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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO MIRELLE CABRAL WISBECK ITAJAÍ, NOVEMBRO DE 2.008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO

MIRELLE CABRAL WISBECK

ITAJAÍ, NOVEMBRO DE 2.008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO

MIRELLE CABRAL WISBECK

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora MSc. Ana Lúcia Pedroni

ITAJAÍ, NOVEMBRO DE 2.008

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iii

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Helmuth Wisbeck e Sandra Mara Cabral Wisbeck, pelo grande amor e nunca

esmorecido incentivo;

Ao meu namorado Diogo Sodré Krieger, pelo estímulo e compreensão pelas horas

que nos subtraímos em razão do Curso;

Ao escritório Ferrari, de Amorim & Advogados Associados (Drs. Surançá Ferrari de

Amorim, Luciano Schauffert de Amorim, Luiz Francisco Karam Leoni, Eduardo Zaguini de

Sousa, Franciane Santos, Dennyson Ferlin e, o meu grande e mais presente Orientador, Cláudio

Silva Malheiros) – onde, em razão de um aprendizado realmente profícuo, fui – na condição

de estagiária – iniciada na praxis do Direito;

À Professora MSc. Ana Lúcia Pedroni, que com tanta erudição guiou-me nesta

pesquisa;

A Deus – o Ens Necessarium – fonte primeira da

Justiça.

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iv

DEDICATÓRIA

Dedico esta conquista ao meu pai e grande mestre das letras Helmuth Wisbeck, homem de sábios ensinamentos e extensa cultura, homem que tanto admiro, sempre tendo me orientado a trilhar com honestidade e dignidade as estradas

da existência.

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v

Todas as famílias felizes se parecem

entre si; as infelizes são infelizes cada

uma à sua maneira.

Leão Tolstói1

1 TOLSTÓI, Leão. Ana Karênina . Trad. de João Gaspar Simões. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1971. p.13.

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vi

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 07 de novembro de 2.008

Mirelle Cabral Wisbeck Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Mirelle Cabral Wisbeck, sob o

título A Guarda Compartilhada no Direito Brasileiro, foi submetida em ____ de

______________ de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: ____________________________________________, e aprovada

com a nota ____ (__________).

Itajaí, 07 de novembro de 2.008

MSc. Ana Lúcia Pedroni Orientadora e Presidente da Banca

Antonio Lapa Coordenação da Monografia

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viii

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART Artigo

CC Código Civil Brasileiro de 2002

CEJURPS Centro de Ciências Jurídicas e Sociais

CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

LD Lei do Divórcio

Nº Número

TJ Tribunal de Justiça

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

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ix

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adolescente

“(...) aquela entre doze e dezoito anos de idade”, conforme disciplina o artigo 2º

do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº. 8.069/90).2

Aninhamento

Aninhamento ou nidação “é um tipo de guarda raro, no qual os pais se revezam,

mudando para a casa onde vivem as crianças, em períodos alternados de

tempo”.3

Casamento

“O ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre,

sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de

vida”. 4

Criança

“Considera-se criança (...) a pessoa até doze anos de idade incompletos (...)”,

conforme disciplina o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

(Lei nº. 8.069/90).5

Família

“Entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios

da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a

arquitetura da própria história através dos tempos”.6

2 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 . Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. 3 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . p. 32. 5 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 . Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências.

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x

Guarda

“Guarda de filhos é o poder-dever submetido a um regime jurídico legal, de modo

a facilitar a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo

daquele que a lei considerar nessa condição”.7

Guarda Alternada

“(...) caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho

alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um

mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a

dia, e, conseqüentemente, durante este período de tempo deter, de forma

exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder parental”.8

Guarda Compartilhada

É aquela que “(...) permite aos filhos viverem em estreita relação com o pai e a

mãe, havendo uma co-participação deles, em igualdade de direitos e deveres”.9

Guarda Dividida

“Quando o menor vive em um lar fixo, determinado, recebendo a visita periódica

do pai ou da mãe que não detém a guarda”.10

Guarda Unilateral

Guarda única, exclusiva, unilateral, também comumente chamada de “tradicional”,

conferida apenas a um dos genitores, o qual figura como detentor da “guarda

física”, “que é a de quem possui a proximidade diária do filho, e a ‘guarda jurídica’,

que é a de quem dirige e decide as questões que envolvem o menor”.11

Poder Familiar

6 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução . In Revista Brasileira de Direito de Família. p. 7. 7 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos . p. 31. 8 AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Do casamento ao divórcio . p. 168. 9 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64. 10 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64. 11 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada. p. 61.

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xi

“Conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e bens

dos filhos não emancipados tendo em vista a proteção destes”.12

Separação Judicial Consensual

“A Separação Judicial Consensual é aquela que se processa pelo mútuo

consentimento dos cônjuges, que juntos e de comum acordo constatam que, uma

vez fracassado o Casamento, devem pôr fim à Sociedade Conjugal, e, para tanto,

convencionam as cláusulas e condições que o desejam”.13

Separação Judicial Litigiosa

É aquela que se processa por um dos cônjuges em desfavor do outro, devendo

esse demonstrar a conduta desonrosa, ou até mesmo o descumprimento dos

deveres do casamento para comprovar a culpa do outro cônjuge, elencando

motivos que assinalam a impossibilidade da vida em comum.14

União Estável

“Nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para a

constituição de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação”15.

12 RODRIGUES, Sílvio. Direito de família. p. 354. 13 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 114-115. 14 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 119. 15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 164.

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SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................... XIV

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ........................................ .............................................. 5

A CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA ATRAVÉS DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL E O PODER FAMILIAR .................. ...................... 5 1.1 FAMÍLIA ....................................... ..................................................................... 5 1.1.1 BREVE RELATO SOBRE A ORIGEM DA FAMÍLIA .................................................... 5 1.1.2 CONCEITO ATUAL DE FAMÍLIA ......................................................................... 10 1.2 PODER FAMILIAR ................................ ......................................................... 12 1.2.1 VISÃO HISTÓRICA ........................................................................................... 12 1.2.2 CONCEITO ...................................................................................................... 15 1.2.3 TITULARIDADE , EXERCÍCIO E OBRIGAÇÃO DOS PAIS .......................................... 16 1.2.4 SUSPENSÃO, PERDA E EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR ..................................... 19 1.3 DO CASAMENTO .................................. ......................................................... 23 1.3.1 CONCEITUAÇÃO E FINALIDADES DO CASAMENTO .............................................. 23 1.3.2 EFEITOS: SOCIAIS, PESSOAIS E PATRIMONIAIS ................................................. 26 1.4 DA UNIÃO ESTÁVEL .............................. ....................................................... 28 1.4.1 REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ................................. 28 1.4.2 CONCEITO ...................................................................................................... 30 1.4.3 EFEITOS ......................................................................................................... 30

CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 33

A GUARDA DOS FILHOS NA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL ................................. ..................................... 33 2.1 CONCEITO DE GUARDA ............................ ................................................... 33 2.2 ESPÉCIES DE GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO ...... ............................. 35 2.3 DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO ....................... ........................................... 37 2.3.1 DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO E DA SOCIEDADE CONJUGAL : PRINCIPAL DIFERENÇA 37 2.3.2 SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL ............................................................... 40 2.3.2.1 Necessidade de Regulamentação da Guarda e d o Direito de Visitas dos Filhos ........................................ .................................................................... 42 2.3.3 SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA ..................................................................... 45 2.3.3.1 Critérios Norteadores para Fixação da Guard a e do Direito de Visitas dos Filhos ........................................ .................................................................... 48 2.3.4 EFEITOS DA SEPARAÇÃO JUDICIAL .................................................................. 51 2.3.5 DIVÓRCIO CONSENSUAL E LITIGIOSO ............................................................... 57 2.3.5.1 Efeitos Jurídicos ......................... ............................................................ 59 2.3.5.2 A Guarda e Responsabilidade dos Filhos .... ......................................... 61

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xiii

CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................ 63

A GUARDA COMPARTILHADA E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DOS FILHOS ............................................................... 63 3.1 GUARDA COMPARTILHADA: ORIGEM .................. ..................................... 63 3.1.1 BREVES NOTÍCIAS DA GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO ESTRANGEIRO ..... 64 3.2 CONCEITUAÇÃO .................................. ......................................................... 68 3.3 O SENTIDO DO COMPARTILHAMENTO ................. ..................................... 69 3.4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A INSTITUIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO ................................ ........................................................ 70 3.5 O DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR ............. ....................................... 75 3.6 A GUARDA COMPARTILHADA FIXADA EM SENTENÇA JUDIC IAL ......... 80 3.6.1 REQUISITOS E EFEITOS ........................................................................... 81 3.7 A GUARDA COMPARTILHADA NA VISÃO DOS TRIBUNAIS . .................... 83 3.8 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHAD A ........ 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 91

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ..................... 97

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RESUMO

O presente trabalho é resultado de um estudo realizado na

legislação, doutrina e jurisprudência, sobre a Guarda Compartilhada no Direito

Brasileiro, objetivando fazer uma abordagem crítica acerca do exercício conjunto

do poder familiar por pai e mãe que não mais convivem, conjugalmente, em

comparação às demais modalidades legais de guarda possibilitadas pela

legislação. O método, utilizado para realização da pesquisa, foi o Indutivo, através

do qual, no primeiro capítulo, efetuou-se um estudo sobre a família e sua

constituição através do casamento e da união estável, abordando-se suas origens

e aspectos históricos, bem como quanto à definição, titularidade, exercício e

destituição do Poder Familiar dos pais sobre os filhos menores. No segundo

capítulo, buscou-se abordar a respeito da guarda e suas modalidades admitidas

na legislação pátria, seus efeitos na dissolução do casamento e da união estável,

os requisitos fundamentais para sua fixação e o estabelecimento do direito de

visitas, tanto nas modalidades de separação e divórcio consensual, quanto

litigioso. O terceiro e último capítulo, destinou-se a um estudo mais apurado a

respeito do instituto da Guarda Compartilhada, contemplado, efetivamente, pelos

artigos 1583 e 1584 do Código Civil (alterados por injunção da Lei nº. 11.698/08),

trazendo informações sobre sua origem e definição, e, fazendo-se um breve

estudo da legislação estrangeira. Procurou-se pontuar o sentido do

compartilhamento e o direito à convivência familiar no exercício da guarda, bem

como o atendimento ao princípio do melhor interesse, sempre visando o bem-

estar da criança e do adolescente. Abordou-se, por fim, a respeito da

incorporação da Guarda Compartilhada em nosso aparelho legal como mais uma

conquista do Direito Moderno, inserindo-se em nosso contexto jurídico como um

aprimoramento de disposições anteriores, visando tratar a respeito de suas

vantagens e desvantagens, seus requisitos e efeitos quando de sua fixação em

sentença judicial, bem como o entendimento dos nossos Tribunais.

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1

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como Objeto16 a Guarda

Compartilhada no Direito brasileiro, e, como Objetivos17: institucional, produzir

uma Monografia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, pesquisar acerca da

Guarda Compartilhada no Direito Brasileiro; específicos, realizar um estudo

histórico sobre o surgimento da família e sua constituição através do casamento e

da união estável, bem como quanto ao Poder Familiar dos pais sobre os filhos

menores; fazer uma rápida abordagem sobre a guarda e suas modalidades

admitidas na legislação pátria, seus efeitos na dissolução do casamento e da

união estável, e refletir criticamente sobre a Guarda Compartilhada como a

solução ideal por fundar-se estritamente na manutenção da convivência dos filhos

com os pais que não mais estão unidos pelo laço conjugal ou união estável.

O Método18 investigatório adotado para efetuar a pesquisa

relativa ao tema foi o Indutivo19, operacionalizado com as técnicas20 da

Categoria21, do Conceito Operacional22, do Referente23 e dos Fichamentos

16 “Objeto é o motivo temático (ou a causa congnitiva, vale dizer, o conhecimento que se deseja suprir e/ou aprofundar) determinador da realização da investigação”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.77. 17 “Objetivo é a meta que se deseja alcançar como desiderato da Pesquisa”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.77. 18 “Método: é a base lógica da dinâmica da pesquisa Científica, ou seja, é a forma lógico-comportamental-investigatória na qual se baseia o pesquisador para buscar os resultados que pretende alcançar”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.104. 19 (...) pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral: este é o denominado Método Indutivo. 20 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações, reunidas e acionadas em forma instrumental, para realizar operações intelectuais ou ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas de pesquisa”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.107. 21 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou a expressão de uma idéia”. ”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.40. 22 “Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.56. 23 “Referente é a explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente

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2

Temáticos24, relativos à pesquisa bibliográfica.

O produto científico, ora apresentado, divide-se em três

capítulos; no primeiro abordar-se-á a origem e evolução histórica da família, sua

conceituação e constituição através do casamento e da união estável, bem como,

acerca da definição, titularidade, exercício e destituição do poder familiar dos pais

em relação aos filhos.

No segundo capítulo, realizar-se-á um estudo sobre as

formas de guarda dos filhos e seus efeitos na dissolução do casamento e da

união estável, os critérios essenciais para sua fixação e o estabelecimento do

direito de visitas, nas modalidades de separação e divórcio consensual e litigioso.

Tratar-se-á no terceiro capítulo, sobre a Guarda

Compartilhada no Direito Brasileiro, sua importância e finalidade, especialmente,

tendo como escopo, o princípio do melhor interesse dos filhos e a instituição desta

nova modalidade de guarda no Código Civil, elucidando que a convivência com

ambos os pais é um direito inalienável do menor.

Demonstrar-se-á a importância que a Guarda Compartilhada

tem no desenvolvimento e formação dos filhos diante do desempenho integral de

ambos os pais no exercício do poder familiar, sobretudo, favorecendo os laços de

afeto e contato entre estes e seus filhos mesmo após a ruptura conjugal.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram criados

os seguintes problemas:

1- Quais os meios legais que asseguram a proteção dos

filhos, quando ocorre a dissolução da união dos pais?

2- Os modelos de guarda e responsabilidade, antes do

advento da guarda compartilhada, amparados pela legislação brasileira, atendem

para uma Pesquisa”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa Jurídica – Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.69. 24 Conceito p. 147.

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3

ao princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, filhos de casais

separados?

3 - Partindo-se da premissa de que aos filhos de casais

separados deve ser assegurado o direito de continuarem convivendo com ambos

os pais, qual modelo de guarda capaz de garantir o exercício desse direito?

Em resposta aos problemas, foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1 - Os meios legais que asseguram a proteção dos filhos na

hipótese de desfazimento da sociedade ou vínculo matrimonial dos pais

encontram-se disciplinados no Código Civil, em seus artigos 1.583 a 1.590, que

estatui as normas sobre a guarda unilateral ou compartilhada dos filhos –

disposições que se interconectam com os artigos 9º, 10º e seus parágrafos e 13

da Lei do Divórcio (Lei nº. 6.515/77); artigos 33 a 35 do Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei nº. 8.069/90) e artigos 227 e 229 da Carta Magna de 1988, todos

visando a proteção integral e melhor interesse do menor.

2 - Até o advento da alteração dos artigos 1.583 e 1.584 do

Código Civil pela Lei nº. 11.698/08, de 13/06/2008 os modelos de guarda não

atendiam ao princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, filhos de

casais separados, pois não contemplavam uma convivência continuada entre os

filhos e o genitor não guardião – com todo o elenco de conseqüências deletérias

(psicológicas e da maturação em sentido amplo) incidentes sobre os menores em

formação.

3 - O modelo de guarda capaz de garantir o exercício do

direito dos filhos menores em continuarem convivendo com ambos os pais, é a

Guarda Compartilhada, uma vez que sua instituição tem como horizonte

exatamente assegurar esse direito. Direito que porta em seu bojo a possibilidade

de tornar factível um desenvolvimento – psicológico, parental e social –

incomparavelmente mais frutífero do que o que se obteria com a retrógrada

“guarda única”.

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4

As categorias, consideradas estratégicas para elaboração do

presente trabalho, encontram-se indicadas em rol separado do texto, aparecendo

no desenvolver do texto com a primeira letra maiúscula.

Por último, apresentar-se-ão as considerações finais, nas

quais se fará breve síntese de cada capítulo, buscando demonstrar se as

hipóteses básicas da pesquisa foram confirmadas. Na seqüência, serão indicadas

as referências bibliográficas utilizadas.

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CAPÍTULO 1

A CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA ATRAVÉS DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL E O PODER FAMILIAR

1.1 FAMÍLIA

1.1.1 BREVE RELATO SOBRE A ORIGEM DA FAMÍLIA

A respeito da família como a primeira das sociedades, Jean-

Jacques Rousseau25 já lecionava o seguinte:

A mais antiga de todas as sociedades, e única natural, é a da

família; ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele

necessitam para a própria conservação. Desde que tal

necessidade cessa, desfaz-se o liame natural. Os filhos, isentos

da obediência que devem ao pai, e este, isento dos cuidados que

deve aos filhos, voltam todos a ser igualmente independentes. Se

continuam unidos, já não é natural, mas voluntariamente, e a

própria família só se mantém por convenção.

Segundo a teoria de Friedrich Engels26, há diversas formas

de constituição da família e do parentesco na pré-história da humanidade, em

suas três principais épocas, quais sejam: estado selvagem27, barbárie28 e

civilização29. Salienta o autor que “todas as grandes épocas do progresso da

25 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito políti co . p. 55. 26 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado . p. 22. 27 “Período em que predomina a apropriação de produtos da natureza, prontos para serem utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo, destinadas a facilitar essa apropriação”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado . p. 28. 28 “Período em que aparecem a criação de gado e a agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio de trabalho humano”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado . p. 28. 29 “Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria propriamente dita e da arte”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado . p. 28.

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humanidade coincidem, de modo mais ou menos direto, com as épocas em que

se ampliam as fontes de existência”.

Ainda, para Friedrich Engels30, a denominada “família

consangüínea”31 é derivada do “estado primitivo da promiscuidade”,

posteriormente dando origem à chamada “família punaluana”32, depois à “família

sindiásmica” 33, e, por fim, à “família monogâmica”34.

De acordo com Fustel de Coulanges35, a família antiga tinha

como “principal elemento constitutivo” a religião, não a geração e, tampouco, o

afeto natural. Destaca-se:

O que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso

que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse poder se

encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com

que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida.

Segundo Fustel de Coulanges36, a religião conferiu à

instância social da família os preceitos essenciais para a sua constituição, isto é,

a família era uma coletividade de entes humanos enfeixada simbolicamente pelo

mesmo culto ao fogo doméstico, instituindo rituais mortuários aos ancestrais

comuns.

30 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado . p. 37-66. 31 “A família consangüínea, a primeira etapa da família. Nela, os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si; o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães; os filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros, o quarto círculo”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado . p. 37-38. 32 “A família punaluana. Se o primeiro progresso na organização da família consistiu em excluir os pais e filhos das relações sexuais recíprocas, o segundo foi a exclusão dos irmãos”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado . p. 39. 33 “A família sindiásmica. No regime de matrimônio por grupos, ou talvez antes, já se formavam uniões por pares, de duração mais ou menos longa; o homem tinha uma mulher principal (ainda não se pode dizer que fosse uma favorita) entre suas numerosas esposas, e era para ela o esposo principal entre todos os outros”. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado . p. 48. 34 “A família monogâmica. (...) Baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai. In: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado . p. 66. 35 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 45. 36 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 46.

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Desta forma, na Antigüidade, para a civilização greco-

romana, da religião doméstica resultavam as normas do poder do chefe da

família, conforme se destaca das lições de Fustel de Coulanges37:

Devemos notar também que a autoridade paterna nunca foi um

poder arbitrário, como seria se derivasse do direito mais forte.

Tinha a sua origem nas crenças arraigadas no fundo das almas, e

tinha, no seio dessas mesmas crenças, os seus limites. (...) Deste

modo, a religião impunha ao pai tanto obrigações como direitos.

