Análise Consequencialista Lorenzetti

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  • Ano 1 (2012), n 7, 4353-4375 / http://www.idb-fdul.com/

    A ANLISE CONSEQUENCIALISTA NO

    PROCESSO DE TOMADA DAS DECISES

    JUDICIAIS A PARTIR DA OBRA DE RICARDO L.

    LORENZETTI

    Thas G. Pascoaloto Venturi1

    Sumrio: 1. O processo de tomada de decises; 1.1 A

    insuficincia do mtodo dedutivo; 1.2 O mtodo

    argumentativo; 1.3 As clusulas gerais; 2. Verificao dos

    fundamentos das decises judiciais; 3. Breves delineamentos

    acerca da Anlise Econmica do Direito; 4. Estudo de caso - o

    paradigma consequencialista na tomada das decises judiciais:

    aplicabilidade e limites no controle jurisdicional das polticas

    pblicas. 5. Referncias.

    1. O PROCESSO DE TOMADA DE DECISES

    A pluralidade de critrios e concepes pessoais das

    quais o intrprete lana mo no momento da aplicao ou

    concretizao do Direito revela uma notria indeterminao do

    1 Doutora e mestre em Direito das Relaes Sociais pela Universidade

    Federal do Paran. Professora de Direito Civil na Universidade Positivo e na

    Universidade Tuiuti do Paran. Professora do Programa de Ps-graduao em

    Direito Civil na UNICURITIBA. Estgio de doutoramento - pesquisadora Capes -

    na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal. Membro do Virada de

    Coprnico grupo interinstitucional de pesquisa e estudo de Direito Civil. Membro do

    Conselho Editorial da Revista Cadernos da Escola de Direito da UNIBRASIL.

    Membro da Comisso de Ensino Jurdico da OAB/PR. Advogada.

    [email protected]

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    processo de tomada de decises judiciais.

    Por um lado, preconiza-se com cada vez maior

    frequncia a necessidade de se desatrelar da literalidade do

    conjunto normativo, sugerindo-se que se ultrapassem os

    parmetros eleitos literalmente pelo legislador com o objetivo

    de se desvendar, com o necessrio dinamismo temporal,

    espacial e valorativo, o sentido e o alcance do Direito

    positivado. Em contrapartida, a aplicao do Direito baseada

    exclusiva ou precipuamente em uma anlise principiolgica

    certamente abre a oportunidade para decises judiciais

    fundadas em alto grau de subjetividade, resumindo-se, assim,

    muitas vezes, a concretizao do Direito por via da assuno de

    valores essencialmente pessoais do julgador.2

    O mtodo formalista est diretamente ligado a uma regra

    ou a um princpio que ser aplicado pelo juiz para fundamentar

    a sua deciso, mas, que na maior parte dos casos, se demonstra

    insuficiente para a resoluo do caso concreto.

    Afastando-se de uma postura formalista, seria possvel

    admitir que as mudanas so permanentes e que o juiz no tem

    como se dissociar da realidade social em que opera. Assim, o

    ordenamento jurdico no seria pleno e as lacunas deveriam ser

    preenchidas por meio de critrios prprios.3

    Mas como ento definir e delimitar o alcance dos

    referidos critrios?

    Seria possvel sustentar que ao aplicador do Direito

    incumbe no apenas o papel de integrao do sistema por meio

    das clusulas abertas, mas, sobretudo, a responsabilidade

    indissocivel de auferir o impacto geral e especial que suas

    decises podem produzir no apenas para o caso concreto, mas,

    tambm, para toda a sociedade. A partir dessas

    perspectivas, sustenta LORENZETTI a existncia de uma 2 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 33. 3 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 170.

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    Babel jurdica, na qual os conflitos no tm uma linguagem comum para sua resoluo, e em que os debates se parecem

    com uma guerra de posies irredutveis entre grupos que

    pensam que a nica sada ganhar ou perder4. O intrprete para o caso concreto passou a desempenhar

    um papel cada vez mais relevante. Ao juiz reconhecido um

    papel de verdadeiro protagonista, na formao criativa da

    jurisprudncia, fundado e fundamentando a prpria doutrina.5

    A partir dessas perspectivas, parece imprescindvel

    verificar como uma anlise verdadeiramente consequencialista

    das decises judiciais pode contribuir no apenas para a

    revelao dos critrios utilizados pelos magistrados, mas,

    sobretudo, para a efetividade, razoabilidade e

    constitucionalidade da resposta jurisdicional aos conflitos

    concretos, delimitando-se as bases axiomticas do raciocnio

    jurdico por meio de um processo de identificao de fontes e

    normas fundamentais.6

    1.1 A INSUFICINCIA DO MTODO DEDUTIVO

    Comumente, o processo de justificao das decises

    judiciais se d por meio do mtodo dedutivo. Inicialmente,

    identifica-se a norma a partir de um conjunto de premissas

    jurdicas vlidas das quais se extrai um enunciado normativo

    geral. Em seguida, delimita-se o suporte ftico que dever ter

    sentido jurdico7 e, por fim, faz-se o juzo de qualificao,

    4 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p.33. 5 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p.43. 6 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p.44. 7 De acordo com Fernando NORONHA fatos antijurdicos so os fatos que se colocam em contradio com o ordenamento, afetando negativamente quaisquer

    situaes que eram juridicamente tuteladas. (...) A antijuridicidade, quer diga

    respeito a um fato humano, quer a um fato natural, dado de natureza objetiva:

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    passando o juiz a analisar o suporte ftico e sua

    correspondncia com o elemento normativo solucionando a

    questo mediante deduo.8

    Ocorre que, em que pese representar a frmula mais

    tradicional de embasamento das decises judiciais, o mtodo

    puramente dedutivo demonstra-se insuficiente em razo da

    natural abertura e complexidade do sistema que, portanto,

    revela-se permeado de incoerncias, tais como: i) a

    ambiguidade da norma, deixando o intrprete diante de uma

    zona de penumbra em que necessariamente dever optar entre

    as vrias alternativas de interpretao9; ii) a existncia de

    clusulas abertas que no se referem a nenhum elemento ftico

    especfico, dificultando a aplicao do mtodo dedutivo; iii) a

    questo da justeza da lei, na medida em que um dos

    pressupostos da justia formal a neutralidade moral, isto ,

    ainda que a lei seja formalmente vlida, mas materialmente existe quando o fato (ao, omisso, fato natural) ofende direitos alheios de modo

    contrrio ao ordenamento jurdico. Direito das Obrigaes: fundamentos do direito das obrigaes: introduo responsabilidade civil, v. 1, 2 ed. re. e atual, So

    Paulo: Saraiva, 2007. p. 469. 8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 171. 9 Nesse sentido, de acordo com Maria Cndida do Amaral KROETZ e Thas

    G. Pascoaloto VENTURI, a problemtica em torno do Superior Tribunal de Justia

    ao contornar o bice da Smula 7 (a pretenso de simples reexame de prova no enseja recurso especial) quando se prope a controlar o valor das indenizaes por danos extrapatrimoniais fixados nas instncias ordinrias, sem que com isso

    reexamine matria ftica e extrapole sua competncia recursal. Assim, estando assente o fato de que para o cabimento de recurso especial indispensvel a

    violao ao direito federal que constitua uma questo de direito, porque apenas as

    questes de direito esto sujeitas ao controle do STJ, torna-se indispensvel

    delimitar o contedo entre questo de fato e questo de direito. (...) No entanto, a

    questo da adequao do valor das indenizaes por danos extrapatrimoniais pelo

    STJ parece configurar tipicamente uma questo mista porque implica o exame do

    substrato ftico para conform-lo a um conceito jurdico muito fluido que o valor

    da justa compensao para aquela hiptese em concreto. O papel do Superior Tribunal de Justia na reviso das indenizaes por danos extrapatrimoniais. In:

    Apontamentos crticos para o direito civil brasileiro contemporneo. Eroulths

    Cortiano Junior, Jussara Maria Leal de Meirelles, Luiz Edson Fachin e Paulo Nalin

    (coord.) Curitiba: Juru, 2008, p. 71 e ss.

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    injusta, ela deveria ser aplicada.

    Evidentemente que tais referidas incoerncias e

    imperfeies tcnicas no autorizam o magistrado a

    simplesmente afastar-se da aplicao da lei, mas, sim, afastar

    sua interpretao literal.10

    1.2 O MTODO ARGUMENTATIVO

    Em muitas situaes, em razo da complexidade do caso,

    a tarefa do aplicador do Direito no pode restringir-se

    subsuno do fato norma, na medida em que se torna

    imprescindvel um raciocnio argumentativo.

    A teoria da argumentao, nessa medida, pode ser

    explicada a partir da tpica jurdica em que os argumentos so

    formulados a partir de princpios gerais e da jurisprudncia que

    apresenta certo consenso nas solues dos casos, mas sem a

    pretenso de que o consenso chegue a ser uma forma de

    legitimao das decises judiciais.11

    A teoria da argumentao jurdica pode, ainda, estar

    vinculada ao discurso, em que se busca a adeso do auditrio

    por meio de uma argumentao destinada a um setor especfico

    (auditrio particular) e uma argumentao destinada a um

    pblico universal (auditrio universal), baseada em argumentos

    generalizantes.12

    Os argumentos generalizveis demonstram-se eficazes na

    medida em que se torna possvel convencer a todos da

    legitimidade das razes utilizadas pelo operador do Direito,

    pois um modelo que permite que o juiz desenvolva as razes para uma deciso particular e as controle com referncia na sua

    10 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 175-176. 11 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 176-177. 12 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 176-177.

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    capacidade para convencer o auditrio universal13. Para LORENZETTI, a adoo de uma posio

    intermediria entre o mtodo dedutivo e o argumentativo seria

    o mais adequado, visto que prescindir de um deles redundaria

    no indevido e indesejado aumento do nvel de incerteza das

    decises judiciais.14

    1.3 AS CLUSULAS GERAIS

    Merece especial destaque a temtica referente s

    clusulas gerais, na medida em que passam a permitir ao

    intrprete uma necessria flexibilidade para encontrar a soluo

    mais adequada para o caso em anlise, admitindo-se mais de

    uma interpretao para determinada regra de conduta.

