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Trabalho de Conclusão de Curso
A RELAÇÃO DA POBREZA COM A EDUCAÇÃO
Jaqueline Pereira Arimura¹
Profa. Ma. Patrícia Menegheti de Aguiar²
RESUMO
O presente artigo tem o objetivo de contribuir para a discussão sobre a pobreza e sua relação
com o acesso dos alunos pobres à escola. A pobreza é um fenômeno social complexo e ao
mesmo tempo muito próxima da realidade de milhões de crianças e adolescentes pobres
presentes na escola pública. A pesquisa foi realizada com famílias beneficiárias do Programa
Bolsa Família que possuem seus filhos matriculados na rede municipal de ensino de uma
escola de nível fundamental do município de Anastácio-MS. Finalmente, foi realizada a
análise e interpretação desses dados, com base numa fundamentação teórica foram observados
que a pobreza interfere em vários aspectos educacionais e a educação não pode suprir as
diversas questões sociais levantadas pelo fenômeno social, sendo necessária a articulação de
outras políticas públicas para garantir o acesso dos alunos pobres à educação.
Palavras-chave: Pobreza. Programa do Bolsa Família. Educação.
INTRODUÇÃO
Este artigo abordará primeiramente o currículo escolar para compreender a relação da
escola no contexto da pobreza. O objetivo é analisar quais as dificuldades enfrentadas pelos
alunos beneficiários do Programa Bolsa Família na garantia de acesso e permanência na
escola. O público alvo é proveniente de famílias pobres ou extremamente pobres que cumpre
as condicionalidades do Programa do Bolsa Família (PBF).
A pesquisa apresenta o tema educação e pobreza, através da pesquisa bibliográfica, na
qual compreenderemos a função do currículo escolar e sua importância nas diretrizes
curriculares, a pobreza em seu contexto amplo que não se resume apenas em falta de
elementos materiais, o programa Bolsa Família com suas finalidades dentro deste contexto de
pobreza e extrema pobreza.
Após a análise teórica destes elementos da educação e pobreza, a pesquisa de campo
foi realizada em uma escola da rede municipal de ensino de nível fundamental do município
de Anastácio-MS, para analisar a situação dos alunos pobres na escola, suas dificuldades e
Trabalho de Conclusão de Curso
anseios diante ao ensino ofertado pela rede pública de ensino e os benefícios que o Programa
Bolsa Família trouxe para estes alunos.
O presente artigo se divide em três partes:
A primeira parte do artigo traz uma compreensão de que maneira o currículo escolar
está abordando a pobreza na escola, pois a educação em nosso país possui um padrão de
aprendizado que acaba desconsiderando o sujeito principal da escola o “aluno”, que possui
uma realidade social, cultural e econômica bem distante dos conteúdos estudados nas
disciplinas escolares. Como afirma o autor:
Um tipo dum ensino esparramado, coisa de sertão. [...] Então quer dizer que é assim:
tem uma educação – que eu nem sei como é que é mesmo o nome que ela tem – que
existe dentro do mundo da roça, entre nós. Agora, tem uma – essa é que se chama
mesmo "educação" – que tem na escola. Essa que eu digo que é sua. (SOUSA
[CIÇO] apud BRANDÃO, 1984, p. 7 et seq.)
Na segunda parte traz uma abordagem sobre o PBF e sua condicionalidade com a
educação, no qual o currículo escolar enfrenta o desafio de entender a pobreza, este fenômeno
social que ocorre em diversas áreas, assim como na saúde, pois falta uma visão da própria
sociedade sobre a pobreza e seus modos de reprodução. Pierre Salama afirma sobre os que
trabalham com este tema:
Por vezes, finos conhecedores da pobreza no papel são incapazes de compreende-la
na vida cotidiana e, chamados a responsabilidade, seja nas organizações
internacionais ou nos governos, preconizam políticas no mínimo inadequadas
(DESTREMAU; SALAMA, 1999, p.18)
No entanto a articulação do currículo escolar com a pobreza poderá fazer com que a
escola, a docência e as teorias pedagógicas passem a considerar o caráter socializador das
vivências da pobreza, criando um significado extremamente relevante para o currículo:
restituir a sua função formadora e educativa. Sendo assim os conhecimentos sobre a pobreza
poderão ser trabalhados nos processos de ensino-aprendizagem.