A organização do casamento sob a égide do patriarca e a

forma de família que predominava na antiga Roma eram marcadamente

interligadas, na visão de Eduardo de Oliveira Leite38 “a noção clara ao

patriarcalismo, de certeza genética, fica assegurada pelo casamento legítimo,

pela união da mulher a um homem só (casamento monogâmico) e pela sanção a

qualquer tentativa de adultério”.

O pai, na condição de chefe da família, era quem detinha

poder sobre os filhos, haja vista a mãe ser igualmente submetida à tutela do

esposo. Assim, no entendimento de Fustel de Coulanges39:

O direito grego, o direito romano e o hindu, originados dessas

crenças religiosas, concordam em considerar a mulher como

menor. Nunca ela pode ter um lar para si, nunca será chefe do

culto. (...) Não tendo lar que lhe pertença, nada possui que lhe dê

autoridade na casa. Nunca dá ordens, nem mesmo é livre, nem

senhora de si própria, sui juris. Está sempre junto do lar de

outrem, repetindo a oração desse outro; para todos os atos da

vida religiosa a mulher precisa de um chefe, e para todos os atos

da sua vida civil, de tutor.

Na visão de Fustel de Coulanges40, o pai detinha um “poder

ilimitado”, no qual “a religião o revestira no princípio”. Os inúmeros direitos que as

37 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 102. 38 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento. p. 57. 39 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 94.

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leis lhe confiaram “podem ser classificados em três categorias, conforme

considerarmos o pai de família chefe religioso, proprietário ou juiz”.

Fustel de Coulanges41 registra, ainda, que o pai possuía o

direito de reconhecer ou rejeitar os filhos quando do nascimento destes; repassar

a autoridade que detém sobre a filha à outra pessoa, por intermédio do

matrimônio; emancipar o filho; nomear um tutor para o filho, no caso de seu óbito;

e, ainda, o direito de propagação da família, dentre outros.

Por outro lado, a propriedade emanava de um direito de

família, não de um direito individual, sendo o “proprietário” a própria família e o

“usufrutuário”, o pai, conforme assevera Fustel de Coulanges42:

Sendo a propriedade indivisível, e repousando inteiramente na

cabeça do pai, nem a mulher nem os filhos tinham nada de seu.

(...) O filho estava nas mesmas condições da mulher: nada

possuía. Nenhuma doação feita pelo filho tinha valor, pela simples

razão de não possuir nada de seu. O filho nada podia adquirir; os

frutos do seu trabalho, os benefícios do seu comércio, pertenciam

a seu pai. Se algum testamento houvesse em seu favor, seria o

pai, e não ele, quem receberia legado. Por isso se explica o texto

do direito romano que proíbe todo o contrato de venda entre pai e

filho. Se o pai vendesse o filho, venderia a si próprio, uma vez que

aquilo que o filho adquirisse pertenceria ao pai.

Pontes de Miranda43 ensina que a figura masculina, na

civilização romana, era o dirigente de assuntos políticos, religiosos e jurídicos,

pois desempenhava a função de pater familias, praticando o denominado ius vitae

ac necis, dispondo de “direito de vida e morte sobre todos os membros de seu

grupo”, atribuindo punições como se fossem meramente partes de seus bens.

40 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 97-98. 41 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 98. 42 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 99. 43 PONTES DE MIRANDA. Fontes e evolução do direito civil brasileiro . p. 56.

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No mesmo sentido, Fustel de Coulanges44, afirma que quem

possuía o “poder de punir” o filho, era unicamente o pai, chefe da família.

Portanto, segundo se infere de seu entendimento:

Se a justiça, para o filho e para a mulher, não estava na cidade, é

porque se encontrava em casa. Seu juiz era o chefe da família,

sentenciando como em um tribunal em virtude da sua autoridade

marital ou paterna, em nome da família e amparado pelas

divindades domésticas. (...) Esse direito de justiça, exercido na

casa pelo chefe da família, era completo e sem apelação. Podia

condenar à morte, como o magistrado fazia na cidade; nenhuma

autoridade tinha o direito de modificar suas sentenças.

Durante muito tempo na história, segundo Sílvio de Salvo

Venosa45, até mesmo na Idade Média, “o casamento esteve longe de qualquer

conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião

doméstica”.

Sílvio de Salvo Venosa46, ainda registra que:

Desaparecida a família pagã, a cristã guardou esse caráter de

unidade de culto, que na verdade nunca desapareceu por

completo, apesar de o casamento ser tratado na história mais

recente apenas sob o prisma jurídico e não mais ligado à religião

oficial do Estado. A família sempre foi considerada como a célula

básica da Igreja.

Nesse contexto, “a ciência do direito demonstrou nos últimos

séculos o caráter temporal do casamento, que passou a ser regulado pelo Estado,

que o inseriu nas codificações a partir do século XIX como baluarte da família”,

conforme aduz Sílvio de Salvo Venosa47.

44 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga . p. 101. 45 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 19. 46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 19. 47 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 19.

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Finalizando, para Eduardo de Oliveira Leite48, “o primórdio

da família está definitivamente voltado ao mistério”. E, ainda, acresce que: “(...) as

origens, as primeiras manifestações e reações do homem nesse campo só podem

ser avaliadas através de suposições, hipóteses, conjeturas que tentam reconstruir

uma época fugídia (sic) e indecifrável”.

1.1.2 CONCEITO ATUAL DE FAMÍLIA

Não obstante todas as influências do meio que interferem na

formação da personalidade humana, sem dúvida, a base familiar é o mais

importante ícone do tecido social. Neste sentido, Giselda Maria Fernandes

Novaes Hironaka49, ensina que:

(...) não se inicia qualquer locução a respeito de família se não se

lembrar, a priori, que ela é uma entidade histórica, ancestral como

a história, interligada com os rumos e desvios da história ela

mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e

a arquitetura da própria história através dos tempos. Sabe-se

enfim, que a família é, por assim dizer, a história, e que a história

da família se confunde com a história da própria humanidade.

Guilherme Gonçalves Strenger50, tendo como horizonte a

pretensão de enquadrar a necessidade de acomodação do Direito de Família às

modificações da sociedade, advoga que:

O Direito de Família é o menos persistente e duradouro,

exatamente porque está sempre e necessariamente submetido às

flexibilidades sociais que são conduzidas pelas constantes

mutações do processo histórico e cultural. Como instituição a

família é também um fato. Governada por um direito, ela é

conduzida como um fenômeno numa evolução.

48 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento. p. 5. 49 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução . In Revista Brasileira de Direito de Família. p. 7. 50 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos . p. 24.

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De acordo com Ana Maria Milano Silva51, essas

metamorfoses da estrutura do corpus de uma sociedade – conseqüentes dessa

dinâmica histórico-social – inscrevem-se conformadas aos estágios subseqüentes

ao evoluir cultural – a rigor, por ele desencadeadas. A evolução cultural define-se

como produto da interação, do sentimento e das concepções do homem –

enquanto agente e produto histórico. Tal dinâmica configura-se como a herdeira

de vivências, aprendizados e adequações ao próprio evolver dos fenômenos

sociais.

Nesta linha de acepção, Ana Maria Milano Silva52, observa o

seguinte:

Na família, o desenvolvimento cultural também se manifesta,

porque ela é uma entidade histórica, interligada com os rumos e

desvios da história, mutável na exata medida em que mudam as

estruturas da mesma através dos tempos.

O instituto familial dos tempos recentes é pensado de forma

diversa de outrora. Segundo Ana Maria Milano Silva53, a acepção clássica cingia a

definição de família como a instância social em que à mãe competia a tarefa de

criar o filho menor; ao pai, complementar tal missão, como protetor/provedor

desse binômio.

Em contrapartida, segundo Sílvio de Salvo Venosa54, “a

célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a

sociedade urbana”. Ademais, sustenta que “a família atual, contudo, difere das

formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pais e

mães”.

Assim, na visão de Sílvio de Salvo Venosa55:

Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes

e recreação preenchem atividades dos filhos que originalmente 51 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 70. 52 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 71. 53 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 71. 54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20. 55 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20.

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eram de responsabilidade dos pais. Os ofícios não mais são

transmitidos de pai para filho dentro dos lares e corporações de

ofício. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por

ele supervisionadas. A religião não mais é ministrada em casa e a

multiplicidade de seitas e credos cristãos, desvinculados da fé

originais, por vezes oportunistas, não mais permite uma definição

homogênea. Também as funções de assistência a crianças,

adolescentes, necessitados e idosos têm sido assumidas pelo

Estado.

Desta forma, para Sílvio de Salvo Venosa56, no século XX, a

figura da mulher “transforma-se profundamente, com sensíveis efeitos no meio

familiar. Na maioria das legislações, a mulher alcança os mesmos direitos do

marido. Com isso, transfigura-se a convivência entre pais e filhos”.

Por fim, vale ressaltar ainda as palavras de Sílvio de Salvo

Venosa57 acerca da família moderna diante dos novos fenômenos sociais: “A

unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte

exclusivo o matrimônio. A nova família estrutura-se independentemente das

núpcias”.

1.2 PODER FAMILIAR

1.2.1 VISÃO HISTÓRICA

Antes de adentrar na concepção histórica da matéria sob

exame, imprescindível se faz salientar que poder familiar, para Ana Maria Milano

Silva58, nada mais é do que a nova nomenclatura atribuída ao pátrio poder, dada

pelo atual Código Civil através da Emenda n. 278, onde – ostentando-se esse

Diploma conformado ao evoluir do Direito no curso da história – traz a larga

definição de igualdade entre os pais, os quais devem conformar-se a todos os

direitos e obrigações ao erigirem-se como agentes bio-formantes ou adotantes de

um ser em “construção” – social e ética. 56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20. 57 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20. 58 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 24-25.

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No desenvolvimento da história da família, o pátrio poder

sofreu diversas e relevantes transformações.

Ana Maria Milano Silva59 sustenta que, em tempos remotos,

especialmente na antiga Roma, com alicerce na religião, apenas o pai, chefe da

família e de um determinado culto religioso, denominado pater familias, era a

autoridade plena que detinha total poder sobre sua família, como também sobre o

patrimônio desta.

Nesse ínterim, invoque-se a autoridade de Ana Maria Milano

Silva60:

Era um poder absoluto, sem limites e sem fim. O pai possuía o

direito de expor ou matar o filho, vendê-lo ou entregá-lo à vítima

de dano causado por seu dependente. Quanto ao direito de vida e

morte esse só poderia ser exercido mediante consulta aos

membros da família mais próxima.

Tanto a mulher como os filhos, para Ana Maria Milano

Silva61, eram mera propriedade do homem, sendo a primeira utilizada tão-

somente para gerar filhos e servir às pulsões eróticas do pater, como também ser

usada como mercadoria, podendo ser vendida, trocada, emprestada, tida como

recompensa e demais formas de negócios; e, os segundos como objetos de

relação de domínio, autoridade e poder que o pai exercia sobre estes.

No que tange à capacidade da pessoa física no direito

romano, Ana Maria Milano Silva62 registra que “era definida como sui juris (capaz)

e alienae juris (incapaz)”. Segundo o entendimento da autora, “aqueles

compreendidos no rol dos sui juris eram senhores de sua pessoa, possuindo

personalidade jurídica e patrimônio próprio, podendo desse se servir como melhor

lhes aprouvesse”. Contudo, no que tange as denomindas alienae juris “estavam

sob o jugo do poder do pater familias e não possuíam patrimônio nem

personalidade jurídica, dependendo sempre de outrem”. 59 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 18. 60 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 18. 61 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 19. 62 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 19.

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Silvio Rodrigues63, assim enfatiza:

(...) essa concepção rigorosa do pátrio poder se abranda com o

tempo, não sendo indiferente a esse abrandamento a influência do

estoicismo e do cristianismo. Todavia, tal influência, não é

exclusiva, nem definitiva pois, mesmo antes do cristianismo já

esmaece o rigor do pátrio poder.

No tocante aos preceitos organizadores da família na Idade

Média, ressalta Waldyr Grisard Filho64:

(...) a tradição romana, mantida nos países de direito escrito,

consagrava a predominância do pai em detrimento do filho e lhe

atribuía um poder perpétuo sobre seus descendentes. O munt

germânico concebia o pátrio poder como um direito e um dever

dos pais orientados à proteção dos filhos (é o gérmen da Doutrina

da proteção integral, perfilhada pela Lei nº 8.069/90) como parte

de uma proteção mais geral projetada para todo o grupo familiar,

em evidente reação à tradição romana: seu exercício era

temporário, suas funções eram também atribuídas à mãe e não

impedia que os filhos possuíssem bens.

Ana Maria Milano Silva65 corrobora que, fundada em uma

nova visão familiar, a religião cristã passou a acolher a eqüidade entre o homem e

a mulher na responsabilidade dos filhos, devendo estes atentarem-se às

necessidades elementares daqueles, ou seja: assumirem a condição de agentes

de seu aprimoramento físico, social, ético, religioso e cultural.

Tais transformações no cenário do direito de família, na

visão de Ana Maria Milano Silva66, contribuíram em grande parte no

desenvolvimento dessa instância jurídica nos demais países, inclusive, no Brasil.

É o que se infere das mutações evolutivas constantes nas legislações pátria e

63 RODRIGUES, Sílvio. Direito de família . Direito civil. p. 352. 64 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 30. 65 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 21. 66 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 21.

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estrangeira, onde a axialidade ditatorial do antigo pater vai-se esgarçando na

razão inversa da mãe do universo familial antigo.

1.2.2 CONCEITO

Ana Maria Milano Silva67 salienta que ensaístas de grande

audiência do direito de família definiram o poder familiar, antigamente chamado

de “pátrio poder”, de várias maneiras, contudo, sua essência permanece

inalterada.

No entendimento de Sílvio Rodrigues68, se trata de um

“conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e bens

dos filhos não emancipados tendo em vista a proteção destes”.

Para Washington de Barros Monteiro69, o pátrio poder cinge-

se tão-somente a um aglomerado de obrigações a serem desempenhadas única e

exclusivamente pelos pais em relação aos filhos, vejamos suas palavras: “(...) o

pátrio poder pode ser conceituado como o conjunto de obrigações, a cargo dos

pais, no tocante à pessoa e bens dos filhos menores”.

Dentro desta mesma ordem de razão, Maria Helena Diniz70

leciona que:

(...) o pátrio poder pode ser definido como um conjunto de direitos

e obrigações, quanto à pessoa e os bens do filho menor, não

emancipado, exercido em igualdade de condições, por ambos os

pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma

jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do

filho.

Paulo Luiz Netto Lobo71, observa que:

67 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 26. 68 RODRIGUES, Sílvio. Direito de família . p. 354. 69 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito de família . In: Direito Civil. p. 277. 70 DINIZ, Maria Helena. Direito de família . In: Direito Civil Brasileiro. p. 301. 71 LOBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar . In: Direito de família e o novo código civil , Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (Orgs.). p. 156-157.

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Do confronto entre dois textos (o antigo e o novo Código), chega-

se à surpreendente conclusão de que a estrutura legal do antigo

poder pátrio foi mantida intacta, com modificações tópicas da

redação. A ordem, a seqüência e o conteúdo dos artigos

permaneceram, como se a mudança da denominação e dos

titulares (do pai para pai e mãe) e a exclusão das referências a

filhos ilegítimos fossem suficientes.

Assim, constata-se do entendimento de Ana Maria Milano

Silva72, que o pátrio poder do pater familias hodiernamente sofreu uma visível

redução conceitual: à poda de seu excesso de direitos, constata-se paralelamente

a afirmação da figura materna como co-gestora da célula familial. Dessa forma,

homem e mulher (não mais apenas o homem) detêm o pátrio poder. “Poder” esse,

no direito contemporâneo, concebido como um binômio de direitos e obrigações

em relação aos entes em formação – havidos biologicamente ou adotados.

1.2.2 TITULARIDADE , EXERCÍCIO E OBRIGAÇÃO DOS PAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil de 198873,

em seu artigo 226, §5º, dispõe que: “Os direitos e deveres referentes à sociedade

conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa74, “ambos os pais

devem exercer o pátrio poder, em ambiente de compreensão e entendimento”.

Ao interpretar o Código Civil75, o qual determina em seu

artigo 1.630 que "os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores",

resta a dedução de que incide sobre os pais a condição de agentes ativos –

descaracterizada a transferibilidade – do poder familiar. Cumpre registrar também

uma mutualidade entre esses agentes, contextualizada no tecido desse

microssistema social – a família.

72 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 27. 73 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Doravante será chamada de Constituição Federal. 74 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 356. 75 BRASIL. Código civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

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Acerca desta matéria, o Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA (Lei nº. 8.069/90)76 em seu artigo 21 institui que o poder

familiar será cumprido pelos pais, de acordo com as disposições da legislação

civil, vejamos:

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições,

pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil,

assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de

discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a

solução da divergência”.

Para Ana Maria Milano Silva77, o exercício do poder familiar

é imposto aos pais pelo Estado, que, por sua vez, é o fiscalizador do exercício

legal do mesmo, competindo-lhe controlar as relações entre pais e filhos para que

os direitos e deveres sejam devidamente desempenhados, mormente,

respaldados às determinações e limites legais.

O Código Civil, no artigo 1.634, traz específicas hipóteses de

atribuições conferidas (ou impostas) aos pais, respeitantes aos menores sob sua

responsabilidade pátria; respectivamente: dirigir a educação e criação; ter direito

de companhia e guarda; dar consentimento para casar; nomear tutor; representar

e assistir o filho nos atos da vida civil; retomar o filho contra quem o detenha;

exigir obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição.

Ana Maria Milano Silva78, sobre o dever de criar e educar os

filhos menores disposto no inciso I do artigo 1.634 do Código Civil, aduz que:

É dever primordial imposto aos pais, pois, inegavelmente,

compete a eles amoldar o caráter do filho para torná-lo útil à

sociedade, sob o ponto de vista moral, intelectual e cívico. Esse

dever precípuo é tão importante que o inciso repete a mesma

determinação, quanto à obrigatoriedade que compete aos

76 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 . Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. 77 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 28. 78 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 28.

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cônjuges do dever de educação, juntamente com o de educação e

guarda dos filhos, expresso no artigo 1566, inc.IV do Novo CC.

Sobre o inciso II desse mesmo normativo, Ana Maria Milano

Silva79 corrobora que:

O direito em ter os filhos sob sua companhia e guarda é tanto do

pai como da mãe e, assim é que mesmo separados de fato,

nenhum deles pode reclamar o exercício desse direito, invocando

preferência. A guarda dos filhos não constitui, por si só o exercício

do poder familiar, sendo um de seus atributos e, desse modo,

embora designado judicialmente um dos cônjuges para ter o filho

sob sua guarda, como na separação e divórcio, isso não implica a

exoneração do outro quanto aos deveres do poder familiar,

principalmente a criação e educação.

Em relação ao inciso III, sustenta Ana Maria Milano Silva80

que o ato de conceder ou negar aos filhos menores consentimento para casarem

se trata de direito proveniente do poder familiar. E ainda que “havendo recusa,

sem motivo justo, ou impossibilidade de ser dado o consentimento de ambos os

pais, esse poderá ser suprido pelo juiz a teor do artigo 1.519 do Novo CC”.

Concernente ao inciso IV, que confere aos pais o direito em

nomear tutor aos filhos menores, “por testamento ou documento autêntico, se o

outro dos pais lhe não sobrevier, ou o sobrevivo não puder exercitar o poder

familiar”, Ana Maria Milano Silva81 registra que “tem sentido o determinado neste

inciso, pois ninguém melhor que os pais possui condições para escolher, no caso

de sua morte, quem deva cuidar de seus filhos e respectivos bens.

Já a disposição contida no inciso V, derivada do poder

familiar, no entendimento de Ana Maria Milano Silva82, faz distinção entre menor

impúbere, até dezesseis anos, “que será representado pelos pais por ser

79 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 29. 80 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 29-30. 81 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 30. 82 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 30.

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absolutamente incapaz e o menor púbere, dos dezesseis aos dezoito anos

(maioridade no Novo CC), que será assistido por ser relativamente incapaz”.

