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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS O TEMPO LIVRE, O LAZER E O TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO. ANA PAULA FREGNANI COLOMBI Florianópolis, 2007

Ana Paula Comboni - Economia Lazer

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAO EM CINCIAS ECONMICAS

    O TEMPO LIVRE, O LAZER E O TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO.

    ANA PAULA FREGNANI COLOMBI

    Florianpolis, 2007

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAO EM CINCIAS ECONMICAS

    O TEMPO LIVRE, O LAZER E O TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO.

    Monografia Submetida ao Departamento de Cincias Econmicas para obteno de carga horria na disciplina CNM 5420 Monografia.

    Por: Ana Paula Fregnani Colombi

    Orientador: Professor Helton Ricardo Ouriques

    rea de Pequisa: Economia Poltica

    Palavras-Chaves : Tempo Livre, Lazer e Trabalho.

    Florianpolis, 2007

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAO EM CINCIAS ECONMICAS

    A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota _________ aluna Ana Paula Fregnani Colombi

    na Disciplina CNM 5420 Monografia, pela apresentao deste trabalho.

    Banca Examinadora: _________________________________________

    Professor Helton Ricardo Ouriques

    Orientador

    _________________________________________

    Professor

    _______________________________________

    Professor

    Florianpolis, 2007.

  • Dedico este trabalho aos meus pais,

    com todo o meu amor

    Branca e Anselmo.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus colegas, companheiros e professores do curso de graduao em Cincias Econmicas pela Universidade Federal de Santa Catarina que de modo valoroso me ensinaram e incentivaram nesta longa caminhada.

    Ao professor, Helton Ricardo Ouriques, pelo apoio, orientao e ateno despendidas durante todo o processo de realizao deste trabalho, assim como meus sinceros agradecimentos ao aprendizado e experincia de pesquisa desenvolvida sob sua orientao.

    Aos meus pais e meus irmos, pelo amor incondicional que regozija minha vida, pela eterna pacincia que indaga minhas convices, pelos reais valores que conformam minha ndole e pelo eterno aprendizado que representa a existncia das pessoas que mais amo.

    Em especial, a minha me, Branca, a quem devo minha razo de viver.

  • RESUMO

    A sociedade capitalista estruturou-se econmica e socialmente a partir da categoria trabalho, tendo sido esta alada a condio central da existncia dos homens. No entanto, medida que o tempo livre passou a fazer parte das reivindicaes dos trabalhadores, uma onda de discusses acerca das formas de utilizao deste tempo foi, concomitantemente, sendo disseminada. No final do Sculo XX, a prtica crescente do lazer (como uma das diferenciaes do tempo de no trabalho) apontava para uma transformao social na qual o trabalho poderia deixar de ser o pressuposto da sociedade capitalista. Neste contexto, este projeto tem por objetivo discutir a origem do tempo livre e suas implicaes no mundo do trabalho, no intuito de colocar em questo a gnese de uma sociedade fundamentada no tempo livre, j que a realizao do lazer tambm se enquadra como uma forma de apropriao do tempo de no trabalho por parte do capital atravs das mais diversas atividades, dentre elas a disseminao do consumo. Para tanto a pesquisa exige como mtodo o desenvolvimento terico das abordagens positiva e negativa a respeito do tempo livre, bem como a posterior comprovao emprica da tese aqui sustentada, relacionada apropriao mercantil do tempo livre por parte do capital.

    Palavras-chave: tempo-livre, lazer e trabalho.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1

    Grfico 2

    Grfico 3

    Grfico 4

    Grfico 5

    Grfico 6

    Grfico 7

    Grfico 8

    Grfico 9

  • LISTA DE ANEXOS

  • SUMRIO

    AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... 4

    LISTA DE TABELAS....................................................................................................... 7

    CAPTULO I............................................................................................................... 9

    1.2 CARACTERIZAO DO PROBLEMA ...................................................................12

    1.3 OBJETIVOS.............................................................................................................13

    1.3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................13

    1.3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ..................................................................................13

    2 PERSPECTIVA POSITIVA: RUMO A SOCIEDADE DO LAZER. ....................16

    CAPTULO III ..............................................................Erro! Indicador no definido. 3.PERSPECTIVA NEGATIVA: O TEMPO LIVRE E A OPRESSO OCULTA AO TRABALHADOR...................................................................................................30

    4 ORIENTAES PRTICAS A RESPEITO DO TEMPO DE TRABALHO E DO TEMPO DE LAZER ...............................................................................................47

  • 1. INTRODUO

    1.1 Consideraes Iniciais

    A consolidao da sociedade capitalista estruturou-se econmica e socialmente a partir da

    categoria trabalho, como prtica condicional para o convvio social, tendo sido esta alada a condio central da existncia dos homens. Diante deste argumento, vale ressaltar, que o conceito de trabalho para a sociedade industrial e, portanto, para corroborar a ascenso do capital inseriu-se na qualidade de instrumento de potncia universal capaz de racionalizar

    economicamente as diversas esferas da vida humana. Passou a prevalecer a posio do capital, tornando o trabalho uma atividade imprescindvel e nobre a ponto de condicionar a ndole e a moral dos que mantm ntima relao com suas regras e normas. Mais do que isso, a prpria sociedade capitalista fez do trabalho pea inerente a sua evoluo, de tal maneira que os

    integrantes dessa civilizao no admitam sua perda de centralidade e relevncia. A avaliao crtica do trabalho sob o capitalismo foi efetuada por Karl Marx (1989), como

    uma forma natural de distino entre homens e animais, pois os homens so capazes de produzir seus meios de vida, ou seja, sua vida material, enquanto os animais no gozam dessa competncia. assim, produzindo, apropriando-se dos elementos naturais e adaptando o intercmbio material entre natureza e vida humana que o homem consolida o processo de trabalho como nico ser capaz de realiz-lo. Portanto, Marx confirma a centralidade do trabalho para a vida humana, corroborando essa relao de dependncia tambm para o modo capitalista de produo.

    A sociedade moderna trouxe consigo a possibilidade de questionamento da posio central do trabalho para o desenvolvimento da civilizao industrial. Aps a Segunda Guerra Mundial alguns pesquisadores importantes como Joffre Dumazedier (1979) e Georges Friedmann (1973) desenvolveram estudos tericos e empricos sobre o tema e aventaram a hiptese de que estaramos caminhando rumo a uma civilizao do lazer. Diante do avano da produtividade na indstria, que tem como conseqncia imediata a reduo na jornada de trabalho, aliada prtica crescente de atividades exclusas ao tempo de trabalho (dentre elas o lazer), o sculo XX apresentou indcios de uma transformao social na qual o trabalho poderia deixar de ser o

    pressuposto da sociedade capitalista. Esta concepo positiva acerca do tempo livre defendida, tambm, por uma gama de

    autores contemporneos que defendem a sociedade do lazer em detrimento da sociedade do

  • trabalho, como De Masi (2000). Este autor, particularmente, acredita que o cio na sociedade ps-industrial possa vir a ser to importante, pelo menos, quanto o trabalho e que logo acabe por fazer o mesmo que ele, ambos assumindo as feies do jogo. Pela infinidade de debates que se travam a esse respeito e pela notvel contemporaneidade do tema que a perspectiva positiva merece ser discutida e analisada. Isto , cabe investigar se, efetivamente, as previses e

    interpretaes dos autores, neste caso, podem ser aceitas sem reservas. Na outra ponta das questes discutidas em relao ao uso do tempo livre, esto autores como

    Lafargue (1999) e Mszros (2002), que se contrapuseram concepo dita positiva (em que o tempo livre comparece como um tempo de satisfao e regozijo) salientando que o trabalho ainda est intrnseco vida na sociedade capitalista. Por conseguinte, apontaram uma perspectiva negativa no que se refere ao tempo livre, j que este serve apenas para refazer as energias da classe trabalhadora para um novo dia de trabalho no existindo, portanto, a possibilidade de insero de uma nova sociedade baseada no lazer dentro do sistema capitalista de produo.

    Corroborando a mesma viso negativa em relao ao tempo de lazer, Padilha (2000) salienta que a sociedade capitalista no est atravessando uma mudana de paradigma tal qual dizem os defensores do cio enquanto atividade produtiva, mas sim vivenciando uma nova forma de manipulao do trabalhador atravs da apropriao do tempo de trabalho e, como um novo

    elemento, do tempo de no trabalho, por parte do capital. A ratificao para tal considerao o esprito consumista incitado pelo sistema capitalista e praticado por seus membros, agora tambm no tempo dedicado ao lazer. Todo o cenrio do ps-guerra, em que h a formao de uma sociedade de consumidores, parece confirmar a hiptese de que o tempo livre est posto, apenas, como mais um tempo destinado ao consumo.

    O intuito da discusso acerca das diferentes interpretaes, aqui superficialmente mencionadas, em relao ao carter e ao destino da sociedade do lazer desvendar o verdadeiro sentido da reduo do tempo de trabalho e a conseqente ampliao do tempo livre, pondo em questo a possibilidade deste tempo ser tambm apropriado pelo capital, atravs de

    uma nova lgica de explorao. Para dizer de uma outra forma, o objetivo deste debate questionar o lazer como uma forma verossmil de tempo livre discutindo as diferentes concepes que cercam o tema, e, por fim, apresentando argumentos empricos que justifiquem a viso crtica sobre a produo do tempo livre.

  • 1.2 CARACTERIZAO DO PROBLEMA

    A problemtica central consiste em apresentar as consideraes acerca do tempo livre, lazer e trabalho no capitalismo contemporneo, salientando os aspectos negativos e positivos, bem como perceber como utilizado o tempo de no trabalho no cotidiano da sociedade capitalista, no intuito de demonstrar, segundo a perspectiva positiva, a mudana de paradigma

    concernente ao tempo de lazer a partir do Sculo XXI, e segundo a perspectiva negativa, as diferentes formas de explorao do capital sobre o tempo dos trabalhadores, seja ele de trabalho, propriamente dito, ou de lazer. Assim sendo, o conflito terico se faz pela contradio entre o uso do tempo livre para repor as foras que so consumidas para sobreviver ao capitalismo, em

    contrariedade ao tempo livre que seria dedicado elevao pessoal no caso de existir uma outra forma de sociedade sem explorao. As diferentes perspectivas a serem abordadas e debatidas sero:

    Perspectiva positiva: Defende que a partir do sculo XXI colocou-se uma nova

    concepo de sociedade no mais fundamentada no tempo de trabalho, mas justamente no tempo livre, ou seja, a civilizao est a caminho da sociedade do lazer. Diante desta realidade o tempo livre seria um tempo de descanso e emancipao humana.