Na terceira parte através da pesquisa de campo, a pobreza e a educação se relacionam
entre si diagnosticando a complexidade do contexto social que vivem muitas famílias no
município de Anastácio.
Portanto este artigo proporcionará uma reflexão de que as referências à pobreza não
estão diretamente ligadas ao papel da educação como um dos elementos fundamentais para
combatê-la, apresentando um universo mais complexo e desafiador para o Estado.
Trabalho de Conclusão de Curso
1 O CURRÍCULO ESCOLAR E SUA ABORDAGEM
Para tratar de currículo escolar primeiramente precisamos entender o seu significado
que para os profissionais da educação é claramente definido como: os conteúdos a serem
ensinados e aprendidos; as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos
estudantes; os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas
educacionais; os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; os processos
de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos
diferentes graus da escolarização.
O currículo escolar abrange muito além de conteúdo, ele traz para os alunos uma
forma de vivencia na sociedade, cultura e socialização dos sujeitos.
Se por um lado o currículo é uma ponte entre a cultura e a sociedade exteriores às
instituições de educação, por outro ele também é uma ponte entre a cultura dos
sujeitos, entre a sociedade de hoje e a do amanhã, entre as possibilidades de
conhecer, saber se comunicar e se expressar em contraposição ao isolamento da
ignorância. (GIMENO SACRISTÁN, 2013, p. 10)
Percebemos que o currículo escolar é tudo que acontece em uma escola, onde a escola
tem o poder de definir as relações de poder e a cultura, podendo assim contribuir para
combater as desigualdades sociais.
O autor Miguel G. Arroyo é um dos autores que têm dado importância ao tema:
currículo e os sujeitos que envolvem o processo educativo nas escolas; os educandos e os
educadores. Arroyo tem ressaltado nesses estudos diversos aspectos, tais como: a importância
do trabalho coletivo na educação para a construção de parâmetros de ação pedagógica; o fato
de serem os educandos sujeitos de direito ao conhecimento; a necessidade de se mapearem
imagens e concepções dos educandos para subsidiar o debate sobre os currículos.
Portanto o currículo escolar contribui para se pensar a relação educação e pobreza na
atualidade, “problema de caráter universal em uma sociedade de classes marcada por
tremendas desigualdades de gênero e raça/etnia” (YANNOULAS, 2013). O currículo não é
neutro podendo reproduzir as desigualdades e as injustiças sociais ou contribuir para a
construção de uma sociedade democrática e justa.
Trabalho de Conclusão de Curso
2 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SUA CONDICIONALIDADE COM A
EDUCAÇÃO
O PBF foi implementado em 2004 com pelo menos três objetivos básicos:
...aliviar a pobreza de forma imediata mediante a transferência direta de renda;
apoiar o desenvolvimento o das capacidades da família através da integração com
programas complementares que visam capacitar os adultos para sua inserção
no mercado de trabalho buscando romper com a situação de vulnerabilidade
financeira; e, contribuir para a redução da reprodução do ciclo de pobreza
entre as gerações mediante o acúmulo de “capital humano” através das
condicionalidades. (BRASIL, 2006, p.30).
A implementação do programa tem por objetivo principal combater a pobreza no
Brasil através da transferência direta de renda para suprir as necessidades dos indivíduos. As
famílias beneficiadas que se encontram em uma situação de vulnerabilidade social possam ter
através do PBF seus direitos sociais garantidos através da Política Pública de Assistência
Social.
As famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família devem cumprir as
condicionalidades do programa:
As condicionalidades do PBF, já estabelecidas em seus antecessores Bolsa Escola
(2001) e Bolsa Alimentação (2001) funcionam no sentido de constituir
compromissos, aos quais as famílias beneficiárias devem aderir para permanecer
no Programa. Fica assim instituído mediante a Lei 10.836, de 2004 que cria o PBF
em seu artigo 3º que a concessão dos benefícios depende do cumprimento de
condicionalidades relativas: ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao
acompanhamento de saúde, e à frequência escolar de 85% para crianças e
adolescentes de 06 (seis) a 15 (quinze) anos de idade, e de 75% para
adolescentes na faixa etária de 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos de idade
(BRASIL, 2008,p.45).
Neste artigo iremos avaliar principalmente a condicionalidade de educação do
Programa, que apresenta como um dos objetivos manter os alunos na escola, buscando
diminuir a evasão escolar e aumentar as condições da permanência dos alunos pobres na
escola.
Quando há descumprimento de algumas dessas condicionantes primeiro e feito uma
advertência e a partir da segunda advertência a família pode ter o bloqueio por um mês do
benefício, e ter suspensão do benefício por dois meses a partir do terceira advertência. Poderá
haver o cancelamento do beneficio após o registro no Sistema de Condicionalidades − SICON
de que a família foi inserida em serviço socioassistencial de acompanhamento familiar do
município e, cumulativamente:
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a) permaneça em situação de suspensão durante 12 meses, contados a partir da data de
coexistência do acompanhamento familiar e da fase de suspensão; e
b) se, após 12 meses, apresentou novo descumprimento com efeito no benefício nas
repercussões posteriores, respeitando os 6 meses para reinício dos efeitos gradativos.
(Bolsa família/condicionalidades/beneficiário/condicionalidades, 2016).
Diante deste foco sobre a condicionalidade de educação, convém ressaltar que o
objetivo da pesquisa realizada com as famílias beneficiarias do PBF é justamente fazer uma
análise sobre a percepção das famílias atendidas e os profissionais da educação que lidam
diretamente com os alunos atingidos por essa condição. A fim de compreender qual o
sentido que os beneficiários atribuem à imposição de uma contrapartida voltada à frequência
escolar de crianças e adolescentes, pensando assim, sobre os reflexos desta condicionalidade
sobre os índices de frequência, evasão e rendimento destes alunos no sistema escolar em
âmbito local.
3 A RELAÇÃO ENTRE POBREZA E EDUCAÇÃO
O estudo foi desenvolvido com famílias de alunos de nível fundamental na rede
municipal de ensino de uma cidade de pequeno porte do interior de Mato Grosso do Sul,
especificamente em uma escola que atende alunos de baixa renda de áreas periféricas da
cidade.
A escola está localizada na região central da cidade, mas atende alunos oriundos de
fazendas e de bairros afastados, o público alvo da pesquisa foram essas famílias que se
deslocam todos os dias até a escola, de um bairro em especifico construído em menos de um
ano e que residem mais de 800 famílias.
A pesquisa de campo foi realizada com a aplicação de um questionário com perguntas
abertas, in loco, objetivando compreender e explicar a relação entre a pobreza e a educação.
Participaram da pesquisa 04 pessoas de diferentes famílias, mães e responsáveis de alunos
beneficiários do Programa Bolsa Família do governo federal, residentes em bairros afastados
da unidade escolar.
Trabalho de Conclusão de Curso
Das famílias entrevistadas 90% recebem menos de um salário mínimo para sua
subsistência, 10% das famílias recebem mais de um salário mínimo, 100% residem em
moradia própria, beneficiados pelo programa habitacional do governo federal PAC II.
Conforme os dados das famílias que recebem mais de um salário mínimo são famílias
que possuem um núcleo familiar de até cinco integrantes. Analisa-se, portanto que a renda per
capita é inferior daquelas famílias que recebem até meio salário mínimo composta por dois
integrantes. Consideramos que a renda per capita não é determinante da pobreza.
