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A DISCIPLINA DE INSTRUÇÃO MORAL E CÍVICA NA REFORMA EDUCACIONAL DE BENJAMIN CONSTANTE DE 1890 Ariella Lúcia Sachertt Seki [email protected] Maria Cristina Gomes Machado [email protected] Universidade Estadual de Maringá - UEM Introdução Este trabalho busca analisar a Reforma de Instrução Pública de Benjamin Constant e o conteúdo “Moral e Cívica”, uma das disciplinas presentes nesta reforma. Enfatiza-se o seu objetivo no contexto da sociedade, esta estava passando por diversas mudanças, como a transição da Monarquia para a República, o fim da escravidão, o início do trabalho assalariado e da industrialização no país. Neste contexto, a instrução pública teve como objetivo formar novos cidadãos para uma outra realidade social. Era preciso formar homens que tivessem a capacidade de refletir e, por conseguinte, contribuir com a sociedade, fazendo valer o seu papel de cidadão livre e consciente, por meio do voto.

A REFORMA EDUCACIONAL DE BENJAMIN CONSTANT (1890)

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A DISCIPLINA DE INSTRUÇÃO MORAL E CÍVICA NA REFORMA

EDUCACIONAL DE BENJAMIN CONSTANTE DE 1890

Ariella Lúcia Sachertt Seki [email protected]

Maria Cristina Gomes Machado [email protected]

Universidade Estadual de Maringá - UEM

Introdução

Este trabalho busca analisar a Reforma de Instrução Pública de Benjamin Constant e o

conteúdo “Moral e Cívica”, uma das disciplinas presentes nesta reforma. Enfatiza-se o seu

objetivo no contexto da sociedade, esta estava passando por diversas mudanças, como a

transição da Monarquia para a República, o fim da escravidão, o início do trabalho

assalariado e da industrialização no país. Neste contexto, a instrução pública teve como

objetivo formar novos cidadãos para uma outra realidade social. Era preciso formar homens

que tivessem a capacidade de refletir e, por conseguinte, contribuir com a sociedade,

fazendo valer o seu papel de cidadão livre e consciente, por meio do voto.

Para realizar este estudo foi utilizado como fonte primária, o Decreto nº. 981 de 1981 do

Governo Provisório, que regulamentava a escola Primária do 1º e do 2º grau. Foram

utilizadas, também, obras que contribuíram no entendimento dos acontecimentos políticos,

sociais e econômicos que marcaram aquela época. Em meio às mudanças que ocorreram na

sociedade brasileira, entendemos como prioridade compreender de que maneira os

currículos educacionais pretendiam contribuir para a formação dos novos cidadãos, por

meio da instrução escolar e seus conteúdos.

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Nesse sentido, o texto foi estruturado de maneira que pudesse demonstrar numa visão geral

os acontecimentos ocorridos na Primeira República. Para tanto, organizamos o texto em

duas partes. Na primeira parte, apresentamos a biografia de Benjamin Constant, para

compreender os objetivos do autor na sociedade brasileira, dando ênfase na Reforma

Educacional que ele propôs naquele momento. Também discutimos a presença do

Positivismo, corrente filosófica iniciado por Augusto Comte em Paris, no final do século

XIX, no Brasil e a sua influência nos intelectuais brasileiros da época, dentre eles Benjamin

Constant. E, em seguida, analisamos a situação da instrução pública no final do Império e

início da República, para que possamos compreender as mudanças que ocorreram na

educação, desde a implementação de prédios destinados as novas escolas até as mudanças

do currículo escolar.

Na segunda parte, apresentamos a Reforma de 1890, o seu método, - o intuitivo- e os seus

objetivos de ensino, para melhor compreender as mudanças que se deram no âmbito

escolar, no qual será enfatizado a disciplina “Moral e Cívica”, os conteúdos que ele

abordava e os objetivos esperados nas diferentes séries. E, com a conclusão, finalizaremos

este trabalho, no qual será analisado conjuntamente todos os itens supracitados, desde a

situação social, política, econômica até a educacional, com ênfase nos objetivos da

disciplina Moral e Cívica, presente na Reforma de Instrução Pública de 1890.

1. A instrução pública no final do Império e início da República

Benjamin Constant Botelho de Magalhães foi o autor responsável pela Reforma de

Instrução Pública de 1890, e conforme Nogueira (1936), nasceu em 8 de outubro de

1836, no Porto de Méier, freguesia de São Lourenço, município de Niterói. Filho de

Leopoldo Henrique de Magalhães, português natural da Torre de Moncorvo, e D.

Bernardina Joaquina da Silva Guimarães, natural do Rio Grande do Sul.

No ano de 1854 iniciou o magistério, conforme ele mesmo comentou, em carta de 20 de

julho de 1879, acerca de sua carreira teórica:

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[...] espondo algumas das principais ocurrencias relativas à minha malfadada carreira do magistério.Tendo terminado em 1853 o primeiro ano da antiga Escola Militar, oje Politécnica i obtido, como obtive depois em todos os outros anos do meu curso de estudos, as melhores aprovações, encetei em 1854 a carreira do majisterio como explicador de matemáticas elementares dos alunos daquela Escola. (Mendes, 1894, p. 15-16).