    As clusulas gerais, dentre outros efeitos, propiciam um

    intercmbio entre os vrios sistemas sociais existentes,

    permitindo a interpenetrao do Direito com outros sistemas

    sociais.15

    As discusses acerca da interpretao, aplicao e

    alcance das clusulas gerais permeiam no apenas o direito

    privado contemporneo, mas o ordenamento jurdico como um

    todo.

    Como orienta TEPEDINO,

    O legislador atual procura associar a seus

    enunciados genricos prescries de contedo

    completamente diverso em relao aos modelos

    tradicionalmente reservados s normas jurdicas.

    Cuida-se de normas que no prescrevem uma certa

    conduta, mas, simplesmente, definem valores e

    13 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p.177. 14 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 178. 15 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 173-174.

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    parmetros hermenuticos. Servem assim como

    ponto de referncia interpretativo e oferecem ao

    intrprete os critrios axiolgicos e os limites para

    aplicao das demais disposies normativas.16

    A concreo das clusulas gerais um dos grandes

    desafios a serem enfrentados pelos magistrados, aos quais

    incumbe prioritariamente a tarefa de lhes conferir sentido e significado. Caber ao magistrado levar em conta a generalidade da norma e, concomitantemente, individualiz-la

    com base nas plurais circunstncias envolvidas no caso

    concreto.17

    Ressalta-se, nesse passo, que no se trata apenas de uma

    multiplicidade de decises possveis a partir da interpretao

    do magistrado, como destaca MIRAGEM: A atuao do juiz no se d como mero ato de autoridade, mas a argumentao e

    convencimento quanto ao contedo e intensidade da sua

    interveno na relao jurdica das partes18. O comprometimento da segurana jurdica, derivado do

    alto grau de incerteza e de liberdade conferidas ao intrprete e

    aplicador do Direito, uma das principais crticas formuladas

    contra a adoo e aplicao das clusulas gerais. A prerrogativa

    de dar significados aos elementos do caso concreto, em

    contraposio ao tradicional mtodo dedutivo, traria

    insegurana jurdica ao sistema em razo de uma suposta imprevisibilidade.19 16 TEPEDINO, Gustavo. Crise das fontes normativas e tcnica legislativa na

    parte geral do Cdigo Civil de 2002, in: Gustavo Tepedino (Org.), A parte geral do

    novo Cdigo Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 18-19. 17 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:

    nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao

    das clusulas gerais, in Claudia Lima Marques (coord.), A nova crise do contrato Estudos sobre a nova teoria contratual, So Paulo: RT, 2007, p. 187. 18 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:

    nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao

    das clusulas gerais, cit., p. 188. 19 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:

    nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao

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    Rebatendo referida crtica, pode-se sustentar que o dever

    de fundamentao por parte dos magistrados, aliado prpria

    forma de ser do sistema recursal (que sujeita as decises

    eventual reviso pelas instncias superiores), representariam

    um modo de controle da utilizao das clusulas gerais.

    Como explica MIRAGEM,

    A leitura do princpio da segurana jurdica,

    supostamente comprometido na viso dos crticos

    da utilizao das clusulas gerais, no pode ser

    feita apenas em vista da ideia de previsibilidade do

    resultado de aplicao da lei. Sem desconsiderar a

    importncia de que a atuao do juiz seja previsvel

    (e o ser tambm por intermdio do sistema de

    recursos, dos esforos da doutrina, da formao de

    entendimentos uniformes), h tambm de se

    considerar como incorporado ao princpio da

    confiana, que a deciso judicial efetiva (uma

    deciso justa) e que no permita resguarda-se em

    aspectos jurdico-formais ou mesmo na malcia de

    quem viola o direito alheio, a existncia de

    decises que, a par de no dar razo a quem, por

    regras de experincia de vida se reconhece ter

    razo, compromete a confiana no sistema, na

    efetividade da lei e do Poder Judicirio.20

    As clusulas normativas gerais propiciam a todo o

    sistema (e, prioritariamente, ao juiz) a possibilidade de um

    abrandamento ou da necessria flexibilizao do mtodo

    dedutivo-formalista, ao conferir ao intrprete a chance de

    amoldar e justificar legitimamente o seu julgamento com base

    nas inerncias do caso concreto.

    A partir disso, o questionamento passa a ser acerca dos das clusulas gerais, cit., p. 192. 20 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:

    nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao

    das clusulas gerais, cit., p. 193.

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    efeitos das clusulas gerais, especificamente no que tange ao

    seu alcance e eficcia, no no sentido de generalizao de sua

    aplicao, mas, sim, na medida em que isoladamente o

    magistrado passa a ter a prerrogativa de utiliz-la para a

    obteno de uma deciso justa.

    Nesse sentido, para auferir o grau de vinculao que os

    julgamentos guardariam com o sistema normativo, poder-se-ia

    pensar em dois desdobramentos: primeiramente, na

    responsabilidade do magistrado ao julgar, j que este possuiu

    ao seu dispor determinadas clusulas abertas; em segundo

    lugar, na avaliao do(s) impacto(s) da deciso no apenas

    entre as partes, mas para alm delas.

