto para prevenir
ausado. Por fim, Catarina
,ais para investigações po"prevenir perigo concreto
a, devendo limitar-se aos
tabelecer mecanismos de:ente, independentemente_a, ainda, a importância de
formações inexatas e para
Itoridades policiais sejamuaisquer outras~ll
:wos imperativos de seguleterminação informativa,
direito de defesa perante
IOlver-se. Afinal, o medolresentes no momento da
criação dos mecanismos de garantia da autodeterminação informativa,
na década de 1970, não foram afastados; ao contrário, continuam atuaise voltam com redobrada força, mais uma vez sob o fundado receio de
ameaças terroristas, o que reforça a importância da proteção de dados
pessoais contra intromissões arbitrárias do Estado. Mas a atualidade daautodeterminação informativa também se vê facilmente na vida cotidia
na: os milhares de registros eletrônicos, desde as catracas automatizadas,
os pedágios eletrônicos, as câmaras que monitoram o movimento dascidades, os cartões de crédito, até os celulares, os aparelhos de GPS e as
mensagens de texto, bem como inúmeras outras transações diariamente
mediadas pela informática, deixam claro que o tratamento desmesurado de dados pessoais pode fomentar a criação de pequenos Leviatãs, de
"pequenos irmãos': cujo potencial ofensivo à vida privada e à dignidadehumana pode se igualar ali até mesmo exceder aquele representado pelo
Estado.
3. APROTEÇÃO OOS OAOOS PESSOAIS NO BRASIL
o habeas data foi saudado, em 1988, como importante inovaçãodo texto constitucional que então se aprovou. Em 1991, ao julgar o Re
curso Ordinário em Habeas Data, decidiu o Supremo Tribunal Federalque "o habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza
constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada,
o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a)
direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e(c) direito de complementação dos registros" (RHD 22-S/DF, reI. para o
acórdão Min. Celso de Mello). Embora o recurso nào tenha sido conhe
cido, à míngua de interesse de agir, ficou assentado que o habeas data
destina-se a proteger direitos materialmente assegurados na Constituição. Mas, tanto esse entendimento como a disciplina legal do instituto,
que só veio à luz em 1997, são invariavelmente criticados em doutrina
RICAflOOVlllAS BóAS CUfVA 1233
por seu viés formalista e por sua ineficácia. Luis Roberto Barroso, porexemplo, atribui-lhe valia "essencialmente simbólica': enquanto DalmoDallari refere-se a "uma ação voltada para o passado",u
Outra relevante inovação da Constituição de 1988 foi a tutelado sigilo de dados, cujo restrito âmbito de aplicação também tem sidoobjeto de polêmica. Vale também lembrar que o STF, ao julgar O HC83.168-1, reI. Min. Sepülveda Pertence, reafirmou seu entendimento de
que o que se protege no inciso XII do art. 5° da Constituição é a comunicação de dados, e não os dados em si mesmos.15 Tal interpretação
14 Cf., respectivamente. Barroso. luis Roberto, "Viagem redonda: habeas data. direitos
constitUCionais eprovas Ilícitas" in Wambier, Teresa Arruda Alvim (coord.). Habeas dala. São Paulo,Rr. 1998, p. 212 e Dallari, Dalmo de Abreu, "O habeas data no sistema jurídiCO brasileiro" In Revistade La Facultad de Derecho de La Pontificla Universldad Católica dei Perú, nO 51, 1997, p. 100
15 Acolheu-se. com ISSO, expressamente. a Interpretação defendida por TerclO sampaIO Ferraz
Jf.. "Em prlfT'lelro lugar; a expressão 'dados' manifesta uma cefta lffl(Xopnedade (BASTOS; GAN
DRA. 1989. p. 73). Os CItados autOfes reconhecem que pcx "dados· não se entende o objeto
de comunicação, mas uma modalIdade tecnolôglCa de comunICação. Clara. nesse sentIdo. a
observação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990, p. 38). - "Sigilo de dados, Odireito anterior
não fazia referência a essa hipótese. Ela vela a ser previsra. sem dÚVida. em decorrência do de·
senvolVlmento da mformática. Os dados aqUI Sào os dados InformárlCOS (v_ mcs. XtVe LXXII).·
A imerpretação faz sent,do. O slgrlo, no rnclSO XII do art 5°, está refendo â comunicação, noImeresse da defesa da privacidade Isso e ferro, no texto, em dots blocos: a ConstJfl.uçao fala emSIgilo "da correspondMcla edas comumcações telegráfICas, de dados edas comunICações relefónlCas." Note-se, para a caractenzação dos blocos, que a conjunção e uma correspondêncra comtelegrafia, segue~se uma vírgula e depois, a conjunção de dados com comUnicações tefefÓmcas.
Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente oque se regula ecomUnicação por correspondên
cia e telegrafia, comunICação de dados e telefãnica. O que fere a liberdade de omirir pensamentoé, pors, enrrar na comumcação alheia, fazendo com que o que deverl8 ficar entre SUJettos que se
comurucam pnvadamente ~sse ilegitimamente ao domlmo de um terceiro se alquem elabora
para SI um cadastro sobre cerlas pessoas, com Informações marcadas por avalrações negatrvas.
e o torna público, poderá estar cometendo drfamação. mas não quebra sigilo de dados. se eSles
dados, armazenados eletronicamente. são transmitidos, pnvadamenre, a um parceiro, em reJa
ções mercadológicas. para defesa do mercado. também não está havendo quebra de sigilo, Mas,
se alguém entra nessa transmissão como um terceIro Que nada tem a ver com a relação comunICatIVa, ou pcx ato PfÓfXio ou porque urna das partes lhe cede o acesso indevJdamente, estará
vIOlado o SIgilo de dados. A cflstmçao é dectsJVa. ° objeto prOlegKlo no diretto li N1vdabilidade
234 I HÁ UM DIREITO À AUTODETERMINACÃO INFORMATIVA NO BRASIL?
tem sido alvo de críticas,considerar a proteção de (partir de rígidas dassificaçseja sigiloso ou não, "sem t
pelo tratamento informatlevar em conta que o estecaráter contínuo, enorme~
insignificantes, as quais, eJde personalidade, "possibiO aplicador de considerarsua privacidade - ou tem
- não de forma direta, ptinformações pessoais em '
Por outro lado, o
proteção de dados pessoamantido hígidas as carac1dos cadastros de consumi
\samente à autodeterminaCódigo de Defesa do Coacesso a seus registros, l:sobre ele existente, além (
Assim é que, no ~
Aguiar, o STJ pacificou ode devedores aplica-se o
do sigIlo não são os dados em SI.
troca de ,n(Ofmaçôes (comunrcaç
à comunicação. Douuo modo,
legitimamente de dados mcnmmadever de denunciá-lo" (Sigilo de d
do Estado In Revista da FaculdadEIr. Doneda, Danilo, "A proteção d
Jurídico. Ed Unoesc. v 12, nO 2, lU
uis Roberto Barroso, por
lbólica': enquanto Dalmolssado':'4
ção de 1988 foi a tutela
licação também tem sido
le o STF, ao julgar o HC
nou seu entendimento de
, da Constituição é a co
:smos.15 Tal interpretação
redonda habeas data, direitos
n (coord.), Habeas data. São Paulo,
;tema juridlCO brasileiro" in Revista
ldeIPeru,no51,1997,p.100.
~ndida por Tercio Sampaio Ferraz
·ta impropriedade (BASTOS: GAN
"dados" não se entende o objeto
Jnicação. Clara, nesse sentido. a
"Sigilo de dados. Odireito anterior
'm dúvida, em decorrência do de
formá/icos (v. ines. XIV e LXXii)."
está referido à comunicação, no
?is blocos' ,1 Constituição fala em
'Jados edas comunicações telefô
lçâo e uma correspondência com
s com comunicações telefônicas.
