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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE PSICOLOGIA
LÍLIAN MOTTA GOMES
A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO
ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.
LÍLIAN MOTTA GOMES
A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO
ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA
Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado para obtenção do grau de Psicólogo do Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientadora: Profª Drª Teresinha Maria Gonçalves
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.
A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO
ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA RESUMO: Este trabalho insere-se no âmbito da Psicologia Ambiental e tem como objetivo central identificar o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro Renascer/Mina Quatro em Criciúma/SC, cuja área fora uma mina de extração de carvão e após sua degradação e abandono tornara-se o lixão da cidade. Mais tarde, esta área veio a ser loteada e vendida pela prefeitura à população carente. Utilizou-se o estudo de caso baseado nos relatos das histórias de vida das pessoas entrevistadas e no registro fotográfico das fachadas das casas e seus entornos, em que se buscou verificar o processo de organização da casa e do entorno socio-físico; identificar os objetos poéticos na decoração da casa; e, identificar as formas de ação-transformação ocorridas no bairro, procurando sempre compreender a unidade social estudada como um todo. Os resultados revelaram, entre outras coisas, os sentimentos, as dificuldades e as proporções alcançadas e causadas pela vivência da pobreza. Permitiram inferir, também, que o processo de apropriação do espaço encontra-se atrelado à produção da subjetividade na medida em que o sujeito ao produzir seu espaço social produz a sua própria subjetividade e vice-versa. E, ainda, revelaram a necessidade de novas formas de vida baseadas no amor, a si mesmo e ao próximo, como saída e estímulo para a produção de subjetividades integradas e integradoras. Palavras-chave: Psicologia Ambiental. Apropriação do espaço. Subjetividade.
A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA
PERIFERIA URBANA
Autora: Lílian Motta Gomes
Orientador(a): Profª Drª Teresinha Maria Gonçalves - Unesc
Banca Examinadora: Marilda Olivo Ghellere – Mestre
Profª Rosa Nadir Teixeira Jerônimo – Mestre – Unesc
INTRODUÇÃO
O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), bem como sua defesa, é disciplina
obrigatória do currículo do Curso de Psicologia da UNESC e requisito parcial para a
conclusão do mesmo. Assim, a fim de elaborar este trabalho, partiu-se de um projeto de
pesquisa, devidamente aprovado pelo Comitê de Ética da Unesc, intitulado: Psicologia
Ambiental – um estudo sobre o processo de apropriação do espaço e a produção da
subjetividade na periferia urbana, desenvolvido pela própria acadêmica com o apoio do
Programa de Iniciação Científica do Artigo 170 – PIC 170 da Pró-Reitoria de Pós-Graduação,
Pesquisa e Extensão da Universidade do Extremo Sul Catarinense, no período de 01 de agosto
de 2007 a 30 de maio de 2008. As hipóteses de pesquisas pressupõem que uma das formas de
construção da subjetividade dá-se pelo modo como o sujeito se apropria do espaço e que uma
das formas mais integradoras do processo de apropriação do espaço é intermediada pela
poética. A descrição dos objetivos e demais assuntos referentes ao desenvolvimento da
pesquisa encontram-se nas subseções dessa unidade introdutória. A temática do referido
trabalho insere-se no âmbito da Psicologia Ambiental, cuja linha de pesquisa diz respeito ao
Meio Ambiente. No primeiro capítulo buscou-se compreender o processo de produção da
subjetividade a partir das primeiras relações sociais estabelecidas entre o sujeito e sua mãe ou
adulto cuidador. Essas primeiras relações foram consideradas como o momento no qual os
vínculos afetivos são formados, ou não, e no qual também o sujeito internaliza os valores, as
crenças, costumes e regras sociais como elementos da cultura, para mais tarde reproduzi-los.
Portanto, buscou-se compreender a produção da subjetividade, a partir da concepção de ser
humano como um ser fundamentalmente social, que cresce e desenvolve sua identidade pela
interação com seus semelhantes; e por meio das marcas deixadas pelas relações sociais,
ambas supostamente implícitas nos relatos das histórias de vida das pessoas entrevistadas. No
segundo capítulo, buscou-se verificar como se deu o processo de apropriação do espaço no
bairro Renascer/Mina Quatro, periferia de Criciúma/SC, antigo lixão da cidade a partir da
identificação do sujeito com o lugar com base nos pressupostos teóricos da Psicologia
Ambiental, cujo estudo de seu objeto, o simbolismo do espaço, permite discorrer sobre a
relação pessoa/entorno sociofísico.
1.1 Justificativa
A Psicologia Ambiental surge da convergência das diversas áreas do
conhecimento que abrangem as Ciências Sociais, especialmente a Psicologia Social Aplicada
e parte do princípio de que toda conduta ocorre sempre e necessariamente em um contexto
ambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d). O termo ambiente, para esta disciplina, refere-se ao
entorno sociofísico entendido como o espaço no qual ocorre o imbricamento das
características tanto físicas como sociais e sua correlação com o comportamento. Sendo que
esse entorno, enquanto ambiente físico e social, atua ativa e indissociavelmente sobre o
sujeito durante todo o processo. Desse modo, à Psicologia Ambiental, segundo Gonçalves
(2004), importa compreender como o indivíduo percebe o ambiente e como, por que e quais
os caminhos por onde se manifesta a transação e o inter-relacionamento da experiência e das
ações humanas nos aspectos que dizem respeito aos ambientes, físico e social, ou seja, como
esse indivíduo compreende, reage e modifica o seu entorno sociofísico. Seu objeto de estudo é
o componente emocional atribuído ao espaço, isto é, o significado simbólico do espaço.
Interessa-se, pois, em compreender o processo de apropriação do espaço, porque entende que
esse processo é, em grande medida, uma ação auto-transformadora, porque ao recriar o
espaço, o sujeito é recriado por ele, objetiva e subjetivamente. Além disso, para dar conta de
sua proposta, esta disciplina trabalha e relaciona entre si os conceitos de identidade do eu,
identidade de lugar, identidade social, privacidade, territorialidade, apego, lugar e poética,
dentre outros.
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo Geral
Identificar o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro
Renascer/Mina Quatro, Criciúma/SC.
1.2.2 Objetivos Específicos
- Verificar como se dá o processo de organização da casa e do entorno;
- Identificar os objetos poéticos na decoração da casa;
- Identificar as formas de ação-transformação ocorridas no bairro.
1.3 Metodologia
O método utilizado é o estudo de caso, cujo objetivo é o conhecimento amplo e
detalhado do objeto de estudo (GONÇALVES, 2006). Por se caracterizar como uma análise
holística, o estudo de caso considera a unidade social estudada como um todo, neste caso, a
comunidade do Bairro Renascer/Mina Quatro.
Os postulados teóricos da Psicologia Ambiental embasaram o estudo sobre o
modo como o indivíduo percebe o ambiente, como se dão os processos psicológicos
envolvidos nessa percepção e como esse indivíduo compreende, reage e modifica o seu
entorno sociofísico, ou seja, o significado simbólico do espaço e a compreensão dos processos
psicossociais que resultam das relações, das influências mútuas e das transações entre as
pessoas, grupos sociais ou comunidades e seus entornos sociofísicos, que permitem a
identificação e a apropriação do espaço pelo sujeito.
1.3.1 Natureza da Pesquisa
Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa do tipo exploratória, cujo objeto de
estudo é o processo de apropriação do espaço e a produção da subjetividade no Bairro
Renascer/Mina Quatro, periferia da cidade de Criciúma/SC.
1.3.2 Unidade de Pesquisa
A pesquisa foi realizada no bairro Renascer/Mina Quatro, periferia de
Criciúma/SC. O Bairro Renascer/Mina Quatro, segundo Teixeira (apud Gonçalves, 2002),
compreende uma área de 43.000 metros quadrados destinada a loteamento popular para 650
famílias. Quando a Mina Quatro, mina de extração de carvão, foi desativada deixou no local
uma grande quantidade de rejeitos de carvão expostos ao ar livre. De acordo com o autor, o
nome desses rejeitos é pirita, cujos agentes inflamáveis contidos em sua composição entram
em autocombustão quando em contato com a umidade, exalando gases tóxicos. Antes do
loteamento popular essa área foi escolhida para ser o lixão da cidade. Entretanto, antes do
lixão, alguns catadores de materiais recicláveis, que haviam invadido a área, já moravam no
local por não disporem de alternativa melhor. Vários anos depois, após uma ação popular, o
lixão foi transferido para outro local. A área, então, foi loteada e hoje é conhecida como o
bairro Renascer/Mina Quatro.
1.3.3 Definição da Amostra
No início, o propósito era de que a amostra fosse composta por 08 quadras,
correspondendo a 32 moradias escolhidas intencionalmente após a observação cuidadosa das
mesmas e que atendessem ao critério de maior riqueza simbólica em suas fachadas e entornos.
Entretanto, não foi possível alcançar esses números, pois alguns moradores das casas
escolhidas não quiseram participar da pesquisa; outros que tinham esse interesse não estavam
em casa no dia agendado para a entrevista; e ainda outros que desejavam participar, não
concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale considerar
ainda, que alguns dias antes da data prevista para a realização das entrevistas, o bairro foi
notícia nos jornais da cidade devido à morte de adolescentes envolvidos com o tráfico e uso
de drogas, o que gerou certo receio e apreensão em alguns moradores, que assim se
justificaram. Por conta dessas dificuldades, a amostra se compôs de cinco casas e suas
respectivas proprietárias para as entrevistas, indicadas e apresentadas pela informante
qualificada, todas do sexo feminino, moradoras antigas do bairro, cujos nomes foram
substituídos por outros fictícios, a fim de preservar-lhes o anonimato.
1.3.4 Técnicas de Coleta de Dados
Observação sistemática (GONÇALVES, 2006), passeios pelo bairro, diário de
campo, registros etnográficos (fotografias), visitas, entrevistas abertas/informais e semi-
estruturadas. Num primeiro momento, passeou-se pelo bairro a fim de se familiarizar com o
local observando-se sistematicamente a paisagem sócio-espacial para, em seguida, fazer as
anotações no diário de campo. Nas visitas que se seguiram o objetivo foi o de observar as
fachadas, o entorno e a organização das casas e tirar as fotografias. Posteriormente,
procederam-se as entrevistas semi-estruturadas, informais, que foram previamente agendadas
e conduzidas pela pesquisadora, sob supervisão da professora orientadora e que se encontram
disponíveis para consulta e estão em poder da pesquisadora. Em outro momento, estas
gravações foram transcritas, digitalizadas e impressas. Após, realizou-se a sua leitura junto às
entrevistadas.
1.3.5 Estratégias de ação
Para compreender o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro
Renascer/Mina Quatro, foi necessário conhecer os determinantes sócio-históricos da
comunidade estudada, bem como seu aspecto espacial. Para isso, foi realizada uma
aproximação com o campo de pesquisa. Esta aproximação com os moradores se deu através
da professora coordenadora da pesquisa, pois ela já realizou e ainda realiza pesquisa nesse
bairro. Assim, primeiramente, conheceu-se o presidente da associação de moradores do bairro
e uma moradora do local que ficou como informante qualificada, nessa pesquisa. Num
segundo momento, realizaram-se passeios pelo bairro e visitas a alguns moradores a fim de se
utilizar a técnica de observação sistemática no contexto local. Esta técnica é fundamental na
pesquisa social, por permitir que os fatos sejam percebidos diretamente sem intermediários
(GONÇALVES, 2006). A observação sistemática foi dirigida para as fachadas, entornos e
organização das casas; as ruas, seu traçado, seu contorno e sua paisagem sócio-espacial. Em
seguida, realizaram-se as entrevistas abertas/informais com as proprietárias das casas que se
definiram como amostra, conforme exposto no item 1.3.3, a fim de conhecerem-se as suas
histórias de vida para correlacioná-las ao processo subjetivo de apropriação do espaço.
1.3.6 Avaliação dos Dados Obtidos
Os dados obtidos, isto é, o conteúdo das entrevistas e o registro fotográfico, foram
interpretados de acordo com os conceitos-chave do marco teórico. Desse modo, analisaram-se
recortes das falas das pessoas entrevistadas e as fotografias selecionadas do registro
fotográfico, de acordo com os conceitos-chave do marco teórico.
2 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS E DO REGISTRO
FOTOGRÁFICO SEGUNDO O REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE
2.1.1 A Subjetividade nas Marcas Deixadas Pela Sociedade
Historicamente, o período que antecede a vinda, para Criciúma, das famílias das
mulheres entrevistadas foi marcado por fatores sócio-políticos que levaram ao êxodo rural.
Esse período, conforme Faria (2007), compreendeu as décadas de 60 a 80, quando quase 13
milhões de pessoas foram “expulsas” do campo seguindo em direção aos centros urbanos. Os
principais motivos que obrigaram à migração em massa, segundo a autora, foram: a
modernização da agricultura, que forçou os trabalhadores a buscarem alternativas de
sobrevivência nas cidades; e o modelo de urbanização que atraía os moradores do campo.