Interpretando o inciso VI do artigo 1.634 do Código Civil, Ana

Maria Milano Silva83 advoga que para reclamá-los de quem ilegalmente os

detenha, o procedimento judicial cabível “é de busca e apreensão e, para que

essa reclamação seja deferida, é indispensável que a detenção do menor por

outras pessoas, configure-se como ilegal por privar os pais de manter o filho sob

sua guarda e companhia”.

O respeito e a obediência filial dispostos no inciso VII do

normativo legal sob exame, na visão de Ana Maria Milano Silva84, “serão

conseqüência exata dos valores transmitidos pelos pais. Nesse inciso está

implícito o direito dos pais em aplicar, moderadamente, corretivos aos filhos

menores se lhes forem desatenciosos e grosseiros”. Contudo, adverte ainda que

“se houver exageros os pais se sujeitarão à perda do poder familiar, como se

afere pela leitura do inciso I do artigo 1638 do Novo CC”.

Entretanto, acerca das sete hipóteses de competências dos

genitores em relação à pessoa dos filhos menores elencadas no artigo 1.634 do

Código Civil, Maria Berenice Dias85 ressalva que “todo esse rol não faz referência

expressa aos deveres impostos aos pais pela Constituição (CF 227 e 229) e pelo

ECA (ECA 22)”. E, mais adiante, sustenta que “aos poderes assegurados pela lei,

somam-se todos os outros que são inerentes ao poder familiar”.

Desse modo, ao menor, como ente humano sui generis – em

formação, inábil para certas tarefas físicas ou intelectuais –, não se pode atribuir

encargos não condizentes com sua condição e faixa etária, sob pena de perda do

poder familiar dos pais – segundo Ana Maria Milano Silva86.

1.2.3 SUSPENSÃO, PERDA E EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

83 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 30. 84 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 31. 85 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 385. 86 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 31.

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O desrespeito e o não cumprimento das obrigações dos pais

em relação aos filhos menores, responsabilidades essas fiscalizadas pelo Estado,

certamente poderá ocasionar a suspensão do poder familiar, segundo Ana Maria

Milano Silva87:

Se o comportamento dos pais prejudicar os filhos, seja a pessoa

ou os bens do menor, terão os pais seu Poder Familiar suspenso

através de sentença judicial, pelo tempo que o juiz entender

conveniente (artigo 1637 do Novo CC).

Nesse ínterim, Maria Berenice Dias88 registra que:

O poder familiar é um dever dos pais a ser exercido no interesse

dos filhos. O Estado moderno sente-se legitimado a entrar no

recesso da família, a fim de defender os menores que aí vivem.

Assim, reserva-se o direito de fiscalizar o adimplemento de tal

encargo, podendo suspender e até excluir o poder familiar.

Mais adiante, Maria Berenice Dias89 ainda sustenta que

“representa a suspensão do poder familiar medida menos grave e sujeita à

revisão. Superadas as causas que a provocaram, pode ser cancelada, sempre

que a convivência familiar atender ao interesse dos filhos”. Ademais, vale

ressaltar que a suspensão possui caráter facultativo – segundo a autora.

Nesse contexto, para Ana Maria Milano Silva90 a

abrangência da supressão – pelo juiz – do poder familiar é elástica. Pode

suspender todos os poderes ou cingir-se apenas a alguns; dependendo do juízo

que o julgador vier a formar das irregularidades comprovadas. Também é flexível

o leque dos menores: um ou mais de um poderão ser abarcados pela sentença

respectiva. Sanadas as irregularidades/abusos que a causaram, os titulares do

poder familiar poderão nele ser novamente investidos.

87 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 33. 88 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 389. 89 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 389. 90 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 33.

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Outrossim, Maria Berenice Dias91 leciona que:

A suspensão do exercício do poder familiar cabe nas hipóteses de

abuso de autoridade (1.637): descumprimento dos deveres e ruína

dos bens dos filhos. Os deveres inerentes aos pais são de

sustento, guarda e educação dos filhos (ECA 22), cabendo-lhes

assegurar (CF 227) vida, saúde, alimentação, lazer,

profissionalização, dignidade, respeito, liberdade, convivência

familiar e comunitária, além de não os submeter à discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, trazido à prova grave atentado ao vigamento dos

seus deveres, poderão os titulares do poder familiar perderem-no, ou ser

destituídos de tal mister, conforme assevera Ana Maria Milano Silva92.

Por outro lado, quanto à perda ou destituição do poder

familiar, Maria Berenice Dias93 corrobora que “é a sanção de maior alcance e

corresponde à infringência de um dever mais relevante, sendo medida imperativa

e não facultativa”.

O artigo 1.635 do Código Civil disciplina as hipóteses que

acarretam a extinção do poder familiar, quais sejam: morte dos pais ou do filho;

emancipação; maioridade; adoção do filho por terceiros; decisão judicial.

Ademais, o artigo 1.638 da mesma lei, arrola as causas que

ensejam a extinção do poder familiar, judicialmente, quando: castigar

imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à

moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo

antecedente.

Destarte, Ana Maria Milano Silva94 sustenta que o artigo

1638 do Código Civil prevê a perda do poder familiar se algum ou ambos os pais

impuserem castigos incompatíveis com o bom senso ao menor, bem como se “o

91 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 390. 92 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 33. 93 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 390. 94 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 34.

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deixar em abandono e se praticar atos contrários à moral e aos bons costumes”.

E ainda que: “algumas atitudes corretivas são aceitas, talvez até necessárias para

a educação e comportamento do menor, mas os excessos não são permitidos por

lei. Violência, exageros, arbitrariedades não se justificam”.

O abandono do menor por desleixo e desinteresse dos pais,

também causará a perda do poder familiar. Ana Maria Milano Silva95 salienta que

se, porventura, referido abandono por parte dos pais ocorreu por motivo de

limitações financeiras, não perderão o poder familiar, haja vista a legislação

vigente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente determinar que sejam

estes encaminhados a programas oficiais de auxílio.

Perde-se o poder familiar também, segundo Ana Maria

Milano Silva96, se os pais ou algum deles permitirem que os filhos menores sejam

submetidos à prática de atividades impróprias à sua faixa etária ou que se

definam como perniciosos a um ente ainda em “construção” na instância moral.

Também o estímulo a práticas atentatórias à moral ou penalmente tipificadas

acarretará a exclusão do poder familiar.

Assim, Sílvio de Salvo Venosa97, a respeito da perda ou

destituição do poder familiar, aduz que:

Os fatos graves relatados na lei devem ser examinados caso a

caso. Sevícias, injúrias graves, entrega do filho à delinqüência ou

sua facilitação, entrega da filha à prostituição etc., são sérios

motivos que devem ser corretamente avaliados pelo juiz.

Contemplando-se a eventualidade de a perda ou destituição

incidir somente sobre um dos pais, Ana Maria Milano Silva98 salienta, ainda, que

os direitos e obrigações do poder familiar deslocar-se-ão ao outro genitor. Na

hipótese de o outro detentor do poder familiar não reunir qualidades para o

encargo, ao juiz caberá eleger um tutor ao menor, ou menores.

95 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 34. 96 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 34. 97 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 369. 98 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 33.

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Segundo Ana Maria Milano Silva99, face configurar-se como

sanção bastante séria, a perda permanente do poder familiar deve cingir-se tão-

somente a eventos (moralmente inaceitáveis) de expressiva envergadura; que

atentem contra a integridade física ou moral do menor.

Por fim, de acordo com Maria Berenice Dias100, tendo em

vista o princípio da proteção integral dos interesses da criança, orienta-se priorizar

a suspensão do poder familiar – ao invés de sua perda definitiva – nos casos em

que restar no horizonte alguma possibilidade futura de refazer-se a –

presentemente abalada – relação familiar.

1.3 DO CASAMENTO

1.3.1 CONCEITUAÇÃO E FINALIDADES DO CASAMENTO

Segundo Clóvis Beviláqua101, ao relacionamento biológico

do casamento resultava, também, em assunção de novo status em termos de

patrimônio. Destaca-se:

Casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem

e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele

suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão

de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a

prole que de ambos nascer.

Conformada à concepção de sociedade de então, o conceito

de Clóvis Beviláqua incorporou-se, por vários decênios, ao nosso ordenamento

jurídico. De acordo com Maria Berenice Dias102, “historicamente, sempre se

reconheceu que a constituição da família nasce da lei que celebra o casamento,

assegura direitos e impõe deveres no campo pessoal e patrimonial”.

99 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 34. 100 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 392. 101 BEVILÁQUA. Clóvis. Direito de família . p. 34. 102 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 143.

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Todavia, para Sílvio de Salvo Venosa103, “a noção de

casamento não pode ser imutável, como sói acontecer com a compreensão de

todos fenômenos sociais que se modificam no tempo e no espaço”.

Desta forma, segundo a definição de Pontes de Miranda104,

o casamento é uma relação ética entre um homem e uma mulher.

Dentro desta ordem de razão, Caio Mário da Silva Pereira105

define o casamento como “o ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente

se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais

estreita comunhão de vida”.

Assim, no entendimento de Maria Berenice Dias106 o

casamento “tanto significa o ato de celebração do matrimônio como a relação

jurídica que dele se origina, a relação matrimonial. O sentido da relação

matrimonial melhor se expressa pela noção de comunhão de vidas, ou comunhão

de afetos”.

Sílvio de Salvo Venosa107, nesse contexto, assinala que:

O casamento é o centro do direito de família. Dele irradiam suas

normas fundamentais. Sua importância, como negócio jurídico

formal, vai desde as formalidades que antecedem sua celebração,

passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio

que deságuam nas relações entre os cônjuges, os deveres

recíprocos, a criação e assistência material e espiritual recíproca e

da prole etc.

Ainda, para Sílvio de Salvo Venosa108:

A união do homem e da mulher preexiste à noção jurídica. O

casamento amolda-se à noção de negócio jurídico bilateral, na

teoria geral dos atos jurídicos. Desse modo, por extensão, o

103 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 39. 104 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado . p. 210. 105 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . p. 32. 106 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 143. 107 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 40. 108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 40.

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conceito de negócio jurídico bilateral de direito de família é uma

especificação do conceito contrato.

No que tange às finalidades do casamento, Maria Berenice

Dias109 assevera que “apesar de não definir casamento, a lei declina suas

finalidades (1.511): estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade

de direitos e deveres dos cônjuges”.

Sílvio Rodrigues110 advoga que são três as finalidades o

casamento, quais sejam: satisfação sexual entre os cônjuges, proteção à prole e

a mútua assistência.

Já para Caio Mário da Silva Pereira111, as finalidades do

casamento podem ser divididas em dois grupos, isto é, procriação e educação

dos filhos, e, por último, mútua assistência e satisfação sexual

Perfilando-se no mesmo entendimento, Sílvio de Salvo

Venosa112 faz a seguinte observação:

Quanto às múltiplas finalidades do matrimônio, situam-se mais no

plano sociológico do que no jurídico. Conforme estabelecido

tradicionalmente no Direito Canônico, o casamento tem por

finalidade a procriação e educação da prole, bem como a mútua

assistência e satisfação sexual, tudo se resumindo na comunhão

de vida e de interesses.

Sílvio de Salvo Venosa113 registra ainda que para que haja

matrimônio válido e eficaz, “é necessário que se reúnam pressupostos de fundo e

de forma. A diversidade dos sexos é fundamental para sua existência, bem como

o consentimento, ou seja, a manifestação da vontade”.

Desta forma, diante das reflexões afetas ao instituto do

casamento, a quase totalidade dos ensaístas aproa para um horizonte

109 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 144. 110 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil : direito de família. p. 22-23. 111 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . p. 39. 112 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 42. 113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 42.

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convergente: a plenitude afetiva e/ou de vontade dos envolvidos – e seu

conseqüente: a assistência recíproca (uma disposição originária – depois

catalogada nos códigos das mais recuadas quadras da história; mas, na verdade,

ancestral ao mais rude sistema jurídico).

1.3.2 EFEITOS: SOCIAIS, PESSOAIS E PATRIMONIAIS

Caio Mário da Silva Pereira114, assim como demais

ensaístas da espécie, divide os efeitos jurídicos do casamento em sociais,

pessoais e patrimoniais.

Quanto aos efeitos sociais, Caio Mário da Silva Pereira115

leciona que estes possuem ligação estreita com as conseqüências advindas do

matrimônio, atingindo todo o meio social, haja vista que a “constituição da família

é o primeiro e grande efeito do Casamento”.

Maria Helena Diniz116 também reputa como efeitos sociais

do casamento “a emancipação do cônjuge menor de idade, tornando-o

plenamente capaz, como se houvesse atingido a maioridade (...), e estabelece,

ainda, o vínculo de afinidade entre cada consorte e os parentes do outro”.

O Código Civil, através dos artigos 1.565 a 1.570, dispõe

acerca dos direitos e deveres dos cônjuges no exercício da sociedade conjugal e

dos efeitos pessoais do matrimônio.

Nesse ínterim, Maria Berenice Dias117 corrobora que a lei

declina seus efeitos e “atribui encargos e ônus ao casal (1.565): homem e mulher

assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis

pelos encargos da família”.

Desse modo, os efeitos pessoais do casamento são

disciplinados no artigo 1.566 do Código Civil, quais sejam: fidelidade recíproca;

114 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . p. 101. 115 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . p. 101. 116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro . p. 98. 117 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 144.

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vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e

educação dos filhos; respeito e consideração mútuos.

Ademais, importante se faz mencionar que além deste rol de

deveres dos cônjuges, o Código Civil atual também incluiu, através do §1º do

artigo 1.565, o uso do sobrenome da mulher pelo marido.

Nesse contexto, é de se destacar as lições de Sílvio de

Salvo Venosa118:

Em posição de destaque, um tanto deslocada, o §1º do art. 1565

do novo Código, estatui que ‘qualquer dos nubentes, querendo,

poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro’. Essa disposição

demonstra a preocupação do novel legislador em igualar a

posição do homem e da mulher no conúbio, em todos os sentidos.

Originalmente, no Código de 1916, a mulher assumia, ao casar, o

nome do marido. Posteriormente, com a lei que introduziu o

divórcio entre nós, permitiu-se que facultativamente assumisse ela

o nome do esposo (art. 240, parágrafo único do antigo Código,

com redação determinada pela Lei nº 6.515/77).

Ainda, segundo Sílvio de Salvo Venosa119, o §5º do artigo

1.565 do Código Civil também trouxe uma inovação importante no que tange às

conseqüências do casamento, qual seja, o planejamento familiar – no qual é

assegurado constitucionalmente ao casal, por intermédio do artigo 226, §7º.

No tocante aos efeitos patrimoniais do casamento, Maria

Helena Diniz120 ressalta que “a essência das relações econômicas entre os

consortes reside, indubitavelmente, no regime matrimonial de bens, que está

submetido a normas especiais disciplinadoras de seus efeitos”.

Assim, na concepção de Yussef Said Cahali121:

Na realidade, o matrimônio desencadeia um complexo de deveres

que se renovam diuturnamente, reclamando ações, abstenções e 118 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 148. 119 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 148. 120 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro . p. 113. 121 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 24.

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tolerâncias, pessoais e reciprocamente exigíveis e que devem ser

observadas como condições sine qua non da perenidade do

organismo familiar.

Dessa forma, todo um universo de conseqüências advém à

contração do casamento – decorrências de natureza jurídica de ordem social,

pessoal e econômica incidentes sobre marido e mulher; bem como fazendo surgir

nova realidade patrimonial, submetida aos normativos legais, entre todos os que

formam o universo familiar (pai, mãe e menores).

1.4 DA UNIÃO ESTÁVEL

Antes de adentrar nos pressupostos essenciais para

caracterização da união estável, cumpre resumidamente assinalar que este

instituto, reconhecido pela “convivência duradoura, pública e contínua, de um

homem e uma mulher”, estabelecida com o fim precípuo de constituição de

família, foi reconhecido como entidade familiar pela redação conferida ao §3º do

art. 226 da Constituição Federal através do advento da Lei da União Estável (nº.

9.278/96)122.

1.4.1 REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

O artigo 1.723 do Código Civil define o que seja a união

estável e define os requisitos para a sua formação, vejamos:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável

entre o homem e a mulher, configurada em convivência pública,

contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição de família.

Maria Berenice Dias123 sustenta que embora a lei tenha se

louvado em utilizar a expressão “público” como um dos pressupostos para

caracterizar a união estável, “não se deve interpretá-lo nos extremos de sua

significação semântica. O que a lei exige, com certeza, é a notoriedade”.

122 BRASIL. Lei 9.278, de 10 de maio 1996 . Regula § 3º do art. 226 da Constituição Federal. 123 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 167.

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Outro importante requisito, para Sílvio de Salvo Venosa124, é

a estabilidade na união entre o homem e a mulher. Para o autor, “não é qualquer

relacionamento fugaz e transitório que constitui a união protegida; não podem ser

definidas como concubinato simples relações sexuais, ainda que reiteradas”.

Quanto à publicidade, Maria Berenice Dias125 salienta que

esta significa a notoriedade da relação no ambiente social freqüentado pelos

companheiros, “objetivando afastar da definição de entidade familiar as relações

menos compromissadas, nas quais os envolvidos não assumem perante a

sociedade a condição de ‘como se casados fossem”.

No tocante à continuidade da relação, Sílvio de Salvo

Venosa126 leciona que:

Trata-se também de complemento da estabilidade. Esta

pressupõe que a relação de fato seja contínua, isto é, sem

interrupções e sobressaltos. Esse elemento, porém, dependerá

muito da prova que apresenta o caso concreto. Nem sempre uma

interrupção no relacionamento afastará o conceito de concubinato.

Em relação ao objetivo de constituição de família, Maria

Berenice Dias127 advoga que se trata de requisito de caráter subjetivo. Para a

autora, “a origem desse requisito está ligada ao fato de que as uniões

extramatrimoniais eram proibidas por lei”. Isto é, “a intenção do par era casar,

tinham por objetivo constituir uma família, que não ocorria tão-só por impedimento

legal”.

Assim, a união estável mereceu do legislador – em

consonância com a acepção moderna do instituto do casamento – foro de célula

familial.

124 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 53. 125 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 167. 126 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 54. 127 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 168.

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1.4.2 CONCEITO

Como já mencionado, o artigo 1.723 do Código Civil

estabelece os requisitos para a formação da união estável.

Contudo, a respeito da conceituação de união estável, Maria

Berenice Dias128 comenta que:

Assim como não define a maioria dos institutos que regulamenta,

o Código Civil não define a união estável. Nem deveria fazê-lo.

Inclusive, esse é o grande desafio do direito das famílias

contemporâneo, pois definir união estável começa e termina por

entender o que é família. E não é nada simples, na atualidade,

conceituar família que deixou de ser o núcleo econômico e de

reprodução para ser o espaço de afeto e de amor.

Ainda assim, Maria Berenice Dias129 sustenta que “nasce a

união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição

de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação”.

Assim, no mesmo norte, Sílvio de Salvo Venosa130 registra

que “(...) o casamento é um fato social e um negócio jurídico. Fato jurídico é

qualquer acontecimento que gera conseqüências jurídicas. A união estável é um

fato do homem que, gerando efeitos jurídicos, torna-se um fato jurídico”.

1.4.3 EFEITOS

Lembra Maria Berenice Dias131, “aos companheiros são

estabelecidos deveres de lealdade, respeito e assistência (1.724), enquanto, no

casamento, os de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e

mútua assistência (1.566)”.

128 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 164. 129 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 164. 130 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 52-53. 131 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 171.

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Todavia, para Maria Berenice Dias132, “as duas têm em

comum a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos. Há quase uma

simetria entre ambos. As duas são estruturas de convívio que têm origem em um

elo afetivo”.

Já em relação aos efeitos patrimoniais, “ainda que a união

estável não se confunda com o casamento, ‘gera um quase casamento na

identificação de seus efeitos’, pois tem regras patrimoniais idênticas” – segundo

Maria Berenice Dias133.