    Perspectiva negativa: Salienta que o tempo livre representa apenas mais uma forma de explorao do sistema de produo capitalista, uma vez que at o tempo de no trabalho

    apropriado pela lgica do capital. Neste contexto, o tempo livre configura-se como um tempo de consumo e de revitalizao para um novo dia de trabalho, isto , um tempo de revigoramento para a perpetuao do tempo dominado pelo capital e, portanto, a servio da reproduo do sistema capitalista.

  • 1.3 OBJETIVOS

    O principal objetivo do trabalho efetuar uma discusso aprofundada sobre a temtica do trabalho, do tempo livre e do lazer no capitalismo contemporneo, atravs da anlise das distintas interpretaes sobre o tema, aqui agrupadas em perspectivas positiva e negativa. O estudo concentrar esforos em compreender os argumentos desses dois grandes grupos de

    interpretaes.

    1.3.1 OBJETIVO GERAL

    Este estudo tem por objetivo geral discutir a centralidade do trabalho e a origem do tempo livre e suas implicaes no mundo do trabalho. Com isso, pretende-se colocar em questo a gnese de uma sociedade fundamentada no tempo livre, j que a realizao do lazer tambm se enquadra como uma forma de apropriao do tempo de no trabalho por parte do capital atravs das mais diversas atividades, dentre elas a disseminao do consumo.

    1.3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    a) como se constitui e consolida a perspectiva positiva sobre o advento do tempo livre? Quais seus pontos positivos e negativos? possvel concordar com os autores que postulam a existncia de uma sociedade ps-industrial, na qual predomina o tempo livre

    em relao ao tempo de trabalho? E quais os significados desse tempo livre?

    b) como se constitui e consolida a perspectiva negativa sobre o advento do tempo livre? Quais seus pontos positivos e negativos? verdico acreditar, a priori, que as anlises agrupadas nessa interpretao conseguem dar conta com mais profundidade das contradies do tempo livre no capitalismo contemporneo, j que partem da idia mais geral da tendncia apropriao mercantil do tempo de no trabalho?

    c) demonstrar, empiricamente, via realizao de pesquisa de campo, que o trabalho ainda fator central em torno do qual giram as expectativas humanas e que o tempo livre configura-se como um tempo de consumo, ou seja, a servio do capital.

  • Espera-se apresentar como resultado da pesquisa um bom panorama sobre o estado da arte

    dos estudos na temtica, uma reflexo crtica sobre a criao dos tempos livres no capitalismo contemporneo e, por fim, uma contribuio no mbito da economia poltica para os estudos sobre a temtica do trabalho e do tempo livre.

    1.4 METODOLOGIA

    A pesquisa exige como primeiro procedimento, uma reflexo sobre as abordagens positiva e negativa a respeito do tempo livre, bem como a posterior comprovao emprica da

    tese aqui sustentada, relacionada apropriao mercantil do tempo livre por parte do capital. O desenvolvimento terico ser posto em prtica atravs da reviso e da anlise da

    literatura relativa ao tema do trabalho, do tempo livre e do lazer no capitalismo contemporneo, no intuito de comparar os dois conjuntos de interpretaes.

    J o perfil emprico do estudo resultar da aplicao de questionrios que tm como objetivo perceber as formas de uso do tempo no contingente de trabalhadores totalmente inseridos no mercado de trabalho convencional, neste caso os profissionais da rede bancria. O questionrio contemplar as seguintes grandes questes: a) tamanho da jornada de trabalho; b) o que o indivduo faz no tempo de no trabalho; c) grau de atratividade pelo trabalho. Essas grandes questes sero detalhadas, no intuito de verificar se efetivamente a tese da mercantilizao dos tempos livres minimamente comprovvel, assim como indicar se a perda da centralidade do trabalho uma transformao em efetivo andamento. Para tanto, o questionrio ainda levantar as seguintes questes: a) ser perguntado ao entrevistado a posio que ele assumiria em relao a possibilidade de no mais trabalhar, dada uma renda de subsistncia; b) com relao ao seu tempo disponvel (definido como tempo de no trabalho), ser perguntado a respeito das formas de lazer exercidas.

    O cruzamento dos dados relativos idade, tempo de servio formal, renda mensal e

    jornada diria de trabalho com o questionamento a respeito da posio que os entrevistados assumiriam diante da possibilidade de no mais trabalhar dar o suporte necessrio para afirmar se, por exemplo, indivduos com mais tempo de trabalho vm mais importncia nesta atividade do que preocupam-se com o tempo de lazer.

  • Da mesma forma, a tese de mercantilizao do tempo livre ser colocada em questo

    atravs da discusso do cunho consumista atribudo s atividades que os entrevistados iro mencionar. Essas so questes que se espera responder nessa pequena investigao emprica.

    A fim de discutir a problemtica em questo o Captulo II tratar da reviso terica sobre a abordagem positiva no que diz respeito ao tempo de no trabalho, atravs do dilogo direto com

    os autores que acreditam na efetiva formao de uma sociedade ditada pelo tempo livre. Por sua vez, o Captulo III abordar a debate terico dos autores que defendem a perspectiva negativa a respeito do tempo de no trabalho, salientado que no h a perda de centralidade do trabalho na sociedade capitalista contempornea, alm de acreditarem na tese de mercantilizao do tempo de

    lazer.

    Por fim o Captulo IV trar o embasamento emprico da pesquisa a fim de indicar a tese que melhor explica a transformao atual do mercado de trabalho dentro da conjuntura do sistema de produo capitalista.

  • 2 PERSPECTIVA POSITIVA: RUMO A SOCIEDADE DO LAZER.

    Na viso dos tericos do tempo livre, o sculo XX trouxe diferenciaes sociais que remetem a uma nova perspectiva de sociedade, na qual o tempo liberado passa a prevalecer sobre

    o tempo de trabalho. Muitos autores que se basearam em acontecimentos de ordem histrica conseguiram elencar sintomas de uma mudana de valores do ponto de vista social, que seria capaz de pr-determinar uma ruptura no modo de pensar a civilizao. Nesse debate est vigente a concepo de que o lazer est posto como uma das formas de personificao do tempo livre e, portanto, faz-se pertinente a discusso acerca das possibilidades efetivas de criao de uma

    sociedade caracterizada pelo lazer e no mais pelo trabalho. No livro Sociologia emprica do lazer (1979), Dumazedier argumenta que o lazer possui

    uma parcela majoritria dentro do tempo livre, atribuindo uma nova necessidade social do indivduo a dispor de si para si mesmo (DUMAZEDIER, 1979, p. 57), uma vez que ao exercit-lo, realiza atividades peculiares ao tempo de no trabalho, dentre elas: frias, espetculos, repouso, passeio, esportes, divertimento, recreao, entretenimento, fins de semana, bate-papos, viagens de recreio, TV, teatro, msica, bailes... Para que o lazer possa ser assim considerado um tempo de realizao da personalidade levanta-se a justificativa provinda do conceito de hedonismo1. Atravs dessa apreciao o autor considera que o tempo de auto-satisfao e a idia de libertar-se do tdio cotidiano tornam-se o objetivo maior na prtica dessas atividades.

    Analisar o tempo de lazer antes de tudo perceber as diferenciaes na sociedade do trabalho, j que no ponto de vista do autor, o lazer no significa ociosidade, mas sim pressupe o trabalho. Deste modo, e sendo o lazer um pressuposto do tempo de trabalho, sua tica no a da ociosidade que rejeita o trabalho, nem a da licena, que infringe as obrigaes, mas a de um novo equilbrio entre as exigncias utilitrias da sociedade e as exigncias desinteressadas da pessoa (idem, p.59). Estaria, assim, incorreto afirmar que o lazer corresponde inteiramente ao tempo de no-trabalho, pois estaria sendo esquecida a conceituao dada por Dumazedier, na qual as obrigaes alm de no constiturem tempo de trabalho, tambm no constituem tempo de lazer. Portanto, mais vlido e mais operatrio destinar o vocbulo lazer ao nico contedo do tempo orientado para a realizao da pessoa com fim ltimo (idem, p. 92).

    1 Antigo sistema filosfico que considerava o prazer como nico fim da vida; doutrina que considera que o prazer

    individual e imediato o nico bem possvel, princpio e fim da vida moral.

  • O autor considera verdadeira a possibilidade de uma sociedade baseada no lazer, e para

    tal, elenca a necessidade de uma poltica de alocao do tempo livre, ou mais precisamente uma poltica de desenvolvimento cultural para que o lazer se dissemine de forma democrtica nas sociedades. Desse tipo de poltica deve suscitar o equilbrio entre os valores do lazer e os valores do trabalho.

    Domenico De Masi, em O futuro do trabalho (2000), contribui incisivamente com o debate no momento em que considera que o tempo livre j ultrapassou o tempo de trabalho, confirmando efetivamente a possibilidade da liberao definitiva do trabalho desgastante para que se possa gozar do tempo disponvel, atravs do cio criativo e da autonomia no trabalho. No

    entanto, essa possibilidade est alicerada na capacidade de mudar a mentalidade dos trabalhadores para que aprendam a centralizar suas vidas no no-trabalho, em detrimento da vida no trabalho. Para tal, seria necessria a educao dos jovens e a reeducao dos adultos para que aprendam como dar sentido e valor ao tempo livre, enriquecendo-o de introspeco, criatividade

    e convivncia. (DE MASI, 2000, p. 20). Ainda assim, todos os aspectos da vida humana deveriam ser reprojetados de modo que o tempo livre no se degenere em dissipao e agressividade. Assim emergiria uma nova condio existencial em que estudo, trabalho e tempo livre estariam cada vez mais entrelaados e potencializados.

    No intuito de fundamentar seu descrdito em relao centralidade do trabalho, De Masi salienta que as organizaes produtivas fabricam infelizes, alm de instigarem a pobreza esttica das paisagens dos chamados aqurios perifricos aos quais fazem parte. Ainda descontente com a descaracterizao do trabalho e da organizao produtiva, o autor ressalta que as empresas esto extraindo do trabalhador parte de seu tempo de no trabalho na medida em que

    a grande maioria dos funcionrios forada a ficar no escritrio at tarde da noite para digerir suas cargas de trabalho. Essa realidade aliada obstinada recusa de modificar a estrutura tradicional e rgida das empresas assinala que a organizao burocratizada est fadada ao fracasso diante da despojada criatividade das organizaes do futuro.

    Diante da batalha travada entre a organizao patolgica e a organizao criativa2, De Masi acredita que o cio na sociedade ps-industrial possa vir a ser to importante, pelo menos,

    2 Para o autor a organizao industrial caracteriza-se por elevada burocracia que degenera o que cada trabalhador tem

    de melhor, sendo, portanto patolgica. Antagonicamente, a criatividade a maior caracterstica da organizao ps-industrial.