Essa entrada em massa nas cidades provocou um crescimento desordenado. Sem
planejamento para atender aos novos moradores, as cidades não possuíam as condições
sanitárias e de infra-estrutura básicas, favorecendo o surgimento de todo tipo de adversidade
como desemprego, doenças, violência e miséria.
Nessa época, o Brasil estava buscando crescimento econômico, amparado pela
política neoliberal. Essa política, conforme afirmam seus principais defensores Hayek e
Friedman (apud PETRY, 2008), favorece o crescimento econômico; porém, à custa do
aumento da pobreza “alimentada pela crescente exclusão e desigualdade social”, garantem os
críticos Cattani e Díaz (apud PETRY, 2008, p. 22). Desse modo, as conseqüências levam a
crer que ambos, defensores e críticos, estão certos, pois a economia de Criciúma cresceu
(segundo o portal eletrônico1 do governo estadual, a cidade é conhecida como a “Capital
Brasileira do Carvão”), e os proprietários das mineradoras enriqueceram, entretanto, a
periferia da cidade e as áreas de risco foram as que se incumbiram de acolher os excluídos do
mundo da prosperidade. A exploração na região não foi apenas em relação à natureza de onde
se extraía o carvão mineral e degradava-se o meio ambiente: explorava-se também a
mão-de-obra dos trabalhadores e depois os abandonavam, degradando-lhes a dignidade, como
contou a Dona Zulmira, uma das mulheres entrevistadas: “Aí, deu uma doença no pai. Aquele
pó que ele torava, aquela diatomita, trancou nele aqui. Aí o falecido D. (dono da mineradora)
1Portal do Gov. Estadual: http://www.sc.gov.br/portalturismo/Default.asp?CodMunicipio=44&Pag=3.
mandaro ele assinar uma foia. Aí, botaro o velho pra rua sem direito á nada . Ele durô cinco
anos. Aí veio a falecer. Aí ele morreu.” Sem a força para trabalhar, pois só estando saudável
se pode tê-la, um ser humano foi trapaceado para ser, em seguida, abandonado, sem condições
sequer para se tratar adequadamente. O dinheiro que ganhavam com a extração do minério
mal dava para o sustento da família, como disse Dona Iraci, outra das mulheres entrevistadas:
“[...] mais aí o meu pai, o ganho dele era pouco pra sustentar doze filhos, né?”
Diante desses fatos, estudar a subjetividade exige que voltemos nosso olhar
também para as suas dimensões históricas, culturais, sociais e políticas, conforme defendido
amplamente por vários autores contemporâneos como Prado Filho e Martins (2007);
Figueiredo e Santi (2007); Mancebo (2002); Bock (2002); Crochík (1998), por exemplo. De
acordo com esses autores, não podemos afirmar que os termos individualidade, interioridade
ou subjetividade, conforme entendidos nos dias de hoje, são elementos de uma natureza
humana universal, porque neles estão contidas as marcas das relações sociais estabelecidas ao
longo da história, intermediadas pela cultura e pela política, cujas origens remontam desde o
século XIV, no início da Renascença2 até os dias de hoje. (FIGUEIREDO e SANTI, 2007).
Crochík, em seu artigo intitulado Os desafios atuais do estudo da subjetividade na
Psicologia, afirma que “o método para estudar a subjetividade deve ser, portanto, o que leva a
procurar no indivíduo as marcas da sociedade.” (1998, p. 3). Nesse sentido, o estudo da
construção da subjetividade na periferia urbana remete às histórias de vida das pessoas
entrevistadas.
O relato dessas histórias permitiu uma reflexão sobre as relações intra e
interpessoais estabelecidas pelo indivíduo com o meio sociofísico circundante. O que não
quer dizer que essas relações tenham sido realizadas dentro de um padrão rígido de
relacionamento, nem consigo mesmo e nem com os outros.
Segundo Mammì “[...] os problemas a serem resolvidos ainda são os mesmos: o
valor universal do tempo e do espaço como coordenadas da ação humana, em seu
acontecimento efêmero e em suas conseqüências infinitas.” (1999 apud VALADARES, 2000,
2 Renascença ou Renascimento, movimento iniciado na Itália no século XIV, com auge no século XVI. Esses termos começaram a ser usados a partir do século XV para designar o período em que o homem deixa de explicar o mundo a partir do teocentrismo, em que as todas coisas tinham explicações divinas, para explicá-lo colocando-se a si mesmo como o centro de tudo, ou seja, com base no antropocentrismo. Desse modo, o que mais se valorizava no homem era a inteligência, o conhecimento e o dom artístico. A partir daí, ocorreram grandes descobertas como a de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei que disseram que a Terra não era o centro do Universo; a descoberta da pólvora e da bússola que permitiu o descobrimento de novas terras, dando início às novas formas de relações: sociais, como o liberalismo que dotou o ser humano de direitos inalienáveis; e, comerciais, que abriram caminho para o capitalismo. Fonte: http://www.pitoresco.com.br/art_data/renascimento/index.htm
p. 84).
Acontecimento efêmero, de acordo com Valadares (2000, p. 84), se trata de um
acontecimento ontológico, porque se localiza “dentro de uma história do humano e de uma
ética” em que as pessoas convivem, diariamente, entre si esforçando-se para “construir,
juntas, novos espaços de vida”, porque as construções humanas somente são possíveis “dentro
de uma significação para o grupo e implica uma escolha.” As conseqüências infinitas, por sua
vez, segundo o autor, são as marcas impressas pela ação de escolher, “sobre ambiente,
sempre, também, referido ao território da cidade.” (VALADARES, 2000, p. 84). Resumindo,
o projeto de civilização se dá na cidade pelas ações ocorridas sobre a “paisagem e os terrenos”
constituindo-se no acontecimento da cultura. Cidade como ambiente construído é fato
histórico vivido “por sujeitos em seus corpos.” Ou, como bem disse Manuel Castells, “toda
forma de matéria possui uma história ou, melhor ainda ela é sua própria história.” (2000, p.
35).
As histórias das pessoas entrevistadas entrelaçam-se com a história do bairro
Renascer/Mina Quatro e, portanto, com a história de Criciúma. Como se constatou por meio
das entrevistas, essas histórias permanecem vivas, localizadas nos espaços ligados ao passado,
ao tempo de infância, de juventude, de força, de desejo e de conquistas.
2.1.2 A Subjetividade nas Marcas Culturais de Preconceito e de Falta do “Pão Nosso de
Cada Dia”
Das mulheres entrevistadas, uma chama-se, ficticiamente, Iraci. Aos 62 anos de
idade, Dona Iraci é moradora do bairro há 22 anos, viúva, ex-empregada doméstica e ex-
parteira. Tem três filhos, uma neta e treze irmãos. Nasceu em Caputera, município de
Laguna/SC. Veio para Criciúma com sua família, quando ainda era um bebê de apenas nove
meses de idade, em busca de melhores condições de vida.
Como a maioria dos migrantes da zona rural, a família de Dona Iraci ficou fora da
cidade. Moravam nos arredores, nas áreas de risco, onde tiveram a casa soterrada por uma
barreira, resultando em perda total do pouco que tinham. Assim, foram morar de favor em
uma velha olaria que servia de abrigo aos bois: [...] perdemos a roupa que tava no tanque, ela (a mãe) tava lavando roupa e eu tava estendendo no varal. Aí de repente, não foi um temporal, foi a barreira da estrada que caiu, e o tanque, a roupa que tava na banheira, a... tudo, a casa, derrubou tudo, aterrou tudo aquilo. Aí nóis fiquemo assim, na... na rua, bem dizê. (DONA IRACI, abril/2008).
As palavras de Dona Iraci revelam aquilo que já se sabe: não foi um temporal3
que causou toda aquela perda, afinal o resto da cidade ficou intacto, mas as condições de
moradia nas quais ela e sua família se encontravam, ou seja, moravam em área de risco
sócio-ambiental, assim chamada por não oferecer a menor segurança em termos de proteção à
vida e aos bens materiais.
Caiu a barreira e aí a família ficou assim: “na... na rua, bem dizê”!
A barreira, que impede que alguns vejam a subjetividade do pobre por outra
perspectiva que não a do preconceito, caiu. Assim, Dona Iraci começa a sua história fazendo
referência à sua mãe e à pobreza da família: “... aqui minha mãe passou muito trabalho, que a
nossa família era muito pobre, muito pobre mesmo. Nóis era uma família que nóis era ajudado
por todo mundo aqui em Criciúma”. Dona Iraci nasceu em berço pobre e, como tal, se
reconheceu desde criança. A pobreza deixou marcas na vida de Dona Iraci, são as marcas da
adversidade enfrentada estando-se em desvantagem. São as marcas da necessidade e da falta
do “pão nosso de cada dia”: [...] muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nunca deixou passá... nóis passá necessidade, ás vezes, os vizinhos davo dois, três ovo ali pra nóis. Dava pros doze filho comê! Então, nóis fomo criado assim: pirão d’água, ovo frito, quando os vizinhos davo, que naquela época, agora tudo é mais coisa, né? Mais naquela época era tudo muito difícil. Meu pai trabalhava nessa mina aqui, e... o ganho dele era pouco pra sustentá doze filhos, né? (DONA IRACI, abril/2008).
Aquilo que Dona Iraci aprendeu com as vicissitudes da vida e com alguém que lhe
era significativo, mais tarde, quando teve seus filhos, foi reproduzido: “Eu disse: não! No
prato onde come uma, come duas (...) farinha pelo menos não vai faltá pra elas (filhas) comê.”
Um aprendizado voltado para o dividir, repartir o pouco que se tem com todos, compartilhar
da mesma fome e da mesma saciedade: “Dava pros doze filho comê!” Estas marcas ela
carrega consigo, ainda hoje, em suas lembranças e em seu modo de ser no mundo.
Da perspectiva de Mead “la persona es algo que tiene desarrollo, no está presente
inicialmente, sino que surge em el processo de experiência y la actividad sociales.” (1974, p.
167, apud GARAY, 2002, p. 2). Isto quer dizer que o ser humano não está pronto a priori,
como quer a concepção inatista4, mas que se constitui a partir das relações sociais, e,
principalmente, com aquelas pessoas que desempenham um papel significativo na infância do
sujeito; e dos papéis que elas desempenham na sociedade, complementa a autora Sant’Ana
3 Temporal: chuva forte, tempestade, aguaceiro. (BUENO, 2000). 4 Inatista: concepção que se opõe à influência da cultura no desenvolvimento psíquico e nas capacidades individuais, pois concebe que estes são regidos segundo leis específicas e, portanto, são independentes das experiências, do conhecimento e da cultura. (BOCK, 2002).
(2007).
Assim, Dona Iraci ao estabelecer uma relação com o outro, este, enquanto
entrevistador, aquela enquanto entrevistada, assumiu para si o dever de defender sua mãe e
sua família, justificando: “Todo mundo conhece nóis pela nossa pobreza. Não por vadiação,
nem por nada (...) ela (a mãe) trabalhava de lavação, ela tinha dez lavação (...) Então, a minha
mãe era uma mulher muito pobre, mais muito trabalhadeira...”. Aqui, Dona Iraci nos dá a
entender que em nossa cultura ser pobre pode ser sinal de preguiça, de malandragem, de
fracasso pessoal e, por isso, tratou logo de evitar qualquer tipo de julgamento negativo em
relação à pobreza de sua família.
Em outro momento, Dona Iraci fala sobre as roupas e os sacos e sacos de comida
que a família dela recebia como ajuda por parte de empresários da cidade: “Aí ele (um
empresário) que deu o luto5 pra nóis, ele que levou comida, sacos e sacos de comida, porque a
minha mãe e meu pai eram muito bem visto em Criciúma, muito bem visto.” Como se pode
notar, o discurso de Dona Iraci é de agradecimento pela solidariedade do empresário,
entretanto, quase se sentindo honrada em ser ajudada por gente tão “importante”.
“Que relação o sujeito estabelece consigo a partir de verdades que culturalmente
lhe são atribuídas?”, questiona Candiotto (2008, p. 2). Que discursos foram proferidos como
verdadeiros e que serviram de bases para a construção da subjetividade de Dona Iraci que a
impedem de fazer qualquer referência às questões políticas e sociais envolvidas no enredo de
sua história?
A ausência de questionamento político-social na fala de Dona Iraci pode levar a
inferir que aqueles que estão às margens da sociedade estão, também, sem acesso às
discussões políticas que poderiam alterar suas condições de vida.