;comunicação por correspondên
a liberdade de omitir pensamento
deveria frear entre SUjeitos Que se
e um terceiro. Se alguém elabora
arcadas por avaliações negativas,
) quebra sigilo de dados. Se estes
lamente. a um parceiro, em rela
tá havendo quebra de sigilo. Mas.
a tem a ver com a relação comu: o acesso indevidamente, estará
regido no direito à InViolabilidade
tem sido alvo de críticas. Danilo Doneda, por exemplo, sustenta que
considerar a proteção de dados pessoais de forma compartimentada, a
partir de rígidas classificações do que seja público ou privado, ou do que
seja sigiloso ou não, "sem considerar os riscos objetivos potencializados
pelo tratamento informatizado das informações pessoais", isto é, sem
levar em conta que o estado alual da tecnologia permite associar, em
caráter contínuo, enormes quantidades de informações aparentemente
insignificantes, as quais, em seu conjunto, ensejam.a formação de perfis
de personalidade, "possibilita a perigosa interpretação que pode eximir
o aplicador de considerar os casos nos quais uma pessoa é ofendida em
sua privacidade - ou tem outros direitos fundamentais desrespeitados
- não de forma direta, porém por meio da utilização abusiva de suasinformações pessoais em bancos de dados':16
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a
proteção de dados pessoais sob a ótica da legislação consumerista tem
mantido hígidas as características da disciplina dos bancos de dados e
dos cadaslros de consumidores, chegando mesmo a relacioná-la expres
Isamente à autodeterminação informativa, Como se sabe, o art. 43 do
Código de Defesa do Consumidor garante ao interessado o direito deacesso a seus registros, bem como o direito de corrigir a informação
sobre ele existente, além de conter regra de prescrição dos registros.
Assim é que, no REsp n° 22.337/RS, reI. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, o STj pacificou o entendimento de que aos cadastros negativos
de devedores aplica-se o disposto no art. 43, § l°, do CDC, seja no que
do sigilo não são os dados em si, mas a sua comunicação restringida (liberdade de negação). A
troca de informações (comunicação) privativa é Que não pode ser violada por sujeito estranho
à comunicação. Doutro modo. se alguém, não por razões profrssionais, ficasse sabendo
legitimamente de dados incflminadores relativos a uma pessoa, ficaria impedido de cumprir o seu
dever de denunclá·lo" (Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora
do Estado in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Sào Paulo, 1993, v. 88, p. 447).'6 Doneda, Danilo, "A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental" in Espaço
Jurídico. Ed. Unoesc, v. 12, nO 2, jul/dez 2011, pp.91-1 08.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA I 235
loca à limitação temporal dos registros negativos, que não podem exceder a 5 anos, seja no que tange à verdade da informação registrada. Emais: remeteu a tutela consumerista à matriz constitucional da proteçãoda intimidade e da vida privada (art. 5°, X, da CF). Como assinalado porLaura Mendes, "uma importante contribuição do acórdão é a percepçãoda vulnerabilidade do indivíduo em face do processamento de dadospessoais, ao afirmar que 'o cidadão objeto dessa indiscriminada colheitade informações, muitas vezes, sequer sabe da existência de tal atividade,ou não dispõe de eficazes meios para conhecer o seu resultado, retificá·-lo ou cancelá-lo: Ao identificar tal vulnerabilidade, o voto analisadoacaba por evidenciar as caracteríslicas desse novo direito à privacidade,necessárias para fazer frente aos desafios da sociedade atual. Sob essaótica, o direito à privacidade precisa assegurar: a) transparência do processamento de dados C..); b) conhecimento e acesso do titular aos dadosarmazenados; e c) possibilidade de correção e cancelamento de dados~l1
É certo, ainda, que no REsp n° 527.618/RS, 2a Seção, ReI. Min.
Cesar Asfor Rocha foram delineados critérios para proteção cautelarou antecipatória de tutela contra o registro de devedor em cadastronegativo:
A recente orientação da Segunda Seção desta Corte acerca dos juros remune
ratórios e da comissão de permanencia (REsp's ns. 271.214-RS, 407.097-RS,
420.111-RS), e a relativa frequêncía com que devedores de quantias elevadas
buscam, abusivamente, impedir o registro de seus nomes nos cadastros restri
tivos de credito só e só por terem ajuizado açào revisional de seus débitos, sem
nada pagar ou depositar, recomendam que esse impedimento deva ser aplicado
com C:lUtela, segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiarida
des de cada caso.