A própria definição da pobreza com base na renda representa, em certo sentido, um ato
arbitrário. Vejamos, por exemplo, no caso do Brasil 11, o estabelecimento por parte do
governo da linha que separa pobreza – renda mensal per capita de até R$ 154 – e pobreza
extrema –renda mensal de até R$ 77 por pessoa. É difícil dizer que quem recebe R$ 80
encontra-se em situação melhor que quem recebe só R$ 77, assim como é complicado afirmar
que quem recebe R$ 160 não seria pobre. Da mesma maneira, a presença ou a ausência de
políticas públicas específicas e de serviços públicos afetam profundamente a vida das
camadas mais vulneráveis da população. (PINZANI; REGO; 2015 p.19)
Todas as entrevistadas são mulheres, mães ou avós dos alunos da escola municipal
em pesquisa, com idades entre 30 a 40 anos (90%) e 50 a 70 anos (10%), representando 50%
trabalhadoras do lar e 50% domésticas, cujo trabalho é remunerado com pagamento de diárias
ou uma renda fixa que soma renda familiar.
O pagamento do benefício por meio de cartão magnético pessoal e a priorização dada
à mulher como titular deste cartão – hoje, 93% dos titulares são mulheres – proporcionaram o
empoderamento feminino em espaços públicos e privados. (CAMPELLO; NERI; 2013 p.20)
Cabe ressaltar que os cadastros no bolsa família são geralmente realizadas no nome
das genitoras visando garantir o acesso dos benefícios em prol dos filhos, considerando que
50% das entrevistadas não possuem emprego, e as que possuem emprego são diaristas.
É relevante trazer as considerações da teórica da democracia e feminista Carole
Pateman:
A renda representa a condição fundamental não somente para o
estabelecimento de uma sociedade mais democrática, na qual a autonomia de
cada cidadão(ã) seria garantida, mas também para uma maior autonomia das
mulheres, já que ela contribuiria para desvincular a renda individual do
emprego (o desemprego feminino é, tradicionalmente, superior ao
masculino) e a quebrar o círculo vicioso que entrelaça casamento, emprego e
cidadania (PATEMAN, 2004, p. 89-105).
Trabalho de Conclusão de Curso
Das entrevistadas 50% o núcleo familiar é constituído com a figura materna e
paterna, 50% o núcleo familiar é composto apenas pela figura materna. Das entrevistadas 90%
não concluíram o ensino fundamental, 10% concluíram o ensino médio.
Diante desses dados analisamos a baixa escolaridade das entrevistadas que não
concluíram o ensino fundamental, alegando que não tiveram oportunidade de concluir os
estudos, por diversos motivos entre eles, o mais comum, deixar a escola para trabalhar e
contribuir com a renda familiar. Sendo a baixa escolaridade um fator que atinge o
acompanhamento dos filhos na escola. O sociólogo e cientista político Jessé Souza salienta
que:
Em sociedades com alto nível de desigualdade, o processo de transmissão de saber
e de conhecimento superiores permanece restrito às elites. Enquanto as crianças
de famílias pobres recebem, na escola, uma educação limitada ao tipo de
conhecimento básico exigido para sua futura vida profissional – são alfabetizadas,
aprendem habilidades técnicas rudimentares suficientes para desempenhar
trabalhos não especializados ou com baixo nível de especialização –, as crianças
de classe média e alta recebem na própria família (não na escola) o tipo de
educação que as distinguirá de seus(suas) colegas mais pobres: é na família que
são estimuladas a ler os livros pertencentes ao “cânone” – isto é, à lista de textos
que se espera que sejam conhecidos pelas pessoas “bem-educadas” –, que se
confrontam com obras de arte, que aprendem a apreciar arte e cultura, e a saber
como comportar-se nas diferentes circunstâncias, mostrando que pertencem ao tipo
“certo” de pessoas (SOUZA, 2009,p.18)
Neste contexto percebemos que os alunos de baixa renda possuem uma relevante
desigualdade educacional das crianças provenientes de famílias de classe média ou alta.
