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A anatomia das emoções segundo a Psicologia
Budista
Segundo o budismo tibetano, a natureza da mente sutil do
ser humano é potencialmente pura como a energia de um puro
cristal. No entanto, está contaminada por três grandes
venenos mentais: o apego, a raiva e a ignorância. Estes,
por sua vez, são resultantes de um grande veneno mental: o
fato de pensarmos que as coisas existem por si só e que são
permanentes.
Nada existe por si só, tudo está interligado. Apesar do seu
aspecto permanente, tudo está em constante transformação.
Podemos compreender estas verdades racionalmente, mas
agimos instintivamente como se as coisas e as pessoas
existissem em si e por si próprias, a partir delas mesmas.
Nossa percepção da realidade está distorcida. Da mesma
forma, sabemos que vamos morrer um dia, mas vivemos como se
fôssemos imortais.
Podemos até perceber nossa ignorância, mas enquanto a base
de nosso ambiente interno for o medo e a dúvida,
continuaremos presos a nossos hábitos mentais distorcidos.
Enquanto pensarmos que somos pessoas carentes e
inadequadas, não seremos capazes de reconhecer nossa base
interna positiva!
A anatomia das emoções conforme a psicologia budista é
descrita no Abhidharma (que na língua pali dos tempos de
Buddha significa “a doutrina final”), o texto original da
epistemologia do budismo, onde são elaboradas as
investigações originais de Buddha sobre a natureza humana.
Segundo o Abhidharma, todos os seres são compostos de
fatores mentais ou “Nama”, e fatores materiais ou “Rupa”. O
indivíduo é um “Nama-rupa”. Nama denota tanto a consciência
como os estados mentais. Assim, o Abhidharma enumera 51
tipos de estados mentais.
Ainda de acordo com o Abhidharma, existem 89 tipos de
consciência. Destas, 80 são características do ser comum, e
as 9 restantes são próprias daqueles que atingiram um
desenvolvimento espiritual superior.
A psicologia budista descreve nos “sankharas”, ou estados
mentais generalizados, Seis Emoções Básicas (Seis Venenos-
Raiz ou Aflições mentais); Vinte Emoções Secundárias; Onze
Fatores Mentais Virtuosos; Quatro Fatores Mentais que podem
ou não ser virtuosos.
As Seis Emoções Básicas são (em itálico, os termos em
tibetano):
1. Apego, isto é, desejo ou ansiedade por possuir –
Dö.Tchag
2. Raiva, hostilidade, ódio – Kong.tro
3. Ignorância, ilusão – Ma.rig.pa
4. Orgulho, arrogância – Nga.guiel
5. Dúvida ou suspeita – Te.tsom
6. Visões falsas ou errôneas – Ta.wa.nyon.mon.tchen
Destas, as três primeiras são as mais graves, por isso, são
chamadas de Os três Venenos Mentais.
As Vinte Emoções Secundárias, derivadas de algumas Emoções
básicas, conhecidas também como Os Vinte Fatores Afins da
Instabilidade, são:
Raiva
1.Irritação, agressividade ou indignação – Tro.wa
2.Ressentimento ou rancor – Kön.dzin
3.Hipocrisia ou dissimulação – Tchab.pa
4.Malevolência ou animosidade – Tseg.pa
5.Inveja ou ciúmes – Trag.dog
6. Crueldade ou malícia – Nam.Tse
Apego
7. Avareza – Ser.na
8. Excitação mental – Go.pa
9. Arrogância ou presunção – Guia.pa
Ignorância
10. Desatenção – She.Shin Min.pa
11. Melancolia ou Mente Pesada – Mug.pa
12. Falta de confiança ou Incredulidade – Ma.te.pa
13. Preguiça – Lê.lo
14. Falta de atenção introspectiva ou esquecimento –
Dje.nhe
Ignorância + apego
15. Falsidade ou pretensão – Guiu
16. Desonestidade – Yo
Ignorância + apego + raiva
17. Impudência ou ausência de vergonha – NgoTsa Med.pa
18. Falta do senso de propriedade ou desconsideração –
Trel.Me.pa
19. Desinteresse – Bag.me
20. Distração – Nam.yen
Os Onze Fatores Mentais Virtuosos são:
1. Fé – De.pa
2. Sentido do que é correto – Ngo.Tsa.she.pa
3. Consideração pelos outros – Trel.yo.pa
4. Desapego – Ma.tchag.pa
5. Não-raiva ou imperturbabilidade – She.dang.me.pa
6. Não-confusão – Ti.mug.me.pa
7. Perseverança entusiástica – Tson.dru
8. Flexibilidade – Shintu.djang
9. Retidão mental – Bag.yo
10. Não-violência – Nam.par.mi.tse.ba
11. Equanimidade – Tang.nhön
Os Quatro Fatores Mentais que podem ou não ser virtuosos
são:
1. Dormir – nhi
2. Arrependimento – Guio.pa
3. Investigação geral – Tog.pa
4. Análise – Tcho.pa
O Abhidharma distingue entre os fatores mentais que são
puros, saudáveis e os que são impuros e prejudiciais. O
critério usado para fazer essa distinção foi a observação
dos fatores mentais que contribuem para a meditação e para
o desenvolvimento espiritual.
