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7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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1
1
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d
3 T
I
2
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
6/130
Introduo
A
j iucu?
de
cultura
nus
cincias sociais
"O
problema da
cul tura ,
ou ainda,d as
culturas,
passapor umaatualizao,tantonoplano
inte-
lectual, devido
vitalidade
do cul tra l ismo
ame-
r icano,
quanto
no
planopoltico.
N aFrana,ao
menos ,
nunca
se
falou tanto
d e
cultura quanto
-
hoje
(com
relao
mdia ,juven tude ,ao s
imi-
grantes) e
esta utilizao
da palavra, po r mais
se m
controle qu e
seja,
constitui por simesma
umdado
etnolgico."
Marc
A U G E
[1988]*
A
noo decultura c inerente reflexo
das
cincias sociais.
Ela
necessria,
de^cerf
manejra,para pensariaunidadeda umartiatl
lia diversidade almdos
questo dadiferena entreos povos,uma vez
que aresposta"racial" est cada ve ^mais desa-
creditada,
medida
que h
avanos
da
gentica
da spopulaes humanas.
O
homemj
essencialmente um ser decul-
tu|_._0
longo^
processo
de hpminizao,come-
adohmaisoumenos quinze milhesdeanos,
* A s referncias
entre
colchetes
remetem
bibli-
ografia no final
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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consistiu
fundamenta lmente
>assaeem de
_ *-*
meio
ambienfeTiatlf
_ cuIturalJAolongo dest~vo-
luo,
queresultanoHomo sapiens sapiens,o
primeiro homem, houveumaformidvelregres-
j
go gs.instintQs,. siibsttudos""progrcssvamen-
^te_pela
cul tura / is to,
poresta adaptao imagi-
nad a
e
controlada
pelo
homem
que se
revela
muito mais funcional
que a
adaptao gentica
por ser
muito mais
flexvel,
mais fcil
e
rapida-
mente transmissvel. A cultura permite ao '
homem no somente adaptar-se a seu meio,
jnas ja rnb_m_adaptar este meio j aojpropnpTio
1
"
jnenUa
suas necessidades
e
seus projetos.
Em
s u m a ,
a cultura torna possvel atransformao
da
natureza.
Se todas
as
"populaes" humanas pos-
s u e m a mesma carga gentica, elas se diferen-
ciam
po r
suasescolhasculturais, cada
um a in -
ventando solues originais para os problemas
que lhe so
colocados.
N o
entanto, estas diferen-
as no so irredutveis umas s outras pois,
considerando
a
unidade gentica
da
humanida-
de,elas
representam
aplicaes de princpios
culturais universais, princpios
.suscetveis
de
evolues e at de transformaes.
A
noo
deculturaserevela entooins-,
trumento adequadopara acabar
com a s
cxplica-
jges;naturalizantes doscomportamentos hu ma -
nosj -A natureza,n o homem, e^inTifmenfeTn-
terpretada pela cultura.Asdiferenasqu e pode-
riam
parecer
mais ligadas
a
propriedades biol-
gicas particulares como,porexemplo,adiferen-
a de sexo, no podem ser
jamais
observadas
"e m estado bruto" (natural) pois,
p or
assim
d i-
zer, aculturas eapropria delas" imedia tamente":
adiviso sexualdospapise dastarefasnas so-
ciedades
resulta fundamentalmente
da
cultura
e
porisso variade umasociedadepara outra . .
N a da
puramente natural no homem.
M e s m o as funes humanas que correspoiT'
d e m a
ncc^ssiaa'3rHsiofgicgs,como_
a
tome,
~"sono,
odeseio.sgxu^^tc^, s^o
informados
pel"cultura:-associedadesno doexatamen-
te asmesmas respostas aestas necessidades. ,4
d omn iosem que no h constran-
gimento biolgico,'os comportamentos so
orientados pela cultura.
Por
isso,aordem;
"Seja
natura l" ,
freqentemente fei ta
s
crianas,
em
particular
nos
meios
burgueses,
significa,
n a
realidade:"Aja
de
acordo
com o
modelo
da
cul-
tura
qu e
lhe
fo i
transmitido".
A
noo de cultura, compreendida em seu
sentido vasto,
que
remete
aos
modos
de
vida
e de
pensamento, hoje bastante aceita, apesar da
existnciadecertas ambigidades.Estaaceitao
ne m
sempre
existiu. Desde seu
aparecimento
no
scio
XVIII,aJd taJiiQdegl^^u
1
suscitou
constantemente debates
acirradosjjualquerque
seja
osentido precisoquepossatersido dado
palavra - e no faltaram definies de cultura-
sempre subsistiram desacordos
sobre
suaaplica-
o aestaouquela realidade.O uso danoode
cultura
leva diretamente ordem simblica,ao
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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que se refere ao sentido, isto , ao
ponto sobre
o
qual maisdifcilde entrar em acordo.
As
cincias sociais, apesar de seu desejo de
autonomia epistemolgica, nunca foram comple-
tamente independentes dos contextos intelec-
tuais
e
lingsticos
em que
elaboram
seus
esque-
m as tericos
e
conceituais. Esta
a
razo
pela
qualo
exame
do
conceitocientfico
de
cultura
implicao estudo de suaevoluo histrica, dire-
tamente ligada gnese social da idia moderna
de cultura.
Esta
gneserevela que, sob as diver-
gnciassemnticas sobre a justadefinio a ser
dada
palavra, dissimulam-se desacordos sociais
e nacionais (captulo I). As lutas de definio so,
em realidade, lutas sociais,e osentidoa serdado
s palavras revelam questes socjaisjtmdamen-
tais.
Como
Assim
se
pode
rctraar paralelamentehistria
da semntica,isto, gnesed asdiferentes sig-
nificaes
danoo
de
cultura,ahistria social
destas significaes:
as
mudanas semnticas,
apa ren temen te
d enatureza puramentesimbli-
ca ,
correspondem em realidadeamudanasd e
um a
outra ordem. Correspondem
a
mudanas
na estruturada srelaes de
fora
entre,de um
lado,os grupos sociais no seio de uma mesma
sociedade e, deoutro
lado,
as
sociedades
em re -
lao
de interao, isto , mudanas nas posi-
esocupadas pelos d i fe ren tesparceiros inte-
ressados em
definies
diferentes de
cultura
[1987,p.25 ] .
Apresen ta remos em seguida a inveno
propriamente ditad oconceito
cientfico
decul-
tura,implicando
a
passagem
de uma
definio
n o rma t iva
a u m a definio descritiva.
Contra- ;
riamente
^nocp
de^oTiTlctg>masoujasnos
riyainomesmo campo semntico,
a
noo
de
cultura se
aplica unicamente ao que humano.
Eelaoferece apossibilidadede conceber auni-
dade do homem
.na
diversidade de seus modos
de
vida
e de
crena, enfatizando,
de
acordo
com
os pesquisadores, jajunidade^iHi a diversidade
(captulo II).
Desde a introduo do conceito nas cin-
cias
dohomem, assiste-se a umnotvel desen-
volvimento das pesquisas sobre a questo das
variaes culturais, particularmente nas cin-
cias sociais americanas por razes que no
acontecem
por
acaso
e que so
analisadas aqui.
Pesquisas sobre sociedades extremamente di-
versas fizeram aparecer a
coerncia
simblica
( jamais absoluta, no entanto) do
con junto
das
prticas (sociais, econmicas, polticas, religi-
osas, etc.) de uma coletividade particular ou de
um grupo de indivduos (captulo III).
O
estudo_atento
do encontro das culturas
^revela
q ue
esteencontre-serealiza segundom o-
__daldadesmuitorariad^aj e^lea^a^jesultadosex -
^ ^ ^
tremamente
contrastados,
segundo as situaes
de contato,As pesqusa_s
sobre
a
"aculturao"
permitiram ultcapassai-vrias idias
preconcebi
da ssobre as propriedades da cj.ilturae renovar
pro fund amen te
oconceito decultura.AaculuT
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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rao aparece no como um fenmeno ocasi-
l,jde^efeitos.
deyastadres,jmas_^rrip um a
jas_madalid_ade habituais
O
encontro
das
cu l tu ras
no se produz
so-
mente entre sociedades globais, mas tambm
entre grupos sociais pertencentes a uma mesma
sociedade complexa. Como estes grupos so
hierarquizados entre
si,
percebe-se
que as hi-
erarquias sociais determinam
as
hierarquias cul-
turais, o que no significa que a cultura do
grupo dominante determine o carter das cultu-
ras dos grupos socialmente dominados. As cul-
turasdas classes populares no so desprovidas
de
autonomia
nem de
capacidade
de
resistncia
(captulo
V).
A
.defesa
da au tononi
ia
cultural muitoli-
gada Dreser^ap^daJdentida^^leivT^COl^
_tura
"e
"identidade
"sp^conceitos qu e
remetem
a
um a
m e s m a
realidade,
.vista
po r dois
ngulos
.*
i n
W
TTT Jor BiH*,-- aw rs
J TOI> _;a_
r
- 4 *
dife rentes . Uma
concepo, essencialista
da
identidade noresiste mai sa um exame do que
um a
concepo essencialistad acultura,A iden-
tidade
culturalde umgn^Q
r
s^ad&-secj:pjn;.
""preelidida
ao^se^estudaj"
suas
relaes
co m
og
grupos vizinhos (captulo VI).
"-" yjj jisg u , conserva, atualmente,
todaa sua
pertinncia
e se
revela sempre apta
a
dar conta das lgicas simblicas em jogo no
m u n d ocontemporneo, desde que no se negli-
genciem os ensinamentos das cincias sociais.