Conforme os dados obtidos nesta pesquisa os pais possuem baixíssima escolaridade para dar
condições dos filhos terem em casa uma formação de saberes educacionais no quesito da
intelectualidade, dependendo exclusivamente dos conteúdos escolares para seu
desenvolvimento intelectual.
As famílias entrevistadas possuem de 2 a 5 membros residindo na mesma casa onde
apenas uns de seus membros exercem alguma atividade remunerada.
Em relação às dificuldades encontradas para garantir o acesso e a permanência do(s)
filhos na escola, 100% das entrevistadas responderam que a distância é a principal dificuldade
encontrada, tendo em vista que o município não possui transporte escolar para os alunos deste
bairro em pesquisa, todos os entrevistados utilizam bicicletas como meio de transporte, porém
em dias chuvosos os alunos são prejudicados, pois não conseguem ir para escola. E quando
não chove, os alunos sofrem diariamente com o ardente sol, principalmente aqueles que
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estudam no período vespertino. Todos os pais precisam levar e buscar seus filhos na escola,
pois atravessam uma rodovia de tráfego perigoso.
Diante desta dificuldade uma das mães entrevistadas, M afirmou que “andamos uma
hora todos os dias de bicicleta para ir e voltar da escola, na escola próxima da minha casa não
possui vaga para meu filho”.
Percebemos que a política pública de educação não está garantindo o direito do aluno ao
transporte escolar quando este reside afastado de sua unidade, dificultando o acesso e
ocasionando faltas em dias chuvosos e outros acontecimentos.
Outro fator relevante são bairros construídos afastados do centro urbano com grande
número populacional e sem condições físicas de receber esses usuários, principalmente no que
tange ao acesso escolar. As famílias são numerosas consequentemente possuem muitas
crianças e adolescentes que precisam estar matriculadas, sendo assim a escola local não
suporta a demanda, obrigando os pais a procurarem unidades escolares afastadas de seus
bairros, sem nenhum transporte público.
A naturalização do fenômeno da pobreza tem levado a contestações que combatem a
compreensão da pobreza como violação dos direitos humanos, já que essa realidade teria
como causa a falta de esforço pessoal, uma espécie de opção pessoal, ou mesmo o resultado
de características negativas dos indivíduos classificados como pobres. Ou seja, a partir desse
entendimento, a culpa da pobreza seria dos próprios sujeitos pobres, como se as vítimas
fossem seus próprios algozes. Contudo, ao contrário disso, é preciso compreender que a
pobreza é uma violação dos direitos humanos, porque essa condição limita a fruição das
liberdades individuais e coletivas dos(as) pobres, em razão da privação dos bens que lhes
permitiriam viver dignamente. (Fortes, 2015, p. 28)
Portanto vemos que a pobreza como fenômeno social é uma decorrência da maneira
como se estruturam os modos de produção experimentados pela humanidade. No qual os
sistemas econômicos são organizados de formas injustas e os sujeitos de direitos se tornam
culpados pela situação que vivem, tendo seus direitos violados, que aqui levantados como o
direito ao transporte público escolar.
Em relação ao segundo questionamento da pesquisa, diante as dificuldades
encontradas quais as medidas tomadas pela escola, 100% dos entrevistados responderam que
a escola entende as dificuldades e apoiam os alunos que residem em localidades afastadas,
Trabalho de Conclusão de Curso
quando não possuem recursos para compra de materiais a escola fornece para estes alunos
muitas vezes com recursos próprios da direção ou dos professores.
Os professores se sensibilizam com a questão da pobreza ao destinar recursos próprios
individuais para atender seus alunos, mas observamos que as políticas sociais não estão se
relacionando para o atendimento das famílias e cada política interfere no sucesso ou não da
outra. A política de educação depende das demais políticas sociais, como transporte,
habitação e emprego.