    2. Verificao dos fundamentos das decises judiciais

    Na verificao dos fundamentos e da legitimidade da

    deciso judicial, sustenta LORENZETTI a necessidade da

    anlise da sua consistncia (que implicaria um olhar para trs), de sua coerncia (consubstanciado em um olhar para cima) e de suas consequncias (pautado em um olhar para frente).21

    A primeira verificao, a respeito da consistncia do

    julgamento, estaria baseada essencialmente na aplicao das

    regras jurdicas, com vistas a proporcionar igualdade aos casos

    anlogos e segurana jurdica ao trazer estabilidade ao Direito.

    Para LORENZETTI, em ltima anlise, a consistncia estaria

    pautada nos precedentes judiciais que estabeleceram regras jurdicas para os casos com elementos de fato similares. 22

    Assim, os precedentes proporcionariam s partes a crena

    de igualdade perante a lei, na medida em que para os casos

    semelhantes a soluo deveria ser a mesma, isto , o sistema 21 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 160-161. 22 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 161.

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    seria previsvel nessas hipteses. Ressalta-se que se o intrprete

    operador optar pelo afastamento do respectivo precedente,

    caberia a ele o nus de argumentao justificativa de mudana. Caso contrrio, correria o risco de sua sentena ser considerada arbitrria.

    23

    A segunda verificao, a respeito da coerncia das

    decises, preocupar-se-ia com a harmonizao das regras,

    buscando uma maior satisfao possvel, na medida em que h

    uma pluralidade de fontes na atualidade, sendo as regras gerais

    que estabelecem os padres de coerncia ao sistema jurdico.

    Para LORENZETTI deve ser realizado um dilogo das fontes, o que implica numa rdua tarefa do interprete que tem de harmonizar as leis, os costumes, a Constituio, os tratados.24

    importante destacar a dificuldade em se realizar essa

    interpretao harmnica em determinado caso concreto,

    buscando no apenas as ferramentas existentes, mas as

    apropriadas para um juzo de ponderao efetivo.

    Por fim, a terceira verificao necessria diz respeito ao

    paradigma consequencialista propriamente dito.25

    A anlise consequencialista tem por escopo as

    consequncias jurdicas ou econmico-sociais que uma

    determinada deciso pode produzir no futuro. dizer que deve ser estudado claramente o tipo de regra de conduta que se

    est criando pela deciso, e como ser observado pelos

    cidados no futuro.26 Trata-se, em resumo, de uma anlise ao mesmo tempo

    particular e geral a respeito dos efeitos produzidos (efetiva ou 23 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 164. 24 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 211. 25 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 160-161. 26 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 186.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4363

    potencialmente) por uma determinada deciso, com eventual

    repercusso sobre toda a sociedade, ainda que de forma

    mediata, e no apenas em relao s partes envolvidas no caso.

    Sendo assim a deciso adotada um incentivo para as futuras condutas das partes no envolvidas no pleito.27

    Com efeito, a anlise consequencialista exerce uma ntida

    funo de controle quanto justeza e o impacto econmico-

    social provocado por determinada deciso.

    Nesse contexto, torna-se necessrio o exame de alguns

    fundamentos da anlise econmica do direito, como

    instrumental terico apto ao estudo da anlise

    consequencialista das decises judiciais.

    3. BREVES DELINEAMENTOS ACERCA DA ANLISE

    ECONMICA DO DIREITO

    A anlise econmica dos institutos jurdicos leva em

    conta, fundamentalmente, a ideia segundo a qual os sujeitos

    podem ser estimulados ou desestimulados, por meio das

    normas jurdicas, a praticarem condutas que sejam socialmente

    desejveis ou indesejveis, respectivamente.

    De igual forma, os efeitos de uma deciso judicial podem

    servir como incentivos ou desincentivos para a regncia da

    conduta humana.28

    Assim, tomando como pressuposto as relaes de

    causalidade, a metodologia econmica passa a avaliar o

    impacto social produzido por uma determinada norma jurdica

    ou deciso judicial em um contexto geral, mas sem

    desconsiderar eventos externos que possam influenciar na

    situao ftico-normativa.

    27 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p 162. 28 ARAJO, Fernando. Anlise econmica do direito: programa e guia de

    estudo. Coimbra: Almedina, 2008, p. 22 e ss. E, ainda, acerca do tema, a obra do

    referido autor: Teoria Econmica do Contrato, Coimbra, Almedina, 2007.

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    A partir dessa anlise torna-se possvel avaliar a

    efetividade da referida norma ou deciso, com o intuito de

    orientar no somente a dogmtica jurdica, mas tambm a

    fixao de critrios para uma poltica legislativa eficiente.29

    Nada obstante, se um dos pressupostos essenciais sobre

    os quais se funda a Anlise Econmica do Direito liga-se ao

    princpio da eficincia, no se podem desconsiderar outros

    pressupostos, que envolvem a prpria racionalidade

    econmica, sob pena de enquadrar o tema a um reducionismo

    terico.

    Do mesmo modo, no se pretende enquadrar as relaes

    jurdicas a uma anlise puramente econmica, com o intuito de

    filtrar as normas jurdicas ou as decises judiciais mediante um

    critrio puramente de eficincia, tornando-se imprescindvel

    delimitar-se at que ponto ser possvel sustentar um raciocnio

    jurdico embasado em um instrumental terico da economia,

    uma vez que a prestao jurisdicional fundamentada em

    inmeros outros valores.