  • quanto o trabalho e que logo acabe por fazer o mesmo que ele, ambos assumindo as feies do

    jogo. (idem, p. 58). Esta crena de que a sociedade ps-industrial possa se libertar da gide do trabalho est baseada na idia de que a fadiga e a servido, como caractersticas da era industrial, serviro de preldio para tal libertao.

    Historicamente, a transio da sociedade industrial para a sociedade ps-industrial, da era

    do trabalho para a era do conhecimento e da tecnologia intelectual, convm para que De Masi solidifique sua hiptese: paralelamente, vai-se desestruturando o tempo de trabalho: um nmero crescente de trabalhadores consegue horrios flexveis, trabalho temporrio ou interino, distribuio personalizada das frias, possibilidade de delegar a um parceiro parte do seu trabalho

    e assim por diante (idem, p. 174). Deste modo, o autor entende que a sociedade ps-industrial tambm trouxe avano em

    termos tecnolgicos, porm para que o cio realmente faa parte do tempo de vida do trabalhador, mais que o trabalho, necessrio que uma ruptura cultural acompanhe o processo.

    Nessa nova mentalidade deve constar a qualidade de vida como valor de maior importncia frente ao posicionamento de sacrifcio, fatalista, expiatrio, calvinista das sociedades passadas. Portanto, com o termo ps-industrial indica-se, enfim, em todo o mundo, um modelo inteiramente novo de sociedade, que se move sob o signo da conexo e da reintegrao de

    trabalho e vida, casa e escritrio, quantidade e qualidade, tica e negcio, bens e servios (idem, p. 221). Com estas prticas se concretizar a possibilidade de transformar a falta de trabalho em liberao do trabalho, solidificando um novo modelo de vida antagnico, mas, real com menos trabalho e com alta produtividade.

    Com o tempo livre abre-se espao para a ociosidade. No entanto, o tempo ocioso, somente

    se aliado criatividade ser usado de maneira til, uma vez que na atividade criativa [...] estudo, trabalho e tempo livre coincidem e se confundem. Ento, segundo De Masi, estar criada a economia do cio, pois o cio criativo que fornece ao trabalho qualidade e produtividade em termos de produo do esprito e renovao de idias.

    Circundados pela realidade ps-industrial do sculo XXI, um desafio emerge no sentido de edificar novos valores. E sero estes valores que erguero a fora silenciosa do desejo de felicidade. Para tanto, a organizao ps-industrial necessita incorporar uma completa e radical transformao mental, graas qual os operrios, os empregados, os executivos, os profissionais,

    os dirigentes, os proprietrios e os consumidores devem introjetar um novo modo de considerar

  • as categorias de tempo, espao, lucro, concorrncia, solidariedade, ecossistema, qualidade de

    trabalho e de vida (idem, p. 327). No somente a tendncia para os prximos anos permite que os tericos confirmem a

    possibilidade de uma sociedade fundamentada no lazer. Thorstein Veblen percebeu esta nova convergncia social, j em 1899 em sua obra A teoria da classe ociosa, na qual afirma que a classe ociosa, composta pelas classes mais altas, a parcela da sociedade que desenvolve as atividades de carter honorfico, ou seja, toda e qualquer ocupao no-industrial: ocupaes governamentais, guerreiras, religiosas, e esportivas.

    O surgimento desta classe ociosa provm, para o autor, de uma discriminao estabelecida

    entre as diversas funes, segundo a qual algumas so indignas e outras dignas: ... as funes dignas so aquelas em que intervm um elemento de proeza ou de faanha; as funes indignas so as dirias e rotineiras em que nenhum elemento espetacular existe (VEBLEN, 1965, p. 25).

    Por sua vez, a discriminao estabelecida entre as diversas funes tem origem na

    diferenciao provinda dos sexos. O trabalho masculino exige fora e sagacidade, uma vez que deve representar um esforo que afirme proeza; j o trabalho feminino, assduo e uniforme, no passa da simples funo de moldar a matria, sendo assim caracterizado como trabalho produtivo. Nesta altura, nota-se a correlao entre as dignas atividades desenvolvidas pelo homem e as

    indignas tarefas de realizao feminina. Assim, o trabalho adquire uma conotao desagradvel, em virtude das funes indignas a

    que est atrelado. Portanto, para Veblen, o trabalho se torna tdio, haja vista que matar, caar e guerrear so atividades eminentemente honorficas, enquanto a atividade industrial, por ser rotineira e feminina, torna-se odiosa.

    Em se tratando da evoluo cultural da classe ociosa, Veblen explora a criao da propriedade privada como a base convencional da estima social. Atravs de sua posse e sua ostentao que se conquista, perante a sociedade, o respeito desejado.

    Por traz desta acumulao de riqueza, caracterizada pela posse da propriedade privada,

    est, consoante Veblen, o motivo emulao pecuniria, que significa uma luta por honorabilidade atravs da comparao de prestgio e posses. No entanto, a emulao exige a absteno de qualquer trabalho produtivo, ou seja, o desempenho da vida ociosa. Por conseguinte, se atravs da posse da propriedade privada que a possibilidade de emulao concretiza-se, tambm a

    propriedade privada que incita a vida ociosa, dada as exigncias da emulao.

  • Neste contexto de posse e ostentao, Veblen explora o carter do consumo improdutivo

    de bens como atividade honorfica que fornece aos ociosos, proeza e dignidade humana. Complementa argumentando que [...] o consumo ilimitado de bens, especialmente dos bens de maior excelncia, e como regra qualquer consumo que exceda o mnimo necessrio subsistncia, pertence normalmente classe ociosa. (idem, p. 78)

    Tudo provm, portanto, do motivo emulao pecuniria, ou como Veblen denomina posteriormente, fora pecuniria. Esta a base de uma boa reputao perante a sociedade e os meios de demonstr-la esto no cio conspcuo e no consumo conspcuo. Aparentemente, Veblen deixa transparecer que o cio e o consumo se equilibram como requisitos da classe ociosa, no

    entanto, com a moderna organizao da indstria, o desenvolvimento direciona-se para um aumento maior do consumo se comparado ao cio. Isso aconteceria, segundo o autor, por causa da exigncia pecuniria existente na cidade, que reclama maior nvel de dispndio.

    Assim, para Veblen, a classe ociosa solidifica-se atravs da simples cadncia dos

    acontecimentos, haja vista que seu surgimento est condicionado discriminao das atividades desenvolvidas por ambos os sexos, que por sua vez determina o carter tedioso do trabalho. Por fim, no trabalhar em qualquer atividade industrial caracteriza uma vida de cio conspcuo fundamentada no consumo improdutivo de bens.

    Jost Krippendorf, por sua vez, salienta que em uma sociedade onde os valores de ter suplantaram os valores do ser, onde os recursos do meio ambiente so irracionalmente utilizados, onde a prtica da economizao3 toma conta de todas as esferas de existncia humana h a criao de uma nova forma de se viver atravs do lazer e das viagens. Afinal, desejamos [...] um futuro onde possamos encontrar ou reencontrar um estado de equilbrio e de medida humana.... (KRIPPENDORF, 1989, p. 37).

    Na viso do autor, o homem s capaz de viver em equilbrio e harmonia, se suportar o cotidiano. No entanto, essa tolerncia ao dia-a-dia vem da idia de escapar do mesmo atravs da possibilidade de sair e viajar, pois o lazer deve reconstituir recriar o homem, curar e sustentar o corpo e a alma, proporcionar uma fonte de foras vitais e trazer um sentido vida. (idem, p. 40).

    3 O termo usado pelo autor no sentido de comercializao de todas as atividades da vida humana, sejam elas

    relativas ao campo econmico ou no.

  • Igualmente o autor prope que o centro da vida venha a ser o lazer e no mais o trabalho.

    Ele acredita que isto possa acontecer, pois as principais necessidades materiais do homem j foram satisfeitas e a lgica, para o futuro, seria buscar a satisfao da carncia de bens imateriais j que, daqui para frente, a arte de viver e a qualidade de vida vm antes do nvel de vida (idem, p. 149). Como a vida regida pelo tempo, na viso do autor, as pessoas esto redescobrindo este fator em detrimento da conscincia pelo dinheiro. Portanto, segundo Krippendorf: O tempo livre est no corao das preocupaes da vida, ele se tornou o verdadeiro motor da evoluo das mentalidades. No mais o trabalho, mas o tempo livre por excelncia (grifos meus) (idem, p. 150).

    Esta brusca mudana na forma de viver da sociedade acarretaria uma reduo do tempo de trabalho, que por sua vez teria impacto sobre o nvel de consumo que, segundo o autor, deveria ser modificado ou reduzido. O tempo livre seria, deste modo, um tempo de no consumo, ou seja, um tempo de gozo, saber e lazer. Baseando-se nesta quimera, Krippendorf procura fatos reais que

    possam comprovar as linhas de acontecimento de uma transformao efetiva da mentalidade humana a respeito do trabalho: eis, porque as tendncias atuais indicam especialmente no momento, pelo menos uma mudana de orientao de consumo e no uma limitao: a viagem de volta ao mundo, ao invs de mveis e roupas; uma praia selvagem, na prpria barraca, ao

    invs do hotel cinco estrelas; um carro menor, mas um equipamento de som maior; um vinho, ao invs de cerveja.(idem, p. 153).

    Seria ilusrio acreditar que apenas um anseio por um novo modo de vida transformaria, na sua essncia, o motor da evoluo das mentalidades. Por isso Krippendorf argumenta que o anseio por uma vida deslocada do trabalho e centralizada no lazer deve estar aliado ao ensino

    relativo ao lazer e viagem. Afinal, s a educao capaz de incorporar a descrena no trabalho e a crena no lazer na estrutura da sociedade, como tambm ressalta De Masi.

    Todo esse universo caracterizado pela fuga do cotidiano tem sua centralidade na crise do trabalho. A sociedade industrial incorporou o conceito positivo do trabalho, baseando-se na

    eficincia produtiva e no racionalismo tcnico-cientfico. Com o tempo, e com a sedimentao do conceito na vida da sociedade, percebeu-se que o trabalho, apesar de assegurar a existncia material e expandir as capacidades humanas de enriquecimento e alargamento dos horizontes, no conseguia satisfazer todos os anseios e desejos humanos. Por trs de toda a racionalizao do trabalho, esperava-se tambm que ele fosse capaz de despertar em seus praticantes sintomas de

  • humanizao, como autoconfiana, estima, orgulho, e satisfaes existenciais. Alm do mais,

    com o advento da sociedade industrial no veio somente o progresso e o conforto material, houve tambm uma drstica reduo no nvel de empregos. Diante de todos os fatores de insatisfao que foram sentidos pela sociedade, colocou-se como iminente a crise da sociedade do trabalho.