Para tanto, deve-se ter, necessária e collcomitantemente, a presença desses três
17 Cf. Mendes. Laura, Clt.
2361 HÁ UM DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASIL'
elementos: a) que haja;
integral ou pardal do dél
tação da cobrança indev
prudência consolidada d
de Justiça; c) que, sendc
valor referente â parte
prudente arbítrio do ma)
Já no REsp nO 1.168.
conhecida a existência de 1
a necessidade de consentiinformação pessoal a seu t
10. Com o desem·olvime
privacidade, sendo o co
todo o sistema de tutela
com exclusividade sobrl
imagem.
Por fim, no REsp 30tque "o contribuinte ou o ti
dade em relação aos seus (Mais recentemente,
trata do cadastro positivo,
bancos de dados e aos cadde acesso e do direito à corcoe, expressamente inclrobter o cancelamento do c:a conhecer os principais ellise de risco (art. 5°, IV); O
armazenamento, a identid
~ativos, que não podem eX4
da informação registrada. E
z constitucional da proteção
a CF). Como assinalado por
ão do acórdão é a percepção
lo processamento de dados
~ssa indiscriminada colheita
a existência de tal atividade,
cer o seu resultado, retificá
abilidade, o voto analisado
: novo direito à privacidade,
a sociedade atual. Sob essa
-ar: a} transparência do pro
~ acesso do titular aos dados
c cancelamento de dados':17
)18/RS, 23 Seção, ReI. Min.
rios para proteção cautelar
o de devedor em cadastro
Corte acerCl dos juros remune.
sp's ns. 271.214-R5. 407.097.R5,
. devedores de quantias elevadas
seus nomes nos cadastros restri
.0 revisional de seus débitos, sem
eimpedimento deva ser aplicado
liz, atendendo-se às pcculiarida-
mtemente, a presença desses tres
elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor conlestando a existênda
integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contes
taçâo da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em juris
prudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal
de justiça; c) quc, scndo a contcst;lç:io apenas de parte do débito, deposite o
valor referente 11 parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea. ao
prudente arbitrio do magistrado.
Já no REsp nO 1.168.547/RJ, reI. Min. Luiz Felipe Salomão, foi re
conhecida a existência de um novo conceito de privacidade, bem como
a necessidade de consentimento do interessado para a divulgação de
informação pessoal a seu respeito, C0l110 se vê da ement'l:
10. Com o desenvolvimento da tecnologia, p;lssa a existir um novo conceito de
privacidade. sendo o collsentimento do interessado O pOl1to de referência de
todo °sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor
com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direilO à
imagem.
Por fim, no REsp 306.570, reI. Min. Eliana Calmon, reconheceu-se
que "o contribuinte ou o titular da conta bancária tem direito à privaci
dade em relação aos seus dados pessoais':
Mais recentemente, a Lei nO 12.414, de 9 de junho de 2011, que
trata do cadastro positivo, ampliou O alcance das normas atinentes aos
bancos de dados c aos cadastros de consumidores, pois além do direito
de acesso e do direito à correção da informação, já previstos no art. 43 do
CDe, expressamente incluiu entre os direitos do cadastrado: o direito a
obter o cancelamento do cadastro quando solicitado (art. 5°, 1); o direito
a conhecer os principais elementos e critérios considerados para a aná
lise de risco (art. 5°, IV); O direito a ser informado previamente sobre o
armazenamento, a identidade do gestor do banco de dados, o objetivo
RICARDO VILLAS BOAS CUEVA 1237
do tratamento dos dados pessoais e os destinatários dos dados em casode compartilhamento (art. 5°, V); o direito de solicitar ao consulente a
revisão de decisão realizada exclusivamente por meios automatizados(art. 5°, VI) e o direito a ter os seus dados pessoais utilizados somentede acordo com a finalidade para a qual eles foram coletados (art 5",
VII). Com isso, nosso ordenamento passou a contar com proteção dedados pessoais - ainda que somente para efeito de cadastro positivo decrédito - mais afinada com os princípios internacionalmente aceitos,
Não se pode esquecer que a Lei n° 12.527, de 18 de novembrode 2011, inovou ao disciplinar o acesso a informações públicas previstono inciso XXXIII do art. 5°, no inciso 11 do § 3° do art. 37 e no § 2° doart. 216 da Constituição. O novo diploma assegura o direito de acessoà informação "primária, íntegra, autêntica e atualizada" (art. 7°, IV) e o
direito à interposição de recurso em caso de negativa de acesso (art. 15e ss.), disciplina as restrições de acesso à informação com regras clarasquanto à classificação, reclassificação e desclaSSificação do sigilo (art. 21