    Nesse sentido, torna-se necessrio apresentar algumas

    distores hermenuticas utilizadas para criticar essa escola, tais como: a) a interpretao liberal: identificar a anlise econmica com a interpretao liberal da economia, que

    sustenta que o direito tem uma importncia menor, de

    facilitao e no regulatria; que a desregulao necessria a

    fim de se superar a rigidez, e que s o mercado tem aptido

    para atribuir bens e direitos; b) a interpretao absurda: a ideia de que a anlise econmica sinnima da diminuio dos

    custos; c) a interpretao interessada e a propagandstica: as simplificaes dogmticas no so boas nem srias, e descuidam da complexidade que expe a aplicao de modelos

    em realidades distintas; d) a interpretao messinica: deve-se lograr a justia e combater o mercado, sem dizer como seria

    29 ARAJO, Fernando. Anlise econmica do direito: programa e guia de

    estudo, cit., p. 31-34.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4365

    alcanado este propsito. A afirmao de objetivos com

    despreocupao do estudo dos meios para alcan-los nos leva

    a um direito declarativo, sem aplicao real, com grandes

    prejuzos para os dbeis do mundo social.30 No obstante os fundamentos da Anlise Econmica do

    Direito constiturem um instrumental terico capaz de

    implementar o estudo das consequncias, no se pode

    desconsiderar a imposio de limites31

    para a aplicabilidade da

    referida teoria, tais como: a delimitao da teoria da escolha

    racional que dever ser complementada, visto que os homens podem atuar com menos previso do que aquela que o modelo

    do homem racional considera. isso justamente o que mostra o

    modelo de Coase: o vazio de racionalidade do mundo real.32 Assim, a racionalidade da ao humana no seria um axioma

    inquestionvel.33

    Um segundo aspecto limitativo dos fundamentos da 30 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p.187-189. 31 Acerca das crticas formuladas Anlise Econmica do Direito, consultar

    Fernando ARAJO. Anlise econmica do direito: programa e guia de estudo, cit.,

    p. 27-31. 32 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 206. 33 Com preciso Fernando ARAJO esclarece que a Anlise Econmica do

    Direito tem como corolrio a teoria comportamentalista (Behavioral theory) centrada

    na Teoria da Escolha Racional baseada na convico de que a conduta humana tende para a maximizao racional dos fins. Adverte o autor acerca de uma concepo nominalista da referida teoria que exclui as atitudes solidrias e altrustas,

    mas, em contrapartida, explica: A Anlise Econmica do Direito, convocada pelas necessidades de adensamento referencial, tem evoludo na incorporao (sem

    hesitaes, refira-se) das referncias do psicologismo, nomeadamente da

    racionalidade limitada e da necessidade de heurstica (a necessidade de explicitao

    dos processos atravs dos quais a informao em bruto distribuda e classificada),

    dadas as implicaes cognitivas de factores como a complexidade e a ambiguidade,

    compaginando afinal as suas prprias teses com a crescente constatao emprica

    (mormente experimental) dos viezes cognitivos e dos erros sistmicos. Afirma, ainda, acerca da presso no sentido de se reverem conceitos basilares como o de ou de com fundas implicaes em reas como a

    da responsabilidade civil ou a do direito processual (...), .Anlise econmica do direito: programa e guia de estudo, cit., p. 23-27.

  • 4366 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7

    anlise econmica refere-se despreocupao com a ao

    coletiva, em que determinadas regras que so pertinentes a

    ao individual so incompatveis com uma concepo

    coletiva.34

    Diante de um panorama descrito por LORENZETTI

    como a era da desordem, caracterizada pela abertura do sistema, por uma pluralidade de fontes, pelo nmero crescente

    de conceitos indeterminados que redundam em uma variedade

    de critrios de julgamentos, o papel do intrprete passa ser o de

    reconstruir o direito do caso mediante um processo de seleo de leis, costumes, ordenanas, normas constitucionais,

    princpios, valores.35 A preocupao com o processo de tomada de decises e

    com a efetividade das respostas jurisdicionais torna premente a

    busca por novos paradigmas que se prestem a fundamentar

    idoneamente e dar novos contornos aos institutos jurdicos,

    ainda que essa busca por novas formas de tutela nas relaes

    privadas venha a se valer de elementos que transcendem a

    rbita jurdica, mediante concepes metajurdicas.

    4. ESTUDO DE CASO - O PARADIGMA

    CONSEQUENCIALISTA NA TOMADA DAS DECISES

    JUDICIAIS: APLICABILIDADE E LIMITES NO

    CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLTICAS

    PBLICAS

    No difcil perceber que toda deciso judicial envolve,

    em maior ou menor grau, a depender da espcie de conflito

    levado resoluo estatal, escolhas que afetam no apenas as

    partes formalmente envolvidas no conflito (se referente a

    direitos puramente individuais), mas, por vezes, parcela 34 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 204-298. 35 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 359.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4367

    expressiva da coletividade ou toda ela (hiptese comum s

    aes coletivas de tutela de direitos coletivos e difusos).