Segundo Nogueira (1936, p. VI), Benjamin Constant terminou em 1858 o curso de

Engenharia na Escola Militar, tornou-se bacharel em ciências físicas e matemática, essa

formação possibilitou a sua entrada no Observatório Astronômico. Em 1862, Benjamin

Constant passou a exercer seu primeiro cargo devidamente efetivado no magistério,

como lente do Instituto dos Meninos Cegos. A partir de 1869, com a morte do então

diretor Dr. Cláudio Luís da Costa, ele assumiu o cargo, no qual propôs um Plano de

Instrução Primária para os alunos deste instituto.

Conforme Cartolano (1994, p. 24)1, Benjamin Constant, prestou concurso, em 1873,

para repetidor de matemática no curso superior da escola militar, no qual foi aprovado.

Mas, pelo fato dele ser militar, enfrentou certas dificuldades na efetivação de concursos

em que prestara na área cátedra, mesmo tendo obtido aprovação em 1º lugar:

O lugar de repetidor da Escola Militar, alen de mal remunerado só é vitalício no fin de 15 anos no efetivo ezercicio no majisterio. Alen disso, o militar que ezerce este lugar, se não tem no ezercito outro enprego, perde todos os vencimentos militares que se considerao incluidos nos vencimentos de Repetidor, podendo-se dar o fato de perceber menos que o sinples soldo da patente; somente se poderá jubilar si dezistir da reforma i vice-versa, i fica fóra dos cuadros regulares do ezercito, sujeito â promoções muito mais lentas, com grave prejuizo seu i de sua familia, a quen legará menor meio soldo.

Ainda referente a saga de Benjamin Constant nos concursos públicos que prestou, a

autora afirma que:

[...] os concursos públicos, afora o desafio que representavam à sua inteligência, no momento em que se preparava para eles, eram a marca da sociedade pendocrata, isto é, do governo ou influência

1 Será mantida a grafia original das palavras.

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das mediocridades ambiciosas, sob a liderança do patronato. A realidade educacional gerada por esta política de proteção aos medíocres era, como não podia deixar de ser, de indiferença real para com a elevação do nível de ensino, denunciada, inclusive, por políticos da época, por ministros-conselheiros, como mencionado anteriormente, e pelo próprio Benjamin. (CARTOLANO, 1994, p. 28).

No ano de 1880 atuou como professor da Escola Normal, assumindo a direção desta

escola. No ano de 1889, com a Proclamação da República assumiu, por um período

curto, o Ministério da Guerra, e, posteriormente, o Ministério da Instrução Pública,

Correios e Telégrafos, criado em 12 de abril de 1890, no qual por meio do Decreto nº

981 de 8 de novembro de 1890, aprovou o regulamento da instrução primária e

secundária do Distrito Federal. Atuou assim, no Governo Provisório republicano

liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca.

Benjamin Constant, após uma vida de muitas lutas, com destaque para a educação em

seu país, em 22 de janeiro de 1891, faleceu na cidade do Rio de Janeiro.

Referente aos acontecimentos do país no final do Império, o interesse maior na educação

em nível nacional restringia-se ao ensino superior. Este ensino foi caracterizado, conforme

afirma Cartolano (1994, p. 24); “... E, quanto ainda ao próprio ensino superior sabemos que

o Brasil teve uma educação fundamentalmente humanista, literária retórica com muito

pouco ou quase nada de científico”.

As mudanças ocorridas na passagem do Império para a República, permitiu a Carvalho

(1987, p. 42), comentar: “Já ficou registrado que o fim do Império e o início da República

foi uma época caracterizada por grande movimentação de idéias”. No geral, destacava-se a

necessidade de modernização da sociedade brasileira, caracterizando-se pela necessidade de

abolição dos escravos –ocorrida em 1888- e questionamentos com a relação à política

Imperial.

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Conforme Ribeiro (2003, p. 63), “O fim de escravos (1850) e a solução cafeeira fizeram

com que haja internamente uma disponibilidade de capitais”. Assim, o Brasil mantinha-se

como essencialmente agrícola e as atividades industriais na economia brasileira tomavam

forma secundária, de forma que a economia época predominante estava relacionado ao

setor agrário-exportador de café, cacau, borracha e açúcar.

Os acontecimentos econômicos e sociais ocorridos naquele período, influenciou na questão

da instrução pública. Em especial, a Lei do Ventre Livre (1871), que segundo Schelbauer

(1998, p. 41), determinava que os senhores de escravos “[...] mandassem ensinar ler e

escrever todas as crianças nascidas a partir de sua promulgação”, com o intuito de

qualificá-los para uma nova relação de trabalho. As mudanças que ocorreram na transição

do Império para a República podem ser assim descritas:

A República inaugurava, pois, transformações estruturais importantes, tais como o encurtamento das distâncias com a construção de vias férreas e a expansão das já existentes, a agilização dos transportes marítimos através dos barcos a vapor, a modernização dos processos de fabrico do açúcar e a construção de engenhos, sem contar o importante avanço nos processos de beneficiamento do café que aumentaram a sua produtividade. Todas essas alterações foram decisivas no surgimento de novas relações e novos interesses na sociedade. Da mesma forma que estas mudanças, o incremento das indústrias, a urbanização e a modernização das capitais e das cidades portuárias, bem como, a imigração, contribuíram de algum modo para a República e para a federalização do país. Além, é claro, de todas as idéias trazidas da Revolução Francesa que tiveram, igualmente, sua influência. É, então, fundamental a compreensão dessas multideterminações, para se entender a sociedade da época [...] (CARTOLANO, 1994, p. 94).