    Krippendorf aborda esta questo confirmando todas as inconvenincias acerca da

    racionalizao do trabalho e assinala nesta altura a gnese de uma sociedade carente e disposta a criar uma estratgia de humanizao. Em suas palavras, essa estratgia de humanizao a mais completa de todas. Ela supe uma reorientao fundamental do nosso sistema econmico e deve ser considerada como uma utopia positiva mesmo que num futuro longnquo. (idem, p. 164).

    Diante de uma reformulao dos valores sociais, com reflexos imediatos na esfera econmica, uma nova lgica de funcionamento passaria a reger a sociedade, segundo o autor. E esta, por sua vez, levaria consigo as caractersticas subjetivas do lazer e no mais a racionalidade do trabalho. Deduz-se da anlise precedente a gnese de uma sociedade do lazer oriunda da crise

    da sociedade do trabalho. Detalhando a concluso acima apresentada, Krippendorf distingue dois acontecimentos.

    Num primeiro momento, a sociedade do lazer seria confundida com a sociedade do consumo, j que uma indstria far uso do lazer para fins lucrativos. No obstante, segundo Krippendorf, este

    panorama consumista paulatinamente ser desintegrado pela prpria mentalidade dos consumidores, uma vez que as preferncias imateriais predominaro sobre as necessidades materiais. Num segundo momento, a humanizao do trabalho, ou seja, a nfase ao enfoque imaterial, na medida em que diminui a diviso do trabalho no causar queda de rendimento, haja vista que o trabalhador responder com a extenso de suas competncias e responsabilidades,

    aumento de sua participao e maior independncia. Desta forma, globalmente, o indivduo trabalharia, talvez, mais do que antes. No entanto, tratar-se-ia de uma atividade individual, que no incitaria mais esta vontade de se liberar do trabalho, mas a buscar a liberdade no trabalho. (idem, p. 166).

    Percebe-se, ao final da teorizao das vertentes da sociedade do lazer, que este tipo de realizao possvel, no ponto de vista de Krippendorf. Para ele nos dia de hoje, muitos seres humanos sentem a necessidade de mudar alguma coisa, de tentar algo diferente um desejo que talvez seja mais forte do que nunca. (idem, p. 26). Essa tendncia tem promissoras perspectivas de alicerar-se na crise do trabalho e gerar a sociedade do gozo, do lazer, do prazer e do saber.

  • A crise da sociedade do trabalho descrita por Krippendorf, tambm encontra bases slidas

    no movimento Devagar descrito por Carl Honor (2005) em uma obra que elogia a lentido em uma poca na qual se cultua a velocidade. A grande problemtica que engendra uma crise na sociedade capitalista a obsesso de estarmos fazendo cada vez mais em tempo cada vez menor, em estarmos encarando o fluxo da vida como algo que deve responder

    compulsoriamente ao tempo, tornando a existncia humana uma espcie de idolatria ao culto da velocidade. Na verdade, para o autor, a prpria exploso do capitalismo moderno, com a introduo de um sistema de produo rpido, extraordinariamente capaz de criar riqueza s expensas da natureza, e economicamente apto para desenvolver as atividades aceleradas, o

    pressuposto para a gnese de uma crise no interior dele mesmo. Afinal, exatamente pela rpida e desestruturada aceitao desse estilo de vida veloz que ... hoje em dia existimos pra servir economia, e no o contrrio. (HONOR, 2005, p. 15). Por sua vez, a incorporao da velocidade pela economia invadiu a esfera de trabalho da sociedade antes mesmo de disseminar

    suas mudanas na vida social. A prova disto que a tica do trabalho est cada vez mais fugindo de controle, ao passo que pessoas trabalham 90 horas semanais sob o consenso da normalidade.

    Mesmo perante uma realidade to desgastante, Honor acredita que no sculo XXI as pessoas esto se posicionando contra essa tica de trabalho, trabalho e mais trabalho. (idem, p. 227). Para ele, as pessoas esto dispostas a decidir quanto e quando devem trabalhar, mesmo sabendo que ser preciso uma verdadeira revoluo educacional para a efetiva incorporao do controle do tempo empregado no trabalho. A prova de que isto venha realmente a acontecer est na empresa, o smbolo do sistema capitalista, pois, consoante Honor: muitas empresas tentam agora estabelecer um equilbrio entre o rpido e o devagar no trabalho. (idem, p. 237). E como esta atitude representa o reconhecimento dos limites da tecnologia pode-se realmente acreditar que uma revoluo no modo de pensar o trabalho esteja acontecendo.

    Aliado ao fato de que o lazer toma sua forma de realizao alicerando-se no tempo de no trabalho, est o pressuposto da crise no prprio tempo de trabalho. Note-se que toda a

    discusso a respeito da aceitao de uma sociedade diferenciada est plenamente ancorada no fator tempo4, j que nele que uma ou outra atividade se desenvolve. Portanto, valido

    4 Segundo Norbert Elias, autor de Sobre o tempo (1998), entende-se o tempo primeiramente como um elemento

    fsico, um [...] dado objeto do mundo criado, e que no se distingue, por seu modo de ser, dos demais objetos da natureza [...] e em segundo lugar o tempo significa um fenmeno social, pois o tempo uma maneira de captar em conjunto os acontecimentos que se assentam numa particularidade da conscincia humana, ou, conforme o caso, da razo ou do esprito humanos [...] (ELIAS, 1998, p. 9).

  • argumentar que a distino entre lazer e trabalho, alm de se consumar atravs da discusso entre

    as diferentes atividades realizadas nos seus respectivos momentos, se perfaz, tambm, na diferenciao dos tempos em que se realizam.

    Assumindo tal fato como verdade, Witold Rybcznski apresenta a obra Esperando o fim de semana (2000) e corrobora a existncia de um tempo especfico para a realizao do lazer. O fim de semana traz consigo uma nova estrutura do tempo, j que nele as pessoas impem um ritmo de vida diferente, no qual as obrigaes da semana so deixadas de lado em prol de dois dias distantes de responsabilidades.

    Para o autor, determinar um tempo e um lugar especfico para as atividades de lazer

    significou desagreg-las do trabalho, pois sua realizao passou a se dar fora da esfera profissional. Essa limitao do lazer trouxe, portanto, as primeiras caractersticas do lazer moderno. Rybcznski (2000) corrobora esta concluso afirmando que hoje, nas sociedades ocidentais, o lazer virou um antdoto para o trabalho, com diferenas de tempo e lugar entre os

    dois. (136) A partir de ento, uma nova preocupao advinda da existncia do tempo disponvel

    passou a assolar a sociedade: a classe trabalhadora saberia o que fazer com esse tempo? A inquietao que persistia era saber justamente se as pessoas ocupariam esse tempo com entretenimento em massa e com diverses pagas, ou se tornariam esse espao um tempo de relaxamento e lazer. A questo mostrou-se claramente verdica quando se percebeu que a indstria do lazer estava em ascenso e que grande parte do tempo livre havia se transformado em tempo de consumo.

    Neste sentido, o fim de semana, como um espao de tempo pr-determinado para o lazer,

    acabou atribuindo ao tempo livre um carter rgido, bem como colocou disposio dois dias potenciais para a realizao de mais trabalho, porm com carter de diverso. Segundo Rybcznski (2000), para muitas pessoas, o tempo livre no fim de semana deixou de ser uma oportunidade para escapar do trabalho, mas de criar um trabalho que tenha mais sentido trabalhar se

    divertindo e assim sentir a satisfao pessoal que o trabalho deixou de oferecer (RYBCZNSKI, 2000, p. 188).

    Portanto, para o autor, o fim de semana traz a perspectiva de colocao do lazer como base da cultura, afinal so esses dois dias externos semana que permitem a realizao da

    liberdade. Sua importncia se torna to presente na sociedade que o autor afirma no final de seu

  • livro: [...] o fim de semana seja nosso ou no, por ele que esperamos a semana inteira (idem, p. 196). Isto , o fim de semana, ao mesmo tempo em que se transformou em um dos muitos rituais da existncia, foi alado tambm ao status de tempo econmico, onde se realizam diversas atividades lucrativas.

    Se a discusso acerca do lazer for tomada segundo os princpios do tempo livre, e to

    somente deste tempo, os resultados da anlise ficam comprometidos. Afinal, a proposta de estudar o lazer, e confirmar neste estudo a possibilidade de uma sociedade do lazer em formao, est intimamente ligada existncia do trabalho como fonte, ou antiga fonte, de evoluo humana. A partir do momento em que o trabalho deixa de ser o centro das atividades na

    sociedade, o lazer adquire seu espao a ponto de focar em si uma nova centralidade. Assim, necessrio expormos aqui a anlise de Andr Gorz na obra Metamorfoses do trabalho (2003), embora este no tenha se dedicado especificamente ao estudo do tempo livre.

    Com o objetivo de, nos seus termos, modernizar o fenmeno da modernizao, bem como racionalizar a prpria racionalizao Gorz salienta: o que chamamos trabalho uma inveno da modernidade. (GORZ, 2003, p. 21). Com isso percebe-se que o capitalismo industrial gerou a idia de trabalho enquanto instrumento de potncia universal, capaz de desumanizar (como diz o autor) aqueles que o realizam, ou seja, a racionalizao econmica tomou conta da esfera do trabalho. Assim, a racionalizao transformou o tempo economizado de trabalho em um tempo disponvel para uma produo adicional de riquezas e no para incluir o lazer como contedo do tempo liberado. Para tanto, Gorz (2003, p. 31) argumenta:

    A racionalizao econmica do trabalho venceu, portanto, a resistncia das antigas idias de liberdade e de autonomia existenciais. Fez nascer o indivduo que, alienado em seu trabalho, tambm o ser, obrigatoriamente, em seu consumo e, finalmente, em suas necessidades.

    Dada a inverso que a racionalidade inferiu sobre o tempo livre, pensar em uma mutao deste conceito requer uma transformao da conotao de trabalho na sociedade capitalista, como

    prope o autor. Caso essa nova racionalidade sugira autonomia e dignidade no trabalho em prol da exigncia tica, individual e subjetiva, ela estar sendo contrria a seu fim, e, portanto, segundo Gorz, limitada. A verdadeira racionalidade, por sua vez, consiste em transformar o trabalho em atividade pessoal, mas em um nvel superior, em que a unio voluntria dos

    indivduos substituir a diviso capitalista do trabalho pela colaborao voluntria [...] (idem, p. 34).

  • O fenmeno da racionalizao fez do homem uma pea integrada mquina, dada a

    realizao de tarefas parciais, pois sua identidade no trabalho resumia-se a complementar a ao do maquinrio e no a estabelecer relaes sociais atravs de suas atividades para com a coletividade da fora trabalhadora. Dada a distncia entre os trabalhadores, a racionalizao causou, to somente, o que o autor denominou de uma integrao funcional do trabalhador.