Essa exclusão política é fruto das relações entre os homens, pois o indivíduo
recebe uma formação6 característica de sua classe social que irá permitir a abertura ou a
limitação de suas ações: Na história da civilização ocidental, a formação tem sido distinta conforme a condição de vida do indivíduo: se escravo ou homem livre, servo ou senhor, trabalhador ou empresário. A formação se dá em consonância com as necessidades da produção social, pretendendo desenvolver no indivíduo as habilidades para fazer frente à produção, e/ou de acordo com as interpretações que são dadas para o mundo, que lhe permitem ter um posicionamento frente às questões políticas (CROCHÍK, 1998, p.3).
5 Luto – O empresário doou as roupas de cor preta para a ocasião da morte da mãe de Dona Iraci. 6 Formação: refere à formação cultural constituída pelos traços de caráter, personalidade e pela educação. Esta última indicando apreensão de conceitos, valores e normas, envolvendo todas as áreas da vida e não somente a família ou a escola (CROCHÌK, 1998).
Desse modo, percebe-se a cultura7 e a construção da subjetividade imbricadas, de
tal modo, que não é possível refletir sobre uma sem, imediatamente, relacioná-la à outra.
Visto desse ângulo, pode-se dizer que o indivíduo tem a forma e o conteúdo das experiências
trocadas em sua inter-relação com os outros membros da sua sociedade:
autônomo/dependente, humilde/pretensioso, egoísta/solidário... .
Depreende-se, portanto, que a cultura traz em seu bojo um projeto preestabelecido
de homem, cuja “possibilidade de um indivíduo emancipado, autônomo, é necessária
decorrência do projeto da cultura” (CROCHÍK, 1998, p.1), pois, segundo esse autor, a
principal função da cultura é a de proteger “os homens das ameaças da natureza” e, como o
homem mesmo é natureza, deve ser “defendido de si mesmo e do outro” por meio de outra
função da cultura que emerge como conseqüência da que foi enunciada: instituir regras de
relacionamento entre os homens. A cultura, nessa perspectiva, define-se pelo modo de
enfrentar aquilo que é ameaçador para o homem, “presente tanto nos desafios da natureza
quanto nas regras de relacionamento humano criadas por ela” (CROCHÍK, 1998, p. 1).
Segundo Adorno (1971 apud CROCHÍK, 1998, p. 7) o indivíduo se diferencia dos
outros indivíduos (individuação) a partir da “incorporação da cultura”, isto é, a subjetividade
se desenvolve “na cultura e através dela”, a cultura produz seus indivíduos. Isto não significa
que os primeiros anos de vida devam ser desconsiderados, pois até mesmo para relembrar o
passado o indivíduo o faz “através dos diversos filtros apontados por Freud, pelos símbolos
que são adquiridos a posteriori.” (CROCHÌK, 1998, p. 7).
Desse ponto de vista, o autor defende que para estudar a subjetividade é
necessário que, enquanto ciência, a psicologia considere as “condições de existência” do
indivíduo e volte a sua compreensão para as condições nas quais a subjetividade teve a sua
gênese, pois, de outro modo, estaria assumindo uma atitude ideológica. Isto seria, portanto,
pensar a subjetividade das pessoas entrevistadas levando-se em conta a “incorporação da
cultura” na construção da própria subjetividade, pois as condições sociais, histórica, política e
econômica são produtos culturais: [...] Aí ela fazia farofa de banana, fazia... dava arroz com banana pra nóis, porque carne bem pouco existia, né? Carne na mesa foi bem pouco. (...) Não é que não tinha: ter, tinha, mais nóis não tinha era o dinheiro pra comprá, né? (DONA IRACI, abril/2008).
O que Dona Iraci está dizendo, por exemplo, diz respeito à sua condição sócio- 7 Kant (1992 apud CROCHÍK, 1998, p. 7), “analisa o desenvolvimento da cultura ocidental e um de seus produtos principais: a razão; assinala, no entanto, que esta só se realiza pelo livre uso individual daquela, ou seja, pela autonomia individual”. Autonomia, na perspectiva de Dahrendorf (1992), está ligada ao conceito de sujeito autodirigido, isto é, aquele que pensa por conta própria (censo crítico).
econômica, porém, como um produto cultural e, desse modo, faz parte da vida de milhares de
pessoas que passam fome nos dias de hoje: não que a produção de alimentos seja insuficiente
para alimentar a todos, o que falta é o meio para adquiri-los, ou seja, o dinheiro. A fome de
muitos, vista por esse ponto de vista, é uma fome produzida culturalmente, é uma fome para
muitos, por isso se repete na fala de Dona Joana (2008), outra mulher entrevistada: “É
bastante mercado aí óh: Tendo dinheiro pra comprar, né? Bastante mercado... tem a farmácia
que faltava, abriu ali.” Infere-se, portanto, que a produção é suficiente, tanto que há
desperdício por parte de alguns.
O desperdício de uns é a necessidade de muitos, como disse a Dona Zulmira
(2008): “Comemo muita coisa do lixo. Pão, nóis juntava. Rôpa, nóis achemo muita rôpa.”
Que subjetividade, ou melhor, que experiências e sentimentos íntimos são
produzidos/construídos nessas condições? Humilhação? Resignação? Vergonha? Dona
Zulmira só se preocupava com uma coisa: Ah ia pensar no quê, né? A gente com tanto neto pra criá. (...) Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles, né? Não queria deixá eles passá fomi. Não vê o Lívio, que a Iza tem até hoje: pelado, brincando naquela água do lixo, brincando naquela sujeira [...] (DONA ZULMIRA, abril/2008).
Será que alguém viu o menino Lívio?
Será que alguém vê que faltam condições de vida que garantam o básico para a
subsistência digna de muitos? Para Damergian (2001, p.96) o que falta é uma “mãe-
sociedade, representada pelos chefes sociais”, que possibilite aos seus “filhos-membros”
experiências de “reciprocidade, solidariedade, empatia”, em vez de “excesso de competição,
rejeição, ódio, indiferença” e desperdícios, de modo que os bens públicos sejam repartidos
igualmente para o bem comum.
Por sua vez, Gans (1996 apud DAMERGIAN, 2001, p. 99-100) afirma que é
preciso “quebrar o ciclo que perpetua a pobreza” juntamente com os problemas que dela
decorrem e não apenas usar paliativos: “[...] Pobre tem professor pobre, advogado pobre,
médico pobre.” Damergian completa: “pobre, quando tem, tem escola pobre, assistência
médica e jurídica paupérrimas” (2001, p.100) e as causas e conseqüências desse estado de
pobreza recaem, exclusivamente, sobre a população pobre. Gans também questiona a noção,
introjetada pela ideologia, de culpabilidade do pobre por sua “falta de êxito”. Uma noção
preconceituosa da sociedade burguesa que faz acreditar que pobre é quem quer, pois quem
não quer ser pobre “vai à luta” para vencer na vida. Porém, o mesmo autor afirma que nessa
batalha o pobre é sempre o perdedor, porque é uma batalha econômica e ideológica que
introjeta nos indivíduos a noção de fracasso e incapacidade por parte dos perdedores, no caso,
os pobres.
Desse modo, a subjetividade construída numa sociedade madrasta, na perspectiva
de Damergian (2001, p. 107) é uma subjetividade “esvaziada”, “negada”, o pobre é culpado
por tudo: por não trabalhar, por não estudar, por não salvar o bebê na hora do parto, por não
se vestir adequadamente, por não se alimentar saudavelmente e até por não votar
“corretamente”, pois “o povo tem o governo que merece”, diz o dito popular. As instituições
representativas são eximidas de suas responsabilidades porque “o povo não sabe votar!”
Dizem.
Daí, as subjetividades se conformam dependentes do sistema administrativo.
Dependências planejadamente produzidas, segundo Crochík (1998).
Quem é pobre também aceita aquela idéia sem questionamento e, desse modo,
acaba por reproduzir, objetivamente, as crenças preconceituosas que ele mesmo sofre e que
foram produzidas, aceitas e incorporadas na cultura. Foi dessa maneira que Dona Iraci (2008)
se referiu à violência que está ocorrendo, atualmente, no seu bairro: Não, acho que é bandidage mesmo. Acho que é. Não tem nada de falta de serviço não, porque serviço tem. É só querê trabalhá. Mais eu acho que é bandidage, vagabundage. É falta de... é preguiça, é tudo isso aí. Porque tu vê, os guri que tão morrendo é tudo de dezesseis, dezessete anos. Eles não chegaram nem na metade do que eu vivi, né? Porque que não vão pegar um servicinho na mão pra variar?
Falta algo, mas Dona Iraci não consegue expressar o que está faltando, por isso,
limita-se a deixar a frase pela metade: “É falta de...”. Para Valadares (2000, p. 88) “é na falha
do pensar que surge indomável, o não assujeitável, o sujeito.” Isso nos remete aos
pressupostos da psicanálise lacaniana quando fala das lacunas ou das falhas do pensar
expressas na falha da linguagem, ou seja, o “indomável” referido pelo autor é a explicitação
do desejo, a energia vital e ali se encontra a potência para a transformação, ainda que tardia:
“Eles não chegaram nem na metade do que eu vivi, né?” Disse Dona Iraci (2008).
Crenças, modelos e idéias. Esses também são elementos formadores de
subjetividade porque são constituidores da cultura e por sua sutileza são capazes de garantir
que modelos ideológicos geradores de discriminação e exclusão social se perpetuem através
da reprodução dos valores culturais e das vivências. Foi o que aconteceu no bairro
Renascer/Mina Quatro (Figura 1), pois lá “surgiu” um lugar ainda mais pobre.
A história se repetiu e quem chegou depois ficou excluído. Não por coincidência,
mas por um processo de reprodução do próprio sistema social excludente, tal qual ocorreu na
cidade no episódio da migração. A força reprodutora da pobreza inventa novas razões de ser:
se hoje não é pela migração em massa, o é pela indisposição em agir, em cuidar, em acolher,
em mover-se e comover-se “visando à sustentação dos sujeitos.” (VALADARES, 2000).
Desse modo, a periferia abriga o seu antigo retrato nos seus arredores. Ali,
naquela “nova” periferia, também existe o descuido político e da vizinhança do bairro que os
nega e marginaliza. Os moradores “do outro lado do valo”, como o local é chamado, não têm
acesso às melhorias que a parte mais antiga do bairro tem: moradias melhores com acesso a
energia elétrica e água encanada, ruas calçadas e iluminadas, etc.
O retrato é o de um aprofundamento da exclusão. Ali também prevalece a lei do
economicamente mais forte. A “elite” do bairro da periferia teme a ação agressiva e violenta
dos seus moradores marginalizados.
FIGURA 1 – A “NOVA” PERIFERIA DO BAIRRO RENASCER/MINAQUATRO
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .
Esse temor aparece nos muros e grades presentes em quase todas as casas do
bairro (tal qual no perímetro urbano de Criciúma/SC). Tal qual no modelo urbano a ser
copiado pelas periferias no Brasil a fora. É claro que a responsabilidade dessa reprodução não
é dos moradores do bairro Renascer/Mina Quatro, mas do projeto cultural introjetado por
todos nós, pois “a mente humana, contudo, é um produto da civilização na qual o indivíduo
nasceu, cresceu e desenvolveu seus hábitos, sua linguagem, suas crenças e seus saberes.”
(PETRY, 2008, p. 6). Afinal, o Brasil foi colonizado e desde então vem reproduzindo sua
experiência, explorar e abandonar, num ciclo vicioso que se repete nas relações ambientais,
sociais, trabalhistas, conjugais, etc.
Do mesmo modo, Dahrendorf (1981 apud GONÇALVES, 2002, p. 73) traz à tona
uma contradição estampada na noção de democracia sem liberdade, que retrata esta situação,
ao discutir a noção de Homem autodirigido e Homem dirigido por outros: Que sucede com a liberdade numa sociedade, na qual a conduta social da maioria pode ser descrita como dirigida por outros? Que resistência oferece o homem dirigido por outros? Que apoio proporciona a uma sociedade livre? Como se acomoda seu caráter às instituições políticas chamadas freqüentemente democráticas e como concordam estas com seu caráter?
Como é possível ser livre e realmente poder escolher se quer, ou não, ser pobre,
numa sociedade na qual democracia, não tem o significado real do termo em si, que é a forma
de governo na qual o poder emana do povo para o povo. Em nossa sociedade só se é livre um
dia: o da eleição. Depois disso, tornamo-nos colonizados, escravos, ou seja, homens dirigidos
por outros homens, cujos interesses nem sempre coincidem com os nossos.
Para Habermas (apud AVRITZER, 1996) a solução para que haja democracia de
modo que a burocracia não seja seu impedimento, é através da racionalidade comunicativa, ou
seja, por meio da discussão, na esfera pública, entre pelo menos duas pessoas que se
reconheçam como iguais no uso da linguagem eficiente. Isto é o mesmo que dizer que deve
haver um diálogo entre os homens capaz de levá-los ao consenso, na busca de soluções para
seus interesses relativos ao consumo, educação, habitação, corrupção, poluição, degradação
sócio-ambiental, etc. Esse exercício de interação poderia levar os indivíduos aos planos de
ação, tal como se sucede nas reuniões do Orçamento Participativo, dos Conselhos, enfim,
participação coletiva nas Políticas Públicas.