Em meio a tais acontecimentos, ocorreu no Império uma importante reforma da instrução

primária e secundária no município da Corte e o ensino superior em todo o território

nacional, assim definido em virtude do Ato Adicional de 1834. Esta foi apresentada pelo

ministro do Estado dos Negócios do Império, Leôncio de Carvalho, por meio do Decreto nº

7247, de 19 de abril de 1879.

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Na Monarquia, o ensino primário ficava a cargo das Províncias,o que favorecia seu pouco

desenvolvimento e até então no ano de 1889, segundo o autor “... para uma população de 14

milhões, e uma população em idade escolar de cerca de 2 milhões, tínhamos apenas 250 mil

alunos nas escolas primárias.”. (BASBAUM, 1981, p. 194).

No campo educacional, a Escola Normal da Corte, foi efetivada por meio do Decreto nº

7.684, de 6 de março de 1880, que teve Benjamin Constant, como o primeiro Diretor da

instituição, funcionando inicialmente no espaço cedido pelo Colégio Pedro II. Em 1888, a

Escola Normal tinha como seu principal objetivo preparar os professores primários de 1º e

2º graus, tendo como base o ensino gratuito para ambos os sexos.

No final do século XIX, o Brasil iniciou a luta pela emancipação política, e passou por

profundas transformações, como a mudança do Império (1822-1888) para a República

(1889-1929), bem como passou a adotar o modelo político americano, baseado no sistema

presidencialista. Houve mudanças na área política, econômica e social, como a

transformação das antigas Províncias em Estados, a determinação de que o Rio de Janeiro

seria provisoriamente a sede do Governo Federal, a dissolução da Câmara dos Deputados e

do Senado, a separação da Igreja e o Estado. Referente a tais mudanças, Caio Prado Júnior

(1998, p. 218), afirma que:

Os primeiros anos que seguem imediatamente à proclamação da República serão dos mais graves da história das finanças brasileiras. A implantação do novo regime não encontrou oposição nem resistência aberta sérias. Mas a grande transformação política e administrativa que operou não se estabilizará e normalizará senão depois de muitos anos de lutas e agitações. Do império unitário o Brasil passou bruscamente com a República para uma federação largamente descentralizada que entregou às antigas Províncias, agora Estados, uma considerável autonomia administrativa, financeira e até política.

No contexto histórico naquela época, a imigração foi um dos fatores que favoreceu a

industrialização, os grupos imigratórios eram compostos por italianos, espanhóis, alemães,

dentre outros, que traziam consigo os conhecimentos da fabricação de certos produtos,

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devido a inexistência de concorrência de indústrias muitos negócios prosperaram. Referente

a crise de superprodução na Europa e suas conseqüências observa-se:

O movimento socialista fortalecia-se a cada dia e organizava greve e manifestações em nome da classe trabalhadora. A burguesia deveria posicionar-se, ou escolhendo uma forma política que lhe permitisse lidar com ela ou se utilizando de meios repressivos. O uso da força sempre produzia resultados positivos, mas, para esfriar o movimento, era necessária a adoção de uma política a longo prazo. O confronto ia se mostrando menos agudo à medida que se esvaziava o excedente de mão-de-obra. Nesse momento, o mundo conheceu o maior movimento imigratório da história. A emigração era o caminho escolhido pela maioria dos países para amenizar a crise. (MACHADO, 2002.p. 33)

Mediante este contexto histórico, Cartolano (1994, p. 125), afirma que “[...] a Reforma

Benjamin Constant se, de um lado, expressava a descentralização, por outro, funcionava

como ponto de referência e modelo para outras iniciativas ou particulares no campo da

instrução nacional”.

Em meio as mudanças ocorridas no Brasil, o positivismo, corrente filosófica, fundada por

Augusto Comte em Paris, influenciou alguns de nossos intelectuais da época, como o caso

de Benjamin Constant. A filosofia positivista de Augusto Comte (1798– 1857), iniciou-se

no século XIX, sendo considerado uma reação ao idealismo, no qual opunha-se ao primado

da razão, teologia ou metafísica, baseando-se apenas no mundo físico, ou seja, no material.

Inspirado no Positivismo, Benjamin Constant comentou:

A Filozofia Pozitiva não é uma dessas doutrinas vagas i arbitrarias que os metafizicos tên criado, bazeando-as em ipotezes gratuitas e inverificáveis, i que só podem ter influencia passajeira; ao contrarío, é uma doutrina racionalmente fundada no raciocinio, na observação i na esperiencia, unicas fontes que podem oferecer à atividade de nosso espirito un alimento são i suculento, i os dados essenciais à sua marxa progressiva, i essa força assencional con que vemos aumentar cada vês mais o tesouro dos seus conhecimentos elevando-se gradativamente dos fenômenos os mais elementares aos fenômenos mais complicados, das leis as mais sinples às leis as mais transcendentes.Nenhuma Filozofia guarda maior conveniência, entre as concepções sientificas i as doutrinas relijiozas, i melhor satisfás as nossas varias

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necessidades fizicas, morais i espirituais. Nenhuma melhor subordina a siencia à relijião. (MENDES, 1894, p. 179).