JVo
basta tomar emprestado destas
cincias
a
pnr^
dade,queesconde freqentemente uma tentati-
va
teJ
n
iP
^ls
m
feUS
e
J
a
n
campo pol-
tico ou religioso, na empresa ou em relao aos
imigrantes,
a cultura no se decreta; ela no
pode ser manipulada como um instrumento vul-
gar, pois ela est relacionada a processos extre-
m a m e n t e
complexos
e, na
maior parte
das ve-
zes, inconscientes (captulo VII).
No seria
possvel, no contexto desta
obra,
apresentar todos
os
usos
que foram feitosda no-
o de cultura nas cincias humanas e sociais.A
sociologia e a antropologia
foram
ento privile-
giadasmas, outras disciplinas recorrem
t a mb m
ao
conceito
de
cultura:
a
psicologia
e
sobretudo
a
psicologia social,
a
psicanlise,
a
lingstica,
a
histria, a economia,
etc.Alm
das
cincias so-
ciais, a noo igualmente utilizada, em particu-
la r
pelos filsofos. Por no poder ser exaustivo,
pareceu-me legtimo concentrar o estudo sobre
um
certo nmero de aquisies fundamentais
da anlisecultural.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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Gnese SocialdaPalavrae da
Idia de
Cultura
As palavras"tm"~uma
histria e, de certa
maneiratambm,
aspalavrasfazem ahistria.Se
isto
verdadeiro
para todas
as
palavras,
parti-
cularmente verificvelnocasodotermo "cultu-
ra".
O"peso da s
palavras",
para retomaruma ex -
presso
da
mdia,
grandemente influenciado
po resta relaoc o m ahistria,ahistriaque as
fez e ahistria para aqual elas contribuem.
S -
A spalavras aparecem para responder a
al-
fumas
interrogaes,
a
certos
problemas
que se
Y
colocam
em
perodos histricos determinados
C _ em contextos sociais epolticos especficos.
Nomea r
aomesmo tempo colocar oproblema
e, decerta
maneira ,
jresolv-lo.
A
inveno
da
noo
de
cultura
em s i
m e s m areveladora de um
aspecto fundamental
da
culturanoseiod aqual pde se r
feita
estain -
veno e que chamaremos,po r
falta
de um ter-
m o
mais adequado,
a
cultura ocidental. Inversa-
ment e ,significativoque a
palavra
"cultura"no
t enha equivalente,na maior parte das lnguas
oraisdassociedades quedos
etnlogos
estudam
habitualmentejlsto noimplica, evidentemente
(ainda
qu eesta evidnciano sejauniversalmen-
tecompartilhada ) queestas sociedadesno te-
nham
cultura,
mas que
elas
no se
colocam
a
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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questo
de
saber
se tm ou no uma
cultura
e
ajnclmenosdeclhnirsu^aria
cultura,^
Por esta
razo, se
quisermos compreender
o
sentido atual
doconceitode
cultura
e seu uso
nas cincias sociais, indispensvel que se re-
constitua
sua
gnese
social,sua
genealogia.
Isto
, trata-sedeexaminar como fo i
formada
apala-
vra,
e emseguida,oconceito cientficoquedela
depende, logo, localizar sua origem e sua evolu-
o semntica. No se trata de se entregar aqui a
um a anlise
lingstica, m as de
evidenciar
os la-
os que
existem entre
a
histria
da
palavra "cul-
tura"
e a
histria
das
idias.
A
evoluo
de uma
palavra deve-se,de fato, ainmeros fatores qu e
no so todos de ordem lingstica. Sua herana
semnticacriaumacerta dependncia emrela-
o aopassadonosseus usos contemporneos.
D o
itinerrioda palavra "cultura" tomare-
mos apenas os aspectos que esclaream a for-
mao do
conceito
tal
como
utilizado
nas
cincias sociais.Apalavra foi,econtinua aser,
aplicada a realidades to diversas (cultura da ter-
ra, cultura microbiana, cultura fsica...) e com
tantos sentidos diferentesque quase imposs-
ve l rctraar-^aqui
su a
histria completa.
Evoluo
da
palavra
na lngua f rancesa
daIdade
Mgjlia^
aoseculoX1X_
legtimo analisarmos particularmente o
exemplo francs do uso de
"cultura",
pois pare-
ce que a evoluo semntica decisiva da palavra
i
-que permitir em seguida a inveno do con-
ceito -
sejjroduziu
na lngua francesa do sculo
das
Luzes,
antes de se difundir por emprstimo
lingstico
em
outras lnguas vizinhas (ingls,
alemo).
Se
o
sculo
XVIII
pode
ser
considerado
comooperodode
formao
do
sentido
moder-
nodajgalavra,cm1700.noentanto,"cultur"j
umapalavra antiga no vocabulrio francs. \
jolatim
cultura
que ^
dispensado
aocampoou ao agp^cla aparece
nos finsdosculoXIIIpara designaru m aparcc-
la_dg_terra
cultivada (sobre este ponto
e os se-
guintes ,ver Bnton,[1975]).
N o
comeo
d osculo XVI,ela no
signifi-
ca
maisumestado(dacoisa cultivada),mas uma
ao, ou
seja
o
fato
de cultivar a terra. Somente
no
meio
d o
sculo
XVI se
f o r m a o _sentido
fgu-
:-radg e _"cul tura"pode designarento
a
cultura
deumafaculdade,isto , ofatode trabalhar para
..desenvolv-la.,
Maseste
sentido figurado ser
poucoconhecidoat a metade do sculo XVII,
obtendo pouco reconhecimento acadmico e
no figurando na maior parte dos dicionrios
da
poca.
A t
o sculo XV IILa evoluo do conte-
do semntico da palavra se deve principalmen-
te, movimento naturalda
lngua
e no aomo-
vjmentQ das idias,taue procede, por um lado
a
cultura como estado
cul-
tura como ao), por outro lado
Cdacultura daterra cultura do esprito'), imi-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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tando nisso seu modelt
Cultura,
consa-
gradopelo latimclsgipjlQ-gentido figurado^
O
termo
"cultura"no
sentido
figurado
mea a seimporjiojculo
XVIII.
Ele faz sua en-
trada
com-este sentido no
Dicionrio
da
Acade-
mia
Frahcesa
(edio
de
1718)
e
ento quase
sempre seguido
de um
complemento:fala-se
da
"culturada sartes",da"culturadasletras",da"cul-
tura dascincias",como se fosse preciso que a
coisa cultivada estivesse explicitada.
Apalavra
fa z
parte
do
vocabulrio
dajm-
gua doL-Duminismo^
sern^ser, no entanto, muito
utUJzada_Rglosflsofos^AEnciclopdia, que re-
serva
um
longo artigo para
a
"cultura
das
terras",
no dedica nenhum artigo especfico ao sentido
figurado de"cultura".Entretanto, ela no o igno-
ra,poisoutilizaem outros artigos ("Educao",
"Esprito","Letras","Filosofia","Ci ncias").
Progressivamente, "cultura" se libera de
jeuscomplementos
e
acaba
por serempregada
s .para designar a
"formao
", a "educao"do
^esprito.
fepois, em ummovimento inversoao
observado anteriormente; pjagsa-se
de
"cultura"
_ como ao(aodejnstruir) a"cultura" comc^es-
tadojestado
do
esprito^
cultivado
ggbjnstru-
co^estado
do indivduo "que tem
cultura^
Este
uso consagrado,no fim do sculo, pelo Dici-
onrio da Academia (edio de1798)que estig-
matiza "um
nhandocom esta expressoa oposio concei-
tuaientre"natureza"e"cultura.".
Esta
oposio
r
fundamentalpara ojsjjensadores
do
I luminismo"
20
jque
concebema cultura como um Carter distin-
1 tirod aespcieihumana.A_ cultura,paraeles, a
Jsoma dos saberes acumulados e transmitidos
pela humanidade, considerada como totalidade,
olongo de sua histria.
Nojrculo
XVHI."
cultura"sempre empre-
gadanosingular,o querefleteouniversalismo e
o humanismodosfilsofos:acultura prpria
do H o m e m (com maiscula),almde toda_dis-
tinode
povos
ou de
classes. "CultunTse
ins-
creve ento plenamente na ideologia do
Ilumi-
nismo:aj)a^waa^s^aad^sjdias
de
progres-
so,
de
evoluo,deeducao,derazoqueesto
no centro_doj?ensamentoda
rjoa.
gg_Q_movi-
mento
Uurainista
nasceu na Inglaterra,ele
j?n-
controu
sua
lngua
e seuvocabulrio^na
Francai,
eleteruma
granderepercusso
em
toda
a Eu-
ropa
Ocidental, sobretudo nas grandes metr-
poles como
Amste rd am,
Berlim,Milo, Madri,
Lisboa
e at So Petersburgo.A idia de cultura
participa do otimismo do momento, baseado na
conf iana
no
futuro
perfeito do serhumano.O^
progrejSj^aacc^ajnstmcG.isto . dacultura,
cada
vezm^s_abrangente.
" jjra^_jgst
ento muito
grxima de
um apalavraquevai ter um grande sucesso (at
maiorque o de"cultura")novocabulrojran-
cs do
sculo
XVIII:
"civilizao"4A sduas
pala-
vras pertencem ao mesmo campo semntico^rei
f l e tem osjTiesmas
cgn^epcgsjiindamentaisj
s
vezesassociadas,elas no so, no entanto, equi-
valentes."Cultura"evoca
prncipalmcntejjs
pr
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
13/130
gressosindividuais,"civilizao",osprogressos
coletivos. Como sua homloga "cultura c pelas
mesmas
razes, "civilizao" um conceito uni-
trio.es usado ento no singular. Ela
sejibc-
rajapidamente,
juntoaos
filsofos
reformistas,
de seu
sentido
original recente (a palavra apare-
cesomentenosculo XVlII)^quedes^gna^^afl.-
namento^dos
costumes,
e sjgnjflrpara
elesjx
processo
cia"e dairracionalidade.preconizando
esta nova
acepo
de
"civilizao",
os
pensadores burgue-
ses reformadores, utilizando-se de sua
influncia
poltica,impem
seu
conceito
de
governo
da
sociedade qu, segundo eles, deve seapoiarna
razoe nosconhecimentos.