Desse modo, o indivíduo estaria produzindo sua subjetividade através do
equilíbrio de sua disponibilidade entre a vida pública e a privada a partir da comunicação e da
interação competentes. Pois, haveria a possibilidade de o indivíduo se reconhecer como
sujeito de interesses próprios e também reconhecer que esses interesses podem estar em
oposição aos interesses dos demais. (GONÇALVES, 2002).
Costa (1998) também defende que é preciso tornar possíveis novas experiências
de subjetivação moral por meio de novas modalidades de interação entre as instituições
culturais, especialmente, as “elites que têm poder social, político, econômico ou intelectual
para criarem e difundirem modelos de subjetividade” (p. 4) como, por exemplo, “levar a sério
os vínculos de amizade, hospitalidade, cortesia, honra, lealdade e fidelidade” (p. 5). E,
partindo dessa “nova modalidade de interação” e novas formas de vida, “voltar a reintroduzir
na vida pública e pessoal o entusiasmo pela criação de um mundo comum que deixou de
existir.” (COSTA, 1998, p5).
Talvez, assim, partindo dessas novas maneiras de relacionamento, sugeridas
acima pelo autor, Dona Joana (abril/2008) não precise mais lamentar um tempo que passou:
“Tempo bom era o tempo do lixão, pelo menos a gente sempre tinha o que comê... era fruta...
verdura... nunca faltava nada. Hoje em dia não: tá tudo muito caro, né?”. E nem Dona Iraci
(abril/2008) precise sofrer com aquilo que foi a maior tristeza de sua vida: Pra mim eu não me importava de comê, mais eles (os filhos) eu não... Ai, viero uma vez pedi meus filho pra mim, tu vê. Foi a minha maior tristeza da minha vida! Ai, viero pedi meus filho porque acharo que eles tavam passando fome. Eu disse: não, na mesa que come dois come trêis. É meus filhos, eu não vou me desfazer de nenhum deles!
A maior tristeza da vida dessa mulher, que batalhava pela sobrevivência própria e
de seus filhos, foi terem duvidado da sua capacidade de prover alimentos para eles, pois seu
modelo de mãe era assim: “muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nunca
deixou passá... nóis passá necessidade.”
O que Dona Iraci e Dona Joana estão dizendo é que a alimentação é necessidade
na vida de todos nós, durante a vida toda. Tirando os filhos da companhia de suas mães, em
nome da solidariedade, porque lhes faltam os gêneros de primeira necessidade ou mesmo
acabando com os lixões da cidade, não significa que o problema estará resolvido, pois “o
grande problema, então, de nossa civilização (...) é sua vocação essencialmente materialista e
tecnocrática, a forma como sua racionalidade e tecnocracia estende seus tentáculos a todos os
domínios da vida, incluindo a moralidade.” (DAMERGIAN, 2001, p.105).
2.1.3 A Subjetividade e a Mãe Cuidadora e Transmissora de Cultura
As memórias ambientais de Dona iraci a remetem para o mato aonde ia com a sua
mãe buscar lenha para o fogo ainda de madrugada. Na sua lembrança ficou a generosidade da
natureza que lhes fornecia a fonte de calor para preparar os alimentos e também para aquecer
os seus corpos nas noites geladas do inverno catarinense. Lá no mato também era o lugar onde
ouvia as lendas e estórias dos contos de fada. O mato era o lugar de ouvir as estórias que
geralmente os pais contam para suas crianças na cabeceira da cama na hora de dormir.
Estórias que ao mesmo tempo em que encantavam também causavam medo: “Ela contava as
estórias pra nóis, ela acabava de pegar a lenha, nóis sentava na beirada do mato (...) Aí ela
dizia que tinha bruxa, que tinha o boi de fogo na boca, ela dizia que tinha o lobo, ela dizia que
tinha uma porção de coisa...” (DONA IRACI, 2008). No mato foi onde a Iraci criança teve
acesso às crenças e às lendas da sua cultura.
Dona Iraci pôde estabelecer uma forte ligação afetiva com sua mãe. Um elo
apoiado num “ponto fixo”, a “valência positiva”, na perspectiva de Damergian (2001, p. 90).
Esse apoio permitiu experiências nas quais a pulsão de vida pudesse fluir, ou seja,
experiências de troca de afetos e relacionamentos saudáveis. Como disse Damergian (2001, p.
101): “é de se pensar a luta heróica dessas mães para dar amor, acima de todos os sofrimentos
a que estão expostas”: Olha, minha mãe era uma pessoa pobre, mais muito boa de coração, minha mãe, meu pai eram pobres, mais pobres mesmo de não tê o que comê, mais ela também não desprezou nem um filho, ela abraçava todos os doze com as mãos. (DONA IRACI, abril/2008)
O modelo de mãe que Dona Iraci teve abraçava os doze filhos com as mãos (não
com tentáculos), portanto, sua subjetividade é formada também pela prática pelo acolhimento,
pelo carinho dividido igualmente na hora da competição pelo abraço da mãe, ou seja, uma
subjetividade fundada num ponto fixo que agrega, acolhe e compartilha o amor com todos
igualmente.
Dona Iraci se emocionou ao relembrar a dor que foi perder esta principal figura de
sua vida aos catorze anos de idade. Sua mãe faleceu, vítima da varíola, após o parto de seu
décimo terceiro filho, que não resistindo à doença e ao parto prematuro de sete meses de
gestação, também morreu. São as adversidades da vida para as quais, geralmente, não se está
preparado para enfrentar.
Entretanto, a jovem Iraci precisava elaborar a morte de sua mãe ocorrida após esse
parto, e então foi trabalhar como parteira em um hospital da região: “Depois... depois que a
minha mãe morreu... fui procurar a minha vida, né?” disse Dona Iraci, emocionada. Isso nos
remete a Freud (apud HALL; CAMPBELL & LINDZEY, 2000) quando refere a uma
possibilidade de reparação. Segundo Dona Iraci ela “sumiu”, precisava exorcizar um
demônio: [...] Eu fui pro internato (...) mais aí era muito puxado (...) tinha uma freira que era muito ruim, era muito ruim, a irmã Lídia... era o satanás, aquela não era nem pra ser irmã, acho que ela era o capeta vestido de gente. (...) Era uma atentada aquela freira, aquela lá nem era pra ser freira, aquela... depois ela morreu. Meu pai, minhas irmã não sabio onde é que andava. Saí de casa sem mais nem menos, eu sumi. (...) Fui trabalhar no hospital de Laguna (...) porque eu tinha vontade de ser enfermeira. Aí naquela época eu fiz um curso, lá mesmo dentro do hospital fiz um curso e fui ajudante de parteira. (...) Porque eu gostava de criança, lidar com gente doente, adorava cuidar de gente doente. (DONA IRACI, abril/2008).
Elaborar as perdas, reparar os danos sofridos e causados fazem parte da
subjetividade que é formada e reformada a partir de uma elevada auto-estima.
De acordo com Damergian (2001), a mãe exerce duas funções fundamentais na
vida do seu bebê: a primeira, como demonstrado acima, é a função de “ponto fixo, valência
positiva” (p. 95). A segunda função é a de transmitir os conteúdos veiculados em sua cultura,
ou seja, a mãe repassa a ideologia vigente, ela transmite e reafirma todas as preocupações do
seu tempo referentes à educação, à religião, às crenças, aos costumes, aos valores, etc.,
conforme podemos verificar na fala de Dona Erundina, outra entrevistada: “Ela me deixou a
educação. (...) Ela sempre dizia que a gente ser pobre não era feio, mais sem educação, não
respeitar os outros” (Dona Erundina, abril/2008); e, também, por esse discurso de Dona Iraci
(2008): “Ah, ela deixou muitas coisas boas pra nóis. Ela dava muito conselho pra nóis: Pra
nóis nunca transar com ninguém, pra nóís quando casar, que casasse virgem porque era o
maior sonho da vida dela [...]” e, esse: [...] a minha mãe ela levava nóis na missa, ela, foi sempre o conselho que ela deu pra nóis: vocês são batizados, são crismados, fizeram a primeira comunhão, são consagrados, então eu dou sempre um conselho pra vocês, nunca deixem de ir pra igreja e nunca passa de uma igreja pra outra, sempre siga aquela que a mãe está seguindo [...] (DONA IRACI, abril/2008).
Entretanto, essas mães, que transmitem cultura, a receberam de outras mães, ou de
cuidadores que por sua vez também a receberam de suas mães e, assim por diante. Por isso, a
importância de estudar a subjetividade a partir de suas dimensões históricas, culturais, sociais
e políticas porque em cada época ocorreram mudanças de acordo com a necessidade, porque
por meio de suas ações o ser humano transforma a sua realidade e ao fazer isso se transforma
a si próprio. (BOCK, 2002). Ou, como disse Cabruja (1998, p. 58, apud ÍÑIGUEZ, 2001, p.
15): “é a partir de analisar o discurso sobre como deveriam ser as subjetividades e as relações
sociais, em seu contexto histórico específico que se pode perceber por quais interesses são
promovidas em um dado momento.”
2.1.4 A Subjetividade nas Marcas da Madrasta-Sociedade
O bairro Renascer/Mina Quatro, área degradada em sua superfície, explorada e
esvaziada em seu interior, também é local e cenário de boa parte da história da vida degradada
e explorada das entrevistadas: “Trabalhei (...) muito tempo. Mais nunca fui fichada.” (DONA
ZULMIRA, 2008). Ambos, natureza e ser humano, vivenciando uma mesma experiência,
como disse a Dona Zulmira ao falar de como se sente atualmente: “a gente é oca por dentro, a
gente fica assim sem gosto. Véve por vivê. Véve porque tem que vivê.” (DONA ZULMIRA,
abril, 2008). Seria uma simbiose8?
Fonseca (2008, p. 1) entende que sim, que há uma relação simbiótica entre o ser
humano e o ambiente quando evidencia “que somos indissociáveis do que entendemos como
ambiente.” Segundo esse autor, a predominância cultural leva-nos a um afastamento como
sujeitos; afastamos o ambiente, e por isso, o ambiente se constitui em objeto para nós, pois
não nos vemos nele. Paz (apud REZENDE, 2000, p. 13) afirma, “ao nascer, fomos arrancados
da totalidade,” confirmando o pressuposto anterior, pois após o seu nascimento o homem é
inserido num sistema de valores, crenças, normas e costumes: a cultura.
Mas parece que não estamos afastados só da natureza, Damergian (2001, p. 106)
afirma que “as condições de vida que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetividade, nos
afastam de nossa humanidade e, conseqüentemente, do outro”. Assim, afastados do outro, é
que as relações sociais se estabelecem baseadas no egoísmo, exploração e dominação.
O pai de Dona Iraci trabalhava como mineiro da Mina Quatro que hoje já não
existe mais, pois foi desativada. Viúvo e com doze filhos para criar, ele casou-se novamente.
Dona Iraci ganhou uma madrasta. Há quinze anos ele, o pai, faleceu vítima de câncer de boca.
Após a desativação da mina a área passou a ser o lixão da cidade e da vizinhança,
posteriormente, se tornou o bairro Renascer, local onde vive a Dona Iraci.
A sociedade que não cuida e não ama os seus filhos, materializou-se na figura da
madrasta de Dona Iraci e, desse modo, ela ficou desamparada, sujeita a toda sorte de violência
real e simbólica: pobreza, desemprego, assalto, etc. Sem o benefício da urbanidade, que se
refere à “decência, cortesia e distinção”, segundo o filósofo francês Mattei, (2000 apud
DAMERGIAN, 2001, p. 97), Dona Iraci era uma excluída!
Segundo Damergian, enfrentar e superar as adversidades próprias à construção da
subjetividade não é tarefa nada fácil, mesmo quando se tem uma mãe amorosa, continente,
porto seguro, ponto de apoio para impulsionar o crescimento encorajado pela interação com
um meio “favorável”, o que dirá, então, de um processo marcado pelas condições totalmente adversas criadas pela mãe-sociedade, como temos visto, incapaz de amar e acolher seus filhos, disseminadora de inveja, ambição, ódio, indiferença, que projeta sua persecutoriedade e sua culpa sobre seus filhos-membros, atribuindo-lhes a responsabilidade pelos seus fracassos, pela sua exclusão, pela sua eliminação? (DAMERGIAN, 2001, P. 112-113).