O artigo 1.725 do Código Civil estabelece que “na união

estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações

patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

A respeito do regime da comunhão parcial de bens na união

estável, Maria Berenice Dias134 corrobora que:

No regime da comunhão parcial, todos os bens amealhados

durante o relacionamento são considerados frutos do trabalho

comum, adquiridos por colaboração mútua, passando a pertencer

a ambos, em partes iguais. Assim, instala-se um estado de

condomínio entre o par. Portanto, quem vive em união estável e

adquire algum bem, ainda que em nome próprio, não é o seu

titular exclusivo. O fato de o patrimônio figurar como de

propriedade de um não afasta a co-titularidade do outro. A

presunção de propriedade do titular aparente no registro não é

mais absoluta, e o companheiro é patrimonialmente equiparado ao

cônjuge. Adquirido o bem por um, transforma-se em propriedade

comum, devendo ser partilhado por metade na hipótese de

dissolução do vínculo.

Ademais, segundo Maria Berenice Dias135, vale elucidar que

a lei não exige a necessidade de outorga uxória entre os companheiros, “para a

132 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 171. 133 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 173. 134 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 174. 135 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 175.

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prática de atos que possam comprometer o patrimônio comum”, como acontece

no matrimônio. Contudo, reconhecendo-se a união estável como uma entidade

familiar, necessário se faz, na prática, que sejam estendidos os mesmos

requisitos, “para salvaguardar o patrimônio do casal e proteger terceiros de boa-

fé”.

Assim, a promoção da união estável a instituto familiar ecoa

o pensamento moderno de emprestar status jurídico a uma situação fáctica: a

união estável configurar-se como uma família.

Sendo a união estável reconhecida como uma verdadeira

entidade familiar e dessa relação advierem filhos menores, no momento de sua

dissolução deve-se atentar a respeito da guarda destes, cujos temas serão

abordados no próximo e último capítulo.

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CAPÍTULO 2

A GUARDA DOS FILHOS NA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1 CONCEITO DE GUARDA

Nas palavras do ensaísta Guilherme Gonçalves Strenger136,

a guarda de filhos é definida nos seguintes termos:

Guarda de filhos é o poder-dever submetido a um regime jurídico

legal, de modo a facilitar a quem de direito, prerrogativas para o

exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar

nessa condição. Leva-nos à crença de que a guarda não só é um

poder pela similitude que contém com a autoridade parental, com

todas as vertentes jurídicas, como é um dever, visto que decorre

de impositivos legais, inclusive com natureza de ordem pública,

razão pela qual se pode conceber esse exercício como um poder-

dever.

No mesmo sentido se perfila Ana Maria Milano Silva137

quando leciona que:

No sentido jurídico, guarda é o ato ou efeito de guardar e

resguardar o filho enquanto menor, de manter vigilância no

exercício de sua custódia e de representá-lo quando impúbere ou,

se púbere, de assisti-lo, agir conjuntamente com ele em situações

ocorrentes.

A guarda dos filhos, para Sílvio de Salvo Venosa138, “é

atributo do poder familiar. (...) O pátrio poder, hoje denominado poder familiar,

gera um complexo de direitos e deveres, sendo a guarda um de seus elementos”.

136 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos . p. 31. 137 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 43-44.

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Dentro desta linha de entendimento, Ana Maria Milano

Silva139 define que a guarda de filhos é intrínseca ao poder familiar, sendo este

exercido por ambos os pais enquanto vida em comum. Já quando ocorre a

separação dos genitores, o exercício da guarda é praticamente conferido ao

genitor-guardião, não obstante quem perder a guarda não perder efetivamente o

poder familiar.

Quanto ao critério norteador na definição da guarda, Maria

Berenice Dias140 leciona que:

A guarda dos filhos é, implicitamente, conjunta, apenas se

individualizando quando ocorre a separação de fato ou de direito

dos pais. O critério norteador na definição da guarda é a vontade

dos genitores. Fica exclusivamente na esfera familiar a definição

de quem irá ficar com os filhos em sua companhia (1.583).

Nesse contexto, “a guarda assim é da natureza do poder

familiar não da sua essência. Tanto é que, se transferida a terceiros, não implica

na transferência desse”, conforme registra Ana Maria Milano Silva141.

Segundo se infere do artigo 1.632 do Código Civil, como

também o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº.

8.069/90), mesmo que limitadamente, o genitor não guardião mantém todos os

poderes que derivam do poder familiar, embora a guarda seja transferida a

terceiros – uma vez que aos pais são atribuídas determinadas imputações que

somente se exterminam com a “privação do poder familiar por determinação do

juiz” –, como destaca, ainda, Ana Maria Milano Silva142.

Desta forma, ao passo que a guarda como característica do

poder familiar tem a probabilidade de se apartar dele, “pode também existir sem

ele”, de acordo com Ana Maria Milano Silva143.

138 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 329. 139 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 44. 140 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 398. 141 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 44. 142 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 44. 143 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 44.

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2.2 ESPÉCIES DE GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO

O modelo de guarda predominante no Brasil, segundo Ana

Maria Milano Silva144, é a guarda única, exclusiva, unilateral, também comumente

chamada de “tradicional”, conferida apenas a um dos genitores, o qual figura

como detentor da “guarda física”, “que é a de quem possui a proximidade diária

do filho, e a ‘guarda jurídica’, que é a de quem dirige e decide as questões que

envolvem o menor”.

Outrossim, Ana Maria Milano Silva145 elenca os outros três

tipos de guarda de filhos existentes no Brasil, quais sejam: guarda dividida,

aninhamento ou nidação e guarda compartilhada – esta última, objeto central da

presente pesquisa, recentemente aprovada no ordenamento jurídico brasileiro,

mediante a Lei nº. 11.698, de 13 de junho de 2008, que altera os artigos 1.583 e

1.584 do Código Civil.

Por outro lado, muito embora não esteja prevista no

ordenamento jurídico pátrio, bem como vedada na França no ano de 1984 através

de decisão do Tribunal de Cassação conforme assevera Ana Maria Milano

Silva146, vale salientar também o que leciona Jorge Augusto Pais de Amaral147 a

respeito da guarda alternada ou partilhada:

A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um

dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um

ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um mês, uma

semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia

a dia, e, conseqüentemente, durante este período de tempo deter,

de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que

integram o poder parental. No termo do período os papéis se

invertem.

144 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 61. 145 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 61. 146 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 62.

147 AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Do casamento ao divórcio . p. 168.

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Ainda, sobre a guarda alternada ou partilhada, Ana Maria

Milano Silva148 adverte que:

A jurisprudência desabona esse modelo de guarda, não sendo

aceito em quase todas as legislações mundiais por ser uma

caricata divisão pela metade, em que os pais são obrigados a

dividir pela metade o tempo que passam com os filhos.

A guarda dividida, nas palavras de Ana Maria Milano

Silva149 se dá “quando o menor vive em um lar fixo, determinado, recebendo a

visita periódica do pai ou da mãe que não detém a guarda”.

Inclusive, quanto à guarda dividida, importante destacar a

reprimenda de Waldyr Grisard Filho150:

(...) é o sistema de visitas que tem efeito destrutivo sobre o

relacionamento entre pais e filhos, uma vez que propicia o

afastamento entre eles, lento e gradual, até desaparecer. Ocorrem

encontros e repetidas separações. São os próprios pais que

contestam e procuram novos meios de garantir uma maior e mais

comprometida participação na vida dos filhos depois de finda a

sociedade conjugal.

Já acerca do aninhamento ou nidação, Ana Maria Milano

Silva151, faz a seguinte conceituação: “O aninhamento ou nidação é um tipo de

guarda raro, no qual os pais se revezam, mudando para a casa onde vivem as

crianças, em períodos alternados de tempo”.

Quanto à guarda compartilhada, tema central deste trabalho,

importante registrar que Ana Maria Milano Silva152 considera-a o modelo de

guarda que:

148 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 62. 149 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64. 150 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 108. 151 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64. 152 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 64.

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(...) permite aos filhos viverem em estreita relação com o pai e a

mãe, havendo uma co-participação deles, em igualdade de

direitos e deveres. É também uma aproximação da relação

materna e paterna, visando ao bem-estar dos filhos. São

benefícios grandiosos que essa nova proposta oferece às

relações familiares, não sobrecarregando nenhum dos genitores e

evitando ansiedades e desgastes.

Cumpre lembrar que a guarda compartilhada ou conjunta, na

concepção de Leila Maria Torraca de Brito153, se trata de um dos meios de

exercício efetivo da autoridade parental que:

(...) apesar de a criança residir com um dos cônjuges, deve-se

garantir uma convivência ampliada com ambos os genitores,

responsáveis pela educação das crianças, partindo-se da

compreensão de que após a separação o que reconfigura é o

estado referente à conjugalidade e não à parentalidade. Busca-se,

portanto, nesta modalidade de guarda, uma divisão mais

equilibrada do tempo que cada pai passa com o filho, garantindo-

se também a participação dos dois genitores na educação da

prole.

Enfeixando estas abordagens, cumpre elucidar que a guarda

compartilhada ou conjunta, na concepção de Maria Berenice Dias154, “(...) significa

mais prerrogativas relativas à pessoa dos filhos, fazendo com que ambos os pais

participem de forma mais presente na vida deles”.

2.3 DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO

2.3.1 DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO E DA SOCIEDADE CONJUGAL : PRINCIPAL DIFERENÇA

153 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência familiar. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 53. 154 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 401.

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A diferença entre sociedade conjugal e vínculo matrimonial,

inicialmente foi apresentada pela Lei do Divórcio nº. 6.515/77155 em seus artigos

3º e 24:

Art. 3º. A separação judicial põe termo aos deveres de

coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens,

como se o casamento fosse dissolvido.

(...)

Art. 24. O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do

casamento religioso.

O Código Civil ao absorver as normas de direito material

contidas na referida lei, dispõe sobre as formas de dissolução do vínculo e da

sociedade conjugal, através dos artigos 1.571 e 1.576:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos

cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida

neste Código quanto ao ausente.

(...)

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de

coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

A respeito deste assunto, vale transcrever a explicação de

Maria Berenice Dias156:

155 BRASIL. Lei 6.515, de 26 de dezembro 1977 . Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências.

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A separação judicial dissolve a sociedade conjugal, mas conserva

íntegro o vínculo, impedindo os cônjuges de convolar novas

núpcias, pois o vínculo matrimonial, se válido, só termina com a

morte de um deles ou com o divórcio.

Na mesma linha de entendimento, Ana Lúcia Pedroni157

assevera que:

A diferença entre Dissolução da Sociedade Conjugal, através da

Separação Judicial e Dissolução do Vínculo Conjugal, através do

Divórcio, é significativa, partindo-se da premissa de que, com a

Separação Judicial, apenas dissolve-se o compromisso assumido

entre os cônjuges em relação aos deveres do Casamento. Porém,

através do Divórcio libera-se os cônjuges para um novo

Casamento, apresentando-se este último de forma muito mais

abrangente, levando-se em conta que se dissolvendo o Vínculo

Matrimonial dissolve-se também a Sociedade Conjugal.

Mais adiante, registra, ainda, Ana Lúcia Pedroni158 que:

Em síntese, o Divórcio é a dissolução do Vínculo Matrimonial,

resultando na liberação total dos cônjuges (salvo restrições quanto

ao uso do nome e ao dever de mútua assistência, representado

pelos alimentos); enquanto a Separação Judicial, com a

conseqüente terminação da Sociedade Conjugal, alcança tão-

somente os deveres relativos à convivência familiar.

Desta forma, resta patente a diferença entre a dissolução da

sociedade e do vínculo conjugal, uma vez que a primeira ocorre quando há a

separação judicial, amigável ou litigiosa, e o segundo – que permanece entre os

cônjuges em razão do casamento – somente se extingue quando há morte de um

dos cônjuges, sentença anulatória ou declaratória de nulidade do matrimônio,

bem como quando ocorre o divórcio. 156 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil . p. 154. 157 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.62-63. 158 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.64-65.

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2.3.2 SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL

A dissolução da sociedade conjugal – como visto no tópico

anterior – encontra respaldo no artigo 1.571 do Código Civil, que traz o rol dos

motivos que ensejam sua efetivação, entre eles, a separação judicial, prevista no

inciso III do referido normativo, na qual pode ser proposta por qualquer dos

cônjuges através de duas modalidades, quais sejam: consensual ou litigiosa.

No entanto, de acordo com Maria Helena Diniz159, vale

relembrar também que a separação judicial, ainda que coloque fim à sociedade

conjugal, não possui o condão de afastar o vínculo conjugal, isto é, não podem os

cônjuges contrair novas núpcias no período cingido entre a separação judicial e o

divórcio.

Washington de Barros Monteiro160 corrobora que a

separação judicial:

(...) põe ponto final à vida em comum, dissolve a comunhão

conjugal e separa os cônjuges. Entretanto, conserva intacto o

vínculo, de modo que lícito não será a qualquer deles, ‘si et in

quantum’, contrair novas núpcias.

Para Clóvis Beviláqua161, a separação judicial por mútuo

consentimento é um instituto facultado aos cônjuges de porem fim à sociedade

conjugal quando persuadidos de que a união matrimonial que estabeleceram não

mais frutifica felicidade e bem-estar, que dentre este ou outros motivos não mais

podem manter a vida em comum, “ou porque não desejem fazer escândalo em

torno de alguma das causas determinadas, que autorizaria o pedido unilateral”.

A respeito do tema Ana Lúcia Pedroni162, leciona que:

(...) a Separação Judicial Consensual é aquela que se processa

pelo mútuo consentimento dos cônjuges, que juntos e de comum

159 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro . p. 180. 160 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . p.200. 161 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil . p. 215. 162 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 114-115.

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acordo constatam que, uma vez fracassado o Casamento, devem

pôr fim à Sociedade Conjugal, e, para tanto, convencionam as

cláusulas e condições que o desejam.

O artigo 1.574 do Código Civil prevê a possibilidade de

separação judicial consensual entre os cônjuges se presentes os seguintes

pressupostos: forem casados há mais de um ano, devendo, para tanto,

demonstrarem ao juiz, que, por sua vez, homologará através de sentença o

acordo. Vejamos:

Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento

dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o

manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente

homologada a convenção.

Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não

decretar a separação judicial se apurar que a convenção não

preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos

cônjuges.

Contudo, Rodrigo da Cunha Pereira163 observa a inovação

trazida pelo Código Civil, uma vez que o artigo 4º da Lei do Divórcio nº. 6.515/77,

estabelecia o prazo de 2 (dois) anos como requisito temporal para a separação

judicial consensual.

Nas palavras de Yussef Said Cahali164, “a condição

essencial para essa modalidade de separação é que os cônjuges estejam

casados por mais de um ano”.

Neste sentido, salienta Yussef Said Cahali165 que:

O que vai ser objeto de homologação, de modo a produzir efeitos

de um contrato comutativo, é acordo apresentado e homologado;

163 PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Novo código civil da família anotado . p. 67. 164 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 109. 165 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 294.

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a convenção é que não pode ser lesiva à prole ou a qualquer dos

cônjuges.

Dessa forma, o juiz deixará de homologar o acordo e de decretar

a separação judicial, curialmente, se convencido de que qualquer

dos cônjuges não a tiver desejado “livremente e sem hesitações”

(CPC, art. 1.122, §1º.), devendo esta “apuração” ser feita quando

da audiência separada ou conjunta dos cônjuges, antecedendo à

ratificação do pedido, e se lançado na petição despacho motivado

e circunstanciado.

Por fim, não se pode olvidar que o magistrado não pode

negar a homologação se porventura divergir dos motivos evocados pelas partes,

sendo-lhe apenas estendido o poder de recusar a homologação e não determinar

a separação judicial se evidenciado que o acordo não resguarda satisfatoriamente

os interesses dos filhos ou, até mesmo, de um dos cônjuges, segundo se deduz

do parágrafo único do artigo 1.574 do Código Civil, bem como do artigo 34, § 2º,

da Lei do Divórcio nº. 6.515/77.

2.3.2.1 Necessidade de Regulamentação da Guarda e d o Direito de Visitas

dos Filhos

Em geral, a proteção da pessoa dos filhos – no que tange à

guarda e visita destes – está regulamentada nos artigos 1.583 a 1.590 do Código

Civil, bem como nos artigos 9º a 16 da Lei do Divórcio nº. 6.515/77.

No caso de dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo

conjugal pela separação judicial consensual ou divórcio direto consensual, se

observará o que os cônjuges acertarem sobre a guarda dos filhos, que deverá ser

unilateral ou compartilhada, de conformidade com o artigo 1.583 do Código Civil.

Nesse contexto, Sílvio de Salvo Venosa166 dispõe que:

166 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 228.

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Cabe aos pais disciplinar, não somente sobre os alimentos, mas

também sobre a guarda e o direito de visitas, descrevendo com

minúcias as formas de convivência nas férias escolares e

festividades religiosas, como o período natalino. Os pais devem

decidir sob a guarda de qual deles ficarão os filhos.

Contudo, de acordo com o que determina o artigo 1.584 do

Código Civil, se decretada a separação judicial, ou mesmo o divórcio, e, ausente

qualquer convenção entre as partes sobre a guarda dos filhos, deverá sempre

que possível, ser conferida a guarda compartilhada.

Já se for optada pela guarda unilateral, esta será conferida a

quem possa oferecer melhores condições para desempenhá-la, segundo o artigo

1.583.

Vale salientar, ainda, que o § 5º do artigo 1.584 do Código

Civil é bem claro quando estabelece que o magistrado pode atribuir a guarda dos

filhos à pessoa que apresente “compatibilidade com a natureza da medida”,

mormente, considerando “o grau de parentesco e relação de afinidade e

afetividade”, tudo isto se constatado que os filhos não devam permanecer na

guarda do pai ou da mãe.

Quanto ao direito fundamental do separando não-guardião

visitar os filhos e “tê-los em sua companhia”, o artigo 15 da Lei do Divórcio nº.

6.515/77 prevê que:

Art. 15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão

visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem

como fiscalizar sua manutenção e educação.

No mesmo sentido, o artigo 1.589 do Código Civil determina

que:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos,

poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que

acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como

fiscalizar sua manutenção e educação.

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Assim, Waldyr Grisard Filho167 sustenta que:

Diante de uma desunião, a finalidade desse instituto é a

manutenção de uma natural e adequada comunicação do filho

com o pai ou mãe com quem não convive, para fomentar e

consolidar os vínculos paterno ou materno-filiais, encurtando,

quanto possível, o contato que existiria no seio da família unida. A

pendência desses processos deve repercutir minimamente sobre

os filhos. Mediante o regime de visita pretende-se, de certa

maneira, mitigar a necessidade de convivência dos filhos com

seus pais, quando estão sob a guarda de um só desses.

Ademais, sobre o direto de visitas, destaca Yussef Said

Cahali168 que:

(...) não se pode desconsiderar que, qualquer que seja o teor da

estipulação convencional a respeito, a regulamentação das visitas

é daquelas cláusulas que podem ser modificadas a qualquer

tempo.

Por outro lado, não nos parece recomendável que o juiz, em vez

de recusar a homologação do acordo, decida homologá-lo, mas

estabelecendo de moto próprio a regulamentação das visitas –

apenas poderia sugerir adaptações da cláusula, que os cônjuges

aceitariam ou não, como condição da homologação da separação

judicial.

Assim, com base nas legislações e ensinamentos

supramencionados, vale asseverar que existindo um relacionamento harmonioso

entre os cônjuges, o direito de visita pelo não-guardião poderá ser exercido com

maior freqüência e liberdade, como assim convencionarem. Ao contrário, tal

visitação deverá ser precisamente ajustada.

167 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 98. 168 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 237.

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2.3.3 SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA

Acerca da separação judicial litigiosa, o Código Civil, em seu

artigo 1.572, dispõe que:

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de

separação judicial, imputando ao outro conduta desonrosa ou

qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do

casamento e torne insuportável a vida em comum.

§1º. A separação judicial pode também ser pedida se um dos

cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e

a impossibilidade de sua reconstituição.

§2º. O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o

outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada

após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em

comum, desde que, após uma duração de dois anos, a

enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§3º. No caso do §2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não

houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens

que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o

permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade

conjugal.