A
civilizao
ento
definida_Qrnp um
processo
de
melhoria das,
instituies,dajegis-
"Jao,daeducao.
Acivilizao
ummovimen-
to
longe
dej star_acabadp^q.ue_e.preciso apoiar
e que
afeta
a socidade
comojum
todo,comean>
___
*
~- "
-n-- __
i"
dopelo Estado,que deve se
liberaf_dc
tudoo
j]ue
ncl"
irracionalem seu func ionamen tOj
Finalmente, a civilizao r>odcc deve se esten-
der atodosospovosquecompem ahumani-
dade. Se alguns povos esto mais
avanados-que
Doutros neste movimento, se alguns (a Frana
particularmente) esto
to
avanados
que j po-
demserconsiderados como "civilizados", todos
os povos, mesmo os mais
"selvagens",
tm voca-
o para entrar no mesmo movimento de civili-
zao,
e os mais avanados tm o dever de aju-
dar os mais atrasados a diminuir esta defasagem.
"Civilizao"
to
ligada
a
esta concepopro-
gressista dahistriaque os que semostramc-
tcos^com relao a
ela, como Rousseau
ou
Voltaire,evitaro utilizar este termo
por
serem
jmnoritris^feno
estarem
emcondiesde im-
por uma outra concepo mais relativista.
OJJSQ
de "cultura"c
de "civilizao"nos-
culcOCVIII
marca
novaconcepo( sga craliz3ida
3>fa-(daJiistQriaj-se-libera._dajeologia (da hist-
ria). As idias otimistas de progresso, inscritas
nas
noes
de
"cultura"
e
"civilizao "podem
ser
consideradas como
u m a
form a deCsucedneo*
de
esperana religiosa. A partir
de
ento,
o
homem
est colocado
no
centro
da
reflexo
e nocentro
do
universo. Aparece
a
idia
da possi5iir3g~ae
jjma^ciencia doh o m e m " ;aexpresso empre-
gada pela primeiravez porDiderot ern^l755(no
artigo "Enciclopdia"
da Encyclopdi) . E, em
1787,
Alexandre
deChavannes
cria
o
termo "et-
nologia"
^estuda
a
"histria
dos
progressos
dos
povos
cm
direo
O debate francoaleniio sobre acultura
ou a
im tteseVcu ltura
- civilizao
(sculo
X IX
-incio
dosculo
XX )
Kulturno
sentidof iguradoaparece
na
ln-
gua
alem
no
sculoXVIII
epareceser atrans-
posioexta da palavra
francesa.;O
prestgio
dalngua francesa- o uso do francsentoa
23
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
14/130
marca distintivada s classes superiores naAle-
manha
- e ain f lunc ia do
pensamento
Iluminis-
taso
muito grandes
na
poca
e
explicam este
emprstimo lingstico.
N oentanto,Kulturvai evoluir muito rapi-
damenteem umsentido mais restritivoque sua
homloga francesae vaiobter,desdeasegunda
metade dosculoXVIII,um
sucesso
de pblico
que "cultura" no teria ainda, j que "civilizao"
era a
preferida
no
vocabulrio
dos
pensadores
franceses. Conforme
explica
Norbert El ias
[19391,
este
sucesso c deyjdQ__adQco doter-
mo pela burgucsiaintelectual alem
e
ao uso
la
f a z d e lc ^ n a s u a
oposio
aristocracia
^dacorte^De'iato,
contrariamentesituao
fran-
cesa,
burguesia
e
aristocracia
no tm
laos es-
treitos na Alemanha. A nobreza relativamente
isolada em relao s classes mdias, as cortes
principescassomuito fechadas,aburguesia
afastada,em certa medida, da qualquer ao
po-
ltica.
Esta
distncia social alimenta um
certo
ressentimento,sobretudo entre muitos intelec-
tuais que,
na
segunda metade
do
sculo,
vo
opor os valores chamados "espirituais", ba-
seados
na
cincia,
na
arte,
nafilosofia e
tambm
na religio,aos
valores
"corteses"daaristocracia.
Aseus olhos,somente os primeiros so valores
autnticos, profundos; os outros so superficiais
e desprovidos de sinceridade.
Estes
intelectuais, freqentemente sados
domeio universitrio, criticamosprncipes que
governam os diferentes Estados alemes, por
abandonaras
artes
e a
literatura
e
consagrar
a
maior
parte
de seu tempo ao cerimonial da cor-
te, preocupados demais em imitar as maneiras
"civilizadas"
da corte francesa. Duas palavras
v o
lhes pmTiitirLrlffinir
esta-ftj^-^o"cITjnteis
sistemas
de
valores: tudo
o que
autntico
e
que Contribui"prao enriquecimento intelec-
tual e espiritual ser considerado como vindo
d~cltUfa; ao contrrio,
OTjue
somente pa"-
TncJa"brilhante,leviandade,ref inamentosuper-
ficial, pertence acivilizao*A cultura se
ope
ento
civilizao corno
a
profundidade
se
ope
superfcialidade. Para
a intelligentsia
burguesa alem, a nobreza da corte, se ela ci-
vilizada,
tem
singularmente
uma
grande
faltade
cultura. Como
o
povo simples tambm
no tem
esta cultura, aintelligentsiase considera de cer-
ta maneira investida da misso de desenvolver e
faze rirradiaracultura alem.
Por esta tomada de conscincia, a nfase
da anttese
cultura"^-
"civilizac^se desfocar
pouco apoucodaoposio socialp a r a a o p o s f -
o
nacional [Elias, 1939]^Diversos fatos con-
vergentes
vo
permitir este deslocamento.
De
um
lado,
refora-se
a
convico
dos
laos estrei-
tos queunemos costumescivilizados das cor-
tes alems vida de corte
francesa,
e isto ser
denunc iadocomo urna
fo rma
de alienao. Por
outro lado, aparece cadavezmaisavontadede
reabilitar a lngua alem (a vanguarda intelec-
tualseexpressa somente nesta lngua)e de de-
finir, nodomniodoesprito,o que especifica-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
15/130
mente alemo. Como
a
unidade nacional alem
noestava ainda realizadae noparecia possvel
ento no plano poltico, a intelligentsia que
t em u m aidia cadavezmaisfor ted e"missona-
cional",vai procurar esta unidade no plano da
cultura.
A ascenso progressiva desta camada
so-
cial
anteriormente
sem
influncia
que
conse-
guiu fazer-se reconhecer como porta-voz da
conscincia nacional alemt ransformaento
os
dados e a escala do problema da anttese "cultu-
ra" -
"civilizao".
Na
Alemanha,
s
vsperas
da
Revoluo Francesa,
olei
su aconotao
aristocrtica alem e passa a evo-
car a Frana
e
"de uma mheira~geral ,as potn-
cias
ocidentais
Da mesma maneira,
a
"cultura",
de marca distintiva da burguesia intelectual ale-
m nosculo XVIII,vaijscr"convertida,no scu-
lo
XIX,
ejfrTinarca
distintiva
da
nao alem intei-
"rTNps traos carcterstST
da classe intelc-
^-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
16/130
cepode cultura caracterizada pela desconti-
nmdade^que
nocxcluaT^oentant, iimjTps^
svel__c_omunicao_entre-Qs
w
ovos,e ra baseada
em Uma outra f i losof ia
da
histria(ttulo de
se u livro
de 1774).
dife_rent_e,da_filpsofa.
do
Ilu-
minismoyigpr
isso,Herder pode
ser
consider37
comj
ustia,prccursTd
conceito relatvistaide
"cultura";"Foi Herder quemnosabriuosolhos
sobre as culturas" [Dumont,1986,p.
134].
Depois da derrota na batalha de lena, em
1806,
e a
ocupao
das
tropas
de
Napoleo,
a
conscincia alem
vai
conhecer
uma
renovao
do
nacionalismo
que se
expressar atravs
de
uma acentuao da
jnterpretao
particularista-
dacjuitucLalerfla.jp
esforo para definir
o"car-
te r
alemo"se
intensifica.
No__somente
a
origi-
nalidade,na_singularidade absoluta, da cultura
alem que
afirmada,
mas tambm sua supe-
L*___
__
'
. - . _*_
rioridadex Desta afirmao, certos idelogos
concluem que existe uma misso especfica do
povo alemo com relao humanidade.
A idia alem de cultura evolui ento pou-
co no sculo X E K sob a influncia do nacionalis-
mo. Ela se liga cada vez mais aoconceitode"na-
_o".
A
cultura
vem d a
alma,
d o
gnio
de um
povo.Anao culturalprecedeechamaanao
poltica.
A-^eultura.
aparece como unLcontunto
de^conquistas
Artsticas, intelectuais
e
morais
que^constituem
o patrimnio" de uma
.nao,
considerado corifi^dquirido definitivamentee
fundadorde suaunmacle."X
Estasconquistasdoespritonodevemser
confundidas
com as realizaestcnicas,ligadas
ao progresso industrialeemanadasde umraci-
onalismosem alma. De maneira cada vez mais
marcad aao longo do sculo XIX, os autores ro-
mnticos alemes opem a cultura,
expresso
da alma profunda de um povo, civilizao de-
finida
a partir de ento pelo progresso material
ligadoaodesenvolvimento
econmico
etcni-
co. Esta idia essencialista e particularista da
cultura est
em
perfeita adequao
com o
con-
ceito tnico-racial
de
nao
-
comunidade
de in-
divduos
de mesma origem - que se
desenvolve
no
mesmo momento
na
Alemanha
e que
servir
de
fu n da men to
constituio do
Estado-nao
alemo [Dumont, 1991].