    Verifica-se, assim, que esta no foi permeada por uma integrao social, haja vista que para ter acontecido seria preciso tecer elos recprocos entre os trabalhadores, fundados na cooperao. Pelo contrrio, a socializao do homem foi incitada e deturpada atravs do consumo, pois, o trabalhador aprendeu a consumir o produto de seu prprio trabalho, de tal forma que isto permita,

    por um lado, a insero social do trabalhador, e por outro, incite a necessidade de trabalhar em prol do ato de consumir. O consumo passa a ser, ento, a porta de entrada para que o trabalhador sinta-se socialmente integrado. Consoante o autor, da gnese de trabalhadores integrados socialmente criam-se consumidores socializados:

    Compreende-se, ento, porque s uma regulao pelo mercado e no um amolecimento da regulao burocrtica consegue substituir a coero pela incitao. O trabalhador funcional que aceita ser alienado em seu trabalho porque suas possibilidades de consumo oferecem-lhe suficientes compensaes, um tal trabalhador funcional s pode surgir caso surja, simultaneamente, como sua outra face, o consumidor socializado (idem, p. 52).

    O maior reflexo desse processo de incitao consumista dos trabalhadores, como uma maneira metodolgica de substituir a coero dos mesmos, foi a desintegrao e a segmentao da classe trabalhadora, visto que a unio do homem maquina baseou-se na diviso das atividades do trabalho. Assim, segundo Gorz, s os trabalhadores que possuem empregos

    privilegiados, ou seja, com alta remunerao, estabilidade e qualidade de desempenho podem se dar ao direito de separar o ofcio da vida. Esse tipo de discriminao entre quem tem a oportunidade de trabalhar e quem no a possui, deixa ociosa boa parte da populao que no tem a possibilidade de viver o lazer como respaldo da liberao do trabalho, ainda mais em uma

    sociedade com a tendncia histrica de no precisar mais do trabalho de todos. Por isso o autor declara que, a sociedade do trabalho [...] caducou: o trabalho no pode mais servir de fundamento integrao social. (grifos meus) (idem, p. 75).

    Nesse raciocnio de que a sociedade no necessita mais do trabalho de todos, Gorz engendra seu argumento de que o tempo liberado, entre outras coisas, pode vir a fazer com que

  • todos trabalhem menos, no intuito de todos trabalharem. Assim sendo, esse tempo de no

    trabalho pode se tornar um tempo de vida que no seja gerido pelo tempo de trabalho, e no um tempo de repouso e de fortalecimento para um novo dia. Isso provaria a subordinao do trabalho em relao vida, comprovando uma crise da sociedade fundada no trabalho, a qual, segundo o autor, obriga os indivduos a buscar em outro lugar, que no nas tarefas oficiais dirias, as fontes

    de identidade e de pertencimento social. No entanto, para o autor, a dificuldade maior para desmantelar a sociedade fundamentada

    no trabalho conseguir transpor a barreira da racionalizao econmica. Mesmo que a racionalidade desista de atribuir ao trabalho uma conotao central e imponente, ela far do

    tempo livre um tempo de no trabalho e no um tempo de vida, de tal forma que neste tempo as situaes ligadas ao consumo e ao regozijo para um novo dia de trabalho prevaleam frente s atividades ligadas ao lazer, atividades estas que permitam a vivncia com satisfao, mas sem a produo ou o consumo de riquezas mercantis.

    Se esta racionalidade ainda impe suas leis neste sistema, o autor coloca em questo os limites dessa lgica. Caso essa limitao inexista, Gorz deixa claro que a desintegrao da sociedade ser completa e a destruio da biosfera tambm. Para destrinchar tal questo vale saber que a lgica da racionalidade analisar tudo do ponto de vista mercantil, at mesmo

    atividades de cunho familiar, refletindo, com isso, o uso dos indivduos como instrumentos do sistema. Dado o caminho devastador que o mundo racional trilha, Gorz (2003, p. 135) prope a conscientizao do papel humano:

    preciso, portanto, reaprender a pensar o que somos, partindo de ns mesmos; reaprender que o sujeito somos ns; aprender que a sociologia e a economia tm seus limites, e a socializao tambm, reaprender a diferenciar a noo de trabalho pra evitar o disparate de remunerar atividades sem fim mercantil e assujeitar lgica do rendimento atos que s so coerentes com seu prprio sentido justamente quando o tempo neles no conta pra nada.

    Passada a compreenso da lgica racional coloca-se, ento, o tema dos limites do

    funcionamento do sistema. Proporcionariam limitaes racionalidade acontecimentos como a reduo da durao do trabalho remunerado, o deslocamento da anlise do ponto de vista mercantil e ainda salientar a preocupao com a determinao externa da vida, mais do que com as necessidades impostas pela sociedade capitalista. Nesta altura, Gorz tambm chama a ateno

    para o reflexo da falta desses limites para com a racionalidade, no campo social: O que est em

  • jogo nessa discusso nada menos que a autonomia individual.... (idem, p. 171). Uma vez que a sociedade capitalista produz os indivduos que precisa para poder funcionar de acordo com sua lgica, as pessoas so levadas a entenderem o mundo da forma como lhes passada. Com isso perde-se toda forma individual de agir e de ser. Ocorre, segundo o autor, uma violncia educativa no momento em que h a obrigao de atender a um modelo pr-determinado sem a

    possibilidade de discernir entre o que intimamente uma experincia prpria e o que algo imposto por uma sociedade estruturada racionalmente. Por conseguinte, a sociedade s existe nos interstcios do sistema, onde novas relaes, novas solidariedades elaboram-se e criam novos espaos pblicos na luta contra a mega-mquina e suas devastaes.... (idem, p. 175).

    Estando mostra uma sociedade em desestruturao intimamente ligada com a esfera econmica, o autor prope que somente atravs da diminuio progressiva do trabalho que o homem ser capaz de reencontrar-se e derrocar sua formao economicamente racionalista.

    Uma reduo programada da durao do trabalho, sem perda de renda real, aliada a um

    conjunto de polticas que permitam ao tempo liberado ser um tempo de aperfeioamento; so essas, na opinio do autor, as maneira certas de desestruturar o pilar do trabalho racionalizado no interior da sociedade. Esse tipo de ao o que atribui sentido economia de tempo de trabalho, caso contrrio ser somente mais uma forma de persuadir os desejos e as ascenses do homem enquanto ser disposto a transpor a barreira da racionalizao sem garantir a ele o direito de integrar-se socialmente independente da sua relao com o trabalho e o consumo.

    Por isso Gorz salienta a hiptese de que a partir do instante em que a durao do trabalho diminuir e a qualidade das tarefas aumentar, toda a mo-de-obra ser redistribuda de forma que todos os que desejam tero a oportunidade de desempenharem algum tipo de atividade. Uma nova ordem passaria a reger o tempo de trabalho, no seria mais o princpio da racionalizao, mas sim o princpio da justia.

    Novamente, ento, se encontrar no trabalho a possibilidade de suprir carncias humanas, tal qual a renovao, a inovao e tambm a receptividade social. Trabalhar menos e ainda com

    qualidade auferir aos que o realizam a satisfao de estarem cumprindo algo realmente til para a sociedade, enquanto instituio coletiva, e enobrecedor para o homem, smbolo da individualidade no trabalho.

    Em sntese o autor espera que o foco para a descentralizao da sociedade do trabalho

    esteja, primeiramente, na superao das barreiras da conscincia humana, pois nela foi imposto

  • um conceito moderno de trabalho que como tal extremamente racional. Num segundo

    momento, a reduo do trabalho, por ser aceita pela conscincia coletiva, refletiria no tempo liberado, um tempo de aperfeioamento pessoal, em detrimento da idia de reconstituio para um novo dia de trabalho. Nestas circunstncias que o lazer, como atividade enobrecedora do tempo liberado, poderia ser uma alternativa singular, para esse fim. Entende-se, portanto, a

    relao de extrema importncia que existe entre o trabalho e o lazer, uma vez que a transposio da barreira da racionalidade no trabalho e a busca pelo tempo de no trabalho que d ao lazer a oportunidade de se efetivar.

    Deste modo, a perspectiva positiva considera vivel e j em andamento a constituio de uma sociedade fundamentada nos ditames do lazer, e no mais nas regras do trabalho. Todo o alicerce de tal fato est na reeducao, como ressaltam os autores, a qual solidifica a incorporao dos conceitos relativos necessidade de auto-satisfao atravs do tempo livre e no por meio do regozijo por mais um dia trabalhado. Portanto, baseando-se na crise da sociedade do trabalho h a possibilidade efetiva de considerar o lazer o grande mentor da vida em sociedade.

  • 3 PERSPECTIVA NEGATIVA: O TEMPO LIVRE E A OPRESSO OCULTA AO TRABALHADOR.

    Da mesma maneira que, na perspectiva positiva, o tempo liberado do trabalho carrega consigo a possibilidade de dar ao trabalhador um momento de descanso e libertao, na perspectiva negativa, ele considerado um smbolo de explorao e manuteno do sistema capitalista. Para que o debate acerca deste ltimo ponto de vista seja consumado, importante ressaltar diferentes formas de tratamento desta perspectiva, no intuito de desmantelar o culto ao trabalho e descobrir os motivos reais que causam e justificam o uso do tempo livre, como um tempo apropriado pela gide do capital.

    Assim, necessrio efetuar uma anlise do manifesto O direito preguia (1999), escrito por Paul Lafargue, que mostra, entre outras coisas, como a apologia do trabalho, feita inclusive pela classe trabalhadora, malfica humanidade.

    Mesmo a filsofa Marilena Chau, a qual realiza o prefcio da obra de Lafargue, sustenta que houve uma inverso temporal em relao venerao e negao do tempo de trabalho. A

    sociedade, para ela, atravessou a poca de horror ao trabalho, percorrendo hoje os caminhos de aceitao reverenciada ao tempo em que se trabalha, corroborado pela no aceitao do tempo ocioso. Esse marco temporal de mudana nas regras sociais est demarcado pelo momento em que a sociedade capitalista insere-se como sistema dominante e a lgica racional toma conta das conotaes da vida em sociedade de tal forma que o tempo de trabalho adquire todas as

    significaes racionais que sua condio permite. Para Chau, mais do que uma mudana na ordem social em termos da relao trabalho versus tempo livre, a tica burguesa conseguiu tornar-se tica proletria, na medida em que as preocupaes do capital somaram-se s preocupaes da classe trabalhadora.