Mesmo sendo positivista, o autor executou em sua reforma educacional alguns diferenciais

da proposta de Augusto Comte, no qual pode-se destacar:

Outro objetivo da Reforma foi o de fundamentar a educação na ciência, em detrimento da tradição clássica. A predominância literária, de acordo com a ordenação positivista e liberal, foi substituída pela científica, embora, segundo, José Veríssimo, Benjamin Constant não demonstrasse conhecer suficientemente as concepções de educação de Augusto Comte, pois incluía já na escola de 1º grau a aritmética, a geometria prática e, na de 2º grau que se iniciava aos 13 anos, além destas, a trigonometria, as ciências físicas e naturais. Esta introdução das ciências antes do 14 anos não era recomendada por Comte, para quem, até esta idade, a criança deveria receber uma educação de caráter estético, baseada na poesia, na música, no sedenho e nas línguas, semelhante estudo, essencialmente isento de preconceitos quaisquer, consiste apenas em exercícios estéticos, em que as leituras poéticas são criteriosamente combinadas com o canto e o desenho. (MEZZARI, 2201, p. 89-90).

Augusto Comte acreditava ter descoberto uma lei com base na racionalidade, e afirmava

que nossos conhecimentos passam por três estados históricos diferentes, o estado teológico

ou fictício, o estado metafísico ou abstrato e o estado científico ou positivo. Nesse sentido,

o autor esclarece estes estados:

No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e, concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente.Enfim, o estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas intímas, dos

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fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir. (COMTE, 1983, p. 4).

Augusto Comte buscou aplicar os conhecimentos da física para o social, pensando em uma

evolução do ser humano, que pare ele vai desde o estado inicial, o teológico, até o estado

final, o positivo, no qual será atingido a potencialidade máxima do desenvolvimento do

homem.

No Brasil, a primeira Sociedade Positivista, foi fundada em 1876 por Oliveira Guimarães,

professor de matemática no Colégio Pedro II. No ano de 1881, Miguel Lemos, guiado por

Laffitte, um dos discípulos de Comte, retornou ao Brasil, e, assumiu a direção da Sociedade

Positivista, e transformou-a em Igreja Positivista Brasileira que teve continuidade até 1927,

quando foi fechada devido à morte de Teixeira Mendes. O positivismo inspirou alguns

homens da sociedade daquela época, dentre eles Benjamin Constant Botelho de Magalhães,

levada à Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que:

[...] tentava dar a escola secundária um objetivo essencialmente educativo ou formador, baseado nas ciências, desligando-a de seu função preparatória para cursos superiores, pela estruturação de um “curso integral de estudos”, desvirtuou o pensamento educacional de Comte, uma vez que deu ao Estado o papel preponderante na organização de ensino, enquanto o Positivismo é contra a obrigatoriedade de ensino, e transfere esse papel aos “sacerdotes cientistas” (“a providencia intelectual”), e ainda inclui o estudo das ciências já para alunos de sete anos de idade, sacrificando a “educação estética”, que completa a educação espontânea”. (RIBEIRO JUNIOR, 2003, p. 322).

O Brasil inaugurou a república por inspiração positivista sem efusão de sangue, e essas

revoluções “brancas” eram uma característica bem marcante do positivismo. Outra

influência desta filosofia, foi marcada por meio do Decreto nº 4, de 19 de novembro de

1889, proposto por Benjamin Constant e idealizada por Miguel Lemos com a colaboração

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de Raimundo Teixeira Mendes; e, a pedido, do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa,

Teixeira Mendes, escreveu o lema “Ordem e Progresso”, na Bandeira Nacional. Nesse

sentido, o autor afirma “O que os positivistas queriam demonstrar com a criação da nova

bandeira é que não se pode romper subitamente os laços com o passado e que toda reforma,

para frutificar, deve tirar seus elementos do próprio estado de coisas a ser modificado.”

(RIBEIRO JUNIOR, 2003, p. 214).

Em suma, o Brasil na segunda metade do século XIX, em meios a mudanças nas áreas

política, social e econômica, teve na mudança do Império para a República a influência do

positivismo de Augusto Comte na educação do país. Benjamin Constant, juntamente com

outros intelectuais daquele momento, empenhou-se em propagar o positivismo no país. E,

um dos legados deixado por ele na área educacional foi a primeira reforma da instrução

pública do Brasil após a República. Assim, frente aos acontecimentos históricos, como a

imigração crescente e o início da industrialização, visavam o desenvolvimento do Brasil

naquele momento, nesse processo a educação foi colocada como um elemento importante.

2. A Reforma de 1890 e a disciplina “Moral e Cívica”

Com a Proclamação da República iniciou-se um período de reforma do ensino. No ano de

1890 foi criado o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, o primeiro

dedicado à educação, no qual foi ministro Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Neste

Ministério foi criado um regulamento para a Instrução primária e secundária, este

viabilizou o crescimento do ensino público e do desenvolvimento das instituições culturais.

Benjamin Constant estava envolvido com os acontecimentos ocorridos em sua época, na

parte política, social e educacional. Segundo Cartolano (1994, p. 129), o pensamento de

Benjamin Constant poderia ser expresso da seguinte maneira: “Acreditava que só pela

educação um povo poderia construir a sua cidadania”, por esse motivo, empenhou-se nas

reformas educacionais, como a da escola militar, da escola normal e da instrução primária e

secundária.