- ~
N a
Frana,
a
evoluo
da
palavra
no
scu-
lo
XD
e um pouco diferente. Um
certo
interes-
se nos crculos cultos pelafilosofia e as letras
alemsm pleno desenvolvimento
contfEli
talvezpara ampliar a acepo da palavra france-
sa ."Cultura" se enriqueceu com uma dimenso
colejtivacn^ej;eferiajnais^somente
aocesen-
jTOtvimgnto
intelectual
do
^indivduo.Passou
a
designar tambm um conjunto
decaracteres
prprios
deum '~cl>mumdade,
mas em um sen-
tidojej*almente vasto e impreciso. Encontra-se
expresses como "cultura
francesa"
(ou alem)
ou"culturad ahumanidade". Cul tura"est mui-
to
prximadapalavra "civilizao'e svezes
substituvel p o r
ela.
~ - - '
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
17/130
Oconceito
francs continua marcado pela
-B
HSa335SS? -
~
---a.,
i
.
idiad e d f e
dognero
humano,,Entreos
sculos XVin e XIX naFrana,h a
cpntinuida-
de do
pensamento
universalista.iA
cultura,
no
sentido coletivo, antes de tudo a"culturada
humanidade". Apesar
da
influncia
a l em , a
idiade unidade
suplantada
conscincia_da_di-
versidade: almdasdiferenasque sepodeobT
-
jiervar
entr^cultura
alem"e"culturafrancesa^,
^h
aunidade da"culturah u m a n a ". E m u m a cle-
bre conferncia
]pro1runci 3nnsorbonne
em
1882,
O que uma
nao?,ErnestRenan afir-
mava
suaconvico:
"Antes
da
cultura francesa,
da
cultura alem,
da
cultura italiana,existe
a
cul-
tura humana."
Os particularismos
culturais
so
minimiza -
dos.
Oslntelectuais
np^^m^nr^cncepo
d e f u m a
cultura nacional antes de tudo, assim
como recusam a
enjr^cujtura[^eji^ ___ __
tfrancj^^da-cultura-acompanha aconcepo
,jelejtiva^de_naq surgida
na
Revoluo: perten-
cem nao francesa, explicar Renan, todosos
que se
reconhecem
nela, quaisquerque sejam
suas origens.
N o scuQ_-XX,AJivaldade
dos
nacionalis-
_mos
f rancs^e a lemo^e^seujenfrentament^Bru^
talna
gi^rlfS^delpl^^-Svoexacerbar o de-
bate ideolgicontre as
duas~lpcoT^
,_, _~nC~~
,
^
_
"cultura.
A s
palavras tornam-se^slgns_utili?ados
_i*--~ t-
~
como
armas. Aosalemes,
que
dizem defender
a
cultura(nosentidoem queelesaentendem),os
franceses replicam pretendendo ser os
c a m-
explica' ^ "
clnio,noinci^dsculoXX,naFrana,do uso
de"cultura"na suaacepocoletiva,poisaide-
ologia nacionalista francesa deveria
se
diferen-
ciar claramente,
at em seu
vocabulrio,
de sua
rival alem.
No
entanto,
o
conflito
das
palavras
se
prolongar
atdepoisdo fim do
conflito
das
armas, revelando umaoposio ideolgica
pro-
f und a que no sepode
reduzir
a uma
simples
propaganda deguerra.
O debate ranco-alemo do sculo XVIII
ao
sculoXX
/arquetpicoNdas
duas concep-
es
decultura,um a^parfJtTtfarista, aoutra uni-
versalista^que
estonabasedas duas maneiras
de
definir
o
conceito
de
cultura
nas
cincias
so-
ciais contemporneas.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
18/130
AInveno
do
Conceito
Cientfico deC ul tura
Aolongo
do sculo XIX, a adoo de um
procedimentopositivonareflexo sobreo ho-
mem
e a sociedade resulta na criao da soci-
ologiae daetnologia como disciplinas cientfi-
cas. Tetniapor sua vez, vai tentar dar uma
ensar a especifcffl3"hllmana
ovos
e
dos"costuffi"es
a
'?To-
Iham
ummesmonosjA.jla.do:ojjostuladodauni-
dade
do
homgrn,
hermcj. ^dji ^^os j donimii-
nismoj
Paraeles,a dificuldade serentopensar
a diversidade naunidade
Mascom a
questo
colocada
desta
manei-
ra ,eles
no
podem
se
contentar
com uma
res-
posta
biolgica. Se eles reivindicam uma nova
cincia, para dar uma outra explicao diver-
sidade humana, diferente da existncia de "ra-
as"
diferentes. Dois caminhos vo ser explora-
dosjjirnultnea
e
CQ^correntemelTte^pcI^gtTr-
logos:oqucrpYivjl^a aunjdad j m m m iza j . _ d i-
versidade, reduzindo a uma diversidade
"tempo-
^ BtKaeEH
l " "l l.11.
lm
t
--||||,,,*_
rria",segundo um esquema evolucionista; e o
Doutrocaminho que,ao
contrrio,dTtda
a
inT"
portncia
diversidade,
preocup
ando-se"enTce
r
.
_ ~or-ri w
M_-riE ..
-T
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
19/130
monstrarque
ela no contraditria com a uni-
Umconceito
vai emergir como instrumen-
to
privilegiado para
pensar
jgste_rjrpblema
e ex-
plorar
as
diferentes respostas
j ossiveis
ceito
de
"cultura".
A
palavra est em voga, mas
utlfizcia, ria maior parte dos
casos,
tanto na
Frana quanto na Alemanha, com um sentido
jiQrjnatiyo.Os
Jundadores^da
.,gtngjoj^a_yjojhe
dar umj:ontedoj3urjmiente descritivcr^Nojig
trata,paraeles,jgsim
com^pjraos
flsobs, de
dizer
o aue
deve
ser a cultura, mas de
descrever
-- i..ll
= *=,
cjuiridaenodepende da hereditariedade biol-
gica. No entanto, se a cultura
origem
ej>eu
carter so,
conscientes.
SeTylor
o
primeiro
a
propor
uma
defini-
o
conceituai
de
cultura,
ele no foi
exatamen-
te o
primeiro
a
utilizar
o
termo
em
etnologia.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
20/130
El emesmo,
no uso que faz
desta palavra,
foi in-
fluenciado diretamente por
etnlogos
alemes
que lera e, sobretudo por Gustave
K l e m m
que,
de acordo com a tradio romntica germnica,
utilizavaKulturcom um sentido
objetivo,
prin-
cipalmente
por se
referir
cultura material.
Para
Tylor,
ahesitao entre "cultura"e"ci-
vilizao"
caractersticadocontextodapoca.
S eele privilegia finalmente
"cultura",
por com-
preender que "civilizao", mesmo se tomada
emum sentido puramentedescritivo,perdeseu
carterde conceitooperatrio desdeomomen-
to
em que aplicado ssociedades"primitivas".
A etimologia
da
palavra civilizao remete
constituiodascidadese osentidoque apala-
vr a
tomou nas cincias histricas designa prin-
cipalmente as realizaes mater ia is ,pouco de-
senvolvidas nessas sociedades. "Cultura", para
Tylor,
nanova def inio dada, t em avantagem
de ser uma palavra neutra que permite pensar
toda a humanidade e romper com uma certa
abordagem dos
"primitivos
11
que os transforma-
va em
seres
parte.
N o
surpreendente
que a
inveno
do
conceitodeva-se
a
Edward
Tylor,
livre pensador,
para quem sua condio minoritria de quaker
fechara asportas dauniversidade inglesa.Ele t i-
nha f na
capacidade
do
homem
de
progredir
e
partilhava
dos
postulados evolucionistas
de seu
tempo.
Ele no
duvidava tampouco
da
unidade
psquica da humanidade, que explicava as simi-
litudes observadas em sociedades muito
dife-
rentes: segundo ele, em condies idnticas, o
esprito humano operava em toda a parte de
manei ra semelhante. Herdeiro do I luminismo,
ele aderiu igualmente concepo
universalista
da cultura dos filsofosdo sculo XVIII.
El e
tentava conciliar
e m u m a
mesma expli-
cao
a evoluo da cultura e sua universalida-
de. Em seu livroCulturaPrimitiva,lanado em
1871 e logo em seguida traduzido em francs
(em
1876),
obra considerada como
o
momento
em que fundadaaetnologia enquanto cincia
autnoma,Tylorexamina
a s
"origens
d a
cultura"
(ttulo
do primeiro tomo) e os mecanismos de
su aevoluo.E lefoi oprimeiroetnlogoaabor-
da r
efetivamente
os
fatosculturais
sob um a
ti-
ca geral e sistemtica. Ele foi tambm o primei-
ro a se dedicar ao estudo da cultura em todos os
tipos
de
sociedade
e sob
todos
os
aspectos,
ma-
teriais, simblicose at corporais.
Aps um
temporada passada
no
Mxico,
Tylorelaborouse umtododeestudos daevolu-
o da
cultura pelo exame
das
"sobrevivncias"
culturais.
NoMxico,elepudera observar acoe-
xistnciadecostumes ancestraisetraos cultu-
rais recentes. Pelo estudo
das
"sobrevivncias",
ele pensava que deveria ser possvel retornar ao
conjuntocultural original e reconstitu-lo. Gene-
ra l izandoeste
princpio metodolgico, chegou
concluso de que a cultura dos povos primiti-
vos contemporneos representava g lobalmente
acultura original dahumanidade:e la e ra um a
sobrevivncia das primeirasfases da evoluo
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
21/130
cultural ,fases pelas quais
a
cultura
d os
povos
ci -
vilizadosteria passado necessariamente.
O
mtodo
de
exame
das
sobrevivncias
le-
vava
logicamente adoo do
mtodo
compara-
tivo que
lyior
introduziu ento na etnologia.