e ss.), disciplina o acesso por terceiros e a divulgação de informaçõespessoais, sujeitos ao consentimento do interessado (art. 31), cria regrasde responsabilidade pela gestão das informações (arts, 33 e 34), institui
comissão para reavaliar informações (art. 35) e prevê a designação deórgão da administração pública federal responsável pelo monitoramento da aplicação da lei e pelo encaminhamento de relatório anualao Congresso sobre a implementação da lei. Nota-se aqUi um louvávelesforço no sentido de unificar, para todos os poderes e todos os entes dafederação, a disciplina jurídica do acesso a informações públicas, inclusive as de caráter pessoal, sob a égide de alguns dos princípios aplicáveisinternacionalmente ao tratamento de informações. Observa-se tambémque a norma que prevê a designação de responsável pelo cumprimentoda lei de acesso a informações, ainda que não preencha os requisitos paratanto, pode ser o primeiro e importanle estágio no sentido da criaçãode um tipo de autoridade independente encarregada de supervisionar
2381 HÁ UM DIREITO ÀAUTODETERMINAÇÀO INFORMATIVA NO BRASIL?
não somente o acesso a ifuturo que se espera nãc
dos dados pessoais e da aAinda há, contudo
cristalize, entre nós, o c
reconhecimento como di
para tanto, assim como apessoais que suprisse as (de: critérios que deverian
ser cadastrada, seu contee subjetivos para a expl(fiscalizador, a responsabdastramento e uso indeviincorretas ou inexatas e p
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proteção da esfeassociada à proteção dodaquilo que constitui o (concêntricos, em razão dcia" da personalidade deção jurídica da intimidaIvista como um bem juríca exclusão de terceiros, acujo traço distintivo é pcdeterminado bem por qu
18 Laeber, Márcio Rafael da Silva,
informativa" in Revista de Direito B<p.59-80.
Itários dos dados em caso~ solicitar ao consulente apor meios automatizados
'ssoais utilizados somenteforam coletados (art. 5°,
I contar com proteção de
to de cadastro positivo de·nacionalmente aceitos.
.527, de 18 de novembro
rmações públicas previsto
3° do art. 37 e no § 2° do;egura o direito de acessotualizada" (art. 7°, IV) e o
legativa de acesso (art. 15
nnação com regras claras.sificação do sigilo (art. 21
ivulgação de informações,sado (art. 31), cria regras
ões (arts. 33 e 34), institui
) e prevê a designação de
ponsável pelo lllonitoramenta de relatório anual
Nota-se aqui um louvável
aderes e todos os entes daormnçães públicas, inclus dos princípios aplicáveis
ções. Observa-se também
nsáve1 pelo cumprimentoreencha os requisitos paragio no sentido da criação
lrregada de supervisionar
não somente o acesso a informações públicas (e privadas), como, num
futuro que se espera não muito distante, toda a atividade de proteçãodos dados pessoais e da autodeterminação informativa.
Ainda há, contudo, um longo caminho a percorrer para que secristalize, entre nós, o direito à autodeterminação informativa, Seu
reconhecimento como direito fundamental seria, obviamente, decisivo
para tanto, assim como a edição de lei nacional de proteção dos dadospessoais que suprisse as omissões hoje existentes,_ como "a inexistência
de: critérios que deveriam nortear a espécie de informação que poderia
ser cadastrada, seu conteúdo e limites, a fixação de requisitos objetivose subjetivos para a exploração de tais atividades; a criação de órgão
fiscalizador, a responsabilidade civil, administrativa e penal pelo cadastramento e uso indevido dos dados, pela divulgação da informaçõesincorretas ou inexatas e pelo desvio de finalidade dos cadastros",18
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proteção da esfera íntima dos indivíduos é tradicionalmente
associada à proteção do mais recôndito, do mais sagrado e secreto,
daqUilo que constitui o cerne do indivíduo e se expande em círculosconcêntricos, em razão de sua importância na preservação da "essência" da personalidade de cada qual. Daí que frequentemente a prote~
ção jurídica da intimidade revela forte viés privatista: a intimidade évista como um bem jurídico a ser apropriado por poucos, a permitira exclusão de terceiros, assim como se dá com a propriedade privada,cujo traço distintivo é possibilidade de impedir o uso ou a fruição de
determinado bem por qualquer um que não esteja autorizado por seu
18 Laeber, Márcio Rafael da Silva, "Proteção de dados pessoais o direito à autodeterminação
informativa" in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, ano 10, vaI. 37, jul-setI2007.