Freud (1976, apud DAMERGIAN, 2001, p. 105-106) chamou nossa atenção “para
a importância do amor pelos outros” como única maneira de transformar o “egoísmo em
8 Simbiose: Associação de dois seres vivos, vida em comum. (SILVEIRA BUENO, 2000).
altruísmo”. Entretanto, Damergian (2001, p. 106) lamenta o fato de não termos aprendido a
“lição”, pois “as condições de vida que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetividade, nos
afastam de nossa humanidade e, conseqüentemente, do outro.” Quer dizer, o modo de viver
individualista nos afasta do outro e não permite que o reconheçamos como ser humano e por
não reconhecer o outro como ser humano também não vemos em nós mesmos a nossa
humanidade. Desse modo, o afastamento do mundo dos sentimentos, a falta de estimulação ao seu aspecto amoroso, à pulsão de vida, libera o lado negativo desse mundo interno, a destrutividade, o que existe de pior no ser humano, o seu egoísmo, a sua inveja, ambição, narcisismo, busca de satisfação de seus desejos em detrimento do desejo do outro. (DAMERGIAN, 2001, p. 105).
Assim, podemos pensar a subjetividade como uma tarefa a ser concluída
remetendo a Dreyfus & Rabinow (1995, p.239 apud PRADO FILHO e MARTINS, 2007, p.
6): “[...] Temos que promover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de
individualidade que nos foi imposta há vários séculos” porque, segundo Prado Filho e Martins
(2007, p. 6), é preciso que o saber psicológico supere a praxe centrada no sujeito e busque
“dar conta da singularização”. Pois, enquanto as atuais formas de subjetivação assujeitam, isto
é, dominam, tornam dependente, “a singularização apresenta-se como estetização de si
visando resistir a esta maquinaria moderna de produção da subjetividade e da identidade
individuais, construindo novas formas de vida e de ser.” (PRADO FILHO e MARTINS,
2007, p.6).
No dizer de Paz (apud REZENDE, 2000, p.17) “o sentido da história somos nós,
que a fazemos e que ao fazê-la, nos desfazemos. A história e seus sentidos terminarão quando
o homem se acabar.” Esta reflexão remete a uma relação entre o passado, presente e futuro
como possibilidade de ruptura, pois a partir da crítica aos velhos padrões cria-se a abertura
para os novos.
2.1.5 A Subjetividade nas Marcas Deixadas pelo Trabalho Infantil e Referências Sociais
No contexto social das mulheres entrevistadas a utilização da mão-de-obra infantil
como recurso barato não era pensada em termos críticos e, às vezes, até era entendida como
favor ou solidariedade, por ambas as partes: “eu comecei a trabalhar com nove anos (...) Na
casa dela, trabalhei com ela, cinco anos. Ela era professora...” (Dona Iraci, abril/2008). A
infância de todas as entrevistadas foi marcada pelas adversidades, trabalho e pobreza: [...] uma vida de muita dificuldade, minha infância foi de muita dificuldade, de muito trabalho, nóis só não pedia esmola (...) depois a mulher me chamou pra
trabalhar com ela, porque me achou muito caprichosa, novinha, que ela disse que não se conformava de eu ser tão novinha e tão limpa. Aí ela me chamou pra trabalhar com ela, aí eu trabalhei cinco anos... ela me dava de tudo, de tudo. Ela me dava roupinha, eu saí dali que foi uma princesinha da casa dela, ela me vistia de tudo. Ela me pagava pouquinho, ela me pagava um cruzeiro por mês. Eu ganhava um cruzeiro por mês, mas ela me vestia de tudo, dinheiro era só pra minha mãe, ela dava direto pra minha mãe. (DONA IRACI, abril/2008).
Essa história parece refletir o desejo de ser uma princesinha dos contos de fada. A
menina boazinha, caprichosa, serviçal, também sonhou com o mundo perfeito e feliz para
sempre das princesas. Na estória “A Gata Borralheira” fica-se diante de dilemas humanos
trazidos pela realidade como: morte da mãe, aquisição de nova família, diferenças sociais,
olhar dos responsáveis, amizade, amor e ódio. A menina pobre, um dia, se vestiu igual a uma
princesa. Como bem disse Damergian (2001), no tempo e no espaço os absurdos sociais se
tornam visíveis, pois enquanto Criciúma e os mineradores da região “cresciam”, Iraci também
crescia, porém, para entrar no mundo real dos “lobos” e das “bruxas”.
Na vida das outras mulheres entrevistadas a história sempre se repete: “Olha a
gente era bem pobre. E eu também tinha que trabalhar pra ajudar os pais.” (DONA
ERUNDINA, abril/2008); e repete: Oh daquele tempo atrás assim a gente não tinha infância né? (...) Era muito trabalhado (...) Com nove anos eu eu já trabalhava (...) conheci uma professora que ela era muito querida. Meu pai era da lavoura, aí ele fazia assim prantação, coisa assim, né? (DONA JOANA, abril/2008).
A repetição insiste porque é uma história social. Por isso, a memória chama para o
âmbito da linguagem aquilo que não faz sentido ainda, pois “na palavra encontra-se a
possibilidade do recomeço” (COSTA,1998, p. 1): Aí trabalhemo ali de novo de derrubar mato, tirá lenha. Eu lembro que meu pai ficou doente, deu aquela febre amarela. Minha mãe também teve um aborto. Eu que trabalhava pra sustentá a casa. (...) eu tinha uns treze anos. Catorze, eu acho. (DONA ZULMIRA, abril/2008).
Como demonstrado, segundo os vários autores já citados, a subjetividade é costurada ponto a
ponto a partir das relações com o outro, e sempre começa pela mãe ou adulto cuidador. A
cada trama, poder-se-ia dizer, surge uma nova configuração, que embora inspirada pelo outro
é, sempre, singular. Em cada ponto ficam impressas as marcas deixadas pela interação social,
conforme Figura 2, que dá sentido à fala de Dona Erundina (2008): “(...) porque a gente é
empregada na casa dos outros, então tudo que a minha patroa me dava eu trazia e botava nos
lugarzinhos.”
FIGURA 2 – DECORAÇÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
Segundo Costa (1998), as elites representantes dos modelos sociais, culturais e
institucionais desempenham papéis referenciais na construção da subjetividade e, desse modo,
deixam suas marcas:
D. Iraci: “eu aprendi muito como empregada doméstica.”
Dona Erundina: “[...] Aí tudo que ela (a patroa) não queria, ela assim: aí Dina não
quéis levar? E eu trazia. E ia gostando.”
D. Joana: “[...] porque eu sempre trabalhava na... de empregada na casa dos outros
né? E a gente aprende bastante coisa boa, também, né?”
D. Isaura: “Ah eu trabalhava fora, né? Eu trabalhava na casa do... ali no centro,
então, eu arrumava lá, e arrumava a minha casa também, né?”
2.2 O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO
Quando nos colocamos pela primeira vez diante de um entorno uma complexa
rede de mecanismos fisiológicos e psicológicos entra em ação instantaneamente para nos
permitir captar, aspirar e planejar sobre ele: como ele é, o que podemos encontrar e fazer nele
(POL, s/d). Como resultado ocorre uma surpreendente manifestação de processos físicos
(corporal), metafísicos (transcendente) e metafóricos (simbólico), conscientes ou
inconscientes.
Portanto, não é difícil compreender que o ambiente desempenha um papel
importante na “experiência e no comportamento humano”, uma vez que “toda conduta tem
lugar sempre e necessariamente em um contexto ambiental” e, “tanto pessoa como entorno se
definem dinamicamente e se transformam mutuamente ao longo do tempo como aspectos de
uma unidade global.” (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 1). No entanto, isso não é o mesmo
que dizer que o ambiente determina o comportamento humano porque, conforme o argumento
defendido por esses autores, ambiente e ação humana acontecem um para o outro,
reciprocamente. Para eles o que ocorre é uma interação entre a(s) pessoa(s) e seu(s) entorno(s)
dentro de um contexto social, cujos resultados são “produtos psico-socio-ambientais.” (p. 3).
Assim, o termo ambiente empregado nesse trabalho, de acordo com os
pressupostos teóricos da Psicologia Ambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 12),
refere-se ao espaço sociofísico no qual ocorre o imbricamento das propriedades tanto físicas
como sociais em sua “inter-relação com o comportamento,” de tal modo, que é impossível
compreender umas sem as outras.
A Psicologia Ambiental, portanto, está interessada em estudar o valor emocional
(o significado) do espaço para um indivíduo ou grupo inserido num entorno físico-social onde
as influências mútuas ocorrem ao longo do tempo num processo dinâmico e em constante
mudança.
Entende-se na Psicologia Ambiental que espaço, desprovido de valor emocional, é
só um espaço, porém, no exato momento em que se atribui um significado para um espaço
vazio (de sentido) este se torna um lugar e, desse modo, ele fica impregnado dos atributos
físicos, metafísicos e simbólicos do sujeito que o significou, pois, segundo Pol (s/d, p. 48),
ocorre ali um fenômeno natural, “embora intencional em alguma medida”, denominado
apropriação.
Desse modo, sustenta-se que o fenômeno da apropriação está diretamente
relacionado à identidade de lugar (place identity) (PROSHANSKY, 1978 apud
GONÇALVES, 2002). Porque esta passa a ser um elemento específico do “eu” do sujeito por
meio de uma complicada trama “de idéias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores,
objetivos, preferências, habilidades e tendências comportamentais referentes a um entorno
específico.” (POL, s/d, p. 51).
Lugar, para Canter (1977, 1976 apud POL, s/d, p. 48), é definido como um
produto resultante das “ações, concepções e atributos físicos do espaço”. Portanto, o
significado, ou seja, o valor emocional do espaço, do lugar vai além da sua função específica,
pois ele “resume a vida e as experiências públicas e íntimas.” (POL, s/d, p. 45).
Isso significa dizer, por exemplo, que um quarto não se resume a um cômodo da
casa onde se dorme, nem nas suas quatro paredes com uma cama e um móvel para guardar as
roupas, dispostos em um canto qualquer, pois um quarto pode assumir o lugar de um retiro
espiritual ou de um lugar sagrado, um oratório: “[...] (no quarto) faço minha oração, eu rezo.
É onde eu fico mais né? Porque qualquer coisa, eu vou pro quarto, né?” (DONA
ERUNDINA, abril/2008).
Desse modo, o espaço apropriado é um espaço recriado, concreta e
simbolicamente, pois nele o sujeito imprime a sua logomarca pintada em tons emotivos e ao
recriá-lo o sujeito é modificado por ele, ou seja, o fenômeno da apropriação é um processo de
ação-transformação recíproca entre entorno e sujeito.
Corroborando o argumento acima, Petit afirma: “nos apropriamos do espaço, mas
o espaço se apropria de nós.” (1976 apud POL, s/d, p. 48), pois na verdade o espaço como um
nada a priori passa à condição de lugar ao receber do sujeito apropriante uma marca pessoal,
uma logomarca, algo que não se pode imitar ou transferir para outrem. Isso corresponde à
idéia de recriar, refazer o “outro” diferente daquilo que ele era no princípio, isto é, um nada.
Essa noção de apropriação como uma via de mão dupla surgiu no contexto da
psicologia social fenomenológica e de raízes marxistas e culturalista. (POL, s/d). A
Fenomenologia descarta a dicotomia sujeito-objeto em favor de uma relação de intercâmbio
entre eles.
Entretanto, para Marx, que originalmente criou o conceito (GRAUMANN 1976
apud POL, s/d, p. 46), “a apropriação se relaciona com o conceito de alienação”. Pelo trabalho
o homem se realiza. Definido pelo autor, trabalho é uma ação transformadora do homem
sobre o “mundo exterior que produz objetos materiais e imateriais.” (p. 46). Alienação, por
sua vez, ocorre quando o sujeito não se identifica com os objetos produzidos por si mesmo.
De acordo com Pol (s/d, p. 46), para Marx a apropriação tem dois sentidos basais:
“apropriação como possessão da natureza, do produto, por parte do ser humano; e apropriação
como processo histórico”, este último ocorrendo em três níveis: Coletivo, Histórico-individual
e Histórico do sujeito. De acordo com Pol, no nível coletivo a cultura agrega tudo o que seus
antepassados desenvolveram; no nível histórico-individual todo indivíduo agrega nele próprio
o desenvolvimento de seus antepassados e no nível histórico do sujeito o indivíduo antes de
“apropriar” não é o mesmo que depois de “apropriar”. (s/d, p. 46).
Assim, para Lefebvre (apud POL, s/d, p.46) “a apropriação é um processo
importante contra a alienação”, a não identificação, pois a apropriação não é tanto externa,
mas pertence à esfera do cotidiano, ao íntimo e, portanto, relaciona-se com a privacidade, a
intimidade, attachment (apego), com a vida privada do dia-a-dia.
Gonçalves (2002) concebeu a apropriação do espaço também por meio da síntese
poética. Para a autora “a poética seria uma dimensão humana comum a todos os homens em
que a pessoa transcende a própria história e o próprio tempo.” (GONÇALVES, 2007, p. 39).