Para
ele, o estudo das culturas singulares no
poderia ser feito sem a comparao entre elas,
pois estavam
l igadas
umas
s
outras
e m u m
m o-
vim ento de progresso cultural. Pelo mtodo
comparat ivo,eletinha como objetivo estabele-
cer ao menos uma escala grosseira dos estgios
da evoluo dacul tura .Tylor
desejava
provar a
continuidade entre
a
cultura primitiva
e a
cultu-
ra
mais avanada. Contra os que estabeleciam
um a
ruptura entre o homem selvagem e pago
e o
homem civilizado
e
monote s ta ,
ele se
esfor-
ava
para demonstrar o elo essencial que os
unia
e a inevitvel caminhada do selvagem em
direo aocivil izado. Entreprimitivos e civiliza-
dos,no h um adi ferena denaturezam assim-
plesmente
de
grau
de
avano
no
caminho
da
cultura. Tylor combateu
co m
ardor
a
teoria
da
degenerescncia dos
primitivos,inspirada
por
telogos que no podiam imaginar que Deus ti-
vesse
criado seres
to
"selvagens", teoria
que
permitia
no
reconhecer
nos
primitivos, seres
h u m a n o scomo os outros.
Para
ele, ao contrrio,
todos os humanos eram totalmente seres de cul-
tura ,e a contribuio de cada povo para o pro-
gressoem digna de estima.
Pode-seperceberque o
evolucionismo
de
Tylor
n o
exclua
u m
certo sentido
d a
relativida-
de cultural,rarana suapoca.
Alm
domais,sua
concepodo
evolucionismo
no era
nada
rgi-
da: ele no estava totalmente persuadido que
houvesse um paralelismo absoluto na evoluo
cultural
das diferentes sociedades. Por isso, ele
considerava tambm, em
certos
casos, a hipte-
se d i fus ionis ta .Um asimples
similitude
entre tra-
os culturais de duas culturas diferentes no era
suficiente,segundo ele, para provar que elas es-
tivessem
situadas no mesmo nvel da escala de
desenvolvimento cultural: poderia ter havido
um adifusode um a emdireo outra.D e u m a
ma n e i r ageral,
fiel
a seu
desejo
de
objetividade
cientfica, ele semostrava prudente em suasin -
terpretaes.
Devidoa sua obra e suas
preocupaes
me-
todolgicas, Edward
Tylor
considerado, com
justia,o fundador da antropologia britnica.
alis
a ele que se
deve
o
reconhecimento desta
cincia como disciplina universitria: ee se tor-
nariaem1883,na Universidade de Oxford, o pri-
meiro
titular
de umactedrade antropologia na
G r
Bretanha.
FranzBoas
e aconcepo
particuiarista
de
cu l tu r a
Se Tylor o" inventor"do
conceito cientfi-
co de
cultura, Boas ser
o
primeiro antroplogo
afazer
pesquisasin
situ
para observao direta
e prolongada das culturas primitivas. Neste sen-
t ido,
ele oinventorda etnografa.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
22/130
Franz Boas
(1858
-1942) era oriundo de
um a
famliajudia alemdeesprito liberal. Sen-
svel questo do racismo,e lemesmo fora vti-
m a
do anti-semitismodealgunsdeseus colegas
de
universidade. Estudou
e m
diversas universi-
dades
da
Alemanha, primeiramente
cursando
f-
sica,depois matemtica
e
finalmente geografia
(fsicae
humana).
Esta
ltima disciplina
o
levou
antropologia. Em1883 -1884, el e participou
de uma
expedio entre
aos
Esquims
da
terra
de
Baffn.
E le
partiu como gegrafo,
co m
pre-
ocupaes
de
gegrafo (estudar
o efei to do
meiofsico
sobre
asociedade esquim)e perce-
beu que a organizao social era determinada
maispela
culturado que
pelo
ambiente fsico.
Reto rnou
Alemanha decidido
a se
consagrar,
a
part i r
deento,
principalmente
antropologia.
Em 1886, Boas partiu novamente para a
Amrica doNorte, desta vez para realizar
pes-
quisas
etnogrficas
de
camposobre
os
ndios
da
costa
noroeste,na Colmbia
Britnica.
De1886
a
1889, passou longas temporadas entre os
Kwakiut l ,
os
Chinook
e osTsimshian .Em1887,
decidiu estabelecer-se nos Estados Unidos e
adotaranacionalidade americana.
Toda aobra de Boas umatentativade
pensar adiferena. Para
ele,
adiferena
funda-
m e n t a l entre os grupos humanos de ordem
culturale noracial. Formadoem antropologia
fsica,m ani fes tou um certo interesse por esta
disciplina,
mas dedicou-se adesmontar o que
constitua,napoca,suaconceito central:ano -
o de"raa".Em um estudo de grande reper-
cusso,feito sobre uma populaodeimigran-
teschegados aosEstados Unidos entre 1908 e
1910 (nototal17 821pessoas), demonstrou,re-
correndoaomtodo estatstico, aextrema
rapi-
dez (o
espao
de uma
gerao apenas)
da
varia-
o dos traos morfolgicos (em particular a
f o r m adocrnio)sob apressode umambiente
novo. Segundo ele,
o
conceito
pseudocientfico
de
"raah umana" ,concebida como
um
conjun-
to permanente detraosfsicosespecficos de
umgrupo humano,
no
resiste
a um
exame
rigo-
roso.
As
pretensas "raas"
no so
estveis,
no
h caracteres raciais imutveis.ento imposs-
ve ldefinir um a
"raa"
co m
preciso, mesmo
re-
correndo
a o
chamado mtodo
da s
mdias.
Aca -
ractersticadosgrupos humanosnoplanofsico
a sua
plasticidade,
sua
instabilidade,
sua
mesti-
agem.
Por
suas concluses,
ele
antecipava
as
descobertas
posteriores
dagenticadaspopula-
eshumanas.
Po routro lado, Boas tambm sededicou a
mos t ra r
oabsurdodaidiade umaligaoentre
traos fsicos e traos mentais, dominante na
pocaeimplcitananoode"raa".Para ele,era
evidente que os dois aspectos dependiam de
anlises completamente diferentes. E ,precisa-
mente
por se
opor
a
esta idia,
ele
adotou
o
con-
ceitodeculturaque lhepareciaomais apropria-
do
para
dar
conta
da diversidade h u m a n a .
Para
ele,
no h
diferena
de
"natureza" (biolgica)
entre primitivosecivilizados, somente diferen-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
23/130
as dec ultura, adquiridaselogo,no inatas.cla-
ro que para B oas, contrariamente idia de mui-
tos, o conceito de cultura no funciona como
um eufemismo do conceito de "raa", pois ele
o
construiu precisamente para opor-se
a
esta
idia.
E le
foi um dosprimeiros
cientistas sociais
a abandonar
o
conceito
de"raa"n a
explicao
dos comportamentos humanos.
Ao contrrio de
Tylor,
de quem ele havia
no e ntanto tom ado a def inio de cul tura ,
Boas
t inha como objetivo o estudo "das culturas"e
no "da Cultura". Muito reticente em relao s
grandes snteses especulativas, em particular
teoria
evolucionista
uni l inear ento dominante
no campo intelectual, apresentou em uma co-
municao de
1896,o
que considerava os
"limi-
tes do m todo co m parat ivo em ant ropologia".
Ele
recusa o c ompa ra t i smo imprudente da
maioria dos autores evolucionistas. Para ele,ha-
via pouca esperana
de
descobrir leis universais
de funcion am ento das sociedades e das cul turas
huma na s
e
ainda menos chance
de
encontrar
leisgeraisd a evoluodas culturas.Ele fez uma
crtica radical
d o
chamado mtodo
de
"periodi-
zao" que consiste em reconstituir os
diferen-
te s
estgios
de
evoluo
da
cul tura
a
partir
de
pretensas origens.
Boas duvidava tam bm , e pelas m esmas
rates,
das teses difusionistas baseadas em re-
construes pseudo-histricas.
D e
manei ra
ge -
ral,ele reje itava qualquer teoria que
pretendes-
se poder explicar tudo. Preocupando-se com o
rigor cientfico,el erecusava qualque r generali-
zao que no pudesse ser demonst rada empi-
r icamente.
Ctico, maisanalista
do que
terico,
ele nu nca teve aambiode fundar um a esco-
la
de
pensamento .
\
Pelo contrrio, ele ficar na histria da an-
tropologia como
fundador
do mtodo indutivo
e intensivo de campo. Boas concebia a
etnolo-
gia
como
um a
cincia
de
observao direta:
se -
gundo ele, no estudo de um a cultur a particular,
tudo deve se ranotado,at odetalhedo
detalhe.
Na
su a preocupao de contato c om a realida-
de, no
apreciava muito
o
recurso
a
informan-
tes.
O
etnlogo,
se ele
quer conhecer
e
com-
preender
um a
cultura, deve aprender
a
lngua
em
uso.
E, ao
invs
de
apenas re alizar entrevis-
ta s
formais
em
maior
ou
m enor grau
- a
situao
de entrevista pode modificarasrespostas- ,deve
estar atento principalmente
a
tudo
o que se diz
nas conversas "espontneas",e acrescenta, at
"escutar atrs das portas".Tudo isso supe que
se perm anea por longo tem po
j u n to
popula-
o cuja cul tura est sendo estudada.
Em certos aspectos, Boas o inventor do
mtodo monogrfico em ant ropologia . Mas,
como ele levava ao extremo sua preocupao
com o
deta lhe
e
exigia
um
conhec imento
exaustivo
da
cultura estudada antes
de
qualquer
concluso geral, no realizou nenhuma mono-
grafia
no sentido pleno do termo. Ele chegava
mesmo a
pensar
q ue
toda de scrio sistem tica
d e u m acul turacom porta necessar iamen teum a
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
24/130
dose de especulao. E era precisamente isso
que ele no se permitiafazer,apesar de ter ade-
rido idia de que cada cultura
fo rma
um todo
coerente efuncional.