    Assim, v.g., seja em sede de ao de cobrana de

    alugueres atrasados (com discusso sobre a penhorabilidade do

    bem de famlia do fiador), seja em ao civil pblica pela qual

    se discuta a responsabilidade civil por poluio ambiental, as

    consequncias sociais, econmicas e polticas das decises

    certamente ou muito provavelmente transcendero o interesse

    das partes formalmente presentes em juzo.

    Em qualquer dessas hipteses, a anlise econmica do

    Direito ocupa funo cada vez mais frequente e necessria,

    sobretudo no que diz respeito ao auxlio da tomada das

    decises judiciais, sobretudo quando se considera a prpria

    forma de ser das relaes intersubjetivas da sociedade do

    sculo XXI, essencialmente interligadas, quando menos, por

    todos serem considerados real ou virtualmente consumidores de algo e, portanto, dependentes direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente -, do que se passa com a vida do

    outro.

    Na verdade, possvel afirmar que a anlise jurisdicional

    pautada e ponderada entre as contraditrias aspiraes do

    homem racional cotejadas quelas do homem razovel, por via

    dos diversos paradigmas descritos por Lorenzetti36

    , no apenas

    tolerada como foi inclusive incentivada, seja pelo legislador

    constitucional como pelo legislador infraconstitucional, na

    medida em que passou a, gradativamente, utilizar frmulas

    abertas e conceitos jurdicos indeterminados quando da

    previso do exerccio dos direitos.

    De fato, e s para se ilustrar tal afirmao, o constituinte

    brasileiro de 1988 no se utilizou gratuitamente de referidas

    36 Conforme a anlise de LORENZETTI, as decises judiciais fundam-se em

    seis grandes paradigmas: o de acesso aos bens jurdicos primrios, o protetivo, o

    coletivo, o consequencialista, o do Estado Constitucional e o ambiental, Teoria da

    deciso judicial: fundamentos de direito, cit., p. 227-353.

  • 4368 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7

    frmulas para garantir o direito de propriedade37

    (funo social da propriedade - art. 5, XXIII e art. 170, III) e ao bem-estar social (existncia digna e bem estar e justia social - art. 170, caput e art. 193). Da mesma forma, o legislador

    responsvel pela edio do Cdigo Civil de 2002 no

    consagrou inutilmente a funo social do contrato (art. 421), a

    boa-f objetiva (arts. 113, 187 e 422), a onerosidade excessiva

    (art. 478) e os bons costumes (arts. 13, 122 e 187), por via de

    conceitos abertos.

    Perceba-se que a perspectiva da qual parte o novo legislador deriva da queda da iluso e da utopia da existncia de um sistema jurdico absolutamente lgico e fechado, dentro

    do qual seria sempre possvel previrem-se solues gerais e

    timas, independentemente de uma anlise emprica lastreada

    por valoraes necessariamente dinmicas a respeito da

    consagrao e do exerccio dos direitos.

    Mais. Dentro de uma concepo ps-positivista e de

    Estado Constitucional Social Democrtico de Direito (como

    pretende ser o brasileiro), parte-se da premissa de que no

    incumbe to somente ao jurista a revelao das palavras da lei, mas, antes, a compreenso crtica da lei em face da Constituio, para fazer surgir uma projeo ou cristalizao da

    norma adequada, que tambm pode ser entendida como

    conformao da lei38. A partir de ento, abre-se espao para uma anlise

    judicial que deve se pautar em parmetros consequencialistas e,

    por seguimento, econmicos, no intuito de ponderar a melhor

    escolha decisria oportunizada por uma multiplicidade de 37 Sobre o tema consultar Eroulths CORTIANO JUNIOR., O discurso

    jurdico da propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 38 Segundo Luiz Guilherme MARINONI, essa transformao da cincia jurdica, ao dar ao jurista uma tarefa de construo e no mais de simples revelao -, confere-lhe maior dignidade e responsabilidade, j que dele se espera

    uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituio, ou seja, aos

    projetos do Estado e s aspiraes da sociedade. Teoria Geral do Processo, So Paulo: RT, 2007, p. 46.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4369

    alternativas derivadas da abertura do sistema jurdico.

    Dentre os inmeros casos de aplicao do raciocnio

    econmico-consequencialista pelo Poder Judicirio, talvez os

    mais evidentes estejam relacionados com a chamada

    judicializao das polticas pblicas, ou melhor, as possibilidades e os limites do controle jurisdicional a respeito

    da implementao e da assegurao dos mais diversos direitos

    fundamentais essenciais.

    A temtica das polticas pblicas (inerentes sade,

    segurana, educao e bem-estar social) constitui assunto

    extremamente relevante e complexo, de enorme repercusso,

    sobretudo no mbito de ordenamentos jurdicos que, a exemplo

    do brasileiro, prevem expressamente o dever de o Estado

    garantir, com eficincia, universalidade e igualdade, todas as

    condies para viabilizar um mnimo existencial aos cidados

    39.

    Precisamente em tal rico debate possvel identificar,

    com bastante clareza, os paradigmas que acabam permeando

    no s a discusso cientfica, mas, acima de tudo, o

    fundamento das prprias decises judiciais.