    Consciente do mal implcito ao trabalho, Lafargue (1999) remete-se preguia como um tempo em que os trabalhadores esto aparentemente distantes do regimento do capital. No entanto, pode-se dizer, em consonncia com o que est sendo defendido nesta seo, que a sociedade administrada pelo capital controla tanto o tempo de trabalho como o tempo livre, neste

    caso o tempo de descanso e preguia, haja vista que o proletrio ocioso luta pela conquista do tempo de labuta ao invs de gozar de seu tempo disponvel. Por este argumento que o autor julga estranha a paixo que se insere entre o homem e o trabalho. Mais do que isso, o autor

  • afirma categoricamente que o proletariado deixou-se iludir por seu amor ao trabalho e assim,

    traindo os seus instintos e pervertendo-se pelo dogma do trabalho criou todas as sua misrias individuais e sociais.

    No sculo XIX a grande conquista revolucionria do proletariado foi limitar o dia de trabalho para doze horas. Tal momento histrico foi concebido pelo autor como o sculo da dor,

    da misria e da corrupo. Diante desta realidade, Lafargue ironicamente sustenta: Trabalhem, trabalhem, proletrios, para aumentar a riqueza social e suas misrias individuais, trabalhem, trabalhem para que ficando mais pobres, tenham mais razes para trabalhar e tornarem-se miserveis. Essa a lei inexorvel da produo capitalista.(LAFARGUE, 1999, p. 79).

    Ainda no contexto de escrnio das palavras de Lafargue (1999), nota-se que sua crena baseava-se em trs horas de trabalho dirias, sendo o resto apenas para que o trabalhador festejasse, sem fazer absolutamente mais nada. Corroborando seu credo, salienta que o proletrio tem por funo munir-se de sua fora, enquanto motor do sistema capitalista, e lutar contra a

    moral crist e econmica, a fim de proclamar seu Direito Preguia. No entanto, h um desapontamento em termos da realizao da bravura e do poder do

    trabalhador, j que este no tem conscincia de que o trabalho um flagelo e foi introduzido pelo sistema em sua mente, no ponto de vista de Lafargue. Por isso, mais difcil do que aniquilar o

    culto ao trabalho dominar a paixo proletria pelo mesmo de forma que se deixe emancipar deste crcere. Ainda em termos do amor demasiado do homem em relao ao trabalho, verdadeiro afirmar que medida que a mquina ganha espao e se aperfeioa, o homem busca restituir o trabalho roubado pela mquina, ao invs de se aproveitar deste fato para prolongar seu tempo de descanso. Alm disso, a prpria classe trabalhadora, contrria ao seu prprio cio, cria

    a possibilidade de prazer e elogio preguia aos capitalistas, na medida em que produz para a reproduo do sistema capitalista e para o superconsumo da burguesia.

    Diante da loucura do proletariado, caracterizada por Lafargue (1999), a classe capitalista encontra-se com o problema do consumo j que os trabalhadores tm seu poder de consumo reduzido, dada a sua avidez pelo trabalho. Assim que a falsificao das necessidades ncora de ao para os capitalistas, cuja funo criar e recriar mercadorias para o consumo crescente. Desiludido com tanta ignorncia, nosso autor argumenta: no entanto, a despeito da superproduo de mercadorias, a despeito das falsificaes industrias, os operrios atulham o

    mercado, implorando: trabalho! trabalho!.(idem, p. 99).

  • Assim sendo, a realidade perversa que cerca o trabalhador no o deixa perceber que a

    soluo para seus problemas a racionalizao do trabalho para que todos tenham a possibilidade de trabalhar menos, como j foi aqui explorado sob o ensejo de Gorz. A idia, pelas palavras de Lafargue, impedir e no impor o trabalho, o que na prtica significa diminuir a jornada de trabalho. Mas, a no concretizao desta soluo faz o autor crer que apenas a preguia possa ser

    o blsamo das angstias humanas. A inverso do modo de pensar a sociedade proposta pelo autor pode ser resumida pela

    seguinte passagem: Se, extirpando do peito o vcio que a domina e que avilta sua natureza, a classe operria se levantasse em sua fora terrvel, no para exigir os Direitos do Homem, que no passam dos direitos da explorao capitalista; no para reivindicar o Direito ao Trabalho, que no passa do direito misria, mas para forjar uma lei de bronze que proba o trabalho alm de trs horas dirias, a Terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria brotar dentro de si um novo universo [...] (idem, p. 112)

    Tal constatao leva reflexo de que a mesma apatia que assolava a classe trabalhadora no sculo XIX, volta a se fazer presente na realidade posta pelo sculo XXI: h uma equivalncia

    no tratamento reverencial do trabalho, em detrimento do tempo livre. Isso se faz verdadeiro na medida em que somente aps os dias trabalhados que se tem o direito de gozar da ociosidade do tempo de lazer. Desta forma, fica evidente a comprovao da hiptese defendida no terceiro captulo, em que h um ciclo de causalidade entre trabalho e lazer, sendo o trabalho o pressuposto do tempo livre, bem como o tempo livre um tempo de revigoramento para a perpetuao do

    tempo dominado pelo capital e, portanto, a servio da reproduo do sistema capitalista. Na mesma linha crtica, Valquria Padilha na obra Tempo livre e capitalismo: um par

    imperfeito, defende que, na sociedade capitalista, o tempo de no-trabalho no se caracteriza como um tempo de plenitude e autntica individualidade. Pelo contrrio, este tempo cede espao

    para a grande problemtica social deste sculo, o desemprego. Diante deste panorama em que, por um lado, h um incentivo reduo da jornada diria de trabalho e, por outro, paradoxalmente, essa realidade contrastada pelo uso no edificante do tempo ocioso, a autora levanta questes contundentes, relativas comprovao da tese na qual o tempo livre no se

    configura um instrumento de emancipao humana, pois est colocado em uma sociedade que no permite esta realizao. No intuito de dar vazo a esta hiptese, a autora explora questes referentes problemtica existente entre desemprego e sociedade do trabalho, entre trabalho e tempo-livre, e ainda entre lgica capitalista e emancipao humana.

  • O sistema capitalista necessita da crise, pois nela que a transformao no modo de

    explorar se faz sem capacidade de negao, e de certa forma, h apoio e concordncia ao que est sendo posto, sem a percepo de que uma nova maneira de manuteno da situao proletria, que mantm o padro de produo e de consumo necessrios reproduo desta forma de sociedade. Nessa lgica, as empresas, como smbolo do sistema, aderem s estratgias pr-lazer

    como soluo de uma crise da sociedade do trabalho, para aumentar a produtividade, reduzir os gastos e caminhar rumo majorao da lucratividade. dessa forma que o pensamento empresarial justifica a implantao de novos mtodos de explorao5, bem como o sistema aprova a existncia da crise, na perspectiva de solucion-la.

    A flexibilizao do trabalho uma dessas estratgias usadas pelo empresariado para aumentar a produtividade proletria, com a justificativa de que uma nova forma de organizar o trabalho incita um aumento na qualificao dos trabalhadores. Este argumento, porm, abre espao para que Padilha (2000) questione o nvel de qualificao que realmente auferido aos trabalhadores, j que a oportunidade de qualificao atinge uma parcela pequena de trabalhadores, alm de destruir e alterar suas prprias habilidades. Diante da situao que comprova a realidade nociva que se pe frente ao trabalhador, tem-se a constatao de que qualquer mudana de ordem legal, tecnolgica ou organizacional afeta diretamente o trabalho,

    como centro em torno do qual giram a economia e a sociedade. Na perspectiva marxista, a reduo da jornada de trabalho abre espao para a ampliao

    do tempo livre, confirmando a possibilidade de emancipao humana. No entanto, a autora realiza uma reflexo sobre esse argumento, dialogando com a tese do fim da centralidade do trabalho. A autora, seguindo as argumentaes j conhecidas de Ricardo Antunes, ao mesmo tempo em que assinala que tem havido uma reduo do trabalho no processo produtivo, nega que este venha perdendo sua centralidade. Para ela, tem ocorrido, contraditoriamente, um deslocamento dessa centralidade: no meu entender, parece precipitado afirmar pelo fim do trabalho como categoria central, o que no quer dizer que no seja indispensvel e urgente haver reflexes sobre as conseqncias das transformaes atuais para o mundo do trabalho (PADILHA, 2000, p. 44).

    5 A expresso novos mtodos de produo est sendo usada no sentido de salientar o uso do lazer como um dos

    mtodos usados pelo capital para opresso oculta do trabalhador.

  • Partindo para a reflexo mais detalhada, Padilha (2000) disserta que a luta pela reduo da jornada de trabalho e pela diminuio da intensificao da produo, acabou fazendo do tempo uma fonte de poder social, e como tal passou a ser possudo por uma determinada camada da sociedade. Na condio de artigo possudo e explorado por poucos, o tempo assume a lgica capitalista, no momento em que este apropriado pela racionalidade econmica. Nesta gide, o

    tempo livre, como uma das atribuies dada ao uso do tempo, incorporado, isto , produzido pela lgica capitalista e inviabiliza, consoante a autora, a emancipao humana.

    Ademais, se o lazer corresponde ocupao de uma parte do tempo liberado do trabalho ento, segundo Padilha (2000) no existe lazer se no h trabalho, j que este, em outras palavras, a libertao das obrigaes. Desta forma verdadeiro afirmar que o tempo de no trabalho configura-se como um tempo de descanso e divertimento. No entanto, a crtica emerge a partir do instante em que se constata a existncia do lazer como uma maneira de compensao de algo que est se perdendo: o trabalho. Para a autora, os trabalhadores s procuram a compensao das

    atividades de lazer porque o trabalho no propicia o equilbrio de sua personalidade. No entanto, se o lazer reflete toda a insatisfao no trabalho, ele no parece ser capaz de possibilitar qualquer tipo de realizao. (idem, p. 62).

    O lazer tanto um tempo compensatrio que o prprio pensamento empresarial o designa

    desta maneira. Assim, as empresas pregam uma relativa humanizao do trabalho, difundindo o lazer como uma nova viso do capitalismo.

    Alm de ser considerado, de forma verdica, como um tempo de indenizao pelo trabalho realizado, o lazer tambm visto como um tempo de dispndio, j que as atividades desenvolvidas neste tempo esto diretamente ligadas ao prazer de consumir. Desta forma, o lazer

    se transforma em mais uma mercadoria passvel de consumo. Sendo assim, existe uma ntima relao entre consumo e lazer que gera resultados positivos para a perpetuao do sistema capitalista. Logo, concretiza-se a hiptese de que o lazer uma forma oculta de explorao proletria e fonte de dinamismo e continusmo para o sistema.