Devemos
aBoasaconcepo antropolgi-
ca do
"relativism o
cultural", mesmo que no te-
nh asido ele o primeiro a pensar a relatividade
cul tura lnem o
criador desta expresso
que
apa-
recer apenas mais tarde. Para ele,
o
relativismo
cul tura lantesdetudoumprincpio
m etod o l -
gico. A fim deescaparde qualquer forma de et-
nocentrismo
no
estudo
de uma
cultura particu-
lar,
recomendava abord-la
sem
aprtori,
sem
aplicarsuas prprias categorias para interpret-
la, se mcompar-la prematuramenteaoutras cul-
turas.
E le
aconselhava
a
prudncia,
a
pacincia,
os "pequenos passos" na pesquisa. Tinhacons-
cincia
da
complexidade
da
cada sistema cultu-
ra l
e
julgava
que somente o exame metdico de
um
sistema cultural
em s i
mesmo poderia che-
gar
ao fundo de sua complexidade.
Alm do princpio metodolgico, orelati-
vismo cultural de Boas implicava tambm uma
concepo
relativista
dacultura.Deorigem ale-
m ,formado
e m
diversas universidades alems,
ele nopoderia no tersidoinfluenciado pela
noo partcularista alem de cultura. Paraele,
cada
cultura
nica, especfica.
Sua
ateno
era
espontaneamente voltadapara o que
fazia
aori-
ginal idade de uma
cultura. Quase nunca, antes
dele, as culturas particulares tinham sido objeto
de tal tratamento autnomo por parte dos
pes-
quisadores. Paraele, cada cultura representava
um a
totalidade singular etodoseu esforo con-
sistia
e m
pesquisar
o que
fazia
su a
unidade.
Da
su apreocupao de no somente descrever os
fatos culturais,
mas d e
compreend-los jun t an -
do-os
a um
conjunto
ao
qual eles estavam
liga-
dos. Um costume particular s
pode
ser explica-
do se relacionado ao seu contexto cultural.Tra-
ta-seassim de compreender como se formou a
sntese original que representa cada cultura e
que faz a sua coerncia.
Cadacultura
dotada
de um
"estilo" parti-
cular
que se
exprime atravs
da
lngua,
das
cren-
as, dos costumes, tambm da arte, mas no ape-
nas desta maneira. Este estilo,
este
"esprito" pr-
prio
a
cada cultura influi sobre
o
comportamen-
to
dos indivduos. Boas pensava que atarefado
etnlogo era tambm elucidar o vnculo que
liga
o
indivduo
sua
cultura.
S em dvida h um vnculo estreito entre o
relativismo cultural como princpio metodolgi-
co ecomoprincpio epistemolgico levandoa
um a
concepo
relativistada cul tura .
A
escolha
do mtodo de observao sem preconceito,
prolongada e sistemtica, de uma entidade cul-
tural
determinada
leva
progressivamente
a
con-
siderar esta entidade como autnoma.
A
trans-
f o rma o
d e u m a
etnografia
de
viajantes"que
apenas passam"e m u m aetnografiadeestadade
longa durao mo di f i c o u completamente a
apreenso das culturas particulares.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
25/130
No fim da sua vida, Boas insistia emoutro
aspecto
do
relativismo cultural.
Um
aspecto
que
poderia
talvezser umprincpioticoque afirma
a
dignidadedecada culturaeexaltaorespeito
e a
tolerncia
em
relao
aculturas diferentes.
Na medida em que cada cultura
exprime
um
modonicode serhomem,ela tem o direito
estimae proteo,se estiverameaada.
Considerando
a
obra
de Boas em sua rica
diversidadee nasinmeras
hipteses
sobreos
fatos
culturais
que ela
prope, descobre-senela
oannciodetodaa
antropologiaculturalnorte-
americana que vir a serdesenvolvida.
Ftnoeentiismo
A
palavra foi
criada
pelosocilogo amer icano
Willian G .
S u m m e r
e
apareceu pela pr imeira
ve z
em
1906
em seu
livroFolkways. Segundo
su adefinio"o
etnoccntr ismo
o
termotcni-
co
par aesta viso
da s
coisas segundo
a
qual
nosso prpr io grupo
o
centro
de
todas
as
coi-
sas etodos osoutros grupos s om e d id o seava-
liadosem r e laoa
el e
[...].Cada grupo alimen-
ta
seu
prpr io orgulho
e
vaidade, considera-se
superior, exalta suas prprias divindades
e
olha
co m desprezo asestrangeiras. Cada gru po pen-
sa que
seus
prpr ios costumes (Folkways) so
os nicos vlidose se ele obse rvaque ou t ros
grupos tm outros costumes,
encara-os
com
desdm." (citado
por
S imon [1993,
p.
57])
A a t i tude assim descr ita parece bem universal,
so b fo rm a s diversas segundo as sociedades.
Como escreveu Lvi-Strauss,
os
h o m e n s
tem
sempre dif iculdade de en cara r a diversidade
das cu l tu r as como u m" f e n m e n o
natural,
resul-
tante
da s
relaesdiretas
ou
indiretas entre
as
sociedades" [1952].Am aiocia-dospovos chama-
dos de"primitivos" considera que a hum a nida -
de acaba em suas f r on te i ras
cnicas
ou
lings-
ticas e por issoque elesse denominam f r e -
qentemente usando um e tnnimo que signifi-
ca ,segundo
o
caso,''os homens" ,
"os
excelen-
tes" ou
a inda
"os verdadeiros", em oposio aos
estrangeiros que no so reconhecidos com o
seres humanos comple tos .
Qu anto s sociedades cham adas "histricas" ,
elas tm a m esm a d i f icu ldade par a concebe r a
idia
da
unidade
d a
humanidade
na
diversidade
cultural .
O mundo greco-romano antigo qualificava de
"brbaros "todos os que no par ticipavamd a
cu l tu ra g r eco- romana. E m seguida, na Europa
Ocidenta l ,oterm o "selvagem" ser util iz adono
mesm o sen t ido , par a jogar par afora dacu l tu r a
e, em
ou t r aspalavras ,
d a
n a tu r e z a ,
os que no
per tenciam civilizao ocidental. Com
esta
a t i tude ,
os
"civilizados"
se
compor tam en to
exa tamente como os "brbaros" ou os "selva-
gens".
No f inal das
contas,
n o
estar amos
no
direito de pensar , como Lvi-Straussque "o br -
baro p r im e i r a m e n t e o h o m e m que acredita
na ba rbr ie " [1952]?
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
26/130
O
etnocentrismo pode
tomar
fo rmas ex t r emas
de
in tolerncia
cultural, religiosa c atpoltica.
Pode t ambm assumi r
fo rmas
sutis
e racionais.
No
domnio
da s
cincias
sociais,
pode-se agir
como se houvesse oreconhecimento do
fen-
meno da
diversidade
culturale aomesmo
tem-
po
conceber
a variedade das cul turas como
um asimplesexpresso
d as
diferentes
etapas de
um nico
processo
decivil izao.
Deste
m o d o,
o
evolucionism o
do
sculoXIX,
ao
imaginar
os
"estgios"
de um
desenvolvimento
social uniii-
near,permit ia aclassificao da scu l tu r asparti-
culares e m u m am e s m ae scala de civilizao. A
diferena cultural, nesta perspectiva, era so-
m e n t e u m a
aparncia:
e la estaria condenada a
desaparecer ,
cedo
o u
tarde.
Em
rup tur a
total comesta concepo,a
antro-
pologia cultural introduz aidiaderelatividade
da s
cu l tu r as
e de sua impossvel hierarquizao
apriori.E ela recomenda ,paraescapara qual-
queretnocentrismona pesquisa, a aplicao d o
mtodode
observao
par t ic ipante.
A
idia de cul tura
entre
os
fundadores
daetnologia francesa
E m
relao
a
seus
vizinhos, a
Frana
mani-
f es ta
umaoriginalidadenodesenvolvimentodas
cincias sociais.
na
Frana
que
nasce
a
socio-
logia
como disciplina
cientfica.
Mas, paradoxal-
mente, este pioneirismo
vai
provocar
um
atraso
nafundaodaetnologia francesa.Em umpri-
meiro momento, pode-se dizer que a sociologia
ocupa todo
o
espao
dapesquisa-sobreas
soci-
edades humanas.
A
etnologia
-
seria mais corre-
to
dizer
aetnografa-
est ento
reduzidaaosta-
tus deramo anexodasociologia.A"questo
so-
cial"
domina e oblitera a "questo cultural".
U m aconstatao: a
ausncia
do
conceito
cientifico
de
culturano
incio
da
pesquisa
francesa
Na
Frana, no sculo XIX e no comeo do
sculo
XX ,nas
cincias sociais,
os
pesquisado-
res seconformavamcom o usolingsticoen-
to
dominante
e
usavam correntemente
o
ter-
mo "civilizao",j
consagrado pelos
historia-
dores
e
praticamente nunca
o
termo "cultura"
numsentido coletivo e descritivo. Apesar dees-
tarem
informados
sobreostrabalhoscientficos
alemes,
eles recusavam geralmente a traduo
de
Kultur
por sua
homloga
francesa e
prefe-
riam
"civilizao".
Do mesmo modo, a obra de
Tylor,PrimitiveCulture
teve
uma
certa reper-
cusso
na
comunidade cientfica
na
Frana,
mas
o ttulodaverso
francesa
foi:La
Civttisation
Primitive(A Civilizao Primitiva).