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Segundo Schelbauer (1998), a Reforma Benjamin Constant, a primeira reforma decretada

após a proclamação da República, destinada apenas ao Distrito Federal, desejava efetivar a

instrução popular no país, tendo como princípios a liberdade, gratuidade e laicidade do

ensino, marcada assim pela desoficialização do ensino abolindo a obrigatoriedade do ensino

e a responsabilidade do Estado Federal.

Na obra de Niskier (1995), “Educação brasileira: 500 anos de Historia, 1500-2000”, foram

encontradas outras informações relativas aos anexos relacionados aos programas das

escolas primárias do 1º grau. Nestes anexos, o Título I regulamentava os Princípios Gerais

da Instrução Primária e Secundária, constando no Art. 1º as imposições às instituições

particularidades, como a legislação que impunha condições de moralidade, higiene e

estatística, visando para estas escolas a completa liberdade para executar o ensino primário

e secundário. O Art. 2º do Título II instituía que o ensino primário seria dado no Distrito

Federal em escolas públicas, sendo livre, gratuita e leiga. Sendo divididas em duas

categorias, as escolas primárias do 1º grau, e as escolas primárias do 2º grau. O título III,

tratava da formação dos professores das escolas primárias; constando no Art. 12 constava a

imposição do Governo, em que ficaria a cargo dele manter na Capital Federal uma ou mais

escolas normais, dependendo da necessidade de ensino, tendo em cada uma delas uma

escola primária modelo.

Reportando-se, ainda, ao método empregado na reforma educacional de Benjamin

Constant, o intuitivo, previa-se que houvesse na instrução primária do 1º e 2º graus, uma

aquisição lógica do pensamento, por meio da observação direta dos objetos, visando a

cultura dos sentidos, valorizando o conhecimento de mundo obtido. Para Cartolano (1994,

p. 166), tal método vinha responder às novas exigências, nesse sentido a autora comenta:

As lições de coisas vinham responder a essas exigências: eram, nesse sentido, não só uma disciplina específica do currículo mas, também, e sobretudo, forma de processo geral de ensino aplicável a todas as demais disciplinas e que se opunha radicalmente àquela forma

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convencional usada até então e que enfatiza a verbalização do mestre e as verdades absolutas. As “lições de coisas” eram uma modalidade do ensino intuitivo e já haviam aparecido pela primeira vez no ensino primário brasileiro, com a reforma de Carlos Leôncio de Carvalho de 1879 (Decreto nº 7247 de 19-4-1879, Art. 4º).

Também encontramos na Tese de Doutorado, de Analete Regina Schelbauer (2003),

intitulada “A constituição do método intuitivo na Província de São Paulo (1870-1889)”,

uma minuciosa análise sobre o método intuitivo. Para a autora, aplicar tal método seria uma

maneira de amenizar uma das problemáticas existentes nas escolas primárias, que

baseavam-se em livros áridos e na supremacia de exercícios mecânicos que recorriam à

memorização. Nesse sentido, pontua um beneficio de se utilizar o método intuitivo, o de

“Dar as lições de uma forma mais prática e mais viva, fazendo as lições de coisas seria um

meio de resolver este inconveniente”. (Schelbauer, 2003, p. 38).

Benjamin Constant quando estava na direção do Instituto dos Meninos Cegos, sob

influência da filosofia Positivista de Augusto Comte, escreveu e enviou um relatório ao

Ministro do Império João Alfredo, no qual defendia a proposta de um novo plano de

instrução primária para os alunos do Instituto, mas que também servisse ao povo, e

argumentava que o novo plano acabaria com as:

[...] crenças funestas, contos fantásticos, práticas supersticiosas que então circulavam na sociedade, dando a medida do seu estado de ignorância, e que, exaltando a imaginação do homem, lhe enfraqueciam o espírito, o coração e o caráter... (Câmara dos Deputados, Sessão de 8-7-1871, in: Anaes do Parlamento Brasileiro, Tomo III,p. 80 apud CARTOLANO, 1994, p. 49).

Este Relatório recebeu críticas do Deputado baiano Benevenuto Augusto Magalhães

Taques. Segundo Cartolano (1994,p. 50), “[...] Benjamim Constant poderia nortear algumas

das idéias que norteariam a reforma da instrução primária instituída por ele em 1890 [...]”.

Conforme Carvalho (1990, p. 41), as propostas de mudança social do positivismo não foi

aplicada na prática, mas influenciou algumas mudanças nos primeiros anos da República,

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“sobretudo a separação entre Igreja e Estado, a introdução do casamento civil, a

secularização dos cemitérios, o início do contato do operariado, a reforma do ensino

militar”.

Benjamin Constant estava envolvido com os acontecimentos ocorridos em sua época, na

parte política, social e educacional. Segundo Cartolano (1994, p. 129), o pensamento de

Benjamin Constant poderia ser expresso da seguinte maneira: “Acreditava que só pela

educação um povo poderia construir a sua cidadania”, por esse motivo, empenhou-se nas

reformas educacionais, como a da escola militar, da escola normal e da instrução primária e

secundária.