A partir desse entendimento linear, os(as) pobres são submetidos desde crianças a uma
pressão permanente para entrar no percurso escolar e avançar com êxito, como condição
para sobreviver, até na pobreza extrema. Essa visão sequencial e progressista, que exige das
famílias e das crianças, adolescentes pobres esse estado de permanente tensão por
acompanhar currículos, percursos seletivos para sair da pobreza, termina operando como um
círculo mais fechado do que o círculo da pobreza. (Arroyo, p.32, 2015)
Observamos que em relação ao transporte escolar, dificuldade que 100% das famílias
entrevistadas passam para manter os alunos na escola não está sendo tomada nenhuma
iniciativa pelo poder público municipal e secretaria de educação como se o problema
identificado por todos, família e escola não existisse e não fosse prejudicial para permanência
do aluno na escola.
Depoimento de umas das mães entrevistadas relatando sobre a dificuldade de não ter
transporte escolar: “eu levo meus três filhos para escola na minha bicicleta, todos vão na
minha garupa.” (V)
No terceiro questionamento da pesquisa em relação as expectativas que a família
possui do seu filho(a) concluir os estudos nos níveis fundamental, médio e superior, 100% dos
entrevistados responderam que almejam que seus filhos concluam até o ensino superior, mas
que precisam superar as dificuldades apresentadas principalmente com relação a dificuldade
de aprendizagem que alguns passam e pelo histórico de outros filhos que não concluíram os
estudos por falta de condições financeiras dos pais, pois antes de chegar ao nível superior
tiveram que interromper os estudos para trabalhar.
No quarto questionamento em relação ao currículo escolar foi questionado se o ensino
possibilita aos alunos conhecer a realidade no qual estão inseridos, ou seja, história da família,
cultura local e meio social, 90% responderam que a escola retrata a realidade social dos quais
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estão inseridos, principalmente das suas dificuldades através de trabalhos escolares, 10%
responderam que não há esse conhecimento da realidade.
Sobre os conteúdos abordados no currículo escolar em relação a realidade de cada
aluno, umas das entrevistadas comentou que: “a escola sempre passa trabalhos sobre a
realidade da nossa cidade, do nosso bairro, trabalhos de como as crianças vivem e como elas
vão para escola.” (M)
O conhecimento da realidade em que vivem é um fator fundamental para o currículo
escolar abordar a pobreza e levar o conhecimento da realidade social dos alunos para dentro
da sala de aula.
Milhares de docentes-educadores(as) convivem nas escolas públicas com essas
infâncias adolescências pobres e aprendem que o conhecimento dos currículos a ser
trabalhado exigirá mais do que uma crítica ao modo como os currículos, o conhecimento, a
cultura social e escolar pensam a produção-reprodução dos(as) pobres. Será necessário
avançar para o reconhecimento dos coletivos empobrecidos como sujeitos de saberes, de
conhecimentos, de culturas, de modos de pensar e de intervir. Será preciso, portanto,
alargar a concepção de conhecimento e de sujeitos produtores de conhecimentos.(
Arroyo, 2015,p.10)
Quando o currículo consegue abordar a pobreza em sala de aula os docentes
conseguem criar vertentes para realizar um trabalho mais próximo da realidade social de seus
alunos, fazendo que haja essa interação da educação com o aluno e a família. Tendo assim
maiores possibilidades de intervenção entendendo os alunos como seres cheios de saberes, em
diferentes contextos sociais e culturais.
Na quinta questão da pesquisa foi abordado sobre o Programa Bolsa Família em
relação a superação das necessidades básicas dos alunos, como por exemplo, material escolar,
roupas, calçados e alimentos, 100% das entrevistadas responderam que o valor do PBF não é
suficiente para o custeio de todos os gastos, cada mês pode se comprar apenas um desses
itens, ou material ou roupa e etc., mas que com certeza é um benefício necessário, que soma a
renda familiar, pois quando não tinham o benefício era mais difícil para custear estes gastos
básicos.