O termo "cultura" para os pesquisadores
franceses
continuava geralmente ligado
a sua
acepo tradicional no campo intelectual naci-
onal:
elese
referia
unicamenteaocampodoes-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
27/130
pritoe s era compreendido em um sentido eli-
tista restrito
e em um
sentido individualista
(a
cultura de uma pessoa "culta").
evidente que o contexto ideolgicopr-
prio da Frana do sculo XIX bloqueou o surgi-
mento do
conceito
descritivo de
cul tura .
So-
cilogos
e
etnlogosestavamelesmesmos mui-
to impregnados do universalismo abstrato do
Iluminismo para pensar a pluralidade cultural
nas sociedades humanas dissociada da refern-
cia
"civilizao". certo que o contexto hist-
rico no levava a uma interrogao sobre esta
questo.Aepopia colonialsefazia emnomeda
misso"civizatria"daFrana.Arivalidadee os
conflitos
com a
A lema n ha
opunham dois
na-
cionalismos que se
serviam
das
noes
de
Kultur
e de
"civilizao "como armas
de
propa-
ganda.Enf im,o Estado-nao francs,confronta-
do ao rpido desenvolvimento da imigrao es-
trangeira no ltimo tero do sculo XIX, adota-
va uma poltica cultural claramente assimila-
cionista
destas populaes,de
acordo
com o
modelo centralista que j havia produzido seus
efeitossobre as culturas regionais do pas.
N aetnologia francesa iniciante, o que cha-
m a
a
ateno
a
ausncia
de
conceito
de
cultu-
ra .
Seria necessrio atingir o desenvolvimento
de uma etnologia de campo, nos anos trinta,
para que seu uso comeasse a aparecer, espe-
cialmente entre os pesquisadores africanistas,
como Mareei
Griaule
ouMichelLeiris.Aetnolo-
gia adquire naqueles anos uma certa autonomia
em relao sociologia e constri seus prprios
instrumentosconceituais.Aconfrontao direta
e prolongada com a
alteridade
e a pluralidade
dasculturas favoreceosurgimentodo conceito
de
cultura atravs
da
introduo
de umcertore-
lativismo
cultural.
Ma s este
surgimento
do
conceito
se d
apenas progressivamente na Frana e, inclusive
na
literatura etnolgica, "civilizao" resistir
e
chegar,s vezes, a ser utilizadaindistintamente
com o termo cultura, at os anos sessenta. A
obra clssica de
Ru th
Benedict,
Pattems o f
Culture seria traduzido em 1950 com o ttulo
(infeliz sob
qualquer
pontode
vista)
de
Amos-
tras de civilizaes.
Durkheim e aabordagem
imitam
dos
fatos
de
cultura
EmileDurkheim (1858 - 1917), por uma
curiosa coincidncia, nasceu no mesmo ano
que Franz Boas. Como Boas na
antropologia
amer icana ,
Durkheim ocupar uma posio
"fundadora"
na antropologia francesa.Mais so-
cilogo do que etnlogo, Durkheim no deixa-
va ,
no entanto, de desenvolver uma sociologia
com
orientao antropolgica.
De fato,
tinha
como
ambi o
compreender osocialemtodas
as
suas dimensese sob
todos
osseus aspectos,
inclusive
na dimenso cultural, atravs de todas
as f o r m as
de
sociedade.
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
28/130
Com acriaoem 1897 da revista O Ano
Sociolgico,
Durkheim
contribuiu para
fundar
a
etnologia francesa e assegurar seu reconheci-
mento nacional
e
internacional.
A
revista publi-
couem suas sucessivas edies, numerosas m o-
nografias
etnogrficas e diversas resenhas de
obras etnolgicas,
em
geral estrangeiras.
Durkheim
no
utilizava quase nunca
o
conceito
de cultura. Em sua prpria revista,"cul-
tura" em lngua estrangeira era quase sempre
traduzida
por
"civilizao
71
.
Mas,se ele
recorria
apenas excepcionalmente aoconceitode cultu-
ra ,no era por se desinteressar pelos fenme-
nosculturais. Para ele,osfenmenos sociaistm
necessariamente uma dimenso cultural pois
so tambm fenmenos simblicos.
D urkh e im contribuiu muito para extrair
do
conceito
de civilizao os pressupostos
ideolgicos implcitos
em
maior
ou
menor grau.
Em uma
"Nota sobre
a
noo
de
civilizao",
re-
digida
conjuntamente
com
Mareei
Mausse
lan-
ada em 1913, ele se esforava para
propor
uma
concepoobjetiva e no normativa da civiliza-
o que inclua a idia da pluralidade das civili-
zaes
sem
enfraquecer,
com
isso,
a
unidade
do
homem. Para ele,nohavia dvidade que a hu-
manidadeuma,quetodasascivilizaes parti-
culares contribuem para a civilizao humana.
Ele no concebia diferenas de natureza entre
primitivos
e civilizados. Mauss, que partilhava
do
pensamento
de
Durkheim
com
quem manti-
nhauma estreita colaborao, era ainda mais ex-
plcito desde 1901:
A civilizaode um povo no c nada alm de
um conjuntodeseus fenmenos sociais;e falar
depovos incultos, "semcivilizao", de povos
"naturais"(Naturvlker),
falar
decoisas qu e
n o
existem
(O
Ano Soc io lg ico , tomo IV
1901,p.
141).
O famoso artigo,escritopor Durkheime
Maussem
1902,
Algumas formas
primitivasde
classi f icao,
pretendia demonstrar
que os
pri-
mitivos
so perfeitamente aptos para o pensa-
mento lgico. Durkheimnomudaraarespeito
deste ponto.
Mais
tarde, em
As
Formas elemen-
tares da vida religiosa,ele confirmar sua posi-
o inicial,recorrendo pela primeira vez no-
o decultura:
[...],o pensamento conceituai contempor-
neo da humanidade. Ns nos recusamos ento
av-locomou mprodutod e u m aculturatardia
em maioroumenor
grau
[1912].
SeDurkheim
partilhava de
certos aspectos
da teoria evolucionista, ele recusava, no entan-
to, suas teses mais redutoras
e
sobretudo
a
tese
do
esquema
unilinear
deevoluoqueseria co-
m um
a
todas
a s
sociedades.
E m u m a
resenha
de
um
livro alemo que tratava da "psicologia dos
povos", cincia ento muitoem vogan aAlema-
5
2
>
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
29/130
nh a ,Durkheim escreveria,
em
desacordo
com a
tese central daobra queapresentava aidiade
um futuro idntico para toda ahumanidade:
Nada
no sautorizaaacreditarque osdiferentes
tipos
de
povos
vo
todos
no
mesmo
sentido;al-
guns seguem caminhos muito diversos. O de-
senvolvimento humano deve se r ilustrado n o
sob a
fo rma
de uma
l inha
em que associedades
viriam secolocar umas depoisdasoutras como
se asmais avanadasn ofossem seno aconti-
nuao e aseqncia das
mais
rudimentares,
m as
como
uma
rvore
com r amos
mltiplos
e
divergentes. N ada nos diz que acivilizao de
a m a n h
ser apenas oprolongamentod a
exis-
tente
atualmente para
u m a
mais elevada;
talvez,
ao contrrio, ela ter como agentes povos que
ns ju lgamos infer iores
como
a
China,
po r
exemplo,e que lhedaroumadireo novae
inesperada (OAno
Sociolgico
tomo XII, 1913,
p. 60-61).
OpensamentodeDurkheimeraentoim-
pregnadode uma grande sensibilidade emrela-
o relatividade cultural,que provinha de sua
concepo
geral
da
sociedade
e da
normalidade
social.
Eleabordava
esta questo adotando
um a
atitude
relativista:
anormalidaderelativaacada
sociedade e ao seu nvel de desenvolvimento.
Sua
concepo
danormalidade pretendia ser pu-
ramente descritivaebaseadaem umaespciede
"mdia"prpriaacada tipode sociedade.
Anos mais tarde,
em
1929,
em um
estilo
maispolmicoemais explcito, Mauss prolonga-
ria opensamento deDurkheim,em umaconfe-
rncia
sobre
"as civilizaes":
Oshomensde Estado,osfilsofos,opblico,e
sobretudo os jornalistas,falam da
civilizao.
Em perodo nacionalista,a civilizao, sem-
pre a
sua cultura,
a de sua
nao, poiseles
ig-
noram geralmente acivilizao do soutros.Em
perodo racionalista
e
geralmenteun iversalista
e cosmopolita [...]aCivilizao constituium a
espciede
estado
de
coisasideal
e
real
ao
mes-
m otempo, racionai
e
natural simultaneamente,
causaie final num mesmo momento,que seria
liberado
aos
poucos
por um
progresso
indubi-
tvel[...].
Esta
perfeita essncia nunca fo inada alm de
um mito, de uma representao coletiva. Esta
crena universalis ta
e
nacionalista
ao
mesmo
tempo
um
trao
denossascivilizaes inter-
nacionais
e
nacionais
do
Ocidente
Europeu e
da
Amrica n oindgena
[1930,
p. 103 -104].
Para
mantersua
prpria
lgica, Durkheim
chegou
a
privilegiar
um uso
flexvel
da
noo
decivilizaoque elefaziafuncionar comoum
conceito
"de
geometria varivel".
N a
Nota sobre
a noo de
civilizao,
escrita comMauss,ele
se
dedicava
a
tirar
a
noo
da
generalidade
im-
precisa
que a
caracterizava ento
e a
dar-lhe
um acontedo
conceituai
operatrio:"a"civiliza-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
30/130
co no se
confunde
com a
humanidade
e seu
fu turo ,
tampouco
c o m u m a
nao
em
particu-
lar;o queexiste,o que sepode observareestu-
dar,
s o diferentes civilizaes.E preciso en-
tender "civilizao" como um conjunto de
f e n m e n o s
sociaisque no
esto ligados
a um
organismo socialpar ticular ;estes fenmenosse
estendem sobre reasque ultrapassamumter-
ritrio nacional,ou aindase desenvolvem em
perodosde tempoque ultrapassamahistria
de uma ssociedade
[1913,
p.47].