A Reforma Benjamin Constant, segundo Ribeiro (1993, p. 73), abrangia as instruções

primária e secundária, no Distrito Federal e a Instrução Superior, Artística e Técnica em

todo o território nacional, sendo compatível à escola primária, ou seja, o 1º grau reservado

para crianças de 7 a 13 anos de idade, e o 2º grau para as idades entre 13 a 15 anos. Datados

em 8 de novembro de 1890, o Decreto nº 980 aprovou o novo regulamento ao Pedagogium

da Capital Federal, e, posteriormente, o Decreto nº 981 aprovou o regulamento da Instrução

Primária e Secundária do Districto Federal. (BRASIL, 1890, p. 3462 - 3464). Na legislação

da educação pública primária na República, o ensino apresentava-se como livre, leigo e

gratuito.

Para que pudesse de fato realizar as propostas do método Intuitivo nas escolas primárias,

“[...] a reforma previa que, cada escola primária terá, além das aulas de classe e outras

dependências, sua biblioteca especial, um museu escolar provido de coleções

mineralógicas, botânicas e zoológicas, de instrumentos e de quanto for indispensável para o

ensino concreto”. (MOACYR, 1941, p. 44, apud MEZZARI, 2001, p. 87-88).

A Reforma de Benjamin Constant, de certa forma, buscava solucionar os problemas

advindos desde o Império, como mostra Mezzari (2001, p. 91), ao citar o relatório do

Conselheiro Costa Pereira de 1887, sobre o seu trabalho no seu Ministério:

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A insuficiência do nosso ensino primário, diz, e seu atraso são bem conhecidos como a necessidade de prover a educação profissional, de remediar a má organização dos estudos secundários...[...] É necessário uma instrução primária séria, perfeitamente examinada e reconhecida antes da admissão aos estudos secundários; estes fortes, severos, prolongados por bom tempo, depois testados por exames honestos e leais dão aos estudantes o direito a um título de admissão às faculdades ou escolas superiores. Tal deve ser a organização para o futuro do Brasil.

Não eram poucas as dificuldades enfrentadas no ensino primário, bem como nos demais

níveis de ensino. Necessitava de investimentos na formação dos professores, mas não

houve mudanças significativas na melhoria da qualificação destes. Um exemplo da situação

educacional pode ser observado no “relatório do Inspetor Geral, Eusébio de Queiroz, e

1860, endereçada ao Ministro João Almeida Pereira Filho”, citado pela autora:

Se os estabelecimentos (de escolas normais) têm, como geralmente se diz, produzidos poucos frutos para o ensino primário no Brasil, isto se deve sobretudo a tentativas mal dirigidas, a uma certa inexperiência prática que a um defeito inerente à instituição. Não se deve duvidar que uma escola normal bem organizada, provida de todos os elementos necessários, dirigida por um homem capaz, confiada a professores instruídos e inteligentes, submetida a sábios regulamentos não possa preparar os jovens de uma maneira conveniente para torná-los institutores capazes. (Relatório do Inspetor Geral, Eusébio de QUEIROZ, In: José Ricardo Pires ALMEIDA, História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889), p. 102, apud MEZZARI, 2001, p. 94):

Para que a reforma fosse bem executada, era preciso que se investisse mais na formação

dos professores. Para tanto, “[...] o Conselho diretor designará, com a aprovação do

governo, dos professores, um do sexo masculino e outro do sexo masculino, que vão a

países estrangeiros examinar miudamente os progressos de ensino primário e aperfeiçoar

suas habilitações profissionais.”. (MOACYR, 1941, p. 73, apud MEZZARI, 2001, p. 107).

Uma questão diferencial na Reforma de 1890, foi a extinção dos exames preparatórios e a

introdução do exame de madureza, que buscava averiguar o nível intelectual do alunado

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para o ingresso ou não no curso superior. Este exame cabia apenas aos estabelecimentos de

ensino Estaduais, com a pretensão de melhorar o ensino secundário no país. Entretanto, tal

reforma não fora executada, foi apenas prorrogado o prazo de obrigatoriedade do exame de

madureza. Das mudanças ocorridas na instrução pública, a “Reforma Benjamin Constant

conserva o caráter restrito da equiparação aos estabelecimentos estaduais (Art. 24). Das

tradições do Império restaura os exames de preparatórios [...]” (NAGLE, 1974, p. 145).

A Reforma de Instrução Pública de 1890 ocorreu na em meio a mudanças no cenário

político, social e econômico, bem como sob influencia do positivismo entre alguns políticos

daquela época, como demonstrado anteriormente Nesse sentido, era forte a busca pela

“ordem e progresso” do país, que influenciou de um modo geral as decisões políticas e a

vida do povo. E, em sentidos amplos e também educacionais a questão da moral é bastante

forte, conforme afirma Veríssimo (1985, p. 15): “E tanto mais é de crer este resultado, não

só desejável como, a bem da unidade moral da Pátria, indispensável, quando a reforma do

Sr. Benjamin Constant criou no Pedagogium um órgão que devia ser o fator consciente

dessa obra de unificação moral”. Seguindo sobre a questão da moral, o autor critica:

Como todos os seus antecessores no dificílimo encargo de dirigir o ensino público no Brasil, também ele não compreendeu, ou esqueceu, que a instrução é uma função de ordem moral, em cujos órgãos não se deve exigir somente capacidade técnica ou estritamente profissional, nem mesmo o exato cumprimento do dever regulamentar, mas também uma convicção filosófica dos seus efeitos, o devotamento de apóstolos na sua execução e um ideal nos seus propósitos. Tratar a instrução pública, fator da educação nacional, como se trata a viação, ou qualquer outro ramo da atividade econômica do País, é condenar de antemão ao insucesso toda a reforma dela [...] (VERISSIMO, 1985, p. 19-20).