Segundo Ana Lúcia Pedroni169:

(...) o novo Código Civil manteve os requisitos da culpa e da grave

violação dos deveres do Casamento e, atualmente, a Separação

Judicial Litigiosa, prevista no artigo 1.572, que também absorveu

as normas contidas na Lei nº. 6.515/77. Nesse sentido, traz

algumas modificações no tocante ao prazo relativo à doença

mental e também elencando alguns motivos que podem

caracterizar a impossibilidade da vida em comum, estes descritos

no artigo 1.573.

169 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.118.

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Ana Lúcia Pedroni170 também assevera que o Código Civil

atual cultivou igualmente a necessidade de demonstração da “conduta desonrosa”

ou, até mesmo, do “descumprimento dos deveres do casamento” para comprovar

a culpa do cônjuge, elencando alguns motivos que assinalam a “impossibilidade

da vida em comum”, por intermédio do artigo 1.573, destaca-se:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de

vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I – adultério;

II – tentativa de morte;

III – sevícia ou injúria grave;

IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano

contínuo;

V – condenação por crime infamante;

VI – conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que

tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Tendo em vista que a inobservância de que a agressão ao

cumprimento dos deveres da sociedade matrimonial perfilam-se entre as causas

geradoras da separação judicial litigiosa, Ana Lúcia Pedroni171 considera que não

seria ocioso repisar o rol das obrigações do casamento, previsto no artigo 1.566

do Código Civil:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

170 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.119. 171 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.120.

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III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

Desta forma, sobre a separação judicial litigiosa, convém

ainda destacar os ensinamentos de Ana Lúcia Pedroni172:

(...) a Separação Judicial Litigiosa passou a ser concedida com

base na culpa dos cônjuges. Considera-se, nesse sentido, como

fundamento suficiente da separação toda conduta desonrosa ou

qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do

Casamento, tornando, numa ou noutra hipótese, insuportável a

vida em comum, em que pese as dificuldades encontradas para

definir referidas condutas (...).

Além da causa culposa, também poderia ser decretada a

Separação Judicial Litigiosa quando houvesse a ruptura da vida

em comum por mais de um ano consecutivo, ou em caso de

acometimento de grave doença mental, manifesta após o

Casamento e que tornasse impossível a continuação da vida em

comum.

Para tanto, Yussef Said Cahali173 afirma que conduta

desonrosa é o:

(...) ato ou comportamento imoral, ilícito ou anti-social de um dos

cônjuges que, infringindo os deveres implícitos do matrimônio

provoca no outro cônjuge um estado ou situação de

constrangimento, humilhação, desprestígio moral ou social,

desconsideração no ambiente da família, do grupo ou da

sociedade.

Ainda, para Yussef Said Cahali174, a definição de conduta

desonrosa:

172 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.117. 173 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 373.

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(...) participa da mesma plasticidade e fluidez que caracterizavam

a injúria grave do direito anterior (art. 317, III, do CC, revogado

pela Lei 6.515/77), pois sempre se entendeu que estaria incluída

nesta categoria de infração dos deveres conjugais a conduta

desabonadora e infamante.

Não obstante tais considerações, Ana Lúcia Pedroni175

sustenta que a conduta desonrosa “sempre foi tema de grande indagação e de

difícil caracterização, tratando-se de uma expressão ampla e subjetiva.”

Assim, em consonância com os normativos antes invocados

e com o pensamento doutrinário em vigor, cumpre ao cônjuge que pleiteia a

separação – desconsiderados os parágrafos primeiro e segundo do artigo 1.572 –

nomear qual o parceiro da sociedade conjugal que figurará como réu na

demanda, advogando sua responsabilidade na conduta desonrosa ou a grave

violação dos deveres do casamento e tornar convincente que tal postura torna

insuportável a convivência do casal.

2.3.3.1 Critérios Norteadores para Fixação da Guard a e do Direito de Visitas

dos Filhos

Preliminarmente, importante destacar o que determina o

artigo 1.632 do Código Civil:

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio ou a união estável não

alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito,

que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os

segundos.

Desse modo, quanto à proteção da pessoa dos filhos, o

artigo 1.584 do Código Civil, recentemente alterado pela Lei nº. 11.698 de 13 de

junho de 2008176, disciplina que a guarda dos filhos (unilateral ou compartilhada)

174 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 374. 175 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.117-118. 176 BRASIL. Lei nº. 11.698, de 13 de junho 2008 . Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro e 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

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pode ser “requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles,

em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou

em medida cautelar”; ou ainda “decretada pelo juiz, em atenção a necessidades

específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio

deste com o pai e com a mãe”.

Contudo, caso não haja acordo entre a mãe e o pai quanto à

guarda do filho, será aplicada, nos termos do § 2º do artigo 1.584 do Código Civil,

sempre que possível, a guarda compartilhada.

Sendo assim, Lia Justiniano dos Santos177 assevera que o

legislador introduziu em conformidade com o disposto no artigo 11 da Lei do

Divórcio nº. 6.515/77, bem como com o artigo 5º, § 1º e artigo 13 do mesmo

normativo, “a nova tendência que já se delineava no sentido de atenuar e mesmo

excluir o papel da culpa na separação judicial e na atribuição da guarda”.

Acerca desta matéria, no juízo de Yussef Said Cahali178:

A afeição paterna no trato com os filhos obedece a motivos tão

humanos e respeitáveis que nem mesmo a responsabilidade do

genitor pela separação judicial ou pelo divórcio pode constituir-se

em obstáculo para o exercício desse direito.

Na mesma linha de pensamento, Gustavo Tepedino, citado

por Lia Justiniano dos Santos179, registra que:

(...) os dispositivos legislativos, que têm sua justificativa axiológica

na culpa e ainda permanecem no nosso ordenamento jurídico,

perderam sua base de validade a partir do novo ordenamento

constitucional.

Quanto ao § 5º da nova redação dada ao artigo 1.584 do

Código Civil, importante registrar, ainda, o que sustenta Yussef Said Cahali180:

177 SANTOS, Lia Justiniano dos. Revista Brasileira de Direito de Família , v. 2, n. 8, p. 160. 178 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 890. 179 TEPEDINO apud SANTOS, Lia Justiniano dos. Revista Brasileira de Direito de Família , v. 2, n. 8, p. 160.

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Supõe-se que esta lei específica seja o Estatuto da Criança e do

Adolescente, que disciplina o instituto da guarda em seus arts. 33-

35.

Na válida advertência de Washington de Barros Monteiro, para

que o magistrado fique investido desses poderes, será mister

concorram motivos graves: somente razões muito sérias ou

considerações morais importantes autorizam o julgador a retirar os

filhos da companhia do pai, ou da mãe, para entregá-lo a terceiras

pessoas.

Nesse aspecto, segundo Yussef Said Cahali181, tal

advertência é apropriada, também, no emprego do artigo 1.586 do Código Civil,

que disciplina o seguinte:

Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer

caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da

estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com

os pais.

Assim, no entendimento de Yussef Said Cahali182, “a

disciplina da guarda dos filhos deve sujeitar-se, em princípio, aos parâmetros

estabelecidos pelo próprio legislador”. E mais adiante, advoga que “o direito de

guarda dos filhos menores representa a um só tempo uma obrigação para o

cônjuge a quem aquela foi atribuída, não se permitindo a este demitir-se do

encargo sem razão plausível”.

A respeito da visitação dos filhos, o artigo 15 da Lei do

Divórcio nº. 6.515/77, prevê o seguinte:

Art. 15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão

visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem

como fiscalizar sua manutenção e educação.

180 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 880. 181 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 880. 182 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 880 e 886.

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No mesmo sentido, o artigo 1.589 do Código Civil determina

que:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos,

poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que

acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como

fiscalizar sua manutenção e educação.

Deste modo, acerca do direito de visitas, Yussef Said

Cahali183 entende que:

Tendo o problema da guarda do filho de ser resolvido

necessariamente em favor de qualquer deles, ou mesmo com a

sua entrega a terceiro (...), é natural que o cônjuge privado da

guarda tenha o direito de visitá-lo.

Por fim, Yussef Said Cahali184, destaca, ainda, que mesmo

tratando-se de separação judicial litigiosa, “aos genitores cumpre facilitarem

reciprocamente a visita do outro aos filhos que estiverem sob sua guarda”.

2.3.4 EFEITOS DA SEPARAÇÃO JUDICIAL

Considerando que a dissolução da sociedade conjugal gera

“efeitos genéricos” de caráter “pessoal e patrimonial”, para Yussef Said Cahali185,

a separação judicial causa “efeitos específicos”, consoante “tenha sido decretada

em razão de mútuo consentimento, no pressuposto da culpa unilateral ou

recíproca, ou sem o pressuposto da culpa de qualquer dos cônjuges”.

Para Maria Berenice Dias186, a sentença que determina a

separação judicial, “por possuir carga de eficácia desconstitutiva, produz efeito a

partir de seu trânsito em julgado. No entanto, tendo sido deferida separação de

corpos, o efeito da sentença retroage à data da sua concessão (...)”.

183 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 889. 184 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 890. 185 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 689-690. 186 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 301.

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Acerca dos efeitos próprios da separação por culpa, assinala

Yussef Said Cahali187 que “estes decorrem ipso jure da simples declaração

incrustada na sentença desconstitutiva da sociedade conjugal: os efeitos exultam

da lei e não da vontade do juiz consubstanciada na sentença”.

Mais adiante corrobora Yussef Said Cahali188 que:

Ademais, existem certos efeitos colaterais que trazem a marca da

mutabilidade, e, neste sentido, se diz que a sentença ou decreto

de separação (amigável ou litigiosa) não transita em julgado sob

esse aspecto; assim, o dever recíproco de assistência e

alimentos; o direito à conservação do sobrenome do outro

cônjuge; as relações paterno-filiais concernentes à guarda,

alimentos e visita dos filhos.

Quanto a direito de conservação do sobrenome do outro

cônjuge, Sílvio de Salvo Venosa189 argumenta que “o cônjuge inocente poderá

manter o sobrenome do outro, podendo renunciar a ele, porém, a qualquer

momento (art. 1.578, § 1º)”, e, mais adiante, que “nos demais casos, o cônjuge

poderá optar pela conservação do nome de casado”.

Contudo, efeito relevante é a perda do uso do nome do outro

cônjuge, que pode ocorrer “quando o interessado for declarado culpado na ação

de separação judicial”, segundo leciona Sílvio de Salvo Venosa190.

De acordo com Yussef Said Cahali191, sem o requisito

essencial da sentença de separação judicial, seja consensual ou litigiosa, até

mesmo, do divórcio, vedado é à mulher almejar, na vigência da sociedade

conjugal, “a alteração do assento de casamento, no sentido da volta do nome de

solteira, se no ato de celebração do matrimônio usou da faculdade de ‘acrescer

aos seus os apelidos do marido”.

187 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 690. 188 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 691. 189 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 215. 190 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 215. 191 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 708.

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Desta forma, quanto aos efeitos produzidos pela sentença,

imprescindível se faz destacar o que preceitua o artigo 1.575 e 1.576 do Código

Civil:

Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação

de corpos e a partilha de bens.

Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante

proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este

decidida.

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de

coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá

somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão

representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.

Diante da leitura dos citados dispositivos legais, Maria

Berenice Dias192 tece as seguintes considerações:

Absolutamente equivocado o 1.575 ao estabelecer, como efeitos

da sentença de separação, a separação de corpos e a partilha de

bens. Não é este o marco que importa na separação de corpos,

pondo termo aos deveres de coabitação, à fidelidade e ao regime

de bens. Tais seqüelas independem do ato sentencial e,

geralmente, antecedem à ação, porquanto derivam da ruptura

fática da relação. Ao depois, a partilha de bens pode ser feita até

após o divórcio (1.581). Talvez quisesse dizer o legislador – no

que seria mais feliz – que a separação de fato põe fim ao que se

chama de estado de “mancomunhão” dos bens. Se quis dizer, não

disse, mas deveria ter dito.

Assevera, ainda, Maria Berenice Dias193, que o artigo 1.575

do Código Civil “choca-se” com o artigo 1.576 do Código Civil, destaca-se:

192 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 301. 193 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 301.

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Mais uma vez, equivoca-se o legislador. O fim dos deveres do

casamento também não decorre da ação de separação, mas da

separação de fato. Além disso, não explicita esse dispositivo se

está a falar do momento em que a ação foi intentada, da data da

sentença ou do seu trânsito em julgado. Como a sentença dispõe

de carga eficacial desconstitutiva, só produz efeito de pôr fim à

sociedade conjugal depois do trânsito em julgado, sendo de todo

descabido que persistiam até esta data os deveres conjugais.

Desta forma, sobre os efeitos pessoais de cessação dos

deveres de coabitação e fidelidade recíprocas, Yussef Said Cahali194 aponta que:

Constitui efeito próprio do decreto de separação a cessação da

vida em comum no domicílio conjugal, a que antes estavam

obrigados os cônjuges a teor do art. 1.566, II.

E, com a cessação do dever de convivência, cessam do mesmo

modo o direito marital de decisão e o poder de direção doméstica

da mulher.

Para Sílvio de Salvo Venosa195: “(...) não somente a

separação, mas principalmente o divórcio, põe fim aos deveres recíprocos entre

os consortes, permanecendo alguns, como é o caso dos alimentos”.

Neste sentido, a respeito da separação de corpos e da

partilha de bens, Sílvio de Salvo Venosa196, registra, também, que:

A separação judicial também importará na separação de corpos e

na partilha de bens (art. 1.575; art. 7º da Lei nº. 6.615/77). A

separação judicial, não rompendo completamente o vínculo

matrimonial, é um passo antecedente para que isso ocorra

posteriormente, com sua conversão em divórcio, a qual, todavia,

não é medida obrigatória.

194 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 717. 195 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 210. 196 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 210.

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Por fim, os outros dois efeitos pessoais da separação judicial

em relação aos cônjuges, como já abordado em tópicos anteriores, é a

impossibilidade da realização de novas núpcias, uma vez que o vínculo

permanece intacto; e, que, preenchido um ano de vigência da separação judicial,

autorizar-se-á a conversão em divórcio.

Conforme observa Ana Lúcia Pedroni197, tendo sido

dissolvida a sociedade conjugal pela separação judicial “extingue-se o regime de

bens e liberam-se os cônjuges dos deveres conjugais, não os liberando, contudo,

para um novo Casamento”.

Ademais, Ana Lúcia Pedroni198 argumenta que:

A homologação das cláusulas estabelecidas para a Separação

Judicial Consensual gera efeitos de ordem pessoal, tendo em

conta que põe termo aos deveres recíprocos do Casamento; por

outro lado, impossibilita a realização de um novo Casamento e

autoriza, após um ano da sua decretação, a conversão em

Divórcio.

Neste sentido, de acordo com Maria Berenice Dias199,

“afirma a lei que o divórcio é uma das causas do término da sociedade conjugal

(1.571, IV), além de ter o condão de dissolver o casamento (1.571, §1º)”.

No que tange aos efeitos patrimoniais, o já citado artigo

1.575 do Código Civil prevê que a separação judicial importa a partilha de bens; e,

também, o mencionado artigo 1.576 do mesmo diploma legal dispõe que a

separação judicial põe termo ao regime de bens.

Nesses termos, Yussef Said Cahali200 faz a seguinte

observação:

197 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.78. 198 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.115. 199 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 302. 200 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 717.

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Homologado o acordo quanto à partilha de bens e definição dos

direitos e obrigações recíprocas de ordem patrimonial, enquanto

não invalidado por defeito comum aos atos jurídicos em geral,

cessam os efeitos de ordem patrimonial da sociedade conjuga

extinta e não ressalvados pelo acordo, para que nova ordem se

estabeleça segundo os ditames convencionados, valendo como

título executivo.

Quanto à sanção patrimonial acostada no artigo 1.572, §3º,

do Código Civil, destaca-se:

§3º. No caso do §2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não

houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens

que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o

permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade

conjugal.

A esse respeito, Sílvio de Salvo Venosa201 registra que a

intenção do legislador foi “duplo” nesse normativo, uma vez que: “De um lado

procurou-se desencorajar o cônjuge a pedir o desquite e de outro, buscou-se

proteger aquele que não tomou a iniciativa da separação”.

Os efeitos em relação aos filhos, de conformidade com os

artigos estudados anteriormente, dizem respeito ao que for acordado quanto à

sua guarda, o direito de fiscalizar sua manutenção e educação, de visitá-los, bem

como no tocante à pensão alimentícia.

Por fim, finalizando estas considerações, tanto as questões

pertinentes à guarda e visitação dos filhos menores, alimentos para os filhos e

cônjuges, “podem ser revistas a qualquer tempo, desde que comprovada a

alteração dos fatos em relação as partes”, segundo se infere do registro de Ana

Lúcia Pedroni.202

201 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 238. 202 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p.115.

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2.3.5 DIVÓRCIO CONSENSUAL E LITIGIOSO

Sobre o instituto do divórcio, a Constituição Federal prevê

em seu artigo 226, §6º, que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

(...)

§ 6º. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após

prévia separação judicial por mais de um ano nos casos

expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de

dois anos.

No mesmo sentido, a conversão da separação judicial em

divórcio e o divórcio direto estão elencados no artigo 1.580, §1º e §2º do Código

Civil, os quais apresentam a seguinte redação:

Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença

que houver decretado a separação judicial, ou da decisão

concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer

das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

§1º. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges

será decretada por sentença, da qual não constará referência à

causa que a determinou.

§2º. O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os

cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de

dois anos.

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa203, na modalidade

consensual, o pleito de divórcio pode ser formulado de forma conjunta por ambos

os cônjuges; e na modalidade litigiosa, deve ser observado o procedimento

ordinário conforme o disposto no artigo 40, §3º, da Lei do Divórcio nº. 6.515/77.

203 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 252.

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Nas palavras de Maria Berenice Dias204: “(...) A ação de

divórcio pode ser consensual ou litigiosa e tem como único fundamento a

cessação da vida em comum por mais de dois anos”.

Registra, ainda, Maria Berenice Dias205 que:

Na espécie contenciosa, a única defesa cabível é a alegação de

falta do decurso do prazo de dois anos da separação de fato. Em

se tratando de divórcio consensual, é obrigatória a audiência de

ratificação (LD 40 §2º III). Somente em caráter excepcional, na

hipótese de inexistirem filhos, bens a serem partilhados e

obrigação alimentar, se admite a dispensa da solenidade.

Nessas perspectivas, a conversão da separação judicial não

ocorre “ope legis pelo simples exaurimento do prazo estabelecido em lei”,

conforme assinala Yussef Said Cahali206, pois “reclama-se a manifestação de

vontade dos cônjuges, seja através de pedido comum (conversão consensual),

seja através de pedido de um deles (conversão litigiosa)”.

A respeito da conversão da separação em divórcio, Maria

Berenice Dias207 sustenta que: “Rompido o casamento pela separação, para que

ocorra a dissolução do vínculo matrimonial, é necessário converte-la em divórcio

(1.580 e §1º)”.

Assim, acerca das modalidades de divórcio, Ana Lúcia

Pedroni208 formula a seguinte conclusão:

(...) duas são as possibilidades de se obter o Divórcio na

legislação brasileira, sendo elas o Divórcio Indireto, traduzindo-se

naquele que se obtém através da Conversão da Separação

Judicial em Divórcio, após decorrido no mínimo um ano de sua

204 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 302. 205 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 302. 206 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 967. 207 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 304. 208 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 98.

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decretação, e o Divórcio Direto, desde que provada a Separação

de Fato dos cônjuges por mais de dois anos.

Sintetizando, a conversão da separação judicial em divórcio

ou divórcio indireto, bem como o divórcio direto, podem ser propostos por mútuo

consentimento dos cônjuges; sendo litigiosa, se pleiteada tão-somente por um

dos cônjuges, “desde que comprovados os requisitos exigidos por lei”, segundo

Ana Lúcia Pedroni.209

2.3.5.1 Efeitos Jurídicos

Segundo lição de Sílvio de Salvo Venosa210: “O efeito mais

importante do decreto de divórcio é pôr termo ao casamento e aos efeitos civis do

matrimônio religioso”. Assim, após a dissolução da sociedade conjugal através do

divórcio, “os cônjuges podem contrair novas núpcias, desaparecendo o

impedimento legal”.