    Neste particular, o plenrio do Supremo Tribunal

    Federal, instado a decidir pedidos de suspenso de eficcia de

    provimentos liminares40

    que ordenavam ao Poder Pblico as

    mais diversas prestaes necessrias preservao da vida e da

    sade perseguidas em aes individuais e coletivas (tais como

    o fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares,

    rteses e prteses, criao de vagas em UTIs e leitos

    39 Saliente-se, neste particular, que a Constituio Federal brasileira no

    apenas prev expressamente a existncia e o contedo dos direitos fundamentais

    individuais e sociais (artigos 5 e 6, respectivamente), como determina que os

    direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata e direta (art. 5, 1).

    Acerca do assunto consultar a obra de Luiz Edson FACHIN. Estatuto

    Jurdico do Patrimnio Mnimo. 2 ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar,

    2006. 40 VENTURI, Elton. Suspenso de liminares e sentenas contrrias ao poder

    pblico, 2.ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

  • 4370 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7

    hospitalares, contratao de servidores da sade, realizao de

    cirurgias e exames, custeio de tratamentos mdicos fora do

    domiclio, inclusive no exterior),41

    teve a oportunidade de

    analisar, preliminarmente, justamente a prpria viabilidade

    constitucional de o Poder Judicirio imiscuir-se no controle de

    polticas pblicas envolvendo o sistema de sade pblica.

    Objetivando o julgamento de tais casos, o Supremo

    Tribunal Federal promoveu, inclusive, audincia pblica na

    qual foram ouvidos 50 especialistas, entre advogados,

    defensores pblicos, promotores e procuradores de justia,

    magistrados, professores, mdicos, tcnicos de sade, gestores

    e usurios do sistema nico de sade, no intuito de se obter

    informaes de toda ordem (sobretudo mdicas,

    administrativas e econmico-financeiras).

    Com base nos dados colhidos, a Suprema Corte nacional

    acabou ponderando a respeito das consequncias globais da

    destinao de recursos pblicos para beneficiar apenas os

    indivduos autores das aes judiciais.42

    Nos casos avaliados, decidiu-se por manter a eficcia

    mandamental dos provimentos que ordenavam prestaes por

    41 Agravos Regimentais nas Suspenses de Liminares ns 47 e 64, nas

    Suspenses de Tutela Antecipada ns 36, 185, 211 e 278, e nas Suspenses de

    Segurana ns 2361, 2944, 3345 e 3355. 42 Destacam-se do voto do relator de referidos pedidos de suspenso,

    Ministro Gilmar Ferreira Mendes, as segiontes passagens: Se por um lado, a atuao do Poder Judicirio fundamental para o exerccio da efetiva cidadania, por

    outro, as decises judiciais tm significado um forte ponto de tenso entre os

    elaboradores e os executores das polticas pblicas, que se vem compelidos a

    garantir prestaes de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes

    com a poltica estabelecida pelos governos para a rea da sade e alm das

    possibilidades oramentrias (...). Nesse aspecto, no surpreende o fato de que a

    problemtica dos direitos sociais tenha sido deslocada, em grande parte, para as

    teorias da justia, as teorias da argumentao e as teorias econmicas do direito (...).

    Assim, a garantia judicial da prestao individual de sade, prima facie, estaria

    condicionada ao no comprometimento do funcionamento do Sistema nico de

    Sade (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de

    forma clara e concreta, caso a caso (STA 175 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076, div. 29-04-2010, pub. 30.4.2010).

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4371

    parte do Poder Pblico na rea da sade, uma vez no

    demonstrados suficientemente a grave leso ordem, sade, segurana ou economia pblica, justamente o fundamento da irresignao do Poder Pblico

    43.

    possvel observar, a partir dos fundamentos da deciso

    ora comentada, claramente o contraste entre os paradigmas

    protetivo e consequencialista, a demonstrar, a um s tempo,

    no s a relevncia como tambm os limites da anlise

    econmica do Direito.

    De fato, a se tomar em considerao to somente a

    racionalidade econmica, nenhum ou pouco sentido haveria no

    dispndio de vultosos recursos econmicos para fazer frente s

    necessidades de proteo sade e vida de um ou de poucos

    indivduos, sobretudo em um contexto de presumida ou

    presumvel escassez de recursos pblicos a suscitar a aplicao

    da chamada reserva do possvel.44 Como analisa BARROSO em notvel artigo sobre a

    judicializao de polticas pblicas,

    43 Nesse sentido, esclarece Elton VENTURI: O fundamento referente grave leso da ordem pblica, dentre os expressamente mencionados, induz conceito

    profundamente indeterminado, motivo pelo qual, talvez, seja genrica e

    constantemente empregado nas pretenses de sustao de decises contrrias ao

    Poder Pblico. E, continua: para a compreenso do significado, extenso e profundidade da expresso ordem pblica: legitimamente, o que se busca tutelar o

    regime jurdico dos pedidos de suspenso a chamada ordem pblica

    administrativa, vale dizer, a ordinria prestao das essenciais atividades estatais

    constitucional e legalmente estabelecidas. Suspenso de liminares e sentenas contrrias ao poder pblico, cit., p.138-140. 44 Conforme sintetiza Rogrio Gesta LEAL, No momento em que a Constituio Federal de 1988 dispe, em seu art.196, que a sade direito de todos e

    dever do Estado, garantindo mediante polticas sociais e econmicas que visem

    reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s

    aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao, no h como negar que

    tal dever relacional e condicionado garantia de acesso universal e igualitrio (a

    todos) das aes consectrias nesta direo. Isso significa, salvo melhor juzo, que

    qualquer poltica pblica, ou ao preventiva e curativa, necessitam levar em conta a

    demanda global que envolve tais interesses, sob pena de atender uns e desatender

    muitos, Impactos econmicos e sociais das decises judiciais: aspectos introdutrios, Braslia: ENFAM, 2010, p. 250.