p.59-80.
RICARDO VILLAS BOAS CUEVA I 239
titular. O caráter exclusivo e excludente da intimidade, que permiteassociá-Ia a um direito a excluir terceiros, tem, assim, inequivocamente,
um sentido negativo: os bens personalíssimos a proteger são a honrae os segredos, estes normalmente guardados em meios físicos, como acasa, o escritório, o telefone, a correspondência. Mas a tutela jurídicada intimidade tem também um sentido induvidosamente positivo: o
que se protege é a liberdade, a dignidade humana e a possibilidade dedesenvolvimento autônomo da personalidade. A crise dos conceitos deintimidade e privacidade dn·se, então, pelo fato de que a proteção dodireito à discríção, ao anonimato e à solidão ou a ser deixado só não
mais atendem às demandas da sociedade tecnológica contemporânea.Nela, a informação passa a ter importància autônoma e a ser matéria-prima da informática, de modo que a circulação cada vez mais inlensae mais célere de dados sobre os cidadãos, para os mais variados fins ecom consequências as mais diversas, acaba por permitir interferênciasno desenvolvimento da personalidade e nas possibilidades existenciaisdos cidadãos. Tome-se, por exemplo, o registro médico de uma pessoa eserá fácil perceber como a divulgação de informações, frequentementeincompletas e errõneas, sobre doenças, internações, cirurgias ou con·dições genéticas pode tolher as possibilidades de obtenção de empregoem certas atividades ou de contratação de seguro-saúde. A possibilidadede controle total dos cidadãos, que até alguns anos podia ser vista comodistopia meramente fictícia, como "1984': de George Orwell, ganhaagora nova plausibilidade. Por isso passou a ser importante, com raiz nadogmática e na jurisprudência acerca da proteção jurídica da intimidade, construir uma disciplina da tutela do direito de autodeterminaçãoinfonnacional.
No Brasil, a Constituição de 1988 tutela a intimidade e a vidaprivada, o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas.de dados e das comunicações telefônicas (art. 50, X e XII) e assegura aconcessão de habeas data (art. 5°, LXIX e LXXII). Além disso, o Código
240 IHÁ UM DIREITO ÀAUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NO BRASll'
de Defesa do Consumid(dados e cadastros de con
cadastro positivo c a Lei:públicas. Há, portanto, ai!tada aplicabilidade da leirestritiva do Supremo Tril
de dados, bem como a alção de dados pessoais suodoutrinário, legislativo e
como se impõe ante as Cf
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de George Orwell, ganhaer importante, com raiz nateção jurídica da intimidareito de autodeterminação
:ela a intimidade e a vida:omunicações telegráficas,t. 5", X e XII) e assegura a
XII). Além disso, o Código
de Defesa do Consumidor contém regras específicas sobre bancos de
dados e cadastros de consumidores, a Lei nO 12.414/2011 disciplina ocadastro positivo e a Lei n° 12.527/2011 regula o acesso a informações
públicas. Há, portanto, alguma proteção aos dados pessoais. Mas a limi
tada aplicabilidade da lei consumerista, neste aspecto, a jurisprudênciarestritiva do Supremo Tribunal Federal acerca do habeas data e do sigilo
de dados, bem como a ausência de princípios claros a nortear a prote
ção de dados pessoais sugerem que ainda há muito a fazer nos planosdoutrinário, legislativo e jurisprudencial para que se afirme no Brasil,
como se impõe ante as crescentes ameaças à privacidade e à dignidade
humana, o direito à autodeterminaçâo informativa.
RICARDOVlLLASBÕASCUEVA 1241