Assim, de acordo com a autora, essa experiência ocorre não em um tempo comum, mas em
um tempo psicológico ativado, livre e instantaneamente, por um objeto poético.
Nesse momento poético, em que o sujeito vai além de si mesmo, ele se
transforma, pois vê no objeto poético a síntese de si mesmo. Porque o significado dessa
experiência falará de suas delícias e amarguras, prazeres e repúdios, esperanças e frustrações,
fé e dúvidas, amor e dor vivenciados ativamente com o todo o seu corpo, seja consciente ou
inconscientemente. Ou, como diz Bachelard: “A poética seria um produto direto do coração.
Fala de alma e de espírito como duas dimensões da subjetividade, no sentido de que o espírito
estrutura o poema e a alma faz devaneios.” (1998a apud GONÇALVES, 2007, p. 43).
Dessa forma, buscou-se compreender o processo de apropriação do espaço
ocorrido na periferia de Criciúma/SC. Nesse processo, cultura, grupo, subjetividade, corpo e
ação constróem-se mutuamente numa trama em que o cenário, enquanto ambiente físico e
simbólico, também atua ativa e indissociavelmente tornando, por vezes, impossível distinguir
uns dos outros.
Nesse sentido, a conceituação do espaço neste trabalho parte de um referencial
multidisciplinar envolvendo disciplinas como, por exemplo, a Geografia, a Arquitetura e a
Psicologia, esta última em suas vertentes social e ambiental.
As mulheres entrevistadas chegaram ao bairro quando este ainda era o local onde
se depositava o lixo da cidade; seja quando o “lixão” ocupava a área central e adjacências do
bairro, ou após, quando passou para uma área mais retirada e menor. Nas palavras de Dona
Iraci (abril/2008): [...] porque tinham doado os terrenos pra nóis e quando eles doaram era só lixo. Aí depois é que os caminhão viero e botaro aterro. Aí botaro aterro, botaro carvão embaixo do lixo, depois botaro terra por cima do carvão. Aqui embaixo: só carvão.
Nessa época, ali não havia acolhimento, habitação, tudo o que tinha era muito
lixo, insetos, roedores, fedor, pirita9, rejeito de carvão e uma estrutura de concreto que dava
sustentação à caixa d’água da mina desativada. A mina quatro. Mina Quatro também foi o 9 Pirita: Sulfureto de ferro, empregado na fabricação de ácido sulfúrico. (SILVEIRA BUENO, 2000)
primeiro nome do bairro.
Mas, “em qualquer lugar onde haja seres humanos, haverá o lar de alguém – como
todo o significado afetivo da palavra” (YI-FU TUAN, 1980, p. 130): [...] aí viemo tudo práqui, prá debaxo da caxa d’água. Nóis não tinha condições de pagá aluguel. (...) Não tinha marido. (...) Ali era só lixo. Não tinha água, não tinha luz. Na peça que nóis morava era do tamanho de um quartinho, assim. Mais não tinha porta nem janela. Só tinha uns buraco, assim. E tinha porta, assim, mais não era colocada, a porta. (DONA ZULMIRA, abril/2008).
Contudo, a vida no lixão a experiência mais simples se tornava um desafio. Dona
Zulmira (abril/2008) contou a sua história evocando do passado vivências por demais
humanas e demasiado desumanas: “[...] A gente ia fazer comida, se tu levantasse a tampa da
panela assim, tu não comia mais, era só mosca. (...) e a catinga do lixo? Credo! E eu enfrentei
aquilo tudo...”. Ultrapassando todas as determinações Dona Zulmira fez dali o seu lar.
Dona Iraci chegou ao bairro depois de ter morado em muitos outros lugares em
busca de abrigo e de trabalho para sustentar a si e aos seus filhos. Estava em busca da
realização de um sonho: ter um lugar para chamar de seu. Um abrigo. Uma casa própria. Um
direito violado por muito tempo: Ah, eu vim aqui pro bairro com muito sacrifício! Eu fiz inscrição lá na Santa Luzia, fiz inscrição no Pedregal, fiz inscrição na Boa Vista, fiz inscrição em tudo quanto era lugar. Depois eu fui na prefeitura (...) porque eu estava grávida desse meu minino, aí eu pedi pelo amor de Deus que ele me cedesse uma casinha porque eu estava sozinha e eu trabalhava pra sustentá esses meus 3 filho. (DONA IRACI, abril/2008).
As palavras de Dona Iraci apontam particularmente para a questão política do
direito à moradia e ao trabalho. Surpreende o fato de pessoas passarem quase uma vida toda
em função de adquirir a casa própria. A casa, que por um lado é “sonho” a ser
incansavelmente perseguido, por outro, constitui-se em oportunidade de especulação
imobiliária e estratégia política em época de eleição. Como diz Damergian (2000, p. 104): “e
pensar que o espaço privado, o lugar próprio, o preservar-se do olhar perscrutador do outro, o
direito à vida digna são aspectos importantes para a subjetividade...”.
E, visto que viver na cidade depende principalmente do acesso à moradia, pois
“além da saúde, da renda e da educação, a habitação é também um elemento básico que
constitui um “mínimo social”, que habilita os indivíduos e os grupos sociais a fazerem outras
escolhas ou a desenvolver suas capacidades.” (CARDOSO, 2007, p. 1).
Entretanto, Valadares vai além ao afirmar que “não há cidadania que sobreviva ao
desabrigo; para consegui-la é necessário que o homem seja capaz de produzir para seu próprio
sustento.” (2000, p. 88). O autor se refere à possibilidade de o sujeito promover a sua
manutenção no mundo, no “con-texto e na situ-ação”, ou seja, possibilidade real diante da
totalidade que envolve o sujeito no lugar aonde ele age. Pois, “para se sustentar, nem sempre
o sujeito é um cidadão.” (p. 88). Porque, segundo Soalheiro, “há a lei e aquilo que não se
consegue com a lei.” (1998 apud VALADARES, 2000, p. 88), como, por exemplo, a situação
de Dona Zulmira: “Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles (netos e filhas) né? Não
queria deixá eles passá fomi.”
Da perspectiva de Gonçalves (2007, p. 44-45), “a casa diz respeito à condição
humana (pois) o homem, tanto em nível concreto como simbólico, precisa do abrigo da casa
(...) onde possa sonhar, refazer suas forças, alimentar-se da seiva da vida como uma segurança
de estar abrigado, protegido.” A autora está se referindo à condição universal de sentir-se em
comunhão com o outro.
Padece-se de solidão por estar só no abrigo único do seu corpo e sofre-se de
desamparo por ter que assumir sozinho a responsabilidade de toda a sua existência, mesmo
estando-se em meio à multidão. No dizer de Paz, “a solidão é o fundo último da condição
humana... O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso cada vez que se sente a si
mesmo se sente como carência de outro, como solidão.” (apud REZENDE, 2000, p. 12). Pois
o outro ao mesmo tempo em que é complemento é espelho que nos auxilia na tarefa de
suavizar o nosso desamparo.
Assim, pode-se pensar a casa a partir de suas dimensões concretas e simbólicas,
ou seja, como objeto construído e desejado intensamente por oferecer proteção contra as
ameaças da natureza e dos outros homens, e também, como objeto poético que faz
“transcender o tempo comum”, na tese de Gonçalves (2002).
Em outras palavras, uma casa é chão, é parede, é telhado, é porta e é janela, mas é
também um espaço infinito para nele projetarmos nosso jeito de ser, de sentir e de agir,
“porque a casa é nosso canto do mundo.” (BACHELARD, 1993, p. 25); porque “a casa vista
como abrigo, como protetora, também é o lugar de nossos sonhos. É nela que o sujeito cria
seus lugares mais íntimos. Em busca da casa vamos todos nós.” (GONÇALVES, 2007, p. 44).
Infere-se, portanto, que para o ser humano o abrigo é mais do que simplesmente
suas propriedades físicas, concretas, mas que possui também um significado simbólico, seja
este, consciente ou não.
O geógrafo Yi-Fu Tuan (1980) também demonstrou a relação entre o mundo e os
significados a partir das experiências corporais humanas e, para isso criou os conceitos de
Topofilia e Topofobia. O primeiro, topofilia, o autor o definiu como o “elo afetivo” que liga
uma pessoa ao lugar ou ambiente físico, e o outro, topofobia, equivale ao oposto.
Da perspectiva de Tuan (1983 apud RABINOVICH, 2004) espaço se refere a duas
forças capazes de produzir modificações do estado de repouso ou de movimento de um corpo
e as denominou “lugar” e “espaçamento ou espaciosidade”. Lugar se relaciona com os valores
básicos de afeto; espaçamento ou espaciosidade corresponde ao uso livre do espaço para nele
se projetar, seja no sentido concreto ou simbólico (p. 59). A partir da sensação e da percepção
das cores, das formas, dos odores, do prazer, o sujeito por sua ação-transformadora, modifica
as paisagens visíveis do lugar e modifica a paisagem de seu mundo interno expressas pelas
marcas deixadas e pelas formas de ser e agir, respectivamente.
Corroborando com o argumento de Tuan, Gonçalves (2002) afirma que o espaço
possui três dimensões: uma social, onde ocorrem as interações do indivíduo com os outros e
consigo mesmo; outra cultural, em que os sistemas de crenças e valores são introjetados por
meio da dimensão social; e outra simbólica na qual elabora e repara as experiências boas e
ruins. Resumindo, o espaço teria o que a autora chama de dimensão sócio-cultural e
simbólica entrelaçadas entre si.
Portanto, o entorno faz parte do meio social visível, real e o ambiente é a
experiência vivida concretamente pelo sujeito, é concreto, palpável, mas é também etéreo e
imaginário, pois “é onde ele trabalha, constrói sua casa, faz sua poética, constrói laços, apega-
se, sente-se pertencente a um lugar, sonha, transforma.” (GONÇALVES, 2002, p. 20).
Espaço, entorno e lugar seria, então, o cotidiano do sujeito e do grupo social
declarado em seus aspectos físico, cultural, social, espiritual e psíquico. Sujeito, mundo,
cidade, bairro, rua, calçada, casa, sujeito. Uma relação que se amplia e se estreita num
movimento contínuo de tecer incessantemente, segundo após segundo, uma história através
dos sentidos da visão, olfato, tato, audição e pele, contextualizada a partir da cultura.
Para Gonçalves (2002), para compreender os processos psicossociais da
apropriação é necessário considerar os processos cognitivos, afetivos, simbólicos, interativos
e estéticos que dependem das relações, das influências mútuas e das transações entre as
pessoas, grupos sociais e/ou comunidades e seus entornos sociofísicos, ligados ao modo de
agir, de morar. Porque o fenômeno da apropriação relaciona-se com o processo de
identificação, pois permite ver-se a si mesmo no “outro” e nele reconhecer-se enquanto ser
humano, porém, diferenciando-se dele, ou seja, retomando Paz, o “outro seria complemento e
espelho”: Aí, nóis escolhendo lixo achei uma perna duma pessoa... Porque daí começaro a se revoltá porque tavo trazendo perna de gente, e não pudia trazer aquilo ali. Ainda pessoa que tinha morrido de trombose, tudo cortado, dedo, era perna, era braço, era tudo jogado ali no lixão? Nóis tudo ali no meio daquilo ali? (...) Aí nóis tudo se revoltemo: era aborto era tudo, aborto! A minha filha, ali do outro lado do valo,
achou um menino dentro duma caixa de papelão enrolado com uma toalha mais uns lençóis, assim enrolado, um menino a coisa mais do bonitinha, porque tava morto... Aí, a turma se revoltaro tudo. Aí, nóis parava o caminhão e não dexava mais ir. (Dona Zulmira, abril/2008).
Embora vivessem do lixo e no lixo não se viam como lixo. Aqueles “espelhos”
despedaçados refletiram uma realidade, porém, ao contrário destes, sabiam-se vivos. E, desse
modo, como vivos, levantaram-se contra aquela situação. Reivindicaram, lutaram e venceram
a batalha. Transformaram aquele lugar e assim transformaram-se a si mesmos. Conforme
Valadares disse: “o sujeito não abandona, nunca, a busca de seu lugar (...) esta busca é sempre
um fazer, uma ação singular, sempre transformadora do ambiente, dito natural.” (2000, p. 86).
Destarte, pode-se associar o atual nome do bairro, Renascer, ao renascimento da
Fênix, a ave queimada da mitologia grega. Em vez de renascer das cinzas, os moradores dali
renasceram da pirita, do lixo, do descaso, da humilhação e da miséria. A área, enquanto
ambiente degradado, ou seja, também enquanto espelho do homem, renasceu do fogo do
enxofre e pela ação coletiva foi transformada. Segundo Gonçalves (2002), pela ação sobre o
entorno a pessoa e a comunidade transformam o espaço deixando os rastros de suas ações,
isto é, as suas marcas e o incorporam a seus processos de razão e emoção de uma forma ativa
e atualizada.