Ao ser proferida a sentença que decreta o divórcio, “deverá

ser levada ao Registro Público competente (art. 32 da Lei do Divórcio), que é

onde se acha lavrado o assento de casamento”, conforme corrobora, ainda, Sílvio

de Salvo Venosa211.

No mesmo sentido se perfila Yussef Said Cahali212, quando

salienta que: “Efeito natural do divórcio, e mais importante, diz respeito à

dissolução do vínculo matrimonial: cessada a condição de casados, cessa o

impedimento dos cônjuges para contrair novas núpcias (art. 1.521, VI, do CC)”.

Os deveres de coabitação e fidelidade recíproca cessam

“juridicamente” com a sentença de dissolução do casamento, através do divórcio

direto consensual ou litigioso, de acordo com Yussef Said Cahali213.

209 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 98. 210 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 255. 211 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 255. 212 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1113. 213 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1119.

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Maria Helena Diniz214 elenca os seguintes efeitos do

divórcio:

a) a dissolução definitiva do Vínculo Matrimonial; b) o fim dos

deveres recíprocos dos cônjuges; c) extinção do regime

matrimonial de bens; d) cessação do direito sucessório dos

cônjuges; e) possibilidade de novo Casamento; f) inalterabilidade

dos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos; g) a

impossibilidade de restabelecimento da Sociedade Conjugal,

podendo a mesma ser reconstituída somente através de novo

Casamento.

Ademais, concernente à obrigação alimentar, segundo

Yussef Said Cahali215, “findo o casamento, rompidos todos os vínculos legais

entre os ex-cônjuges, descabe à mulher receber alimentos, se não os teve

estipulados no momento da separação judicial ou da sua conversão em divórcio

(...)”.

Assim, segundo o autor, o direito de perceber alimentos não

mais existe quando dissolvidos não só a sociedade conjugal, como também, os

próprios vínculos legais entre os ex-cônjuges, através do divórcio. Se quando da

separação judicial ou da conversão em divórcio não acordaram os cônjuges a

respeito da prestação alimentar, depois de decretado o divórcio, a pretensão

torna-se descabida.

Por outro lado, quando à partilha de bens, o Código Civil em

seu artigo 1.581, prevê a possibilidade de decretação do divórcio sem a prévia

partilha de bens.

Em relação à conservação do sobrenome do outro cônjuge,

o Código Civil, em especial o artigo 1.565, §1º, determina a possibilidade de

qualquer dos cônjuges acrescentar ao seu o apelido do outro.

214 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil . p. 203-205. 215 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1129.

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Nesse contexto, como já vimos, Sílvio de Salvo Venosa216

registra que somente com a declaração de culpa na ação de separação judicial é

que acarretará na perda do direito ao uso do nome do outro cônjuge.

Dentro desta ordem de razão, para finalizar o tema,

enfocando as palavras de Ana Lúcia Pedroni217 quanto aos efeitos do divórcio:

“(...) o efeito natural, e o mais importante, é a dissolução do Vínculo do

Casamento, cessando a condição de casados dos cônjuges, eliminando-se,

assim, os impedimentos para um novo Casamento”.

2.3.5.2 A Guarda e Responsabilidade dos Filhos

O Código Civil em seus artigos 1.583 a 1.590 trata da

proteção da pessoa dos filhos, sobre os direitos e deveres que recaem sobre os

pais acerca destes.

Maria Berenice Dias218 sustenta que haja vista a atenção

garantida aos filhos quando da separação dos pais, torna-se completamente

desnecessário “proclamar a inalterabilidade dos direitos e deveres dos pais com

relação a eles em decorrência do divórcio ou de novo casamento de qualquer dos

cônjuges (1.579)”.

No entendimento de Yussef Said Cahali219, os efeitos da

dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio não alterará em nada os direitos e

deveres dos pais em relação aos filhos, e, tampouco, se qualquer dos pais

contraírem novo casamento. Destaca-se:

(...) o divorciado que contrai novas núpcias não perde só por si o

direito de ter os filhos sob sua guarda. Eles só poderão ser

retirados de sua guarda por ordem judicial, desde que provado

que a nova situação matrimonial assim constituída se mostre

inconveniente ou prejudicial à prole. 216 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 215. 217 PEDRONI, Ana Lúcia. Dissolução do vínculo matrimonial : (des)necessidade da separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro. p. 102. 218 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 302. 219 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1190.

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Nesse contexto, acerca da obrigação alimentar dos pais em

relação aos filhos, Maria Berenice Dias220 assevera que:

A obrigação alimentar decorre tanto dos laços de parentesco

como do poder familiar, não sofrendo qualquer modificação com a

mudança do estado civil do devedor. No entanto, está se

consolidando corrente jurisprudencial no sentido de permitir a

revisão do valor dos alimentos quando o alimentante estabelece

novo vínculo afetivo ou ocorre o nascimento de outros filhos.

No mesmo sentido, Yussef Said Cahali221 registra que a

obrigação do genitor divorciado de prestar alimentos permanece inalterada

“relativamente aos filhos, menores (dever de assistência e socorro) ou não

(alimentos do art. 1.696 do CC/2002), observando-se, neste último caso, o caráter

de reciprocidade”.

Em caso de óbito do genitor em cuja guarda estejam os

filhos, Yussef Said Cahali222 afirma que “o outro, ainda que tenha se casado

novamente, terá direito à sua guarda, o que só lhe será negado se provada a

inconveniência dessa medida”. E ainda, que: “Verificada a hipótese assim

ressalvada, deferirá o juiz a guarda a pessoa notoriamente idônea da família do

divorciado falecido ou do divorciado sobrevivo (...)”.

Para encerrar este capítulo, de acordo com Ana Maria

Milano Silva223, “a prioridade conferida ao interesse do menor emerge como o

ponto central, a questão maior, que deve ser analisada pelo juiz na disputa entre

os pais pela guarda dos filhos”.

Por conseguinte, o próximo capítulo tratará a respeito da

Guarda Compartilhada como o instituto que visa almejar o interesse do menor,

com o fim de protegê-lo e permitir seu amplo desenvolvimento e sua estabilidade

emocional, já que permite o igualitário exercício do poder familiar pelos pais.

220 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 302. 221 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1191. 222 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação . p. 1190. 223 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 51.

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CAPÍTULO 3

A GUARDA COMPARTILHADA E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DOS FILHOS

3.1 GUARDA COMPARTILHADA: ORIGEM

Nas palavras de Ana Maria Milano Silva224, a idéia de guarda

compartilhada ou conjunta “surgiu na Common Law, no Direito Inglês na década

de sessenta, quando houve a primeira decisão sobre guarda compartilhada (joint

custody)”.

Nesse contexto, Eduardo de Oliveira Leite225 registra que:

(...) na Inglaterra o pai sempre foi considerado proprietário de seus

filhos, logo, em caso de conflito, a guarda lhe era

necessariamente concedida. Somente no século XIX, o

Parlamento inglês modificou o princípio e atribuiu à mãe a

prerrogativa de obter a guarda de seus filhos e, a partir de então,

a prerrogativa exclusiva do pai passou a ser atenuada pelo poder

discricionário dos Tribunais.

Pelo fato da guarda conferir ao seu titular poderes muito amplos

sobre a pessoa do filho, a perda desse direito do pai se revelou

injusta e os Tribunais procuraram minorar os efeitos de não

atribuição, através da split order (isto é, guarda compartilhada)

que nada mais é, senão, um fracionamento do exercício do direito

de guarda entre ambos os genitores. Enquanto a mãe se

encarrega dos cuidados cotidianos da criança, care and control

(cuidado e controle), ao pai retorna o poder de dirigir a vida do

menor, custody (custódia).

224 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 67. 225 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 266.

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Eduardo de Oliveira Leite226 segue elucidando que a

iniciação da noção de guarda compartilhada ou conjunta nos Tribunais ingleses

admitiu a possibilidade de compartilhar a guarda entre os pais, diferenciando o

dever de custódia do dever de cuidado e controle.

Assim, Ana Maria Milano Silva227 noticia que:

(...) a manifestação inequívoca dessa possibilidade por um

Tribunal inglês, (...) só ocorreu em 1964, no Caso Clissold,

quando aplicou a guarda compartilhada demarcando o início de

uma tendência que faria escola na jurisprudência inglesa. Em

1972, a Court d’Appel da Inglaterra, na decisão Jussa x Jussa,

reconheceu o valor da guarda conjunta, quando os pais estão

dispostos a cooperar e, em 1980, a Court d’Appel da Inglaterra

denunciou, rigorosamente, a teoria da concentração da autoridade

parental nas mãos de um só guardião da criança. No célebre caso

Dipper x Dipper, o juiz Ormond daquela Corte promulgou uma

sentença que, praticamente, encerrou a atribuição da guarda

isolada na história jurídica inglesa.

Na visão de Eduardo de Oliveira Leite228, as decisões

possuem elevada importância histórica e jurídica, haja vista desvendarem a

ruptura de um conservadorismo secular e a preservação do interesse do menor.

Uma vez contraída a idéia de guarda compartilhada ou conjunta e implantada de

forma habitual na prática judiciária, as Instâncias Superiores tem a possibilidade

de melhor igualar os direitos de ambos os pais.

3.1.1 BREVES NOTÍCIAS DA GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO ESTRANGEIRO

As mudanças sociais e familiares que incidiram no mundo

inteiro, principalmente, após a Revolução Industrial, na visão de Ana Maria Milano

Silva229, contribuíram para as mudanças ocorridas quanto à guarda de filhos, com

o fim precípuo de igualar os direitos de ambos os pais, como também, “priorizar

226 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 266. 227 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 68. 228 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 266. 229 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 86-87.

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os interesses dos filhos concernentes a uma boa formação intelectual, moral e

social”.

Assim, a idéia de guarda conjunta ou compartilhada,

conforme já salientado, originou-se na Common Law do Direito Inglês, recebendo

a denominação de joint custody.

Desta forma, Ana Maria Milano Silva230 complementa que,

posteriormente, a noção de guarda compartilhada “estendeu-se à França e ao

Canadá, firmando jurisprudência em suas províncias e espalhando-se por toda a

América do Norte”. Nesse contexto, leciona que:

Foi na França que surgiu a primeira lei sobre guarda

compartilhada, que harmonizou o Código Civil francês com a

jurisprudência existente desde 1976. Chamada de ‘Lei Malhuret’,

nome do então Secretário de Estado dos Direitos Humanos,

editada em 22 de julho de 1987, sob número 87.570/87

estabeleceu que a autoridade parental deve ser exercida pelo

casal a quem, divorciado ou não, compete regrar e determinar os

detalhes da vida cotidiana dos filhos. O juiz, que intervém visando

ao interesse da criança, deve evitar de desacreditar os pais.

Na mesma ordem de contexto se perfila a legislação italiana,

conforme destaca Waldyr Grisard Filho231: “O exercício da potestá comum não

cessa com a separação dos genitores, mas poderá ser exercida apenas por um

deles no caso de impossibilidade do outro (...)”.

O Direito Americano, segundo Ana Maria Milano Silva232,

aspirou a inovação da guarda conjunta ou compartilhada e promoveu seu largo

desenvolvimento. Nos Estados Unidos os pais são favoráveis a este instituto

diante de suas conseqüências benéficas em relação aos filhos, tais como: “auto-

estima, atividade, relacionamento, adaptação e melhor desenvolvimento psico-

emocional”.

230 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 87-88. 231 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 80. 232 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 89.

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Acerca da guarda compartilhada no Direito Americano, Ana

Maria Milano Silva233 aduz que a grande parte dos Estados americanos já dispõe

de leis que inserem esta modalidade de guarda no rol de opções de custódia; e

faz as seguintes considerações:

A preocupação com a guarda compartilhada é patente nos

Estados Unidos, sendo comum a ampla divulgação aos pais das

características desse tipo de guarda e informações úteis como:

escolha de advogado (o que se exigir dele, características

profissionais, listas de advogados por área de atuação etc.), as

leis de cada Estado a respeito, grupos de auto-ajuda. Existem até

programas de educação para pais em 40 estados americanos,

que os auxiliam a enfrentar a nova sistemática familiar.

Waldyr Grisard Filho234, também a respeito da guarda

compartilhada no Direito Americano, assinala que:

Com a extinção do privilégio materno e a conseqüente aplicação

do princípio da neutralidade em matéria de gênero, surge a

doutrina da guarda compartilhada, que se desdobra nos regimes

de guarda compartilhada física e guarda compartilhada legal.

Nesse, ambos os genitores são os titulares da autoridade

parental; naquele, desfrutam de tempo mais ou menos igual na

companhia dos filhos.

Em Portugal, a guarda compartilhada foi denominada de

“Guarda Conjunta” e sua dimensão jurídico-social provém do fato de admitir a

escolha dos pais pelo exercício comum do chamado “poder paternal”, sendo que

seus tribunais já a introduziam antecedendo-se pragmaticamente à disposição

legal atinente à matéria, qual seja, artigo 1906 do Código Civil Português –

segundo Ana Maria Milano Silva235.

233 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 90-91. 234 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 79. 235 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 93.

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No Direito Espanhol, Waldyr Grisard Filho236 aduz que “a

pátria potestad será exercida conjuntamente por ambos os pais ou por um só

mediante o consentimento expresso ou tácito do outro (...)”

Concernente à guarda compartilhada no Direito Alemão, Ana

Maria Milano Silva237 registra que:

O Direito Alemão, até 1992 possuía uma lei sobre guarda

estipulando que a escolha da guarda deveria se basear no

interesse do filho, devendo predominar a guarda unilateral. Essa

regra, submetida à apreciação da Corte Internacional foi

considerada inconstitucional, por entender que o Estado não pode

intervir quando ambos os pais, depois do divórcio, são capazes e

estão dispostos à guarda conjunta dos filhos e quando tal arranjo

não se mostra prejudicial a eles.

Assim, depois dessa determinação, conforme assevera Ana

Maria Milano Silva238, na Alemanha não há mais obrigatoriedade de haver uma

decisão específica sobre a guarda em caso de divórcio, uma vez que ela será

automaticamente compartilhada ou conjunta, exceto se houver pedido de um dos

pais para que a guarda seja conferida somente a um destes, para tanto, devendo

sempre ser analisado os interesses do menor.

Já na legislação argentina, restou adotada como regra

basilar o efetivo exercício da guarda compartilhada ou conjunta, ainda que os pais

sejam separados/divorciados ou não, de acordo com Ana Maria Milano Silva239.

Waldyr Grisard Filho240, no tocante à guarda compartilhada

na Argentina, sustenta que:

236 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 81. 237 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 97. 238 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 98. 239 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 99. 240 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 82-83.

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O Código Civil argentino, conforme o artigo 264-1, atribui a ambos

os progenitores em conjunto o exercício do pátrio poder. Porém,

na ruptura conjugal o pátrio poder é exercido exclusivamente pelo

progenitor que detém a guarda (...), sem prejuízo de o outro

manter adequada comunicação com o filho e fiscalizar sua

educação. Para parte da doutrina, esta disposição é

inconstitucional, porque contraria a igualdade de direitos e

adequada equivalência de responsabilidades dos pais na criação

e educação dos filhos.

Por fim, na legislação canadense, a guarda compartilhada só

é admitida pelos juízes se os pais a elegerem. Contudo, Ana Maria Milano Silva241

informa que os magistrados procuram levar às partes a evidência de que esse

instituto erige-se no mais adequado ao desenvolvimento integral do menor;

resultando em benefícios, especialmente de ordem afetiva e educacional, a eles

próprios.

3.2 CONCEITUAÇÃO

O §1º do artigo 1.583 do Código Civil, através do advento da

Lei nº. 11.698 de 13 de junho de 2008, tratou de definir a guarda compartilhada

como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e

da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos

filhos comuns”.

Para Ana Maria Milano Silva242, a guarda compartilhada ou

conjunta é aquela que, “possibilita o maior contato das crianças com ambos os

genitores, o qual deve privilegiar seu bem estar, educação, saúde e

desenvolvimento como um todo”.

Na concepção de Waldyr Grisard Filho243, “a custódia física,

ou custódia partilhada, é uma nova forma de família na qual pais divorciados

241 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 99. 242 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 109. 243 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 112.

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partilham a educação dos filhos em lares separados”. Ademais, complementa

que: “A essência do acordo na guarda compartilhada reflete o compromisso dos

pais de manter dois lares para seus filhos e de continuar a cooperar com o outro

na tomada de decisões”.

No entendimento de Maria Berenice Dias244, a guarda

compartilhada ou conjunta é aquela que admite “a convivência física e imediata

dos filhos com os genitores, mesmo quando cessada a convivência de ambos”; é

ainda, aquela que “garante, de forma efetiva, a co-responsabilidade parental,

assegurando a permanência de vínculos mais estritos com os genitores, e a

ampla participação destes na formação e educação do filho (...)”.

3.3 O SENTIDO DO COMPARTILHAMENTO

Eduardo de Oliveira Leite245 salienta que o pressuposto da

guarda compartilhada ou conjunta, não obstante a guarda em si dar a idéia de

presença física da criança no domicílio de um dos pais, “é o de que, apesar da

ruptura dos pais e das diferenças pessoais que daí possam decorrer, os mesmos

continuam a exercer em comum a autoridade parental, como eles a exerciam

quando a família permanecia unida”.

Assim, adenda Eduardo de Oliveira Leite246 que “a ruptura

separa os pais, mas nunca os filhos (mesmo que alguns pais pensem e ajam

dentro deste espírito)”.

Ana Maria Milano Silva247 assegura que:

(...) o fator primordial que viabiliza, de plano, a aplicação da

guarda compartilhada é a maneira como os genitores se

relacionam após a ruptura da união conjugal. Assim, mais

tranquilamente assumirão em conjunto a tarefa de permanecerem

244 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 400. 245 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 271. 246 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 271. 247 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 114.

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como pai e mãe, no pleno exercício do poder familiar, tomando as

decisões a respeito da vida de seus filhos.

A guarda compartilhada, no entendimento de Maria Berenice

Dias248, tem o sentido de trazer mais benefícios à pessoa dos filhos, dando a

possibilidade de ambos os genitores participarem de forma mais constante e atual

na vida deles.

Mais adiante, Maria Berenice Dias249 fundamenta que:

A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos

que a separação sempre acarreta nos filhos, conferindo aos pais o

exercício da função parental de forma igualitária. Pretende-se

consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando

um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual.

Por fim, não resta dúvida, na visão de Sílvio de Salvo

Venosa250, de que o sentido da guarda compartilhada é o de manter os laços

entre pais e filhos, essenciais para a formação da criança e do adolescente.

3.4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE E A INSTITUIÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NO

DIREITO BRASILEIRO

O artigo 227, caput, da Constituição Federal determina que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar

à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade

e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo

de toda a forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão.

248 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 401. 249 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias . p. 401. 250 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : direito de família. p. 242

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Para o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº.

8.069/90), em seu artigo 2º, “Considera-se criança (...) a pessoa até doze anos de

idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente –

ECA (Lei nº. 8.069/90) também prevê esta proteção, disciplinando em seu artigo

3º que:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da

proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por

lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim

de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual

e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Já no âmbito civil, tal proteção integral dos interesses da

criança e do adolescente está embutida em dois dispositivos do Código Civil,

recentemente alterados pelo advento da Lei nº. 11.698 sancionada em 13 de

junho de 2008 – que instituiu e disciplinou a guarda compartilhada – a partir da

aprovação, pelo Plenário, no mês de outubro de 2007, de substitutivo do Senador

Demóstenes Torres ao Projeto de Lei nº. 6.350/02, proposto pelo ex-Deputado

Tilden Santiago. Destaca-se:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1º. Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só

dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por

guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício

de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o

mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2º. A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele

melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão

para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II - saúde e segurança;

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III - educação.