Referente a organização, distribuição de categorias na escola primária na Reforma de

Benjamim Constant, Mezzari (2001, p. 84) escreve:

[...] foi organizada em duas categorias: de 1º grau, para crianças de 7 a 13 anos e de 2º grau para os de 13 a 15 anos. Para ingressar nas escolas primárias de 2º grau, o aluno deveria apresentar o certificado de

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estudos do grau precedente. O ensino no primeiro grau compreendia: leitura e escrita, ensino prático da língua portuguesa; contar e calcular; aritmética prática até regra de três, mediante o emprego, primeiro, dos processos espontâneos e, depois, dos processos sistemáticos; sistema métrico procedido do estudo da geometria prática; elemento de geografia e história, especialmente do Brasil; lições de coisas e noções concretas de ciências físicas e história natural; instrução moral e cívica; desenho; elementos de música; ginástica e exercícios militares; trabalhos manuais para os meninos e trabalho de agulha para as meninas; noções práticas de agronomia.

Mediante os acontecimentos históricos vivenciados naquele momento, a Reforma Benjamin

Constant buscou direcionar aquela sociedade em busca de melhorias de condições de vida,

por meio da educação escolar, que era fundamental para o crescimento econômico, de

modo geral, do país. Dentre todas as disciplinas estudadas, a instrução moral e cívica teve

objetivos específicos na formação do alunado, conforme anunciava o parágrafo único do

Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, “A instrucção moral e

cívica não terá curso distincto, mas ocupará constantemente e no mais alto gráo a atenção

dos professores.” (DECRETO Nº 981, 1890, p. 3476).

Desta forma, a escola primária do 1º grau foi dividida em três cursos, o elementar, para os

alunos de 7 a 9 anos, o médio, para os de 9 a 11, e o superior para os de 11 a 13 anos de

idade. Em cada curso todas as matérias eram gradualmente estudadas, tendo como método

para todos eles, o intuitivo. A disciplina instrução moral e cívica estava presente em todos

os cursos da Escola Primária de 1º Grau, mas na de 2º grau ela não estava inserida. Na

classe 1ª do curso elementar, dentre outras disciplinas estudadas, a disciplina Instrução

Moral e Cívica trabalhava em sala de aula com “Narrativa de anecdotas, fabulas, contos e

provérbios que contenham tendência moral”, e tinha por objetivo “Fazer sentir

constantemente aos alumnos, por experiência directa, a grandeza das leis moraes”.

(DECRETO 981, 1890, p. 3500). Na classe 2ª, ainda no curso elementar, a disciplina seguia

o seu curso de modo mais expressivo, buscando em sala de aula trabalhar com:

Conversações e leituras moraes. Exemplificação comparativa da generosidade e do egoísmo, da economia e da avareza, da actividade e da preguiça, da moderação e da ira, do amor e do ódio, da benevolência

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e da inveja, da sinceridade e da hypocrisia, dos prazeres e das dores (physicas e moraes), dos bens e males (falsos e verdadeiros). (DECRETO 981, 1890, p. 3502).

Seguindo a ordem dos cursos, no curso médio e classe 1ª percebe-se a seqüência lógica no

conteúdo da disciplina na direção de alcançar seus objetivos, mediante a alunos com idade

um pouco mais avançada que no curso anterior, os estudos também seguiam com

conversações adicionada a outras temáticas relacionadas, conforme mostrava o Decreto:

Instrucção Moral e Cívica – Conversação e leituras moraes. Exercícios tendentes a por em acção na própria classe: 1º pela observação individual dos caracteres; 2º, pela aplicação inteligente da disciplina escolar como meio educativo; 3º, pelo incessante appello para o sentimento e para o juízo do proprio alumno; 4º, pelo desvanecimento dos preconceitos e das superstições grosseiras; 5º, pelo ensinamento tirano dos factos observados pelo próprio alumno; 6º, pelas sãs emoções moraes. (DECRETO 981, 1890, p. 3504).

Na classe 2ª do curso médio há continuação do programa da classe anterior. O Curso

Superior, também foi dividido em duas classes, sendo que na Classe 1ª objetivou-se

trabalhar os “Deveres do homem para consigo mesmo. Hygiene physica e moral.”

(DECRETO 981, 1890, p. 3507). E para a Classe 2ª a disciplina segue dando continuação

da classe anterior. Sendo que nas demais escolas, a primária do 2º grau e na Escola Normal

esta disciplina não era trabalhada em sala de aula.