A luta travada naquele bairro teve muitas mulheres à frente da batalha. As cinco
mulheres entrevistadas tinham filhos, duas tinham marido. Mulheres Guerreiras, como as
Amazonas, que pertencem a uma sociedade matriarcal em um mundo dominado pelos
homens. Como guerreiras genuínas é que essas mulheres do bairro Renascer/Mina Quatro
empunharam as armas que estavam ao alcance de suas mãos para defenderem o seu lugar
contra as ameaças presentes nas regras de relacionamento humano criadas pela cultura: Tentaro invadir comigo aqui dentro! Aí, eu peguei um facão que eu tinha desse tamanho e enfrentei, né! É meu e eu não vou dar pra ninguém! (...) Então, eu tive que reagir da minha espécie pra não perder o que era meu, porque eu era sozinha e tinha 3 filhos, né? (DONA IRACI, abril/08).
O ser social produzido a partir do acesso à cultura se colocado em situação
extrema pode reagir acionado pelas forças mais primitivas, no caso, pelo instinto de vida.
Dona Iraci foi buscar no instinto de sua espécie a força para defender o seu espaço social, no
caso, a sua casa.
Para Gifford (1987, p. 137 apud VALERA; POL; e VIDAL, s/d, p. 45) o
comportamento de Dona Iraci traz em si o fenômeno da territorialidade definida por ele como um padrão de comportamentos e atitudes mantido por um indivíduo ou grupo baseado no controle percebido, intencional ou real de um espaço físico definível,
objeto ou idéia e que pode conduzir à ocupação habitual, à defesa, à personalização e à sinalização deste.
Desse modo, o ser humano, assim como muitos outros animais, precisa marcar
seu território, porém, faz isso de um modo muito mais complexo, pois essas marcas não
servem apenas para lhe auxiliar na orientação espacial, mas servem também para preservar a
sua identidade diante de si mesmo e dos outros. (POL, s/d). Portanto, marcar o território
envolve defesa, comportamento relacionado a um lugar e controle por parte do indivíduo ou
grupo.
Como se pode observar na Figura 3, o que antes era um lixão hoje é um bairro. O
que antes era uma camada de rejeito, de lixo e de aterro e uma área totalmente mutilada,
degradada, de aspecto frio, morto, cadavérico, feio e fedorento, povoada por ratazanas,
baratas, morcegos, corujas e moscas, hoje é um bairro. Se as crianças não tinham proteção
contra essa forma desumana de sobreviver, hoje elas podem brincar num ambiente mais limpo
e mais saudável.
Conforme Damergian (2001, p. 103) salientou: “preocupamo-nos com a violência
que mata, mutila, rouba. E não com a violência psíquica, social, afetiva que nos rodeia [...]”
como no exemplo dado por Dona Zulmira (abril/2008): [...] vivia que era uma ferida só, daquele lixo, era uma dó aquele guri, (...) bebezinho, (ela) saía correndo pra dá de mamá pra ele no lixo, chegava lá ela com a mão que era só lixo, aquela nojera né? Porque nóis catava tudo ali, ali vinha tudo, né? Ele só dizia: mãe, mamá! Ele mesmo só puxava e depois saía pelado naquele lixo, Graças a Deus nunca ficaro doente”.
Percebe-se assim que a ação coletiva e transformadora vai muito além da
possessão e do domínio da natureza, pois aqui, transformar-se significou também tornar-se
digno, conforme também demonstra a Figura 3. A área passou por um processo de
transformação coletiva no dia-a-dia que trouxe benefícios essenciais àquela comunidade:
“água tem, esgoto tem, luz tem. posto de saúde tem...” contou feliz, a Dona Isaura (2008) ao
falar das mudanças ocorridas ali.
FIGURA 3 – CRIANÇAS BRINCANDO NAS RUAS DO BAIRRO.
Foto: Diego Destro – abril/2008.
Depreende-se, portanto, que o fenômeno da apropriação do espaço se relaciona
com o processo de identificação com o lugar, em que os espaços são apreendidos, não
somente através dos órgãos sensoriais, mas pelas vivências temporais do cotidiano em dado
contexto cultural.
Como já foi dito, o processo de apropriação se relaciona com a identidade de
lugar, ou seja, o lugar passa a ter um significado para o indivíduo que o incorpora à identidade
do eu, isto é, à sua própria identidade, por meio de processos cognitivos, afetivos, simbólicos,
interativos e estéticos. (GONÇALVES, 2002).
Psicologicamente falando, segundo Canter (1988 apud CORRALIZA, 2000, p. 6)
“um lugar se caracteriza por constituir não só uma estrutura física, senão também por
constituir o continente no qual se desenvolvem os indivíduos.” Como ficou exemplificado na
fala de Dona Iraci (2008): “E aqui foi a minha vida.”
Entretanto, as mulheres entrevistadas ainda não se apropriaram do bairro em si,
pois não o freqüentam. Às vezes, vão “só a igreja”, como disse Dona Joana. Porém, algumas
delas estão em processo de apropriação, como observado no exemplo: [...] um dia eu fui no centro e... eu tava lá no banco, lá no Itaú, perto do Santo
Antônio (rua). Aí, tinha um cara falando do nosso bairro, daí eu disse pra ele assim: não adianta tu falá do nosso bairro, nosso bairro lá é bom, e tem outra: tudo conté lugar tem ladrão, tudo conté lugar tem maconheiro... tudo, tudo conté lugar tem bandido (...) Defendi o bairro. Eu disse: tu não pode tá falando, às vezes, no teu bairro tem muita gente pior que o nosso. (DONA ZULMIRA, abril/2008).
A fala de Dona Zulmira traz as proposições de Pol (s/d) sobre a territorialidade
humana na relação da pessoa, do grupo e do entorno sociofísico mais próximo. Para esse
autor, defender seu território é um dos indicadores de apropriação.
Naquele bairro, Dona Zulmira e as outras entrevistadas ocupam um lugar, uma
morada. A casa como abrigo tem o sentido de proteção. Depois de um dia de luta deseja-se
voltar para o aconchego da casa. Resguardar-se do olhar do outro.
Segundo alguns autores (GONÇALVES, 2007 e VALADARES, 2000) voltar para
casa pode ser considerado simbolicamente retornar ao útero10, à caverna aonde emergem os
sentimentos mais primitivos de proteção e aconchego. No dizer do poeta e filósofo Bachelard
(1993, p. 26), a gente se reconforta ao reviver lembranças de proteção. A gente volta na
imaginação, com a “solidariedade da memória,”, às antigas moradas para recarregar as
energias e buscar calor, alimento e descanso. Convívio, força e contentamento. Sem a casa “o
homem seria um ser disperso (...) porque ela é o nosso canto do mundo” (BACHELARD,
1993, p. 24). A casa é a nossa referência no espaço, disse o poeta.
Entretanto, quando a prefeitura de Criciúma fez o loteamento da área e cadastrou
as famílias para distribuir os lotes, muita coisa ainda precisava ser feita, como disse Dona
Iraci (abril/2008): “A casa não tinha telhado, não tinha nada, né? E não tinha janela, não tinha
nada, eu dormia com isso aqui tudo aberto, pois não tinha nada. Vinha só pra cuidar e com
velinha acesa”, pois também não tinha água encanada, energia elétrica, esgotamento sanitário,
etc.. Do mesmo modo, aconteceu com Dona Isaura “entremo sem janela, sem porta, sem nada.
(...) Porque nóis trouxemo foi só a cama e a rôpa do corpo”. E, com Dona Iraci, também:
“porque a parte de lá (quem fez) foi a COHAB, mas sem parede sem nada entende? (...) mais
aqui era uma trabalheira quando eu vim morar aqui”. Isso remete a Lynch (1965 apud
CORRALIZA, 2000, p. 3) quando diz que uma das causas da sensação de mal estar nas
cidades consiste na “rigidez (da cidade), sua falta de sinceridade e de franqueza.” Ou, como
disse Damergian: a ideologia dominante, além de manter os desfavorecidos a distância, quando lhes “oferece”, generosamente, algum tipo de “benefício” este é de tal forma empobrecido e destiuído de condições que impossibilita o rompimento do círculo
10 Simbologia do útero, conceito utilizado por Gonçalves (2007) em seu livro Cidade e Poética e por Valadares (2000) no artigo Qualidade do espaço e habitação humana.
vicioso da pobreza. (2001, p. 101).
Esse espaço novo e vazio oferecido pela administração municipal era precário e
de difícil identificação, pois as casas populares são todas iguais. Então, foi necessário
reformar a casa, torná-la habitável. Reformar a casa pode significar, nesse caso, modificar,
melhorar, reformar a própria vida.
Fizeram-se os arranjos necessários, como a colocação de paredes, telhados, pisos,
portas e janelas, etc., porém, de tal forma, que em cada casa percebem-se as diferenças
reveladoras das características de seus moradores. A isto se chama na Psicologia Ambiental
de fenômeno da personalização, que é a ação de diferenciar o que é seu daquilo que é do
outro, dotando-o de significado e sinais que refletem a sua personalidade e também favorecem
os sentimentos de apego e de pertença ao lugar.
Transformaram aquele espaço vazio em moradas do coração. E, como dito
anteriormente, depois de apropriada a casa passa a ter um significado emocional: “significa
tudo pra mim. Pra mim significa tudo. Eu defendi com unhas e dente, guria”, disse Dona Iraci
(2008). E, a Dona Joana também: “eu adoro, é ruimzinha assim mais eu gosto bastante [...]”.
De acordo com Cavalvante (2004, p. 134), o homem cria “arranjos interiores”
para seus espaços construídos, a fim de atender às suas necessidades e desejos. A porta, por
exemplo, seria um desses arranjos. Ao cerrar a porta, cria-se um isolamento pessoal,
intencional; ao abri-la, busca-se o contato com o outro. Ou como bem se expressou Dona
Erundina (abril/2008): [...] eu gosto é da porta (risos). Na frente de casa. Da porta dá de espiar o quê que acontece (risos). (...) Porque passa muita gente, ás vezes, gente conhecida, às vezes, gente que não conhece, né? Às vezes conversa com um, conversa com outro e assim a gente passa o dia (risos).
Dessa maneira, Dona Erundina se abre para interagir com os outros pela porta da
frente. A expressividade da fala dessa senhora de 77 anos revela o grau de apreço que ela
sente pelos seus vizinhos e abertura para os desconhecidos. A porta, segundo Cavalcante
(2004, p. 137), também é “um indicador da alma humana porque o homem investe nela
individualidade e sentimentos”, porque abrir ou fechar a porta expressa o desejo de interagir
ou não, respectivamente, com os semelhantes.
Contudo, o simbolismo da casa é quase tão infinito quanto os sonhos e os desejos
humanos: ”Aí, ele me ajudou a fazer uma casinha, aí dali só fui crescendo”, disse Dona
Erundina (abril/2008). Portanto, a casa não é só “lugar”, é também alavanca para as outras
conquistas que a luta pela sobrevivência impõe. A casa também é sonho a ser realizado: “Meu
maior sonho que eu realizei foi ter a minha casa”, disse Dona Iraci (abril/2008).
A casa em si mesma é um objeto poético que carrega consigo outros objetos
poéticos, conforme se vê na Figura 4.
FIGURA 4 – A CASA DE DONA IRACI
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
Por meio do processo de apropriação os afetos são materializados, revelando o
mundo vivido pelo sujeito O espaço, então, deixa de ser vago e abandonado e passa a ter
sentido e valor, ou seja, o espaço adquire status de lugar no qual o sujeito projeta suas
características pessoais.
Materializar afetos, segundo Gonçalves (2002) é tornarem palpáveis os
sentimentos e as comoções. Desse modo, ao observar a figura anterior, se percebe que a frente
da casa de Dona Iraci fala de muitas coisas como, por exemplo, de natureza. O mato
(natureza) esteve presente nas lembranças de Dona Iraci por várias vezes quando se referiu à
sua infância. Na sua casa, ela o recriou.
O mato de Dona Iraci, conforme se vê na Figura 5 e Figura 6, faz a sua síntese
poética, pois ela recriou o “seu” mato fornecendo ao ambiente do presente elementos poéticos
impregnados de valor emocional extraídos da sua memória ambiental, isto é, da natureza,
vivida por todo o seu corpo, que mesmo infantil naquela época é o mesmo corpo que fala
ainda hoje ao exteriorizar suas vivências.
FIGURA 5 – CANÁRIO DO REINO, HÁ QUINZE ANOS ELE ESTÁ COM DONA IRACI.