§ 3º. A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha

a supervisionar os interesses dos filhos.

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I - requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer

deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de

dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II - decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do

filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio

deste com o pai e com a mãe.

§ 1º. Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe

o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a

similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as

sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

§ 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à

guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda

compartilhada.

§ 3º. Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os

períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de

ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se

em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4º. A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado

de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá

implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor,

inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5º. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a

guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele

compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de

preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e

afetividade.

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Como se pode observar através da nova redação dada aos

artigos de lei supramencionados, o afastamento da culpa como fator influente

acerca da guarda de filhos no caso de dissolução da sociedade conjugal

permaneceu, sendo aplicado, para tanto, o princípio que visa a proteção integral e

o melhor interesse do menor.

A guarda compartilhada foi instituída e disciplinada na

legislação brasileira a fim de atender efetivamente o melhor interesse do menor e

positivar o que, de fato, já existe na prática, na doutrina e na jurisprudência de

nossos Tribunais.

Desta forma, Waldyr Grisard Filho251 entende que a guarda

compartilhada é a modalidade que mais atende o melhor interesse do menor, bem

como o exercício igualitário do poder familiar, destaca-se:

(...) pretendendo a guarda compartilhada reequilibrar os papéis

parentais (co-responsabilidade) na tomada de decisões

importantes relativas aos filhos e incentivar o contato freqüente e

contínuo destes com seus dois genitores, não significa uma

divisão pela metade, os filhos nem a guarda se dividem. Na

guarda compartilhada podem (e devem) os filhos passar um

período com o pai e outro com a mãe, sem que se fixe prévia e

rigorosamente tais períodos de deslocamento (...).

Na mesma linha de entendimento se perfila Ana Maria

Milano Silva252:

Na guarda conjunta, um dos ex-cônjuges estará na residência

habitual das crianças e o outro terá os filhos em sua companhia

por períodos bastante amplos. Há uma divisão mais igualitária de

responsabilidades e atribuições parentais, como levar e buscar na

escola, acompanhar os deveres escolares, ir às reuniões etc. É

também de grande importância que em ambas residências os

filhos tenham acomodações próprias, que possam ser

251 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 147. 252 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 203-204.

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consideradas como ‘o seu cantinho’. Esse local deve ser adaptado

às potencialidades sociais/econômicas de cada família e não

necessita ser um quarto para cada filho, bastando que seja local

identificado como ‘da(s) criança(s)’.

Nesta modalidade de guarda, Ana Maria Milano Silva253

adverte que o regime de visitas quinzenais, no qual os filhos se ausentam da

“residência principal” a fim de passarem dois dias na “residência secundária”,

permanece afastado.

Já em relação à prestação alimentícia, Ana Maria Milano

Silva254 aponta para a principal vantagem desta obrigação no instituto da guarda

compartilhada, qual seja: “por ser meio de manter estreitos laços afetivos entre

pais e filhos, estimula o genitor ao cumprimento do dever alimentício”.

Deste modo, quando a família é decomposta, optada pela

guarda compartilhada, as mesmas obrigações e responsabilidades são exigidas

aos pais quanto à educação e sustento dos filhos, da mesma forma como ocorria

quando a família permanecia unida, segundo leciona Ana Maria Milano Silva255.

Ana Maria Milano Silva256 assinala que a guarda

compartilhada admite que “os filhos vivam e convivam em estreita relação com o

pai e a mãe, havendo uma co-participação em igualdade de direitos e deveres”.

Trata-se, assim, de uma “aproximação da relação materna e paterna visando o

bem estar dos filhos”. Para a autora, “são benefícios grandiosos que a nova

proposta traz às relações familiares, não sobrecarregando nenhum dos pais e

evitando ansiedades, stress e desgastes”.

Assim, a guarda compartilhada satisfaz o melhor interesse

do menor, uma vez que “há uma efetiva participação de ambos os genitores no

cotidiano dos filhos, acentuando a intimidade formadora do caráter da criança”,

conforme observa Ana Maria Milano Silva257.

253 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 204. 254 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 204. 255 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 204. 256 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 204. 257 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 204.

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3.5 O DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Conforme já delineado em capítulo anterior, o artigo 1.632

do Código Civil prevê que tanto a separação judicial como o divórcio ou a união

estável “não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que

aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

Nesse aspecto, na visão de Leila Maria Torraca de Brito258, a

guarda compartilhada é a “opção que acarreta menos desgaste ao

relacionamento entre pais e filhos do que a guarda monoparental”.

Mais adiante, Leila Maria Torraca de Brito259 corrobora o

seguinte:

Percebe-se, assim, que a guarda compartilhada pode ser uma

medida facilitadora no que se refere ao desempenho dos papéis

parentais, além de assegurar para a criança a manutenção de

vínculos estáveis com seus pais, vínculos fundamentais ao bem-

estar infantil. Em oposição à dúvida, com freqüência evocada,

sobre como a criança poderia ser educada por ambos os pais

quando estes não permanecem casados, hoje compreende-se

que os menores de idade podem e devem conviver com o pai e

com a mãe, mesmo que estes não residam na mesma habitação.

No mesmo sentido, Evandro Luiz Silva260 salienta que:

É importante a criança conviver com ambos os pais, para que

construa uma relação e forme por si uma imagem de cada um dos

seus pais. Esta convivência está relacionada ao tempo em que

estão juntos pai e filhos ou mãe e filhos, que no contexto atual,

tende a ser em pouca quantidade, mas que se pretende ter boa

258 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência familiar. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 53. 259 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência familiar. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 67. 260 SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 20.

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qualidade na convivência. Quando isso não acontece, ou ocorre

em intervalos irregulares e espaçados de tempo, normalmente a

imagem do progenitor que não detém a guarda é formada com a

interferência daquele que a detém, na maioria das vezes

influenciada por sentimentos de rancor por não conseguir separar

o ex-cônjuge da função de pai ou de mãe, dadas as desavenças

conjugais existentes.

Contudo, em relação às freqüentes confusões a respeito do

compartilhamento da guarda com a livre visitação, Eliana Riberti Nazareth261

esclarece que:

Esse é um dos enganos mais comuns: igualar o compartilhamento

da guarda à livre visitação.

Compartilhar a guarda é muito mais do que isso e não apenas

isso. É colocar os pais a colocarem-se como pais em uma postura

totalmente diferente. É assumir responsabilidades. É

comprometer-se em proporcionar as melhores condições

possíveis ao adequado desenvolvimento bio-psicossocial dos

filhos. E nem sempre a visitação livre é o melhor para a criança.

Daí a necessidade da Mediação feita ou assessorada por

mediador profissional da Psicologia que conheça o

desenvolvimento infantil e o funcionamento familiar, e que, junto

com os pais, confeccionará o melhor arranjo levando em

consideração os mais diversos elementos.

A Guarda Compartilhada exige uma confecção sob medida que

atente para vários fatores como idade da criança, possibilidades

objetivas e subjetivas dos pais, exame das características da

convivência antes da separação, entre outros.

Assim, Leila Maria Torraca de Brito262 afirma que tanto o pai

como a mãe são co-titulares do poder familiar, “responsáveis pela educação e

261 NAZARETH, Eliana Riberti. Guarda compartilhada e mediação familiar: a importância da convivência. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 94. 262 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência

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pelo cuidado com os filhos comuns”. Para a autora, a guarda compartilhada

auxilia que o menor se dirija de forma constante tanto à mãe quanto ao pai, bem

como facilita na maior proximidade com o pai.

Leila Maria Torraca de Brito263 registra ainda que “a guarda

compartilhada assegura ao pai e a mãe seu lugar de educador junto à prole,

rompendo com a tão criticada figura de ‘pai de fim de semana”. Ademais, assinala

que:

Funciona ainda como um suporte social, uma ancoragem da

sociedade para o exercício dos papéis parentais, deixando-se no

passado a idéia de um genitor principal e um secundário. Nesse

contexto, desponta a preocupação com a manutenção do

convívio, abandonando-se a organização do calendário de visitas.

Concernente à residência do menor quando da fixação da

guarda compartilhada, Ana Maria Milano Silva264 julga necessário reforçar que

“ambos os pais devem possuir acomodações para a criança em suas respectivas

residências” e que:

Deve ela ter consciência de que existe ‘um canto seu’ em cada um

dos lares de seus genitores, onde ela se sentirá que é sua casa

também. Não se trata aqui da exigência de quartos para cada

filho, mas certamente um local especial, que será variável

segundo o estilo de vida dos genitores bem como do potencial

financeiro deles. Afinal, para os filhos, o essencial é se sentirem

amados e não, bajulados financeiramente.

Assim, segundo Ana Maria Milano Silva265, a residência será

única e não alternada, contudo, “deverá ser escolhida mediante o critério de poder

representar um centro de apoio aos filhos para suas atividades no mundo exterior,

além de significar condição de continuidade, conservação e estabilidade”. familiar. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 67. 263 BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência familiar. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 67-68. 264 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 114-115. 265 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 115.

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Ana Carolina Silveira Akel266 adverte que, para se

estabelecer a guarda compartilhada, além de imperioso o respeito recíproco entre

os genitores, necessário se faz que “estes residam próximos a seus filhos; caso

contrário, não será possível efetiva convivência”.

No mesmo contexto, enfatiza Guilherme Gonçalves

Strenger267 que tal determinação da residência do menor motiva “a estabilidade

que o direito deseja para o filho e não exclui que sua vida cotidiana seja vinculada

a um ponto fixo”.

Assim, em relação à alternância de casas na guarda

compartilhada, ou, até mesmo, o intervalo de visitas na guarda exclusiva, para

Evandro Luiz Silva268, é um ponto importante a ser observado. No entendimento

do autor, “o distanciamento por dias ou semanas pode causar na criança medo de

abandono, bem como despego com o ausente”.

Nesses casos, quando há um espaçoso intervalo de tempo

na convivência com um dos pais, quase sempre as crianças “fantasiam” que o

“progenitor ausente as abandonou”; ao passo que, “o melhor – quando a criança

se vincula muito bem com ambos os pais, é que ela possa estar com eles por um

grande tempo, com suas presenças efetivas” – segundo Evandro Luiz Silva269.

Assim, na concepção do autor, “é neste sentido que a

guarda compartilhada vem ao encontro da necessidade da criança, pois diminui o

tempo de ausência dos pais”.

No que tange à educação dos filhos desempenhada pelos

pais na convivência familiar, Eduardo de Oliveira Leite270 tece as seguintes

considerações:

266 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 109. 267 STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos . p. 71. 268 SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 27. 269 SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 27. 270 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 273.

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Educar não é como se tem irresponsavelmente propagado no

Brasil – ‘pagar a escola’, ‘pagar’ um professor particular, ‘pagar’

um curso de línguas etc. O pai (geralmente) que paga os estudos

do filho, que paga um professor particular, ou que paga um curso

de línguas, pode estar participando pecuniariamente do sustento

de uma criança, sem, portanto, educá-la. É bom que se distinga

bem o sustento (manutenção material) da educação (manutenção

moral), já que a tendência nacional tem, maliciosamente, se

direcionado no sentido de visualizar no pagamento, a forma, por

excelência, de se desvincular da educação dos filhos.

Na seqüência, Eduardo de Oliveira Leite271 conclui que:

Já um pai que visita freqüentemente a escola de seu filho, que

procura saber junto ao corpo docente qual é o aproveitamento

escolar da criança, que mantém diálogo permanente com o filho,

que se faz presente e necessário nos momentos de lazer, enfim,

que é tão indispensável à criança quanto a figura da mãe, no

cotidiano, este pai pode estar educando, mesmo que não financie

o acesso do filho à cultura, à arte, à religião e ao lazer.

Diante dessas ponderações, Ana Maria Milano Silva272

adverte sobre a necessidade de distinção entre as noções de educação e

coabitação. Para a autora, “se confundidas, atingem resultado diverso daquele

esperado na guarda conjunta, porque se entenderá que a mãe (por exemplo) com

quem a criança coabita é a única responsável pela educação da criança”.

A convivência com o pai e mãe, para Evandro Luiz Silva273,

“estreitam os vínculos e é importante que estes ultrapassem as brigas e

desentendimentos dos adultos, e que sobrevivam à separação do casal”.

Assim, Eliana Riberti Nazareth274 finaliza dizendo que a

guarda compartilhada conferida a ambos os pais, “é um passo dos mais

271 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais . p. 273. 272 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 121. 273 SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 20. 274 NAZARETH, Eliana Riberti. Guarda compartilhada e mediação familiar: a importância da

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importantes para oferecer condições mínimas de felicidade e equilíbrio a todos

que, um dia, formaram um núcleo familiar”.

3.6 A GUARDA COMPARTILHADA FIXADA EM SENTENÇA JUDIC IAL

Quanto ao posicionamento judicial sobre a fixação da guarda

compartilhada como modalidade indicada pelos pais após o rompimento da célula

familiar, Ana Maria Milano Silva275 afirma que “os juízes mais recentemente

empossados demonstraram uma maior aceitabilidade ao novo modelo, bem como

um maior interesse a esse respeito”.

Waldyr Grisard Filho276 ao referir-se dos antigos

posicionamentos judiciais, assevera que:

(...) os critérios de determinação da guarda, dentre eles a situação

dos pais, definirão o local de residência do menor, atendendo-se,

sempre, ao seu melhor interesse (...) cada caso é um caso à

discricionariedade do juiz, que deve evitar as fórmulas

estereotipadas, utilizadas automática, invariável e

tradicionalmente. Tais são preconceituosas, na medida em que

desatendem a necessidade do menor e dispensam a presença

permanente, conjunta e ininterrupta do pai e da mãe na sua

formação para a vida.

Embora muito antes já existente na prática, a aplicação da

guarda compartilhada no Direito Brasileiro, como já vimos, está prevista nos

artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, recentemente alterados pela Lei nº. 11.698

sancionada em 13 de junho de 2008.

Contudo, a guarda compartilhada já se mostrava lícita e

possível, segundo Ana Maria Milano Silva277, se aliada ao artigo 5º da

convivência. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. p. 95. 275 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 186. 276 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada : um novo modelo de responsabilidade parental. p. 146. 277 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 103-104.

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Constituição Federal que prevê a igualdade entre o homem e a mulher; parágrafo

5º do artigo 226 onde estabelece que “os direitos e deveres referentes a

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”; e,

artigo 227 e 229 que trata a respeito da proteção integral da pessoa dos filhos.

O mesmo regramento constante no artigo 227 da Carta

Magna foi conferido ao caput do artigo 4º do Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA (Lei nº. 8.060/90).

A Lei da União Estável (nº. 9.278/96) determina em seu

artigo 2º que: “São direitos e deveres iguais dos conviventes (...) III – guarda,

sustento e educação dos filhos comuns”.

A Lei do Divórcio (nº. 6.515/77) também disciplina sobre a

guarda dos filhos através dos artigos 9º ao 16, sendo que por intermédio do artigo

13 é que resta facultado ao juiz dispor sobre a guarda da forma que entender

mais conveniente ao menor.

Assim, de acordo com Ana Maria Milano Silva278, o

magistrado pode fixar a guarda compartilhada em sentença judicial, se caso restar

evidente que “é a modalidade que melhor atende aos superiores interesses do

menor e se for recomendada por equipe interprofissional de assessoramento, cuja

competência vem descrita no artigo 151 do ECA”.

3.6.1 REQUISITOS E EFEITOS

Para Ana Maria Milano Silva279, os fundamentos jurídicos

para a fixação da guarda compartilhada em sentença judicial, justificam-se em

três itens/requisitos essenciais, quais sejam:

a) O vínculo parental, deveres e direitos referentes aos mesmos,

não acaba com a extinção do vínculo conjugal, pois ainda

persistirá o poder familiar (pátrio poder do CC de 1916).

278 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 105. 279 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 105.

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b) A guarda conjunta encontra possibilidade de aplicação quando

os pais a indicarem, verificando o juiz que os filhos se beneficiarão

com esse modelo (...).

c) A guarda de filhos pode ser por aceitação dos pais, depois de

esclarecidos pelo juiz, quando afere que há possibilidade de

ambos em assumi-la. A imprescindibilidade de o juiz sopesar e

dissecar pormenores da situação familiar submetida à sua

apreciação e assim possuir melhores elementos para a orientação

às partes garantirá a justeza e viabilidade no acordo de vontade

dos pais, que sempre produzirá melhores efeitos que o peso de

uma decisão judicial.

No entendimento de Waldyr Grisard Filho280, um dos

requisitos essenciais para a aplicação da guarda compartilhada é a existência de

“um convívio harmonioso entre os genitores para ser proveitoso aos filhos”.

Contudo, importante relembrar que os requisitos e efeitos da

guarda compartilhada encontram-se disciplinados na nova redação conferida ao

artigo 1.584 do Código Civil. Restou estabelecido no inciso II deste artigo, que a

guarda compartilhada poderá ser decretada pelo juiz através de sentença judicial

levando-se em consideração as “necessidades específicas do filho, ou em razão

da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”.

O juiz, segundo determinação contida no §1º do artigo 1.584

do CC, deve esclarecer aos pais o significado da guarda compartilhada, como

também a sua importância e a igualdade de “deveres e direitos atribuídos aos

genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas”.

Em caso de não haver acordo entre os pais quanto à guarda

do filho menor na ação de separação, divórcio, dissolução de união estável ou

medida cautelar, o juiz aplicará automaticamente a guarda compartilhada, sempre

que possível, nos termos do §2º do artigo 1.584 do Código Civil.

280 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada : aspectos psicológicos e jurídicos. p. 84.

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Segundo se infere do §3º do mesmo artigo, para instituir as

imputações dos pais e os períodos de convivência na guarda compartilhada, o juiz

poderá se fundamentar em “orientação técnico-profissional ou de equipe

interdisciplinar”, de ofício, ou mesmo, a requerimento do Ministério Público.

Já o §4º adverte que em caso de descumprimento infundado

de cláusula sobre a guarda compartilhada, bem como a alteração desta de forma

não autorizada, como efeito, acarretará na “redução de prerrogativas atribuídas

ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”.

Por fim, conforme disposto no §5º, se o magistrado, ao fixar

a sentença judicial, constatar que o menor não deva permanecer sob a guarda

dos pais, “deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza

da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de

afinidade e afetividade”.

3.7 A GUARDA COMPARTILHADA NA VISÃO DOS TRIBUNAIS

É uniforme na doutrina e na jurisprudência, que em caso de

ruptura conjugal ou da união estável, ambos os pais estão habilitados à criação e

educação de seus filhos. Neste sentido, a presente pesquisa procurou apresentar

o entendimento dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e

Minas Gerais a respeito da Guarda Compartilhada.

De acordo com Waldyr Grisard Filho281, “a guarda

compartilhada já vinha sendo aplicada pelo Judiciário brasileiro, sem qualquer

previsão expressa, e, por isso mesmo, muito timidamente”.

Complementa o autor que, nas questões de família, “um

amplo poder discricionário é concedido ao juiz, que pode regulamentar a guarda

de filhos na desunião dos pais de maneira diferente da que foi por eles celebrada,

visando preservar os superiores interesses dos filhos”.

281 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada : aspectos psicológicos e jurídicos. p. 83.

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Na doutrina e na jurisprudência resta pacificado que, na

hipótese de ruptura conjugal ou da união estável, ambos os genitores estão

capacitados ao dever de criar e educar seus filhos menores, segundo observa

Waldyr Grisard Filho282, aduzindo que “se se pretende uma unidade educativa

para além da desunião (...), a guarda compartilhada é a solução a privilegiar”.

Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal de Justiça de

Santa Catarina283:

GUARDA DE FILHO. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DO

MENOR. CONDIÇÕES DE AMBOS OS GENITORES.

PRESERVAÇÃO DOS LAÇOS PATERNOS E MATERNOS.