    No que tange a relao entre consumo e lazer, vale ressaltar a contribuio de Joo Bernardo (2004) ao elencar em sua obra Democracia Totalitria: Teoria e Prtica da Empresa Soberana, argumentos que ratificam a produo do consumo alicerada nas diferentes formas de lazer. Para ele a lgica da oferta e demanda conforma-se de tal maneira que a demanda est

    completamente subordinada a oferta da mesma forma que os valores de uso tornaram-se

  • decorrentes dos valores de troca. Isto , as formas de lazer disponveis no mercado refletem os

    padres impostos pelas empresas, e ao aceit-los, as pessoas paralelamente moldam-se a estes padres refletindo diretamente nas modalidades da oferta, a procura de bens de consumo. Com a produo em massa em pleno andamento as necessidades passam a ser produzidas ao mesmo tempo que os prprios bens destinados a satisfaz-las, [...] e tornam os valores de uso decorrentes dos valores de troca. (BERNARDO, 2004, p. 65)

    Por sua vez, Joo Bernardo, na mesma obra anteriormente citada, corrobora a hiptese de que o lazer uma forma oculta de explorao proletria relatando que ao mesmo tempo em que os cios determinam as necessidades dos consumidores, criam-se atravs deles condies

    para a produo e a reproduo da prpria fora de trabalho. O exemplo verdico de sua afirmao a facilidade e a necessidade das novas geraes de se habituarem aos divertimentos eletrnicos, fato que enaltece um divertimento com fins de inserir com facilidade mudanas nos meios de produo e assim preparar a futura classe trabalhadora para as divergncias do mercado.

    J na obra Economia dos Conflitos Sociais, Joo Bernardo (1991) afirma que exatamente no perodo de cio que a classe trabalhadora caracteriza-se como consumidora, desse modo, o cio passa a ser absolutamente necessrio como para restituir fisicamente o trabalhador e lhe dar condies de enfrentar mais uma jornada de trabalho. O tempo liberado deve ser entendido, portanto, como um tempo de consumo, descanso e reproduo da prpria classe que o realiza.

    Retomando a questo da lgica capitalista, Padilha (2000) argumenta que a prpria racionalidade econmica, exposta pela insero tecnolgica, fonte de tempo disponvel. Fica exposta, portanto, a idia de que o tempo liberado do trabalho impregnado pela racionalidade econmica faz parte de uma lgica de acumulao e produo intensa, j que o aumento da produo requer, um aumento de consumo que, por sua vez, requer um aumento das necessidades. Conseqentemente, se o consumo quem refora a produo, o lazer est perfeitamente colocado como uma atividade que prepara o trabalhador para um novo dia de trabalho, mais produtivo, e ao mesmo tempo faz do trabalhador um consumidor mais ativo na

    sociedade em que est inserido. Neste sentido, a autora lembra que esta transformao no mundo do trabalho tem como reflexo o desemprego, que como tal pode desestimular o consumo, na medida em que o poder de compra do trabalhador se esvai nas entrelinhas de um sistema, futuramente, no mais baseado no trabalho.

  • Como j foi citado, Lafargue (1999) acreditava que a reduo do tempo de trabalho poderia ser a fonte da emancipao humana. No entanto, na viso defendida por Padilha (2000) e que vem ao encontro da confirmao da hiptese aqui levantada, difcil ocorrer um imperativo de uma vida melhor diante de um tempo liberado pelo trabalho se este tempo continua a respeitar a lgica do capital. Sendo assim, no h possibilidade de haver emancipao humana, nem real

    liberao do trabalho se a vigncia de reduzir as horas trabalhadas se concretizar no sistema capitalista. Pelas palavras da autora, o capitalismo opressivo e no tem como propiciar a realizao humana em sua totalidade, mesmo que tenha capacidade de aumentar o tempo livre (PADILHA, 2000, p. 97). De modo conclusivo, Padilha (2000) deixa claro que exatamente a lgica do capital que faz do tempo livre e o do capitalismo um par imperfeito.

    A mesma autora procurou confirmar esta discrepncia entre capitalismo e tempo livre, bem como comprovar que o uso do tempo liberado do trabalho est relacionado manuteno do sistema atravs da lgica consumista, analisando e relatando criticamente a estrutura dos

    shoppings centers como centros de consumo e lazer. A proposta de Valquria Padilha (2006), em sua obra Shopping Center: a catedral das mercadorias, relacionar todos os elementos que fizeram do shopping center um centro de discriminao, segregao social, disseminao da aparncia em detrimento do real, e tambm um lugar de realizao do tempo de no trabalho.

    Assim, o que se insere diretamente no debate acerca do tempo livre esta ltima viso: o shopping center como templo de confirmao do cio, fundamentado no consumo contnuo.

    Para inserir a problemtica em questo, vale ressaltar uma viso crtica acerca do shopping center como centro de consumo em massa, bem como levantar os aspectos gerais no que tange a formao da sociedade baseada nesta prtica. Munindo-se desta breve

    contextualizao ser facilitada a tarefa de entender o espao urbano como ncleo de disseminao prtica do tempo de no trabalho na perspectiva negativa, porm real, de que sua concretizao se realiza via atividade de consumo.

    Os centros comerciais comearam a surgir a partir de 1930 como uma ltima etapa do desenvolvimento da sociedade de massas participando de forma contundente na formao de uma nova cultura urbana, isto uma nova estruturao das cidades, que passaram a conter centros para a realizao do consumo. No no contexto do shopping com sua aparncia agradvel, prtica e bonita que a autora busca inferir sua anlise, mas sim no contingente de um espao

    privado que se traveste de pblico para dar a iluso aos consumidores de que se trata de uma

  • nova cidade, mais bonita, mais limpa e mais segura que a cidade real[...] (PADILHA, 2006 , p. 23).

    Essa viso crtica da autora prova que no existe outro lugar que represente to fielmente o locus privilegiado da sociedade capitalista concretizada na sociedade do consumo. Afinal, o shopping center concebido criticamente como um complexo comercial que fabrica o homem

    com a caracterstica primordial de adapt-lo obsesso capitalista pelo lucro. Com gide na busca pela qualidade de vida, Padilha (2006) argumenta que os espaos

    pblicos geridos pelos estados e pelo governo vo se tornando inseguros e imprprios para a realizao do lazer, de tal forma que o shopping center passa a cumprir esta funo com mais

    propriedade. No entanto, o prazer proporcionado por estes espaos artificiais tem por objetivo impedir a possibilidade de conscientizao do ser humano de que seu tempo livre est sendo plenamente manipulado, em termos de aproveitamento consumista para o capital. E neste contexto que Padilha afirma que o lazer incorporou-se aos shoppings centers de forma to

    significativa que hoje confundimos centro de compras com centro de lazer (idem, p. 26). O shopping center, pela viso crtica como uma cidade artificial dominada pelo capital

    denomina-se shopping center hbrido, segundo conceituao da autora. Neste espao as pessoas idolatram as mercadorias de tal forma que o consumo ultrapassa a barreira das necessidades,

    sendo um ato de venerao de marcas e imagens, ao mesmo tempo em que so vtimas da segregao social: o consumo de mercadorias comea, ento, a significar um mergulho em fantasias e status social, na medida em que os objetos passaram a ser adquiridos no pelo seu valor de uso, mas pelo significado social de sua posse. (idem, p. 55).

    No instante em que o consumo torna-se atrao, passeio e realizao de desejos, seus domnios adentram o campo do lazer. Reforando o sentimento de liberdade e corroborando o sentimento de felicidade das pessoas, os centros comercias so efetivamente ligados idia de lazer, pois satisfazem os desejos humanos. Tanto que hoje, empiricamente as pessoas, como consumidoras, exigem shoppings centers de lazer. Deste modo, associar lazer e comrcio mais

    uma estratgia econmica que supera a preocupao com a qualidade de vida das pessoas, mas paradoxalmente o faz em nome dessa qualidade de vida. (idem, p. 68).

    Por conseguinte, a questo que corrobora a verso crtica de interpretao do tempo-livre est baseada no argumento de que a indstria da cultura, e no seu interior enquadra-se o shopping

  • center, transforma o tempo-livre dos trabalhadores em extenso do tempo de trabalho, uma vez

    que no tempo de no trabalho h o regimento das mesmas regras dadas pelo capital. Desta forma, o lazer, tal qual o consumo associado aos centros comercias, torna-se um

    tempo compensatrio ao trabalhador que se desgasta a servio do capital. Portanto, h um processo de aprofundamento do trabalhador como ser alienado ao trabalho, pois dedica seu

    tempo livre sua recuperao, para desenvolver, cada vez melhor, suas atividades. Assim, a prpria racionalidade da sociedade capitalista age sobre o tempo livre dos trabalhadores determinando suas vidas no tempo de trabalho e fora dele.

    Por isso o homem da sociedade industrial vive em constante paradoxo: deve primeiro

    economizar o tempo e para esse fim desenvolve inmeras tcnicas para gast-lo depois.(idem, p. 143).

    Partindo do fato de que o shopping center um centro de consumo, e considerando-se que nestes lugares esto postos os donos do capital, pode-se afirmar que os donos do capital so ao

    mesmo tempo os donos do tempo, pois quem rege o tempo o prprio capital. Por isso, Padilha (2006) argumenta que no somente a posse do capital e o domnio dos meios de produo que caracteriza o capitalista, mas tambm o controle do tempo dos trabalhadores, dentro e fora do ambiente de trabalho. Sendo assim, o tempo se torna uma moeda e o tempo de trabalho se vende

    no mesmo propsito que o tempo de lazer comprado. Isto , dentro do propsito capitalista, os donos do capital se apropriam do tempo de trabalho e do tempo fora dele. Assim, o tempo passa a ser uma moeda comandada pelos donos do capital, e os trabalhadores vendem o tempo de trabalho para poderem comprar o tempo livre. Comprar no sentido de poder usufruir um tempo fora do trabalho, com atividades substancialmente de consumo. De fato, como o capitalista o

    detentor do tempo de trabalho, j que ele o possui no momento em que o compra, e do produto do trabalho, o trabalhador torna-se alienado no e pelo trabalho que realiza, por no estar realizando para si prprio. Vale lembrar que este o movimento que rege o sistema capitalista de produo.

    Para a autora, diante da dinmica de funcionamento do capitalismo, a real emancipao

    do trabalhador se dar somente no momento em que o prprio sistema deixar de existir, de tal forma que inexista a alienao do trabalhador: mais do que isso, emancipao a libertao de todo ser humano da perversa lgica do capital... (idem, p. 163). Com esta constatao, percebe-se que o tempo livre no possui coerncia alguma para se enquadrar em tempo de libertao e

    emancipao do ser humano, pelo simples fato de no ser este um tempo em que o homem foge

  • lgica capitalista. Pelo contrrio, o tempo de lazer incentiva e manipula a conformao das

    atividades de maneira que o trabalhador esteja, integralmente, contribuindo para a reproduo do sistema.

    nesse sentido que a autora afirma: assim, para que o chamado tempo livre fosse verdadeiramente livre seria preciso muito mais que a reduo na jornada de trabalho; seria preciso uma superao da racionalidade econmica do capital. (idem, p. 166).