Estadefinio levava
teoria difusionista
a
noo
de"rea"e ao
mesmo tempo, introduzia
na
teoria evolucionista a noo de "perodo",
mes-
mo que Durkheim se opusesse sreconsttuies
histricas imprecisas
das
duas escolas. Preocupa-
do em
fundar
um
mtodo rigoroso
de
estudo
dos
fatos
sociais, ele apenas reconhecia como vlido
o procedimento emprico erecusava qualquer
f o r m a
de
comparatismo especulativo.
N o se deve procurar junto a Durkheim
um ateoria sistemticad acultura.S uareflexo
sobre
a
cultura
n o
f o r m a
um
conjunto unifica-
do.A
preocupao central de sua obra era deter-
minar a natureza do vnculo social. No entanto,
su a
concepo
da sociedade como totalidade
orgnica determinava suaconcepode cultura
ou de civilizao: para ele, as civilizaes consti-
tuem "sistemas complexos
e
solidrios".
Contra as
teses
individualistas que ele refu-
tava
por
serem dominadas
pelo psicologismo,
Durkheim
afirmava
a prioridade da sociedade
sobre
o
indivduo.
Sua
concepo
dos
fenme-
nos erafeita,noentanto,domesmo holismome-
todolgico.
E m
As
Formas Elementares
da
Vida
Religiosa, sobretudo,
mas
desde O Suicdio
(1897),eledesenvolviaumateoriada"conscin-
cia coletiva" que uma
f o r m a
de teoria cultural.
Para ele, existe em todas as sociedades uma
"conscincia
coletiva",
feita
dasrepresentaes
coletivas,
dos
ideais,
dos
valores
e dos
sentimen-
tos
comuns
a
todos
os
seus indivduos.
Esta
conscincia coletiva
precede
o indivduo,im-
pe-seaele,exterioretranscendente aele:h
descontinuidade
entre
a
conscincia coletiva
e
a
conscincia individual, e a primeira "supe-
rior" segunda, por ser mais complexa e inde-
terminada. a conscincia coletiva que realiza a
unidadee acoesode uma sociedade.
As
hipteses de Durkheim
sobre
a cons-
cincia coletiva seguramente exerceram uma
influncia sobreateoriadacultura como "super
organismo" de
Alfred
Kroeber
[1917].
Pode-se
tambm fazeruma aproximao entre a noo
de
conscincia coletiva
-
qual Durkheim atri-
bua caractersticas espirituais - e as noes de
patternculturale de"personalidade bsica" pr-
prias
aos
antroplogos
culturalistas
americanos.
O prprio Durkheimuti l izavasvezesaexpres-
so "personalidade coletiva", em um sentido
muito prximo da "conscincia coletiva".
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
31/130
Se o conceito de cultura praticamente
ausente
da
antropologia
de D urkh e im ,
isto
no
o impediude
propor
interpretaes dos
fen-
menos freqentemente chamados de "culturais"
pelas cincias sociais.
Lvy-Bruhle a abordagem
diferencial
Ainda que a obra de
Lucien
Lvy-Bruhl
(1857
-
1939)
no
tenha tido
a
mesma
repercus-
so
ou
exercido
a
mesma influncia
que a
obra
de
Durkheim, pode-se observar
que na seu
in-
cio,
atravs de dois de seusfundadores ,a
etno-
logia
francesa hesitava entre duas
concepes
de cultura, uma unitria, a outra, diferencial. A
confrontao destas duasconcepes
em um
debate cientfico s vezes acirrado, contribuiria
muito para
o
desenvolvimento
da
etnologia
francesa. legtimo considerar
Lvy-Bruhl
como
um dos fundadores da disciplina etnolgica na
Frana. De
fato,
ele foi um dos
primeiros
pesqui-
sadores a consagrar uma grande parte de seus
trabalhos
ao
estudo
das
culturas primitivas.
Alm
do mais, no plano institucional, a ele que
devemos a criao, em 1925, do Instituto de Et-
nologia da Universidade de Paris, onde ser for-
mada a primeira gerao de etnlogos de cam-
po sob a
responsabilidade
de
Mareei
Mausse de
PaulRivet,a quem ele confiou o secretariado ge-
ra ldo Instituto.
Desde 1910,
com o
livroAsFunes Men-
tais
nas
Sociedades
Infer iores, Lvy-Bruhlcolo-
ca a diferena cultural no centrode sua
refle-
xo.
Ele
se interroga sobre
as
diferenas
de
"mentalidade"que podem existir entre os po-
vos.
Esta
noo de"mentalidade"no eramuito
distante daacepoetnolgica de "cultura", ter-
mo que ele
praticamente
noutilizava.
Todo esforo
de
Lvy-Bruhlconsistia
em
re futara teoria doevolucionismo uni l ineare a
tesedoprogressomental. De uma maneira ge-
ral, ele se opunha prpria idia de "primiti-
vos", ainda
que ele
mesmo tivesseutilizadoeste
termo vrias vezes ,devido
ao
contexto
da
po-
ca .Para ele, os indivduos das sociedades de cul-
tura oral no eram "crianas grandes" que teriam
omesmo tipodeinterrogaes que os"civiliza-
dos",vistos como adultos, dando
a
estas
ques-
tesrespostas ingnuas,
"infantis".
Na
Mental i-
dadePrimitiva,ele
afirmava:
[Sc] aatividadem e n t a l do sprimitivos [no fo r
mais j interpretadaapriori comou m a f o rma ru -
d i m e n t a r danossa, como infantil equase pato-
lgica. [...]
el a
aparecera
ao
cont r r io ,
como
n o r m a lnascondiesem que exercida, como
complexa edesenvolvida suamaneira [1922,
p.15-16].
Lvy-Bruhl
contestava tambm
uma
certa
concepo de
unidade
do psiquismo
humano
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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que implicava um modo nico de
func ionamen-
to. Ele no partilhava dastesesdeTylorsobre o
animismo
dos primitivos (paraTylor, o animismo
constitua a
fo rma
mais antiga de crena
religio-
sa ,isto
, a
crena
na
existncia
e na
imortalida-
de da alma e, logo, em seres espirituais, baseada
na interpretao dossonhos):elecriticava sua
insistncia
excessiva para demonstrar
o
carter
"razovel" desta crena. Pelas mesmas
razes, ele
discordava
de
Durkheim,criticando-o
por
que-
rer provar que os homens tm, em todas asso-
ciedades,
uma mentalidade "lgica" que obede-
ceria necessariamente s mesmas leis da razo.
Por outro lado,
Durkheim
no admitia a
distino
que Lvy-Bruhl
estabelecia entre
"mentalidade primitiva" e "mentalidade civiliza-
da".
Mas a
crtica
que ele
fazia
em
1912,
em s ua
resenha, para
OAno Sociolgico,
do primeiro li-
vro de Lvy-Bruhl
sobre esta questo,
foi
marca-
da por um evolucionismo bastante redutor:
Estasduasfo rmas dem enta l idadehumana,po r
maisdiferentesqu e sejam, ao invsd ederivar
de
origensdiferentes ,nasceram
uma da
outra
e
so
dois
momentos
de umamesma evoluo.
Estas
discordncias
entre Lvy-Bruhl e
seus pares eram apenas a expresso de um de-
bate cientfico muito animado sobre a questo
da alteridade e da identidade culturais.A este de-
ba te ,Lvy-Bruhltrouxe uma importante contri-
buio.Pode-se ento perguntar as razes que
levaram esta contribuio a ser mal compreen-
dida,deturpada, rejeitada e finalmente esqueci-
da em sua maior parte.
D omin ique Merlli [1993] respondea es-
ta pergunta
e
prope
uma
nova leitura,
sem o
a
prori,deste autor. Contrariamenteapresen-
tao
que
comumente feita
de sua
obra,
ela
no etnocentrista. Foi assim qualificada para
sermais desacreditada enquanto todooesforo
de Lvy-Bruhlconsistia justamenteem u m aten-
tativade pensar a diferena a partir decatego-
rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em
contradio
com o
universalismo (abstrato)
do
Iluminismoe
seus princpios ticos
que
serviam
de refernciamaioriadosintelectuais
france-
ses doinciodosculo.
O que chamamos de
tese
de Lvy-Bruhl
era apresentada por ele mesmo como uma"hi-
ptese detrabalho", como noslembra Merlli.
Seele tentava dar conta da diferena das menta-
lidades,
isto
no o
impedia
deaf i rmara
unidade
psquica humana.
Para
ele,
a
unidade
da
humani-
dade era maisfu n da men ta lque a diversidade. O
conceito
de
"mentalidade
primitiva"
("pr-lgi-
ca") no era nada alm de um instrumento para
pensar a diferena. Seu procedimento, que se
servia explicitamentedaspesquisasde campo,
era tudo, exceto dogmtico.
Alis,segundo este autor, a diferena no
exclui a comunicao entre os grupos h uma-
7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf
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nos,
que
continua possvel devido
ao
fato
de
pertencerem a u m ahumanidade comum.N o
h
ento um corte absoluto entre as diferentes
"mentalidades", que no
so
feitas de
lgicas
contraditrias.
O que
difereentre
os
grupos
so
os modos
de
exerccio
do
pensamento
e no
suasestruturas psquicas
profundas
.
Lvy-Bruhl
pensava tambmque"mentali-
dadepr-lgica"e "mentalidade lgica" no so
incompatveis e coexistem em todas as socieda-
des; mas a preeminncia de uma sobre a outra
pode
variar segundo
os
casos,
o que
explica
a di-
versidade de culturas. Recorrendo ao conceito
de
"menta l idade",
ele noafi