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
Desde criança Dona Iraci aprendeu a cuidar. Cuidou dos irmãos, dos doentes, do
“outro”. Suas vivências lhe capacitaram a dedicar seu tempo, sua companhia, seu amor ao
“outro”. Por isso, o carinho e a dedicação de Dona Iraci pelo seu passarinho compõem a sua
fala: Quinze anos ele tem ali, mais eu compro vitamina, eu compro remédio, eu compro tudo. Eu vou na farmácia, vou na agropecuária e compro tudo pra ele, pra ele ficar ali óh. (...) Corto a unha dele (que) se não cortá, aí ele engalha ali e ele pode morrer, né? (...) meu passarinho, eu levanto de manhã eu chamo ele, ele já me responde, já assubeia. O peixe já vem direto me dá um beijo aqui no vidro (...) então, eu gosto de tudo que é bom da vida. Principalmente verdes. Verdes eu adoro. (DONA IRACI, abril/2008)
Hoje, nesse “seu” mato, Dona Iraci faz uma ponte permanente entre o passado e o
presente. Por meio dessa ponte ela transita em um tempo interno infinito que lhe fala direto ao
coração e dá sentido à sua fala: “Minhas filhas, às vezes, dizem: Oh, mãe tira um pouco desse
matagal! Eu digo: Não senhora, deixa ali, que enquanto eu converso com elas eu tenho vida.”
(DONA IRACI, abril/2008).
FIGURA 6 – PEIXINHO DE ESTIMAÇÃO DE DONA IRACI.
Foto: Lílian Motta Gomes, abril/2008.
Durante a entrevista, Dona Iraci deixou transparecer uma preocupação constante
com a alimentação e em seus relacionamentos sociais ela sempre faz questão de cuidar das
refeições. Ela disse que adora ficar na cozinha, ou seja, cozinhar para os outros. Visto que
alimento remete a nutrição, infere-se que a subjetividade de Dona Iraci é constituída também
pelo desejo de nutrir, de alimentar e fortalecer os outros afetivamente, não deixar faltar o
cuidado, o carinho, a proteção.
Na figura 6, percebe-se também a capacidade de cuidado e interação dessa
senhora que além da limpeza e da ração para o seu peixinho, tratou de decorar a “casinha”
dele com um retrovisor, que reflete a luz do dia causando um efeito especial dentro do
aquário; um “amiguinho” (o peixinho artificial preto e branco); e flores. A sábia Dona Iraci
diz: “Então, eu gosto de tudo que é bom da vida.”
Do mesmo modo, também Dona Zulmira reproduziu o cenário que habita sua
memória ambiental (Figura 7).
FIGURA 7 – O QUINTAL DA CASA DE DONA ZULMIRA
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
A natureza também está presente na história de Dona Zulmira e começa com um
tempo em que se vivia no campo plantando e colhendo: “Lá era assim, roça né? Prantava,
colhia (...) Ficava eu, o pai, o Tiãozinho (irmão) nesse lugar, lá no meio do mato.” Parece
impossível relatar a história de vida sem falar do ambiente natural que serviu de cenário e
palco.
Segundo Gonçalves (2007), o mundo social e o natural já vêm representados no
sujeito e por isso a contemplação da natureza é sempre uma contemplação compartilhada. O
peixinho que dá beijo, o passarinho que responde ao seu chamado assoviando, estas são
relações de carinho, reciprocidade, reconhecimento e gratidão, estabelecidas com os
elementos da natureza.
Do mesmo modo, na parede onde fica a pia da cozinha de Dona Zulmira, ela
colocou um painel, Figura 8, que achou no lixo. Ele não está ali por acaso, mas porque lhe é
significativo. Da pia, ao olhar para a paisagem, Dona Zulmira se transporta diretamente para
um tempo interno em que sentimentos e lembranças emergem instantaneamente.
FIGURA 8 – A NATUREZA TRAZIDA DO LIXO PARA A COZINHA DE DONA ZULMIRA.
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
A natureza e o homem estarão sempre juntos, principalmente, quando o assunto
for as coisas do coração e da alma, mesmo que faltem as palavras para representar a emoção.
Mesmo que sobrem as palavras para fazer falar o coração.
Para Dona Isaura não foi diferente (Figura 9). Ela também, de certa forma, recriou
seu passado e o trouxe para o seu presente: “Gosto de ter minhas flor. Gosto de ter minhas
paisagem. Eu gosto (...) que lá na colônia a gente tinha né?”.(DONA ISAURA, abril/2008).
No quintal, na frente e na calçada da casa de Dona Isaura têm muitas flores. Nos fundos da
casa tem uma horta.
FIGURA 9 – A PAISAGEM CRIADA POR DONA ISAURA.
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.
Uma vez Dona Isaura vendeu a casa onde mora há quase trinta anos, e o resultado
dessa experiência revela que é no plano simbólico que estão as raízes da apropriação: “[...]
cheguei lá, não gostei, fiquei doente.” Isso remete a Pol (s/d, p.51): “a criação de um sentido
de lugar a partir do que o espaço simboliza e reforça a própria identidade, gera uma
resistência à mudança, pelo menos a mudanças radicais”. Daí, só restou para Dona Isaura a
possibilidade da volta ao lar: “ainda bem que a mulher destrocou de volta.”
Os espaços uma vez apropriados vão sempre e infinitas vezes contar uma história
particular, embora esta tenha sido vivida no meio social, pois a pessoa lança-se sobre o espaço
apropriado criando uma identificação com o espaço de modo a revelar-se nele como, por
exemplo, na Figura 10. O pilão foi feito sob a encomenda do marido de Dona Erundina e em
várias ocasiões é solicitado para as festas para fazer a paçoca. Isso faz pensar na autonomia do
ator que cria e atua no próprio cenário, como sugeriu Goffman (1959 apud POL, s/d).
FIGURA 10 – PILÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.
Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .
Segundo Barbey, arquiteto e professor, (1976 apud POL, s/d, p. 48), “o modo de
apropriação de cada família e de cada indivíduo depende dos modelos culturais, relações
sociais, formas e estilo de vida.”
Pela interação simbólica o sujeito e o grupo se reconhecem no entorno e definem
sua própria identidade. De acordo com Blumer, o Interacionismo Simbólico sustenta-se no
seguinte silogismo: 1 O ser humano orienta seus atos em função dos objetos que têm significado para ele; 2 O significado desses objetos surge a partir da interação social que cada pessoa mantém com as demais; 3 Os significados se manipulam e se modificam, através de um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao enfrentar os desafios da vida cotidiana. A
partir dessa perspectiva, o significado é um produto social, uma criação que emana da interação. A utilização do significado pela pessoa implica um ato interpretativo. Isso quer dizer que o sujeito, ao apropriar-se do significado, tenta compreendê-lo, analisá-lo, avaliá-lo. Dessa forma, não é apenas uma simples cópia de significados preestabelecidos, como também um processo formativo, no qual os significados são utilizados como instrumentos para a orientação e a formação da ação. O sujeito vai agir no coletivo, ou mesmo no individual orientado por signos, símbolos e objetos que o dirigem para interagir com o espaço e com outros sujeitos. A figura central desse espaço é o sujeito que cria ou recria os significados; por isso, faz-se necessária sua contextualização tanto física (espaço físico) quanto histórica. (1982 apud GONÇALVES, 2002, p. 19).
Desse modo, os significados dos objetos são construídos a partir das interações
sociais estabelecidas num cenário dinâmico onde as respostas ou oposições dependem das
interpretações dos outros e das próprias.
Depreende-se, portanto, que a apropriação do espaço ocorre, primeiro, pela
ação-transformação exercida pela conduta comportamental de modificação que favorece a
adaptação por meio da significação, e depois, pela identificação com o significado criado que
se constitui em um componente simbólico.
3 CONCLUSÃO
A maioria das famílias das mulheres entrevistadas moradoras no bairro
Renascer/Mina Quatro, veio para Criciúma numa época em que o sistema político econômico
vigente, autoritário e excludente, obrigou as famílias do campo a migrarem para a cidade em
busca de melhores condições de vida, porém, sem oferecer a elas as condições básicas de
infra-estrutura. Sem a possibilidade de acesso nos locais apropriados ficaram excluídas da
cidade, às margens, na periferia, inseridas num contexto sócio-cultural e ambiental bem
diferente daquele que elas conheciam.
As mulheres entrevistadas, que naquela época eram crianças e adolescentes,
também tinham a difícil tarefa de construir a si mesmas, internamente, a partir do outro que
lhe é semelhante, porém, distinto, ou seja, precisavam empreender a construção da própria
subjetividade.
Nesse processo se percebeu, pelas marcas psicológicas impressas pelas interações
sociais, que a cultura já traz em seu bojo um projeto de subjetividade a ser desenvolvido pelo
sujeito. Estas marcas surgiram da impossibilidade de acesso aos serviços básicos de saúde,
educação, ao emprego e à moradia digna. Através delas o sofrimento causado pelas perdas
materiais e afetivas, pelo desabrigo, alienação, preconceito e pela fome tornaram-se mais
visíveis. Contudo, perceberam-se também aquelas deixadas pelos gestos maternos que
ensinaram o compartilhamento, a solidariedade.
As mães foram percebidas como principal ponto de sustentação para as
entrevistadas, cujas marcas refletem as ligações afetivas pautadas no cuidado com o outro, no
trabalho árduo, no enfrentamento sadio frente às adversidades da vida. Perceberam-se,
também, essas mães como veículo de reprodução cultural, porém, mais do que repetir
conteúdos culturais elas apontaram possibilidades de mudanças.
De modo contrário, no papel simbólico de madrasta, a sociedade deixou cicatrizes
da exploração trabalhista, da humilhação social, do desamparo e do abandono moral. Nessa
relação não teve espaço para experiências de compreensão, acolhimento, proteção,
sustentação e favorecimento para o desenvolvimento das capacidades e habilidades pessoais.
Assim, a sociedade se mostrou incompetente e inadequada ao favorecimento de relações
humanizadas, revelando a necessidade de se promover novas formas de vida que venham a
difundir novos modelos de subjetividades que levem a sério “os vínculos de amizade,
hospitalidade, cortesia, honra, lealdade, fidelidade” (COSTA, 1998, p. 5), enfim, de amor
pelos outros, como única maneira de “transformação do egoísmo em altruísmo”, como disse
Freud (apud DAMERGIAN, 2001, p. 106).
Enfrentar vários desafios e superar as adversidades fez parte da história de vida
das mulheres entrevistadas, pois a partir de lutas concretas e simbólicas elas foram à busca de
suas casas.
A casa se mostrou como objeto concreto, porém, para servir de abrigo ao objeto
simbólico. As ações na casa se mesclaram em atividades objetivas e simbólicas, entretanto,
estas, se constituíram no elo entre o passado e o presente que acionam os afetos que falam
diretamente ao coração.
A casa também apareceu como sonho a ser realizado e como força impulsionadora
para o crescimento pessoal, um “trampolim” que facilita o impulso para cima, em direção ao
encontro consigo mesmo.
A apropriação das casas também se deu através da poética, e assim, cada uma a
seu modo, materializou os seus afetos fornecendo ao seu entorno elementos impregnados de
valor emocional extraídos de um passado que foi vivido de corpo e alma. Pela poética
retornam à natureza e se reintegram à totalidade do ser, infinitas vezes.
O fenômeno da apropriação de um espaço tão hostil e desprovido de valor sócio-
emocional só foi possível pelo entrecruzamento da ação-transformadora, que age, avalia,
rejeita e modifica, com a identificação simbólica, por parte dos sujeitos; e, as relações
interpessoais criadoras de significações, pois assim um espaço oco, inóspito e sem sentido foi
transformado em um lugar significativo.
Defender seu espaço significou também defender a própria vida. Foi assim com
duas entrevistadas que, com foices e facões, enfrentaram os homens da prefeitura municipal e
os estranhos que ameaçaram invadir suas casas. Segundo Pol (s/d), estando-se em situação de
extrema insegurança, o sujeito desenvolve estratégias para defender o seu território.
Desse modo, as mulheres entrevistadas, defenderam, mas também, reformaram
suas casas e ao fazerem isso reformaram as suas próprias vidas. Dotaram seus entornos de
significações: plantaram arbustos e flores; estamparam suas marcas e abriram suas portas para
o convívio e para as trocas sociais.
A apropriação mostrou não só os modos de vida, hábitos e costumes das famílias
e das pessoas entrevistadas, mas acima de tudo, revelou os sentimentos empregados na
formulação dos seus espaços e nas (re) construções realizadas em seus íntimos. Também,
deixou descobertas as marcas produzidas pelos padrões sociais de interação, apontando para
a necessidade de alternativas mais humanas.
Desse modo, a compreensão do processo de apropriação do espaço mostrou-se
estar atrelada à produção da subjetividade, pois em cada ação e em cada afeto percebeu-se a
singularidade de cada uma das entrevistadas, sem deixar escapar suas características coletivas.
Os resultados apontam, também, para a necessidade de políticas públicas de
habitação que considerem as necessidades individuais e não apenas as coletivas; e de um
planejamento urbano eficiente que atenda as necessidades das populações vinda das zonas
rurais.
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