A família entrevistada cita de que forma utiliza o PBF: “compro remédio quando
minha filha precisa, material escolar, roupas e calçados, mas cada mês uma coisa. Com R$
132,00 que recebo do PBF ajuda bastante, embora sendo pouco.” (S)
Trabalho de Conclusão de Curso
Analisando essa fala da entrevistada nos remete a pensar como o autor Streeten afirma
que “a renda dos pobres tende a variar consideravelmente de ano em ano e de estação a
estação, no contexto do ano, dependendo do tempo e de outros acidentes” (STREETEN, 1995,
p. 30). A população pobre não possui renda suficiente para eventuais situações que ocorrerem,
como citado o uso do PBF para compra de remédios já nos remete a política pública de saúde
e não de assistência como está sendo utilizado pelo benefício, mas pela precariedade da falta
de remédios ofertados pelo SUS, as pessoas utilizam do recurso do benefício de forma
emergencial e necessária.
O programa atende a cerca de 13,8 milhões de famílias em todo o país, o que
corresponde a um quarto da população brasileira. Contando com um sólido instrumento de
identificação socioeconômica, o Cadastro Único, e com um conjunto variado de benefícios, o
Bolsa Família atua no alívio das necessidades materiais imediatas, transferindo renda de
acordo com as diferentes características de cada família. Mais que isto, no entendimento de
que a pobreza não reflete apenas a privação do acesso à renda monetária, o Bolsa Família
apoia o desenvolvimento das capacidades de seus beneficiários por meio do reforço ao acesso
a serviços de saúde, educação e assistência social, bem como da articulação com um conjunto
amplo de programas sociais. (CAMPELLO; NERI; 2013 p.25)
Importante destacar que durante a pesquisa observados os aspectos qualitativos o PBF
está tendo esse viés de acrescentar na renda dos usuários para fim de aliviar nas necessidades
imediatas. Sendo um recurso que atende as necessidades básicas mesmo não sendo
suficientemente para atender todas as necessidades que precisam ser supridas por outras
políticas púbicas.
Na sexta questão foi abordado sobre uma das condicionalidades do PBF, a respeito da
frequência escolar, se há influencia ou contribui para a frequência e a permanência dos filhos
na escola, 50% das famílias responderam que contribui para frequência e permanência escolar
e 50% responderam que não tem influência, pois antes mesmo de receber o benefício os filhos
eram frequentes.
Depoimento de uma mãe entrevistada sobre as condicionalidades do PBF em relação a
educação: “não contribui para frequência pois tenho força de vontade em querer que meu
filho estude. Recebo o PFB há 5 anos, nos ajudou muito depois que começamos a receber”.
(V)
Trabalho de Conclusão de Curso
Diante das condicionalidades do PBF os alunos devem estar matriculados no ensino
regular com frequência escolar de no mínimo 85% da carga horária mensal do ano letivo,
justificando todas as faltas que houver a direção da escola. Em caso de transferência de
unidade escolar deve ser informado ao representante do PBF.
Verificamos que a condicionalidade é necessária e contribui para atender 50% das
famílias que mantem seus filhos matriculados e frequentes, sendo um aspecto positivo e
significativo do programa, amparando os alunos na escola para diminuir a evasão escolar.
Na educação, esperava-se que as condicionalidades reduzissem os indicadores de
evasão e regularizassem a trajetória escolar, permitindo melhores médias de frequência e
aprovação e menor defasagem idade-série para as crianças das famílias beneficiárias. Ao
longo de dez anos, tais objetivos foram alcançados. As condicionalidades contribuíram para a
redução das taxas de crianças fora da escola, tanto para meninos quanto para meninas, em
todas as faixas entre os 6 e os 16 anos. (CAMPELLO; NERI; 2013 p.21)
Na sétima questão da pesquisa foi questionado sobre os benefícios que o PBF trouxe
para a família, 100% dos entrevistados relataram que com este benefício podem somar a renda
familiar para poder comprar alimentos, assim como frutas para as crianças, material escolar,
roupas, calçados e remédios. Declaram ser essencial notando as melhorias que tiveram na
manutenção dos filhos desde o recebimento do PBF.