As emoções positivas encontram-se, na maioria das vezes,
encobertas por emoções negativas. A psique humana é formada
por camadas mentais: experiências que se sobrepõem e se
sustentam umas às outras. Por esta razão, o desenvolvimento
espiritual é comparado ao ato de descascar uma cebola: cada
camada retirada expõe as qualidades da camada que está
abaixo, até desvendar seu núcleo, que é verdadeiramente
puro e positivo. Portanto, o budismo nos inspira a entender
que no exato momento em que sentimos raiva, temos também a
não-raiva como um realidade emocional subjacente à ela.
Ou seja, nossas emoções negativas não podem contaminar
nossa natureza essencial - o núcleo de nossa mente -, mas
podem encobri-la. Se elas fossem inerentes à mente, não
haveria sentido em nosso trabalho de removê-las! Para nos
desenvolvermos interiormente, é essencial perceber que é
possível nos libertarmos delas.
Chögyam Trungpa, um renomado mestre do budismo tibetano,
define o núcleo central e saudável de nossa mente como a
bondade fundamental dos seres humanos. Assim, diz ele: “O
primeiro passo para perceber a bondade fundamental é
valorizar o que temos. Em seguida, porém, deveríamos ver
mais longe e examinar o que somos, quem somos, onde
estamos, quando somos e como somos enquanto seres humanos,
para então sermos capazes de tomar posse da nossa bondade
fundamental. Não se trata de uma „posse‟, mas de todo modo
nós a merecermos”.
A mente pura como cristal está sempre presente; no entanto,
depende de nosso ambiente interior para se manifestar. Isto
é, necessita de constante abertura, confiança e coragem
para olhar o que quer que surja em nossa vida com compaixão
e entendimento.
Chögyam Trungpa esclarece ainda: “A bondade fundamental
está estreitamente vinculada à idéia de Bodhichitta na
tradição budista. Bodhi significa „desperto‟ ou „alerta‟ e
chitta quer dizer „coração‟; Bodhichitta, portanto, é o
„coração desperto‟. O coração desperto provém de estarmos
dispostos a enfrentar nosso estado anímico. Essa exigência
pode parecer excessiva, mas é necessária. Cada um de nós
deve examinar-se, perguntando quantas vezes tentou um
contato pleno e verdadeiro com seu coração”.
No caminho do autoconhecimento, temos que ficar atentos às
desculpas que usamos para não buscar nossa evolução. Não
podemos nos acomodar nem confundir estabilidade com
estagnação ou segurança com resistência à mudança.
As emoções destrutivas nos deixam inquietos e inseguros.
Se, por exemplo, estamos preocupados em buscar formas de
garantir a continuidade de um prazer, perdemos a
espontaneidade e deixamos de apreciar o momento presente. O
problema é que estamos tão habituados a nosso ambiente
interno de tensão e expectativa que sequer nos damos conta
de que estamos sofrendo.
As emoções positivas, ao contrário, são sempre realistas e
construtivas. Com elas, nos aquietamos e sentimos
disponibilidade para nos abrirmos para os outros.
Jeremy Hayward, discípulo de Chögyam Trungpa, escreve em O
Mundo Sagrado: “Nossa bondade fundamental repousa na
capacidade de vivermos de uma maneira plena, apaixonada,
vívida e ativa; na capacidade de estarmos totalmente
conscientes de nossa vida e de vivê-la irrestritamente, não
importa as reviravoltas que possa dar; e na capacidade de
cuidar tanto dos outros quanto de nós mesmos”.
Portanto, o ponto de partida é aceitar que podemos
transformar nossa mente inquieta em uma mente de abertura e
confiança: voltar “para casa”, como dizem os mestres
budistas.