GUARDA COMPARTILHADA. "Nas ações de família, em que se

discute a guarda da prole, deve-se atender os interesses dos

menores, pois a convivência com os pais é mais um direito dos

filhos do que dos pais." (Rel. Des. José Volpato de Souza). Sendo

um direito primordial da criança conviver pacificamente tanto com

o pai quanto com a mãe, ainda quando sobrevém a separação do

casal, tem-se a guarda compartilhada como um instrumento para

garantir esta convivência familiar. É fundamental para um bom

desenvolvimento social e psicológico que a criança possa conviver

sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito

da guarda de menores ficar atenta ao que melhor atenderá ao

bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. Assim,

tendo as provas até o momento produzidas indicado que ambos

os genitores possuem condições de ficar com o filho menor, tem-

se que a melhor solução para o caso concreto é a aplicação da

guarda compartilhada sem restrições.

Assim, quando o menor manifesta vontade de ficar com

ambos os pais, e estes, por sua vez, possuem condições de permanecerem na

guarda dos filhos, a solução mais acertada é o deferimento da guarda

282 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada : aspectos psicológicos e jurídicos. p. 83. 283 SANTA CATARINA. Tribunal de justiça. Agravo de instrumento n°. 2001.012993-0 , Rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 25.03.2003. Disponível em: www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia. Acesso em 23.10.2008.

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compartilhada, conforme se destaca de mais um pronunciamento do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina284 neste sentido:

GUARDA COMPARTILHADA DEFERIDA - POSSIBILIDADE -

PAIS EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES - INTERESSE DOS

MENORES QUE PREVALECE SOBRE QUALQUER OUTRO. (...)

2. Em se tratando de guarda, a escolha dos filhos é suprema em

relação a outros fatores. Deste modo, possuindo ambos os pais

condições de permanecer com a prole, a solução mais acertada é

o deferimento da guarda compartilhada, ainda mais quando esta é

a vontade das crianças e os genitores não se opõem ao

compartilhamento.

Contudo, segundo entendimento do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul285, não há que se falar em guarda compartilhada do menor

quando há intensa inimizade entre os pais, conforme ementa que segue:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA. A tese de guarda

compartilhada não subsiste frente à forte animosidade entre os

genitores da criança. A guarda fática da criança foi exercida pelo

pai, razão pela qual se mantém. Ademais, o feito carece de

melhor instrução, notadamente estudo social das partes.

Desta forma, a convivência harmoniosa entre os genitores é

fator essencial para a aplicação da guarda compartilhada de menor, conforme

determina a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul286:

ALTERAÇÃO DE GUARDA, DE VISITAÇÃO E DE ALIMENTOS.

GUARDA COMPARTILHADA. LITÍGIO ENTRE OS PAIS.

DESCABIMENTO. (...) Para que a guarda compartilhada seja

possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista

284 SANTA CATARINA. Tribunal de justiça. Agravo de instrumento nº. 2002.009848-0 , Rel. Des. José Mazoni Ferreira, j. 03.10.2002. Disponível em: www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia. Acesso em 23.10.2008. 285 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça. Agravo de instrumento nº. 70008336869 , Rel. Des. Rui Portanova, j. 16.09.2004. Disponível em: www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php. Acesso em 23.10.2008. 286 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça. Apelação cível nº. 7000760673 , Rel. Des. Sérgio F. Vasconcellos Chaves, j. 12.03.2004. Disponível em: www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php. Acesso em 23.10.2008.

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entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito,

onde não existam disputas nem conflitos. 3. Quando o litígio é

uma constante, a guarda compartilhada é descabida.

Para Waldyr Grisard Filho287, isso significa que “a solução

em todo conflito que envolve a guarda de menores, deve ser presidida pelo

propósito de assegurar, na maior medida possível, o bem estar deles”.

É nessa mesma linha de inteligência que se perfila o

Tribunal de Justiça de Minas Gerais288. Destaca-se:

SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL - GUARDA

COMPARTILHADA - INTERESSE DOS MENORES - AJUSTE

ENTRE O CASAL - POSSIBILIDADE - Não é a conveniência dos

pais que deve orientar a definição da guarda, e sim o interesse do

menor. A denominada guarda compartilhada não consiste em

transformar o filho em objeto à disposição de cada genitor por

certo tempo, devendo ser uma forma harmônica ajustada pelos

pais, que permita a ele (filho) desfrutar tanto da companhia

paterna como da materna, num regime de visitação bastante

amplo e flexível, mas sem perder seus referenciais de moradia.

Não traz ela (guarda compartilhada) maior prejuízo para os filhos

do que a própria separação dos pais. É imprescindível que exista

entre eles (pais) uma relação marcada pela harmonia e pelo

respeito, na qual não existam disputas nem conflitos.

Para enfeixar essas abordagens, Waldyr Grisard Filho289

assinala que o mais adequado para os filhos de pais separados “é conviver com

ambos os pais, preocupação relevante para os tribunais, que não mais se limitam

287 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada : aspectos psicológicos e jurídicos. p. 83. 288 MINAS GERAIS. Tribunal de justiça. Apelação cível nº. 1.0024.03.887697-5/001 , Rel. Des. Hyparco Immesi, j. 09.12.2004. Disponível em: http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&ano=3&txt_processo=887697&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta. Acesso em 23.10.2008. 289 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada : uma nova dimensão na convivência familiar – o discurso do judiciário. In: APASE, Associação de Pais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada : aspectos psicológicos e jurídicos. p. 85.

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ao exame dos aspectos materiais dessas questões”, tendo em vista, segundo o

autor “o forte conteúdo afetivo que carregam”.

3.8 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHAD A

Ana Carolina Silveira Akel290, sobre algumas vantagens da

guarda compartilhada, corrobora que:

A guarda conjunta ou compartilhada não impõe aos filhos a

escolha por um dos genitores como guardião, o que é causa,

normalmente, de muita angústia e desgaste emocional em virtude

do medo de magoar o genitor preterido, possibilitando o exercício

isonômico dos direitos e deveres inerentes ao casamento e à

união estável, a saber, a guarda, o sustento e a educação da

prole.

(...)

A guarda compartilhada privilegia e envolve, de forma igualitária,

ambos os pais nas funções formativa e educativa dos filhos

menores, buscando reorganizar as relações entre os genitores e

os filhos no interior da família desunida, conferindo àqueles

maiores responsabilidades e garantindo a ambos um

relacionamento melhor do que o oferecido pela guarda

uniparental.

Ademais, em relação do dever de educação e vigilância dos

genitores aos filhos menores, Ana Carolina Silveira Akel291 salienta que “é forçoso

‘presumir’ que os danos por eles causados sejam atribuídos aos pais, os

responsáveis e representantes dos menores”, sustentando, mais adiante, que:

(...) estabelecido o exercício conjunto da guarda, os genitores

serão solidariamente responsáveis pela reparação dos prejuízos

causados por seus filhos menores, evitando o conflito que a

guarda alternada pode estabelecer entre eles, uma vez que,

290 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 107. 291 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 108.

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nesta, o responsável é o genitor que exercia a guarda no

momento da infração.

Por compartilharem a guarda, presume-se que as decisões

relativas à educação são tomadas em comum pelos pais, que

desempenham papel efetivo na formação diária dos filhos e,

havendo um dano, a presunção de erro, ou falha na educação e

vigilância das crianças, recai sobre ambos, ainda que a guarda

material (física) permaneça apenas com um dos genitores.

Outra vantagem elucidada por Ana Carolina Silveira Akel292

na guarda compartilhada é o respeito que vigora entre os genitores, pois não

obstante terminada a relação conjugal, para que exercitem devidamente o poder

familiar, “devem conviver de forma harmônica, a fim de tomar as melhores

decisões acerca da vida dos filhos”.

O simples fato de que os vínculos com os genitores serão

permanecidos, mesmo que não mais habitem o mesmo lar, “é de suma

importância para que os filhos percebam que ainda há lugar para eles na vida do

pai e da mãe, mesmo após o divórcio, eliminando o medo de perder os pais” –

segundo Ana Carolina Silveira Akel293.

Neste sentido, Ana Maria Milano Silva294 destaca que a

importância para os filhos menores quanto ao “constante referencial das figuras,

materna e paterna, que lhe fornecerá valores para diferenciação entre elas,

afastando o perigo do aparecimento de males psicológicos, como a ‘síndrome da

alienação parental”.

Com o advento da guarda compartilhada, Ana Maria Milano

Silva295 salienta que haverá também a “diminuição de novos processos judiciais,

já que os pais poderão resolver, através do diálogo existente entre eles, eventuais

questões menores que poderão surgir”.

292 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 108. 293 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 109. 294 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 192. 295 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 192.

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Por outro lado, muito embora seja a guarda compartilhada

alvo de elogios para o avanço da família, Ana Carolina Silveira Akel296 registra

que “é, também, alvo de comentários contrários, o que é compreensível, pois todo

plano de cuidado parental acompanha problemas sensíveis”.

Pais que estabelecem disputas e conflitos constantes e não

cooperam para o cuidado dos filhos “contaminam a educação dos filhos,

impossibilitando qualquer tipo de diálogo e, nesta hipótese, os arranjos da guarda

conjunta podem ser desastrosos”, conforme aduz Ana Carolina Silveira Akel297.

Outro fator importante a ser observado antes da fixação da

guarda compartilhada, é a faixa etária dos filhos, uma vez que a criança, quando

muito pequena, necessita de um ambiente mais estável para “delineamento

satisfatório de sua personalidade” e adaptação, recomendando-se, para tanto, o

estabelecimento da guarda conjunta para crianças mais velhas, conforme defende

Ana Carolina Silveira Akel298 diante das orientações dadas pela psicóloga Eliana

Riberti Nazareth.

Desta forma, para Ana Maria Milano Silva299, “a guarda

compartilhada é uma postura dos pais diante dos filhos, consistente em

reconhecer a necessidade do relacionamento ininterrupto e igualitário entre eles”,

principalmente “quando visa ao perfeito desenvolvimento da saúde física e

psicológica das crianças”.

O compartilhamento entre os pais, na concepção de Ana

Maria Milano Silva300, dos direitos e responsabilidades na criação e educação dos

filhos, mesmo após a ruptura conjugal, “os esclarecimentos acerca dos benefícios

da guarda compartilhada, que prestigia a evidente continuidade do exercício do

poder familiar, deveriam ser a diretriz maior de todos que militam na esfera

judicial”.

296 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 110. 297 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 110. 298 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 110. 299 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 195. 300 SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada . p. 195-196.

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Por fim, na visão de Ana Carolina Silveira Akel301, tem-se

que quando os pais mantém a continuidade de suas relações com seus filhos

menores e os protegem de suas desavenças conjugais, “há enormes vantagens

em atribuir efeitos jurídicos a essa cooperação parental como estímulo ao

entusiasmo de compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e educação

dos menores”.

301 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada : um avanço para a família. p. 111.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou apresentar um panorama

histórico e jurídico sobre a origem e evolução da família, sua conceituação e

constituição através do casamento e da união estável, as espécies de guarda de

filhos menores na dissolução desses institutos, com especial enfoque na Guarda

Compartilhada.

Com o término deste trabalho, algumas considerações

acerca do tema “A Guarda Compartilhada no Direito Brasileiro” podem ser feitas,

destacando-se, no entanto, a complexidade e importância do assunto para o

Direito da Família.

Abordou-se, no primeiro capítulo, acerca da origem e

evolução da família, bem como da história do poder familiar, observando-se que,

na antigüidade, a autoridade do pai era absoluta em relação a seus filhos, isto é, o

pai, figurando como chefe de família, detinha um poder ilimitado que decorria da

religião. Salienta-se que nesta época, o instituto do poder familiar era chamado de

pátrio poder.

Ainda, neste capítulo, foi abordada a definição do poder

familiar, isto é, são direitos e deveres atribuídos a ambos os pais em relação à

pessoa e aos bens dos filhos menores e não emancipados. Destacou-se também,

a importância dos deveres dos pais para com seus filhos, bem como a obrigação

de lhes conferir total proteção.

Procurou-se demonstrar que a família natural encontra suas

origens nos primórdios dos tempos, no clã primitivo. No curso dos séculos as

sociedades foram-se tornando mais complexas; e mais sofisticadas suas normas

de conduta impostas aos seus integrantes.

Observou-se, contudo, que dentro desse contexto evolutivo

encontram-se as normas de feição jurídica direcionadas a regular o binômio

homem/mulher e o trinômio homem/mulher/prole. Ou seja: o Direito da Família

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(embora, nas culturas mais antigas, apenas de forma dispersa – nem sempre

racional – e, às vezes, conectado com preceitos religiosos).

Já no segundo capítulo, observou-se, de forma genérica, o

instituto da guarda na dissolução do casamento e da união estável, destacando-

se a sua conceituação, bem como suas espécies, critérios norteadores de sua

fixação e o direito de visitas.

No estudo do núcleo familiar, buscou-se detectar alguns

eventos importantes. Entre eles, a sua própria dissolução. Se de tal vínculo

resultaram filhos menores, estar-se-á diante da questão de sua guarda.

Por diversas razões de ordem cultural, a questão da guarda

permaneceu, quase até nossos dias, como algo adstrito à “guarda materna e

visita paterna”.

No terceiro capítulo, estudou-se acerca da Guarda

Compartilhada, inserida no Direito Brasileiro pelos artigos 1.583 e 1.584 do

Código Civil (alterados pelo advento da Lei nº. 11.698/08), destacando-se,

inicialmente, breves notícias sobre sua origem e definição, bem como sua

inserção na legislação estrangeira. Foi estudado, também, o sentido do

compartilhamento e o direito à convivência familiar no exercício do poder familiar

por ambos os pais, atendendo ao princípio constitucional do melhor interesse da

criança e do adolescente.

Ainda neste capítulo, abordou-se sobre as vantagens e

desvantagens da Guarda Compartilhada, seus requisitos e feitos, como também

sua fixação em sentença judicial e o posicionamento de alguns Tribunais

Brasileiros neste sentido.

A Guarda Compartilhada do menor insere-se no próprio

processo da evolução sócio-jurídica da Civilização.

Somente as legislações mais avançadas, bem

recentemente, intuíram a importância da guarda compartilhada como direito do

filho menor de uma sociedade conjugal desfeita.

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A impressionante ascensão da mulher, em todos os níveis,

no mundo hodierno, conferiu-lhe um status antes apenas conferido ao homem.

Antes meramente adstrita aos afazeres do lar e “criação” dos filhos, a mulher de

hoje, disputa, em pé de igualdade com o gênero oposto, desde a vaga num cargo

da Magistratura até a própria presidência da República. Como decorrência,

também ela passa a dispor de menos tempo para dedicar aos filhos – tarefa que,

obviamente, passa a exigir, como nunca antes na História, também o concurso do

cônjuge.

Numa eventual dissolução do vínculo conjugal essa

realidade persiste. O que levou os legisladores modernos a implementarem –

embora de forma paulatina – instrumental jurídico específico e eficaz, tendo como

horizonte a salvaguarda dos direitos do menor.

Por fim, retoma-se as hipóteses, levantadas para a presente

pesquisa:

1 - Os meios legais que asseguram a proteção dos filhos na

hipótese de desfazimento da sociedade ou vínculo matrimonial dos pais

encontram-se disciplinados no Código Civil, em seus artigos 1.583 a 1.590, que

estatui as normas sobre a guarda unilateral ou compartilhada dos filhos –

disposições que se interconectam com os artigos 9º, 10º e seus parágrafos e 13

da Lei do Divórcio (Lei nº. 6.515/77); artigos 33 a 35 do Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei nº. 8.069/90) e artigos 227 e 229 da Carta Magna de 1988, todos

visando a proteção integral e melhor interesse do menor.

Quanto à primeira hipótese, a mesma foi confirmada porque,

na eventualidade do desfazimento da sociedade ou vínculo matrimonial, o Código

Civil, em seus artigos 1.583 a 1.590, dispõe sobre a proteção da pessoa dos

filhos, estabelecendo as seguintes modalidades de guarda: unilateral ou

compartilhada. Outrossim, os artigos 9º, 10º e seus parágrafos e 13 da Lei do

Divórcio (Lei nº. 6.515/77); artigos 33 a 35 do Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei nº. 8.069/90) e artigos 227 e 229 da Constituição Federal

também estabelecem sobre a proteção do menor e o princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente.

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2- Até o advento da alteração dos artigos 1.583 e 1.584 do

Código Civil pela Lei nº. 11.698/08, de 13/06/2008 os modelos de guarda não

atendiam ao princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, filhos de

casais separados, pois não contemplavam uma convivência continuada entre os

filhos e o genitor não guardião – com todo o elenco de conseqüências deletérias

(psicológicas e da maturação em sentido amplo) incidentes sobre os menores em

formação.

Com relação à segunda hipótese, esta restou ratificada, uma

vez que a antiga redação do artigo 1.584 do Código Civil (recentemente – junto

com o artigo 1.583 – alterada pela Lei nº. 11.698/08, 13/06/2008) estatuía que, na

inexistência de acordo entre as partes, a guarda dos filhos menores seria

conferida ao genitor em melhores condições de exercê-la – ou seja, o primado

legal da guarda unilateral.

Considerando-se que, na maioria dos casos, nossos

magistrados têm delegado à genitora a primazia da guarda do menor, o mundo

forense chegou a engendrar a irônica expressão “pai quinzenal”.

“Quinzenalidade” que, com o tempo, vai se esgarçando, até que o elo parental

passe a configurar-se com algo meramente formal.

3- O modelo de guarda capaz de garantir o exercício do

direito dos filhos menores em continuarem convivendo com ambos os pais, é a

Guarda Compartilhada, uma vez que sua instituição tem como horizonte

exatamente assegurar esse direito. Direito que porta em seu bojo a possibilidade

de tornar factível um desenvolvimento – psicológico, parental e social –

incomparavelmente mais frutífero do que o que se obteria com a retrógrada

“guarda única”.

Por fim, quanto à terceira hipótese, esta foi confirmada, haja

vista que com a nova redação dos artigos 1.583 e 1.584 (dada pela Lei nº.

11.698/08, acima invocada), o menor, filho de união desfeita, passou a contar

com um eficiente escudo legal – afinado com a realidade de nosso tempo.

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A Guarda Compartilhada vem complementar o espírito do

Estatuto da Criança e do Adolescente, nas questões em que há menor envolvido,

seus interesses se sobrepõem ao das demais partes. Sua instituição tem como

horizonte exatamente assegurar aos filhos de casais separados o direito de

continuarem convivendo com ambos os genitores.

Registrou-se, todavia, que, alguns entendimentos

jurisprudenciais já a permitiam. Mas as decisões prevalecentes não

contemplavam uma convivência continuada entre o genitor não guardião – com

todo o elenco de conseqüências adversas (psicológicas e de maturação em

sentido amplo) incidentes sobre os menores em formação.

Segundo a nova legislação, a guarda (unilateral ou

compartilhada) poderá ser havida por acordo entre os genitores, ou por qualquer

deles, em ação autônoma de separação. Contudo, nos termos do parágrafo 2º do

artigo 1.584 do Código Civil, a consubstancial alteração para o Direito da Família,

é que “será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.

A tal inferência, há bom tempo, já chegaram os

doutrinadores de nações altamente civilizadas, portadoras de arsenais jurídicos

bastante atentos à evolução da História. Boa parte de nossa doutrina, com o aval

pragmático da jurisprudência, já ecoava, também, o que era gestado a respeito

nesses centros de referência.

A Guarda Compartilhada é a modalidade mais produtiva ao

desenvolvimento do menor, pois visa a promoção de igualdade de direitos e

responsabilidades entre os genitores. Circunstância geradora de uma atmosfera

parental indiscutivelmente benéfica a todos.

O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo e

na fase do Relatório da Pesquisa também foi a base indutiva.

Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos

conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.

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Finalmente observa-se que não houve a intenção por parte

da pesquisadora de esgotar o assunto, mas apresentar alguns elementos para a

discussão, especialmente por tratar-se de um tema novo do ponto de vista

legislativo, mas que gera o interesse de grande parte da sociedade, mormente

dos filhos que enquanto menores, estão envolvidos em processo de separação de

seus genitores.

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