O Programa Bolsa Família tem se afirmado com uma experiência bem-sucedida
devido à sua ampla cobertura e ótima focalização, e também aos relevantes impactos sobre as
condições de vida da população beneficiária. Muitos pontos positivos foram destacados pelas
inúmeras avaliações do programa: cumpriram-se os objetivos fixados e avançou-se em muitos
aspectos não previstos. É uma história de sucesso das políticas sociais brasileiras, organizadas
no que elas têm de melhor em termos de modelo de gestão, de sistemas de informação, de
integração das políticas sociais numa perspectiva intersetorial, de cooperação federativa, e de
compromisso social e profissional de um amplo conjunto de servidores públicos dos três
níveis de governo. (CAMPELLO; NERI; 2013 p.25)
O sucesso do Programa Bolsa Família durante esses anos é inquestionável pelos
resultados obtidos, mas cabe ressaltar que o benefício ameniza a pobreza não sendo uma única
solução para este fenômeno social. A educação foi atingida positivamente através do
programa mas possui suas fraquezas diante de toda a realidade social das famílias que
perpassa a questão de renda monetária, mas levando em consideração ao contexto social que
Trabalho de Conclusão de Curso
estão inseridos e sua relação com outras políticas públicas que precisam andar lado a lado
atendendo as famílias em suas necessidades. Poucas são as capabilidades para a emancipação
das famílias inseridas no programa, uma vez que aumenta o número de beneficiários ao longo
desses anos de implementação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As famílias entrevistadas fazem parte do perfil dos usuários do PBF no aspecto da
educação, pais que não concluíram o Ensino Fundamental, assalariados, com filhos na escola.
Encontram-se em situação de pobreza, analisando o local onde residem (bairro periférico),
renda familiar, o acesso a bens e serviços, formas e expectativas de vidas, verificamos que a
renda não pode ser o único determinante de pobreza.
O ciclo vicioso da pobreza perpetua de geração em geração, analisando o perfil das
famílias que representam a realidade de inúmeras famílias que vivem em Anastácio-MS,
percebemos que todas possuem baixa escolaridade, seus filhos se encontram no nível
fundamental, mas há grandes perspectivas de alcançarem o nível superior, no qual não
dependerá somente do esforço próprio, mas das condições sociais que facilitarão o acesso ao
nível superior. No entanto as famílias entram em um círculo vicioso de exclusão no qual
acreditam que pelos próprios esforços são incapazes de mudarem a sua realidade.
Muitas famílias no Brasil sobrevivem nas mesmas condições, com uma renda
suficiente apenas para a sobrevivência dos seus membros. Sendo assim os programas sociais
como o PBF acrescenta a esta renda para que possam criar condições de estar mantendo os
filhos na escola, na garantia do mínimo necessário na vida do estudante.
Estas famílias podem ter através das políticas públicas melhores condições de
habitação, possuir capabilidades como as famílias que residem em bairros mais próximos do
centro, como por exemplo, saneamento básico, rede de esgoto, ampliação das escolas
próximas ao bairro para atender a demanda, acesso a todos medicamentos da rede SUS
(Sistema Único de Saúde), transporte público para diminuir os riscos de travessia da BR,
acesso aos programas de cestas básicas para os beneficiários que sobrevivem com menos de
meio salário mínimo e participação em programas de geração de renda e emprego do
Município ou do Estado.
Trabalho de Conclusão de Curso
Não podemos considerar a emancipação dessas famílias dependendo apenas do PBF,
mas da relação entre o programa e as políticas públicas.
As famílias colocam toda credibilidade de mudar suas histórias através da educação,
mas através das análises da realidade dos entrevistados e dos estudos pertinentes a pesquisa
verificou que o contexto social do indivíduo, as capabilidades e os funcionamentos
produzidos que determinarão seu bem estar social.
Conclui-se que deve haver uma articulação entre as políticas públicas existentes para
garantia dos direitos dos usuários no que tange o acesso à educação, transporte, saúde, a
cidadania e aos demais direitos dos indivíduos.
5 REFERÊNCIAS
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