  • 4372 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7

    No contexto da anlise econmica do direito,

    costuma-se objetar que o beneficio auferido pela

    populao com a distribuio de medicamentos

    significativamente menor que aquele que seria

    obtido caso os mesmos recursos fossem investidos

    em outras polticas de sade pblica, como o

    caso, por exemplo, das polticas de saneamento

    bsico de construo de redes de gua potvel.45

    Todavia, quando o Poder Judicirio se defronta com

    pedidos de controle da execuo de polticas pblicas de

    garantia de direitos subjetivos individuais fundamentais,

    referida racionalidade econmica, seno afastada,

    evidentemente contrastada pela lgica da razoabilidade, a

    envolver necessria ponderao, caso a caso, por via da

    aplicao do critrio de proporcionalidade.46

    Isto porque, como bem salienta LORENZETTI,

    No postulamos uma homologao das leis

    econmicas por parte do direito. O homem no tem

    s uma dimenso de largura, que quantificvel;

    tambm h uma dimenso de profundidade, que

    irredutvel a fixaes exatas; o campo do normativo

    especialmente este ltimo aspecto. O direito tem 45 BARROSO, Luiz Roberto. Da falta de efetividade judicializao

    excessiva: direito sade, fornecimento gratuito de medicamentos e parmetros para

    a atuao judicial, in: Revista Interesse Pblico, n 46, p. 31-62,2007, acessvel pelo

    endereo

    eletrnico:http://www.lrbarroso.com.br/web/pt/profissionais/advogados/roberto . 46 O princpio da proporcionalidade, segundo Roberto ALEXY, envolve uma

    avaliao discricionria, por parte do interprete, que deve sopesar a adequao, a

    necessidade, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito dos interesses

    fundamentais em jogo, Teoria dos Direitos Fundamentais, So Paulo: Malheiros,

    2008, p. 584-610.

    E, ainda, como afirma LORENZETTI: A anlise econmica se apresenta ao direito como um sistema de incentivos a um homem que responde segunda a

    conquista do seu prprio interesse. Este tem base no condutivismo psicolgico, que

    estuda profundamente esse aspecto da personalidade, mas h muitas outras

    motivaes distintas do egosmo, como o altrusmo, a solidariedade, que escapam

    desse esquema, Teoria da deciso judicial: fundamentos de direito, cit. p. 205.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4373

    aspiraes, postula um dever ser, e por isso se vale

    da lgica dentica, que no comum em outras

    cincias descritivas. Por essa razo, interagem os

    modelos do homem racional e do homem razovel,

    corrigindo-se mutuamente e expressando os

    mbitos das leis baseadas no quantitativo e o

    direito. 47

    Assim, se por um lado o paradigma consequencialista

    poderia implicar a negativa de atendimento a pleitos

    individuais, por suposto comprometimento do atendimento ao

    sistema geral de sade pblica, pois o seu ncleo estruturante

    a anlise das consequncias pblicas das aes privadas, o paradigma protetivo, ao contrrio, imporia a prestao da

    tutela individual, no intuito de garantir a proteo da pessoa

    que seu princpio estruturante, priorizando os resultados

    imediatos, s custas, muitas vezes, da isonomia que se espera

    derivar da salvaguarda do interesse de todos em mbito

    universal.48

    5. REFERNCIAS

    ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. So

    Paulo: Malheiros, 2008.

    ARAJO, Fernando. Anlise Econmica do Direito: programa

    e guia de estudo. Coimbra: Almedina, 2008

    ________. Teoria Econmica do Contrato. Coimbra:

    47 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 206. 48 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de

    direito, cit., p. 251-305.

  • 4374 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7

    Almedina, 2007.

    BARROSO, Luiz Roberto. Da falta de efetividade

    judicializao excessiva: direito sade, fornecimento

    gratuito de medicamentos e parmetros para a atuao

    judicial. In: Revista Interesse Pblico, n 46, p. 31-62,

    2007. Disponvel em

    http://www.lrbarroso.com.br/web/pt/profissionais/advoga

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    FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurdico do Patrimnio

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    Pascoaloto. O papel do Superior Tribunal de Justia na

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    Apontamentos crticos para o direito civil brasileiro

    contemporneo. Eroulths Cortiano Junior, Jussara Maria

    Leal de Meirelles, Luiz Edson Fachin e Paulo Nalin

    (coord.) Curitiba: Juru, 2008. LEAL, Rogrio Gesta. Impactos econmicos e sociais das

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    costumes: nova crise dos contratos e a reconstruo da

    autonomia negocial pela concretizao das clusulas

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    crise do contrato Estudos sobre a nova teoria

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    contratual. So Paulo: RT, 2007.

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    do direito das obrigaes: introduo responsabilidade

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