Sobre a escola primária, Cartolano (1994, p. 157) afirma que a Reforma de 1890 “[...] tinha

além da preocupação inicial, com a elevação do nível do ensino primário, outra com o

sentido prático desta educação básica, voltada para uma investigação da realidade próxima

e própria da criança.”. Desta maneira, o currículo desta Reforma seguia a influência

francesa, que naquele momento passava por profundas mudanças sociais, como a

Revolução Industrial. Assim, o currículo buscou por meio das ciências naturais substituir as

disciplinas ligadas com a religião, instituindo-se o poder laico, visando atender as novas

necessidades sociais no aspecto intelectual e moral. Para tanto, com o intuito de

universalizar a instrução primária, fora autorizado a criação de mais seis escolas primárias

do 2º grau no Distrito Federal, sendo divididas metade para meninos e a outra metade para

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meninas. Já as escolas de primeiro grau, teve um número significativo de novas escolas,

totalizando 22, as quais foram escolhidas a sua localização segundo o Conselho Diretor,

conforme a quantidade de pessoas em idade escolar. Ainda relacionado ao conteúdo e

método empregados na reforma, a autora escreve que:

Deste modo, a Reforma Constant vai refletir em seus princípios, em seu método e nos conteúdos das disciplinas que compreendem o seu currículo, essas influências diversas. Anunciado por uns e criticado por outros como positivista, o Regulamento não se submeteu “ipsis literis” às propostas pedagógicas de Augusto Comte. Inspirou-se nelas, sem dúvida, da mesma forma que em algumas idéias pestalozzianas e o resultado constituiu-se numa reforma que, embora vulnerável em alguns aspectos, refletiu as circunstâncias históricas daquele momento e as lutas de forças sociais contrárias. (CARTOLANO, 1994, p. 163).

Ainda sobre a disciplina Instrução Moral e Cívica, Veríssimo (1985, p. 56) afirmou que

“[...] a educação cívica deve ser a generalização de toda a instrução dada na escola para

fazê-la servir ao seu fim verdadeiro, que é, com a cultura moral e intelectual do indivíduo, a

educação nacional”.

CONCLUSÃO

Em meio aos referidos acontecimentos históricos, nosso maior objetivo foi buscar conhecer

a Reforma Educacional Primária de Benjamin Constant, bem como essas mudanças

influenciaram a sociedade. Ao se estabelecer a República no Brasil, foi necessário preparar

a população para o exercício da cidadania, por meio do voto. Diante de uma população

quase toda analfabeta, por um lado a situação dos ex-escravos e de outro, imigrantes que

vinham para o país em busca de trabalho. A visão que se tinha naquele momento era a de

Democracia, no entanto, era preciso preparar essa população que se encontrava

“despreparada” para assumir, de fato seu papel na sociedade. Logo, definia-se, assim, a

importância da instrução pública no país naquele momento; mas esta instrução não ocorreu

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de forma tão fácil, em vista das dificuldades encontradas. A República, herdeira da

Monarquia, ao buscar instruir a população deparou-se com péssimas condições para

efetivar o seu trabalho, visto que na situação em que se encontrava o país existia um

número muito grande da população ainda analfabeta, e, pouquíssimas escolas ofertando o

ensino primário. Logo, como cumprir esse papel de imediato? Esse foi apenas um dos

problemas encontrados na busca de melhorias na instrução pública. Outro fato relevante, foi

a pequena quantidade de professores qualificados existentes para ministrar aulas para uma

parcela tão grande de alunos.

É preciso, também, salientar que, com a criação de instituições públicas no país,

consequentemente, era preciso pessoas capazes de assumir os cargos públicos ofertados

naquele momento. Neste caso, era exigido que este profissional tivesse um certo grau de

estudo. Exigia-se o 1º grau para ocupar cargos em repartições do Estado e o 2º grau para

ocupar cargos administrativos. A Reforma Benjamin Constant alterou algumas medidas

existentes na Reforma Leôncio de Carvalho, anterior a esta. Na legislação da educação

pública primária na República, o ensino apresentava-se como livre, leigo e gratuito.

Já comentado anteriormente, na Reforma e 1890 preocupou-se mais em preparar a

população para exercer a sua cidadania, mais do que apenas preparar alunos para ingressar

no ensino superior. E, portanto, por meio das disciplinas oferecidas, buscou-se também

“ensinar” conteúdos que englobassem uma formação patriótica, ou seja, formar cidadãos

que contribuíssem com a pátria. Por isso, que se explica a existência da disciplina Moral e

Cívica em diversos momentos da instrução.

A instrução pública passou a ser gradual, ou seja, pela primeira vez se teve um estudo

seriado, no qual os alunos passavam gradualmente a cada série e, conseqüentemente, poder-

se-ia cursar o 1º grau e, posteriormente, o 2º grau. E após terminarem estes estudos,

realizavam o exame final, para que então pudessem ser aprovados e seguir no ensino

superior.

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Em suma, é preciso considerar a Reforma de Instrução Pública de Benjamin Constant, no

sentido de seu significado para a historiografia brasileira. Em que situação ela ocorreu,

quais influências filosóficas ele recebeu, a quem ela pretendia alcançar, quais as mudanças

que ocorreram, dentre tantas outras indagações. Visto que a Reforma aqui tratada foi a

primeira da República, é válido considerar as suas tentativas de melhorar o ensino público

no país naquele momento, em que o Brasil estava marcado por significativas mudanças em

seu regime governamental e as implicações que tiveram a sociedade como um todo. Nesse

sentido, é preciso considerar de que forma esta reforma buscou contribuir para o

desenvolvimento do país, buscando formar cidadãos aptos a exercer sua cidadania, por

meio da instrução oferecida naquele momento.

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