    Neste caso, Padilha aceita que o lazer se torna uma atividade compensatria para um novo dia de trabalho, sendo este, portanto, o causador dos problemas e o lazer a resoluo e o alvio deles. Ento, se o lazer reflete a insatisfao do trabalho, ele no cumpre a funo de auferir

    felicidade e satisfao para os que o realizam, nem tampouco cumpre sua funo primordial, que refletir sobre os momentos de contradio da sociedade.

    Nasce nesta realidade uma viso funcionalista acerca do lazer, na medida em que concebido como um instrumento de cura para o mal que o sistema causa sociedade. Por isso

    sustenta Padilha (2006, p. 174 ): As atividades de lazer so compreendidas como vlvulas de escape das tenses sociais, contribuindo, ento, para manter as pessoas em equilbrio, de forma a no extravasarem para transgresses da ordem social [...]. Se o lazer entendido como simples assimilador de tenses, ele no pode servir como possibilidade de reflexo, de anlise da conjuntura ou de conscientizao poltica das diferenas e injustias sociais. [...] o lazer poderia ser um tempo para essa reflexo no revolucionria alm de ser um tempo de diverso e descanso se a sociedade na qual est inserido tivesse outra forma de organizao.

    Percebe-se, contudo, que o lazer carrega consigo uma contradio iminente: ao mesmo

    tempo em que tem a capacidade de ser um tempo destinado reflexo, somente um tempo que atende s exigncias do capital. Esta segunda afirmao permite a aproximao efetiva do tema relacionado ao espao de consumo, caracterizado pelo shopping center, j que neste lugar tudo se resume a um artigo vendvel, at mesmo o tempo livre. Logo, no shopping center que se d o

    fornecimento do lazer na forma mercadoria, o que reproduz a tendncia histrica mercantilizao de tudo.

    A alienao deste lugar to grande que mesmo diante de uma segregao social explcita, dada a impossibilidade de consumo de parcela considervel da sociedade, todos se

    mostram enfeitiados pelo lazer alienado que os shoppings oferecem: os que gozam da possibilidade de freqent-lo e os que no gozam. Claramente este processo reflexo de uma cultura massificada que, corroborada pela publicidade, incita nas pessoas o desejo de insero ao

  • centro consumista da sociedade capitalista. No mesmo sentido da segregao, o shopping center

    privatiza o lazer, na medida em que ocupa os espaos urbanos em detrimento dos que no fazem parte deste contingente.

    Em termos prticos, Padilha (2006) explora os espaos no interior do shopping center que realizam o lazer: as salas de cinema, os jogos eletrnicos, a praa de alimentao, os eventos artsticos, os brinquedos e etc. Para ela, o ser humano entra em contato com estes instrumentos de lazer, venerando os objetos, esquecendo da sua condio humana e passa a cultuar a realizao de sua necessidade de possuir algo vendvel.

    No entender da autora, o lazer promovido pelos centros de consumo est imune s formas

    de no-liberdade, fornecendo continuidade e integrando as estratgias de dominao da lgica capitalista. Logo, o shopping center a representao da vitria da racionalidade econmica do capital dentro da sociedade a qual est exposto: O shopping center pode servir, ento, como uma referncia para pensar no s a sociedade capitalista em geral, mas tambm a sociedade do

    consumo e de lazer, vista como um mundo encantado que, num delrio coletivo, obscurece a conscincia dos seres sociais.(idem, p. 184).

    Todo o arcabouo terico explorado acerca da dupla shopping center e lazer permite concluir que est posta uma nova conformao e apropriao do espao urbano. Como centros de

    consumo, os shoppings estrategicamente dominaram as cidades, aproximando-se dos consumidores potenciais, e aliaram o lazer a sua ttica de insero no intuito de oferecer todos os instrumentos de predomnio e continusmo da lgica capitalista.

    A aceitao da hiptese de que o tempo livre configura-se, verdadeiramente, como um tempo de consumo pode ser interpretada e analisada sob diferentes perspectivas. Theodor Adorno

    e Max Horkheimer, como membros da Escola de Frankfurt preocuparam-se com a crtica da ideologia e com a maneira pela qual se produzem e reproduzem os sistemas de dominao na expresso de interesses, conflitos e contradies. Para eles, se a racionalidade tcnica da indstria cultural a prpria racionalidade da dominao, e se o tempo de no trabalho est inserido no

    modelo atual da cultura dos homens, este tempo, detm em sua concepo um carter dominante e um fim ltimo de limitao da capacidade de auto-satisfao dos trabalhadores e empregados, enquanto protagonistas da atividade de consumo.

    Diante deste argumento, vale explorar, momentaneamente, a conceito de indstria

    cultural, para que a discusso acerca do tempo livre esteja dotada de fundamentao e

  • discernimento suficientes. Para tanto, entende-se que a indstria cultural permanece como a

    indstria da diverso, uma vez que, prega a exacerbao da satisfao humana atravs de atividades relacionadas arte, cinema, msica, riso e lazer. Nesta mesma indstria admite-se a lgica da incluso social, tal qual a lgica do capital, no intuito de convencer aos trabalhadores e aos consumidores em potencial a buscarem o mito do sucesso atravs do arraigamento do corpo e

    da alma dos mesmos s estratgias de ascenso do sistema capitalista. Adorno (1995), em sua obra Palavras e Sinais, salienta que as pessoas desempenham um

    papel social, j que a sociedade as impe diferentes formas de ao na tentativa de desenhar as percepes sociais convenientes para determinado perodo histrico e pela lgica de dominao

    vigente. Por isso no h uma diviso consistente entre as pessoas em si e seus papis sociais. Esta questo tem grande relevncia na anlise do tempo livre, pois as pessoas se dizem convictas de que agem por vontade prpria neste tempo, ou seja, de que esto desempenhando suas percepes inerentes, no entanto, esta vontade modelada pelo desejo de estarem livres do horrio de trabalho, e, portanto, esto claramente realizando o papel social de negar a centralidade do trabalho. Tomando o espao do tempo de no trabalho, por sua vez, Adorno (1995) acredita que as pessoas nascem inseridas em relaes de produo e, assim sendo, mesmo com a intensificao

    da produtividade no trabalho como fato gerador de tempo excedente s atividades laborais, persiste a questo da no liberdade nem no trabalho e tampouco fora dele. Por isso, percebe-se que o tempo livre toma uma direo contrria ao seu prprio conceito. Nele se prolonga a no-liberdade, to desconhecida da maioria das pessoas no livres como a sua no-liberdade em si mesma. (ADORNO, 1995, p. 71) Indo alm, diz-se que no tempo livre prolongam-se as formas de vida social organizada segundo o mesmo regime de lucro que rege o tempo de trabalho:

    bem conhecido, e nem por isso menos verdadeiro, que os fenmenos especficos do tempo livre como o turismo e o camping so acionados e organizados em funo do lucro. Simultaneamente, a distino entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma conscincia e inconscincia das pessoas. Como, segundo a moral do trabalho vigente, o tempo em que se est livre do trabalho tem por funo restaurar a fora de trabalho, o tempo livre do trabalho precisamente porque mero apndice do trabalho vem a ser separado deste com zelo puritano. [...] Essa rgida diviso da vida em duas metades enaltece a coisificao que entrementes subjugou quase completamente o tempo livre. (idem, p. 73).

    explcito para o autor, que o tempo livre no dotado de autonomia e liberdade. A prova maior de sua concepo vem do sentimento de tdio que se instala nas pessoas diante das

  • suas vidas em funo da coao do trabalho. Se a conduta do tempo fora do trabalho oferecesse

    verdadeira emancipao, o tdio no se instalaria e as atividades ento praticadas teriam pleno sentido em si mesmas. Da mesma forma a atividade do tempo livre atende ao apelo social de integrar socialmente quem as pratica, caracterizando ainda mais a pr-disposio do tempo livre de atender lgica do capital, e concretizar as relaes entre este tempo e a indstria cultural

    atravs da prtica consumista. Conforme todos os argumentos sustentados nesta seo, o tempo livre configura-se como

    uma extenso do tempo de trabalho adaptado lgica do capital de perpetuar sua dominao, atravs da atividade de consumo e atravs da disseminao da crena pela busca de liberdade e

    emancipao existentes apenas no tempo em que no se trabalha. Mas estaria a sociedade ocidental vivendo a perda da centralidade do trabalho? Existe, realmente, uma crise da sociedade fundamentada no trabalho? O trabalho no mais representa o centro e a estrutura do modo capitalista de produo?

    Para adentrar nesta esfera do debate, o autor que traz sustentao terica suficiente para a defesa de uma hiptese acerca do proposto Ricardo Antunes (1999), com referenciais existentes em sua obra Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. Suas idias mostram uma transformao na sociedade capitalista a partir dos anos 80,

    transformao esta que atingiu diretamente a funo trabalho. Em pinceladas superficiais pode-se dizer que o modo de produzir adequou-se s transformaes da lgica de mercado atravs, primeiramente, do fordismo6 e, posteriormente, da acumulao flexvel7. No entanto, foi o Toyotismo, ou modelo japons, que trouxe os maiores impactos ao mercado de trabalho mundial. Ao contrrio do fordismo, a produo toyotista determinada pela demanda, variada e est

    sempre atenta para cobrir o consumo. Diz-se que o Toyotismo no somente flexibilizou o aparato produtivo, mas tambm a organizao do trabalho desde a linha de produo at a cadeia de fornecedores, da o fenmeno da horizontalizao. Entre os elementos que permitiram essa flexibilizao esto os mtodos de produo: kanban, just in time, flexibilizao do trabalho, terceirizao, subcontratao, controle de qualidade total, eliminao de desperdcio, gerncia

    6 Mtodo de produo caracterizado pela produo em massa, linha de montagem de produtos homogneos, pelo

    controle exacerbado dos tempos e movimentos atravs dos cronmetros fordistas, pela produo em srie taylorista, pela existncia de trabalho parcelar e pela fragmentao das funes.

    7 Apia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padres de

    consumo.

  • participativa, entre tantos outros elementos. No que tange a flexibilizao do trabalho, o

    toyotismo passou a dispor da fora de trabalho, na mesma cadncia da produo e to logo, do mercado consumidor, atravs de um nmero mnimo de trabalhadores que passam a ser contratados para mais trabalho segundo o regime de horas extras, ou ento a empresa subcontrata mais trabalhadores, de carter temporrio, em pocas de alta demanda.

    Segundo Antunes (1999) a ocidentalizao do Toyotismo s foi possvel por que se deu dentro da lgica do sistema produtor de mercadorias. O capital aproximou-se do saber e do fazer do trabalho, inserindo no trabalhador a forma de pensar e agir para o capital, tornando todo o processo de produo extrnseco s decises individuais e desapropriando o trabalhador da

    concepo efetiva dos produtos, mesmo fazendo parecer que agora o trabalhador domina todo o processo.